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Introdução
Ribeirão Preto: consideração entre a cidade dos vivos e a cidade dos mortos
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abordagem é muito similar às polêmicas criadas no fim do século XVIII na Europa,
quando as grandes cidades afastaram os cemitérios para os arrabaldes.
Pelo artigo pode-se confirmar a existência do segundo cemitério, que
existiu na atual Praça das Bandeiras. A escolha do local está vinculada ao fato
de ele ter sido construído sob os auspícios da Igreja, pois estava localizado em
frente ao terreno onde já se iniciava a edificação da Catedral Diocesana. Sabe-se,
apenas, que este cemitério era cercado de arame farpado e que lá foram enterra-
dos os restos mortais de José Theodoro Jacques, fundador do bairro Santa Cruz do
José Jacques (PRATES, 1971).
Já no primeiro governo republicano criaram-se normas e leis para a
secularização dos cemitérios brasileiros, surgindo, então, o terceiro cemitério
de Ribeirão Preto, administrado pela Prefeitura Municipal. Tentaram afastá-lo o
mais distante possível do centro da cidade, localizando-o nas imediações da atual
Praça Sete de Setembro.
Nada restou dos três primeiros cemitérios; com a expansão da cidade,
esses lugares foram descaracterizados. No lugar dos mortos nasceram árvores
robustas e flores, construíram-se fontes luminosas, coretos, enfim, praças onde a
multidão de vivos se reúne até hoje para se distrair e comemorar a vida.
Em 1892, a cidade pôde contar com o quarto cemitério, instalado na
Avenida da Saudade. Ele foi construído no bairro dos Campos Elíseos, bem afas-
tado do centro da cidade, no sentido oposto do terceiro. Tornou-se, então, um
emblema de uma nova mentalidade que, sob o impacto da ideologia sanitarista,
promoveu uma separação nítida entre o espaço dos vivos e o espaço dos mortos,
suspeitos de serem focos de infecções e doenças.
Até 1930, sua área geográfica era composta por dezesseis quadras,
que comportavam 1597 carneiras, conforme atesta o primeiro Livro de Registros
Perpétuo do Cemitério da Avenida da Saudade (de 22 de junho de 1892 a seis de
dezembro de 1965). A primeira ampliação deu-se a seguir, com o acréscimo de
seis quadras e a construção do Necrotério (1933), da Capela (1934) e do Portão
Monumental (1935), projetados pelo então arquiteto da prefeitura, Cícero Mar-
tins Brandão. A segunda grande ampliação ocorreu no período de 1952-53, na
administração do Prefeito Alfredo Condeixa Filho, que se incumbiu de construir
o Cruzeiro.
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Dentro de um contexto mais urbano, surgiu a segunda marmoraria de
Ribeirão Preto, em 1914, denominada “Marmoraria Italiana”, de propriedade dos
marmoristas italianos Alfredo Gelli e Antônio Roselli, oriundos da cidade de São
Paulo. Possivelmente, Barberi, Gelli e Roselli tornaram-se fortes concorrentes dos
marmoristas das cidades vizinhas de menor porte, pois são encontrados túmulos
construídos por eles nos cemitérios de toda a região. Na época, já havia os mar-
moristas João Santini, Piro Cima e Natale Maffei, em São Simão; Natale Frateschi
e irmãos Dinelli, em Franca; Terencio Ricciardi, em Sertãozinho e Salvador Suzana,
em Batatais.
Pode-se afirmar que, durante toda a década de 1910, a sociedade de
Ribeirão Preto preocupou-se constantemente em alterar a fisionomia física da
cidade dos vivos e dos mortos. Coube aos imigrantes italianos refletir nos pala-
cetes, nos sobrados e na arte funerária, o gosto elitista da burguesia cafeeira,
advinda do ideal estético europeu.
