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TEMAS DE ESTUDO EM

CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Autora: Vivian Leyser

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Prof. Júlio Roussenq Neto

Revisão Gramatical: Profa. Iara de Oliveira

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © UNIASSELVI 2010


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

574
L685t Leyser, Vivian.
Temas de Estudo em Ciências Biológicas/ Vivian
Leyser Centro Universitário Leonardo da Vinci –
Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2010.x ;
99 p.: il

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-776-9

1. Ciências Biológicas : Temas de 2. Ensino de


Biologia I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título
Vivian Leyser

Licenciada em Ciências Biológicas


(UFRGS), Mestre em Genética Humana UFRGS)
e Doutora em Educação, com ênfase em Ensino
de Ciências (UFSC-Oxford University). Pesquisadora
e docente da UFSC, atuando em projetos sobre
Educação Científica e Tecnológica. Membro fundador
da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em
Ciências (ABRAPEC) e da Associação Brasileira de
Ensino de Biologia (SBEnBio), com publicações
em periódicos nacionais e internacionais.
Sumário

APRESENTAÇÃO...................................................................... 7

CAPÍTULO 1
Biologia, Ética e Educação: Conexões Necessárias.......... 9

CAPÍTULO 2
Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas ................ 25

CAPÍTULO 3
Clonagem, Células-Tronco e Saúde Humana.....................41

CAPÍTULO 4
Variações Biológicas na Espécie Humana
e a Questão do Racismo ....................................................... 53

CAPÍTULO 5
Evolução Biológica e os Conflitos entre
Ciência e Religião ................................................................. 65

CAPÍTULO 6
Uso de Animais na Pesquisa e no Ensino............................. 83

CAPÍTULO 7
Bioética na Atuação de Profissionais
do Ensino de Biologia .......................................................... 93
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

O objetivo geral da disciplina Temas de estudo em Ciências Biológicas é


revisar e problematizar alguns tópicos contemporâneos e polêmicos do ensino de
Biologia, cuja abordagem pode proporcionar ricas oportunidades de discussão em
sala de aula, contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento da capacidade
de reflexão e autonomia dos alunos.

No capítulo 1, você acompanhará uma breve discussão sobre as importantes


conexões entre Biologia, Ética e Educação, relacionando-as com as atividades
profissionais do Biólogo e do professor de Biologia. No capítulo 2, dentro do tema
“Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas”, serão abordadas algumas das
implicações desta área da Biologia para a reprodução humana, em especial,
a questão do uso de testes genéticos. Já no Capítulo 3, faremos uma revisão
conceitual que permitirá a você entender um pouco mais sobre clonagem e células-
tronco, bem como sobre o impacto desses avanços para o tratamento de doenças
humanas. No capítulo 4, você terá informações sobre as origens históricas,
sociais e biológicas das noções de racismo e discutiremos possibilidades para
você trabalhar, em sala de aula, concepções não-racistas da variabilidade
humana. O capítulo 5, intitulado “Evolução Biológica e os conflitos entre ciência
e religião”, revisa e ressalta aspectos teóricos fundamentais sobre o conceito
de evolução, que permeiam o ensino de Biologia como um todo, e oferecerá
para você, professor(a), algumas sugestões metodológicas para trabalhar esse
assunto tão sensível com seus alunos. No capítulo 6, terá a oportunidade de
conhecer um pouco mais sobre os argumentos a favor e contra o uso de animais
de laboratório, no ensino e na pesquisa, ressaltando-se a dimensão ética desta
polêmica e, na conclusão deste caderno de estudos, o capítulo 7 destacará
aspectos que caracterizam um ensino de Biologia centrado na abordagem de
temas controversos e oferecerá alguns critérios de seleção para outros temas que
você venha a incluir na sua experiência profissional, como professor de Biologia.

A autora.

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C APÍTULO 1
Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Identificar temas vinculados ao ensino de Biologia que se beneficiem de


abordagens problematizadoras entre ciência e ética.

33 Analisar alguns destes temas, relacionando-os com o exercício profissional do


biólogo e do professor de Biologia.

33 Conhecer as características da organização e trabalho dos comitês de ética


institucionais.
Capítulo 1 Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

Contextualização
Já vivemos o século da Biologia. Se, anteriormente, o domínio das ciências
naturais era exercido pela ciência da Física, na virada do milênio se cumpriu o
que pode ser chamado de profecia biológica.

O século XXI iniciou com novidades saindo diretamente dos


O século XXI iniciou
laboratórios onde se estuda a complexidade do fenômeno “vida”.
com novidades
Basta ligar a televisão ou abrir revistas disponíveis em qualquer saindo diretamente
banca para ver estas novidades - você, como professor(a) de dos laboratórios
Biologia, bem sabe que nunca se falou tanto em assuntos como onde se estuda a
testes genéticos, transgênicos, “bebês de proveta”, “superbactérias”, complexidade do
vida artificial e muitos outros! Algumas dessas novidades realmente fenômeno “vida”.
vieram para ficar e são acompanhadas de muitas promessas e
expectativas favoráveis, por exemplo, a decifração do genoma humano, os
cultivos transgênicos, a utilização de células-tronco para o tratamento de doenças
humanas e as técnicas de fertilização assistida. Já outras notícias vêm a público
contaminadas por preocupações e ameaças, entre elas, a notícia da criação do
primeiro microrganismo artificial, em maio de 2010; a ocorrência de numerosos
desastres ambientais ao longo dos últimos meses; as ameaças à biodiversidade;
o recrudescimento de doenças como a tuberculose, a dengue e as gripes; a
presença de contaminantes e poluentes nos nossos alimentos, ar e água.

Atividade de Estudos:

1) Você poderia citar outros acontecimentos ou notícias recentes que


se relacionam com os avanços e repercussões da Biologia e que
afetam o seu cotidiano, tanto como professor(a) como cidadã(o)?
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Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Estes e muitos outros acontecimentos da atualidade geram discussões e


muita polêmica. Para debatê-los, os conhecimentos de Biologia têm um destacado
papel a desempenhar, que vem sendo crescentemente ressaltado pelos meios de
comunicação.

Neste capítulo, você irá inicialmente acompanhar uma breve exposição sobre
os vínculos que podem ser estabelecidos entre Biologia, Ética e Educação, à luz
das atuais implicações dos conhecimentos biológicos para a nossa sociedade.

A seguir, apresentaremos temas do ensino de Biologia que se beneficiam de


abordagens éticas e você poderá aprofundar alguns deles nos capítulos seguintes
deste Caderno de estudos.

Finalmente, tendo em vista as repercussões que tais temas geram na


sociedade, é pertinente conhecer algumas determinações oficiais em relação ao
trabalho dos pesquisadores que atuam em áreas de ponta da Biologia. Dessa
forma, você conhecerá os objetivos e as características dos comitês de ética de
pesquisa institucionais.

Explorando as Conexões entre


Biologia, Ética e Educação
Você, professor(a) de Biologia, sabe muito bem como o seu
Atualmente, a trabalho em sala de aula vem sendo afetado pela valorização dos
educação científica
conhecimentos científicos e pelo crescimento das pesquisas em áreas
em geral e o
ensino de Biologia como a Genética, Ecologia e Biologia Molecular.
em particular
cumprem a função Certamente está atento às implicações éticas, sociais e culturais
de uma verdadeira que tais conhecimentos e avanços podem trazer para a vida de seus
preparação para alunos e da sociedade em geral. Assim, seu papel como professor
a cidadania e, se estende para além de mediar a compreensão dos conceitos e
assim, reforça-se fenômenos científicos, que instrumentam seus alunos para o acesso
a necessidade de
aos níveis de educação avançados, como a universidade. Atualmente,
uma adequada
preparação do a educação científica em geral e o ensino de Biologia em particular
profissional de cumprem a função de uma verdadeira preparação para a cidadania
ensino para e, assim, reforça-se a necessidade de uma adequada preparação do
desempenhar esse profissional de ensino para desempenhar esse papel.
papel.
Contudo, ao exercitar este papel, você deve frequentemente
constatar que as programações curriculares e os materiais didáticos disponíveis
para seu trabalho, principalmente no Ensino Médio, ainda não oferecem conteúdos
e estratégias adequadas para promover um ensino de Biologia mais contextualizado.

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Capítulo 1 Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

O reconhecimento do desafio de ensinar, na atualidade, uma Biologia que


efetivamente contribua para a alfabetização científica das novas gerações está
assim expresso nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006):

[...] apesar de a Biologia fazer parte do dia a dia da população,


o ensino dessa disciplina encontra-se tão distanciado da
realidade que não permite à população perceber o vínculo
estreito existente entre o que é estudado na disciplina Biologia
e o cotidiano. Essa visão dicotômica impossibilita ao aluno
estabelecer relações entre a produção científica e o seu
contexto, prejudicando a necessária visão holística que deve
pautar o aprendizado sobre a Biologia. O grande desafio do
professor é possibilitar ao aluno desenvolver as habilidades
necessárias para a compreensão do papel do homem na
natureza.

O mesmo documento acrescenta ainda que:

[...] para enfrentar esses desafios e contradições, o ensino


de Biologia deveria se pautar pela alfabetização científica.
Esse conceito implica três dimensões: a aquisição de um
vocabulário básico de conceitos científicos, a compreensão
da natureza do método científico e a compreensão sobre o
impacto da ciência e da tecnologia sobre os indivíduos e a
sociedade.

No presente caderno de estudos, vamos explorar alguns temas do ensino de


Biologia que, se apropriadamente trabalhados em sala de aula, podem promover a
necessária e desejável conexão entre os conhecimentos científicos e a vida social
e cotidiana dos alunos. Para além do caráter instrumental desses conhecimentos
como ferramentas de alfabetização científica do educando para que este conheça
e interprete o mundo vivo, iremos, também, identificar e discutir possíveis vínculos
existentes entre os conhecimentos de Biologia e suas dimensões éticas, bem
como problematizá-los tendo em vista o seu ensino.

Examine o esquema que segue. Quais as possíveis relações entre as três


entidades - Biologia, Ética e Educação - que são do interesse de você, como
professor(a), para promover a alfabetização científica? Acompanhe o texto que segue.

BIOLOGIA

ÉTICA
ENSINO DE
BIOLOGIA?

EDUCAÇÃO

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Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Biologia e Ética
Afirmações do tipo “está provado cientificamente...” ou “os
O autor Fourez
cientistas garantem que...”, muito comuns quando se quer legitimar ou
(1995), analisando
a história do assegurar a correção de determinadas informações, ainda remetem
desenvolvimento a uma visão de Ciência que estaria isolada de outras formas de
da ciência conhecimento.
moderna, passa a
descrevê-la como Segundo essa visão, a ciência seria um corpo de conhecimentos
uma construção
neutros, objetivos, universais, consagrados e consensuais, sobre os
histórico-social
quais não se esperaria questionamentos ou dúvidas.
dinâmica, resultante
da atividade de
pessoas que têm No entanto, perspectivas contemporâneas sobre a atividade
interesses e valores científica vêm rompendo com tais ideias mais tradicionais. O autor
em jogo e que Fourez (1995), analisando a história do desenvolvimento da ciência
estão vinculadas moderna, passa a descrevê-la como uma construção histórico-social
a determinadas
dinâmica, resultante da atividade de pessoas (os cientistas e as
formas de
sociedade. comunidades científicas) que têm interesses e valores em jogo e que
estão vinculadas a determinadas formas de sociedade.

Assim, não haveria nem neutralidade nem imparcialidade nos resultados da


atividade científica.

Acrescentam-se ainda críticas que são feitas à Ciência por não proporcionar
as esperadas soluções técnicas para muitos dos problemas da humanidade.
Reflita um pouco sobre o que diz Fourez (1995, p. 165) sobre a percepção que
temos hoje da Ciência:

Em nossa sociedade, assistiu-se a uma espécie de revolta


diante da atitude técnico-científica. A civilização da ciência,
civilização da precisão, da escrita, é recolocada em questão,
como o demonstra o desejo de muitos de reencontrar um
contato mais autêntico com a natureza. O limite da gestão
do mundo pelo técnico-científico se torna patente quando
se considera a incapacidade do progresso em resolver os
problemas sociais do mundo. [...] Parece que a ciência não é
de modo algum eficaz para resolver as grades questões éticas
e sócio-políticas da humanidade.

Atividade de Estudos:

1) Você concorda com a afirmativa anterior? Pense um pouco mais


nos exemplos de avanços nas pesquisas em Biologia que você

14
Capítulo 1 Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

apontou anteriormente. As implicações que você percebe, desses


avanços, estão de acordo ou em desacordo com a visão de
Ciência descrita anteriormente? Justifique sua resposta.
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Voltando a pensar sobre os avanços recentes da Biologia, que invadem os


meios de comunicação e o nosso cotidiano, você certamente percebe as possíveis
conexões com a Ética. Perguntas como “é correto se permitir a utilização de
células-tronco embrionárias humanas para pesquisa?” ou “animais de laboratório
devem continuar sendo utilizados em experimentos?” remetem a juízos de valor.
Pesquisas e estudos que visam a problematizar e refletir sobre essas questões
polêmicas e controversas da Biologia hoje caracterizam uma área específica
chamada de Bioética.

Garrafa, Costa e Oselka (2000) ressaltam que, no campo da Bioética,


podemos distinguir dois tipos de situações (que eles denominam de situações
bioéticas): as de caráter persistente, como o aborto e a eutanásia, que estão
presentes há muito tempo na nossa cultura, remetendo às noções de vida e de
morte, sem que se tenha consenso ou regras únicas para uma decisão; e as de
caráter emergente, como a oferta de técnicas como a fecundação assistida e os
testes genéticos preditivos, resultantes dos avanços da ciência, e que remetem a
novos problemas de ordem moral na sociedade.

Portanto, na atualidade, ao se ensinar Biologia não há como deixar de incluir


temáticas e discussões que remetam diretamente à Ética ou à Bioética. A vida dos
nossos alunos está sendo crescentemente afetada tanto pelas situações bioéticas
de caráter persistente, como pelas emergentes. Para se poder projetar qual seria
o papel do Ensino de Biologia nesse contexto, é necessário que esclareçamos
melhor outras conexões necessárias. A seguir, refletiremos sobre os vínculos
entre Ética e Educação.

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Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Atividade de Estudos:

1) Assinale, entre as características listadas na sequência, aquelas


que correspondem à ciência moderna, incluindo a Biologia,
conforme entendido por autores como Fourez (mencionado
anteriormente). A seguir, descreva um exemplo de avanço da
ciência que ilustra tal visão mais contemporânea sobre a Ciência.

( ) organizada
( ) neutra
( ) não apresenta mudanças
( ) metódica
( ) objetiva
( ) historicamente construída
( ) restrita aos cientistas
( ) dinâmica

Exemplo:
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Ética e Educação
Atualmente, muito se fala em ética (ou da falta dela) na política, nos negócios,
na mídia e também nas relações humanas. Todos nós sabemos o que ela é,
embora, às vezes, não tenhamos uma definição mais precisa. Com frequência,
também empregamos essa palavra – ética – com o mesmo sentido de moral. De
fato, a ética tem relação com a moral, mas acompanhe a seguir algumas das
diferenças:

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Capítulo 1 Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

ÉTICA MORAL
É a reflexão filosófica sobre a moral com o É um conjunto de regras e normas que rege
objetivo de guiar e orientar racionalmente a existência das pessoas e da sociedade,
a vida humana. Seu objeto de estudo é o influenciando seus juízos e opiniões, bem como
conjunto de fatores que leva os indivíduos à indicando o que “deve” e o que “não deve” ser
ação: os motivos, as causas, as circunstân- feito.
cias e, também, as consequências dos seus
atos e comportamentos.

Não estabelece regras, mas sim princípios Tem caráter prático imediato, pois faz parte do
que servem de referência para a análise do discurso e da vida cotidiana dos sujeitos e da
comportamento moral. sociedade.

Seu caráter é restrito, pois pode variar entre


Seu caráter é universalista, propondo regras indivíduos e entre diferentes populações e
gerais para boas condutas, que podem ser culturas. Também é histórico e relativo, pois se
aplicadas a todos os sujeitos. modifica ao longo do tempo, assim como as
próprias sociedades e os costumes.

Apesar das diferenças apontadas anteriormente, no cotidiano geralmente


falamos em ética quando nos referimos a comportamentos ou atitudes que
consideramos corretos. Na ausência dela, nossos juízos de valor indicam que
determinados comportamentos ou atitudes são errados e reprováveis. Chauí
(2000, p. 431) propõe a seguinte definição para juízo de valor, que envolve tanto a
dimensão ética como moral:

Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações,


experiências, acontecimentos, sentimentos, Juízos de valor
estados de espírito, intenções e decisões como avaliam coisas,
bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Os pessoas, ações,
juízos éticos de valor são também normativos, experiências,
isto é, enunciam normas que determinam o dever acontecimentos,
ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos sentimentos,
comportamentos. São juízos que enunciam estados de espírito,
obrigações e avaliam intenções e ações segundo intenções e
o critério do correto e do incorreto.
decisões como bons
ou maus, desejáveis
Na escola, como em outros espaços sociais, frequentemente ou indesejáveis.
ocorrem situações que remetem a juízos de valor e, portanto, à Os juízos éticos de
possibilidade de trabalharmos algumas questões éticas com nossos valor são também
alunos. Tais oportunidades devem ser sempre valorizadas, mesmo que normativos,
os alunos expressem distintos juízos de valor e que não seja possível
chegar a um consenso ou opinião única. O ensino de Biologia é particularmente
rico nesse tipo de situações, como você verá ao longo dos capítulos desse
caderno de estudos.

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Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Atividade de Estudos:

1) Mas, vamos refletir por um momento: será que a capacidade de


elaborar juízos de valor e de identificar o que é certo ou errado
em determinada situação já nasce com cada indivíduo? Ou será
que pode ser ensinada e aprendida? Que tipo de influências afeta
a construção dos juízos de valor? Será que é possível ensinar
ética na escola?

Inclua aqui suas reflexões sobre essas perguntas. Não se


preocupe em dar uma resposta “correta” – há muitas formas de
se entender esta questão!
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Perguntas como essas não têm respostas únicas e geram muitas pesquisas
na área da psicologia e da educação. Assumimos aqui a posição de autores como
Menin (2002), que consideram tanto as etapas do desenvolvimento individual,
como as influências familiares e sociais (incluindo o fundamental papel da escola
e da educação) como necessárias para a formação ética de cada pessoa. Esta
autora tem a seguinte posição:

Se quisermos educar para a autonomia (a adoção consciente


e consentida de valores) não é possível obtê-la por coação; ou
seja, se quisermos formar alunos como pessoas capazes de
refletir sobre os valores existentes, capazes de fazer opções
por valores que tornem a vida social mais justa e feliz para a
maioria das pessoas, capazes de serem críticos em relação
aos contra-valores, então é preciso que a escola crie situações
em que essas escolhas, reflexões e críticas sejam solicitadas
e possíveis de serem realizadas. (MENIN, 2002, p. 97).

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Capítulo 1 Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

Se você quiser se aprofundar nesse debate, consulte o artigo original:

MENIN, M. S. de S. Valores na escola. Educação e Pesquisa, São


Paulo, v. 28, n. 1, 2002.

