Sunteți pe pagina 1din 69

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

VICE-REITORIA ACADÊMICA
COORDENAÇÃO DE PÓS GRADUAÇÃO E
ATIVIDADES COMPLEMENTARES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PÚBLICO

PRECEDENTES JUDICIAIS OBRIGATÓRIOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


DE 2015:
A Eficácia Vinculante do Artigo 927 do CPC frente ao Princípio do Livre Convencimento
Motivado do Juiz.

Por
Jair Rodrigues Santos Júnior

Rio de Janeiro
2019
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
VICE-REITORIA ACADÊMICA
COORDENAÇÃO DE PÓS GRADUAÇÃO E
ATIVIDADES COMPLEMENTARES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PÚBLICO

PRECEDENTES JUDICIAIS OBRIGATÓRIOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


DE 2015:
A Eficácia Vinculante do Artigo 927 do CPC frente ao Princípio do Livre Convencimento
Motivado do Juiz.

Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes


como requisito parcial para a conclusão do curso de pós-
graduação lato sensu em Direito Público.

Por Jair Rodrigues Santos Júnior

Professora Orientadora
Efigênia Pereira Martins

Rio De Janeiro
2019
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PÚBLICO

PRECEDENTES JUDICIAIS OBRIGATÓRIOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


DE 2015:
A Eficácia Vinculante do Artigo 927 do CPC frente ao Princípio do Livre Convencimento
Motivado do Juiz.

___________________________________________________________________________
ALUNO (nome por extenso)
__________________________________________________________________________
ALUNO (assinatura)

AVALIAÇÃO
CONTEÚDO
Nota:____ Conceito:____
___________________________________________________________________________
Avaliador (Nome do professor que avalia)
___________________________________________________________________________
Avaliador (assinatura)

FORMA
Nota:____ Conceito:_____
___________________________________________________________________________
Avaliador (Nome do professor que avalia)
___________________________________________________________________________
Avaliador (assinatura)

NOTA FINAL:____ CONCEITO:____

Rio de Janeiro,____de_______de 200__

(assinatura)
__________________________________________________________________________
(Nome do Coordenador do Curso)
Aos meus pais, que nunca mediram esforços
para que eu pudesse realizar meus sonhos, a
minha eterna gratidão.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que todo dia me dá forças para seguir em frente e
realizar meus sonhos com disciplina, paciência e perseverança. Diariamente ele me dá benções
sem medidas e me acompanha em todos os momentos do meu dia, inclusive nas madrugadas
de estudo, mantendo-me firme e forte na fé de que tudo acontece para o nosso bem, até mesmo
aquilo que em um primeiro momento pode aparentar o contrário.
Agradeço em especial à minha família, aos meus pais e meu irmão que sempre
estiveram do meu lado, apoiando-me quando mais precisei, apontando que o caminho para o
sucesso é o estudo, mas sempre relembrando que o equilíbrio é o segredo para uma vida
saudável. Se cheguei onde estou, devo a eles que são tudo para mim e os maiores responsáveis
por cada vitória que eu conquistar.
Por fim, agradeço à Universidade Cândido Mendes e ao Centro Brasileiro de
Estudos e Pesquisas Jurídicas pelo excelente corpo docente e pela oportunidade de realizar esse
curso tão importante na vida de um advogado e operador do Direito.
RESUMO
A presente monografia visa identificar a possibilidade de conflito entre a independência do
magistrado e o sistema de precedentes, pois um dos argumentos contrários à admissão do
respeito obrigatório aos precedentes (stare decisis) é que esta vinculação no civil law, apesar
de ser defendida por parcela da doutrina como instrumento ensejador de racionalidade ao
sistema, violaria a autonomia jurisdicional. Com o fito de responder esta indagação, analisou-
se um breve histórico de formação das tradições jurídicas civil law e common law, destacando
suas características principais, para se compreender em que estágio de evolução elas se
encontram e qual o papel do juiz em cada sistema, buscando esclarecimentos sobre como essa
trajetória culminou nos institutos peculiares e no pensamento jurídico dos países que adotam
tais sistemas contemporaneamente, especialmente o Brasil. Posteriormente, apresentou-se de
maneira sucinta os contornos das garantias e prerrogativas do Poder Judiciário, abordando as
características da jurisdição, principalmente sua feição eminentemente criativa, destacando seus
limites e sua essencialidade. Após esta etapa, apresentamos o conceito de precedentes, os
elementos essenciais que compõem as decisões judiciais e as técnicas de aplicação e de
flexibilização dos precedentes vinculantes, discriminando os principais benefícios e os
argumentos mais utilizados para combater essa reforma. No último capítulo, com os principais
pontos sobre precedentes e sobre a liberdade do magistrado estipulados, estabeleceu-se um
confronto entre os dois, expondo os meios de harmonização de ambos e demonstrando que esta
ponderação é altamente benéfica para o ordenamento jurídico e que nem um dos lados resta
prejudicado.

Palavras-chave: civil law; common law; respeito obrigatório aos precedentes; jurisdição
criativa; liberdade do magistrado; técnicas de flexibilização; isonomia; segurança jurídica.
ABSTRACT
The present monograph aims to identify the possibility of conflict between the independence
of the magistrate and the system of precedents, since one of the arguments against the admission
of respect for precedent (stare decisis) is that this bind effect in civil law, despite being defended
by part of doctrine as an instrument that inputs rationality to the system, would violate
jurisdictional autonomy. In order to answer this question, we analyzed a brief history about the
evolution of civil law and common law legal traditions, highlighting their main characteristics
in order to understand the current stage of evolution and judge’s position in each system,
looking for an explanation about how this trajectory culminated in the peculiar institutes and in
the legal thinking of the countries that adopt such systems contemporaneously, especially
Brazil. Subsequently, the contours of the guarantees and prerogatives of the Judiciary Branch
were presented in a succinct way, addressing the characteristics of the jurisdiction, especially
its eminently creative feature, highlighting its limits and its essentiality. After this stage, we
present the concept of precedents, the essential elements that make up the judicial decisions and
the techniques of application and flexibilization of the binding precedents, discriminating the
main benefits and arguments used to combat this reform. In the last chapter, with the main
points on precedents and on the freedom of the magistrate stipulated, a confrontation between
the two was established, exposing the means of harmonization of both and demonstrating that
this consideration is highly beneficial for the legal system and that neither of them remains
impaired.

Keywords: civil law; common law; stare decisis; creative jurisdiction; freedom of the
magistrate; flexibility techniques; isonomy; legal security.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7

2 ORIGEM DAS TRADIÇÕES JURÍDICAS CIVIL LAW E COMMON LAW:


APROXIMAÇÕES E DISTINÇÕES ..................................................................................... 8

2.1 Breve Histórico ..................................................................................................................... 8

2.1.1 Teoria Constitutiva e Teoria Declaratória do common law ............................................... 8

2.1.2 Common law, stare decisis e função legiferante ............................................................. 10

2.1.3 Relação entre a Supremacia do Parlamento, judge make law e juge bouche de la loi .... 12

2.1.4 A transformação do constitucionalismo no sistema jurídico civil law ............................ 16

3 LIBERDADE DE JULGAR DO MAGISTRADO ........................................................... 22

3.1 Garantias do Judiciário ....................................................................................................... 23

3.1.1 Garantias Institucionais ................................................................................................... 24

3.1.1.1 Garantia de autonomia orgânico-administrativa........................................................... 24

3.1.1.2 Garantia de autonomia financeira ................................................................................. 24

3.1.2 Garantias Funcionais ou de Órgãos ................................................................................. 25

3.1.2.1 Garantia de independência dos órgãos judiciários ....................................................... 25

3.1.2.1.1 Vitaliciedade .............................................................................................................. 25

3.1.2.1.2 Inamovibilidade ......................................................................................................... 26

3.1.2.1.3 Irredutibilidade de Subsídios ..................................................................................... 27

3.1.2.2 Imparcialidade dos Órgãos Judiciários ......................................................................... 27

3.1.2.2.1 Vedações .................................................................................................................... 28

4 PRECEDENTES JUDICIAIS ............................................................................................ 29

4.1 Generalidades ..................................................................................................................... 29

4.1.1 Conceito ........................................................................................................................... 29

4.1.2 Distinções importantes .................................................................................................... 31

4.1.2.1 Precedente, Súmula e Jurisprudência ........................................................................... 31

4.1.2.2 Precedente e Ementa ..................................................................................................... 33


4.1.2.3 Precedente e Coisa Julgada........................................................................................... 34

4.1.3 Ratio decidendi ................................................................................................................ 35

4.1.4 Obiter dictum ................................................................................................................... 37

4.1.5 Distinguishing (distinção) ............................................................................................... 38

4.1.6 Overruling (superação) .................................................................................................... 44

4.2 Argumentos a favor da adoção de um sistema de precedentes judiciais obrigatórios ........ 48

4.3 Argumentos contrários à adoção de um sistema de precedentes judiciais obrigatórios ..... 53

5 CONFLITO APARENTE ENTRE O SISTEMA DE PRECEDENTES


OBRIGATÓRIOS E A LIBERDADE DE JULGAR DO MAGISTRADO ...................... 59

5.1 As técnicas de flexibilização dos precedentes como garantias da evolução jurisprudencial e


harmonização com a independência e criatividade do magistrado ........................................... 59

6 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 63

7 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 65
7

1 INTRODUÇÃO
Com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, foi acrescentado ao
ordenamento jurídico brasileiro o instituto dos precedentes judiciais obrigatórios que impactou
sobremaneira a forma de decidir dos magistrados em todos os graus de jurisdição.
O respeito obrigatório aos precedentes, representado pela doutrina do stare decisis,
objetiva conferir ao ordenamento jurídico brasileiro mais racionalidade às decisões, visando
uma uniformização do provimento jurisdicional em virtude da jurisprudência altamente
maleável que se tem hoje.
Atualmente, dois dos grandes problemas do Poder Judiciário brasileiro são: a
quantidade exorbitante de processos que tramitam, sendo muitos deles extremamente antigos,
o que por si torna a instituição ineficiente e viola a duração razoável do processo; e a falta de
tratamento igualitário das decisões judiciais, especialmente em assuntos polêmicos para a
doutrina, o que retira a credibilidade nos critérios utilizados pelo Judiciário.
Essa demanda muitas vezes é levada ao Judiciário em razão da falta de
previsibilidade de suas decisões, isto é, se um advogado brasileiro sabe que pode obter decisão
favorável ou decisão contrária para o mesmo caso dependendo do magistrado ou do tribunal
que será sorteado, é muito mais provável que o mesmo arrisque propor a ação do que se ele já
soubesse que determinado precedente é contra seu posicionamento.
Por outro lado, por este sistema o magistrado deve decidir conforme os precedentes
judiciais, não lhe cabendo fazer prevalecer sua convicção jurídica pessoal mesmo que
fundamentada e dessa forma parte da doutrina entende ser uma violação clara da independência
funcional do juiz que operará como uma máquina de repetir decisões passadas, semelhante à
concepção do juiz como mero repetidor do texto da lei.
Logo, este trabalho visa justamente desfazer essa problemática pautada no conflito
entre a liberdade de julgar do magistrado e o stare decisis. Para isso, desenvolveu-se no
primeiro capítulo uma breve explanação histórica sobre as grandes tradições civil law e common
law, haja vista que o respeito obrigatório aos precedentes é instituto típico desta e que o Brasil
é comumente visto como país de tradição civil law.
Em seguida, no segundo capítulo, analisar-se-ão as garantias do Judiciário e de seus
membros, bem como a amplitude e os limites da criatividade judicial. No terceiro capítulo,
serão feitas considerações sobre o conceito e as características desse novo instituto dos
precedentes. E, por fim, no quarto capítulo, serão confrontadas as informações obtidas com o
fito de se verificar se o stare decisis realmente viola ou não a liberdade de julgar do magistrado,
bem como os meios cabíveis para harmonizá-los.
8

2 ORIGEM DAS TRADIÇÕES JURÍDICAS CIVIL LAW E COMMON LAW:


APROXIMAÇÕES E DISTINÇÕES
Consoante afirma MARINONI (2016, p. 24), o civil law e o common law são duas
tradições ocidentais que se originaram em circunstâncias políticas e culturais inteiramente
distintas e como decorrência lógica, cada uma delas possui institutos e conceitos próprios, o
que levou à concepção histórica equivocada de que tais sistemas seriam totalmente
inconciliáveis, assim como seus respectivos institutos.
Consoante MARINONI (2016, p. 23-24), a tradição civil law se baseia nas
ideologias da Revolução Francesa e, ainda hoje, carrega dogmas que negam conceitos e
institutos indispensáveis diante da prática e realidade dos países que adotaram a doutrina da
separação estrita entre os poderes e da mera declaração judicial da lei.
Mesmo com as especificidades do sistema brasileiro e com as transformações nas
concepções de direito e jurisdição protagonizadas pelo constitucionalismo, o referido autor
pondera que ainda há enorme resistência da tradição civil law a institutos clássicos da tradição
common law, como o respeito aos precedentes. Todavia, alerta que ao abandonar os dogmas e
admitir que a lei é interpretada das mais variadas formas, é impossível não pugnar pela adoção
do sistema de precedentes obrigatórios como meio de se alcançar a igualdade a segurança
jurídica.

2.1 Breve Histórico


2.1.1 Teoria Constitutiva e Teoria Declaratória do common law
No common law, muito se discutiu sobre o verdadeiro significado da função
jurisdicional, debatendo-se se a decisão judicial era constitutiva de direitos ou apenas
declaratória.
Sobre este tema, MARINONI (2016, p. 24) infere que na Inglaterra um dos
principais defensores da teoria declaratória do direito era William Blackstone para quem
existiria o direito escrito (statute law) e o direito não escrito (common law). Este último era
composto por costumes gerais e por costumes particulares de algumas partes do reino, cortes e
jurisdições.
A partir deste pressuposto de que o common law apenas espelhava os costumes
gerais, não há como aferir outra conclusão senão que as decisões das Cortes seriam tão somente
declaratórias, apenas descrevendo quais os costumes adotados nas relações sociais da época.
MARINONI (2016, p. 25) ressalta que a natureza declaratória da decisão era frisada
quando esta se baseava em um precedente anterior, pois se os precedentes se destinam a apenas
9

reproduzir o common law (costumes gerais) adotado pela sociedade, uma decisão que seguisse
esse precedente apenas reiteraria que esses eram realmente os costumes, significando
igualmente o common law. Por esta teoria, o juiz, portanto, se limitava a ratificar o que fora
declarado em precedente anterior, pois não lhe caberia criar um novo direito.
Por outro lado, MARINONI (2016, p. 25), relata que Jeremy Bentham e John
Austin criticaram severamente esta teoria declaratória de William Blackstone, aduzindo que
não é possível que o common law tenha sido criado do nada, apenas observando os costumes
gerais da sociedade. Para eles, que adotavam a concepção positivista, o common law era criado
por juízes que possuíam law-making authority, sendo o pronunciamento jurisdicional, portanto,
produto da vontade dos magistrados (criado) e não algo descoberto e declarado.
Para esta segunda corrente, se fosse adotada a teoria declaratória, os precedentes
não deveriam ser necessariamente reiterados, pois se eles apenas reproduziam um suposto
direito evidente nos costumes gerais declarado de tempo em tempo, haveria sempre a
possibilidade de declarar judicialmente em contrário ao precedente em um tempo futuro, caso
os costumes gerais se alterassem.
Sendo assim, a concepção positivista afirma que “o stare decisis (respeito
obrigatório aos precedentes), exigiria, como antecedente lógico, a criação judicial do direito”
(MARINONI, 2016. p. 16) e este argumento deu origem a 3 (três) mitos:
i) o common law não existe sem o stare decisis; ii) o juiz do common law, por criar o
direito, realiza uma função absolutamente diversa daquela do seu colega do civil law;
e iii) o stare decisis é incompatível com o civil law” (MARINONI, 2016, p. 26)

Porém, MARINONI (2016, p. 26) refuta a tese de que a criação judicial do direito
é pressuposto do stare decisis, porque respeitar o passado é característica peculiar da teoria
declaratória, distinguindo da teoria constitutiva tão somente pelo fato de que naquela o
precedente apenas declara o direito costumeiro em vez de constituí-lo como faz esta última.
Logo, não haveriam argumentos capazes de sustentar que o juiz que seguisse a teoria
declaratória certamente desrespeitaria os precedentes firmados.
Da mesma forma, analisando a teoria constitutiva “nada poderia assegurar que o
juiz estaria obrigado a respeitar os precedentes” (MARINONI, 2016, p. 26), pois se poderiam
criar o direito, poder-se-ia também julgar em contrário aos precedentes firmados. Tanto é
verdade que MARINONI (2016, p. 28) destaca que os juízes da época, por não quererem
assumir a responsabilidade de criar o direito e de revogar os precedentes, mantiveram-se presos
à teoria declaratória, logo eles mesmo “chegaram à conclusão de que a ruptura com os
10

precedentes significaria criar o direito e, por isso, mantiveram-se adstritos aos precedentes (...)”
(MARINONI, 2016, p. 28).
Todavia, pondera ainda o referido autor que ambas as teorias cabalmente foram
obrigadas a admitir a revogação dos precedentes caso os mesmos incorressem em injustiça no
caso concreto. Isto é, os adeptos da teoria constitutiva, aferindo a necessidade de revogação do
precedente, afirmavam que ocorreria um remaking da decisão, enquanto que os partidários da
teoria declaratória alegavam que ocorrendo a necessidade de revogação, seria constatado na
verdade que o suposto precedente não era direito, não representando o costume estabelecido no
reino, devendo ser declarada uma nova decisão, esta sim refletindo fielmente os costumes
enraizados.
De todo modo, a despeito de toda a discussão em torno da natureza declaratória ou
constitutiva da decisão, certo é que o stare decisis não é incompatível com nenhuma das duas
teorias. Entretanto, a contrario sensu, “nem a teoria declaratória, tampouco a constitutiva ou
positivista, são capazes de coerentemente justificar o stare decisis em seu estado absoluto ou
em sua conformação pura” (MARINONI, 2016, p. 28). Ou seja, MARINONI (2016, p. 29)
infere que ambas as teorias tiveram que se adaptar ao sistema de respeito obrigatório aos
precedentes.

