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FACULDADE CÁSPER LÍBERO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação

COMUNICAÇÃO E COMPREENSÃO

Uma contribuição para os estudos da Compreensão como Método

PEDRO DEBS BRITO

SÃO PAULO

2015
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PEDRO DEBS BRITO

COMUNICAÇÃO E COMPREENSÃO

Uma contribuição para os estudos da Compreensão como Método

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, área de
concentração “Comunicação na Contemporaneidade” e
Linha de Pesquisa “Produtos Midiáticos: Jornalismo e
Entretenimento”, como requisito parcial para a obtenção
do título de mestre em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Dimas A. Künsch

SÃO PAULO

2015
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Brito, Pedro Debs

Comunicação e Compreensão: uma contribuição para os estudos da


Compreensão como Método / Pedro Debs Brito. - São Paulo, 2015

174 f. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Dimas Antônio Künsch


Dissertação (mestrado) – Faculdade Cásper Líbero, Programa de
Mestrado em Comunicação

1. Comunicação. 2. Compreensão. 3. Epistemologia da


Compreensão. 4. Método. 5. Intersubjetividade. I. Künsch, Dimas Antônio. II.
Faculdade Cásper Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação. III.
Comunicação e Compreensão.
4
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Aos meus pais: Sandra e Moacir.


Ao meu irmão: Moacir.
E à minha noiva: Thaís.
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AGRADECIMENTOS

Em dois anos e meio de mestrado repleto de estudos, conversas, aulas, trabalhos,


seminários, congressos, visitas internacionais, mais conversas, leituras, fins de semana cheios
delas, revisões de texto e escrita... Em dois anos e meio eu aprendi muito e sobre tantas coisas
diferentes – que nunca achei que estudaria – a minha primeira ação ao terminar essa etapa é a
de agradecer a todos aqueles que me apoiaram, auxiliaram e contribuíram significativamente
na construção dessa pesquisa.
O primeiro a quem devo agradecer, e muito, é o Prof. Dr. Dimas A. Künsch. Meu
orientador, mas não só, pois após quatro anos e meio (desde a minha iniciação científica,
passando pelo TCC e, enfim, a dissertação...) me ouvindo e me incentivando nos ramos da
pesquisa, posso dizer muito feliz que encontrei um grande amigo. Obrigado por todas as
palavras e pelos abraços. Esse trabalho não teria nem metade dos sabores sem os seus
conselhos. E obrigado também pela confiança.
Aos professores do mestrado da Faculdade Cásper Líbero que direta, e/ou
indiretamente, contribuíram com essa dissertação. Em especial aos professores doutores José
Eugênio, Luís Mauro, Cláudio e ao Antonio Roberto. Vocês fizeram parte de uma fase muito
importante da minha vida, por isso meu obrigado pelos seus ensinamentos.
Aos colegas discentes do mestrado, por todos os encontros e aulas divididas. E,
principalmente, àqueles que fazem parte do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e
Epistemologia da Compreensão” por tudo aquilo que fora das salas de aulas pudemos dividir:
os encontros gastrosóficos, nossa viagem à Colômbia e os encontros do nosso grupo, sempre
recheados de contribuições significativas para esta pesquisa.
Em casa, minha morada, os agradecimentos são infinitos. Aos meus dois professores
particulares, com suas respectivas histórias de vida, bagagem da qual compartilho por, pelo
menos, 25 anos e que me ensinaram um caminho do bem. Sandra e Moacir, essa etapa jamais
teria sido concluída sem o carinho e as contribuições especiais de vocês dois. Esse ciclo é só
um reflexo da vida feliz que vocês me proporcionaram. Afinal, todas as dificuldades e
complicações que ambos tiveram no caminho serviram para o crescimento, não só de vocês,
mas o meu também. De cada pedra, de cada barreira, juntamos forças para conquistar tudo
aquilo que hoje podemos chamar de “nossos”. Obrigado! Na família ainda falta agradecer ao
outro Moacir, meu irmão, que compartilha comigo não só o sobrenome, mas toda uma rede de
valores. Obrigado! Minha família, felizmente, cresceu. E quero agradecer à Rosana,
especialmente, pelo carinho que tem comigo e pelo apoio na reta final dessa pesquisa. Sua
cozinha nunca foi tão habitada indevidamente por livros – esse não é o lugar deles –,
computador e, claro, eu. Obrigado!
E vou logo agradecer também à pessoa que mais me ouviu, debateu ideias,
compartilhou das minhas (e das dela também) angústias, aconselhou, me apoiou... enfim, a
mulher que espero dividir a vida toda daqui pra frente. Thaís, minha noiva, obrigado pela
maturidade, compreensão e pelos sonhos que dividimos. Você foi um pilar fundamental dessa
pesquisa – e das próximas que ainda virão.
Aos amigos Paulo, Osmar, Guilherme, Hélio, David e Pedro, que sempre expandiram
meus universos de conhecimento. Obrigado pelas ideias, conversas e apoio.
À Unilever e aos responsáveis, Marco e Pedro (mais uma pizza entregue!), por
confiarem no meu trabalho e apostarem no meu crescimento intelectual. Sem dúvidas de que
esta pesquisa teria sido outra, caso essa porta não tivesse sido aberta.
Enfim, alguns nomes podem ter me falhado à memória, mas a todos aqueles que
contribuíram e continuam contribuindo com o meu desenvolvimento eu agradeço.
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SUMÁRIO

CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 15
1.1 Conhecimento e pensamento compreensivo ........................................................... 15
1.2 Um breve histórico do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e
Epistemologia da Compreensão” .................................................................................. 30
1.3 Metodologias utilizadas pelo grupo de pesquisas ................................................... 34
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 53
2.1 Martin Buber e o Eu-Tu, Eu-Isso ........................................................................... 53
2.2 Paulo Freire e a comunicação dialógica ................................................................. 68
2.3 Rubem Alves e o corpo, a ciência e a sapiência ..................................................... 79
2.4 Paul Feyerabend e a anarquia do método ............................................................... 93
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 109
3.1 Outras interlocuções: Empatia, Pensamento Dialógico e Compreensão .............. 111
3.2 Diálogo possível entre Freire e a Compreensão ................................................... 114
3.3 Esquecimento e compreensão ............................................................................... 118
3.4 Os saberes do corpo e a compreensão .................................................................. 119
3.5 A rigidez do texto acadêmico, sua indigestão e o anarquismo científico ............. 121
3.6 O conhecimento comum ....................................................................................... 123
3.7 Um resumo das principais contribuições à Compreensão .................................... 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 132
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 136
APÊNDICE A – Roda de Conversas sobre o tema “compreensão da Compreensão” ........... 141
APÊNDICE B – Lista da produção científica do Grupo de Pesquisa “Comunicação,
Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” sobre o tema da Compreensão ..................... 157
ANEXO A – Projeto de Pesquisa: “A compreensão como método: suas teorias e práticas”. 167
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BRITO, Pedro Debs. Comunicação e Compreensão: Uma contribuição para os estudos da


Compreensão como método. (Dissertação de Mestrado) Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2015.

RESUMO

Compreender a Compreensão, o seu estado da arte, no contexto do Programa de Pós-


Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero sob a ótica do Grupo de Pesquisa
“Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão”, entendendo que sentidos e
possibilidades empíricas e teóricas ali se produzem e ampliar o horizonte desses estudos a
partir de contribuições de Martin Buber, Paulo Freire, Rubem Alves e Paul Feyerabend, com
especial foco no atual projeto de pesquisa “A Compreensão como método: suas teorias e
práticas”. Também, apontar elementos que auxiliem na produção de uma espécie de rede
semântica ao redor do tema da Compreensão, identificando seus sentidos possíveis tanto no
campo da intersubjetividade, das relações humanas e éticas, quanto da cognição e, ligado a
isso, da epistemologia. Estes são os grandes objetivos desta pesquisa que, em resumo, se
propõe a trilhar um caminho que avança tanto pela epistemologia quanto pela prática da
Compreensão. Seu objeto, no sentido empírico do termo, é a produção científica do próprio
Grupo de Pesquisa tanto quanto obras específicas dos quatro autores cuja contribuição se está
buscando. Em grande parte, mas não só, os referenciais teóricos são constituídos pelos
próprios textos que se está estudando, do Grupo de Pesquisa e dos autores mencionados. A
aposta que se faz delineia duas possibilidades: primeiro, a de trabalhar uma postura ou atitude
cognitiva, de matriz idealmente dialógica, com relação a tipos diversos de conhecimento -
que, portanto, não se deixa identificar, simplesmente, com ciência, no sentido estrito do termo
–, trazendo para a roda de conversa tanto essa mesma ciência quanto outros saberes, via de
regra, refutados pela Razão – somente quando, pequena e deificada, corta e exclui outros
saberes do campo cognitivo –, tais como podem ser o pensamento mítico, as artes, as
experiências cotidianas, o pensamento religioso e o pensamento filosófico e outros; e,
segundo, propor uma ética complexa e compreensiva, no campo da intersubjetividade, calcada
sobre a palavra princípio Eu-Tu (Martin Buber), que contribua para um ganho no campo das
relações interpessoais, da cidadania, da justiça e da paz. Numa e em outra direção, a pesquisa
recupera os objetivos e as apostas do próprio Projeto de Pesquisa “A Compreensão como
método: suas teorias e práticas”. Metodologicamente, frequenta todo o trabalho o esforço de
exercitar-se no próprio método da Compreensão, no estudo sistemático dos textos que
compõem o corpus da pesquisa e na experimentação da aplicação da metodologia da roda de
conversa, que costuma frequentar as atividades do Grupo de Pesquisa.

Palavras-Chave: Comunicação. Compreensão. Epistemologia da Compreensão. Método.


Intersubjetividade.
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BRITO, Pedro Debs. Communication and Comprehension: A contribuition to the studies of


Compreehension as a method. (Masters dissertation) Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2015.

ABSTRACT

Understanding the comprehension, its state of art in the context of the Post Graduation
Program in Communication on Faculdade Casper Libero from the perspective of the Research
Group "Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão", understanding that
senses and empirical and theoretical possibilities there to produce and expand the horizon of
these studies from Martin Buber's contributions, Paulo Freire, Rubem Alves and Paul
Feyerabend, with special focus on current research project "A Compreensão como método:
suas teorias e práticas". Also point out elements to assist in producing a kind of semantic
network around the subject of comprehension, identifying its possible meanings both in the
field of inter-subjectivity, human and ethical relations as cognition and linked to this of
epistemology. These are the main objectives of this research in short aims to tread a path that
advances both the epistemology as the practice of comprehension. Its object, in the empirical
sense, is the scientific production of own research group as well as specific works of four
authors whose contribution we’re seeking. Largely, but not only, the theoretical frameworks
are made by the very texts that are studying, the Research Group and the mentioned authors.
A bet that is made outlines two possibilities: first to work an attitude or cognitive attitude,
ideally dialogical with respect to various types of knowledge - which, don’t let identify simply
with science, in the strict sense of the term - bringing the conversation runs both the same
science and other knowledge, as a rule, refuted by Reason - only when small, deified, cuts and
excludes other knowledge of the cognitive field - such as may be the mythical thought, the
arts, everyday experiences, religious thought and philosophical thought and others; and
second, to propose a complex and comprehensive ethics in the field of inter-subjectivity,
based on the word principle I-Thou (Martin Buber), which contributes to a gain in the field of
interpersonal relationships, citizenship, justice and peace. One and in the other direction, the
search retrieves the objectives and the stakes of the Research Project itself “A Compreensão
como método: suas teorias e práticas”. Methodologically, attends all the work the effort to
work out in understanding the method itself, the systematic study of the texts that make up the
corpus of research and experimentation in the implementation of the conversation circle
methodology, which usually attend the activities of the Research Group.

Keywords: Communication. Comprehension. Comprehension's Epistemology. Method.


Intersubjectivity.
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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se desenvolve a partir de uma busca pelo pensamento que pensa a
Compreensão e, por esse motivo, encontra-se no rol de estudos epistemológicos de natureza
assumidamente compreensiva. Este trabalho insere-se na linha “Produtos Midiáticos:
Jornalismo e Entretenimento”, do Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero.
Essa busca calca-se no objetivo central de se compreender a Compreensão.

Buscamos caminhos possíveis para a seguinte questão: como essa ideia se deixa
explicitar a partir da produção científica dos integrantes do Grupo de Pesquisa (GP)
“Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão”? Ou, talvez, possa ser mais
bem formulada da seguinte maneira: de que modos o GP está pensando a Compreensão? E
quais possibilidades epistêmicas, éticas e práticas a Compreensão nos permite pensar ou
antever? Indo um pouco mais além, e buscando o reforço de autores específicos: de que
modos Martin Buber, Paulo Freire, Rubem Alves e Paul Feyerabend acompanham ou
fortalecem a noção da Compreensão, nos moldes que estamos tratando? Qual a rede
semântica gerada por esses esforços teóricos de pesquisa e prática da Compreensão? A partir
da leitura crítica e revisão bibliográfica desses autores (as obras específicas estudadas serão
mencionadas mais à frente), junto com o estudo sistemático dos esforços produtivos do GP,
tentaremos dar conta das questões levantadas.

Nosso objeto é a produção científica do próprio GP, com ênfase nos artigos científicos
e capítulos de livros publicados pelo responsável brasileiro (Künsch), tanto quanto obras
específicas dos quatro autores cuja contribuição se está buscando. Em grande parte, mas não
só, os referenciais teóricos são constituídos pelos próprios textos que se está estudando, do GP
e dos autores mencionados.

Compreensão, como aprofundaremos nas próximas páginas, é a aposta numa ética,


prática e epistemologia que não valorizam apenas os produtos provenientes da razão, do
logos, lá onde essa razão, deixando de ser dialógica, fecha, e não abre para as diversas formas
11

possíveis de conhecimento. Assim, os sentidos, os sonhos, os pesadelos, o não-racional, o


erro, o fracasso e a vitória constituem elementos que contribuem para o pensamento do GP.
Não queremos saber apenas de falar, senão enquanto uma fala dialógica, que coloque o outro
junto de nós. Ouvir bem e mais o outro. Ciência, razão, sentidos, ideias, sonhos,
irracionalidades, não-racionalidades, mitos, luta, arte, cultura, dialogicamente falando, podem
constituir formas específicas, pertinentes, vitais de conhecimento, de compreensão do mundo
e da vida, de orientação.

Este trabalho posiciona-se, assim, contra o rigoroso método técnico-cientificista


iluminado pela razão pequena (Nietzsche), deificada por personagens históricos, como, por
exemplo, Augusto Comte, que teorizou o conhecimento científico como única forma
verdadeira de conhecimento, excluindo, assim, todos os saberes que não se incluíssem em sua
regra geral. Essa tradição de uma razão não-dialógica é, de longe, dominante no chamado
pensamento moderno. Contudo, para ser justo, ela não é a única razão possível, como nos
adverte Morin. Essa deusa em nada se relaciona com a figura da deusa da Grécia antiga,
Atena. Pelo contrário. Sua figura está mais para algum símbolo ditatorial que a da deusa grega
da sabedoria.

Diferente do método predominante em nosso mundo contemporâneo, a Compreensão


não prega verdades ou certezas, nem faz da prova de seus argumentos teóricos uma condição
para a conversa com o Outro – entendido, esse Outro, tanto como pessoa, gente, quanto como
teorias, visões de mundo, experiências de vida... Vai atrás da formulação de perguntas, pois
entende ser mais importante o questionamento que a resposta, o caminho que o destino.

Entendemos a Compreensão, como se verá neste trabalho, por vários prismas:


multiperspectividade, complexidade, mitos e narrativas como construção de outros saberes
possíveis, diálogo com o outro, diálogo com o inconsciente, diálogo como metodologia de
trabalho, intersubjetividade e crítica ao positivismo (à racionalização e absolutismo do
conceito).

Nosso objetivo com esta pesquisa é o de compreender a Compreensão: verificar como


ela se deixa explicitar por meio do estudo das produções no interior do Mestrado em
Comunicação da Cásper Líbero. Este é o primeiro e maior objetivo, de natureza teórica. Um
segundo compõe-se a partir da contribuição para com esse entendimento, na linha do projeto
de pesquisa atual “A Compreensão como método”, com o estudo das ideias de alguns autores,
entre os que confirmam ou podem confirmar uma base teórica para a compreensão da
Compreensão por parte do GP, sendo eles: Martin Buber, Paulo Freire, Rubem Alves e Paul
12

Feyerabend. A partir do estudo das ideias desses quatro autores, o segundo objetivo fica mais
completo por conta dos nexos que apontamos entre eles (filósofos) e suas contribuições para o
estudo da Compreensão, que também apontamos.

Outros objetivos, secundários, podem ser assim formulados: a) Sistematizar os estudos


no campo da Compreensão, com foco nas buscas que o grupo de pesquisas “Comunicação,
Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” empreendeu no período de 2010 a 2015, ou
seja, com os projetos “Conversando a gente se entende” (2010-2014) e “A Compreensão
como método” (2015-2017). Por sistematização entende-se a recuperação, classificação e
organização dos trabalhos científicos dos pesquisadores e a disponibilização dessa produção
em um repositório. Esse objetivo, que é secundário, está em curso de desenvolvimento e será
continuado mesmo com o fim desta etapa da pesquisa. A produção o mais completa possível
já está disponível nos apêndices desta pesquisa.c) Publicar os resultados desta pesquisa em
livro, como contribuição concreta para a ampliação e produção sobre o tema da Compreensão.

Tomamos como referencial teórico Martin Buber (da relação entre o Tu e o Eu é que
ambos os sujeitos se formam, sem deixar de lado o Tu potencial que existe em todo Isso),
Paulo Freire (sua prática, compreensiva, de contextualizar o outro no mundo entendendo-o
enquanto sujeito, e não objeto), Rubem Alves (critica o método científico que insiste em
diminuir e estreitar, ao invés de ampliar nossas visões e compreensões do mundo, bem como
sua aposta na sapiência) e Paul Feyerabend (a anarquia do método enquanto uma maneira
criativa – e necessária – de se produzir conhecimento).

A esses referenciais se somam outros pensadores como Edgar Morin, Michel


Maffesoli, Muniz Sodré, Mircea Eliade, Joseph Campbell, Max Weber, Friedrich Nietzsche,
Hannah Arendt, Vilém Flusser, Norval Baitello Jr., Marilena Chaui, Franz de Waal, entre
outros. Demonstradas, por exemplo, pelas ideias: a complexidade, uma crítica à “ditadura do
conceito”, a ternura e o afeto na produção de conhecimento, o papel dos mitos nas formas de
significar o mundo, o “desencantamento” do mundo, saberes plurais, etc.

São autores que têm como base de seu pensamento a abertura ao diálogo, ao outro, que
entendem o humano como ser de relações, de sonhos, devaneios, mistérios, consciência,
inconsciência, errante, andarilho, e que não vive exclusivamente num mundo linear e racional.
São autores que de alguma forma criticam a herança cientificista ou dão insumos para essa
crítica. Apesar do lugar de fala desses autores não ser homogêneo, cada um deles contribui
para o pensamento compreensivo, pois indagam sobre a abertura do nosso pensamento a
outros saberes que comumente não enxergamos, e aos quais muito menos ouvimos.
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Nossa metodologia estrutura-se da seguinte maneira: Levantamento, organização e


classificação dos textos científicos produzidos pelos integrantes do GP (monografias,
dissertações e teses produzidos pelos integrantes do GP, livros, capítulos de livros, trabalhos
completos em anais de eventos científicos e artigos em periódicos científicos) sobre o tema da
Compreensão.

Estudo sistemático de uma parte significativa da obra dos quatro autores (Eu e Tu, de
Buber; Extensão ou comunicação?, Pedagogia do oprimido, Educação como prática da
liberdade, de Freire; Variações sobre o prazer, Entre a ciência e a sapiência, Tempus fugit, O
amor que acende a lua, de Alves; e, de Feyerabend, um dos seus principais trabalhos: Contra
o método), para perceber, nelas, o que há de mais importante para a Compreensão do tema de
uma epistemologia compreensiva, na linha do projeto “A Compreensão como método” e com
foco na Comunicação.

Roda de Conversas: realizamos uma roda de conversas para debatermos o tema da


pesquisa e aprofundar os significados de Compreensão para os integrantes do GP. Toda a
nossa conversa foi gravada e transcrita e pode ser lida em sua íntegra no apêndice do trabalho.

A estrutura do trabalho se divide em três partes: um panorama sobre a compreensão;


uma retomada dos estudos de quatro autores (Paulo Freire, Martin Buber, Rubem Alves e
Paul Feyerabend) que estão de alguma forma dialogando com a ideia de Compreensão; e a
virtualização de uma roda de conversas desses quatro autores com o tema central da
Compreensão, um capítulo de amarrações que tecerá sentidos possíveis para as ideias que
trabalhamos ao longo dos dois primeiros capítulos. Esses três capítulos seguirão da seguinte
maneira:

O primeiro, intitulado “Uma primeira Compreensão da Compreensão”, aborda, de


maneira panorâmica, os sentidos e significados que o GP encontrou e entende por
Compreensão. Conta a história do GP, o que foi produzido no que concerne à produção
científica dos pesquisadores, artigos, dissertações, etc., os encontros e seminários do GP, além
de explicitar os dois projetos de pesquisa: “Conversando a gente se entende” e “A
Compreensão como método”, de maneira a demonstrar os avanços feitos nas trilhas da
Compreensão pelo GP e contribuir com o autoconhecimento do próprio GP, ao conhecer
melhor sua produção científica. Verificamos o que cada um dos participantes fornece como
matéria-prima para trabalharmos e complementarmos o significado de Compreensão. E
relatamos duas das metodologias utilizadas pelo grupo: Roda de Conversa (além de relatar,
também foi realizada uma com parte dos integrantes do GP presente) e a Gastrosofia.
14

Chegando ao segundo capítulo, “Contribuições teóricas para um estudo da


Compreensão”, observamos do ponto de vista da Compreensão, e em profundidade, 1) as
ideias da relação dialógica por meio da palavra princípio Eu-Tu em Martin Buber; 2) de
educação como prática da liberdade e a ideia de comunicação dialógica (que compreende,
abraça, o outro) em Paulo Freire; 3) as ideias que Rubem Alves teceu sobre a relação entre a
ciência, a sapiência e o corpo, com os seus saberes e sabores, além de expor 4) a proposta de
Paul Feyerabend sobre o anarquismo científico enquanto método contestador do dogmatismo
científico, a favor da criatividade e da liberdade de pensamento.

O último capítulo, “A compreensão na roda: um ensaio de interpretação”, é um espaço


destinado a fazer as amarrações necessárias dos diferentes pensadores estudados e colocar em
exposição que ideias conversam, dialogam e se relacionam com o tema da Compreensão. É
um exercício de virtualização de uma possível roda de conversas com os quatro autores junto
de todas as outras vozes que ouvimos ao longo do trabalho.

Muitos frutos foram gerados dos esforços de se pensar compreensivamente. Frutos


saborosíssimos. E, no fundo, é da pluralidade de entendimentos, que residem entre saber e
sabor, que essa pesquisa se ajeita e se encontra. Entre Eu e Tu. Entre consciência e não-
consciência. Entre epistemologia e prática. Entre objetivo e subjetivo... Mas não estamos
buscando o fechamento das questões aqui indagadas. Afinal, quão compreensivos seríamos se
propuséssemos respostas às nossas próprias perguntas? O que encontramos – e, que de um
ponto de vista compreensivo, podemos estar enganados – demonstra um pensamento
compreensivo com diversas possibilidades de expansão e abertura como, por exemplo, nas
ideias dos quatro autores estudados e aproximados ao tema central da epistemologia
compreensiva.

As mãos que escrevem estas páginas, e todo o corpo que acompanha esse movimento
de ideias e de dedos, devemos ainda dizer, são herdeiras de um signo incompreensivo. E por
mais revisões que façamos e tentativas e mais tentativas de transformar o signo da
incompreensão em um signo compreensivo, nossa linguagem nos trai. O que significa pedir
ao leitor, de partida, que compreenda nossa própria incompreensão: lá, nesses momentos de
traição, que transforma essa noção de pluralidade do conhecimento em uma ditadura de
conceitos, é nesses mesmos momentos que clamamos por sua compreensão. Ademais... boa
colheita!
15

CAPÍTULO I

Uma primeira compreensão da Compreensão

Uma parte de mim


pesa, pondera:
outra parte
delira
Ferreira Gullar

Buscar um pouco da história, da contextualização e dos principais significados que


guiam o pensamento compreensivo é o objetivo deste primeiro capítulo. Esse esforço tem
como principal ponto de apoio os estudos do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e
Epistemologia da Compreensão” (GP)1, mas não pararemos por aí. Demonstrar a roda de
conversas, a gastrosofia e as contribuições dos pesquisadores do GP ao tema da Compreensão,
bem como, tecer uma rede semântica de significados para a Compreensão: são as etapas das
páginas que seguem.

1.1. Conhecimento e pensamento compreensivo

Por menos “portanto” e mais “talvez” (Künsch, 2006:7). A busca por respostas
capazes de dar sentido para nossas vidas, nossas pesquisas e tudo o mais tem utilizado
caminhos sumariamente propostos pela razão. Mas é aí que mora um grande perigo, a
tendência esmagadora em se entender o pensamento e o ato de pensar unicamente pelos
caminhos indicados e enquadrados como corretos pela deusa Razão. A crítica central dos
estudos sobre Compreensão que o GP desenvolve resiste em diversos aspectos a essa noção
de ciência que empobrece nosso conhecimento: não desejamos que o conhecimento seja

1
No final do trabalho, na parte dos apêndices, estão todas as produções de participantes, antigos e atuais, do GP,
para consulta.
16

reduzido apenas àquilo que a razão consegue dar conta; muito menos desejamos que a razão
seja renegada nos processos cognitivos. Imaginamos, sim, um terceiro caminho, que tente
unir, de maneira complexo-compreensiva, diversos saberes e tipos de conhecimento sobre os
quais, hoje, pouco se fala e, os quais, mal se enxergam.

Seguir um caminho já traçado é cômodo. Nesse sentido, pensar tem se transformado,


de pouco em pouco, num pensar acomodado. Aquilo que Friedrich Nietzsche (apud Baitello
Jr. 2012:17) criticou: “a vida sedentária (Sitzfleisch), já o disse antes, eis o verdadeiro pecado
contra o santo Espírito” quer dizer, segundo Baitello Jr. (2012:17), que “é o pensamento que
se assentou. (...). Transformou-se em uma operação que não permite surpresas, muito menos
sobressaltos”. Esse pensamento sentado-sedado, acomodado e que não se deixa surpreender,
provém de um assentamento do homem no mundo.

Nádegas, janelas e biombos: a direção do pensamento

Retrocedendo alguns milhares de anos em nossa evolução enquanto espécie, vivíamos


nas copas das árvores, acostumados a ver e ouvir em todas as direções, nossos sentidos
serviam para entender o que estava perto e o que estava longe. Daí que saímos das árvores e
começamos a buscar o chão. Nosso encontro com esse chão fez com que nossos glúteos se
desenvolvessem para estarmos aptos a correr. Naquela época, nossa visão desempenhava
outro papel: “nos ajudando a formar não apenas uma direção do olhar, mas também uma
direção do pensamento: a ideia de porvir, o sentimento de futuro e, com ele, a noção abstrata
de temporalidade. Lá para onde caminhávamos era o lugar onde estaríamos amanhã” (Baitello
Jr.: 2012:49).

Essa direção do olhar e do pensamento, porém, sofreu outra quebra significativa ao


nos assentarmos, pois, ao começar a cultivar plantas e domesticar animais, foi necessário criar
um espaço que protegesse o humano dos perigos existentes no mundo. Dessa maneira, o
homem, segundo Baitello Jr. (2012:50), “construiu habitações fechadas e, para ver o mundo,
abriu janelas”. E o mundo se tornou “visível pelas aberturas das janelas, que o recortam, o
enquadram (de alguma forma domesticam também!)”.

As janelas se transformam em uma atividade cognoscente na medida em que se


transformam em formas para-ver e de se-ver o mundo. O pensamento, que acompanhando a
visão ganhou uma direção linear, agora, com as janelas, fica aprisionado e direcionado para os
cenários que as janelas mostram, “domesticando-o, ensinando-o a ver apenas o que está
17

dentro dos recortes de suas molduras, de suas esquadrias” (Baitello Jr. 2012:53) e, com isso,
as janelas transformaram-se em maneiras de se ver e entender o mundo. Maneiras fechadas,
determinantes. Baitello Jr. (2012:53) continua alertando que elas, as janelas, “reduzem e
simplificam o mundo direcionando o olhar para um pedaço do mundo, reduzindo a imensidão
do incerto e difuso”.

Existem diferentes tipos de janelas. Por exemplo, a janela física que temos em nossas
casas. A janela de um quadro de arte, que nos leva para outros lugares sem alterar a posição
do nosso corpo no espaço e no tempo, ou seja, leva apenas o pensamento para outro lugar.
Aliena o corpo de sua condição material, virtualiza-se outra realidade para o pensamento se
satisfazer. Daí que, indiferente do tipo de janela à qual estamos nos referindo, podemos
abstrair e pensá-la a partir da sua forma: um retângulo. Como diz Harry Pross (apud Baitello
Jr. 2012:54): “o poder do retângulo (...) é inegável na cultura ocidental (...), os retângulos (...)
quase nos adestram a só ver as coisas que estão dentro de retângulos, a ver
retangularmente”. A complexidade da janela recai sobre a ideia de que “toda janela, como
todo retângulo, como toda imagem, mais esconde do que mostra”, e é justamente isso que
tanto nos fascina, encanta e nos seduz: “porque escondem e nos desafiam a ver o que está
escondido”, conduzindo nossas mentes “a imaginar o que não é mostrado” (Baitello Jr.
2012:54).

Ciência, método e biombo

A janela, ou o retângulo, serve-nos como metáfora: para pensar o pensamento, que


pode significar, em outras palavras, como pensar de que maneira a razão não-dialógica mutila
nosso pensamento. Todo tipo de conhecimento é uma janela que recorta o mundo para o
sujeito conseguir enxergar alguma coisa lá fora, alguma “realidade”. Enxergar, aqui, é um ato
que exige um lugar de onde se olha. Esse lugar é o nosso espaço envolto de cultura, ideias e
referências, nossa casa. Atrevo a dizer que esse lugar é nossa ecologia, no sentido de um
ambiente atravessado por diversas redes semânticas (nossos contatos, afetos, ideias,
concepções de vida, erros, etc.). O positivismo e toda a nossa herança de pensamento
acabaram por determinar, por meio de um processo histórico, que somente a janela da ciência
pode ser entendida como conhecimento válido. Todas as outras aberturas para o mundo, dessa
forma, transformaram-se em não-válidas. A partir daí, o homem começou a construir casas
com cada vez mais janelas da ciência e cada vez menos janelas que mostrem outros saberes.
Para se enxergar a realidade de uma maneira mais complexa, numa tentativa de o homem
18

viver mais completo no mundo, é preciso ou abrir outras janelas ou quebrar as paredes
erguidas que protegeram e acomodaram o homem.

Para a primeira opção, abrir outras janelas: complexo, como bem lembra Edgar Morin
(2011), quer dizer aquilo que “tece e entretece” ou que “é tecido junto”. Esse sentido de
complexidade, que acompanha o pensamento de Morin, é parte fundamental da nossa crítica à
racionalização. E ainda Morin (2011:89) quem comenta que é necessário substituirmos “um
pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo”. Em outra passagem, ele
completa com as seguintes palavras: “o conhecimento é (...) um fenômeno multidimensional,
de maneira inseparável, simultaneamente físico, biológico, cerebral, mental, psicológico,
cultural social” (Morin, 2012:18).

Essas noções estão em sentido de alerta, pois indicam, muitas das vezes, para
pensarmos de maneira complexa. Tentar desvencilhar-nos do pensamento de tipo 0 ou 1, do
certo ou errado, do subjetivo ou objetivo, e um longo etc. de proposições lógicas entre
afirmações e seus negativos correspondentes.

Os computadores, celulares, tablets, e diversas tecnologias presentes no nosso dia a


dia, funcionam perfeitamente sob a lógica de sim ou não. Os processadores dos computadores
funcionam com 0 e 1. E coisas realmente fantásticas puderam ser feitas sob essa forma de
pensar e com essa janela aberta pelo pensamento e o método científico (ir à Lua, criar uma
rede mundial de computadores, satélites por toda a volta da Terra, facilidades na comunicação
à distância, entre outros tantos exemplos). Porém, essas “caixas pretas que brincam de pensar”
(Flusser, 2011:42) acabam por transformar a nós mesmos em seus funcionários. Flusser
(2011:90) também comenta que não há mais homem nenhum que possa controlar esse jogo
(da máquina que funciona e que transforma o humano que a criou em seu funcionário): “e
quem dele participar”, continua o filósofo, “longe de controlá-lo, será por ele controlado”.

Mais à frente, Flusser (2011:97-98) diz “os instrumentos são modelos de pensamento.
O homem se inventa, tendo por modelo seu próprio corpo”, esquecendo-se “depois do
modelo, ‘aliena-se’, e vai tomar o instrumento como modelo do mundo, de si próprio e da
sociedade”. Se pensarmos nisso enquanto uma metáfora, podemos dizer que o pensamento
contemporâneo, regado pela Razão deificada (no sentido estrito de uma razão não dialógica,
ditatorial e absolutizadora que, por vezes, é considerada uma deusa) e pelo positivismo,
funda-se como um instrumento que amplia o corpo do homem para se conhecer o mundo,
porém, nós esquecemos que o instrumento é um facilitador e não é um modelo do mundo, da
sociedade e de si próprio. Olha-se pela janela – instrumento criado pelo homem que simula o
19

olho – esperando ver o mundo, mas que só vê uma determinada síntese delimitada e recortada
dele. Lá, onde esperávamos encontrar uma janela, vemos um biombo. Em vez de mostrar,
esconde. Aliena. A preocupação de Flusser (2011:98) recai sobre a fotografia, argumentando
que uma filosofia da fotografia deveria ser uma crítica ao funcionalismo. Para nós, uma
filosofia da ciência, dessa forma, deve usar como guia certa crítica ao racionalismo
positivista, que reduz nossos sentidos acerca do mundo.

Signo e pensamento da Compreensão

Nesse contexto é que nossa aposta recai numa epistemologia de tipo complexo-
compreensiva. Compreensão, que entendemos como “noção de um saber comunicacional
indissociável de uma ética cognitiva, que assume, defende e propõe uma reflexão sobre os
sentidos humanos de todo conhecimento” (Künsch, 2008b:174). Frisando os aspectos críticos
ao domínio do Signo da Explicação é que Künsch propõe outra forma de conhecer o mundo,
abrindo nosso corpo (e as janelas que usamos para enxergar fora do nosso próprio mundo)
para, também, expressar seu conhecimento de mundo, abrindo o pensamento para ouvir o que
outros saberes têm a nos dizer. “Melhor acalentar a ideia de que um ponto de vista
compreensivo possa e deva se fazer e refazer no diálogo com o diferente” (Künsch, 2009:65).

Nossa aposta, em outras palavras, critica a supervalorização da razão, de sua


deificação. Martino (2014:19-20), diz que “é justamente no sentido de não desvalorizar a
razão que ela não pode ser superdimensionada”, pois, na medida em que ela se transformar na
dimensão única do ser humano “essa mesma razão mostra sua incompletude, suas fissuras
internas irreconciliáveis, e irreconciliáveis porque estão fora do plano da razão, da
racionalidade, do logos”. A razão não é a única (nem a mais importante) dimensão da vida do
ser humano, mas uma das dimensões. No grande curso da história humana, chegou-se a
pensar somente por caminhos parcelados, medidos e abstratos.

Tenhamos em vista que, por diversas vezes pensar o mundo a partir da razão nos
ajuda, nos é útil. E, isso, a Compreensão compreende. O que é indefensável, para um
pensamento compreensivo, é aquilo que “a vida e o mundo não se cansam de mostrar”, que é,
justamente, que eles “não cabem em, nem suportam, uma pirâmide invertida”, como nos diz, e
continua, Künsch, (1999:294), é “inútil arrochar o cinto do presente imediato para tentar fazê-
lo entrar, aos tapas e empurrões, na cela-forte do pensamento monocausal, redutor,
determinista, e das técnicas e vícios que nele se sustentam”.
20

Nesse caminho, podemos pensar em outros sentidos que afloram, mas que são
suprimidos pela deusa Razão, como bem lembra Alves (2011:66): “as cozinheiras trabalham
com efeitos sensíveis”. No momento em que fala das cozinheiras pensarem não a partir da
cabeça, mas a partir da boca, numa espécie de “ontologia do gosto”, o paladar da cozinheira é
seu medidor, eis que fica mais concreta a ideia de que o corpo, indisciplinado, anseia em
conseguir se mostrar e “dizer sua palavra”. A “disciplinização” – e sedação que daí decorre –
do corpo é uma das coisas que nos limita o horizonte de possibilidades de caráter espitêmico
para encarar o mundo por outros meios e outros olhares.

As certezas científicas, dessa maneira, compuseram-se a partir de uma transformação


do significado do que é razão, ao que recorremos a Künsch (2010:18), outra vez: “razão, que,
fértil, aberta, dialógica em sua humanidade, perverteu-se em racionalismo, em mentes
fechadas, olhares enviesados”, juntamente da “mania de trancar e passar cadeado nos sentidos
das coisas. Idem para o conceito, quando, e somente quando, fecha em vez de abrir; quando se
imagina detentor da verdade absoluta sobre a coisa, o mundo, a vida”.

Daí decorre o que Muniz Sodré (2006) chamou de “ditadura do conceito”. Em uma
tentativa de abrir os sentidos e de tentar tecer uma rede de significados plurais, então, é que a
Compreensão vai agir de maneira mais concreta. A Compreensão pensa a partir do plurálogo:

O pensamento compreensivo entende ser possível ir além, no movimento da


roda empurrada pelas mãos de quantos, por caminhos às vezes muito diversos,
se põem à procura do que julgam poder interessar à vida e ao futuro da
comunidade humana. O conhecimento humano resulta, pois, nesse sentido, de
um empenho comunicativo-compreensivo. Mais: a pluralogia acrescenta,
soma. O desprezo, a arrogância, o preconceito, o etnocentrismo, o
reducionismo e outros vícios, não. Mutilam. Empobrecem a compreensão do
mundo (Künsch, 2008b:183).
E pensar de forma plural tem como ponto de partida a abertura dos próprios limites de
nossa área de especialização. Künsch (2000:288) coloca isso nos seguintes termos: “Parece
chegado o momento de o cientista, o pesquisador, o acadêmico, o profissional, o técnico, o
homem e a mulher comuns”, ou seja, “todo mundo arriscar o intercâmbio de algo mais
profundo que conhecimentos e saberes particularizados das diversas áreas e subáreas que
representam”.

Alinhado a essa visão, Morin (2001:24) também critica a “hiperespecialização”, ao


dizer que “nosso ensino privilegia a separação em detrimento da ligação” e “a partir daí o
desenvolvimento da aptidão para contextualizar e globalizar os saberes torna-se um
imperativo da educação”, tendo em vista que não podemos “deixar o conhecimento
21

desmembrar-se entre as concepções redutoras geradas pelas disciplinas” (Morin, 2012:29).


Contextualizar e globalizar saberes muito se aproxima da noção de Compreensão, tendo em
vista que ela traz em seu interior a noção de que o conhecimento foi fragmentado,
transformado em microscópicas partes que não se conversam e não se falam.

Um conhecimento que não compreende a si mesmo e que, fechando-se ao redor dos


sentidos que egolatricamente produz, não compreendendo, abandona ao mesmo tempo as
virtualidades da compreensão, no sentido do tecido e entretecido de Morin – a que esse autor,
em mais de um lugar, chama de democracia cognitiva. A tarefa primordial de uma
epistemologia do conhecimento, nesse sentido, é a de tentar (re)costurar saberes, colocá-los
num mesmo ambiente e, a partir daí, voltar a pensar o todo partindo de cada parte no lugar de
apenas analisar as partes. O uso do termo “todo”, compreensivamente falando, tem um
sentido mais didático que “real”.

Para a Compreensão, nos termos da cognição e do método, deve se levar “em


consideração a epistemologia como espaço da alteridade com o qual se dialoga” (Martino,
2014:29), ou seja, é uma epistemologia que abre e não que fecha, uma atitude epistêmica
plural. Aberta à “possibilidade de validade de outras teorias, conceitos, objetos e métodos”
(Martino, 2014:27), a Compreensão abraça outros conhecimentos e outras possibilidades de
compreensão humana sobre o mundo, a vida, a existência, a morte, a comida que comemos,
nossos costumes... enfim, tantos conhecimentos que se queira pôr numa mesma roda para se
falarem.

Morin (2012:39) adverte: “a consciência de que o saber é incompleto”, aquela ideia de


douta ignorância (Nicolau de Cusa), “está certamente bem disseminada”, mas “ainda não
tiramos as lições disso”. Que significa, em outras palavras: precisamos aprender que o
aprendizado nunca será completo, uma vez que, no fundo, no fundo, o conhecimento é mais
uma busca, um caminho, que um ponto de chegada – o que estamos fazendo, colados à cultura
do nosso tempo, é contando histórias que nos ajudem a nos situamos no mundo. A
compreensão é “uma atividade interminável”, nos diz Arendt (2008:330), “por meio da qual,
em constante mudança e variação, chegamos a um acordo e a uma conciliação com a
realidade, isto é, tentamos sentir o mundo como nossa casa”.

Em nosso tempo, como indicado por Morin (2012:73), para o conhecimento, é vital “a
dupla, contraditória e complementar exigência: simplificar e complexificar; as estratégias
devem combinar, alternar, escolher a via da simplificação e a da complexificação”.
Contraditória porque se trata de termos antagônicos, mas só por isso. Numa visão
22

compreensiva da vida e dos nossos problemas, simplificar e complexificar vivem bem lado a
lado. Uma coisa não anula, necessariamente, a outra.

Voltamos a Künsch (2009:69), buscando não uma definição que feche essa noção de
Compreensão que estamos traçando, mas, que sirva como um ponto de partida: “Um
pensamento que não exclui, mas junta; que não descarta o que não cabe nos limites de uma
disciplina a se fazer doutrina, mas que chama para a conversa e o diálogo”, nesse sentido, é
um pensamento “que sabe ver o ser e o não-ser em sua dialogia, a complementaridade dos
opostos”, (Coincidentia oppositorum), “a lógica não-lógica do paradoxo”. Künsch (2009:69)
ainda diz: “Um pensamento, em semelhante medida, humanamente compreensivo, de respeito
e afeto para com quantos estão a caminho” e que nunca “imagina poder começar algo do zero,
mas que entende sua existência e possibilidade de avanço na medida mesma em que se
reconhece na intertextualidade dos sentidos e vozes plurais”. Em suma, um pensamento que
“não sendo dual, não se pretende único. Um pensamento, mais que sistemático,
ecossistemático. De interações de várias ordens, na desafiante tarefa de compreensão do
mundo – e não de explicação, que o tempo não é de pontos finais”, que se dá ao abraço, ao
afeto e à cordialidade, “bem além do que propõe a expressão ‘debate de ideias’. Um
pensamento que não abandone o vínculo com a vida, e que tem, por isso mesmo, em alta
conta o valor da ‘saúde de espírito’ de que fala Epicuro”.

A partir dessa leitura de Künsch, buscamos uma chave possível para abrirmos essa
caixa chamada Compreensão e organizar o seu conteúdo em três esferas2: ética, práxis e
epistemologia. É sob essa disposição que iremos trabalhar nas próximas páginas. Algumas
dessas noções serão aprofundadas, contestadas e melhor estudadas ao longo da dissertação
(principalmente no terceiro capítulo, em que iremos trazer as contribuições dos quatro autores
destacados anteriormente para dialogar com a Compreensão sob esses vetores).

Vetores da Compreensão

Esses vetores da Compreensão começam pela ética. Que entendemos,


fundamentalmente, como um olhar atento para questões intersubjetivas, coisas que se
relacionam com e entre os humanos. Do começo: a palavra ética vem de ethos, palavra grega

2
A ideia de três vetores da compreensão – como chamamos neste trabalho – nasceu na Roda de Conversas sobre
o tema da Compreensão, cuja transcrição encontra-se na íntegra. Lá onde eu iniciava minha fala sobre como eu
estava entendendo o tema do pensamento compreensivo, e que organizei os autores que eu estava estudando
(Buber, Freire, Alves e Feyerabend) sob esse prisma triádico.
23

que pode ser traduzida por “caminho escolhido”, ou seja, toda escolha que fazemos está no
campo da ética. Da subjetividade, portanto. Dessa maneira, a Compreensão, na esfera da ética,
se dá tanto pela intenção pessoal de cada sujeito quanto, e principalmente, pelas relações na
direção do outro, do planetário, em termos morinianos. Em outras palavras, a ética vai para o
caminho das relações dialógicas com o outro, o Eu com o Tu.

As relações entre as pessoas, relações de um Eu para com um Tu, ou, como também
acontece, de um Eu para com um Isso, são configuradas pelos desejos, vontades, medos e
pensamentos de cada uma das partes. Então é uma escolha eu me virar para o outro e tratá-lo
como uma coisa, um objeto que eu usarei para determinados fins, ou como um outro sujeito
que está ali para contribuir com o meu engrandecimento, tanto com seu próprio
engrandecimento através da minha postura. A essas posturas Martin Buber dedicou o nome de
palavra-princípio. Cada palavra-princípio é uma ação possível do sujeito frente ao mundo.

A Compreensão, no sentido ético, busca uma aproximação entre as pessoas. Juntar os


sujeitos, fazer com que eles conversem mais e se distanciem menos. Em nossos tempos
contemporâneos, aparentemente, as relações interpessoais encontram-se abaladas e se
tornaram mais efêmeras. Claro que não todas, mas, como Zygmunt Bauman aponta, em seu
livro Amor líquido, as relações entre os sujeitos têm ficado cada vez mais supérfluas, por
conta da fluidez e velocidade com que acontecem: não há um tempo lento para que as coisas
se consolidem. A isso, a Compreensão busca uma filosofia pautada no diálogo, justamente
para fortalecer e aumentar a resistência de relações intersubjetivas.

Já a práxis, ou a Compreensão na prática, é uma esfera reservada para as ações e


movimentos dos sujeitos rumo à conciliação de interesses, desejos, vontades e necessidades
entre si. Nessa categoria é onde conseguimos exemplificar de maneira mais rica, uma vez que
estamos tratando justamente de ações. Algumas dessas atividades compreensivas estão
espalhadas ao longo do trabalho. Aqui vou me dedicar a apenas algumas, tentando fixar essa
dimensão da Compreensão.

A educação, quando preocupada com a inserção social dos sujeitos, seja por ensinar a
ler e escrever, seja por ensinar os conhecimentos básicos e também os avançados de forma
que consiga subsidiar os estudantes para saberem falar, serem ouvidos e que garantam a sua
participação no jogo da democracia, é um dos expoentes da Compreensão na prática:
compreender, nesse caso, significa algo como a inserção social de outro sujeito no mesmo
mundo que o meu, ou seja, humaniza o outro. A partir de uma relação dialógica, transformo-
me num Tu para um Eu que, até então, não era ouvido nem considerado enquanto humano. É
24

nesse sentido que o Tu liberta o Eu para o mundo: compartilha comigo a experiência de


construir minha condição humana por meio de relações intersubjetivas e das atividades
pedagógicas.

No caso da fotografia, como veremos no último capítulo, quando busca trazer o outro
para o nosso mundo – e, para alcançar tal objetivo, é necessária uma relação entre fotógrafo e
fotografado –, também podemos aproximá-la à esfera da Compreensão na prática, pois sugere
a necessidade de encontrar uma relação de base Eu-Tu, entre fotógrafo e fotografado.

O pensamento que pensa as noções compreensivas, que norteia as ações e os objetivos


da Compreensão, aparece com pouca frequência como tema central dos estudos do GP.
Porém, em praticamente todos os trabalhos dos integrantes do grupo, é possível destacar a
visada compreensiva, ou seja, uma postura e uma perspectiva compreensiva, na qual o
trabalho se baseia. Seja para falar do jornalista Marcos Faerman, sujeito pesquisado por
Guilherme Azevedo (2014a) em sua Dissertação de Mestrado, seja para falar do filme
Crepúsculo e suas relações midiáticas e compreensivas com os contos de fada, como fez
Carolina Babo (2015), a Compreensão aparece como, no mínimo, pano de fundo.

De todo modo, o pensamento que pensa o pensamento compreensivo indica que,


“enquanto as ciências ‘normais’, inclusive as cognitivas, baseiam-se no princípio disjuntivo,
que exclui o sujeito (o cognoscente) do objeto (o conhecimento)”, como diz Morin (2012:30),
ele propõe uma visada que coloque sujeito e objeto na mesma página. Além de colocar os
diversos sujeitos para conversar com os objetos. Em sua perspectiva, houve um rompimento
do pensamento com os saberes, o que acabou por priorizar a ciência e entendê-la como deusa
reinante. A epistemologia da Compreensão age mesmo no sentido de uma “ruptura
epistemológica”, no sentido que Maffesoli (1998:46) compreende.

Olhares compreensivos e preocupações sobre a Compreensão

O trabalho do GP tem se estendido por diversos temas que atravessam e transpassam


áreas do saber em diálogo com a Comunicação. Essas preocupações, de maneira bastante
rápida, são as seguintes: a astrologia; comunicação de riscos; comunicação organizacional;
contos de fada; epistemologia; jornalismo; o mito e suas narrativas; publicidade, propaganda e
marketing; e a sustentabilidade. Cada pesquisador vê dentro de seu próprio projeto como o
tema da Compreensão pode se encaixar (ou como ela faz falta, justamente por não estar
25

encaixada), ou como a Compreensão é um pano de fundo para as atividades exercidas. Por


isso a Compreensão como método.

Astrologia, contos de fada e os mitos

Um dos exemplos de que a epistemologia compreensiva é plural e aberta para outros


conhecimentos é a inserção dos estudos sobre a astrologia no campo da comunicação. Ana
Cristina Vidal de Castro Ortiz (ou, como gosta de ser chamada: Titi Vidal) defendeu, em
2015, sua dissertação de Mestrado, intitulada “Narrativas do céu: a presença da astrologia nos
meios de comunicação”. E nela podemos encontrar insumos para tentarmos construir um
pensamento compreensivo sobre a astrologia.

Da mesma maneira que outros mitos, o papel da astrologia já foi mais forte para nossa
sociedade: muito tempo atrás, antes da revolução renascentista que mudou os rumos da
história humana, nós vivíamos muito bem com o Sol sendo um deus e a Lua, uma deusa. Mas
houve um momento em que essa relação antropocósmica foi rompida. Isso tem início com os
estudos de Copérnico e Galileu, que, na medida em que desenvolviam a astrofísica, estavam
“desencantando” os astros. Nas palavras de Ortiz A. (2015:129): “Os Deuses deixaram de ser
o Sol, a Lua e outros que habitavam o Céu ou a natureza e a partir daí muita coisa mudou”,
como, por exemplo, a racionalidade virou o centro das atenções das qualidades humanas e,
com isso, “as estrelas e o mundo celeste passaram a ser estudados e pensados pelo olhar da
ciência” deixando de ser algo sagrado.

Retomar a astrologia é uma busca por outros conhecimentos, para além daqueles que
se encontram nos limites do campo científico e é, dessa maneira, uma busca sob a ótica da
epistemologia da Compreensão.

O caso dos contos de fada muito se aproxima da história da astrologia: antigamente,


em tempos arcaicos, eram constantemente usados em conversas tanto de adultos quanto de
crianças. Com o tempo e a ação racional e totalizadora do pensamento científico, porém, os
contos de fada foram se transformando em coisa para a criança. Esses contos, como nos conta
Tolkien (2013:9) “não são histórias sobre fadas ou elfos, mas histórias sobre o Reino
Encantado, Faërie, o reino ou estado no qual as fadas existem”. Os contos de fada podem
conter uma diversidade absolutamente gigante de coisas, inclusive os seres humanos,
bastando estarmos “encantados”.
26

Quem estudou a fundo os significados contidos nesse tipo de narrativas foi a Carolina
Chamizo Henrique Babo, que terminou sua dissertação de mestrado sobre a retomada dos
contos de fada pela mídia em 2015, sob o título: “Era uma vez... outra vez. A retomada e a
reinvenção dos contos de fada pelo mundo (des)encantado da mídia”. O que ela nos fala
(2015:23) é que

devemos deixar que eles nos toquem, nos inspirem, nos mostrem seus
ensinamentos, nos encantem ou assustem, com suas belas fadas e terríveis
bruxas. Devemos acreditar nesses seres e, com seu auxílio, viajar para o
reino desconhecido, que habita nosso mais profundo mundo interior. Um
mundo cheio de mistérios, os mais diversos.
Há, nessa leitura, uma abertura compreensiva para uma condição psicológica muitas
vezes esquecida por nós mesmos: o inconsciente. O inconsciente é onde esse tipo de narrativa
encontra seu terreno fértil. Os caminhos que tangem os reinos do consciente e do inconsciente
compõem uma das chaves mais importantes para o desenvolvimento de uma visão humana do
mundo e das coisas. O diálogo consciente e inconsciente é de relevância para uma visão de
tipo integral do ser humano.

O que nos leva ao tema do mito. Apesar dos esforços de diversos pesquisadores há,
hoje, uma confusão no significado de mito: “mitificação da realidade se confunde com
mistificação dos fatos”, nos dizem Cremilda Medina e Dimas Künsch (2014c:64). Mito,
então, não significa uma história mentirosa. Os mesmos autores dizem, um pouco mais à
frente (2014:71), que há uma visão mais complexa para mito, na qual ele “busca uma ordem
possível de sentidos. É uma narrativa que organiza um cosmos no meio de um caos”. A
Compreensão, como espaço do plurálogo, tem como seu abre-alas o mito, porque ele é uma
das narrativas mais antigas e com maior quantidade de significados contundentes para a nossa
realidade atual, anterior e posterior.

Os mitos. A visão que se falava antes, e a mitologia, na visão de Jung (2008), são a
linguagem própria do inconsciente. E a sua função primordial, bem como a dos ritos, “sempre
foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar”, funcionando como
uma força capaz de estabilizar, ou pelo menos, de tensionar a corda na qual aquelas “outras
fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás” estão ligadas, nos diz Campbell
(2005:21). O mesmo autor vai dizer, um pouco mais à frente, o seguinte: “Pode ser que a
27

incidência tão grande de neuroses em nosso meio decorra do declínio, entre nós, desse auxílio
espiritual efetivo”3.

Comunicação de riscos

Momentos delicados de desastres ambientais, ou de outros tipos, exigem das


autoridades sempre cuidado especial com a forma como conversam com as comunidades que
foram afetadas ou que se encontram em situação de risco. Cilene Victor, cientista da
comunicação especializada nessa área, em texto intitulado “Diálogo nos cenários de riscos de
desastres” (2014:182) nos conta que:

A partir da credibilidade e da confiança como os interlocutores são


percebidos que a comunicação de riscos pode dar origem a um diálogo
amparado na compreensão e na comunhão de ideias – condição primária
para fazer da comunicação uma ferramenta capaz de aumentar a resiliência
das comunidades e, por consequência, preservar a vida das pessoas mais
vulneráveis aos desastres.
A comunicação se transforma num híbrido: de um lado, é ferramenta e instrumento
para o aumento da resiliência das comunidades – o que quer dizer a melhoria das habilidades
das comunidades em resistir aos desastres por meio da disseminação de informações para os
sujeitos que vivem nessas comunidades–, e, do outro, a empatia que as comunidades sentem
com as figuras responsáveis por compartilhar essas informações. Na ausência do diálogo e da
compreensão, diz Victor (2014:189), dois elementos fundamentais para a comunicação de
riscos, há um favorecimento da “ampliação social dos riscos de desastres”.

Comunicação Organizacional

No campo da comunicação organizacional é Viviane Mansi4 quem nos traz diversas


aproximações com a noção de Compreensão. Mansi concluiu sua dissertação em 2014, com o
título “Comunicação, diálogo e compreensão nas organizações. Narrativas de liderança”. Nas
palavras da própria pesquisadora:
3
Iremos trabalhar mais a fundo esse entendimento mais aberto dos significados do mito no segundo capítulo no
subtítulo “Por outro entendimento do mito”, por conta de uma aproximação das ideias de Martin Buber com as
de Mircea Eliade, de maneira a aumentar os significados da obra Eu e Tu.
4
Importante destacar parte da produção de Viviane, principalmente os três livros publicados, pois se trata de
uma autora que vem, paulatinamente, angariando espaço no tema da comunicação organizacional, do ponto de
vista do pensamento compreensivo. Comunicação com empregados: a comunicação interna sem fronteira
(2013), seu mestrado em forma de livro: Comunicação, diálogo e compreensão: as narrativas da liderança
(2014) e Comunicação, diálogo e Compreensão (2014), que além de ajudar a organizar o livro, também tem um
texto intitulado: “Os (diversos) diálogos possíveis nas organizações”. Em 2015 está lançando outro livro,
chamado Comunicação, diálogo e compreensão nas organizações, pela editora In House.
28

Nem tudo cabe nos conceitos já definidos pela ciência, nas teorias já
definidas. Especialmente neste campo em que tratamos de comunicação,
liderança e sentidos – questões tão abstratas, que já foram objeto de estudo
de centenas de milhares de trabalhos –, é exaustivo e pouco útil nos atermos
a conceitos duros, intransponíveis. A compreensão tem compromisso maior
com a realidade, e com uma dimensão de que pouco falamos até esse
momento, mas tão importante nos contextos da organização: os afetos.
(Mansi, 2014:69).
A Compreensão, nesse sentido, contribui como uma chave de leitura, como uma outra
maneira de enxergar o mundo corporativo, tão conhecido por sua dureza que, por vezes,
esquece que os funcionários não são máquinas e, sim, humanos. Enxergar os colaboradores
(vejam que diferença faz utilizar a palavra “colaboradores” no lugar de “empregados”!) como
sujeitos e não como engrenagens...