Ao se preconizar como função da escola, tanto a alfabetização


Ao se preconizar
científica (conforme vimos) como a educação ética dos alunos,
como função da
um conceito educacional de muita importância é, conforme citado escola, tanto a
anteriormente, o da autonomia do sujeito aluno. O objetivo de ambos alfabetização
os processos deve ser o da emancipação, ou seja, o desenvolvimento científica como a
de capacidades que tornem o aluno capaz de participar ativamente na educação ética dos
sociedade, utilizando conhecimentos e habilidades para a tomada de alunos, um conceito
decisões informadas a respeito de temas e questões que afetam tanto educacional de
sua vida individual como a do grupo social onde vive. muita importância é,
o da autonomia do
sujeito aluno.
Portanto, uma educação com fins éticos só poderá ser
proporcionada se a escola criar situações que possibilitem diálogo,
reflexões, críticas e escolhas próprias dos alunos. Esta formação não pode
realizar-se através da imposição autoritária, da coerção e da transmissão de
verdades acabadas. Se pensarmos, então, no ensino de Biologia, veremos
que há, de fato, muitas oportunidades para contribuir para uma educação ética
através da abordagem de temas relacionados com os avanços da ciência ou
com conteúdos tradicionalmente polêmicos ou controversos (situações bioéticas
emergentes ou persistentes).

Se você, professor(a), pensar nos conteúdos de Biologia que já ministra,


verá que é relativamente fácil desenvolvê-los com metodologias apropriadas, sob
uma perspectiva de contribuir para a formação ética dos educandos. Acompanhe
alguns exemplos de temas escolares e algumas das possíveis perguntas que
remetem a discussões sobre juízos de valor e reflexões éticas:

• Aulas de Ecologia: sobre a destinação do lixo urbano e possíveis problemas


de saúde humana: qual a responsabilidade das pessoas sobre o lixo que
produzem? A destinação do lixo é um problema individual ou deve ser
compartilhado pela sociedade? A noção do que constitui lixo é a mesma para
todas as pessoas, independente de sua condição cultural e socioeconômica?

• Aulas de Genética Humana: casais de risco para doenças genéticas devem


ser testados para saber a probabilidade de terem filhos afetados? Se não
quiseram fazer os testes, devem ter filhos e arriscar ter descendentes doentes?
A quem cabem essas decisões – aos envolvidos, aos médicos, à sociedade?
19
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Ao longo deste caderno de estudos você acompanhará a discussão de


temas como estes, que já estão presentes na sociedade e em alguns currículos
escolares, mas que ainda necessitam de abordagens melhores para se
constituírem em reais oportunidades de discussão ética em sala de aula.

Para auxiliar-lhe neste desafio, acompanhe a seguir algumas reflexões


adicionais sobre as relações entre Biologia e Educação.

Biologia e Educação
O ensino de Biologia é ainda caracterizado como altamente descritivo,
memorístico e baseado na simples transmissão de conteúdos consagrados.
Este modelo de ensino exige do aluno (e também do seu/sua professor(a)!) a
assimilação de uma enorme quantidade de conteúdos (da Botânica, da Zoologia,
da Ecologia, da Biologia Celular, da Genética, etc.), bem como o domínio de um
extenso e difícil vocabulário técnico (o chamado “biologuês”). Esta visão de ensino
contraria o que poderíamos esperar do ensino de Biologia, conforme afirmam
Selles e Ferreira (2005, p. 50):

Ao longo de sua história, o ensino de Biologia tem sido


alvo de uma série de críticas que questionam a seleção e a
organização de seus conteúdos e métodos de ensino. [...]
Paradoxalmente, é também nessa disciplina que repousa uma
parte significativa das expectativas de que os conhecimentos
adquiridos na escola possam tanto estabelecer vínculos
mais estreitos com a realidade como auxiliar na resolução de
inúmeros problemas sociais.

Na sua formação e atuação como professor(a), você já pode ter se perguntado


os motivos pelos quais vários tópicos da Biologia ensinada hoje em dia, na escola,
frequentemente são pouco atrativos e de pouco interesse para os alunos, não
cumprindo, dessa forma, o objetivo de colaborar para uma educação
emancipadora e ética. Um dos motivos seria o fato de que vários dos
Uma série de conteúdos escolares estão muito distantes do cotidiano dos alunos, por
acontecimentos exemplo, as longas listas de classificação de animais e plantas. Então,
influenciou a por que conteúdos como estes, e outros, continuam a ser ensinados?
constituição da
disciplina escolar
Biologia, entre Selles e Ferreira (2005) apontam que, ao longo da história, uma
eles, o movimento série de acontecimentos influenciou a constituição da disciplina escolar
de unificação das Biologia, entre eles, o movimento de unificação das ciências biológicas
ciências biológicas a partir da teoria da Evolução. Foi somente no final dos anos de 1950
a partir da teoria que os antigos conteúdos de História Natural, fortemente centrados
da Evolução.
na Zoologia, Botânica e Geologia, foram gradativamente sendo

20
Capítulo 1 Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

substituídos por conteúdos mais modernos, em especial, com abordagens oriundas


da Bioquímica, Genética e Biologia Celular.

As autoras ressaltam, ainda, que os conteúdos presentes na Biologia


ensinada nas escolas (Biologia escolar) guardam estreita relação com os avanços
desta ciência (Biologia com área de referência), mas atendem a propósitos
distintos. Veja uma das diferenças que as autoras apontam: a Biologia como
disciplina escolar trabalha com “conhecimentos organizados e transformados
para fins de ensino, funcionando como um princípio ordenador e controlador do
currículo, estruturando os tempos e os espaços escolares” (SELLES; FERREIRA,
2005, p. 52), enquanto a Biologia como ciência se desenvolve em direção a
“processos cada vez mais especializados, mobilizando determinados objetivos
sociais em favor de sua própria institucionalização”.

E quanto às dimensões éticas e às implicações dos conhecimentos científicos


para a sociedade, haveria alguma diferença?

O que você pensa sobre isto, professor(a)? Se pretendemos


trabalhar com
nossos alunos um
Se pretendemos trabalhar com nossos alunos um ensino de
ensino de Biologia
Biologia que efetivamente contribua para o desenvolvimento de sua que efetivamente
autonomia (e não simplesmente para a simples evocação de conteúdos contribua para o
e terminologias técnicas), podemos afirmar que a responsabilidade de desenvolvimento
debater as questões éticas é a mesma, tanto no ambiente da escola de sua autonomia,
como na comunidade científica. Ao longo deste caderno de estudos, podemos
afirmar que a
abordaremos vários temas da Biologia escolar que suscitam questões
responsabilidade de
éticas. Lembrando que preocupações dessa natureza já mobilizam debater as questões
a comunidade científica há algum tempo, veremos a seguir algumas éticas é a mesma,
normas e legislações que foram construídas para regulamentar a tanto no ambiente
atividade científica, inclusive sob o ponto de vista ético. da escola como
na comunidade
científica.

Questões Éticas no Trabalho


Profissional dos Biólogos, os
Comitês de Ética
A história da ciência registra os anos 60 e 70 como um marco cronológico em
relação às preocupações éticas por parte da comunidade científica. Nesta época,
já eram públicas as atrocidades cometidas pelos nazistas contra prisioneiros de
campos de concentração, durante a 2ª guerra Mundial. Também surgiram, nos
Estados Unidos (EUA), uma série de outras denúncias, indicando claros abusos
21
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

de alguns cientistas em pesquisas realizadas com seres humanos. Algumas delas,


por exemplo, eram realizadas em prisões, com populações de criminosos, os quais
eram tratados como verdadeiras “cobaias” humanas sem que sequer soubessem
que eram alvo de experimentos com drogas e doenças infecto-contagiosas.

Você pode ler mais sobre esses episódios num artigo de José
Roberto Goldim (1999), disponível na Internet - veja nas referências
deste capítulo.

Por conta dessas denúncias, na década de 70 foram então criadas normas


em vários países, estabelecendo a obrigatoriedade de revisão ética dos
protocolos de pesquisa por Comissões de Ética institucionais. A partir de então,
diversos documentos e normatizações buscaram aprimorar e implantar essa
forma de controle ético das investigações científicas envolvendo seres humanos,
em diversas partes do mundo. As preocupações éticas dos cientistas também são
tema de encontros científicos como os Congressos Internacionais de Bioética.

Atualmente, no Brasil, o sistema CEP-CONEP (Comitês de Ética em


Pesquisa - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) é o mais importante
mecanismo de controle ético das pesquisas envolvendo seres humanos. Esse
sistema é constituído por Comitês de Ética em Pesquisa institucionais (um em
cada Universidade ou instituição de pesquisa) e pela Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa, implantada com a Resolução 196/96 CNS/MS.

Atividade de Estudos:

Consulte a página do sistema CEP-CONEP, em:

http://portal2.saude.gov.br/sisnep,

(1) localize e anote os objetivos do SISNEP (Sistema Nacional de


Informação sobre Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos;

(2) acesse o link correspondente aos projetos aprovados em 2009


em instituições de pesquisa do Estado de Santa Catarina e anote
alguns que sejam do seu interesse.
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Capítulo 1 Biologia, Ética e Educação:
Conexões Necessárias

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É importante destacar que as primeiras comissões de ética em pesquisa em


seres humanos também serviram de exemplo para a constituição de um sistema
de controle ético das pesquisas envolvendo animais.

Hoje é crescente o debate sobre a condição moral e os Hoje é crescente


direitos de animais, como roedores, cães e coelhos que ainda são o debate sobre a
tradicionalmente usados em pesquisas (por exemplo, na indústria condição moral e os
farmacêutica e alimentar) e no ensino (por exemplo, para a formação direitos de animais,
como roedores, cães
de biólogos, médicos, veterinários e outros profissionais da área
e coelhos que ainda
da saúde). A ampliação desses debates tornou necessária uma são tradicionalmente
abordagem ética dessa questão pela sociedade em geral e a criação usados em
de leis que regulamentam a atividade científica. Dessa forma, pesquisas e no
pesquisadores que utilizam animais como modelos experimentais hoje ensino.
também estão sujeitos a normatizações, que são: a Lei nº 11.794, de
08.10.2008, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, e
o Decreto no 6899, de 15.07.2009, que fornece informações sobre o CONCEA
(Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal).

Se você quiser obter mais informações sobre o CONCEA, informe-se


melhor sobre essas legislações no site:

http://www.mct.gov.br

Algumas Considerações

Neste capítulo, iniciamos o debate sobre as dimensões éticas que o ensino
de Biologia pode e deve assumir se tiver como meta uma contribuição para a
educação ética dos alunos, pautada no princípio da autonomia, preparando-os,
assim, para a tomada de decisões e participação efetiva e ativa na sociedade.
Vimos, também, que Biologia, Ética e Educação se conectam de diferentes formas,
23
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

remetendo à necessidade de que os conteúdos escolares da área de Biologia,


historicamente consagrados, sejam até revistos e resselecionados, para que se
criem novas oportunidades de discussão de temas polêmicos ou controversos.
Finalmente, você pode conhecer um pouco sobre a forma pela qual a comunidade
científica se envolve atualmente nas questões éticas, fato sinalizado pela
existência de normas legais que orientam e regulam o trabalho de pesquisadores
que utilizam seres humanos e não-humanos em suas investigações. Nos
próximos capítulos abordaremos, em separado, diferentes temas que permitirão a
você, professor(a), instrumentalizar-se um pouco mais para o desenvolvimento de
questões éticas da Biologia na sua sala de aula.

Referências
BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências da
Natureza, Matemática e suas tecnologias. 2006. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_02_internet.pdf>. Acesso em: 11 maio
2010.

CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

FOUREZ, G. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das


ciências. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.

GARRAFA, V.; COSTA, S. I. F.; OSELKA, G. A Bioética no século XXI. In:


GARRAFA, V.; COSTA, S. I. F. (Org.). A Bioética no século XXI. Brasília: Editora
da Universidade de Brasília, 2000.

GOLDIM, J. R. O Caso Tuskegee: quando a ciência se torna eticamente


inadequada. 1999. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/tueke2.htm>.
Acesso em: 11 maio 2010.

MENIN, M. S. de S. Valores na escola. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28,


n. 1, 2002.

SELLES, S. E.; FERREIRA, M. S. Disciplina escolar Biologia: entre a retórica


unificadora e as questões sociais. In: MARANDINO, M. et al. Ensino de
Biologia: conhecimentos e valores em disputa. Niterói: Editora da Universidade
Federal Fluminense, 2005.

24
C APÍTULO 2
Genética Humana e Tecnologias
Reprodutivas

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conhecer e explicar aspectos dos atuais conhecimentos científicos da área da


genética humana.

33 Debater tais conhecimentos do ponto de vista de suas aplicações para as


tecnologias da reprodução humana.
Capítulo 2 Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas

Contextualização
Um dos assuntos mais atuais e simbólicos das relações entre Biologia e
Ética é a Genética Humana. Por exemplo, você se lembra das notícias divulgadas
por todos os jornais, revistas e TVs, em 2000, em relação às pesquisas nessa
área? Projeto Genoma Humano, mapa genético de espécie, “mapa da vida” foram
algumas das expressões que ficaram consagradas junto ao público, por conta
desses avanços da Biologia.

Neste capítulo, vamos inicialmente rever alguns aspectos históricos


recentes das pesquisas científicas sobre a hereditariedade humana. A seguir,
faremos uma breve revisão de conceitos que são fundamentais para se entender
a Genética, como genes, genoma e sequenciamento gênico. O domínio desses
conceitos é indispensável para o adequado entendimento das implicações
sociais e éticas da Genética.

Este capítulo inclui, ainda, informações e uma discussão sobre um dos usos
práticos já bastante consagrados dos conhecimentos sobre a hereditariedade
humana: os testes genéticos. Abordaremos os diferentes tipos de testes hoje
disponíveis nos serviços de saúde, seus benefícios e seus riscos. O emprego
desses testes suscita uma série de polêmicas e discussões éticas na área das
tecnologias reprodutivas. Portanto, vale a pena você acompanhar a discussão e
refletir sobre tais implicações.

O Projeto Genoma Humano, Símbolo


da Biologia do Século XXI
No dia 26 de junho de 2000, em sessão na Casa Branca aberta a jornalistas
de todo o mundo, o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, bem como
o primeiro ministro britânico na época, Tony Blair, anunciaram a finalização do
primeiro rascunho do genoma humano.

Nesse anúncio, os dirigentes informaram ao público que já estava


sequenciada 98 % da informação genética presente nos cromossomos humanos.
Estavam presentes também os principais cientistas do consórcio internacional
de pesquisa, denominado Projeto Genoma Humano (em inglês, Human Genome
Project – HGP). Desde 1989 este consórcio havia se dedicado, em laboratórios
de vários países do mundo (inclusive no Brasil), a desenvolver métodos,
tecnologias e conhecimentos para atingir um grandioso e desafiador objetivo:
mapear as mais de 3 bilhões de bases nitrogenadas que caracterizam o genoma
da espécie humana. Calcula-se que o custo final do projeto foi de cerca de 2
bilhões de dólares.

27
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Vale a pena lembrar que o mundo ainda teve que esperar mais um ano, até
2001, para ver de fato, em detalhe, os resultados desse primeiro rascunho. Como
o Consórcio HGP foi formado tanto por laboratórios públicos como privados, os
artigos científicos correspondentes (que são de acesso público) apareceram
nas prestigiadas revistas científicas Nature e Science em datas diferentes
(respectivamente, 15 e 16 de fevereiro de 2001). Mais adiante, em 2003, é que o
Projeto como um todo foi oficialmente encerrado – coincidindo com o aniversário
de 50 anos de outro acontecimento fundamental para a Biologia: a proposição do
modelo de dupla hélice do DNA (ácido desoxirribonucléico) pelos cientistas James
Watson e Francis Crick, ocorrida em 1953.

Uma década já se passou desde o histórico anúncio em 2000. Embora curto,


do ponto de vista cronológico, este tempo foi crucial para se conhecer algumas
das muitas implicações desses novos conhecimentos científicos para a sociedade
e para a vida de todos nós como cidadãos, incluindo, caro(a) professor(a), os
seus próprios alunos nas aulas de Biologia.

Vamos a seguir revisar alguns conceitos relativos à genética em


Você sabia que geral e à genética humana em particular para, depois, expor e debater
atualmente, questões que conectam os avanços na área da genética humana com
além do genoma a ética e a educação.
humano, também
já foram totalmente Você sabia que atualmente, além do genoma humano, também já
mapeados os foram totalmente mapeados os conjuntos das informações genéticas
conjuntos das de muitas outras espécies animais e vegetais?
informações
genéticas de muitas
Veja na tabela a seguir que há ampla variação da quantidade de
outras espécies
animais e vegetais? DNA por célula, número total de cromossomos e de genes, de acordo
com cada espécie.

QUANTIDADE DE DNA Estimativa de


Número de
ESPÉCIE (em milhões de pares número de
cromossomos
de bases) genes
Escherichia coli (bactéria) 4,6 1 4,4 mil
Saccharomyces cerevisiae (leve-
12,8 16 6,3 mil
dura)
Drosophila melanogaster (mosca
180,0 4 16 mil
de fruta)
Oryza sativa (arroz) 415,0 12 20 mil
Zea mays (milho) 2500,0 10 20 mil
Felis catus (gato doméstico) 2700,0 38 20 mil
Homo sapiens (humano) 3000,0 46 20-30 mil

28
Capítulo 2 Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas

Revisando o Vocabulário da Era dos


Genomas
Leia com atenção os conceitos que são importantes para entender os atuais
avanços da ciência na área da genética.

CROMOSSOMOS: unidades citológicas de informação genética. Compostos


por DNA associado a diversos tipos de proteínas em estado condensado
(espiralizado). Estão presentes em todas as células eucarióticas, sendo
visualizáveis ao microscópio ótico quando uma célula está em divisão celular
(mitose ou meiose). Na espécie humana, cada célula somática normal tem 46
cromossomos: 44 deles são chamados de autossomos e estão presentes nas
células de todos os indivíduos, aos pares (cromossomos homólogos); os outros 2
cromossomos são chamados de heterocromossomos ou cromossomos sexuais,
sendo de um só tipo (X) nas mulheres, e de tipos diferentes (X e Y) nos homens.

GENES: unidades moleculares de informação genética. Correspondem


a trechos específicos de bases nitrogenadas do DNA, localizados em posições
determinadas ao longo dos cromossomos (locos gênicos) e responsáveis pela
codificação de produtos gênicos. Hoje, como resultado dos conhecimentos
resultantes do Projeto Genoma Humano, sabemos que na sequencia de cada
gene são encontrados tanto trechos informativos (os éxons) como trechos não-
informativos (os íntrons). As funções dos genes são as mais variadas. A informação
codificada pelos genes estruturais resulta, através dos processos de transcrição
e tradução, na produção dos milhares de tipos de proteínas necessárias para os
processos vitais. Há também genes reguladores e genes específicos para a
formação dos RNAs transportadores e ribossomais. Hoje em dia, estima-se
que o número total de genes da espécie humana se situa entre 20 e 30 mil.

MUTAÇÃO: alteração de uma ou mais bases nitrogenadas no DNA que tem


o potencial efeito de alterar a qualidade da informação genética contida num
gene. A maioria das mutações é espontânea, ou seja, ocorre como parte do
funcionamento normal do material genético em todos os seres vivos, incluindo
a espécie humana. Nem todas as mutações são deletérias, pois esse fenômeno
é essencial para os processos de evolução biológica. Mutações que afetam
o funcionamento de genes podem resultar na produção de proteínas alteradas
ou mesmo na ausência delas no metabolismo. Quando isso ocorre, no caso da
espécie humana, podemos falar em doenças genéticas causadas por mutação.

GENOMA: é a sequencia completa de DNA, contendo todos os genes


(informação genética) de um gameta, um indivíduo, uma população ou de uma

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Temas de Estudo em Ciências Biológicas

espécie (atual ou extinta). Uma boa analogia para entender o significado desse
termo é pensar em uma “receita” (de um prato culinário) ou em um “manual de
instruções” (de um equipamento): o genoma é um conjunto de instruções ou
comandos específicos (genes), a partir do qual resulta a formação de uma célula,
que reunida com outras forma um indivíduo, que junto com outros forma uma
população e assim por diante.

