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A FILOSOFIA E A CIÊNCIA APROXIMAÇÕES E
DISTANCIAMENTOS
Resumo
No ensino de história e filosofia das ciências deparamo‐nos ONORATO JONAS FAGHERAZZI
com uma questão: qual é a relação existente entre a PPGEC FURG
filosofia e a ciência? Para tanto, observamos haver três onorato.fagherazzi@riogrande.ifrs.edu.br
diferentes posicionamentos. O primeiro sustenta que
ambas são a mesma coisa. Descartes era filósofo e cientista
ao mesmo tempo. O segundo, que a filosofia e a ciência não
possuem nenhuma relação. Há cientistas que não aceitam a
aproximação da ciência com a Filosofia. Stephen Hawking é
um deles. Contudo, após uma análise da própria História da
Filosofia da Ciência nos escritos de Koyré (1991), entre
outros filósofos e cientistas, somos convencidos de uma
terceira tese: a de que há uma relação complexa e
necessária entre elas. Isso não apenas por que a ciência se
nutre de uma teoria retórica e conceitual para sua própria
evolução, iniciada inevitavelmente por uma arte de
questionar e investigar; mas também, porque sua finalidade
precisa ser questionada e refletida, a fim de que não se
torne uma única verdade pela qual os homens possam ser
submetidos unicamente pelos valores das técnicas,
distantes de toda moralidade necessária à sobrevivência do
próprio homem em sociedade. Eis um nobre espaço da
Filosofia da Ciência, em sua perspectiva hipercrítica, a ser
analisado em prol do próprio bem comum.
Palavras‐chave: Filosofia. Educação em ciências. Filosofia da
Ciência.
X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.
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A FILOSOFIA E A CIÊNCIA APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS
ONORATO JONAS FAGHERAZZI
Introdução
Ao se ensinar ciências na disciplina de filosofia, num Instituto de Ciência e
Tecnologia, há um complexo caminho a se trilhar desde sua primeira temática: a da
relação da filosofia e da ciência. Por mais novo e amplo que seja esse debate, não há
como não fazê‐lo pela sua riqueza de dados, detalhes e configurar o próprio espaço da
Filosofia da Ciência ‐ em que ora se analisa em nossa tese doutoral.
Isso nos faz questionar: Seria a filosofia tão isolada da própria realidade a tal ponto
de ser possivelmente objetada pela cientificidade? Qual de fato é a relação existente
entre a filosofia e a ciência, sabendo que foram os grandes filósofos os primeiros
cientistas reconhecidos até pela obra organizada por Gillispie (2007) e escrita por diversos
professores do Massachusetts Institute of Technology? O heurístico espírito filosófico
poderia ser excluído de uma investigação científica? Qual – de fato – é a relação entre a
filosofia e a ciência? Filosofia e ciência ainda possuem alguma relação ou são áreas
distintas de diferentes saberes independentes um do outro? Atentando que a
contextualização e a definição de Filosofia da ciência é o primeiro capítulo de nossa tese,
no presente trabalho analisamos as possíveis relações entre a filosofia e a cientificidade:
um novo espaço de saberes a considerar.
Situando a Filosofia da Ciência
Renascendo das cinzas como Fênix, pela força maior da Lei nº 11.684 de 2008 que tornou
obrigatório o Ensino da Filosofia na educação básica de nível médio, basta tomar manuais
gerais de tal área para facilmente vermos destacado o seu envolvimento com a política, a
ética, a lógica e a gnosiologia. Na sua relação com a ciência, seu espaço é mais complexo,
a tal ponto de se ler numa dada tese: “os cientistas não precisam estudar filosofia da
ciência para saber como fazer ciência” (FREIRE‐MAIA, 1998, p. 33). Numa outra passagem
aparentemente paradoxal a anterior, encontramos: “a ciência e a filosofia encontram‐se
tão intimamente relacionadas entre si que, de fato, são a mesma coisa” (MORA, 2004, p.
