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Publicado em 1928, Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza

brasileira, de Paulo Prado, divide-se em cinco capítulos: A luxúria, A


cobiça, A tristeza, O romantismo e Post-Scriptum, em que o autor
desenvolve sua teoria da formação do povo brasileiro através de uma
retomada histórica do que considera aspectos fundamentais à
constituição do Brasil contemporâneo. Em nota à quarta edição, Paulo
Prado afirma que pretendia “esboçar uma vista panorâmica do
povoamento e evolução da terra brasileira”. Suscitando a consciência
do lado sombrio da formação histórica brasileira – associada ao passado
colonial e à escravidão, Paulo Prado fomenta uma reflexão acerca dos
entraves que impossibilitaram o distanciamento do que o Brasil havia
sido enquanto colônia e advoga pela não banalização romântica dessas
dificuldades.
I – A luxúria
No primeiro capítulo, Paulo Prado anuncia sua tese: o povo brasileiro
é um povo triste e esse sentimento seria herança dos descobridores que
possuíam um desejo por ouro e uma volúpia que encontraram estímulo
nas terras brasileiras.

O autor argumenta que o período do Renascimento gerou nos europeus


um desejo de libertação da rigidez das leis morais instituídas pela
religião cristã. O período dos descobrimentos surgiu como a expressão
dessa vontade de buscar novos lugares e conhecimentos. Além disso,
havia o interesse econômico e comercial: as reservas de metais
preciosos diminuíam nos países europeus. A busca pelo ouro fascinava
os exploradores.

Paulo Prado escreve que os primeiros portugueses que chegaram à terra


que seria o Brasil ficaram surpresos com a natureza, porém não
souberam apreciá-la como algo além de um estoque de especiarias e
matérias primas para o mercado comercial. No entanto, todos sofreram
do que ele chama de “sedução dos trópicos”. O autor comenta que nos
anos após o descobrimento, aventureiros que abandonavam as frotas e
náufragos fixaram-se no Brasil, estabelecendo contato com os
indígenas. Eles passaram a viver entre os nativos, seguiam seus mesmos
hábitos e se uniam às índias gerando uma descendência mestiça. O autor
menciona os três núcleos de povoamento e mestiçagem que existiam no
período inicial pós-descobrimento cujos chefes e patriarcas eram:
Jerônimo de Albuquerque, Diogo Álvares Caramuru e João Ramalho e
comenta que nesse período não havia presença de mulheres brancas o
que contribuiu para o estabelecimento da miscigenação.

Paulo Prado acredita que o clima tropical, a solidão dos primeiros


europeus que chegaram no Brasil e a sensualidade que ele atribui aos
índios, enfatizando a nudez das índias, teriam propiciado as uniões que,
segundo o autor, eram de “pura animalidade”. Reforça ainda o fato de
que muitos dos que se aventuravam a ficar no Brasil eram jovens que
ansiavam libertar-se da severidade moral europeia. Liberdade que
encontravam na nova terra e em seus nativos considerados naturalmente
amorais e luxuriosos. Segundo o autor, desse descontrole surgiu o início
da população brasileira, marcada pela mestiçagem.

Paulo Prado enumera relatos de escritores portugueses da época que


descreviam a “imoralidade dos primeiros colonos”, não só os da camada
mais baixa como também os nobres e membros do clero.

O autor descreve, por meio de citação de Diálogos das grandezas do


Brasil (1618) de Ambrósio Fernandes Brandão, qual era o cenário do
Brasil cem anos após o descobrimento: a população era formada por
marítimos, mercadores, oficiais mecânicos, salariados e proprietários
rurais. Na camada inferior estavam os escravos, indígenas, africanos ou
seus descendentes; o europeu não tinha amor à terra, desejava apenas
enriquecer e retornar à Europa. Porém havia os primeiros colonos que
se adaptaram à vida dos indígenas e permaneceram no Novo Mundo. O
autor alude à João Capistrano Honório de Abreu que alega que esses
colonos já tinham uma mentalidade mestiça que permitiu sua
sobrevivência e adaptação, mas também sua entrega aos vícios e à
luxúria. Isso ocorreu, o autor reforça, devido ao favorecimento do
ambiente e da submissão da mulher indígena, que servia apenas para a
satisfação dos desejos do homem europeu, sem ter direitos ou
participação na vida doméstica, papel que também seria o das escravas
africanas.
O autor termina o texto declarando que havia outro interesse além da
luxúria que também dominava os colonos: a cobiça.

II – A cobiça
Paulo Prado escreve que aqueles que vinham para o Brasil eram os
desesperados e aventureiros desprezíveis. Não havia lutas grandiosas e
nobres como em outras colônias do Oriente, mas sim uma batalha
infame contra os indígenas e a natureza. O Brasil não inspirava
interesse: Paulo Prado cita Robert Southey ao dizer que o país “foi
descoberto por acaso, e ao acaso o deixaram durante longos anos.” No
início da colonização, Portugal não havia sequer estabelecido um
governo na colônia. Não havia exploração do interior, apenas no litoral
ocorria o mercado de escravos, madeiras e animais. Paulo Prado afirma
que nesse período de criminosos e desterrados, permaneciam as
ambições individuais em meio à falta de leis.

O autor comenta que circulavam rumores de minas de ouro no oriente


do continente americano, o que atraiu exploradores para o Brasil. No
entanto, as costas brasileiras estavam abandonadas e não havia apoio
contra inimigos que se aproximavam. As lutas contra os franceses em
1527 mostraram que era necessário povoar o país para protegê-lo. A
metrópole começou então as empresas colonizadoras.

Segundo o autor, remetendo a Calógeras, a ocupação feita por essas


expedições eram quase pacíficas, limitando a escravização de índios
quando eram rebeldes, o oposto do que acontecia em outras regiões do
continente. Paulo Prado adota o método de Karl Friedrich Phillip von
Martius, Como se deve escrever a história do Brasil, para descrever o
processo de expansão e povoamento que estabeleceu a formação do
país. O método agrupa o movimento bandeirante em núcleos de
influência: bandeiras paulistas, baianas, pernambucanas, maranhenses
e amazônicas.
Assim, por todo o território o aventureiro procurava por prata, ouro e
pedrarias, ainda que as notícias de riquezas fossem apenas promessas.
A princípio a subsistência do europeu vinha da caça, pesca e consumo
de frutas e a economia movimentava-se lentamente. O processo de
cultivo de terra para exportação iniciou-se timidamente em 1511, com
a nau Bretoa e a cultura do açúcar se instalou rapidamente a partir da
criação dos primeiros engenhos, de São Vicente, Pernambuco e da
Bahia, que seriam seguidos pela exportação de açúcar e pau-brasil. O
pastoreio facilitou a conquista e povoamento do solo. Ainda mantendo
a busca pela exploração de ouro e prata, incursões sob pretexto de
defesa contra o índio e de catequese eram também expedições
escravocratas que transformavam o gentio em objeto de comércio. O
autor compara essas expedições aos ataques portugueses à populações
asiáticas.
No processo de desbravamento dos sertões a bandeira foi concebida e
organizada visando a exploração do ouro, porém quando a busca era
frustrada a escravização e venda de indígenas aparecia como o resultado
dessas incursões. Tais expedições geraram lendas acerca de um Brasil
primitivo de histórias fantásticas sobre riquezas escondidas. É, no
entanto, somente no final do século XVII, com a descoberta das minas
Gerais, que a Metrópole organiza às pressas um sistema de tributação.