SEQUENCIAMENTO GÊNICO: resultado de um processo tecnológico pelo


qual são identificadas, uma a uma, as bases nitrogenadas presentes no genoma
de uma célula ou numa amostra de material genético (DNA) de qualquer origem.
Hoje em dia, o sequenciamento gênico é realizado de forma automatizada por
equipamentos especializados de laboratório (sequenciadores de DNA).

GENÔMICA: campo de estudos e pesquisas da genética atual dedicado aos


estudos estruturais (como tamanho e composição) e funcionais (como o modo de
operação ou funcionamento) dos genomas.

Agora veja, na ilustração, de que forma alguns desses conceitos se conectam


quando falamos dos avanços da ciência na área da genômica:

Figura 1 – Relações de proporção e localização entre os


componentes do material genético dos seres vivos

Fonte: PENA, S. D. 10 anos de genoma humano. Ciência Hoje on-line. 11 jun.


2010. Coluna “Deriva genética”. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/
colunas/deriva-genetica/dez-anos-de-genoma-humano>. Acesso em: 12 jul. 2010.

30
Capítulo 2 Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas

Atividade de Estudos:

Caro(a) professor(a), nesta etapa de recapitulação de alguns


conceitos de genética vale a pena você também relembrar, através
de consulta bibliográfica a bons livros de Biologia para o Ensino
Médio que você tenha na sua biblioteca, as características do
funcionamento do material genético, respondendo as seguintes
perguntas:

1) Como a “receita” (genoma) é copiada de uma célula para suas


células-filhas?
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2) Como os RNAs são sintetizados a partir do DNA ?


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3) Como as proteínas são sintetizadas a partir de RNAs específicos?


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Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Testes Genéticos e Doenças


Humanas: Possibilidades e
Benefícios
Está cada vez mais fácil e barato fazer a leitura desta verdadeira “receita”
que é o genoma humano. Hoje em dia, calcula-se que o sequenciamento de um
genoma humano inteiro custe em torno de 5 mil dólares, cifra que é 14 mil vezes
mais barata do que em 2000, quando foi feito o anúncio do primeiro rascunho. Isto
facilita bastante as pesquisas para a identificação de genes ligados a doenças.
Já há, também, vários laboratórios públicos e privados (inclusive no Brasil) que
oferecem serviços de saúde na área da genética humana, como, por exemplo,
para a identificação de paternidade. Assim, a expressão “genoma humano” cobre,
hoje em dia, um território cheio de significados científicos, médicos e éticos.

As doenças genéticas são determinadas por genes específicos e,


Na população em
no atual estágio da medicina, há poucos tratamentos disponíveis. Ainda
geral, calcula-
se que, entre não há cura para nenhuma dessas doenças. Na população em geral,
adultos com calcula-se que, entre adultos com doenças crônicas, 10% tem algum
doenças crônicas, problema de origem genética; 33% das internações pediátricas seja de
10% tem algum crianças que têm problemas genéticos associados; 50% das mortes
problema de origem perinatais (bebês que morrem logo antes ou depois de nascer) sejam
genética; 33%
devidas a problemas genéticos. Hoje em dia, estão descritas mais de
das internações
pediátricas seja 4000 doenças cuja causa está no material genético.
de crianças que
têm problemas Assim, cresce a importância do desenvolvimento e aplicação
genéticos dos testes genéticos, que podem ajudar a identificar a presença de
associados;
mutações num determinado gene ou cromossomo. Muitas dessas
50% das mortes
perinatais mutações estão associadas a distúrbios de saúde e, dessa forma, são
(bebês que morrem a causa molecular de doenças genéticas. O material normalmente
logo antes ou utilizado para se fazer um teste genético é uma amostra de células,
depois de nascer) geralmente do sangue do indivíduo a ser testado, que pode ser vivo
sejam devidas ou falecido, adulto, criança, feto ou embrião (mesmo antes de nascer).
a problemas
Diferentes situações podem ser analisadas com o uso de testes
genéticos.
genéticos e de outros exames que também analisam a estrutura e
forma dos cromossomos. Acompanhe, na sequência, algumas dessas
situações e confira a descrição das doenças mencionadas ao final deste capítulo:

• nascimento de um bebê com sinais clínicos ou sintomas que indicam a


possibilidade de uma doença genética;

• criança com dificuldades de aprendizagem ou atraso no desenvolvimento, a


32
Capítulo 2 Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas

critério médico (lembrando que nem todas as causas de deficiência ou retardo


mental são de origem genética);

• existência prévia de doença genética numa família, para se saber se outros


indivíduos também apresentam risco aumentado de desenvolver a mesma
doença ao longo de sua vida;

• membro de um casal, em cuja família há histórico de doença genética que


poderia se manifestar em seus filhos;

• mulher ou casal com histórico de perdas gestacionais (aborto ou natimorto);

• indivíduos em cujas famílias há histórico de aparecimento de câncer, pois hoje


se sabe que há genes específicos associados à predisposição familiar para
muitas formas de câncer, como de mama e de próstata;

• indivíduos de determinadas etnias para as quais existe uma associação


comprovada entre a origem étnica e o aumento de probabilidade de presença
de determinados genes recessivos. Por exemplo, anemia falciforme,
em afro-descendentes; fibrose cística, em descendentes de alemães e
italianos; Doença de Tay-Sachs, em descendentes de judeus originados da
Europa central.

Anemia falciforme: doença hematológica decorrente de


alteração da hemoglobina (molécula que transporta o oxigênio nas
hemácias). É hereditária e causada por uma mutação recessiva num
dos genes que codifica essa proteína. Os sinais clínicos incluem
hemácias em forma de foice (devido à baixa tensão de oxigênio),
crises de dor articular, inchaços nas extremidades do corpo, icterícia
e anemia profunda. Os pacientes, se tratados de forma adequada,
podem levar uma vida normal.

Fibrose cística (ou mucoviscidose): doença metabólica


decorrente da alteração de uma proteína que atua na membrana
das células. È hereditária e transmitida por um gene recessivo. Os
sintomas incluem alterações do aparelho digestório (com diarreia
crônica e má absorção de nutrientes), respiratório (infecções
pulmonares) e atraso do crescimento. Na maioria dos Estados
brasileiros, o diagnóstico precoce desta doença, indispensável para
o correto tratamento dos pacientes, é viabilizado através do Teste do
Pezinho. Para saber mais, consulte a página da Associação Catarinense
de Assistência ao Mucoviscidótico (http://acam.org.br).
33
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Doença de Tay-Sachs: doença neurológica, fatal nos primeiros


anos de vida, decorrente de uma alteração enzimática que resulta
em dano cerebral. É hereditária e transmitida por um gene recessivo.
A criança nasce normal, mas desenvolve, progressivamente, entre
outros sintomas, cegueira, surdez e perda de funções motoras.

O uso de testes genéticos nas várias situações mencionadas neste caderno


de estudos tem o potencial benefício de confirmar suspeitas ou diagnósticos
e, uma vez identificada a doença, permite que os indivíduos afetados possam
receber tratamento médico e orientações adequadas para seu caso, quando
possível. Sua importância também reside na possibilidade de dar informações
para casais que sejam de risco (por exemplo, com histórico de aparecimento de
doença genética na família), de modo que possam tomar decisões adequadas
no seu planejamento familiar (aconselhamento genético). É importante ressaltar
que a realização de qualquer teste genético deve ser sempre acompanhada por
profissionais de saúde, como médicos e biólogos, entre outros.

Testes Genéticos e Riscos para a


Privacidade
Testes genéticos diferenciados também já estão sendo utilizados,
em alguns países, em pessoas assintomáticas, para fins de identificação
Esses testes, e de obtenção de seguros de vida e de saúde.
chamados de
preditivos, podem
Nesses testes não há propriamente um gene mutante a ser
de fato proporcionar
aos indivíduos mapeado, mas sim alterações genéticas em um ou mais genes, que
uma maior estão associadas a uma maior chance de apresentar determinada
conscientização doença no futuro. Exemplos desses testes são os que detectam a
e aumento de predisposição para desenvolver um tipo especial de câncer familiar
sua preocupação de mama (genes BRCA1 e BRCA2) e outros que estão associados ao
com a prevenção
aparecimento da doença de Alzheimer (genes CLU, PICALM e CR1).
de sintomas, da
mesma forma que Ou seja, a pessoa é saudável no momento do teste, mas, se o exame
hoje todos nós nos der positivo para o(s) gene(s) em questão, isto é interpretado com uma
preocupamos com maior probabilidade ou risco do indivíduo apresentar aquela doença no
exames simples, já futuro.
de rotina, como a
taxa de colesterol
Esses testes, chamados de preditivos, podem de fato proporcionar
e a medida da
pressão arterial. aos indivíduos uma maior conscientização e aumento de sua
preocupação com a prevenção de sintomas, da mesma forma que hoje
34
Capítulo 2 Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas

todos nós nos preocupamos com exames simples, já de rotina, como a taxa de
colesterol e a medida da pressão arterial.

Contudo, o seu uso também amplia as discussões éticas sobre a solicitação


de testes genéticos que algumas seguradoras já fazem a seus clientes. Pessoas
que possuem seguro de saúde privado ou que estão interessadas em tê-lo
desejam saber os cuidados de saúde facilitados pela seguradora. As companhias
de seguros, por sua vez, estão preocupadas em produzir lucros e manter a
competitividade de preços. Assim, procuram saber quais pessoas têm maior risco
de causar despesas, utilizando as ferramentas disponíveis para cada caso, como
os testes genéticos mencionados anteriormente. Indivíduos cujos testes dão
positivos podem ter seus planos de saúde mais caros ou mesmo recusados.

Atividade de Estudos:

1) Você considera isto ético? Será que já estaríamos, de fato,


ingressando numa era da discriminação genética, ou seja,
as pessoas terão que lutar pelo seu direito ao sigilo sobre sua
constituição biológica, presente nos seus genes?
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Testes Genéticos Durante a As duas técnicas


hoje utilizadas para
Gravidez se colher material
fetal de dentro do
útero materno já
O uso de testes genéticos como ferramenta de diagnóstico foram desenvolvidas
pré-natal (durante a gestação) também é uma área de bastante há algumas
importância, mas que igualmente causa muita discussão e polêmica do décadas. São elas:
ponto de vista ético. Esses testes são realizados com material do feto, a amniocentese
retirado através de técnicas especiais durante a gravidez. O objetivo é e a biópsia de
vilosidades
detectar a presença de genes que causam doenças genéticas, antes
coriônicas.
do nascimento do bebê.
35
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

As duas técnicas hoje utilizadas para se colher material fetal de dentro


do útero materno já foram desenvolvidas há algumas décadas. São elas: a
amniocentese e a biópsia de vilosidades coriônicas. Pela primeira, é retirado um
pouco do líquido amniótico que envolve o feto por punção transabdominal. Este
líquido é rico em células fetais que podem, então, servir para os exames de DNA.
Na segunda técnica, é removido um pequeno fragmento da placenta, através
de aspiração pelo canal vaginal. Como a placenta é formada por células iguais
às do feto, contendo o mesmo DNA dele, ao analisarmos as células coriônicas
estaremos analisando o genoma do feto.

A partir desse material fetal, pode-se tanto examinar os cromossomos como


fazer testes para detectar mutações no DNA (nos genes) que causam doenças
genéticas. Ao se examinar os cromossomos, podem ser identificadas alterações
graves como a Síndrome de Down, uma das principais causas de deficiência
mental de origem genética. Já ao se realizar testes genéticos específicos para
determinados genes mutantes, pode-se detectar doenças graves como a fibrose
cística, a hemofilia e a Doença de Tay-Sachs.

A decisão sobre o que fazer, no caso de um teste genético pré-natal acusar


uma doença, é uma situação extremamente delicada, principalmente num país
como o nosso, que não oferece amparo jurídico para os pais, caso desejem
interromper a gravidez de um feto afetado. Por outro lado, em muitas situações,
a realização do diagnóstico pré-natal auxilia o casal a aceitar melhor a futura
condição de saúde da criança e também aos médicos e outros profissionais de
saúde para planejarem o devido atendimento deste bebê.

Testes Genéticos e Tecnologias


Reprodutivas: será Que teremos no
futuro os “Bebês De Encomenda”?
Uma aplicação ainda mais controversa dos avanços da genética
é a possibilidade de que, no futuro, através do uso de testes genéticos
Diagnóstico
genético pré- apropriados, os casais possam inclusive selecionar características
implantatório, é desejáveis para seus futuros filhos.
oferecido para
casais de risco, Hoje em dia, já é possível empregar testes genéticos em
com histórico procedimentos de fertilização assistida (“bebês de proveta”) para evitar
de presença de
que embriões portadores de genes para determinadas doenças venham
doença genética
em suas famílias. a se desenvolver. Este procedimento, chamado de diagnóstico
genético pré-implantatório, é oferecido para casais de risco, com
36
Capítulo 2 Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas

histórico de presença de doença genética em suas famílias. Na prática, significa


que, em laboratório, aqueles embriões obtidos in vitro terão algumas células
removidas para testes genéticos e se for constatada a presença do(s) gene(s) em
questão, os respectivos embriões não serão implantados para se desenvolver.
São selecionados somente os embriões saudáveis.

A partir desta possibilidade, abrir-se-ia, então, a perspectiva de que, no futuro,


casais poderiam escolher, além de genes que garantam a saúde do seu futuro
descendente, também outras características biológicas que sejam socialmente
valorizadas. Seriam os “bebês de encomenda”!

Mas, atenção! Os geneticistas alertam que não há como viabilizar testes que
permitam antecipar, por exemplo, a inteligência, a beleza ou mesmo a altura e o
tipo físico de um novo indivíduo. Estas e muitas outras características humanas
têm forte componente ambiental e, dessa forma, não há como serem “testadas”
geneticamente.

Atividade de Estudos:

USO DE TESTES GENÉTICOS –


UMA HISTÓRIA PARA SUA REFLEXÃO

Leia a seguir uma situação baseada em fatos, adaptada de Pereira
(2001, p. 6-7), e responda as perguntas, baseado(a) nos seus
conhecimentos de genética, na leitura deste capítulo e nos seus
posicionamentos pessoais:

Um casal jovem teve um filho aparentemente normal ao


nascimento. A criança não apresentou nenhum problema até os 6
meses de idade quando, então, os pais começaram a notar certo
retardo em seu desenvolvimento. À medida que o tempo passava,
a criança foi regredindo, não conseguindo mais engatinhar nem se
sentar. Com 2 anos de idade, ela havia desenvolvido um retardo
mental evidente. Os pais consultaram um geneticista que os informou
que seu filho tinha a Doença de Tay-Sachs, uma doença genética
recessiva sem cura ou tratamento, que causa a degeneração
completa do sistema nervoso central. Ele também informou ao
casal que eles eram portadores do gene dessa doença e, portanto,
heterozigotos (Aa). Conforme previsto pelo médico, a criança
desenvolveu paralisia, retardo mental e cegueira, morrendo aos 3
anos de idade sem que os pais pudessem fazer nada por ela.

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Temas de Estudo em Ciências Biológicas

1) Com base no padrão de herança recessivo desta doença, calcule


o risco de esse casal vir a ter outra criança afetada.
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2) Se você fosse um dos membros desse casal, você seria favorável


a ter mais filhos? Por quê?
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Continuando a história:

O casal decide não ter mais filhos, mas após alguns meses
constatam uma nova gravidez, não-planejada. Muito ansiosos com
a perspectiva de virem a ter outra criança afetada, eles preferem
não arriscar e pensam em realizar um aborto. Seu médico oferece o
diagnóstico pré-natal para saberem se o feto é afetado.

3) Calcule a probabilidade de o casal não precisar realizar um aborto


caso faça o diagnóstico pré-natal. (obs.: esse exercício permitirá
que você perceba como o diagnóstico pré-natal pode salvar vidas).
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Capítulo 2 Genética Humana e Tecnologias Reprodutivas

Algumas Considerações
Neste capítulo, você acompanhou um panorama sobre os avanços da
genética humana que vem causando bastante impacto na sociedade desde o
anúncio do primeiro rascunho do genoma humano, em 2000. Conheceu, também,
alguns detalhes sobre os tipos de testes genéticos e suas aplicações para fins
diagnósticos e preditivos. Para entender a base genética do uso desses testes,
revisou alguns conceitos em Biologia. Finalmente, você teve elementos para
problematizar as implicações desses conhecimentos e técnicas, tanto do ponto de
vista ético como social. Continue no próximo capítulo a atualizar-se sobre outras
novidades da Biologia do século XXI, que parecem prometer um verdadeiro
“mundo novo” para as gerações futuras, incluindo a dos seus alunos na escola.
O seu papel como professor (a), sem dúvida, é estar bem informado sobre esses
avanços e discuti-los sempre que possível em sala de aula.

Referências
BRAZ, M. Conhecimento das informações genéticas: benefícios e riscos
individuais. In: EMERICK, M.A.; MONTENEGRO, K.B.M.; DEGRAVE, W. (Org.).
Novas Tecnologias na Genética Humana: Avanços e Impactos para a Saúde.
Rio de Janeiro: GESTEC-Nit., 2007.

PENA, S. D. 10 anos de genoma humano. Ciência Hoje on-line. 11 jun. 2010.


Coluna “Deriva genética”. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/
deriva-genetica/dez-anos-de-genoma-humano>. Acesso em: 12 jul. 2010.

PEREIRA, L. V. Sequenciaram o Genoma Humano... e agora? São Paulo:


Editora Moderna, 2001.

39
C APÍTULO 3
Clonagem, Células-Tronco
e Saúde Humana

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conhecer e explicar aspectos dos atuais conhecimentos sobre clonagem e


biologia de células-tronco.

33 Debater tais conhecimentos do ponto de vista de suas aplicações e


potencialidades para a saúde humana.

33 Conhecer e refletir sobre alguns aspectos éticos e legais da aplicação


desses conhecimentos.
Capítulo 3 Clonagem, Células-Tronco e Saúde Humana

Contextualização
No Capítulo 1, chamamos sua atenção para o fato de que a Biologia é
considerada a ciência mais relevante do século XXI. Pois bem, além do Projeto
Genoma Humano, que vimos no capítulo anterior, também é bastante simbólica
aquela ovelhinha escocesa chamada Dolly. Você se lembra dela?

Dolly provocou grandes controvérsias porque foi o primeiro registro de
aplicação de técnicas de clonagem a partir de células somáticas de um mamífero
adulto. Quando ela foi anunciada pela comunidade científica e pela mídia em
1997, o mundo foi tomado simultaneamente por espanto, entusiasmo e apreensão
devido às possibilidades abertas a partir dessas técnicas.

Você deve lembrar que houve até quem antecipasse a geração de clones
humanos num futuro imediato...

As pesquisas que geraram Dolly foram seguidas de muitas outras,


No Brasil, em 2002,
obtendo-se uma diversidade de mamíferos por clonagem, como, nasceu “Penta”, a
camundongos, porcos, cavalos e até mesmo gatos de estimação. primeira bezerra
No Brasil, em 2002, nasceu “Penta”, a primeira bezerra clonada, clonada, que acabou
que acabou vivendo apenas 1 mês. Em seguimento ao aparente vivendo apenas
sucesso dessas tentativas, consolidaram-se outras preocupações. A 1 mês.
ovelha Dolly teve uma vida tranquila e até se reproduziu, mas teve
precocemente uma doença degenerativa grave (artrite) e acabou morrendo, em
2003, com complicações clínicas, quando tinha apenas 10 anos de idade. Este
fato deixou, para os cientistas, muitos questionamentos e dúvidas em relação aos
processos de envelhecimento em mamíferos clonados.

