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da Saúde
Ocupacional
Mana José Chambel
ARTE I
DESENVOLVIMENTOSTEÓRICOS
Introdução
A Psicologia da Saúde Ocupacional é uma especialidade da Psicologia que procura não só
desenvolver modelos teóricos que permitamcompreender a saúde —seus antecedentes
e consequentes —no contexto do trabalho e das organizações —mas também modelos e
ferramentasde intervençãoque permitampromovera saúde desses e nesses contextos
(Quick, 1999). Tal como a Psicologia Geral, esta especialidade integrou, nestes últimos anos,
numa visão mais tradicional que realçou o diagnóstico e a intervenção nas situações de risco
para a saúde dos trabalhadores, uma visão mais positiva de promoção das fortalezas e das
experiências ótimas no contexto do trabalho.
Foi durante o século XIX, depois da Revolução Industrial,que foi reconhecido que vários
aspetos do contexto de trabalho podiam influenciara saúde física e mental dos trabalha-
dores. A desumanização vivida nas fábricas desse período foi não só comentada por vários
sociólogos e cientistas políticos, mas também por vários escritores literários.Os princípios
da gestão científica do trabalho de Frederic Taylor (Chambel & Curral, 2008), que defendeu a
simplificação e a estandardizaçãodas tarefas e a separação entre a conceção e a execução
do trabalho, apesar de ter uma forte aplicação em numerosas fábricas de todo o mundo,
sofreu também elevadas críticas pelas suas consequências nefastas para os trabalhadores.
De facto, a partir das experiências de Elton Mayo (Chambel & Curral, 2008), ficou claro
que as perceções e os sentimentosdos trabalhadores eram importantespara explicar os
seus resultados e trabalhos posteriores, nomeadamente os do Tavistock Institute of Human
Relations (Trist & Bamforth, 1951, citados por Chambel & Curral, 2008), vieram mostrar os
efeitos nefastos dos princípios de Taylor para a saúde física e psicológica dos trabalhadores.
Por outro lado, o trabalho de Maslow (Chambel & Curral, 2008) veio salientar a necessidade
de considerar a autorrealização para se conseguir motivar os indivíduos e Frederic Herzberg
(Chambel & Curral, 2008) defendeu que a satisfação e motivação dos trabalhadores implica-
va o enriquecimento do seu trabalho, isto é, que existisse utilização de competências, que o
trabalhadorenfrentasse desafios e que obtivesse reconhecimento.
-Control Mode0 —para explicar a saúde mental e cardiovascular dos empregados'. sem
der de vista a importancia do desenho do trabalho, estes autores mostraram a necessidade
de o trabalhador ter controlo (i.e., autonomia na realização do seu trabalho e oportunidade
de participar nas decisões) e receber suporte social na realização do seu trabalho para
frentar as exigências colocadas por este (i.e., ter muitas e diversificadas tarefas).
Como indicadores da relevância e maturidadedesta disciplina desde as últimas décadas do
século passado, pode destacar-se a formação,as publicações periódicas e os encontros
científicos especializados nesta área (Barling & Griffiths, 2011 Por exemplo nos EUA, desde
os anos 90 0 National Institutefor Occupational Safety and Health (NIOSH), através de um
protocolo com a American Psychological Association (APA), tem financiado vários módulos
de Psicologia da Saúde Ocupacional na formação dos psicólogos em diversificadas univers
sidades. No Reino Unido, o Institute of Work, Health & Organisations (1-WHO), da Universida_
de de Nottingham, criou o primeiro mestrado no mundo inteiramente dedicado à Psicologia
da Saúde Ocupacional. Publica-se na Europa, desde 1987, a revista Work & Stress e desde
1996 nos EUA o Journal of Occupational Health Psychology, tornando possível a divulgação
do conhecimento científico específico desta área. As conferências internacionais, regular_
mente promovidas quer pelo NIOSH e a APA quer pela European Academy of OCCUpational
Health Psychology permitemjuntaros investigadoresda Psicologia da Saúde OCUPacionale
podem assim ser apontadas como mais uma marca da maturidade desta disciplina.
