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RESUMO
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Graduanda em Letras – Português/Inglês pela Universidade Federal do Ceará (deborareche_@hotmail.com)
muitos anos, e quando foram, perpassavam a visão de um homem, que escrevendo sobre a
realidade, angústias e devaneios de uma mulher, imaginava estar profundamente ligado a real
realidade do ser-feminino.
A crítica literária feminina teve também sua margem de dependência da escrita de
teorias e ficção unicamente feita por homens. O que não retrata a inexistência de escritoras de
sucesso anteriores ao século XX, Jane Austen, as irmãs Brontë (Emily, Charlotte e Anne), são
exemplos de magnificência quando se fala de escrita ficcional no contexto literário mundial.
Entretanto, mesmo escrevendo com propriedade sobre lutas feministas, questões de gênero
enfrentadas por aquelas mulheres de 1800, para terem suas obras validadas, as irmãs Brontë,
por exemplo, tinham que usar pseudônimos masculinos, pois não era permitido a assinatura
de seus próprios nomes na autoria. Como bem coloca Virgínia Woolf em seu texto Um teto
todo seu, publicado originalmente em 1929, essa invisibilidade no que se refere à produção
feminina em várias áreas causou uma espécie de carência de tradição, de história sobre
antecessoras que poderiam servir como referência para as mulheres que escreviam e
participavam da vida cultural do século XX. No Brasil, não diferentemente, a produção
escrita foi conduzida desde a colônia por mãos masculinas, tendo as primeiras escritoras a
serem “reconhecidas” na Academia ou na mídia somente no final do séc. XIX, início do séc.
XX.
Faz-se importante destacar a atuação mais concisa da escrita feminina no Brasil ao
passo que a escrita social se fazia popular; ou seja, questões de caráter coletivo,
desmarginalização de classes, lutas proletárias, fundiam-se com as lutas de gênero discutidas
tanto nas narrativas, como nas autorias. A partir da segunda metade do século XIX e início do
século XX, escritoras como a parnasiana Francisca Júlia, Júlia Lopes de Almeida, Gilka
Machado, as modernas, Patrícia Galvão, Raquel de Queiroz, adentravam o cenário da
produção e concretização da literatura feminina nacional.
Nesse sentido, apesar dos percalços enfrentados, já se era comum mulheres
escrevendo literatura, contudo, ainda assim produções de cunho mais sexual ou até mesmo
pornográficas, com níveis de profundidade e/ou subjetividade da alma humana, tão
questionada ao longo do tempo por diversos escritores, não foram bem aceitas quando
escritas unicamente por mulheres. Como é o caso da escritora, Hilda Hilst e sua obra A
Obscena Senhora D (1981), produção discutida neste breve ensaio, com o intuito de reflexão
a respeito da forma de construção literária de Hilst, o fluxo de consciência como estilo de
narrativa, aspectos característicos da produção da autora, tais como o erotismo em paralelo
ao Sagrado, dentro outros.
Obscena Senhora D, obra à qual será discutida ao longo deste estudo, foi o texto
escolhido por Alcir Pécora para iniciar esta série de reedições. Sua edição original data de
1982, quando foi publicada pela Massao Ohno. O organizador vê nesta narrativa “um
momento de perfeito equilíbrio de desempenho, nos quais se cruzam todos os grandes temas
e registros da prosa de ficção que Hilda Hilst vinha praticando desde o início dos anos 70”
(PÉCORA, 2001, p.12). Ele justifica sua escolha baseado no fato desta obra organizar, de
forma coesa, os registros e dicções presentes também nos outros dois principais gêneros
praticados com maestria pela autora: a poesia e o teatro. A obscena Senhora D é considerada,
aliás, de difícil caracterização, uma vez que versos e rimas ali presentes deixam transparecer
a poesia contida na prosa. Além disso, a mescla dos diálogos com o fluxo de consciência
atinge ritmos poéticos, deixando, por outro lado, transparecer a potência dramática do texto
(cf. ibidem, p. 13-14).
Por questões de compreensão meramente didática, o presente estudo será dividido em
dois eixos temáticos, sendo o primeiro voltado para a produção de Hilst, o estilo utilizado
para a caracterização da narrativas; a disposição dos personagens; a confluência da escrita
contemporânea na obra; as influências, etc. O segundo momento será reservado para a
caracterização do erótico e do sagrado em A obscena Senhora D, referindo-se ao longo da
análise do corpus, trechos selecionados da obra aqui estudada. Como bem resumiria Nelly
Novaes Coelho, há duas interrogações radicais na poética de Hilda Hilst: uma de natureza
física, centrada na figura da mulher e sua fusão amorosa com o outro, e outra de natureza
metafísica, situada entre o profano e o sagrado, tentando desvendar Deus (cf. NOVAES,
1993).