O ensaio

“Ressaltar o lugar e a importância do ensaio jornalístico neste momento de crise em


que o jornalismo se encontra”. É esse o objetivo do texto de Rodrigo Volponi (2014:106),
intitulado “O papel dialógico do ensaio na contemporaneidade”. Um pouco à frente, continua
(2014:07), o momento é “de busca de novas perspectivas. De olhar para trás e para frente. Um
momento necessário”.

Os ensaios podem trazer, como demonstra Volponi em seu texto, mais riquezas e
profundidade para o jornalismo. O ensaio, aos moldes que Michel de Montaigne elaborou em
vida, “tentava compreender o comportamento humano por meio de anotações sobre suas
experiências pessoais, relacionando-as a uma bagagem intelectual adquirida durante a vida”.
Daí, que os ensaios se configuram mais como um texto aberto aos significados e questionador
e menos com um texto recheado de verdades e certezas. Para dar um exemplo, não resisto e
deixo aqui uma pitada saborosa de parte do ensaio escrito por Guilherme Azevedo
(2014b:232) intitulado “Canção do caminho: itinerário lírico de uma busca por conhecimento
e compreensão”:

Escutar, acolher a fala, a história de quem encontrei pela vida: foi assim
desde o princípio. Às vezes cismando, com lágrimas nos olhos, se essa
disposição ao encontro é uma dádiva, ou uma maldição. Ouço com muito
gosto, sorrindo, às vezes também chovendo e, de repente, vou me
esquecendo de mim, vou crescendo de mim, descobrindo que estou em
muito mais parte do que imaginava e estão também em mim. É decerto
forma de aprendizagem, de valorização e aproveitamento da experiência
compartilhada, um caminho para mim, também, uma aresta, uma fenda, um
portão amarelo ouro, como o da minha casa, recém-pintado, aberto
largamente.
29

Com maior liberdade intelectual nos modos de se referir às fontes, ideias de autores,
prendendo-se às normas e regras do "jogo científico”, Azevedo mostra com muita clareza as
ideias de Martin Buber sobre a relação “Eu-Tu”, principalmente quando fala que está
“descobrindo que está em muito mais parte do que imaginava” e de que os outros “estão
também em mim”. Estar no outro e o outro estar em si mesmo... E de que maneira poderíamos
ler palavras com estética tão elaborada e com significado tão profundo se não se tratasse de
uma prosa ensaística?

A beleza possível do ensaio muito tem a contribuir com a linguagem da ciência, que se
faz dura, impiedosa e, muito das vezes, prolixa e chata, apenas por “gosto”. A estética da
linguagem científica é fria. Já a estética da linguagem ensaística deixa-nos com sabor de
“quero mais”. O ensaio, quando bem escrito, faz isso mesmo conosco: “Ao propor o valor do
ensaio como expressão escrita e falada do labor científico e de seus resultados”, nos contam
Künsch e Carraro (2012:38), apoiando-se em Adorno em seu célebre “O ensaio como forma”
(1986), faz dele “um gênero de linguagem apto a dar conta de um pensamento que não avança
unilateralmente, e, sim, na forma de momentos ‘que se entretecem como num tapete’, cuja
fecundidade depende ‘da densidade dessa tessitura’”.

Sustentabilidade

A questão, aqui, é pensarmos que o planeta em que vivemos, um dia, acabará. Não de
forma natural. Ou seja, por meio das corrosões, erosões, explosões etc., mas porque a ação
humana (se continuar como hoje) degradará esse planeta. Aí, as sábias palavras de Pedro
Ortiz (2014:296) em seu texto “(In)Sustentável”, que “entre tantos desafios, nos colocamos
diante da necessidade de uma profunda mudança de mentalidade, de atitude com visões de
mundo mais inclusivas, tolerantes, abertas ao novo e ao desconhecido, com menos verdades e
mais incertezas”, dessa maneira, a sua proposição vai ao encontro de uma “visão complexa,
menos cientificista ou dogmática, não determinista ou simplificadora, que busque na dialogia
entre os vários saberes, científicos e não científicos, uma relação menos hierárquica e mais
democrática entre ciência, conhecimento, poder e sociedade.

Poderíamos extrapolar um pouco essa visão de sustentabilidade e expandi-la para a


epistemologia, ou seja, pensar o pensamento de forma sustentável. A Compreensão propõe a
abertura a diferentes saberes que, muitas vezes, irão contradizer a si mesmos ou, ainda,
contestar uns aos outros. Isso significa que no interior de um pensamento compreensivo há – e
30

sobra – espaço para tais conversas entre os saberes. Essa conversa é uma forma de oxigenar as
teorias. Desses embates surgiriam novas ideias ou as mesmas ideias que entraram sairiam
mais fortes. A aposta numa visão sustentável e compreensiva do conhecimento prevê o
desenvolvimento de ambientes aptos a receber ideias que, no mais das vezes, nunca
conversaram. Mas, não só. Não só de ideias vivemos. Também a experiência, o erro, conviver
com a incerteza... Ou seja, como Morin (2011) aponta, dialogar com a experiência é uma das
propostas do pensamento compreensivo.

1.2. Um breve histórico do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e


Epistemologia da Compreensão”

Credenciado em 2008 no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e


Tecnológico), o GP tem a seguinte ementa:

Os termos que dão nome ao grupo articulam-se dinamicamente numa rede


ampla (a) de significados cognitivos, racionais, objetivos (ou seja, de
intelecção, explicação e interpretação, no sentido original de
“comprehendere”, que é juntar, abraçar, integrar e, portanto, no ambiente de
uma epistemologia complexo-compreensiva) e (b) de significados
intersubjetivos, que têm em conta as relações de diversas ordens entre sujeitos
e grupos, a dialogia ou a ausência dela, a comunicação e a incomunicação. O
foco incide na mediação da informação de atualidade e, em geral, dos
produtos midiáticos, em suas interfaces com as narrativas contemporâneas e os
saberes humanos plurais, quais sejam, a ciência, a filosofia, o mito, a religião,
a arte e o senso comum. Na perspectiva de uma ética complexo-compreensiva,
preferindo o signo da Compreensão ao da explicação, investiga-se o confronto
com a incomunicação e a incompreensão, na chamada era da informação e da
comunicação5.
Künsch sublinha em seu texto “Comunicação e pensamento compreensivo: um breve
balanço” (2010:16), que a história por trás do GP – que começa com seu mestrado e
doutorado, ambos realizados sob a orientação de Cremilda Medina (aliás, responsável por
introduzi-lo ao mundo acadêmico e pelo seu encontro com o que tem se chamado de Signo da
Relação) – não é só dele. Mas, em suas palavras: “desde sempre e cada vez mais, a história de
muitos e muitas, que, compreensivamente, como costumo dizer, se põem a caminho. Buscam.
Não desistem. Nem desertam”. A pluralidade é uma marca registrada do GP. Como bem
escutaremos diversas vozes guiando-nos para diferentes caminhos possíveis capazes de
alcançar o que entendemos por Compreensão.

5
EMENTA GRUPO DE PESQUISA. “Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão”. In: CNPQ,
Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil LATTES. Disponível em:
<http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3281553501204551#instituicoesParceiras> Acesso em 08 Mai. 2015.
31

São dois, até agora, os projetos vinculados ao GP. O primeiro foi o “Conversando a
gente se entende” que se estendeu de 2010 a 2014, culminando no lançamento do livro
Comunicação, Diálogo e Compreensão no ano de 2014. O segundo se chama “A
Compreensão como método: suas teorias e suas práticas”, iniciado em 2015 e com previsão de
conclusão em 2017. Mais detalhes de ambos os projetos nas próximas páginas:

Conversando a gente se entende

Inicialmente intentava-se buscar os modos como comunicação e diálogo auxiliavam o


ambiente escolar a manter certa harmonia. Nesse momento, buscávamos experiências que
envolvessem o bullying e a justiça restaurativa, bem como projetos de mediação dentro das
escolas. Essa ideia, porém, foi dando espaço para uma abertura maior: continuamos, a priori,
buscando situações de conflito e o papel da comunicação em intentos para se chegar a acordos
sobre ele, porém abrimos para entender como a compreensão age por meio da comunicação
em diversos ambientes. Saímos do âmbito das escolas e fomos para as empresas, ao ensaio,
aos astros, ao diálogo ancestral, à mediação, etc., compreendemos outros espaços de
comunicação.

O objetivo desse projeto de pesquisa foi o de identificar o espaço da comunicação


como estratégia de mediação de conflitos. Verificar os pressupostos epistemológicos da
construção das narrativas de mediação de conflitos e avaliar as condições que possibilitam as
práticas compreensivas, tanto no sentido cognitivo quanto das relações intersubjetivas.

A metodologia se estruturou em torno do estudo das narrativas, a partir de uma


perspectiva compreensiva. Para tanto, previa-se a seleção de experiências-piloto realizadas na
cidade de São Paulo, levando em conta os procedimentos adotados, o vínculo com os
procedimentos de justiça restaurativa e com outras formas de mediação de conflitos e as
possibilidades de investigação das narrativas. Rodas de conversa, entrevistas em profundidade
e histórias de vida foram privilegiadas.

De passagem: o principal interesse que tive ao entrar no grupo foi o de aumentar os


nexos possíveis e aprofundar as relações entre educomunicação e a ideia de “comunicação
como mediação de conflitos”. Diversos casos apontam para melhoras significativas no
comportamento de alunos participantes de projetos educomunicativos em escolas e ONGs.
32

Essa vinculação bastante forte, entre educomunicação6 e a compreensão, foi o que me trouxe
para o tema da Compreensão. Por isso, a ideia de buscar entender de que maneira “comunicar-
se” faz com que o sujeito se adapte melhor ao ambiente em que “se vive”, tanto chamou a
minha atenção.

Produzimos como resultado final desse projeto o livro Comunicação, Diálogo e


Compreensão (2014), organizado por Dimas A. Künsch, Guilherme F. de Azevedo, Pedro
Debs Brito e Viviane R. Mansi. O livro apresenta 22 textos de 23 autores distribuído em três
partes “O pensamento da Compreensão”, “A pesquisa compreensiva” e “A prática da
Compreensão”. Porém, como dizemos na apresentação do livro (Künsch et al, 2014b:13), ele
“reúne textos, os mais diversos, de diferentes gêneros e estilos de escrita, numa tentativa de
trazer para o campo da expressão do pensamento comunicacional o melhor de uma atitude
compreensiva, que abraça sentidos, inclui, integra, faz dialogar”. O livro contou com dois
lançamentos, sendo um em Medellín – Colômbia (em nossa visita acadêmica à Universidad
de Antioquia), durante os dias 19 a 21/03/2015, e o outro no Brasil, na Faculdade Cásper
Líbero, em 24/04/2015. Apesar de ser um fechamento do ciclo, esse livro também pode ser
entendido como um abre-alas para nosso próximo projeto: “A compreensão como método”.
De fato, o prefácio à obra tem justamente por título o nome desse novo projeto “A
compreensão como método”, assinado por Luís Mauro Sá Martino.

A compreensão como método

Esse projeto7 possui tanto uma aproximação de natureza teórica quanto


prática. Assim, ao esforço teórico de aprofundamento da conversa com
distintos autores, vertentes teóricas, modelos interpretativos, noções e
percepções aptas a promover o entendimento da compreensão, somam-se as
buscas pelos diferentes significados da compreensão como método aplicado
a distintos projetos de pesquisa desenvolvidos por docentes e discentes
participantes do projeto “A compreensão como método: suas teorias e
práticas”, tanto no Brasil quanto na Colômbia. Num caso como no outro,
6
Noção que tem se entendido como produção coletiva de comunicação e convivência coletiva para a construção
de ecossistemas comunicativos – lugares de mediações entre os sujeitos e o mundo em que estão inseridos.
7
O texto que segue nesse tópico é o descritivo editado e resumido do projeto “A COMPREENSÃO COMO
MÉTODO: SUAS TEORIAS E PRÁTICAS”, cadastrado na Plataforma Sucupira e disponível na íntegra no link:
<https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/projetoPesquisa/viewProjetoPesquisa.jsf?popup=
true&idProjeto=341153>. Acesso em: 29 Jul. 15. No final deste trabalho, como anexo, segue o projeto na
íntegra. Por se tratar de uma citação bastante longa, não estou seguindo os padrões da ABNT de formatação de
texto e reduzi em 1ponto o tamanho da fonte, e adicionei 1cm de margem de cada lado. Após o fechamento da
parte citada, o texto volta aos padrões e normas técnicas da ABNT requisitados pela instituição.
33

opera-se com a ideia de que os dois tipos – diferentes, mas próximos – de


aproximação contribuam para a compreensão da Compreensão e fertilizem a
investigação teórica e a investigação empírica, além das práticas sociais em
que essas ideias de Compreensão possam se ancorar.

O projeto está previsto para durar 36 meses (janeiro de 2015 a dezembro de


2017), podendo esse prazo ser ampliado, se esta for a decisão dos
participantes e dos responsáveis brasileiro e colombiano pelo projeto.

O objetivo geral do projeto é, em primeiro lugar, o de mapear, estudar e


dialogar com algumas das mais importantes elaborações da ideia ou noção
de “Compreensão” nos campos das ciências, da filosofia, das artes e da
literatura, da epistemologia e outros, bem como de suas ideias correlatas, tal
como se apresentam na obra de pensadores que, por suas escolhas teórico-
metodológicas, vinculam-se a uma perspectiva de abertura para a alteridade,
entendida aqui não apenas como um outro sujeito, mas também como outras
formas de pensar, de investigar, de narrar e de compreender o mundo.

 Contribuir para a elaboração de um conjunto de sugestões que auxiliem


na produção de investigações e no estudo de textos, imagens, produtos e
processos midiáticos sob uma ótica compreensiva, dialógica, de escuta e
reconhecimento do Outro, de produção social, interdisciplinar e inter-saberes
de conhecimentos, que, sendo compreensivos, estejam por isso mesmo mais
afetos à ideia de cidadania, de democracia e de paz.
 Identificar, valorizar e sublinhar a participação latino-americana nesses
esforços, em diálogo com autores e teorias de outras partes do planeta.
 Consolidar e ampliar as possibilidades do convênio de cooperação
acadêmica celebrado entre as duas instituições de ensino e pesquisa, a
Faculdade Cásper Líbero e a Universidad de Antioquia, em uma relação de
tipo Sul-Sul, com o olhar aberto para as oportunidades de ampliação desses
diálogos para abranger também outros países latino-americanos.
 Destacar a relevância da Comunicação em todas essas buscas
compreensivas, sobretudo em processos de mediação de conflitos, como
ferramenta adequada ao cultivo da não-violência, do reconhecimento e do
respeito ao Outro, da cidadania, da democracia e da paz.

Este segundo projeto se reconhece como um passo bastante importante para os


estudos sobre Compreensão, tanto no Brasil quanto na América Latina. A sua abertura a
uma Universidade de outro país denota as possibilidades de trabalho do tema e sua
34

abrangência no campo do pensamento. Diz muito à Compreensão ser acolhida por duas
instituições (e diversos grupos de pesquisa de ambas as faculdades) que apostam no seu
método para uma ação transformadora do mundo.

1.3. Metodologias utilizadas pelo grupo de pesquisas

Três são as principais metodologias que o GP utiliza, além de uma leitura crítica de
textos, sendo elas: a) as rodas de conversa; b) seminários e encontros acadêmicos; e c) a
gastrosofia. Serão apresentados os traços distintivos mais marcantes de cada uma delas tendo-
se em vista, sempre, que as metodologias que utilizamos, em verdade, são abertas, pois se
trata de caminhos que buscam caminhos.

Rodas de conversa

Vygotsky expõe os caminhos desalinhados e “alinhantes” do pensamento e da fala.


Está no campo biológico. Quando vamos ao campo da comunicação, temos a narrativa.
Intersubjetividade, conversar é se perder nas ideias que foram colocadas na mesa. Ideias
minhas, ideias dos outros, ideias mil! Mas há, também, o significado mais próximo à
antropologia e à ontologia de uma roda de conversas. A roda possui uma ontologia. É um
método muito próximo do anarquismo, na linha do que Feyerabend coloca como anarquismo
do método. Ou seja, tem a ver com a liberação dos processos de busca, de saber ouvir nossas
intuições, nossa criatividade...

Conversar é uma ação em que o que importa são “os pensamentos que ela [a conversa]
provoca e não as conclusões a que se chega” (Alves, 2011:29). Como um “movimento solto
do pensamento e da fala”, continua Alves, ideias vão e vem, outros assuntos aparecem,
acontecem digressões, “pensamentos não pensados vão se intrometendo”. Exemplo disso
podemos ver na literatura de Luís Fernando Veríssimo, em seu livro A décima segunda noite
(2006). Fruto da entrevista que um papagaio dá a um jornalista (não identificado no livro), o
livro é apenas a voz do papagaio. Cada capítulo é um pedaço das fitas utilizadas para gravar a
entrevista. A história contada pelo papagaio, aqui, não é nem de longe o que nos interessa.
Importa mesmo é saborear as tagarelices do papagaio que comete digressão atrás de digressão
contribuindo com o que sublinhamos a respeito do que pode ser entendido como ontologia da
conversa:
35

Mon dieu, mon dieu, um gravador. Deus dos papagaios me acuda. Já ouvi
minha voz gravada. Quase silenciei para sempre. É o som do caldeirão
rachado com o qual pretendemos comover as estrelas e só conseguimos fazer
dançar os ursos (...). Tente dizer qualquer coisa séria, ou profunda, com voz de
papagaio. Mesmo em francês. Impossible. Foi por isso que não me deram
atenção, e a comédia que vou contar quase virou tragédia. Eu avisei, me
esganicei, mas me ouviram? (...). Quantos não devem sua fama póstuma ao
fato de não haver um gravador por perto? O mundo talvez fosse outro se
descobrissem que Péricles tinha a voz fina, Napoleão a língua presa e... Mas
vamos à entrevista. (Veríssimo, 2006:7-8).
A fala e a linguagem, sempre tentam colocar as coisas em ordem. Todo ato de falar é
uma tentativa de organizar o caos em cosmo. Recorrendo às palavras de Liev Vygotsky
(2008:156-157), acerca da relação do pensamento com a linguagem: “O pensamento não é
simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir”. Ou seja, o
pensamento existe por conta da pronunciação de um conjunto de palavras. E mais: a
digressão, comentada no texto de Veríssimo, pode ser entendida da seguinte maneira, nas
palavras de Vygotsky: “Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a
estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se
desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema” (2008:157).

O produto dessas movimentações acontecidas na fala interior – fala para si mesmo:


proporcionando a morte das palavras e gerando o pensamento (Vygotsky, 2008:185) – dá
suporte para a organização de um determinado pensamento e sua consequente transformação
de fala interior para fala exterior – fala para os outros ou também entendida por vocalização
do pensamento. Há que se ter em conta que “o pensamento tem a sua própria estrutura, e a
transição dele para a fala não é uma coisa fácil”, nos alerta Vygotsky (2008:185). E um pouco
mais à frente: “Um interlocutor em geral leva vários minutos para manifestar um pensamento.
Em sua mente, o pensamento está presente em sua totalidade e num só momento”. Para
compreender o pensamento do outro, é preciso ouvir suas palavras e, não só isso, mas também
entender a sua “base afetivo-volitiva”, uma vez que a comunicação entre sujeitos, mais
especificamente: entre os pensamentos de dois sujeitos, só é possível de forma indireta, nos
diz Vygotsky:

O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos


desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada
pensamento há uma tendência afetivo-volitiva (...). Uma compreensão plena e
verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua
base afetivo-volitiva (2008:187).
Passado esse complexo e autopoiético processo em que fala interior gera o pensamento
e a fala exterior traduz o pensamento em palavras que, uma vez emitidas, reorganizam a fala
36

interior e geram novos pensamentos, as digressões do outro que está falando comigo são
coisas mais do que esperadas. Então pôr para conversar sujeitos distintos, fazer com que
pensamento e falas exterior-interiores dialoguem com outros pensamentos e falas exterior-
interiores demonstra-se um método bastante rico para o GP, por conta de todas as digressões e
possibilidades de relacionamentos subjetivos e cognitivos que daí decorrem.

Trazendo à tona o objetivo deste tópico: comentar a metodologia de rodas de conversa,


vamos à organização no tempo e na história das rodas de conversa realizadas pelo GP. Em
2013 começamos a investir nessa metodologia, que é, basicamente, convidar uma pessoa, uma
instituição, etc., que tenha experiências interessantes sobre diálogo (tanto quando a
comunicação ajudou a resolver problemas, quanto nos momentos em que a falta da
comunicação ou a incomunicação atrapalharam mais que ajudaram) e, sempre em volta de um
tema, há uma exposição do convidado e logo depois abríamos para perguntas, dúvidas,
comentários e sugestões de todos os participantes presentes.

Realizamos seis rodas de conversa, sendo elas:

 1ª Roda de conversas
o Convidado: Silvana Nader
o Data: 27/06/2013
o Tema: Desenvolvimento social e comunitário: as contribuições do pensamento
sistêmico e do diálogo entre empresas e terceiro setor

 2ª Roda de Conversas
o Convidados: Guarda Civil Metropolitana (Ângela Almeida, Sara Freitas,
Valério Ramos e Ingrid Alfaya)
o Data: 16/08/2013
o Tema: Diálogo social e as Casas de Mediação

 3ª Roda de Conversas
o Convidados: Escola do diálogo (Lamara Bassoli e Arnaldo Bassoli)
o Data: 23/08/2013
o Tema: A transformação social possível a partir do diálogo

 4ª Roda de Conversas
o Convidado: Cacique Megaron Txucarramãe
o Data: 13/09/2013
o Tema: A usina de Belo Monte e o não-diálogo com os indígenas brasileiros
37

 5ª Roda de Conversas
o Convidados: Ceantec – Comitê para Estudos das Ameaças Naturais e
Tecnológicas do Estado de São Paulo (Agostinho Tadashi Ogura, Aline
Betânia de Mattos Carvalho Signorelli, Iris Regina Poffo e Marcelo Fischer
Gramani).
o Data: 11/11/2013
o Tema: Diálogo nos cenários de risco e desastres

 6ª Roda de Conversas
o Convidado: Dodi Leal
o Data: 06/12/2013
o Tema: Comunidades em conflito: a Justiça Restaurativa e a Comunicação Não-
Violenta

Um exemplo de como funciona e o que extraímos dessas rodas de conversa que


realizamos é a que fizemos juntamente com a Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São
Paulo, na própria sede da GCM. Fomos recebidos por três guardas civis e a assessora-chefe da
Secretaria de Segurança Urbana. Por lá ficamos sabendo das histórias e do trabalho realizado
pelas Casas de Mediação de São Paulo, que funcionam como mediadoras para diminuir os
crimes decorrentes de disputas e problemas tidos como banais. A ação preventiva da GCM
acontece apenas se nenhum crime for realizado, ao passo que se um crime acontecer não são
mais as Casas de Mediação as responsáveis por esse trabalho compreensivo. Aí entramos no
âmbito da Justiça Restaurativa. Mas uma coisa de cada vez: sobre as Casas de Mediação ainda
nos falta relatar, pelo menos, uma experiência:

Uma dessas histórias foi a da família composta por três gerações de mulheres: Larissa
Medrado, filha com idade de 14 anos, Elaine Rocha Medrado, mãe de 30 anos, e Maria Lucia
Medrado, a avó com 56 anos. A relação entre as três tinha muitas inconstâncias, problemas na
comunicação impediam qualquer diálogo com mais de três frases. Elaine foi quem entrou em
contato com as Casas de Mediação: “Nós três voltamos a nos entender, e a minha filha Larissa
inclusive está se dedicando mais na escola. Esse serviço é muito importante”, pois, continua a
mãe, “tudo foi resolvido graças à conversa que tivemos aqui. Após a mediação recebemos até
encaminhamento social e psicológico”.
38

Relações abaladas são como gasolina que pode ser incendiada facilmente, com maus
tratos e maus feitos entre os envolvidos. As mágoas de cada um dos sujeitos, se não expostas
e não conversadas, muitas vezes terminarão em algum tipo de tragédia.

Sobre os principais temas mediados pela GCM, algumas estatísticas ajudam a mapear:
55% dos casos atendidos por eles se referem a conflitos de vizinhança, seguidos por 16% de
conflitos familiares, num levantamento feito por Evian Elias (2013:16). Os casos atendidos
pela GCM variam de perturbação de sossego a conflitos trabalhistas ou maus-tratos de
animais. Violação dos direitos das crianças e dos idosos, regularização de terras e loteamento
também são temas de discussões mediadas pela GCM.

Outras experiências podem ser encontradas em Brito (2014c, 281:282). Mas é


importante ressaltar a importância do trabalho de prevenção de crime realizado pela GCM.
Com bastante frequência, as estatísticas embasam tal percepção: muitas vezes, os homicídios
nascem de relações conflituosas por motivos banais (discussões no trânsito, desentendimentos
entre vizinhos... coisas que realmente não valem uma vida). Daí a importância da mediação.
Esse tema, aliás, foi visitado, também, por Lúcia Deccache (2014), advogada, mediadora e
especialista na área do “Direito de Família”.

Deccache (2014:264) apresenta três paradigmas do pensamento da mediação no


campo jurídico: o paradigma ganhar-perder (momento em que se evita ao máximo a fase de
“conciliação” e “dá-se logo o primeiro passo através de uma ação judicial litigiosa”); o
segundo paradigma refere-se ao ganhar menos para perder menos. Nesse caso, as conciliações
é que têm a voz mais forte: pois, “conciliar é melhor do que brigar, mas em processo de
família precisamos encontrar a justa medida entre a razão e o afeto” (2014:269). Chega,
agora, finalmente, a terceira fase dos grandes paradigmas da mediação: o paradigma de
ganhar-ganhar. Baseado no diálogo, tal paradigma prevê a conversa para que, juntos, todos
tentem resolver os problemas criados pelo casal. Essa mudança acontece nos métodos
aplicados pela advogada, mas também em seu escritório, que espelha sua metodologia de
trabalho, Deccache (2014:271): “A sala de reunião virou sala de estar. Troquei a mesa que me
separava de meus clientes por um confortável sofá e poltronas, sem a preocupação de
desequilibrar as pessoas ali sentadas. O local virou, simplesmente, um ambiente apropriado
para conversar”.

A mediação acontece quando as partes estão de acordo. Mas, pelo que relata
Deccache, muitas vezes ambos os lados desejam reatar os laços ou, pelo menos, minimizar os
problemas decorridos da convivência (ou da falta dela).
39

Outro exemplo veio da conversa com o cacique Megaron Txucarramãe, um dos


principais líderes indígenas do Brasil, que ao iniciar sua fala, disse que não houve diálogo dos
representantes legais do Estado com os indígenas que viviam próximo à região de Belo
Monte, Pará. O caso descamba pelos caminhos da falta do diálogo e do estrago que isso causa
na sociedade indígena e, na nossa também. Uma vez que o diálogo é de suma importância,
principalmente, em terras em que as populações indígenas se concentram. Olhar para o outro,
não como um objeto descartável, mas como um sujeito... É isso que Buber nos ensina e isso
que Txucarramãe denúncia da atitude da construtora (Norte Energia) da hidrelétrica de Belo
Monte: “Chegamos lá e muitos nem puderam entrar. Havia telões de fora onde os índios
puderam assistir, mas sem chance de falarmos” (apud Arini, 2014:135). Os índios foram
transformados em bancos, onde apenas interessava para a construtora depositar informações.
O diálogo verdadeiro, aberto, necessitaria, no mínimo, um momento de réplica para os índios.
Isso não aconteceu.

Nesse caminho, o caso do Jornalismo de Paz, que também foi um tema de uma roda de
conversas em que convidamos Dov Shinar, um dos maiores estudiosos desse tema. O
Jornalismo de Paz propõe, como nos diz Júlio César Degl’Leposti (2014:251), “um modo de
responsabilidade e de consciência midiática que pode contribuir para a pacificação e a
manutenção da paz”, por meio da “mudança de atitudes dos proprietários, anunciantes e
executivos de mídia, além dos próprios profissionais que atuam nos cenários de guerra”. É
uma mudança de olhar para o jornalismo de guerra: hoje muito se preocupa com a estetização
da guerra, ou seja, sua “vendabilidade” e espetacularização.

A mudança é para noticiar não a guerra, mas seu oposto: a paz. Noticiar, por exemplo,
os acordos entre países em situação de conflito. O objetivo não seguiria o caminho atual, de
vender histórias negativas (ou, pior, para conseguir angariar maiores investimentos em seus
espaços publicitários), mas o oposto: demonstrar que a paz também existe, mesmo nos tempos
de guerra. O jornalismo da paz foge ao esquema vencedores e vencidos. É compreensivo em
sua proposta. Mesmo porque, “nas páginas multicoloridas dessas revistas, em que o texto
escrito se faz acompanhar de uma profusão de fotos e infográficos de última geração, o
leitor”, vai noz dizer Künsch (2004:204), em sua tese de doutorado, “é desafiado, antes de
tudo a empunhar o fuzil e a entrar também na guerra; veja, eu coloco a guerra bem aí, à sua
frente, e o que você está esperando para vestir o uniforme e se transformar em soldado?
Escolha o lado e comece a atirar”. A incompreensão reina num mundo em guerra.
40

Voltando nosso pensamento para essa metodologia de roda de conversas, pode parecer
distante da academia, que é um espaço reservado do saber, uma vez que, como Alves comenta
(2011:29-30):

Textos de saber proíbem que os autores se entreguem a confissões sobre os


caminhos e descaminhos dos seus pensamentos antes de atingir o seu destino
de conhecimento. O que se exige de um texto de saber é que o autor faça uma
assepsia rigorosa nos seus materiais. Tudo aquilo que não diz respeito ao
caminho em linha reta, que leva do problema inicial à conclusão, deve ir para
a lixeira. Assim, as experiências malsucedidas, hipóteses equivocadas e erros
vão para o lixo do esquecimento. É como se não tivessem acontecido.
As rodas de conversa podem ser entendidas como textos, no sentido amplo da palavra:
conjunto de expressões e palavras que possuem um sentido. Além de texto, a roda de
conversas é um texto de saber, assim como diz Rubem Alves, pois se realiza no campo
acadêmico. E é legitimado por termos utilizado boa parte do material produzido por esses
encontros em nosso livro Comunicação, diálogo e Compreensão (2014). Contudo, e aí está a
diferença dessa metodologia de outras metodologias do método científico, as rodas de
conversa funcionam como grandes espaços de conversa aberta. Tanto aberta para os
acadêmicos, quanto para não acadêmicos. Não foram raras as vezes em que a interação e as
perguntas vinham de pessoas não-acadêmicas (uso este termo por falta de outro melhor), o
que indica uma abertura para se relacionar o saber “científico”, apresentado nos encontros,
com os tantos outros saberes trazidos pelos interlocutores, com destaque para o saber da
experiência. Sublinhando, dessa forma, que, as rodas de conversa, apesar de serem um texto
de saber, também são abertas para outros saberes, como diz Alves, erros, hipóteses
equivocadas e experiências malsucedidas.

O tema da experiência é muito caro a Montaigne, o pai do ensaio moderno. Que nos
aconselha a ouvir mais nossa própria experiência: pois é dela que vai nascer o ensaio – forma
de escrita em que se fala sobre algum tema. O mesmo autor nos chama atenção para o fato de
que “há mais trabalho em interpretar as interpretações dos outros do que interpretar as coisas,
e mais livros sobre os livros do que sobre outro assunto” o que acarreta em uma função
primordial para nós, humanos: glosar os outros, o que indica que “tudo fervilha de
comentários, mas de autores há grande escassez” (Montaigne, 1980:515). Feyerabend é outro
pensador que nos aponta o mesmo perigo: em meio a tantos dogmatismos no campo
científico, a proposta de uma anarquia do método é um caminho satisfatório para
conseguirmos conquistar certo grau de liberdade e criatividade para pensarmos,
verdadeiramente, sobre as coisas, o mundo.
41

Não seremos categóricos, ousando afirmar que: “as rodas de conversa se configuram
como a melhor metodologia para produzir ciência”, pois aí teríamos nos transformado naquilo
que criticamos: não compreensivos. Um gesto autoritário, e, às vezes, até ditatorial, onde a
crítica destrói o que se critica para chegar a algo assim como um “deus ex machina”
metodológico. Em vez disso, podemos dizer que, compreensivamente, as rodas de conversa
fincaram bandeira como parte fundamental da metodologia aplicada até o momento pelo GP.
Isso significa dizer que, ambos os projetos de pesquisa “Conversando a gente se entende” e
“A Compreensão como método: suas teorias e práticas” utilizarão essa metodologia da forma
mais conveniente. Entre as próximas rodas de conversa estão programadas uma sobre
Friedrich Nietzsche (“A multiperspectividade em Nietzsche e a Compreensão”), Hannah
Arendt (“Compreender o totalitarismo, compreender Adolf Eichman”) e Paul Feyerabend (“A
anarquia do método e a Compreensão”), com integrantes do próprio GP.

Seminários e encontros acadêmicos

Desde 2008, ano de criação do GP, foram promovidos seminários de aprofundamento


do estudo sobre a Compreensão, autores, teorias, práticas para concentrar os estudos sobre o
tema. Algumas mudanças de foco aconteceram durante o caminho, e aqui vamos tentar
demonstrá-las. Künsch (2010:30-33) organizou os três primeiros seminários (todos os feitos
até o momento em que o texto fora publicado no livro Comunicação, jornalismo e
Compreensão em 2010), então os relatarei de forma breve aqui:

Ocorrido no final de 2008, o I Seminário de Estudo do GP reuniu 11 pesquisadores e


foram apresentados nove trabalhos. Alguns em dupla, outros sozinhos, porém todos os textos
apresentados se concentraram nos temas da Compreensão, dialogia e pluralidade de saberes.

Em 2009, também no final do ano, iniciou-se o II Seminário de Estudo do GP com o


vídeo-documentário “Direito ao diálogo” produzido pelas alunas da graduação (na época)
Juliana Dantas e Gabriela Forte, para seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sobre a
Justiça Restaurativa.

O III Seminário de Estudo do GP aconteceu no segundo semestre de 2010, com uma


peculiaridade em relação aos dois antecessores: antes eram apresentadas pesquisas sobre
teorias e/ou sobre autores específicos, ao passo que o que foi para o foco, neste último
seminário, é a produção e a pesquisa de cada um dos 15 participantes.
42

Nos outros três Seminários feitos pelo GP tive a felicidade de participar e, para esses
três, serei mais detalhista, uma vez que não há registro deles em nenhuma outra dissertação ou
livro. Começando pela sequência, o IV Seminário de Estudo do GP seguiu a lógica de seu
antecessor e contou com 12 apresentações, cada um dos participantes falou sobre sua pesquisa
e suas relações com o tema da Compreensão. O evento datado em 13 de agosto de 2011, dia
todo, na própria Faculdade Cásper Líbero.

Os trabalhos, na ordem que foram apresentados, são os seguintes:

 “Comunicação e Compreensão: conceitos e trajetórias” – Dimas A. Künsch


 “Linguagem complexa e organizações: diálogo possível?” – Júlio César Degl’Leposti
 “Da imagem à cura pela palavra: a narrativa compreensiva como inibidora da
violência simbólica” – Renato Groger
 “Nelson Rodrigues por Décio de Almeida Prado” – Kauanna Navarro
 “O sublime olhar na Compreensão do outro” – Bruno Chiarioni
 “Comunicação e resolução de conflitos” – Luís Mauro Sá Martino
 “Jornalismo, construção de sentidos sobre o mundo e o convívio social” – Tatiana
Ferraz
 “Educomunicação: a produção de comunicação e o combate à violência nas escolas” –
Pedro Debs Brito
 “Comunicação e resolução de conflitos: um olhar sobre a Filosofia do Direito” –
Renata Carraro
 “Identidade, diferença e estereótipos: a representação política da identidade brasileira
na cobertura da Copa do Mundo 2010” – Rafael Lourenço
 “As duas faces da alteridade midiática: dimensões e métodos de Compreensão do
outro na ficção televisiva” – José Augusto Lobato
 “Musculatura da empatia para a dialogia” – Felipe Mello

O V Seminário de Estudo do GP aconteceu no fim de 2011, em 9 de dezembro, e voltou


ao projeto dos dois primeiros seminários: foram apresentados trabalhos relacionados ao tema
específico da resolução de conflitos no ambiente escolar. O tema oficial do evento foi
“Mediação e formas alternativas de solução de conflitos na escola”. Com nove trabalhos
apresentados. Sendo eles, organizados por ordem de apresentação:

 Vídeo-reportagem “Direito ao diálogo” – Gabriela Ferreira Forte e Juliana Kunc


Dantas
 “A implantação da Casa de Mediação na Universidade São Judas Tadeu” – Ademir
Buitoni
 “Mediação na escola: uma nova maneira de resolver conflitos” – Tatiana Ferraz
43

 “Identidade e educomunicação: o projeto Educom.rádio” – Pedro Debs Brito


 “Espetáculo Bizzarus, do projeto ‘Reabilitando através da arte’” – Maiá Prado
 “Meios alternativos de solução de conflitos: conceitos e trajetórias” – Artur
Almeida
 “Os Guarani Kaiowá e a Justiça Restaurativa”– Juliana Fontenelle
 “Espaços lúdicos: mediações no ensino público”– Júlio César Degl’Leposti
 “Respeito ao tempo do outro na mediação de conflitos”– Felipe Mello

O último seminário se destaca por representar o fechamento do projeto de pesquisa


“Conversando a gente se entende” e a abertura ao novo projeto: “A Compreensão como
método”. Nele fizemos o lançamento do livro Comunicação, Diálogo e Compreensão (2014).
Esse evento foi feito em 24 de abril de 2015 e contou com 22 participantes que tiveram suas
falas divididas em duas partes: a) apresentações de capítulos do livro e temas relacionados à
Compreensão e b) o lançamento do livro e um debate sobre a pesquisa científica na Cásper
Líbero. As apresentações, por conta da pluralidade do seminário, contaram com pesquisadores
discentes da graduação que estão vinculados ao Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP),
pesquisadores discentes da pós-graduação (tanto lato sensu quanto stricto sensu),
pesquisadores docentes da pós-graduação da FCL e, também, com pesquisadores docentes da
Universidad de Antioquia (UdeA), Medellín. Abaixo, na ordem em que as apresentações
foram feitas, a primeira parte:

 Abertura: “Comunicação, diálogo e Compreensão”– Dimas A. Künsch


 “O diálogo de Pinóquio”– Carolina Chamizo
 “O papel dialógico do ensaio na contemporaneidade” – Rodrigo Volponi
 “Diálogo nos cenários de riscos de desastres” – Cilene Victor
 “Pílulas de Compreensão” – Gabriela Glette
 “Ouvir bem para se viver bem: as experiências das Casas de Mediação e da
Comunicação Não-Violenta” – Pedro Debs Brito
 “Um olhar compreensivo sobre o gênero na publicidade” – Caroline Arice
 “Mediação: o amadurecimento do Direito” – Lucia Deccache
 “Pílulas de Compreensão” – Barbara Mussi
 “O universo do palhaço, o diálogo e a Compreensão na comunicação humana” –
Felipe Mello
 “La universidad en la calle: el recorrido urbano como descubrimiento” – Ramón
Cardona
 “O medo organizacional, a comunicação interna e o diálogo nas organizações” –
Cynthia Provedel
44

 “Pílulas de Compreensão” – Rafael Silva


 Fechamento: O futuro – Dimas A. Künsch

E agora iniciando a segunda parte:

 Abertura: “A pesquisa na Faculdade Cásper Líbero” – Carlos Costa


 “Importância dos grupos e projetos de pesquisa para o mestrado / projetos em
andamento” – Luís Mauro Sá Martino
 Lançamento: Comunicação, diálogo e Compreensão / Um fim e um novo início: “A
Compreensão como método” – Dimas A. Künsch
 “Jornalismo é poesia: uma viagem compreensiva pela obra de Marcos Faerman” –
Guilherme Azevedo
 “Diálogo com o outro, ou o não-outro na cobertura da crise do Paraguai” – Luciana
Rosseto
 “Compreensão da Astrologia: diálogos homem-cosmos intermediados pela mídia” –
Titi Vidal
 ¨(In)Sustentável”– Pedro Ortiz
 Videodepoimento: “A experiência de pesquisa” – Pedro Debs Brito e Viviane Regina
Mansi
 Comentários sobre as pesquisas – José Eugenio de O. Menezes e Luís Mauro Sá
Martino
 Perguntas e fechamento – Viviane Regina Mansi

Algumas coisas importantes aconteceram neste último seminário que precisam ser
sublinhadas. A primeira delas se refere à participação de um colega colombiano, da UdeA.
Ramón participou via Skype apresentando o seu texto “La universidad en la calle: el recorrido
urbano como descubrimiento”8, destacando aqui a possibilidade concreta e compreensiva do
uso das tecnologias digitais em ambiente acadêmico para promover um debate internacional
entre nosso GP e colegas pesquisadores de outro país.

Outra observação se refere à participação dos pesquisadores discentes do CIP,


Gabriela Glette, Rafael Silva e Barbara Mussi, que apresentaram dentro do evento o que
chamamos de “pílulas de Compreensão”. Em resumo, foram as contribuições de cada um

8
O “recorrido urbano” tem um peso importante para Ramón Cardona e para o tema da Compreensão. A partir do
dia em que Ramón propôs aos alunos da Facultad de Comunicaciones da Universidad de Antioquia, em
Medellín, que saíssem das salas de aula para caminharem pela cidade conversando, ouvindo e percebendo os
detalhes e as minuciosas relações entre o que estudavam com o que sentiam ao andar pelas ruas, esse método
virou uma disciplina na Universidade de Antioquia. Em suma, o professor leva os alunos para passearem pela
cidade e propõe a experiência de compreender a cidade como um texto, como Roland Barthes disse que assim o
era. Nos anexos do trabalho, na descrição dos projetos pessoais de cada pesquisador participante do projeto de
pesquisa “A COMPREENSÃO COMO MÉTODO” estará presente o projeto em que Ramón faz suas
contribuições com o tema do “recorrido urbano”.
45

deles para com os estudos do GP. Lembrando o que Norval Baitello Jr. falou em outro evento
da faculdade Cásper Líbero, sobre a Iniciação Científica (IC), a pesquisa que mais traz
inovações para o campo da comunicação, no Brasil, hoje, é a pesquisa de IC. Para o GP ter
vínculos concretos com o Centro Interdisciplinar de Pesquisas (CIP) é uma oportunidade de
ampliar tanto o entendimento sobre a Compreensão quanto as relações interpessoais dos
participantes do projeto. Formando uma rede de amigos que pode seguir e produzir diversos
outros debates.

Um último evento acadêmico de relevância para o GP foi a visita acadêmica realizada


nos dias 19 a 21 de março de 2015, em Medellín, Colômbia. A visita propiciou um diálogo
rico e fecundo no que diz respeito ao entendimento de como poderíamos seguir com o projeto
de pesquisa “A compreensão como método”, bem como da participação dos pesquisadores
colombianos.

Na roda há um aspecto mítico que não podemos deixar de comentar. As fogueiras,


desde outros tempos, sempre foram um lugar para se reunir e contar histórias. Porém, contar
histórias em volta do fogo tem um significado muito mais profundo que o já enunciado: o
símbolo do fogo, a começar, no centro, no centro do mundo há o fogo da vida. Aquele fogo
que queima e aquece os corpos é o mesmo fogo que os mantêm vivos. Campbell (2005:44)
diz a porta de entrada das “torrentes de energia liberada por Deus” é o “centro do círculo
simbólico do universo, (...), em torno do qual, pode-se dizer, o mundo gira”. A roda,
Campbell (2005:48) diz, também tem o significado de “o Todo está em todos os lugares e
qualquer lugar pode tornar-se a sede do poder”. Então, que o centro do mundo é ubíquo, “e
sendo ele a fonte de toda a existência”, continua o autor, “nele é gerada a plenitude do bem e
do mal do mundo”. E, assim sendo, a roda compõe-se tanto de bem, quanto de mal, de feiúra e
beleza, pecado e virtude... Todas essas antinomias indicam o caminho compreensivo da roda:
em volta do fogo todos são iguais, com igual poder e com iguais qualidades. Além de bem e
mal, o centro da roda também é o lugar do Chakravarti: aquele que faz girar a roda (Chevalier
e Gheerbrant, 2012:784)9.

9
Não resisto à vontade de comentar sobre a capoeira, e da sua participação nesse jogo de símbolos em forma de
roda. A roda da capoeira é desenhada com o berimbau. Como assim? Cada um dos jogadores deve se sentar em
forma de roda, círculo esse, que é desenhado pelo berimbau – instrumento que comanda o jogo da capoeira. Essa
roda – capoeira – segue os moldes da roda ao redor do fogo: o que está no meio é o que chama a vida, o objeto
(ou o fenômeno) que pede a concentração. No caso da capoeira, o que está em destaque é a luta-jogo-dança entre
dois capoeiristas. O berimbau começa a ser tocado, o mestre que toca o instrumento dá início a uma ladainha.
Atabaques, pandeiros, outros berimbaus, agogô, reco-reco, enfim, todos os instrumentos começam a ser tocados
depois que o mestre os “autoriza”. Da mesma maneira os capoeiristas só dão início ao seu jogo, com a
“autorização” do mestre. Essa autorização, ordinariamente, se dá pelo manejo do berimbau para a frente, como
46

Assim que, na roda de conversas, ao redor de um tema, de um fogo que nos mantém
vivos, trocam-se segredos, arranha-se o território do insondável dos mistérios do mundo e da
vida. Estar numa roda, remete-nos ao tempo mais antigo da nossa própria humanidade. Além
de remeter a um tempo específico: responsável por transformações internas: kairós. Voltar à
roda serve, também, para fugir do tempo acelerado para o qual nossas relações humanas
evoluíram, assim como Romano (1998:16) nos aponta: “El espacio y el tiempo no sólo son las
coordenadas de la percepción, sino que también determinan los procesos sociales de la
comunicación”, a roda de conversas resgata um tempo intersubjetivo: um tempo mais humano
e menos máquina. A comunicação face a face, num geral, tem essa capacidade. Porém, nas
rodas de conversa se potencializa, ainda mais, essa característica de voltar-se ao tempo lento.

A ideia de contar histórias em volta dessa fogueira tem, ainda, um outro significado,
que continua nessa mesma linha: afastar a dor, a angústia, o sem-sentido. As narrativas de
heróis, que remetem aos arquétipos dos tempos do nunca, de desde que o homem é homem,
contribuem com essas fortificação e solidificação de que nós, hoje, resistiremos ao tempo e à
vida. A história do herói vai tocar no fundo de nossas próprias preocupações acerca do mundo
e das nossas vidas.

Gastrosofia (ou Cumbuca Gastrosófica)

A refeição sempre foi um momento de encontro em que se divide a comida para todos
se alimentarem e manterem suas forças. A expressão “matar a fome” deve vir de um
primórdio em que, verdadeiramente, matávamos com nossas próprias mãos os bichos que
iríamos comer. Cozinhar fazia parte de um processo coletivo. Resgatar a cozinha, “o umbigo
da casa”, o ambiente mais central, é uma busca continua pelas raízes interrelacionais dos
sujeitos. Pois que, com o tempo que escorre pelas nossas mãos, nada podemos fazer senão
comprar alimentos já pré-cozidos, pré-temperados, pré-elaborados... Sempre na correria, fast-
food, ritmo em que engolimos a comida. Ora, não podemos pôr no mesmo saco a cozinheira

se estivesse abrindo a roda para os capoeiristas. O jogo começa de ponta-cabeça, cada um dos jogadores deve ou
entrar com um movimento chamado estrela (“au”, na língua da capoeira), ou em uma parada de mão (ou
“bananeira”) ou, ainda, fazendo um movimento chamado “queda de rim”, que é um tipo de parada de mão, mas
com os braços dobrados ao invés de esticados, fazendo com que o corpo do capoeirista fique todo encolhido. A
capoeira tem seu tempo e seu astral (“axé”, que vem do “àse”, termo ioruba que significa, comumente,
“energia”, “poder”, “força”) muito marcados. Como todos os presentes (principalmente os que estão em volta e,
formando, a roda) podem tirar um dos dois jogadores e se colocar no lugar de quem saiu, percebemos que,
também, na roda da capoeira, assim como aquela em volta do fogo, o poder está em todos os lugares. Esse é o
sentido da praça (ágora), que é redonda, na democracia ateniense: o poder de fala de cada um, gerando a ideia de
um poder não hierárquico, mas que está no centro, como resultado das falas/argumentos. A nota reflete os
interesses pessoais do pesquisador em aproximar a capoeira ao campo de estudos da Compreensão.
47

que pensa a partir da boca, junto dos técnicos que pensam a partir do Cronos. Cozinha é lugar
de Kairós, de um tempo mítico, e não do tempo do relógio. Eis aí, o mito, belíssimo. A
expressão que, talvez, pudesse substituir aquela primeira, trazida antes ficaria assim: “fazer a
fome”. Pois bem-aventurados aqueles que sentem fome, pois sentirão mais fome.
O tempo que nos foge das mãos, o tempo que o relógio consome e nos responde: “não
haverá mais tempo igual a este, senão em memória”, é o tempo tal como o vivemos e o
experienciamos costumeiramente em nosso dia a dia.
Ah! A parte mais saborosa de todo o trabalho! A Gastrosofia, ou cumbuca gastrosófica
como os mais íntimos costumam chamar, é uma metodologia daquelas mais cheias de
experiências, histórias, vivências, afeto e vínculos. Cansados de cafés filosóficos (não os
menosprezando, apenas ficamos cansados mesmo), onde geralmente se escuta uma ou
algumas poucas pessoas falando, enquanto se bebe café (ou outra bebida da sua preferência) e
mantendo o corpo sentado – e me permitam um parêntesis: sentar vem do latim “sedere” que
significa também “acalmar”, da mesma forma “sedar”, que tem origem na mesma palavra.
Sentar e sedar, portanto, são ações de significado muito próximo. Norval Baitello Jr., em seu
livro O pensamento sentado: sobre glúteos, cadeiras e imagens (2012), citado amplamente
nas páginas iniciais desta pesquisa, oferece-nos inúmeras possibilidades de entender os efeitos
da sedação em nosso pensamento.

Um pensamento calmo, parado, frio, vai servir apenas para nos prender em nossas
cadeiras. Baitello Jr. (2012:15), nos diz: “Uma educação que não aceita a agitação como
forma expressiva e cognitiva, que não sabe aproveitar a incansável energia da curiosidade e
da experimentação infantil. Quantos anos de nossas vidas passamos todos sentados”?. Essa
educação que não aceita a “agitação como forma expressiva e cognitiva” não está, também,
muito alinhada à lógica daqueles cafés filosóficos em que se fica sentado ouvindo com pouca
interação entre o filósofo e a plateia? Ficar parado esperando ser “enchido” pelos
conhecimentos do outro – que, outrora, foi batizada de educação bancária por Paulo Freire
(2011c) –, vez ou outra algum questionamento da plateia, mas, num geral, todos sedados e em
silêncio.

Esse modelo, porém, não é geral de todos os cafés filosóficos, muito menos dos
próprios filósofos. Vamos deixar isso bem claro com as palavras de Marc Sautet sobre a
função do filósofo e o modo como funciona, em seu livro Um café para Sócrates: como a
filosofia pode ajudar a compreender o mundo de hoje (1998:42): “Filosofar é, antes de mais
nada, escutar. O filósofo não é aquele que detém a resposta para todas as perguntas. (...). Pois
48

a boa posição do filósofo não está em afirmar, mas consiste em interrogar”. Assim fechamos
essa digressão, mais longa que o esperado, sobre os cafés filosóficos: não concordamos com
tamanha passividade que em alguns cafés se instauram. Preferimos compreender o agito e os
tempos de cada um dos corpos presentes nos nossos encontros gastrosóficos.

De qualquer maneira, e não que seja a salvadora da nossa pátria dos saberes plurais,
mas a Gastrosofia nos parece mais divertida... Isso, sem dúvidas. Reunirmo-nos,
pesquisadores e, também, não-pesquisadores, com intuito de, juntos, cozinhar um prato que
tenha relação com um tema que elegemos para aquele encontro, proporcionando a leitura de
textos e, em seguida, a discussão aberta (em que todos participam com opiniões, palpites e
sugestões de igual peso para a compreensão da obra em questão), parece-nos muito mais
saboroso. A proposta é que todos botem a mão na massa, façam parte desse ato complexo de
fazer a comida. Lembrando sempre que saber e sabor são palavras, também, de raiz
etimológica idênticas: “sapio” significa “eu saboreio”. “Homo Sapiens”, é o homem que
saboreia.

A palavra gastrosofia é um neologismo que mistura as palavras “gastro” (do grego


“gastér” que quer dizer estômago) e “sofia” (do grego “sophia”, sabedoria), significando em
termos literais: “sabedoria do estômago”. Mas pode significar mais que isso: algo como
“sabedoria no ato de digerir”. Gastrosofia, nesse sentido, significa muito mais o ato de saber
compreender (digerir) o mundo. De qualquer maneira, é uma sabedoria que mora no corpo.
Outro saber comumente esquecido pela ciência. O italiano Nicola Peruzzo (2013:35) coloca a
culinária como uma arte “em seu duplo sentido de técnica (‘saber fazer’) e de criatividade e
liberdade”, para a gastrosofia, nesse mesmo sentido, saber fazer o prato, não basta. Queremos,
mesmo, é criatividade para adaptarmos e modificarmos as receitas quando quisermos, bem
como a liberdade de além das conversas e dos argumentos que trocamos, seja possível um
enobrecimento cognitivo do paladar (nos termos de Peruzzo).

É ainda Peruzzo (2013:47) quem nos auxilia a compreender que o alimento e o prazer
que sentimos ao ingeri-lo são “o primeiro input estético do ser humano, anterior à linguagem,
à assimilação dos códigos culturais, desde sua fase pré-natal”. Portanto desde antes de sair das
aconchegantes barrigas – Freud amaria essa parte – de nossas mães, já temos a predileção por
sentir o prazer alimentar. E isso não desaparece em nossa evolução e crescimento individuais.
O que indica que esse mesmo prazer alimentar é uma “forma fundamental”, como diz
Peruzzo, “de sentir e de perceber a experiência humana”. Compartilhar desse prazer, ou seja,
comer junto com nossos amigos e colegas é uma maneira de compartir nossas percepções e
49

experiências. Compartilhar, não no sentido de perda (eu tenho de compartilhar minha comida
com o outro, então em vez de dois bolinhos para mim, eu fico com somente um e meu amigo
fica com o outro), mas, sim, o sentido de enriquecimento, de participarmos, juntos, da mesma
experiência estética.

Para o GP, essa prática é uma metodologia de pesquisa e já foi realizada algumas
vezes. Teve sua primeira edição em 21/09/2013. Foram encontros bastante diversificados, em
casas distintas e com pratos diferentes a cada vez. A única coisa que se repetiu, muito
provavelmente, foram as bebidas. Porque ainda não inventamos de fazer nossas próprias
bebidas. Nossos encontros são marcados sempre por algum tema que serve como fio condutor
de todo o evento, tanto o prato que cozinhamos quanto os autores sobre os quais conversamos,
há, sempre, alguma ligação com o tema.

A metodologia ainda não gerou nenhum registro (livro, vídeo, etc.). Mas há a ideia de
produzirmos um livro com nossos colegas colombianos sobre a gastrosofia. Até lá, nossos
encontros têm servido muito para manter o GP unido e como uma maneira de atualizar as
novidades das vidas acadêmicas e pessoais dos participantes. O que gera, compreensivamente,
vínculos cada vez mais fortes para nós, pesquisadores. Sobre o lado inter-humano dos nossos
encontros gastrosóficos, é importante nos lembrar dos aspectos da amizade (philia) que são
tão caros a Epicuro10: os amigos se encontram para a experiência da amizade, o reforço
mútuo, a felicidade do estar juntos. E por meio de todos esses aspectos vamos alimentando
nossas almas numa busca pela felicidade, pela “reconquista da simplicidade natural,
originária” (Pessanha, 1992:76), que se realiza mais fácil por meio desse instrumento
chamado por Epicuro de philia: “Pois a presença do amigo auxilia a procura e a manutenção
da sabedoria” (Pessanha, 1992:79).

Agora vou contar um pouco um dos nossos encontros gastrosóficos que, da mesma
maneira que os outros, também, muitos significativos, teve sabor de ancestralidade... Explico,
antes que fique ainda mais nebuloso: um de nossos encontros gastrosóficos se realizou com a
presença do prof. Dr. Raúl Hernando Osorio Vargas, um dos integrantes do GP, justamente
para firmar nossa parceria com a Universidade de Antioquia e, mais: clarear dúvidas acerca
dos projetos de pesquisa do GP e, ainda, um terceiro objetivo, fazer arepas colombianas11. As

10
Mais à frente, no segundo capítulo, enquanto estivermos ocupados com as ideias de Rubem Alves, vamos nos
aprofundar mais na filosofia epicurista.
11
Aliás, nada mais apropriado para o momento que uma pequena receita de como preparar arepas colombianas:
Os ingredientes necessários são: 1 xícara (chá) de farinha de milho amarela, 1/2 colher (sopa) de sal, 1 colher
(sopa) de alho em pó, 1 ovo, 1 xícara (chá) de Água fervente, Queijo mozzarella ralada a gosto, 2 colheres (sopa)
de manteiga.
50

arepas são um alimento preparado à base de milho que, por sua vez, é um alimento base para
muitas e tantas outras receitas latino-americanas. Aliás, o milho é, em diversas culturas, como
nos dizem Chevalier e Gheerbrant (2012:611), “o símbolo da prosperidade, considerada em
sua origem: a semente”. O milho é tido como a esperança do que pode ser, que é esse mesmo
o significado de semente: uma infinidade de possibilidades que podem brotar.

Voltando às arepas: nos territórios da Colômbia, Panamá e Venezuela as arepas são


mais antigas até que a própria colonização espanhola. Podendo ser encontradas, hoje, até nas
Ilhas Canárias, por conta das imigrações frequentes e comuns entre os venezuelanos e o povo
dessas ilhas. No ano de 2006, na Colômbia, as arepas se transformaram em um símbolo
cultural colombiano. Servindo, até, como presente (em forma de colar com várias mini-
arepas) para aqueles que viajam para esse país. Todo ano, nas cidades de Bogotá, Medellín,
Cali, Barranquilla e Bucaramanga, todas colombianas, ocorrem nos meses de agosto e de
dezembro o que eles chamam de “Festival de La Arepa Colombiana”. A festa serve para
comemorarem esse marco distintivo de sua cultura.