457).
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[...] à relação entre a ciência e filosofia. Três respostas fundamentais são
possíveis a esse respeito: 1) a ciência e a filosofia carecem de qualquer
relação; 2) a ciência e a filosofia encontram‐se tão intimamente
relacionadas entre si que, de fato, são a mesma coisa; e 3) a ciência e a
filosofia mantêm entre si relações muito complexas.
Nas seções seguintes, solaparemos estas pistas filosóficas na ordem 2‐1 das
temáticas recém‐apontadas. Antes de analisarmos a 3ª delas, apresentaremos alguns
movimentos que buscam a reaproximação entre a filosofia e a ciência.
Da filosofia como uma ciência
A filosofia é identificada com a ciência nas suas origens pré‐modernas. Lembramos
que até a Revolução Científica de cada positividade, todas elas eram partícipes da
constituição da própria filosofia. Inicialmente, na origem pré‐moderna das cientificidades,
não havia distinção entre as diferentes ciências e a filosofia, uma vez que esta era até
reconhecida como a mãe das mesmas. E isto perdurou, “salva uma ou outra exceção, até
meados do século XIX” (SERRA, 2008, p. 4). De fato, muitas ciências como a Física, a
Química, a Biologia, a Sociologia, a Psicologia – e muitas outras – só se desmembraram da
filosofia há poucos séculos. Até aí, ciência e filosofia, em linhas gerais, eram a mesma
coisa. Isso até porque os próprios cientistas também se reconheciam como filósofos e a
ciência era vista como parte da mesma. A título de ilustração, lembramos que Pitágoras e
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Platão, além de filósofos, também eram exímios matemáticos. Aristóteles também era
biólogo, físico e astrônomo. Descartes, Pascal e Leibniz também eram matemáticos e
físicos, apresentando grandes contribuições a essas e outras áreas do conhecimento.
Marx também inventou a economia política. O título de uma das principais obras de
Newton era grafado com a palavra ‘filosofia’ em seu próprio título (SERRA, 2008). Hoje,
perdemos, em muito, essa semântica não só, pois as ciências evoluíram muito, mas por
sermos filhos de outra epistémê.
Dos autores que apresentam a filosofia enquanto ciência, lembramo‐nos de Hegel.
Embora Hegel n’A Fenomenologia do Espírito não tenha o problema de apresentar a
filosofia da ciência, mas sua doutrina sobre o percurso do espírito na trajetória da
consciência humana, já deixava clara a identidade delas no subtítulo da mesma: ‘ciência
da experiência da consciência’. Em outras duas obras também, ele deixa claro, sem fazer
nenhuma discussão com os saberes científicos da época, o posicionamento da filosofia
ser ciência até mesmo nos títulos de suas obras: Ciência da Lógica (1816) e Enciclopédia das
ciências Filosóficas (1817).
A filosofia, por consequência continuou sendo assim identificada à cientificidade,
como quando no período antigo, em que: Hipócrates é reconhecido como o pai da
medicina; Demócrito o pai da química; Sócrates sistematizou as raízes da psicologia;
Platão, a da política; Aristóteles, a lógica clássica; Heródoto, a história; Pitágoras e
Arquimedes, a matemática aplicada. Da Grécia aos nossos dias, um dos possíveis usos
daquele sistema de pensamento “não difere da ciência senão por constituir um estado
primitivo (ou preliminar) da atividade científica: a filosofia é, pois, uma fase da ciência”
(MORA, 2004, p. 457). Seguindo esse raciocínio, Serra (2008, p. 4) defende a filosofia ser
a genetriz das ciências, pois foi com ela que se deu tal sistematização racional do
conhecimento. Já nas primeiras civilizações antigas muitos conhecimentos foram
produzidos, mas eles não eram discutidos e teorizados. Só com a Filosofia Clássica Grega
e uma nova forma de pensar, os conhecimentos que até então eram apenas exercidos na
prática e passados de geração em geração, passaram a ter fundamentos epistemológicos.
