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Carta de Paris
Príncipes e Poderes1
O Congresso dos Escritores e Artistas Negros (Le Congrès des Ecrivains et
Artistes Noirs) teve sua abertura na manhã de quarta-feira, 9 de setembro de
1956, no Anfiteatro Descartes da Sorbonne, em Paris. Era um daqueles dias
claros e quentes, e, às dez horas, a sala de conferências já estava
insuportavelmente quente, as pessoas lotavam as entradas e cobriam os
degraus de madeira. A sala estava agitada com a atividade do atendente na
montagem de gravadores, com o teste dos fones de ouvido, com a
luminosidade dos flashes. A eletricidade, de fato, encheu o salão. Das pessoas
lá, naquele primeiro dia, eu julgo que nem dois terços eram de cor.
Atrás da mesa, na frente do salão, havia oito homens de cor, os quais incluíam
o romancista americano Richard Wright; Alioune Diop, editor da Présence
Africaine (Presença Africana) e um dos principais organizadores da
conferência; os poetas Leopold Senghor, do Senegal, e Aimé Cesaire, da
Martinica; e o poeta-romancista Jacques Alexis, do Haiti. Do Haiti, também,
veio o Presidente da Conferência, Dr. Price-Mars, um homem muito velho e
muito bonito.
Já passava das dez da noite, quando realmente houve a abertura da
Conferência. Alioune Diop, que se assemelha, em sua extrema sobriedade, a
um antigo ministro Batista, fez o discurso de abertura. Ele se referiu ao
presente encontro como uma espécie de segundo Bandung2. Como em
Bandung, as pessoas reunidas aqui tinham em comum o fato da sua
submissão à Europa ou, no mínimo, uma visão europeia do mundo. "A
História", disse ele, "tratou os negros de um modo um tanto arrogante. Eu diria
até que a história tratou os homens negros de um modo firmemente maldoso,
não fosse pelo fato de que essa história com um grande H não é nada mais,
afinal de contas, do que a interpretação ocidental da vida do mundo". Ele se
referiu à variedade de culturas que a Conferência representava, dizendo que
elas eram culturas genuínas e que a ignorância do Ocidente em relação a elas
era, em grande parte, uma questão de conveniência. E, ao falar da relação
entre política e cultura, apontou que a perda de vitalidade, a qual todas as
culturas Negras estavam sofrendo, se devia ao fato de seus destinos políticos
não estarem em suas mãos. Um povo privado de soberania política se
encontra muito perto da impossibilidade de recriar, para si mesmo, a imagem
de seu passado, sendo essa recriação perpétua uma necessidade absoluta, se
não, de fato, a definição de uma cultura viva.

1 Texto traduzido para o português por Angelita Minélio da Silva do original, em inglês, de
BALDWIN, James. Princess and Powers: Letter from Paris. Encounter, 1957.
2 A Conferência de Bandung foi uma reunião de 29 países asiáticos e
africanos em Bandung (Indonésia), entre 18 e 24 de Abril de 1955, com o objetivo de mapear o
futuro de uma nova força política global (Terceiro Mundo), visando à promoção da cooperação
econômica e cultural afro-asiática, como forma de oposição ao que era
considerado colonialismo ou neocolonialismo, por parte dos Estados Unidos e da União
Soviética.
2

Seu discurso ganhou muitos aplausos. No entanto, senti que entre as pessoas
negras no salão havia, talvez, alguma decepção por ele não ter sido mais
específico, mais amargo, em uma palavra, mais demagógico; considerando
que, entre os brancos do salão, os seus aplausos expressavam certamente um
alívio um tanto envergonhado e desconfortável. E, de fato, a atmosfera era
estranha. Todos estavam tensos com a questão sobre a direção que a
Conferência tomaria. Suspensos no ar, tão reais quanto o calor do qual
sofríamos, estavam os grandes espectros da América e da Rússia, da batalha
entre eles pela dominação do mundo. A resolução final desta batalha pode
muito bem depender da população não-europeia da terra, uma população que
supera, em muito, a Europa, e que sofreu tais injustiças nas mãos europeias.
Com a maior boa vontade do mundo, ninguém que vive agora poderia desfazer
o que as gerações passadas realizaram. A grande questão era o que,
exatamente, eles realizaram: se o mal, do qual havia tantos registros e que
ainda eram sentidos depois deles, se o bem, e houve algum, que foi enterrado
com seus ossos.

Das mensagens de boa sorte à Conferência, que foram lidas imediatamente


após o discurso de Diop, a que causou a maior agitação veio do W. E. B.
DuBois da América. "Eu não estou presente na sua reunião", ele começou,
"porque o governo dos EUA não me dará um passaporte". A leitura foi
interrompida neste ponto por grandes ondas de riso, por não significar coisa
boa, e por um estrondo de aplauso, que, como é claro, não poderia ter sido
destinado ao Departamento de Estado, mas destinado a expressar admiração
pela fala clara de DuBois. "Qualquer Negro3 Americano viajando para o exterior
hoje não deve se importar com os Negros ou dizer o que o Departamento de
Estado deseja que ele diga". Isso, claro, gerou mais aplausos. Isto também
destruiu muito habilmente qualquer eficácia que a delegação norte-americana
de cinco homens que estava sentada no salão poderia ter esperado. Nem foi
tanto a carta de DuBois que fez isso, mas o fato incontestável de que não lhe
foi permitido deixar seu país. Era um fato que dificilmente poderia ser explicado
ou defendido: a própria tentativa de tal explicação, especialmente para as
pessoas com desconfiança em relação ao Ocidente, por mais justificado que
fosse, tenderia a torná-los perigosamente cegos e apressados, seria suspeito
de “não se importar com os Negros”, dizendo o que o Departamento de Estado
“desejava” que dissessem. Era um fato que aumentava e parecia legitimar a
desconfiança com a qual todos os americanos são vistos no exterior, e isto se
tornou ainda mais profundo para os cinco negros americanos presentes, aquele
abismo que se coloca entre o Negro Americano e todos os outros homens de
cor. Este é um estado de coisas muito triste e perigoso, pois o Negro
Americano é possivelmente o único homem de cor que pode falar do Ocidente
com autoridade real, cuja experiência, por mais dolorosa que seja, prova
também a vitalidade dos tão transgredidos ideais Ocidentais. O fato de DuBois
não estar lá e não poder, portanto, envolver-se no debate, tornou naturalmente
mais sedutor o seu argumento final: que o futuro da África era socialista, os
escritores africanos deveriam seguir o caminho da Rússia, Polônia, China, etc.,
e não ser “traído pelos EUA para o colonialismo”.