Arepas, milho e a criação do mundo... A Compreensão, naquele evento gastrosófico


esteve presente por meio de todo o preparo e o ato de comer, em conjunto. Cozinhamos,
comemos e bebemos ouvindo atentamente às histórias do prof. Raúl sobre as arepas, sua
importância cultural e sua importância vital. Pois as arepas alimentam dois estômagos: o
biológico e o da alma.

Por fim, como Buber vai dizer, e veremos mais à frente, todo Isso pode vir a se tornar
um Tu12, o que significa, na prática, que até o que comemos pode se transformar em um Tu
para nós. A situação colombiana parece propícia para um enunciado desses: na Colômbia,
pelo que nos parece, as arepas foram transformadas em um Tu cultural, que tem por
responsabilidade manter a cultura colombiana unida, pois cada uma das cidades colombianas
reconhece as arepas como seu marco distintivo: como um traço que ajuda a definir suas
próprias identidades.

Para preparar: Em uma tigela, misture a farinha de milho, o sal e a pimenta. Acrescente o queijo e misture mais
um pouco. Com um garfo, misture a massa adicionando a água fervente. Junte o ovo e continue misturando com
o garfo até a massa desgrudar das laterais da tigela. Amasse a massa com as mãos apenas até formar uma bola.
Molde pequenos pedaços da massa na forma de hambúrgueres grossos. Em uma panela antiaderente, aqueça um
pouco de manteiga e coloque as arepas até que fiquem douradas dos dois lados. Sirva as arepas quentes com
queijo ralado, molho de tomate ou com o recheio que preferir.
12
Em meio à nossa Roda de Conversas, ao comentar sobre a relação intersubjetiva da palavra-princípio Eu-Tu,
foi-me apontado para insistir mais na ideia de, além do Eu se transformar em sujeito por meio da relação com
outros sujeitos, a relação entre um Eu e uma teoria ou uma ideia (ou seja, um Isso) também pode transformar o
Isso em um Tu. O Eu se transforma em sujeito também ao entrar numa relação com um Isso.
51

Uma última parada na Compreensão

Este capítulo contribui com uma ampla amostra mapeada do que foi produzido pelo
GP e do que entendemos por Compreensão. Aqui vamos apenas ressaltar algumas
características que foram pouco comentadas ou perspectivas não sublinhadas anteriormente.
Poderíamos, talvez, nos dar por satisfeitos partindo para nossas casas com a sensação de
tarefa concluída, com relação às páginas anteriores. Contudo, é necessário algum tipo de
sistematização desse emaranhado complexo-compreensivo da epistemologia da Compreensão.

E, agora, seremos pouco compreensivos ao dizer que: “a definição de Compreensão


é”: uma investida no contrapé da proposta iluminista do pensamento racional, da razão
fechada, que exclui, dita conceitos, autoritária. Daí surge uma outra maneira de compreender
o que seja o pensamento: pensar a partir da razão em conjunto com outros saberes, como o
ensaio, o riso, o erro, a astrologia, a experiência (que às vezes é a sua falta: inexperiência), o
diálogo (ao invés do puramente lógico), etc.

A Compreensão é método científico, no sentido de ser um caminho para se chegar aos


objetivos propostos em cada pesquisa. Mas, também, num sentido mais próximo à
epistemologia: método que pressupõe a multiperspectividade; critica o absolutismo, o
positivismo e a racionalização do mundo e da vida; propõe pensar a partir de menos
“portanto” e mais “talvez”; e critica o signo da explicação; pensa junto dos mitos. Pelo menos,
essas perspectivas adotadas por Künsch (2010) são a base norteadora da compreensão.

A isso, Martino (2014) completou (de)compondo a compreensão em três perspectivas:


conhecimento nas narrativas cotidianas; diálogo entre epistemologias; compreender o outro
em si mesmo. Essas perspectivas são aquilo que o pensamento compreensivo tem buscado ao
longo de diversos trabalhos de pesquisas científicas, tanto as aqui já citadas, quanto a que não
foram relatadas aqui. Que significa isso? Significa dizer que a agir compreensivamente é:
ouvir o conhecimento das narrativas cotidianas, dialogar com diferentes epistemologias (com
uma visada propositiva, que soma e não que divide) e compreender a alteridade – de “tentar
ver nele [o outro] a mesma complexidade que reivindicamos para nós” (Martino, 2014:31).

Assim os estudos sobre a Compreensão vão lançando as bases do duplo significado do


termo comprehendere: cognitivo (de entender algo) e intersubjetivo (de abraçar – pois o
“abraçar” é também cognitivo. Daí a epistemologia).

Ainda no primeiro capítulo, esboçamos, para tentar nos aproximar dos quatro autores a
quem recorreremos nesta pesquisa, uma espécie de três vetores da Compreensão, que nos
52

auxilia enquanto uma chave de leitura para a Compreensão. A ética, intersubjetiva, das
relações Eu-Tu e Eu-Isso (e suas constantes alterações: de Isso a Tu, e vice-versa); a prática,
campo em que a Compreensão norteia os fundamentos das ações e atitudes compreensivas,
por exemplo, a Justiça Restaurativa e as mediações que, por conta desse projeto no campo do
direito, proporciona; e a epistemologia: área própria do pensar o pensamento – que é o caso
deste trabalho, que busca pensar o como tem se compreendido a Compreensão a partir dos
estudos do nosso GP –, que diz, ao exemplo do que já foi exposto, que a ciência da razão
pequena e mutiladora, não é aberta aos outros saberes, diferentes dos concebidos pelo meio da
razão, decorrendo, daí, a sua deificação.

Todas essas indicações para


demonstrar que a Compreensão se encontra em constante ponto de ebulição: a cada autor que
pesquisa o tema, algo a ele se agrega, adiciona, no sentido de formar uma rede. Igual à
metáfora para o método científico, que Rubem Alves desenvolveu13, sobre a rede de pescar as
ideias que tem fios e furos, a Compreensão construiu a sua rede de pescar.

A seguir, no próximo capítulo, exploraremos quatro dos fios que contribuíram para
tecer outros fios dessa rede da Compreensão. Na ordem: Martin Buber, Paulo Freire, Rubem
Alves e Paul Feyerabend.

13
E que veremos em profundidade no próximo capítulo.
53

CAPÍTULO II

Contribuições teóricas para um estudo da compreensão

Aparentemente, perdemos durante a nossa infância a


capacidade de nos surpreendermos com o mundo. Mas com
isso, perdemos algo essencial – algo que os filósofos querem
reavivar. Porque em nós algo nos diz que a vida é um grande
mistério. Já tivemos essa sensação muito antes de termos
aprendido a pensar isso
Jostein Gaarder – O mundo de Sofia

A proposta para este segundo capítulo é um estudo sistemático de quatro autores, e de


algumas de suas obras específicas. O primeiro deles é Martin Buber (Eu-Tu), o segundo é
Paulo Freire (Extensão ou comunicação?, Educação como prática da liberdade e Pedagogia
do Oprimido), o terceiro é Rubem Alves (Entre a ciência e a sapiência e Variações sobre o
prazer) e o último, que fecha este capítulo, é Paul Feyerabend (Contra o método). Apostamos
que todos eles têm muito a nos auxiliar a pensar a Compreensão.

É necessário deixar claro que, se os três primeiros podem contribuir, particularmente


(mas, não só), para uma compreensão da Compreensão, isto é, um reforço da atitude cognitiva
e de uma ética e de uma prática compreensiva, o último, Feyerabend, é trazido para a roda de
conversa mais por suas observações críticas sobre o tema do método, objeto das preocupações
do GP ao situar o tema da Compreensão no campo do método, como propõe o atual projeto de
pesquisa.

Então, aos sujeitos desta parte:

2.1. Martin Buber e o Eu-Tu, Eu-Isso

Vida e obra

Martin Buber (1878-1965) foi filósofo e teólogo, tendo traduzido a Bíblia do hebraico
para o alemão e trabalhado durante sua vida pautado por uma filosofia do diálogo, da relação
54

e do encontro – termos que formam pedra angular da sua obra. Nasceu em Viena a 8 de
fevereiro de 1878 e faleceu em Jerusalém no dia 13 de junho de 1965. Era judeu de origem
austríaca e, inicialmente, sionista, rompendo depois com essa posição, por acreditar ser
possível a binacionalidade dentro do Estado Judaico14. Foi editor do jornal Der Jude (O
Judeu) no período de 1916 a 1924. No ano de 1923 foi nomeado professor de História das
Religiões e Ética Judaica na Universidade de Frankfurt. No período do nazismo, saiu da
Alemanha e foi, em 1938, para a Universidade de Jerusalém ensinar Sociologia. Buber projeta
no ato educativo, também, parte das suas ideias expostas em Eu e Tu, sua obra-prima, de
1923, como afirma Maria Betânia Santiago:

A formação [pela educação] mantém uma profunda ligação com a ideia de


responsabilidade com a humanidade, com o mundo no qual vivemos; seja no
sentido daquela que cabe ao educador, seja no que deve resultar de uma
formação que visa a esse compromisso. Isso significa assumir como exigência
ética a formação de pessoas capazes de pensar e de agir com consciência do
seu real papel no mundo. Compreendendo que aprender a pensar não significa
aprender doutrinas, regras, mas em assumir autonomamente o seu papel no
mundo. Podemos assim afirmar que o que justifica e torna indispensável à
formação é a necessidade que temos de construir uma comunidade ética.15
Em suas ideias é possível identificar que, sem relação, não há a existência plena do
humano. Buber entende que só se pode existir como humano por conta da relação dialógica
entre o Eu e o Tu. Para Buber, no dizer de Zuben (2007:18), “o conteúdo vivido vale mais que
qualquer experiência humana, em todas as suas manifestações, vale mais que qualquer
sistematização conceitual”. Dessa maneira, a experiência vivida, concreta de nossa vida,
possui uma característica especial nas ideias de Buber, da mesma maneira como que
Montaigne pensava isso, como vimos no primeiro capítulo.

Buber foi leitor de Feuerbach e, apesar de utilizar o mesmo par de palavras (Eu-Tu) dá
a elas outra perspectiva, como diz Machado (2009:77), pois, para Feuerbach, esse par de
palavras “estava voltado especialmente às relações homem-mulher”. Buber amplia essa noção
para todo tipo de relação humana verdadeiramente dialógica (tanto com outro humano, quanto
com outros seres vivos, ou, ainda, com objetos presentes em nosso dia a dia).

14
O sionismo é um movimento de cunho político e filosófico que defende, principalmente, a legitimidade do
Estado Judaico e do povo judeu. Buber rompe com o grupo sionista em que atuava, por não concordar com a
orientação do então presidente Theodor Herzl. (1860-1904). Para o filósofo, o novo Estado de Israel deveria ser
palco para um binacionalismo: tanto para os árabes, quanto para os judeus. A atitude demonstra sua postura
dialógica frente à vida.
15
SANTIAGO, Maria Betânia. Formação e Diálogo nos discursos de Martin Buber. [online] Disponível em:
<http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT17-2672--Int.pdf>. Acesso em: 15 Jan. 2015.
55

Eu e Tu – axioma do pensamento buberiano

Segundo um dos tradutores de Buber para o português no Brasil, Newton Aquiles Von
Zuben, o texto Eu e Tu é a obra-prima do filósofo, uma vez que os outros textos tomam este
como base. Em Eu e Tu, a palavra proferida é o ato do homem a que o compõe e o situa no
mundo. A filosofia de Buber pode ser enquadrada como uma ontologia da palavra, de matriz
dialógica. E a categoria à qual pertence a palavra é a do “entre”. As palavras que podemos
proferir são duas: Eu-Tu e Eu-Isso, existindo, na primeira, a possibilidade de se falar com o
Tu-Eterno, entendido como Deus. As palavras-princípio funcionam como ações para o
homem compondo seu ethos, o caminho que trilhará pela vida, ou seja, elas são uma atitude:
“A atitude não é qualquer coisa exterior ao ‘Eu’ que a toma, por assim dizer, mas é
constitutiva de mesmo ‘Eu’. É o próprio ‘Eu’ realizando-se”16.

O homem pode agir pela relação Eu-Tu, ou objetivar a experiência pela palavra
princípio Eu-Isso. Para Zuben (2007:32), “uma é a atitude cognoscitiva e a outra ontológica”.
Ou, como afirma Liana Gottlieb (1996:79), para Buber “a palavra proferida é uma atitude
efetiva, eficaz e atualizadora do ser do homem. Ela é um ato do homem, através do qual ele se
faz homem e se situa no mundo com os outros”. É uma maneira de se atualizar perante o
mundo e os homens. Jasson Martins (2010:29) afirma que a palavra dialógica, “habita o
terreno do entre, requer abertura ao mundo, ao outro, invoca a relação. A palavra indica a
própria condição do homem como ser existente”, pois é nele que “habita a palavra. Ela não só
é proferida pelo ser, como instaura modos de existir do ser humano, ou melhor, uma postura
dual diante do mundo”.

Sugerindo a relação Eu-Tu como um momento de atualização do Eu e do “outro”,


configura-se a ótica buberiana frente a uma filosofia do encontro. “Não há Eu em si, mas
apenas o Eu da palavra princípio Eu-Tu e o Eu da palavra princípio Eu-Isso” (Buber,
2001:53). É necessário o diálogo para o acontecimento da relação. Para Buber, segundo
Gottlieb (1996:80), o diálogo “é a forma explicativa do fenômeno do inter-humano que, por
sua vez, implica a presença do evento de encontro mútuo”. Já, Buber (2001:58), frisa que na
categoria entre os homens não existe nada. Tudo o que fica entre o Eu e o Tu é uma forma de
barrar a relação, pois a relação deve se compor de um contato imediato. O face a face:
autêntica relação em que “ela atua sobre mim assim como eu atuo sobre ela”.

16
ZUBEN, Von. O Sentido das “Palavras-Princípio” na Filosofia da Relação de Martin Buber [online]
Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/vonzuben/palavras.html>. Acesso em: 02 Set. 2012.
56

O Tu se configura como um outro sujeito identificado por mim e que me identifica


como sujeito, também. O Eu responde a um Tu que responde de volta. “A relação Eu-Tu
acontece na presença, ou seja, quando um Tu se apresenta ao Eu. Presença aqui significa (...)
o instante que o instaura, presentifica e atualiza o homem. O homem se atualiza no relacionar-
se” (Martins, 2010:30). Essa palavra, como afirma Zuben, “leva em seu seio a riqueza
provocadora do encontro intersubjetivo, sendo assim chamada por Buber a palavra da união”.

Falar Eu-Tu é voltar-se-para-o-outro, é ter o Tu como companheiro e não como


objeto, e é no diálogo que acontece a reciprocidade e a aceitação da alteridade; a entrega total
do Eu em relação ao Tu. Mais: só existe um Eu por conta do Tu. A existência intersubjetiva
do Eu pede a relação com o Tu. Esse desejo, essa ânsia, essa necessidade ontológica do Eu
frente o Tu lembra aquilo que Harry Pross diz quando expressa que: “a comunicação começa
e termina no corpo” (apud Baitello Jr., 2012:144), uma vez que o Eu chama o Tu da mesma
maneira que, nas palavras de Baitello Jr. (2012:128), “o corpo pede ritmo de corpo, tempo de
corpo, sensações de corpo e imagens endógenas (sonho, devaneio, sensações, emoções), e não
simplificação fast-food da vida”. O corpo pede a relação com outro corpo.

Há uma responsabilidade de se manter uma relação dialógica um-com-o-outro em que


ambos se-vem e se-enxergam no fundo de suas almas, quando se entra no mundo da relação
dialógica Eu-Tu. Esse encontro com o outro se dá de maneira espontânea. Também faz parte
das nossas reflexões o apontamento feito por Gottlieb de que Buber pensa a relação como um
ato de estar com o outro e, por meio da troca de papéis em que o Eu encontra com o Tu e o
Tu com o Eu, é que essa relação acontece. Essa vivência não é um ato cognitivo (pois, se
fosse, estaria no plano do Isso), mas uma maneira de construir uma experiência com o outro.
A relação Eu-Tu é necessária ao homem, uma vez que o outro ajuda a compor o eu; não
apenas no plano da identidade, mas da ética e da concretização do homem como tal. “Um dos
pontos centrais da antropologia de Buber”, nos diz Zuben, é, “sem dúvida a questão do outro
como Tu. Este é para Buber o fundamento ontológico e existencial de todas as outras
realidades e ações humanas. O Tu é o fundamento do ‘nós’ e este o esteio da comunidade”.

Na literatura, novamente, podemos experimentar a busca por um exemplo para essa


perspectiva. Em Dom Casmurro, obra de Machado de Assis, publicada em 1899, é contada a
história de um suposto triângulo amoroso, Bentinho – Capitu – Escobar. Em determinada
altura do livro, em que Capitu já está casada com Bentinho e o filho deles, Ezequiel, já tinha
nascido, a moça estava com febre, de cama e sendo tratada. Mas, fora da casa algo
atrapalhava o descanso e sua recuperação. Na rua havia três cães que não paravam de latir.
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Decidido, Bentinho manda fazer algumas bolas de carne e nelas coloca veneno. Ao sair de
casa, dois dos três cachorros fogem sobrando apenas um. O que aconteceu, ninguém melhor
que o próprio autor para descrever:

Fui-me a ele, assobiando e dando estalinhos com os dedos. O diabo ainda


latiu, mas fiado nos sinais de amizade, foi-se calando, até que se calou de
todo. Como eu continuasse, ele veio a mim, devagar, mexendo a cauda, que é
o seu modo de rir deles; eu tinha já na mão as bolas envenenadas, e ia deitar-
lhe uma delas, quando aquele riso especial, carinho, confiança ou o que quer
que seja, me atou a vontade; fiquei assim não sei como, tocado de pena e
guardei as bolas no bolso (Assis, 2009:163).
Essa pena que Bentinho sentiu pode ser entendida como uma alteração que o “Tu-
cachorro” fez no “Eu-Bentinho”. O Tu, nessa situação, mudou o andar da carruagem, tirou a
possível atitude de morte, reposicionando o Eu a deixá-lo vivo, estruturando uma ética do Eu.
O Tu o auxiliou no posicionamento do Eu perante o mundo.

Eu-Tu é a palavra do diálogo, da Compreensão. O diálogo acontece aí, no meio, entre


as pessoas. Nas palavras de Marcondes Filho (2009:61), “o diálogo não tem nada de
gnosiológico, não é instituído para eu aprender nada do outro, para passar nada ao outro” e
continua, mais à frente: “A palavra atravessa (no sentido grego do dia-‘atravessar’, do termo
diálogo), perpassa a relação. Dia-logos é, assim, uma relação entre pessoas, algo que as
perpassa, que as atravessa, que está entre, que está no meio”.

Zuben (2006:40), ainda sobre a ideia da categoria do “entre”, dizer “o amor não é algo
possuído pelo Eu como se fosse um sentimento”, uma vez que “os sentimentos, o homem os
possui; porém, o amor é algo que ‘acontece’ entre dois seres humanos, além do Eu e aquém
do Tu na esfera ‘entre’ os dois”. Esse traço da categoria do “entre” nos leva a imaginar a
teoria de Buber como uma teoria do encontro e do acontecimento, uma vez que os momentos
em que “acontecem” relações, o homem se atualiza e profere a palavra-princípio Eu-Tu.

Em contraponto, o mundo da experiência faz parte do Isso: a negação da relação ou o


seu distanciamento é encarado por Buber (2001:57) como maneira de experienciar, de
objetivar o outro: “’Eu’ não experiencio o homem a quem digo ‘Tu’. Eu entro em relação com
ele no santuário da palavra-princípio. Somente quando saio daí posso experienciá-lo
novamente. A experiência é distanciamento do ‘Tu’”. E existem diversas maneiras de
relacionamento e de experienciação, razão pela qual a relação Eu-Tu não é exclusivamente a
relação inter-humana, como expõe Gottlieb (1996:81),

O Tu pode ser qualquer ser presente no face-a-face: homem, Deus, uma obra
de arte, uma pedra, uma flor, etc. Assim como o Isso pode ser qualquer ser que
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é considerado um objeto de uso, de conhecimento, de experiência de um Eu.


De forma alguma o outro pode ser um objeto. Caso isto ocorra, o Tu já não é
mais senão um Isso, uma soma de qualidades, útil a um propósito realizável.
A palavra-princípio “Eu-Isso” é a da separação.

Transformar o Tu em Isso, como veremos mais adiante, é possível e inevitável que


aconteça, vindo daí a ideia de uma “nostalgia” do humano que pode ser encontrada na obra
buberiana. Ter essa postura de experienciar o outro significa transfigurá-lo em objeto: eu o
desatualizo e nos desencontramos no tempo da vida atual. Jogo longe a relação e o encontro
quando faço do outro um Isso, quando o objetivo, no sentido de fazer dele um objeto. Desse
modo o Eu da relação Eu-Tu vira um Eu que só conhece o passado. Nas palavras de Buber
(2001:60), “na medida em que o homem se satisfaz com as coisas que experiencia e utiliza,
ele vive no passado e seu instante é privado de presença. Ele só tem diante de si objetos, e
estes são fatos do passado”. Zuben (2007:39) completa ao afirmar que o “Tu orienta a
atualização do Eu e este, pela sua aceitação, exerce sua ação na presentificação do outro que,
neste evento, é o seu Tu”. Está no reino do Tu aquele que vê um ser em sua totalidade.

A nostalgia do Tu é notada na obra de Buber (2001:63) e se apresenta nessa passagem


do autor: “Todavia, a grande melancolia de nosso destino é que cada Tu em nosso mundo
deve tornar-se irremediavelmente um Isso. Por mais exclusiva que tenha sido a sua presença
na relação imediata”, continua o filósofo, “o Tu se torna um objeto entre objetos, talvez o
mais nobre, mas ainda um deles, submisso à medida e à limitação. (…). E o próprio amor não
pode permanecer na relação imediata; ele dura, mas numa alternância de atualidade e de
latência”.

Essa “coisificação” causa a nostalgia no Eu, que precisa da relação para sua plena
vivência humana; anseia e pede pelo encontro. Por este motivo é que a relação reside no
início – “No começo é a relação” (Buber, 2001:63) –, pois antes da fala, da palavra ser
pronunciada pelo humano, existe a relação (à mesma maneira, como já dito anteriormente,
que Peruzzo (2013:47) indica que o prazer alimentar é o primeiro input estético, poderíamos
dizer que a relação, no sentido buberiano do termo, significa o primeiro input estético e
cosmogônico do homem – daí o nosso entendimento de a relação Eu-Tu ser um arquétipo da
humanidade). E quando acontece a ação, o pensamento cognitivo, é aí que se chega ao Isso.
Uma vez que não é possível uma permanência na relação Eu-Tu, acontece constantemente um
distanciamento do Eu em relação ao Tu quando a percepção do homem passa de uma postura
arquetípica para uma forma teórico-cognitiva, decorrendo daí, o retorno do Eu para o passado,
para o reino das coisas, do Isso. Junto desse retorno, e com a nostalgia, o Eu sente a
59

necessidade de retornar à relação arquetípica. Vamos, mais à frente, ao comentar as relações


da obra de Mircea Eliade com a ideia de Eu-Tu de Buber, continuar essa discussão.

Retomando, Buber (2001:73), coloca a questão da seguinte maneira: “O mundo do


Isso é coerente no espaço e no tempo”, enquanto que, do outro lado, “o mundo do Tu não tem
coerência nem no espaço nem no tempo. Cada Tu, após o término do evento da relação, deve
necessariamente se transformar em Isso. Cada Isso pode, se entrar no evento da relação,
tornar-se um Tu”. A transformação do Tu em Isso, e vice-versa, corresponde à realidade do
homem no mundo, pois não existe homem sem o Isso, mas aquele que tenta viver apenas
pronunciando a palavra-princípio Isso não conseguirá alcançar sua máxima condição de
humanidade.

Numa ampliação do sentido do “Eu-Tu” e “Eu-Isso”, as sociedades também espelham


tal comportamento do humano. As sociedades possuem os mundos do Isso e do Tu, sendo que
na história há um aumento contínuo do reino do Isso. A cada sociedade que se atualiza, é o
mundo do Isso que ganha mais potência. Esse apontamento de Buber configura a objetivação
do mundo e da racionalidade técnica que se instaura na modernidade e, para o filósofo, a
sociedade deve se manter atenta a esse impasse: o homem sendo tomado somente como um
Isso, objeto da ação dos outros. A coisificação do sujeito.

Cabe dizer que essa é a principal perspectiva pela qual Freire trabalha suas ideias. Não
só ele Flusser aponta numa direção parecida, ao dizer que hoje nos tornamos funcionários da
máquina. Também Maffesoli (1998:36), ao falar que as premissas racionalistas se tornaram
um habitus, “algo que nos impregnou”. Em Weber (2004:106-107), essa visão aparece com
relação ao que ele chama Die Entzauberung (“o desencantamento”) do mundo que, após a
“eliminação da magia como meio de salvação”, somente por meio de “uma vida regida pela
reflexão constante podia ser considerada superação do status naturalis”. Mais à frente, Weber
continua seu argumento com relação à ascese cristã: “Tornara-se um método sistematicamente
arquitetado de condução racional da vida com o fim de suplantar o status naturae” (Weber,
2004:108), ou seja, tinha por objetivo subtrair do homem seus impulsos irracionais bem como
sua “dependência em relação ao mundo e à natureza, de sujeitá-lo à supremacia de uma
vontade orientada por um plano”, além de “submeter permanentemente suas ações à
autoinspeção e à ponderação de sua envergadura ética, e dessa forma educar o monge –
objetivamente – como um operário a serviço do reino de Deus e com isso lhe assegurar –
subjetivamente – a salvação da alma”. Com isso Weber quer demonstrar uma passagem
60

sociológica do pensamento guiado por diversos saberes (a religião, a magia, etc.) para um
pensamento guiado pela razão, pelos planos e metas: em suma, desencantado.

Cabe aqui uma crítica à ideia weberiana e a outros autores que tanto insistem na ideia
de um mundo desencantado. Se for verdade que, no mundo estudado por Weber – marcado
cada vez mais fortemente por relações de tipo burocrático dentro de uma formação capitalista
– e em outros ambientes isso, Die Entzauberung, possa ser visto, constatado, provado como
força dominante, também é verdade que, compreensivamente falando, o encantamento,
próprio do humano, a magia, o mito, a arte, a festa, os devaneios, etc., sendo humanos,
permanecem, continuam a existir. Não é difícil pensar que o desencantamento costuma
ocorrer, o mais das vezes, mais nas esferas acadêmicas e nos setores burocratizados ou
dominantes, do que na vida, no dia a dia, na capacidade humana de transcender o imediato, de
farrear, de amar, de reinventar o encanto – nem que seja para aguentar o tranco de uma vida
difícil. A arte é pródiga em mostrar isso.

Apesar do alerta à fatalidade das relações dialógicas sempre retornarem ao Isso, Buber
(2001:81) destaca:

A palavra-princípio Eu-Isso não tem nada mal em si porque a matéria não tem
nada de mal em si mesma. O que existe de mal é o fato de a matéria pretender
ser aquilo que existe. Se o homem permitir, o mundo do Isso, no seu contínuo
crescimento, o invade e seu próprio Eu perde a sua atualidade, até que o
pesadelo sobre ele e o fantasma no seu interior sussurram um ao outro
confessando sua perdição.
Não se deve cair na perdição de achar que o único caminho é o de proferir a palavra-
princípio Eu-Isso, pois esta, quando proferida sozinha, desatualiza o homem. Faz com que ele
viva num eterno passado próprio às coisas. Sem relação, o homem passa sua vida só. Mesmo
rodeado de pessoas, se não proferir o Tu verdadeiro, não se atualizará.

Mais à frente, quando formos nos ocupar com as ideias de Freire, veremos que ele
entende essa dinâmica como uma questão referente ao social, pois é uma atitude de um
mundo opressor. “Somente aquele que conhece a relação e a presença do Tu, está apto a
tomar uma decisão. Aquele que toma uma decisão é livre, pois se apresenta diante da Face”
(Buber, 2001:85). Portanto, aquele que não conhece tal relação (por ser tratado como objeto
pelos outros sujeitos) não consegue se presentificar. Não consegue experienciar o mundo.

Não existem dois homens num mesmo Eu, somente dois Eus no mesmo homem.
Virtualmente a condição humana compreende ambas as atitudes do Eu. De um lado está a do
egótico – “o egótico ocupa-se com o seu ‘meu’ (...) não só não participa como também não
61

conquista atualidade alguma. Ele se contrapõe ao outro e procura, pela experiência e pela
utilização, apoderar-se do máximo que lhe é possível” (Buber, 2001:93) – e, do outro, a
atitude dialógica. Ainda que existam dois “Eus” diferentes nas palavras-princípios,
relembremos que falar Eu-Tu ou Eu-Isso é uma atitude do homem, então ele pode agir de uma
forma ou de outra, dependendo da situação em que se encontra. O que queremos dizer ao
pronunciar o Eu, seja o da relação “Eu-Tu” ou aquele da experienciação “Eu-Isso”, denota um
caminho ao qual seguimos, é nosso ethos; nossa ética, nossa escolha. “O seu dizer-Eu (...)
decide seu lugar e para onde leva seu caminho. A palavra ‘Eu’ é o verdadeiro shibbolet17 da
humanidade” (Buber, 2001:94).

Buber também nos ajuda a compreender, no sentido de abraçar, o pensamento


religioso, lá onde ele diz que a objetivação, que obrigatoriamente toma algo como objeto, faz
de Deus um Isso, destituindo-o de sua atualidade. Como isso é impossível, já que Ele é
ilimitável, o filósofo propõe um pensar-Deus enquanto uma relação, parecida com a relação
do reino do Tu. Na relação com Deus estamos completos e unidos ao Tu-Eterno, que nos
atualiza para o mundo. Essa noção é importante, uma vez que o próprio agir humano
proferido nas palavras-princípio é reflexo da palavra de Deus. São respostas e atitudes
humanas frente ao Tu-Eterno.

Por outro entendimento do mito

Faremos aqui uma abertura ao tema do mito, que representa um tema caro ao GP,
como já se observou. O mito possui um papel de conhecimento e de reflexão para o sujeito,
apesar de percebermos um significado que o associa a uma história falsa. Por isso se faz
necessário tentar abrir outra janela nos muros que fecharam nossa visão para o mundo, e,
especialmente, para o mito. Essa abertura ao mito tem como intuito a aproximação das ideias
de Martin Buber (Eu-Tu) às de Mircea Eliade (mito do eterno retorno). Nesses próximos
tópicos o que estamos buscando é uma aproximação entre o que Buber e Eliade pensam sobre
a ontologia, a relação intersubjetiva e o arquétipo18. Ou seja, se imaginarmos que o
pensamento é um condomínio onde cada casa é um pensador, nós estaríamos, nesse momento,

17
“Marco distintivo”, em hebraico.
18
O termo “arquétipo” pode ser entendido de duas maneiras: ou como “modelo exemplar” (Eugenio d’Ors e
Mircea Eliade compreendem assim, em algumas de suas obras) ou como “estruturas do inconsciente coletivo”.
Para este trabalho, em todos os momentos que falarmos em arquétipo, seguiremos com a referência de Eliade,
uma vez que estamos costurando as ideias de seu trabalho O mito do eterno retorno com as ideias de Eu e Tu, de
Martin Buber, seria desproporcional seguir com outro entendimento de arquétipo que não o de Eliade.
62

atravessando um corredor que liga as casas desses dois pensadores. Mas, antes, um pouco
mais sobre o mito.

Uma das principais características da nossa cultura ocidental é que a Razão é uma
deusa que o mundo todo deve seguir, supostamente, como guia máximo para se encontrar a
verdade, tanto do conhecimento quanto da ação, no sentido de um agir correto, verdadeiro.
Nessa cultura, o mito fica pouco compreendido e jogado num inferno subcultural. Armstrong
(2005:25) diz que “um mito não transmite informações factuais, é antes de mais nada um guia
do comportamento. Sua verdade só se revela se ele é posto em prática – em termos rituais ou
éticos. Se for lido como pura hipótese intelectual, torna-se remoto e inacreditável”. E aí já
conseguimos ter uma visão do primeiro problema: enxergar o mito como “hipótese
intelectual”, a partir do ponto de vista da racionalidade científica, reinante e absoluta em
nossa contemporaneidade, o que não é um fato, uma verdade, ou que não se chega por meio
de argumentos lógicos e medidas exatas de sua veracidade, não pode ser conhecimento.

Continuando, o mito exige uma ação ritualística (ou ética) que o insira no mundo, que
invoque seu significado e o traga para junto do nosso tempo, num processo de
contemporaneização do mito. Somente na repetição desse mito é que ele vai ter um
significado com aderência à nossa realidade. Daí que ele não pode ser confundido com uma
história antiga, mas, sim, com uma mensagem arquetípica do humano. Nesse sentido, Künsch
(2008a:50) defende que o mito “não é sinônimo de atraso, ilusão ou trevas. É, sim, uma
maneira de a cultura humana ontem como hoje tentar dar conta dos segredos e mistérios do
mundo”. Dessa maneira, nossa sociedade, ainda hoje, mantém relação próxima com o mito,
nesse sentido é que Campbell (2005:15) diz que o mito é uma abertura para as energias do
cosmos participarem das manifestações culturais humanas e, desse aparecimento nas
manifestações culturais, é que o mito aproxima o humano do mundo, uma vez que ele ampara
nossos medos, nossas angústias e nossos receios.

Podemos ter outra visão do mundo com o auxílio dos mitos; frente ao racionalismo
que ilumina o mundo, os mitos auxiliam numa perspectiva ontológica do homem. Quando o
homem precisa mergulhar em si mesmo para buscar algum entendimento, o mito confere
forças e guia caminhos possíveis para realizar essa tarefa. Não que a razão não colabore para a
compreensão do mundo, mas fechar nossos sentidos e nossa capacidade cognitiva num único
canal intitulado de Razão é que é prejudicial à nossa existência.

O tempo do mito é cíclico. Mas, o que significa isso? Lage Neto (2010) comenta que,
assim como o mito, nossa vida também é concebida por ciclos e, culturalmente, nós damos
63

início a um novo ciclo e nos despedimos do antigo ciclo mesmo sem nos darmos conta. Por
exemplo, a formatura do colégio e o ritual de passagem que marca a adolescência, momento
em que se espera que o formado não aja mais igual à maneira que ele agia no dia anterior,
posto que ele é agora um formado. Cada ciclo faz com que o sujeito se transforme num
“novo-eu” se despedindo do “antigo-eu”. O mito também é cíclico, porque de tempos em
tempos ele se renova e reaparece. O próprio marco adolescente é um mito: o mito da criança
que vira adulta.

Agora, passamos do corredor que liga os cômodos de Eliade ao de Buber, e vamos


ficar no quarto de Eliade, nos aprofundar em suas ideias.

O mito do eterno retorno e suas aproximações com a Relação Dialógica Eu-Tu

Mircea Eliade (1907-1986) foi filósofo e antropólogo da religião, nascido na Romênia


(Bucareste) se formou em filosofia pela Universidade de Bucareste tendo publicado no ano de
1949 seu livro O mito do eterno retorno, que lhe trouxe certo reconhecimento internacional.
Eliade afirma que o homem contemporâneo perdeu a relação que tinha com o Cosmo, os
sujeitos de sociedades primitivas – o termo primitivo não deve ser entendido aqui por
“ultrapassado”, mas como o “primeiro”, a “gênese”, o “início” – possuíam uma relação com
os rituais e com o significado cosmogônico de tais cerimônias que vem se perdendo com o
tempo. A essa perda, Eliade (1992:8) indicou que o sujeito contemporâneo tenta a todo custo
vincular-se somente à História Linear – podemos somar a essa perspectiva de Eliade (algumas
outras que formam uma espécie de rede semântica de propostas críticas ao cientificismo e à
racionalização contemporâneos) aquilo que Buber comenta sobre a palavra princípio Eu-Isso;
a ideia de que somos funcionários da máquina, nas palavras de Flusser; o que Maffesoli
critica, de que as premissas racionalistas fazem parte de nosso habitus; em Freire, a
perspectiva de que o sujeito é transformado em objeto por outro sujeito propositalmente,
como forma de dominação; die entzauberung, proposto por Weber (mas compreendido como
um desencantamento forçado pela burocratização e pelo capitalismo, não de uma maneira
hegemônica, mas lenta e gradual, de esfera a esfera da vida humana); e, finalmente, em
Arendt (2014:381-382) quando ela diz que

Entre as principais características da era moderna, desde o seu início até o


nosso tempo, encontramos as atitudes típicas do homo faber: a
instrumentalização do mundo, a confiança nas ferramentas, e na produtividade
do fazedor de objetos artificiais; a confiança na oniabrangência da categoria
meios-fim, a convicção de que qualquer assunto pode ser resolvido e qualquer
64

motivação humana reduzida ao princípio da utilidade; a soberania, que


concebe todas as coisas dadas como material e toda a natureza como ‘um
imenso tecido do qual podemos cortar qualquer pedaço e tornar a coser como
quisermos’, o equacionamento da inteligência com a engenhosidade, ou seja, o
desprezo por qualquer pensamento que não possa ser considerado como
‘primeiro passo (...) para a fabricação de objetos artificiais, principalmente de
ferramentas para fabricar outras ferramentas e para variar sua fabricação
indefinidamente’; e, finalmente, sua identificação natural da fabricação com a
ação.
Em contraponto à História Linear, o tempo cosmogônico, do ato repetido pelos
homens, segue outra lógica: “Mais do que isso, é uma ‘história’ que pode ser repetida de
maneira infinita, no sentido de que os mitos servem como modelos para cerimônias de
reatualização periódica dos importantes eventos ocorridos no princípio dos tempos” (Eliade,
1992:9).

Essa relação com o tempo é chave fundamental para a ponte que pretendemos erguer
entre as ideias de Eliade e Buber, por isso insistamos outra vez: o sujeito idealizado pela
modernidade se vê ligado unicamente à História Linear esquecendo-se da visão de tempo
cíclico, como ciclos que vão iniciando e se fechando, dando a noção de começo e fim, de caos
e cosmo, de complexidade. Os homens primitivos, pelo contrário, tendiam a se guiar pela
renovação do tempo, regenerando suas sociedades a partir de rituais. Ou seja, tratavam o
tempo de maneira mais complexa.

Aqui destacando a ideia do eterno retorno, podemos perceber que Eliade entende esse
ritual como uma repetição do ato primordial de criação do mundo. Explica

Os atos humanos — aqueles, naturalmente, que não têm origem no mero


automatismo. Seu significado e seu valor não estão vinculados a seus rudes
dados físicos, mas sim à sua propriedade de reproduzir um ato primordial, de
repetição de um exemplo mítico. A nutrição não representa uma simples
operação fisiológica; ela renova uma comunhão. O casamento e a orgia
coletiva são ecos de protótipos míticos; são repetidos porque foram
consagrados no começo (“naqueles dias”, in illo tempore, ab origine) pelos
deuses, pelos ancestrais ou por heróis. (...). Tudo o que ele faz já foi feito
antes. Sua vida representa a incessante repetição dos gestos iniciados por
outros [grifo nosso]. Essa repetição consciente de determinados gestos
paradigmáticos revela uma ontologia original (Eliade, 1992:12-13).
O homem primitivo recriava a sua realidade ao repetir um ato primordial, pois “tudo o
que ele faz já foi feito antes”. Os sentidos e os significados do mundo eram colocados numa
determinada organização e por isso o nome dado por Eliade de ato cosmogônico, pois é uma
repetição de um arquétipo, um símbolo bem estabelecido na memória dos seus companheiros
e do próprio sujeito primitivo.
65

Há um movimento, já salientado, que tenta nos distanciar dos mitos. Esquecer o mito,
para Eliade, é o mesmo que não repetir mais tal arquétipo, é se desligar da tentativa de pôr
ordem (cosmo) no caos. É se desligar de nossa própria humanidade, da nossa história humana.

Aqui pretendemos destacar apenas duas importantes propostas:


1. Toda criação repete o ato cosmogônico pré́ -eminente, a criação do mundo.
2. Consequentemente, qualquer coisa que é fundada tem sua fundação no
centro do mundo (desde que, como sabemos, a própria Criação teve lugar a
partir de um centro) (Eliade, 1992:24).
E a cosmogonia é justamente um retrato da criação (Eliade, 1992:29).

Um adendo sobre a dicotomia entre o tempo profano e o tempo mítico é que o sujeito
vive num tempo profano, ou seja, o tempo “normal” ou, melhor dizendo, “comum”, o que
implica que o tempo mítico acontece em períodos determinados, apenas “no momento certo”.
Em suas próprias palavras, Eliade (1992:37-38) explica:

A abolição do tempo profano e a projeção do indivíduo para o tempo mítico


só acontecem nos períodos essenciais — isto é, naqueles em que o indivíduo
de fato é ele próprio: por ocasião de rituais ou atos importantes (alimentação,
geração, cerimônias, caça, pesca, guerra, trabalho).
Desse modo, adentrar no tempo mítico exige, de partida, o sujeito inteiro naquela
ocasião. O sujeito presente é solicitado, do mesmo modo, que a relação dialógica guiada pela
palavra-princípio Eu-Tu pede, nas palavras de Buber.

Em ambos os autores percebemos a ideia da perda do humano que age no mundo para
tentar retornar a uma origem, em Eliade essa noção surge quando ele comenta da repetição
dos atos primordiais, conforme podemos observar na seguinte passagem (1992:38):

Descobrimos um segundo aspecto da ontologia primitiva: até́ o ponto em que


um ato (ou um objeto) adquire uma determinada realidade, por intermédio da
repetição de certos gestos paradigmáticos, e só assim consegue adquiri-la,
verifica-se uma abolição implícita do tempo profano, da duração, da
“história”; e aquele que reproduz o gesto exemplar vê-se desse modo
transportado para a época mítica em que sua revelação teve lugar.
Ser transportado para a época mítica, in illo tempore, é o que acontece quando o Eu
interage diretamente com o Tu, na relação dialógica. A relação dialógica espelha um ato
cosmogônico que é a presentificação dos sujeitos perante o mundo.

Em Buber, a noção da perda é justamente a repetição em contraponto à nossa nostalgia


da relação dialógica. Falar Eu-Tu é como repetir um ato primordial: o Eu sente uma nostalgia,
que é a falta do Tu, pois vive no mundo do Isso – na História Linear, nas palavras de Eliade –,
mas não é possível viver só nesse mundo. “Como é poderosa a continuidade do mundo do
Isso! E como são frágeis as aparições do Tu!”, lembra Buber (2007:116). Sentimos a
66

necessidade de repetir o ato primordial, que é entrar em relação com o outro, que significa em
outras palavras ter uma postura dialógica frente ao mundo.

Em um exemplo: no caso do rito do ano novo, que configura a “(...) ideia central do
retorno anual ao caos, seguido de uma nova criação” (Eliade, 1992:62), todo ano nós
renovamos o caos, recriamos o mundo, fazendo com que ele aconteça por outro ano. Eliade
compreende que o ato cosmogônico reencena o caos e depois a sua organização. Já, Buber,
entende que a relação Eu-Tu é o momento de atualização do sujeito, de organização: do
cosmo. O caos, dessa maneira se encontra na coisificação do sujeito, na transformação do Tu
num Isso, pela objetivação do mundo. O tempo cosmogônico está para a relação Eu-Tu, bem
como a história está para a palavra-princípio Eu-Isso. A História mora no reino do Isso, das
coisas.

Como afirma Eliade (1992:31): “O mito é ‘tardio’ apenas em sua formulação; mas seu
conteúdo é arcaico, e refere-se aos sacramentos – isto é, aos atos que pressupõem uma
realidade absoluta, uma realidade que é extra-humana”. À origem, ao ato primordial, damos o
nome de arquétipo claramente ouvindo as palavras de Buber (2001:63): “no começo é a
relação”. E quando tornamos a pronunciar a palavra-princípio Eu-Tu voltamos a esse início.
Voltar ao início é um ato de presentificação (usando palavras de Buber), ou seja, a relação
dialógica Eu-Tu é uma busca por esse arquétipo ao qual Eliade se refere. Decorrendo daí, uma
busca por organizar o caos em cosmo. O Eu se relaciona a um Tu. É aí que acontece o
reencontro, momento em que o caos do mundo das coisas é ordenado e se transforma em
cosmos. Dessa maneira, entendemos que ambos os pensadores dizem coisa semelhante: o
ritual renova o homem frente à vida sempre que falo a palavra princípio Eu-Tu, e aí eu
atualizo a minha existência.

Falar Eu-Isso é sair do tempo cíclico e retornar à História Linear. Coisa que é
impossível de não acontecer, pois todo Tu volta ao reino do Isso, ao passo que todo Isso, pode
se tornar um Tu em determinados momentos.

Cabe, aqui, parte do que Eliade (1992:89) diz: “Pouco importa se as fórmulas e
imagens através das quais o homem primitivo expressa a ‘realidade’ pareçam infantis e até
mesmo absurdas para nós”, pois é do seu “profundo significado do comportamento primitivo
que consideramos revelador; esse comportamento é governado pela crença numa realidade
absoluta, oposta ao mundo profano das ‘irrealidades’”, em suma: “este último não constitui
um ‘mundo’, propriamente falando: ele é o ‘irreal’ par excellence, aquele que não foi criado,
o não existente: o vazio”. Eliade, mais à frente, continua afirmando que considera “justo falar
67

de uma ontologia arcaica”, pois “é apenas ao levar em consideração essa ontologia que
seremos capazes de entender e de não desprezar com zombarias mesmo o mais extravagante
comportamento de parte do mundo primitivo”, porque, em verdade “esse comportamento
corresponde a um esforço desesperado no sentido de não perder contato com o ser”.

A falta que está sendo indicada por Eliade tem como entendimento do humano que nós
não fomos transformados em outra coisa senão os mesmos humanos de sempre, apesar de
todos os diferentes conhecimentos produzidos (inclusive os que a majestosa Razão produziu
por meio da ciência), continuamos na busca de entender a nós mesmos. Nessa busca,
infelizmente, descobre-se que nós tentamos a todo custo nos distanciar dos rituais que
ordenam nosso mundo desde os tempos antigos. E é nesse sentido que a afirmação de Eliade é
valiosa: não devíamos desprezar nossos conhecimentos arcaicos. Repetir um gesto arquetípico
significa “a regeneração do mundo e da vida através da repetição da cosmogonia” (Eliade,
1992:65), ou seja, significa organizar nosso mundo seguindo os próprios arquétipos das
nossas qualidades humanas.

É a partir da relação dialógica, verdadeiro diálogo, que conseguimos organizar o Eu e


aí organizar nosso mundo. Nosso entendimento e organização do mundo, nesse sentido, só
podem ser completos quando em nossa existência entramos em relação “Eu-Tu” com o
outro19.

19
Podemos ilustrar essa ideia de a relação Eu-Tu ser um arquétipo das relações intersubjetivas a partir da tirinha
de Calvin e Haroldo produzida por Bill Watterson. Calvin é um menino que tem seis anos de idade e que
quadrinho atrás de quadrinho está questionando o funcionamento do mundo, descobrindo o mundo das relações
entre meninos e meninas, bem como entendendo os valores de uma amizade com seu tigre – que muitos juram
ser de pelúcia, mas que ele bem sabe que seu bichinho vive e o acompanha em todas as suas aventuras.

A forma como Haroldo aparece e interage nessa cena é marcante. Uma das poucas tiras em que ele sai do estado
de coisa (bicho de pelúcia) passa para um tigre “de verdade”, volta a ser coisa e depois, outra vez, é “de
verdade”. Interpretar essa narrativa é relativamente simples: a cosmogonia instaurada em cada quadro depende
de um olhar atento de cada um dos personagens (pai e filho). Quando a organização da cena se dá pela ótica do
pai: Haroldo é um Isso. Mas, quando é Calvin quem está enquadrando a cena Haroldo é um Tu. Essa troca de
olhares, de posturas frente ao outro, é pedra angular pra compreendermos essa narrativa como um exemplo do
que vimos falando: a relação Eu-Tu põe ordem no mundo, transforma o caos em cosmo, e atualiza ambos os
sujeitos para serem verdadeiramente sujeitos em suas ações. Por que só Calvin consegue enxergar Haroldo como
68

2.2. Paulo Freire e a comunicação dialógica

A proposta pedagógica de Freire é inspiração para educadores no mundo todo e até


hoje. Apesar de uma visão bastante “conscientizadora”20, não há como desvinculá-lo de uma
visão compreensiva do humano. Afinal, educar os sujeitos para que eles digam a própria
palavra não é um ato de compreensão? Nas próximas páginas discutiremos sobre isso.

Vida e obra

Paulo Freire (1921-1997) é brasileiro, nascido em Recife aos 19 de setembro de 1921,


tendo falecido em São Paulo no dia 2 de maio de 1997. Educador, patrono da educação
brasileira no ano de 2012 conforme a Lei 12.612/201221, sancionada pela atual presidenta da
República do Brasil, Dilma Rousseff, Freire foi um dos principais militantes no campo da
educação no Brasil. Sua atividade política, cidadã e educativa fez dele um dos pensadores
brasileiros mais importantes da história do país. Seu legado ainda é rico e abre possibilidades
para relermos suas ideias e suas preocupações com um mundo mais humano e com mais
amor.

Foi exilado do Brasil para a Colômbia ainda no primeiro ano da ditadura brasileira, em
1964, o que o levou, após pouco tempo, começar a procurar outros lugares para aprimorar
suas ideias e práticas da pedagogia crítica e libertária, como o Chile, EUA, Suíça, em colônias
portuguesas na África como Guiné-Bissau e Moçambique. Retorna ao Brasil em 1980, um
ano após a Anistia. No Brasil ficou até o fim de sua vida, atuando na área da educação. No
governo da prefeita Luíza Erundina, na cidade de São Paulo, Freire atuou como Secretário da
Educação, nos anos de 1989 a 1991.

A obra de Paulo Freire é bastante centrada em estudos sobre educação e em sua prática
libertária. De todos os seus textos, destacamos três: Extensão ou Comunicação?, Educação
como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido. Sua relação com as ideias marxistas é

um bicho de verdade? Ora, porque só ele quem considera o tigre um Tu. E, muito provavelmente, o mesmo se
passa na cabeça de Haroldo: pois Calvin é o único humano que figura como seu Tu.
20
“O ser mora na consciência”, essa é a máxima de Paulo Freire, ligando sua prática educativa ao iluminismo. É
isso que Rubem Alves critica na postura pedagógica de Freire. Alves, ao contrário, propõe que o ser mora na
inconsciência. Nas palavras de Alves (2011:77), embora Freire fosse criticado como romântico, era, como
filósofo da educação, um homem do iluminismo. Acreditava que o ser mora na consciência: essa é a razão por
que é preciso conscientizar. Voltaremos a essa discussão no começo do terceiro capítulo, quando formos colocar
os pensadores brasileiros lado a lado para conversar.
21
LEI Nº 12.612/2012, DE 13 DE ABRIL DE 2012 [online] Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12612.htm>. Acesso em: 18/09/2012.
69

notável, sua proposta de educação libertária toma muito como base uma visão dialética do
mundo: um sujeito que foi transformado em objeto (tese) deve apreender o que é feito com ele
(antítese) e aí retomar as rédeas de sua vida e voltar a pronunciar verdadeiramente a sua
própria palavra (síntese). Apesar disso, sua aposta no humano como sujeito é uma proposição
bastante aderente com o que pensamos sobre a Compreensão.

Paulo Freire pensa a educação e a sociedade da perspectiva espaço-temporal da época


em que viveu. É explícita sua negação ao ato educativo fora de um dado tempo e um dado
espaço. Todo ato educativo, dessa maneira, terá suas particularidades, porém, não será
diferente em todos os seus aspectos. “O esforço educativo (...) ainda que tenha validade em
outros espaços e em outro tempo, foi todo marcado pelas condições especiais da sociedade
brasileira” (2011a:51). O “ontem” da sociedade brasileira, para o autor, era o significante de
uma época em que as elites estavam alienadas e o homem simples, inconsciente da sua
minimização, era “coisa” das ações elitistas.

Essa perspectiva de Freire sobre o “pensar a educação” serve para procurarmos


entender suas próprias ideias sobre educação, numa espécie de pensamento sobre o pensar a
educação. O primeiro grande tema que o educador toma como objeto de análise na sociedade
brasileira é o contexto que antecede o Golpe Militar. Podendo dividir o mundo com alguma
facilidade, naquela época, em duas metades: capitalista e comunista. Dois modelos de gestão
do Estado e da economia completamente diferentes. Importante lembrar que de pano de fundo
acontecia a Revolução Cubana em 1959 (liderada por Fidel Castro, transformando o “quintal”
dos EUA. num país que se distinguia do tipo de política estadunidense, principalmente pela
bandeira comunista), que foi tida como uma “afronta” aos norte-americanos. Motivo para não
manterem relações governamentais até pouco tempo atrás, uma vez que, só em 2015 ambos os
países estão selando acordos para retomar negociações diplomáticas e econômicas... De
qualquer maneira, à época, a turma comunista não se bicava com a turma capitalista, e vice-
versa.

Uma breve consideração sobre o governo populista e os movimentos de educação


popular que foram sustentados por essa ideologia nesse período de trânsito da sociedade
brasileira, feita por Weffort (2011a:31), é alertar que populismo configura-se como outra
palavra que significa autoritarismo e manipulação, “os populistas, apesar de suas vinculações
com as massas, não podiam deixar de ser também membros da elite, intermediários entre as
classes dominantes e as classes populares”. Dessa maneira, a reestruturação do poder
70

econômico a obrigou certa permeabilidade, desencadeando a entrada das massas no patamar


de importância política.

Sob o seio de uma política populista enxergamos um paradoxo da educação popular,


pois apesar de seu intuito libertador e sua força emancipatória, ela pode, em alguns casos,
corroborar os interesses de governos populistas. Existem, porém, qualidades positivas que
surgem da educação popular. Não sendo apenas uma idealização de liberdade e, sim, a
concretização de abertura histórica, como conta Weffort (2011a:35) “o movimento de
educação popular serviu em conjunto muito mais à mobilização que à manipulação, que
sempre criticou de maneira bastante clara”. Os próprios políticos populistas não se deram
conta do mal que faziam contra seus próprios governos ao apoiarem a educação e a
alfabetização popular, de fazer o homem pronunciar sua própria palavra. Foi obscurecida
essa visão, por parte do populismo. Esses mesmos governos, sob a mentalidade de “cada
homem, um voto”, não perceberam o lado crítico ao qual estimulavam e a mobilização social
causada por essa educação.

Principais ideias

Para Freire, como já afirmamos, o homem tem que reconhecer os temas da sua época
e, a partir da reflexão crítica, agir em sua própria realidade. Pois bem, o tema que Freire
entende como principal para apreender a sociedade fechada é a inexperiência democrática que
transformou o sujeito ativo num receptáculo, mero objeto da ação de terceiros. Ou seja, a
imersão dos sujeitos no tempo e no mundo, fazendo deles objetos da ação dos outros.

[Sociedade] alienada. Objeto e não sujeito de si mesma. Sem povo.


Antidialogal, dificultando a mobilidade social vertical ascendente. (...). Com
alarmantes índices de analfabetismo, ainda hoje persistentes. Atrasada.
Comandada por uma elite superposta a seu mundo, em vez de com ele
integrada (Freire, 2011a:67).
Na sociedade alienada não se cria (produz), ao invés disso toma-se emprestado de
outras sociedades. Essa “solução transplantada” é uma pseudo-solução, uma vez que não
nasce da sociedade em si, não contemplando suas especificidades. Será uma adaptação e não
criação própria da sociedade, transformando-se em “inautêntica” e alienada por consequência.
A situação, no Brasil, na época da ditadura, principalmente, configurava-se da seguinte
maneira: as camadas populares começavam a se conscientizar dos temas da sua época, porém
o comportamento da elite brasileira, frente a essa tomada de consciência, concretizou-se pela
tentativa de “fechar a sociedade”, “hospitalizando” o povo, por meio de assistencialismos e de
71

atitudes antidemocráticas. Acreditava-se que as massas populares só estariam “curadas” se


estivessem quietas, sem falar, imersas no mundo, imobilizadas.

Além da ação de transformar o homem em objeto, a inexperiência democrática foi


recorrente na história brasileira. Em verdade, Freire afirma que não houve verdadeira
experiência democrática em nenhum momento da história brasileira. Sem isso, a participação
política se dá de maneira muito mais complexa, principalmente por não sabermos como
podemos participar. Caio Prado (apud Freire, 2011a:91) fala que, por conta da organização
social que tinha como base o modelo escravista, não comportávamos um regime democrático.
Os colonizadores (principalmente portugueses) só se interessaram em viver “sob” a colônia,
não com ela, muito menos nela. Transformaram-nos em objeto de seu tempo. E quando, de
fato, chegaram os colonizadores, o processo de colonização seguiu o ethos da “casa grande”
que pertencia a um só homem.

Toda nossa vida colonial tem como principal característica o seguinte: o homem sendo
“esmagado pelo poder. Poder dos senhores das terras. Poder dos governadores-gerais, dos
capitães-gerais, dos vice-reis, do capitão-mor. Nunca, ou quase nunca, interferindo o homem
na constituição e na organização da vida comum” (Freire, 2011a:100). As aspirações
democráticas foram sempre incipientes, por conta da “domesticação” feita pela metrópole
portuguesa, pois que os homens comuns sempre estiveram ausentes do funcionamento da
política no Brasil.