Na modernidade, essa associação entre a filosofia e a ciência continuou tão forte a
tal ponto de Hegel, como já introduzimos a questão, pretender “construir um ‘Sistema da
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Ciência’ ‐ entenda‐se: um sistema de Filosofia ‐ total e definitivo, de que a Fenomenologia
do Espírito constituiria a primeira parte” (SERRA, 2008, p. 6). Husserl também buscou
desenvolver um projeto de uma filosofia fenomenológica enquanto ciência a partir de sua
obra, A Filosofia como Ciência Rigorosa.
Buscando‐se saber o porquê se sabe, e questionar o que não se sabe, entre tantas
outras ferramentas da ampliação dos saberes, construiu‐se assim, novos conhecimentos
de outras ciências específicas, distanciando‐se dos filosóficos. A filosofia passou a não
mais ser vista como relacionada às ciências. É o que veremos na seção que segue.
A filosofia é distinta das ciências
Se na modernidade as ciências passaram a relacionar‐se à rigorosidade metódica,
com um resultado exato e preciso, a filosofia não! Ela continuou desprovida de um
método único, mas vinculada ao seu mesmo objeto: o homem nas suas mais variadas
expressões práticas de seu pensamento: seja na ética, na política, na estética, na
gnosiologia, no existencialismo et al.
Deste modo, identificado o critério de se ter um objeto e um método específico de
análise para a caracterização de uma determinada ciência moderna, a filosofia foi o
conjunto de saberes que até hoje continua resistindo aquele modo de categorização de
um determinado pensamento estritamente objetivo. E, por si só, nem para todos há o
reconhecimento de sua importância para a evolução da ciência. Nela alguns podem não
reconhecer sua potência. Encontramos assim exposto por Freire‐Maia (1998, p. 33) numa
citação cuja primeira frase já foi citada uma vez:
Os cientistas não precisam estudar filosofia da ciência para saber como
fazer. Essa atividade é aprendida pelos jovens iniciantes, no trabalho
diário, lado a lado dos cientistas mais experimentados e estudando
trabalhos científicos originais. Assim fazendo, o jovem candidato a
cientista desenvolverá sua ‘técnica’ de elaborar pesquisas e de redigir
comunicações científicas (FREIRE‐MAIA, 1998, p. 33).
De fato, o professor emérito da UFPR, por meio destas palavras, buscava sintetizar
o posicionamento da teoria positivista, “para a qual só tem valor o conhecimento
científico e o critério da significação de qualquer assertiva se reduz à possibilidade de sua
verificação” (FREIRE‐MAIA, 1998, p. 33). Não se pode esquecer que Comte foi secretário,
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discípulo, amigo e fortemente influenciado por Saint‐Simon. Este “defendia precisamente
a reorganização da sociedade em bases industriais, controlada pela lei científica, e uma
classificação racional das ciências (...). Essas ideias não tardaram a aparecer nas obras de
Comte” (DOWNS, 1969, p. 164).
No sistema positivista, a filosofia se resumia em um instrumento de
desenvolvimento de seu terceiro estágio. Buscava‐se abandonar uma filosofia provisória
para se chegar a uma definitiva. À filosofia das ciências – como Comte a denomina – não
se atribui nenhum papel de questionamento daquele supremo saber mitificado. Muito ao
contrário, “sobretudo a partir de meados do século XIX, as várias formas de positivismo
pretenderam afirmar a subordinação da filosofia à ciência – chegando mesmo a, em nome
desta, profetizar a ‘morte’ daquela” (SERRA, 2008, p. 6).