3 Negro (negros no plural) é um marco historicamente usado para denotar pessoas


consideradas de herança negróide. O termo pode ser interpretado como ofensivo.
3

Quando a sessão da manhã terminou e fui vomitado com a multidão no pátio


luminoso, Richard Wright me apresentou à delegação americana. E parecia
inacreditável por um momento que os cinco homens que estavam com Wright
(e Wright e eu) fossem definidos e tivessem sido reunidos neste pátio, por
nossa relação com o continente africano. O chefe da delegação, John Davis, foi
perguntado por que ele se considerava um Negro – ele deveria ter dito que
certamente não se parecia com um. Ele é um Negro, é claro, do notável ponto
de vista legal que se obtém nos Estados Unidos; mas o mais importante, como
ele tentou fazer claro para o seu interlocutor, era que ele era um negro por
escolha e pelo profundo envolvimento – por experiência, na verdade. Mas a
questão da escolha em tal contexto dificilmente pode ser coerente para um
africano, e a experiência mencionada, que produz um John Davis, permanece
um livro fechado para ele.
O que, no fundo, distinguia os norte-americanos dos Negros que nos
rodeavam, homens da Nigéria, Senegal, Barbados, Martinica, era o fato
abruptamente banal e bastante avassalador de que havíamos nascido em uma
sociedade que, de certo modo, era totalmente inconcebível para os africanos, e
não mais real para os europeus, era aberto e – em certo sentido, que não tem
nada a ver com justiça ou injustiça – era livre. Era uma sociedade, em suma,
em que nada era fixo e, portanto, havíamos nascido para um número maior de
possibilidades, miseráveis como essas possibilidades pareciam no momento do
nosso nascimento. Além disso, a terra do exílio de nosso antepassado havia
sido feita, por esse trabalho, nosso lar. Este pode ter sido o impulso popular
para nos manter na base inferior da população perpetuamente inconstante e
desnorteada; mas, por outro lado, éramos quase pessoalmente indispensáveis
para cada um deles, simplesmente porque, sem nós, nunca poderiam estar
certos, em tal confusão, onde estava a base; e nada, em todo caso, poderia
retirar nosso título à terra que nós também compramos com nosso sangue.
Isso resulta em uma psicologia muito diferente – na melhor das hipóteses e na
pior das hipóteses – da psicologia produzida pela sensação de ter sido invadida
e ultrapassada, a sensação de não ter nenhum recurso contra a opressão a
não ser derrubar o mecanismo do opressor. Nós estávamos lidando com algo
que foi completamente feito e esmagado por outro mecanismo. Nunca foi do
nosso interesse derrubá-lo. Foi necessário fazer as máquinas trabalharem em
nosso benefício e a possibilidade de fazê-lo tinha sido, por assim dizer,
construída. Poderíamos, portanto, ser considerados, de certa forma, o elo entre
a África e o Ocidente, o mais real e certamente a mais chocante de todas as
contribuições africanas para a vida cultural ocidental. Mas a articulação dessa
realidade era outra questão. Ficou claro que nossa relação com o misterioso
continente da África não seria esclarecida até que tivéssemos encontrado
alguns meios de dizer, para nós mesmos e para o mundo, mais sobre o
misterioso continente americano do que jamais foi dito antes.

M. Lasebikan, da Nigéria, falou, à tarde, sobre a estrutura tonal da poesia da


Yorubá4, uma língua falada por cinco milhões de pessoas em seu país.
Lasebikan era uma personalidade muito premiada e despretensiosa, vestida

4 Podendo também ser escrito Iorubá ou Ioruba, é um idioma da família linguística nígero-
congolesa falado secularmente pelos iorubás em diversos países ao sul do Saara,
principalmente na Nigéria e, por minorias, em Benim, Togo e Serra Leoa.
4

com um traje muito atraente. O que parecia ser um poncho de renda branca
cobria-o da cabeça aos pés; embaixo disso, ele estava usando um robe de
seda muito discreto, mas muito ornamentado, que parecia chinês; e ele usava
um toque5 de veludo vermelho, um sinal, alguém me disse, de que ele era um
maometano. A língua Yorubá, explicou Lasebikan, só se tornara uma língua
oral em meados do século passado, e isso fora feito por missionários. Seu
rosto expressou alguma tristeza neste momento. Mas – e seu rosto se iluminou
de novo – ele viveu na esperança de que um dia uma escavação trouxesse à
luz uma boa literatura escrita pelo povo Yorubá. Entretanto, com grande boa
vontade, resignou-se a compartilhar conosco a literatura que já existia.
Duvido que eu tenha aprendido muito sobre a estrutura tonal da poesia Yorubá,
mas me encontrei fascinado pela sensibilidade que a produzira. M. Lasebikan
falou primeiro em Yorubá e depois em inglês. Talvez tenha sido porque ele
amou tão claramente seu objeto que ele teve êxito transmitindo a poesia dessa
linguagem extremamente estranha, como também transmitiu algo do estilo de
vida de onde veio. Os poemas citados iam desde o devocional até o que
descrevia o bater de inhame. E de certa forma sentia a solidão e o anseio do
primeiro e a pacífica e rítmica domesticidade do segundo. Parte da poesia
exigia o uso de um tambor maravilhosamente ornamentado, no qual havia
muitos pequenos sinos. Não era o tambor que tinha sido, ele nos disse, mas,
apesar de qualquer coisa que tivesse acontecido, eu poderia ter ouvido ele
tocar pelo resto da tarde.
Ele foi seguido por Leopold Senghor. Senghor é uma figura muito negra e
impressionante de um jeito suave e de óculos, e ele é muito respeitado como
poeta. Ele deveria falar sobre artistas e escritores da África Ocidental. Ele
começou, invocando o que ele chamou de “espírito de Bandung”. Referindo-se
a Bandung, estava se referindo menos, ele disse, à libertação dos negros do
que saudando a realidade e a dureza de sua cultura, que, apesar das
vicissitudes de sua história, recusara-se a perecer. Uma das coisas, disse
Senghor – talvez a coisa – que distingue os africanos dos europeus é a
urgência comparativa de sua capacidade de sentir. "Sentir c'est apercevoir”6.
O raciocínio do africano não é compartimentalizado e, para ilustrar isso,
Senghor usou a imagem da corrente sanguínea na qual todas as coisas se
misturam e fluem para o coração. Ele nos disse que a diferença entre a função
das artes na Europa e sua função na África reside no fato de que, na África, a
função das artes é mais presente e penetrante, é infinitamente menos especial,
"é feita por todos, para todos". Assim, o amor à arte pela arte não é um
conceito que faz algum sentido na África. A divisão entre arte e vida, da qual
esse conceito surge, não existe. A própria arte é considerada perecível, para
ser refeita toda vez que ela desaparece ou é destruída. O que se apega é o
espírito que torna a arte possível. E a ideia africana deste espírito é muito
diferente da ideia europeia.