Dessa maneira, não existia, no Brasil, o “clima cultural específico” (ou a pororoca
cultural, como diz Freire) advindo da percepção do grande tema da sociedade naquele tempo.
Assim a “solução” foi importar o estado democrático de outros lugares, não dando nem sinais
de tentar interpretar e repensar o modelo político para adaptar às especificidades brasileiras...
Apenas importamos. Justamente num momento que ainda não tínhamos condições de

Oferecer ao “povo” inexperimentado circunstâncias ou clima para as primeiras


experiências verdadeiramente democráticas. Superpúnhamos a uma estrutura
economicamente feudal e a uma estrutura social em que o homem vivia
vencido, esmagado e “mudo” uma forma política e social cujos fundamentos
exigiam, ao contrário do mutismo, a dialogação, a participação, a
responsabilidade, política e social (Freire, 2011a:107)
Quando Freire, no texto citado, usa o termo “mudo”, faz lembrar Vidas Secas, de,
Graciliano Ramos. A obra mostra a trajetória de uma família que vivia pelo sertão do
Nordeste brasileiro. A família é composta por Fabiano (o homem da “casa”), Sinhá Vitória
(mulher de Fabiano), o menino mais velho e o menino mais novo (filhos) e a cachorra Baleia.
Também havia um papagaio, mas logo morreu. Logo antes da própria história do livro,
72

morrera em um dos lugares pelos quais a família passou. Deixaram para trás o único animal
que arranhava algumas palavras. Nessa observação é o status de “mudo” que temos como
perspectiva em relação ao objeto que é a história do livro: todos da família possuem essa
mudez, mas em especial o protagonista, Fabiano, demonstra essa característica.

Destacando certo momento da história: Fabiano estava na feira quando um Soldado


Amarelo o chamou para jogar cartas. A cena começa com Fabiano respondendo: “Isto é.
Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme” (Ramos, 2007:28). Essa
frase é desconexa e sem sentido e é justamente a proposta do autor demonstrar um sujeito que
desconhece palavras da sua língua, que fala por meio dos resmungos (“An”, “Bem, bem”,
“Hum, hum”, alguns dos resmungos repetidos durante o texto) e que muitas vezes não
entende os contextos que vivencia.

Nesse sentido, da mesma maneira que as ideias freireanas, Graciliano Ramos mostra
um homem que não sabe dialogar e que é usurpado pelo Soldado Amarelo (símbolo do
Estado) e por outros personagens da trama. Por exemplo, o senhor da terra que compra o gado
de Fabiano, pagando preço inferior ao calculado por Sinhá Vitória e que justifica sua extorsão
com os “juros”... A família de Fabiano igualmente sofre pela falta de palavras. Quase não
conversa. Os filhos não têm nome, apenas a diferenciação de “mais novo” e “mais velho”.
Gritam, resmungam e andam. Brincam com Baleia. Brincavam, pois ela também morre na
história. Ela era considerada “como uma pessoa da família”, pois com os dois filhos
“brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio”
(Ramos, 2007:86).

Importante sublinhar que todos os personagens dessa trama servem como alegoria para
a condição do sujeito brasileiro, na visão crítica de Freire. A essa condição do homem
brasileiro que foi transformado em objeto por conta das elites, é que Freire impõe todas as
suas críticas, pois nesse estado de coisas, o homem não mais está sendo, mas é. Vive no
tempo passado e ao achar que pensa, na verdade, está sendo pensado. Fabiano que é
enganado pelos ricos, que paga o tal dos “juros” e que não consegue se fazer entender reflete
a visão de Freire para com a condição (não-) humana de objeto e que só será superada com a
libertação desse sujeito do seu momento estático por meio de uma educação crítica.

Freire (2011a:107-108) questiona: em que lugar buscaríamos as condições adequadas


para uma emersão da democracia popular e crítica?

Em nosso tipo de colonização à base de grande domínio? Nas estruturas


feudais de nossa economia? No isolamento em que crescemos, até
73

internamente? No todo-poderosismo dos senhores das “terras e das gentes”?


Na força do capitão-mor? Do sargento-mor? Dos governadores-gerais? Na
fidelidade à Coroa? Naquele gosto excessivo de “obediência”, a que Saint-
Hilaire se refere como sendo adquirido pelo leite mamado? Nos centros
urbanos criados verticalmente? Nas proibições inúmeras à nossa indústria, à
produção de tudo aquilo que afetasse os interesses da metrópole? Nos nossos
anseios, às vezes até líricos, de liberdade, sufocados, porém, pela violência da
metrópole? Na educação jesuíta – a que muito devemos, realmente, mas em
grande parte verbosa e superposta à nossa realidade? Na inexistência de
instituições democráticas? Na ausência de circunstâncias para o diálogo em
que surgimos, em que crescemos? Na autarquização dos grandes domínios,
asfixiando a vida das cidades? Nos preconceitos contra o trabalho manual,
mecânico, decorrente da escravidão e que provocavam cada vez mais distância
social entre os homens? Nas Câmaras e Senados municipais da colônia,
vivendo de eleitos cujos nomes deviam estar inscritos nos livros da nobreza?
Câmaras e Senados de que não podia participar o homem comum, enquanto
homem comum? No descaso à educação popular a que sempre fomos
relegados?
A essa inexperiência democrática e da domesticação que sofremos, assume na
educação esse processo de empurrar a palavra alienante, movimento unidirecional feito pela
elite brasileira contra o povo. A sociedade fechada é marcada pela falta do diálogo: não se
comunica. Em seu lugar, são feitos comunicados.

Uma prática da Compreensão busca se guiar justamente por propiciar o debate,


abrindo, conforme vimos (Brito, 2014c:283), espaços em que a comunicação auxilie a “ouvir
o outro e saber reconhecê-lo como igual”. Ou seja, deixar que o outro fale a sua palavra.
“Nenhuma vida humana”, começa Hannah Arendt, em A condição humana (2014:26), “é
possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres
humanos”. Isso diz respeito a Buber e, também, Freire. Não há humanidade fora das relações
entre humanos, pois, só é possível existir história, ciência, conhecimento, se tivermos o
âmbito das trocas inter-humanas. Não há arte se não houver vínculos entre sujeitos.

Nesse sentido, o tecido político-social caracteriza-se como dimensão necessária e


indispensável para a Compreensão, bem como para as reflexões que fazemos sobre
compreender o outro, mesmo quando ele não fala sua própria palavra (e essa foi a atitude
compreensiva de Freire: ouvir quem não conseguia ser ouvido). A dimensão política é
inserida no contexto de uma proposta de empoderamento dos sujeitos para falar sua própria
palavra22. Porém, Freire, vai a uma camada abaixo: ele busca uma intervenção pedagógica no

22
A educomunicação e a media literacy muito têm a ver com essa dimensão política e muito contribuem, hoje,
para a prática da comunicação calcada numa produção de comunicação e da evolução das propriedades básicas
que uma sociedade midiatizada solicita (as instruções necessárias para que as máquinas funcionem e digam o
que os sujeitos desejam dizer)
74

âmbito da alfabetização de jovens e adultos. Pois é nesse âmbito que ele enxerga que mais há
carência de Compreensão.

Da “educação bancária” e da “educação como prática da liberdade”

A base do pensamento freireano é a comunicação; a relação dialógica, como afirma


Venício de Lima (2004:59):

A visão que Freire tem do ser humano como um sujeito em relação com o
mundo implica uma concepção das relações entre os homens que fundamenta
a compreensão de seu conceito de comunicação. Em sua visão do homem e do
mundo, Freire se credencia a ser incluído na mesma tradição filosófica de
existencialistas como Buber.
Ambos interpretam o diálogo como uma realidade existencial e ontológica. Freire
busca inspiração na obra de Eduardo Nicol para fundamentar sua posição. Em Extensão ou
comunicação?, trabalha a noção de que, “como não existe ser humano isolado, da mesma
forma também não existe pensamento isolado” (Lima, 2004:61). Não existe um “Eu-Penso”,
uma vez que não existe um “pensar” solitário, sempre pensamos de forma coletiva e a
comunicação se configura como “situação social em que as pessoas criam conhecimento
juntas” (Lima, 2004:62); “Assim como a tomada de consciência não se dá nos homens
isolados, mas enquanto travam entre si e o mundo relações de transformação (...), pode a
conscientização instaurar-se” (Freire, 2011a:104).

Pensador contemporâneo que possui noção parecida sobre o ato de pensar como uma
ação humana individual e social, Pierre Lévy (2001:135) afirma:

A inteligência ou a cognição é o resultado de redes complexas onde interage


um grande número de atores humanos, biológicos e técnicos. Não sou “eu’
que sou inteligente, mas Eu com o grupo humano do qual sou membro, com
minha língua, com toda uma herança de métodos e tecnologias intelectuais
(...). Fora da coletividade, desprovido de tecnologias intelectuais, Eu não
pensaria. O pretenso sujeito inteligente nada mais é que um dos micro-atores
de uma ecologia cognitiva que o engloba e restringe.
Portanto, “é necessário que, na situação educativa, educador e educando assumam o
papel de sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo objeto cognoscível que buscam conhecer”
(Freire, 2011b:29). Freire entende que o mundo passou por um processo de desumanização e
que é por meio da ação cultural dialógica que começaremos o processo de libertação. Não
transformando oprimidos em opressores, ou o contrário, porém humanizando a sociedade. A
desumanização é entendida como processo de coisificação dos sujeitos que se transformam
75

em objetos da ação de outros. Ser transformado em objeto é viver imerso num mundo
alienado.

A humanização, por meio de um método de reinserção do diálogo no cotidiano do


homem, é o grande tema de estudos de Freire. E, por este motivo, repercute em seus
pensamentos sobre a educação a condição dialógica do homem. Para o educador, o contexto
brasileiro, por se tratar de uma sociedade fechada, é de opressão. Marca daquele sujeito que
não reconhece o oprimido como um par, um outro que liberta o eu, como falamos páginas
atrás.Ou seja, o sujeito entende o outro como um Isso, uma “coisa”. “Coisa” em que se
colocam “outras coisas”. Um banco em que apenas se depositam as palavras vazias de um
opressor. Os oprimidos, por sua vez, exteriorizam o signo do conhecimento e da cultura
quando repetem que não conhecem nada, que “é o ‘doutor’ quem sabe das coisas”. São
descrentes de si mesmos.

A prática educativa, baseada no professor como único sujeito, não possui a palavra
enquanto significado, mas como som oco. Som e palavra ocos, distantes e discrepantes com a
realidade. Nesse contexto, o melhor professor é aquele que enche o maior número de alunos
com seu relatório do mundo e da vida.

Para sistematizar os estudos sobre a educação, que chama de bancária, Freire


(2011c:82) elenca algumas das características deste tipo de educação: educador é quem educa,
quem sabe, quem pensa, quem diz a palavra, quem disciplina, quem prescreve, quem atua,
quem escolhe o conteúdo, quem possui autoridade do saber (confundida com a autoridade
funcional), sujeito do processo. Enquanto que do outro lado, os educandos são educados, não
sabem, são pensados, escutam docilmente, são disciplinados, seguem a prescrição, ilusão de
que atuam (na atuação do educador), acomodam-se aos conteúdos escolhidos, adaptam-se às
determinações do educador, são meros objetos.

O educador, na visão de Freire (2011c:86) tem sua ação identificada “com a dos
educandos, de orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no
sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda crença nos
homens. Crença no seu poder criador”. E, para o pensador, é na práxis humana, coletiva por
essência, que reside a libertação dessa situação. A atitude libertadora toma como objeto não o
educando, mas o mundo que é um objeto cognoscível, que é a “incidência da reflexão sua [do
educador] e dos educandos” (Freire, 2011c:97). Dessa forma, a educação libertária pratica a
inserção do sujeito na sociedade. E não nega a ele o mundo, desligando-o, isolando-o desse
mundo.
76

A educação a serviço do “enchimento” dos educandos tem como objetivo o


ocultamento do mundo aos educandos – funcionando como instrumento ideológico. Desse
modo, a educação bancária desatualiza o homem da sua realidade, coloca o educando frente a
uma realidade virtualizada, simulada pelo educador. Ao contrário disso, a educação libertária
se faz na práxis, no tempo do gerúndio: está sendo feita. Segundo Freire (2011c:108),

Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo


pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes,
a exigir deles novo pronunciar. Não é no “silêncio” que os homens se fazem,
mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Para essa atitude de ação-reflexão, o homem deve se pautar pela esperança, pelo amor,
pela humildade e pela confiança, além da participação dos sujeitos. Afinal, como poderia
dialogar com o outro se eu me acho melhor que ele? Só há diálogo numa relação de respeito
mútuo. Sistematicamente, a educação dialógica começa antes mesmo do curso em si, a
escolha dos conteúdos programáticos já faz parte deste processo, uma vez que nele se dão os
nortes para os estudos. E essas direções devem ser apontadas de maneira compreensiva:
educador e educando juntos.

A prática libertadora, contida na proposta de educação popular de Freire, pauta-se,


como vimos, na ação dialógica (entendendo o homem enquanto sujeito do seu tempo e do seu
mundo e não como mero espectador ou, pior, como objeto da ação de outros homens) e na
humanização (o educador entende que o ser humano se distanciou da relação humana ao se
aproximar da “coisificação do outro”). Ambas as premissas para uma educação dialógica
apontam para uma ligação em que o próprio pensador argumenta:

Exatamente porque, sendo o diálogo uma relação eu-tu, é necessariamente


uma relação de dois sujeitos. Toda vez que se converta o Tu desta relação em
mero objeto, se terá pervertido o diálogo e já não se estará educando, mas
deformando. Este esforço sério de capacitação deverá estar acompanhado
permanentemente de um outro: o da supervisão, também dialogal, com que se
evitam os perigos da tentação do antidiálogo (Freire, 2011b:151).
A teoria da (rel)ação dialógica em Freire reconhece uma postura anti-individualista,
em prol de uma epistemologia da conversa. Aponta para a relação dialógica entre dois sujeitos
sobre um objeto – e para a liberdade dos indivíduos. O diálogo promove duas características
fundamentais ao homem: a personalidade e o conhecimento. Desempenhando papel central
nas ações de Freire, ele “é um processo de libertação precisamente porque não ocorre
separado da história” (Nasaw apud Lima, 2004:86).

Antes de prosseguir, um breve balanço de como Freire entende a ação anti-dialógica,


numa espécie de resumo de muito das ideias já esboçadas até aqui.
77

 Conquista

O ato de conquistar exige um ser que conquiste e outro que seja conquistado,
demonstrando, na prática, a teoria que está por trás dessa ação: a antidialógica. Para essa
conquista, o opressor rouba a palavra do oprimido, tira dele sua forma de expressão, sua
cultura, sua voz e sua “ad-miração” do mundo. Para se manter esse “território” conquistado, é
necessário que o opressor simule o mundo real criando símbolos fundadores dessa sociedade,
para que o oprimido mantenha-se sob seu comando.

 Dividir para manter

A divisão se dá tanto no ideário coletivo das massas, quanto nos encontros entre
sujeitos nos espaços sociais, dificultando a união. Dessa maneira, a teoria antidialógica
objetiva a desunião dos sujeitos para evitar a organização em prol de causas comuns, agindo
no sentido de uma descomunitarização.

 Manipulação

“A manipulação aparece como uma necessidade imperiosa das elites dominadoras,


com o fim de, através dela, conseguir um tipo inautêntico de ‘organização’, com que evite o
seu contrário, que é a verdadeira organização das massas populares emersas e emergindo”
(Freire, 2011c:199). Essa manipulação é exatamente o controle dos símbolos que aparecem
nas conversas do dia-a-dia, que são quase como pano de fundo para as atitudes cotidianas. O
controle destes símbolos (ou imaginário), segundo o pensamento freireano, esteve nas mãos
da elite que utilizou desse poder como ferramenta de manipulação dos homens de sua época.

 Invasão cultural

O próprio nome de “invasão cultural” sugere que essa característica se configura na


atitude do sujeito que invade o espaço de outro sujeito, impondo-lhe seus costumes, suas
ideias, sua visão de mundo, e inibindo sua criatividade. Freire (2011c:206) salienta que, para a
teoria antidialógica ter sucesso, é importante que os invadidos vejam sua própria realidade da
mesma maneira que os invasores a interpretam, pois “quanto mais mimetizados fiquem os
invadidos, melhor para a estabilidade dos invasores”.

Do outro lado, a teoria da ação dialógica tem como base as ideias de Martin Buber.
Das ideias desse pensador, Freire (2011c:227) resgata a noção do eu e do tu, âmago do
pensamento buberiano:
78

O eu antidialógico, dominador, transforma o tu dominado, conquistado, num


mero “isto”. O eu dialógico, por sua vez, sabe que é exatamente o tu que o
constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não eu –, esse tu que
o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Dessa
forma, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas, dois
tu que se fazem dois eu.
O que Freire está afirmando aqui é que os sujeitos que reconhecem o outro como um
tu possuem outra postura frente ao mundo e frente às relações com os demais sujeitos. Essas
diferenças são percebidas em quatro pontos, que o pensador elencou e sistematizou como
teoria da ação dialógica, uma reação para cada ação antidialógica. São elas: co-laboração
(frente à “conquista”), unir para a libertação (como resposta a “dividir para manter”),
organização (ao oposto de “manipulação”) e síntese cultural (em vez de “invasão cultural”).

 Co-laboração

A co-laboração funda-se sob a comunicação entre os sujeitos para que, juntos se


voltem “sobre a realidade mediatizadora que, problematizada, os desafia. A resposta aos
desafios da realidade problematizada é já a ação dos sujeitos dialógicos sobre ela, para
transformá-la” (Freire, 2011c:229). Na perspectiva freireana de eu-tu, o mundo23 é o ambiente
que mediatiza os sujeitos em suas vidas e é sobre ele que esses mesmos sujeitos
problematizam criticamente as relações que envolvem sua sociedade. A co-laboração se
baseia na comunicação justamente pela necessidade de trocas de experiências para se criticar
o mundo vivido.

 Unir para a libertação

Em resposta à teoria antidialogal, a teoria dialógica tem por objetivo a união dos
homens num objetivo comum, e que se compõe como verdadeira dificuldade para a liderança
revolucionária. Dificuldade, segundo Freire, pois a mobilização por parte das elites (que
objetiva a divisão das massas) já possui estrutura pronta, que é própria do sistema dominante.
Dessa maneira, ela se encontra dentro dos sujeitos. Para a liderança revolucionária, o que se
pretende é justamente quebrar com essa divisão. É a organização e a união dos sujeitos.

Seria uma inconsequência da elite dominadora se consentisse na organização


das massas populares oprimidas, pois que não existe aquela sem a união destas
entre si e destas com a liderança. Enquanto que, para a elite dominadora, a sua
unidade interna, que lhe reforça e organiza o poder, implica a divisão das
massas populares, para a liderança revolucionária, a sua unidade só existe na
unidade das massas entre si e com ela (Freire, 2011c:235).

23
Esse mundo de que Freire constantemente fala em sua obra, deve ser entendido como a sociedade e a realidade
experienciada pelos sujeitos.
79

Um dos primeiros passos para essa união reside na desmistificação da realidade. Como
explica Freire, “para dividir é necessário manter o eu dominado ‘aderido’ à realidade
opressora, mitificando-a” (Freire, 2011c:236). Logo, para seguir caminho inverso e buscar a
criticidade e a conscientização das massas, é necessário a desmistificação do mundo.

 Organização

Com a união do povo e sob a perspectiva de co-laboração dos sujeitos, a organização é


tomada por Freire (2011c:243) como “o processo no qual a liderança revolucionária (…)
instaura o aprendizado da pronúncia do mundo”. A pronúncia, segundo o pensador, é práxis.
A palavra, dessa maneira, é ação, atitude concreta na vida dos homens. A organização visa,
então, a busca dos sujeitos pelo pronunciamento de suas realidades.

 Síntese cultural

A tensão que existe no par permanência-mudança, que ora pende mais para um lado e
ora para outro, segundo Freire, é efeito da ação cultural que faz força na e sobre a estrutura
social, pressionando uma das duas possibilidades. A invasão cultural, como afirmado, é a
tomada da ação por alguns sujeitos e a entrega da visão do mundo, dos métodos e das
palavras, àqueles que foram invadidos. Dialeticamente, a síntese cultural se comporta como
um teatro sem telespectadores, contendo apenas atores que tomam a realidade como incidente
de suas ações. “Desta maneira, este modo de ação cultural, como ação histórica, se apresenta
como instrumento de superação da própria cultura alienada e alienante” (Freire, 2011c:247).

A teoria da ação dialógica de Freire serve como referência para o pensamento


revolucionário, principalmente por partir da educação e de tomá-la como práxis, como uma
atitude/ação frente o mundo.

2.3. Rubem Alves e o corpo, a ciência e a sapiência

Rubem Alves (1933–2014) foi um pensador brasileiro, pesquisador de diferentes áreas


do conhecimento, com estudos e pensamento que vão da psicanálise à educação, passando por
livros infantis, contos, teologia, crônicas, a cozinha, o corpo, Nietzsche, filosofia, entre tantas
outras paixões. Nascido em Boa Esperança, Minas Gerais, Alves se formou em teologia no
Seminário Presbiteriano na cidade de Campinas, São Paulo. Seu mestrado foi em teologia pela
Union Theological Seminary, já o seu doutorado foi na área de Filosofia na Princeton
Theological Seminary. Sua tese, que leva o nome “A theology of human hope”, foi
80

transformada em livro, posteriormente, e traduzida para diversas línguas, como espanhol,


francês, italiano e português (o texto original foi escrito em inglês).

Durante sua vida, Alves teve de mudar algumas vezes de casa. Com doze anos, saiu de
Minas Gerais e foi para o Rio de Janeiro, em 1945. Não conseguiu se adaptar à cidade e com
as pessoas e, por isso, se dedicou aos estudos solitários da teologia. Pegando gosto pelos
estudos nessa área, entre os anos de 1953 e 1957 estudou Teologia, como já apontamos, no
Seminário Presbiteriano de Campinas. Já em 1958 iniciou suas atividades enquanto pastor, na
cidade de Lavras (MG).

Em 1959 se casou e no mesmo ano já nasceu seu primeiro filho: Sérgio. O segundo
filho, Marcos, é de 1962 e a terceira é Raquel (1975). Em 1963, e até maio de 1964, ficou nos
EUA, em Nova York, para fazer seu mestrado em teologia na Union Theological Seminary.
Após esse período retorna ao Brasil. Contudo, desde 1964, com a ditadura instalada no Brasil,
Alves é considerado pela Igreja Presbiteriana subversivo. Por conta disso foi exilado do
Brasil, tendo de abandoná-lo por conta do regime militar. Saiu do Brasil e foi para os Estados
Unidos e, lá, formou-se doutor em filosofia pela Princeton Theological Seminary. Em 1969
teve sua tese publicada em livro.

Retornou ao Brasil em 1968, sem seu antigo emprego de pastor, Alves fica
desempregado até 1969, pois neste ano Paul Singer o convida para lecionar Filosofia na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (SP). Em 1971 foi professor-visitante
no Union Theological Seminary e em 1974 iniciou seu longo percurso na Universidade de
Campinas (Unicamp).

Dá início à sua carreira na área da psicanálise na década de 1980, formando-se pela


Sociedade Paulista de Psicanálise. Até 2004 teve seu escritório em que atuava como
psicanalista. Não são raros os textos, contos e crônicas em que fica explícita a sua inspiração
em experiências como analista.

Sua vida foi marcada pela teologia tendo se dedicado por longos anos a temas
religiosos, contudo foi beber em outras fontes para tentar exprimir suas ideias. Algumas de
suas referências foram Gastón Bachelard (principalmente a ideia de devaneio poético –
quando Alves diz que pensa por imagens), Fernando Pessoa (e, principalmente, a Alberto
Caeiro, a quem Alves, em diversos momentos de sua obra, refere-se como mestre, a principal
noção de Caeiro é a da substituição do pensamento pela sensação) e Friedrich Nietzsche (a
crítica ao absolutismo da razão e ao iluminismo racionalista). Outros pensadores também
81

compõem o rol de referências, como Marx, Adélia Prado, entre outros. Contudo, vemos com
maior frequência os três primeiros nomes no pensamento de Alves. Há, também, a história
sobre a personagem Babette24 que muito toca as ideias de Alves25.

Pluralidade e uma alta quantidade de textos são características de sua obra. Desde
contos infantis (A libélula e a tartaruga, A volta do pássaro encantado, A loja de brinquedos,
entre muitos outros até livros teóricos (O livro sem fim, ou, como foi chamado em uma edição
posterior: Variações sobre o prazer, Filosofia da ciência). Ainda assim, faremos uma
incursão nestas suas ideias tentando buscar quais os principais pontos de vista que utiliza para
pensar o mundo e a vida. Dividimos em alguns grandes grupos que aglutinam significados,
muitas vezes convergentes com outros pontos-chave do pensamento alvesiano, mas, que,
mesmo assim, auxiliam nessa exploração, sendo eles: o tema do tempus fugit e sua íntima
relação com a morte, os ipês (amarelos e de outras cores), as jabuticabas, a pimenta, a
cozinha, a ciência e o esquecimento e a sapiência.

As jabuticabas

Não é possível mover o mundo pela ciência. O que move o mundo é a beleza (Alves,
2012:21), e o belo é a jabuticabeira florida. Belo e efêmero são, como diz o pensador, faces de
uma mesma coisa. O belo só é belo porque um dia acaba, porque é efêmero. Se não o fosse,
transformar-se-ia insuportável. “A ciência é escada encostada na jabuticabeira. (...). Escadas
são construídas com saber. Jabuticabas são gozadas com sabor” (Alves, 2011:61). O sabor
que há na jabuticaba é sempre indescritível, pois não há palavras que compreendam seu
significado. Os saberes, de construir uma escada, por exemplo, são meros brinquedos para

24
Existe tanto um filme “A festa de Babette” (1987), quanto um livro (1956), homônimo da autora Karen Blixen
(1885-1962), editado em português pela Cosac Naify no ano de 2006. Blixen também é conhecida pelo
pseudônimo de Isak Dinesen. Nasceu em Rungsted, Dinamarca, mas viveu a maior parte de sua vida no Quênia,
África. Essa parte de sua vida, logo após seu casamento com um primo distante, foi documentada em sua obra A
fazenda africana. Seu casamento, porém, não foi muito longe, em 1931 retornou para Dinamarca com o término
de seu casamento, após esses 17 anos casada volta-se à literatura. Em 1939 recebeu o Tagea Brandt Rejselegat,
prêmio dinamarquês para mulheres que tiveram contribuições em uma das seguintes áreas: ciências, arte ou
literatura.
25
A história de Babette, resumidamente, é a seguinte: Babette é uma grande cozinheira de um chique restaurante
francês, mas, em 1871 precisa fugir da França por conta da repressão à Comuna de Paris. Ela chega a um vilarejo
na Noruega e se hospeda na casa das filhas de um pastor, sem que ninguém saiba de suas funções e aptidões na
cozinha. Para isso, porém, empregou-se como faxineira e cozinheira nessa mesma casa. Após 12 anos, descobre
que ganhou uma pequena fortuna na loteria, correspondente a 10 mil francos. Em comemoração aos 100 anos de
vida do pastor, convida a todos do vilarejo para um jantar. Todos ficam assustados com isso, pois estavam pouco
acostumados com eventos desse tipo. Alguns acreditavam até que isso feria leis divinas... Mas, ainda assim,
todos participaram do jantar. E se deliciaram.
82

brincar com outros brinquedos. A ciência pode construir escadas, mas só o corpo pode
saborear a jabuticaba. E é o corpo que estimula a ciência a construir escadas.

Sem sabor, não há saber.

Os ipês

Os ipês têm uma alta importância para Alves e seu pensamento. Aliás, transformam-
se, também, em metáforas para dizer de que maneira o amor poderia ser. Segundo ele: os ipês
“alegram-se em fazer as coisas ao contrário”, pois que eles fazem amor “justo quando o
inverno chega e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio” (Alves,
1990:13). Mais à frente, complementa dizendo que essa espécie de árvore “irrompe no meio
do asfalto, interrompe o tempo urbano de semáforos, buzinas e ultrapassagens, e eu tenho de
parar ante esta aparição do outro mundo” (Alves, 1990:14). Os ipês, e algumas árvores
capazes de nascer no meio do asfalto, mudam a nossa relação apressada com a cidade. Fazem
com que nós tenhamos de, preocupados, limpar nossas calçadas ou que, muito felizes,
contemplemos sua beleza. “O que é milagre para alguns”, continua Alves (1990:14) “é
canseira para a vassoura de outros. Melhor o cimento limpo que a copa colorida”.

Essas árvores, então, servem de metáfora para o que poderíamos ser, “seria bom se
pudéssemos nos abrir para o amor no inverno...” (Alves, 1990:15). Em época tão fria e gelada,
abrir para o amor é se esquentar o corpo e a alma. Manter-se vivo e em constante busca pela
felicidade. Viver como um ipê vive: irromper do asfalto duro e gelado no meio do inverno
para amar e fazer amor.

A pimenta

O calor é importante, não só para o corpo, mas também para o pensamento. Aliás, todo
pensamento é um incêndio. Começa com faísca, mas termina (se é que acaba) com incêndio.
A pimenta é uma metáfora que compreende essa dimensão acalorada que Alves comenta. As
pimentas “são frutinhas coloridas que têm poder para provocar incêndios na boca. Pois há
ideias que se assemelham às pimentas: elas podem provocar incêndios nos pensamentos”, nos
diz Alves (2014:9), e quando fala isso já vai logo adiantando a quem ele se refere:

Nietzsche era um especialista em ideias incendiárias. Um eremita que vivia


na floresta, ao ver Zaratustra descer das montanhas para as planícies,
percebeu que ele estava a fim de pôr fogo no mundo com as suas ideias.
83

Zaratustra sabia que suas ideias queimavam e que muitas pessoas, ao lê-lo
pensariam que estavam devorando fogo e queimariam suas bocas. Mas, para
se provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta uma única brasa. Um
único pensamento-pimenta.
Essa é a proposta declarada por Alves em muitos de seus textos: provocar incêndios na
boca (e nos corpos) de seus leitores. Incêndios que contribuíssem com a elucubração e
descoberta de novos ou outros pensamentos diferentes daqueles já pensados. Pensar o
diferente. Pensamento-pimenta (vejam o cuidado poético de Alves, que escolhe palavras
parecidas!) é aquele que nos leva a queimar tudo o que já existia, descascando as paredes e
trazendo novas ideias para a linha de frente.

A cozinha

Saber e sabor são palavras de um mesmo significado, aliás, nasceram de uma só


palavra: sapio, que em latim significa “eu saboreio”. Por que segregar o lugar no qual
prevalece sabor? Segregar a cozinha: é isso que fazemos quando não acreditamos em nosso
próprio corpo, no sabor que conhecemos. “A culinária nunca recebeu o reconhecimento
acadêmico e a dignidade filosófica que as artes dos olhos, as artes do ouvido e as artes do
corpo desfrutam”, disse Alves (2011:134). Os olhos que, como ele mesmo diz, são “amantes
apolíneos: sentem-se felizes em contemplar de longe o objeto amado” contrapõe-se à boca,
que é dionisíaca: “precisa comer o objeto amado...” (Alves, 2011:58). Roland Barthes, como
fala Alves, continua, “deixou a sala de aula, lugar dos saberes. Está se transferindo para a
cozinha, lugar dos sabores”.

O lugar dos sabores é, também, o lugar das provocações, de experimentações, dos


incêndios e do papo-furado. O papel do sabor é também do saber: “sábio, aquele que degusta
o mundo” (Alves, 2011:66), ou seja, o sabiá é a decisão de aprender a degustar o mundo, pois
aí sim estará se sabendo, verdadeiramente, alguma coisa sobre ele. À frente, Alves comenta:
“As cozinheiras trabalham com efeitos sensíveis”, que significa dizer o seguinte: ao cozinhar,
ela está “pensando-cozinhando”, sempre levando em consideração “a totalidade dos efeitos
práticos que o prato que ela está preparando irá ter sobre aquele que vai degustá-lo. Ela pensa
a partir da boca, elabora uma ontologia do gosto” (Alves, 2011:66).
84

A ciência

A ciência é uma maneira criada por nós para dar explicações sobre o mundo. Para
entendê-lo. E para fazer isso, como podemos ver em nossa própria história, foi necessário
criar maneiras de medir para comparar. Por que medir? Porque “no mundo da ciência só
entram objetos que podem ser ditos com precisão” (Alves, 2011:105). Ou, como questiona
Bachelard (2008:20): “Por que desejamos conhecer o número de elétrons de um átomo?”, essa
quantidade que foi medida sob determinadas metodologias serve para “explicar indiretamente
fenômenos que têm origem no domínio intra-atômico”. Ou seja, medimos porque é dessa
forma que concluímos outras coisas sobre o mundo, seus objetos e suas respectivas maneiras
atuantes no sistema complexo ao qual pertencem. A física e mais especificamente a
microfísica, como diz Bachelard (2008:17), preocupa-se com um mundo oculto determinado e
conhecido por uma “essência matemática”. Daí que, no século XX a física tanto se uniu à
matemática: para aplicar medidas mais complexas e mais precisas para o mundo atômico e
subatômico. A física aqui serve como um exemplo para o que ocorre no campo da ciência.
Para todos os lados que se olhe os cientistas tentam de maneira incessante produzir medidas
para o mundo. No mundo físico isso só aconteceu mais rápido. Esse mesmo mundo serve
como exemplo para o pensamento contemporâneo uma vez que continuamos perseguindo o
objetivo de medir e comparar tudo. Aos moldes do método cartesiano.

Uma das principais formas do conhecimento científico se tornar comum, desde muitos
séculos atrás, são os livros. Claro que antes deles vieram os manuscritos, e antes ainda, era
tudo por meio da fala, dos discursos. O ponto é: os livros acabaram se tornando o antro do
conhecimento. Se estiver escrito em um livro, logo, aquilo é verdade. O problema é que
nossos “olhos ficam tão acostumados aos textos científicos e aos laboratórios que acabam por
se tornar incapazes de ler literatura e de ver o mundo real” (Alves, 2012:43). A literatura, as
coisas da vida, o mundo real, figuram em segundo plano enquanto que a ciência (na forma de
ensaios, teorias, teses e livros) passou a ser o centro das atenções nesse jogo de significar o
mundo. Alves (2012:93) critica da seguinte maneira: “excesso de informações perturba o
pensamento”, ou, ao dizer que, “muitas pessoas, inteligentes por nascimento, ficaram burras
por excesso de leitura” (2012:55). Sua postura tem por base a ideia de que a leitura “é um
exercício de alienação”, mas, adverte: “alienação é palavra que os ativistas políticos de eras
passadas cobriram de excrementos. Nome feio e malcheiroso”. E continua:

Foi identificada com um estado no qual a pessoa não tem consciência do que
está acontecendo no mundo em que vive o oposto da tão louvada
“consciência crítica”, expressão obrigatória em todo documento sobre
85

educação. A palavra vem do latim, alius, “outro”. O alienado é uma pessoa


que está fora de si, caminha num mundo que não é o seu; é de outro. Mas
isso, precisamente, é o que a leitura faz. Para ler é preciso fazer “parar meu
mundo”. Se o mundo que me é próprio não for “desligado”, não poderei
entrar no mundo que se encontra no livro. Abro o livro. Desligo meu mundo.
Começo a leitura. Entro num mundo que não é meu; é de outro (Alves,
2012:57).
Desse modo é que se aplica sua máxima: ler muito é alienar-se muito. Daí que, quem
muito lê, menos pensa e mais absorve. Nossa mente funciona como um processador de
informações. Estas, que são objetos estranhos às nossas mentes, precisam ser transformadas
em objetos interiores, pensáveis. “Pelo pensamento, as informações são assimiladas, tornam-
se da mesma substância da mente. O pensamento estranho se torna pensamento
compreendido”, é o que diz Alves (2012:88). Mais que um processador, a metáfora criada por
Alves simboliza a mente como um estômago, e diz existem “muitos tipos de mente-estômago.
Alguns se parecem com os estômagos humanos e processam os mais variados tipos de
informações enquanto que, do outro lado, há estômagos que se especializaram e só são
capazes de digerir um tipo de alimento” (2012:89). Um desses estômagos que usamos para
digerir informações e transformarmos o mundo em pensamento é a ciência. Este não é o
estômago original, mas “um estômago produzido historicamente, por meio de uma disciplina
alimentar única” (2012:90).

Mesmo sem usar essa palavra, Alves e os pesquisadores do Grupo de Pesquisas


“Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” (GP) estão se referindo à
mesma coisa: a gastrosofia, ou “sabedoria no ato de digerir”. A ciência é um estômago
possível para digerir as informações. A literatura (de ficção científica escrita por Isaac
Asimov, ou brasileira como Graciliano Ramos) é outro estômago possível. O teatro, as artes,
os sonhos, os medos... São todos estômagos diferentes que vão interpretar o mundo a seu
modo. Nossa percepção e nosso conhecimento, desse modo, são plurais.

Voltando para Alves (2012:90), ele diz que, à semelhança das vacas, a ciência

Tem um estômago especializado que só é capaz de digerir um tipo de


comida. Se eu oferecer à ciência uma comida não apropriada ela a recusará e
dirá: não é comida. Ou, na linguagem que lhe é própria: isso não é científico.
Que é a mesma coisa. Quando se diz: isso não é científico está-se dizendo
que aquela comida não pode ser digerida pelo estômago da ciência.
E se não pode ser digerido pela ciência, de que vale tal alimento? Como poderíamos
considerar tal alimento se ele não é real para o estômago da ciência? Se não é científico, então
“não é comida para estômago algum”, completa Alves (2012:91). Apesar de todas essas
proposições se demonstrarem bastante fortes, não há pessoa que poderia sobreviver sem esse
86

estômago chamado ciência. Pode não ser o único nem o principal, mas isso não o transforma
em não-vital. Precisamos das duas coisas, segundo Alves (2012:98) do conhecimento
científico e da beleza.

Essa ciência praticada pelos cientistas, que analisa, ordena, cataloga, recorta e critica o
mundo precisa de métodos para eleger e efetuar tais atividades. Esses métodos são como redes
para pegar peixes, como exemplificado por Alves (2012:102-103), sendo que, cada peixe
equivale a uma ideia, uma teoria.

As redes dos cientistas são feitas com palavras. Somente palavras que
possam ser amarradas com nós de números. Os peixes que caem nas malhas
da ciência são entidades matemáticas – do jeito mesmo como Galileu o
disse. Um tolo poderia dizer: “que pena que se tenha de usar redes! Nas
redes os buracos são muito maiores que as malhas! A rede deixa passar
muito mais do que segura! Seria melhor se, em vez de redes, usássemos
lonas de plástico que não deixam passar nada. Assim, pegaríamos tudo!”.
Palavras de um tolo. Uma lona de plástico, por pretender pegar tudo, não
pegaria nada. A rede só pega peixes porque seus buracos deixam passar. As
redes da ciência deixam passar muito mais do que seguram. As coisas que as
redes da ciência não conseguem segurar são as coisas que a ciência não pode
dizer. As coisas que não são científicas, sobre as quais ela tem de se calar.
Sobre as coisas que a ciência tem de se calar são exatamente aqueles saberes
renegados por essa Razão deificada. O mito é um peixe que passa nadando pelo rio e nem de
longe é notado pela rede da ciência, a não ser quando o pescador tem o intuito específico de
catalogar todos os mitos existentes... catalogar é um ato primordialmente científico.
Enumerar, classificar, ordenar, todos verbos que contribuem para descrever o que a ciência
faz. Voltando ao mito: fora dessas condições ele é um peixe livre. Não percebido pelas redes
de pesca da ciência e mal visto pelos pescadores-cientistas. Mal visto porque, de novo, se não
atende às duas condições – ser pego pelas redes da ciência e não pode ser digerido pelo
estômago da ciência –, ele não serve para o ser humano.

Antes que nos esqueçamos, sim, existem outras redes – para o nosso deleite. Alves
(2012:103) diz que o corpo é uma outra rede, “feita de coração, sangue e emoção” e que, em
vez de segurar os peixes da ciência os deixa livres, pois se ocupa em segurar “o que a ciência
deixa passar. Não mede os encantos do sabiá. Mas fica triste ao ouvi-lo, ao cair da tarde... isso
também é parte da realidade. Sem ser científico”.

O problema do método, que também é o problema da ciência, é a sua dogmatização.


Dogmatizar significa adorar a um único Deus e se encarregar de não escutar outras possíveis
divindades. Outro autor, muito conhecido, além de Alves que fala sobre o assunto é Thomas
87

Kuhn, principalmente em seu livro A estrutura das revoluções científicas, onde ele afirma,
segundo Alves (2012:108), que,

Baseando-se em dados históricos, a ciência tem dogmas, sim. E seus dogmas


são mantidos pelos cientistas que se agarram a suas teorias e jamais admitem
que a verdade possa ser diferente. Diz Kuhn que, frequentemente, é só com a
morte desses papas que os dogmas caem de seu pedestal. Mas, deixando de
lado, há um dogma sobre o qual todos estão de acordo: o dogma do método.
O que é o dogma do método? Já expliquei, o método é a rede que os
cientistas usam para pegar seus peixes. E está certo: é preciso rede para
pegar peixe. O dogma aparece quando se diz que real é somente aquilo que
se pega com as redes metodológicas da ciência.
Os dogmas da ciência não contribuem com o seu desenvolvimento sadio. Isso é o que
veremos nos estudos de Paul K. Feyerabend, mas, já adiantando aqui: o dogma científico
responde pela unidimensionalização do homem. Diferente do que Flusser chamou de
unidimensionalidade do homem, Alves (2012:113) busca ampliar o entendimento do que seja
essa tal unidimensionalização do homem a partir das ideias esboçadas por Herbert Marcuse no
livro O homem unidimensional ao dizer que “o homem unidimensional é o homem que se
especializou numa única linguagem e vê o mundo somente por meio dela. Para ele o mundo é
só aquilo que as redes de sua linguagem pegam. O resto é irreal”.

A ciência pequena, o dogma e a unidimensionalização do homem andam lado a lado.


Na história da ciência, o método cartesiano (positivista, cientificista e logicista) foi tomando o
papel exclusivo de lugar de conhecimento do mundo. Daí o destaque para a crítica feita por
Kuhn à ciência de que, pela história da ciência, é possível perceber que os cientistas elaboram
teorias e as dogmatizam para que de tempos em tempos seja possível manter o status quo e a
“ordem teórica” sobre as explicações do mundo. Acontece que, com o passar do tempo, após
tantos resultados diferirem da teoria predominante, configura-se um estado de revolução e de
mudança dos grandes paradigmas da ciência.

Esses dogmas, ou como Alves prefere chamar, essa linguagem científica não é a única
com a qual as pessoas gostam de brincar, visto que “brincam com muitos jogos de linguagem,
tendo em vista que a maior qualidade da inteligência é pular de um programa para outro, de
dançar muitas danças ao mesmo tempo” (Alves, 2012:112).

Para esclarecer que Alves (2012:115) não é nenhum louco, é importante salientar que
“a ciência é muito boa – dentro de seus precisos limites”. O problema reside “quando ela é
transformada na única linguagem para se conhecer o mundo”, pois, aí sim, “pode produzir
dogmatismo, cegueira e, eventualmente, emburrecimento” (Alves, 2012:115).
88

A ciência é muito boa em auxiliar nossos conhecimentos e a nós mesmos para


entendermos como as coisas funcionam. Só que ela não é capaz de nos encantar. “Na ciência,
a possibilidade de repetir, de fazer objetos iguais uns aos outros, é um critério de verdade”, e
isso acontece porque “a exatidão dos números torna a repetição possível”, só que, para além
da repetição: “um pianista não interpreta a mesma música duas vezes de forma igual” (Alves,
2012:124-125). Apesar de a música ser escrita em forma de partitura (principalmente no
universo da música clássica) e ter diversas regras que ditam como tocar, qual peso deve ser
utilizado pelos dedos ao tocar as notas, a velocidade dos toques, o tempo em que cada nota
deva ser tocada, apesar de tudo isso, a partitura (a parte científica da música) não garante que
duas pessoas diferentes toquem a mesma música de maneira igual. Aliás, nem um único
pianista é capaz de tocar a mesma música da mesma maneira mais de uma vez.

Ao cientista cabe a lição de casa de que toda ideia que lhe surge à mente, todas as suas
inspirações possuam um método explicado e que possa ser aplicado por outros de maneira
garantida para que diferentes cientistas cheguem aos mesmos resultados. Alves (2011:23) nos
adverte sobre a moda de falar “em construção do conhecimento, é preciso que se saiba que
nem sempre a ideia nos chega por um processo de construção. Inspiração é quando uma ideia
se oferece a nós, gratuitamente, sem que nós a tivéssemos procurado ou produzido”.
Inspiração é o caminho da livre associação para chegarmos a uma ideia – a palavra que Peirce
deu a esse processo é semiose, que pode ser entendida como um processo em que signo puxa
outro signo. As ideias simplesmente aparecem. É preferível, desse modo, não a inspiração,
mas a lógica, para o pleno funcionamento da ciência. Lógica, diz Alves (2011:27), é um jeito
não arbitrário de passar de uma ideia a outra. Não existe arbitrariedade nos saltos do
pensamento.

Aí talvez esteja a principal contribuição de Alves para a metodologia de rodas de


conversa, uma vez que ele indica que o pensamento se utiliza dos movimentos soltos
produzidos pela conversa para se chegar a diferentes – e novas – ideias.

Tempus fugit e a morte

O relógio diz: “Tempus fugit”. “O tempo continuaria a fugir... Todas aquelas horas
vividas e morridas estavam guardadas” (Alves, 1990:9). O relógio é o responsável por salvar
o tempo, por guardá-lo de forma segura. Salvar o tempo e os seus instantes é isso que instiga
Alves a comentar uma lembrança da sua infância: na casa do seu avô, quando menino, havia
89

um relógio na parede da sala que anunciava, de hora em hora, um quarto de hora a menos de
vida aos que vivem. Alves diz que não gostava de dormir lá, “só muito mais tarde vim a
entender o que ele dizia: ‘Tempus Fugit’. E eu ficava na cama, incapaz de dormir, ouvindo
sua marcação sem pressa, esperando a música do próximo quarto de hora. Eu tinha medo.
Hoje, acho que sei por quê: ele batia a Morte” (Alves, 1990:8). O relógio marcava (e
marchava também) o tempo que falta para a morte. Mas, mais que isso, ele também
funcionava como espécie de guardião, protetor dos nossos quartos de hora.

Interessante que em outro texto, ao brincar sobre computadores e Deus, Alves


(2012:147) diz que “é possível que o universo também tenha um disco rígido aonde as coisas
que vão morrendo ficam salvas numa memória cósmica. Assim, nada se perderia”. Eis sua
ontologia para o humano, pois não haveria salvação para as coisas que não amassem ou não
tivessem sido amadas, “tal e qual no computador, aquilo que morreu e foi salvo na memória
cósmica pode repentinamente ressuscitar...” (Alves, 2012:147). O responsável por salvar ou
deletar essas coisas, segundo o escritor, é Deus. Ele seria o encarregado de organizar quem
fica e pode ter a chance de “repentinamente ressuscitar” e de quem não fica e não poderá mais
voltar à vida. Sua ontologia busca, no limite, propor uma ética. A ética do amor, de amar e
deixar ser amado pelos outros e pelas coisas. Afinal, “o amor é sempre uma súplica pela
eternidade” (Alves, 2012:145). Amar é, nesse sentido, sempre uma tentativa de eternizar.

Assim, apesar de o relógio sempre querer roubar o tempo, sempre haverá uma chance
de ser salvo e voltar ao mundo, de se manter atualizado e eternizado no mundo. Talvez Buber
pudesse entender a ideia de Alves de ressuscitar como um ato atualizador do Eu. Se assim o
fosse, Alves estaria dizendo, com outras palavras, aquilo que Buber também propõe com a
relação Eu-Tu: toda vez que entramos nessa relação, que amamos e consequentemente
suplicamos pela eternidade, estamos voltando, nós mesmos, ao papel ontológico e
fundamental de nossa humanidade.

Nos cemitérios, o tempo também foge? “Já notaram como os cemitérios são
tranquilos? Os relógios param, respira-se um ar de muitos anos atrás” (Alves, 1990:37) A paz
dos cemitérios se dá porque não há um relógio que roube o tempo. Aliás, ainda que existisse
tal responsável pelo tempo, é impossível roubar o tempo dos mortos, pois eles já se
transformaram em eternos. E para a eternidade não há relógio que consiga roubar algum e
nem nenhum tempo. Tempus fugit. Pois “o relógio não desiste”, lembra Alves (1990:11), ele
“continuará a nos chamar à sabedoria: Quem sabe que o tempo está fugindo descobre,
subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será...”. Decorre disso o “efeito
90

sapiencial”. Quanto mais próximos da morte estivermos, mais ela nos abrirá “os olhos para
perceber o essencial” (Alves, 2011:50).

O esquecimento e a sapiência

Entusiasmado pelas palavras proferidas por Roland Barthes em sua aula inaugural da
cadeira de Semiologia Literária no College de France, pronunciada em 7 de janeiro de 1977,
Alves (2011:55) diz “para renascer, temos de esquecer”. Mas a que esquecimento Alves está
se referindo? Para responder a essa pergunta, retornaremos às próprias palavras de Barthes em
sua aula inaugural.

Antes desse passo, é auspicioso resgatar um pouco da história do pensamento


barthesiano, que se alinha bastante com seu pronunciamento. As ideias de Barthes podem ser
divididas em três fases: uma fase mais marxista, a segunda mais voltada para a semiologia
(momento principal da sua produção intelectual) e a terceira que é essa sua virada para a
sapiência. O que distingue essas três fases da vida é, claramente, o tempo que passou.
Chegando à última fase por meio de um processo que não o faz negar seu próprio passado
intelectual, mas, sim, no sentido contrário: sua história o fez chegar às seguintes palavras, e se
não tivesse seguido estes mesmos passos, muito pouco provável que chegasse à mesma
compreensão sobre a força de “toda vida viva”.

O pronunciamento de Barthes (2013:48-49) passeia por diversos temas, mas há uma


declaração a respeito da sua própria velhice, que pontua o óbvio que é muitas vezes
esquecido. Por esse motivo, colocaremos na íntegra essa parte em que fala sobre as três idades
da pesquisa e sobre em qual delas ele mesmo se encontra:

Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o


esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em
seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar.
Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de
deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à
sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa
experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei
tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia:
Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o
máximo de sabor possível.
As três fases da vida, segundo Barthes (ensinar o que se sabe, pesquisar e desaprender)
se destacam cada uma por características principais que denotam determinados pontos de
vista sobre o conhecimento. A primeira delas, ensinar o que se sabe, está se ensinando os
saberes apreendidos pelo professor com o tempo. Eles, os professores, “ensinam saberes para
91

que os jovens possam começar a navegar a partir do porto aonde eles chegaram”, é o que nos
diz Alves (2011:52). Já na segunda fase, o ensinar a pesquisar, “é uma das grandes alegrias do
professor”, pois o professor se alegra ao ver seu “discípulo partindo para o desconhecido, para
voltar com os mapas que ele mesmo irá fazer, de um mar onde ninguém mais esteve” (Alves,
2011:53).

Sobre a terceira fase e o esquecimento: espanto. Pois que acadêmico erudito poderia
dizer uma barbaridade dessas? “Esquecer, desaprender”, lembra Alves (2011:54), “são o
oposto daquilo que a educação tem proposto até agora. Educar é ensinar, somar saberes sobre
fatos, acrescentar competências lógicas. Esquecer significa perder, abrir mão, deixar ir”, e,
sob a perspectiva de uma epistemologia cotidiana – fortemente marcada pela deificação da
Razão – “esquecimento é sempre empobrecimento”. Dessa forma de ver o esquecimento é
que Alves (2011:54) constrói a máxima da ciência ocidental contemporânea “esquecer é
diminuir; desaprender é diminuir”.

A proposta do esquecimento, aos olhos de Alves (2011:55), contudo, indica a


educação como “um processo de sucessivas demãos de tinta sobre o corpo: cascas. O
esquecimento e a desaprendizagem são as sucessivas raspagens em busca do esquecido”. Em
outro texto, Alves e Brandão (2010:78) estão conversando sobre esse tema, e eis as palavras
do filósofo brasileiro: “Desaprender! Esquecer tudo que se aprendeu, porque ele [Barthes]
dizia que era preciso raspar as sucessivas sedimentações que a cultura e a civilização foram
colocando sobre a gente, para retornar a alguma coisa essencial. Esquecer para lembrar”.

Barthes e Alves (2011:58) pensam que “os saberes ocultam algo”, do mesmo modo
que as janelas-biombo de Baitello Jr., “os saberes conscientes ocultam um outro mundo.
Debaixo da fina superfície especular onde aparecem os reflexos do que se sabe estão as águas
profundas do lago misterioso onde mora o que não se sabe”. Esse saber que mora no corpo,
desse modo, “vive na deliciosa ignorância de si mesmo” (Alves, 2011:140). Então podemos
dizer que os saberes são como janelas embaçadas, janelas-biombos. Mostram um mundo, mas
escondem muito mais que deixam ver. Barthes mergulhou nesse lago e lá descobriu uma
chave: sapientia.

A sapiência é uma busca pelos prazeres, pelos sabores. Pela felicidade do corpo que
degustará o mundo, “o prazer (hedoné) é o princípio e a finalidade da vida feliz” (Chaui,
2010). O corpo é a morada dos sabores, assim como as palavras são a morada dos saberes. “O
inconsciente é o lugar onde mora a sabedoria”, diz Alves (2011:72) e, continua estabelecendo
uma ontologia da sabedoria, que são “os saberes que o corpo sabe sem que deles a consciência
92

tenha consciência”. O corpo sabe de coisas que nossa mente nem desconfia. Ou nas palavras
de Alves (2011:76), “o corpo tem saberes que a cabeça desconhece”; que é uma citação
parafraseada do próprio Barthes (2010:24) “meu corpo vai seguir suas próprias ideias – pois
meu corpo não tem as mesmas ideias que eu”.

Assim, se a nossa educação se baseia pela conscientização, Alves (2011:80) vai pelo
caminho oposto: “em vez de conscientizar, proponho inconscientizar”, e elabora o seguinte
objetivo para a educação: “aumentar as possibilidades de prazer e alegria” (Alves, 2011:84).
A aposta na alegria ecoa lá na filosofia epicurista... Mas, como bem lembrado por Alves
(2011:87) “a alegria nunca se farta. A alegria pede mais alegria”, pois “a alma deseja sempre
retornar” (2011:89), numa espécie de “agir que dura a vida inteira” (Chaui, 2002:442),
retornar para uma época específica: a infância.

Nos termos da psicanálise de Freud o infantil “é sinônimo de neurótico e regressivo”,


diz Alves (2011:106), porém, em sua psicanálise “os desejos infantis são desejos eternos e
divinos”, desejos daquilo que “sempre foi, o que sempre será, o objeto da saudade e da
nostalgia, o objeto perdido que se espera reencontrar no futuro” (2011:106-107). A essa
perda, nossa educação “conscientizante” tem grande parcela de culpa, pois “as crianças já
nascem sabendo” e, quando educadas, “são transformadas em seres úteis, o Paraíso lhes é
roubado: são obrigadas a se esquecer do brinquedo e a viver no mundo do trabalho”
(2011:110).

Eis aí outro motivo que demonstra a necessidade de uma ética que pregue o
esquecimento: esquecer que se esqueceu; raspar a parede para arrancar os cascos
sedimentados nos alicerces da nossa vida, do nosso pensamento: sapientia; “lembrar-se da
‘filosofia’ sem palavras que morava no corpo da criança” como bem disse Alves (2011:110).
Importante pontuar que essa sua visão (voltar-se para a criança que pintamos com tantas tintas
que se formaram cascos grossos, incapazes de nos deixar ver essa criança) muito se aproxima
da de Epicuro, como indica Chauí (2010:106):

Epicuro se volta para as crianças e animais recém-nascidos para confirmar


que o prazer é conforme a nossa natureza. Não devemos olhar o adulto e sim
o recém-nascido, porque este é o verdadeiro espelho da Natureza, pois ainda
não foi adulterado pela educação e pela existência social e sua natureza não
corrompida é o único juiz: como todo ser vivo, desde o nascimento o ser
humano busca o prazer e o desfruta e rechaça ou evita a dor tanto quanto
pode.
Epicuro, no mesmo caminho que Alves, compreende que a vida social deturpa o
verdadeiro prazer (hedoné) e que as crianças e recém-nascidos são antros de pureza, nos quais
93

ainda não foram tocados pela Razão com sua mão de Midas. Daí a aposta numa busca
contínua pela felicidade e pelo prazer – Pessanha (1992:74) complementa: “o motor e a meta
da vida humana são identificados ao prazer”, para Epicuro –, pois constante e continuamente
precisamos nos liberar de elementos que não nos propõem experiências prazerosas ou que não
nos levam aos caminhos da felicidade plena, ou seja, caminhos e experiências não naturais.
Como sábio que era, porém, ou filósofo, não propõe o prazer a todo custo, o prazer pelo
prazer: propõe, sim, o prazer lúcido, da razão inteligente, que avalia, pesa, pondera, como diz
o poema de Ferreira Gullar. A isso, podemos adicionar a referência às ideias e à filosofia
epicurista, nas palavras de Pessanha (1992:59), diz o seguinte: “aliar razão iluminadora e
amor à humanidade, lúcida compreensão dos fenômenos naturais e procura da felicidade
terrena, ciência e ética”.

As ideias de Rubem Alves desempenham papel importante para o pensamento da


Compreensão, como veremos mais à frente, no próximo capítulo, onde seguiremos com as
aproximações e tentativas de ensaios que deem conta de demonstrar essa relação e sua
importância. Agora, na sequência, sairemos do canto lírico de Alves para dar lugar à crítica
dura de Paul Feyerabend para com o método científico e sua proposta de abordagem
metodológica: o anarquismo do método.

2.4. Paul Feyerabend e a anarquia do método

Paul Karl Feyerabend (1924-1994) é austríaco nascido em Viena e teve como pai um
funcionário público e como mãe uma costureira. Formado em teatro, física e filosofia, estudou
diversas áreas do conhecimento como história e sociologia. Contudo, firmou principalmente
seus estudos no ramo da filosofia da ciência. Espaço esse, onde ficou marcado por obras como
as seguintes: Contra o método (1975), A ciência em uma sociedade livre (1978) e Adeus à
razão (1987). Sua vida e seus diversos trabalhos indicam uma alma bastante interrogativa e
inquieta. Abaixo vamos falar primeiro de sua vida, os principais momentos dela e suas
principais obras para, a seguir, adentrarmos no universo de seu livro Contra o método e na
ideia do anarquismo do método.