Segundo Paulo Prado, a busca do ouro foi para o Brasil o século do seu
martírio, pois gerou guerra civil, abusos dos governantes e do clero e
epidemias de fome. A agricultura fora abandonada e o cultivo da cana
diminuíra significativamente, obrigando a colônia a recorrer à
importação de produção inglesa e francesa. A riqueza da capitania se
extinguiu em exportações, transformando os próprios mineradores em
indigentes. Julgava-se quase impossível a cobrança dos pesados
impostos criados pelo governo real.

Mesmo após a queda de Pombal, Portugal possuía riquezas advindas da


exploração das colônias, principalmente da Índia e do ouro brasileiro, o
que possibilitou um recomeço de prosperidade que durou alguns anos.
Mas em 1794, quando Portugal se juntou à Inglaterra contra Napoleão
já não havia riquezas. Em 1808, quando o rei partiu para o Brasil, as
obras constituídas pelo Aleijadinho foram por muito tempo o único
patrimônio histórico que o Brasil possuía. O que prevalecia então eram
as bandeiras, que desbravavam o interior do país numa sede
incontrolável de ouro. Paulo Prado critica a falta de estimulantes de
ordem moral e atividade mental que nessa ambição pelo ouro movia o
bandeirante.

III – A tristeza
A partir da Renascença e da Reforma, a estrutura social e moral da
civilização ocidental havia se modificado e o espírito de renovação e
revolta preconizava novas ideias. A conquista e povoamento da região
sul-americana se desenvolvera sem a disciplina religiosa dos primeiros
agrupamentos congregacionistas da américa do norte. Portugal, que
perdera a independência para a Espanha em 1580, viveria um período
de decadência que acompanharia o Império Colonial. Longe da
fiscalização da metrópole, os representantes do poder real em solo
colonial consumiam recursos em benefícios pessoais, enquanto o clero
sustentava seus luxos. Toda capitania ligava-se “umbilicalmente” ao
organismo doentio da Metrópole. A agricultura era então sustentada por
meio da escravização de africanos, o que seria, para Paulo Prado,
responsável por minar o organismo social.

Paulo Prado desenvolve aqui sua tese acerca da psicologia do brasileiro,


segundo a qual nosso antepassado europeu, ao primeiro contato com o
ambiente físico e social da colônia, fora apoderado de novas influências
de variadas espécies, que o transformaram em um “ente novo”. A partir
dessas influências, dois sentimentos tirânicos dominavam-no: o
sensualismo e a paixão do ouro. O crescimento desordenado dessas
obsessões tirânicas de luxúria e cobiça subjugaria o espírito e o corpo
de suas vítimas, condicionando o desenvolvimento da história
brasileira.

O erotismo exagerado tinha como origem três fatores: o clima, a terra,


a mulher indígena e a escrava africana. “Na terra virgem tudo incitava
ao culto do vício sexual”. Paulo Prado afirma que os excessos desse
vício sexual deixaram traços indeléveis no caráter brasileiro, que
dominariam inclusive sua inteligência e sentimentos. Essas paixões
violentas se exaltariam, culminando no que chamou “a paixão do ouro”.
Sem ideal religioso e estético ou preocupações políticas, intelectuais e
artísticas, criou-se com o transcorrer do tempo uma raça triste, produto
da melancolia dos abusos venéreos e do descontentamento dos que
vivem na ideia fixa do enriquecimento.

Citando o antigo aforismo medicinal: “Post coitum animal triste, nisi


gallus que cantai”, Paulo Prado afirma que a tristeza sucede a intensa
vida sexual do colono, consequência da ausência de sentimentos
afetivos de ordem superior, que leva ao desenvolvimento da propensão
melancólica.
Enquanto o português em terras brasileiras pensava ainda em sua pátria,
a constituição da Colônia visava apenas os lucros obtidos pela
Metrópole, nem o Brasil nem o brasileiro existiam nesse período inicial.
O negro cativo era a base do sistema econômico, agrícola, industrial e
comercial. Em diversos momentos, Paulo Prado se atém a preconceitos,
principalmente em relações de raça, para expor a influência negra e
indígena na constituição do brasileiro, afirmando, por exemplo, que o
escravo, no seio da família, vivia da prática de vícios que corrompiam
a estrutura familiar.

Pernambuco, Bahia e Rio eram, a essa época, centros sociais em que


dominava o mal da escravidão. Negros e mulatos compunham a maior
parte da população. No Rio, a chegada do príncipe Regente e a presença
da corte imprimia “um tom caricatural” que permaneceria por longos
anos em diferentes aspectos da vida fluminense. Nessa época, a vida em
sociedade associava-se a falta de asseio, proliferação de doenças e
ausência de estabelecimentos públicos para a instrução de crianças. A
vida social era nula “porque não havia sociedade”. Ao iniciar o século
de sua independência, a colônia era uma corpo que vegetava, e,
argumenta Paulo Prado, nesse organismo manifestava-se, como uma
doença, o mal romântico.

IV – O romantismo
O que é o Romantismo? É simples contraposição ao racional
classicismo ou apenas um modo de ser frente a um período nebuloso?
Paulo Prado distingue, a partir de Rousseau, o romantismo do
sentimento, sinônimo de lirismo e pessimismo e o romantismo da
inteligência, afirmação de generosidade, ardor e fé no humano.
As primeiras investidas nacionalistas brasileiras ocorreram como eco
da declaração de independência dos Estados Unidos, por sua vez
inspirada nos princípios da própria Revolução Francesa. Os ideais de
Rousseau guiaram grande parte dos movimentos revolucionários
franco-americanos. Soberania do povo, liberdade individual, igualdade
racial e política e infalibilidade da nação são alguns dos conceitos que
precederam o romantismo literário, que viria ligar-se às ideias e
sentimentos da alma nacional, manifestando-se, por exemplo, nas
revoluções pernambucanas de 1817 e 1824.