5 Adereço de cabeça masculino com diversas formas, usado na França desde a Idade Média e,
ainda hoje, pela magistratura francesa, em cerimônias universitárias e por algumas
corporações militares.
6 Trad. “Sentir é aperceber-se”
5

A arte europeia tenta imitar a natureza. A arte africana está preocupada em ir


além e em ser a natureza, entrar em contato e tornar-se uma parte da força
vital. Não se pretende que a imagem artística represente a coisa em si, mas
sim a realidade da força que a coisa contém. Assim, a lua é fecundidade, o
elefante é força.
Isso fazia muito sentido para mim, apesar de Senghor estar falando sobre e de
um modo de vida que eu mal podia conhecer e talvez um pouco
melancolicamente imaginar. Foi a estética que me atraiu, a ideia de que a obra
de arte expressa, contém e é, ela própria, parte da energia que é a vida.
Poemas e histórias, na situação única que eu conhecia, nunca foram contados,
exceto, raramente, para crianças, e, com risco de desordem, em bares. Eles
foram escritos para serem lidos, sozinhos, e por um punhado de pessoas –
estava realmente começando a ser algo suspeito ser lido por mais de um
punhado. Essas criações não mais insistiam na presença real de outros seres
humanos do que exigiam a colaboração de um dançarino e um tambor. Não se
pode dizer que celebrar a sociedade mais do que a homenagem que algumas
vezes os artistas ocidentais recebem pode ter a ver com a celebração da
sociedade de uma obra de arte. A única coisa na vida Ocidental que parecia,
mesmo vagamente, aproximar-se do intenso esboço de Senghor da
interdependência criativa, ou intercâmbio ativo, verdadeiro e alegre, entre os
artistas africanos e o que um ocidental chamaria de seu público, foi a
atmosfera, às vezes, criada entre os músicos de jazz e seus fãs durante,
digamos, uma sessão de improvisos. Mas o isolamento medonho do músico de
jazz, a intensidade neurótica de seus ouvintes, era prova suficiente do que
Senghor queria dizer quando falava que arte social não tinha realidade na vida
ocidental. Ele estava falando do seu passado, que tinha sido vivido onde a arte
era natural e espontaneamente social. (No entanto, ele não estava lá. Aqui
estava ele, em Paris, falando a língua na qual ele também escrevia sua
poesia).
Apenas o que a relação específica de um artista com sua cultura diz sobre
essa cultura é uma questão muito bonita. A cultura que produzira Senghor
parecia, à primeira vista, ter uma coerência maior como pressupostos,
tradições, costumes e crenças do que a cultura ocidental à qual ela se
relacionava de maneira tão problemática. E isso pode muito bem significar que
a cultura representada por Senghor era mais saudável do que a cultura
representada pelo salão em que ele falava. Mas o salto para essa conclusão,
que não parecia nada fácil, foi frustrado pela questão de saber exatamente o
que era saúde em relação a uma cultura. A cultura de Senghor, por exemplo,
não parecia precisar da atividade solitária de uma inteligência singular na vida
cultural – a vida moral – como o Ocidental depende. Numa sociedade
realmente coesa, que é um desses atributos, talvez, o que é tomado como uma
“saudável” cultura tem, geralmente, e eu necessariamente suspeito, um baixo
nível de tolerância com rebelde, dissidentes, o homem que rouba o fogo, do
que sociedades em que o pensamento e a crença comuns praticamente
desapareceram, cada homem em terrível e brutal isolamento é por si mesmo,
para florescer ou perecer. Ou, não impossivelmente, tornar real e frutífero de
novo aquele terreno comum desaparecido, que, como eu entendo, é nada mais
nada menos do que a própria cultura, ameaçada e tornada quase inacessível
pelas complexidades que ela própria inevitavelmente criou.
6