2.1.2 Common law, stare decisis e função legiferante


Portanto, mesmo havendo íntima relação, os conceitos de common law e de stare
decisis são nitidamente distintos. MARINONI (2016, p. 29) mesmo ressalta que o common law
existiu por vários séculos sem stare decisis (respeito obrigatório aos precedentes) e sem rule of
precedent (regras concernente à eficácia dos precedentes).
Portanto, o stare decisis “constitui apenas um elemento do moderno common law”
(MARINONI, 2016, p. 31) e ainda nos dias de hoje não é possível identificá-los, apesar de que
“alguém poderia dizer que ele é indispensável no common law sob o argumento de que aí as
decisões judiciais estabelecem o direito não edificado pelo legislativo” (MARINONI, 2016, p.
31).
Entretanto, MARINONI (2016, p. 31-32) desfaz outro mito muito citado em
matéria de common law, qual seja o de que nesse sistema, a produção legislativa é baixa e que
por este motivo o precedente possui importância diferenciada. Segundo o autor, neste sistema,
o juiz possui o poder de afirmar o common law de forma que o Poder Legislativo não é sempre
originário na elaboração do direito, mas pelo contrário, o Parlamento deve considerar as
decisões proferidas pelas Cortes e depois atuar legislando de modo a complementar a decisão.
11

Portanto, há neste ponto uma diferença histórica entre o direito inglês e o direito
francês, pois no primeiro não houve motivo para se desconfiar do judiciário, haja vista que o
mesmo sempre esteve ao lado do parlamento na luta contra o arbítrio do monarca, até mesmo
confundindo a atuação dos poderes judiciário e legislativo enquanto que no segundo foi criado
o dogma da aplicação estrita da lei justamente por haver receio de conluio entre o monarca e o
Poder Judiciário no decorrer da Revolução Francesa.
Todavia, é mister inferir que “nesse sistema, a autoridade da lei é superior à das
decisões judiciais, e não o contrário” (MARINONI, 2016, p. 32) e que, por mais que no common
law primitivo era possível observar uma produção legislativa pouco intensa e apenas
complementar ao common law, hoje é possível observar inclusive sistemas common law com
mais produção legislativa do que sistemas civil law, “o que autoriza dizer que a quantidade de
leis e o seu grau de autoridade constituem critérios absolutamente inúteis para distinguir o
common law do civil law” (MARINONI, 2016, p. 33).
Vale frisar ainda que por mais que o Parlamento primitivamente observasse as
decisões proferidas pela Corte para editar leis, não é certo dizer que o juiz no common law cria
o direito originariamente, mas sim que ele afirma um direito preexistente. Isto é, tratando-se de
matéria que não havia produção normativa editada pelo legislativo, ainda sim o juiz apenas
afirmava o direito costumeiro, devendo ele estar limitado a aplicar os costumes.
De outro lado, havendo produção normativa, o juiz fixaria precedente com base na
interpretação da norma, não significando também criar direito, pois mesmo o precedente tendo
força obrigatória, ele é produto de mera hermenêutica e aplicação da norma preexistente. Logo,
“quando se diz que o precedente do common law cria o direito, não se está pensando que ele
tem a mesma força e qualidade do produto elaborado pelo Legislativo, isto é, da lei”
(MARINONI, 2016, p. 33).
Vale ressaltar, porém, que no common law com pouca ou muita produção
legislativa, o sistema de precedentes é sempre essencial, existindo “incontáveis precedentes
interpretativos, cuja importância é conferir estabilidade às decisões judiciais que afirmam o
sentido do direito” (MARINONI, 2016, p. 34).
Sendo assim, nega-se qualquer afirmação no sentido de que a tradição jurídica civil
law seria incompatível com o stare decisis tão somente pelo fato ser típico desse sistema o
exercício da função legislativa em larga escala em relação ao common law, pois esse argumento
não é verdadeiro.
Pelo contrário, como visto, os precedentes judiciais não foram produzidos para
suprir a legislação, mas sim como forma de garantir estabilidade, segurança jurídica e
12

igualdade, sendo a priori plenamente compatíveis tanto com o civil law quanto com o common
law tendo este muita ou pouca produção legislativa.
MARINONI (2016, p. 34) faz interessante análise ao afirmar que a ideia errônea de
que o juiz do common law cria o direito deve-se em grande parte à comparação entre os papéis
dos juízes do civil law com os do common law, ou seja, enquanto no civil law supostamente ao
juiz caberia unicamente repetir o que estava escrito na lei, no common law o juiz teria um papel
mais extenso, tendo a oportunidade de “densificar o common law, como também a oportunidade
de, a partir dele, controlar a legitimidade dos atos estatais” (MARINONI, 2016, p. 34).
No entanto, o mesmo autor observa que o constitucionalismo e a evolução do civil
law deram poderes similares ao juiz do civil law, pois do mesmo modo que o juiz do common
law utiliza o direito costumeiro para verificar a validade dos atos estatais (incluindo aí os atos
legislativos), o juiz do civil law se apegou aos direitos fundamentais e à Constituição para anular
as demais normas infraconstitucionais com ela incompatíveis. Além disso, é possível afirmar
que “o juiz brasileiro tem poder ‘mais extenso’ do que o juiz do common law, uma vez que, ao
contrário deste, não presta o adequado respeito aos precedentes” (MARINONI, 2016, p. 35).
Ou seja, com o juiz do civil law exercendo controle de constitucionalidade sobre às
normas infraconstitucionais é cabível a afirmação de MARINONI (2016, p. 36) de que esse
magistrado também cria o direito ao decidir sobre a invalidade de uma lei, quebrando-se o
dogma da separação estrita entre o Poder legislativo e o Poder Judiciário.

2.1.3 Relação entre a Supremacia do Parlamento, judge make law e juge bouche de la loi
MARINONI (2016, p. 38) relata que, com a Revolução Gloriosa de 1688, foi
estabelecido o instituto da Supremacia do Parlamento que serviu de argumento para o Reino
Inglês controlar os atos de suas colônias norte-americanas.
Por este instituto, as colônias inglesas ficaram proibidas de editar atos normativos
contrários à legislação do Reino, manifestada por meio de Cartas. Sendo assim, o autor destaca
que por mais que pareça algo paradoxal para uma mentalidade civil law (conforme se verá
adiante), surgiu nos Estados Unidos o princípio da Supremacia do Judiciário e o judicial review
(revisão judicial), pois este Poder passou a controlar a legislação da colônia com base nas Cartas
editadas pelo Reino para julgar nulas as leis contrastantes.
Além disso, o instituto da Supremacia do Parlamento não serviu neste contexto para
subjugar o Poder Judiciário, mas sim veio fortalecê-lo para que tanto o Parlamento e o Judiciário
lutassem contra os arbítrios do monarca, ou seja, “não houve qualquer necessidade de afirmar
13

a prevalência da lei – como produto do Parliament – sobre os magistrados, mas sim a força do
direito comum diante do poder real” (MARINONI, 2016, p. 39).
Sendo assim, MARINONI (2016, p. 39) ressaltou bem que o objetivo principal da
Supremacia do Parlamento Inglês foi fortalecer o common law como direito da história e das
tradições do povo inglês contra o poder arbitrário do rei, tanto que a própria produção legislativa
desta época deveria sempre estar conforme o common law sob pena de esta ser considerada até
mesmo inválida.
Por isso, com a independência das colônias americanas em 1776 e consequente
substituição das Cartas que a regiam pelas Constituições, o Poder Judiciário norte-americano
continuou realizando a revisão judicial das leis editadas em desacordo agora com as
Constituições, concretizando o princípio da Supremacia do Judiciário, logo “o controle de
constitucionalidade estadunidense significou muito mais uma continuidade do que uma ruptura
com o modelo inglês” (MARINONI, 2016, p. 40).
Impende destacar neste ponto que foi totalmente diferente o significado de
“Supremacia do Parlamento” na França de onde se originou a tradicional noção de civil law.
Foi então com a Revolução Francesa que se observou a grande ruptura entre as tradições civil
law e common law, conforme se extrai do trecho a seguir:
“Como a lei era imprescindível para a realização dos escopos da Revolução Francesa,
e os juízes não mereciam confiança, a supremacia do parlamento aí foi vista como
sujeição do juiz à lei, proibido que foi, inclusive, de interpretá-la para não distorcê-la
e, assim, frustrar os objetivos do novo regime” (MARINONI, 2016, p. 42).

Logo, enquanto na Inglaterra o juiz e o parlamento se uniram contra o arbítrio do


monarca, na França o parlamento não confiava no monarca e nem no judiciário e restringiu sua
atuação de tal maneira que este ficou “destituído de qualquer poder criativo e de imperium”
(MARINONI, 2016, p. 42).
É interessante então observar que se de um lado o positivismo para o common law
significou a ideia de criação judicial do direito, pois as circunstâncias políticas fortaleceram a
união entre parlamento e poder judiciário de modo que o juiz neste sistema merecia toda a
confiança, de outro o positivismo no civil law foi entendido como estrita limitação do juiz à lei
editada pelo parlamento e deu início à Era da Codificação, haja vista que neste sistema o
parlamento repugnava qualquer atitude criativa do judiciário, havendo uma separação rígida
entre os poderes. Destarte, houve a “formação das concepções antagônicas de juge bouche de
la loi (juiz boca-de-lei) e de judge make law (juiz que cria o direito)” (MARINONI, 2016, p.
43).
14

Toda essa repulsa em relação aos juízes se deve ao fato de que antes da Revolução
Francesa o cargo de juiz era visto como um privilégio particular que deveria ser utilizado para
satisfazer interesses pessoais, não tendo nenhum compromisso com valores de igualdade,
fraternidade e liberdade. Neste sentido, “os juízes pré-revolucionários se negavam a aplicar a
legislação que era contrária aos interesses dos seus protegidos e interpretavam as novas leis de
modo a manter o status quo” (MARINONI, 2016, p. 44).
Por isso, baseado na doutrina da separação estrita entre os poderes de Montesquieu,
especialmente em relação ao Poder Judiciário, surgiu o juiz boca-de-lei (juge bouche de la loi),
pois foi a forma encontrada pelo Parlamento para ter sucesso na Revolução Francesa, caso
contrário os juízes jamais permitiriam o surgimento de uma nova sociedade e o
desenvolvimento de um novo direito contrários aos seus interesses particulares.
Todavia, para que um juiz mero repetidor de lei não tenha liberdade para agir de
forma criativa no momento do julgamento do caso concreto, foi necessário atribuir aos Códigos
uma importância diferenciada, havendo nítida preocupação em delimitar todas as possíveis
regras capazes de solucionar o conflito. Esta sim, é uma das grandes distinções entre o civil law
e o common law tradicionais, qual seja, a importância que os juízes têm na solução do caso
concreto.
Isto é, enquanto no civil law o juiz era limitado a repetir a lei tendo pouca
importância no desenvolvimento do direito e no êxito da solução dos litígios, no common law
o juiz possui função mais complexa e maior relevância para o deslinde da causa, pois tem mais
espaço para analisar e interpretar os Códigos, haja vista que nunca houve para este sistema
preocupação em limitar os poderes do juiz.
Tudo isso porque para a Revolução Francesa entendia que “manter o juiz preso à
lei seria sinônimo de segurança jurídica” (MARINONI, 2016, p. 50), sendo assim a tradição
jurídica civil law decorrente desse pensamento criou utopicamente a ideia de que o juiz atuando
como mero boca-de-lei seria uma garantia de previsibilidade e de segurança para os indivíduos
da sociedade, bem como que a lei por si seria o suficiente para garantir igualdade aos cidadãos,
tudo porque objetivamente a vontade da lei em tese sempre seria aplicável da mesma forma a
todos a qualquer tempo.
De modo bem distinto foi o pensamento do common law que, consoante
MARINONI (2016, p. 51), nunca teve motivos para restringir a interpretação da lei pelo juiz e
que desde o princípio teve plena convicção de que a lei seria interpretada de diversas formas e
que era preciso encontrar alguma alternativa para garantir a segurança que a sociedade necessita
para se desenvolver e foi com base neste pensamento que se imaginou na força vinculante dos
15

precedentes um caminho para alcançar a igualdade e segurança das relações sociais. Neste
sentido:
“Se a doutrina da tradição do civil law supunha que a sua sistematicidade era uma
garantia de segurança jurídica, o common law adotou o stare decisis como meio para
atenuar a sua menor racionalidade e pouca previsibilidade” (MARINONI, 2016, p.
52).

Conforme pondera MARINONI (2016, p. 52-53), o fato mais alarmante é que


mesmo com o decorrer do tempo e a constatação de que até mesmo os juízes do civil law
interpretam e aplicam a lei de várias formas, a doutrina restou silente e se limitou a defender
que a hermenêutica judicial não fere o princípio da separação dos poderes, permitindo a
proliferação de decisões judiciais bem distintas para casos substancialmente iguais, isto é, a
própria doutrina do civil law, observando as mais variadas decisões para casos idênticos, nada
fez para combater, encobrindo a necessidade de se encontrar uma forma para garantir igualdade
nas decisões como o stare decisis, o que teve como consequência que “a população confia cada
vez menos no direito produzido pelo Estado” (MARINONI, 2016, p. 53).
Essas decisões contraditórias do civil law são consideradas por MARINONI (2016,
p. 53) como uma patologia que infelizmente se enraizou na cultura jurídica brasileira devido à
ideia errônea de que neste sistema jurídico o juiz não deve observância ao passado, chegando a
ter severos posicionamentos contrários a implantação de qualquer meio de vincular o juiz às
decisões passadas sob o argumento de que sua liberdade de julgar e sua atividade criativa serão
drasticamente prejudicados, conforme se verá em capítulos posteriores.
MARINONI (2016, p. 53) critica severamente o argumento de que o juiz tem
liberdade para julgar e que ser obrigado a seguir o passado lhe limitaria, pois segundo ele o juiz
faz parte de um sistema, de um poder que deve ser íntegro e coerente e que serve ao
jurisdicionado, ou seja, o Poder Judiciário deve ser visto como um só e não de forma
individualizada para cada magistrado, afinal a função jurisdicional só faz sentido quando tem o
objetivo de servir o jurisdicionado, o cidadão de forma igualitária, uma vez que o poder de
decidir deve ser acompanhado do dever de solucionar o conflito com justiça. Este
posicionamento é importante, pois este reflexo do personalismo e individualismo pode
“manipular os casos de acordo com interesses locais, a evidenciar a presença do velho
patrimonialismo, na tentativa de disfarçar o interesse de privilegiar sob a desculpa de liberdade
para decidir” (MARINONI, 2016, p. 54).
16

2.1.4 A transformação do constitucionalismo no sistema jurídico civil law


A percepção falha da Revolução Francesa de que restringindo o juiz ao texto da lei
teria por consequência um sistema permeado de segurança jurídica, igualdade e fiel à justiça
não resistiu à experiência de que a própria lei poderia ser contrária aos interesses da população
e à própria noção principiológica de justiça.
Isto é, se a lei for injusta, o pronunciamento judicial também será, logo foi
necessário resgatar a substância, o elemento material da lei e este foi encontrado com a
implantação de princípios à Constituição.
A partir deste momento, MARINONI (2016, p. 55) pondera que as Constituições
dos Estados civil law elaboradas de forma escrita e agora permeadas de princípios jurídicos e
com a supremacia em relação à lei foram características marcantes do constitucionalismo que
atribuiu-lhes eficácia normativa e, por consequência, as próprias leis que antes poderiam ter
aspectos injustos passaram a ter que se conformar com a Constituição em relação às regras e
princípios jurídicos. Ou seja, a Constituição passou a ter essência valorativa e não apenas formal
e os princípios constitucionais impregnados de direitos fundamentais passaram a adequar a lei.
A observação é de suma importância, pois é nesse momento que o
constitucionalismo transformou inteiramente o civil law, pois como bem destacado por
MARINONI (2016, p. 56-57), o juiz passa a exercer papel que era incompatível com os
princípios iniciais da tradição civil law, pois não mais está submetido inteiramente a lei, mas
acima de tudo deve observar a Constituição e efetivar seus direitos fundamentais, conformando
a lei à Constituição, exercendo inclusive controle de constitucionalidade e tendo papel “tão
criativo quanto o do seu colega do common law” (MARINONI, 2016, p. 57).
Neste sentido MARINONI (2016, p. 57) cita exemplos como os métodos de
interpretação conforme a Constituição, a declaração parcial de nulidade sem redução de texto,
bem como quando o juiz supre omissão do legislativo diante de direitos fundamentais que
devem ser obrigatoriamente efetivados havendo ou não norma geral editada versando sobre a
solução do caso concreto.
Todavia alerta que há ainda muita resistência em aceitar que o constitucionalismo
aproximou a conduta dos juízes das tradições jurídicas civil law e common law e “é exatamente
a cegueira para a aproximação das jurisdições destes sistemas que não permite enxergar a
relevância de um sistema de precedentes no civil law” (MARINONI, 2016, p. 59).
Com o constitucionalismo trazendo eficácia para a Constituição em relação às leis
e, consequentemente, com o surgimento de sistemas de controle de constitucionalidade na
tradição civil law e posterior aproximação com o sistema common law, especialmente com o
17

modelo dos Estados Unidos que também possui sistema de controle de constitucionalidade,
MARINONI (2016, p. 60) destaca que o sistema de precedentes obrigatórios tornou-se ainda
mais imprescindível, principalmente em alguns países como o Brasil que permitem o controle
difuso de constitucionalidade por qualquer juiz e não apenas por um Tribunal Constitucional.
Entretanto, nos Estados Unidos encontrou-se dificuldade em compatibilizar o
controle incidental de constitucionalidade das leis com os precedentes, pois por mais que
houvesse experiência com os precedentes do common law, os precedentes constitucionais eram
uma nova espécie com características peculiares que exigia do sistema um tratamento jurídico
distinto, logo a “doutrina precisou de tempo – quase um século – para desenvolver uma teoria
capaz de esclarecer as relações entre as diferentes espécies de precedentes” (MARINONI, 2016,
p. 61).
Todavia, a questão é ainda mais complexa quando se permite o controle difuso de
constitucionalidade por qualquer juiz ou tribunal em um Estado caracterizado pelo civil law.
Explico, no sistema civil law tradicional não houve a criação de um sistema de precedentes
como no common law exatamente por causa das concepções políticas de sua origem que como
visto foram fortes no sentido de limitar a atuação do juiz em razão da desconfiança neste poder,
sendo assim, com o constitucionalismo e a ideia de que cada juiz poderia julgar uma lei
inconstitucional no caso concreto, não há nada que obrigue o juiz a observar as decisões
proferidas pela Corte Suprema ou pelos tribunais superiores, pois não há um sistema de
precedentes, muito menos um sistema que regulamente os precedentes constitucionais.
Dessa forma, MARINONI (2016, p. 64) critica o fato de que no Brasil as decisões
proferidas em controle difuso pelo STF, para ter eficácia erga omnes, necessitam ser
comunicadas ao Senado Federal para suspender a execução do ato normativo inconstitucional
no caso concreto, pois é totalmente irracional imaginar que um juiz pode declarar este mesmo
ato posteriormente constitucional para casos idênticos, contrariando o próprio STF, afinal se
esta Corte Constitucional tem força para decidir em definitivo a constitucionalidade de uma lei
em abstrato, não faz sentido retirar o efeito vinculante em decisões proferidas em controle
difuso se forem proferidas em plenário e mediante o mesmo procedimento do controle abstrato
tão somente pelo fato de ter sido pronunciada em um litígio já instaurado.
Em suma, é possível defender que um sistema jurídico que adote a tradição civil
law deveria admitir apenas o sistema de controle concentrado de constitucionalidade, pois nesse
caso somente o Tribunal Constitucional poderia interpretar a Constituição e dar eficácia a este
pronunciamento.
18

Todavia, quando se admite o controle difuso realizado por qualquer juiz, o Estado
de tradição civil law deverá ter consciência de que também será necessário instaurar algum
procedimento de uniformização e de garantia da igualdade e da segurança jurídica, pois permitir
interpretações e decisões contrastantes em matéria constitucional é no mínimo temerário para
todo o sistema e conduz inequivocamente ao descrédito do Poder Judiciário em sua inteireza.
MARINONI (2016, p. 65-66) infere inclusive que as interpretações variadas dos
juízes e tribunais devem ser esperadas, não se devendo perpetuar o erro trazido pela Revolução
Francesa de que a lei é suficiente para garantir estabilidade, ainda mais nos dias de hoje,
especialmente no Brasil, onde o legislador passou a incrementar uma série de conceitos
jurídicos indeterminados e de normas abertas que exigem do julgador uma postura mais ativa,
especialmente no que se refere às técnicas processuais, pois a lei não pode vinculá-las às
“necessidades de direito material nem desenhar tantos procedimentos quantas forem as
situações substanciais carentes de tutela” (MARINONI, 2016, p. 66).
Tendo isto em vista, verifica-se que os princípios jurídicos constitucionais
enraizados pelo constitucionalismo e, pois, pela ideia de que a lei deve respeitar a Constituição
permeada de valores de justiça, bem como as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos
indeterminados, editados de forma cada vez mais frequente pelo legislativo para permitir uma
decisão judicial mais adequada às especificidades de cada caso concreto, aproximaram o juiz
do civil law e do common law. Neste sentido:
“o juiz de civil law, quando raciocina a partir de princípios constitucionais ou com
base em cláusulas gerais, decide como o juiz de common law, que, conforme a
perspectiva teórica do expectador, pode ser qualificado como um juiz que cria o direito
ou como um juiz que interpreta para declarar o direito” (MARINONI, 2016, p. 68).