Para Comte (1988), a filosofia das ciências é o mesmo que filosofia positiva. A ela
cabe o estudo das diferentes ciências submetidas a um mesmo método num mesmo
plano geral de pesquisa.1 Aos filósofos positivistas, o dever de buscar a sistematização
das ciências naturais depuradas da análise das causas geradoras dos fenômenos e suas
finalidades. Nas palavras de Comte (1988, p. 12):
Formar, assim, do estudo de generalidades científicas uma seção distinta
do grande trabalho intelectual é simplesmente estender a aplicação do
mesmo princípio de divisão que, sucessivamente, separou as diversas
especialidades. Enquanto as diferentes ciências positivas foram pouco
desenvolvidas, suas relações mútuas não podiam possuir bastante
importância para dar lugar, ao menos duma maneira permanente, a uma
classe particular de trabalho, ao mesmo tempo em que a necessidade
desse novo estudo era muito menos urgente. Mas hoje cada uma dessas
ciências tomou separadamente extensão suficiente para que o exame de
suas relações mútuas possa dar lugar a trabalhos contínuos, ao mesmo
tempo em que essa nova ordem de estudos torna‐se indispensável (...).
Tal é a maneira pela qual concebo o destino da filosofia positiva no
sistema geral das ciências positivas propriamente ditas. Tal é, ao menos,
a finalidade deste curso.
Observa‐se que não se tinha o problema da relação da filosofia com as demais
ciências até que as mesmas fossem classificadas por Comte na obra Curso de Filosofia
Positiva. Impressa originalmente em 1822, nela apresentava uma hierarquia dos
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Fichant (1974, p. 126) também defende a igualdade entre a filosofia das ciências e a filosofia positiva no
pensamento de Comte.
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conhecimentos científicos – do menos amplo e mais preciso ao mais amplo e menos
preciso, como segue: a matemática, a astronomia, a física, a química, a biologia e a
sociologia. Curioso é que a filosofia não aparece na mesma. Ela deixa de ser considerada
ciência para ocupar‐se da análise das demais. Nas palavras de Comte (1988, p. 26‐27), o
registro da expressão de filosofia das ciências positivas:
Para Strong (1966), autor da obra Procedure and Metaphysics, a suposta
valorização da filosofia pelos cientistas seria apenas uma espécie de gentileza para com a
mesma e a própria cultura de sua época. Para ele, a filosofia não teria a maior relação com
seus trabalhos científicos. Há também “alguns historiadores que vão mais longe e nos
dizem que, no fundo, a ciência como tal – pelos menos a ciência moderna – nunca esteve
realmente ligada à filosofia” (KOYRÉ, 1991, p. 201). De fato, é preciso reconhecer que nem
todos os sistemas filosóficos são imprescindíveis à evolução positiva das ciências. De uma
Filosofia escolástica da pura repetição de conceitos distantes da realidade já era
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rechaçada por Descartes. Esta complexa relação entre elas apresentamos na seção
seguinte.
Da reaproximação entre a filosofia e as ciências
Embora tenham emergido fortes distintos domínios na modernidade entre a
ciência e a filosofia ‐ como se pôde ver em Kant e Comte (1988) ‐ outros filósofos, tais
como Ernst Mach entre outros, vão ocupar‐se em delegar uma finalidade operativa da
filosofia às ciências. Pela filosofia instrumental, Husserl buscará a fundamentação da
fenomenologia enquanto ciência; Bachelard fará uma psicanálise das ciências; o Círculo
de Viena clarificará a lógica da linguagem científica (SERRA, 2008). Nas palavras de Koyré
(1991, p. 201) o retorno do uso da filosofia a ciência:
A filosofia, efetivamente, influenciou e até mesmo dominou a ciência, o
que é justamente a isso que a ciência antiga e medieval deve sua
esterilidade. Mas, que depois da revolução científica do século XVII, a
ciência se revoltou contra a tirania dessa pretensão (historiadores de
submissão positivista) Regina scientiarum, e que seu pregresso coincidiu
justamente com sua libertação progressiva e seu estabelecimento sobre
a base firme do empirismo.