O debate da noite tocou em constantes mudanças em duas questões. Estas


questões – cada uma das quais se dividiu em mais mil a cada vez que foi
perguntada – foram, primeiro: o que é uma cultura? Esta é uma questão difícil,
sob as circunstâncias mais serenas. No contexto da Conferência, foi uma
pergunta que estava sem controle e à mercê de outra: É possível descrever
como cultura o que pode ser simplesmente, afinal de contas, uma história de
opressão? Ou seja, é essa história e esses fatos presentes, que envolvem
tantos milhões de pessoas, que se dividem umas das outras por tantos
quilômetros do globo, que opera e tem operado sob condições tão diferentes a
efeitos tão diferentes e que produziu tantas sub-histórias, problemas, tradições,
possibilidades, aspirações, suposições, linguagens, híbridos – esta história é
suficiente para fazer das populações negras da Terra qualquer coisa que possa
ser legitimamente descrita como uma cultura? O que, além do fato de que
todos os negros de um tempo ou outro deixaram a África, ou permaneceram lá,
eles realmente têm em comum?
E, no entanto, ficou claro, à medida que o debate avançava, que havia algo que
todos os negros tinham em comum, algo que ultrapassava os pontos de vista
opostos e colocava no mesmo contexto sua experiência amplamente diferente.
O que eles tinham em comum era sua relação precária, indizivelmente dolorosa
com o mundo branco. O que eles tinham em comum era a necessidade de
refazer o mundo à sua própria imagem, impor essa imagem ao mundo e não
mais ser controlada pela visão do mundo e de si mesmos, mantida por outras
pessoas. O que, em suma, os negros tinham em comum era a dor de vir ao
mundo como homens. E essa dor uniu pessoas que poderiam estar divididas
quanto ao que um homem deveria ser.
No entanto, se isso poderia ou não ser descrito apropriadamente como a
realidade cultural, permanecia outra questão. Jacques Alexis, do Haiti, fez a
observação um tanto desesperada de que uma pesquisa cultural deve ter algo
a ser pesquisado; mas ele parecia confuso, como de fato todos nós estávamos,
pelas dimensões da pesquisa cultural em progresso. Era necessário, por
exemplo, antes que se pudesse relacionar a cultura do Haiti com a da África,
saber o que era a cultura haitiana. No Haiti havia muitas culturas. Franceses,
negros e índios tinham legado modos de vida bastante diferentes, católicos,
voduistas e animistas ultrapassaram os limites de cor e classe. Alexis
descreveu como “bolsões" de cultura aqueles relacionados e bastantes
específicos os diferentes modos de vida encontrados dentro das fronteiras de
qualquer país do mundo, e desejava saber com que alquimia esses modos de
vida opostos se tornariam uma cultura nacional.
Senghor observou, a propósito desta questão, que uma das grandes
dificuldades colocadas por ela, particularmente dentro das fronteiras da própria
África, era a dificuldade de estabelecer e manter contato com as pessoas se a
língua de alguém tivesse sido formada na Europa. E ele continuou, um pouco
mais tarde, para mostrar que a herança do negro americano era uma herança
africana. Ele usou, como prova disso, um poema de Richard Wright que,
segundo ele, estava envolvido com tensões e símbolos africanos, embora o
próprio Wright não estivesse ciente disso. Ele sugeriu que o estudo das fontes
africanas poderia ser extremamente esclarecedor para os negros americanos.
Ele sugeriu, da mesma forma que os "clássicos brancos" existem – clássico
7

aqui significa uma duradoura revelação e declaração de uma específica,


peculiar, cultural sensibilidade – "clássicos negros" também devem existir. (Isso
levantou em minha mente a questão de saber se "os clássicos brancos”
existiram, em distinção, isto é, apenas para os clássicos franceses ou
ingleses.) Se Black Boy7 (Garoto Negro), disse Senghor, fosse analisado, seria
indubitavelmente revelada a herança africana à qual deve sua existência; da
mesma maneira, eu supus, que A Tale of Two Cities (A História de Duas
Cidades) de Dickens, mediante análise, revelaria sua dívida para com
Aeschylus8.
Ainda, tão generosamente apresentando, Wrigth com sua herança africana,
Senghor parecia estar tirando sua identidade. Black Boy (Garoto Negro) é o
estudo do crescimento de um menino negro no extremo sul e é uma das
principais autobiografias americanas. Eu nunca tinha pensado nisto, como
Senghor claramente fez, como uma das maiores autobiografias Africana –
apenas mais um documento, de fato, falando da longa perseguição e exílio da
África. Mesmo garantido que havia algo de africano em Black Boy, como havia
algo indubitavelmente africano em todos os americanos, a grande questão era
como e por que havia sobrevivido, permaneceu aberta. Além disso, Black Boy
foi escrito em inglês; sua forma, psicologia, atitude moral, preocupações, enfim,
sua validade cultural, eram todas devidas a forças que não tinham nada a ver
com a África. Ou foi simplesmente porque fomos incapazes de reconhecer a
África nele? Parecia que, na vasta recriação do mundo de Senghor, a pegada
dos africanos provou ter coberto mais território do que a dos romanos.
O grande evento da quinta-feira foi o discurso de Aimé Cesaire, à tarde,
abordando a relação entre colonização e cultura. Cesaire é um homem de cor
âmbar da Martinica, provavelmente com cerca de quarenta anos, com uma
grande tendência a circularidade e suavidade, fisicamente falando, e com o
vagamente benigno ar de um professor escolar. Tudo isso muda no momento
em que ele começa a falar. Torna-se logo aparente que sua curiosa e lenta
suavidade está relacionada à graça e paciência de um gato da selva e que a
inteligência por trás desses óculos é de uma ordem muito penetrante e
demagógica.

A crise cultural pela qual estamos passando hoje pode ser resumida assim,
disse Cesaire: a cultura mais forte do ponto de vista material e tecnológico
ameaça esmagar todas as culturas mais fracas, particularmente em um mundo
que, à distância não conta, tecnologicamente culturas mais fracas não têm
meios de se proteger. Todas as culturas têm, além disso, uma base
econômica, social e política, e nenhuma cultura pode continuar a viver se seu
destino político não estiver em suas próprias mãos. "Qualquer regime político e
social que destrua a autodeterminação de um povo também destrói o poder
criativo daquele povo". Agora as civilizações da Europa, disse Cesaire, falando
muito clara e intensamente para um salão lotado e atento, evoluiu uma

7 Black Boy (1945) é uma autobiografia do autor americano Richard Wright, detalhando sua
juventude no Sul: Mississippi, Arkansas e Tennessee, e sua eventual mudança para Chicago,
onde estabelece sua carreira como escritor e se envolve com o Partido Comunista nos Estados
Unidos. Unidos.
8 Leia-se Ésquilo: Foi um dramaturgo da antiga Grécia. É reconhecido frequentemente como o

pai da tragédia grega.


