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A OBSCENA SENHORA D​, EROS E TRANSGRESSÃO

Débora Reche Costa Rodrigues1

RESUMO

O presente ensaio tem como objetivo analisar a construção da imagem feminina da


personagem principal da obra ficcional ​A Obscena Senhora D ​(2001)​, de Hilda Hilst por
meio da perspectiva do erotismo e da transgressão literária. O ​corpus é constituído pelos
trechos retirados do livro que permitem verificar duas coisas: 1) o comportamento da
personagem principal em meio ao contexto de imersão no fluxo de consciência. 2) a
(i)logicidade da protagonista Hillé como questionamento da construção do outro, tendo por
base investigações relativas às relações de poder na sociedade patriarcal, onde mulheres que
têm um comportamento divergente daquele previamente estabelecido, são tachadas de
insanas. Os resultados comprovam que o discurso da personagem e o modo como ela é
representada ao longo da narrativa a revelam com comportamentos fora dos padrões
definidos para o seu sexo, em que tem sua origem na exacerbação da força erótica que, na
impossibilidade de ser satisfeita fisicamente, é direcionada ao sagrado, na busca da
personagem por completude, por Deus, pelo divino.

Palavra-Chave: Hilda Hilst. Feminino. Literatura. Eros. Transgressão.

1​.​ A LITERATURA FEMININA NO SÉCULO XX COMO ROMPIMENTO DA


CULTURA PATRIARCAL

Durante séculos, a literatura foi palco da propagação de pensamentos e teorias do


conhecimento masculino, o que não significa que as mulheres não produziam teorias, ou que
não se questionavam a respeito do que acontecia no contexto social no qual estavam
inseridas; contudo, o sistema patriarcal que regia, e que rege até hoje, majoritariamente as
regras de publicação de quaisquer produção escrita, era comandado por homens. Nesse
sentido, questões de decoro unicamente feminino não foram salientadas pela literatura por