O século XVIII transformara o Brasil em simples prolongamento da


metrópole. O novo país nascia sob um endeusamento político do
liberalismo verborrágico, reproduzindo incertezas sociais e políticas do
movimento histórico. Nos primeiros séculos a civilização se ateve ao
litoral e, nesse ambiente de desordem, inseriu-se a corte. Formou-se
então um grupo intelectual a quem coube a princípio a direção dos
negócios públicos do que viria a ser o Império.
Pernambuco se configurava como uma “Coimbra brasileira”, de
tradição liberal e nativista, mantendo por mais tempo o espírito
colonial. Preparava jurídica e politicamente estudiosos do país,
enquanto São Paulo foi um grande centro romântico, oferecendo
influência na formação social e intelectual. Apesar da revolução
modernista, a indolência primária do romantismo subsistia: “Morte e
amor. Os dois refrãos da poesia brasileira.”, resultado da melancolia
desiludida e da fraqueza da raça mestiça, afirma Paulo Prado.

Post Scriptum
Paulo Prado garante que Retrato não é regionalista pois o compusera a
partir de um isolamento temporário em uma província. Afirma que, por
isso, não sofreu influências da atmosfera local e pode tratar de todos os
“Brasis”. Enfatiza a importância fundamental da investigação das três
raças: negros, indígenas e brancos: “Três raças cujos efeitos de
recíproca penetração biológica deverão produzir o novo tipo étnico que
será o habitante do Brasil.”
O negro no Brasil contribuiu como um fator étnico para a mestiçagem
da população e como escravo. Segundo o autor, ao contrário do que
aconteceu nos EUA, não houve segregação dos negros e a raças se
misturaram resultando na ausência de conflito racial, chegando-se ao
ponto de não se fazer distinção entre um e outro. A diferença existente
entre as raças resulta da falta de oportunidade a que é submetida. Para
o autor, sendo a mestiçagem no Brasil irreversível, restaria esperar e
observar como se desenvolveriam as próximas gerações. Paulo Prado
afirma ainda que a indolência e a passividade das populações
facilitaram a preservação da unidade social e política do vastíssimo
território.

Em todos os âmbitos, porém, da atividade social da colônia, se sentia a


ação administrativa de Lisboa, ao que se deveu em grande parte a
preservação da unidade nacional.

Paulo Prado expõe a situação do país em sua época alegando que apesar
do crescimento populacional, problemas sócio-políticos e econômicos
se agravavam: dívida externa, polícia corrupta, dificuldades no
transporte de mercadorias, falta de mão de obra agrícola, altos impostos,
abuso do poder da justiça, analfabetismo entre as classes baixas e falta
de uma cultura intelectual no país. Imperava o vício da imitação, ou
seja, da importação, tudo é importado, a moda, a arte, a literatura, a
política, só se exporta o ouro.

O resultado é um território de imensa riqueza com cultura intelectual


inexistente, ou existente mas refém do “mal romântico”, o que, defende
Paulo Prado, é muito pior. Ainda assim, de acordo com o escritor, o
problema mais importante a ser resolvido no país é a questão política.
A decadência, resultado do abandono monárquico e dinástico e do
enfraquecimento do poder moderador, somou-se mais tarde aos abalos
provocados pela mudança da forma de governo. Desse período, o único
proveito teria sido apenas a consolidação da unidade nacional e da
abolição.

Configurou-se o estabelecimento das oligarquias. Em tom de previsão


o autor afirma que apenas duas soluções para o cenário político são
possíveis: a Guerra e a Revolução. Paulo Prado acredita nesses meios
como capazes de modificar não só política e financeiramente, mas a
própria essência mental do país, a partir de atitudes que virão das
camadas oprimidas da população. Questionando o papel que o Brasil
tomará nos conflitos mundiais de reforma de antigos valores, Paulo
Prado encerra em tom de melancolia e esperança de melhoria do futuro
através da construção de uma nova ordem.

PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

“Uma indígena, abandonada pelo amante europeu com quem vivera longos anos,
vendo-o partir numa caravela de passagem, matou o filho comum, cortou-o em
duas partes e lançou uma destas ao mar como que entregando ao homem a
porção que lhe pertencia. A bordo perguntaram a este quem era essa mulher, ao
que respondeu: não é ninguém, é uma índia sem importância” PRADO, Paulo.
Obr. Cit. Pg. 63
Na história do Brasil houve uma relação diferente entre a constituição da Nação
e do Estado se comparada à experiência das nações europeias, especificamente
à Alemanha e à Itália de unificações nacionais tardias. Na Alemanha, por
exemplo, a nação e a constituição de uma identidade nacional antecedeu e
mesmo ajudou a constituir o Estado Nacional.
No Brasil processou-se algo bastante distinto. Nossa independência em face de
Portugal deu-se em 7 de Setembro de 1822: como bem ilustrou José Murilo de
Carvalho, o povo assistiu aos acontecimentos de rua “bestializado”,
“abasbacado”, sem entender muito bem o que se passava, suspeitando tratar-se
de um desfile militar, que pouco mudava sua pacata rotina.
No Brasil, o Estado Nacional antecedeu a nacionalidade: não havia em 1822
uma identidade nacional consolidada, mas um país dominado pelo instituto da
escravidão, em que negros que eram esmagadora maioria não tinham cidadania
mas eram antes encarados como “res”, não portadores de qualquer vínculo com
a terra. Os demais, uma minoria, eram portugueses, estrangeiros, ou, quando
brasileiros, se vinculavam mais a identidades regionais como paulistas,
pernambucanos ou baianos. A constituição de uma identidade nacional seria
um projeto que seria consolidado muito tempo depois e teria como principais
artífices a chamada “geração de 30”, um conjunto de intelectuais que em outro
contexto histórico se voltariam às origens históricas do Brasil em busca da
conformação da nacionalidade, dos traços comuns que informariam a
identidade da Nação.
Gilberto Freyre e seu “Casa Grande e Senzala” (1933), Sérgio Buarque de
Hollanda e seu “Raízes do Brasil” (1936) e Caio Prado Jr. e seu “Evolução
Política do Brasil” (1933) são os principais expoentes da supracitada geração:
cada um à sua maneira irá voltar-se ao passado colonial brasileiro com
finalidades parecidas: explicar o presente e buscar o sentido da História. Há
todavia uma obra que está situada no mesmo contexto e que parece estar
esquecida na historiografia. “Retrato do Brasil” (1928) de Paulo Prado
antecedeu as três obras referidas e situa-se nos mesmos marcos, com o
adicional de ter sido publicada no ano de 1928 e com o seu pioneirismo ter uma
importância singular: como adverte o grande historiador Fernando Novais,
“Retrato do Brasil” com a sua ousada tese de que o brasileiro é um povo triste,
rompe com uma certa historiografia brasileira tradicional de tons ufanistas e
com isto abriu caminho para as demais obras que configuraram em análises
críticas, sob novos pressupostos teórico metodológicos, que foram além da
tradicional configuração positivista da história do Brasil inaugurada por
Vernhagen.
Desde início pleiteamos uma equiparação de “Retrato do Brasil” de Paulo Prado
às demais obras da “Geração de 30” como clássico da História do Brasil.
Certamente, trata-se, como o sub-título da obra sugere, de um ensaio; o leitor
irá deparar-se como uma narrativa da história que antecede a disciplina da
história das mentalidades, sem todavia, todos os rigores metodológicos devidos
da disciplina da história. Mais uma vez, Paulo Prado, um historiador diletante,
aprendiz de Capistrano de Abreu, produziu um “Retrato do Brasil”. Uma pintura
impressionista cujos métodos estão expostos pelo próprio autor:
“Este Retrato foi feito como um quadro Impressionista. Dissolveram-se nas cores e
no impreciso das tonalidades as linhas nítidas do desenho e, como se diz em gíria
de artista, das “massas e volumes”, que são na composição histórica a cronologia
e os fatos. Desaparecem quase por completo as datas. Restam somente os
aspectos, as emoções, a representação mental dos acontecimentos, resultantes
estes mais da dedução especulativa do que da sequência concatenada dos fatos”.
Por um lado uma corajosa confissão da subjetividade do historiador ao retratar
e pintar um painel do passado. Por outro lado, o próprio retrato de limites
metodológicos que envolvem noções apriorísticas, como se conclusões
primeiras estivessem para ser provadas por um vasto repertório de
documentos primários, que no livro envolvem especialmente documentos do
Santo Ofício, relatos de viajantes do séc. XVI, XVII, Portugueses e Espanhóis,
especialmente voltados ao problema da cobiça e da luxúria.
Contexto: autor e obra
Paulo Prado advém da ilustre e aristocrata família Silva Prado de São Paulo,
ligada à comercialização de café e à construção de ferrovias. Filho do
Conselheiro Antônio Prado, Ministro do Império, com grande fortuna e
prestígio, o que garantirá ao filho uma vida sem grandes compromissos, apesar
de ter dividido sua vida como empresário de café, jornalista, ativista literário e
historiador.
Formou-se na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e
posteriormente passou temporada em França donde conheceu Eça de Queiróz
que teve ótima impressão do moço.
De volta à São Paulo, ligou-se ao grupo de artistas modernistas e participou
ativamente da construção da Semana da Arte Moderna de 1922. Foi amigo de
Mário de Andrade e basta dizer que Macunaíma foi dedicada a...Paulo Prado.
Pode-se dizer que os dois livros têm interfaces: o senso comum diz ser o
Brasileiro triste enquanto a tese central do “Retrato” é a de que o brasileiro é
um povo triste, em face da cobiça pelo enriquecimento rápido e da luxúria num
contexto da falta de mulheres brancas e da disponibilidade de mulheres índias
e negras. No Macunaína, o paradoxo se encontra no fato do herói brasileiro ser
um “herói sem nenhum caráter”. Dentre as antinomias, pode-se observar como
se começam os dois livros:
“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa
gente” (Macunaíma); “Numa terra radiosa vive um povo triste” (Retrato do
Brasil).
Paulo Prado deve ser associado quanto à sua produção intelectual ao
movimento modernista. Os livros de Paulo Prado e de Mário de Andrade foram
publicados em 1928. São daquele momento histórico a revolta dos 18 de
Copacabana de 1922, levante tenentista que teve seu desenvolvimento no
contexto de luta contra a República Velha, a Coluna tenentista, o posterior
Crack de 1929, a fundação do Partido Democrático em São Paulo, do qual
participou o pai de Paulo Prado: em suma os fins da primeira República.
Falou-se nas críticas ao livro, que o ensaio de Paulo Prado primava pelo
pessimismo. Pelas cartas do autor, sabe-se que o mesmo discordava desta ideia.
Paulo Prado considerava-se otimista, mas otimista diferente do velho ufanismo
positivista. Seu otimismo é o mesmo de “um médico ou cirurgião” o que nos
leva a concluir que seu movimento é o mesmo de alguém que faz um
diagnóstico e propõe soluções. E Paulo Prado é explícito: a mudança está na
Guerra ou na Revolução.
Evolução Histórica do Brasil
Em 1530, desde a descoberta, o Brasil encontra-se em situação de relativo
abandono. Em face da pirataria Francesa, serão nestes anos que se inicia de fato
a ocupação, a empresa colonizadora chefiada por Martim de Souza. Em 1549,
com o governo Tomé de Souza, observa-se o início de uma relativa atividade
administrativa na colônia como expedições oficiais e as primeiras missões
jesuítas.
O fato é que desde o início do empreendimento colonial, a cobiça pelo ouro
esteve presente dentre os portugueses, além de franceses e demais europeus
que aqui aportaram. Eram aventureiros e estavam influenciados pelo contexto
cultural do renascimento. A cobiça é assim um dos elementos que informam a
tristeza brasileira. As bandeiras não só estiveram associadas à caça de índios e
escravos fugidios, mas foram particularmente movidas pela cobiça:
“Junto aos novos descobertos vinha, porém, morrer enfraquecida, mas sempre
alucinada, a bandeira. Conservava, como desde os tempos piratiningos, os traços
característicos da sua formação: Interesse, Dinamismo, Energia, Curiosidade,
Ambição. Faltavam-lhes os estimulantes afetivos de ordem moral e os de
atividade mental. Nunca soubera transformar em gozo a riqueza conquistada. A
sua energia intensiva e extensiva concentrava-se num sonho de enriquecimento
que durou séculos, mas sempre enganador e fugidio. Com essa ilusão vinha
morrer, sofrendo da mesma fome, da mesma sede, da mesma loucura. Ouro, ouro,
ouro.”
Os outros dois elementos constitutivos da tristeza do brasileiros são a luxúria e
o romantismo. “Após o coito os animais ficam tristes, exceto o galo que canta”,
diz um adágio da medicina. O sensualismo que informa todo o período colonial
foi amplamente retratado por cronistas, ao ponto de haver pedidos junto à
Europa para que se trouxessem mulheres da corte ao Brasil, para se efetivar
casamento e interditar situações de poligamia e endogamia envolvendo uma
ampla miscigenação de brancos, negros e índios. Paulo Prado enxerga uma
melancolia e pendor à fraqueza em face deste sensualismo que também remete
à vocação romântica, ao discurso rebarbativo de nossos parlamentares e
literatos e nossa tendência à apatia, indolência e passividade. “O romântico
adora a própria dor” assevera Paulo Prado. O que não se sabe é como o seu
ensaio, que dedica alguns parágrafos a um artista de marca menor como
Aleijadinho, não faz qualquer menção a um verdadeiro milagre advindo dos
mais baixos escalões das pirâmides sociais brasileiras: Machado de Assis. Seu
realismo literário mordaz e sua literatura com vocação universal vai na
contramão do Romantismo brasileiro e sua própria aparição coloca sob
suspeita a tese do Romantismo.
Tristeza e Esperança
A “Tristeza Brasileira” deve ser encarada conforme a proposta metodológica
enunciada pelo próprio autor e sugerida já no título do livro. Estamos diante de
um retrato, ou se quisermos de uma fotografia do Brasil. Mesmo uma fotografia
não é imparcial: o fotografado pode ser retratado num dia infeliz e não estar
sorrindo e o erro do historiador é, a partir deste retrato, concluir que o
personagem da foto é....triste. A história não é um SER. A história é um processo.
É um estar sendo, de molde que o ensaio de Paulo Prado tem validade não pela
conclusão, mas por outros aspectos. Suas fontes históricas são relevantes e têm
a credibilidade por estarem baseadas ao seus estudos de história junto ao
grande historiador Capistrano de Abreu: o ensaio é um livro saboroso sobre os
costumes e o cotidiano do Brasil colonial. Como sugerimos, sua grande
contribuição para a historiografia do Brasil diz respeito a certa rejeição ao
ufanismo que abriu caminho à “Geração de Trinta”, e por isso deve ser
equiparada àqueles grandes pensadores.
Parece-nos todavia que tais críticas são até triviais e não devem ter passado
despercebidas pelo grande pensador Paulo Prado, alguém com um vasto
repertório cultural. Talvez a tristeza que viu no povo Brasileiro diga respeito a
si próprio. É natural para quem observa o problema do Brasil, o seu passado e o
seu presente, suas potencialidades e todo desperdício, sintir uma enorme
tristeza. Num estado como São Paulo, com o aquífero do Guarani, um dos
maiores do mundo, há ainda racionamento de água. 111 mortos no presídio do
Carandiru desarmados e todos os policiais absolvidos por legítima defesa.
Vídeos de cárcere circulando pela internet com presos jogando futebol com a
cabeça de um outro preso. Triste, triste, triste.