Avanços da Biologia como a clonagem de Dolly constituem um bom exemplo


de como os conhecimentos científicos, muito valorizados num dado momento da
história, não permitem, necessariamente, antecipar seu total sucesso (nem seu
fracasso). Hoje sabemos que a clonagem de animais, em especial de mamíferos,
constitui um processo caracterizado por muitos problemas ainda não resolvidos.
Por outro lado, o melhor conhecimento das técnicas de clonagem abriu um campo
de grandes potencialidades na medicina.

Para entender o alcance e as implicações desses avanços, vamos


inicialmente revisar alguns conceitos relativos à biologia celular e molecular, que
são necessários para se compreender as técnicas de clonagem. A seguir, iremos
estender essas informações para descrever os processos de obtenção de células-
tronco de origem somática e embrionária. Finalmente, abordaremos as questões
vinculadas à saúde humana, mostrando as aplicações das técnicas que já estão
em uso em muitos laboratórios e clínicas, no Brasil e no mundo, bem como
algumas de suas implicações éticas e legais.

43
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Características Biológicas e
Moleculares das Primeiras Etapas
do Desenvolvimento Humano
Cada vez que gametas humanos, feminino e masculino, fundem-se na
fecundação, a célula resultante (zigoto) já tem, no seu núcleo, o DNA com toda
a informação genética para gerar um novo ser. Este material nuclear constitui os
cromossomos que, como revisamos no capítulo 2, estão em mesmo número (46)
em todos os indivíduos normais, mas apresentam variações de acordo com o
sexo (cromossomos sexuais XX na mulher e XY no homem).

A primeira célula resultante da fecundação se divide em duas que, por sua vez,
se dividem novamente, gerando 4 células, depois 8, 16, 32 e assim sucessivamente.
Essas células são denominadas somáticas, pois contém todo o
Células patrimônio genético inicial dos dois gametas que se fundiram.
Totipotentes
possuem a Hoje se sabe que, pelo menos até o estágio de 8 células, cada
capacidade
biológica de uma dessas células seria plenamente capaz de se desenvolver num
produzir todas as ser humano completo. Estas células são chamadas de totipotentes.
células e aparatos Esta denominação se refere ao fato de que essas células têm potencia
necessários para o total, ou seja, possuem a capacidade biológica de produzir todas as
desenvolvimento de células e aparatos necessários para o desenvolvimento de um novo
um novo indivíduo.
indivíduo.

Várias divisões celulares se sucedem e, cerca de 72 h após a fecundação,


já encontramos o blastocisto, que é uma estrutura esférica com cerca de 100
células. Nesta etapa, já se iniciou o processo de diferenciação celular, da
seguinte forma: o grupo de células externas vai originar a placenta e os anexos
embrionários e a massa de células internas vai gerar o embrião.

É nesta etapa que se dá a implantação na cavidade uterina. As células


internas do blastocisto vão originar as centenas de tecidos que compõem o corpo
humano e, por este motivo, são chamadas de células-tronco embrionárias
pluripotentes ou multipotentes. No blastocisto elas ainda são todas iguais,
mas a partir de etapas posteriores da embriogênese, essas células somáticas
começam a se diferenciar em vários tipos celulares (calcula-se em mais de 200)
que comporão os tecidos e órgãos do corpo humano, como sangue, fígado,
músculos, ossos, etc. À medida que essas células se tornam mais e mais
especializadas, elas são chamadas de oligopotentes e, finalmente, unipotentes
(células que se diferenciam em apenas um tipo de tecido).

44
Capítulo 3 Clonagem, Células-Tronco e Saúde Humana

Atividade de Estudos:

1) No esquema que segue, complete as etapas e os tipos de células,


conforme a descrição que você acompanhou:

CÉLULAS EMBRIÃO - CÉLULAS-TRONCO TOTIPOTENTES

Embrião de 8 Células

DIVIDE-SE DIVIDE-SE

CÉLULAS-TRONCO
PLURIPOTENTES

64-100 CÉLULAS

Como as Células se Diferenciam?


O processo de diferenciação celular é extremamente complexo e
ainda não está totalmente compreendido pelos cientistas. O que se sabe As células
descendentes
é que existe um controle genético através de grande número de genes:
de uma célula já
alguns são ativados, conferindo as características específicas daquele diferenciada vão
tipo de célula; outros genes permanecem inativos ou “silenciosos”. Uma manter as mesmas
vez diferenciadas, essas células somáticas (neste estágio chamadas de características e
unipotentes) perdem a capacidade de originar qualquer outro tecido. Ou funções daquela que
seja, as células descendentes de uma célula já diferenciada vão manter as originou, isto é,
células musculares
as mesmas características e funções daquela que as originou, isto é,
originarão outras
células musculares originarão outras células musculares, as epiteliais células musculares,
vão originar outras também epiteliais e assim por diante. Portanto, na as epiteliais vão
constituição do indivíduo adulto, as células que compõem os diferentes originar outras
tecidos, órgãos e sistemas estão totalmente diferenciadas, cada qual também epiteliais e
cumprindo seu papel específico no funcionamento do organismo. assim por diante.

45
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

De que forma, então, a questão da clonagem se relaciona com a possibilidade


de utilizar células somáticas diferenciadas para a obtenção de novos tecidos ou
mesmo de novos organismos, como foi no caso da Dolly?

Continue lendo...

Clonagem Terapêutica e Clonagem


Reprodutiva
As inéditas técnicas de clonagem que levaram ao nascimento de Dolly
tiveram como fundamento a reprogramação de células somáticas. A famosa
ovelhinha nasceu a partir de uma célula somática da glândula mamária de uma
ovelha doadora, cujo núcleo foi extirpado e transferido para um gameta feminino
enucleado (cujo núcleo haploide foi retirado), proveniente de outro animal. Ao
receber o núcleo somático (diploide), esse gameta passou a se comportar como
um zigoto fecundado. Ainda não se sabe exatamente como isto ocorre, mas os
cientistas concordam que provavelmente o DNA inserido, de origem somática,
sofre uma reprogramação dentro do gameta, que torna todos os seus genes
ativos novamente, como se fosse numa fecundação normal.
Clonagem
reprodutiva, o qual No caso de Dolly, a célula assim resultante foi transferida para
suscita muitas o útero de uma terceira ovelha, que funcionou como uma “barriga de
discussões quando
aluguel”. A ovelha que nasceu – o clone – tinha o mesmo patrimônio
se pensa na sua
eventual aplicação genético (DNA) da ovelha doadora do núcleo somático.
na espécie humana.
Este processo, aqui descrito de forma simplificada, é o que se
chama de clonagem reprodutiva, o qual suscita muitas discussões quando se
pensa na sua eventual aplicação na espécie humana. No entanto, uma variante
dele, a chamada clonagem terapêutica, pela qual é possível se obter células-
tronco pluripotentes, vem abrindo uma série de possibilidades na área da
saúde humana.

Acompanhe o texto a seguir.

Células-Tronco Embrionárias para


Fins Terapêuticos
46
Capítulo 3 Clonagem, Células-Tronco e Saúde Humana

As células pluripotentes da parte interna de um blastocisto, se removidas


entre 4 a 5 dias depois da fecundação e transferidas para cultivo em laboratório,
podem originar o que conhecemos por células-tronco embrionárias. O grande valor
biológico delas é que podem originar qualquer tipo de célula, sendo, portanto, de
enorme potencial terapêutico para o tratamento de várias doenças humanas.

Um exemplo disto é o tratamento para o diabetes do tipo I, no qual as células


do pâncreas não produzem insulina. Nesse caso, o transplante de células-tronco
pluripotentes de origem embrionária para o pâncreas do paciente tem o potencial
de injetar ali novas células, as quais poderão produzir a insulina faltante.

O mesmo raciocínio se aplicaria a muitas outras doenças. Indivíduos com


degeneração neurológica (decorrente de doenças como esclerose múltipla
ou doença de Alzheimer) ou com diferentes tipos de câncer poderiam ter suas
funções cerebrais (ou de outros órgãos) restabelecidas pela introdução de novas
células nos seus organismos. É como se as células-tronco fossem verdadeiras
peças sobressalentes com a capacidade de substituir qualquer parte do
organismo! A clonagem de células-tronco embrionárias pluripotentes, para fins
terapêuticos, ainda teria a vantagem de evitar a rejeição se o doador delas fosse
o próprio paciente.

Para além das potenciais utilidades terapêuticas, o estudo dessas células


pluripotentes também poderia aumentar significativamente o que sabemos sobre
o desenvolvimento embrionário e, talvez, levar-nos a compreender as causas de
muitos defeitos congênitos que ocorrem nessa etapa.

Para muitas pessoas, porém, é polêmico e mesmo questionável o emprego


terapêutico de células-tronco retiradas de blastocistos humanos. Embora
em alguns países, como a Inglaterra, embriões descartados (inviáveis para
implantação) de clínicas de reprodução assistida tenham sido liberados para
pesquisas nesta área, no Brasil e em outros países foram criadas leis que limitam
severamente tais investigações. Um dos motivos é o entendimento de que, dentro
de determinadas tradições culturais e religiosas, a massa de células em estágios
precoces do desenvolvimento já pode ser considerada um indivíduo.

Independente da sua opinião pessoal, professor(a), aqui é importante


ressaltar que na clonagem embrionária para fins terapêuticos, como o tratamento
de doenças, seriam gerados em laboratório somente os tecidos, sem implantação
da respectiva massa celular num útero. Voltaremos a esta questão no final deste
capítulo. Mas lembre: isto é uma situação bem diferente de se clonar e obter um
ser vivo inteiro, como foi no caso de Dolly!

47
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Células-Tronco Somáticas para Fins


Terapêuticos
Embora a principal fonte de células-tronco pluripotentes seja,
Hoje se sabe que de fato, o estágio de desenvolvimento embrionário chamado de
também existem blastocisto, hoje se sabe que também existem células-tronco em vários
células-tronco
tecidos somáticos maduros (como medula óssea, sangue e fígado) de
em vários tecidos
somáticos maduros crianças e adultos.
(como medula
óssea, sangue e Pesquisas recentes mostraram que, por exemplo, células-
fígado) de crianças tronco retiradas da medula de indivíduos com problemas cardíacos
e adultos. foram capazes de reconstituir o músculo do seu coração, o que abre
perspectivas fantásticas de tratamento para pessoas com problemas
cardíacos.

No Brasil, os estudos pioneiros neste sentido foram realizados


na Bahia, conforme você poderá conhecer se ler o artigo de Santos
e Soares (2007). A referência completa você encontra no final deste
capítulo.

Entretanto, a quantidade dessas células em adultos é pequena e não


sabemos, ainda, com segurança, em que tipo de tecidos elas são capazes de
se diferenciar. Outra grande limitação dessa técnica, que constitui um verdadeiro
autotransplante (células-tronco somáticas do próprio paciente), é que ela não
serve para tratar pacientes afetados por doenças genéticas, pois, nesses casos, o
próprio genoma das células apresentaria alterações (lembre-se, professor (a), do
que vimos no capítulo anterior, sobre as doenças genéticas humanas).

Outras fontes muito promissoras de células-tronco somáticas são o sangue


do cordão umbilical e a placenta de recém-nascidos. Por isso, proliferam no Brasil
os laboratórios (principalmente privados) que se especializaram em manutenção
de bancos desses tecidos. Entretanto, os cientistas ainda não sabem qual é o
potencial de diferenciação dessas células em diferentes tecidos.

Se as pesquisas com células-tronco de cordão umbilical proporcionarem os


resultados esperados, isto é, se forem realmente capazes de regenerar tecidos ou
órgãos, esta será certamente uma notícia fantástica porque não envolve questões
éticas. Teríamos, então, que resolver somente o problema de compatibilidade
entre as células-tronco do cordão doador e do paciente receptor.

48
Capítulo 3 Clonagem, Células-Tronco e Saúde Humana

Para isto será necessário criar, com a maior urgência, bancos de cordão
públicos, à semelhança dos bancos de sangue. Isto porque se sabe que, quanto
maior o número de amostras de cordão em um banco, maior a chance de se
encontrar doadores compatíveis. Experiências recentes já demonstraram que o
sangue do cordão umbilical é o melhor material para substituir a medula em casos
de leucemia. Por isso, a criação de bancos de cordão é uma prioridade que já
se justifica somente para o tratamento de doenças sanguíneas, mesmo antes de
confirmarmos o resultado de pesquisas para outras doenças.

Atividade de Estudos:

Para revisar o que você estudou até agora no presente capítulo,


responda:

1) Qual a diferença entre células-tronco embrionárias e somáticas?


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2) Para que tipo de doenças as células-tronco somáticas já são


utilizadas como tratamento, no Brasil ?
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Aspectos Éticos e Legais das


Pesquisas com Células-Tronco
Do ponto de vista ético, há muitos dilemas e implicações em relação à
utilização de células-tronco para fins terapêuticos, em especial, as de origem
embrionária.
49
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Segundo Mayana Zatz (2004), os opositores ao uso dessas células


Os opositores ao argumentam que isto poderia gerar um comércio de óvulos ou que
uso dessas células
haveria destruição de embriões humanos, não sendo, portanto, ético
argumentam que
isto poderia gerar destruir uma vida para salvar outra.
um comércio de
óvulos ou que Já os defensores desses procedimentos lembram que existe, de
haveria destruição fato, uma diferença intransponível entre os procedimentos de clonagem
de embriões para fins terapêuticos e a clonagem para fins reprodutivos, como foi
humanos, não
feita para gerar Dolly. A etapa crucial seria a implantação ou não em
sendo, portanto,
ético destruir uma um útero (no caso, um útero humano). Bastaria, então, segundo essa
vida para geneticista da USP, proibir a implantação dessas células no útero!
salvar outra. Os mesmos defensores argumentam ainda que, se pensarmos que
qualquer célula humana poderia ser teoricamente clonada e gerar um
novo ser, poderemos até chegar ao exagero de achar que toda vez que tiramos
a cutícula ou arrancamos um fio de cabelo estamos destruindo uma vida humana
em potencial. Afinal, o núcleo de uma célula da cutícula poderia ser colocado
em um óvulo enucleado, inserido em um útero e gerar uma nova vida... E você,
professor(a), como vê esses dilemas?

Quanto ao comércio de óvulos, Zatz (2004) ainda questiona se não seria a


mesma coisa que ocorre hoje com transplante de órgãos – não seria mais fácil
doar um óvulo do que um rim? E cada uma de nós, professoras mulheres, poderia
até se perguntar: você doaria um óvulo para ajudar alguém? Para salvar uma
vida? Pense nisto...

Goldim (2006) ainda acrescenta outros dilemas éticos, na forma de perguntas


como:

• Seria adequado utilizar embriões produzidos para fins reprodutivos e não


utilizados, cujos prazos legais de utilização foram ultrapassados, para gerar
células-tronco embrionárias?

• Seria aceitável produzir embriões humanos sem finalidade reprodutiva,


apenas para produzir células-tronco?

• A justificativa da necessidade de desenvolver novas terapêuticas estaria


acima da vida dos embriões produzidos para este fim?

Do ponto de vista legal, em 29 de maio de 2008, o Superior Tribunal Federal


aprovou as pesquisas com células-tronco embrionárias, transformando o Brasil
no primeiro país da América Latina e o 26º no mundo a permitir esse tipo de
pesquisa, ao lado de países como Inglaterra, Finlândia, Grécia, Suíça, Holanda,
Japão, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos e Israel.

50
Capítulo 3 Clonagem, Células-Tronco e Saúde Humana

Pela atual lei de biossegurança brasileira, apenas os embriões congelados


há mais de três anos e os inviáveis para implantação podem ser utilizados em
pesquisas. Por embriões inviáveis, entende-se aqueles que, na fertilização in
vitro, não são introduzidos no útero da mulher por não terem qualidade ou por
conterem mutações responsáveis por doenças genéticas. Um dos argumentos
usados pelos pesquisadores interessados em realizar essas pesquisas é que, se
os embriões são inviáveis, eles serão descartados e, portanto, justifica-se a sua
utilização em prol da ciência.

Além disso, a mesma lei diz que os institutos de pesquisa e serviços de saúde
não têm autonomia sobre suas pesquisas com células-tronco embrionárias. Para
realizar pesquisas ou terapias com tais células essas entidades devem submeter
seus trabalhos para análise e aprovação de Comitês de Ética em pesquisa.

Caro(a) pós-graduando(a), recorde o que apresentamos sobre


essas Comissões no capítulo 1.

Assim, se as pesquisas forem contrárias ao que se considera ético em


pesquisa, elas não serão realizadas. Vários grupos religiosos e antiaborto têm
manifestado oposição a essas visões e regulamentações, e o debate, embora
hoje definido do ponto de vista jurídico, continua na sociedade... Cabe, então,
professor(a), levá-lo também para dentro de sua sala de aula !

Algumas Considerações
Os avanços dos conhecimentos científicos a respeito dos primeiros estágios
do desenvolvimento humano e de outros seres vivos também constituem
símbolos da Biologia do século XXI. Foram estes conhecimentos que permitiram
a geração de Dolly, a simpática ovelhinha escocesa, e, mais recentemente, as
importantes pesquisas e aplicações práticas das técnicas de clonagem celular
para fins terapêuticos.

Atualmente, o que sabemos sobre as características e funcionamento de


células-tronco, tanto embrionárias como somáticas, já permitem vislumbrar
um novo horizonte de esperanças para pacientes afetados por doenças
degenerativas graves.

51
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

O avanço da ciência, porém, não se dá sem dificuldades e conflitos,


principalmente do ponto de vista ético, como você pode acompanhar no final
desse capítulo.

É seu papel, colega professor (a), levar temas como esses para a sala de
aula, tendo sempre o cuidado de respeitar os posicionamentos, valores e crenças
que emergem das discussões com seus alunos. Nem sempre é possível, nem
desejável, obter consenso na sala de aula. O Ensino de Biologia e a educação em
geral devem, antes de mais nada, respeitar a autonomia dos aprendentes e, ao
mesmo tempo, incentivá-los a construir seus próprios posicionamentos sobre as
questões da atualidade que já estão afetando suas vidas como jovens cidadãos.

Referências
GOLDIM, J.R. Pesquisas com células tronco. 2006. Disponível em: <http://www.
ufrgs.br/bioetica/celtron.htm>. Acesso em: 15 jun. 2010.

SANTOS, R. R.; SOARES, M. B. P. Perspectivas de aplicações da Terapia


Celular na Bahia. In: EMERICK, M. A.; MONTENEGRO, K. B. M.; DEGRAVE, W.
(Org.). Novas Tecnologias na Genética Humana: Avanços e Impactos para a
Saúde. Rio de Janeiro: GESTEC-Nit, 2007.

ZATZ, M. Clonagem e células-tronco. Estudos Avançados. n. 51, v. 18, p. 247-


256, 2004.

52
C APÍTULO 4
Variações Biológicas na Espécie
Humana e a Questão do Racismo

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conhecer as origens históricas, sociais e biológicas das noções de racismo


e diferenciação biológica na espécie humana.

33 Discutir as possibilidades de trabalhar, no ensino de Biologia, concepções


não-racistas da variabilidade biológica humana.
Capítulo 4 Variações Biológicas na Espécie
Humana e a Questão do Racismo

Contextualização
Cada vez que você está na sua sala de aula ou num lugar público, como a
rua, um restaurante ou ponto de ônibus e começa a observar as pessoas que
passam, o que lhe chama a atenção?

O rosto delas? Sua forma de andar? A altura e o tipo físico? Se são jovens
ou idosas?

Há mesmo muita variação e diversidade, não é mesmo?

Nós, seres humanos, somos todos muito parecidos e, ao


Nós, seres
mesmo tempo, muito diferentes. Num olhar rápido, o que nos torna
humanos, somos
muito parecidos são nossas características físicas básicas. Como todos muito
primatas que somos (e lembrando-nos das outras espécies, como parecidos e,
os chimpanzés, com quem temos parentesco evolutivo), nosso corpo ao mesmo tempo,
é caracterizado por um posicionamento típico, ereto, pelo formato e muito diferentes.
proporção dos membros superiores e inferiores, pela pele fina e pela
relativa falta de pelos corporais.