O próprio Kant (2001) observava também que, ao estudar como a Física e a
Matemática se tornaram ciências, se deu conta que antes de suas revoluções científicas,
fez‐se necessário que elas passassem por transformações na sua própria forma de
pensar. A própria gnosiologia medieval, ao não mais satisfazer o questionamento do
homem moderno ao buscar leis objetivas para dominar a Natureza, precisou antes passar
por tal revolução. Revolução de que as respostas não estariam mais em forças
teocêntricas, mas exclusivamente na razão humana. “Somente a Razão poderia
encontrar os meios de explicar os principais fenômenos da Natureza” (AQUINO, 2009, p.
148).
Essa discussão e elaboração de um novo método de fazer ciência pela nova
orientação racionalista é outra prova de que a mudança do modo de se pensar também
influencia na evolução das ciências. Galileu Galilei também é testemunho disso a tal ponto
de ter separado a Física da Filosofia Natural ao ter nela introduzido o uso de cálculos
matemáticos. Mesmo com tal divisão da física, demais saberes tais como a biologia, a
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química, a psicologia entre outros, continuaram sendo relacionados ao panteão filosófico
‐ no que se referem aos fundamentos, métodos e objetivos. No que para Serra (2008,
p.5), isso era normal a tal ponto de não ser entendida, naquela época, como
subordinação, pois “os homens que faziam ‘ciência’ se consideravam e se designavam a si
próprios como ‘filósofos’ e a ‘ciência’ não era por eles entendida senão como parte da
‘filosofia’”. As pessoas que estudavam filosofia eram as mesmas que faziam ciência
naquela época. E essas rupturas entre os saberes específicos com a filosofia nunca foram
tão radicais e em épocas tão precisas. No mesmo contexto em que reconhece que Galileu
Galilei estaria separando a física da filosofia natural, Descartes se ocupa com problemas
de física.
Essa parceria que deveria haver entre a filosofia e a ciência é justificada pelo fato
de ambas terem nascido “no mesmo dia, logo ao alvorecer do pensamento refletido,
irmãs e iguais, cada uma com sua feição, seus predicados e sua missão bem definida”
(QUENTAL, 1991, p. 69). Tales de Mileto, a título de ilustração, o primeiro reconhecido
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Serra (2008) questiona se essa suposta irmandade entre a filosofia e as ciências
não seria pelo antigo estágio observado em ambas. O próprio Husserl (1993) já havia
escrito sobre a evolução da separação entre as ciências da natureza para com a filosofia.
Uma separação tão grande a tal ponto de se ter especialistas tão específicos que nada
mais sabem sobre generalidades, o que leva Serra (2008) a se posicionar nem a favor da
maternidade da filosofia em relação às ciências e nem da suposta irmandade entre elas.
Para esse autor, há a defesa de uma miscigenação entre elas. Argumenta ele que nem a
matemática e nem a física do início do século XX teriam sido a mesma se não tivessem
iniciado por problematizações. Os próprios avanços mais recentes da biotecnologia não
teriam surgido se não tivessem iniciado – em primeiro momento – por problemas
filosóficos. Nas palavras de Heisenberg (1975, p. VIII): “Nas conversas, nem sempre é a
física atômica que representa o ponto fulcral da discussão. A par dela tratam‐se
problemas humanos, filosóficos ou políticos, e o autor espera deste modo manifestar
quanto é irrisório separar a ciência destas questões mais gerais.”
A própria obra de Heisenberg (1975) apresenta parte do conhecimento filosófico
que possuía ao se preocupar com a discussão de parte dos próprios conceitos que ele
utilizava, tais como: o “entender”, ou mesmo, das “relações entre ciência e religião”,
Kant e a mecânica quântica ou mesmo as discussões sobre linguagem, o pragmatismo, o
positivismo entre outros. Ademais, cabe salientar que para Einstein (1988, p. 260), até o
elemento da crença pessoal era reconhecido como elemento constituinte de valor no ato
do fazer ciência. “Sem a fé na possibilidade de apreender a realidade por meio das nossas
construções teóricas, sem a fé na harmonia do nosso mundo, é impossível a ciência”. E
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complementa na sequência: “Esta fé é, e permanecerá sempre, o motivo fundamental de
todas as criações científicas.”