Dessarte, MARINONI (2016, p. 71) indaga neste novo contexto como o juiz de
civil law constrói uma norma jurídica para o caso concreto quando a norma legislativa geral
não existe ou contrasta com os princípios jurídicos constitucionais e com direitos fundamentais,
pois nesse caso não significaria criação de norma jurídica individual com base em normal geral
ou mesmo criação de norma geral. Porém, logo em seguida o mesmo autor conclui que ao
construir a norma do caso concreto, o juiz apenas observou a Constituição e os direitos
fundamentais e expurgou do mundo jurídico a norma geral incompatível. Desse modo, sustenta-
se que a função jurisdicional está regida inteiramente pela Constituição ao contrário do
Legislativo que apenas se vincula a Constituição em relação ao procedimento de elaboração das
leis.
19

Todavia, “quando a norma jurídica fixada pela jurisdição configura precedente


obrigatoriamente aplicável a outros casos, seria possível aproximá-la da norma criada pelo
legislador” (MARINONI, 2016, p. 72), afinal os precedentes atribuem até mais segurança
jurídica do que a própria norma geral, tendo em vista que eles refletem o que os tribunais
decidirão ao final, isto é, o produto final da interpretação judicial em relação a determinada
norma geral, pois a lei sem si “é sempre um produto a ser ‘acabado’ pelo juiz” (MARINONI,
2016, p. 72).
Porém, MARINONI (2016, p. 73) alerta que mesmo os precedentes obrigatórios
não têm a mesma qualidade e não substituem a lei, pois eles se prestam a efetivar tão somente
o mínimo de tutela de direitos fundamentais ao caso concreto se o legislador violar o direito
fundamental por meio de omissão em editar norma geral que regule o litígio, mas mesmo assim
essa decisão judicial não terá a função de densificar a tutela do direito fundamental, sendo este
papel do legislativo.
Sendo assim, até mesmo no common law que adota o sistema de precedentes
obrigatórios “está muito longe de ser caracterizado pela ideia de criação judicial do direito, e o
civil law não mais vê a decisão judicial como algo estritamente subordinado à lei”
(MARINONI, 2016, p. 74), pois a partir dos princípios constitucionais e dos direitos
fundamentais o juiz constrói o direito do caso concreto exercendo papel eminentemente
interpretativo e não criando originariamente o direito e nem atribuindo densidade normativa
geral a sua decisão.
Esta interpretação, porém, tem seus limites e pode ter peso jurídico distinto a
depender de algumas características específicas da argumentação contida na decisão
interpretativa.
Na tradição jurídica civil law, em sua origem, MARINONI (2016, p. 74) destaca
que as decisões judiciais eram tão estáveis quanto a lei, pois a interpretação desta teria função
meramente cognitiva de modo que o juiz ao apreciar a lei, apenas aplicava o sentido exato
extraído da lei que era um conteúdo implícito, mas passível de ser encontrado pelo juiz e
declarado no caso concreto.
Porém, houve uma evolução desta teoria interpretativa originária que mostrou ser
possível obter várias interpretações jurídicas dependendo da diretriz interpretativa (histórica,
lógica, etc.) ou da escolha entre os possíveis resultados da “atividade-interpretação”
(MARINONI, 2016, p. 75).
Esta transformação coloca, segundo MARINONI (2016, p. 75-76), a interpretação
na posição de atividade que deve ser exercida pelas Supremas Cortes, pois elas deverão atribuir
20

sentido ao direito. Todavia ressalta que por este mesmo motivo, as referidas Cortes devem ter
critérios para escolher entre uma das possibilidades interpretativas e nesse sentido suas decisões
só serão legítimas se obedecerem a uma argumentação racional.
Portanto, a partir deste momento “a decisão deixa de se situar no local da procura
do ‘sentido exato da lei’ e passa a ocupar o lugar da justificativa das opções interpretativas, ou
seja, da racionalidade da interpretação” (MARINONI, 2016, p. 76) e para fazer valer este
sentido atribuído ao direito pelas Supremas Cortes pela interpretação seria necessário um
sistema de precedentes que seria um meio de tutela da igualdade.
E por causa da falta de implantação desse sistema de precedentes é que MARINONI
(2016, p. 76) afirma que apesar da evolução da teoria interpretativa, os Estados de tradição civil
law e ainda hoje o Brasil não ultrapassaram em alguns aspectos a barreira do formalismo
interpretativo que diz que a norma possui um significado pré-estabelecido implícito que deve
ser encontrado e não um leque de possibilidades que deve ser escolhido segundo critérios
racionais pelas Cortes Supremas mediante argumentação válida e que precisa ser seguido pelas
Cortes inferiores por meio do sistema de precedentes que efetiva a uniformização da
interpretação. Entretanto, por tudo que foi visto, pode-se concluir que houve muitos progressos
na tradição jurídica civil law.
Em suma, observou-se que a tradição jurídica common law foi marcada por uma
história que nunca deu motivos para negar poderes aos juízes e tribunais, pois mesmo em
períodos revolucionários os Poderes Legislativo e Judiciário sempre estiveram em harmonia e,
portanto, o sistema de precedentes e a posição ativa do juiz na resolução de casos concretos
foram muito bem aceitos durante sua evolução, admitindo a ideia de que naturalmente juízes
interpretam de modo diferente a lei e que os precedentes interpretativos nesse ponto são
essenciais.
Além disso, foram desfeitos alguns mitos de que o common law foi criado para
suprir a ausência de lei e de que o stare decisis (respeito obrigatório aos precedentes) era
sinônimo de common law, apenas existindo porque o juiz do common law teria poderes para
criar o direito. Isto é, neste capítulo introdutório do presente trabalho buscou-se combater esses
argumentos falaciosos, demonstrando que o juiz do common law não cria o direito, mas sim
contribui para o seu desenvolvimento possuindo posição ativa para dirimir conflitos e criando
precedentes como forma de garantia de estabilidade, mas nunca substituindo a posição do
legislador na função legiferante, não podendo se concluir que a qualidade das decisões judiciais
tem a mesma qualidade da legislação mesmo no common law.
21

Por outro lado, demonstrou-se que a tradição jurídica civil law fortemente
impregnada pelos ideais da Revolução Francesa teve em seu histórico circunstâncias que a
levaram a separar estritamente os Poderes, visando enfraquecer o máximo possível o Poder
Judiciário e fortalecer o Parlamento em razão da desconfiança nos juízes e tribunais na época
da Revolução.
Por este motivo, a função jurisdicional no civil law teve posição muito menos ativa
ou até de certo modo inexistente, haja vista que o Parlamento criou mecanismos de controle do
judiciário e não permitia que o mesmo interpretasse a lei com liberdade, devendo seguir a
literalidade da mesma sob pena de nulidade da decisão.
Todavia, em razão do constitucionalismo que inseriu valores que deveriam ser
obrigatoriamente observados pela legislação que a partir deste momento seria subordinada aos
princípios jurídicos da Constituição e aos Direitos Fundamentais e também devido às cláusulas
abertas permitindo aos juízes maior liberdade de atuação para a solução dos casos conflituosos
que são os mais variados possíveis, o civil law evoluiu, ganhando um sistema de controle de
constitucionalidade das leis e permitindo olhar que as leis são textos que ao serem interpretados
viram normas jurídicas e estas sim devem ser observadas como garantia de legalidade, não
devendo ser a decisão judicial uma mera subsunção do fato ao texto da lei.
Por tudo isto, o civil law progrediu no sentido de permitir e exigir uma atuação mais
ativa do juiz que não pode deixar de analisar o caso concreto devendo decidi-lo seja por meio
da interpretação das normas, seja por meio dos princípios constitucionais para efetivar os
direitos fundamentais. Porém, sua evolução não deixou que o sistema de precedentes fosse
enraizado como garantia de estabilidade e segurança jurídica e hoje muitas decisões judiciais
da tradição civil law são distintas até mesmo para casos iguais, pois ainda há resquícios da ideia
equivocada de que a lei ao ser interpretada pelo juiz seria suficiente garantia de segurança
jurídica.
Contudo, certo é que a tradição civil law sofreu várias mudanças e foi totalmente
descaracterizada da sua ideia tradicional com o passar do tempo e hoje pode-se até mesmo
afirmar que “o papel do atual juiz do civil law, e especialmente o do juiz brasileiro, a quem é
deferido o dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, muito se
aproxima da função exercida pelo juiz do common law” (MARINONI, 2016, p. 79).
Do mesmo modo é certo também que há ainda muito a evoluir na tradição jurídica
civil law, especialmente no ordenamento jurídico brasileiro e o sistema de precedentes judiciais
trazido pelo Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) é essencial para essa
transformação como forma de assegurar a certeza jurídica necessária para as relações sociais e
22

que há muito foi consolidada no sistema common law, pois “apesar da aproximação dos papéis
dos magistrados de ambos os sistemas, apenas o common law devota respeito aos precedentes”
(MARINONI, 2016, p. 79-80).
Este vai ser um passo difícil, pois a suposição de que o juiz possui ampla liberdade
de julgar no sistema jurídico brasileiro provoca muita resistência aos precedentes pela classe da
magistratura, sendo um tema sensível.

3 LIBERDADE DE JULGAR DO MAGISTRADO


A liberdade que os magistrados e demais órgãos do Poder Judiciário têm para
solucionar o litígio que lhe é apresentado é originária da margem de escolha da decisão tendo
em vista a proliferação de conceitos jurídicos indeterminados, de cláusulas gerais e
principalmente dos valores, princípios e direitos fundamentais positivados na Constituição, em
relação aos quais os juízes possuem o poder-dever de tutelar.
Como observado, o sistema jurídico brasileiro herdou da tradição jurídica civil law
primariamente a ideia de que a lei deveria ser a única fonte do direito capaz de fundamentar
uma legítima decisão judicial, não permitindo margem para o juiz interpretar e, por
consequência, herdou-se também a resistência em aceitar que os juízes decidem e interpretam
naturalmente de forma distinta uns dos outros, o que fez negar a necessidade de um instituto
como o stare decisis (respeito obrigatório aos precedentes) para dar unidade ao direito e permitir
decisões uniformes para casos idênticos.
Entretanto, conforme afirma WAMBIER (2015, p. 263-264), a lei, pura e simples,
não assegura tratamento isonômico aos jurisdicionados como se pensava erroneamente pela
tradição civil law. Além disso, afirma a mesma autora que os casos concretos estão cada vez
mais complexos, exigindo igualmente processos interpretativos mais aprofundados para o
deslinde da causa, o que têm o potencial de elevar consideravelmente as decisões diferentes e
desarmônicas entre si.
Os conceitos jurídicos indeterminados, as cláusulas gerais e os princípios jurídicos
podem ser considerados como “parâmetros mais nublados” (WAMBIER, 2015, p. 264) do
direito, pois permitem uma maior amplitude interpretativa para o operador do direito. Ao
mesmo tempo, também são extremamente necessários para solucionar os casos concretos, pois
“são poros que permitem à realidade penetrar no direito” (WAMBIER, 2015, p. 264, grifos da
autora).
Esta possibilidade criativa do juiz para completar o sentido da norma extraída da
lei é chamada por WAMBIER (2015, p. 265) de “ativismo judicial” e segundo a autora, ele é
23

exercido pelo magistrado na solução do conflito, podendo ser mais ou menos intenso a depender
do “ambiente decisional” em análise, este definido como “a área de direito material ou
substancial, com seus princípios e regras, em que o conflito, submetido ao juiz, deve ser
resolvido” (WAMBIER, 2015, p. 266).
Sendo assim, vale primeiro fazer uma breve análise sobre as prerrogativas, garantias
e vedações dos juízes e órgãos judiciários, bem como sobre a jurisdição como atividade criativa
para entender quais são os aspectos que permitem aos magistrados brasileiros e ao Poder
Judiciário como instituição exercerem a função jurisdicional com liberdade, sem ingerências
sociais, políticas, culturais e econômicas, especialmente dos outros Poderes (Legislativo e
Executivo) e, posteriormente, retornar e aprofundar no conceito de ambientes decisionais e
demais aspectos pertinentes à extensão da liberdade judicial para decidir.

3.1 Garantias do Judiciário


Após ressaltar a importante função do Poder Judiciário de decidir os casos
concretos que lhes são submetidos a partir da aplicação lei, mesmo contra o próprio governo e
a administração, SILVA (2013, p. 594-595) afirma que somente um Poder, distinto do
Legislativo e do Executivo, que gozasse de garantias constitucionais de independência seria
capaz de cumprir adequadamente este papel.
Dessa forma, SILVA (2013, p. 595) identifica duas grandes espécies de garantias,
quais sejam: as garantias institucionais, que protegem o Poder Judiciário de forma coletiva, isto
é, como um todo; e as garantias funcionais ou de órgãos, que visam garantir imparcialidade e
independência para cada juiz ou órgão judiciário individualmente identificado.
Para ele, as garantias institucionais se desdobram na garantia de autonomia
orgânico-administrativa (art. 96, CF/88), que corresponde a sua independência na estruturação
e funcionamento de seus órgãos, bem como na garantia de autonomia financeira (art. 99, CF/88)
que assegura a independência na elaboração e execução orçamentária.
Enquanto que, por outro lado, as garantias funcionais ou de órgãos podem ser
agrupadas em outras duas categorias, a saber: em garantias de independência dos órgãos
judiciários (art. 95, I, II e III, CF/88); e em garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários
(art, 95, Parágrafo Único, I, II, III, IV e V, CF/88).
24

3.1.1 Garantias Institucionais


3.1.1.1 Garantia de autonomia orgânico-administrativa
A autonomia orgânico-administrativa é fundamental para desvincular o Poder
Judiciário da ingerência do Poder Legislativo e Executivo em questões de estruturação interna,
o que poderia permitir um controle político destes em relação a aquele. Por este motivo, a CF/88
enumerou uma série de competências privativas relativas à estruturação e ao funcionamento
interno dos Órgãos Judiciários, que permitem aos tribunais em geral, por exemplo, “a) eleger
seus órgãos diretivos; sem qualquer participação dos outros Poderes; b) elaborar regimento
interno; c) organizar a estrutura administrativa interna de modo geral, como a concessão de
férias, licença, dentre outras atribuições” (LENZA, 2015, p. 845).
SILVA (2013, p. 595-596) enumera ainda outros exemplos de manifestações da
autonomia orgânico-administrativa quando a CF/88 confere ao STF, aos Tribunais Superiores
(STJ, TST, TSE, STM) e aos Tribunais de Justiça a possibilidade de propor:
“a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; a criação e a extinção
de cargos e a fixação de vencimentos de seus membros, dos juízes, inclusive dos
tribunais inferiores, onde houver, dos serviços auxiliares e os dos juízos que lhes
forem vinculados; a criação ou extinção dos tribunais inferiores; a alteração da
organização e da divisão judiciária” (SILVA, 2013, p. 596).

3.1.1.2 Garantia de autonomia financeira


Além da autonomia administrativa, foi concedido ao Poder Judiciário por nossa
Carta Magna a garantia da autonomia financeira, conforme preceitua o art. 99, caput da CF/88.
Devido a ela, “os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites
estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias” (LENZA,
2015, p. 845).
Segundo SILVA (2013, p. 596), no âmbito da União, compete aos Presidentes do
STF e dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM), com aprovação dos respectivos
tribunais, o encaminhamento da proposta orçamentária, enquanto que, no âmbito dos Estados e
no do Distrito Federal e Territórios, compete aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com
aprovação dos respectivos tribunais (art. 99, §§1º e 2º, CF/88).
Pelo art. 99, §3º da CF/88, caso estes órgãos não encaminhem as respectivas
propostas orçamentárias no prazo indicado na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo
considerará os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados na forma do limite
previsto no §1º, art. 99 da CF/88. Caso a proposta orçamentária seja encaminhada em desacordo
a esse limite, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da
proposta orçamentária anual.
25

SILVA (2013órgão judiciário, p. 596-597) critica esta autonomia financeira,


argumentando que ela é bem limitada e que traz mais problemas do que benefícios, contribuindo
não para o fortalecimento institucional, mas sim incentivando divergências e disputas entre
tribunais por mais orçamento que, no fundo, envolvem decisões políticas.
Logo, infere o referido autor que os juízes deveriam ficar imune de questões
puramente políticas para exercer a atividade jurisdicional de forma escorreita e que a ideia de
criação de um órgão de controle externo da administração da justiça que tivesse a incumbência
de planejar e preparar a proposta orçamentária, apesar de ter sido cogitada, não se consolidou
com a implantação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), haja vista que o mesmo não recebeu
tal atribuição.
LENZA (2015, p. 846), por sua vez, destacou o fortalecimento da autonomia
financeira do Judiciário pela Reforma do Judiciário causada pela Emenda Constitucional (EC)
45/2004 que fixou que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos
serviços afetos às atividades específicas da Justiça (art. 98, §2º, CF/88).
De todo modo, mesmo havendo fortes considerações em contrário a esta autonomia
financeira, certo é que ela e a autonomia administrativa corroboram para impedir a ingerência
dos demais poderes no âmbito interno do Judiciário, obstando que motivos políticos ou até
mesmo espúrios controlem a estrutura do Judiciário ou o orçamento do mesmo e minimizem
ou inibam sua atuação com independência.

3.1.2 Garantias Funcionais ou de Órgãos


3.1.2.1 Garantia de independência dos órgãos judiciários
Conforme foi anteriormente explanado, o primeiro subgrupo das garantias
funcionais (ou de órgãos) é a garantia de independência dos órgãos judiciários que consiste em
três disposições assecuratórias de que gozam os seus membros (os magistrados), quais sejam:
a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios (art. 95, I, II e III, CF/88).

3.1.2.1.1 Vitaliciedade
A primeira garantia consiste na vitaliciedade que, nos termos do art. 95, I, da CF/88,
assegura aos magistrados que a perda de seu cargo só ocorrerá por sentença judicial transitada
em julgado com todas as garantias inerentes ao processo jurisdicional.
Esta LENZA (2015, p. 847) ressalta que a regra possui algumas exceções, a saber:
a possibilidade de perda do cargo de Ministro do STF em caso de crime de responsabilidade
que será jugado pelo Senado Federal (art. 52, II, CF/88); e a possibilidade de perda do cargo
26

dos membros do CNJ que também serão julgados pelo Senado Federal por crime de
responsabilidade.
Além disso, é importante frisar que nem todos os magistrados possuem a garantia
da vitaliciedade, pois esta é adquirida instantaneamente apenas pelos membros dos tribunais,
enquanto que os membros que ingressarem como juízes substitutos, em primeiro grau de
jurisdição, adquirir-lhe-ão após 2 (dois) anos de efetivo exercício no cargo, superando o estágio
probatório (art. 93, I, CF/88).
Conforme destaca LENZA (2015, p. 847), enquanto que os servidores adquirem
estabilidade, podendo perder seu cargo por decisão judicial, mas também por processo
administrativo e mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, os membros
do Poder Judiciário (magistrados), após adquirir vitaliciedade, só a perdem, em regra, mediante
sentença judicial transitada em julgado, o que lhes confere maior liberdade de atuação para
cumprir sua função jurisdicional, pois não sofrem com ameaças políticas de exoneração, sendo
a perda do cargo uma possibilidade restrita.