No entanto, não somos todos iguais, claro! Como qualquer outra espécie
biológica, apresentamos variabilidade genética, resultado dos processos
evolutivos (como você terá oportunidade de revisar mais adiante, no Capítulo 5).

Neste capítulo, abordaremos a questão da diversidade biológica humana


como ponto de partida para expor e discutir as relações históricas e culturais que
converteram essa característica em objeto de discriminação e preconceito – o
racismo. Apontaremos que, por ser um tema bem presente no cotidiano de seus
alunos, você poderá trabalhá-lo em sala de aula de modo a promover discussões
de cunho ético, desmistificando estereótipos e ressaltando, dessa forma, as
conexões entre Biologia, Ética e Educação.

Diversidade Humana

Ao observar outras pessoas cada um de nós rapidamente percebe que temos
muitas diferenças: o sexo, a altura, o peso, a massa muscular e a distribuição de
gordura corporal, cor e formato dos olhos, formato do nariz e lábios, cor da pele,
entre outras que são bem visíveis.

Como você já sabe dos seus estudos anteriores de genética humana, a


maioria destas variações fenotípicas é de natureza quantitativa e tem distribuição

55
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

contínua, constituindo um gradiente na população em geral. Muitas características


são fortemente afetadas pelo modo de vida e ambiente em que a pessoa vive – é
o caso da nossa altura e do peso.

Você também sabe que não é apenas quanto às características externas,


morfológicas, que apresentamos variação. O fenótipo de cada indivíduo, aqui
entendido como a expressão ou manifestação do nosso genótipo, envolve também
uma série de outros atributos que não é possível “enxergar” externamente.
Exemplos disto é nosso tipo sanguíneo, a presença de determinadas proteínas no
nosso plasma e nossa medida de pressão arterial.

Ou seja, somos todos iguais (humanos), mas também diferentes


Somos todos iguais (indivíduos)! E quanto à nossa biologia, não existe nenhum motivo
(humanos), mas
especial para valorizar mais uma ou outra dessas características, pois
também diferentes
(indivíduos)! todas são parte da nossa constituição e todas têm seu papel na nossa
condição de ser vivo.

Atividade de Estudos:

1) Agora pense e aponte outras características da variação biológica


na espécie humana.
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Constatando que, embora sejamos membros de uma só espécie,


apresentamos clara individualidade biológica, também percebemos que, numa
sociedade que valoriza muito a aparência física, algumas pessoas podem nos
parecer mais atraentes do que outras. Além disto, há características físicas que
“falam por si”, podendo nos fornecer informações, por exemplo, sobre a origem
geográfica ancestral das pessoas. É o caso da pele negra, que nos permite inferir

56
Capítulo 4 Variações Biológicas na Espécie
Humana e a Questão do Racismo

que a pessoa tenha ancestrais, diretos ou remotos, vindos da África. Já os olhos


puxados nos permitem concluir que a pessoa tenha parentes orientais.

Agora, pense bem: qual a real importância destas diferenças que estão,
literalmente, “à flor da pele”?

Segundo o geneticista Sérgio Pena (2008), os traços físicos contrastantes das


populações humanas, que podem ser visualizados facilmente, como pigmentação
da pele, cor e textura dos cabelos, formato dos olhos, boca e estrutura facial,
são, na realidade, características superficiais da nossa constituição biológica.
Dependem somente de um pequeno número de genes e representam simples
adaptações morfológicas ao meio ambiente, sendo, portanto, o esperado
resultado do processo de seleção natural, ao longo da evolução humana.

Professor(a), você vai revisar alguns conceitos relativos à


evolução biológica, como o de seleção natural, no Capítulo 5.

A nossa cor ou pigmentação da pele, em especial, corresponde a uma


adaptação aos níveis de radiação solar ultravioleta de um determinado local
geográfico. Esta característica superficial parece variar em função de apenas
dois fatores seletivos: o metabolismo do ácido fólico (resultando em pele muito
pigmentada, quando a radiação é excessiva, como nos trópicos) e a falta de
síntese da vitamina D3 na pele (resultando em pele com pouca pigmentação,
quando a radiação é insuficiente, como nas altas latitudes).

A cor que vemos na pele humana, então, é determinada pela quantidade


e o tipo de pigmento – a melanina – na derme e esta deposição de
pigmento é controlada por poucos genes, de quatro a seis pares A cor que vemos na
(lembrando, como você viu no capítulo 2, que o total de genes pele humana, então,
é determinada pela
humanos é hoje calculado entre 20 e 30 mil). Ou seja, a maior parte da
quantidade e o
ampla variação encontrada, da característica “cor da pele”, resulta de tipo de pigmento
efeitos ambientais. – a melanina
– na derme e
No entanto, você bem sabe como esta característica, que é esta deposição
biologicamente superficial, e constitui apenas uma entre outros de pigmento é
milhares presentes no nosso genoma humano, vem sendo controlada por
historicamente motivo e pretexto para muitos problemas sociais e poucos genes, de
quatro a seis pares.
éticos. Estamos falando do racismo. Então, pensemos: como se
formou o conceito de inferioridade racial, pelo qual um simples detalhe
do nosso corpo, a cor da pele, transformou-se num atributo que tem o poder de
discriminar pessoas?
57
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

As Origens Históricas e Sociais do


Racismo
No livro “Humanidade sem raças” (2008, p. 10), o geneticista brasileiro
Sérgio Pena destaca que:

[...] a emergência do racismo e a cristalização do conceito de


A emergência raças coincidiu historicamente com dois fenômenos da era
do racismo e moderna: o início do tráfico de escravos da África para as
a cristalização Américas, e o esvanecimento do tradicional espírito religioso
do conceito de em favor de interpretações científicas da natureza.
raças coincidiu
historicamente com Vamos entender como ocorreu esse processo que hoje,
dois fenômenos socialmente, ainda sustenta uma série de práticas sociais que
da era moderna: o promovem discriminação e exclusão de uma boa parcela da população
início do tráfico de
humana em muitos países, inclusive no Brasil.
escravos da África
para as Américas, e
o esvanecimento do Pena (2008) aponta que, já no século XVIII, o filósofo francês
tradicional espíritoVoltaire expressou, em uma de suas obras, que entendia a “raça negra”
religioso em favor como muito diferente e inferior à branca, da mesma forma que, em
de interpretações cães, algumas raças são mais fortes do que outras. Na mesma época,
científicas da
o naturalista sueco Linnaeus (o mesmo que propôs o primeiro sistema
natureza.
de classificação das plantas e animais) criou uma divisão taxonômica
da espécie humana, numa perspectiva essencialista e tipológica, pela
qual, por exemplo, a “raça europeia” seria sempre “branca e forte” e a “raça
americana” sempre “vermelha e violenta”. Não é difícil perceber que, mesmo se
considerarmos o nível de conhecimentos científicos da época, tais classificações
não tinham real fundamento científico e envolviam juízos de valor e discriminação.

Pena (2008) ressalta que essa verdadeira “invenção científica do racismo”,


na Europa, coincidiu historicamente com o crescimento do tráfico de escravos da
África para as colônias localizadas na América. Esta atividade gerava enormes
lucros para as nações envolvidas, como a Inglaterra, Portugal, Espanha e
Holanda. Assim, grandes sistemas econômicos se fundaram na dependência da
escravidão negra. Como as atrocidades e violências cometidas para sustentar
essas atividades conflitavam com a fé cristã, pela qual todos os humanos são
iguais e criados pela mesma divindade, foi necessário encontrar uma “solução”
ideológica: atribuir “cientificamente” uma inferioridade biológica e comportamental
a determinadas populações humanas. Afirmar que tais diferenças eram tão
grandes que impediam esses indivíduos de pertencer à “raça branca” e, desse
modo, criar um “racismo científico”, apoiado adicionalmente pela religião.
Infelizmente, essas ideias contaram com o apoio de grandes pensadores da
época e se legitimaram. Como afirma Pena (2008, p. 18):
58
Capítulo 4 Variações Biológicas na Espécie
Humana e a Questão do Racismo

Desde então, o conceito de diferenças biológicas das “raças”


se infiltrou paulatinamente na nossa cultura, assumindo quase
uma qualidade de elemento fundamental e indispensável
para esta. Estava criado o solo fértil onde germinariam as
calamitosas ideologias do nazismo e do apartheid.

Mas o que a Biologia do século XXI, fruto dos avanços em várias áreas, como
a Genética, tem a nos dizer sobre as diferenças biológicas entre os indivíduos
da espécie humana? Será que elas existem de fato? E o que elas significam?
Os argumentos “científicos” que legitimaram o surgimento do racismo podem
ser sustentados à luz dos atuais conhecimentos sobre, por exemplo, o genoma
humano? Acompanhe o texto a seguir.

“Raças”, Cor da Pele e Genoma


Humano
Em 2000, a revista Ciência Hoje publicou uma pesquisa bastante
O cromossomo Y
interessante, realizada com uma amostragem de brasileiros (todos
presente nas células
homens e autodeclarados como “brancos”) residentes em várias de um homem é
regiões do Brasil (PENA et al., 2000). Foram obtidas amostras de sempre originário
DNA de cada indivíduo para investigar tanto a composição do material de uma cópia
genético presente no cromossomo Y como nas mitocôndrias. paterna, presente
no espermatozoide
por ocasião da
Professor(a), lembre que o cromossomo Y presente nas células
fecundação, já as
de um homem é sempre originário de uma cópia paterna, presente no
suas mitocôndrias
espermatozoide por ocasião da fecundação, ou seja, as características são provenientes do
do cromossomo Y permitem fazer inferências sobre os antepassados gameta feminino,
masculinos desse homem: seu pai, seu avô, seu bisavô e assim ou seja, cada célula
por diante. Já as suas mitocôndrias são provenientes do gameta masculina apresenta
feminino, ou seja, cada célula masculina apresenta DNA mitocondrial DNA mitocondrial
cujas características
cujas características permitem saber detalhes genéticos de suas
permitem
antepassadas: sua mãe, sua avó, sua bisavó, etc. saber detalhes
genéticos de suas
A pesquisa teve como objetivo identificar, através de testes de antepassadas: sua
DNA (semelhantes aos que foram utilizados no Projeto Genoma mãe, sua avó, sua
Humano, conforme você viu no Capítulo 2), a presença de genes bisavó, etc.
específicos, indicativos das origens históricas e étnicas desses
indivíduos. Os resultados da investigação estão resumidos, de forma simplificada,
nos seguintes itens:

• A imensa maioria dos indivíduos pesquisados (mais de 90%) apresentou DNA


de origem paterna (do cromossomo Y) semelhante ao DNA encontrado em
59
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

homens europeus, em especial nos portugueses. Este fato é coerente com a


história de colonização do Brasil, efetivada, principalmente, por Portugal.

• Mesmo apresentando, claramente, origens portuguesas em comum, o DNA


paterno desses brasileiros ainda revelou considerável variabilidade. Os autores
da pesquisa interpretaram isto como sendo resultado da grande diversidade
genética dos povos da Península Ibérica (ao longo de sua formação, a região
foi alvo de muitas invasões, principalmente de povos árabes e mouros, do
norte da África).

• Quanto ao DNA de origem materna (mitocondrial), presente nessa amostra


de homens brasileiros autodeclarados “brancos”, a grande maioria (cerca
de 60%) foi semelhante ao que é encontrado em populações ameríndias e
africanas, indicando a clara origem étnica e geográfica de suas antepassadas.
Este fato também é coerente com o que sabemos da história brasileira,
durante a qual os colonizadores europeus deixaram uma grande população
de descendentes, fruto dos relacionamentos com índias e escravas negras.

• As características do DNA mitocondrial desses homens, reveladora da origem


de suas antepassadas, mostrou grande variação regional: nas amostras dos
homens residentes na região Sul, em 66% dos casos o DNA mitocondrial foi
semelhante ao padrão europeu; nos da região Norte, 54% foi semelhante ao
padrão ameríndio; nos da região Nordeste, 44% teve padrão semelhante ao
africano. Esta variação também é coerente com o que sabemos dos processos
de ocupação geográfica ao longo da colonização brasileira: imigrantes
alemães e italianos, por exemplo, estabeleceram-se no Sul, enquanto nas
populações do Nordeste houve maior presença dos afrodescendentes.

Caro(a) pós-graduando(a): Ficou interessado(a) em conhecer melhor esse
estudo? A referência completa dele está no final deste capítulo.

Atividade de Estudos:

E antes de prosseguir a leitura, responda as seguintes questões:

1) Qual a origem da informação genética contida no cromossomo Y


dos homens?
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

60
Capítulo 4 Variações Biológicas na Espécie
Humana e a Questão do Racismo

_____________________________________________________
_____________________________________________________

2) Qual a origem das informações genéticas contidas no DNA


mitocondrial, presente nas células de cada um de nós (homens e
mulheres)? Justifique suas respostas com base na leitura anterior.
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________

Em relação à pesquisa descrita, seus autores concluíram


A população
que os dados obtidos respaldam o que já havia sido detectado
brasileira é tri-
em estudos anteriores: a população brasileira é tri-híbrida, isto é, híbrida, isto é,
formada a partir da contribuição biológica tanto de povos europeus formada a partir
como de ameríndios e africanos. Os exames de DNA permitiram da contribuição
comprovar que, entre os antepassados dos homens da amostra, a biológica tanto de
contribuição europeia (“branca”) foi feita basicamente através de seus povos europeus
como de ameríndios
antepassados masculinos (presença do cromossomo Y), e a ameríndia
e africanos.
e a africana (“pele escura”) através das antepassadas, mulheres (DNA
mitocondrial). Mas esta verdadeira “mistura” não está refletida na
cor da pele, pois todos os indivíduos examinados eram brancos!

Ou seja, a cor da pele não é, de fato, um bom indicador de ancestralidade


étnica, e mesmo que fosse, cada um dos homens participantes da pesquisa teve
detectado material genético de diferentes origens, tanto do lado materno como
paterno. Portanto, a Biologia do século XXI, que permite examinar em detalhes a
nossa constituição genética, afirma: a concepção de “raças humanas”
não tem fundamento biológico. Quem é “branco” pode ter genes
Quando se examina
originados de antepassados também “brancos”, mas também de o genoma de dois
“negros” e de índios... indivíduos não-
aparentados, a
Para concluir, é importante salientar que pesquisas desse tipo, diferença média
na área de genética de populações humanas, só reforçam a ideia entre eles é de
apenas 0,05 % do
de que a única variabilidade realmente significativa está na nossa
total de nucleotídios.
individualidade, e não nas diferenças entre etnias ou populações,

61
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

muito menos em atributos superficiais como a cor da pele. Pena (2008) chama
a atenção para o fato de que quando se examina o genoma de dois indivíduos
não-aparentados, a diferença média entre eles é de apenas 0,05 % do total
de nucleotídios. Mas é nessa pequena margem de diferença que está nossa
individualidade, permitindo que sejamos, de fato, identificados como indivíduos
únicos.

Baseado nesta constatação, Pena (2008) propõe, então, o abandono dos


modelos tipológicos e essencialistas para explicar a diversidade da espécie
humana, conforme vimos no início do Capítulo, e a adoção de um modelo
genômico/individual. Por este modelo, a espécie humana não seria mais dividida
em “raças” ou populações, e sim em aproximadamente 7 bilhões de indivíduos
distintos (é a atual estimativa de número de habitantes humanos no nosso
planeta), com genomas singulares e graus diferentes de parentesco, segundo
suas várias linhagens genealógicas.

Afirma Pena (2008): “Neste [novo] paradigma, a noção de raças se esvanece


como fumaça.”

Algumas Considerações:
Desconstruindo o Racismo Através
do Ensino de Biologia
Professor(a), através de uma breve descrição das origens históricas e sociais
do racismo e de estudos em genética humana que informam sobre aspectos da
variabilidade biológica presente em populações e indivíduos, esperamos que
você perceba o importante papel que os conhecimentos científicos da Biologia,
corretamente empregados, podem desempenhar no resgate de uma visão mais
igualitária e justa da nossa sociedade.

Pesquisas como as do geneticista Sergio Pena, aqui descritas como


exemplos, certamente não mudam, sozinhas, o panorama das relações raciais
no nosso país, ainda marcado por tensões e conflitos nem sempre explícitos. O
racismo e as diferenças sociais entre indivíduos que têm, como atributo biológico
superficial, diferenças na cor da pele, não vão melhorar nem piorar por causa de
levantamentos genéticos como o que foi aqui apresentado.

No entanto, pense que, se muitos brasileiros “brancos” que tem DNA


mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disto talvez valorizassem
mais a exuberante diversidade genética do nosso povo e cooperassem para
62
Capítulo 4 Variações Biológicas na Espécie
Humana e a Questão do Racismo

construir, no século XXI, uma sociedade mais harmônica.

Então, não perca a oportunidade de levar esses e outros dados para a


sala de aula, promovendo boas discussões e apostando com seus alunos que
informações científicas atualizadas e de qualidade podem fazer muita diferença
em termos de conscientização!

Referências
PENA, S. D. et al. Retrato Molecular do Brasil. Ciência Hoje, v. 16, n.159, p. 16-
25, abr. 2000.

PENA, S. D. Humanidade sem raças? São Paulo: Publifolha, 2008.

63
C APÍTULO 5
Evolução Biológica e os Conflitos
entre Ciência e Religião

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Identificar e descrever aspectos fundamentais da atual concepção científica


da teoria da Evolução Biológica.

33 Demonstrar possibilidades metodológicas para o ensino de evolução


pautado pelo reconhecimento dos conflitos entre ciência e religião.
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

Contextualização
O consagrado geneticista Theodosius Dobzhansky (1900-1975), um dos
fundadores e expoentes da genética contemporânea, cunhou uma célebre frase:
“nada em biologia faz sentido senão à luz da Evolução.” (apud DAWKINS, 2005,
p. 109). Esta afirmação ressalta a importância da compreensão dos processos
evolutivos, que são o tema do presente Capítulo, para o entendimento da Biologia
como um todo.

No entanto, você bem sabe, como professor(a), das muitas dificuldades que
acompanham o ensino desse tema. Com você faz? Dá somente aulas expositivas,
ressaltando os principais conceitos teóricos envolvidos, como a noção de seleção
natural? Fala da vida e obra de Darwin e Lamarck? Fornece alguns exemplos
práticos, descrevendo os mecanismos evolutivos que explicam, por exemplo, a
resistência bacteriana aos antibióticos? Inclui aspectos das origens da espécie
humana? Ressalta a proximidade biológica entre humanos e chimpanzés?

Ou simplifica, abrevia ou até mesmo evita ministrar esses conteúdos, por


considerá-los muito complexos para seus alunos?

Não se preocupe, todas essas possibilidades ocorrem quando se conversa


com professores de Biologia sobre o ensino de evolução!

No presente capítulo, iniciaremos revisando alguns aspectos conceituais


sobre os processos evolutivos para, na sequencia, problematizar questões
relacionadas ao seu ensino, em especial, os conflitos entre ciência e religião, e
discutir algumas alternativas metodológicas para uso em sala de aula.

Da mesma forma que os demais Temas de Estudo em Ciência


Biológicas, abordados no presente caderno de estudos, o ensino Ensinar evolução
de Evolução é uma rica e desafiadora oportunidade para você, é, de fato, um dos
maiores desafios
professor(a), incluir nas suas aulas aspectos que conectam Biologia,
do profissional do
Ética e Educação. ensino de Biologia.
Quando esse tema
é abordado em

Alguns Problemas do Ensino sala de aula, bons


professores se veem

de Evolução Biológica frequentemente


em situações
que desafiam
Ensinar evolução é, de fato, um dos maiores desafios do seu intelecto,
profissional do ensino de Biologia. Quando esse tema é abordado em sua formação e
sala de aula, bons professores se veem frequentemente em situações até mesmo suas
que desafiam seu intelecto, sua formação e até mesmo suas crenças crenças mais
profundas.
mais profundas.