Em seu mais recente artigo no Corrieri Della Sera, Diogo Mainardi menciona o ensaio "Retrato
do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira" do sociólogo e historiador Paulo Prado. Fui
imediatamente surpreendido pela afirmação de que o brasileiro seria um povo triste. Até minha
mente avessa a toda patotada patriótica (o apresentador do ensaio afirma que o texto de Paulo
é, entre outras coisas, uma resposta aos tratados patrióticos que pululavam à época) se assustou
com tal afirmação. Nossa característica marcante não seria justamente as tão aclamadas
"alegria" e "irreverência"?

Paulo remonta ao período colônia para esmiuçar o caráter nacional e mostrar como, na verdade,
o brasileiro é um povo triste. Tudo começa com o tipo de colonizador que recebemos aqui: o
colono americano rapidamente se identificava com o pedaço de terra em que morava - o inglês
da Virgínia ou de Massachussets rapidamente chamava tais províncias de "sua terra" (PRADO,
1981, p. 96), ao passo que o português "brasileiro" vinha à colônia com a mente habitando a
metrópole, "O português transplantado só pensava na pátria d'além-mar: o Brasil era um degredo
ou um purgatório" (id, p. 95). Segundo Prado, dois sentimentos principais caracterizavam tanto
o colono ou índios e negros que vieram a habitar o Brasil: tanto um desejo ávido por riquezas,
ouro e pedras preciosas em especial (daí os dois primeiros capítulos do ensaio de Prado se
chamarem Luxúria e Cobiça), quanto um sensualismo desinibido: pelo relato de Prado, índios,
negros, portugueses e até membros do clero constantemente se rendiam aos pecados da carne,
inclusive em público:

A parte sadia e sólida da emigração - homens de estado de valor, artistas de fama, bom senso
atrasado mas útil na desordem colonial, aspectos inéditos de uma vida mais requintada, toda a
súbita surpresa dessa invasão - veio acordar a mandranice brasileira apodrecendo nas delícias
da mestiçagem, nas intrigas da carolice, num desleixo tropical, entre mulatas, lundus e festas
religiosas (PRADO, 1981, p. 119).

As duas primeiras partes do ensaio de Prado foram um clarão de purificação; sempre nutri a
impressão, oriunda da experiência do dia-a-dia, que o brasileiro é um povo "dinheirista" (muito
mais que o americano, para surpresa dos experts nacionais): para brasileiro dinheiro é o meio e
também o fim, da vida intelectual, da vida moral, da vida como um todo. Restava explicar as
origens disso. A postura do brasileiro diante das coisas do intelecto é evidência mais gritante do
fenômeno, do presidente Lula, que julga que ler livros é como andar de esteira até aos pais e
filhos em escolas que encaram a vida acadêmica única e exclusivamente como um trampolim
para um "bom emprego" (= emprego que ganha muito dinheiro e trabalhe pouco); para o
brasileiro em geral a sabedoria é o seguinte: ir pra escola porque os pais mandam para aprender
alguma coisa e "ser alguém na vida" e depois que "for alguém na vida" (= ter dinheiro) comprar
um livro do Cortella e ter o que falar em "jantares inteligentes". A exposição de Prado dá fôlego
a esta visão, embora caibam outros estudos.

Mas e a tristeza? Nossa tristeza, de acordo com Prado, está atrelada ao sensualismo
mencionado, à nossa sexualidade atávica. Prado cita um preceito médico para suportar sua tese
"post coitum animal triste, nisi gallus que cantat" - todo animal fica triste após o coito, exceto o
galo, que canta. Uma sociedade que tenha por objetivo maior o coito, terá, invariavelmente,
propensões melancólicas - por definição efêmero, todo o período (maior parte do tempo) de
ausência de gozo será preenchido pela tristeza.