3.1.2.1.2 Inamovibilidade
Outra grande garantia é a regra da inamovibilidade do juiz prevista no art. 95, II, da
CF/88 que assegura “a impossibilidade de remoção, sem seu consentimento, de um local para
outro, de uma comarca para outra, ou mesmo sede, cargo, tribunal, câmara, grau de jurisdição”
(LENZA, 2015, p. 848).
Novamente, alerta-se que essa regra possui exceção no art. 93, VIII, da CF/88 que
estabelece ser possível a remoção do magistrado, bem como sua colocação em disponibilidade
e aposentadoria compulsória, por interesse público, mediante decisão por voto da maioria
absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.
LENZA (2015, p. 849) afirma que não existe nenhuma exigência constitucional de
prazo para o magistrado adquirir a garantia da inamovibilidade, sendo esta obtida desde a posse,
não podendo o mesmo ser removido para fora da unidade judiciária que está formalmente
lotado, qualquer que seja sua qualificação, se como juiz substituto, juiz titular, desembargador
de tribunal ou Ministro de tribunal superior ou do STF.
Esta é outra clássica e importantíssima disposição assecuratória de que goza o
magistrado brasileiro, concedendo-lhe mais liberdade nos seus julgamentos, pois impede
perseguições aos juízes ou eventuais pressões de órgãos internos da própria judicatura caso
houvesse possibilidade de remoção indistinta e aleatória dos mesmos, o que poderia ser um
meio até para violar flagrantemente o princípio do juiz natural.
27

3.1.2.1.3 Irredutibilidade de Subsídios


A última das garantias de independência dos magistrados no ordenamento jurídico
brasileiro é a da irredutibilidade de subsídios prevista no art. 95, III, da CF/88. Conforma já dita
a nomenclatura, os subsídios recebidos pelos magistrados não poderão ser reduzidos,
assegurando-se o livre-exercícios das atribuições jurisdicionais.
Esta garantia visa proteger a remuneração dos juízes contra possíveis reduções
nominais arbitrárias por motivos políticos ou até mesmo escusos, permitindo maior
independência no desempenho de suas funções haja vista que os subsídios configuram um
assunto sensível de natureza alimentar e qualquer ameaça de redução poderia pressionar
determinado magistrado a decidir de uma maneira ou de outra, mesmo sendo contrária às suas
convicções jurídicas e legais em relação ao caso concreto.
De todo modo, LENZA (2015, p. 850) frisa que a irredutibilidade de subsídios não
é exclusiva dos magistrados, sendo assegurada a todos os ocupantes de cargos e empregos
públicos nos termos do art. 37, XV, da CF/88, bem como que essa garantia é nominal e não
real, logo o subsídio pode ser corroído naturalmente pelos efeitos da inflação.
O importante é notar que todas as garantias de independência acima expostas visam
conferir liberdade do magistrado contra os anseios políticos, sociais, culturais e econômicos
que naturalmente irão lhe pressionar no exercício de sua função jurisdicional. Apesar de dever
levar em consideração tais aspectos, os órgãos judiciários devem, mais do que isso, decidir
conforme o ordenamento jurídico de forma a fazer prevalecer o direito e seus princípios e
valores jurídicos para obter a pacificação com justiça, a favor ou contra quem quer que seja e
para isso necessita ter poder para não sofrer influências indevidas.

3.1.2.2 Imparcialidade dos Órgãos Judiciários


Após ter observado as garantias de independência dos órgãos judiciários, é
importante enumerar as garantias de imparcialidade dos mesmos, pois ao mesmo tempo em que
eles recebem o poder de julgar com liberdade em relação às possíveis pressões políticas, sociais,
econômicas e culturais, eles também recebem uma série de deveres inerentes ao exercício da
função jurisdicional, sendo o julgamento com imparcialidade um deles.
A imparcialidade é, inclusive, uma das características da jurisdição como se verá
adiante neste trabalho e espelha nitidamente um dos maiores do Estado Democrático de Direito
que é o da isonomia perante os jurisdicionados e é por este motivo que a Constituição Federal
de 1988 preceituou vedações para que os órgãos judiciários se abstenham de agir com interesse
28

no litígio, pois se assim procedessem tratariam as partes com desigualdade visando interesse
próprio na solução da lide.

3.1.2.2.1 Vedações
Dessarte, “aos magistrados foram impostas algumas vedações, delimitadas nos
incisos do parágrafo único do art. 95. Trata-se de rol taxativo, exaustivo, por restringir direitos”
(LENZA, 2015, p. 851). Todas as vedações retiram a possibilidade do magistrado se locupletar
de quaisquer valores ou benefícios ou de participar de atividades que lhe criem vínculo com
alguma ideologia de um grupo específico, justamente como forma de impedir o interesse
pessoal do magistrado no deslinde das causas que lhe são atribuídas para julgamento, conforme
se extrai a seguir:
Art. 95 (...)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de
magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos
três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Analisadas, portanto, as Garantias do Judiciário (institucionais e funcionais ou de


órgãos), já se observou que no que tange aos aspectos externos, o ordenamento jurídico
brasileiro atribuiu uma ampla liberdade de julgamento em relação às forças políticas,
justamente para fortalecer o Poder Judiciário e assegurar que seus membros tenham meios para
concretizar a função jurisdicional a favor ou contra quem quer que seja, concretizando os
princípios, valores e direitos fundamentais enraizados na Constituição Federal de 1988.
Resta analisar as características da jurisdição, especialmente o caráter criativo desta
para que se possa avaliar até que ponto a criatividade judicial é necessária e os limites de atuação
dos membros e dos órgãos judiciários, principalmente quando se verifica que a unidade do
direito é indispensável para garantir a isonomia e segurança jurídica.
29

4 PRECEDENTES JUDICIAIS

4.1 Generalidades
Primeiramente, para a compreensão do instituto jurídico dos precedentes judiciais,
é preciso identificar seu conceito e diferenciá-lo de vários outros termos muito comuns e
costumeiramente confundidos com ele, como, por exemplo, o conceito de súmula, decisão
judicial, ementa, jurisprudência etc.
Porém, é preciso mais do que esta diferenciação para ter uma correta e ampla
definição de precedentes. É o que afirma MARINONI (2016, p. 156) quando pondera que:
“o significado não é atingido apenas mediante a sua diferenciação dos conceitos de
decisão, súmula etc., mas também a partir da consideração dos seus conteúdos e,
especialmente, da porção que, em seu interior, identifica o que a Corte realmente
pensa acerca de dada questão jurídica”.

Posteriormente, é essencial saber utilizar o precedente com a convicção de que ao


mesmo tempo em que ele serve de orientação para os jurisdicionados e obriga juízes a observá-
lo, não imobiliza a evolução jurídica e as relações sociais e não ignora, portanto, a realidade
que se modifica de tempos em tempos.

4.1.1 Conceito
Segundo BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 455):
“Em sentido lato, o precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto,
cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de
casos análogos”.
“O precedente é composto pelas: a) circunstâncias de fato que embasam a
controvérsia; b) tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi)
do provimento decisório; c) argumentação jurídica em torno da questão”.

Logo, não basta ser uma decisão judicial, é preciso que ela contenha elemento
normativo hábil a fundamentar casos futuros e este é também o posicionamento de MARINONI
(2015, p. 156), quando aduz que só há “sentido falar de precedente quando se tem uma decisão
dotada de determinadas características, basicamente a potencialidade de se firmar como
paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados”.
Nesse mesmo sentido, MARINONI (2015, p. 157) defende que uma decisão
judicial pode não ter essa aptidão quando não trata de questão de direito ou não sustenta um
mesmo fundamento por maioria num colegiado, ou quando a decisão se limita a afirmar a letra
de lei sem haver uma interpretação adequada da norma legal, ou ainda quando se limita a
reafirmar precedente sem discorrer sobre os principais argumentos relacionados à questão de
direito do caso concreto.
30

É certo que “se todo precedente ressai de uma decisão, nem toda decisão constitui
precedente” (MARINONI, 2015, p. 156), sendo comum que um precedente seja firmado por
uma decisão, mas seus contornos sejam delineados após várias decisões que enfrentem outros
argumentos principais não enfrentados na primeira.
LOPES FILHO (2016, p. 275) também compartilha da mesma conceituação,
aduzindo que “precedente é uma decisão jurisdicional, mas não qualquer decisão, pois ela deve
trazer um acréscimo de sentido e exercer a função mediadora entre texto e realidade”. Para este
jurista, uma decisão só formará um precedente se houver algum acréscimo originado do círculo
hermenêutico realizado na análise do caso concreto. Por ser extremamente esclarecedor, é
essencial extrair o conceito completo de precedentes por ele proposto:
“Precedente, portanto, é uma resposta institucional a um caso (justamente por ser uma
decisão), dada por meio de uma applicatio, que tenha causado um ganho de sentido
para as prescrições jurídicas envolvidas (legais ou constitucionais), seja mediante a
obtenção de novos sentidos, seja pela escolha de um sentido específico em detrimento
de outros ou ainda avançando sobre questões não aprioristicamente tratadas em textos
legislativos ou constitucionais. Essa resposta é identificada em função não só dos
elementos de fato (abstratos ou concretos) e de direito (em suas mútuas influências)
considerados no julgamento e obtidos da análise da motivação apresentada, mas
também dos elementos amplos que atuaram no jogo de-e-para do círculo
hermenêutico e que integram as razões subjacentes do julgamento” (LOPES FILHO,
2016, p. 275).

Logo, é possível concluir que o precedente e decisão judicial, apesar de intimamente


ligados, não se confundem, pois aquele é uma forma qualificada desta. Em outras palavras, o
precedente, em sentido amplo, deve conter uma característica peculiar que não seja extraída
diretamente da lei ou da Constituição, mas também de uma atividade interpretativa do órgão
julgador, considerando os elementos de fato e de direito do caso concreto que o levaram a
decidir de determinada forma.
Em mais uma definição vale destacar a de MACÊDO (2017, p. 72) a seguir
transcrita:
“Pode-se falar, diante da distinção esposada, da existência de dois sentidos para
precedente: a) Precedente pode significar toda uma decisão, sem discriminar qualquer
parte dela, nesse primeiro uso quer significar algo próximo de ‘caso’, e abrange todo
o pronunciamento do juiz; [...] b) Precedente, em uma redução, pode também
significar a própria norma jurídica aplicável, advinda de outro caso, a ratio
decidendi”.

MACÊDO (2017, p. 73) diferencia então dois possíveis sentidos do termo


“precedente”, quais sejam: o próprio (continente ou formal), que identifica o precedente como
fonte do Direito; e o impróprio (ou substancial), que se obtém ao identificar a norma contida
no precedente que é a razão de decidir (ratio decidendi) usada no julgamento paradigma.
31

Portanto, observa-se que em todas as definições há aspectos em comum que podem


ser retirados, pois em todas se afirma que o precedente judicial, em sentido amplo, é uma
decisão judicial que foi produzida a partir de determinados aspectos fáticos e jurídicos que
originaram uma fundamentação hermenêutica capaz de orientar casos futuros e que naquele
caso específico originou uma norma individual.
Ou seja, o precedente, em sentido amplo, é composto pelos aspectos fáticos que
compõe o caso concreto no qual ele foi produzido; pela fundamentação jurídica diferenciada,
fruto da hermenêutica do órgão julgador, que solucionou o caso (ratio decidendi); e pela
argumentação jurídica em torno da controvérsia. BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p.
455) afirmam até que “na verdade, em sentido estrito, o precedente pode ser definido como
sendo a própria ratio decidendi”.
Mas antes de analisar com mais detalhes a composição dos precedentes, algumas
distinções devem ser explanadas para evitar uma confusão conceitual muito frequente

4.1.2 Distinções importantes


4.1.2.1 Precedente, Súmula e Jurisprudência
Segundo MACÊDO (2017, p. 84), em um sentido usual, mais estrito e técnico, a
jurisprudência seria o “corpo de decisões dos juízes e tribunais sobre questões jurídicas que lhes
foram apresentadas mediante casos concretos”.
De outro lado, para MACÊDO (2017, p. 84), o precedente prescinde de várias
decisões, trabalhando com a importância de uma única decisão que por si, respeitados os
requisitos, é suficiente para ter força normativa obrigatória e orientar decisões futuras.
Logo, enquanto que a força normativa da jurisprudência requer um grupo de
precedentes, apresentando maior ou menor importância dependendo da quantidade e da
repetição de julgados no mesmo sentido, não sendo relevante para a jurisprudência a decisão
em sua unidade, o instituto do precedente valoriza a qualidade do pronunciamento judicial e
não sua quantidade.
MACÊDO (2017, p. 84) conclui, portanto, que a forma de produção dos
precedentes é mais simples que a da jurisprudência, pois não exige o espaço temporal que a
última necessita para se consolidar e é possível até mesmo observar um “precedente contrário
à jurisprudência, superando ou limitando esta, ou simplesmente dissentindo” (MACÊDO, 2017,
p. 84).
32

BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 500) afirmam que no Brasil, o


sistema de precedentes tem um aspecto curioso que torna íntima relação entre precedente,
súmula, jurisprudência. Neste sentido:
“Um precedente, quando reiteradamente aplicado, se transforma em jurisprudência,
que, se predominar em tribunal, pode dar ensejo à edição de um enunciado na súmula
da jurisprudência deste tribunal.
Assim, a súmula é o enunciado normativo (texto) da ratio decidendi (norma geral) de
uma jurisprudência dominante, que é a reiteração de um precedente” (BRAGA;
DIDIER JR.; OLIVEIRA, 2016, p. 500) .

Além do precedente e da jurisprudência, tem-se a súmula, portanto, também


distinta, que é um enunciado produzido pelos tribunais para identificar a ratio decidendi (razão
de decidir) que está sendo reiteradamente aplicada pela jurisprudência. LOPES FILHO (2016,
p. 128) faz bem essa distinção quando afirma que:
“Precedente não equivale à súmula ou à jurisprudência, e os três não devem ser
utilizados/aplicados da mesma forma. Pode-se adiantar que precedente é um
julgamento que passa a ser referência em julgamentos posteriores. Jurisprudência é
um conjunto de decisões sobre o mesmo assunto. E súmula constitui um ato
administrativo de tribunal pelo qual exprime o resumo do entendimento contido em
uma jurisprudência dominante. Eis a primeira distinção importante: precedente e
jurisprudência são fruto de atividade jurisdicional, enquanto súmula decore de uma
atividade administrativa”.

LOPES FILHO (2016, p. 130) critica que no sistema jurídico brasileiro, a aplicação
da súmula, do precedente e da jurisprudência é feita de modo silogístico, isto é, ambos são
usados como premissa maior de um silogismo1, o que pra ele é inconcebível, pois o precedente
é uma única decisão então sua análise deve ser mais profunda para aferir a similitude
hermenêutica e fática, enquanto que a jurisprudência que é uma reiteração de várias decisões
no mesmo sentido pode ser utilizada sem uma similaridade mais estreita, e por fim a súmula
sendo apenas ilustrativa da jurisprudência só pode ser usada nos precisos termos da
jurisprudência que está espelhando.
Sobre os enunciados de súmula, MARINONI (2015, p. 158) tece severas críticas ao
afirmar que eles não asseguram as mesmas garantias que os precedentes por surgirem de um
procedimento administrativo dos tribunais sem assegurar a participação das partes que deram
origem à formação da tese jurídica, não conferindo, portanto a mesma legitimidade que um

1 Silogismo é um raciocínio dedutivo estruturado formalmente a partir de duas proposições (premissas), das quais
se obtém por inferência uma terceira (conclusão). Dizia-se que a decisão judicial representava um silogismo, pois
a partir da premissa maior (legislação) e da premissa menor (caso concreto), o órgão judiciário proferia uma
conclusão (sentença ou acórdão), porém este raciocínio ignora os aspectos construtivos e democráticos do processo
judicial.
33

precedente. É possível até mesmo defender que “as súmulas simplesmente neutralizam as
circunstâncias do caso ou dos casos que levaram à sua edição” (MARINONI, 2015, p. 159).
Mesmo com o art. 926, §2º do CPC/2015 que estipula, in verbis, que: “ao editar
enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que
motivaram sua criação”, na cultura jurídica brasileira “isso, porém, costuma ser ignorado.
Rigorosamente, falta técnica e vontade” (BRAGA; DIDIER JR.; OLIVEIRA, 2016, p. 503).
Denotando no mesmo sentido essa característica distintiva entre os precedentes e
as súmulas, estas como neutralizadoras das circunstâncias fáticas, MACÊDO (2017, p. 87)
leciona que:
“os precedentes, além disso, são operados através do método abdutivo e de analogias,
onde é inconcebível a dissociação da tese jurídica dos fatos da causa, ambos elementos
imprescindíveis para operar corretamente com precedentes judiciais. Por sua vez, a
súmula da jurisprudência dos tribunais é emitida em forma de verbetes gerais e
abstratos, que são aplicados de forma semelhante ao texto legal, em uma espécie de
eliminação da facticidade, pois assim que é editada se dissocia dos fatos da causa e
passa a ter pretensão de abstração e generalidade” (MACÊDO, 2017, p. 87).
4.1.2.2 Precedente e Ementa
Outra confusão que precisa ser sanada é a diferença entre precedente e ementa que
é “um dos equívocos mais comuns na atuação dos juízes, advogados e demais profissionais
jurídicos brasileiros [...]” (MACÊDO, 2017, p. 85).
Segundo MACÊDO (2017, p. 85), a ementa constitui um elemento obrigatório dos
acórdãos previsto no art. 943, §1º do CPC/2015 que resume o entendimento do tribunal em
determinado caso para divulgação e documentação do mesmo, enquanto que o precedente,
como fonte de direito, reflete todo o texto da decisão. Alerta ainda que “igualmente, não se
pode confundir ementa, que é apenas um dos elementos que integra o texto da decisão, com a
norma que é construída a partir do precedente” (MACÊDO, 2017, p. 85, grifos do autor).
Argumenta ainda MACÊDO (2017, p. 85-86) que usar a ementa como precedente
é um erro pragmático e não conceitual, pois se reconhece a diferença entre ambas, mas pela
facilidade de argumentação, muitas vezes na prática se utiliza o texto da ementa como regra
geral invencível contra qualquer argumento, o que na verdade é prejudicial ao próprio sistema
de precedentes, pois agindo assim está-se generalizando e abstratizando uma decisão passada
concreta, podendo desvirtuar os próprios fatos que originaram o precedente. Dessa forma, “para
a operação analógica com a ratio decidendi a ementa não é suficiente, e sua utilização
inadequada enseja a eliminação da própria razão de ser dos precedentes: garantir mais
segurança jurídica por sua proximidade com os fatos concretos” (MACÊDO, 2017, p. 86).
Portanto, é possível usar a ementa como mais um dos argumentos ao proferir a
decisão, mas é sempre necessário destacar a realidade fática da decisão que originou a ementa
34

para a correta aplicação da ratio decidendi. Afinal, usar a ementa como precedente para
fundamentar uma decisão é tão temerário quanto um estudante usar uma frase de um livro sem
tê-lo lido por completo, pois perde-se o contexto em que a ementa ou a frase foram inseridos e,
exterminando o conceito hermenêutico e não contribuindo para a evolução do Direito.

4.1.2.3 Precedente e Coisa Julgada


Conforme visto no início deste capítulo, o juiz ao proferir uma decisão judicial
elabora duas normas distintas, sendo uma na parte dispositiva que é a norma individual que
configura coisa julgada e a outra na fundamentação jurídica que forma o precedente judicial em
sentido estrito (ratio decidendi).
MACÊDO (2017, p. 88) destaca como semelhanças entre os dois institutos o fato
de ambos limitarem as partes e obrigarem os julgadores subsequentes. Todavia, enquanto que
a coisa julgada se destina a tornar indiscutível, isto é, a sedimentar determinada relação jurídica
concreta, o precedente judicial formado soluciona questões relacionadas ao plano jurídico,
determinando como se deve interpretar determinada norma e delimitando a hipótese fática
abstrata que servirá de paradigma para casos futuros.
Além disso, “enquanto a coisa julgada é pertinente às partes, o precedente está afeto
a todos os jurisdicionados (MACÊDO, 2017, p. 89). Outra distinção segundo MACÊDO (2017,
p. 88-89), a coisa julgada também tanto os juízes de mesma hierarquia como os de hierarquia
superior, enquanto que o precedente apenas vincula os de hierarquia inferior”.
Esta última distinção não é unânime, pois há posições doutrinárias que admitem a
utilização dos precedentes até mesmo em face de tribunais de hierarquia superior. Nesta linha
de raciocínio:
“Essa resposta2 comporá a tradição institucional do Judiciário merecendo
consideração no futuro, inclusive por tribunais superiores, pois mesmo os escalões
mais elevados não podem ignorar os outros elos do sistema em rede que formam. Sua
utilidade na ordem jurídica é, adicionalmente, funcional, pois elide o desenvolvimento
de outras decisões a partir de um grau zero, evitando subjetivismos, economizando
tempo e garantindo uma igualdade de tratamento entre casos substancialmente iguais”
(LOPES FILHO, 2016, p. 275).