Nesse fragmento da narrativa, percebe-se o nível que as mulheres são subjugadas pela
falta de profundidade ou complexidade que Hillé contrariamente carrega. Enquanto o marido
e a esposa, que são introduzidos na narrativa sem qualquer apresentação, como meras falas da
memória de Hillé, são representativos para a formação da crítica. Chama-se atenção para o
caráter pornográfico da resposta da esposa, que após ser constrangida à superficialidade
intelectual, joga para o marido o seu único interesse “(...) tu entendes muito é de meter e
taponas, empurrões(...)”.
No sentido em que se é apresentado o teor mais pornográfico da prosa de Hilda, faz-se
uma ligação direta para com a dicotomia profano x sagrado, presente em toda a produção da
autora, não obstante a obra analisada neste ensaio. No que se refere ao erótico em A Obscena
Senhora D, a narrativa propõe acirradamente a disputa entre Deus e Carne, Consciência,
Logos da nossa personagem/narradora.
Vive então Hillé, planejando o que deve fazer em sua espera pela morte, sonhando
nesta o encontro com seu objeto de desejo: o divino, Deus, o superior, seja qual for o nome
que utilize para se referir a este. Para Hillé, a protagonista, a morte se apresenta como o fim
de sua busca por entendimento, o que se percebe ao final da obra, nas palavras do
Menino-porco, quando esse diz que Hillé foi “um susto que adquiriu compreensão” (HILST,
2001, p. 89). O fim da narrativa culmina com a morte da personagem e com o fim de seus
questionamentos, bem como com a consciência quanto à inutilidade das respostas para todas
as perguntas que sempre fez a Deus.
A obra em si – um momento, não se sabe sua duração, na psique da personagem –
deixa evidente a inércia que toma conta dos dias da obscena Senhora D, de sua vida prática,
principalmente após a morte de Ehud. Como o presente nada lhe oferece, ou lhe oferece o que
ela não quer (contatos com os vizinhos, com as banalidades da rotina), Hillé busca sempre
um contato com o divino, demonstrando um desejo de se afastar das coisas vivas:
Além de colocar apenas vida artificial no aquário, os peixes de papel que ela produz
ainda são recortados em papel pardo, que não brilha e não carrega nenhuma nuance de cor. A
mais pura imitação da vida, deixando claro que ali não há vida de fato, apenas a lembrança da
ausência dela. Não há mais, na vida presente da personagem , assim como na do eu lírico do
poema antes citado, algo que sirva de ligação com o mundo real, apenas as “promessas da
memória”, as constantes lembranças de seus diálogos com Ehud, de acontecimentos vividos
pelos dois, de seu pai e mãe, que nos remetem necessariamente ao tempo passado. Apenas a
recordação, o ato de voltar e rever, fornece a possibilidade de alegria sem ansiedades sobre a
possível extinção da vida, pois todos os demais atos são descritos pela personagem como
inutilidades.
Sabe-se, pois, que a escrita de Hilda Hilst apesar de tida por muitos como hermética,
carrega uma semântica profunda, tanto que em seus escritos são por diversas vezes citados
nomes de grandes filósofos, sociólogos, estudiosos da vida humana. Em A obscena senhora
D não poderia ser diferente, uma obra de caráter metafísico, sentimental, complexo, contudo
de um lirismo fino, uma beleza profunda, uma produção que explicita a dor da Morte, da
loucura do que é a existência. Hillé é a representação dos fantasmas que perseguem quem
domina o conhecimento, é uma personagem que remete uma reflexão crua, contudo, no fundo
só é dor, dor de quem perder um amor, um pai, dor não saber o porquê, dor que Humanos
sentem. Hilda, consegue harmoniosamente transpassar crítica formal, estrutural, conteudista,
humanística, erótica, cotidiana em uma só obra, a fim de uma escrita que transgrida o seu
tempo e o de Hillé.
REFERÊNCIAS
LEME, Alfredo. Foco narrativo e fluxo da consciência. Questões de teoria literária. São
Paulo: Pioneira, 1981.
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. São Paulo: Nova Fronteira, 1990.