A favor da tese da influência positiva da filosofia nas ciências encontramos
também Burtt (1983), para quem, há um importante papel da primeira em relação à
segunda como são os andaimes na construção civil. Não que todas as construções
necessariamente tenham que tê‐los, mas certamente fica mais fácil construir com os
mesmos. A praticidade é tanta que o pedreiro nem mais questiona sua utilidade, apenas o
emprega. Essa mesma é a situação das ferramentas do pensamento no itinerário
científico. Após as descobertas, prevalece apenas o resultado final, como se o caminho
não tivesse sido útil. Mas como chegar a um resultado sem fazer uso das ferramentas
necessárias? Henri Poincaré (1924) também defende essa ideia por meio de seu conceito
de imagens. Igualmente para Koyré (1991) é inegável o papel da imaginação ou intuição
científica na atividade de fazer ‘ciências’.
Mesmo que o auxílio da filosofia esteja nos andaimes da obra ‐ que não o vemos
na obra final ‐ se sabe da valia dos mesmos, pois sem estes não há como construir
edifícios. É como as regras gramaticais que se esquece de consultá‐las após dominá‐las,
mas que dificilmente se questiona seu valor. Através da análise da história das ciências,
Koyré (1991, p. 204, grifos do autor) também defende a importância de tais ‘andaimes do
pensar’:
A história do pensamento científico nos ensina, portanto (pelo menos eu
tentarei sustentar isso): 1º Que o pensamento científico nunca foi
inteiramente separado do pensamento filosófico; 2º Que as grandes
revoluções científicas foram sempre determinadas por subversões ou
mudanças de concepções filosóficas; 3º Que o pensamento científico –
falo das ciências físicas – não se desenvolve in vacuo, mas está sempre
dentro de um quadro de ideias, de princípios fundamentais, de evidências
axiomáticas que, em geral, foram considerados como pertencentes
exclusivamente à filosofia.
Koyré (1991, p. 204‐5), contudo, é muito meticuloso antes de iniciar a explanar a
argumentação dessa tese. Isso, pois a “evolução do conhecimento científico foi
influenciada, e não entravada, pela evolução do pensamento filosófico, isso só teria valor
para o passado, e nada poderia nos ensinar a respeito do presente e do futuro”. Mas
contra argumenta que daí não poderíamos mais tirar lição alguma da história, o que seria
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uma perda muito grande de saberes e informações. Esquece‐se que a própria ciência
moderna surge em oposição e luta contra os paradigmas anteriores. Giordano Bruno
chegou a dar a vida pela defesa da “ruptura do círculo”. Não apenas isso, mas também foi
um novo cenário filosófico em que houve “uma inversão do valor atribuído ao
conhecimento intelectual em relação à experiência sensível da descoberta do caráter
positivo da noção de infinito” (KOYRÉ, 1991, p. 204‐5) que se teve as condições de
possibilidade favoráveis para o renascimento científico.
Da complexa relação entre a filosofia e as ciências: uma relação necessária?
Querendo se reconhecer ou não a importância do espírito filosófico na atividade
científica nesses novos redirecionamentos da sua especificidade, e da própria
epistemologia da ciência que passou para epistemologias regionais e até mesmo
disciplinares, a atividade que não se ensina a fazer – mas precisa ser feita –, passa por um
ato emocional e mental. O primeiro em querer resolver, e o segundo, em questionar o
como desenvolver. Nesse sentido, a filosofia continua e continuará sempre útil, inclusive
à ciência, ao caracterizar‐se “mais pelo sentido do problema do que pelo da solução, mais
pela hipótese do que pela lei, mais pela especulação do que pela comprovação” (SERRA,
2008, p. 14). A condição do pensar heurístico é a que não tem uma visão cega, mas se
abre a novas alternativas. O questionar heurístico se faz necessário como a teia da aranha
que se refaz a cada deformidade provocada pelo meio em que se insere.