Tanto o desejo por riqueza rápida (os colonos americanos também queriam riqueza, só que a
gerariam em sua nova terra, não queriam obtê-la dela), quanto o sensualismo atávico eram as
duas características que uniam todos os grupos étnicos do Brasil: "esse característico na
formação da nacionalidade é quase único na história dos povos. Os agrupamentos étnicos da
colônia - os mais variados, de Norte a Sul - não tiveram outro incentivo idealista senão esse de
procurar tesouros nos socavões e montanhas (PRADO, 1981, p. 68 e 69) e também:

Como da Europa do Renascimento nos viera o colono primitivo, individualista e anárquico, ávido
de gozo e vida livre - veio-nos, em seguida, o português da governança e da fradaria. Foi o
colonizador. Foi o nosso antepassado europeu. Ao primeiro contacto com o ambiente físico e
social do seu exílio, novas influências, das mais variadas espécies, dele se apoderariam e o
transformariam num ente novo, nem igual nem diferente do que partira da mãe-pátria.
Dominavam-no dois sentimentos tirânicos: sensualismo e paixão do ouro. A história do Brasil é
o desenvolvimento desordenado dessas obsessões subjugando o espírito e o corpo de suas
vítimas. Para o erotismo exagerado contribuíam como cúmplices - já dissemos - três fatores: o
clima, a terra, a mulher indígena ou a escrava africana. Na terra virgem tudo incitava ao culto do
vício sexual. (PRADO, 1981, p. 90)
Nada mais importava além de gozar e obter riqueza de maneira rápida e fácil: "na luta entre
esses apetites - sem outro ideal, nem religioso, nem estético, sem nenhuma preocupação
política, intelectual ou artística - criava-se pelo decurso dos séculos uma raça triste" (PRADO,
1981, p. 91 e 92).

O último capítulo do ensaio intitula-se "romantismo", a aura romântica, de tipo rousseauniano e


byroniano teve sua contribuição na formação do imaginário e caráter brasileiro: os jovens
minimamente letrados viviam uma vida "romântica".

Por suspeita que possa parecer a tese de Prado, a busca nas nossas raízes deixa pouco a
duvidar que sua explicação é, no mínimo, válida. O ensaio é de leitura agradável e é curto (150
páginas). Recomendo a todos interessados pela sociologia nacional. Subscrevo a exortação de
Paulo Prado que encerra seu texto: "a confiança no futuro não pode ser pior que o passado".
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. São Paulo, ed. Ibrasa, 1981.

Retratos do Brasil

Paulo Prado escreveu em 1928 seu famoso livro Retrato do Brasil, que tinha como subtítulo
"Ensaio sobre a tristeza brasileira";. A tristeza, o romantismo, a luxúria e o vício da imitação
eram apontados como os maiores problemas da nacionalidade. Dois outros livros, O país do
carnaval, de Jorge Amado, e Maquiavel e o Brasil, de Otávio de Farias, ambos de 1931,
expressavam o clima intelectual da época, marcado pela idéia de crise e incerteza.

Diferentes diagnósticos sobre os males brasileiros estavam presentes nas coleções publicadas
nos anos 30. A Brasiliana, fundada e dirigida por Fernando de Azevedo na Companhia Editora
Nacional, reeditou inúmeras obras de viajantes. Problemas Políticos Contemporâneos e
Documentos Brasileiros - esta última sucessivamente dirigida por Gilberto Freyre, Otávio
Tarquínio de Sousa e Afonso Arinos de Melo Franco na Editora José Olympio - traduziam a
necessidade de reinterpretar o passado, de compreender a realidade brasileira, de exprimir a
consciência social dos anos 30. A Coleção Azul, da Editora Schmidt, publicava os textos
polêmicos da época. São exemplos os livros Brasil errado, de Martins de Almeida, Introdução à
realidade brasileira, de Afonso Arinos de Melo Franco, O sentido do tenentismo, de Virgílio
Santa Rosa, e A gênese da desordem, de Alcindo Sodré.

As mudanças na indústria do livro introduzidas nos anos 20 por Monteiro Lobato foram
incorporadas por outras casas editoras. Destacou-se na época a Editora Globo, de Porto
Alegre, que contou com a colaboração do escritor Érico Veríssimo, divulgou valores da
literatura gaúcha e traduziu importantes autores da literatura mundial.

Introdução

O objetivo deste trabalho é falar sobre o autor Paulo Prado e sua interpretação da formação
nacional do estado brasileiro, a miscigenação e suas consequências, partir de três pilares:
cultura, meio e raça.

Retrato do Brasil – Ensaio sobre a tristeza brasileira- é um clássico da nossa cultura e trata-se
de uma brilhante e polêmica interpretação do caráter nacional. Publicada em 1928, a obra
busca entender e explicar o atraso econômico e cultural da Nação, através do processo de
formação étnico-cultural da nacionalidade e os vícios crônicos da política naquele momento.
O livro é dividido pelo autor em quatro capítulos: A Luxúria, A Cobiça, A Tristeza, o
Romantismo e um Post- Scriptum, e trata-se de uma obra contestadora das falácias
românticas, que dava ao Brasil “uma figuração quase épica” (Lourenço Mota). Afirma em sua
tese que os principais fomentadores da melancolia, da degeneração do caráter e do atraso
sócio-cultural do Brasil, foram a luxúria e a cobiça desmedidas nos tempos coloniais, situação
mascarada pelo romantismo no século XIX.

No primeiro capítulo dedicado a Luxúria encontramos, entre outros, os seguintes dizeres:

” ...Paraíso ou realidade, nele se soltara, exaltado pela ardência do clima, o sensualismo dos
aventureiros. Ai vinha esgotar a exuberância da mocidade força, para satisfazer os apetites de
homens a quem já incomodava e repelia a sociedade européia”

Os colonizadores que vieram à nova terra, já conheciam outras culturas, eram "miscigenados
moralmente". E a decadência moral era um fato. Paulo Prado faz uma comparação à
colonização da América do Norte exortando a disciplina e a disposição dos peregrinos para o
trabalho, donos de uma vontade inquebrantável e fortes princípios morais e religiosos. Os
portugueses também traziam em sua alma a tradição do cristianismo decadente da Europa e
tinham também assimilado outros costumes totalmente diversos, e isso talvez explique o
comportamento de barbárie em relação ao do selvagem que aqui vivia. Homens rejeitados em
sua pátria e por este motivo, sem nada a perder, lançavam-se nas aventuras em busca da
liberdade e da riqueza, para retornar á sua terra e usufruir de uma felicidade, das benesses e
do respeito que o poder do ouro lhes daria; vinham de uma Europa tumultuada pela
Renascença e suas reformas, castigada por guerras, revoluções e invasões por conquista de
territórios.