1
​Graduanda em Letras – Português/Inglês pela Universidade Federal do Ceará (deborareche_@hotmail.com)
muitos anos, e quando foram, perpassavam a visão de um homem, que escrevendo sobre a
realidade, angústias e devaneios de uma mulher, imaginava estar profundamente ligado a real
realidade do ser-feminino.
A crítica literária feminina teve também sua margem de dependência da escrita de
teorias e ficção unicamente feita por homens. O que não retrata a inexistência de escritoras de
sucesso anteriores ao século XX, Jane Austen, as irmãs Brontë (Emily, Charlotte e Anne), são
exemplos de magnificência quando se fala de escrita ficcional no contexto literário mundial.
Entretanto, mesmo escrevendo com propriedade sobre lutas feministas, questões de gênero
enfrentadas por aquelas mulheres de 1800, para terem suas obras validadas, as irmãs Brontë,
por exemplo, tinham que usar pseudônimos masculinos, pois não era permitido a assinatura
de seus próprios nomes na autoria. Como bem coloca Virgínia Woolf em seu texto ​Um teto
todo seu,​ publicado originalmente em 1929, essa invisibilidade no que se refere à produção
feminina em várias áreas causou uma espécie de carência de tradição, de história sobre
antecessoras que poderiam servir como referência para as mulheres que escreviam e
participavam da vida cultural do século XX. No Brasil, não diferentemente, a produção
escrita foi conduzida desde a colônia por mãos masculinas, tendo as primeiras escritoras a
serem “reconhecidas” na Academia ou na mídia somente no final do séc. XIX, início do séc.
XX.
Faz-se importante destacar a atuação mais concisa da escrita feminina no Brasil ao
passo que a escrita social se fazia popular; ou seja, questões de caráter coletivo,
desmarginalização de classes, lutas proletárias, fundiam-se com as lutas de gênero discutidas
tanto nas narrativas, como nas autorias. A partir da segunda metade do século XIX e início do
século XX, escritoras como a parnasiana Francisca Júlia, Júlia Lopes de Almeida, Gilka
Machado, as modernas, Patrícia Galvão, Raquel de Queiroz, adentravam o cenário da
produção e concretização da literatura feminina nacional.
Nesse sentido, apesar dos percalços enfrentados, já se era comum mulheres
escrevendo literatura, contudo, ainda assim produções de cunho mais sexual ou até mesmo
pornográficas, com níveis de profundidade e/ou subjetividade da alma humana, tão
questionada ao longo do tempo por diversos escritores, não foram bem aceitas quando
escritas unicamente por mulheres. Como é o caso da escritora, Hilda Hilst e sua obra ​A
Obscena Senhora D ​(1981), produção discutida neste breve ensaio, com o intuito de reflexão
a respeito da forma de construção literária de Hilst, o fluxo de consciência como estilo de
narrativa, aspectos característicos da produção da autora, tais como o erotismo em paralelo
ao Sagrado, dentro outros.
Obscena Senhora D​, obra à qual será discutida ao longo deste estudo, foi o texto
escolhido por Alcir Pécora para iniciar esta série de reedições. Sua edição original data de
1982, quando foi publicada pela Massao Ohno. O organizador vê nesta narrativa “um
momento de perfeito equilíbrio de desempenho, nos quais se cruzam todos os grandes temas
e registros da prosa de ficção que Hilda Hilst vinha praticando desde o início dos anos 70”
(PÉCORA, 2001, p.12). Ele justifica sua escolha baseado no fato desta obra organizar, de
forma coesa, os registros e dicções presentes também nos outros dois principais gêneros
praticados com maestria pela autora: a poesia e o teatro. ​A obscena Senhora D é considerada,
aliás, de difícil caracterização, uma vez que versos e rimas ali presentes deixam transparecer
a poesia contida na prosa. Além disso, a mescla dos diálogos com o fluxo de consciência
atinge ritmos poéticos, deixando, por outro lado, transparecer a potência dramática do texto
(cf. ibidem, p. 13-14).
Por questões de compreensão meramente didática, o presente estudo será dividido em
dois eixos temáticos, sendo o primeiro voltado para a produção de Hilst, o estilo utilizado
para a caracterização da narrativas; a disposição dos personagens; a confluência da escrita
contemporânea na obra; as influências, etc. O segundo momento será reservado para a
caracterização do erótico e do sagrado em ​A obscena Senhora D​, referindo-se ao longo da
análise do ​corpus​, trechos selecionados da obra aqui estudada. Como bem resumiria Nelly
Novaes Coelho, há duas interrogações radicais na poética de Hilda Hilst: uma de natureza
física, centrada na figura da mulher e sua fusão amorosa com o outro, e outra de natureza
metafísica, situada entre o profano e o sagrado, tentando desvendar Deus (cf. NOVAES,
1993).

2​.​ A CONSCIÊNCIA DE HILLÉ COMO DIAGNÓSTICO DA MENTE FEMININA

Como já dito anteriormente, a obra é conduzida de dentro da consciência de Hillé,


personagem principal do romance, que é apresentada desde o início da narrativa como um ser
que tem seus impasses com a Morte, a Vida, o Sagrado, o Existir, no sentido de que a
protagonista procura por respostas, certezas que nunca chegam: “à procura da luz numa
cegueira silenciosa, à procura do sentido das coisas” (HILST, 2001, p. 17). Já as primeiras
linhas de ​A obscena Senhora D colocam o leitor de imediato em contato com a voz
fragmentada de Hillé. Ao longo do texto não há uma demarcação nítida de quem participa
dos diálogos representados nem se a própria Hillé está se referindo a eventos do presente ou
apenas fazendo alusões ao passado. No entanto, apesar de haver mudanças no foco narrativo,
a narrativa se desenvolve em primeira pessoa, através de um fluxo de consciência intenso, por
meio do qual temos contato com estas outras vozes. O fluxo revela uma mulher dividida, que
vive em meio a suas lembranças, pensamentos e angústias.