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Para Koyré (1991, p. 201), a própria apresentação dos resultados científicos “nem
sempre se reduzem à consideração do valor técnico da teoria em questão, ou seja, à sua
capacidade para nos apresentar uma explicação coerente dos fenômenos que ela trata,
mas depende, frequentemente, de numerosos outros fatores”. A aceitação pela teoria do
heliocentrismo de Copérnico envolvia muitos outros fatores além da escolha de uma
teoria simples por outra complexa: seja o da cultura, ou o da conformidade pessoal com
os fatos, tal como o reconhecimento das ilusões do movimento do sol, ou outros fatores.
Como se vive numa determinada ordem discursiva dada pela cientificidade
moderna, é com facilidade que se identifica a influência da ciência na filosofia, mas não o
contrário. Como se introduziu a questão na tese positivista da relação entre ambas,
propulsores de tal ordem discursiva, historiadores de tal vertente chegaram a acusar a
filosofia da esterilidade a ela acometida na idade antiga e medieval (KOYRÉ, 1991). Os
positivistas alegam que a teologia e a metafísica são estágios transitórios e passageiros,
mas quem garante que o próprio positivismo também não possa assim sê‐lo? Para aquele
mesmo filósofo (Ibidem, p. 212), o ensino da história nos mostra que aquele
distanciamento da filosofia para com o fazer ciência
[...] é apenas uma posição de recuo de curta duração e que se o espírito
humano, na sua procura do saber, periodicamente assume essa atitude,
na verdade ele nunca aceita (...) como definitiva e última (...). Cedo ou
tarde retorna à sua tarefa, e se põe outra vez a procurar a solução
inaproveitável, ou impossível de problemas considerados como
desprovidos de sentido, tentando encontrar uma explicação causal e
real, das leis estabelecidas por eles.
Koyré (1991, p. 214) não tem dúvidas de que as reflexões filosóficas foram tão
importantes para Einstein como para Newton. Não temos como não reconhecer a
importância de tudo o que possa ser útil no alcance de nossos objetivos. “Um livro de
física começa sempre por um tratado de filosofia.” Ainda mais quando, além de ser uma
ferramenta útil à expansão das ciências, também propõe profundas reflexões sobre suas
consequências. Como continuar fazer ciência não consciente também de suas
consequências, sejam elas ambientais ou tantas outras? Mas não seria uma nova servidão
à filosofia colocando‐a a serviço da ciência? Em um primeiro momento, poder‐se‐ia alegar
que sim. Seria uma nova servidão instrumental dela em função das demais ciências.
Contudo, é necessário se observar que não haveria outro caminho até a chegada do
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reconhecimento dela pelas ciências a não ser pela sua própria empregabilidade em
termos de utilidade teórica e retórica.
Por fim, concordamos com Fourez (1995, p. 25). Se for justo questionarmos: “‘Por
que dar um lugar à filosofia na formação dos cientistas?’. Poderíamos também perguntar:
‘Por que um curso de informática para um químico?’, ou, ‘Por que um curso de ciências
naturais para um matemático?’”. E concordamos com esse mesmo filósofo ao responder
que essas questões estão dadas numa resposta menos científica e muito mais de uma
ordem discursiva de uma política educacional universitária. É da ordem de uma
microfísica de um dado poder que se estabelece a seus acadêmicos saberem
estritamente um saber puramente técnico ou também vinculado a seu contexto histórico,
social, político, científico, ético e cultural. Para esse mesmo autor, não podemos ser
indiferentes a certas práticas de formação humana.