Vida e obra

Após terminar seus estudos básicos, aos 18 anos, portanto, em 1942, começa a fazer
parte do exército alemão, onde serviu até o término da II Guerra Mundial. Nesse período
94

serviu em Pirmasens, localizada na Alemanha, e em Quelerneen Bas (França), mas logo após
os primeiros meses de treino, voluntariou-se para a escola de oficiais. No ano de 1944 foi
condecorado com a cruz de ferro e, de oficial, foi promovido a tenente. Em 1945, ano
seguinte, enquanto retirava as tropas da Rússia recebeu três tiros (mão e coluna) o que o fez
utilizar bengala pelo resto da vida. O fim da guerra passou enquanto ele se recuperava.

Voltou a Viena para estudar história e sociologia na universidade, porém logo se virou
à física. Seu mestrado volta-se à filosofia, estudando Viktor Kraft – filósofo austríaco que
fazia parte do Círculo de Viena. E o doutorado foi sobre teoria quântica e Wittgenstein. Sua
caminhada intelectual, no doutorado, foi conturbada, pois se destinava a estudar o doutorado
com o próprio Wittgenstein, porém o filósofo morreu antes de Feyerabend chegar a Londres,
escolhendo, assim, Karl Popper – que conhecera pouco tempo antes em um seminário do
“Kraft Circle”, círculo parecido com o de Viena, porém focado apenas nas ideias de Kraft.

Segundo Morin (2012:21) esse círculo pode ser descrito como “um grupo de filósofos
e de cientistas, desejosos de liquidar a conversa fiada pretensiosa e arbitrária da metafísica”
que tomaram a decisão de “transformar a filosofia em ciência, fundamentando todas as suas
proposições com base em enunciados verificáveis e coerentes”.

O Círculo de Viena tem um papel importante na formação intelectual de Feyerabend, e


por isso faremos uma breve abertura para esse tema. Nas palavras de Juan David Londoño
Isaza (2014:19), em sua dissertação de mestrado, para o Círculo de Viena se “trataba de hacer
de la ciencia un conocimiento y una práctica humana integrales que permitiera abordar
problemas a partir de un trabajo colegiado entre las disciplinas que constituyen las ciências
empíricas”26. Desta forma que os objetos do conhecimento científico “debían ser, desde luego,
susceptibles de ser percibidos a través de la experiência”, comenta Isaza (2014:21), e,
continua afirmando que, dessa maneira, a ciência garantiria “que el discurso científico se
ocupara únicamente de cosas existentes y no metafísicas”.

Após o doutoramento, retornou à Áustria onde traduziu o livro The Open Society and
its Enemies para o alemão (1953). Um ano antes foi convidado para ser o assistente de Popper
na London School of Economics, Inglaterra. Em 1955 começa a dar aulas de filosofia na
Universidade de Bristol, na Inglaterra. Em 1958 visitou a Universidade da Califórnia,

26
Prefiro deixar as citações nas línguas originais, por acreditar que todo tipo de tradução acaba por reduzir,
mesmo que sem querer, os significados contidos no texto original. Como o espanhol é uma língua muita próxima
do português, não entendo que será um problema deixar as citações de Isaza em sua língua original.
95

Berkeley, por conta de alguns artigos que escrevera e que apoiavam o positivismo, sendo que
a partir de 1959 aceita o convite para trabalhar na mesma instituição, onde ficou até 1990.

Até então, suas ideias eram fortemente influenciadas pelas ideias de Popper, porém
nos anos que se seguiram (de 1960 a 1969), Feyerabend repensa sua proximidade com as
teorias de seu antigo orientador, dando lugar à questão do empiricismo e, em diversos artigos
e trabalhos publicados nesse período tenta ao máximo se distanciar de Popper.

Em 1974 Imre Lakatos, seu amigo, faleceu com uma hemorragia cerebral repentina.
Isso impossibilitou a publicação do livro elaborado a partir dos diálogos tecidos entre ambos
os pensadores, projeto que já estava em andamento e recebera o título For and against the
method. Parte do nome foi utilizado por Feyerabend no ano seguinte (1975) ao publicar o
livro Against the method. Seu primeiro livro e, talvez, o mais importante, tem como foco
principal o estudo mais aprofundado da ideia de “epistemologia anárquica”, que já tinha
aparecido anteriormente em um dos seus artigos de 1970, intitulado “Consolations for the
specialist”.

Seu segundo livro, A ciência em uma sociedade livre, é lançado em 1978, além dos
seus trabalhos filosóficos também terem aparecido em alemão. A tradução dos dois primeiros
volumes de seus escritos sobre filosofia para o inglês aconteceu em 1981. O terceiro livro
Science as an Art foi publicado em 1984, enquanto que Adeus à razão foi publicado em 1987.
No ano seguinte ocupou-se da segunda edição de Contra o método. A terceira edição desse
livro foi lançada em 1993.

Um dos momentos mais importantes para a sua vida aconteceu no ano de 1983, em
que conheceu a mulher que viria ser sua esposa em 1989: Grazia Borrini. Doutora em física
pela Universidade de Florença, Itália (1977) e mestra em Saúde Pública pela Universidade da
Califórnia, Berkeley (1986), tendo trabalhado tanto com pesquisas dentro de universidades,
lecionando na faculdade, bem como atuou como consultora em expedições por diversos países
espalhados pelo globo terrestre. Desde 2006 é a presidenta da Fundação Paul K. Feyerabend.

Por conta de um tumor cerebral inoperável Paul Feyerabend ficou hospitalizado na


Suíça desde 1993 até 1994, ano em que faleceu, aos 70 anos de idade. Ainda teve duas obras
publicadas póstumas ao seu falecimento: Killing time: the autobiography of Paul Feyerabend
(1995) e Conquest of Abundance (1999).

Sua vida, muito maior que apenas essas linhas introdutórias, foi cheia de reviravoltas
como vemos. Nos últimos trabalhos produzidos, muitos de seus posicionamentos sobre o
96

relativismo, principalmente, passam a ser menos sólidos. A única crítica que levou a ferro e a
fogo até sua morte foi contra o objetivismo e um dos seus primeiros orientadores: Popper,
como podemos perceber nas palavras do próprio Feyerabend: “é por isso que Walter
Hollitscher é professor, ao passo que Popper, que também fiquei conhecendo muito bem, é
mero propagandista” (2003:328).

A relação entre o anarquismo e a epistemologia

Em sua obra Contra o método podemos perceber, de uma maneira geral, de que
maneira um cientista critica a própria ciência. E, apesar de criticar o método cartesiano e o
positivismo lógico de ponta a ponta, foi impossível ao filósofo se desligar de métodos para
escrever essa obra. É importante salientar isso, para deixar claro, logo de início, que apesar de
criticar como a ciência faz para pensar o mundo, ele também, compreensivamente se utiliza
dessa mesma ciência que aprendeu para criticá-la. Deixando bastante claro que não se deve
jogar o método ou a ciência abaixo. Então que pensar o pensamento de dentro do próprio
pensamento, criticando a lógica por meio de argumentos lógicos: esse foi o exercício que
Feyerabend fez.

Outro apontamento feito por Feyerabend (2003:31), que sublinha a sua proposta (e
aposta) no anarquismo dentro do campo da epistemologia, é que “o anarquismo, ainda que
talvez não seja a mais atraente filosofia política, é, com certeza, um excelente remédio para a
epistemologia e para a filosofia da ciência”. A ciência, nesse sentido, muito teria a ganhar se
aplicasse critérios anárquicos às suas práticas e, mais ainda, à sua epistemologia.

Em sua defesa, Feyerabend (2003:33) diz que a história da ciência não se refere apenas
aos fatos e conclusões que cientistas deram para o mundo, mas “também contém ideias,
interpretações de fatos, problemas criados por interpretações conflitantes, erros e assim por
diante”, ou seja, como há ação humana para se produzir conhecimento, e essas ações acabam
por interpretar e “sujar” – mesmo que minimamente – os fatos, não existem “fatos nus”, pois
todos os fatos “já são vistos de certo modo e são, portanto, essencialmente ideacionais”.

O anarquismo prega a liberdade dos sujeitos: sua total autonomia com relação às
instituições, seja de cunho religioso ou político, como o Estado. Assim, que um anarquismo
dentro da ciência, como aponta Feyerabend (2003:35), configurar-se-ia por uma postura ética
que se opõem “a qualquer tipo de restrição” exigindo sempre do indivíduo a permissão de
“desenvolver-se livremente, não estorvado por leis, deveres ou obrigações”. Resumida, sua
97

noção sobre o anarquismo é de que “mesmo uma ciência pautada por lei e ordem só terá êxito
se se permitir que, ocasionalmente, tenham lugar procedimentos anárquicos” (Feyerabend,
2003:42).

Desse modo, é que Feyerabend (2003:47) defende a anarquia nesse jogo da Razão,
entendendo o anarquista “como um agente” secreto que age para “que se solape a autoridade
da Razão”. Muito clara a proposta do filósofo da ciência: ele pede que a Razão, o método, os
cientistas sejam humildes frente à nossa humanidade.

Hipóteses novas, sua aceitação e seu longo – e heroico – percurso

Novos entendimentos sobre velhos assuntos ou mesmo sobre fenômenos bastante


conhecidos aparecem a todo tempo e em todo o lugar. Mas como é possível que uma nova
teoria sobre a teoria das cordas, por exemplo, seja considerada tão boa (verdadeira, útil,
importante) quanto às que já existem? Feyerabend (2003:49), logo nos diz que “a condição de
subsistência, que exige que hipóteses novas estejam de acordo com teorias aceitas, é
desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e não a melhor”. O caminho, nesse sentido,
não seria o de apenas aceitar veementemente que o que veio antes é melhor ou o correto ou,
pior, a única verdade possível. O autor continua: “A proliferação de teorias é benéfica para a
ciência, ao passo que a uniformidade prejudica seu poder crítico. A uniformidade também
ameaça o livre desenvolvimento do indivíduo”. Muito nos é cara a ideia sobre a pluralidade
de saberes como forma de se pensar o pensamento: aceitar diferentes posições, posturas e
ideias sobre o mundo é a aposta apreciativa da Compreensão como método.

De qualquer maneira, muitas vezes a ciência não andou desse modo. Muitas vezes a
postura que vemos é de que “as teorias não devem ser mudadas, a menos que haja razões
prementes para tanto” e “a única razão premente para mudar uma teoria é o desacordo com os
fatos”. Assim, continua Feyerabend (2003:51), para que os cientistas consigam se
desvencilhar dessa aporia é de suma importância ter em mente que “a discussão de fatos
incompatíveis com a teoria conduz ao progresso” e, portanto, é salutar que se aumente o
número de fatos relevantes. Só desse modo, com o aumento de fatos relevantes, os cientistas
conseguem fazer teorias crescerem.

Sobre o processo de aceitação e de formação de estudos sobre uma nova teoria,


Feyerabend (2003:55-56) elucida algumas características importantes, em suas próprias
palavras: “Quando uma nova concepção é proposta, defronta-se com um público hostil, e são
98

necessárias excelentes razões para obter-lhe mesmo uma audiência moderadamente justa. As
razões são apresentadas, mas são amiúde desconsideradas ou ridicularizadas, e infelicidade é
a sina dos inventores audazes”, contudo, continua o autor, “gerações novas, estando
interessadas em coisas novas, ficam curiosas; consideram as razões, levam-nas adiante, e
grupos de pesquisadores iniciam estudos detalhados. Esses estudos talvez conduzam a êxitos
surpreendentes”, o que leva a teoria para tópicos de discussão aceitáveis e começa a ser
“apresentada em simpósios e grandes congressos. Os membros intransigentes do status quo
sentem-se obrigados a estudar um outro artigo, a resmungar alguns comentários, e, talvez, a
tomar parte em sua exploração”. Esse é o momento “em que a teoria já não é mais um tópico
esotérico de discussão para seminários e conferências avançados, mas ingressa no domínio
público”. E entrar no domínio público significa que começam a se produzir “textos
introdutórios e popularizações; questões de exames começam a lidar com problemas a serem
resolvidos nos termos da teoria”. Por conta de uma interdisciplinaridade, “cientistas
pertencentes a campos distantes e filósofos, tentando exibir-se, fazem alusões aqui e ali, e esse
desejo frequentemente mal informado de estar do lado certo é tomado como mais um sinal da
importância da teoria”.

O filósofo descreve com bastante clareza os processos envolvidos no nascimento de


uma nova teoria. Podemos imaginar, apenas como exemplo, o nascimento do campo da
educomunicação. Desde os anos 1990 está se investindo nos caminhos educomunicativos e,
com o passar dos anos, cada vez mais é possível encontrar pesquisadores do tema em
qualquer congresso. A bibliografia vem crescendo e multiplicando os pontos de contato da
educomunicação com outros universos que possuem seus próprios horizontes novos que, às
vezes, são completamente diferentes dos horizontes primeiramente pensados pela
educomunicação. A ciência vai abrindo portas de pouco em pouco. Até que tal teoria nova é
tão aceita e bem difundida que deixa de ser uma novidade e passa a ser uma das chaves de
leitura comuns para o problema central do campo epistêmico no qual tal teoria se encontra.

Com essa proposta e gosto por teorias novas, livres, abertas “devemos encarar as
concepções de mundo da Bíblia, do egípcio Gilgamés, da Ilíada e dos Edda como
cosmologias alternativas plenamente desenvolvidas”, ou seja, “que podem ser utilizadas para
modificar, e mesmo substituir, as cosmologias ‘científicas’ de determinada época”
(Feyerabend, 2003:59). Acontece que, em nosso mundo científico de hoje, “o chauvinismo
científico triunfa”, posto que “o que é compatível com a ciência deve viver, o que não é
compatível com a ciência deve morrer” (Feyerabend, 2003:63). Muito próximo da metáfora
99

criada por Alves, de que a ciência é um dos estômagos possíveis para se compreender o
mundo. E o que não pode ser digerido por esse estômago é cuspido. Jogado fora. Até aqui não
há problema nenhum. Acontece que, historicamente, o que é jogado para fora do estômago da
ciência (portanto, não científico) não deve ser aproveitado por nenhum outro estômago,
porque, para o conhecimento, tudo aquilo que não for científico não serve.

O exemplo que Feyerabend (2003:63) traz é o caso do renascimento da medicina


tradicional na China Comunista, momento no qual os médicos antigos, da velha espécie,
“devem ser ou excluídos da prática da medicina ou reeducados”, pois, continua o filósofo, “a
medicina de ervas, a acupuntura, a moxabustão e a filosofia que lhes dá base são coisas do
passado, e não devem mais ser tomadas a sério”. Essa história corresponde, novamente, com o
lema dos estômagos de Alves. O que não é ciência, o que for “coisa do passado” (de um
passado deveras antigo, diga-se de passagem, uma vez que a medicina de ervas é antiguíssima
– e também atendeu e atende muito bem as nossas expectativas) deve ser jogado fora,
descartado, pois não é útil.

Da pluralidade e dos limites da teoria

As teorias são muitas, diversas, confusas e diferem muito, em alguns casos, umas das
outras. Essa riqueza de possibilidade é fator determinante para o sucesso da humanidade no
que concerne à epistemologia. Mais, até, como diz Feyerabend (2003:64), “o pluralismo das
teorias contribui para o engrandecimento da perspectiva humanitarista”. A ideia de
“metodologia pluralista” a que Feyerabend (2003:65) se refere, aparece principalmente no
escrito de John Stuart Mill intitulado On Liberty (1961).

Aliás, Mill é uma referência bastante forte para Feyerabend nesse assunto sobre a
pluralidade, como indicado por Isaza (2014:88): apesar da preferência de Mill pelo termo
“variedade de situações”, no lugar de pluralidade, ambos os pensadores estão se referindo ao
mesmo significado, porém com dois significantes diferentes. Nas palavras de Isaza
(2014:92):“comparemos nuevamente a Feyerabend con Mill: ‘el mayor número posible de
alternativas’, como lãs llama Feyerabend para hacer posible la formación de una opinión útil,
es, en Mill, ‘la variedad de situaciones’ para desenvolver el espíritu humano”. Mais à frente,
Isaza (2014:92) conclui que Mill “fue la principal influencia en el pensamiento de
Feyerabend”.
100

Toda teoria, por mais plural que sejamos, tem seus limites. Precisamente porque toda
metodologia tem também seu limite. Mas, além desse argumento já conhecido, Feyerabend
(2003:67) diz que a teoria, também, jamais estará “de acordo com todos os fatos conhecidos
em seu domínio”. Talvez no mundo da Física seja mais fácil compreender esse argumento: a
teoria da mecânica clássica de Newton não se encaixa como uma luva para os fenômenos
muito pequenos. Para tais dimensões minúsculas foi elaborada a física quântica. Pois bem, a
própria física quântica, também não se dá muito bem quando vai tentar explicar o terreno
físico de proporções humanas (movimento dos carros, movimento dos planetas, etc). Temos,
nesse sentido, duas teorias que ajudam a explicar muitos fenômenos, mas que, de um lado e
do outro, não dão conta de dar uma única resposta consistente para todas as perguntas.

Ainda assim, mesmo que algumas teorias não consigam explicar quase nada (ou nada
mesmo), “isso não é razão para desconsiderá-la” (Feyerabend, 2003:73). O problema, não
reside na ação de não-descartar a teoria A, ou a teoria B, mas, nas palavras de Feyerabend,
quando conservamos “a teoria e tenta-se esquecer suas deficiências” (Feyerabend, 2003:73).
Esquecer as deficiências de uma teoria somente para mantê-la como a principal teoria de um
certo campo: a isso que devemos tomar coragem e não aceitar. Este, sim, é o fechamento e o
estreitamento do pensamento.

É importante lembrar que é impossível estudar “todas as consequências interessantes,


e descobrir assim os resultados absurdos de uma teoria” (Feyerabend, 2003:76). E isso,
continua:

Talvez se deva a uma deficiência dos métodos matemáticos existentes; pode


ser também que se deva à ignorância daqueles que defendem a teoria. Em
tais circunstâncias, o procedimento mais comum é usar uma teoria mais
velha até certo ponto (que é, com frequência, inteiramente arbitrário) e
acrescentar a teoria nova para calcular aspectos mais refinados. De um ponto
de vista metodológico, esse procedimento é um verdadeiro pesadelo.
Muitas vezes o cientista teve o papel de ocultar as deficiências de uma teoria por meio
de hipóteses e aproximações ad hoc, ou por outros procedimentos. Isso foi feito para que a
ciência pudesse realizar o milagre de “oferece-nos teorias de grande beleza e sofisticação”
(Feyerabend, 2003:78-79). O que nos leva ao próximo passo dessa empreitada epistêmica:
“De acordo com nossos resultados atuais, praticamente nenhuma teoria é consistente com os
fatos. A exigência de admitir apenas as teorias que sejam consistentes com os fatos
disponíveis e aceitos deixa-nos (...), sem teoria alguma”. Por sua vez, “uma ciência tal como a
conhecemos pode existir só se abandonarmos também essa exigência e mais uma vez
revisarmos nossa metodologia, admitindo agora a contraindução, além de admitir hipóteses
101

não fundadas” (Feyerabend, 2003:80). Admitir a contraindução e hipóteses não fundadas é o


mesmo que virarmos para um cientista sério, daqueles de jaleco branco que vivem nos
laboratórios, e perguntarmos: “A sua experiência não poderia chegar aos resultados esperados
se, em vez de fogo, que esquenta o material utilizado, fosse utilizado água?”. O que fica da
seguinte maneira nas palavras de Feyerabend (2003:253): “Toda ciência contém teorias que
são inconsistentes tanto com os fatos quanto com outras teorias e revela contradições quando
analisadas em detalhes”.

Bem, fato é que, muitas vezes alcançamos os limites de uma teoria, mesmo sem saber,
e aí quando começamos a nos questionar e elucubrar o que está após a marcação que não
conseguimos atravessar, percebemos que para se chegar a alguma resposta no mínimo
satisfatória, teríamos de utilizar métodos contraindutivos, bem como hipóteses sem pé nem
cabeça. Ou seja, abrir nossos horizontes para outros saberes contribuiria com esse momento
derradeiro da pesquisa. Nos raros casos em que “os argumentos parecem ter efeito, isso se
deve com mais frequência à sua repetição física do que a seu conteúdo semântico”
(Feyerabend, 2003:39), ou seja, a aceitação de uma nova teoria se dá mais pela repetição
exaustiva de tentar e tentar e tentar provar alguma nova teoria do que pelo conteúdo
produzido pelo cientista.

História e a importância de a ciência ser contextualizada

Uma teoria, uma metodologia e um método nunca estão inteiramente separados do


contexto histórico. Uma história da ciência nos ajudaria, nesse sentido, a perceber mais e de
melhor maneira os aspectos que diferenciam teóricos e suas ideias. A história é uma
empreitada complexa, porque contextualiza a parte no todo. Tenta dar sentidos e significados
para os determinados momentos analisados. Daí é que vem a afirmação de Feyerabend
(2003:80-81) sobre aquilo que realmente está nas mãos do cientista: “suas leis, seus resultados
experimentais, suas técnicas matemáticas, seus preconceitos epistemológicos, sua atitude com
relação às consequências absurdas das teorias que aceita”, são todos instrumentos
“indeterminados, ambíguos e nunca estão inteiramente separados do pano de fundo
histórico”. O pano de fundo histórico, o contexto, se caracteriza pelo caráter histórico-
fisiológico da evidência, “fato de que ela não só descreve algum estado de coisas objetivo,
mas também expressa concepções subjetivas, míticas e há muito esquecidas a respeito desse
estado de coisas, que nos força a olhar de maneira nova para a metodologia, afirma
Feyerabend” (2003:82). E, continua, ao dizer que seria uma imprudência “permitir que a
102

evidência julgue nossas teorias diretamente e sem mais cerimônia. Um julgamento direto e
não qualificado das teorias pelos ‘fatos’ com certeza eliminará ideias simplesmente porque
não se ajustam ao referencial de uma cosmologia mais antiga”. A ciência, desse modo, deve
ser percebida como coisa social, histórica, datada em um determinado tempo. E essa data, que
é uma marcação no tempo, muito dirá sobre os cernes das teorias predominantes. Tomando
cuidado, sempre, como disse Feyerabend, para não deixarmos cair nas mãos dos “fatos” o
papel de julgar as teorias.

O caminho a trilhar, o método apontado pelo pensador, quando estivermos em aporias


como a de uma teoria nova se confrontando com cosmologias já bem consolidadas vai na
seguinte direção: “as teorias são testadas e possivelmente refutadas por fatos. Fatos contêm
componentes ideológicos, concepções mais antigas que foram perdidas de vista ou que talvez
jamais tenham sido formuladas de maneira explícita”, e, continua Feyerabend (2009:94), “tais
componentes são altamente suspeitos. Primeiro, por causa de sua idade e de sua origem
obscura: não sabemos por que nem como foram introduzidos; segundo, porque sua própria
natureza os protege, e sempre os protegeu, de um exame crítico”. E que, “no caso de uma
contradição entre uma teoria nova e interessante e uma coleção de fatos firmemente
estabelecidos”, o melhor procedimento seria o de usar a teoria, em vez de derrubá-la, para
descobrir “os princípios ocultos responsáveis pela contradição. A contraindução é parte
essencial de tal processo de descoberta”.

Exemplificando, Feyerabend (2003:99) questiona: “como Galileu consegue introduzir


asserções absurdas e contraindutivas, como a asserção de que a Terra se move, todavia
obtendo para elas consideração justa e atenta?”. E responde logo em seguida: sua resposta é
“a alma do negócio” – a propaganda. Galileu, na visão de Feyerabend (2003:99), só teve êxito
em sua jornada por ter utilizado truques psicológicos, propaganda e “quaisquer razões
intelectuais que tenha a oferecer”.

Essa resposta está alinhada com o seguinte discurso, também de Feyerabend


(2003:137-138), que diz que “Galileu tinha apenas conhecimento superficial da teoria óptica
de sua época. Seu telescópio forneceu resultados surpreendentes na Terra, e tais resultados
foram devidamente elogiados”, portanto, era de se esperar que nem tudo estivesse fechado em
suas contas, principalmente com relação aos cálculos celestes. E, continua Feyerabend, “as
dificuldades sem demora surgiram: o telescópio produziu fenômenos espúrios e
contraditórios, e alguns de seus resultados podiam ser refutados por um simples olhar a olho
desarmado”. Feyerabend (2003:137-138) vai concluir que, “apenas uma nova teoria da visão
103

telescópica podia trazer ordem ao caos (que pode ter sido ainda maior, em virtude dos
diferentes fenômenos vistos na época mesmo a olho nu) e separar aparência de realidade”.
Essa teoria foi a que Kepler desenvolveu em 1604 e, depois, revisou em 1611.

Nesses termos, Galileu desafiou e questionou toda uma cosmologia, não usando
somente sua razão para conseguir crédito e respeitabilidade de outros cientistas, mas também
de propaganda. A propaganda, a qual Feyerabend (2003:159) se refere como essencial, segue
nos termos de um discurso responsável por incitar essa mudança de cosmologia, mas,
significa, também, como um meio “irracional”, ao seu ver. No mesmo patamar se encontram
as emoções, hipóteses ad hoc, preconceitos de todos os tipos. “É nesse contexto que se torna
tão importante o surgimento de uma nova classe secular, com uma nova perspectiva e
considerável desdém pela ciência das escolas, seus métodos, seus resultados e até sua
linguagem” (Feyerabend, 2003:154). Eis aí a proposta para uma quebra de paradigmas
firmemente consolidados.

Outra característica importante no que concerne a este tópico, da contextualização da


ciência, está na desigualdade do desenvolvimento histórico seja em termos econômicos,
sociais, políticos, dos diferentes Estados. Feyerabend (2003:145-146) se embasa para essa
noção nas palavras proferidas por Trotsky no encontro geral de membros do partido da
Organização de Moscou de Julho de 1921: “O ponto central da questão está nisso, que os
diferentes aspectos do progresso histórico – economia, política, o Estado, o crescimento da
classe trabalhadora – não se desenvolvem simultaneamente ao longo de linhas paralelas”.
Nem a economia pode ser pensada como entidade atemporal, por que a ciência o seria? “Em
nosso exame de novas hipóteses, precisamos obviamente levar em conta a situação histórica”
(Feyerabend, 2003:147).

O julgamento de Galileu

É interessante retomar a passagem do seu texto em que Feyerabend tece comentários


sobre o julgamento de Galileu, pois esse caso serve como exemplo para muitos aspectos da
crítica construída ao longo de seu livro Contra o método, principalmente para “revelar a
contradição nas ações daqueles que louvam Galileu e condenam a Igreja”, só que, do outro
lado “se tornam tão rigorosos quanto o era a Igreja na época de Galileu quando se trata da
obra de seus contemporâneos” (Feyerabend, 2003:174).
104

Nove anos antes de vir a falecer, em 8 de janeiro de 1633, Galileu recebeu seu
veredicto final, daquele que se tornou um dos julgamentos mais conhecidos da história
humana. Sua condenação foi a retratação pública na qual Galileu deveria assumir que sua
crença no heliocentrismo não era nada pertinente e que a Terra não se move em volta do Sol,
mas que o Sol é que gira em torno da Terra; além da retratação, teve de viver perpetuamente
em prisão domiciliar; e por três anos, semanalmente, tinha de repetir os sete salmos
penitenciais.

O discurso, famoso, que Galileu proferiu é o seguinte:

Eu, Galileu, filho do falecido Vincenzo Galilei, florentino, de setenta anos


de, idade, intimado pessoalmente à presença deste tribunal e ajoelhado
diante de vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais
Inquisidores-Gerais contra a gravidade herética em toda a comunidade cristã,
tendo diante dos olhos e tocando com as mãos os Santos Evangelhos, juro
que sempre acreditei, que acredito, e, mercê de Deus, acreditarei no futuro,
em tudo quanto é defendido, pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica e
Apostólica. Mas, considerando que (... ) escrevi e imprimi um livro no qual
discuto a nova doutrina (o heliocentrismo) já condenada e aduzo argumentos
de grande força em seu favor, sem apresentar nenhuma solução para eles,
fui, pelo Santo Oficio, acusado de veementemente suspeito de heresia, isto é,
de haver sustentado e acreditado que o Sol está no centro do mundo e
imóvel, e que a Terra não está no centro, mas se move; desejando eliminar
do espírito de Vossas Eminências e de todos os cristãos fiéis essa veemente
suspeita concebida mui justamente contra mim, com sinceridade e fé
verdadeira, abjuro, amaldiçoo e detesto os citados erros e heresias, e em
geral qualquer outro erro, heresia e seita contrários à Santa Igreja, e juro que
no futuro nunca mais direi nem afirmarei, verbalmente nem por escrito, nada
que proporcione motivo para tal suspeita a meu respeito27.
A Igreja, para Feyerabend (2003:169), “não apenas conservou-se mais próxima à
razão tal como esta era definida então e, em parte, mesmo hoje: também considerou as
consequências éticas e sociais das ideias de Galileu”, por isso mesmo que o filósofo entende a
posição da Igreja: “sua indiciação de Galileu foi racional, e somente oportunismo e falta de
perspectiva podem exigir uma revisão”. Aliás, contra a proposta de revisarem o processo de
Galileu, é que Feyerabend (2003:171) pontua que o “julgamento de Galileu foi um entre
muitos”, e não teve “características especiais, exceto, talvez, que Galileu teve um tratamento
bastante suave, apesar de suas mentiras e tentativas de trapacear”. A crítica do filósofo fica
ainda mais dura:

Mas uma panelinha de intelectuais auxiliados por escritores ávidos de


escândalos teve êxito em inflá-lo a dimensões enormes, de modo que aquilo
27
NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. Galileu Galilei. Disponível em:
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_b_galileu_galilei.htm>. Acesso em: 15 Jun 2015.
O texto não segue as normas da ABNT por se tratar de uma passagem bastante longa que acho importante ser
reproduzida na íntegra. O restante do trabalho retorna à formatação da ABNT no próximo parágrafo.
105

que, basicamente, foi uma altercação entre um especialista e uma instituição


defendendo uma visão mais ampla das coisas parece, hoje, uma batalha entre
o céu e o inferno. Isso é infantil e também muito injusto com relação às
muitas outras vítimas da justiça do século XVII. É especialmente injusto
para com Giordano Bruno, que foi queimado, mas a quem intelectuais de
mentalidade científica preferem esquecer. Não é uma preocupação com a
humanidade, mas sim interesses partidários, que desempenham um grande
papel na hagiografia de Galileu (Feyerabend, 2003:171)
A postura da Igreja foi mais dura, tanto com Giordano Bruno quanto com tantos outros
que passaram pela Santa Inquisição. Outro ponto: os direitos de explorar, interpretar e aplicar
as ideias e teorias encontradas nas Sagradas Escrituras eram exclusividade da própria Igreja.
Não são raras as vezes que ouvimos críticas a essa postura inflexível muitas vezes tomada por
essa instituição religiosa de peso, contudo, não estaríamos, ainda hoje, agindo da mesma
maneira? Vamos trocar o nome da instituição: em vez de Igreja Católica Apostólica Romana,
utilizaremos o seguinte nome Associação Médica Americana. Se olharmos para suas atitudes,
por exemplo: “com relação a praticantes leigos” ela é “tão rígida como o era a atitude da
Igreja para com intérpretes leigos – e tem as benções da lei”, por esse motivo que Feyerabend
(2003:175) rebate: “qualquer crítica da rigidez da Igreja Católica Romana também aplica-se a
seus sucessores modernos, tanto científicos quanto ligados à ciência”.

O problema para a Igreja não era tanto pelo o que Galileu dizia, escrevia e pesquisava,
mas, sim, pela maneira como dizia esses conhecimentos. Galileu apresentava a todos o
heliocentrismo como verdade. Por esse motivo que, se usasse de argumentos científicos para
provar à Igreja alguma teoria que fosse diferente daquela aceita, essa prova “era usada para
revisar a interpretação de passagens da Bíblia aparentemente inconsistentes com ela. Há
muitas passagens na Bíblia que parecem sugerir uma Terra plana. Ainda assim, a doutrina da
Igreja aceitava a Terra Esférica como coisa evidente” (Feyerabend, 2003:177), o que não
estava disposta era “mudar [sua cosmologia] somente porque alguém havia produzido
algumas conjecturas vagas”. Por pedir provas para as teorias e a argumentação científica,
conseguimos comparar seu modus operandi com outras instituições científicas
contemporâneas, o exemplo são as “universidades, escolas e mesmo institutos de pesquisa em
vários países usualmente esperam por um longo tempo antes de incorporar novas ideias em
seus currículos”.

Na visão de Feyerabend (2003:179):

A avaliação dos peritos da Igreja estava cientificamente correta e tinha a


intenção social certa, a saber, proteger as pessoas das maquinações de
especialistas. Desejava proteger as pessoas de serem corrompidas por uma
ideologia estreita que podia funcionar em domínios restritos, mas era incapaz
106

de sustentar uma vida harmoniosa. Uma revisão da avaliação poderia


conquistar à Igreja alguns amigos entre os cientistas, mas prejudicaria
severamente sua função como preservadora de importantes valores humanos
e sobre-humanos.
Nesse sentido, a sentença de Galileu foi infinitas vezes mais branda que a de outros
cientistas sem a mesma sorte contemporâneos a ele. Teve mais de uma chance para parar de
ensinar Copérnico como verdade, mas, sim, como hipótese, e não aproveitou. Mesmo assim, o
fim da sua vida nada se relaciona com toda essa história. Galileu faleceu por problemas de
saúde. Não foi queimado, nem empalado, nem nada desse tipo. Podemos chegar até a dizer
que ele teve muita sorte em sua vida28.

O papa João Paulo II, em 31 de outubro de 1992, representando a Igreja Católica


Apostólica Romana, desculpou-se pelo julgamento e pela condenação de Galileu Galilei.

Contra o método

Até aqui, já esboçamos algumas linhas principais que, se pensadas juntas, dão fortes
indícios da filosofia da ciência que Feyerabend construiu em seu texto. Agora vamos amarrar
melhor a ideia de “contra o método”. Esta é a última parada antes do terceiro capítulo.

Os princípios do racionalismo crítico (leve os falseamentos a sério; aumente o


conteúdo; evite hipóteses ad hoc, ‘seja honesto’ – seja lá o que for que isso signifique; e assim
por diante), do empirismo lógico (seja preciso; baseie sua teoria em medições; evite ideias
vagas e não testáveis; e assim por diante) embora praticados em áreas especiais, apresentam
uma explicação inadequada do desenvolvimento passado da ciência como um todo e são
propensos a estorvá-la no futuro e essa explicação inadequada se dá, nas palavras de
Feyerabend (2003:207-208), “porque a ciência é muito mais ‘descuidada’ e ‘irracional’ que
sua imagem metodológica. E são propensos a estorvá-la porque a tentativa de tornar a ciência
mais ‘racional’ e mais precisa acaba, como vimos, por eliminá-la”. Porém, a ciência, como
um produto do ser humano, possui a habilidade de falhar, errar.

Mas sem pânico, pois “esses ‘desvios’, esses ‘erros’, são precondições do progresso”,
alerta Feyerabend (207-208), na medida em que, como continua o autor, permitem que o
conhecimento sobreviva no mundo complexo e difícil que habitamos, permitem que nós
permaneçamos agentes livres e felizes. Termina por concluir que

28
Passados 359 anos, o papa João Paulo II, em 31 de outubro de 1992, representando a Igreja Católica
Apostólica Romana, desculpou-se pelo julgamento e pela condenação de Galileu Galilei.
107

Sem caos, não há conhecimento. Sem um frequente abandono da razão, não


há progresso. Ideias que na atualidade formam a própria base da ciência
existem apenas porque houve coisas como preconceito, presunção, paixão
[ou seja, humanidade]; porque essas coisas opuseram-se à razão; e porque se
lhes permitiu fazerem o que quisessem. Temos, então, de concluir que,
mesmo no interior da ciência, não se pode e não se deve permitir que a razão
seja abrangente, e que ela, com frequência, precisa ser posta de lado, ou
eliminada, em favor de outros instrumentos. Não há uma única regra que
permaneça válida em todas as circunstâncias, nem um único meio a que se
possa sempre recorrer (Feyerabend, 2003:207-208)
Essa postura de Feyerabend para com a ciência dialoga com os propósitos dos estudos
sobre epistemologia da Compreensão. O pensamento compreensivo parte igualmente do
pressuposto de que não é essa falsa-Razão a rainha do mundo, e de que portanto, não devemos
ouvi-la todas as vezes que tivermos um problema. O melhor caminho é a pluralidade dos
saberes para, daí sim, conseguirmos ter diversos insumos que consigam nos auxiliar a
alcançar algum objetivo ou tentar formular melhores perguntas para os nossos problemas.

O filósofo se questiona: “Não é possível que uma abordagem objetiva”, pautada pela
razão e “que desaprova ligações pessoais entre as entidades examinadas, venha a causar danos
às pessoas, transformando-as em mecanismos miseráveis, inamistosos e hipócritas, sem
charme nem humor?” E, então, coloca a questão nas palavras de Kierkegaard: “Não é possível
que minha atividade como observador objetivo da natureza venha a enfraquecer minha força
como ser humano?”, a resposta para essa pergunta, como Feyerabend suspeita (2003:203), é
afirmativa, uma vez que acredita “ser urgentemente necessária uma reforma das ciências que
as torne mais anárquicas e mais subjetivas (no sentido de Kierkegaard)”. Em outras palavras,
o que Feyerabend propõe é que devemos fazer a de subjetividade dialogar com o mundo
objetivo da ciência positivista, faz parte da atitude contra o método. Subjetividade no sentido
de se levar em conta aspectos humanos que muitas vezes são desconsiderados.

É importante, para o desenvolvimento da ciência e de suas teorias, que dentro desse


campo existam “pessoas que sejam adaptáveis e inventivas, não rígidos imitadores de padrões
comportamentais ‘estabelecidos’” (Feyerabend, 2003:210). Pois é necessário resiliência para
fazer ciência, ainda mais quando existem enunciados científicos “legítimos que violam regras
lógicas simples (...) [por exemplo] ‘ele se move no espaço, mas não muda de lugar’”
(Feyerabend, 2003:252).

Essas lacunas e contradições vêm de aspectos humanos, ou seja, vem de dentro de nós
mesmos: “A ignorância, a teimosia, o basear-se em preconceitos, a mentira, longe de
impedirem o avanço do conhecimento, podem realmente ser-lhe de auxílio, diz Feyerabend”
108

(2003:254), do mesmo modo, continua: “as virtudes tradicionais de exatidão, consistência,


‘honestidade’, respeito pelos fatos, conhecimento máximo sob dadas circunstâncias, se
praticadas com determinação, podem levá-lo a uma paralisação” (Feyerabend, 2003:254). Não
é porque o estômago da ciência não digeriu a teimosia como um método possível, que ela
nunca será útil para resolver problemas da ciência. Aliás, o que Feyerabend afirma é
justamente o oposto: na maioria das vezes, grandes quebras de paradigma aconteceram
justamente porque fugimos do nosso lado racional, que mede e é exato, para ir ao encontro
delados mais subjetivos – nos termos acima vistos. Então, que, “nem a ciência nem a
racionalidade são medidas universais de excelência completa”, completa Feyerabend
(2003:273).

“A ciência não é uma tradição isolada nem a melhor tradição que há”, começa a nos
contar Feyerabend (2003:303), “exceto para aqueles que se acostumaram com sua presença,
seus benefícios e suas desvantagens. Em uma democracia, deveria ser separada do Estado
exatamente como as igrejas ora estão dele separadas”. A separação da ciência do Estado diz
respeito à crítica feita por Feyerabend de que os cientistas agem dentro de sua instituição da
mesma maneira – guardadas as proporções – que os clérigos, monges, etc, nas instituições
regidas pela fé. Ou seja, pregam uma verdade para o mundo inteiro, sem aceitar a
possibilidade de sua proposição estar errada. Forçar uma visão sobre os assuntos está muito
longe da liberdade procurada por Feyerabend. E o papel do Estado, aos seus olhos, é o de
proporcionar o acesso à pluralidade e às diversas variações do conhecimento. Pôr os cidadãos,
então, para conversarem com diversos e distintos saberes. Nas palavras de Isaza (2014:91):

Si una sociedad cuenta entonces com la libertad necesaria para que sus
integrantes tomen sus propias decisiones y, además, permite que las distintas
prácticas humanas que nacen de ella sean respetadas por el Estado y por las
opiniones mayoritarias y puedan interactuar entre ellas, cada individuo podrá
desarrollar sus talentos y nutrir con sus productos a la sociedad que lovio y
le permitió desenvolverse. En suma, para desarrollar los talentos humanos de
suerte que los indivíduos puedan realizarse a partir de sus propias decisiones
y la sociedade beneficiarse de las virtudes o talentos de sus integrantes, es
necesario, y este es el tercer elemento que adopta Feyerabend de Mill, que
haya el mayor número posible de alternativas o variedad de situaciones.
Todos estos elementos harían posible conseguir la madurez ciudadana.
A ciência como a única resposta para tudo é o mundo ideal para os cientistas, mas
somente para eles. Pois ajuda apenas os que estão “dentro” da ciência. Já para os que estão
fora... “sugere a eles um comprometimento religioso da mentalidade mais estreita e encoraja
uma estreiteza de mentalidade por parte deles” (Feyerabend, 2003:317). A estreiteza e as
poucas possibilidades de conhecimentos é que se devem questionar.
109

CAPÍTULO III

A compreensão na roda: um ensaio de interpretação

Compreender o fanático que é incapaz de nos compreender


é compreender as raízes, as formas e as manifestações do
fanatismo humano. É compreender por que e como se odeia
ou se despreza. A ética da compreensão pede que se
compreenda a incompreensão
Edgar Morin

Foi na dissertação de mestrado de Guilherme Fernandes de Azevedo, defendida em


2014 e intitulada: “Jornalismo é poesia: uma viagem compreensiva pela obra de Marcos
Faerman”, que encontrei, logo nas primeiras páginas, em seus agradecimentos, o seguinte:
“Bom, pensando bem, é melhor já ir dizendo também obrigado! obrigado! ao sujeito deste
trabalho” (2014a:6) – grifo nosso –, e por meio dessa inspiração que aprendi a enxergar um
pensador menos como objeto e mais como sujeito da minha pesquisa. O que a escrita
acadêmica faz, e mais amplamente toda a escrita, como aponta Flusser (2010:19), é que, “ao
escrever, os pensamentos precisam ser alinhados”, então é necessário realizar uma
linearização da realidade. O processo de produção de um texto passa por diversas fases, que
não vale enumerar agora; contudo, uma delas é de grande importância para esse nosso
argumento: toda tradução do mundo em letras, códigos por entre linhas, passa por um
processo de pôr-em-linha, alinhar, enfileirar. E isso muitas vezes se confunde com a
objetificação dos personagens centrais da pesquisa.

Os sujeitos desta pesquisa são muitos. Mas quatro em especial: Martin Buber, Paul
Feyerabend, Paulo Freire e Rubem Alves. Agora, com eles e suas ideias, das quais nos
aproximamos nas páginas anteriores, vamos conversar mais abertamente sobre temas que
atravessam a Compreensão. Para tanto, nossa metodologia nessa fase final é a paralaxe. A
paralaxe é uma noção bastante compreensiva, se a pensarmos do seguinte ponto de vista: ela é
um jeito de entender que o mundo e as coisas, todas elas, têm sempre várias possibilidades de
110

interpretação e, com isso, várias leituras que muitas vezes poderão divergir entre si. Mas que
nunca deixarão de ser leituras possíveis, ou leituras verdadeiras. Algo como a velha história
do copo meio cheio ou meio vazio: depende do estado de humor daquele que vê o copo. A
compreensão como método inicia sua caminhada a partir dessa posição. A visada, portanto, é
de natureza dialógica, e não dialética, no sentido estrito do termo.

Exploramos as noções – o pensamento compreensivo prefere noção a conceito – de


Eu-Tu/Eu-Isso de Buber; Comunicação dialógica de Freire; corpo, ciência e sapiência de
Alves, e o contra método de Feyerabend. Mas, e agora? Como poderíamos nos aproveitar de
todas essas falas tecidas neste trabalho? No que essas mesmas ideias conversam, discordam,
apontam novos (outros) caminhos? A compreensão poderia se servir dessas ideias saborosas
também? Se sim, de que maneira poderíamos, compreensivamente, escrever sobre suas
aproximações ou distanciamentos?

E se virtualizássemos uma roda de conversa entre esses sujeitos e suas ideias?


Virtualizar é um tema muito em voga nos dias atuais. Ganhou importância e notoriedade a
partir de estudos de pensadores como Pierre Lévy, Manuel Castells e André Lemos, que
também se debruçam sobre esse tema e sua complexa rede de possibilidades. Só há um
problema, é que por vezes os contemporâneos se esquecem de que virtualizar é como brincar
de faz de conta. Ora, o que é virtual se opõe ao atual, e não, o real, como poderia se pensar. A
virtualização, desse modo, não passa pelo caminho de negação da realidade. E, sim, pautar-se-
á pela realização de uma possibilidade. A semente carrega, virtualmente, a árvore. A árvore
está na semente, é real. Ela apenas não é atual, ou seja, contemporânea à semente. Árvore e
semente vivem juntas, mas não ao mesmo tempo.

Falando de brincar, me veio essa ideia: toda criança devia brincar de Lego. A palavra
Lego vem do norueguês: Leg Godt, que no inglês tem seu significado traduzido por “play
well”, que se transforma em “brinque bem”, quando traduzido para o português. Explico
minha afirmação anterior: ainda não existem muitos estudos sobre isso, mas aposto (no
sentido de Pascal, que apostava na existência de Deus e se defendia das críticas com a
seguinte explicação: se eu apostar em Deus e ele não existir, bem, eu não perco muito; mas, se
ele existir e eu não apostar em sua existência, aí, sim, minha situação se complica; portanto,
se ele existir, e eu apostar em sua existência, eu só tenho a ganhar) que o Lego é uma ótima
maneira de aprender a pensar. Pois pensar e brincar são coisas muito próximas.

O pensamento-brinquedo compreende que existem peças que encaixem e ficam muito


bonitas esteticamente, só que também vão demonstrar que existem peças que encaixam e não
111

ficam tão bonitas assim. Existem aquelas peças que sequer encaixam, mas tinham que
encaixar, porque ficariam tão mais bonitas e tão mais agradáveis aos nossos olhos... Alves
(2013:30-31) diz que existem dois tipos de brinquedos: os brinquedos úteis e os brinquedos
lúdicos. Os primeiros estão classificados naquela longa lista de qualidades quantitativas, que a
ciência vive proclamando. Os brinquedos lúdicos, por sua vez, encontram-se não em listas,
mas nas manifestações mais sinceras/singelas do nosso pensamento. O pensamento é isso:
montar um brinquedo e, depois, brincar com ele.

Outra vantagem de brincar com o Lego é que, além de aprender que as coisas
encaixam, aprendemos que todo brinquedo montado pode ser desmontado. Toda ideia
produzida pode ser desmontada, remontada, transformada. Para o pensamento, e a
brincadeira, não há limites. Pelo percalço de um pensamento-brincante, ou de um pensamento
brincalhão, vamos conversar com todas essas vozes. No melhor estilo de uma roda de
conversas, os temas caminharão de forma livre, dentro do campo da compreensão e da
comunicação e, é claro, das ideias dos autores que vimos estudando. A proposta parece
bastante compreensiva, pois não se propor a fechar uma única visão e, sim, abrirá os biombos
para se pensar o mundo de múltiplas perspectivas, como o pensamento compreensivo aposta.
Retornaremos às janelas de Baitello Jr., fugindo dos biombos criados pelo nosso próprio jeito
de pensar.

3.1. Outras interlocuções: Empatia, Pensamento Dialógico e Compreensão

Martin Buber é um autor bastante referenciado dentro do Grupo de Pesquisas


“Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” (GP), muito a ele devemos
sobre as considerações intersubjetivas que propomos dentro do espaço do pensamento da
Compreensão. Aqui vamos esboçar sua importância para esse tipo de conhecimento aberto
que estamos propondo.

O grande pilar da filosofia buberiana é a importância da intersubjetividade na vida dos


sujeitos. Ou, de outra maneira: a filosofia, se pensada apenas como puro teorizar da vida, em
nada vai ajudar o humano a aumentar as capacidades afetivas, cognitivas e ontológicas de sua
existência. Para se atingir tais objetivos, é necessária uma filosofia que se preocupe em pensar
partindo de e com relação a experiências de vida. E que significa isso? Significa uma
filosofia que dê palpites e sugestões às maneiras que vivemos nossa vida. Dessa perspectiva,
112

Buber organiza sua obra Eu e Tu como proposta de uma ética, de uma maneira de viver no
mundo, partindo, em muitos momentos, de suas próprias experiências e vivências.

O papel central de suas preocupações é a intersubjetividade como forma de existência.


Colocando de outra forma: o humano só se realiza na interação face-a-face com o outro, com
o Tu. A ideia é de que só se perpetua a humanidade por conta das incontáveis relações
dialógicas abertas da palavra princípio Eu-Tu. É dessa maneira que a intersubjetividade
assume papel principal para se viver o mundo.

Das interações que temos com os outros acontecem num campo entre os sujeitos e, ao
se entrar nesses espaços, é necessário ter respeito e responsabilidade para com o outro. Eu e
Tu se formam num par de dependências, ou seja, o Eu só se desenvolve por contato com o Tu.

A nossa aposta no campo da compreensão é que, intersubjetivamente, por meio de


vivências mais firmadas no arquétipo da relação dialógica, consigamos melhorar nossos
vínculos com os outros e com o mundo, e isso configura uma ética compreensiva. Ou, se
quisermos colocar da seguinte maneira: uma ética da Compreensão, que busca, entre algumas
outras coisas, comunicações abertas e diálogos que realmente atravessem todos os sujeitos
presentes. Uma comunicação que comunique e não que faça comunicados.

Aos vínculos, tão presentes na noção de uma relação dialógica Eu-Tu, podemos
acrescentar as ideias do primatólogo Frans de Waal. Em seu livro A era da empatia: lições da
natureza para uma sociedade mais gentil (2010), ele começa a obra questionando se o campo
que pensa a biologia tem algo a ensinar à sociedade, e por certo que tem. Ao afirmar que “o
vínculo é um elemento essencial para a nossa espécie”, pois “não há nada que nos faça mais
felizes” (Waal, 2010:29), o pensador propõe que pensemos nossas relações sociais não
somente com a razão, uma vez que “vivemos numa época que enaltece o que é cerebral”
(2010:20), mas “de baixo para cima”, ou seja, partindo daquilo que nos funda.

Em primeiro lugar, Waal (2010:45) nos propõe o exercício de esquecer a tradição de


pensamento ocidental que retrata “nossos ancestrais como seres ferozes, livres e destemidos.
Liberados de compromissos sociais e impiedosos com os inimigos, eles parecem diretamente
saídos dos filmes de ação”, pois “apesar de vivermos em cidades, cercados de carros e de
computadores, permanecemos essencialmente os mesmos animais, com os mesmos desejos e
as mesmas necessidades psicológicas” que os animais que chamamos de nossos ancestrais.
Uma dessas propostas ocidentais é a de que o humano vive em disputas, vive como uma
máquina de guerra. Novamente, Waal (2010:70) vai à outra posição ao falar que os
113

comportamentos que realmente nos fazem humanos não são os de guerra, mas “os
comportamentos que mantém as sociedades unidas”.

Nas palavras de Waal (2010:71): “as ideologias vêm e vão, mas a natureza humana
permanece”. Nossa natureza humana, com relação aos outros sujeitos, nos empurra para o ato
da empatia, como descreve Waal (2010:75):

O riso compartilhado é apenas um exemplo da nossa sensibilidade aos outros.


(...). Somos interligados aos nossos semelhantes, tanto do ponto de vista
corporal quanto do ponto de vista emocional. (...). É precisamente aí que
começam a empatia e a solidariedade (...). A empatia começou (...) com a
sincronização dos corpos.
Os corpos se sincronizam através do mapeamento corporal dos sujeitos que vivem
juntos. “A sincronia, por sua vez, baseia-se na capacidade de fazer um mapeamento entre o
próprio corpo e o corpo de um outro e de incorporar os movimentos desse outro” (Waal,
2010:81). E mais à frente, ao colocar que essa sincronia depende de uma imitação de um
corpo real, de carne e osso, Waal (2010:90) diz “estamos começando a compreender o quanto
a cognição, humana e animal, depende do corpo”. Corpo e mente agem em conjunto para
apreender a realidade à nossa volta, então, tanto um quanto outro tem capacidade de intervir
em tudo aquilo que percebemos (a mente pode interferir nos movimentos corporais) ou
pensamos (o corpo pode interferir nos movimentos da mente).

Para Buber, a relação dialógica Eu-Tu acontece somente no face-a-face. Waal


(2010:91) talvez explicasse isso da seguinte maneira: “Entramos involuntariamente nos
corpos das pessoas à nossa volta, de tal maneira que seus movimentos e emoções repercutem
dentro de nós”. E não somente apreendemos o outro pelo corpo, como nossos laços se
estreitam por meio dessas ligações que fazemos com os outros.

Dessa maneira, não é por meio da imaginação (ou algum processo de abstração ou
racional) que se desencadeia os processos de empatia, ela “requer, antes de mais nada,
envolvimento emocional”, uma vez que “as conexões corporais vêm primeiro – a
racionalização vem depois” (Waal, 2010:108).

Apesar da importância e da abertura com outros saberes relacionados ao corpo, Waal


deixa bastante claro que “a compreensão da perspectiva dos outros é um fenômeno limitado”,
uma vez que a “adoção da perspectiva empática depende dessa combinação entre o alerta
emocional, que desperta a nossa preocupação com os outros, e uma abordagem cognitiva, que
nos ajuda a avaliar a situação” (Waal, 2010:146). Mesmo com esse adendo, a posição de Waal
é bastante otimista com relação às possibilidades de cultivo da empatia, entendida como
114

“capacidade de fazer laços com as outras pessoas, de compreendê-las e de nos colocar no


lugar delas (...). Recorrer a esta capacidade inata só pode trazer benefícios a qualquer
sociedade” (Waal, 2010:317).

As ideias trabalhadas por Waal penetram na camada do pensamento referente à


biologia e nos traz as importantes e valiosas lições para o pensamento da Compreensão.
Pensar a Compreensão, e mais especificamente, ao avaliar o que estamos chamando de ética
da Compreensão, é notório colocar o sujeito (Eu) junto do seu próprio corpo. Viver,
intersubjetivamente, nesse contexto, é uma complexa atuação do corpo e da mente interagindo
tanto internamente quanto externamente com o outro (Tu). Buber, pelo que vimos, busca uma
relação do face-a-face que muito se aproxima do pensamento da empatia a partir do corpo,
que Frans de Waal propõe.

A compreensão, pensada a partir dessas duas obras (Eu e Tu e A era da empatia) se


enriquece ao ouvir as possibilidades do caminho que, por meio da busca das relações
dialógicas – que é um arquétipo humano –, abertas ao diálogo, ao outro e à alteridade,
encontram vínculos sociais e inter-humanos que contribuem para a composição desse Eu que
interage com o Tu. A ética da compreensão, nessa mesma linha, também pode ser pensada
como um corpo que pede outros corpos, que os mapeia e transforma esse mapeamento em
empatia, em “estar no lugar do outro”, e que busca a dialogia verdadeiramente falada por
meio da palavra-princípio dialógica.

Para essa ética é indispensável a dialogia, o entendimento do tempo cíclico (residente


no mito do eterno retorno) e, também, a empatia. Colocando da seguinte forma pode ficar
mais claro: os processos empáticos demonstram a necessidade de que o humano tem de
processos de vinculação com os outros. O intersubjetivo precede o indivíduo; no começo é a
relação; a relação dialógica é um mito fundador da nossa sociedade; o outro faz parte da
minha intervenção nesse mundo; é por meio do outro que eu me ergo, me atualizo e me
presentifico. É na relação com o outro que ambos nos libertamos.

3.2. Diálogo possível entre Freire e a Compreensão

Como vimos nas ideias de Freire, há uma relação primordial entre sua proposta de
educação como prática da liberdade e sua teoria da ação dialógica com a proposta hegeliana
de dialética. Se classificássemos a teoria dialógica e sua antítese, a teoria da relação anti-
dialógica, conforme Freire expõe em seu livro Pedagogia do oprimido (2011c), ordenaríamos
115

ambas como teorias que seguem o método hegeliano. A tese, a antítese e a síntese, as
dicotomias entre o dialógico e o antidialógico, o papel das massas na revolução das estruturas
sociais, a superação, alienação, a tomada de consciência etc.

Como adiantado no segundo capítulo deste trabalho de dissertação, apesar da crítica à


postura iluminista no campo da filosofia da educação, poderíamos verificar em um texto
específico no qual Freire defende a comunicação como uma maneira de compreender o outro
no processo social. Pensando da seguinte maneira: que esse entendimento de comunicação
como diálogo e como co-participação dos sujeitos, como compreensão dos sujeitos para uma
determinada prática, podemos propor, inclusive, que a base do pensamento freireano é uma
comunicação compreensiva. Porém, sua ação prática vai muito mais nos caminhos da
Razão29.

Para tanto, precisamos abordar seu texto de maneira complexa, pois, se ele mesmo
alterna entre ambos os métodos científicos aplicados à teoria e à sua prática, não seremos nós
os responsáveis por reduzir seu entendimento de mundo.

“A ação extensionista”, diz Freire (2011b:20), “envolve (...) a necessidade que sentem
aqueles que a fazem de ir até a ‘outra parte do mundo’, considerada inferior, para, à sua
maneira, ‘normalizá-la’”, para fazê-la mais ou menos semelhante a seu mundo. De partida já
vemos uma crítica para com o estreitamento de visões sobre o mundo. Extrapolando este
exemplo para o campo da ciência, não seria o mesmo que criticar a deusa Razão por ir aos
campos de outros saberes e dar as diretrizes e explicações sobre coisas que estão além do
racional?

O campo associativo (o que estamos entendendo neste trabalho por rede semântica) da
extensão encontra as seguintes palavras: transmissão, entrega, doação, messianismo,
mecanicismo, invasão cultural, manipulação... São todas palavras propostas por Freire
(2011b:20).