No entanto, a importância desta disciplina não ocorre apenas na produção de conhecimento
científico e na sua divulgação, mas também na aplicação desse conhecimento na constru_
çáo de contextos de trabalho saudáveis. A este nível podemos destacar o facto de 76% das
instituições na Europa, em 2014, cumprirem com a diretiva da Comissão Europeia (EUropean
Commision, 1989), nomeadamente a Council Framework Directive on the Introduction Of
Measures to Encourage Improvements in the Safety and Health of Workers at Work, fazendo
uma avaliação dos riscos para a saúde dos seus trabalhadores (European Agency for Safety
and Health at Work, 2015)2.No entanto, esta avaliação, na maior parte das vezes, não envol_
ve psicólogos, sendo a Suécia e a Finlândiaa exceção: 60% das instituiçõesdestes países
têm psicólogos internos ou externos envolvidos nesta avaliaçã0 3.
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a indvtduo.m• &range a
vida pra abom
A da saude dos trabalhadoresé assjm una tueta complexa que envolvo tomar ern
vanas do dos mdr•aduos.Em pnmetrolugar. podemos
distingutros Indicadores de bem-estar no trabalho e os indicadores de bem-estar fora desse
contexto. Em segundo lugar, podemos salientar o facto de o bem-estar dos indivtduos ser
multifacetado e anciutruma dimensào hedónica de felicidade' e uma dtmensao eudamOntca
de autorrealizaçao (Ryan & Dect. 2001 extstlndo esta diferenctaçáo se estamos a pensar no
bern-estar pstcoIó9ico. porque se alargamos a perspettva, devemos também inclutr a saude
tisica. a qual esta aliás dependente do bem-estar psicolOgtco (Miquelon & Vajlerand. 2008).
finalmente. esta avaliação implica uma perspetiva negativa o quanto o trabalhador se
sente insatisfeito, desmotivado. cansado ou doente —e uma dimensào posttjva —o quanto
se sente satisfeito. envolvido. realizado.
Outros modelos têm considerado que estes dois indicadoresde bem-estarno trabalho
exemplo,de acordocon
apesar de significativos, não cobrem todas as suas dimensões. Por
com base em três eixos orto
Warr (1987', 1994). o bem-estar no trabalho pode ser avaliado
descontentamento-contentamento. (
gonats•.ansiedade-confofto; depressáo-prazer ativo;
de medidas de ansiedade, ten
eixo da ansiedade-conforto habitualmente é avaliado através
ativo é normalmenteavaliadoatravé
são e strajn no trabalho. O eixo da depressao-prazer
de contentamento-descontenta
do burnout, da depressão e da fadiga. A avaliação do nível
livro.
s Este apresentado de um modo detalhado no Capítulo 4 deste
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da ro Oeste tmodo este modelo
a inchAo no cwa o twn-estar contexto
A no trabalho constste at'tM> contexto de trabalho que tem tido um
relevo na pesqutsa da e refere-se ao quanto gostamos
60 trabalho e das suas diferentes (Spector. 1997) Extstem multtplas medi-
das de avaltaçáo da sattsfaçào no trabaho, destacando-se o Joõ Dscnpttve Index (JD') de-
s«wolv'do por Smrth. Kendall e Huln (1%9). o McnnesotaSatisfacfron Quesfronna're(MSQ).
desenvolvido por Wetss, Dawts. EnglM"d e Lofquist (1967). o Job Dagnostic Survey (JDS).
desenvolvido por Hackman e Oldham (1980). O JOI- consiste numa escala com 72 Itens
distribuidos por cinco dimensões (satisfação com o trabalho. satisfação com o supervtsor.
satisfação com os colegas, satisfação com as promoçõese satisfação com o salário). O
MSO contém 100 itens distribuídos por 20 escalas: Utilização de Competências. Realizaçáo,
Atividade, Promoção, Autoridade, Políticas da Empresa, Remuneração. Colegas. Criativida-
de, Independência. Segurança, Serviço Social, Estatuto, Valores Morais. Reconhecimento,
Responsabilidade, Supervisão (Técnica e das Relações Humanas),Variedadee Condições
de Trabalho. O JDS, desenvolvido por Hackman e Oldham (1980), distingue a satisfação com
o trabalho, com o salário, com o chefe e com os colegas.