De todo modo, é importante ter em mente que há outras distinções entre coisa
julgada e precedentes, mas a principal delas é que, apesar de ambos institutos garantirem
segurança jurídica, o primeiro visa proteger o sujeito quanto ao caso concreto decidido,
enquanto que o último visa a proteção dos jurisdicionados em geral, orientando os tribunais e

2 Para o autor, precedente é uma resposta institucional a um caso com algumas peculiaridades como já foi visto
anteriormente. Por isso, o termo “resposta” neste caso se refere a “precedente”.
35

juízes a seguirem determinado posicionamento, assegurando maior racionalidade e coerência


ao ordenamento jurídico, o que lhe confere estabilidade e previsibilidade que há muito foram
perdidas e escondidas pelos dogmas falhos herdados da tradição jurídica civil law.

4.1.3 Ratio decidendi


Feitas estas considerações iniciais e desfazendo problemas conceituais importantes,
parte-se neste trabalho a um dos assuntos mais importantes no estudo dos precedentes judiciais
que é justamente a sua composição, especialmente a ratio decidendi (razão de decidir) que é o
próprio precedente em sentido estrito.
MARINONI (2016, p. 161) ressalta que o estudo dos precedentes é
importantíssimo, tanto para os juízes, a quem incumbe dar coerência e unidade ao direito,
quanto para os jurisdicionados que se pautarão neles e terão segurança jurídica para desenvolver
suas vidas e atividades rotineiras.
Conhecer os precedentes é tão importante quanto conhecer a legislação (em sentido
amplo), pois não basta saber seus direitos materiais estipulados de forma geral nos dispositivos
normativos e não compreender como os tribunais estão decidindo nas mais variadas situações
que uma pessoa passa no dia-a-dia. É essencial conhecê-los até mesmo para exercer o controle
popular.
Todavia, a tarefa não é simples. Os três elementos essenciais da sentença previstos
no art. 489, I, II e III do CPC/2015 (relatório, fundamentação e dispositivo) são de observância
obrigatória para compreender o verdadeiro significado e extensão de um precedente. Isso já foi
várias vezes frisado neste trabalho, principalmente quando se fez a distinção entre ementa e
precedente.
Poder-se-ia pensar que a parte mais importante para vislumbrar o precedente seria
o dispositivo. Porém, o significado do precedente em sua excelência encontra-se na
fundamentação. A razão de decidir, que é a essência do precedente, se encontra nela e constitui
a “tese jurídica ou a interpretação da norma consagrada na decisão” (MARINONI, 2016, p.
161).
Noutro giro, também é preciso frisar que não se observa uma total identidade entre
a ratio decidendi e a fundamentação, pois nesta também são encontradas várias outras teses
jurídicas que merecem atenção inferior ou que sequer foram necessárias para a solução jurídica
do caso, sendo por vezes argumentos meramente secundários cuja resolução retira um
empecilho ou orienta as partes, mas não resolve a problemática.
36

Conforme já explicitado diversas vezes nesse trabalho, BRAGA; DIDIER JR. e


OLIVEIRA (2016, p. 457) destacam que “a decisão judicial é o ato jurídico de onde se extrai a
solução do caso concreto, encontrável no dispositivo, e o precedente, comumente retirado da
fundamentação”. Logo, há uma norma individual e uma norma geral que são o conteúdo
mínimo de toda decisão.
Esta norma geral é justamente a ratio decidendi, orientadora de casos futuros,
sendo, pois, a parte vinculante do julgado, enquanto há fundamentos outros que não orientaram
a conclusão do julgado e, portanto, não vinculam, chamados de obter dictum (dicta no plural).
Tanto é que BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 457) descrevem a ratio decidendi
como “a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida
como foi”.
Ou seja, é possível observar em uma decisão judicial dois núcleos na
fundamentação: a “ratio decidendi é o núcleo vinculante, a parte relevante do julgamento, o
qual será aplicado no futuro; já obter dicta são comentários colaterais que não obrigam os casos
futuros” (LOPES FILHO, 2016, p. 166).
De acordo com MARINONI (2016, p. 162), interpretar um precedente é, pois,
identificar a ratio da decisão, diferenciando a ratio e dictum, pois só assim o juiz poderá saber
se pode utilizar a ratio decidendi do precedente por analogia em um caso sob análise ou se
deverá usar técnica do distinguishing para refutar o precedente alegando que ele é diferente,
distinto do caso em apreço.
Não há um consenso mesmo no common law que há muito já debateu sobre o tema,
acerca de uma definição de ratio decidendi ou de métodos para sua identificação, porém há
métodos que, pela sua notoriedade, sempre são citados como tentativas para guiar essa
identificação, quais sejam: o método de Wambaugh e o método de Goodhart.
Consoante lecionam BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 462), o teste de
Wambaugh desenvolvido por Eugene Wambaugh no final do século XIX pauta-se em uma
técnica de inversão pela qual determinado enunciado só seria considerado ratio decidendi
quando, invertido ou excluído, ocasionar uma mudança na conclusão do julgamento. O
raciocínio é simples: se a razão de decidir é tudo aquilo que contribui diretamente para o
resultado final da decisão (norma concreta do julgamento), a inversão ou exclusão do seu
conteúdo alteraria também a conclusão do julgado, caso contrário não se estará diante de ratio
decidendi, mas, sim, de obter dictum.
MARINONI (2016, p. 163) e BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 462)
relatam, entretanto, que a doutrina contemporânea critica o referido método por sua falibilidade
37

e insuficiência. Ambos citam que um dos grandes problemas no teste de Wambaugh fica nítido
quando a Corte pode decidir com base em dois fundamentos que, separadamente, podem levar
à conclusão do julgado pela mesma solução.
Isto é, mesmo excluindo ou invertendo um dos fundamentos, o outro seria suficiente
para conduzir o julgamento à mesma solução, não permitindo definir se o primeiro invertido ou
excluído era, de fato, ratio decidendi e, portanto, núcleo essencial do julgado ou simples obiter
dictum. “Na verdade, nessa situação o teste de Wambaugh faria com que as proposições sempre
fossem obter dicta, já que nenhum dos fundamentos seria necessário para a decisão”
(MARINONI, 2016, p. 163).
Segundo BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 462), “surge, então, o
método de Goodhart, que dá grande ênfase e atenção aos fatos subjacentes à causa”. Por este
método, explica MARINONI (2016, p. 163-164) que a ratio decidendi se verifica através da
identificação dos fatos tratados como fundamentais (ou materiais) no precedente e por meio da
análise da decisão que neles se baseou.
Se em casos futuros, os fatos considerados materiais no precedente não forem
observados ou, ainda, se foram verificados outros fatos materiais além dos identificados no
precedente, a conclusão do novo julgamento deve ser distinta.
Entretanto, MARINONI (2016, p. 164) pondera que muitas vezes os fatos
configurados como imateriais pelo órgão julgador do precedente não estão expressos, o que
dificulta sua identificação para aplicar este método. Além disso, fatos similares, mas não
idênticos, podem ser enquadrados em uma mesma categoria, exigindo a mesma solução
concreta sob pena de violação do princípio da igualdade, logo a identificação dos fatos materiais
nem sempre deixarão claro se a presente demanda se encaixa ou se distingue do precedente.
Por fim, há ainda o método de Rupert Cross que é eclético em relação aos anteriores
(Wambaugh e Goodhart), pois valoriza os fatos e os fundamentos, propondo a ideia de que “a
ratio decidendi deve ser buscada a partir da identificação dos fatos relevantes em que se assenta
a causa e dos motivos jurídicos determinantes e que conduzem à conclusão” (BRAGA; DIDIER
JR.; OLIVEIRA, 2016, p. 463).

4.1.4 Obiter dictum


Como dito, ao lado da importante ratio decidendi (núcleo vinculante da decisão), é
possível extrair também outros fundamentos que, a priori, não foram essenciais para o deslinde
da causa e, destarte, configuram o núcleo não vinculante da decisão. Estes são chamados de
obiter dicta (dictum no singular).
38

Esses argumentos, conforme explica MARINONI (2016, p. 169) são vislumbrados


quando a Corte se pronuncia a respeito de questões que ela não está realmente decidindo ou não
foi provocada a decidir, mas também quando a Corte decide questões que, embora não
necessitem ser apreciadas para se chegar à decisão, têm íntima relação com o caso sub judice.
No mesmo sentido:
“O exemplo mais visível de utilização de um dictum é quando o tribunal de forma
gratuita sugere como resolveria uma questão conexa ou relacionada com a questão
dos autos, mas que no momento não está resolvendo” (BRAGA; DIDIER JR.;
OLIVEIRA, 2016, p. 458).

De acordo com MARINONI (2016, p. 171), essas últimas questões ligadas ao caso
são denominadas pela doutrina por vezes de “judicial dictum” ou de “gratis dictum”, pois,
quando solucionadas, possuem forte efeito persuasivo e, apesar de não serem consideradas ratio
decidendi, também não merecem se situar ao lado de outras obiter dicta que são totalmente
irrelevantes para o caso.
Tanto é que BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 459) destacam que a
obiter dictum, apesar de não servir como precedente, não pode ser desprezada, pois pode,
inclusive, sinalizar uma futura orientação do tribunal, podendo em hard cases ser alçada até
mesmo a ratio decidendi.
E complementam: “o obiter dictum pode ser erigido à condição de ratio, bem como
a ratio pode ser “rebaixada” à condição de obiter dictum” (BRAGA; DIDIER JR.; OLIVEIRA,
2016, p. 459).
Um exemplo de eficácia prática da obiter dictum se projeta quando o fato de uma
decisão colegiada ser não unânime for relevante para a interposição de recursos, como,
inclusive, prevê o art. 942, CPC/2015, haja vista que, o voto vencido, a despeito de não ser ratio
decidendi, influencia diretamente o futuro do processo.

4.1.5 Distinguishing (distinção)


Após essa breve análise sobre a ratio decidendi (elemento vinculante do
precedente) e o obiter dictum (elemento não vinculante), destacando as nuances de cada uma
dessas partes que compõem o precedente judicial, faz-se necessário compreender o instituto do
distinguish (ou distinguishing) que é justamente a “distinção entre os casos para o efeito de se
subordinar, ou não, o caso sob julgamento ao precedente” (MARINONI, 2016, p. 230).
Nos dizeres de BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 504):
“fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso
concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os
39

fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese
jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação
entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do
precedente”.

Portanto, distinguishing é justamente uma técnica que diz respeito à aplicação do


precedente pelo órgão judiciário, pois após a análise acurada da ratio decidendi do precedente
e do confronto com o caso concreto em julgamento é que será possível se posicionar em favor
de uma de duas alternativas, isto é, ou o magistrado aplicará o precedente ao caso concreto,
podendo até mesmo agregar valor a ele ou esclarecer aspectos obscuros do mesmo, ou ele
aplicará o distinguish para afirmar que os casos não são análogos e que o precedente não deve
ser aplicado. É importante, entretanto, destacar que a expressão “distinguish” possui duas
acepções:
“(i) para designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma
(distinguish-método) – como previsto no art. 489, §1º, V, e 927, §1º, CPC; (ii) e para
designar o resultado desse confronto, nos casos em que se conclui haver entre eles
alguma diferença (distinguish-resultado), a chamada ‘distinção’, na forma que
consagrada no art. 489, §1º, VI, e 927, §1º, CPC” (BRAGA; DIDIER JR.; OLIVEIRA,
2016, p. 504)

Na visão de MARINONI (2016, p. 230), é preciso muita cautela ao juiz durante a


aplicação do distinguishing, pois aplicação deste método requer critérios bem seguros e claros.
Afirma o autor, inclusive, que na cultura do common law, facilmente se percebe quando um
juiz utiliza esta técnica como forma de distinguir casos com base em fatos materialmente
irrelevantes.
Como já mencionado em tópicos anteriores, pelo método de Goodhart diferencia
na decisão os fatos materiais dos imateriais, sendo materiais aqueles que o órgão judiciário
menciona em sua decisão e lhes assimila na solução do caso concreto, sendo implicitamente
imateriais aqueles que ele não relata expressamente. Caso haja algum fato expresso, mas que
não foi feita nenhuma assimilação com o deslinde da causa, não se pode constatar nem que ele
é material e nem considera-lo implicitamente imaterial e nesses casos somente a correlação com
a conclusão do julgado poderá oferecer uma resposta.
Esta lembrança cabe neste momento, pois o juiz no momento da aplicação do
distinguishing-método não pode simplesmente apontar fatos diferentes entre o caso em análise
e o paradigma e, de plano, aplicar a distinção. É preciso mais. “Cabe-lhe argumentar para
demonstrar que a distinção é material, e que, portanto, há justificativa para não se aplicar o
precedente” (MARINONI, 2016, p. 231).
40

Utilizando-se corretamente o método do distinguishing e observando a distinção do


caso concreto não conduz necessariamente à ideia de que o precedente está equivocado ou deve
ser superado ou revogado. Porém, a sua inaplicabilidade por diversas vezes, de forma até
mesmo rotineira pode fazer o precedente perder “naturalmente a sua autoridade e credibilidade
quando se torna very distinguished” (MARINONI, 2016, p. 231).
Segundo MARINONI (2016, p. 232), o distinguishing pode ampliar ou limitar os
precedentes antes firmados. No que tange à ampliação, é possível que a Corte ao analisar um
caso concreto verifique que além dos aspectos fáticos que ensejaram determinado precedente
paradigma, há ainda um novo fato material no caso concreto, além dos anteriores, indispensável
para que se chegue à mesma solução do precedente. O que não é possível é que o caso concreto
seja totalmente diverso, pois assim não estaria aplicando o precedente, mas sim distinguindo
seus aspectos fáticos, sendo necessário no mínimo que o caso sobre julgamento apresente os
fatos anteriormente traçados como necessários à obediência do precedente.
No que se refere à limitação, MARINONI (2016, p. 233) pondera que há situações
em que as razões de ambas as decisões (precedente e caso sob julgamento) são compatíveis,
mas que na nova decisão há fato novo não tratado no precedente e entendimento posterior,
capaz de justificar a não aplicação do precedente.
Em resumo, no primeiro caso amplia-se o precedente, pois se incrementa mais um
fato novo como necessário para que se configure o resultado concreto do dispositivo do
precedente, enquanto que no segundo caso, limita-se o precedente em virtude de aspecto fático
novo, adicionado aos anteriores, conduzir a um resultado diferente, o que justifica a aplicação
das razões do mesmo, mas não do seu resultado. É importante frisar que tanto na limitação
quanto na extensão do precedente, o que não pode ocorrer é a distanciação da sua ratio
decidendi. No mesmo sentido:
“Assim, fala-se em distinção ampliativa quando a decisão na qual se realiza a distinção
(distinguishing) acaba por tornar mais extensa a hipótese fática da ratio decidendi,
conforme sua enunciação institucional anterior. Nesse caso, a norma do precedente
vem a abarcar fatos que, a partir da leitura do precedente originário, não seria possível
se dizer abrangidos. [...]
O raciocínio é similar para as distinções restritivas. Nestas, o precedente originário
prevê uma específica categorização dos fatos bastante abrangente, institucionalizando
uma norma aparentemente bastante ampla. A contribuição da decisão seguinte, na
qual é realizada a distinção restritiva, é para especificar a hipótese fática, eliminando
fatos que estavam institucionalmente previstos na enunciação do precedente
originário” (MACÊDO, 2017, p. 271)

Argumenta MARINONI (2016, p. 235) que esta possibilidade de ampliação ou


limitação de um precedente para se adequar a novos casos e reger novas decisões jurídicas com
casos similares é importantíssima, pois coloca o método do distinguishing como instrumento
41

de flexibilidade dos precedentes, ao mesmo tempo, que assegura a sua observância, militando
para a estabilidade e também para o desenvolvimento do direito.
MACÊDO (2017, p. 263) relembra que na Inglaterra entre 1898 e 1966, a
declaração da House of Lords que estabeleceu os precedentes obrigatórios proibia até mesmo
que o próprio tribunal revogasse um precedente editado, o qual só poderia ser feito pelo
Parlamento. Neste momento histórico, ressalta o autor que as distinções (distinguishing)
serviram como a única forma de relativizar a indevida rigidez do Direito, ainda que precária,
demonstrando, pois, sua importância para este instituto.
MARINONI (2016, p. 235) levanta outro aspecto fundamental sobre o
distinguishing quando afirma que esta técnica é sempre utilizada em duas perspectivas, a saber,
na das partes e na do Poder Judiciário.
Pela primeira, o autor afirma que se um precedente sempre beneficia uma
determinada posição jurídica, a restrição da sua aplicabilidade sempre é favorável a uma parte
e prejudicial à outra, o que tem por consequência o fato de que no processo são defendidos
vários argumentos contrários e a favor da adoção do precedente, dependendo de que lado você
está na relação jurídica processual (aspecto prático).
Na segunda perspectiva, o Poder Judiciário se vê em uma posição que ao mesmo
tempo que deve garantir os valores de segurança, igualdade e coerência da ordem jurídica,
também deve ser guardião das razões substanciais do precedente, não permitindo que ele se
desvirtue. Aliás, a limitação ou extensão dos precedentes sempre são resultados da
flexibilidade, isto é, da acomodação da ratio decidendi que só permite essa maleabilidade se a
ampliação ou os limites forem logicamente com ela compatíveis.
Essa flexibilidade com o tempo acaba consolidando o precedente originário
(leading case), definindo os contornos, confirmando o conteúdo da ratio decidendi que ele
abriga. “Pode-se dizer, nesses casos, que a norma do precedente não repousa sobre uma decisão
específica, mas em uma série de decisões que se sedimentam para formá-la” (MACÊDO, 2017,
p. 271).
Entretanto, MARINONI (2016, p. 235) adverte que os valores de segurança,
igualdade e coerência da ordem jurídica em algumas circunstâncias prevalecem em face das
razões do precedente. Segundo o referido autor:
“no common law, admite-se que, para se evitar a revogação do precedente, é possível
realizar uma distinção inconsistente (the drawing of inconsistente distinctions), ou
seja, uma distinção incompatível com as razões do precedente. Embora a razão
imediata da distinção inconsistente seja a não revogação (total) do precedente, a sua
justificativa está nos valores da estabilidade” (MARINONI, 2016, p. 235).
42