67
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Alguns assuntos podem gerar reações de estranheza e, até mesmo,


de rejeição por parte dos alunos, não é mesmo? Tais atitudes podem estar
relacionadas a afirmações que fazem parte do ensino desse conceito fundamental
para as Ciências Biológicas, como, por exemplo:

• As espécies de seres vivos se transformam em outras espécies ao longo do


tempo e isso acontece em um intervalo cronológico muito grande.

• Todos os seres vivos existentes, e também aqueles que já não existem mais,
possuem um mesmo ancestral.

• Os seres humanos são descendentes de primatas não-humanos,


compartilhando, assim, de ancestrais com outros primatas modernos.

Atividade de Estudos:

1) Você já vivenciou situações de conflito em sala de aula ao tratar


das informações listadas anteriormente ou de outros conteúdos
relativos à evolução? Descreva abaixo.
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
_______________________________________________________
____________________________________________________
É desejável, ____________________________________________________
também, que o (a)
professor (a) tenha
bem desenvolvidos
seu senso crítico
e sua capacidade Para tratar adequadamente de assuntos deste tipo é preciso que
de dialogar, além o docente tenha um bom conhecimento a respeito dos fundamentos
de princípios científicos da evolução biológica. Porém, isto só não basta! É desejável,
éticos claros que também, que o (a) professor (a) tenha bem desenvolvidos seu senso
orientem seu crítico e sua capacidade de dialogar, além de princípios éticos claros
comportamento,
que orientem seu comportamento, sua postura perante tais assuntos
sua postura perante
tais assuntos e, de e, de modo mais geral, perante a educação e seu papel na formação
modo mais geral, dos indivíduos.
perante a educação
e seu papel na Sem dúvida, todas as nossas atividades sociais são permeadas,
formação dos ou orientadas, por princípios éticos que, na maioria das vezes, estão
indivíduos.
implícitos e podem nem sempre ser facilmente identificáveis. Assim,

68
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

a educação, entendida como atividade social, também é influenciada por


princípios de conduta profundamente enraizados nos seus atores (professores e
estudantes). Dessa maneira, um maior esclarecimento a respeito de princípios
e questões éticas relacionadas à educação, conforme já discutimos no capítulo
1 deste caderno, pode fornecer aos professores uma base mais sólida, sobre a
qual as atividades pedagógicas, suscitadas por questões como as apontadas
anteriormente, podem ser desenvolvidas. Voltaremos a este assunto no último
capítulo deste caderno de estudos.

A noção científica de que as espécies animais e vegetais são produto de


processos e mecanismos agrupados sob o tema da evolução biológica, e não
resultantes de atos associados à existência de divindades, frequentemente
acrescenta dificuldades e conflitos ao seu ensino. Esta situação é, sem dúvida,
um desafio adicional para você, como professor(a).

A seguir, vamos fazer uma breve revisão dos principais fundamentos que
caracterizam o conceito de evolução biológica. Acompanhe!

O que é, afinal, Evolução Biológica?


O termo original, evolução, não é polêmico, mas é objeto, na
linguagem comum, de grande variedade de significados, usos e
O termo original,
aplicações. Fala-se, por exemplo, em evolução da sociedade – evolução, não é
querendo-se sugerir mudança ou melhoria da sociedade humana. polêmico, mas é
Comenta-se a respeito da evolução escolar de um jovem – o que objeto, na linguagem
significa dizer, via de regra, que ele está aprendendo e desenvolvendo comum, de grande
seu aspecto cognitivo. De fato, quem negaria que a comunicação variedade de
significados, usos
evoluiu nas últimas décadas com o advento da Internet? Até as e aplicações.
escolas de samba evoluem, não é mesmo?

Dada esta variedade de usos populares do termo, uma


conceituação mais precisa é bem vinda para que saibamos exatamente Entende-se por
sobre o que conversamos com os alunos nas aulas de Biologia. O evolução biológica
as mudanças,
simples acréscimo do adjetivo biológica ao termo geral evolução já
seguidas de
impede algumas confusões. Embora, atualmente, ainda haja alguma adaptação ao
divergência entre os cientistas quanto a detalhes desse conceito, para meio, de sistemas
fins do seu ensino podemos ficar com a seguinte definição: biológicos que se
replicam (ou se
reproduzem), ou
Entende-se por evolução biológica as mudanças, seguidas de
seja, dos
adaptação ao meio, de sistemas biológicos que se replicam (ou se seres vivos.
reproduzem), ou seja, dos seres vivos.
69
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Cabe ressaltar que ao longo da história da ciência este conceito já teve


muitas outras interpretações. Segundo Castro e Leyser (2007), antes da
“fundação” da Biologia como ciência, ocorrida no século XVII, os seres vivos eram
estudados em grupos separados: plantas pela botânica, animais pela zoologia,
humanos pela anatomia e fisiologia, etc. Já que os seres vivos eram concebidos
como entidades independentes umas das outras, nenhuma relação entre eles era
sequer suposta. Somente com observações de certas regularidades e padrões em
toda a diversidade de formas existentes, tais como as identificadas nos estudos
comparativos entre animais e plantas, é que se tornou evidente a existência de
relações biológicas – inclusive as de parentesco.

Dessa forma, a definição apresentada anteriormente decorre dos atuais


conhecimentos em áreas tão diversas como genética, paleontologia, geologia,
geografia, zoologia, botânica e biologia molecular, que permitem explicar os
processos pelos quais os seres vivos surgiram e se diversificaram ao longo do
tempo, sobre o nosso planeta.

A partir desse conceito geral, é necessário também apontar alguns dos


aspectos mais salientes do que é aceito, hoje, como a teoria da evolução e que
faz parte dos materiais didáticos destinados ao ensino de Biologia.

Cabe ressaltar que uma boa maneira de imaginarmos como convencer


um cético de que a evolução ocorre é examinar os argumentos reunidos pelo
naturalista Charles Darwin, no seu famoso livro A origem das espécies. Ele era
um pesquisador com conhecimentos extremamente amplos, que lhe permitiram
explorar informações de áreas tão diversas como a paleontologia, a embriologia
e a anatomia, fundamentando, dessa forma, as bases para o entendimento da
evolução como processo. Acompanhe algumas das contribuições desse cientista
para os aspectos básicos da teoria, segundo Meyer e El-Hani (2005):

a) A evolução dos seres vivos ocorre de fato, ou seja, as espécies não são
imutáveis

Para sustentar a realidade da evolução, alguns dos argumentos que Darwin


nos forneceu são: (a) há semelhanças entre seres vivos de diferentes espécies,
como por exemplo, as partes anatômicas que formam as patas dos animais
terrestres, as nadadeiras de mamíferos marinhos e as asas de morcegos; (b) em
alguns seres vivos atuais podemos encontrar órgãos vestigiais aparentemente
desprovidos de função, como os vestígios de apêndices em cobras. Nos seus
ancestrais evolutivos, tais apêndices possivelmente foram funcionais para
locomoção e as espécies atuais retiveram as respectivas estruturas ósseas,
mesmo não mais utilizando-as.

70
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

b) Todos os seres vivos compartilham espécies ancestrais em comum

Para Darwin, espécies novas sempre surgem de espécies pré-existentes.


Encontramos evidências claras disto ao examinarmos os fósseis de espécies
já extintas. Os estudos de fósseis permitem uma verdadeira caminhada para
trás, no tempo geológico. Quanto mais antigos, mais remotos esses ancestrais
são em relação às espécies atuais. Baseado nesta constatação, Darwin criou e
representou na sua obra a metáfora da “árvore da vida” (veja o desenho original, a
seguir): os ramos mais baixos são os seres vivos mais antigos, a partir dos quais,
por evolução biológica, surgiram as espécies que vemos hoje. Esta metáfora é
conhecida, atualmente, como a árvore filogenética, que representa as relações
de ancestralidade e descendência entre as espécies ao longo de tempo.

Figura 2 - Árvore da vida

Fonte: Disponível em: <http://scienceblogs.com.br/cienciaeideias/


darwin_first_tree_2.jpg>. Acesso em: 21 jun. 2010.

Não são os
c) A variação dentro de cada espécie origina as diferenças entre as indivíduos que
espécies mudam ao longo do
processo evolutivo,
e sim
Darwin fez mais do que afirmar que a evolução ocorre e que ela
as populações.
resulta numa grande “árvore” unindo todos os seres vivos, atuais e

71
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

extintos. Ele também propôs que a variação que existe dentro de uma espécie
(ou seja, as diferenças entre os seus indivíduos) pode dar origem a diferenças
maiores, que resultam no surgimento de diferentes espécies ao longo do tempo.
Ou seja, não são os indivíduos que mudam ao longo do processo evolutivo, e sim
as populações – este é um dos aspectos fundamentais da contribuição de Darwin
para a atual teoria da evolução.

d) A evolução é gradual

Segundo Darwin, as grandes mudanças evolutivas ocorreriam como uma


sucessão e acúmulo de mudanças menores. Os registros fósseis fornecem boas
evidências disto, pois podem ser identificados seres intermediários que explicariam
como uma espécie já extinta transitou para sua forma atual. No entanto, Darwin
também admitiu lacunas nesses registros, uma vez que nem todas as espécies já
extintas deixaram vestígios claros.

e) A seleção natural é o mecanismo subjacente à mudança evolutiva

Esta é, de fato, a ideia mais revolucionária dentro do entendimento de


Darwin sobre a evolução biológica. A noção de seleção natural resultou das
várias observações e conclusões que Darwin elaborou e discutiu com seu colega
Alfred Wallace, na segunda metade do século XIX. Acompanhe o raciocínio deles:
(1) todas as espécies têm grande fertilidade e, se todos os seus indivíduos se
reproduzem, seu aumento se dará de forma exponencial; (2) as populações de
cada espécie normalmente têm tamanho (número de indivíduos) estável, com
pequenas variações; (3) o aumento da disponibilidade de recursos naturais
(em especial, alimentos e abrigo) nem sempre acompanha o crescimento
populacional; (4) portanto, se forem produzidos mais indivíduos do
O processo de que o número (tamanho da população) que pode ser mantido com
seleção natural, os recursos disponíveis, deverá haver uma “luta pela existência”, ou
então, consiste seja, seleção natural, que controla e define o tamanho da população
na sobrevivência e as características dos indivíduos que nela se mantêm. Hoje se
e reprodução sabe que a expressão “luta pela existência” poucas vezes significa
desigual de
alguma superioridade física de indivíduo sobre outro, e sim da
indivíduos de uma
dada espécie, presença de determinadas características, geneticamente herdadas,
juntamente à que possibilitam uma melhor adaptação ao meio. Indivíduos melhor
herança e à adaptados deixarão maior número de descendentes, que, por sua
transmissão de vez, terão características biológicas que lhes possibilitam mais chance
características que de sobreviver em ambientes com determinados recursos finitos. O
influem na sua
processo de seleção natural, então, consiste na sobrevivência e
sobrevivência.
reprodução desigual de indivíduos de uma dada espécie, juntamente
72
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

à herança e à transmissão de características que influem na sua sobrevivência.


Lembre que um bom exemplo do efeito dos mecanismos de seleção natural é o
da resistência bacteriana aos antibióticos (que você pode revisar em bons livros
de Biologia para o Ensino Médio), questão que, hoje em dia, tem impactos diretos
sobre a saúde humana e que constitui um bom tema de estudo ao se ensinar
evolução biológica.

Tendo revisado alguns dos aspectos centrais para o entendimento dos


processos evolutivos, segundo a contribuição de Charles Darwin, responda
as perguntas a seguir. Se precisar, consulte a bibliografia listada ao final deste
capítulo, ou livros utilizados no ensino de Biologia que você tenha à disposição.

Atividade de Estudos:

1) Justifique a seguinte afirmativa: “os fósseis são considerados


como uma das principais evidências de que a evolução biológica
não é apenas uma teoria, mas sim um fato”.
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2) Explique, com base no entendimento do conceito de seleção


natural, a resistência bacteriana a antibióticos. E responda: de
que forma o correto entendimento desse fenômeno poderia
ajudar seus alunos a não fazer uso indiscriminado desses
medicamentos?
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73
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

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_______________________________________________________
_______________________________________________________

Você sabia que Charles Darwin manteve, por muito tempo,


intensa correspondência científica com o naturalista alemão Fritz
Müller, que emigrou da Alemanha em 1852 e se radicou na região do
Vale do Itajaí (SC), também morando e trabalhando por algum tempo
na cidade de Florianópolis? Para saber mais sobre essa proveitosa
colaboração científica e sobre a vida do naturalista Fritz Müller,
consulte o livro de C. Zillig (1997), Dear Mr. Darwin: a intimidade da
correspondência entre Fritz Müller e Charles Darwin.

A Evolução Biológica como


Conceito Integrador para o Ensino
de Biologia
Hoje, passados quase 200 anos da publicação das ideias
Noções de evolucionistas de Darwin, há um consenso de que o conceito de
evolução ajudam
evolução é fundamental e unificador de toda a ciência da Biologia.
a explicar, por
exemplo, a Noções de evolução ajudam a explicar, por exemplo, a presença da
presença da biodiversidade (as espécies estão em constante modificação) e a
biodiversidade e a necessidade de sua preservação, por isto, é fundamental incluí-las
necessidade de no ensino de Biologia na perspectiva da formação de cidadãos bem-
sua preservação, informados e conscientes.

Porém, apesar de toda essa importância, você deve saber, professor(a), o


quanto pode ser difícil encontrar bons materiais e livros didáticos sobre esse tema
para seus alunos, bem como pode ter sido precária ou mesmo inexistente, na sua
própria formação acadêmica, adquirir bons conhecimentos e preparo para ensinar
essa temática (já que nem todos os currículos dos cursos de Licenciatura incluem
disciplinas específicas nessa área).

74
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

Além dessas dificuldades para o entendimento da teoria científica da evolução


e dos conceitos a ela relacionados, acrescenta-se o fato de que, como visão de
mundo, a noção de evolução biológica põe em cheque outras concepções que
estão presentes na nossa cultura e sociedade. Aqui falamos, especificamente,
dos conflitos entre ciência e religião. Como as práticas e crenças religiosas fazem
parte da vida de muitos de nossos alunos (e talvez da sua também, professor (a)!)
e partindo da perspectiva que de que seu papel como educador deve ser orientado
por ética e respeito a tais vivências, é adequado conhecermos um pouco mais
sobre algumas interpretações religiosas sobre a evolução. Acompanhe a seguir.

Visões Religiosas e Pseudo-


Científicas Sobre a Evolução
Biológica
No Brasil, em 2000, o então governador do Estado do Rio de Janeiro
ocasionou uma retomada dos debates sobre os limites entre ciência e religião ao
sancionar uma lei que determinava a inclusão do ensino religioso nos currículos
das escolas públicas fluminenses. Em 2004, essa lei foi colocada em prática por
meio da contratação de professores para o ensino de religião, segundo diferentes
credos (principalmente católico e evangélico), determinando-se a partir daí que
as escolas públicas estaduais promovessem reflexões sobre a criação do mundo
através da abordagem do criacionismo. Na época, essas iniciativas foram
duramente criticadas por vários setores políticos e educacionais por entender-se
a medida como um grave conflito em relação ao caráter laico da educação pública
(ou seja, a escola pública não deve fazer doutrinação religiosa), bem como uma
ameaça ao valor da educação científica (em especial dos conhecimentos de
Biologia) para a formação da cidadania.

Você pode ler mais sobre esta discussão, relacionada à


presença do criacionismo no ensino, acessando os boletins da
Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia, no portal: http://www.
sbenbio.org.br

Mas o que é o criacionismo? De que forma esta doutrina se contrapõe à


noção científica da evolução biológica, que é baseada em evidências e teorias?

Castro e Leyser (2007) informam que o movimento criacionista moderno foi


75
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

oficialmente fundado nos Estados Unidos, em 1961, defendendo uma explicação


teológica da criação, pela qual todas as formas de vida, incluindo os humanos,
surgiram como resultado da vontade e da criação de uma entidade divina.
Segundo essa doutrina, a imensa diversidade de seres vivos que vemos ao
nosso redor, bem como todas as suas características, seriam obras diretas dessa
divindade, e não o resultado do processo de descendência com modificação
(evolução biológica). Como afirmam Mayer e El-Hani (2005), o movimento
criacionista é de natureza fundamentalista porque interpreta de maneira literal os
textos sagrados de religiões, como a Bíblia. Mais do que isto, esse movimento
também postula que se deveria ensinar tais dogmas concomitantemente ao
ensino das teorias científicas a esse respeito. O argumento principal é o de
que todas as explicações possíveis para um determinado fenômeno devem ser
apresentadas para os alunos, deixando-os, portanto, à vontade para decidir qual
delas é a melhor. Afinal – dizem os criacionistas - se concordamos que a educação
deve ser democrática e libertadora, toda a multiplicidade de explicações deveria
ser sempre investigada.

No entanto, será que esse argumento dos criacionistas é válido? Há vários


aspectos contrários a ele, incluindo os científicos. Mas, em primeiro lugar, vem a
questão jurídica referente à educação. Na maioria dos países ocidentais, incluindo
o Brasil (está, inclusive, na nossa Constituição Federal), a educação formal
é concebida como laica e, por isso, deve ocorrer independente de quaisquer
princípios ideológicos, políticos e religiosos. Sendo assim, na tentativa de justificar
legalmente a introdução no ensino escolar de suas ideias, os criacionistas
declararam uma suposta cientificidade para suas explicações. É este justamente
o ponto sujeito às maiores críticas vindas da grande maioria dos cientistas,
muitos dos quais professam, inclusive, crenças religiosas (mas que não incluem
o criacionismo). Você pode conhecer um pouco mais dos argumentos científicos
anticriacionismo no texto de Meyer e El-Hani (2005). O que precisa ficar claro
para você, professor (a), é que o criacionismo não é ciência e o seu papel como
educador é ensinar Ciências!

Mas, então, como lidar com as interpretações e crenças que


O criacionismo
emergem em sala de aula quando se ensina evolução ? Esta pergunta
não é ciência e o
seu papel como é totalmente legítima e remete à dimensão ética de seu papel de
educador é ensinar professor(a). Mais adiante abordaremos uma proposta metodológica,
Ciências! nesse sentido.

Antes disto, é importante que você tenha informações sobre


um outro movimento que também contesta as noções científicas de evolução
biológica. É o chamado Design Inteligente (ou DI) que, assim como o criacionismo,
surgiu nos Estados Unidos, no final da década de 80. Em linhas gerais, esse
movimento faz uma fusão de ideias fixistas (de que as espécies permanecem

76
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

imutáveis), que hoje já não são mais aceitas, com criacionistas, utilizando, para
isso, um suposto “método científico” para legitimar suas atividades. Alguns de seus
pressupostos básicos são: (1) a existência de uma consciência criadora (mas não
necessariamente divina); (2) a aceitação de que a complexidade e diversidade
biológicas são o resultado de uma “mente inteligente” que as idealizou, ou seja,
há um plano (design) prévio e, portanto, não precisaria existir o fenômeno da
adaptação de cada ser vivo ao seu ambiente. Diferente do criacionismo, que se
opõe claramente à ciência, o movimento DI advoga o uso de um suposto “método
científico” para defender seus princípios. Nos Estados Unidos, grupos organizados
deste movimento também buscam conquistar espaço para disseminar sua
doutrina no sistema educacional. Em 2004, por exemplo, um grupo de pais numa
escola norte-americana teve até que entrar na justiça para garantir que a doutrina
do DI não fosse ensinada como conteúdo científico.