E como ele coloca mais à frente, cabe ao educador recusar a “domesticação” do


sujeito, pois a sua tarefa “corresponde ao conceito de comunicação, não ao de extensão”
(Freire, 2011b:23). A proposta de Freire, então, retoma a comunicação e relação intersubjetiva
como princípio do pensar o mundo. E esse pensar é co-laborativo, ou seja, tem o labor de
todos os sujeitos envolvidos no processo. Para o educador, e para se pensar o conhecimento, é

29
Isso é uma herança do marxismo, ao qual Freire se vinculava teórica e ideologicamente. Ora, o marxismo,
insistindo, inclusive em seu caráter científico, é um herdeiro, dos mais conscientes, do espírito positivista
dominante no século XX.
116

necessário que educador e educando sejam tidos como sujeitos do processo de aprendizagem
e não como objetos pois é só “enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer”,
argumenta Freire (2011b:29). Não há uma dicotomia, nesse sentido, entre homem e mundo.

Assim, o que Freire propõe é que, para todos os casos em que o sujeito seja tratado
como objeto, por meio da comunicação (que ele entende como aberta e dialógica) haja um
ritual de purificação. Esse ritual é conhecido pelo nome de educação. Mas em outros termos
significa apenas um rito de passagem: o homem coisificado, objeto do pensamento, precisa
voltar-a-ser o sujeito do pensamento, o homem que pensa. Para alcançar tal condição, o
sujeito precisa aprender a falar a sua própria palavra, não repetir a palavra do educador que o
libertou, mas, verdadeiramente, a palavra interior de seu próprio pensamento. Freire aposta no
humano. E o que é isso se não um ato compreensivo? Inserir o outro – e a nós mesmos – no
mundo é justamente o que Buber propunha e, também, o que Freire faz.

Vou buscar um paralelo. No campo da fotografia. Assisti a uma entrevista de


Sebastião Salgado, grande fotógrafo brasileiro, no programa Roda Viva pela TV Cultura, no
dia 16 de setembro de 2009 – aliás, a FCL esteve presente nessa conversa com o fotógrafo,
por meio da professora Dra. Simoneta Persichetti –, em que ele deu a seguinte declaração, ao
responder se ele havia trocado os equipamentos fotográficos para fotografar animais em
Galápagos:

Não, eu não mudei de equipamento. Mudei de comportamento. Eu... Pra mim


era complicado fotografar os animais. Até então eu só tinha fotografado um
animal: nós. Então eu cheguei em frente a uma tartaruga, uma Galápagos, uma
tartaruga gigante daquelas de 250kg, 300kgs, enorme tartaruga. E eu quis
fotografar a tartaruga. Eu fui me aproximando e ela foi andando, indo embora.
Ela não quis ficar perto de mim. Eu precisava dessa tartaruga de uma maneira
de posicionar essa tartaruga, que pudesse ver a personalidade a dignidade da
tartaruga. E foi complicado, e eu passei horas pensando. Eu falei: vou tentar
chegar nessa tartaruga no nível da tartaruga. Então, me coloquei de joelhos. E
quando eu me coloquei de joelhos a tartaruga parou. E começou a olhar pra
trás. Aí eu deitei e comecei a caminhar em direção a ela com meu cotovelo.
Nesse momento ela veio a mim, ela veio em minha direção. E na hora que ela
começa a vir a mim, eu comecei a andar pra trás, pra dar a entender a ela que
eu estava respeitando o território dela. [pausa] Olha, ela veio a mim, veio me
ver com a mesma curiosidade que eu tinha de vê-la. E aí, a partir desse
momento, nós éramos dois animais que não era predador um do outro, que
respeitava o território um do outro e eu pude fotografar essa tartaruga30.
Um pouco mais à frente, Salgado, conta história parecida, só que dessa vez, com
relação aos crocodilos no Pantanal. Com cerca de 10 mil jacarés. E ele conta:

Trecho retirado entre os minutos 1h03m17s e 1h04m58s da entrevista: SALGADO, Sebastião. “Entrevista com
30

Sebastião Salgado” Programa Roda viva. TV Cultura. 16 de Set. 2013, Dur. 1h31. [online] disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=IL3Ou7Khl3A> Acesso em: 10 Mai. 2015.
117

Eu tentei chegar nos jacarés da mesma forma que fiz com a tartaruga em
Galápagos. Eu me escondendo um pouco no mato, os Jacarés veem em 180º e
eles começaram a andar todos para a água. Aí eu pensei, como é que eu vou
fazer? Aí que eu falei: vou chegar em jacaré. Vou vir de jacaré. Também fui
deitado me arrastando em direção a eles. Eles acharam aquilo engraçadíssimo.
Eles começaram a sair da água, olha, teve jacaré que riu, você entende? (...).
Olha, na verdade, eu descobri no projeto Genesis que você deve respeitar tudo.
Pra fotografar paisagem, você tem que respeitar a paisagem. Voce tem que
tentar compreender a dignidade da paisagem.31
A proposta de Sebastião Salgado32 demonstra a sua preocupação em, não só trazer
para o mundo determinadas fotografias de animais, paisagens ou humanos que vivem em
cantos escondidos no planeta, mas um respeito ao outro. Salgado entendeu que, para
fotografar um animal, ele precisaria se pôr no lugar de um animal, ser um Tu para a
“tartaruga-Eu”, ou um Tu para o “jacaré-Eu”. Só por meio de uma relação que traga os
animais para o mundo, que atualize a sua existência no mundo, por meio da dialogia (Eu-Tu)
é que ele conseguiu retratar em fotografias essas suas vivências. O movimento que Salgado
traça é o de trazer para perto o outro, ir ao encontro dos animais para eles virem ao encontro
da humanidade por meio de suas fotografias. A foto, final, em si, não quer dizer muito sobre a
relação dialógica para nós, mas aposto que qualquer uma dessas fotografias que ele fez, muito
provavelmente, ele olhará pra elas e se lembrará do momento em que se encontrou com a
tartaruga de Galápagos. Dessa maneira, ele faz uma coisa que estamos chamando nesse
trabalho de prática da Compreensão.

E podemos nos indagar do seguinte: não está, Freire, nesse mesmo movimento de
prática da Compreensão que encontramos Sebastião Salgado, justamente por propor trazer o
outro para perto, para o mundo, para conhecer e produzir conhecimentos? Parece que o que
Freire fez foi a mesma coisa, só que em outro campo: do letramento, da alfabetização e da
educação, enquanto este vivo. Não é difícil ouvirmos críticas à postura iluminista de Freire,
principalmente porque sua educação é – nas próprias palavras dele – “conscientizadora, pois o
homem vive na consciência”. O próprio amigo de Freire, Rubem Alves, também pontua essa
crítica. Porém, a ação de Freire não poderia ser considerada, além de conscientizadora, mas
como um ato de amor ao próximo? Ensinar alguém a falar a sua própria palavra, sua visão de
mundo, não se trata apenas de transferir conhecimentos, mas de trazê-la para o mundo. De

31
Trecho retirado entre os minutos 1h05m20s e 1h06m38s da entrevista: SALGADO, Sebastião. “Entrevista
com Sebastião Salgado” Programa Roda viva. TV Cultura. 16 de Set. 2013, Dur. 1h31m19s. [online] disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=IL3Ou7Khl3A> Acesso em: 10 Mai. 2015.
32
Um pequeno adendo: podem ter existido outros fotógrafos que tenham como proposta a mesma que
interpretamos na atitude de Sebastião Salgado. Não discuto isso. Também não estou querendo dizer que essa
proposta é original. Quisemos apenas demonstrar como a Compreensão pode ser praticada sob essa ideia de
trazer para perto o outro que está longe.
118

transformá-la justamente em um sujeito da história e não um objeto pensado? Para essas


dúvidas, pelo que vimos sobre a Compreensão, nossa resposta é afirmativa. Não como um
fechamento, uma conclusão, mas, sim, como um reconhecimento pelo esforço empreendido
por Freire em toda sua vida como alfabetizador. Ensinar alguém a falar não significar apenas
uma questão técnica ou social, mas de integrar o sujeito no mundo. Conscientizadora, mas, é
preciso apontar, não de tipo difusionista, extensionista, está muito mais na linha do preceito
socrático, de que ninguém ensina a ninguém: você é o mestre de si mesmo, e o mestre, com
isso, acaba sendo um mediador. Daí que as famosas palavras de Freire (2011c) fazem tanto
sentido: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em
comunhão”.

Carlos Brandão, outro educador brasileiro, também fala sobre a relação de Freire e
Alves, e creio importante aceitar sua sugestão. Os dois personagens e pensadores brasileiros a
quem dei maior ênfase nessa dissertação, Freire e Alves, não devem ser considerados como
autores opostos. Isso é, trazer os dois pensadores para uma mesma roda de conversas não é
um ato controverso, ou um “erro epistemológico”. Ambos realmente discordavam em
diversos assuntos, porém, eles são complementares. Pois o que um fala, o outro critica, revê,
pensa por outro lado. Pensar com esses dois sujeitos não é um indicativo de antagonismo, “o
que falta em um chama o outro” (Alves; Brandão, 2010:104)

3.3. Esquecimento e compreensão

Sobre o conhecimento humano: ele se compõe de “compartimentos que não se


comunicam entre si” (Maffesoli, 1998:42). Fazer esses compartimentos conversarem é uma
das apostas da epistemologia da Compreensão. Parte do método utilizado pra se alcançar esse
objetivo pode ser respondido pelo que Barthes chamou de terceira idade da vida: do
esquecimento. Desaprender o próprio pensamento. Esquecer que se criaram caixas para
dividir os pensamentos e buscar fugir da objetivação e desmitologização às quais Maffesoli
(1998:43) critica. Fazer isso é complicado, mas não impossível. Muitas vezes realizamos essa
tarefa em pensamento e sequer damos conta desse processo ter acontecido em nossas cabeças.

Esquecer o método é uma das maneiras de ser contra o método. Um ato de coragem
para dar este salto e ir buscar outros saberes aos quais comumente se renega o título de
conhecimento.
119

Um dos ingredientes necessários para esse ato que quebra as janelas-biombo (aquelas
a que nos referimos no começo, segundo Baitello Jr., que mais fecham do que mostram) é a
paralaxe. A paralaxe é comumente entedida por um deslocamento aparente de um objeto
causado pela mudança do ponto de vista de observação que permite nova linha de visão. Mas
é necessário ampliar um pouco nosso entendimento do que significa a paralaxe dentro dos
termos da filosofia e, principalmente, da epistemologia, como nos mostra Zizek (2008). A
começar pelos participantes dessa relação: há um sujeito (aquele que vê) e há um objeto-
fenômeno (enxergado). O sujeito que observa um objeto-fenômeno enxerga determinadas
formas e conteúdos. Aquilo que ele não vê no objeto-fenômeno é uma sombra da sua própria
inserção nessa relação. Isso quer dizer que a realidade que o sujeito enxerga nunca é inteira,
pois falta justamente uma parte, por menor que seja, que corresponde à sua “sombra”. O
sujeito encobre parte do objeto ao encará-lo.

Paralaxe, nesse sentido, é a mudança de posição do sujeito de forma a mostrar outras


faces do objeto-fenômeno não contempladas anteriormente. Isso não lembra aquilo que
Barthes chamou de esquecimento? Estamos justamente propondo uma troca de posição: parar
de olhar com os olhos da ciência quando, e somente quando, é pequena e estreita, que busca
pelo fechamento e não pela abertura. Buscamos trocar esse ponto do qual estamos olhando (a
ciência do positivismo lógico que dilacera nosso pensamento com seus conceitos) para outro
(uma visão compreensiva que abarque diversos saberes e sabores) que pelo que vimos – e que
outros também parecem ver – será mais frutífera ao conhecimento como um todo.

Repetindo uma citação já usada anteriormente neste trabalho, e que faz muito sentido
nesse momento: “esquecer para lembrar” (Alves; Brandão, 2010:78), pois “os saberes ocultam
algo” (Barthes, 2011:58). A luz que ilumina, clareia e demonstra, com todas as suas medidas e
métricas criadas do raciocínio, os objetos analisados é a mesma que deixa de iluminar outros
saberes sobre o mesmo objeto. Pasmem, as luzes também são capazes de ofuscar!

3.4. Os saberes do corpo e a compreensão

Em 2014 tive a felicidade de publicar um texto intitulado “Ouvir bem para se viver
bem: as experiências das Casas de Mediação e da Comunicação-Não-Violenta” (Brito, 2014c)
no livro Comunicação, diálogo e Compreensão. Nesse texto, as primeiras palavras referem-se
à uma citação de um aforismo de Alves, retirado do conto “A escutatória” que pode ser
encontrado em seu livro O amor que acende a lua (2002). Ele diz o seguinte: “Todo mundo
120

quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”. É forte essa crítica. É forte porque,
nossa vida inteira, aprendemos que temos de saber falar bem para sermos respeitados e
conquistar praticamente tudo que quisermos. Porém, o principal pilar que utilizamos para
construir qualquer relação intersubjetiva é o diálogo. A comunicação. Como queremos nos
comunicar, se poucas vezes damos importância e a devida atenção ao que os outros têm a
falar?

Ouvir bem tem o sentido de compreender o que se ouve, quem se ouve e o porquê se
ouve. O motivo fundamental de entrarmos em relações com os outros é o de exprimirmos a
totalidade do Eu, que só é possível no encontro com o outro (aquilo que falamos sobre a
relação Eu-Tu ser um arquétipo da condição humana, portanto, estamos sempre buscando
retornar a ela). A prática do ouvir bem, contudo, não somente no campo da ética e da
intersubjetividade, mas também no terreno das epistemologias. Epistemologia, dito de forma
simples, é o estudo de como se pensa o pensamento que produz conhecimento. O plural,
epistemologias, indica nossa crença e fé de que é possível pensar o pensamento a partir de
mais de um só lugar. Isso é o que colhemos da Compreensão. Então, e agora ouvindo as
indicações de Alves sobre o nosso corpo: que voz é essa que mora no corpo e que raras vezes
escutamos? De cara, já temos uma proposição que mostra o corpo que discorda das certezas
metodológicas, pois “simplesmente aposta na verdade de um pensamento que lhe aparece
repentinamente, vindo não sabe donde. E assim ele salta” (Alves, 2011:85). O corpo salta de
pensamento a pensamento.

Nas palavras de Nietzsche (apud Alves, 2008:60), é necessário desconfiar dos


conceitos, do pensamento: é necessário desenvolver “a arte da desconfiança”. A desconfiança
se faz necessária, ao passo que, de novo com Alves (2008:70), “o excesso de informações faz
o corpo tropeçar”. Os conceitos trazem, em seu bojo, o excesso de informações. Desconfiar
desses excessos e dos conceitos é o que Alves (2008:76) faz:

Os saberes são necessários porque eles nos dão poder. Técnica. Meios para
viver. Usando-os como ferramentas temos a possibilidade de agir sobre o
mundo. Mas o corpo não entende a sua linguagem. Ele pode usá-los como
ferramentas, objetos exteriores a ele mesmo. Mas não se transformam em
sangue. São incapazes de dar um sentido à vida. Falta-lhes o poder das
palavras mágicas. O que move o corpo é o sabor sem palavras da sapientia
O mundo é conhecido pelo corpo, “existe um saber que mora no corpo, saber que
existe antes de poder ser dito em palavras”, Alves (2008:71) nos conta. Guimarães Rosa
concorda: “O que um dia eu vou saber, não sabendo, eu já sabia”, seguido de perto por
Riobaldo: “O corpo não traslada, mas muito sabe, advinha se não entende...” e Zaratrusta, que
121

usa as seguintes palavras para se expressar: “Há mais razão no seu corpo que na sua melhor
sabedoria” (apud Alves, 2008:71).

Há uma história, muito boa, para ilustrar esse argumento: a Centopeia e o Grilo. A
Centopeia andava pelo jardim quando encontrou o grilo que, intrigado, questionou: “Sra.
Centopeia, bom dia! Como consegue se coordenar Para andar? Não te atrapalha ter que pensar
e sincronizar suas 100 patas?”. Ao que a Centopeia responde: “Bom dia, Sr. Grilo. Nunca
havia pensado nisso... mas pode deixar que vou prestar atenção e lhe aviso quando
descobrir!”. O Grilo agradeceu, virou-se e seguiu seu caminho. Enquanto isso, a Centopeia
ficou parada, congelada. Aconteceu que ela nunca mais conseguiu se mexer, e então que
compreendeu a resposta ao questionamento do Grilo: só conseguia andar com a infinidade de
patas, porque não prestava atenção no próprio ato de andar, ou seja, nunca tinha tentado
transformar a experiência de andar em um processo racional e ordenado.

Daí que “a perda da sabedoria por causa da ciência”, nos conta Alves (2008:68), fosse
inevitável. Os saberes acabaram por sepultar a sabedoria. Nossa vida, contudo, não pode
seguir somente dos saberes: “Os conhecimentos nos dão meios para viver”, ferramentas
capazes das coisas mais impressionantes, só que é “a sabedoria”, continua Alves (2008:68),
“que nos dá razões para viver” e “sábias são as pessoas que sabem viver”, que se aproveitam
dos conhecimentos do corpo, da sabedoria, dos sabores... esquecem-se dos caminhos rígidos
construídos pela Razão e partem para a descoberta do novo. Melhor dizendo, eles partem para
a descoberta do que está por baixo, escondido, das muitas demãos de tinta que os saberes
utilizaram para esconder os conhecimentos “desnecessários”.

3.5. A rigidez do texto acadêmico, sua indigestão e o anarquismo científico

Lembrando dos pensamentos-pimenta que Alves tanto estima, Feyerabend (2003:335)


também sabe incendiar nossas cabeças com seus questionamentos, por exemplo: “Por que
deveria ser o conhecimento mostrado na vestimenta da prosa e do raciocínio acadêmicos?”.
Essa pergunta nos deixa com tantas pulgas atrás da orelha, que mal sabemos por onde
começar... Mas, no caminho encontramos algumas pistas. Em artigo escrito por Künsch e
Carraro (2012b:33), os autores consideram justo o desânimo dos estudantes de comunicação,
quando tentados com os sabores teóricos e epistemológicos em forma de livros e textos para
serem lidos, pois “a nata de sua produção científica, não atrai”, afinal de contas seus textos
122

são chatos. “Via de regra”, completa Alves (2012:58), “a refeição acadêmica termina em
vômito ou diarreia. O engolido é esquecido”.

Mas por que não apostar em outras linguagens para expressar o conhecimento
científico? E não é que queremos jogar no lixo toda uma história do pensamento lógico e
racional. Do contrário, como Künsch e Carraro expõem (2012b:35), defendemos “que rigor,
conceitos, razão, lógica, pensamento abstrato e seus congêneres” que se encontram
espalhados aos montes pelo campo da ciência, “podem também ser entendidos, apresentados e
representados de diferentes modos, sem cadeias ou camisas-de-força. Podem ser
contemplados em sua fertilidade, em suas promessas de dialogia possível”. Dentro do campo
da comunicação parece bastante complicado pensar uma comunicação que não se comunica,
ou que, quando o faz, acaba por zonear todos os significados. Imaginemos, agora, no campo
do conhecimento como um todo: um conhecimento que não se comunica e/ou que se
comunica muito mal.

Nesse sentido que Feyerabend, Alves, Künsch e Carraro vão apostar, cada um a seu
modo, em maneiras de se comunicar o pensamento. Alves, por exemplo, demonstra em sua
filosofia o papel e a importância do corpo, muitas vezes deixado de fora das conversas sobre o
conhecimento. Feyerabend, com postura parecida, pensa ser necessário abrir o conhecimento
para que todos consigam produzir e, assim, tentar se diminuir as discrepâncias das linguagens
(do mundo das ciências com relação ao mundo comum). Künsch e Carraro têm sua aposta no
ensaio. Escrever de maneira ensaística é ter como ponto de partida que todo pensamento é só
uma tentativa de compreensão da realidade e, como a própria palavra diz: ensaiar uma
compreensão do mundo não é uma busca pela derradeira resposta, que resolverá todos os
problemas do homem. Ensaiar indica nada mais, nada menos do que pelo menos uma maneira
de interpretar o fenômeno.

Na história das ciências, constantemente, a sobrevivência de ideias e teorias – que hoje


estão de acordo com a razão – se deve a fatores subjetivos (paixão, vaidade, preconceito,
erros, teimosia...) que “opuseram-se aos ditames da razão e porque se permitiu que esses
elementos irracionais agissem à sua maneira” (Feyerabend, 2003:156). O que acontece é que
muitas vezes na história do conhecimento foi necessário se esquecer das regras do jogo
científico e burlar o objetivismo racional com fins à resposta que melhor auxilie com a
explicação de determinado fenômeno. É importante deixar claro, novamente, que Feyerabend
não é contra a ciência. Em uma nota de rodapé, Feyerabend (2003:163) explica sua posição e
seus comentários críticos, dizendo que se refere “à interferência filosófica de mentalidade
123

estreita e a uma extensão de mentalidade estreita das últimas modas científicas a todas as
áreas do empreendimento humano” o problema da não-evolução da ciência.

Fazer a ciência evoluir, no entendimento de Feyerabend é usar o método do


anarquismo científico, ou seja, fazer uso daquilo que as redes da ciência não foram capazes de
pegar. Noção essa que se reconhece na Compreensão, só que em outros termos: “Por que
desistir de imaginar uma prática cognitiva apta a pensar a razão e a não-razão, o conceito e o
não-conceito, o conhecimento e a vida, a coisa e seu contrário, a verdade e o erro, a teoria A
com a teoria B, complexa e compreensivamente?” (Künsch, 2012a:23).

3.6. O conhecimento comum

Os cientistas qualificados em determinadas áreas são capazes de responder a todos os


problemas propostos sem sair de sua própria área de conhecimentos? Creio que isso seja
impossível. Os problemas aos quais os cientistas buscam respostas não são simples, mas
complexos. Então

A objeção de que os cidadãos não têm a competência de um especialista para


julgar assuntos científicos não leva em conta que problemas importantes
frequentemente cruzam os limites de várias ciências, de modo que os
cientistas em cada uma dessas ciências também não têm as qualificações
necessárias (Feyerabend, 2003:318).
Apesar disso, é fato que poderiam ser melhoradas as competências do público comum
por meio de uma “educação que expusesse a falibilidade dos especialistas, em vez de agir
como se ela não existisse” (Feyerabend, 2003:318). Pois, continua Feyerabend (2003:332),
“uma pessoa tentando resolver um problema, seja na ciência, seja em outro campo, deve ter
liberdade completa e não pode ser restringida por nenhuma exigência ou norma”. Liberdade
completa só será alcançada com determinados investimentos na educação desses sujeitos. Não
para uma educação “conscientizadora” e, sim, para uma educação que traga para os espaços
comuns as visões tanto da ciência quanto de outros saberes, como diria Alves.

Feyerabend (2003:333) traz o seguinte exemplo para contribuir com essa conversa:
Surge um problema. Nada é feito a respeito dele. As pessoas ficam preocupadas. Os políticos
disseminam essa preocupação. Chamam-se os especialistas. Eles desenvolvem teorias e
planos baseados nelas”, então, continua o autor, “grupos de poder, dispondo de seus próprios
especialistas, efetuam várias modificações até que uma versão aguada é aceita e efetivada. O
papel de especialistas nesse processo cresceu gradualmente”. A situação, agora, é a seguinte:
“teorias sociais e psicológicas do pensamento e ação humana tomaram o lugar desse próprio
124

pensamento e ação” e, no lugar de perguntar “às pessoas que estão envolvidas em certa
situação problemática, os promotores de desenvolvimento, educadores, tecnólogos e
sociólogos obtêm sua informação sobre” o que a população realmente quer e precisa, vai
continuar Feyerabend, “de estudos teóricos executados por seus estimados colegas naquilo
que eles pensam serem os campos relevantes. Não se consultam seres humanos, mas modelos
abstratos; não é a população-alvo que decide, mas os produtores dos modelos”.

E, então, podemos chegar à sua máxima: “Procedimentos intelectuais que abordam um


problema por meio de conceitos estão no caminho errado” (Feyerabend, 2003:334-335). Os
conceitos a que se refere, são as ideias não problematizadas, não contextualizadas. E, nesse
caso, ao invés de consultar aqueles que serão realmente impactados por determinadas ações,
são consultadas as pessoas que criam os modelos que serão repetidos ad nauseam.

Esse papo nos leva para outro campo, o campo da inteligência. Pois, “os produtores
dos modelos” a que Feyerabend está se referindo são, com certeza, cientistas de grande porte.
E a ciência, e seus fatos científicos, bem como seus métodos e suas metodologias, é a única
maneira de se responder os problemas, visto que desconhecem outros saberes e, também,
muitas vezes nem querem verdadeiramente conhecê-los. E, por falar em levar a outro campo,
encontramos em Isaac Asimov (2002), em seu texto “What is intelligence, anyway”, alguns
insumos importantes para essa conversa sobre o conhecimento comum e que creio ser
fundamental deixá-lo aqui na íntegra33.

What is intelligence, anyway?


When I was in the army, I received the kind of aptitude test that all soldiers
took and, against a normal of 100, scored 160. No one at the base had ever
seen a figure like that, and for two hours they made a big fuss over me.
(It didn't mean anything. The next day I was still a buck private with KP -
kitchen police - as my highest duty.)
All my life I've been registering scores like that, so that I have the
complacent feeling that I'm highly intelligent, and I expect other people to
think so too.
Actually, though, don't such scores simply mean that I am very good at
answering the type of academic questions that are considered worthy of
answers by people who make up the intelligence tests - people with
intellectual bents similar to mine?
For instance, I had an auto-repair man once, who, on these intelligence tests,
could not possibly have scored more than 80, by my estimate. I always took
it for granted that I was far more intelligent than he was.

33
Perdoem-me por não seguir as normas da ABNT conforme o restante deste trabalho, mas, como essa passagem
citada constitui um ensaio inteiro e muito extenso, preferi não deixar o recuo da esquerda nos 4cm como o
restante das citações diretas que passam de três linhas, em vez disso deixei o parágrafo centralizado com 2cm de
recuo tanto na direita quanto na esquerda. Assim, neste caso estou priorizando por uma leitura agradável, em vez
de uma norma técnica.
125

Yet, when anything went wrong with my car I hastened to him with it,
watched him anxiously as he explored its vitals, and listened to his
pronouncements as though they were divine oracles - and he always fixed
my car.
Well, then, suppose my auto-repair man devised questions for an intelligence
test.
Or suppose a carpenter did, or a farmer, or, indeed, almost anyone but an
academician. By every one of those tests, I'd prove myself a moron, and I'd
be a moron, too.
In a world where I could not use my academic training and my verbal talents
but had to do something intricate or hard, working with my hands, I would
do poorly.
My intelligence, then, is not absolute but is a function of the society I live in
and of the fact that a small subsection of that society has managed to foist
itself on the rest as an arbiter of such matters.
Consider my auto-repair man, again.
He had a habit of telling me jokes whenever he saw me.
One time he raised his head from under the automobile hood to say: Doc, a
deaf-and-mute guy went into a hardware store to ask for some nails. He put
two fingers together on the counter and made hammering motions with the
other hand.
“The clerk brought him a hammer. He shook his head and pointed to the two
fingers he was hammering. The clerk brought him nails. He picked out the
sizes he wanted, and left. Well, doc, the next guy who came in was a blind
man. He wanted scissors. How do you suppose he asked for them?”
Indulgently, I lifted by right hand and made scissoring motions with my first
two fingers.
Whereupon my auto-repair man laughed raucously and said, “Why, you
dumb jerk, He used his voice and asked for them”.
Then he said smugly, “I've been trying that on all my customers today”.
“Did you catch many?” I asked.
“Quite a few”, he said, “but I knew for sure I'd catch you”.
“Why is that?” I asked.
“Because you're so goddamned educated, doc, I knew you couldn't be very
smart”.
And I have an uneasy feeling he had something there.

Tão educado que não haveria possibilidade de ser tão inteligente… isso nos lembra o
que Alves falava: quanto mais lemos, menor é a nossa capacidade de pensar com nossa
própria cabeça. Ora, o que Asimov está criticando, no fundo, não é só um teste de Q.I., e, sim,
todo o complexo campo da ciência e da organização social para a produção do conhecimento.
O que está em jogo, neste texto de Asimov, é que os saberes “comuns”, não são considerados
“inteligência” ou, pelo menos, que eles não são tão “inteligentes” quanto os saberes
científicos.

Então que Feyerabend (2003:33) reaparece dizendo que “a educação científica tal
como hoje a conhecemos tem precisamente esse objetivo”, objetivo esse que busca a
simplificação da ciência por meio da “simplificação de seus participantes: primeiro: define-se
um campo de pesquisa. Esse campo é separado do restante da história (...) e recebe uma
126

‘lógica’ própria”. Essa lógica é uma hiperespecialização – nos termos de Morin (2001) – e,
também, um condicionamento que “torna suas ações mais uniformes e também congela
grandes porções do processo histórico. (...). Sua imaginação é restringida, e até sua linguagem
deixa de ser sua própria” (Feyerabend, 2003:33-34). Isso quer dizer que os que estudam
ciência são impelidos a reduzirem suas visões de mundo, simplificarem sua extensa e
complexa bagagem cultural e de conhecimento, a fim de reduzir as possíveis revoluções no
campo científico. O controle do pensamento, que enxerga Feyerabend existir por meio da
educação científica, visa, dessa forma, congelar o processo histórico no qual a ciência está
inserida.

Desse modo, na história da ciência o “intercâmbio livre, ‘objetivo’ e puramente


intelectual que os racionalistas disseram ser”, comenta Feyerabend (2003:171), nunca
aconteceu dentro dos processos de produção e distribuição de conhecimento.

3.7. Um resumo das principais contribuições à Compreensão

Nessa roda de conversas virtual passeamos e realizamos as aproximações entre seis


temas e suas vinculações com a Compreensão: Empatia, Pensamento Dialógico e
Compreensão; Freire e a prática da Compreensão; Esquecimento e compreensão; Os saberes
do corpo e a compreensão; A rigidez do texto acadêmico, sua indigestão e o anarquismo
científico; e, por último, O conhecimento comum.

A Compreensão se baseia numa crítica à ciência, quando ela, dogmática e fechada, não
abre espaço para o conhecimento plural e os mais distintos saberes existentes. A empatia, o
pensamento dialógico, a fotografia que traz o outro para o mundo, as relações Eu-Tu, saberes
do corpo, a prática da Compreensão no sentido de produzir compreensão entre as pessoas, ou
entre as ideias, o texto acadêmico indigesto, o anarquismo científico contra o dogmatismo e a
favor da liberdade de criação e de pensamento, o conhecimento comum dos sujeitos que
contribuem com as construções do conhecimento como um todo, bem como a ciência dos
livros e dos laboratórios que criou os testes de inteligência como uma forma de perpetuar seu
reinado, tudo isso diz respeito à Compreensão. Seja no campo da ética, da práxis ou da
epistemologia.

Essa Compreensão, compreensivamente, pulsa pela construção coletiva de


conhecimento e, de maneira não-excludente, aposta na alteridade, nas capacidades e
127

qualidades humanas e das ferramentas criadas pelos humanos para alcançar possíveis
entendimentos, interpretações e caminhos saudáveis aos questionamentos humanos.

Essas ideias específicas, bem como a dos autores estudados ao longo deste trabalho,
emaranharam-se nos fios tecidos neste capítulo e, por esse motivo, iremos recapitulá-las
sublinhando as suas principais relações com as ideias de Compreensão de maneira
sistemática.

A Compreensão tem a ganhar, e já o faz, quando pensa a comunicação entre os


sujeitos por meio das duas palavras-princípio que Buber nos apresenta: Eu-Tu e Eu-Isso. Cada
uma evoca uma determinada cosmologia, como vimos. Falar Eu-Isso deixa o Isso no passado,
como uma coisa, um objeto. Já, falar Eu-Tu, significa pronunciar as palavras mágicas de um
arquétipo humano: que toca dentro de nós mesmos e nos atualiza neste mundo, nos chama
para o tempo mítico de transformações interior e exteriores.

Falar Eu- (-Isso ou –Tu) mostra a via de mão dupla que é a comunicação, pois sempre
existem pelo menos dois agentes (humanos ou não) em contato um com o outro. O que faz
esse contato na forma escrita de Buber é o hífen “-”. Símbolo que liga o Eu ao Tu, ou o Eu ao
Isso, mostrando que não há sujeito separado das coisas nem de outros sujeitos com quem ele
se encontra e profere uma das duas palavras-princípio. Todo Eu se liga ou a um Isso ou a um
Tu. O hífen denota a ligação espiritual que há entre todo humano com o mundo que o cerca. O
humano nunca está sozinho no mundo.

Essas ideias contribuem num sentido mais voltado à ética e para o universo do
intersubjetivo, âmbitos fundantes da Compreensão. Contribuem, especificamente, quando
pensarmos com as palavras de Morin: a compreensão pede que se compreenda o
incompreendido. Compreender o incompreendido exige de nós uma postura humana de
evocar o -Tu. Então que a ética compreensiva se abastece dessa relação do homem com seus
semelhantes e com as suas coisas, para conseguir, primeiro, existir no mundo e pensá-lo como
um mundo onde todos nós nos encontramos e que, por isso mesmo, estamos juntos sem
segregação.

A prática da Compreensão guia-se por tal paradigma ético. Indicando-o, no contexto


específico, como um axioma da Compreensão, como um aforismo do qual partem todas as
práticas que citamos ao longo do texto. A Compreensão na prática, a segunda esfera do
pensamento compreensivo, muito se enriquece com as contribuições de Freire, pois, por meio
dos diversos projetos de alfabetização e de sua postura dialógica frente ao aluno, sua ação é
128

voltada à integração do outro comigo em nosso mundo compartilhado. Quando Freire


ensinava jovens e adultos a aprender a ler, estava, em realidade, trazendo-os para perto.
Abraçando-os com os braços do próprio mundo e da história social que iria entender, a partir
de então, por meio de sua linguagem específica, o que aqueles sujeitos tinham a dizer.

Aos olhos de Buber, e em suas palavras, Freire estava atualizando o Eu e o Tu no


mundo. Da mesma maneira o fotógrafo Sebastião Salgado faz essa integração com as
paisagens que fotografa, bem como os animais, as plantas... Tudo que passa à frente de sua
lente é trazido para o nosso mundo. A integração do outro, a atualização conjunta do Eu e do
Tu, sistematizadas em um projeto ou em uma atividade tendem a uma Compreensão do outro
em um nível intersubjetivo, realizando, concretamente, o que Buber dizia em seu livro Eu e
Tu.

Essa postura de Freire nos faz apostar em sua perspectiva mais de cunho dialógica que
a dialética, como já apontamos diversas vezes ao longo do trabalho. Isso significa que,
compreensivamente, agora podemos mudar a maneira com que lemos a obra, o pensamento e
a práxis freireana. Uma vez abertos os olhos, é possível compreender que o Freire, que atua
pautado por um pensamento, predominantemente, iluminista, está muito mais para o método
da Compreensão que o método científico. Freire pode transitar, dessa maneira, entre o status
de educador iluminista e educador compreensivo.

Outras práticas compreensivas que podem ser encontradas em abundância no nosso


livro Comunicação, diálogo e compreensão (2014), e algumas já citadas aqui, são as Casas de
Mediação, a Justiça Restaurativa, o “recorrido por la calle”, as intervenções dos palhaços que
pertencem à ONG Canto Cidadão34... Enfim, a todo esse universo de ações estamos chamando
de prática da Compreensão. E a esse universo, Freire está intimamente ligado.

Para além da prática e da ética, dos saberes cotidianos, as artes, o erro, e outros saberes
comumente deixados de lado pela deusa-Razão, há uma que Alves tem em alta conta: a
sapiência. A sabedoria, que nos alcança na terceira idade da pesquisa, é uma das muitas
maneiras de compreender a vida e o mundo que nos rodeia, renegados pela ciência. Para
retornar a essa sabedoria, Alves indica o caminho traçado por Barthes: o esquecimento.

34
As intervenções consistem em visitas dos colaborados da ONG a homens, mulheres, crianças e velhinhos que
estão instalados nos leitos dos hospitais, com o objetivo de levar alegria e risadas. Como eles fazem isso? Ao se
vestirem de palhaço, todos os colaboradores se transformam em um ponto de contato humano com aqueles que
passam por dificuldades de saúde. Mais informações podem ser encontradas no próprio site do projeto:
<www.cantocidadao.org.br>. Acesso em: 05 Ago. 15. Outras fontes são os textos produzidos por Felipe Mello,
principalmente em seu texto “O universo do palhaço, o diálogo e a compreensão” (2014), que se encontra no
livro Comunicação, diálogo e compreensão (2014).
129

Esquecer, segundo a leitura desses últimos dois autores, torna-se um imperativo daqueles que
buscam os caminhos da felicidade. Mas esquecer o quê? Esquecer o que aprendemos? Mas
que aprendizados precisariam ser esquecidos e quais devem ser preservados?

Alves nos indica, novamente, o caminho: o esquecimento é para com as barreiras entre
os conhecimentos. Esquecer as janelas (aquelas a que Baitello se referia, que são, no fundo,
biombos, objetos oblíquos que bloqueiam nossa visão – menos mostra, que esconde),
esquecer os enquadramentos daquilo que está dado à nossa inteligência. Esquecer essa razão
mutiladora. O esquecimento é um passo importante para a Compreensão como método, pois,
sem ele, estaríamos presos à lógica científica já relatada. É provável que, muitas vezes,
quando falamos em Compreensão, tal ideia de esquecimento já opere como um pressuposto,
contudo, faz-se necessário sublinhar esse “passo metodológico” para não cairmos, após entrar
no terreno compreensivo, em contradição com nossos próprios preceitos.

Além do educador brasileiro, há outro nome que devemos sublinhar: Feyerabend. Ele
é um autor que também aparece com bastante força no tema de questionar os métodos
científicos. Feyerabend questiona de maneira veemente, os processos de produção do
conhecimento científico contemporâneos e indica que, por meio de uma epistemologia
anárquica, é que a ciência deu grandes passos em sua história. Ou seja, foi, muitas vezes, por
conta da teimosia, de erros nas contas, de descuidos dentro dos laboratórios, enfim, por não
seguir o método científico que os cientistas descobriram coisas relevantes em suas pesquisas.

A anarquia do método, como apontada por Feyerabend, funciona como um agente


responsável por solapar a autoridade da Razão (quando esta se veste como imperatriz do reino
do conhecimento) e libertar os cientistas dos dogmas que sua profissão desenvolveu. Mas,
como vimos em Isaza, essa mesma anarquia é somente uma das faces da proposta
metodológica que Feyerabend desenvolveu. A outra face, que também muito interessa à
Compreensão, é a pluralidade de alternativas teórico-práticas buscada por Feyerabend, que
tem seu paralelo com a “variedade de situações” que Mill compreende como necessária para o
desenvolvimento do espírito humano.

As propostas de Feyerabend e Alves, no fundo, caminham juntas e dialogam em


diversos momentos e com intensidade acentuada, uma vez que apostam na liberdade e na
criatividade que só o esquecimento e a anarquia, cada uma ao seu modo, podem proporcionar.

Alves tem outra contribuição para o pensamento compreensivo que cabe a nós
sublinhar: ao salientar aspectos ônticos e epistêmicos do corpo, a morada da sabedoria, Alves
130

indica que, desde Epicuro e sua busca da felicidade, o prazer é a base da felicidade plena,
segundo os ensinamentos epicuristas, e é o corpo o primeiro na fila dos sentidos e sentimentos
relacionados ao prazer. O corpo é quem o sente, pois o “saber mora no corpo” (Alves,
2008:71) – lembrando da relação íntima entre as palavras saber e sabor. E é o corpo é quem o
pede, quem o deseja. O corpo é que toca e é tocado pelo prazer.

Essa fenomenologia proposta por Alves contribui com a Compreensão, pois abre um
campo pouco explorado pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisas “Comunicação,
Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” que é a importância sapiencial do corpo no
processo da produção e da comunicação do conhecimento. Dialogar com o corpo, então,
comporta o significado de abertura para saberes, buscado pela Compreensão, que há muito
foram postos de lado.

As esferas que mencionamos (ética, prática e epistemologia), estão para nós como uma
chave de leitura que abre o cômodo do pensamento que pensa a Compreensão, muito se
enriqueceram com as contribuições concretas e filosóficas de Freire, Buber, Alves e
Feyerabend – bem como as contribuições de diferentes autores que apareceram ao longo deste
trabalho –, que, pelo que percebemos, muito têm a agregar (ou já agregam) com o complexo
jogo das noções e significados tecidos no interior do GP.

Um pensamento que busca um vínculo com a vida, entre experiência e ciência, que, de
efeitos sapienciais, estimulada por efeitos causados de encontros gastrosóficos e das rodas de
conversa, está entre as mais altas prioridades de uma comunicação que incomunica. Tanto
quanto de uma ciência que traveste a razão dialógica, aberta e fértil (que Morin tanto
distingue da outra razão) em deusa-Razão: fechada, que exclui, mutila e empobrece o homem
ao retirar dele outras cognições e fruições cognitivas. Um pensamento que se complementa
pelos opostos, no lugar de separar pelos opostos, e daí a ideia de coincidentia oppositorum.
Relações interpessoais de tipo Eu-Tu, de sujeito para sujeito, que compreende além de –Tu
como outro humano, sujeito, mas, também um outro antigo –Isso que se eleva à posição de
sujeito. Um pensamento que junta e não que separa, que chama para a conversa e o diálogo;
humanamente compreensivo, de afeto que abraça, ouve as diversas vozes, mantendo-se aberto
à pluralidade. Um pensamento que pratica aquilo mesmo que pensa, contribuindo com a
compreensão entre subjetividades, que não se pretende único “por não ser dual” (Künsch,
2009:69); que não explica, pois, o mundo não termina, não tem ponto final, não é fechado; e
que experimenta e conhece partindo de diferentes cognições. Um pensamento compreensivo
consciente de sua própria inconsciência (ou douta ignorância, nas palavras de Nicolau de
131

Cusa). São por esses caminhos, métodos, práticas, éticas, apostas e epistemologias que a
Compreensão, no interior do GP, compreende.
132

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreensivamente, estou muito distante de imaginar essas considerações enquanto


finais e me encontro muito mais próximo a dizer que essas palavras, que seguirão nessa parte
específica e técnica do trabalho científico, juntas compõem a seguinte forma: um círculo. O
círculo é um símbolo cheio de significados. Poderíamos nos aproximar a alguns deles para
esboçar o sentimento na hora de “finalizar” este texto – algo que, como tanto falamos, não
pode ser fechado, senão na alegoria da cobra que morde o próprio rabo, ou seja, na
expectativa de esse ciclo concluído dar início a outro ciclo.

Se formos caminhando ao longo dos terrenos trilhados por esta dissertação poderemos
perceber o desenvolvimento não somente do tema, primeiro plano da pesquisa, mas também o
conhecimento sobre o conhecimento. A cada autor pesquisado, ou ideia explorada, é como se
tivesse plantado uma muda de árvore. Quem me ensinou isso foi Rubem Alves, que plantou,
em sua casa, uma árvore para cada um de seus amigos. Diz ele que para Carlos Brandão,
plantou um ipê amarelo – a sua preferida entre as árvores. Do mesmo modo que Alves fez
isso em sua casa, creio que o mestrado fez isso dentro de mim.

Então, longe de um fechamento, essas últimas palavras sobre o tema da Compreensão,


e sobre o trabalho realizado, formam-se a partir da ideia de um ciclo. Que ao encontrar um
ponto de referência que chamaremos de “final”, na verdade, representa um outro início.

O trabalho tinha os seguintes objetivos principais: compreender a Compreensão,


buscando, principalmente, nos textos científicos elaborados pelos participantes do Grupo de
Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” (GP). Em outras
palavras: compreender a Compreensão no interior do GP; bem como ampliar essa noção de
Compreensão partindo dos nexos encontrados com a obra de Buber, Freire, Alves e
Feyerabend; havia, também, nossa preocupação em sistematizar, organizar, classificar e
disponibilizar os trabalhos acadêmicos elaborados pelos pesquisadores do GP.
133

Nossa metodologia buscou, além da leitura em profundidade dos textos de diversos


autores, também a utilização de uma Roda de Conversas, com espécie de entrevista em grupo
sobre o próprio tema pesquisado pelo GP: a Compreensão.

Os resultados, como vimos, foram estruturados da seguinte maneira:

Ao longo do primeiro capítulo abordamos toda uma rede semântica do tema da


Compreensão, à maneira que é colocada pelo GP e seus integrantes, que nos auxiliou, de
maneira constante, com a fixação do significado de Compreensão. Buscamos nas pesquisas
dos pesquisadores, os seus significados e suas relações ao pensamento compreensivo. Além
de organizarmos uma linha do tempo do nosso GP, contando todas as Rodas de Conversa
realizadas pelo GP, além dos seminários realizados e os dois projetos de pesquisa do GP (a
saber: “Conversando a gente se entende” e “A Compreensão como método: suas teorias e
práticas”). Nossas metodologias (gastrosofia, rodas de conversa e seminários) também
receberam destaque neste primeiro capítulo.

Já, no segundo capítulo, fomos nos quatro autores específicos que propusemos
conhecer mais a fundo, buscando decifrar os significados de suas ideias. As obras Eu e Tu e
Do diálogo e do dialógico formaram o objeto empírico do pensamento buberiano. Freire foi
lido a partir de três de seus textos: Extensão ou comunicação?, Pedagogia do oprimido e
Educação como prática de liberdade. Alves foi estudado, sistematicamente, a partir de três de
seus livros: Variações sobre o prazer, Entre a ciência e a sapiência e Tempus fugit, contudo,
especificamente em seu caso, encontramos outros livros bastante interessantes que também
entraram no corpus da pesquisa, sendo eles: Pimentas. Para provocar um incêndio não é
preciso fogo, Do universo à jabuticaba, O amor que acende a lua e um livro produzido a
partir dos diálogos que teceu com outro educador, Carlo Brandão, intitulado Encantar o
mundo pela palavra. Os temas do anarquismo científico e da crítica ao dogmatismo científico,
propostos por Feyerabend, tiveram como principal fonte de ideias o seu livro Contra o
método.

Enquanto isso, no terceiro capítulo, foi feita a amarração das ideias que, até então,
foram trabalhadas de maneira separada. Para tanto, tentamos virtualizar uma roda de conversa
com os quatro autores pesquisados a fundo sobre um tema central: o pensamento
compreensivo. Ressaltamos as contribuições de cada um dos autores, dessa maneira, a partir
dos nexos construídos entre suas ideias e o tema da Compreensão, bem como, recapitulamos,
de maneira sistemática, e explicitamos as aproximações das ideias desses autores com a
compreensão da Compreensão.
134

A roda de conversas realizada em Gonçalves, Minas Gerais (na data: 06/06/2015),


uma das atividades prevista para essa pesquisa, contribuiu com a concretização de algumas
ideias e pensamentos sobre a Compreensão. Alguns exemplos, que aparecem aqui e ali
durante esse trabalho, são: a ideia de vetores da Compreensão que é a organização da
Compreensão nas três esferas (prática, ética e epistemologia) que aplicamos como uma chave
de leitura durante todo o trabalho, mas com principal foco nos primeiro e terceiro capítulo.

A segunda reside no pensamento de que todo Tu contribui com a formação subjetiva


do Eu, por meio de relações dialógicas e abertas, já tínhamos em mente. Contudo, foi a partir
da Roda de Conversas que expandimos nosso entendimento para o seguinte: todo Isso
também pode se transformar em Tu, frente ao sujeito. Tentando especificar: o Isso a que nos
referimos é o de uma teoria. De um objeto teórico. Então, que um objeto teórico também pode
se transformar em um Tu, e a partir daí, contribuir com a formação subjetiva do sujeito.

A terceira grande contribuição da Roda de Conversas foi a de nos abrir os olhos ao


seguinte entendimento: a pesquisa científica, o mais das vezes, está buscando uma resposta
para algum problema. Essa resposta, ao fim do trabalho científico, também o mais das vezes,
é demonstrado como uma resposta certa e verdadeira ao problema. Na linha da Compreensão,
contudo, nosso entendimento é o de que a produção de conhecimento pode conter erros,
ilusões, coisas que limitam nosso pensamento. E que, por isso mesmo, não se deve considerar
o que estamos apresentando nesta pesquisa como uma resposta “final”, conclusiva, sobre o
tema da Compreensão. Compreensivamente, sabemos que o que apresentamos pode estar
errado. E, também de maneira compreensiva, vamos ouvir nossos próprios erros para
continuar seguindo nesse caminho de uma busca pelas melhores perguntas sobre o
pensamento de tipo compreensivo.

Nesse sentido, como destacamos no início deste trabalho, e o ressaltaremos


novamente, a linguagem, muito provavelmente, nos traiu ao longo do trabalho. Pois, em
função de sua conexão profunda com a herança racionalista, é impossível não ser traído por
ela. Apesar de diversas revisões ao longo do texto, é possível que se enxergue uma postura
pouco, ou quase nada, compreensiva em determinados momentos deste trabalho. Por isso,
novamente, aquilo que Morin dizia: a ética da compreensão pede que se compreenda a
incompreensão.

A maioria dos frutos desta dissertação ainda está no campo esperando pela colheita.
Mas já tivemos a felicidade de recolher alguns deles. O primeiro é o de enxergar o trabalho
concreto como produto de dois anos e meio cursando o Mestrado, sem contar os dois anos de
135

pesquisa em Iniciação Científica e o Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em


Publicidade e Propaganda. O segundo se refere a tudo o que consegui desfrutar durante essa
caminhada: participação em congressos científicos promovendo o intercâmbio de ideias; a
edição de um livro, em conjunto com gente de tanta qualidade, inclusive tendo um texto
publicado em forma de capítulo; uma viagem à Colômbia, Medellín, fatídica por ser o ponto
de mutação dos caminhos desta pesquisa; entre tantos outros que ainda estão amadurecendo.
136

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141

APÊNDICE A – Roda de Conversas sobre o tema “compreensão da Compreensão”

A roda de conversas foi realizada no dia 06/06/2015 em Gonçalves, sul de Minas Gerais, e
teve cerca 2 horas de duração. O intuito dessa roda de conversas foi de aproximar o autor desta
pesquisa com os outros pesquisadores do GP numa tentativa de descobrir mais caminhos para
compreender e praticar a Compreensão. Ouvir o que os próprios participantes pensam e entendem por
Compreensão. As janelas do pensamento de cada um deles, suas expressões de base afetivo-volitiva,
ajudarão a aumentar a rede semântica do pensamento compreensivo. Os participantes foram os
seguintes, por ordem alfabética: Carol Maximo, Dimas Künsch, Erica Massini, Pedro Debs Brito,
Rodrigo Volponi, Thaís Torres e Viviane Mansi.

Abaixo segue na íntegra a transcrição dessa conversa.