Ao término da Primeira Guerra Mundial, o Brasil sofreu dificuldades
econômicas às quais se somou a primeira contenção na expansão cafeeira, acar-
retada pela geada de 1918. Enquanto algumas regiões do Estado de São Paulo
reduziam a produção dos cafezais, Ribeirão Preto continuou ocupando um lugar
de destaque dentro da economia nacional como a maior produtora de café do
país. Isto acarretou uma imigração interna dentro do Estado. Foi nesse clima de
euforia pela Região do Oeste Paulista que, em 1918, surgiu na cidade a terceira
marmoraria, filial da “Grande Marmoraria Amparense”, da cidade de Amparo. Foi
inicialmente composta pela sociedade dos marmoristas Aldamiro Fazzi e Vicente
Franceschini e denominada “Marmoraria Progresso”. Todavia, ela é sempre lembra-
da pela produção artística realizada por seus donos posteriores, os marmoristas
Vicente Alberto Crosera e Amleto Belloni.
No início da década de 1920, os donos das marmorarias de Ribeirão
Preto tornaram-se, em pouco tempo, importantes homens de negócios, exploran-
do o mercado da morte em todo o Oeste Paulista, na Região do Triângulo Mineiro
e chegando até o Estado de Goiás. Para isso, contaram com o trabalho dos bons
artistas-artesãos que se profissionalizaram no transcorrer desses anos.
Através dos dados contábeis sobre a receita e as despesas do municí-
pio, entre os anos de 1918 e 1922, referentes ao Cemitério da Saudade, vê-se
Percebe-se, então, que a “cidade dos mortos” dava lucro aos cofres
do município, mas este a tratava com descaso, fazendo benfeitorias apenas em
última instância. E a “cidade dos vivos” já gozava de um corpo autônomo, con-
tendo seus próprios mecanismos de defesa, o que veio a proporcionar um campo
crescente de trabalho a todos, até mesmo aos marmoristas, que diversificavam
sua produção, executando, além da arte funerária, altares de igrejas, fachadas de
prédios, pias e lavabos. Não é sem motivo que a cidade de Ribeirão Preto passou a
ser denominada a “Capital do Oeste”. Nesse ambiente propício à formação profis-
sional dos ribeirão-pretanos, os marmoristas Renato Bulgarelli e João De Bortoli
instalaram a “Marmoraria Paulista”, em 1926.
Com a grande crise econômica que afetou todo o país no final da
década de 1920, iniciou-se também a crise das marmorarias, que perdurou até
a Segunda Guerra Mundial, quando a maioria delas foi desativada. Os primeiros
marmoristas de Ribeirão Preto não chegaram a enriquecer, conforme sonhava
todo estrangeiro, mas foram socialmente reconhecidos na cidade pelos seus
dotes artísticos e pelas suas qualidades culturais superiores à média brasileira.
Alcançaram, é certo, um padrão econômico suficiente para educar seus filhos,
fazendo-os doutores. Alguns aprendizes tornaram-se donos de marmorarias em
outras cidades do país; muitos permaneceram simples operários e nesse ofício
se aposentaram.
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O ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto
A — Setor de vendas
B — Setor de produção
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produzia em mármore; e a seção da cantaria, local reservado aos canteiros res-
ponsáveis por todas as obras de granito.
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divulgação
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divulgação
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Pesquisas subsequentes: contribuições ao estudo da arte funerária no Brasil
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da Vida de Cristo, incluindo a Via Sacra. Acredita-se que as mensagens contidas
nesse caminhar se fazem presentes, de maneira espontânea, nos cemitérios
secularizados do Brasil.
Alguns alunos do Curso de Design Gráfico da Universidade Federal de
Goiás, sob orientação da pesquisadora Maria Elizia Borges, elaboraram um folder
(2001) sobre o Cemitério Santana, de Goiânia (GO), considerado uma iniciativa
pioneira no país. Esta peça gráfica apresenta um breve histórico do cemitério
inaugurado em 1939, o mapa de um percurso pelo local, a planta baixa com
fotos e a localização de túmulos selecionados em função do seu valor artístico e
simbólico, com breves textos explicativos. Fica evidente a estratificação social da
sociedade goianiense.
A seleção dessas publicações propicia o questionamento da abrangên-
cia desta área do conhecimento e acredita-se que possa ser um paradigma de
mudança quanto à relevância deste tipo de produção artística e do papel que ela
exerce na tomada de consciência do homem diante da finitude da vida.
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