8

economia baseada no capital e o capital foi baseado no trabalho negro; e


assim, independentemente de quaisquer argumentos que os europeus usem
para se defenderem, e apesar dos absurdos paliativos com os quais algumas
vezes tentaram amenizar o golpe, o fato de sua dominação, a fim de realizar e
manter essa dominação – em ordem, de fato, para ganhar dinheiro – eles
destruíram, com absoluta crueldade, tudo o que estava em seu caminho:
línguas, costumes, tribos, vidas; e não apenas colocaram nada em seu lugar,
mas ergueram, ao contrário, as barreiras mais proeminentes entre eles e as
pessoas que governavam. Os europeus nunca tiveram a mais remota intenção
de elevar os africanos ao nível ocidental: "O famoso complexo de inferioridade
que se tem o prazer de observar como uma característica do colonizado não é
por acaso, mas algo definitivamente desejado e deliberadamente inculcado
pelo colonizador.” Ele foi interrompido neste ponto – não pela primeira vez –
por longos e prolongados aplausos.
"A situação, portanto, nos países coloniais é trágica", continuou Cesaire. "Onde
quer que a colonização seja um fato, a cultura indígena começa a apodrecer. E
entre essas ruínas nasce algo que não é cultura, mas uma espécie de sub-
cultura, uma sub-cultura condenada a existir à margem, que a cultura europeia
lhe permitiu. Isto se torna, então, a província de alguns homens, a elite, que se
encontra colocada nas condições mais artificiais, privada de qualquer contato
revivificante com as massas do povo. Em tais condições, esta sub-cultura não
tem chance alguma de crescer em uma cultura viva e ativa". E o que,
perguntou ele, depois dessa situação, pode ser feito? A resposta não seria
simples. Cesaire falou da energia já provada pelas culturas negras no passado
e, recusando-se a acreditar que essa energia não exista mais, recusou-se
também a acreditar que a obliteração total da cultura existente era uma
condição para o renascimento dos negros. "Na cultura a nascer, haverá, sem
dúvida, elementos antigos e novos. Como estes elementos serão misturados
não é uma questão a que qualquer indivíduo possa responder. A resposta deve
ser dada pela comunidade. Mas podemos dizer isto: que a resposta será dada,
e não verbalmente, mas em fatos tangíveis e por ação”.
Este discurso, que foi muito brilhantemente entregue (e que teve a vantagem,
também, de estar muito pouco preocupado, no fundo, com a cultura) arrancou
da plateia que ouviu a mais violenta reação de alegria. Cesaire falou para
aqueles que não podiam falar e aqueles que não podiam falar se amontoaram
ao redor da mesa para apertar sua mão e beijá-lo. Eu mesmo me senti agitado
de uma maneira muito estranha e desagradável, pois o caso de Cesaire contra
a Europa, que me parecia irrefutável, também era um caso muito fácil de fazer.
A anatomia da grande injustiça, que é o fato irredutível do colonialismo, ainda
não foi suficiente para dar às vítimas daquela injustiça um novo sentido de si
mesmo.
Pode-se dizer, é claro, que o próprio fato de Cesaire ter falado de forma tão
empolgante e em uma das grandes instituições de ensino ocidental, investiu-as
desse novo sentido, mas não creio que seja assim. Ele certamente tinha jogado
muito habilmente em suas emoções e esperanças, mas ele não levantou a
questão central e tremenda, que era simplesmente: o que essa experiência
colonial fez deles e o que eles tinham a ver com isso? Pois todos eram, agora,
quer gostassem ou não, relacionados com a Europa, manchados pelas visões
9

e padrões europeus, e a relação deles com eles próprios, entre si e com o seu
passado havia mudado. Sua relação com seus poetas também mudou, assim
como a relação de seus poetas com eles. O discurso de Cesaire deixou fora de
consideração um dos grandes efeitos da experiência colonial: a criação,
precisamente, de homens como ele.
A sessão da sexta começou em um ambiente bastante tenso e essa tensão
continuou durante todo o dia. Diop abriu a sessão, ressaltando que cada
palestrante falou apenas por si mesmo e não poderia ser considerado como
falando pela Conferência. Imaginei que isso tinha algo a ver com o discurso de
Cesaire do dia anterior e com alguns de seus efeitos, entre os quais,
aparentemente, havia sido uma troca de farpas bastante acentuada entre
Cesaire e a delegação americana.
Esta foi a sessão em que se tornou evidente que havia uma guerra religiosa em
curso na Conferência, uma guerra que sugeria, em miniatura, algumas das
tensões que dividiam a África. Um ministro protestante dos Camarões, Pastor
T. Ekollo fora forçado pela hostilidade do público, no dia anterior, a abandonar
uma dissertação em defesa do cristianismo na África. Ele estava visivelmente
chateado ainda. "Haverá cristãos na África, mesmo quando não houver um
homem branco lá", disse ele, com um desafio tenso, e acrescentou, com uma
ironia inconscientemente desesperada, à qual, no entanto, ninguém reagiu,
"supondo que isto seja possível". Ele havia sido perguntado como poderia
defender o cristianismo em vista do que os cristãos tinham feito em seu país. E
sua resposta foi que a doutrina do cristianismo foi mais momentânea do que os
crimes cometidos pelos cristãos. O público estava extremamente frio e hostil,
forçando-o novamente, de fato, do chão. Mas eu senti que isso também tinha
algo a ver com a atitude petulante e notavelmente não cristã do Pastor Ekollo
em relação a eles.