“[​...​] Senhora D, se ao invés desses tratos com o divino, desses luxos do


pensamento, tu me fizesses um café, hen? E apalpava, escorria os dedos na
minha anca, nas coxas, encostava a boca nos pelos, no meu mais fundo, dura
boca de Ehud, fina úmida e aberta se me tocava, eu dizia olhe espere, queria
tanto te falar, não, não faz agora, Ehud, por favor, queria te falar, te falar da
morte de Ivan Ilitch, da solidão desse homem, desses nadas do dia a dia que
vão consumindo a melhor parte de nós, queria te falar do fardo quando
envelhecemos, do desaparecimento, dessa coisa que não existe mas é crua, é
viva, o Tempo.” ​(HILST, 2001, p. 17)

No trecho acima, podemos ver como a narrativa é organizada pela consciência de


Hillé. As demarcações de diálogos, por exemplo, entre a personagem principal e o marido,
Ehud, não são claramente feitas pelo uso de dois pontos e travessão “(​...​)tu me fizesses um
café, hen? E apalpava, escorria (...)”. Ao passo que a narrativa não faz menção ao tempo, se é
presente ou passado, percebe-se, contudo, ao longo da narrativa que o marido já não está
vivo, ou seja, as conversas tidas com Ehud fazem parte somente das memórias de Hillé​.
Ainda referindo-se à escrita de Hilst, o fluxo de consciência, estética tão usada na segunda
metade do século, faz com que incorpore-se à consciência de Hillé tão perturbada por tantas
questões existenciais e/ou metafísicas, ao ponto de serem consideradas esquizofrênicas, uma
clara aproximação que no mínimo representa a consciência dos modernos​.
O professor Alfredo Leme que, em seu livro ​Fluxo da consciência e foco narrativo,​
de 1981, examina as várias nomenclaturas relacionadas à caracterização do narrador, dando
destaque para as obras que apresentam o fluxo da consciência. Desse modo, ele ressalta que
tal método procura “apresentar, através de uma linguagem truncada ou desordenada, o
pensamento ainda não claramente formulado do ponto de vista lógico ou lingüístico” (LEME,
1981, p. 61) – ou a realidade da fluidez psíquica –, gerando uma quebra nos moldes da
linguagem tradicional, linear. A consequência da utilização das técnicas acima citadas,
especificamente nesta obra de Hilda Hilst, é o esfacelamento da figura do narrador e,
consequentemente, de qualquer interferência deste no desenrolar do enredo ou da leitura do
mesmo. O se ler parece, portanto, “representado como sendo completamente sincero, como se
não houvesse leitor” (HUMPHREY, 1976, p.23). De fato, Hilst apresenta uma Hillé despida,
exposta, sem as proteções racionais que deveriam guiá-la em seus rápidos contatos com o
mundo exterior, aparentemente não temendo o olhar de quem quer que seja.
Outro aspecto que se absorve dessa construção tão complexa que é a subjetividade de
Hillé, é a não conformidade com a sua existência desmotivada, e como isso a atinge como
Mulher. Observa-se no trecho em destaque:
“[​...​] você sente às vezes o irreal desses ires e vires, o ininteligível de todos
os passos, hen, sente? A madama olhava o marido, abestada, o marido dizia:
sabe, Hillé, minha mulher não entende essas angústias da gente.
a mulher: ahnn, não entende é?
o marido: não é isso, benzinho, Hillé quer dizer que
a mulher: quer dizer o caralho, tu entendes muito é de meter
e taponas, empurrões, o marido tropeçando e pedindo desculpas pela
grosseria da mulher, e Ehud um sorriso miúdo, adoçado, e Hillé: meu Deus,
alguma coisa errada não foi, Ehud? [​...​]” ​(HILST, 2001, p. 38)

Nesse fragmento da narrativa, percebe-se o nível que as mulheres são subjugadas pela
falta de profundidade ou complexidade que Hillé contrariamente carrega. Enquanto o marido
e a esposa, que são introduzidos na narrativa sem qualquer apresentação, como meras falas da
memória de Hillé, são representativos para a formação da crítica. Chama-se atenção para o
caráter pornográfico da resposta da esposa, que após ser constrangida à superficialidade
intelectual, joga para o marido o seu único interesse “(...) tu entendes muito é de meter e
taponas, empurrões(...)”.
No sentido em que se é apresentado o teor mais pornográfico da prosa de Hilda, faz-se
uma ligação direta para com a dicotomia profano x sagrado, presente em toda a produção da
autora, não obstante a obra analisada neste ensaio. No que se refere ao erótico em ​A Obscena
Senhora D​, a narrativa propõe acirradamente a disputa entre Deus e Carne, Consciência,
Logos da nossa personagem/narradora.