A imagem retratada pelos primeiros europeus que aqui chegaram, era a de extrema beleza,
abundante riqueza e de um povo naturalmente gentil e sensual. A visão que estes homens
tiveram com sua a chegada ao Novo Mundo, foi descrita por Cristovão Colombo nas primeiras
cartas endereçadas ao rei, como um paraíso edênico, de onde o homem havia sido expulso e
eles agora retornavam, devido à providência. O autor se refere ao descobrimento como
resultado de um movimento libertador que dotou esses aventureiros de um espírito
cruzadista, de novas ambições e curiosidades sobre os mistérios de regiões ainda
desconhecidas e passíveis de serem conquistadas. O clima quente e a beleza luxuriosa da mata
virgem despertaram naqueles homens os mais primitivos dos instintos e ao entrarem em
contato com nativos que viviam livremente, rapidamente assimilaram alguns de seus costumes
e, num culto ao corpo, deram vazão a todos os prazeres dos sentidos, alguns reprimidos e
vigiados em sua pátria natal. Os nativos eram livres, esses homens libertinos.

A falta de mulheres brancas, a presença de mulheres indígenas e africanas, uma conduta


sexual desregrada, o clima e a terra, contribuíram para que aqueles colonos primitivos se
entregassem a todos os vícios e crimes, com uma espantosa imoralidade que excedia a todos
os limites, segundo os próprios contemporâneos. Desenha-se o cenário onde surgiriam as
primitivas populações mestiças, a partir de “relações de pura animalidade” (pg. 31).
Outra paixão dominava aqueles homens: a Cobiça, outro elemento determinante segundo o
autor, que marcou profunda e psicologicamente o caráter do brasileiro, que assim descreve o
colonizador:

“Corsários, flibusteiros, caçulas das antigas


famílias nobres, jogadores arruinados, padres revoltados ou remissos, vagabundos dos portos
do Mediterrâneo, anarquistas, em suma, na expressão moderna, e insubmissos às peias
sociais- toda a escuma turva das velhas civilizações. Foi deles o Novo Mundo”.

Ao chegar ao novo território, com o imaginário repleto das histórias de Marco Pólo e
Mandeville, acerca dos paraísos perdidos, das ilhas ouro e de prata, das montanhas reluzentes
repletas de pedras preciosas, entregam-se deslumbrados a novas descobertas. Após se
servirem dos “donos da terra” de todas as maneiras possíveis, exterminaram aldeias inteiras,
com sua insaciável fome de ouro. E não mediam esforços para fazer fortuna rapidamente,
possibilidade que fascinava e renovava o animo a cada dia de prosseguir em sua busca.

Mas as minas só foram encontradas, de fato, no final do século XVI, quando recomeçou a febre
do ouro. Desta vez, as fortunas surgiam repentinamente, porém o país empobrecia. O cultivo
da terra foi abandonado, tal ansiedade pela descoberta do metal, ninguém mais trabalhava
esperando pela loteria das minas, com exceção do negro que de fato, era o único que
trabalhava. As pessoas morriam de fome, ao lado de montes de ouro; o comércio do açúcar foi
comprometido devido à diminuição do plantio da cana, causando uma crise de mercado nos
países que importavam o açúcar brasileiro, para citar apenas alguns dos diversos problemas da
colônia. E, o pior de tudo, o país se despovoava.

Portugal definitivamente, não sabia governar, e entregou nas mãos da Inglaterra e de outros
países da Europa praticamente toda fortuna que conquistou, pagando um alto preço pelo luxo
que a Metrópole e seus parasitas insistiam em ostentar. Os bandeirantes, alucinados e
enfraquecidos, segundo o autor, se multiplicavam e morriam, junto com suas bandeiras; as
minas funcionavam ininterruptamente, esgotando o meio ambiente. Os trabalhadores,
também esgotados, cumpriam sua parte, mas os governantes não exerciam sua função de bem
administrar tais riquezas. Dependiam do trabalho dos governados, mas se recusavam a
governar de fato. Uma fórmula infalível de miséria.

O autor, em sua tese, afirma que a junção desses dois terríveis vícios, a luxúria e a cobiça,
legou ao povo do Brasil a Tristeza. Neste capitulo, discorrerá mais uma vez sobre a
imoralidade do clero e da sociedade convivendo intimamente com mouros e negros.

”Numa terra radiosa vive um povo triste.

Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que

a revelaram ao mundo e a povoaram”.

Compara a América do Norte, colonizada por peregrinos que viviam na disciplina rígida do
cristianismo protestante e sua “higiene moral” e que lavravam a terra com suas próprias mãos,
com o Brasil, uma nação sem força de reação, colonizada por mercenários imorais e corruptos,
como afirmou Pe. Vieira: “... furtar era um verbo conjugado em todos os tempos na Índia
portuguesa”. A isso, junta-se o problema da mestiçagem, com o agravante da exploração do
trabalho escravo, que legou ao país um atraso econômico, uma gente sem princípios,
indolente, ignorante e gananciosa. Para o autor, a discrepância de valores morais e éticos
entre essas nações foi determinante na prosperidade da primeira e, naturalmente, na ruína da
segunda.

Atribui aos excessos físicos e à ausência de atividade mental o desenvolvimento de um


comportamento melancólico e doentio, que sucedeu à vida promiscua do colono e que seria
hereditário ao povo dessa descendência, gerando um país que cresceria como um corpo mal
nutrido de virtudes, doente e desorganizado, sendo mal administrado e portanto, cheio de
deficiências que o inferiorizaria diante de outros países. Prado faz uma dura critica a história
do país que começa a ser escrita de forma lírica, característica do romantismo que "adora sua
própria dor".

O Renascimento havia dado o impulso aqueles homens que se aventuravam pelos mares em
busca de um Novo Mundo e isto seria entendido de forma diversa pelas diversas classes de
pessoas daquele tempo, neste caso significou conduta desenfreada e nenhum amor à terra. O
Brasil foi colonizado por esse homem, sua cultura transplantada em uma terra definitivamente
diferente da velha Metrópole, e por este motivo não teria atingido o resultado esperado.
Aponta também a falta de originalidade do povo que imitava tudo o que vinha de fora, como
se isto os tornassem iguais a nobreza ostentada pela Coroa falida. Mas o mal já estava feito,
talvez impossível de remediar, senão com o tempo. E diz: “A luxúria, a cobiça, tristeza e o
romantismo, combinando-se de mil maneiras, haviam se incorporado ao modo de ser do
brasileiro”.