O Dr. Marcus James, um padre da Igreja Anglicana, da Jamaica, pegou onde


Ekollo parou. O Dr. James é um homem gordo, muito agradável, com óculos.
Ele começou com uma citação de que, quando o cristão chegou à África, ele
tinha a Bíblia e os africanos tinham a terra; mas, em pouco tempo, o africano
tinha a Bíblia e o cristão tinha a terra. Houve muita risada, na qual o Dr. James
se juntou. Mas o pós-escrito a ser adicionado hoje, disse ele, é que o africano
não apenas tem a Bíblia, mas encontrou nela uma arma potencial para a
recuperação de sua terra. Os cristãos no salão, que pareciam estar em minoria,
aplaudiram e fincaram os pés nisso, mas muitos outros se levantaram e
saíram. O Dr. James não pareceu estar angustiado e passou a discutir a
relação entre o cristianismo e a democracia. Na África, ele disse, não havia
nenhum. Os africanos, de fato, não acreditam que o cristianismo seja tão real
como para os europeus, devido ao imenso arcabouço com o qual o cobriram e
ao fato de que essa religião não tem nenhum efeito sobre sua conduta.
Existem, no entanto, mais de vinte milhões de cristãos na África, e – acreditava
o Dr. James – o futuro do país dependia muito deles. A tarefa de tornar o
cristianismo real na África tornou-se ainda mais difícil, na medida em que não
podiam esperar ajuda alguma da Europa: "O cristianismo, como praticado pelos
europeus na África, é uma caricatura cruel". Essa amarga observação,
pronunciada com tristeza, ganhou grande força pelo fato de um homem tão
genial ter se sentido obrigado a fazê-lo. Tornou-se vívida, incontestável, de
10

uma maneira que a fúria não poderia ter feito, quão pouco o Ocidente respeitou
seus próprios ideais ao lidar com os povos sujeitados e sugeriu que havia um
preço que pagaríamos por isso.
M. Wahal, do Sudão, falou à tarde sobre a função da lei da cultura, usando,
como ilustração, a função que a lei havia desempenhado na história do negro
americano. Ele falou longamente sobre o papel da lei francesa na África,
apontando que a lei francesa simplesmente não está equipada para lidar com a
complexidade da situação africana. E o que é ainda pior, é claro, é que
praticamente não faz nenhuma tentativa assim. O resultado é que a lei
francesa, na África, é simplesmente um significado legal de administrar a
injustiça. Também não é uma solução reverter ao costume tribal africano, que
também é desamparado diante das complexidades da vida africana atual.
Wahal falou com a silenciada matéria de fato, que emprestou grande força à
feia história que ele estava contando, e concluiu dizendo que a questão era em
última análise política e que não havia esperança de resolvê-la na estrutura do
atual sistema colonial.

Ele foi seguido por George Lamming. Lamming é alto, magro, desleixado e
intenso, e uma de suas verdadeiras distinções é sua recusa em ser intimidado
pelo fato de ser um escritor genuíno. Ele propôs levantar certas questões
relativas à qualidade de vida a ser vivida pelos negros naquele hipotético
amanhã, quando eles não seriam mais governados por brancos. "A profissão
das letras é desleixada", começou ele, parecendo que ele se vestira para
provar isso. Ele dirigiu seu discurso para Aimé Cesaire e Jacques Alexis em
particular, e citou Djuna Barnes9: "Um senso muito grande de identidade faz um
homem sentir que não pode fazer nada errado. E um muito pequeno faz o
mesmo". Ele sugeriu que era importante ter em mente que a palavra negro
significava preto – e não significava nada mais do que isso; e comentou sobre
a grande variedade de heranças, experiências e pontos de vista que a
Conferência reuniu sob o título deste nome único. Ele queria sugerir que a
natureza do poder não estava relacionada à pigmentação, que a má fé era um
fenômeno independente da raça. Ele encontrou – do ponto de vista de um
homem desleixado de letras – algo que prejudicava a obsessão da qual os
negros sofriam em relação à existência e às atitudes do Outro – esse Outro
sendo todo mundo que não é negro. Os grandes problemas dos negros
certamente não deviam ser negados e, no entanto, o maior problema que
enfrentávamos era o que nós, os negros, faríamos entre nós mesmos "quando
não havia mais nenhum cavalo colonial para cavalgar". Ele ressaltou que esse
era o cavalo em que muitos negros, que estavam no que ele chamava de "o
comércio da pele", esperavam cavalgar até o poder, poder que de modo algum
seria distinguível do poder que eles procuravam derrubar. Lamming insistia na
reverência que é devida à vida privada. Eu o respeitava muito, não só porque
ele levantou essa questão, mas porque ele sabia o que estava fazendo. Ele
estava preocupado com a imensidão e a variedade da experiência chamada
negro. Ele estava preocupado que alguém deveria reconhecer essa variedade

9 Escritora norte-americana. Ficou conhecida pelo seu romance Nightwood, comparado pelo
poeta T.S. Eliot à grande literatura inglesa do século XVI. Teve um relacionamento conturbado
com a artista plástica Thelma Wood.
11

como riqueza. Ele citou o caso de Palm Wine Drinkard10 (O bebedor de vinho
de palma) de Amos Tutuola, que ele descreveu como uma fantasia, composta
de lendas, episódios, o produto, intacto, de uma tradição oral de contar
histórias que desapareceu da vida ocidental há gerações. No entanto, "Tutuola
realmente fala inglês. Não é sua segunda língua". Os ingleses não acharam o
livro estranho. Pelo contrário, eles ficaram surpresos com a sinceridade que
parecia falar-lhes de sua própria experiência. Pareceu-me que Lamming estava
sugerindo à Conferência uma ideia sutil e difícil, a ideia de que parte da grande
riqueza da experiência do negro estava precisamente em seu duplo gume. Ele
estava sugerindo que todos os negros eram mantidos em um estado de
suprema tensão entre a relação difícil e perigosa em que se encontrava com o
mundo branco e o relacionamento, não um pouco menos doloroso ou perigoso,
no qual eles se colocavam um para o outro. Ele estava sugerindo que, na
aceitação dessa dualidade, se estabelecesse sua força.
Lamming foi interrompido neste ponto, entretanto, pois havia sido decidido, em
vista do grande número de relatórios, ainda a ser lido, limitar a todos em vinte
minutos. Essa regra bastante irrealista não foi observada muito de perto,
especialmente no que se refere aos delegados francófonos. Mas Lamming pôs
as anotações no bolso e terminou dizendo que, se, como alguém havia dito, o
silêncio fosse a única linguagem comum, a política, para os negros, era o único
terreno comum.