3. A OBSCENIDADE SAGRADA DE HILLÉ

Vive então Hillé, planejando o que deve fazer em sua espera pela morte, sonhando
nesta o encontro com seu objeto de desejo: o divino, Deus, o superior, seja qual for o nome
que utilize para se referir a este. Para Hillé, a protagonista, a morte se apresenta como o fim
de sua busca por entendimento, o que se percebe ao final da obra, nas palavras do
Menino-porco, quando esse diz que Hillé foi “um susto que adquiriu compreensão” (HILST,
2001, p. 89). O fim da narrativa culmina com a morte da personagem e com o fim de seus
questionamentos, bem como com a consciência quanto à inutilidade das respostas para todas
as perguntas que sempre fez a Deus.
A obra em si – um momento, não se sabe sua duração, na psique da personagem –
deixa evidente a inércia que toma conta dos dias da obscena Senhora D, de sua vida prática,
principalmente após a morte de Ehud. Como o presente nada lhe oferece, ou lhe oferece o que
ela não quer (contatos com os vizinhos, com as banalidades da rotina), Hillé busca sempre
um contato com o divino, demonstrando um desejo de se afastar das coisas vivas:

Quando Ehud morreu morreram também os peixes do pequeno aquário,


então recortei dois peixes pardos de papel, estão comigo aqui no vão da
escada, no aquário dentro d’água, não os mesmos, a cada semana recorto
novos peixes de papel pardo, não quero mais ver coisa muito viva, peixes
lustrosos não, nem gerânios, maçãs romãs, nem sumos, suculências, nem
laranjas. (HILST, 2001, p. 19)

Além de colocar apenas vida artificial no aquário, os peixes de papel que ela produz
ainda são recortados em papel pardo, que não brilha e não carrega nenhuma nuance de cor. A
mais pura imitação da vida, deixando claro que ali não há vida de fato, apenas a lembrança da
ausência dela. Não há mais, na vida presente da personagem , assim como na do eu lírico do
poema antes citado, algo que sirva de ligação com o mundo real, apenas as “promessas da
memória”, as constantes lembranças de seus diálogos com Ehud, de acontecimentos vividos
pelos dois, de seu pai e mãe, que nos remetem necessariamente ao tempo passado. Apenas a
recordação, o ato de voltar e rever, fornece a possibilidade de alegria sem ansiedades sobre a
possível extinção da vida, pois todos os demais atos são descritos pela personagem como
inutilidades.
Sabe-se, pois, que a escrita de Hilda Hilst apesar de tida por muitos como hermética,
carrega uma semântica profunda, tanto que em seus escritos são por diversas vezes citados
nomes de grandes filósofos, sociólogos, estudiosos da vida humana. Em A obscena senhora
D não poderia ser diferente, uma obra de caráter metafísico, sentimental, complexo, contudo
de um lirismo fino, uma beleza profunda, uma produção que explicita a dor da Morte, da
loucura do que é a existência. Hillé é a representação dos fantasmas que perseguem quem
domina o conhecimento, é uma personagem que remete uma reflexão crua, contudo, no fundo
só é dor, dor de quem perder um amor, um pai, dor não saber o porquê, dor que Humanos
sentem. Hilda, consegue harmoniosamente transpassar crítica formal, estrutural, conteudista,
humanística, erótica, cotidiana em uma só obra, a fim de uma escrita que transgrida o seu
tempo e o de Hillé.

REFERÊNCIAS

COELHO, Nelly Novaes. A literatura feminina no Brasil contemporâneo. São Paulo:


Siciliano, 1993

LEME, Alfredo. Foco narrativo e fluxo da consciência. Questões de teoria literária. São
Paulo: Pioneira, 1981.

GUIMARÃES, Cinara L. A obscena Senhora D, de Hilda Hilst, e as relações entre Eros,


Tânatos e Logos. João Pessoa, UFPB, 2007.

HILST, Hilda. A Obscena Senhora D. São Paulo: Globo, 2001.

HUMPHREY, Robert. O Fluxo da Consciência: um estudo sobre James Joyce, Virginia


Woolf, Dorothy Richardson, William Faulkner e outros; trad. de Gert Meyer. São Paulo,
McGraw-Hill do Brasil, 1976.
PÉCORA, Alcir. A moral pornográfica. Suplemento Literário do “Minas Gerais”. n. 70, p.
16-19. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, abr. 2001.

WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. São Paulo: Nova Fronteira, 1990.

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