Apesar desta definição de “distinção inconsistente” e argumentos a favor dela no


sentido de ser uma decisão provisória para tutelar a confiança justificada, MACÊDO (2017, p.
274) critica duramente sua aplicação, pois para ele as distinções inconsistentes, a pretexto de
assegurarem uma estabilidade provisória, acabam deteriorando paulatinamente a força de um
precedente, sendo largamente prejudiciais ao stare decisis (respeito obrigatório aos
precedentes) e paradoxalmente violando a segurança jurídica, pois para ele uma exceção à
aplicação da ratio decidendi do precedente, aplicando-o apenas parcialmente cria
arbitrariamente uma exceção sem justificativa plausível que a fundamente, rompendo com o
sistema racionalmente estruturado.
MARINONI (2016, p. 236) cita outras técnicas particulares de aplicação dos
precedentes que se situam entre o distinguishing e o overruling (revogação do precedente),
quais sejam: a técnica da sinalização, a transformation (transformação) e a overriding.
Pela técnica de sinalização, MARINONI (2016, p. 237) afirma que o tribunal sabe
que o conteúdo do precedente está equivocado, não mais subsistindo, mas, devido à segurança
jurídica, deixa de revogá-lo, preferindo notificar sua perda de consistência e sinalizar para sua
futura revogação.
Todavia, a segurança jurídica não pode sempre prevalecer ao overruling, não
bastando a mera existência do precedente e a eventual e pouco provável criação de expectativa
aos jurisdicionados, sendo necessário de algo mais sólido. Há um termômetro para se extrair o
grau de confiança em um precedente, pois a previsibilidade do jurisdicionado está
“incondicionalmente ligada ao estado da doutrina e da jurisprudência, ou melhor, à influência
da academia e dos tribunais sobre o precedente” (MARINONI, 2016, p. 238).
Cabe ao juiz no caso concreto verificar quando o overruling é mais adequado que
a técnica da sinalização. É possível defender, segundo MARINONI (2016, p. 243) que esta
técnica muitas vezes é mais adequada, pois aciona um alerta de que o precedente apresenta ratio
decidendi inconsistente e que logo será revogado, podendo no futuro ocorrer o overruling com
efeitos retroativos à data da sinalização ou outra posterior que o juiz identificar como suficiente
pelo contexto social para que os advogados e os jurisdicionados já soubessem da perda de
autoridade do precedente e não mais depositassem confiança nele.
Inclusive, vale acrescentar a reflexão de PEIXOTO (2016, p. 199) acerca das
vantagens da sinalização prévia quando afirma que o aviso serviria para iniciar ou intensificar
o próprio diálogo institucional, permitindo que os órgãos judiciários discutissem sobre a
superação ou não, podendo implicar na manutenção do precedente, o que, em tese, seria mais
saudável ao sistema jurídico, tutelando a confiança e a estabilidade.
43

PEIXOTO (2016, p. 203), colaborando para a evolução desta técnica, critica a mera
sinalização e argumenta que no julgado sinalizador seria mais adequadamente tutelada a
confiança e a segurança jurídica caso fossem indicadas determinadas condições fáticas que,
ocorrendo, culminariam na superação do precedente.
Adiante, a próxima técnica é a transformation (transformação), que é uma prática
judicial altamente prejudicial ao sistema de precedentes. Ela ocorre “quando um tribunal supera
completamente um precedente, mas não anuncia que o fez” (MACÊDO, 2017, p. 275). Isto é,
trata-se de uma transformação camuflada da ratio decidendi do precedente usado como base,
na qual o órgão julgador geralmente acrescenta à ratio decidendi pontos de direito que não
foram considerados fundamentais ou materiais no precedente originário, contornando suas
implicações reais com a finalidade de chegar à mesma conclusão do precedente apesar de não
seguir sua ratio.
MARINONI (2016, p. 244) destaca que a diferença entre a transformation e o
overruling é mais formal do que material. Formal, pois enquanto no overruling a Corte
expressamente revoga o precedente e fundamenta, na transformation a Corte implicitamente
revoga, mas não anuncia a revogação, criando a falsa concepção de que o precedente foi
corretamente aplicado e que foi preservado. Material porque no overruling o resultado proferido
na decisão é incompatível com o resultado do precedente revogado, enquanto que na
transformation há pelo menos a intenção artificial de compatibilizar o resultado do precedente
com o caso concreto em que essa prática foi aplicada.
Todavia, é crucial ponderar que tanto MARINONI (2016, p. 245), quanto
MACÊDO (2017, p. 277) criticam essa prática da transformação e salientam que o overruling
é muito mais benéfico para o sistema jurídico baseado no stare decisis, pois permite aos
jurisdicionados planejarem suas vidas de acordo com a norma agora extinta, sendo a claridade
do overruling mais coerente para o desenvolvimento dos precedentes do que a obscura e opaca
transformation.
Por fim, tem-se a técnica utilizada nos Estados Unidos chamada de overriding.
Como considerações iniciais em relação ao overriding é importante distingui-la das demais
técnicas observadas. É o que se extrai com maestria do seguinte excerto:
“Essa igualmente não se confunde com overruling. Também nada tem a ver com a
sinalização e com a transformation. Basicamente pela razão de que, mediante o seu
uso, não se revoga o precedente (overruling), não se anuncia a sua iminente revogação
(sinalização) nem se faz a reconstrução do precedente, isto é, não se consideram como
fatos relevantes ou materiais aqueles que, no precedente, foram considerados de
passagem, atribuindo-se-lhe, diante disso, nova configuração (transformation)”
(MARINONI, 2016, p. 245-246).
44

Feita esta primeira observação, é preciso estabelecer um conceito para a referida


técnica. Pontifica MARINONI (2016, p. 246) que o overriding não é uma revogação do
precedente nem mesmo parcial, embora o resultado, isto é, a conclusão do julgado a que se
chega não seja compatível com a totalidade do precedente e nisso se assemelha ao overruling.
A partir deste critério, a Corte deixa de aplicar tão somente o resultado do
precedente, mas permanece vinculada e obedecendo às suas razões, pois o que mudou foi a
situação social e o “entendimento no plano dos tribunais ou da academia, capaz de não permitir
que caso substancialmente idêntico seja tratado da mesma forma” (MARINONI, 2016, p. 246).
Segundo MARINONI (2016, p. 246), é possível considerar que o overriding se
aproxima mais de uma distinção consistente, pois apesar de não se aplicar o resultado do
precedente em análise ao caso concreto, o julgamento permanece atrelado às velhas razões de
decidir daquele, motivo pelo qual não há razão para revogação do precedente já que sua ratio
decidendi permanece aplicável para caso substancialmente idêntico, alterando-se apenas o
resultado devido à situação social nova e ao entendimento novo dos tribunais.
Esclarecendo mais ainda o conceito deste importante instituto, BRAGA; DIDIER
JR. e OLIVEIRA (2016, p. 521) afirmam que o overriding não substitui a norma do precedente
(ratio decidendi), pois não tem por objeto a exata questão de direito tratada no precedente ao
contrário do overruling, porém um novo posicionamento restringe sua incidência.
O overriding apesar de semelhante ao distinguishing, com ele não se confunde, pois
“ao passo que no distinguishing uma questão de fato impede a incidência da norma, no
overriding é uma questão de direito (no caso, um novo posicionamento) que restringe o suporte
fático” (BRAGA; DIDIER JR.; OLIVEIRA, 2016, p. 521).

4.1.6 Overruling (superação)


BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 507) consideram o overruling como
uma técnica de superação dos precedentes ao lado do overriding, mas que não se confunde com
este. Overruling, pois, “é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante
e é substituído (overruled) por outro precedente” (BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA, 2016,
p. 507).
MARINONI (2016, p. 251) pondera que o instituto do overruling é fundamental
em um sistema de precedentes, pois ele é quem ao lado do distinguish permite o
desenvolvimento do Direito, mas ao mesmo tempo adverte que ele não pode ser usado
indiscriminadamente de forma arbitrária, mas sim devidamente fundamentada.
45

EISENBERG (1998, p. 104 e ss., apud MARINONI, 2016, p. 251) afirma que “um
precedente está em condições de ser revogado quando deixa de corresponder aos padrões de
congruência social e consistência sistêmica e, ao mesmo tempo, os valores que sustentam a
estabilidade [...] não justificam a sua preservação”.
Os padrões de congruência social, na visão de MARINONI (2016, p. 252) deixam
de ser obedecidos quando o precedente passa a negar aspectos morais, políticos e de
experiência. Os dois primeiros necessitam ser analisados com base na generalidade da
comunidade, devendo ter ancoragem social.
O último (experiência) geralmente possui caráter técnico e não precisa ter
fundamento social, devendo ser utilizado quando se observa a tendência doutrinária ou
pareceres de especialistas em sentido contrário ao precedente de forma contundente com
fundamentação adequada.
Ao lado da congruência social, MARINONI (2016, p. 252) aduz que o precedente
não mais possui consistência sistêmica quando ele não guarda mais coerência com outras
decisões, o que geralmente ocorre quando a Corte se conduz com base em distinções
inconsistentes, nas quais não se obedece às razões de decidir do precedente, mas se chega ao
mesmo resultado dele, fundando-se em proposições sociais incongruentes.
Sendo assim, a crescente distinção inconsistente das Cortes indica que o precedente
não merece tanta credibilidade e não está tão estável quanto em outras épocas passadas,
devendo se ter em mente que a possibilidade de revogação do mesmo em razão da
incongruência social é latente, bem como que as decisões de vários tribunais podem diferir,
haja vista que as exceções aos precedentes serão realizadas de modo mais frequente, causando
inconsistência sistêmica ao precedente.
Todavia, vale pontuar que “a construção de Eisenberg apenas tem funcionalidade
nos casos em que a superação é paulatina, não sendo útil nas hipóteses em que há uma quebra
repentina do entendimento” (PEIXOTO, 2016, p. 177).
Dito isto, vale mencionar as espécies de overruling bem delineadas por BRAGA;
DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 508) que afirmam que a substituição do precedente pode
ocorrer de forma expressa (express overruling), quando o tribunal adota a nova orientação e
determina a revogação da anterior; ou tácita, ou implícita (implied overruling), quando a nova
orientação do tribunal simplesmente regula o caso em confronto com posição anterior, mas sem
mencionar tal substituição, o que geralmente ocorre paulatinamente.
No ordenamento jurídico brasileiro, o CPC/2015 veda o implied overruling haja
vista que, com razão, o art. 927, §4º, CPC/2015 exige fundamentação adequada e específica
46

para que o tribunal proceda à superação de orientação jurisprudencial. Isto se deve em razão
dos motivos que determinaram a implantação do CPC/2015 que é a garantia de maior segurança
jurídica e coerência (art. 926, CPC/2015), reduzindo a jurisprudência brasileira lotérica.
BRAGA; DIDIER JR. e OLIVEIRA (2016, p. 509) citam algumas técnicas de
superação dos precedentes no sistema jurídico brasileiro como a previsão do art. 103-A, §2º da
CF/88, da lei nº 11.417/2006 e do Regimento Interno do STF que permitem a revisão ou
cancelamento de súmulas vinculantes, mas principalmente o art. 927, §§2º a 4º, CPC/2015 que
faze “a previsão da técnica de superação, por excelência, que deve ser aplicável à alteração de
qualquer precedente, jurisprudência (dominante) e enunciado de súmula” (BRAGA; DIDIER
JR.; OLIVEIRA, 2016, p. 509).
O conteúdo do art. 927, §§2º a 4º merece ser citado por ser bem elucidativo e
demonstrar casos em que a força obrigatória dos precedentes judiciais é realçada de modo a
permitir a sua alteração apenas com a fundamentação adequada e mediante longa discussão,
jamais podendo ser arbitrária ou ser tratada como rotineira:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
[...]
§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento
de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos
repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da
segurança jurídica.
§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese
adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

BRAGA; DIDIER JR.; OLIVEIRA (2016, p. 509) ao comentar o art. 927, §2º, do
CPC/2015 realça que qualquer precedente com força vinculante merece audiência pública
prévia e a participação de sujeitos que possam contribuir para a rediscussão da tese, como as
próprias partes, amici curiae em geral, Ministério Público e tribunais.
Acrescentam ainda que há instrumentos processuais outros que o jurisdicionado
pode usar para controlar decisão judicial com base em precedente firmado, exemplificando o
agravo interno previsto no art. 1.021 do CPC/2015 que pode controlar decisão do art. 932, V,
do CPC/2015, in verbis:
Art. 932. Incumbe ao relator:
[...]
V - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio
tribunal;
47

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de


Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência;

Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o
respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do
regimento interno do tribunal.

Logo, o que se quer demonstrar é que a superação dos precedentes (overruling) é


possível dentro do ordenamento jurídico brasileiro, mas deve obedecer a critérios rigorosos.
Nesse sentido, é possível sistematizar os seguintes requisitos materiais, em termos gerais, para
a superação do precedente que, por ser bastante didático, extrai-se na íntegra:
“[...] primeira série de requisitos alternativos: a) quando ambas as possibilidades
puderem ser extraídas do texto normativo, impõe-se que o julgador demonstre que o
precedente não mais corresponde aos padrões de congruência social e de consistência
sistêmica; b) quando houve efetivo erro da decisão originária, deve o julgador
demonstrá-lo. Segunda série de requisitos alternativos, que devem ser somados com
os anteriores: a) se for caso de superação paulatina, argumentar que as normas
jurídicas que sustentam a estabilidade, tais como a isonomia e a segurança jurídica
mais fundamentam a sua superação do que sua preservação; b) na superação repentina,
deverá ponderar a necessidade de mudança com as razões de segurança e isonomia,
utilizando-se eventualmente da superação prospectiva” (PEIXOTO, 2016, P. 182).

PEIXOTO (2016, p. 183) faz interessante complemento ao afirmar que o dever de


fundamentação adequada exigido no art. 927, §4º c/c art. 489, §1º, IV e VI, do CPC/2015 obriga
que a Corte que tenha competência para a superação enfrente os requisitos materiais citados,
bem como dialogue e argumente contra todos os argumentos da parte que invocar a manutenção
do precedente, tornando esta tarefa extremamente complexa e racional, o que garantirá mais
estabilidade, coerência e segurança jurídica para o sistema.
É indispensável salientar, por fim, que a exigência de vários requisitos para a
superação é necessária para resguardar a obrigatoriedade do precedente, porém se houver
alteração de texto normativo pelo Poder Legislativo, tais exigências são dispensadas. É o que
afirma PEIXOTO (2016, p. 184) e BRAGA; DIDIER JR.; OLIVEIRA (2016, p. 512) ao citarem
o enunciado nº 324 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), in verbis:
“Lei nova, incompatível com o precedente judicial, é fato que acarreta a não aplicação
do precedente por qualquer juiz ou tribunal, ressalvado o reconhecimento de sua
inconstitucionalidade, a realização de interpretação conforme ou a pronúncia de
nulidade sem redução de texto”

Entretanto, no caso de haver novo entendimento jurisprudencial e não legislativo,


“a superação dos precedentes obrigatórios só é permitida para o próprio tribunal que prolatou a
decisão ou para outro que esteja em posição hierárquica superior” (MACÊDO, 2017, p. 289) e
é neste ponto que surge a problemática do presente trabalho.
48

Isto é, mesmo se presentes todos os requisitos de superação já citados, um órgão


judiciário de primeira instância ou de hierarquia inferior ao que fixou o precedente não poderá
revogá-lo devendo apresentar a distinção fática entre a ratio decidendi do precedente e o caso
concreto ou segui-lo na íntegra.
No ordenamento jurídico brasileiro, muitos juízes tem resistência em aceitar a
decisão dos tribunais superiores, alegando que estes por vezes são arbitrários em sua decisão e,
portanto, são contra a implantação de um sistema de precedentes, pois suas razões mesmo na
primeira instância poderiam ser superiores às fixadas pelos tribunais superiores.
Este é um dos argumentos contrário aos precedentes. Para se ter uma visão mais
abrangente da discussão é preciso então listar os argumentos a favor e contrário da
implementação deste instituto jurídico no Brasil, definindo os desafios a serem enfrentados em
nosso sistema jurídico e, posteriormente, retomaremos ao tema da liberdade de julgar dos
magistrados e tribunais inferiores que devem obedecer aos precedentes, ressaltando, porém, os
meios (alguns deles já expostos) que eles possuem para promover a evolução do Direito em
face de um precedente desatualizado.

4.2 Argumentos a favor da adoção de um sistema de precedentes judiciais obrigatórios


MARINONI (2016) cita várias razões para seguir os precedentes judiciais. São elas:
segurança jurídica; igualdade; coerência da ordem jurídica; controle do poder do juiz como
garantia de imparcialidade; possibilidade de orientação jurídica; definição de expectativas;
desestímulo à litigância; favorecimento de acordos; despersonalização das demandas com
maior facilidade de aceitação da decisão; racionalização do duplo grau de jurisdição;
contribuição à duração razoável do processo; economia de despesas; e, por fim, maior eficiência
do poder judiciário.
Sendo assim, resta-nos tecer alguns comentários sobre os motivos que impulsionam
e justificam a necessidade de acolher esse sistema de respeito aos precedentes obrigatórios.
Tanto se falou no trabalho sobre a segurança jurídica que os precedentes trarão para
o sistema jurídico brasileiro, mas pouco se abordou sobre este conceito em si e aqui se encontra
a oportunidade para concretizar tal argumento. Em termos sucintos, a segurança jurídica possui
dois aspectos:
“o primeiro aspecto demonstra que se trata de garantia em relação ao comportamento
daqueles que podem contestar o direito e têm o dever de aplica-lo; o segundo quer
dizer que ela é indispensável para que o cidadão possa definir o modo de ser das suas
atividades” (MARINONI, 2016, p. 96).
49

Segundo MARINONI (2016, p. 97) existem, pois, dois elementos indissociáveis


para caracterização da segurança jurídica, quais sejam: a previsibilidade e a univocidade em
relação à qualificação das situações jurídicas.
Para alcançar a previsibilidade é preciso antes satisfazer duas condições que dizem
respeito à possibilidade de compreensão de uma determinada ação em termos jurídicos, de um
lado, e à confiabilidade naqueles que detém o poder para afirmá-la, de outro.
Porém, não adianta conhecer as normas que qualificam determinada ação e
assegurar a uniformidade da interpretação se as decisões que lhe aplicarem não forem
previsíveis para o jurisdicionado.
MARINONI (2016, p. 98-99) assevera que o civil law tradicional, baseado nos
dogmas da Revolução Francesa de que os Códigos e leis seriam claros o suficiente e que caberia
somente ao juiz aplicar, é extremamente falho para garantir segurança jurídica. Tanto que o
próprio common law baseado no direito costumeiro e que contemporaneamente aplica os
precedentes obrigatórios é nitidamente visto como mais previsível que o civil law.
O autor cita um simples exemplo de que o advogado no common law orienta seu
cliente com base na autoridade dos precedentes, podendo confirmar que sua tese será acatada
na maioria das vezes, enquanto que o advogado do civil law terá que explicar para seu cliente
quais os alcances da lei como norma geral e que conforme o juiz sorteado ele poderá obter
resultado interpretativo favorável ou não.
Como consequência, no civil law, observa-se um sistema “que estimula a
propositura de ações, o aumento da litigiosidade, o acúmulo de trabalho e o aprofundamento do
Poder Judiciário” (MARINONI, 2016, p. 99). Isso porque o direito legislado não relaciona a
previsibilidade e confiança aos órgãos judiciários que são os responsáveis por definir o que é o
direito.
MARINONI (2016, p. 99) destaca que o que garante a previsibilidade, portanto, são
as decisões judiciais que devem interpretar a norma abstrata não de forma a eliminar as demais
interpretações, até porque elas são necessárias para a evolução do sistema e é natural que se
interprete de forma distinta, mas sim de modo que minimize as divergências interpretativas das
normas visando a proteção da previsibilidade do jurisdicionado.
De outro lado, na dimensão objetiva da segurança jurídica, MARINONI (2016,
101) afirma ser necessário assegurar também a estabilidade e para que isso ocorra é preciso de
um mínimo de continuidade, caso contrário o próprio Estado de Direito pode se tornar Estado
provisório, pois nenhuma relação jurídica vai galgar confiança legítima no tempo.
50