A sessão da noite começou com um filme, que eu perdi, e foi seguido por um
discurso de Cheik Anta Diop, que – em suma – reivindicou o antigo império
egípcio como parte do passado negro. Ele se recusou a permanecer dentro do
limite de vinte minutos e, embora suas alegações de desonestidade deliberada
de todos os estudiosos egípcios possam ser bem fundadas por tudo que sei,
não posso dizer que ele me convenceu. Ele foi, no entanto, um grande sucesso
no salão, perdendo apenas para Aimé Cesaire.
Ele foi seguido por Richard Wright. Wright estava agindo como homem de
ligação entre a delegação americana e os africanos e isso o colocara em uma
posição bastante difícil, já que ambas as facções tendiam a reivindicá-lo como
seu porta-voz. Naturalmente, não havia ocorrido aos americanos que ele
poderia ser qualquer coisa menos que isso, ao passo que os africanos
automaticamente o reivindicavam por causa de seu grande prestígio como
romancista e sua reputação por chamar uma pá de pá – particularmente se a
pá fosse branca. A consciência de sua peculiar, e certamente bastante
cansativa posição, pesava sobre ele, eu penso que bastante.

Ele começou confessando que o papel que ele havia escrito, enquanto estava
em sua fazenda na Normandia, o impressionou como sendo, após os
acontecimentos dos últimos dias, inadequado. Algumas das coisas que ele
havia observado durante o curso da Conferência levantaram questões nele que

10 Romance publicado em 1952 pelo autor nigeriano Amos Tutuola. O primeiro romance
africano publicado em inglês fora da África, esta edição é baseada em Inglês Yoruba ou Inglês
Pidgin (simplificado). Nele, um homem segue seu cervejeiro para a terra dos mortos,
encontrando muitos espíritos e aventuras. O romance sempre foi controverso, inspirando
admiração e desprezo entre os críticos ocidentais e nigerianos, mas emergiu como um dos
textos mais importantes do cânone literário africano.
12

seu artigo não poderia ter previsto. No entanto, ele não havia reescrito seu
artigo, mas o leria agora, exatamente como havia sido escrito, interrompendo-
se sempre que o que ele havia escrito e o que ele fizera desde então
parecesse estar em desacordo. Ele estava expondo, em suma, sua consciência
à Conferência e pedindo ajuda a eles em sua confusão.
Antes de tudo, havia uma dolorosa contradição em ser, ao mesmo tempo, um
ocidental e um negro. "Eu vejo os dois mundos de outro, e terceiro, ponto de
vista". Este fato não teve nada a ver com sua vontade, seu desejo ou sua
escolha. Era simplesmente que ele nascera no Ocidente e o Ocidente o havia
formado. Como um ocidental negro, era difícil saber qual deveria ser a atitude
em relação a três realidades que eram de maneira extravagante entrelaçadas
no tecido ocidental. Eram religião, tradição e imperialismo, e em nenhuma
dessas realidades foram levadas em conta as pessoas negras.
Wright, em seguida, passou a falar dos efeitos do colonialismo europeu nas
colônias africanas. Ele confessou ter sempre em mente a grande lacuna entre
as intenções humanas e os seres humanos – que ele considerava ter sido, em
muitos aspectos, libertador, já que esmagou velhas tradições e destruiu deuses
antigos. Uma das coisas que o surpreenderam nos últimos dias foi a percepção
de que a maioria dos delegados da Conferência não se sentia como ele. Ele
sentia, no entanto, que, embora os europeus não tivessem percebido o que
estavam fazendo para libertar os africanos da "podridão" de seu passado, eles
estavam realizando um bem. Em suma, disse Wright, ele achava que a Europa
havia trazido o Iluminismo para a África e que o que era bom para a Europa era
bom para toda a humanidade. Eu senti que essa era, talvez, uma maneira
indelicada de formular uma ideia discutível, mas Wright continuou para
expressar uma noção que eu achei ainda mais estranha. E isso foi que o
Ocidente, tendo criado uma elite africana e asiática, deveria agora "dar-lhes
suas cabeças" e "recusam-se a ficar chocados" com os "métodos que eles se
sentirão obrigados a usar" na unificação de seus países. Presumivelmente, isso
não nos deixou em posição de atirar pedras em Nehru, Nasser, Sukarno,11 etc.,
caso decidissem usar métodos ditatoriais para apressar a "evolução social".
Em todo caso, Wright disse que esses homens, os líderes de seus países, uma
vez que a nova ordem social fosse estabelecida, renderiam voluntariamente o
"poder pessoal". Ele não disse o que aconteceria então, mas eu supus que
seria a Segunda Vinda.
Sábado foi o último dia da Conferência, que deveria terminar com o convite ao
público para se envolver com os delegados no diálogo euro-africano. Foi um
dia marcado por muita confusão, excitação e descontentamento – este último
por parte de pessoas que sentiram que a Conferência havia sido mal
administrada ou que não tiveram permissão para lerem seus relatórios (Muitas
vezes eram as mesmas pessoas.). Também foi marcado por uma boa dose de
clareza, tanto dentro quanto fora, mas principalmente fora do registro. O salão
estava ainda mais quente e lotado do que no primeiro dia e os fotógrafos
estavam de volta.