Dimas Künsch: A dinâmica será a seguinte: no primeiro momento, uns 20 minutos, o Pedro
Debs vai retomar a ideia de como ele está trabalhando a compreensão a partir de certos autores que ele
está estudando, que são: o Paulo Freire, Martin Buber, Rubem Alves, e depois, especificamente, o
Paul Feyerabend. O Feyerabend tem mais a ideia de contra o método.
Pedro Debs Brito: Junto desses autores que são mais centrais dentro do meu estudo, como o
Dimas comentou, tem alguns que atravessam como Edgar Morin, Friedrich Nietzsche, são todos
autores que estão juntos nesse caldo, não estou focando neles, mas a voz deles é ouvida também no
meu trabalho. Então aqui eu tenho um esquema das ideias desses autores que eu estou trabalhando e é
isso que eu quero apresentar em um primeiro momento, e depois entrar mais em como eu estou
entendendo essa compreensão, como eu estou pensando esse pensamento compreensivo. Então,
começando por esses que já foram citados, o Buber é principalmente essa ideia dele de eu tu e eu isso,
a reação dialógica como eu tu como uma coisa que naquela época já faltava relações dialógicas abertas
entre os sujeitos. Não olhando para o outro como uma coisa, não identificando o outro como um
instrumento para usar aquela pessoa. Isso tem muita relação com a ideia de compreensão,
principalmente no campo subjetivo. No texto do Luis Mauro Sá Martino, no nosso livro Comunicação,
Diálogo e Compreensão, ele separa e tenta organizar em três grandes grupos a compreensão: a
intersubjetividade, o pensamento compreensivo que é um pensamento aberto aos outros saberes, e a
compreensão como método. E eu acho que é muito interessante começar a pensar a partir daí. Então eu
acho que o Buber se encaixa muito bem na linha do intersubjetivo. Claro que podemos imaginá-lo
também nessa ideia da metáfora do eu tu, de uma relação mais dialógica com outros saberes, acho que
isso também dá para ser pensado, mas acho que é extrapolar demais o pensamento do Buber.
Dimas: Explora essa coisa que não é extrapolação, mas é uma proposta muito interessante do
Buber que você pode utilizar no seu trabalho, para além da relação intersubjetiva eu-tu tem o fato que
todos estudamos que o Buber diz o seguinte você pode transformar um isso em um tu então você pode
ter uma relação sujeito também com objetos, com coisas, com teorias e tudo. E essa é uma dimensão
pouco explorada. Então você vai um pouco mais fundo nisso. Estou atuando um pouco como
orientador, porque reduzir o Buber como aspecto da intersubjetividade é pouco. Ainda que você tenha
razão em dizer que é o aspecto mais importante, é onde nos tornamos humanos, no eu-tu, mas então
nos tornamos humanos também com coisas, com teoria, com animal, com a natureza, com qualquer
coisa, a gente tem uma relação de sujeito. Ai vira uma intersubjetividade também na relação com as
coisas. Aí isso quando você fala de respeito ao meio ambiente, é muito importante fazer das coisas
sujeitos, ter uma relação de respeito. Vá um pouco nessa linha. Agora retome seu pensamento, por
gentileza.
142

Pedro: Passando do Buber para Freire. Freire é um autor interessante. Engraçado que o
próprio Rubem Alves que conheceu o Freire em vida, comenta em um livro dele Variações sobre o
prazer comenta uma crítica dele ao Freire justamente porque ele, Freire, era muito baseado nas ideias
iluministas, de que o sujeito mora na consciência. Então você precisa conscientizar o povo,
conscientizar os outros sujeitos. Eu acho que essa crítica é válida, mas isso não exclui o Freire dos
nossos estudos de compreensão, porque a ação que ele fez, a atitude que ele toma como educador de
trazer o outro para o mundo, fazer com que o outro fale a própria palavra, eu acho que isso é
compreensivo demais! Acho que este aspecto da prática do Freire, é que a gente se importaria mais
com isso, acho que é o mais aderente ao nosso tema.
Dimas: E você tem um exemplo, Pedro, na pegada do Paulo Freire onde você acha que esse
fator da compreensão, para além do fato dele ser um cara que tem as ideias na retaguarda do
Iluminismo, você tem um exemplo que você ache que essa ideia do diálogo, da compreensão apareça
com mais força? Naquela coisa de educação bancária por exemplo.
Pedro: A própria teoria dele, apesar de baseada no Iluminismo é uma teoria que se propõe
enquanto prática muito compreensiva. Você não entende o aluno como um objeto que você vai
enchendo, colocando coisas. A ideia do banco é justamente você ir depositando ideias nele e ponto. O
Freire entende o aluno como um outro sujeito cognoscente, no qual eu, também um sujeito
cognoscente, vamos agir e pensar no mundo juntos. O método Paulo Freire de alfabetização é um
exemplo concreto e bastante forte para pensarmos isso, para dizer que a compreensão para o Freire
(apesar dele não chamar assim, somos nós que estamos chamando) aparece vista no método que ele
cria, desenvolve para alfabetizar. Por isso que eu acho que seria interessante a gente não se distanciar
de suas ideias, porque faz parte da história dele que tem a ver com as ideias Iluministas e Marxistas,
mas tentar trazer para mais perto o que ele praticou em vida para o que a gente entende por
compreensão.
Dimas: E aprender a dialogar com o fato dele vir de uma raiz Iluminista/Marxista, porque
independe de qual seja a origem, ele é dialógico. E eu tendo a pensar, mas é você quem vai responder
que onde nós pensamos compreensão, o Paulo Freire fala comunicação. Tanto que no Brasil, Paulo
Freire e Buber são entendidos como representantes de uma teoria dialógica da comunicação. Fale um
pouco disso.
Pedro: O livro dele Extensão ou comunicação?, se não me engano, foi o primeiro livro que
ele escreveu quando foi exilado. Então, essa ideia que ele coloca é exatamente estender o
conhecimento como forma de conversar, acho que não posso chamar de conversa, mas a extensão é
quando eu entrego ou deposito, eu dou as minhas ideias/palavras para o outro. E não importa se ele
está entendendo, eu simplesmente entrego. E aí a diferença com a comunicação: essa é justamente a
abertura para o diálogo de ouvir o outro, de estar com o outro dentro do mundo. Ele posiciona muito o
mundo, ele fala muito de estamos juntos, eu e o outro, no mundo. Eu acho que isso é uma dimensão
importante do pensamento dele, que é sua preocupação em ser concreto, de fazer acontecer, de ter
práticas disso.
Dimas: Então, estamos acompanhando, e se alguém tiver alguma pergunta ou alguma
contribuição, acho que entrar na conversa do Pedro nesse momento ajuda muito, ainda que vamos
falar, cada um a seu momento, sobre a compreensão. Então, acho que ficou bem explicitado pelo
Pedro o ponto de vista buberiano, o ponto de vista freireano, e as aproximações muito frequentes entre
a fala de um e de outro. Paulo Freire conhecia Martin Buber muito bem, o contrário não é verdade
porque o Martin Buber era um finado quando o Paulo Freire trabalhava com educação.
Pedro: E em um livro dele Educação como prática da liberdade, o Freire usa o termo eu-tu
em alguns momentos.
Dimas: Agora Rubem Alves, que, aliás, é um autor que o Pedro tem sempre trazido a
discussão e eu acho tão bacana. Essa semana ainda na aula de mestrado um menino que está estudando
sobre educação e falava sobre Paulo Freire e outras coisas, eu perguntei se ele conhecia Rubem Alves
e ele disse que nunca tinha ouvido falar. Não por causa dele. O fato de nós brasileiros não
conhecermos um autor que está tão perto e que eu considero, acho que não só eu, mas um dos maiores
educadores de todos os tempos. Faleceu acho que tem dois anos. Que bom que o Pedro está trazendo
143

Rubem Alves, que além de educador, era poeta, um místico, um filósofo e também exercia a crítica do
método científico. Era um crítico do método fechado de ciência. E eu lembro muito bem do texto, que
é um dos mais bacanas do Rubem Alves, que ele fala coisas do tipo a ciência não consegue entender o
canto dos passarinhos. Então vamos ao Rubem Alves, nosso terceiro autor.
Pedro: Esses três autores, eu estou tendendo a imaginá-los cada um com suas principais ideias
dentro de três esferas da compreensão, que são a Ética da Compreensão, a Prática da Compreensão e
uma Epistemologia da Compreensão. Estou dividindo por uma questão didática para mim mesmo,
para eu entender cada uma delas.
Viviane Mansi: E o que quer dizer cada uma delas?
Pedro: A ética, a meu ver, está muito próxima do que o Buber fala dessa ideia do
intersubjetivo, ou seja, da sua postura com o mundo, o jeito que você vive a sua vida é essa ética
compreensiva. Essa ética de olhar para os outros não como objeto, mas tentando resgatar relações
humanas com ele. Essa é a questão da ética. A prática eu acho que se destaca muito em Freire, porque
ele fez isso boa parte da vida dele, que é buscar maneiras destas pessoas socialmente,
economicamente, excluídas, deixadas de lado. Então a prática da compreensão é isso, mas é também
aquilo que imaginava sobre o Sebastião Salgado, que acho que ele aparece como uma prática
compreensiva no campo da fotografia. Em uma entrevista que vi dele no Roda Viva, ele falava de uma
viagem dele à Galápagos pois queria fotografar aquelas tartarugas gigantes. E ele contou como ele fez
para conseguir fotografar as tartarugas. E ele comenta e”u estava lá olhando para ela e eu nunca tinha
fotografado outro animal que não fosse o ser humano. Como eu faço para conversar com a tartaruga
para ela se abrir para mim, para a minha fotografia?”. E ele fala que fica um bom tempo pensando
nisso e a tartaruga estava indo embora, cansou dele, até que deu um momento que ele disse “quer
saber?Eu preciso agir como tartaruga, eu preciso ser um sujeito que a tartaruga reconheça para aí ela
se abrir para mim”. Achei isso de uma sagacidade tão grande, de primeiro entender a tartaruga como
um sujeito, um Eu que precisava de um Tu para a tartaruga ser tartaruga. E ele entender isso, e agir
como tartaruga para aí fotografá-la, eu acho que isso também é um exemplo de uma prática
compreensiva, dialógica, tudo mais. Ética e Prática são muito próximas, foi mais uma separação
didática, porque ele precisa uma ética compreensiva para manifestar a prática compreensiva.
Dimas: Pedro, esse exemplo do Sebastião Salgado que você vai citar e que eu acho muito
bom, você tem que explorar bem porque é você colocar-se no lugar do outro. Porque ele estava no
lugar de si mesmo, e só no momento que ele desce para se colocar no lugar do outro... e tem um
segundo exemplo, que é muito parecido, é um texto da Eliane Brum, o título é “O Sapo”, era um pobre
de Porto Alegre, tetraplégico, que ficava no chão, e ela para entrevistá-lo, conversar com ele e escrever
a história de vida, ela teve que quase deitar no chão e ela explica o que isso significa. É muito
parecido, porque aqui você tem o Buber, um Eu-Tu humano e um Eu-Isso que vira humano porque é
se colocar no lugar do outro, tentar ver o mundo na perspectiva do outro. Eu falo muito isso na relação
pais e filhos. O pai quando fala algo para o filho, pequeno, ele olha para cima, você tem dois pontos de
vista assimétricos. Belos exemplos. E agora, Rodrigo você estava tentando intervir?
Rodrigo Volponi: Não. Eu só me lembrei da Eliane Brum, o livro é A vida que ninguém vê, e
esse texto é fantástico. E eu vi esse documentário que ele está falando e achei fantástico. Ele fala até
que se coloca inferior a tartaruga uma hora que a tartaruga está mais de cento e poucos anos na terra e
ela que tem que ensinar algo para ele e não o contrário. Nesse momento, que se agacha e tal.
Dimas: Então vamos agora para o Rubem Alves que eu entendo que seria então mais a parte
do pensamento sobre o conhecimento, que é a epistemologia.
Pedro: Exatamente. O Rubem Alves tem uma obra bem grande, mas ele sempre pontua e
questiona muito o método cientifico e mais do que isso o pensamento racionalista que acabamos tendo
como único caminho possível para conhecer o mundo. Aí eu acho que o jeito mais legal que ele coloca
é o saber com sabor. Porque dentro de um pensamento racionalista, o sabor não é o que importa. Ele
fala que os educadores tentam ensinar coisas para as crianças dando jiló para elas. O jiló é uma
metáfora para o pensamento de gosto ruim, amargo, que é muito difícil de ser compreendido, não é
gostoso de aprender, é maçante. E ele fala que a gente devia tentar ensinar e pensar o mundo sempre a
partir de coisas mais saborosas. Ele busca isso do sabor lá do Roland Barthes, em um texto que se
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chama Aula, que na verdade é o texto de quando Roland Barthes estava assumindo a cadeira de
Semiologia Literária no College de France, e neste texto, entre outras coisas que o Barthes fala, ele
comenta de três idades da pesquisa. A primeira idade que é quando a gente ensina o que a gente sabe,
que é quando você é chamado para dar aula sobre algo que você conhece e domina. A segunda idade
da pesquisa é quando você ensina aquilo que você não sabe, isso é o ato de pesquisar em si, quando
você vai atrás de algo que você não conhece. E ele fala que o terceiro momento, que é onde ele estava
chegando, é o mais importante, que é o desaprender, o esquecimento, que é neste momento onde ele
busca os significados da palavra sapientia, um pouco do saber, nenhum poder, um pouco de sabedoria
e o máximo do sabor possível. Ou seja, o que o Barthes está colocando e o Alves puxa para o que ele
desenvolveu, é que a gente tem que tentar esquecer um pouco esse modo de conhecer o mundo que a
gente aprendeu na escola. Por isso um desaprender, para começar a pensar de um outro ponto de vista,
de um outro lugar, de uma outra maneira. Em vários textos do Alves ele comenta sobre isso, tanto do
Barthes quanto essa ideia do sabor, eu acho que isso é algo que dá muito pano para a gente, encaixa
muito com o que a gente pensa, por isso que ele está nessa parte da epistemologia. E junto ao Alves,
entra também Feyerabend que também entra muito nessa ideia da epistemologia, mas sempre com um
outro caminho, um modo apreciativo de se propor um jeito de pensar. Porque você tem vários autores,
e aqui eu elenquei alguns que vão aparecendo com críticas a esse cientificismo, a esse racionalismo
tecnicista que a gente tem. Lá onde o Flusser fala que nós viramos funcionários da máquina, que nós
somos objetos do que a gente criou. Quando a Hannah Arendt comenta sobre o homo faber, que
fabrica ferramentas virou o grande paradigma da nossa sociedade, que acabamos reduzindo a
motivação humano a um principio de utilidade. Então, se não é útil não é bom, se não é útil não é
verdadeiro.
Viviane: Sabe que em um dos livros do mestrado, o meu texto foi exatamente sobre isso, foi
um texto a partir de um ensaio do Rubem Alves que ele fala sobre a caixa de ferramentas e a caixa de
brinquedos. Então eventualmente ele te serve.
Pedro: O Rubem Alves, junto com o Feyerabend, eles são os dois cabeças da epistemologia,
os outros autores só colaboram nessa parte.
Dimas: Pedro, só para colaborar, antes de você entrar nesse ponto de dizer que é uma visão
apreciativa, dialógica, você então está citando Rubem Alves e acho que está perfeito. Depois você
falou do Feyerabend. Na verdade, os nossos autores são todos assim, nós que os entendemos às vezes
de um jeito que eles não são. Por exemplo, Edgar Morin é muito crítico ao pensamento logicista,
racionalista, mas o tempo todo ele diz que a razão é dialógica, que não se trata de rejeitar a lógica e
sim de dialogar com ela. Quando ele fala que é a falsa razão, é o pseudo-método que rompeu com o
diálogo, ele está dizendo que no fundo o método, a razão são dialógicos. Um outro autor que sempre
trabalhei nessa perspectiva, é o autor de quem a Viviane não gosta, o Boaventura de Sousa Santos que
é um crítico ferrenho do racionalismo e sobretudo do empirismo, dessa ortodoxia do método
cientifico, ele o tempo todo deixa muito claro que se trata de criar ou estabelecer um diálogo que já
existia entre a ciência e as outras práticas de saber. Então isso está muito claro. Eu acho que quando
você entrar nessa parte, ainda que você não esteja estudando esses autores nessa perspectiva, mas
convém muito buscar o reforço dessas ideias. O Morin fala demais que não se trata de colocar uma
coisa contra a outra e sim de você colocar aí o pensamento que você naquele gráfico você chamava de
conjuntivo ao invés de disjuntivo. Então vamos em frente com Rubem Alves.
Pedro: Então esses autores estão sendo colocados aqui como pontos de grande referência para
gente, são autores bem conhecidos do grupo e muito referenciados, só o Freire eu acho que é menos e
o Feyerabend que eu acho que é novo para o grupo, que tem a ideia de um anarquismo cientifico, que
a proposta dele é de que tenhamos menos regras para se produzir o pensamento. A crítica dele é muito
forte quanto a academia como a única instituição responsável pela produção de conhecimento, ele a
entende como muito autoritária. Em alguns momentos há alguns exemplos dele que são muito
extremos, mas que soam de maneira muito interessante. Lá quando ele comenta que o que a gente faz
hoje, o que a ciência faz no campo da medicina, por exemplo, só pode ser médico que fez um curso de
medicina e uma prova de medicina, independe se você tem cuidado com o outro, se você tem respeito
pelo sujeito que você está cuidando, não importa. O que importa é que você tenha a técnica daquilo. E
saiba a técnica e o método de acordo com o método que a academia entende como correto, como certo,
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como verdadeiro. Então não é qualquer pessoa que pode praticar a medicina, só pode praticar a
medicina quem é reconhecido como médico. E este é um ponto crítico da crítica dele, imaginar uma
ciência, a produção do conhecimento, não só pelo aquilo que determinadas pessoas acham que sejam o
certo, que não é porque três/quatro pensadores não concordam com uma ideia, com um pensamento
que aquela ideia é invalida. E ele como físico, que é um paradigma muito grande na física desde que
descobrimos da física quântica e das teorias da relatividade do Einstein, é que existem duas grandes
teorias no campo da física, a teoria da relatividade e a teoria do mundo quântico. E são duas teorias
que não se batem. Uma teoria serve para você explicar o universo, os grandes astros, e a outra serve
para você explicar as mínimas coisas. E o ponto dele é que se dentro da física existem essas duas
grandes teorias que não acontecem ao mesmo tempo, você não pode avaliar um fenômeno com as duas
teorias, ambas são verdadeiras, mas até certo ponto, as duas são falsas em determinados momentos,
porque não outras coisas do pensamento.
Viviane: Aí eu acho que, pensando um pouco sobre esse texto que eu acabei de ler sobre o
método, talvez seja o melhor lugar possível para falar sobre o complemento da compreensão e da
experiência. Porque se a gente olha exatamente esse exemplo da medicina, ela é válida. Eu acho que
ela não seria o caso de ser falsa, só incompleta. Aí a compreensão vem para dar uma visão mais ampla
de uma situação que vem colocar o sujeito em primeiro lugar e não a metodologia em primeiro lugar,
porque é normalmente o que fazemos com a racionalidade.
Pedro: E eu acho que o Feyerabend não deixa as coisas claras nesse sentido, quando ele fala
do anarquismo científico, mas eu acho que é bem isso que você comenta, Vivi, que todas as
metodologias tem seu limite, que nenhuma vai explicar o mundo inteiro. E eu acho que é essa a nossa
contribuição enquanto um pensamento compreensivo, não achar que eu vou pensar o mundo só com
uma metodologia, mas de múltiplas metodologias e de múltiplas perspectivas.
Dimas: Então, Pedro, eu acho que você deveria evitar no seu trabalho a ideia da explicação.
Depois eu tenho um comentário a fazer quando Morin fala da explicação. Então você diz que nenhuma
explicação vai explicar o mundo inteiro, fica parecendo que esta é a razão pela qual nos temos que ser
compreensivos, porque se nenhuma vai explicar o mundo inteiro você tem que pegar um pouco de um,
de outro. O mundo não vai ser explicado. Essa ideia de explicação das coisas grandes, a vida, o
mundo, a dor, morte, não tem explicação. Acho que você tem que trabalhar compreensivamente com a
ideia de caminhos, de entendimento, porque você pode, por exemplo, não ter explicação para uma
coisa, mas você pode entendê-la. Isso já é Hannah Arendt, nós não compreendemos, não há uma
explicação o nacional socialismo, para Auschwitz, para o totalitarismo. Mas eu preciso ter a
compreensão de que essas coisas existem e são parte do mundo que eu vivo. Então só com uma atitude
compreensiva nos dá forças para lutarmos contra esse tipo de realidade. Então fugir dessa coisa de
explicação, eu acho que no lugar de explicação, muitas vezes nós podemos colocar interpretação.
Porque eu posso interpretar com certos instrumentos uma coisa e você pode interpretar por outros
caminhos, são outros sentidos. A interpretação é aberta. E quem fala de interpretação é o Nietzsche, é
o texto que eu teria falado ontem sobre ele. A interpretação é multiperspectiva, você pode eleger as
mais diferentes perspectivas. Você pode interpretar pelos mais diversos métodos. Alguém entende o
mundo, por exemplo, pela experiência. É uma pessoa que não estudou nada na vida e que às vezes se
dá melhor com o mundo do que nós. Outro talvez interprete o mundo com o auxilio de certas teorias, o
outro pelo lado da dor, tem gente que acha sentido no mundo mesmo quando por um sofrimento muito
grande. Eu estava lembrando do Lars Grael, por exemplo, que perdeu a perna em um acidente em
Vitória. Ele não é uma pessoa que perdeu o sentido da vida, pelo contrário, às vezes ele não descobriu
qual o sentido da vida, mas ele descobriu para si. Porque nós podemos descobrir diferentes sentidos
para a vida. Então fugir dessa ideia de explicação. É uma crítica que eu vou fazer depois ao Edgar
Morin, ele coloca a compreensão versus a explicação, e eu não acho isso correto. Eu vou voltar mas
em uma conversa posterior. Então você veja, as visões compreensivas são visões abertas, que
possibilitam múltiplos caminhos, então você percebe ah, vamos pelo caminho do ensaio. É um
caminho. Está muito mais no campo da interpretação, que é uma parte fundamental do método
cientifico, mas que costuma ser muito esquecida. Porque as pessoas fazem uma pergunta a acham que
chega a uma resposta final, explicada. A verdade não é assim. Então a explicação às vezes serve para
coisas muito miúdas. Me explica onde você comprou esse livro. Aí não é um problema de
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interpretação. Eu comprei na Livraria, no sebo. Mas não é a mesma coisa que eu dizer me explica a
sabedoria. A sabedoria você não explica, você trabalha um pouco a interpretação, que é muito mais
ligado a ideia de compreensão. Pedro, poderíamos passar para a segunda parte? Eu acho que estão
muito bem colocados os quatro autores. Os três primeiros no campo da ética, da prática e do
pensamento do conhecimento, que é a epistemologia. O Feyerabend com a ideia da anarquia. É muito
importante para você não ser massacrado por pessoas que não gostam do Feyerabend, que você deixe
muito claro que lá onde ele está dizendo anarquia, ele está dizendo que o dogmatismo metodológico
que inibe a criatividade. Então anarquia nesse sentido. De você não ser dogmático para você ser
criativo. Muitas coisas, na ciência inclusive, não nascem da aplicação de um método. Não tem aquela
história famosa, acho que quem inventou a lâmpada elétrica foi o Tomas Edson, que ele estava
tentando inventar, e ele já tinha tentado umas cem vezes e não tinha descoberto, e o pessoal começou a
zoar com ele dizendo que ele não ia descobrir nunca, pois já tinha errado cem vezes. E ele disse eu não
errei, eu descobri cem maneiras de como não fazer a coisa. Aquilo que falamos ontem também, que eu
mudei de objeto e você descobriu uma maneira que não era aquela de fazer.
Viviane: Tomas Edson tem a maior quantidade de patentes sob o nome dele. Ele tem mais de
três mil patentes.
Dimas: Agora a segunda parte da conversa, vai todo mundo participar. Pedro, eu tenho a
impressão que você vai começar ou você quer fechar? Porque até agora você estava apresentando
esses autores que são sua contribuição para a compreensão como método. Você vai começar ou
prefere ouvir as outras pessoas primeiro?
Pedro: Eu prefiro ouvir as outras pessoas primeiro. Mesmo porque, a ideia dessa roda surgiu
de fazer meio que uma entrevista com o grupo para ouvir do pessoal do nosso grupo como cada um
tem entendido e principalmente como cada um tem colocado a compreensão dentro dos próprios
estudos. Essa é a minha principal pergunta dentro do capítulo que vou discutir o nosso grupo de
pesquisa, como cada um entende e prática a compreensão dentro dos próprios estudos. Então nesse
sentido, que eu acho que vai ser mais interessante, primeiro ouvir vocês.
Dimas: Então eu vou conduzir a intermediação desta conversa, então a pergunta é esta: como
você entende a compreensão e trabalha a compreensão. Ou seja, tem uma parte que é de natureza mais
teórica e tem uma parte prática. E aí a gente recupera a compreensão como método, suas teorias e suas
práticas. Eu vou começar a conversar com as pessoas mais (não deu para ouvir pois fez barulho na
hora), porque depois eu quero que a Thaís, Carol e Erica falem o que entendem disso, para todo
mundo participar. Viviane você quer começar? Depois o Rodrigo, depois falo eu, depois vocês três e
no final você fecha.
Viviane: Bom, meu entendimento de compreensão passa fundamentalmente pelo
conhecimento do ambiente. Eu além de buscar as pessoas, eu vou falar no campo organizacional,
então além de buscar de forma bem concreta as pesquisas existentes que já são um extrato de uma
consulta a pessoas que de alguma forma são importante em um determinado assunto, eu também vou
buscar um conhecimento que eu acho pertinente e único, que é da pessoa, que não está expresso em
agrupamentos de pesquisa, ou outro lugar. Então a abordagem compreensiva para mim ela existe no
sentido da atenção, no cuidado daquilo, que se meu olhar na questão do organizacional contempla os
diferentes pontos de vista, se elas realmente contemplam um olhar sob diferentes ângulos. Eu venho
de um campo do organizacional que já foi muito funcionalista, então eu olho especificamente
comunicação interna, que era muito a prática do fazer, que estava no campo da administração e que foi
reconstituída ao campo da comunicação, mas que sempre foi o ‘siga a regra’. Então a minha área
sempre foi muito marcada por isso. Sobre dar espaço para, o jeito certo de fazer. E na verdade o que
temos encontrado, passados aí mais de 30 anos de maturidade da comunicação organizacional,
especificamente interna, a gente repara que todo o avanço que foi feito nessa linha funcional foi
insuficiente para garantir sentido do trabalho, engajamento das pessoas, então se tanto foi feito e ainda
faltam tantas respostas, é porque possivelmente nós não estejamos fazendo as perguntas certas. Então
o olhar compreensivo para mim veio para buscar outros pontos de vista para de alguma maneira
diminuir essas lacunas. Eu entendo que não seja necessariamente fácil fazer isso, porque de certa
forma eu olho o compreensivo para entender a realidade a sua unicidade. Então como ao mesmo
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tempo eu sou tão uni e ao mesmo tempo eu sou tão todo? A gente entender que de certa forma o nosso
papel na organização tem que ser muito menos funcional e muito mais mediadora. Então a
compreensão tem me levado muito mais para o lado da mediação de entender que ninguém da resposta
sobre as necessidades da empresa, então a melhor forma de entender e o melhor lugar que a gente
como comunicador se encontra, é permitir que as pessoas busquem suas próprias respostas porque os
ambientes não se repetem, não se reproduzem. As melhores respostas são aquelas que mesmo quando
você se debruce e ache as respostas, o ambiente não é mais o mesmo, então essas respostas não fazem
mais sentido. A gente está em constante transformação. Então o compreensivo para mim está muito
mais em não tentar fechar em respostas mas abrir para experiências. Aí que conecto Meg Wheatley,
quando ela fala de liderança em tempos de incerteza, ela basicamente faz essa reflexão. Não adianta eu
tentar achar certeza em um mundo que não é certo. Então será exaustivo para mim, como líder, como
gestor, tentar buscar respostas, porque as perguntas estão mudando a cada momento. Então o ideal
seria eu fazer ciência com consciência. No mundo organizacional, eu fazer prática com consciência, é
eu saber que a melhor resposta é construída pelos membros e não dada por um livro. Não que ela não
seja válida, mas ela precisa vir como uma referencia e não como um modelo de execução.
Pedro: Acho interessante isso porque o Freire, em uma passagem ele comenta sobre não
trazer a resposta de fora, tem um termo para isso. Mas a crítica dele é de uma educação local, ou seja,
é ali que você sabe os interesses de cada um, ali você tem dimensão possível de pensar as questões que
estão ali, e você chegar ao que se precisa conhecer e fazer. Bem interessantes.
Viviane: E aí eu acabo discutindo, não fiz isso na prática mas está mais no meu pensamento,
eu acho que é válido no futuro discutirmos o impacto de globalização.
Dimas: Viviane, eu vou tentar dar uma ajuda a você para nós trazermos mais para a prática da
produção cientifica. Isto é um lado fundamental em um grupo de pesquisa. Nós não temos um grupo
de pesquisa para ficar só conversando, mas também para colocar no mundo produções de natureza
científica. E aí eu vou dar só uma ajuda porque na verdade isso é parte do seu trabalho também, de
tentar mapear as produções que já ocorrem nesta linha. E eu começo falando do seu trabalho de
dissertação que se constitui em cima do diálogo e da compreensão. Eu acho que você poderia falar da
sua participação em congressos, artigos e livros, para termos já a partir daqui uma visão.
Viviane: Quando eu comecei a trabalhar essa visão menos funcional, de olhar as coisas como
acontecem na experiência prática, no meu primeiro livro sobre isso ele nem menciona dessa forma.
Acho que o último texto do livro, que é calorosamente chamado de livro vermelho, o último texto é
meu chutando a lata para a compreensão. Ou seja, nós falamos tudo isso, o que está por trás disso
como compreensão. E aí foram sete livros até esse, carinhosamente chamado de livro azul, onde de
fato eu trabalho, o tema central dele é diálogo, porque para mim o diálogo é meio de como a
compreensão se manifesta nas organizações. Fora os livros em si, eu não prestei atenção na publicação
científica, então eu tenho poucos artigos publicados em revistas científicas, eu destacaria só dois, na
verdade são só dois. Um que saiu na Contempo, que é menos maduro, que foi no começo da minha
trajetória, e um último sim bem maturo, que já extrato do mestrado, que saiu na Harvard Business
Review, na verdade no especial da Havard, que se chama One Point. Que saiu com Daniel Golleman,
Joel Dutra, um monte de gente que é expoente internacional e nacionalmente. Eu acho que aloca
dimensão do diálogo de uma outra forma. Esse saiu faz dois meses. Aí eu participei de uma série de
entrevistas que acabam falando dessa questão. Todas são públicas. Uma no Valor Econômico, no
Palavra Falada, no Cultura Colaborativa, são entrevistas extensas comigo que exploram essas
demandas, mas elas estão mais maduras, já sou eu mais consciente da consciência. Porque você vai
explorando e tem uma hora que tem mais condições de falar sobre as coisas. Essas três últimas elas
são de fato mais proveitosas nesse sentido. Fora isso eu devo ter participado nos últimos dois anos de
uns 30 eventos científicos que não vou me lembrar quais são, mas estão no Lattes. Mas onde está meu
campo mais natural, onde eu mais troco, é o Abrapcorp que é o congresso específico da minha área,
que é a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas.
Então no Abrapcorp, eu tenho estado dentro de uma linha específica de discurso, eu e a esmagadora
torcida do Corinthians que participa dela fala sobre comunicação com empregado. É quase a maioria.
Tanto que já pedimos para a Abrapcorp considerar comunicação com empregados como tema de mesa.
Porque toda a prática que tem sido tratada lá é de comunicação com empregados. E eu continuo
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produzindo para o blog. Eu tenho um blog desde 2007 que trata de temas de comunicação com
empregados. Já são 530 postagens até hoje, então ele é robusto em termos de diversidade dos assuntos
tratados. E se você olhar de 2007 para cá, ele acompanha um pouco da evolução da minha história.
Então ele começou muito mais com a observação da realidade e hoje ele conversa mais com os
princípios de dialogo, ele conversa muito mais nesse tema. Assim, já sou eu modificada pelo universo
da compreensão. Talvez usando suas próprias palavras do início, para mim a ética da compreensão
está mais presente agora na fala do que estava antes. De uma forma mais objetiva. Então todo o meu
olhar, o que eu acho interessante para colocar lá, já vem com o olhar do diálogo. É o filtro.
Dimas: O Rodrigo então vai contar a história dele. E eu queria Rodrigo que você recuperasse
sua história desde a graduação, porque tem partes da história que não tem nome, mas indicam uma
trajetória.
Viviane: Eu tenho mais uma coisa a dizer que acho que faz sentido. Eu não dou mais aula de
comunicação com empregados na graduação, dou aula de comunicação pública. Mas eu tenho dado de
forma consistente os autores que eu estudo para o mestrado, eu tenho usado muito na graduação. Então
eles começam mais cedo que eu a beber dessa fonte. Isso está bem expresso, até no meu programa de
curso.
Rodrigo: Falando um pouco da trajetória. Quando fui fazer jornalismo na Rio Branco e tive
aula de ética com a Renata Carraro, eu tinha uma outra orientadora, e eu não estava conseguindo achar
um tema para trabalhar na época. E eu sempre fui da área de publicidade e propagando, sempre
trabalhei com marketing também, e eu queria estudar uma outra coisa que eu não tivesse domínio, no
caso o jornalismo acabou me atraindo. E aí essa orientadora quando eu fui começar a procurar que tipo
de monografia escrever, eu tive uma aula com a Carraro, ela me apresentou o gonzo jornalismo que eu
não conhecia na época e me chamou bastante atenção. Depois ela acabou me apresentando o formato
ensaio, veio o primeiro livro da Eliane Brum que eu li, isso já faz uns sete anos mais ou menos. E eu
fiquei maravilhado com o estilo de escrita dela. E aconteceu que quando eu comecei a escrever sobre
ensaio essa minha orientadora na época não tinha nenhum acesso na época, não tinha proximidade, e
não tinha interesse e realmente ela tinha um pensamento de jornalismo muito quadradinho, aquela
coisa do lide, da pirâmide invertida e só. E aquilo me causou sérios problemas e a gente fazia as
orientações e a coisa não acontecia e tal. E aí um dia ela me deu um livro sobre ensaios que tinha
chegado e ela me disse que não tinha lido. Aí foi a gota d’água para mim e eu pedi para a Carraro me
orientar e consegui dentro da faculdade uma orientação paralela, sendo que ninguém na faculdade
poderia saber pois era proibido de trocar de orientador. Mas consegui com a coordenadora depois de
explicar todo o caso, ela ficou sensibilizada. E a Carraro me ajudou muito sobre a conhecer a forma de
escrever, o ato de compreender, e o produto que eu tinha que desenvolver, eu criei um grande
reportagem chamada Garotos de 30 e poucos anos, que era um recorte de entrevistas com 10 homens
entre 30 e 40 anos falando sobre as principais questões da vida deles, o que era deus na vida deles,
principais questões, frustrações. E eu trabalhei um pouco de gonzo jornalismo porque eu estava
naquela fase também de me descobrir, eu estava em uma fase antecipada da meia idade e tem um
estudo científico que comprova isso, que era a crise dos 30, que antes era a crise dos 40, que foi
antecipada para os 30 por causa da velocidade do mundo, essas coisas. E aí entrevistando essas
pessoas, eu acabei me reconhecendo nessas pessoas. Então acho que foi o meu primeiro contato com
compreensão. De se colocar no lugar do outro para compreender, de Martin Buber e por aí vai. E aí foi
feito todo esse trabalho, o projeto virou uma grande reportagem, tinha essas citações, essas entrevistas,
e eu fiz um making off dessa grande reportagem mostrando como tudo foi feito. O Dimas participou da
minha banca, a gente quase se pegou na banca, ele acabou me convidando para ir para a Cásper e o
que ele batia no ponto é que ele esperava uma voz muito mais autoral na minha monografia, coisa que
eu ainda não tinha aprendido a fazer, e ele queria saber muito mais do ensaio do que da trajetória que
me levou até o ensaio. E aí acabei indo para a Cásper, comecei a estudar e fui para a parte do ensaio e
da compreensão, entendo primeiro como Michel de Montaigne fazia para elaborar os textos dele, se
colocar no lugar do outro, pensar como o outro e tudo o mais. Mas no caso da minha dissertação em si,
falando em termos práticos, eu tenho dois capítulos de livros publicados e um artigo publicado. Eu
trabalhei bastante com Morin, que é aquela tabela que você fez, eu tenho uma de pensamento simplista
e pensamento complexo. O que é o pensamento simplista, segmentado, pensamento complexo,
149

profundo e interligado, pensamento simplista é uma tentativa da verdade, o complexo... É uma


releitura de Morin. Aí eu me interessei muito por essa coisa de pensamento complexo de Morin,
inclusive tem um capítulo da minha dissertação que é aprender a compreender, que aqui eu trago a
obra os sete saberes necessários da educação no futuro, e eu coloco também o Buber, na verdade é a
introdução do Newton Von Zuben que faz o prefácio e também tem o Edivaldo Pereira Lima que ele
faz a diferença entre a explicação e compreensão. Só que o Dimas levantando a bola aqui me
desarmou inteiro, pois eu estava todo preparado para a discussão, e ele falando que não pode separar
explicação de compreensão, e eu concordo com ele, mas também acho que essa passagem do Lima,
que ele diz o seguinte a explicação adota geralmente uma visão unilateral, uma verticalizada, de cima
para baixo, reducionista, mostra o mundo de uma ótica única, de pouca abertura. Já a compreensão
busca exibir o mundo sob perspectivas diversificadas, mais do que isso ilumina conexões entre
conteúdos aparentemente desconectados, interliga dados, mostra sentidos e perspectivas, faz bons
casos (aqui a gente está falando de jornalismo literário) com que o leitor perceba o que tem a ver com
sua própria vida, tudo aquilo que está lendo. Idealmente o jornalismo literário não julga ou panfleta
sobre um assunto, busca evitar preconceitos assim como leituras rígidas da realidade. Tenta ultrapassar
os estereótipos, levantando a compreensão sobre o conteúdo por inteiro, iluminando-a sob diferentes
óticas. E aqui cai muito na seara do que falamos sobre o jornalismo interpretativo, que o ensaio
jornalístico está nesse campo. Inclusive é algo que fico pensando, como que o ensaio jornalístico se
coloca ali quando a gente fala que ele está embaixo do jornalismo interpretativo. Se ele é uma
subdivisão disso, se é um parente disso e tudo mais, mas ambos estão na área da compreensão. O cara
que está escrevendo a matéria tenta interpretar os dados que ele tem, as informações, as entrevistas,
para se fazer compreender e para compreender aquilo que ele está tratando. Então eu estou trabalhando
em cima disso, meus artigos são em cima disso, meus capítulos são em cima disso, a busca por um
jornalismo de tipo compreensivo que fica no campo do jornalismo interpretativo. Está correto isso,
Dimas?
Dimas: Eu acho que o campo da sua pesquisa é bem promissor. Eu trabalho na graduação com
essa hipótese de que o jornalismo interpretativo é o jornalismo do século XXI, das redes, você tem
muita informação, o que acaba confundindo. Hoje nós não precisamos de jornalista para produzir
informação. E aí eu recupero essa ideia de interpretação, que surgiu a cem anos, de que a função do
jornalista, a principal, não seria outra senão criar condições para nós entendermos o que está
acontecendo. Diante de um fato, de um fenômeno, de um problema, ele deveria nos fornecer
elementos que nos auxiliasse, o leitor, a audiência, a interpretar. Por isso ele é chamado interpretativo.
Não é o jornalista quem interpreta, mas ele fornece elementos. Como? Conversando com diferentes
fontes, quanto mais melhor, daí a ideia de compreensão, é fazendo pesquisa, fazendo observação,
contando histórias, tudo o que for possível para que o leitor, a audiência, tenha condições de se situar
diante de um problema, senão fica um monte de coisa desconectada. Porque hoje nós temos muita
informação. Por exemplo, pega o escândalo da Petrobras agora. Quem está informado sobre isso?
Normalmente nós temos uma pegada de quem é contra e de quem é a favor. Mas um jornalismo
interpretativo tentaria fornecer tantos dados quanto possível para você se situar e perceber que o
problema é complexo.
Rodrigo: Chega até um ponto de criar uma curadoria do jornalismo.
Dimas: Exatamente. De você saber quais são os pontos são interessantes, relevantes, e quais
informações são lixo e tipicamente ideológica. Isso é entendido como um serviço à cidadania e às
pessoas. Isso é hoje cada vez mais importante do que a pura informação ou a opinião. E o ensaio é um
dos gêneros desse jornalismo interpretativo. Você pode considerar outro gênero hoje como um
documentário, que bem feito... tem muitos documentários, por que tem tantos? Porque a gente não está
entendendo direito o que está acontecendo. Então esses documentários são geralmente coisas muito
bem feitas que te dão muitos recortes. Ou então grandes reportagens e hoje o principal gênero que está
mais em voga que é o livro reportagem. Tem muitos livros-reportagem sobre os mais diversos
assuntos. Você pega, por exemplo, o atentado das torres gêmeas, você teve informação como nunca se
teve antes, mas parece que a compreensão de tudo, mais aprofundada veio depois, quando as pessoas
começaram a contar histórias, a escrever livros sobre os personagens, fazer filmes.
150

Rodrigo: É até uma espécie de cura pela exposição, de tratar a dor que as pessoas estavam
sentindo.
Dimas: Tem também esse lado terapêutico porque sempre que você se situa ao lado de um
problema, você se sente melhor, é como se você tivesse em uma posição mais saudável. Porque de
outro lado, se você não sabe se posicionar sobre um assunto até de caráter pessoal, você tem crise, que
leva a depressão. É como se hoje no social, a gente tivesse uma depressão muito grande, porque
estamos em crise. O que está acontecendo, é tanta coisa que está sendo falada que você não sabe se
situar. Por isso que é importante profissionais que nos ajudem a nos situar. É no sentido de mediação.
Não é dar a coisa pronta! Nós somos todos seres inteligentes.
Rodrigo: Até levando isso para outra seara, no campo do espiritismo. Os guias em terreiros de
umbanda, por exemplo, fazem esse ato da compreensão. Porque ele faz a pessoa que está passando por
esse tipo de assistência, por exemplo, narrar a história e o problema dela e a ajuda a pessoa a
identificar o porquê ela está se sentindo daquela forma. Porque às vezes ela chega com um problema
específico e aquilo é um sintoma, quando ela vai acompanhando o guia, e seguindo as orientações para
chegar até isso, ela começa a se auto curar nesse sentido, lógico que tem a coisa de energia, mas essa
parte de compreensão é muito presente.
Dimas: Isso existe em todo o campo da mitologia. Em filosofia isso é chamado de
psicopompo, pompo é condutor em grego. Então são os condutores. Em toda a mitologia você tem
essas figuras, que na jornada do herói é chamado de mentores. São pessoas que te guiam no caminho.
Nós estamos tendo uma conversa tão legal, mas eu queria voltar lá atrás na sua trajetória, não é Pedro,
para atender bem a sua demanda aqui, que você falou sua experiência na graduação, seu trabalho de
conclusão, você falou de um momento da banca que você achou que estava brigando com você, na
verdade o que eu estava fazendo era chamando você para ser autor, para ser uma pessoa que tece
conhecimento, isso é algo que cobro de você e de todo mundo até hoje. Porque no geral, nós citamos
muitos os outros e nos assumimos pouco como autores. E quem falou isso no século XVI foi o senhor
Michel de Montaigne, que falou que já livros demais e há muita gente falando de livros e há poucos
autores. O pai do ensaio falou isso no século XVI. Então, Rodrigo, vamos então para o mestrado.
Rodrigo: Eu estava falando para a Vivi que eu trabalhei bastante Morin, no ato de
compreender, trabalhei com Edvaldo, e com Buber mais no final mesmo, essa coisa de eu tu. E eu
coloco até como o ato de compreender na minha tentativa de fluxograma como o ponto de mutação na
hora que você vai desenvolver o ensaio jornalístico. Isso eu ainda estou estudando nos meus textos,
como vou aplicar junto ao grupo de pesquisa. Mas uma seara que vou tentar encaminhar esse ato da
compreensão, talvez o jornalismo interpretativo, para ficar mais claro, para contribuir com isso.
Dimas: Sempre é possível vocês voltarem a conversa se esqueceram de algo. Agora um pouco
da minha trajetória. Essa coisa começou no meu caso bem lá trás, já tem mais de 20 anos, quando eu
comecei a estudar alguns autores, Edgar Morin, não tanto pela questão da complexidade e, sim, eu
entrei no Morin pelo lado da sociologia compreensiva, que é um lado pouco conhecido do Morin, que
ele fala bem da compreensão lá. E também o Maffesoli com a sociologia compreensiva, aquela obra, o
conhecimento comum, agora não lembro o título, mas que no subtítulo fala qualquer coisa sobre
sociologia compreensiva. Eu acho que aquela é uma das obras mais importantes do Maffesoli, o
conhecimento comum. Meu mestrado já falava bastante de compreensão e o doutorado veio na
sequencia e era explicitamente sobre compreensão. E aqui, Viviane, eu tenho uma coisa que sempre
repito: eu acho que há uma certa deficiência no pensamento do Morin, quando ele fala da
compreensão. O Edgar Morin, com toda beleza da complexidade e tudo, é filho do Iluminismo
também. Sendo francês... Então não pegue como uma crítica negativa, mas onde eu acho que o Morin
explora pouco as coisas lindas que ele fala sobre compreensão. Ele coloca a compreensão muito,
Pedro, no seu sentido ético e da intersubjetividade. Em um dos momentos que ele fala da
compreensão, ele fala das lágrimas de uma criança, que você não tem como explicar, você tem que
compreender. Então você percebe que é bem nessa relação eu tu, que é da mais alta importância. Mas
ele continua, indo um pouco contra o pensamento dele, colocando a explicação como necessária e
como o fruto de um esforço lógico e racional. E eu acho que o esforço lógico e racional não tem que
levar a uma explicação.
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Viviane: E nesse caso o que significa?


Dimas: Não tem que levar, porque a razão humana, o esforço racional, o pensamento lógico e
tudo, é um dos caminhos que nos podem levar ao entendimento ou a nos situarmos diante de um
problema. Isso na filosofia você tem uma tradição antiga que fala, Kant, por exemplo, que fala que as
questões mais importantes da vida não tem explicação. Então você pode fazer o que sobre elas? Você
pode fazer perguntas e você pode tecer um discurso e contar uma história no fundo. Então a nossa
visão de compreensão dentro do grupo é mais rica do que a de Morin, sem criar nenhum tipo de
contradição. Porque criar uma contradição é dizer que tem o certo e o errado. Eu acho que o Morin
explora pouco. E continuando, eu acho que é importante, Pedro, você colocar no seu mapeamento
colocar o grupo de pesquisa, os artigos, os livros que saíram, o projeto Conversando a gente se
entende. Eu acho que o que a Viviane está fazendo é bárbaro. Você frequentar congressos, produzir,
como, por exemplo, na graduação, é impressionante a galerinha como entra nesses assuntos, você nem
precisa ficar insistindo. Quando meus orientados, que agora estão cursando jornalismo, colocam lá que
é sobre o ponto de vista da compreensão, eu não falei para eles façam assim, é algo que já faz parte.
Então eu acho legal recuperar. Eu acho que a melhor contribuição que eu obtive nos últimos tempos
foi o estudo da psicologia analítica, ou seja, junguiano. Jung é compreensivo o tempo todo. Você pode
ler as mais de 50 obras de Jung e você não vai encontrar explicações. Ele vai ali, aqui, é uma conversa
sobre o assunto. Não é criar um conceito, uma definição. A parte mais importante do Jung na parte da
compreensão é o que ele fala do diálogo consciente e inconsciente. Porque na nossa cultura, o
inconsciente sempre foi entendido o lugar da razão, da explicação, do logos. Jung é muito crítico em
relação a isso, e ele acha que o consciente como entendemos ele sobre por não saber conversar com o
lado inconsciente, lado não explicado, não racionalizado. Por isso toda a ideia que você deve entender
mitos, sonhos, essa coisa toda. Eu acho importante porque o Jung acha que essa capacidade de
negociação entre consciente e inconsciente é o sentido da vida humana, é o que todo o ser humano
devia buscar, porque é algo da espécie. Ele chama isso de processo de individuação. Mas em momento
nenhum ele fala que isso é fácil, é muito difícil, é mais uma busca do que você ter uma resposta. Por
isso que eu acho, e o trabalho que entreguei na pós essa semana, é Jung e o ponto de vista da
compreensão. Eu entreguei o volume capa dura essa semana. E ficou um trabalho bem legal,
mostrando que o Jung tem um trabalho que é compreensivo. É muito diferente de Freud, que era um
positivista até o último fio de cabelo e trabalhava até o minuto tentando explicar as coisas. Não
desmerecendo Freud. Mas porque ele rompeu com Jung porque eles eram tão amigos? Rompeu porque
Jung começou a trabalhar com esse lado do inconsciente, do mito, dos símbolos, dos sonhos... Freud
por exemplo interpreta sonhos, mas se você olhar bem ele está explicando os sonhos. Jung jamais faz
isso. Os sonhos é uma linguagem, etc. Resumindo muito, a grande lição é a seguinte, que o caminho
da compreensão é o mais difícil, é o mais complicado, é mais uma busca do que eu falar eu cheguei lá,
é um caminho de tentativas. No organizacional, você estuda, aponta, levanta, interpreta, faz
experiência... Então você nunca vai ter uma explicação, senão viraria receita. Então é isso, a
compreensão hoje, eu a vejo, Pedro, em diferentes sentidos. Eu a vejo no sentido subjetivo, porque as
nossas relações humanas são muito calcadas na lógica e na explicação. A gente explica as pessoas
demais, agora saber ouvir, aquela coisa da escutatória, é muito difícil. E eu acho que todos nós
devíamos tentar ouvir mais o outro. Isso é no campo do subjetivo. Mas a minha preocupação maior
mesmo é no campo da academia, da epistemologia, que o bicho pega. Porque somos logos, filhos da
razão, da explicação, da resposta. E isso tem que mudar. E acho que é esforço nosso. Eu acho que o
grande lance é a gente repensar o nosso modo de pensar e é isso. Ou seja, mais no campo
epistemológico. Agora no campo da subjetividade você tem um mundo, com a família, com os filhos,
com os amigos, o tempo todo está errando, você erra quase sempre. Mas pelo menos você sabe que
tem um caminho possível sobre a compreensão. Sobretudo na relação pais e filhos, na relação marido
e mulher é complicado. E hoje você está no campo muito superficial. No campo do amor, por
exemplo, o amor é compreensivo, não é dado, acabado, você tem que construir a vida inteira.
Pedro: A sua monografia da pós está disponível online?
Dimas: Ela não está porque eu entreguei o volume de capa dura essa semana. Aí você entrega
a monografia original que foi corrigida e o volume capa dura com as correções. Embora eu só tenha
tido duas correções e eu fiquei feliz, pois o tema é novo e o professor é muito bom. O cara que
152

corrigiu, que é um professor de psicologia analítica e que eu admiro, aceitou muito bem o tema. Ele só
fez duas correções: onde eu coloquei Dimas A. Künsch, ele disse que o A tinha que ser por extenso, e
onde eu coloquei considerações finais, ele pediu para colocar conclusões. Mas eu acho que ele gostou
muito. Assim que eu tiver o retorno, acho que em agosto, aí eu disponibilizo. Mas para você eu já
entrego logo. Eu acho que agora seria bom a gente conversar com a Thais, a Carol e a Erica, porque
tem o valor de estarem chegando e de terem uma maneira de perceber isso. Vou começar com a Thais,
na ordem de ontem, o tema da compreensão ligado ao marketing.
Thaís Torres: Na verdade você comentou sobre a escutatória e era o que eu estava pensando
em dizer, porque o Rubem Alves, desses autores, é o que eu mais conheço a obra. E eu tenho uma
fascinação por ele porque eu que ele tem uma sensibilidade incrível e eu acho que a compreensão está
muito forte nele. E em um dos trechos do livro dele, que ele fala que devemos ter muito menos aulas
de oratória e muito mais de escutatória, eu acho que é genial porque aí que está a compreensão. E é o
ouvir, isso é o que eu basicamente entendo de compreensão. Não é você de alguma forma dar o seu
tempo para simplesmente estar ali presente para escutar o que as pessoas te falam, mas é você
realmente querer trazer para você algum insight daquilo que a pessoa está dizendo. E o ouvir é algo
muito difícil, porque temos uma série de pré-conceitos, razões, coisas que achamos que são certas.
Então ouvir o outro de coração aberto, querendo realmente entender o que ele está dizendo é algo
complicado. E a compreensão realmente não é simples, mas quando conseguimos ter é fascinante, pois
você tem a compreensão genuína. Bom, estou começando agora a pesquisa em relação ao marketing e
eu acho que está bastante ligada a questão da escutatória com o marketing no caso de não mais impor
o seu produto, o seu serviço, e muito mais do que as pessoas gostariam que você oferecesse. E ali está
o estudo compreensivo, em que eu realmente entrego a você algo que cria um vínculo afetivo e supre
uma necessidade. Da minha visão de marketing é isso, mas eu vou me aprofundar melhor. Mas eu
acho que a escutatória é fenomenal nesse sentido. É o primeiro passo para você começar a se
aprofundar na compreensão em outros sentidos.
Dimas: É um modo de conhecimento, fundado naquela relação que o Rodrigo ontem sinalizou
como apreciativa. Eu tenho uma pergunta, Thaís, você em relação ao Pedro, acho que caberia
compreensivamente como você vê a trajetória de pesquisa do Pedro e quais sugestões você daria para
ele.
Thaís: Eu acho que no primeiro momento que já citamos, é a questão da mudança de caminho
do trabalho dele, que começou com a ideia de fazer o mestrado sobre educomunicação e passar para
compreensão. Primeiro de tudo, eu acho que eu me senti próximo ao tema de compreensão quando eu
comecei a conviver com o Pedro...
Dimas: Mas curiosamente a mudança ocorreu simultaneamente ao noivado dos dois.
Thaís: Porque na verdade, o Pedro não só estuda a compreensão como ele busca colocar isso
em prática no nosso dia a dia. Eu acho que eu tenho um perfil mais sim sim não não. E o Pedro me
mostrou outro caminho nesse sentido. Porque tudo que ele tem pesquisado nesse quesito de
compreensão, ele tem trazido para a nossa rotina no sentido de o que poderia se tornar uma discussão
terrível, ele vem e me mostra que estou tentando mostrar o seu lado antes, eu digo que eu preciso me
controlar. Eu acho interessante dizer porque a gente coloca a compreensão muito nas questões teóricas
e isso acontece de verdade. Mostra que não estamos fazendo nada em vão. E quando o Pedro trocou o
tema, ele tirou um peso das costas, pois ele viu que ali, o estudo da educomunicação que ele já
buscava, nada mais era do que um estudo compreensivo dentro da esfera da comunicação, da sala de
aula, e isso não se torna mais um fardo, se tornou um sabor, uma sapiência, que é trazer o saber com
sabor. Aí se tornou muito efetivo o seu trabalho porque você trouxe algo que já estava dentro de você
e fazia parte de você. E foi muito menos sofrido, mais prazeroso e está trazendo um resultado muito
melhor para você hoje.
Dimas: A gente entra em crise na verdade. O Jung falava que você entra em crise quando
começa a pensar as coisas nessa ótica. Só que a crise é o momento maturação, não é o momento
desgraça, só que a gente sofre o diabo. Só para vocês terem ideia, o Jung estava com o revolver dentro
da gaveta e ele disse que teve que se segurar para não pegar o revolver e atirar. Porque ele não
aguentava naquele momento aquela coisa difícil que é conversar consigo mesmo, ter uma visão mais
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compreensiva. E eu acho engraçado que na família eu sinto isso. Eu acho que a Renata é parecida com
você. Por exemplo, quando nós chegamos na quinta-feira, eu tentei várias vezes tentar ligar e não
consegui. Quando eu consegui, ela ficou muito brava, me xingou, bateu o telefone. E eu fiquei quieto.
No outro dia eu liguei para ela e ela estava um doce. Mas eu entendi, porque ela é mãe... Então é muito
difícil, porque eu tendo a ficar puto da vida, é muito difícil fazer o que a Thais falou e que o Pedro faz.
Vou esquecer de mim para entender o que o outro falou. A gente mais erra do que acerta. Sempre é
possível voltar aos assuntos, vamos para frente. Carol.
Carol Maximo: Eu vou fazer um breve resumo, porque eu cheguei nesse título. Para começar,
quando eu tinha 13 anos, hoje eu tenho 30, eu comecei a me engajar em trabalhos voluntários em
comunidades carentes, Paraisópolis, Heliópolis, crianças com HIV, idosos, hospital do câncer. Isso são
coisas que sempre me envolveu e foi uma das coisas que me levou ao jornalismo. Eu queria mostrar ao
mundo algo que sempre me envolveu e eu queria mostrar ao mundo essa sociedade que era tão
excludente, por baixo dos panos, porque não era todo mundo que tinha acesso aquela informação.
Quando eu entrei na faculdade, eu comecei a fazer estágio em comunicação interna e eram empresas,
uma era indústria, e ela tinha questões ambientais muito agravantes, pois era indústria elétrica, sempre
autuações e eu tinha que acompanhar pois eu era da área de comunicação, e a outra era de saúde, mas
humana. E eu pensava o que eu faria no meu TCC, e eis que no meio de 2007, eu cheguei a um ponto
que era comunicação sustentável. Eu queria elencar como era a participação das empresas na
sociedade. Então eu fui atrás de empresas socialmente responsáveis, naquela época o termo
sustentabilidade ainda estava se fixando e ainda se falava em responsabilidade social, então ia a muitos
seminários, muitas palestras, e meu tema ainda não estava na tríplice (econômico, ambiental e social),
ele estava mais na responsabilidade social. E eu desenvolvi uma monográfica e um produto, que era
uma revista voltada para o mercado corporativo sobre as melhores práticas, com artigos, coberturas de
atividades de grandes empresas, algumas nacionais como a BMF Bovespa, a Medial, algumas
internacionais, como a Basf, a Philips, Avon, Unilever. E foi um projeto bem interessante. Eu acabei
interrompendo o projeto porque fui fazer uma pós na FGV em administração e eu fiquei no foco
menos humano nessa relação. Apesar de continuar no trabalho voluntário, eu não tratei mais disso na
vida acadêmica. Eu me formei em 2010 e fui fazer intercambio, voltei em 2011, e retomei alguns
estudos de comunicação interna, foi quando conheci a Viviane e fiz alguns cursos de extensão. E eu
comecei a pensar o que eu queria. E apesar da idade, 30, eu achei meio arriscado ir direto para o
mestrado. E eu fiquei em um impasse muito grande se eu entrava no mestrado, pois não me achava
preparada para apresentar um projeto, ou se entrava na pós. Foi quando eu entrei na pós de relações
públicas, e fui amadurecendo. Mas curioso que apesar de ter muitas ideias concretas do que eu gosto,
esse ano eu passei por três mudanças, eu fui de comunicação interna, em que eu queria fazer um
recorte de melhores práticas baseadas nas obras da Aberje, fui para ritos e cerimônias, e eu decidi fazer
o que sempre gostei, que eu achei interessante e que você compre a ideia, e decidi fazer sobre
sustentabilidade, pois é algo que sempre esteve enraizado em mim. Então decidi fazer sobre diálogo e
compreensão na sustentabilidade e talvez agora eu mude o projeto da pós baseado nesse daqui como
práticas de sustentabilidade e compreensão. A diferença de 2008, que foi quando me formei, para
agora, é que naquela época quando eu fiz minha monografia, vocês estavam falando de autores, e eu
estava pensando em quem eu busquei e entrevistei. E na época foi o Paulo Rogério dos Santos, que é
um ícone do Ethos, eu peguei muitas biografias dele que são nacionais, o Ricardo Voltolini, e voltado
mais para a área de comunicação, a Margarida Kunsch, Paulo Nassar, e o Belmiro Neto, que mistura
comunicação interna e externa nos trabalhos dele. E agora eu vou ter a oportunidade de conhecer
Buber, Meg, Morin, que podem me dar uma outra visão sobre compreensão. Porque, de fato, quando
eu atuei com isso nas comunidades, é uma abertura também a você escutar as crianças, pessoas que
não tem muitas perspectivas de vida, pois terá um óbito em breve por câncer, HIV. E perceber que isso
está estruturado no meio acadêmico e talvez me fazer entender porque eu me interessei por isso tão
jovem e porque eu me interessei em trazer para área acadêmica um pouco da minha experiência. Então
é uma oportunidade de seguir com isso adiante, me preparar para o mestrado. A ideia inicial de entrar
como aluna especial agora no meio do ano, mais para amadurecer, até porque estou com pós-
graduação e trabalhando, enfim... eu acho que para mim será super construtivo estar com vocês, estou
super empolgada para começar a ler essas obras que são novas para mim, sobre método, Nietzsche,
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estou bem ansiosa para ir a fundo nisso. Hoje eu me sinto madura para assumir tudo isso e ir para um
caminho que me deixa confortável para assumir tudo isso.
Dimas: Queria fazer uma pergunta e dar uma sugestão. Você faz na pós-graduação a
disciplina mídia e poder, e o tema da última aula é viver sob o signo da compreensão, então eu tenho
tentado ali também trabalhar com esse tema. E aí, como você sente que isso dialoga com a disciplina?
Carol: Eu acho que a disciplina é muito humanista e me ajuda a sair um pouco do lado mais
racional que eu tenho. Ela faz com que você esteja sempre produzindo, pensando, lendo. Toda aula
tem um trecho para que pensarmos sobre e também temos que escrever no blog. Eu nunca tinha tido
contato com Morin, com Bauman sim por causa do meu avô, mas Morin, por exemplo, não. Eu acho
que conversa muito, pois são muitos pensadores que você traz para a aula, volta lá no comecinho com
Aristóteles, Sócrates, o mito da caverna. Então como começaram as relações humanas, a gente não
tinha carro, internet, e a gente já se relacionava. Eu acho que conversa muito, tem muito a ver com a
compreensão. E eu acho que foi até o que me fez me interessar por esse grupo, pois eu estava em
dúvida sobre sociedade do espetáculo, mas eu não sou tão midiática assim, eu sou mais relações
humanas. Eu achei que esse era o ideal para mim.
Dimas: Então a proposta que se você vai fazer como aluna especial do mestrado, a disciplina
que eu dou nesse semestre é a que mais dialoga com a compreensão, que é estudos de mitos, estudos
mitológicos como um dos campos com os quais nós devemos conversar, com os símbolos. Está aí o
convite. A disciplina é narrativas, conhecimentos: estudos míticos.
Pedro: Carol, pela sua fala e até um ponto para se pensar, Dimas, é muito forte a dimensão
política. Pelo que você foi falando da sua história e é uma coisa que me lembrou que eu não coloquei
no meu texto ainda porque faltaria folego para mim, mas eu acho que é uma dimensão importante para
ser pensada também, da prática que envolve uma política. Acho que de repente não está tão clara, mas
está ali dentro. Quando Freire propõe a educação dele, é um ato político.
Carol: Para todas as camadas, principalmente as desfavorecidas.
Dimas: Isso que você está falando, Pedro, seria um sonho, de abrir a discussão sobre a
convenção para o campo da política. Sobretudo no momento que estamos vivendo no Brasil uma fase
ruim, em política virou radicalização de posições e o resultado disso é sempre violência, seja verbal ou
física. Outro dia a Dilma estava falando e o povo batendo panela. E eu pensei que eu lutei tanto na
ditadura para que as pessoas pudessem se expressar, bater panela, e eu tenho que defender esse direito.
Mas eu fiquei com medo, eu falava para as crianças saírem da janela, porque eles ficavam gritando
seus paneleiros, seus reaça. Isso está muito próximo da violência, porque isso não é um simples gesto,
uma manifestação, um direito de cidadão. São posições que parecem muito nazifascistas. Eu não gosto
disso. Mas isso é só um parêntese. Eu penso que a compreensão no campo da política ela deve partir
da rejeição da ideia de partidos, porque esse modelo, esse paradigma dos partidos... partido é parte, já
é reducionista por natureza, para pensar a política em termos de negociação, vamos sentar, vamos
conversar. Eu tenho um autor, que ainda não estudei, mas sei que fala muito bem disso, mas eu não
tive condições de integrá-lo no nosso grupo, chama Innerarity, acho que é português. Que fala que o
paradigma da política da disputa, no fundo é o paradigma que você vê em toda a sociedade, que o
melhor caminho nasce da disputa, e na compreensão diz que o melhor caminho nasce da conversa.
Isso seria um sonho, em algum momento podemos abrir para ele. O espaço da política não como o da
indiferença, do conflito, mas no ponto que a Carol insiste bastante que você tem relações assimétricas,
justiça, que você tem que conversar.
Carol: Mas hoje eu nem sou mais tão idealista, aquele sonho de mudar o mundo que eu tinha
quando eu tinha 17 anos. Hoje eu sei que o mundo tem uma ordem, que as vezes não é a mais correta,
por várias questões externas que não dependem só de mim.
Dimas: Eu acho que isso seria um ponto. No campo do direito e da justiça penal, nós já
estamos entrando um pouco. Domingo eu estava lendo um jornal e tinha uma entrevista de página
inteira, cujo nome eu não lembro, falando sobre o valor da negociação, da mediação de conflitos. Ele
estava citando o caso do Pão de Açúcar com o Casino. O cara falando que conseguiu chegar em um
acordo com esses dois gigantes através da negociação, que é fugindo daquela ideia de que um vai
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vencer e um vai perder, para um paradigma que temos que sair todos vencedores. No caso da
mediação tem chegado muita coisa, tanto da mediação de conflitos quanto no campo jurídico penal.
No campo da política, acho que poderíamos em algum momento avançar para propor o fim da política
partidária, representativa, e pensar em termos de conversar com seu adversário. E para isso você
precisa entender o lugar do outro, porque ele é seu adversário, mas é humano, ele é um tu. Mas eu
estava esperando o Rodrigo voltar porque agora a conversa com a Erica, que eu não sei se ela está no
grupo ou não. Eu acho legal assim, eu aprendi isso com outras pessoas, a pessoa mais próxima de
quem aprendi isso foi a Betina, que ela sempre colocava todo mundo da roda. O fato de você fugir da
ideia que tem que ter só sumidades em um grupo de pesquisa. Se você cair nesse erro, você não estará
sendo compreensivo, além de correr um sério risco de essas sumidades terem vícios por serem
sumidades. Então, você captar o vigor de experiências como a da Thais, da Carol, da Erica, não
estando conosco no campo acadêmico, mas estando juntos no campo da vida, ou alguém da iniciação
cientifica, isso eu acho uma atitude compreensiva. Porque na academia você tem sempre aquela ideia
de que tem gente que sabe e gente que não sabe. Está errado, porque quem sabe, por exemplo, a
Viviane tem um monte de livro, quem sabe tem que ser mediador, servidor dos outros, tem que escutar
os outros. Mas assim, eu acho bem importante você ter relações com pessoas mais do que com títulos,
mas isso não significa que não estejamos convidando a caminhar com a gente. Mas eu acho que a
primeira coisa é atender a demanda do Pedro. Como você que tem nos acompanhado, percebe e sente
o tema da compreensão.
Erica Massini: Eu não li vários autores, então vou dizer o que sei de experiência de vida.
Uma coisa que estava na minha cabeça a manhã inteira, é que agora essa semana eu vi várias vezes na
internet um meme falando você sempre vai achar que o lobo mau é mau se você só ouvir a versão da
chapeuzinho vermelho. Isso eu fiquei pensando o tempo todo aqui de manhã. Se você só ouvir um
lado, você só vai achar que um lado é verdade. Eu só realizei isso agora que eu comecei a ler os
estudos do Rodrigo. Quando comecei a ter contato com a compreensão? Na faculdade. Eu fiz letras na
USP, e apesar de ter sido um período difícil, porque é denso, os professores são muito competentes, e
para mim a contribuição foi mais como pessoa do que como profissional. Foi um período lindo na
minha vida. E foi lá na faculdade, com alguns professores, nem todos, que eu aprendi que o que me
diziam até aquele dia, podia não ser verdade, que existiam vários outros pontos de vista. Eu lembro
que várias vezes eu sai da aula de literatura brasileira, do professor Pasta, eu sai falando meu Deus,
isso existe. Das coisas que ele falava na aula, porque sempre me falavam que era uma coisa, e ele me
mostrava que existiam outras visões. Aí eu comecei a pensar gente, existem outros modos de ver o
mundo, do que a TV te fala, seus pais, e não por maldade por causa de uma criação, existem outras
vozes que você tem que ouvir. E isso mexeu com minha cabeça de uma forma revolucionária e eu
nunca apliquei isso em nenhum lugar, a não ser na minha vida diária, que é tentar ouvir as pessoas,
não seguir somente um caminho, ouvir somente uma opinião. E hoje que estou mais madura, depois de
ler o trabalho do Rodrigo, de ouvir as histórias desse grupo, o que eu penso no marketing, que é o que
você falou, que o marketing é sempre assim, o que a empresa tem que falar para o cliente e não
importa. No meu ponto de vista, o papel certo do marketing, considerando tudo isso, a gente tem que
ouvir o que o cliente quer para oferecer para ele o melhor dentro das condições da empresa. Na minha
empresa a venda é consultiva. A gente não vai no cliente falar você tem que comprar esse potinho,
azul e branco, que cabe 100 bolinhas, você vai, ouve o cliente, volta para a empresa, faz sua lição de
casa, e depois volta para ele com sua solução dentro do que você tem disponível no seu portfolio.
Então, a aplicação que eu vejo prática disso na minha vida é nessa área. Eu fico super feliz de
participar desse grupo pois cada vez mais abre sua mente para várias coisas e você vai indo além. Eu
me sinto muito feliz de ter essa oportunidade, de ter estudado com pessoas que abriram minha cabeça
para tudo isso e se eu puder participar do grupo e contribuir... Eu tenho vontade de continuar, mas eu
tenho medo de não dar conta. Eu vi tudo o que ele passou estudando, sei que é complexo, existe
dedicação, eu fiquei meio traumatizada depois da faculdade.
Dimas: Mas nós pensamos assim, Erica: cada um dá aquilo que pode. Vocês estão aqui com
dois filhos, estão em quatro pessoas. Tem muita gente que não veio. No momento certo, você dá
aquilo que você pode. Não significa que por dar aquilo que você pode, você é menos participante. Não
tem essa relação. Quem pode dar mais, dá mais. Tem gente que nunca vai estar em uma reunião como
156

essa daqui, mas isso não quer dizer que não faça parte do grupo. Eu acho que depende só de você. Para
nós você já é parte. Viviane, vamos encerrar. Pedro, você acha que atendeu as suas expectativas?
Pedro: Eu acho que atendeu sim. Eu tinha uma expectativa principal de ouvir como vocês
estão imaginando e trabalhando a compreensão, porque como eu estou fazendo um mapeamento do
grupo, a principal parte é ouvir o grupo. E por mais que eu lesse os trabalhos de vocês, conhecer uma
parte da história de vocês, nunca teria tido uma oportunidade de conhecer tão a fundo se não fosse
conversando como estamos conversando aqui. Então, mais uma coisa que aprendi no mestrado, mas
que o Guilherme fala na dissertação dele e eu acho justíssimo, que nós, grupo de pesquisa, não somos
um grupo de pesquisa, mas sujeitos que eu estou pesquisando. Então não seria compreensivo não falar
com vocês, não ouvir vocês. Essa era minha principal expectativa mesmo. E de tentar sedimentar essa
coisa que eu estava imaginando de ética, prática, epistemologia, e de dimensões da compreensão, a
minha percepção é que está muito alinhado com o que estão todos estudando, está alinhado nesses três
grupos. Pensando agora em uma política da compreensão, não tinha imaginado esse nome, mas fiquei
muito feliz.
Dimas: Pedro, o seu trabalho vai ganhar muito no momento em que você trouxer casos como
o da tartaruga, do sapo, do lobo mau, que são elementos da nossa cultura, que todo mundo sabe. Então
quando alguém fala, ah, mas ele é mau, mas porque não ouvir o ponto de vista dele. São metáforas
ricas para tentar, não explicar, mas fazer as pessoas participarem daquilo que você chama de campo
semântico da compreensão.
Carol:Eu acho que tem uma obra que pode te ajudar, que pode parecer bobinha, mas é a
reconstrução da Bela Adormecida pela Malévola, um filme de 2014. Você consegue entender outro
ponto de vista, você não consegue sentir raiva dela como vilã. E isso pode te ajudar em observações de
narrativas dessas histórias do lobo mau, do sapo. Porque é bem bacana, interessante. Todo mundo que
assistiu ao filme comentou sobre como conseguiram fazer uma narrativa tão interessante de uma
história tão batida e que a princípio você diz nossa, uma vilã como qualquer outra da Disney, e eu acho
que o autor foi bem inteligente quando fez a reconstrução da personagem.
Rodrigo: Tem uma menina do nosso grupo também que o projeto dela é a valorização dos
vilões em Hollywood. Então, elaestuda Breaking Bad, Dukster, do House of Cards. É a Mayra.Ela fala
também da Malévola.
Dimas: Ela ainda está tentando definir o objeto de pesquisa dela, mas o objeto é bom, mas
provavelmente irá na linha da construção desses personagens de diferentes séries. Queridos, alguns
compromissos aqui. Nós temos um monte de gente que não teve o privilégio de estar aqui com a gente.
Então talvez a maneira mais simples de fazer isso, seria que cada um de nós colocasse um post no blog
contando a sua história, a sua experiência. Relatando a reunião e voltando para o seu lado.
Viviane: Gente, do ponto de vista prático, colocar no blog significa mandar o texto para a
Gabriela, que faz a curadoria do blog.
Dimas: Pedro, acho que é legal colocar isso no blog. Você conhece alguém que fez uma roda
de conversa como metodologia de pesquisa?
Pedro: De dissertação não.
Dimas: Então, nem eu. Coisa simples. Acho que é uma maneira de conversar com os colegas
que não estão aqui.
157