Atividade de Estudos:

Agora responda, para revisar:

1) O que é criacionismo?
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_______________________________________________________
_______________________________________________________

2) O que é Design Inteligente?


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3) Aponte motivos educacionais para a não-inclusão destas


perspectivas no ensino de Biologia.
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_______________________________________________________

77
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Ciência, Religião e o Ensino de


Evolução Biológica
Seria o ensino religioso uma ameaça ao conhecimento científico? A verdade
sobre os fenômenos da natureza é objeto da fé ou da razão? O mundo surgiu
por acaso e segue a lógica da evolução ou foi criado e se modifica conforme
uma vontade de origem divina? Este debate, que você como professor (a) já
pode ter acompanhado em algumas ocasiões, vem atravessando os séculos e
frequentemente esbarra no status de verdade absoluta que pretende ser conferido
tanto ao saber religioso como ao saber científico.

Independente de convicções e crenças religiosas que você,


Ensinar os fatos e professor (a), possa ter, bem como as de seus alunos, que merecem ser
as evidências da
sempre respeitadas, o que está em pauta aqui é o caráter e o propósito
evolução biológica,
bem como seus da educação científica, em especial, do ensino de Biologia. Ensinar os
princípios teóricos,fatos e as evidências da evolução biológica, bem como seus princípios
faz parte da sua teóricos, faz parte da sua responsabilidade de ensinar Biologia. Outras
responsabilidade de interpretações, de cunho não-científico, mas que estão presentes no seu
ensinar Biologia. contato com seus alunos, merecem, sem dúvida, todo o seu respeito
e atenção, mas não constituem o alvo de seu trabalho. Para ajudá-
lo a entender essa crucial diferença, expomos a seguir uma proposta teórico-
metodológica, sugerida pelo consagrado naturalista Stephen Jay Gould (2002).

Stephen Jay Gould, falecido em 2002, foi pesquisador na área


de Paleontologia e Biologia Evolutiva na Universidade de Harvard
(EUA). Além de centenas de trabalhos acadêmicos, produziu uma
vasta obra de divulgação científica, que é de excelente qualidade e
muito útil para a atualização de professores de Biologia. A maioria
dos seus livros está traduzida para o português.

O Princípio Metodológico e Ético


dos Magistérios Não-Interferentes
Embora possamos descartar legalmente a possibilidade da introdução do
ensino religioso nas escolas públicas do Brasil (salvo situações excepcionais e
questionáveis, como no Estado do Rio de Janeiro), o fato é que constantemente
os professores se veem envolvidos em questões de natureza religiosa. Este fato é

78
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

ainda mais contundente para os professores de Biologia, particularmente durante


o ensino de evolução biológica, no qual são tratadas questões que dizem respeito,
inclusive, às origens dos seres vivos, inserindo-se, é claro, a dos seres humanos.
Não é difícil imaginar onde começam os conflitos nesses casos.

Cria-se, assim, um cenário fértil para questões éticas. Estas questões éticas
nas quais você se vê envolvido (a), professor (a), podem ser resumidas assim: a
respeito da natureza e das causas de um mesmo fenômeno, a ciência e as crenças
religiosas de muitos de meus alunos dizem coisas diferentes e, frequentemente,
antagônicas. Soma-se a isso o fato de que, frequentemente, você mesmo (a),
professor (a), possui suas crenças religiosas sobre o tema em questão. Sendo
assim, pergunta-se o (a) professor (a): o que devo ensinar?

Apontamos algumas possibilidades:

• Ensinar somente a evolução, virtualmente ignorando alternativas de explicação


não científicas, já que sou professor somente de Ciências (Biologia)?

OU

• Ensinar as várias concepções (por exemplo, científica e criacionista), mesmo


que eu, professor(a), não possua preparo adequado para o ensino de religiões
e, depois, deixar que os estudantes escolham qual preferem, de acordo com
seus próprios critérios, no momento que desejarem?

Para a primeira pergunta, entendemos que a resposta é veementemente


“não”. Ao se ignorar os conflitos que podem surgir em sala de aula, explícitos
ou velados, não somente se procede de forma pouco ética, como também se
delega praticamente ao acaso a possibilidade de compreensão mais profunda do
fenômeno da evolução biológica por parte dos alunos.

Em relação à segunda possibilidade, entendemos que a resposta também


deve ser “não”. Porém, é preciso ponderar e analisar essa escolha com mais
cuidado, no sentido de fazer certas ressalvas, para que não fique a impressão
de que se trata de um problema insolúvel. Obviamente, não se espera, e muito
menos se deseja, que alguém que não tenha formação adequada para ensinar o
que quer que seja, o faça nas escolas. Assim, não esperamos que professores de
Biologia ensinem como as religiões explicam os fenômenos naturais.

Como fica, então, este verdadeiro dilema?

O que vem sendo sugerido como um caminho para se manter uma conduta
ética, mas sem se abster da responsabilidade docente em relação ao que, sem
dúvida, deve ser abordado e explicado, é aquilo que o biólogo evolucionista
Stephen Jay Gould nomeou de Princípio dos Magistérios Não-Interferentes,
ou MNI (do inglês Non Overlapping Magisteria, ou NOMA) (GOULD, 2002).

79
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

O princípio MNI estabelece, basicamente, que tanto a religião


O princípio MNI quanto a ciência possuem seus magistérios, ou seja, possuem sua
estabelece,
autoridade de ensino. Devemos respeitar esses magistérios e, sempre
basicamente, que
tanto a religião que possível, evitar que ambos se sobreponham em questões que
quanto a ciência não lhes dizem respeito concomitantemente. Tanto a ciência quanto
possuem seus a religião, seja ela qual for, são instituições socialmente estabelecidas
magistérios. que, entre outras atividades, desenvolvem o ensino. E, salienta Gould
(2002), ambas obtiveram historicamente uma autoridade para ensinar
(seus magistérios) de maneira legítima e socialmente aceita.

Assim, o que um(a) professor(a) deve fazer em sala de aula, nos casos em
que certos temas, como a evolução, parecem colocar em conflito (ou sobrepor)
os magistérios da ciência e da religião? Entendemos que, primeiramente, ele (a)
deve certificar-se de que se trata realmente de uma sobreposição dos magistérios.
Pode ser que, em alguns casos, os conflitos gerados em sala de aula sejam
apenas aparentes. Afinal, o domínio da religião é de natureza essencialmente
diferente daquele da ciência, consequentemente, também assim o é, como explica
S.J. Gould, o magistério de ambas. A explicação para o surgimento destes casos
mais confusos, como o da evolução, no qual parecem conflitar os magistérios de
ciência e religião, pode repousar no fato de que tanto professores quanto seus
alunos de Biologia, via de regra, não conhecem a fundo a natureza dos fenômenos
que se encontram no domínio de uma e de outra. Este aspecto remete para a
necessidade de que você, como professor (a), tenha bem claros e compreendidos
os conceitos relativos ao conhecimento científico sobre a evolução biológica. A
pequena revisão que fizemos neste capítulo teve essa intenção, mas você pode e
deve aprofundar mais, utilizando a bibliografia sugerida nas referências.

Resumindo, as explicações e os fenômenos religiosos, por serem


A ciência trata de natureza espiritual e também moral, possuem sua base na fé e, por
dos objetos, dos
isto, fogem do escopo da ciência. A ciência, definitivamente, não tem
fenômenos e
processos naturais, o que falar sobre estas questões. Por outro lado, a ciência trata dos
para os quais busca objetos, dos fenômenos e processos naturais, para os quais busca
explicações e explicações e causas igualmente naturais. Portanto, os acontecimentos
causas igualmente e fenômenos do mundo físico – sejam eles objetos inanimados ou
naturais. animados, sejam humanos ou não, sejam visíveis ou invisíveis a olho
nu ou em qualquer outro aparelho – são assunto da ciência, e somente
dela. As religiões, da forma que são construídas e pela sua própria natureza,
não podem fornecer explicações plausíveis ou razoáveis a respeito daqueles
fenômenos do mundo físico, que são sujeitos a leis e ao estabelecimento de
regularidades e abstrações. Diferentemente do que ocorre com as explicações
religiosas, que são baseadas em interferências isoladas e discretas de agentes
espirituais – ou seja, são, via de regra, baseadas na asserção da existência de
milagres que, pela própria natureza do conceito, são contradições exatamente

80
Capítulo 5 Evolução Biológica e os
Conflitos entre Ciência e Religião

daquelas leis estabelecidas pela ciência – a ciência se funda em leis e


As religiões não
regularidades sobre as quais se possa teorizar. podem fornecer
explicações
Desde que, obedecendo ao princípio MNI, o professor se plausíveis ou
mantenha no tratamento daquelas questões exclusivamente razoáveis a respeito
pertinentes a sua área do conhecimento, a maioria dos conflitos será daqueles fenômenos
do mundo físico, que
evitada. Porém, para que isto ocorra, é preciso que tanto o professor
são sujeitos a leis e
quanto seus alunos elucidem, de preferência em conjunto, a natureza ao estabelecimento
das explicações científicas e religiosas, percebendo, dessa maneira, de regularidades
que não há, na verdade, conflitos consideráveis entre estes dois e abstrações.
domínios da atividade humana.

Assim apresentado, o princípio MNI constitui um princípio metodológico que


poderá ajudá-lo e orientá-lo, professor (a), a respeito dos limites e da forma com
que devem ser conduzidas as discussões sobre temas polêmicos em Biologia,
como é a evolução.

Algumas Considerações
Após a reflexão desenvolvida neste Capítulo, pensamos que alguns
aspectos importantes para as futuras atuações dos professores merecem receber
mais algumas considerações. Deve permanecer claro que ciência e religião não
precisam ser conflitantes, ao menos na grande maioria dos assuntos a que temos
contato diariamente na sala de aula. E, para que esta ausência de sobreposição
entre os magistérios de ambas seja evidenciada, torna-se necessário um estudo
mais aprofundado de suas bases, o que deverá ser realizado coletivamente entre
professores e alunos. Dessa maneira, respeitam-se as opiniões e sentimentos
subjetivos, sem que haja prejuízos no estudo da ciência.

Porém, defendemos que a ciência deve ser evidenciada pelo professor como
sendo, efetivamente, a melhor opção para se explicar os fenômenos naturais,
inclusive, é claro, aqueles relativos à evolução biológica. Este deve, exatamente,
conferir-se em um objetivo do professor de Biologia quando trata desse tema:
demonstrar que as teorias evolutivas não só são mais poderosas do que qualquer
outra forma de explicação baseada em métodos e princípios não científicos,
como, realmente, são a única forma possível de explicação, já que os fenômenos
evolutivos pertencem ao magistério da ciência.

Dado o atual contexto em que nos encontramos, de acelerado acesso a


grandes quantidades de informações, é um dos papéis do professor de Ciências
contemporâneo contribuir para que seus estudantes entendam tudo isso. E parte

81
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

deste trabalho envolve a separação sistemática do que é assunto da Ciência


daquilo que não pertence ao seu domínio. Para isso, este professor precisa
trabalhar exaustivamente os reais elementos interpretativos oferecidos pela
Ciência, em especial, no que diz respeito a sua natureza, ao seu papel para o
entendimento do mundo e da vida, bem como às possibilidades que se abrem,
através dela, para a interferência humana.

Referências
CASTRO, E. C.; LEYSER, V. A ética no ensino de evolução. In: ENCONTRO
NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS. 6., 2007,
Florianópolis. Atas... Florianópolis, 2007. CD-ROM.

DAWKINS, R. O capelão do diabo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

FUTUYMA, D. J. (Ed.). Evolução, ciência e sociedade. São Paulo: SBG,


2002. Disponível para download em: <http://www.sbg.org.br/ebook/Novo/ebook_
evolucao.pdf>. Acesso em: 18 maio 2010.

GOULD, S. J. Pilares do Tempo: ciência e religião na plenitude da vida. Rio de


Janeiro: Editora Rocco, 2002.

MEYER, D.; EL-HANI C. N. Evolução: o sentido da biologia. São Paulo: Ed.


UNESP, 2005.

ZILLIG, C. Dear Mr Darwin: a intimidade da correspondência entre Fritz Müller


e Charles Darwin. São Paulo: Sky/Anima Comunicação e Design, 1997.

82
C APÍTULO 6
Uso de Animais na Pesquisa
e no Ensino

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Definir questões éticas relacionadas ao status biológico e moral dos


animais não-humanos.

33 Discutir prós e contras do uso de animais não-humanos na pesquisa e no


ensino.
Capítulo 6 Uso de Animais na Pesquisa e no Ensino

Contextualização
O desenvolvimento dos conhecimentos científicos que constituem o campo
da Biologia esteve, historicamente, associado ao estudo de animais e seu uso
em experimentações. Ratos, coelhos, camundongos, cachorros e chimpanzés
são alguns exemplos conhecidos. Você certamente sabe que, por exemplo,
nas indústrias farmacêuticas, animais são utilizados em testes, como parte dos
protocolos de produção de novos medicamentos. Parece haver, ainda, certo
consenso sobre o papel e relevância dessas práticas, em especial, para as áreas
relacionadas com saúde humana.

No entanto, nos últimos 15 anos, o uso indiscriminado de animais não-


humanos para experimentação passou a ser seriamente questionado e, hoje,
a questão é objeto de várias regulamentações e normas específicas, algumas,
inclusive, bastante restritivas.

No presente capítulo, iremos conhecer alguns aspectos dessas discussões,


no plano ético e profissional das pesquisas em Biologia, e conhecer os argumentos
de quem defende e de quem se opõe ao uso de animais em pesquisas. Também
abordaremos aspectos do uso de animais no ensino, em especial, na formação de
profissionais Biólogos e da área da saúde.

Questões Éticas Sobre Animais Não-


Humanos e as Regulamentações na
Comunidade Científica

A ciência viveu, por muito tempo, sob forte influência filosófico-cartesiana,
pela qual os animais não teriam alma por serem criaturas autômatas e
inconscientes e, portanto, incapazes de sentir dor ou de sofrer. Esta visão foi por
muito tempo bastante conveniente para contestar qualquer alegação de crueldade
nas pesquisas científicas. Entretanto, foi o próprio desenvolvimento da ciência
que ajudou a derrubar esse conceito.

O naturalista Charles Darwin, que com sua proposição de uma teoria para
a evolução biológica chocou muitas religiões, realizou uma série de observações
com animais. Em especial, interessou-se por primatas, por perceber semelhanças
destes com os seres humanos. Ao descrevê-los, ajudou no processo de demonstrar
que o ser humano também é um animal e que, portanto, as preocupações morais
com a nossa espécie deveriam também se estender a esses seres não-humanos.
85
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Segundo Andrade, Pinto e Oliveira (2002), já no início do século


Já no início
XIX começaram a surgir movimentos que indicavam o desejo de mudar
do século XIX
começaram a as atitudes que o homem tinha para com os animais. Esta mudança,
surgir movimentos na Inglaterra, até criou um grande paradoxo envolvendo os direitos
que indicavam o humanos: em 1875, o parlamento inglês criou uma das primeiras leis
desejo de mudar que protegiam os animais, enquanto na mesma época, em virtude do
as atitudes que o
progresso industrial, crianças pequenas faziam trabalho escravo em
homem tinha para
com os animais. minas de carvão.

Um importante papel, nessa época, foi desempenhado pelos movimentos


antivivisseccionistas que, com o surgimento dos anestésicos como o
clorofórmio, defendiam seu uso nos procedimentos cirúrgicos.

Vivissecção é qualquer forma de experimentação animal que


implique intervenção em animais vivos, para fins de observação de
fenômenos ou alterações biológicas, ou estudos anatômicos. Por
exemplo: observação de órgãos em funcionamento, aplicação e
monitoramento de efeito de drogas e extirpação de órgãos.

No final do século XIX, já haviam sido fundadas várias sociedades em


defesa dos animais de experimentação na Inglaterra, França e Alemanha. As
iniciativas dessas entidades alertaram os cientistas de que algo deveria ser
feito para proteger os animais da crueldade e evitar seu sofrimento. Em 1947,
o cientista inglês Charles Hume publicou o primeiro manual de manejo de
animais de laboratório, mostrando, assim, uma preocupação da comunidade de
pesquisadores com o bem estar animal.

A experimentação animal é uma atividade humana com grande conteúdo
ético. Os problemas surgem do conflito entre as justificativas para seu uso, em
benefício da própria espécie humana, e os atos que possam causar
estresse, sofrimento, dor física e até mesmo a morte desses animais.
Atualmente,
Os conflitos são inevitáveis e uma solução é se buscar o equilíbrio
crescem os
movimentos entre valores claramente opostos. Quanto maior for o sofrimento
que defendem que uma experiência possa causar, mas difícil será sustentar sua
a completa justificativa. Como em outros temas éticos, não é nada fácil tomar esse
abolição do uso tipo de decisão.
de animais em
experimentações.
Atualmente, crescem os movimentos que defendem a completa
86
Capítulo 6 Uso de Animais na Pesquisa e no Ensino

abolição do uso de animais em experimentações. O argumento central é a


atribuição de direitos a esses seres, em semelhança ao que se convenciona
chamar de direitos humanos. No entanto, há várias posições distintas sobre essa
questão, que é de cunho fundamentalmente ético.

Por exemplo, filósofos contemporâneos, como Peter Singer e Tom Reagan,


consideram que qualquer associação entre o homem e um animal não é de
interesse para este último, sendo, portanto, de cunho explorador e anti-ético. Esta
é uma posição extrema, que sustenta movimentos mais radicais, defensores da
total substituição dos experimentos com animais por metodologias alternativas
de pesquisa, como tecnologias in vitro (culturas de células, tecidos e órgãos),
estudos epidemiológicos, simulações de computador e modelos matemáticos.

Também há muitas diferenças nos sistemas legais de países cujas


comunidades científicas permanecem utilizando modelos animais em pesquisas.
Os sistemas que têm maior influência no assunto, no momento, são os Estados
Unidos e a Inglaterra. Acompanhe...

Nos Estados Unidos, o propósito da legislação é a proteção Nos Estados Unidos


dos direitos. Como existem várias leis para proteger os animais, até os animais gozam
mesmo contra seus proprietários, resulta que os animais gozam de de ampla tutela
ampla tutela jurídica. Em teoria, essas leis podem proteger a vida jurídica.
de um animal com base no argumento de que estes têm o direito de
realizar seus próprios propósitos naturais (comer, movimentar-se, reproduzir-
se, repousar, etc.). Atualmente, porém, tais leis só protegem de fato os animais
em caso de maus-tratos abusivos, crueldades e sofrimentos declarados, não se
reivindicando, assim, os outros direitos.