11 O primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru, juntamente com os primeiros-


ministros Sukarno (da Indonésia) e Gamal Abdel Nasser (Egito), liderou a Conferência em
Bandung (Indonésia) em 1955.
13

A manhã inteira foi retomada em uma tentativa de concordar com um


"inventário cultural". Isso tinha que ser feito antes que a Conferência pudesse
redigir as resoluções que, hoje, apresentariam ao mundo. Essa tarefa teria sido
extremamente difícil, mesmo que houvesse no mundo negro uma unidade
maior – geográfica, espiritual e histórica – do que realmente é o caso. Nestas
circunstâncias, foi um esforço complicado pelas complexidades quase
indefiníveis da palavra "cultura", pelo fato de que nenhuma declaração
coerente ainda havia sido feita sobre a relação das culturas negras entre si e,
finalmente, pela necessidade, que havia obtido durante toda a Conferência, de
evitar as questões políticas.
A incapacidade de discutir política certamente prejudicou a Conferência, mas
dificilmente poderia ter sido executada de outra forma. A questão política teria
levado a Conferência a se perder em uma guerra de ideologias políticas. Além
disso, a Conferência estava sendo realizada em Paris, muitos dos delegados
representavam áreas que pertenciam à França, a maioria deles representando
áreas que não eram livres. Também havia que se considerar a delicada
posição da delegação americana, que se sentou ao longo da Conferência
desconfortavelmente ciente de que em algum momento eles poderiam ser
forçados a se levantar e sair do salão.
Sendo assim proibida a declaração de pontos de vista políticos, o debate
"cultural" que se desenrolava no salão naquela manhã era um perigo perpétuo
de se afogar no mar dos não-declarados, pois, de acordo com sua posição
política, cada delegado tinha uma interpretação diferente de sua cultura e uma
ideia diferente de seu futuro, bem como dos meios a serem usados para tornar
esse futuro uma realidade. Uma solução do tipo foi oferecida pela sugestão de
Senghor de que dois comitês fossem formados, um para fazer um inventário do
passado e outro para lidar com as perspectivas atuais. Havia algum sentimento
de que dois comitês eram escassamente necessários. Diop sugeriu que um
comitê fosse formado, o que, se necessário, poderia se dividir em dois. Então
surgiu a questão de como a comissão deveria ser indicada, se seria por países
ou por áreas culturais. Decidiu-se, por fim, que a comissão deveria ser criada
na última base e deveria ter resoluções elaboradas até o meio-dia. "É por
essas resoluções", protestou Mercer Cook, "que nos tornaremos conhecidos.
Não pode ser feito em uma hora". Ele estava inteiramente certo. Naquela
época, um comitê de dezoito membros havia sido formado. Às 4 da tarde, eles
ainda estavam invisíveis. Nessa época, também, a mais tremenda impaciência
reinou no salão lotado. Às 16:25, a impaciência do público irrompeu em
assobios, vaias e batidas de pés. Às 16:30, Alioune Diop chegou e abriu
oficialmente a reunião. Ele tentou explicar algumas das dificuldades que tal
Conferência inevitavelmente encontrou e assegurou ao público que a comissão
de resoluções não estaria ausente por muito mais tempo. Enquanto isso, na
ausência deles e na ausência do Dr. Price-Mars, ele propôs ler algumas
mensagens dos simpatizantes. Mas a audiência não estava realmente
interessada nessas mensagens e estava manifestando uma tendência muito
clara de se descontrolar novamente quando, às 16:55, o Dr. Price-Mars entrou.
Sua chegada teve o efeito de acalmar um pouco a plateia e, felizmente, a
comissão de resoluções chegou pouco depois. Em 17:07 Diop subiu para ler o
documento que tinha chegado a um voto de ser aprovado por unanimidade. Tal
como acontece com documentos deste tipo, foi cuidadosamente redigido e
14

ligeiramente repetitivo, isso não tornou seu significado menos claro nem
diminuiu sua importância. Falou primeiro da grande importância do inventário
cultural aqui iniciado em relação às várias culturas negras que foram
“sistematicamente mal interpretadas, subestimadas, às vezes destruídas”. Este
inventário confirmou a necessidade urgente de um reexame da história dessas
culturas. ("la verité historique”)12 tendo em vista a sua reavaliação. A
ignorância a respeito deles, os erros e as distorções voluntárias estavam entre
os grandes fatores contribuintes para a crise através da qual eles agora
passavam, em relação a eles mesmos e à cultura humana em geral. A ajuda
ativa de escritores, artistas, teólogos, pensadores, cientistas e técnicos era
necessária para o renascimento, a reabilitação e o desenvolvimento dessas
culturas como o primeiro passo para sua integração na vida cultural ativa do
mundo. Os homens negros, quaisquer que fossem suas crenças políticas e
religiosas, estavam unidos em acreditar que a saúde e o crescimento dessas
culturas não poderiam vir até que o colonialismo, a exploração dos povos
subdesenvolvidos e a discriminação racial cheguem ao fim. (Neste momento a
Conferência expressou seu pesar pela ausência involuntária da delegação sul-
africana e a leitura foi interrompida por aplausos prolongados e violentos.).
Todas as pessoas, o documento continuava, tinham o direito de poder se
colocar em contato frutífero com seus valores culturais nacionais e beneficiar-
se da instrução e educação que lhes poderiam ser oferecidas neste contexto.
Ele falou do progresso que havia ocorrido no mundo nos últimos anos e
afirmou que esse progresso permitia esperar a abolição geral do sistema
colonial e o fim total e universal da discriminação racial. E terminou: "Nossa
Conferência, que respeita as culturas de todos os países e aprecia suas
contribuições para o progresso da civilização, envolve todos os homens negros
na defesa, na ilustração e na disseminação em todo o mundo dos valores
nacionais de seu povo. Nós, escritores e artistas negros, proclamamos nossa
fraternidade para com todos os homens e esperamos deles ('nous attendons
d'eux')13 a manifestação dessa mesma irmandade para com nosso povo”.
Quando os aplausos nas últimas palavras deste documento estavam quase se
terminando, Diop assinalou que isso não era uma declaração de guerra; foi, ao
contrário, uma declaração de amor – pela cultura, europeia, tão importante na
história da humanidade. Mas sentira muito profundamente que agora era
necessário que os homens negros se esforçassem para se definir a si mesmos
"au lieu d'être toujours défini par les autres"14. Os homens negros resolveram
"tomar o seu destino nas próprias mãos". Ele falou de planos para a criação de
uma associação internacional para a disseminação da cultura negra e, em
17:22, o Dr. Price-Mars oficialmente encerrou a Conferência.

James Baldwin

12Trad. (“A verdadeira história”)


13Trad.(Estamos esperando por eles)
14 Trad. “em vez de serem sempre definidos por outros”

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