APÊNDICE B – Lista da produção científica do Grupo de Pesquisa “Comunicação,


Jornalismo e Epistemologia da Compreensão” sobre o tema da Compreensão

Essa lista reúne monografias, dissertações, teses, livros, capítulos de livros, trabalhos
completos publicados em anais de eventos científicos e artigos em periódicos acadêmicos produzidos
pelos integrantes dos pesquisadores que integram o Grupo de Pesquisa “Comunicação, Jornalismo e
Epistemologia da Compreensão” e que possuem tema central o estudo da Compreensão, suas teorias e
práticas, ou trabalhos científicos que se utilizam de metodologias próprias à Compreensão como
método. A produção aqui listada tem por objetivo ser o mais completa possível, tendo isso em vista,
entendemos que o trabalho de sistematização configura-se como uma atividade constante.
Desse modo, o que aqui chamamos de produção científica se refere aos trabalhos já
produzidos até o momento e que conseguimos reunir nessa lista.Ocasionalmente, é possível que
algumas produções não estejam aqui listadas, cabendo como medida, a atualização dessa lista.
Um último comentário importante é o seguinte: a partir desse mapeamento prévio é que
criaremos o repositório, um dos objetivos secundários da pesquisa. Ou seja, inicialmente utilizaremos
essa listagem como norte de quais as produções que devem ser depositadas no repositório.

Monografias (cursos de Especialização), Dissertações e Teses por ordem cronológica


Tipo de
Autor Título Ano Instituição trabalho
Ana Cristina Vidal Narrativas do Céu. A presença da
de Castro Ortiz Astrologia nos meios de comunicação 2015 Cásper Líbero Dissertação
Carolina Chamizo
Babo O diálogo de pinóquio 2015 Cásper Líbero Dissertação
Faculdade de
O método e sua sombra. Uma crítica Ciências da
ao positivismo a partir da visão Saúde de São Monografia de
Dimas A. Künsch compreensiva junguiana 2015 Paulo Especialização
Comunicação e Compreensão: Uma
contribuição para os estudos da
Pedro Debs Brito Compreensão como método 2015 Cásper Líbero Dissertação
O lugar e a importância do ensaio no
Rodrigo Volponi jornalismo 2015 Cásper Líbero Dissertação
Guilherme Jornalismo é poesia: Uma viagem
Fernandes de compreensiva pela obra de Marcos
Azevedo Faerman 2014 Cásper Líbero Dissertação
Cobertura jornalística brasileira do
Luciana Pelaes conflito de terras entre campesinos
Rossetto paraguaios e brasiguaios 2014 Cásper Líbero Dissertação
O medo organizacional, a
Comunicação Interna e o Diálogo nas
Cynthia Provedel Organizações 2013 Cásper Líbero Dissertação
De Kararaô a Belo Monte. Um estudo
sobre as narrativas das reportagens de
Juliana Arini revista 2013 Cásper Líbero Dissertação
Ana Cristina Vidal Astrologia & Narrativas do Céu 2012 Cásper Líbero Monografia de
158

de Castro Ortiz Lato Sensu


Jornalismo e narrativa na mídia
Bruno Teixeira televisiva: o programa profissão
Chiarioni repórter 2012 Cásper Líbero Dissertação
Felipe Domingos de Ética e encantamento na preparação
Mello do jornalista: contribuições da Paideia 2012 Cásper Líbero Dissertação
Renato Fontes O texto e a informação jornalística. A
Groger narrativa escrita na era da imagem 2012 Cásper Líbero Dissertação
Eliane Deák Silva As narrativas do "Globo Rural" diário 2011 Cásper Líbero Dissertação
Agnaldo José dos Narrativas da vida real e signo da
Santos compreensão: histórias de vida 2010 Cásper Líbero Dissertação
Jornalismo de Cultura e Arte: Dança
contemporânea e signo da
Fabíola Tarapanoff compreensão 2010 Cásper Líbero Dissertação
Mídia e narrativas míticas brasileiras.
Gabriel Lage da O caso do Programa “Catalendas” da
Silva Neto TV Cultura do Pará 2010 Cásper Líbero Dissertação
Escrever e pensar cultura na
Maria Carolina contemporaneidade: Jornalismo
Giliolli Goos Cultural e compreensão 2010 Cásper Líbero Dissertação
A grande reportagem na televisão
Julio Degl'Leposti brasileira: um estudo do Globo Rural 2009 Cásper Líbero Dissertação
O Eixo da Incompreensão: a guerra
contra o Iraque nas revistas semanais
Dimas A. Künsch brasileiras de informação 2004 ECA / USP Tese
Maus pensamentos: crise de
paradigmas, pensamento complexo e
Dimas A. Künsch informação de atualidade 1999 ECA / USP Dissertação

Livros por ordem cronológica


Autor Título Ano Editora
Comunicação, diálogo e compreensão nas
Viviane Mansi organizações 2015 Editora In House
Viviane Mansi;
Bruno Carramenha; Ensaios sobre comunicação com empregados:
Thatiana Cappellano múltiplas abordagens para desafios complexos 2015 Editora In House
Dimas A. Künsch;
Guilherme Azevedo;
Pedro Debs Brito;
Viviane Mansi Comunicação, Diálogo e Compreensão 2014 Editora Plêiade
Bruno Teixeira Sublime Olhar: memória e experiência na narrativa
Chiarioni do "Profissão Repórter" 2014 Editae! Cultural
Viviane Mansi;
Bruno Carramenha; Comunicação com empregados: A comunicação
Thatiana Cappellano interna sem fronteiras 2013 Editora In House
Dimas A. Künsch Comunicação, jornalismo e compreensão 2010 Editora Plêiade
Gabriel Lage da Mito e comunicação: a importância da mitologia e
Silva Neto sua presença na mídia 2010 Editora Plêiade
Maus pensamentos: os mistérios do mundo e a
Dimas A. Künsch reportagem jornalística 2000 Annablume / Fapesp

Capítulos de livro por ordem alfabética


159

Autor Título Ano Livro Editora


Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Agnaldo José dos Histórias de vida e Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Santos signo da compreensão 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Do olhar crítico à
visão compreensiva: Grupo
Ana Cristina Vidal olhando a Astrologia Liana Gottlieb (Org.). Comunicação Editorial
de Castro Ortiz através da(s) janela(s) 2014 em Cena volume IV Scortecci
Astrologia nas redes
sociais: uma nova Grupo
Ana Cristina Vidal forma de compartilhar Liana Gottlieb (Org.). Comunicação Editorial
de Castro Ortiz o céu 2013 em Cena volume 2 Scortecci
Compreensão da
Astrologia: diálogos Dimas A. Künsch; Guilherme
homem-cosmos Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Ana Cristina Vidal intermediados pela Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
de Castro Ortiz mídia 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Jornalismo e narrativa Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Bruno Teixeira em "Profissão Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Chiarioni Repórter" 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch; Guilherme
Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Carolina Chamizo O Diálogo de Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Babo Pinóquio 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Da mídia primária à
terciária: um passeio
pelas imagens Grupo
Carolina Chamizo endógenas e exógenas Liana Gottlieb (Org.). Comunicação Editorial
Babo nos contos de fada 2014 em Cena volume IV Scortecci
Dimas A. Künsch; Guilherme
Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Diálogo nos cenários Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Cilene Victor de riscos de desastres 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Grupo
Logos e signo da Liana Gottlieb (Org.). Comunicação Editorial
Dimas A. Künsch compreensão. 2014 em Cena volume IV Scortecci
Dimas A. Künsch; Guilherme
Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Conversando a gente Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Dimas A. Künsch se entende 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Viviane Mansi. Comunicação,
A comunicação, a diálogo e compreensão nas
organização e a organizações: as narrativas da Editora In
Dimas A. Künsch compreensão 2014 liderança House
O sabiá, a andorinha e
a guerra: o jornalismo Dimas A. Künsch; Simonetta
sob o signo da Persichetti. (Orgs.). Comunicação, Editora
Dimas A. Künsch incompreensão 2013 entretenimento e imagem Plêiade
Dimas A. Künsch; Simonetta
Dos vários lados e Persichetti. (Orgs.) Comunicação, Editora
Dimas A. Künsch ângulos das coisas 2013 entretenimento e imagem Plêiade
A comunicação e suas Grupo
teorias: pensar com, Liana Gottlieb. (Org.). Coleção Editorial
Dimas A. Künsch ou de como pensar 2012 comunicação em cena 1 Scortecci
160

compreensivamente
Fundação
Memorial
Companheira Cremilda Medina. (Org.). Poética dos da
incerteza e utopia da saberes: complexidade, compreensão América
Dimas A. Künsch compreensão. 2012 e cultura Latina
Do conceito de um
Deus perfeito e único
a teorias que não
dialogam: Antônio Roberto Chiachiri Filho;
comunicação, Dulcília Helena Schroeder Buitoni.
epistemologia e (Org.). Comunicação Cultura de Rede
Dimas A. Künsch compreensão 2012 e Jornalismo Almedina
Cláudio Coelho Novaes Pinto; Dimas
A. Künsch; José Eugenio de Oliveira
O saber da ternura e a Menezes. (Org.). Estudos da
epistemologia da comunicação contemporânea: Editora
Dimas A. Künsch comunicação 2012 perspectivas e trajetórias Plêiade
Antonio Hohlfeldt; Marialva
Barbosa; Sonia Virginia Moreira.
(Org.). Enciclopédia Intercom de
Dimas A. Künsch Verbete Compreensão 2010 Comunicação Intercom
Aquém, em e além do
conceito: Walter Teixeira Lima Júnior, Cláudio
comunicação, Novaes Pinto Coelho. (Org.).
epistemologia e Comunicação: diálogos, processos e Editora
Dimas A. Künsch compreensão 2010 teorias Plêiade
Comunicação e
pensamento Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
compreensivo: um Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Dimas A. Künsch breve balanço 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Cremilda Medina, Sinval Medina.
Comunicação e o (Org.). Energia, meio ambiente e Mega
Dimas A. Künsch signo da compreensão 2009 comunicação social Brasil
Os deuses voltam à
cena: ciberespaço,
Dimas A. Künsch razão e delírio 2009 Esfera pública, redes e jornalismo E-papers
Dimas A. Künsch; Laan Mendes de
Teoria compreensiva Barros. (Org.). Comunicação: Saber, Editora
Dimas A. Künsch da comunicação 2008 Arte ou Ciência? Plêiade
Andança mágica em Dimas A. Künsch; Guilherme
outra história: uma Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Dimas A. Künsch e conversa sobre a Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Cremilda Medina narrativa do mito 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Criança, o grande Dimas A. Künsch; Guilherme
motivo de uma Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Dulcília Schroeder narrativa de muitas Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Buitoni vozes 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Narrativa complexo- Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Eliane Deák Silva compreensiva 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Cultura em revista sob Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
o signo da Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Fabíola Tarapanoff compreensão 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
161

O universo do Dimas A. Künsch; Guilherme


palhaço, o diálogo e a Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Felipe Domingos de compreensão na Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Mello comunicação humana 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Os olhares da Medusa
na
contemporaneidade: Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Felipe Domingos de petrificar ou Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Mello compreender? 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Diálogo entre Dimas A. Künsch; Guilherme
docentes e discentes Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Gabriel Lage da mediado por Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Silva Neto tecnologias 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Gabriel Lage da Mídia em tempos Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Silva Neto míticos 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Gabriel Lage da Mídia em tempos Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Silva Neto míticos 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
El dólar que venera Dimas A. Künsch; Guilherme
"Tirofijo": una Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Gonzalo Medina historia de amor e Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Pérez indisciplina guerrilera 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Canção do caminho:
Itinerário lírico de Dimas A. Künsch; Guilherme
Guilherme uma busca por Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Fernandes de conhecimento e Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Azevedo compreensão 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Guilherme A poesia do Dulcília S. Buitoni; José Eugenio de
Fernandes de jornalismo de Marcos Oliveira Menezes. (Orgs.) Editora
Azevedo Faerman 2014 Comunicação, processos e produto Plêiade
Brincadeira de ladrão
e de repórter: a
construção simbólica
do lendário ladrão
Gino Meneghetti em
Guilherme textos do jornalista Dimas A. Künsch; Simonetta
Fernandes de Marcos Faerman - Persichetti (Orgs.). Comunicação, Editora
Azevedo marginal-herói 2013 entretenimento e imagem Plêiade
Dimas A. Künsch; Guilherme
Belo Monte e o Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
projeto de um (velho) Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Juliana Arini Brasil sem diálogo 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Guerra e paz: as Dimas A. Künsch; Guilherme
narrativas do Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
jornalismo em Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Julio Degl'Leposti conflito 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Retratos de guerra Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
pela linguagem da Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Julio Degl'Leposti complexidade 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Diálogo com o outro, Dimas A. Künsch; Guilherme
ou o não-outro na Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Luciana Pelaes cobertura da crise do Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Rosseto Paraguai 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
162

Cobertura brasileira Dulcília S. Buitoni; José Eugenio de


Luciana Pelaes dos conflitos agrários Oliveira Menezes. (Orgs.) Editora
Rosseto no Paraguai 2014 Comunicação, processos e produtos Plêiade
Entre a epistemologia Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Luís Mauro Sá da ciência e a escrita Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Martino do jornalismo 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch; Guilherme
Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Luís Mauro Sá A compreensão como Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Martino método 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Jornalismo Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
compreensivo no Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Márcia Blasques meio digital 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Jornalismo cultural no Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Maria Carolina palco da Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Giliolli Goos complexidade 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Ouvir bem para se
viver bem: as
experiências das Dimas A. Künsch; Guilherme
Casas de Mediação e Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
da Comunicação Não- Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Pedro Debs Brito Violenta 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch; Guilherme
Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Pedro Henrique Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Falco Ortiz (In) Sustentável 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
La universidad en la Dimas A. Künsch; Guilherme
calle: el recorrido Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Ramón Darío Pineda urbano como Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Cardona descubrimiento 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Residência no meio
da compreensão... Dimas A. Künsch; Guilherme
Vem falar comigo Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Raúl Hernando para tecer a Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Osorio Vargas reportagensaio 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
A narrativa Dimas A. Künsch, Luís Mauro Sá
Renato Fontes jornalística e o Martino. (Org.). Comunicação, Editora
Groger diálogo da alma 2010 jornalismo e compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch; Guilherme
O papel dialógico do Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
ensaio na Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Rodrigo Volponi contemporaneidade 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Dimas A. Künsch; Guilherme
En diálogo con la Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Selnich Vivas ancestralidad Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Hurtado contemporánea 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Grupo
Tempo para o diálogo Liana Gottlieb (Org.). Comunicação Editorial
Viviane Mansi nas organizações 2014 em Cena volume IV Scortecci
Dimas A. Künsch; Guilherme
Os (diversos) diálogos Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
possíveis nas Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Viviane Mansi organizações 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade
Viviane Mansi Comunicação, diálogo 2014 Dulcília S. Buitoni; José Eugenio de Editora
163

e compreensão nas Oliveira Menezes. (Orgs.) Plêiade


narrativas de Comunicação, processos e produtos
liderança
Os ritos como
abordagem
compreensiva das Grupo
relações humanas nas Liana Gottlieb. (Org.). Coleção Editorial
Viviane Mansi organizações 2013 Comunicação em Cena 3 Scortecci
O lúdico como parte
fundamental da
natureza humana: um
rápido olhar sobre o Dimas A. Künsch; Simonetta
mundo das Persichetti (Orgs.). Comunicação, Editora
Viviane Mansi organizações 2013 entretenimento e imagem Plêiade
Rueda de
conversaciones sobre
memoria histórica:
aprendizajes desde Dimas A. Künsch; Guilherme
Alemania para Azevedo; Pedro Debs Brito; Viviane
Ximena Forero Colombia y Mansi. (Orgs.). Comunicação, Editora
Arango Guatemala 2014 Diálogo e Compreensão Plêiade

Trabalhos completos em anais de eventos científicos por ordem alfabética de autor


Autor Título Ano Congresso Cidade, Estado
Ana Cristina Vidal Interprogramas
de Castro Ortiz Astrologia e Narrativas do Céu 2014 de Mestrado São Paulo, SP
Era uma vez... outra vez.
Carolina Chamizo Crepúsculo: a reinvenção de um Interprogramas
Babo conto de fada 2014 de Mestrado São Paulo, SP
Carolina Chamizo A Magia dos Contos de Fada e Sua Interprogramas
Babo Apropriação pela Mídia 2013 de Mestrado São Paulo, SP
A interpretação da Comunicação
Interna informal sob a perspectiva
teórica da Comunicação Intercom
Cyntia Provedel Compreensiva 2014 Sudeste Vila Velha, ES
Congresso de
Perspectiva teórica da comunicação Comunicação
compreensiva: um novo olhar Interna e
interpretativo para a comunicação Cultura
Cyntia Provedel interna 2013 Organizacional São Paulo, SP
A comunicação, a explicação e a
compreensão: ensaio de uma
epistemologia compreensiva da Intercom
Dimas A. Künsch comunicação 2014 Nacional Foz do Iguaçu, PR
Congresso
Brasileiro
Cientí co de
Comunicação
Complexidade, comunicação Organizacional
organizacional e comunicação e de Relações
Dimas A. Künsch interna 2014 Públicas Londrina, PR
A comunicação e suas teorias: Intercom
Dimas A. Künsch pensar com, ou de como pensar 2012 Nacional Fortaleza, CE
164

compreensivamente
Do conceito de um deus perfeito e
único a teorias que não dialogam:
Comunicação, epistemologia e
Dimas A. Künsch compreensão 2010 Compós Rio de Janeiro, RJ
Mais interrogações e vírgulas,
menos pontos finais: ciência,
pensamento compreensivo, teorias e Intercom
Dimas A. Künsch práticas de comunicação 2009 Nacional Curitiba, PR
Aquém, em e além do conceito:
Comunicação, epistemologia e Belo Horizonte,
Dimas A. Künsch compreensão 2009 Compós MG
Teoria Compreensiva da
Comunicação: Saber Científico, Intercom
Dimas A. Künsch Comunicação e Dialogia de Saberes 2008 Nacional Natal, RN
Encontro
Internacional
de
A construção guerreira do diferente: Comunicação,
incomunicação em coberturas de Cultura e
Dimas A. Künsch conflitos internacionais 2006 Mídia São Paulo, SP
Narrativa jornalística e reconstrução Intercom
Dimas A. Künsch do cosmos 2006 Nacional Brasília, DF
Comunicação e incomunicação:
visão complexo-compreensiva da Intercom
Dimas A. Künsch questão 2006 Nacional Brasília, DF
A Comunicação Sob o Signo da
Compreensão: o Protesto do Ensaio
Dimas A. Künsch e Contra a Chatice e a Arrogância do Intercom
Renata Carraro Discurso Científico Dominante 2011 Nacional Recife, PE
Luciana Pelaes A Representação do Paraguai na Intercom
Rosseto Revista Veja 2014 Sudeste Vila Velha, ES
Relato de Pesquisa: cobertura
jornalística brasileira do conflito de
Luciana Pelaes terras entre campesinos paraguaios e Interprogramas
Rosseto brasiguaios 2014 de Mestrado São Paulo, SP
A força do estereótipo e a ação da
mídia na formação das identidades
Luciana Pelaes na região de fronteira do Paraguai Intercom
Rosseto com o Brasil 2013 Sudeste Bauru, SP
A narrativa das galerias de fotos na
Luciana Pelaes representação da crise do governo Interprogramas
Rosseto paraguaio 2013 de Mestrado São Paulo, SP
Complexidade das imagens da
Luciana Pelaes Guerra do Paraguai no jornal 'O Interprogramas
Rosseto Cabrião' 2012 de Mestrado São Paulo, SP
Epistemologia da Compreensão: A
contribuição de Paul Feyerabend
para os estudos da Compreensão Interprogramas
Pedro Debs Brito como método 2015 de Mestrado São Paulo, SP
Comunicação, Diálogo e
Compreensão nas Organizações: Interprogramas
Viviane Mansi Narrativas de Liderança 2014 de Mestrado São Paulo, SP
Viviane Mansi O Tempo para o Diálogo nas 2014 Confibercom Braga, Portugal
165

Organizações
A Representação da Sociedade do
Espetáculo nas Organizações: o Intercom
Viviane Mansi Caso das Convenções de Venda 2014 Sudeste Vila Velha, ES
Congresso
Brasileiro
Científico de
Comunicação
Complexidade, Comunicação Organizacional
Organizacional e Comunicação e de Relações
Viviane Mansi Interna 2014 Públicas Londrina, PR
Os Ritos como Abordagem
Compreensiva das Relações Intercom
Viviane Mansi Humanas nas Organizações 2013 Sudeste Bauru, SP
A Comunicação da Liderança a Intercom
Viviane Mansi partir de uma Visão Compreensiva 2013 Nacional Manaus,
Liderança e Construção de Sentidos
na Organização: A Comunicação Interprogramas
Viviane Mansi Dialógica 2013 de Mestrado São Paulo, SP
166

Artigos publicados em periódicos científicos por ordem alfabética de autor


Autor Título Ano Revista Volume
Ana Cristina Vidal
de Castro Ortiz Astrologia e narrativas do céu 2014 CoMtempo V. 6
Carolina Chamizo Era uma vez... outra vez: Crepúsculo a
Henrique Babo reinvenção de um conto de fada 2015 CoMtempo V. 6
Carolina Chamizo A Magia dos contos de fada e sua apropriação
Henrique Babo pela mídia 2014 CoMtempo V. 6
A comunicação, a Explicação e a Compreensão:
ensaio de uma epistemologia compreensiva da v. 17, p.
Dimas A. Künsch comunicação 2014 Líbero 111-122
Saber, afeto e compreensão: epistemologia da v. 14, p.
Dimas A. Künsch comunicação e dialogia 2011 Líbero 31-41
Aquém, em e além do conceito: comunicação, Revista v. 1, p.
Dimas A. Künsch epistemologia e compreensão 2009 FAMECOS 63-69
Mais interrogações e vírgulas, menos pontos
finais: pensamento compreensivo e v. 12, p.
Dimas A. Künsch comunicação 2009 Líbero 41-50
Crise, compreensão e comunicação: contra a v. XI, p.
Dimas A. Künsch certeza do pensamento avassalador 2008 Líbero 43-52
v. Ano
Comunicação e incomunicação: aproximação X, p.
Dimas A. Künsch complexo-compreensiva à questão 2007 Líbero 51-59
A comunicação jornalística em tempos de ódio: Comunicação v. 5, p.
Dimas A. Künsch as revistas brasileiras e a guerra contra o Iraque 2006 Midiática 79-98
Comprehendo ergo sum: epistemologia v. 5,
complexo-compreensiva e reportagem n.1, p.
Dimas A. Künsch jornalística 2005 Communicare 43-54
v.
Teoria guerreira da incomunicação: jornalismo, 15/16,
Dimas A. Künsch conhecimento e compreensão do mundo 2005 Líbero p. 22-31
Dimas A. Künsch; v. Ano
Laan Mendes de "Saber pensar seu pensamento": reflexões em X, p. 9-
Barros conjunto sobre epistemologia da comunicação 2007 Líbero 20
Comunicação e pensamento compreensivo: o
Dimas A. Künsch; ensaio como forma de expressão do v. 15,
Renata Carraro conhecimento científico 2012 Líbero p. 33-42
Guilherme
Fernandes de
Azevedo O eu é o tu no jornalismo de Marcos Faerman 2013 CoMtempo v. 5,
O resgate do gênero ensaio e seu papel no
Rodrigo Volponi jornalismo contemporâneo 2014 CoMtempo v. 6,
A comunicação da liderança a partir de uma v. 5, p.
Viviane Mansi visão compreensiva 2013 CoMtempo 1-12
167

ANEXO A – Projeto de Pesquisa: “A compreensão como método: suas teorias e


práticas”

PROJETO DE PESQUISA

Docente responsável (Brasil, Faculdade Cásper Líbero): Prof. Dr. Dimas A. Künsch
Docente responsável (Colômbia, Faculdade de Comunicações – Universidade de Antioquia): Prof. Dr.
Raúl Hernando Osorio Vargas

Pesquisadores brasileiros:

Ana Cristina Vidal Ortiz Participante externo


Barbara Mussi Valter Participante externo
Carolina Chamizo Henrique Participante externo
Carolina Lauro Maximo Participante externo
Caroline Arice Gaudencio da Silva Participante externo
Cilene Víctor da Silva Participante externo
Cynthia Sganzerla Provedel Participante externo
Dimas A. Künsch Responsável pelo Projeto: Brasil
Evandro de Carvalho Lobão Participante externo
Everton de Brito Dias Discente
Gabriel Lage da Silva Neto Participante externo
Gabriela Glette Kastrup Participante externo
Guilherme Fernandes de Azevedo Participante externo
Isabela Ferreira de Sa Borrelli Participante externo
Júlio Cesar DeglIesposti Participante externo
Lucia Cristina Guimaraes Deccache Participante externo
Luciana Pelaes Rossetto Participante externo
Mauro Araujo de Sousa Participante externo
Mayra Domingues Idoeta Discente
Pedro Debs Brito Participante externo
Pedro Henrique Falco Ortiz Participante externo
Rafael Gomes da Silva Participante externo
Rodrigo Volponi Participante externo
Rosane Nazareth Couto Baptista Discente
Thaís Torres Alvarado Participante externo
Viviane Regina Mansi Participante externo

Pesquisadores colombianos:

Andrés Antonio Vergara Aguirre Participante externo


Edison NeiraPalacio Participante externo
Edwin Alberto Carvajal Córdoba Participante externo
Jaime Andrés Peralta Agudelo Participante externo
Juan David Londoño Isaza Participante externo
María Eugenia Osorio Soto Participante externo
Pedro AntonioAgudeloRendón. Participante externo
Ramón DaríoPineda Cardona Participante externo
168

Raúl Hernando Osorio Vargas Responsável pelo Projeto: Colômbia


Selnich Vivas Hurtado Participante externo

Ano de início: 2015


Situação: Em andamento
Linha de pesquisa: Teoria e Epistemologia da Compreensão

DESCRIÇÃO

Vinculado aos grupos de pesquisa “Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da


Compreensão”, do CNPq, no Brasil, e ao “Grupo de Estudos Literários” (GEL), da Colciencias
(Departamento Administrativo de Ciencia, Tecnología e Innovación), da Colômbia, A
COMPREENSÃO COMO MÉTODO: SUAS TEORIAS E PRÁTICAS constitui um projeto
interinstitucional e internacional de pesquisa desenvolvido pela Faculdade Cásper Líbero, do Brasil, e
pela Facultad de Comunicaciones, da Universidade de Antioquia, Medellín, Colômbia, no âmbito do
convênio de cooperação acadêmica assinado entre as duas instituições no mês de dezembro de 2014.
São responsáveis pelo projeto, no Brasil, o Prof. Dr. Dimas A. Künsch e, na Colômbia, o Prof. Dr.
Raúl Osorio Vargas.
Pesquisadores dos dois países (e de outros países que possam se agregar) se juntam e
articulam, de diferentes modos, para o estudo, a reflexão, a pesquisa e a produção científica orientados
a favorecer o mais completo entendimento possível das bases filosóficas, científicas, epistemológicas,
humanas e metodológicas do tema da compreensão.
O projeto, como se depreende de seu próprio título, possui tanto uma aproximação de natureza
teórica quanto prática, sem que essas duas orientações do fazer humano sejam em qualquer momento
vistas como instâncias separadas ou conflitantes, uma vez que tal postura cognitiva entraria em forte
contraste com a ideia mesma de um pensamento compreensivo.
Assim, ao esforço teórico de aprofundamento da conversa com distintos autores, vertentes
teóricas, modelos interpretativos, grupos e projetos de pesquisa, noções e percepções aptos a promover
o entendimento da compreensão, de que se fala antes, somam-se as buscas pelos diferentes
significados, propostas e virtualidades da compreensão como método aplicada a distintas investigações
de natureza formal, acadêmica, ou, também, àquilo que iremos denominar, aqui, de projetos temáticos,
configurando-se como áreas de pesquisa não formal, que nascem do interesse de uma parcela dos
participantes do projeto A COMPREENSÃO COMO MÉTODO, tanto no Brasil quanto na Colômbia.
Num caso como no outro, opera-se com a ideia de que os dois tipos – diferentes, mas complementares
– de aproximação devem contribuir para a compreensão da compreensão e para a fertilização da
investigação teórica e empírica, além das práticas sociais em que essas ideias de compreensão possam
se ancorar.
O projeto, em seu conjunto, prevê ações desenvolvidas em cada um dos países e momentos de
atuação conjunta, num intercâmbio constante por intermédio de seminários, produção científica,
viagens etc., além de um evento internacional de encerramento, o “I Encontro Internacional de Estudos
da Compreensão”, previsto para o primeiro semestre de 2018.
O projeto deve durar 36 meses (janeiro de 2015 a dezembro de 2017), podendo esse prazo ser
ampliado, se esta for a decisão dos participantes e dos responsáveis brasileiro e colombiano pelo
projeto.

OBJETIVOS

O objetivo geral do projeto é, em primeiro lugar, o de mapear, estudar, dialogar com e


compreender algumas das mais importantes elaborações da ideia ou noção de “compreensão” nos
campos das ciências, da filosofia, das artes e da literatura, da epistemologia e outros, bem como de
suas ideias correlatas, tal como se apresentam na obra de pensadores que, por suas escolhas teórico-
metodológicas, vinculam-se a uma perspectiva de abertura para a alteridade, entendida aqui não
169

apenas como um outro sujeito, mas também como outras formas de pensar, de investigar, de narrar e
de compreender o mundo.
A esse objetivo, de natureza mais teórica, junta-se a busca por compreender a compreensão, de
forma aplicada, em distintos projetos de investigação, formais ou não formais, dos participantes do
projeto-mãe A COMPREENSÃO COMO MÉTODO.
Como objetivos específicos podem ser mencionados os seguintes:
(1) Contribuir para a elaboração de um conjunto de sugestões teórico-metodológicas que
possam auxiliar na produção científica e no estudo de textos, imagens, produtos e processos midiáticos
sob uma ótica compreensiva, dialógica, de escuta e reconhecimento do Outro, de produção social,
interdisciplinar e inter-saberes de conhecimentos, que, sendo compreensivos, estejam por isso mesmo
mais afetos à ideia de cidadania, de democracia e de paz.
(2) Identificar, valorizar e sublinhar a participação latino-americana nesses esforços, em
diálogo com autores e teorias de outras partes do mundo.
(3) Consolidar e ampliar as possibilidades do convênio de cooperação acadêmica celebrado
entre as duas instituições de ensino e pesquisa, a Faculdade Cásper Líbero e a Universidade de
Antioquia, em uma relação de tipo Sul-Sul, com o olhar atento para as oportunidades de ampliação
desses diálogos, de modo a abranger outros países latino-americanos.
(4) Integrar, no contexto de um pensamento compreensivo, as teorias e práticas de natureza
inter- e transdisciplinar.
(5) Destacar a relevância da Comunicação em todas essas buscas compreensivas, sobretudo
em processos de mediação de conflitos, como ferramenta adequada ao cultivo da não-violência, do
reconhecimento e do respeito ao Outro, da cidadania, da democracia e da paz.

REFERENCIAL TEÓRICO

A parte brasileira do projeto, em sua busca por diálogo com as teorias que elaboram,
explicitam e propõem a ideia de compreensão, selecionou como objeto autores que, seja no campo
primordialmente epistemológico (Weber, Dilthey, Morin, Maffesoli, Jung, Feyerabend e outros), seja
no campo ético e político (Buber, Levinas, Bohm, Said, Hannah Arendt e outros) como da estética e
da narrrativa (Schleiermacher, Nietzsche, Ricoeur, Cassirer, Langer e outros) contribuem para a
formulação de uma noção de compreensão.
A parte empírica, relativa aos trabalhos de investigação formais ou não formais, em que
comparecem tanto o desejo de compreensão da compreensão quanto o de sua aplicação como método,
compreende uma lista de projetos, de caráter aberto, levados em frente pelo conjunto de participantes
do projeto A COMPREENSÃO COMO MÉTODO.
Essa lista apresenta-se do seguinte modo, neste momento inicial de desenvolvimento do
projeto:

Ana Cristina Vidal Ortiz Projeto temático: Diálogos com os astros: mídia, compreensão e
astrologia.
Barbara Mussi Valter Projeto de Iniciação Científica junto ao CIP: O projeto “A
compreensão como método nas redes”.
Carolina Lauro Maximo Monografia de conclusão do curso de Especialização em
Comunicação Organizacional e Relações Públicas: Diálogo e
compreensão na sustentabilidade.
Carolina Chamizo Babo Projeto temático: Diálogo entre consciente e inconsciente pela via
dos mitos e dos contos de fadas.
Caroline Arice Projeto temático: Publicidade, gênero feminino e compreensão.
Cilene Víctor Projeto temático: Prevenção de desastres, comunicação e
compreensão.
Cynthia Provedel Projeto temático: Diálogo, compreensão e empatia entre
colaborador e gestor imediato nas organizações.
Dimas A. Künsch A compreensão como método
170

Evandro de Carvalho Lobão Projeto temático: Erklärenund Verstehen a partir de Wilhelm


Dilthey e Max Weber.
Everton de Brito Dias Projeto de dissertação de Mestrado: As artes marciais como produto
midiático sob um olhar compreensivo: de Bruce Lee a Anderson
Silva
Gabriela Glette Kastrup Projeto de Iniciação Científica junto ao CIP: Produção de conteúdos
sobre o projeto “A compreensão como método”.

Gabriel Lage Neto Projeto temático: Comunicação e educação.


Guilherme Fernandes de Projeto temático: Jornalismo, literatura e compreensão: narrativas
Azevedo contra a dominação.
Isabela Borrelli Projeto temático: A compreensão como método no sistema
carcerário.
Júlio DeglIesposti Projeto temático: A comunicação planetária na perspectiva de uma
epistemologia complexo-compreensiva.
Kátia Rocha Projeto temático: Diálogos possíveis entre empresas, produtores e
governos na construção de políticas de incentivo à cultura no
Brasil.
Lucia Deccache Monografia de conclusão do curso de Especialização em
Jornalismo: Comunicação, Jornalismo e Mediação.
Luciana Rossetto Projeto temático: Cobertura do Paraguai pela imprensa brasileira.
Mayra Domingues Idoeta Projeto de dissertação de Mestrado: A série estadunidense “House
of Cards” e o método da compreensão: narrativa ficcional, mito e
conhecimento.
Mauro Araujo de Sousa Projeto temático: Compreensão enquanto perspectivada em chave
nietzschiana e para além de "relativismos".
Pedro Debs Brito Projeto de Dissertação de Mestrado: Comunicação e compreensão:
uma contribuição para os estudos da compreensão como método.
Pedro Ortiz Projeto temático: Mídia, sustentabilidade e alteridade: em busca de
uma compreensão socioambiental e pluricultural.
Renata Carraro Projeto de Doutorado: Jornalismo e histórias de vida: o Projeto
Jornalistando.
Rodrigo Volponi Projeto temático: O ensaio e a busca pela compreensão do fato no
campo jornalístico.
Rafael Gomes da Silva Projeto de Iniciação Científica junto ao CIP: A contribuição de
Emmanuel Levinas para o projeto “A compreensão como método”.
Rosane Baptista Projeto de Dissertação de Mestrado: Telejornalismo e melodrama
Thais Torres Alvarado Projeto temático: “A compreensão no universo do marketing: uma
leitura crítica da obra Marketing 3.0, de Philip Kotler”.
Viviane Regina Mansi Projeto docente junto ao CIP: Diálogo e compreensão na gestão dos
stakeholders.

A parte colombiana do projeto faz convergir os diferentes interesses acadêmicos dos


pesquisadores em torno a três perguntas atuais e que necessitam de reflexões e delineamentos
contínuos: a Alteridade, a Globalização e o Diálogo Transatlântico. O projeto colombiano pesquisa as
convergências ou divergências culturais, humanísticas, sociais, linguísticas e literárias que o fenômeno
da globalização traz consigo, em estreita relação com as categorias da alteridade e os diálogos
transatlânticos. A alteridade alude ao descobrimento que o eu faz do Outro e, especialmente, a
experiência psico-antropológica de colocar-se no lugar do Outro. Tanto o eu como o Outro situam-se,
aqui, nas dimensões transatlânticas entre a Europa e as Américas.
O antecedente imediato do presente projeto é a publicação do livro Alteridad, globalización y
discurso literario- Tomo I (Alemanha, 2015), disponível em:
171

http://www.peterlang.com/index.cfm?event=cmp.ccc.seitenstruktur.detailseiten&seitentyp=produkt&p
k=84800&concordeid=265893. O Grupo de Estudos Literários (GEL) tem dado continuidade ao
projeto e, no momento em que se inicia este projeto, está editando os papers para a publicação do
Tomo II.
O projeto de pesquisa colombiano contribui com o presente projeto A COMPREENSÃO
COMO MÉTODO com os seguintes projetos em desenvolvimento por parte dos pesquisadores:
Andrés Antonio Vergara La crónica y losneofolletinistas.
Aguirre
Edison NeiraPalacio Función social y política del escritor en Colombia.
Edwin Alberto Carvajal Ediciones críticas, lexicografia e interpretación de textos.
Córdoba
Jaime Andrés Peralta Agudelo Culturas étnicas y tradiciones populares.
Juan David Londoño Isaza Comprensión, pluralismo metodológico y formación
ciudadana.
María Eugenia Osorio Soto Literatura escrita por mujeres en Colombia.
Pedro AntonioAgudeloRendón. La construccióndel concepto de ecfrasis: relaciones entre arte
y literatura.
Ramón DaríoPineda Cardona Recorrer y narrar laciudad: cuerpos transeuntes.
Raúl Hernando Osorio Vargas La comprensión como método.
Selnich Vivas Hurtado PensamientoAborigen Americano.

METODOLOGIA

A parte teórica do projeto consiste basicamente numa leitura em profundidade da vida e da


obra de um conjunto de autores, buscando, compreensivamente, entender como o tema da
compreensão emerge a partir das preocupações de cada um deles. Essa leitura é recortada no sentido
de uma pergunta: como se entende a compreensão?
Não é o objetivo, aqui, buscar uma resposta de tipo fechado, mas, sim, delinear esse
questionamento em cada autor. Trabalha-se, pois, com o que nas produções do grupo de pesquisa se
convencionou chamar de “Signo da Compreensão”, aberto, em contraposição ao “Signo da
Explicação”, entendido este último como fechamento e reducionismo de sentidos, sob o poder e a
força exclusivos da Razão em seu viés racionalista.
O fato de esses autores estarem ligados a áreas do saber diferentes é, em si, uma variável
importante: o diálogo dos saberes é uma das buscas de uma Teoria Compreensiva da Comunicação. É
no mapeamento inicial dessas produções, no sentido de encontrar não uma, mas várias noções
dialógicas de compreensão, que se estrutura esta pesquisa. A investigação, nesse instante específico, é
teórica, mas não especulativa: o recorte não busca o fechamento de uma única definição – o que seria,
por si só, incompatível com a perspectiva teórica adotada –, mas a formulação de uma perspectiva
aberta, fundada no encontro de noções/definições que, em suas peculiaridades, podem ser colocadas
em diálogo conforme suas possibilidades hermenêuticas, éticas e epistemológicas.
A metodologia, na parte empírica do projeto, pode-se igualmente denominar compreensiva,
uma vez que respeita e assume os distintos encaminhamentos dados à questão por parte dos diferentes
pesquisadores que integram o projeto A COMPREENSÃO COMO MÉTODO, tanto em suas
investigações particulares quanto nas áreas investigativas de interesse em que vários deles se situam.
Aqui, a pergunta norteadora é como compreender e aplicar a compreensão como método nas práticas
cotidianas dos pesquisadores. Entende-se, neste particular, que vários dos autores, apontados como de
interesse para o estudo da compreensão, sirvam, de forma privilegiada, como referenciais teóricos para
os projetos de natureza individual, ainda que não se descarte o propósito de que esses próprios autores
funcionem como objetos dos estudos de um ou dos mais integrantes do projeto.
Outras metodologias, que juntam as duas preocupações, incluem rodas de conversas (com
convites a integrantes e a não-integrantes do projeto a debater temas específicos de estudo),
172

seminários, colóquios, produção de artigos e de livros, apresentação de trabalhos em congressos


científicos, criação de página no Facebook e de blog, divulgação pelas redes sociais, videos etc.
Parte integrante da metodologia de estudo e de produção de conhecimentos consiste na
realização periódica de Encontros Gastrosóficos, unindo saber e sabor na experiência de cozinhar e de
comer juntos, cultivando uma iniciativa que vem dos tempos do projeto de pesquisa anterior (2010-
2014), no Brasil, denominado “Conversando a gente se entende”.

CALENDÁRIO DA PARTE BRASILEIRA

O projeto A COMPREENSÃO COMO MÉTODO prevê, entre suas ações, reuniões mensais
dos pesquisadores, ordinariamente na terceira sexta-feira de cada mês, das 20h00 às 22h30.
Um evento de maior envergadura deve encerrar o projeto, no primeiro semestre de 2018, o “I
Encontro Internacional de Estudos e Práticas de Compreensão”.
Seminários envolvendo os integrantes do projeto, mas abertos à participação externa, bem
como seminários, igualmente abertos, juntando as partes brasileira e colombiana do projeto irão sendo
realizados no decorrer do período.
Prevê-se o pós-doutoramento do responsável brasileiro pelo projeto na Universidade de
Antioquia e do responsável colombiano na Faculdade Cásper Líbero.
Projetos de dissertação de Mestrado e de Iniciação Científica serão orientados, e artigos,
capítulos de livros e livros, publicados, incluindo um livro encerrando o projeto.
Provisoriamente, fica assim constituído o cronograma geral do projeto, visto sob a ótica
brasileira:

Primeiro trimestre de 2015:


 Montagem e início do desenvolvimento do projeto, culminando em evento interinstitucional
na Universidade de Antioquia, Medellín, Colômbia, em março (19 a 22).
 Seleção e inserção dos pesquisadores de Iniciação Científica do CIP.
 Montagem de página no Facebook e de blog.

Segundo trimestre de 2015:


 Preparação e realização do evento científico de lançamento do livro Comunicação, diálogo e
compreensão (São Paulo: Plêiade, 2014), com apresentação de trabalhos, no dia 24 de abril.
 Encontro dos integrantes do projeto em Gonçalves, MG, nos dias 5 e 6 de junho, para uma
primeira troca de conhecimentos sobre a compreensão, com a realização de uma Roda de
Conversas e de um Encontro Gastrosófico.
 Finalização da redação do projeto, incorporando as sugestões das partes envolvidas.
 Lançamento do projeto na plataforma Sucupira, da Capes.
 Início do processo de preparação do I Seminário Brasileiro de Estudos e Práticas de
Compreensão (início de dezembro de 2015).

Segundo semestre de 2015:


 Tradução para o espanhol e estudo de viabilidade de financiamentos junto à Fapesp, Capes e
CNPq.
 Continuação da preparação do I Seminário Brasileiro de Estudos e Práticas de Compreensão
(Início de dezembro de 2015).
 Preparação do I Seminário Brasil-Colômbia de Estudos e Práticas de Compreensão (primeiro
semestre de 2016).
 Realização do I Seminário Brasileiro de Estudos e Práticas de Compreensão (início de
dezembro de 2015), um encontro científico com apresentação de trabalhos, aberto a
participantes externos. Esse evento serve como preparação para o I Seminário Brasil-
Colômbia de Estudos de Compreensão (primeiro semestre de 2016). Participação remota de
pesquisadores colombianos. Projetar livro do projeto para 2016.
173

Primeiro semestre de 2016:


 Realização do I Seminário Brasil-Colômbia de Estudos e Práticas de Compreensão, em
Medellín, Colômbia. Apresentação de trabalhos e preparação de livro.
 Preparação do II Seminário Brasileiro de Estudos e Práticas de Compreensão.
 Preparação do II Seminário Brasil-Colômbia de Estudos e Práticas de Compreensão.
 Preparação do livro.

Segundo semestre de 2016:


 Preparação do II Seminário Brasil-Colômbia de Estudos e Práticas de Compreensão.
 Realização do II Seminário Brasil-Colômbia de Estudos e Práticas de Compreensão, em São
Paulo (dezembro).
 Lançamento de livro.

Primeiro semestre de 2017:


 Início de preparação do II Seminário Brasileiro de Estudos e Práticas de Compreensão
(dezembro).
 Início de preparação do I Encontro Internacional de Estudos e Práticas de Compreensão
(primeiro semestre 2018).
 Início de preparação do livro de encerramento do projeto.

Segundo semestre de 2017:


 Preparação do II Seminário Brasileiro de Estudos e Práticas de Compreensão (dezembro).
 Preparação do I Encontro Internacional de Estudos e Práticas de Compreensão (primeiro
semestre 2018).
 Preparação do livro de encerramento do projeto.
 Realização do II Seminário Brasileiro de Estudos e Práticas de Compreensão (dezembro).
Primeiro semestre de 2018:
 Finalização do livro.
 Conclusão do projeto.
 Realização do I Encontro Internacional de Estudos e Práticas de Compreensão, com
conferências, apresentação de trabalhos e lançamento de livro de conclusão do projeto. País a
decidir.

REFERÊNCIAS PRINCIPAIS DA PARTE BRASILEIRA

BOHM, D. Do diálogo. São Paulo: Cultrix, 2009.


BUBER, M. Eu e Tu. Rio de Janeiro: Centauro, 2003.
CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
DILTHEY, W. Sistema da ética. São Paulo: Unesp, 2012.
GADAMER, H.G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 2ª.
edição. Petrópolis: Vozes, 1998.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petropólis: Vozes, 2001.
KÜNSCH, D. A. Teoria compreensiva da comunicação. In: KÜNSCH, Dimas A. e BARROS, Laan
Mendes de. Comunicação: saber, arte ou ciência? São Paulo: Plêiade, 2008, p. 173-195.
KÜNSCH, Dimas A. e MARTINO, Luís Mauro Sá (Orgs.). Comunicação, jornalismo e
compreensão. São Paulo: Plêiade, 2010.
KÜNSCH, Dimas A.; AZEVEDO, Guilherme; BRITO, Pedro Debs e MANSI, Viviane R. (Orgs.).
Comunicação, diálogo e compreensão. São Paulo: Plêiade, 2014.
LANGER, S. K. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 2007.
LANGER, S. K. Sentimento e forma. São Paulo: Perspectiva, 2004.
LEVINAS, E. Totalidade e infinito. Lisboa: Ed. 70, 2014.
MAFFESOLI, M. A cultura comum. Porto Alegre: Sulina, 2011.
174

MARTINO, L.M.S. A compreensão como método. In: KÜNSCH, D.A., AZEVEDO, G., BRITO, P.
D. e MANSI, V. Compreensão, diálogo e comunicação: contribuições do projeto de pesquisa
“Conversando a gente se entende”. São Paulo: Plêiade, 2014.
KÜNSCH, D.A. e MARTINO, L.M.S. Comunicação, jornalismo e compreensão. São Paulo:
Plêiade, 2010.
MORIN, E. O método, vol. 6: Ética. Porto Alegre: Sulina, 2005.
NIETZSCHE, F. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
RICOEUR, P. O si mesmo como outro. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
SAID, E. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SCHLEIERMACHER, F. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. 5ª..ed. Bragança Paulista:
Editora Universitária São Francisco, 2006.
WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Ed. UnB, 1991.

REFERÊNCIAS PRINCIPAIS DA PARTE COLOMBIANA

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BAUDRILLARD, J. Cultura y simulacro. Barcelona: Editorial Kairós, 1978.
BERMAN, M. All that is solid melts into air: the experience of Modernity. New York: Penguin,
1982.
BLOCH, E. (1976). Das Prinzip Hoffnung. Dritte Auflage. Frankfurt am Main: Suhrkamp,
Taschenbuch Wissenschaft 3, 1976.
BOURDIEU,P. Meditaciones pascalianas. Barcelona: Anagrama, 1999.
CANCLINI, N.G. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de lamodernidad. Buenos Aires:
Paidós, 2008.
FUENTES, C. Valiente mundo nuevo: épica, utopía y mito en la novela hispanoamericana. México:
Fondo de Cultura Económica, 1992.
GNECCO, C.Discursos sobre el otro. Pasoshacia una arqueología de laalteridad étnica. Disponible
em: <www.icesi.edu.co/revista_cs/images/ stories/revistaCS2/articulos/05-cristobal.pdf>. Consultada
el 30 Ene. 13.
NÜNNING, A. Metzler Lexikon. Literatur- und Kulturtheorie. Stuttgart-Weimar: Verlag J.B.
Metzler, 2008.
ORTIZ FERNÁNDEZ, F. Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar. La Habana: Jesús Montero
Editor, 2009. Con prólogo de Bronisław Malinowski.
PALAVERSICH, D. De Maconco a McOndo, senderos de la postmodernidad latinoamericana.
México: Plaza y Valdez Editores, 2005.
PULIDO TIRADO, G. Caleidoscopio de teorías. El giroculturalista de
losestudiosliterarioslatinoamericanos, Vigo: Editorial Academia del Hispanismo, 2009.
REYES, A. Notas sobre lainteligencia americana. En: REYES, A. Última Tule, Obras Completas,
Tomo XI, pp. 82-90. México: FCE, 1997.
SAÏD, Edward W. Orientalism. VintageBooksEdition, USA, 1979.
SPIVAK, G.C. Can the subaltern speak? Colonial Discourse and Post-Colonial Theory.A reader.
Hertfordshire: HarvesterWheatsheaf, 1994.
TODOROV, T.La conquista de América. El problema delotro.Buenos Aires: Siglo XXI editores,
1982.
TROUILLOT, M.R..Silencing the past. Power and the production of history,Boston: Beacon Press,
1995.

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