Estas escalas têm estudos de validação para o contexto português. Por exemplo, Martins
e Proença (2012) fizeram um estudo de validação da versão reduzida do MSQ8 com tra-
balhadores de um hospital. Mclntyre e Mclntyre (2010) fizeram um estudo de validação do
JDI com uma amostra de profissionais da área da saúde e Lopes, Chambel, Castanheira e
Oliveira-Cruz (2015) uma validação desta escala com uma amostra representativa dos sar-
gentos e oficiais do exército.
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Psicologia da Saúde Ocupacional
Outra forma de avaliar o bem-estar geral que envolve uma diferenciação mais clara entreas
referidas dimensões cognitiva e afetiva, consiste em medir,por um lado, os afetos positivos
e negativos e, por outro lado, a satisfação geral com a vida. Uma das formas mais simples
de avaliar a satisfação geral com a vida é através da escala de 5 itens de Diener,Emmons,
Larsen e Griffin (1985). Nesta escala as respostas são dadas numa escala de Likertde sete
pontos (1-7), indicando valores totais entre 31-35 elevada satisfação com a vida, valoresde
20 uma avaliação neutra e valores entre 5-9 uma insatisfação extrema com a vida. Estaes-
cala tem tido muitas traduções para várias línguas, destacando-se em Portugalos estudos
de validação de Neto, Barros e Barros (1990)e de Simões (1992).Em relaçãoà dimensão
afetiva, podemos destacar a avaliação da felicidade subjetiva, a qual pode ser avaliadaatra-
vés da escala de 4 itens —Subjective Happiness Scale - desenvolvida por Lyubomirsky e
Lepper (1999). Também esta escala tem várias traduções e adaptações, salientando-seem
Portugal o estudo de validação de Pais-Ribeiro (2012). Para avaliar esta dimensãoafetiva
do bem-estar geral, podemos também destacar a escala dos afetos positivos e negativos
(PANAS) desenvolvida por Watson, Clark e Tellegen (1988). Esta escala é constituídapordez
afetos positivos (e.g., entusiasmado e interessado) e dez afetos negativos (e.g., nervoso e
irritado), pedindo-se aos participantes para assinalarem o quanto se têm sentido assimnas
últimas semanas ou meses. Em Portugal, Galinha e Pais-Ribeiro (2005) têm um estudo de
validação desta escala.
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da SaúdeOcupaciona: e
Riscos psicossociais
O passo para compreender e promover a saúde ocupacional consiste na identifica-
00s nscos do contexto de trabalho. isto é, os diferentes fatores que afetam a saúde psi-
dos trabalhadores. A complexidade do trabalho e das organizaçóes, assim como a
de cada contexto, não nos permite ser exaustivos e diferenciartodos estes
fatores de nscos. No entanto. neste capítulo distinguimos alguns dos fatores que a investi-
gaçào por nós desenvolvida tem demonstrado ter um papel relevante para compreendermos
a •úde ocupactonal dos trabalhadores.
Nível organizacional
Várias são as características do contexto organizacional que têm comprovado a sua relação
com o bem-estar dos trabalhadores nesse contexto. Neste capítulo destacamos as crenças
sobre o intercâmbio de recursos porque são fundamentais para qualquer relação de empre-
go, já que quer para a organização quer para o trabalhador existe um padrão de reciproci-
dade que é determinado pelo equilíbrio percebido dessas trocas ao longo do tempo (Blau,
1964). Nesta relação de troca trabalhador-empresa destacamos o efeito das práticas de ges-
tão de recursos humanos, a perceção de suporte organizacional e o contrato psicológico.
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Psicologia da Saúde Ocupacional
nesse contexto, que investe na formação que contribui para um conjunto de competências
transferíveis e que define claramente os critérios da avaliação de desempenho, podem ser
vistos como valiosos benefícios oferecidos pela organização. Com essas práticas a agência
facilita o desempenho destes trabalhadorese, consequentemente,aumentaa probabilida-
de de conseguirem uma nova recolocação no mesmo cliente ou em outro (Forrier& Sels,
2003). De facto, os procedimentos de recrutamentoe seleção rigorosa podem sinalizar que
a empresa se preocupa com a qualidade dos trabalhadoresvalorizando-os (Huselid, 1995).