Assim como não se forma um físico sem ter tido aulas de laboratório, a formação
filosófica também é notória à formação de um cientista. Em primeiro lugar pela
responsabilidade social e humana que irão desenvolver. Ele estará sempre atuando em
prol de interesses de determinadas classes sociais e/ou outros grupos. E seria antiético
formar jovens cientistas sem terem um antídoto crítico do que pudessem estar fazendo. E
Fourez (1995) enfatiza muito mais a relevância dessa questão da perspectiva crítica da
filosofia da ciência no ensino de ciências num espaço em que jovens cientistas se
preocupam menos com questões como a ética e a política do que de suas técnicas
específicas – o que reforçaria ainda mais o ensino das humanidades aos mesmos. E
defendemos que só não se reconhece a importância da filosofia na ciência se ela for
inerte, alienada e cega. Ou, pela falta de profundidade; Ou pelo desprezo da cultura
filosófica. Ou, se a evolução da ciência fosse linear e cumulativa. Mas do contrário, como
defende Fichant (1974, p. 141), porque a ciência traz em si a própria possibilidade do erro
“que a filosofia tem uma função a cumprir em relação à ciência.” Bem lembrados, as
revoluções científicas sempre foram antecedidas pela forma revolucionária de pensar.
Isso, pois “a filosofia – talvez não a que hoje se ensina nas faculdades, mas acontecia a
mesma coisa no tempo de Galileu e de Descartes – voltou a ser a raiz de que a física é o
tronco e a mecânica o fruto” (KOYRÉ, 1991, p. 214). Entendemos assim que, embora em
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distintos domínios e diferentes contribuições da filosofia para a ciência e vice‐versa, há
uma profunda interface possível entre a filosofia e a ciência a ser explorada e ensinada
por um bem maior que a própria técnica: o futuro da humanidade.
Considerações finais
Concluímos por meio deste trabalho que há uma complexa relação entre a filosofia
e a ciência. Relação essa ocupada historicamente por distintos papéis: ora iguais, ora
inversos – no que tange a influência e subordinação de uma a outra. Na
contemporaneidade, contudo, tal complexidade ainda não é reconhecida por todos. Há
os que defendem não haver espaço para a filosofia no constructo científico a tal ponto de
repeli‐la. Basta para tanto, lembrar‐se da extinção da Filosofia no ensino público ao longo
da ditadura militar brasileira. Isso refletia/e uma dada ordem discursiva positiva nutrida
apenas pela tecnicidade fordista‐taylorista, mas não a nossa.
Isso, pois, contra a mesma questionamos se há como fazer ciência sem refletir
sobre o que ainda não foi pensado. Ou mesmo, sobre suas possíveis consequências ético‐
políticas aí pressupostas. Caso também queiramos uma maior sobrevida às espécies de
seres vivos e do próprio homem, há aqui um inegável espaço filosófico‐metafísico nas
ciências e que visa analisar suas causas últimas: Que ciência queremos? Que ciência
fazemos? Um espaço crítico que assim emergiu com muita força na última metade do
século XX em oposição de uma apontada neutralidade científica pelos positivistas.
Além dessa capacidade de reflexão sobre os fins dos saberes a que filosofia da
ciência também pertence em sua perspectiva crítica, indagamos: Acaso poderia haver
uma revolução científica antes da própria mudança da forma de pensar? Ademais,
reconhecemos um papel crítico e outro positivo a ser exposto e analisado no ensino da
filosofia da ciência em face dessa complexa relação. Mas, real e necessária, tal como uma
caixa de ferramentas, que nem sempre você utiliza todas elas, mas na falta de uma, não
chegamos aos mesmos resultados esperados. O futuro da humanidade agradece e é dele
dependente a fim de que não sejamos cada vez mais comandados e manipulados pelo
capital e pela tecnicidade.
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A FILOSOFIA E A CIÊNCIA APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS
ONORATO JONAS FAGHERAZZI
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