Afinal uma decisão judicial ou o próprio direito legislado são atos de poder do
Estado que ensejam responsabilidade e emanam, a priori, credibilidade. A própria teoria do
direito defende que cada integrante do povo retirou parcela de sua soberania e entregou ao
Estado como terceiro de todas as relações jurídicas para que ele regulasse e garantisse
estabilidade nas relações sociais. Inúmeros dispositivos jurídicos resguardam a estabilidade
como fator crucial para a paz social.
Entretanto, “não há como ter estabilidade quando os juízes e tribunais não se veem
como integrantes do sistema, mas se enxergam como entes dotados de autonomia para decidir
o que bem quiserem” (MARINONI, 2016, p. 102). Por isso, esta discrepância das decisões
precisa ser assegurada pelos precedentes para garantir segurança jurídica.
A isonomia também é um argumento, isto é, uma consequência marcante do sistema
de precedentes, pois como visto, em hipóteses fáticas semelhantes em que se verifique possível
aplicar a mesma ratio decidendi do precedente originário ou mesmo ampliá-lo ou limitá-lo, se
for o caso, a decisão judicial concretiza o princípio da isonomia entre os jurisdicionados, pois
dá a casos semelhantes, resultados e argumentos iguais, pois não houve distinção nos seus
aspectos materiais fundamentais.
O tratamento isonômico ficou cada vez mais complexo de ser atribuído em razão
das cláusulas abertas, dos conceitos jurídicos indeterminados e dos direitos fundamentais e
valores constitucionais, motivo pela qual a unidade do Direito não pode ser assegurada a priori,
mas tão somente a posteriori no momento da decisão judicial, tendo os precedentes importante
função para uniformizar a interpretação judicial, atrelando hipóteses fáticas a consequentes de
forma mais delineada.
O terceiro argumento materializado na coerência da ordem jurídica que os
precedentes trarão é bem observável quando se vislumbra um sistema estruturado sobre
tribunais e recursos. MARINONI (2016, p. 124-125) defende que sem o sistema de precedentes,
os tribunais assim como os juízes de primeiro grau de jurisdição são livres para decidir como
queiram.
Todavia, ao contrário do que se imagina (e que será mais aprofundado no capítulo
seguinte entre liberdade do magistrado e o impacto dos precedentes), este sistema combinado
com a possibilidade de recursos extensa para os tribunais, permite que na realidade os
jurisdicionados sempre esperem uma decisão final somente do tribunal e nunca do magistrado,
pois sempre será cabível recorrer.
Isto é, se os tribunais não possuem jurisprudência uniformizada e nem devem
respeito aos seus precedentes e nem aos de tribunais superiores, como o STJ e STF (na
51

jurisdição comum do Brasil), então a Sentença proferida no primeiro grau sempre poderá ser
reformada em grau superior de jurisdição, havendo até mesmo alta probabilidade para que isso
ocorra, estimulando o litígio, o que torna um sistema assim totalmente incoerente com a sua
própria organização e finalidade.
Por outro lado, inserindo os precedentes judiciais obrigatórios como forma de
estabilizar o entendimento dos tribunais e vinculá-los, o próprio magistrado de primeiro grau
de jurisdição ao decidir conforme em um precedente poderá expor seus fundamentos jurídicos
terá mais força para exaurir uma ação, pois a parte ao observar o precedente invocado e as
razões nele fundadas não dispenderá mais tempo e recursos financeiros para levá-la a Corte de
Apelação e ter fatalmente seu caso novamente decidido de forma desfavorável.
Ademais, o respeito à hierarquia mais do que fortalecer o juízo de primeiro grau de
jurisdição, confere ao Poder Judiciário como instituição mais credibilidade, coerência e
unidade.
O quarto argumento exposto por MARINONI (2016, p. 128) se refere ao controle
do poder do juiz e à garantia de imparcialidade. Segundo autor, por muito tempo se defendeu a
ideia de que a fundamentação era suficiente para garantir a imparcialidade e o controle da
decisão, porém permitir que o juiz fundamente a decisão afirmando que a sua interpretação para
aquele caso é uma específica, enquanto que outro colega ou ele mesmo em decisão passada já
decidiu contrariamente é o mesmo que tornar a regra da fundamentação um mero ornamento
formal para blindar o controle.
O juiz ao ser obrigado apenas a fundamentar, mas não estando ligado ao passado
pelos precedentes, pode impor sua parcialidade livremente, justificando suas posições
arbitrárias com aparência de legalidade. Logo, um sistema de precedentes que lhe vincule aos
tribunais superiores e às decisões passadas seria muito mais importante para assegurar que a
decisão não será parcial para um caso em particular, pois não serão admitidas exceções sem
distinguishing (distinções).
Os demais argumentos afirmados por MARINONI (2016), de certo modo, são
facilmente extraíveis dos primeiras aqui já apontados, pois o quinto arumento referente à
possibilidade de orientação jurídica com mais segurança espelha justamente a possibilidade de
um advogado poder, assim como no common law, orientar melhor sobre a probabilidade de
vitória do seu cliente em uma demanda judicial, pois os precedentes asseguram a previsibilidade
e confiança necessárias para tanto.
A sexta ligada à definição de expectativas que um jurisdicionado pode ter em suas
ações é nitidamente explanada, pois os precedentes conferem estabilidade para as relações de
52

modo que o jurisdicionado possa projetar suas atitudes e negócios futuros com base no
posicionamento dos tribunais e não mais de leis meramente abstratas e de interpretação
temerária.
O sétimo argumento já foi ressalvado quando se falou da coerência da ordem
jurídica, pois quando se tem um sistema de precedentes obrigatórios, o juiz de primeiro grau
adquire maior respeito do jurisdicionado já que as Cortes possuem um entendimento fixado em
um precedente de observância obrigatória e desse modo, sabendo que o juízo a quo julgará
conforme o entendimento dos tribunais não há motivo para litigar ou recorrer arbitrariamente
contando com a “sorte judicial” nos dizeres de MARINONI (2016, p. 134).
O oitavo argumento apresentado é o de que os precedentes estimularão os acordos.
Realmente, MARINONI (2016, p. 134-135) conclui que se um precedente sempre estará de
acordo com uma das partes e em contraste com a outra, ambas poderão negociar de forma
objetiva a par das vantagens e desvantagens já previsíveis.
A parte que estiver com o entendimento do precedente em seu favor obterá
vantagem sobre a outra tanto na negociação quanto no litígio, mas para evitar a demora e as
custas do processo, ela poderá compor um acordo, desestimulando a litigância e obtendo uma
oferta condizente já que o sistema emana previsibilidade do provimento jurisdicional.
O nono argumento salienta que a observância obrigatória dos precedentes trará mais
racionalidade ao sistema e com isso ocorrerá a despersonalização das demandas e maior
facilidade de aceitação da decisão. Segundo MARINONI (2016, p. 135), a decisão judicial
racional provoca no jurisdicionado a sensação de que realmente o vencedor da demanda era
quem tinha razão, contribuindo para que o vencido se conforme e não se revolte contra o
pronunciamento judicial, podendo até cumpri-la na fase de execução de forma voluntária.
Porém, “quando casos iguais são decididos de forma diferente, a decisão é
relacionada com o juiz que a pronunciou ou com as partes do processo em que foi proferida”
(MARINONI, 2016, p. 136). Destarte, a decisão se personaliza e dificulta a credibilidade do
Poder Judiciário, o que demonstra ainda mais a necessidade urgente dos precedentes como
garantia de estabilidade e segurança no ordenamento jurídico brasileiro.
O décimo posicionamento a favor dos precedentes infere que ele trará
racionalização do duplo grau de jurisdição, pois sem o stare decisis um litigante que possua
razão em virtude de orientação da Corte Suprema pode sofrer decisão contrária por Corte de
hierarquia inferior, tendo que despender tempo e recursos para levar sua demanda até o último
grau de jurisdição e obter resultado que desde o início se sabia favorável.
53

MARINONI (2016, p. 136) adiciona que isso é ainda mais grave quando o
provimento, contrário ao litigante que está de acordo com precedente da Corte Suprema, é
provisório, exigindo cumprimento imediato.
Os últimos três argumentos estão intimamente ligados, a saber: contribuição à
duração razoável do processo, economia de despesas e eficiência do Poder Judiciário. De
acordo com MARINONI (2016, p. 137-139), o respeito aos precedentes reduz o volume de
processos, pois desestimula a litigância, e permite que a solução final, baseada, por exemplo,
em precedente firmado pela Corte Suprema, seja, desde o primeiro grau de jurisdição, afirmada
pelo magistrado, economizando tempo com a tramitação processual e com as custas do processo
que se encerrará mais frequentemente sem interposição de recursos.
Afinal, “o custo e a lentidão do processo sempre foram obstáculos ao acesso à
justiça. Nem todos podem enfrentar as suas despesas e suportar a sua demora” (MARINONI,
2016, p. 139). Desse modo, a adoção de um sistema que deve respeito aos precedentes judiciais
garante que o Poder Judiciário seja visto como mais eficiente, resgatando a credibilidade deste
poder institucional que há muito é visto com receio pela sociedade, principalmente por aqueles
com menor condição financeira e que precisam ainda mais de reparação imediata dos danos.

4.3 Argumentos contrários à adoção de um sistema de precedentes judiciais obrigatórios


MARINONI (2016) igualmente elenca um rol de posicionamentos contrários ao
instituto dos precedentes obrigatórios que possuem como argumento a alegação de que adoção
do precedente culminaria em: obstáculo ao desenvolvimento do direito e ao surgimento de
decisões adequadas às novas realidades sociais; óbice à realização da isonomia substancial;
violação do princípio da separação dos poderes; e em violação da independência dos juízes.
Sobre o mesmo rol com nomenclatura distinta e complemento em alguns pontos,
MACÊDO (2017) também estipula alguns aspectos contrários à construção de um sistema
brasileiro de precedentes, a saber: a inflexibilidade; a complexidade; a ofensa ao convencimento
motivado e à independência do juiz; a redução da qualidade das decisões judiciais, configurando
decisões sub-optimais; e a tripartição de poderes.
Vejamos cada um deles sucintamente.
O primeiro argumento citado por MARINONI (2016, p. 139) afirma que atribuir
força obrigatória aos precedentes será um obstáculo ao desenvolvimento do direito e ao
surgimento de decisões adequadas às novas realidades sociais. Ele espelha a tão repetida
alegação de que os precedentes obrigatórios levam ao “engessamento” do Direito.
54

Entretanto, de plano, identifica-se que este fundamento “parte da premissa de que


o precedente, uma vez fixado, não pode ser alterado” (MARINONI, 2016 p. 139). É certo que
a House of Lord durante um largo período (1886-1966) não admitiu a revogação dos
precedentes conforme aduz MARINONI (2016, p. 139), mas após tal lapso temporal, ela
entendeu que as mudanças sociais e os novos valores podem sim ser fundamento para a
revogação fundamentada e excepcional, caso as razões de decidir do precedente e sua aplicação
não coadunem com situação fática atual.
Ressalta o ilustre autor que a Suprema Corte americana sempre admitiu e defendeu
esta possibilidade de superação do precedente em razão das circunstâncias fáticas novas, mas
adverte que:
“É claro que os precedentes não podem ser revogados apenas porque a corte não gosta
dos seus fundamentos ou entende que outros seriam mais apropriados, ou mesmo
supõe que tais fundamentos não são adequados ou válidos. Para a revogação de um
precedente, a evolução da doutrina deve ter chegado a um estágio em que o
fundamento que o ancorava não seja mais sustentável nos tribunais” (MARINONI,
2016, p. 142).

Logo, é possível mediante certos critérios e observando as mudanças sociais e,


inclusive, tecnológicas, que um precedente seja superado para dar origem a outro condizente
com a realidade, motivo pelo qual respeitar os precedentes garante estabilidade, coerência e
certeza às decisões judiciais, mas não eterniza o direito que pode sempre ter seu “horizonte
redefinido” (MARINONI, 2016, p. 142).
MACÊDO (2017, p. 174) denomina esse mesmo argumento contrário de
“inflexibilidade”, mas chega à mesma conclusão de MARINONI (2016, p. 142) sobre a
mutabilidade dos precedentes e não engessamento, afirmando que “muito ao contrário do que
enuncia a crítica, o stare decisis é caracterizado pela sua essencial flexibilidade [...]”
(MACÊDO, 2017, p. 176).
Mas é interessante mencioná-lo, pois MACÊDO (2017, p. 175) possui uma via
argumentativa diferente. Ele critica severamente o processo legislativo em nível internacional,
afirmando que muito da criatividade judicial se deve à inércia do Poder Legislativo em cumprir
sua função legiferante e à rigidez do processo legislativo. E usa esse confronto entre o Poder
Judiciário e Legislativo para afastar a ideia da inflexibilidade dos precedentes, demonstrando
que estes são muito mais elásticos e, até mesmo, mais racionais na adaptação do Direito que as
leis e que “nenhuma legislação pode reagir tão rápido quanto os tribunais” (MACÊDO, 2017,
p. 175).
55

O segundo argumento contrário aos precedentes é o de que eles serão um óbice à


realização da isonomia substancial, pois a força obrigatória “poderia ser vista, ademais, como
fator equalizador de situações desiguais” (MARINONI, 2016, p. 142).
Entretanto, este fundamento é fatalmente descabido e de nítida observação por tudo
que já foi exposto neste trabalho, pois os precedentes não se aplicam a casos que são
substancialmente diferentes, possuindo particularidades que repelem o mesmo tratamento
usado pela ratio decidendi do precedente firmado.
Quando um caso possui aspectos fáticos não idôneos a provocar a aplicação da
mesma tese jurídica firmada no precedente, é possível aplicar o distinguishing, conforme já foi
explanado anteriormente e, desse modo, “ao aplicar precedente, incumbe ao juiz jamais se
esquecer de sua importância substancial” (MARINONI, 2016, p. 144).
A isonomia substancial só não é atingida caso o precedente seja mal aplicado, da
mesma forma que uma lei mal aplicada implica em injustiça e em desigualdade de tratamento
a casos idênticos, similares ou substancialmente iguais.
O segundo argumento contrário apresentado por MACÊDO (2017, p. 176) consiste
na objeção à adoção da teoria dos precedentes em virtude da complexidade de um sistema
baseado em decisões judiciais, pois milhares de casos seriam fonte do direito, trazendo caos
jurídico na identificação da fonte válida o que acabaria com a segurança jurídica.
Entretanto, MACÊDO (2017, p. 176) rebate esta ideia, alegando que o sistema
jurídico baseado puramente na legislação é igualmente complexo, com vários dispositivos
normativos no Brasil das esferas federal, estadual e municipal. Logo, o sistema baseado nos
precedentes apesar de ser realmente de alta complexidade, não supera ao sistema de leis.
Inclusive, complementa MACÊDO (2017, p. 177) que a internet vem ajudando
muito a desfazer um pouco desta complexidade, facilitando o acesso ao inteiro teor de decisões
e a busca por argumentos. Ademais, a doutrina continuará sendo respeitada e observada no
Brasil como fonte secundária, mas de grande importância para identificar os precedentes mais
importantes, bem como as críticas a ele pertinentes, permitindo assim uma reconstrução
constante e aprimoramento do Direito.
Ao mesmo tempo em que se aumenta a complexidade devido à adição de um
instituto jurídico de grandes repercussões, o respeito aos precedentes incorre também em
“diminuição, porque torna o sistema jurídico mais racional” (MACÊDO, 2017, p. 177).
O terceiro argumento de MARINONI (2016, p. 144) se identifica com o quinto de
MACÊDO (2017, p. 187), pois ambos citam a alegação de que o efeito vinculante dos
precedentes acarreta em violação da separação dos poderes.
56

MARINONI (2016, p. 148), na solução do impasse, salienta que os precedentes não


têm força obrigatória geral, típica das normas de caráter legislativo, e podem ser revogados em
razão da alteração dos fatos, valores, normas e da evolução das doutrinas. Desse modo, “os
precedentes não têm força legislativa porque, além de poderem ser revogados pelas Cortes,
apenas têm eficácia obrigatória sobre os próprios membros do Judiciário” (MARINONI, 2016,
P. 148).
Por fim, o autor faz interessante menção à convergência entre as tarefas dos juízes
das tradições civil law e common law que há muito debateu-se no primeiro capítulo deste
trabalho, asseverando que se o juiz deve efetivar os direitos fundamentais, podendo até mesmo
controlar a constitucionalidade das leis e criá-la para cumprir com sua função constitucional de
prestar a jurisdição a todos, não é crível considerar o respeito obrigatório aos precedentes
formados pela interpretação das leis e da Constituição como uma violação à separação dos
poderes.
MACÊDO (2017, p. 188-189) aponta que o argumento de violação da tripartição
de poderes possui dois erros, a saber: o primeiro se refere à natureza da atividade jurisdicional,
que, modernamente, não pode mais ser entendida como uma função mecânica de aplicação dos
textos de lei ao caso concreto como pregava a própria tripartição de poderes; e o segundo diz
respeito à concepção de stare decisis.
Sobre o segundo, MACÊDO (2017, p. 189) aponta um importantíssimo detalhe para
desafazer o discurso contrário, alegando que a atividade jurisdicional é essencialmente criativa,
mesmo porque o juiz é chamado para decidir casos concretos, havendo ou não legislação que
os regulem, e o stare decisis visa justamente impor “limites à criatividade do juiz, por meio da
atribuição de ônus argumentativo para criação, modificação ou extinção de normas
jurisprudenciais” (MACÊDO, 2017, p. 189-190).
Dessa forma, criticar o stare decisis não é o caminho correto para se resguardar a
independência entre os poderes, pois os precedentes são aliados nesse combate e não inimigos.
O verdadeiro alvo dos que levantam a bandeira da tripartição de poderes deve ser, isto sim, a
liberdade e criatividade inerente à atividade judicial, pois esta é que não pode ser arbitrária e
ilimitada a ponto de gerar o agigantamento do Judiciário e provocar decisões conflitantes em
casos similares ou idênticos.
O quarto e último argumento de MARINONI (2016, p. 148) corresponde ao terceiro
argumento de MACÊDO (2017, p. 178). Este posicionamento contrário versa sobre a essência
do presente trabalho que é justamente o suposto conflito entre precedentes e a liberdade do
magistrado. “Sustenta-se, em outros termos, que o juiz apenas é independente quando tem poder
57

para decidir de forma diferente das Cortes Supremas, ainda que, com isso o Judiciário termine
por dar tratamento desigual a casos iguais” (MARINONI, 2016, p. 149).
A referida tese começa por um equívoco ao considerar os juízes em sua
singularidade como se cada um pudesse decidir da maneira que achar mais adequada com base
nas regras previstas no ordenamento jurídico. Isto é, o Poder Judiciário, antes de tudo deve ser
analisado como uma instituição e nesta visão coletiva de Poder harmônico e independente em
relação aos demais, ele deve assegurar pelo tratamento isonômico, coerente e racional dos
jurisdicionados, sendo “um paradoxo admitir que pessoas iguais, com casos iguais, possam
obter decisões diferentes do Judiciário” (MARINONI, 2016, p. 149).
Consoante defende MARINONI (2016, p. 149), se a jurisdição é una, um órgão
hierarquicamente inferior do Poder Judiciário jamais pode se utilizar de sua competência para
decidir um caso de forma contrastante com Corte Suprema que já se posicionou sobre a questão
jurídica debatida na demanda em análise.
Isto seria o mesmo que permitir que uma pessoa pudesse ter diversos entendimentos
e decisões sobre o mesmo caso, com base na mesma lei, o que seria irracional e
incompreensível. A unidade do Poder Judiciário deve ser vislumbrada de uma perspectiva
superior à liberdade individual do magistrado, afinal o produto da decisão tem como única
finalidade servir o jurisdicionado que deve ser tratado isonomicamente.
O juiz não possui, por si, liberdade de escolher os critérios para sua decisão caso já
haja precedente cuja hipótese fática corresponda em seus aspectos materiais ao caso em
apreciação, simplesmente porque não há justificativa para se comportar desta maneira, afinal
se lhe é dado uma infinidade de possibilidades e de argumentos para definir o caso, melhor será
escolher aquela que se coadune com o entendimento firmado no precedente.
Mesmo o juiz discordando do precedente de tribunal hierarquicamente superior, ele
não poderá revogá-lo, pois não é de sua competência, mas isso não justifica que ele possa
decidir em contrário, pois de qualquer modo a decisão ao ser impugnada por recurso será
cabalmente reformada pelo Tribunal que fixou o precedente. Então, o juiz neste caso, por tentar
impor seu posicionamento jurídico particular, terá quebrado a coerência do sistema e obrigado
a parte vencida a recorrer só para obter decisão que já lhe era favorável pelo precedente firmado
desde o início, corroborando para o acúmulo de trabalho do Judiciário, demora na prestação
jurisdicional e descredibilidade da instituição como um todo.
MACÊDO (2017, p. 179-180), no mesmo sentido, afirma que o juiz deve decidir
com base no ordenamento jurídico que prega, inclusive, a igualdade como um dos direitos
fundamentais de todos, motivo pelo qual antes de se enxergar com base em subjetivismos, o
58

magistrado deve decidir de forma objetiva como órgão judiciário que interpreta e aplica o
ordenamento jurídico, aí incluídos os precedentes firmados pelo Poder Judiciário de que ele faz
parte como uma das peças de distribuição de justiça. “O stare decisis, portanto, não fere a
independência do juiz, assim como a obrigação do magistrado de decidir conforme a lei ou
Constituição também não fere” (MACÊDO, 2017, p. 180).
Este tema por sua pertinência para o trabalho será retomado no capítulo posterior
com mais aprofundamentos sobre a relação direta dos precedentes com os juízes e tribunais de
todos os graus de jurisdição.
O quarto argumento contrário à força obrigatória dos precedentes, suscitado agora
somente por MACÊDO (2017, p. 182), infere que em razão de determinado órgão judiciário
precisar decidir com a consciência de que seu provimento judicial terá eficácia em processos
futuros semelhantes, e não só para o que está em apreço, o juiz terá que reduzir a qualidade da
decisão para o caso presente, pois se não agir dessa forma ele poderá se tornar um precedente
inadequado para a categoria de fatos à qual ele será aplicado.
Todavia, MACÊDO (2017, p. 183) rebate afirmando que não há motivo para a
redução da qualidade a priori devido à preocupação com a eficácia prospectiva do precedente
que será firmado, pois há meios de garantir qualidade máxima e não sub-optimais às decisões
futuras. Logo:
“Vislumbrando caso em que a solução consagrada no precedente obrigatório não se
afigura adequada ou justa, faz-se indispensável identificar a razão disto: se for por
alguma condição específica do caso subsequente, faz-se uma distinção
(distinguishing); caso isso se dê por mudança contextual, propõe-se ou realiza-se a
superação do precedente (overruling)” (MACÊDO, 2017, p. 184).

