Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Resumo
Uma preocupação sempre presente da investigação na área da Psicologia Educacional, é a da compreensão do processo de aprendizagem do
aluno, nomeadamente em contexto formal de ensino. Nessa linha, o ensino das ciências recorre a essa área de conhecimento para fundamentar
teoricamente concepções e práticas de ensino/aprendizagem, no contexto e ecologia de sala de aula específicos. Neste artigo apresenta-se o
contributo das diversas teorias de aprendizagem no processo de ensino/aprendizagem das ciências, especificando a influência de algumas delas nas
perspectivas de ensino que foram sendo evolutivamente assumidas. Desse modo, inicia-se uma descrição histórica, referindo perspectivas de ensino
apoiadas na vertente behaviorista e termina-se a sua abordagem referindo teorias cognitivo-construtivistas, que deram lugar a perspectivas de
ensino voltadas para o papel do aluno, como sujeito ativo na construção do conhecimento, e para o reconhecimento do valor meramente
instrumental dos conteúdos curriculares.
Palavras chave: Ensino; Aprendizagem; Construção do conhecimento.
It is always a concern for research in the area of Educational Psychology, to understand the process of learning of the student, namely in a
formal context of teaching. In this sense, the teaching of Sciences uses this area of knowledge in an attempt to ground theoretically conceptions
of teaching/learning. Here, the authors attempt to underline the contribution of the learning theories in the process of learning/teaching of
Sciences, specifying their influence in the perspectives of teaching that have been previously assumed. In this way, an historical description is
started, referring perspectives of teaching supported in the behaviourist approach, and finish by referring cognitive-constructive theories that gave
rise to teaching perspectives more focussed on the role of the student in the construction of knowledge, and for the recognition of the innate
instrumental value of the curricular subjects.
Key words: Learning; Teaching-learning; Construction of knowledge.
INTRODUÇÃO
Todos aprendemos sem nos preocuparmos verda- conforme salienta Bigge (1977) “o homem não só quis
deiramente com a natureza desse processo e todos en- aprender como também, frequentemente, sua curiosi-
sinamos sem buscarmos um suporte teórico explicativo dade o impeliu a tentar aprender como se aprende”
do processo de ensino-aprendizagem. Como professo- (p.3), são diversas e acompanharam de perto a evolu-
res temos alguns referenciais explicativos e, também, ção observada na Psicologia e na Educação em Ciênci-
de forma implícita ou explícita, orientamos a nossa prá- as. Assim, apresentamos ao longo deste artigo diversas
tica por tais referenciais. De qualquer modo, as teorias teorias de ensino-aprendizagem, reportando-nos sem-
de aprendizagem, tendo surgido, possivelmente, porque pre que possível ao ensino-aprendizagem nas ciências,
1
Centro/Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
2
Centro/Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
3
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.
12 Clara Vasconcelos, João Félix Praia e Leandro S. Almeida
iniciando pela teoria do Ensino por Transmissão, pers- apenas acumula saberes que deverá ser capaz de repe-
pectiva fortemente marcada pelas teorias behavioristas tir fielmente. Assim sendo, Cachapuz, Praia e Jorge
da aprendizagem. Após referirmos a influência de auto- (2000) observam “quase tudo se reduz ao professor in-
res como Gagné (1975) ou Bandura (1977), que manti- jectar nos alunos as ‘matérias’ que centralmente são
veram latente a influencia comportamentalista, referir- definidas e obrigatórias dar ao longo do ano, importando
mos a Aprendizagem por Descoberta e a Aprendiza- sobretudo os resultados finais obtidos pelos alunos nos
gem por Mudança Conceptual. Por último, menciona- testes sumativos - afinal quem mais ordena – enquanto
mos o Ensino por Pesquisa, processo fortemente mar- produtos acabados e que são os elementos principais
cado pelo cognitivismo-construtivismo que realça o pa- para a atribuição de uma classificação. Cumprir o pro-
pel do aluno como construtor do conhecimento, movido grama e preparar para os exames é compreendido como
pela curiosidade, descoberta e resolução de problemas. aprender o programa” ( p.7).