Da mesma forma, as táticas de socialização que permitemque os recém-chegados se iden-
tifiquem com os valores e normas da empresa, bem como para aprender a sua perspetiva
cultural contribuem para a sua integração eficaz na empresa (Ashforth & Saks, 1996). Deste
modo, o trabalhadoradapta-se ao contexto organizacionale exibe um desempenhoade-
quado. No mesmo sentido, a oferta de formação que permitedesenvolver competênciase
conhecimentos que promovem as hipóteses de se manter empregado, promove a perceção
do ambiente de trabalho como sendo de suporte (Forrier& Sels, 2003). Finalmente,uma
avaliação de desempenho, que é considerada clara e justa, é um claro indicador de que a
organização está preocupada com seus trabalhadores. Neste estudo, verificámos, como es-
perado, que estas práticas de gestão de recursos humanos promoviam a perceção dos tra-
balhadores de que possuíam os recursos de trabalho que respondiam às suas necessidades
(Demerouti
e, consequentemente, mostravam mais bem-estar (i.e., engagement) no trabalho
no
et al., 2001). Por outro lado, verificamostambém que este estado psicológico positivo
Uma vez
trabalho, engagement, se relacionava com o bem-estar geral fora desse contexto.
enérgicos,
que os trabalhadores com alto nível de engagement no trabalho eram ativos e
tensão, o
eram capazes de mobilizar recursos e, mesmo em condições difíceis de elevada
Assim,
seu bem-estar ficava protegido (Salanova, Schaufeli, Xanthopoulou & Bakker, 2010).
estado
o engagement no trabalho teve o potencial de promovera qualidade de vida, um
&
de bem-estar geral que incluía a perceção de saúde e a satisfação com a vida (Hakanen
Schaufeli, 2012).
A relação de troca não ocorre apenas através da perceção das práticas de gestão de recur-
acerca do
sos humanos, porque os trabalhadores também desenvolvem uma perceção geral
(i.e., a per-
quanto a organização valoriza as suas contribuiçõese cuida do seu bem-estar
Hutchison & Sowa,
ceção do suporte organizacional —POS II —,Eisenberger, Huntington,
trabalhadores,au-
1986). A POS contribui para satisfazer as necessidades de afiliação dos
a perceção de autoeficácia
menta a antecipação de que serão ajudados se necessitarem e
nomeadamentedo burnout
e estas perceções vão contribuir para a diminuição do stress,
De uma formamais
(Kurtesis et al., 2015), e para o aumento do engagementno trabalho.
as necessidades bá-
específica, podemos considerar que a POS contribui para satisfazer
e a de competênciae,
sicas dos indivíduos, nomeadamentea de afiliação, a de autonomia
é, a sua realização
consequentemente, promover a motivação autónoma no trabalho, isto
& Dussault, 2013; Gillet,
por razões mais intrínsecas e voluntárias (Fernet, Austin, Trépanier
Vansteenkiste,De Witte,
Fouquereau, Forest, Brunault & Colombat, 2011; Van den Broeck,
(Deci & Ryan, 2000;
Soenens & Lens, 2010). De acordo com a Teoria da Autodeterminação
no trabalho(e.g.,
2008) a motivação intrínseca tem consequências positivas no bem-estar
Deci & Ryan, 2009)
Gagné & Deci, 2005) porque promove o engagement no trabalho (Stone,
2004). Pelo
e reduz a exaustão (Gagné et al., 2015) e o burnout (Fernet,Guay & Senécal,
involuntárias,
contrário, a motivação controlada, que corresponde a razões extrínsecas e
Perceived Organizational Support.
IO
Psicologia da Saúde Ocupacional: Desenvolvimento e Desafios
Num estudo recente com uma amostra representativa dos soldados portugueses (Chambel,
Castanheira, Oliveira-Cruz & Lopes, 2015) verificamos este efeito da POS no bem-estar no
trabalho e o papel da motivação autónoma destes militares para explicar este efeito. Deste
modo, verificamos que eram os soldados que percebiam mais suporte por parte do exército
os que sentiam menos burnout e mais engagement no trabalho e que isto ocorria porque
esta perceção de apoio fazia com que quisessem pertencerao exército porquegostavam
desta profissão e consideravam que esta experiência profissionalno exército se adequava
aos seus objetivos e poderia contribuir para ter um melhor emprego no futuro. Pelo contrá-
rio, quando eram soldados apenas porque necessitavam de ganhar dinheiroe para fugir ao
desemprego, o seu bem-estar no trabalho era prejudicado, isto é, sentiam mais burnout e
menos engagement.