São Paulo, desde sua fundação, era diferenciado pelo povo que ali vivia, foi o primeiro a
esboçar um sinal de um patriotismo regional, lugar onde o centro cultural se formou. A
mistura dos europeus com a nobreza natural do gentio, fez surgir uma raça forte, rude e
valente, coisa que a história nos revela ao falar da superioridade dos paulistas e suas
interferências heróicas em diversas ocasiões. Isso se devia a miscigenação de duas culturas
onde uma complementava a outra, na visão do autor. A hospitalidade e generosidade indígena
aliada à coragem e espírito aventureiro do branco foram qualidades decisivas nas entradas e
bandeiras. Diferentemente de outras, onde o cruzamento com africanos teria "contaminado" a
descendência, pois ele era escravo, e perdendo além da posse de seu corpo a posse também
de sua alma. Isto resultou numa fraqueza, de onde surgiu sua miséria moral e a ilusória
superioridade de senhor de escravos. Os negros não eram donos de si, nem mesmo de seus
filhos, quanto mais de outros bens. De acordo com a observação cientificista, baseada na raça
e história, Paulo Prado conclui que, após conviver com desprezo da dignidade humana dos
senhores, numa relação imoral e inculta, sobrepondo à força uma cultura e uma religião tão
diferentes das que conheciam, o senhor pensava poder apagar completamente a cultura
africana que chegou a nossa terra nos negreiros, cultura que se julgava perdida pelo desleixo
dos costumes, sua resignação ao chicote, e todas as arbitrariedades protegidas por lei. Isto
marcou a mentalidade daqueles desterrados, que nunca mais voltariam a ver sua pátria. A
inferioridade marcada às vezes no rosto a ferro quente, concluía a destruição psicológica. O
africano não passava de uma mercadoria, valiosa até, mas uma mercadoria. Questiona os
problemas que virão no futuro a partir dessa mestiçagem com brancos e índios, e a
transformação biológica que, a seu ver, teria consequências desastrosas. Baseava-se num
critério cientifico do século XVI, quando naturistas teriam catalogado diversas doenças
surgidas a partir da mistura étnica. Havia também a possibilidade de, com a mistura das raças,
os traços negros desaparecerem. Era o que Paulo Prado esperava.

No Post-Scriptum, texto agregado ao Retrato, diz que, inspirados pela Revolução Americana na
luta contra os invasores e a expansão geográfica através das bandeiras e do gado, que algo
parecido com um sentimento nacionalista, percepção de territórios e fronteiras, parece
despertar. No final do século XVIII e no inicio do XIX havia apenas a sociedade, formada por
diversos grupos étnicos, preparando-se para se tornar Nação livre e cortar de vez o elo com
Portugal. Separar-se-ia da pátria-mãe o filho adotivo explorado e rejeitado, que pouco a pouco
tomava consciência de seu tamanho, de sua força e, principalmente, da necessidade de sua
emancipação política. O Estado sucedeu a Nação.

Conclusão

Diante de todas essas observações, Paulo Prado um modernista inconformado com os rumos
do Brasil, expõe sua tese com uma franqueza admirável, sem se preocupar com a fama de
pessimista que viria após as declarações contundentes no Retrato. Um detalhe nos chama a
atenção. No momento em que Paulo Prado produziu esta obra, o Brasil passava por uma crise
na produção de café:

"A famosa crise do café que faz parte da história de tantas famílias paulistas que sofreram suas
duras consequências, começa na realidade em 1920, devido ao continuo, descontrolado e
excessivo aumento da produção do café, cuja safra chegava a espantosos 21 milhões de sacas
para um consumo mundial de 22 milhões".(Histórianet -Crise de 1929 e Revolução de 1930;
Anibal de Almeida Fernandes, Agosto, 2006).

A atmosfera daquele tempo comportava uma insatisfação em vários setores da sociedade


paulista. Uma crise maior se anunciava por todo o território, e o autor não se omitiu diante
desse fato. Preveniu aquela sociedade em relação a uma possível guerra ou a revolução,
tamanho era o clima de tensão. Sua família tinha seu patrimônio e sua tradição ameaçados
pela possível fragmentação do país. Temia que o "mal" do romantismo, que segundo afirma
deformava e deturpava a realidade, e essa atitude "conformista" que se espalhara entre os
brasileiros, levasse o projeto de construção nacional à ruína. Analisou criticamente os
problemas nacionais, originários de uma matriz anacrônica instalada no país, e alertava seus
contemporâneos sobre a necessidade de cortar sumariamente os laços com a época colonial, e
assumir uma postura administrativa política eficiente para sanar os problemas nacionais.
Prado revelou em seu Retrato do Brasil, além do perfil de um povo brasileiro que ele julga
triste, o também triste perfil da elite aristocrática de sua época, que parecia viver num mundo
separado. Percebemos essa distancia quando se refere ao povo brasileiro e suas mazelas,
como se falasse de um outro, excluindo sua estirpe da mesma nacionalidade. Sentiam-se
também "desterrados" em sua própria terra?A xenofobia presente em seu discurso, ao longo
do livro, trazia sutilmente um outro embrião, que gestaria o sentido que hoje conhecemos
como o conceito de Racismo.

O livro foi intensamente criticado, pois ao escrever para a elite aristocrática de sua época,
tocou fundo, sobretudo no espírito soberbo daquela classe, desmistificando as maravilhas que
as obras românticas declaravam sobre o Brasil, buscando criar uma aura de perfeição e beleza,
da qual se falava desde a chegada dos portugueses em nossa terra, ignorando a realidade de
desigualdade e dos vários níveis de miséria herdadas do tempo colonial. Retrato do Brasil, obra
destinada principalmente a replicar explicitamente a Afonso Celso, autor do livro “Porque me
ufano de meu país”, e a todo “orgulho” nacional corrente na literatura brasileira, na agitação
de 1928, as vésperas da queda da Velha República. Ele se preocupava com o futuro do Brasil e
se comprometia a fazer de tudo para despertar aquele povo que dormia o sono colonial.

Percebemos a relevante importância do ofício de historiador ao registrar a história e povoar o


imaginário de um povo com as memórias de uma Nação, invocando dessa forma um espírito
nacionalista.

O Autor

Paulo Silva Prado, paulista nascido em 1869, primeiro filho do conselheiro Antonio Prado,
formou-se em 1889 na Faculdade de Direito de São Paulo. Sua família tinha a tradição dos
cafeicultores paulistas, e representou São Paulo no Comitê de Valorização do Café (1913-
1916). Tinha quase sessenta anos quando entrou para carreira literária. Historiador, sociólogo
e escritor, líder da cafeicultura paulista e participante ativo da intensa atividade cultural
daquela época, foi o mecenas de vários autores e principal organizador da Semana de Arte
Moderna, em fevereiro de 1922, que muito contribuiu para a renovação historiográfica
brasileira, sendo considerado um dos maiores analistas da vida social no Brasil durante o
período pré-revolucionário entre 1900 e 1920.

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