Esta perspectiva de ensino é referida como a mais ac- Enfatiza-se, aqui, o papel do professor, relegando-se
tual ao nível da didática das ciências e, implicitamente, para segundo plano a intervenção do aluno no seu pró-
aquela que deverá ser mais valorizada na formação dos prio processo de aprendizagem. Se um aluno sabe falar
professores. e escrever numa dada área, subentende-se, então, que
Com este artigo pretendemos listar este conjunto de compreendeu a matéria dessa área de conhecimento.
perspectivas de análise e definição de processos de ensi- A valorização do aluno como transformador dessa in-
no-aprendizagem, sobretudo quando este processo ocor- formação não aparece suficientemente representada
re nos contextos formais escolares. Sem pretendermos nesta abordagem
ser exaustivos e profundos no conjunto de tais perspecti- Do exposto, depreende-se que alguns princípios e
vas, procuramos, no entanto, salientar algumas implica- práticas educativas para a escola foram elaborados de
ções práticas e assumir as vantagens de uma abordagem acordo com os pressupostos behavioristas. Falamos,
que reconhece o aluno como tendo um papel ativo e cen- então, das teorias behavioristas da aprendizagem es-
tral nas aprendizagens, entendidas como co-construções colar, tendo como objetivo principal alcançar comporta-
progressivas de conhecimento e destrezas. mentos apropriados por parte dos alunos, basicamente
As teorias de aprendizagem e o ensino-aprendiza- entendidos como apropriação e modificação de respos-
gem das ciências tas. Assim, se a resposta emitida for desejada haverá
A Aprendizagem por Transmissão (APT) pode as- reforço, cuja natureza dependerá, necessariamente, do
sociar-se às perspectivas behavioristas ou nível etário e do esforço dos alunos, por exemplo. Acre-
comportamentais da aprendizagem. O ensino por trans- dita-se que a ineficácia do ensino tradicional foi o fato
missão tem o seu fulcro nas exposições orais do profes- dos professores não usarem contingências de reforço
sor, que transmite as ideias (estímulos) aos alunos, isto que acelerassem a aprendizagem (Skinner apud Bigge,
é, “...o professor ‘dá a lição’, imprime-a em arquivadores 1997).
do conhecimentos e pede, em troca, que os alunos usem Algumas dificuldades são apontadas a esta teoria.
a sua atividade mental para acumular, armazenar e re- Numa concepção behaviorista de aprendizagem, o alu-
produzir informações” (Santos & Praia, 1992 p.13). no é passivo, acrítico e mero reprodutor de informação
Nessa lógica instrucional de organizar o ensino, o aluno e tarefas. O aluno não desenvolve a sua criatividade e,
tem um papel cognitivo passivo, sendo encarado como embora se possam respeitar os ritmos individuais, não
um mero receptáculo de informações que, mais tarde, se dá suficiente relevo à sua curiosidade e motivação
serão úteis para a vida. Para além do professor usar intrínsecas. O aluno pode, inclusive, correr o risco de se
técnicas que salientem novas informações e informa- tornar apático, porque excessivamente dependente do
ções mais corretas, deverá recorrer também ao refor- professor. Por outro lado, não há preocupação em ensi-
ço, preferencialmente a reforços diretos e imediatos, nar a pensar. O ensino realça o saber fazer ou a aqui-
tendo em vista produzir mudanças comportamentais dos sição e manutenção de respostas. A aula deve ser
alunos e a sua estabilidade. O papel tutelar do profes- centrada no professor, que controla todo o processo, dis-
sor, que exerce autoridade face aos seus conhecimen- tribui as recompensas e, eventualmente, a punição. Pre-
tos científicos, sobrepõe-se ao papel do aluno. Este, ao tende-se, acima de tudo, que haja por parte do profes-
invés de aprender, e menos ainda aprender a aprender, sor uma minuciosa exatidão na determinação do que
Teorias de aprendizagem e o ensino/aprendizagem das ciências: da instrução à aprendizagem 13
pretende ensinar, do tempo que necessita para o fazer e objetivos devem ser elaborados para cada ato de apren-
uma definição específica dos objetivos comportamentais dizagem, situação que levará a que uma unidade
que pretende obter. programática a ensinar seja constituída por objetivos ini-
A concepção de uma aprendizagem sem erros tem ciais mais simples e por objetivos terminais que envol-
na abordagem skinneriana forte defensa, senão o prin- vem capacidades mais complexas.