O contrato psicológico, um constructo integrado na teoria da troca social (Blau, 1964), tem
sido considerado também fundamentalpara compreendera relação que os trabalhadores
desenvolvem com a organização na qual trabalham,sendo imprescindívelpara perceber
como estes consideram que estão a ser tratados (Rousseau, 1995). Enquantoas práticas de
gestão de recursos humanos se referemàs ações levadas a cabo pela organização no aqui
e agora, o contrato psicológico refere-se à avaliação que o trabalhadorfaz sobre as obriga-
Góes recíprocas que existem entre si e a empresa. Para além das obrigações estabelecidas
no contrato formalizado entre o trabalhadore a organização, cada indivíduo desenvolve a
perceção subjetiva de que a organização lhe fez um conjuntode promessas de que lhe atri-
buirá um conjunto de benefícios em resposta às suas próprias atitudes e comportamentos.
Habitualmente distinguem-se três categorias destas obrigações:
Um perfil, com a larga maioria dos trabalhadores, que considerava que a empresa tinha
muitas obrigações balanceadas, relacionais e transacionais;
a Um perfil no qual predominavamas obrigações balanceadas e relacionais;
a Um perfil no qual predominavamas obrigações transacionais;
Um perfil no qual todas as obrigações eram praticamenteinexistentes.
Num estudo com militares portugueses que cumpriam missões de paz (Chambel & Oliveira-
-Cruz, 2010) analisámos o efeito da perceção do cumprimento do contrato psicológico no
seu bem-estar no decurso da missão. Verificámos que a perceção de não cumprimentodas
obrigações (i.e., rutura)por parte do exército no momento intermédioda missão levava a
uma diminuição do engagement no trabalho e a um aumento do burnout nesse mesmo mo-
mento. No entanto, esta perceção de não cumprimento do contrato psicológico no final da
missão não demonstrou efeito no seu burnout13,embora o seu nível de engagement sofresse
diminuição.
Nível interpessoal
A relação com chefe direto tem sido destacada como uma variável fundamental do contexto
organizacional para compreendermos o bem-estar dos trabalhadores nesse contexto. Neste
capítulo destacamos a relação de troca líder-subordinados(LMX) e o estilo de liderança
transformacional.
Uma das teorias de liderança com maior relevo para explicar o bem-estar dos trabalhadores
é a liderança transformacional. Como referimosanteriormente,elevados níveis de bem-
13 Podemos considerar que nesta altura em que a missão já tinha terminadoa avaliação da ruturado contrato psi-
cológico fosse relativizada pelos militares, no sentido em que poderão tender a concentrar-se na avaliação geral
O da sua experiência no exército e não apenas na experiênciada missão. Deste modo, a ruturasentida tornar-se-ia
O menos imprevisívele, consequentemente,sem efeito no seu bumout. Por outro lado, pelo facto de a missão ter
terminado, os militares poderiam viver situações de descanso e relaxamento que lhes permitiriam recuperar a perda
de energia e compensar o burnout anteriormentevivido durante a missão.
13
Psicologia da Saúde Ocupacional
Num estudo com enfermeirosde um hospital em Portugal (Salanova, Lorente, Chambel &
Martínez, 2011) analisámos o efeito da liderança transformacional no seu bem-estar no tra-
balho (i.e., engagement). Verificámos, como esperado, que este estilo de liderança contribuía
para este estado psicológico positivoe que esta atitudeocorria não só diretamente,mas
também através da perceção de autoeficácia destes profissionais. Confirmámos que o líder
transformacional, porque promovia as experiências vicariantes (era um modelo para os seus
seguidores) e utilizava uma comunicação persuasiva, promovia a perceção de autoeficácia
dos seus seguidores, a qual, por sua vez, promovia o engagement no trabalho.
Características do trabalho
As características do trabalhosão os fatores com maior destaque na explicação da saú-
de ocupacional. Como referimosanteriormente,no modelo de Karasek e Theorell (1990)14
reconhece-se que as exigências (i.e., o excesso de trabalho),o controlo (i.e., a autonomia)
e o suporte (i.e., o apoio do chefe e dos colegas) são fundamentaispara compreendermos
o bem-estar dos trabalhadores,tendo a primeiraum efeito prejudicial e as outras duas um
efeito benéfico.