Sendo assim, apresentado o panorama histórico no primeiro capítulo, as garantias


do Poder Judiciário e amplitude da criatividade judicial no segundo capítulo, bem como o
conceito, as características e técnicas atinentes aos precedentes no terceiro capítulo, resta
realizar um confronto entre os dados aqui expostos para desenvolver melhor de que modo o
sistema de precedentes judiciais obrigatórios influencia nas decisões dos juízes e dos tribunais
em qualquer grau de jurisdição, destacando seus limites e os meios que os órgãos inferiores
podem manifestar seu posicionamento, especialmente os de primeiro grau de jurisdição.
59

5 CONFLITO APARENTE ENTRE O SISTEMA DE PRECEDENTES


OBRIGATÓRIOS E A LIBERDADE DE JULGAR DO MAGISTRADO

5.1 As técnicas de flexibilização dos precedentes como garantias da evolução


jurisprudencial e harmonização com a independência e criatividade do magistrado
Como já foi amplamente trabalhado no decorrer desta obra, os precedentes judiciais se
formam a partir de uma decisão judicial, na qual o órgão julgador expôs os aspectos fáticos
materiais do caso concreto e lhes atrelou à determinadas razões de decidir (norma geral que
regulou o precedente) que culminaram no provimento judicial (criação de norma individual do
caso concreto).
O órgão judiciário de mesma hierarquia ou inferior que, posteriormente, apreciar
determinada demanda deverá, pois, estar vinculado à ratio decidendi do precedente fixado, se
constatar que os aspectos fáticos relevantes (fundamentais ou materiais) do precedente também
se encontram presentes na causa que está sob análise.
Entretanto, como se realçou, se no caso presente houver correspondência fática,
mas for acrescentada alguma particularidade, é possível que o juiz amplie ou restrinja o âmbito
de incidência do precedente, podendo abranger casos não mencionados no precedente
originário ou limitar os casos devido ao elemento diferenciador que não impõe o mesmo
resultado.
Esta técnica deve ser usada com cautela sob pena de se configurar uma superação
incompetente do precedente. Nesta ampliação ou restrição, “é imprescindível a verificação da
compatibilidade entre as razões invocadas para a construção do primeiro julgado estão presentes
no segundo, do contrário, impõe-se o desenvolvimento de solução diversa” (PEIXOTO, 2016,
p. 191).
Entretanto, há posicionamento contrário ao stare decisis afirmando que ele é
incompatível com a liberdade do magistrado, pois não permite uma solução livre do caso
concreto pelo juiz, especialmente o de primeiro grau de jurisdição que será obrigado a repetir o
precedente. “Órgãos de classe da magistratura não só reconhecem a relutância de os juízes
serem obrigados a seguir entendimentos dos tribunais superiores, como a apoiam, levantando a
bandeira da independência funcional” (MARINHO, 2015, p. 87).
Segundo MARINHO (2015, p. 88) a independência funcional do juiz seria uma
prerrogativa pela qual ele teria amplo poder para interpretar a lei e aplica-la conforme suas
convicções para melhor solucionar o caso, limitando-se apenas pela lei, independentemente da
60

solução de outros magistrados da estrutura do Judiciário, o que seria essencial para sua
imparcialidade e para livrar de pressões corporativas ou institucionais que pudessem lhe atingir.
Pelos defensores desta tese, o ordenamento jurídico brasileiro já garante o duplo
grau de jurisdição como meio de assegurar o controle de qualidade da justiça, prevendo uma
hierarquia suficiente para correção da decisão descabida. Mas essa “hierarquia dos graus de
jurisdição não traduz mais do que uma competência de derrogação, nunca uma competência de
mando” (MARINHO, 2015, p. 89).
Todavia, realizando uma análise histórica dos institutos e da jurisprudência
brasileira, MARINHO (2015, p. 90) pondera que antes mesmo do CPC/2015 foram tentadas
várias soluções para prevenir e uniformizar decisões que recorrentemente eram proferidas com
disparidade, bem como para aliviar o acúmulo de litígios que assola o Poder Judiciário, de modo
que “o novo Código de Processo Civil, ao entregar eficácia vinculante a determinados
precedentes, não representa um salto ou uma virada abrupta de paradigma” (MARINHO, 2015,
p. 91).
Esse receio em aceitar a vinculação dos precedentes se deve em larga escala muito
às ideologia das Revolução Francesa que já expusemos que foi impregnada como forma de
rejeitar qualquer concentração de poder, principalmente aos juízes. Porém, é preciso
compreender que os juízes como servidores do Estado, em especial, do Poder Judiciário,
prestam a tutela jurisdicional para distribuir justiça entre os jurisdicionados conforme os
ditames do ordenamento jurídico.
Permitir que o juiz decida conforme suas convicções livremente, a pretexto de
melhor atender ao jurisdicionado, peca por permitir a violação da isonomia de tratamento do
Poder Judiciário em relação aos jurisdicionados. Mesmo que hajam argumentos a favor e
contrários ao pleito do demandante, é preciso seguir aquela que dê coerência e estabilidade ao
sistema jurídico, pois em caso passado outro jurisdicionado foi tratado de determinada forma
com razões que podem ser aplicadas ao caso concreto.
O Judiciário deve se pronunciar de forma institucionalizada, haja vista que “essa
liberdade não é DO JUIZ: é do Judiciário” (WAMBIER, 2015, p. 264, grifo da autora).
Conforme a supramencionada autora, o juiz cria o direito, atuando de forma mais ou menos
flexível a depender do direito material debatido no caso concreto, que ela chama de “ambientes
decisionais” já abordados no segundo capítulo desta monografia. “Mas o juiz não pode criar
direito do nada, da sua própria cabeça. Seguindo suas convicções e crenças pessoais”
(WAMBIER, 2015, p. 265).
61

É claro que o sistema jurídico aberto e complexo exigem uma postura construtiva e
criativa do juiz intérprete, porém “é necessário estabelecer uma hermenêutica racional para
evitar decisões baseadas exclusivamente na ‘consciência individual’ de casa julgador”
(GOUVEIA; BREITENBACH; 2015, p. 504).
O sistema de precedentes traz justamente a racionalidade, coerência e integridade
que o Poder Judiciário precisa para restaurar a credibilidade e garantir o tratamento isonômico.
Conforme foi frisado neste trabalho, a técnica do distinguishing permite que o magistrado não
aplique o precedente se o caso em apreciação apresentar fatos substancialmente diferentes,
garantindo que cada caso seja tratado conforme suas peculiaridades. Logo, os precedentes não
induzem uma atividade mecânica do julgado, mas pelo contrário, exigem um exercício
hermenêutico complexo e uma postura até mesmo mais ativa para identificar a ratio decidendi
aplicável.
O que se veda é a possibilidade de tribunais inferiores superarem precedentes de
Cortes superiores a partir do overruling, o que traz à tona a problemática de que os precedentes
causariam o esvaziamento da discricionariedade da primeira instância em especial. Ocorre que,
há sim possibilidade de as Cortes inferiores, inclusive os juízes do primeiro grau de jurisdição,
exporem seus pontos de vista, utilizando-se da importantíssima técnica de ressalva de
entendimento.
Segundo CARVALHO e SILVA (2015, p. 740-741) inferem que a primeira
instância brasileira é a que tem mais contato direto com os fatos e com a realidade do caso
concreto, sofrendo, entretanto, como segmento mais sobrecarregado do Judiciário com elevadas
taxas de processos congestionados e baixa produtividade por questões estruturais.
Além disso, afirmam CARVALHO e SILVA (2015, p. 743) que mesmo no sistema
jurídico anterior ao CPC/2015, a possibilidade da primeira instância de influenciar na criação
de precedentes sempre foi limitada e menosprezada tanto por aspectos técnicos, haja vista que
geralmente suas decisões proferidas neste segmento dificilmente são vislumbradas e
organizadas na rede mundial de computadores, quanto pela suposição enraizada na práxis
jurídica de que toda decisão de primeira instância foi submetida a reexame pela instância
superior, como se o duplo grau de jurisdição fosse obrigatório.
Todavia, reconhecendo a importância prática do sistema de precedentes para
assegurar uniformidade, integridade, estabilidade e coerência às decisões judiciais e unidade ao
Direito (art. 926, caput, CPC/2015), CARVALHO e SILVA (2015, p. 743) levantam uma
técnica essencial que ao mesmo tempo acolherá os precedentes como necessários e o
62

harmonizará com necessidade de valorização da primeira instância muito desfavorecida no


atual contexto brasileiro, que é a disapproval precedente (ressalva de entendimento).
Por essa técnica, admite-se “a coerência de, no transcurso da decisão, o julgador
fundamentar as razões que considera plausíveis para a superação do precedente judicial, sem,
contudo, deixar de aplicá-lo” (CARVALHO e SILVA, 2015, p. 745). Ela é fundamental, pois
não quebra a expectativa legitimamente depositada em determinado precedente, mas contribui
para que o órgão jurisdicional superior, competente para superar o entendimento, possa
densificar seu próprio precedente ou até revogá-lo com base no efeito persuasivo da técnica.
Se os Órgãos de hierarquia inferior ao que editou o precedente (especialmente os
de primeira instância) não podem fazer distinção (distinguishing) com base em tese jurídica
nova, limitando-se aos aspectos fáticos diferenciais, a técnica de ressalva de entendimento
“valoriza a coerência, a integridade e a estabilidade da jurisprudência e, ao mesmo tempo,
incentiva a evolução do direito, pois o juiz traz novos elementos que podem permitir a
superação do precedente pelo tribunal superior” (PEIXOTO, 2016, p. 190).
Ela é, inclusive, adotada e bem vista pela doutrina a partir do enunciado nº 172 do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), in verbis: “a decisão que aplica
precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é contraditória”.
Vale lembrar, por fim, que os precedentes não são direcionados somente aos Órgãos
Jurisdicionais de base, sendo de observância obrigatória até para os próprios Tribunais que o
editaram que só podem superá-los mediante critérios pré-estabelecidos e rígidos que exigem
ônus argumentativo diferenciado, trazendo segurança jurídica a todo Judiciário.
63

6 CONCLUSÃO
Ante todo o exposto no decorrer deste extenso trabalho, observou-se que as
tradições jurídicas civil law e common law foram fundadas em circunstâncias políticas e
culturais distintas, o que levou a firmarem institutos jurídicos distintos, bem como percepções
diferentes sobre institutos comuns.
O civil law baseado na Revolução Francesa trouxe o dogma da separação estrita de
poderes, enquanto que o common law que teve suas ideologias trazidas pelas Revoluções
Puritana e Gloriosa sempre manteve Judiciário e Legislativo lado a lado, em harmonia, o que
permitiu uma evolução jurisprudencial mais consolidada, dando maior importância à função do
juiz do common law que no civil law.
Esta situação, porém, com o passar dos anos se alterou em virtude do
constitucionalismo, da nova concepção da teoria interpretativista, da prática cada vez mais
frequente de criação de normas de conteúdo indeterminado como as cláusulas gerais e da
consciência de que ao Poder Judiciário cabe solucionar casos concretos independentemente da
existência ou não de solução legislativa clara.
O ordenamento jurídico brasileiro, entendido como sistema que adota uma tradição
jurídica mista por apresentar características do civil law (separação estrita de poderes) e do
common law (controle difuso e concentrado de constitucionalidade) sofreu influências
peculiares com estas alterações e, particularmente, o sistema de controle difuso de
constitucionalidade, a crescente normatização de cláusulas gerais, juntamente com a
perspectiva de que os direitos fundamentais devem ser efetivados, fez crescer a importância dos
magistrados em nosso ordenamento jurídico.
Entretanto, como foi debatido, o direito jurisprudencial brasileiro se expandiu sem
um sistema que lhe garantisse estabilidade, coerência e previsibilidade, motivo pelo qual se
chegou a dizer até que o juiz brasileiro possuía mais liberdade que o juiz do common law, pois
este estava vinculado aos precedentes, enquanto aquele não.
Porém, a jurisprudência lotérica obtida como consequência desse sistema exigiu a
implantação normativa do instituto dos precedentes judiciais obrigatórios pela vigência do
Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), visando resguardar a segurança jurídica e
resgatar a credibilidade do Poder Judiciário já muito enfraquecido institucionalmente.
Apesar de argumentos contrários, sugerindo que o respeito obrigatório aos
precedentes (stare decisis) seria incompatível com a liberdade de julgar do magistrado,
constatou-se no decorrer desta obra que o conflito é aparente, pois esta liberdade não é absoluta
e não pode ser vista de forma individual, mas sim coletiva, pois quando o Poder Judiciário
64

presta a tutela jurisdicional ele tem por objetivo distribuição da justiça com base no
ordenamento jurídico como um todo, incluindo aí os precedentes.
Noutro giro, o magistrado de primeiro grau de jurisdição não é o único afetado pelos
precedentes, pois todo Poder Judiciário deve respeito ao passado por ele estabelecido como
forma de garantir tratamento isonômico aos jurisdicionados e preservar a coerência do sistema,
a estabilidade e a previsibilidade das decisões jurídicas. A única diferença é que o Órgão
Judiciário inferior não pode revogar o precedente de Corte hierarquicamente superior.
Entretanto, mesmo que pudesse revogar, este instituto (overruling) só deve ser
usado como ultima ratio, motivo pelo qual atribuir às Cortes a competência para revogar seu
próprio precedente ou precedente de tribunal hierarquicamente inferior incompatível com a
nova conjuntura legal e social é mais coerente que permitir a revogação por todos, haja vista
que no Brasil, por exemplo, o STJ e o STF são os principais responsáveis pela uniformização e
seria irracional permitir que qualquer órgão judiciário confrontasse seus precedentes se no final
dos recursos as partes chegariam ao mesmo resultado no STJ ou no STF só que com acréscimo
desnecessário de recursos e de tempo.
Por outro lado, se um precedente da Corte hierarquicamente superior estiver em
desacordo com as proposições sociais e com a consistência sistêmica, merecendo ser revogado,
pode o órgão judiciário inferior se utilizar de técnica denominada de disapprove precedent para
afirmar que discorda do conteúdo do precedente, mas que irá aplicar a ratio decidendi dos
tribunais superiores em razão da força obrigatória dos precedentes.
Essa sim é considerada uma técnica que atribui coerência, integridade e estabilidade
à jurisprudência, permitindo ainda que a Corte superior eventualmente acolha o apelo e, se for
o caso, realmente entre no mérito da questão e supere o precedente firmado, garantindo
evolução ao Direito.
Ademais, é possível utilizar-se da técnica do distinguishing por qualquer órgão
judiciário que constatar que há no caso concreto aspectos fáticos que lhe diferenciam
substancialmente daqueles em que se fundaram as razões (ratio decidendi) do precedente.
Logo, o stare decisis, longe de minar a criatividade e liberdade do magistrado, serve
para dar isonomia aos jurisdicionados, segurança jurídica, e coerência ao sistema do Poder
Judiciário, fortalecendo a credibilidade da instituição, colaborando para sua eficiência,
fortalecendo as decisões proferidas pelo magistrado de primeiro grau de jurisdição que aplicar
corretamente precedente firmado mediante análise acurada e permitindo que o juiz se manifeste
sobre sua concordância jurídica com o precedente firmado de modo incidental, sendo altamente
necessário ao ordenamento jurídico brasileiro.
65

7 REFERÊNCIAS

BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Estruturação de um sistema de precedentes no


Brasil e concretização da igualdade: desafios no contexto de uma sociedade multicultura. In:
DIDIER JR., Fredie et al (coords.) Coleção Grandes Temas do Novo CPC: precedentes.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 183-211.

BRAGA; Paula Sarno; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de
Direito Processual Civil. 11 ed. rev., atual e ampl. – Salvador: JusPodivm, 2016, v.2.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 20
de jan. 2017.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 de
jan. 2017.

BRASIL. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm. Acesso em: 20 de
jan. 2017.

BREITENBACH, Fábio Gabriel; GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Sistema de precedentes no


novo Código de Processo Civil brasileiro: um passo para o enfraquecimento da jurisprudência
lotérica dos tribunais. In: DIDIER JR., Fredie et al (coords.) Coleção Grandes Temas do Novo
CPC: precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 491-517.

CABRAL, Antônio do Passo. Imparcialidade e Impartialidade. Por uma teoria sobre


repartição e incompatibilidade de funções nos processos civil e penal. Revista de Processo.
São Paulo: RT, 2007, n. 149, p. 341 e segs.

CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ressalva de entendimento e
valorização da primeira instância no sistema de precedentes brasileiro. In: DIDIER JR.,
Fredie et al (coords.) Coleção Grandes Temas do Novo CPC: precedentes. Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 729-749.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17 ed. rev., atual e ampl. – Salvador:
JusPodivm, 2015, v.1.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19. ed. rev., atual. e ampl. – São
Paulo: Saraiva, 2015.
66

LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes Judiciais no Constitucionalismo Brasileiro


Contemporâneo. 2. ed. rev. e atual. – 2. ed. rev. e atual. – Salvador: JusPodivm, 2016.

MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes Judiciais e o Direito Processual Civil. 2. ed. rev.,
atual. e ampl. – Salvador: JusPodivm, 2017.
MARINHO, Hugo Chacra Carvalho e. A independência funcional dos juízes e os
precedentes vinculantes. In: DIDIER JR., Fredie et al (coords.) Coleção Grandes Temas do
Novo CPC: precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 87-96.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 4. ed. rev., atual. e ampl. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. rev., atual. e ampl.
– Salvador: Juspodivm, 2016.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. rev. e atual. – São
Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2013.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A vinculatividade dos precedentes e o ativismo judicial


– paradoxo apenas aparente. In: DIDIER JR., Fredie et al (coords.) Coleção Grandes Temas
do Novo CPC: precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 263-274.

S-ar putea să vă placă și