cipal apoio. O erro deve ser evitado, punido e exigida A teoria sócio-cognitiva de Bandura (1977) preocu-
nova resposta. A avaliação, centrada nos resultados e pa-se com a aprendizagem que tem lugar no contexto
nos objetivos não alcançados, deve permitir um feedback de uma situação social e sugere que uma parte signifi-
preciso do que ainda falta ensinar. Os exercícios de re- cativa daquilo que o sujeito aprende resulta da imitação,
petição ou de demonstrações de atividades, por vezes modelagem ou aprendizagem observacional (Cruz,
organizados e apresentados como se o aluno tivesse que 1997). Esta teoria representa uma teoria de aprendiza-
imitar, sem grandes explicações, preenchem largos es- gem com largas capacidades de adaptação e aplicação
paços do tempo da aula. Tudo, no entanto, deve encon- ao contexto escolar. Na sala de aula, a conduta do pro-
trar-se meticulosamente justificado e organizado, o que fessor ou a ação de um colega podem facilmente origi-
aliás condiz com a tradição do ensino programado nas nar uma aprendizagem modelada junto dos alunos. Nesta
escolas, como era defendido por esta abordagem. perspectiva, a aprendizagem é, essencialmente, uma
Embora atualmente sejam as perspectivas cognitivo- atividade de processamento de informação, permitindo
construtivista as que mais influenciam as concepções que condutas e eventos ambientais sejam transforma-
de ensino-aprendizagem nas ciências, ainda surgem al- dos em representações simbólicas que servem como
gumas formas “mascaradas” dessa pedagogia guias de ação (Bandura, 1986). Enquanto processamento
transmissiva (Praia & Marques, 1997). Por outro lado, de informação, a modelagem não corresponde nem a
e porque os pressupostos cognitivistas não são, de todo, uma simples imitação, nem a uma mera identificação do
incompatíveis com os neobehavioristas, são vários os observador com o modelo. Embora esse processo de
autores que apresentam abordagens mistas, quer a ní- aprendizagem não requeira o prêmio ou o castigo, nem
vel metodológico quer a nível teórico (Pozo, 1989). Como para o observador nem para o modelo, a teoria reco-
exemplo, destacamos a teoria social cognitiva de Bandura nhece que estes podem melhorar a aquisição e execu-
(1977), ou a sua mais recente teoria de auto-eficácia ção da performance. Se numa perspectiva behaviorista,
(Bandura, 1986), ou mesmo a teoria da instrução de o comportamento deve ser reforçado tendo em vista a
Gagné (1975, 1985). sua aquisição e manutenção, na aprendizagem modela-
Os objetivos de instrução, a que Gagné (1975) asso- da, mesmo quando reforçadas, as aprendizagens pres-
cia objetivos comportamentais (os objetivos de aprendi- supõem experiências prévias de observação. Porém,
zagem refletem alterações no comportamento dos estu- incentivos ou antecipação dos benefícios podem influ-
dantes), devem ser definidos em termos de performances enciar o sujeito, determinando quais as condutas a ob-
humanas, bem como especificar a situação em que es- servar. A expectativa de uma resposta efetiva ou de um
tas serão observadas. Operacionalmente bem definidos castigo, podem favorecer, por exemplo, o nível de aten-
e mensuráveis, tais objetivos devem ser elaborados no ção do aprendiz na ação do modelo. A antecipação dos
início do processo de instrução, pois são eles que deter- benefícios pode, ainda, permitir uma melhor retenção
minam qual o input que deve ser fornecido ao aluno. do que foi observado, dado que o sujeito fica motivado
Para o professor constituem a base da instrução e o para simbolizar e ensaiar as atividades modeladas.
suporte de verificação dos resultados de aprendizagem. Pelo exposto se depreende que as teorias de Bandura
Para o aluno servem como motivação e permitem um (1977) e de Gagné (1975) não marcaram uma clara dis-
feedback no final desse processo. A objetividade na tinção entre o aluno passivo, mero reprodutor de infor-
definição dos objetivos torna-se notória no recurso a mação, e o aluno ativo, que aprende, organiza e
verbos de ação, que facilitam a compreensão do que se reestrutura a informação recebida. Com efeito, só em
pretende observar na performance do aluno. Essa mes- meados dos anos 60-70, rejeitando a passividade do alu-
ma objetividade auxilia a clarificação do tipo de apren- no face a essa pedagogia de base memorística, de ritmo
dizagem pretendida e as condições requeridas para que uniforme e muito assente numa motivação extrínseca
estes objetivos sejam alcançados pelos alunos. Os do aluno (Santos & Praia, 1992), surgem, no ensino das