Num estudo com uma amostra de estudantes universitários (Chambel & Curral, 2005)
anali-
sámos a aplicação deste modelo para explicar o seu bem-estar. Comprovámos que o bem-
-estar dos estudantes, nomeadamentea sua satisfação e os seus níveis de ansiedade/de-
pressão, dependiadas característicasdo trabalhoacadémico. Elevadas exigências, pouco
controlo e pouco suporte da parte dos colegas tinham um efeito significativo no seu bem-
-estar, porque eram os estudantes que consideravam ter menos trabalho excessivo, que
consideravam ter possibilidade de organizar o seu trabalho, e os que tinham mais apoio da
parte dos colegas os que se sentiam mais satisfeitos e com menos ansiedade e depressão.
Verificámos ainda que o controlo tinha um efeito muito relevante, porque atenuava o efeito
negativo das exigências na satisfação destes estudantes.
Ver Capítulo 4 onde é realizada uma resenha dos diferentes modelos
teóricos.
Psicologia da Saúde Ocupacional: Desenvolvimentoe Desafios
No entanto, tem sido também destacada a necessidade de se analisar cada contexto e fazer
uma análise das características específicas (Demeroutiet al., 2001) que podem ter um
papel saliente para explicar o bem-estar dos trabalhadores nesse contexto.
De acordo com esta perspetiva, desenvolvemos um estudo com trabalhadores das agências
de um banco em Portugal (Castanheira & Chambel, 2013) no qual mostrámos que o trabalho
emocional, nomeadamente a dissonância emocional, contribuía para explicar o burnout dos
trabalhadores para além das exigências quantitativase do controlo no trabalho. Eram os
trabalhadores que consideravam que tinham mais trabalho para realizar, que tinham menos
controlo na sua realização e que mais vezes tinham de mostrar sentimentos contrários aos
que estavam a sentir em relação aos seus clientes (e.g., tinham de atender com simpatia os
clientes que não eram educados) os que sentiam mais burnout na realização da sua ativida-
de profissional.
Ainda dentro dos trabalhos na área dos serviços, vários autores chamam a atenção para a
crescente importânciado estudo das características relacionais do trabalho (CRT), bem
como dos seus efeitos sobre os trabalhadores (e.g., Grandey & Diamond, 2010; Oldham &
Hackman, 2010). Há, assim, a necessidade de dar a devida atenção à componente relacional
e ao seu efeito nas relações interpessoais e sociais dos trabalhadores (Grant, 2008). Segun-
do Grant, a arquitetura relacional do trabalho refere-se:
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Psicologia da Saúde Ocupacional
com estes beneficiáriose no valor social percebido atribuídoao seu trabalho.O impacto
percebido na vida dos beneficiários constitui o grau em que os trabalhadores se encontram
conscientesdo facto de as suas ações afetarema vida dos recipientesdo seu trabalho
(Grant, 2007). O commitment afetivo face aos beneficiários do seu trabalho traduz "as preo-
cupações e a dedicação, em termos emocionais, face às pessoas ou aos grupos nas quais
o trabalho produz um impacto" (Grant, 2007:401). O valor social percebido constitui o "grau
em que os trabalhadores sentem que as contribuições do seu trabalho são valorizadas pelas
outras pessoas" (Grant, 2008:110). AS CRT revelaram relações positivas significativas com a
motivação para beneficiar os outros (Grant, 2008), no sentido de estes fazerem uma diferen-
ça positiva na qualidade dos cuidados prestados às pessoas, contribuindopara o bem-estar
destes profissionais.
Num estudo recente (Santos, Chambel & Castanheira, 2015) investigámos a relação entreas
CRT e o engagement no trabalho do enfermeiroshospitalares,enquantoíndice de bem-es-
tar, explorando se os enfermeiros que evidenciam níveis mais elevados de impacto perce-
bido na vida dos clientes, maior commitmentafetivoface aos clientes e uma perceção mais
elevada do valor atribuído ao seu trabalho, também demonstramum maior engagement
no trabalho. Por outro lado, considerámos que a energiae o investimento,em termosde
esforço, evidenciados no desempenho das funções deverão igualmenteser acompanhados
por uma relação positiva com o hospital, pelo que se pretendeestudar também o impacto
das CRT na relação do enfermeirocom o hospital, ou seja, com o seu commitmentafetivo
organizacional. Os resultados mostraram que os enfermeirosque consideravam que no seu
trabalho existiam mais CRT eram aqueles que sentiam mais engagement na realizaçãodo
seu trabalho e este estado psicológico positivo que assinalava bem-estar positivo levavaa
que estes enfermeiros também sentissem mais compromisso afetivo para com o hospital.