Na Inglaterra, as leis de proteção animal não são vistas como conferindo


direitos aos animais, mas sim colocando deveres aos seres humanos. As
pessoas adultas capazes de responder por si mesmas possuem direitos legais
porque se presume que elas têm responsabilidade moral por seus atos. Nesse
caso, os adultos teriam responsabilidade não só por si mesmos,
mas também para com crianças, deficientes físicos e mentais e Na Inglaterra, as
idosos que fossem incapazes de responder por seus atos. Dentro da pessoas adultas
capazes de
lógica desse argumento, o ser humano tem deveres, e não direitos,
responder por si
em relação aos animais. Esses deveres podem ser especificados e mesmas possuem
sustentados por leis, o que não implica dizer que os animais tenham direitos legais
direitos próprios. Segundo Andrade, Pinto e Oliveira (2002), nesse porque se presume
caso, podemos citar um princípio denominado de “reverência pela que elas têm
responsabilidade
vida”, preconizando que o homem deve proteger e cuidar de todas as
moral por seus atos.
suas criaturas amigas, os animais.
87
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

Atividade de Estudos:

1) Professor(a), examinando a breve descrição dos sistemas legais


que tratam dos animais, nos Estados Unidos e na Inglaterra,
aponte semelhanças e diferenças.
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No Brasil, apesar de não serem realizados experimentos na


Vivissecção
é proibido em mesma proporção que nos países de 1º mundo, sabemos que aqui
estabelecimentos também é praticada vivissecção, seja no âmbito das indústrias (químico-
de ensino de 1º farmacêuticas e de alimentos). Seja em instituições de pesquisa
e 2º graus e em científica, como as universidades. O Brasil segue basicamente os
quaisquer locais modelos norte-americanos para os testes realizados em produtos
frequentados por
a serem comercializados. Já em relação às pesquisas, Levai e Daró
menores de idade.
(2008) informam que existe uma lei específica sobre o tema da
vivissecção (Lei Federal no 6638/79), que prevê a sua proibição nos
seguintes casos:

I) sem o emprego de anestesia;


II) em centros de pesquisa e estudos não registrados em
órgão competente;
III) sem a supervisão de técnico especializado;
IV) com animais que não tenham permanecido mais de 15
É crime federal, dias em biotérios legalmente autorizados;
a realização de V) em estabelecimentos de ensino de 1º e 2º graus e em
atividades do tipo quaisquer locais frequentados por menores de idade.
dissecação de (BRASIL, 1979).
animais vivos, em
escolas e outros
estabelecimentos Este último item, professor(a), é de particular importância para
de ensino. Você já
seu exercício profissional, pois de fato torna ilegal, caracterizando-
sabia disto?
se até como crime federal, a realização de atividades do tipo

88
Capítulo 6 Uso de Animais na Pesquisa e no Ensino

dissecação de animais vivos, em escolas e outros estabelecimentos de ensino.


Você já sabia disto?

Adicionalmente, ainda segundo Levai e Daró (2008), temos atualmente


a Lei no 9605/98, na qual foi inserido um dispositivo específico sobre práticas
de crueldade, e isto vem ensejando numerosas discussões em universidades
e entre profissionais de pesquisa. Diz o dispositivo, no seu artigo 32, $ 1º, que
é passível de incriminação quem “[...] realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos
alternativos.” (BRASIL, 1998). A pena prevista, neste caso, é de 3 meses a um
ano de detenção, mais multa.

Nas Universidades e centros de pesquisa onde se realizam


pesquisas que envolvem modelos animais, os cientistas estão
sujeitos, adicionalmente, às regras determinadas por Comissões de
Ética institucionais. No capítulo 1, você já teve oportunidade de saber
sobre a existência, por exemplo, da Comissão de Ética no Uso de
Animais para Pesquisa (CEUA) na Universidade Federal de Santa
Catarina. Você pode, a qualquer momento do seu estudo desse
capítulo, voltar a consultar a página desse órgão: http://prpe.ufsc.br/
comissoes/ceua

Percebe-se, assim, professor (a), que o tema da experimentação animal, bem


como o uso de animais para fins didáticos e educativos, há muito tempo deixou
de ser um território onde apenas os cientistas opinam e determinam o que fazer.
No entanto, a comunidade científica ainda não considera adequado nem seguro,
principalmente no que diz respeito às pesquisas biomédicas, abolir totalmente
o uso de animais de laboratório. Observe a seguir alguns dos argumentos que
sustentam essas práticas, acompanhados dos respectivos contra-argumentos das
comunidades que priorizam a defesa dos animais.

Alguns Argumentos a Favor e


Contra o Uso de Animais em
Pesquisa e Ensino
O quadro que segue indica algumas questões importantes quando se pensa
89
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

em argumentos a favor e contra a experimentação animal, segundo levantamento


publicado por Grief e Tréz (2000). Contudo, cada um deles enseja outros
aspectos, sobre os quais, se você tiver interesse, poderá buscar aprofundamento
na bibliografia indicada nas referências, ao final do presente capítulo.

A FAVOR CONTRA
O que é feito na maioria dos experimentos é apenas
Os animais são anestesiados durante os sedação, e não anestesia, pois essa pode prejudicar alguns
experimentos dolorosos ou incômodos. resultados de pesquisas.
Os animais de laboratório são mantidos em confinamento,
Animais de pesquisa são bem tratados,
isolados e sem espaço para se movimentar, condições que
mantidos em ambientes agradáveis, em
em nada se parecem com os ambientes onde viveriam na
gaiolas dentro do padrão adequado para
natureza.
cada espécie, alimentação balanceada e
com controle da alimentação, temperatu-
ra, umidade e luminosidade.
Além de ser um argumento essencialmente utilitarista (os
Os resultados das pesquisas com animais serviram para beneficiar os humanos), há vários
medicamentos, realizadas com animais, casos de toxidez e efeitos colaterais em humanos, mesmo
significam segurança para seu uso em após experimentos seguros (por exemplo, a talidomida,
humanos. que foi considerada segura para cães e camundongos,
mas provoca deformidades fetais em humanos).
Operar animais experimentais (como cães) é bastante
O treinamento adequado de profissionais
distinto de operar seres humanos; um profissional de saúde
de saúde, como médicos cirurgiões,
poderia fazer treinamentos em sistemas simulados, para
necessita ser feito com o uso de animais,
depois treinar, de fato, as habilidades cirúrgicas sob super-
antes de atenderem pacientes humanos.
visão de profissional experiente, em pacientes reais.

Dois Exemplos bem Sucedidos de


Uso de Métodos Alternativos à
Experimentação Animal
Com a ampliação dos debates sobre os direitos dos animais e tendo em vista
as regulamentações que lhe dizem respeito, cresce o interesse e os esforços
para encontrar alternativas de pesquisa que não utilizem animais. Acompanhe na
sequência dois desses estudos, conforme relatado por Alves e Colli (2006):

• Produção de insulina para diabéticos: até alguns anos atrás, este hormônio,
que deve ser administrado para pacientes com sua deficiência, precisava
ser extraído de pâncreas suíno ou bovino, purificado e depois testado em
camundongos, para a medição de sua atividade e dosagem. Hoje em dia,
a insulina consumida pelos diabéticos é produzida por microorganismos
90
Capítulo 6 Uso de Animais na Pesquisa e no Ensino

geneticamente modificados, num processo biotecnológico, e sua pureza é


avaliada através de técnicas bioquímicas, sem o uso de animais.

• Produção de vacina contra a raiva: era exigida, para a sua fabricação, a


multiplicação do vírus da raiva em cérebros de camundongos recém-nascidos.
Hoje em dia, esta etapa foi totalmente substituída por culturas celulares, in vitro.
Assim, eliminou-se não apenas o uso de animais em grandes quantidades,
mas também a possibilidade que havia no uso da vacina convencional de
causar reações imunológicas adversas nos pacientes que a recebessem.

Algumas Considerações
Ao longo deste capítulo, você aprendeu um pouco mais sobre os debates que
envolvem tanto argumentos favoráveis como desfavoráveis ao uso de animais, no
ensino e na pesquisa em Ciências Biológicas.

A base dessa discussão é o papel que atribuímos a esses seres vivos, que
evolutivamente estão conectados a nossa espécie, mas que historicamente foram
vistos, por muito tempo, como simples objetos a serviço do homem.

Como resultado do amadurecimento dos debates éticos em relação aos


animais, hoje em dia, as atividades de ensino e de pesquisa que os utilizam,
principalmente na área da saúde, são controladas por legislações bastante
específicas, que você teve oportunidade de conhecer neste Capítulo. Também
aprendeu que, atualmente, métodos alternativos de pesquisa, que visam a abolir a
utilização de animais também estão bastante difundidos. Você, como professor(a)
de Biologia, deve familiarizar-se com as legislações e metodologias descritas,
bem como buscar oportunidades para promover discussões sobre esse tema em
sala de aula, no sentido de tornar seus alunos mais conscientes e respeitosos em
relação aos animais.

Referencias
ALVES, M. J. M.; COLLI, W. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o
trabalho científico. Ciência Hoje, v. 39, n. 231, p. 25-29, out. 2006.

ANDRADE, A.; PINTO, S. C.; OLIVEIRA, R. S. (Org.). Animais de Laboratório:


criação e experimentação. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz (2002).

BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções

91
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio


ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso em: 15 jun. 2010.

______. Lei nº 6.638 DE MAIO DE 1979. Estabelece normas para a prática


didático-científica da vivissecção de animais e determina outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso
em: 15 jun. 2010.

GREIF, S.;TRÈZ, T. A verdadeira face da experimentação animal. Rio de


Janeiro: Sociedade Educacional “Fala Bicho”. 2000.

LEVAI, L. F.; DARÓ, V. R. Experimentação animal: histórico, implicações éticas e


caracterização como crime ambiental. In: TRÉZ, T. Instrumento Animal: o uso
prejudicial de animais no ensino superior. Bauru: Canal 6, 2008.

92
C APÍTULO 7
Bioética na Atuação de
Profissionais do Ensino de Biologia

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Enunciar aspectos que caracterizam um ensino de Biologia centrado na


abordagem de temas polêmicos e controversos.

33 Aplicar critérios de seleção para outros temas polêmicos e controversos


no ensino de Biologia, visando a sua utilização em sala de aula.
Capítulo 7 Bioética na Atuação de
Profissionais do Ensino de Biologia

Contextualização
Nos capítulos anteriores, você aprendeu e refletiu sobre alguns temas de
estudo em Ciências Biológicas, muito importantes na atualidade, e que podem ser
trabalhados em aula sob uma perspectiva educacional que conecte Biologia, Ética
e Educação.

De acordo com o nível de ensino em que você trabalhe e do seu conhecimento


sobre o contexto social e cultural no qual seus alunos estão inseridos, outros
temas polêmicos e controversos podem ocorrer para você. Sugerimos que
exercite constantemente essa reflexão, no sentido de tornar o ensino de Biologia
menos “livresco” e “conteudista” e mais significativo e motivador para seus alunos.
Este tipo de trabalho, sem dúvida, é um grande desafio, mas vale a pena!

No último capítulo deste caderno de estudos, destacaremos novamente


alguns aspectos sinalizados desde o primeiro capítulo, em especial, sobre a
importância de se promover um ensino de Biologia que contribua efetivamente
para a formação cidadã, responsável e autônoma dos nossos alunos.
Acrescentaremos, ainda, algumas orientações para você, professor(a), que visam
a auxiliá-lo(a) na identificação, seleção e organização de outros temas de estudo,
além dos que você teve oportunidade de acompanhar nesta disciplina.

Conhecimentos de Biologia e as
Reações da Sociedade
Entre as chamadas Ciências da Natureza a que vem gerando, ao longo do
tempo, a maior quantidade de temas passíveis de discussão ética é a Biologia.

Não são poucos os conteúdos do conhecimento biológico, dos quais os


capítulos deste caderno de estudos são apenas uma amostra, que se tornaram
questões éticas e polêmicas na sociedade, muitas vezes, para além do
conhecimento e desejo dos próprios pesquisadores. (PEGORARO, 2006).

Como vimos no Capítulo 1, o início do século XXI coincidiu com alguns


notáveis avanços na Biologia, como a descrição de células-tronco, criação de
organismos geneticamente modificados, clonagem de mamíferos, finalização do
Projeto Genoma Humano e, até mesmo, a fabricação de formas de vida artificial.
Tais temas passaram a ter enorme visibilidade na mídia em geral e muitas
expressões vinculadas à Biologia se tornaram termos até comuns na linguagem

95
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

cotidiana. Questões como as apontadas anteriormente e outras sobre as quais


você refletiu no presente caderno de estudos têm sua origem na ciência, mas
claramente extrapolaram os domínios da comunidade de pesquisadores para
resultar em grande repercussão na sociedade.

Além da raiz biológica e do grande interesse social, temas como


Liberação os apontados nos capítulos anteriores apresentam aspectos éticos
de alimentos muito relevantes. Os debates que eles suscitam frequentemente não
transgênicos para
consumo, defesa são intelectuais, mas sim carregados de opiniões e fortes interesses.
dos direitos dos Ao longo dos últimos anos se formaram grupos sociais locais, nacionais
animais e crimes e internacionais para defender diferentes pontos de vista em relação
contra o meio a várias dessas questões e, também, para cobrar uma postura das
ambiente também
autoridades perante determinados assuntos. Por exemplo, você deve
mobilizam os
cidadãos, não raro, lembrar que, no Brasil, houve forte mobilização junto ao Congresso
gerando, inclusive, Nacional de entidades que congregam pacientes de doenças crônicas
reações públicas de e deficientes físicos para que a legislação que permite a pesquisa com
enfrentamento. células-tronco de origem embrionária fosse aprovada. Outros temas,
como a liberação de alimentos transgênicos para consumo, defesa
dos direitos dos animais e crimes contra o meio ambiente também mobilizam
os cidadãos, não raro, gerando, inclusive, reações públicas de enfrentamento
(passeatas, protestos nas ruas e audiências em tribunais públicos).

Como professor(a) de Biologia, você pode avaliar algumas dessas polêmicas


como sendo consequência de informações incompletas, sensacionalistas ou
tendenciosas, fornecidas pelos meios de comunicação. Você pode, também,
avaliar que, frente a um panorama de deficiências crônicas na educação brasileira,
em especial do ensino científico e tecnológico, fica mesmo difícil para o seu
aluno-cidadão ter elementos que permitam avaliar situações e tirar suas próprias
conclusões. Assim, temos um cenário em que um turbilhão de informações
complexas é disponibilizado a todo o momento, mas poucos cidadãos são
capazes de compreendê-las razoavelmente. Obviamente, para se tomar posição
frente a um assunto qualquer, é necessário um mínimo de entendimento sobre
ele. Se este entendimento não existe ou está prejudicado, qualquer opinião
formada a respeito do assunto será orientada por muitos aspectos, princípios
e experiências “externas” diferentes – poucos deles gerados a partir do próprio
assunto. Opiniões formadas dessa maneira correm o sério risco de estar alheias
a uma discussão mais profunda do assunto em pauta, ainda mais quando se trata
de conteúdos científicos.

96
Capítulo 7 Bioética na Atuação de
Profissionais do Ensino de Biologia

Biologia e Ética: o Papel do


Professor no Ensino de Temas
Polêmicos
Neste contexto, fica evidente a importante função que pode ser
desempenhada por você, professor(a) de Biologia!

Seu papel pode ser o de trazer para a sala de aula estes temas e outros (para
os quais veremos a seguir alguns critérios) e propor uma discussão pelos alunos,
bem como organizar atividades didáticas que contemplem tanto a qualidade
como a quantidade de informações científicas. Além disso, é importante, também,
criar oportunidades para que sejam debatidas as dimensões éticas. Afinal, é o
professor de Biologia aquele que possui formação adequada a uma compreensão
mais aprofundada das bases científicas de tais questões.

Para tanto, é fundamental a sua boa formação – e informação


É importante,
– inicial e continuada, professor(a), em relação a questões como as também, que você
exemplificadas até então. É importante, também, que você tenha tenha um bom
um bom nível de reflexão a respeito das implicações éticas a elas nível de reflexão
associadas e, ainda, um razoável trânsito em assuntos de outras áreas a respeito das
implicações éticas a
do conhecimento, tais como: sociologia, economia, história e política.
elas associadas e,
Afinal, é este o cenário complexo que se apresenta perante essas ainda, um razoável
questões. E, mais que desejável, é necessário ser um docente flexível trânsito em assuntos
e atento para que sejam produzidas efetivas situações pedagógicas de outras áreas do
capazes de mobilizar e gerar as competências dos seus alunos para conhecimento, tais
como: sociologia,
um melhor entendimento do (e ação no) mundo.
economia, história
e política.
Para instrumentalizá-lo(a) em relação a esses desafios,
acompanhe a seguir algumas orientações em relação à escolha e desenvolvimento
de temas em sala de aula que se beneficiam de abordagens que integrem Ciência
e Ética.

Conectando Biologia, Ética e


Educação na Sala de Aula
Segundo Levinson (2003), não há uma única forma de se trabalhar
temas científicos que envolvam dimensões éticas e que, portanto, possam ser
caracterizados como polêmicos ou controversos. As escolhas dependerão do

97
Temas de Estudo em Ciências Biológicas

nível de ensino no qual a atividade será realizada, tempo disponível, condições


materiais da sala de aula ou da escola e características dos alunos, entre
outros fatores.

Contudo, há uma série de estratégias possíveis, e cada uma envolverá uma


boa dose de preparação antecipada, por parte do(a) professor(a), apostando num
real envolvimento dos alunos na sua discussão.

Os seguintes aspectos gerais devem ser levados em consideração:

• Empregar critérios para a seleção de temas polêmicos, para que eles sejam
de fato relevantes, como: (1) assunto da atualidade, com grande circulação
na mídia; (2) proximidade com o contexto e a vida dos alunos; (3) potencial
para estimular a expressão de diferentes pontos de vista; (4) potencial para
estimular tomada de decisões (o que deveria ser feito se...); (5) potencial
para estimular o desenvolvimento das capacidades argumentativas dos
alunos (saber defender seus pontos de vista); (6) facilidade de obtenção de
informações científicas de boa qualidade.

• Selecionar um ou mais temas relevantes e expô-los para os alunos para que


eles participem da escolha.

• O desenvolvimento do tema pode ser feito pela identificação de um dilema


ou situação-problema, sobre o(a) qual o (a) professor (a) fornecerá as
informações científicas gradativamente, na medida do necessário.

• A preparação da atividade deve levar em conta as possíveis consequências


das discussões que forem realizadas na sala de aula. Por exemplo, se
suscitar divergências de opinião, o(a) professor(a) deverá ter informações
e argumentos para auxiliar na defesa de cada um dos lados do dilema ou
situação-problema.

• Durante a realização da atividade, o papel do(a) professor(a) é auxiliar os


alunos a levarem em consideração, de forma equivalente, todos os diferentes
ângulos do tema ou dilema, assegurando um clima de respeito a todas as
opiniões expressas.

• Não há expectativa de que o(a) professor(a) tenha uma resposta ou opinião


“certa”! (embora possa ocorrer que os alunos venham a solicitá-la). É
importante que o(a) professor(a) ressalte que seu papel é guiar os alunos nas
suas reflexões.

• Para efeito de acompanhamento e avaliação de atividades que envolvam um

98
Capítulo 7 Bioética na Atuação de
Profissionais do Ensino de Biologia

tema polêmico, sugere-se a elaboração final de textos escritos (individuais ou


em grupo) através dos quais os alunos poderão, adicionalmente, desenvolver
suas capacidades argumentativas e de expressão de suas opiniões.

Algumas Considerações
No início do presente caderno de estudos afirmamos que a educação
científica em geral e o ensino de Biologia em particular cumprem atualmente a
função de uma verdadeira preparação para a cidadania.

Os temas selecionados para compor os capítulos e as abordagens que


conectam Biologia, Ética e Educação têm um bom potencial nesse sentido.

Contudo, você sabe que ensinar Biologia dessa maneira não é uma tarefa
fácil. Inclui, entre outros aspectos, a necessidade de uma adequada preparação
do profissional de ensino, que ultrapasse e supere o simples (mas sempre
necessário) domínio de um grande conjunto de informações.

Desejamos que os temas, as informações e as reflexões contidas ao


longo dos capítulos possam auxiliá-lo(a), professor(a), a encarar o desafio de
promover um ensino de Biologia mais significativo, pautado na perspectiva de se
desenvolver a autonomia e a postura ética dos alunos. Busque sempre atualizar-
se, utilizando a bibliografia adicional sugerida, retorne quando quiser aos temas
aqui desenvolvidos e... bom trabalho!

Referências
LEVINSON, R.; REISS, M. J. Key issues in Bioethics: a guide for teachers.
London: Routledge Falmer, 2003.

PEGORARO, O. Ética dos maiores mestres através da história. Petrópolis:


Editora Vozes, 2006.

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