16
Psicologia da Saúde Ocupacional: Desenvolvimento e Desafios
por outro lado, esta relação entre o trabalho e a família pode ser positiva para o bem-estar
dos trabalhadores. No caso específico do enriquecimentodo trabalho na família conside-
ra-se que o trabalho beneficiaa família porque os recursos ganhos através da atividade
profissionalenriquecemo indivíduoe ajudam-noa ter afetos mais positivos e um melhor
desempenho na família (Aryee, Srinivas & Tan 2005; Greenhaus & Powell, 2006). Os recursos
ganhos através da atividade profissional podem facilitar a vida familiar do indivíduo, porque
promovem o desempenho, reduzem as exigências ou geram recursos adicionais no exercício
desse papel familiar. O trabalho pode fornecer recursos económicos (e.g., salário e assistên-
cia à saúde), recursos sociais (e.g., suporte social e estatutosocial) e recursos psicológicos
(e.g., sentido de identidade e contribuição pessoal), os quais poderão ser utilizados no de-
sempenho do papel familiar. Este enriquecimentoentre a vida profissional e a familiar pode
ser instrumentalou afetivo. No primeirocaso, os recursos gerados no decurso da atividade
profissional podem ser transferidos para o desempenho do papel familiar, como, por exem-
PIO, através de benefícios de assistência à saúde ganhos na empresa em que trabalha, o
trabalhador pode garantir melhor bem-estar para a sua família. No caso afetivo, os recursos
ganhos no decurso da atividade profissional podem gerar afetos positivos que se transferem
para o desempenho do papel familiar,como, por exemplo, uma promoção profissional pode
trazer uma satisfação ao indivíduo que se traduz em maior disponibilidade e boa disposição
no desempenho do seu papel familiar.Quer numa situação quer noutra,os recursos ga-
nhos no contexto profissional permitem ao indivíduo ter afetos mais positivos e um melhor
desempenho no seu papel familiar (Greenhaus & Powell, 2006). Concretamente no caso do
enriquecimento do trabalho na família, podemos considerar que os trabalhadores quando
consideram que o seu contexto organizacionallhes permitedesempenhar melhor o seu pa-
pel na família, consideram que este está a cuidar melhorde si e dos seus interesses e por
isso retribuem com atitudes mais adequadas e com melhor bem-estar (Aryee et al., 2005).
Num estudo desenvolvido com trabalhadores de um município português (Carvalho & Cham-
bel, 2015) verificámos que o conflito entre o trabalho e a família prejudicava o bem-estar em
contexto de trabalho (i.e., apresentava uma relação positiva com o burnout), o qual por sua
vez diminuía a perceção de saúde destes trabalhadores, enquanto o enriquecimentoentre
o trabalho e a família apresentava uma relação positiva com o bem-estar no contexto de
trabalho (i.e., com o engagement), o qual, por sua vez, aumentava a perceção de saúde e a
satisfação geral com a vida por parte dos trabalhadores.
Considerações finais
A Psicologia da Saúde Ocupacional tem, nestas últimasdécadas, adquiridoelevada matu-
ridade, demonstrando um corpo teórico robusto com assinaláveis implicações práticas. Re-
conhecendo que diferentes fatores do trabalho têm repercussões na saúde e bem-estar dos
trabalhadores, é fundamentalque sejam identificadosos fatores específicos de cada con-
texto, procurando eliminaraqueles que podem causar doença e stress e promoveraqueles
que dão oportunidadesde desenvolvimentoe de utilizaçãodo potencialdos trabalhadores,
que são responsáveis pela sua saúde e bem-estar.Não existindo dúvida acerca da relação
entre os diferentes fatores de risco psicossociais e a saúde e bem-estar dos trabalhadores
existe também a necessidade de intervirpor forma a construir contextos de trabalhomais
saudáveis.
Referências
132-146.
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Ashforth, B. & Saks, A. (1996). Socialization tactics: Longitudinal effects
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