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Resumo: Este artigo pretende verificar questões teóricas relacionadas com a utilização da tecnologia de
filmagem S3D em documentários e sua função imersiva. O atual estágio dessa tecnologia implica em um
retrocesso nos métodos de filmagem documentária que foram aprimorados a partir da experiência do Direct
Cinema americano e do Cinémà Véritè francês, com fortes implicações na linguagem cinematográfica.
PALAVRAS-CHAVE: DOCUMENTÁRIO, ESTEREOSCOPIA, 3D
The visual representation of physical space through the stereoscopic S3D documentary
Abstract: This paper investigates the theoretical issues related to the use of technology in S3D filming in
documentaries and its immersive function. The current stage of this technology involves a setback in the
methods of documentary filming, which were improved from the experience of the American Direct Cin-
ema and French Cinema Verité, with strong implications for the language of film.
KEYWORDS: DOCUMENTARY, STEREOSCOPIC, 3D
INTRODUÇÃO
1 Estereoscopia é a técnica de recriação da percepção de profundidade espacial a partir de duas imagens 2D, referentes
à visão de cada um dos dois olhos; essas imagens ao serem vistas independente e separadamente em cada um dos dois
olhos, permitem uma percepção visual reconstruida no cérebro, que se aproxima daquilo que o ser humano denomina
de profundidade espacial.
no Laboratório de Pesquisas em Imagem e Som (LAPIS DIGITAL) do Curso de Artes
Visuais do CCHS/ UFMS, sob a coordenação do autor desde 20032 (SOUZA, 2009).3
A tecnologia de filmagem estereoscópica utilizada em filmes S3D4 vale-se de duas
câmeras sincronizadas que devem ser posicionadas lado-a-lado para se obter um par de
imagens estereoscópicas. O maior problema da atividade cinematográfica estereoscópica
consiste na correta determinação da distância entre os eixos ópticos das objetivas dessas
duas câmeras. Essa distância, é denominada de “base-estéreo”, tomando-se emprestado
esse termo do seu equivalente inglês “stereo-base”, e é o resultado de uma função que
relaciona a distância focal das objetivas e a distância entre o objeto e a câmera.
Alguns especialistas desenvolveram calculadoras que facilitam grandemente o tra-
balho de determinação da base-estéreo durante as filmagens. Todavia, de uma forma bas-
tante evidente, ainda não resolveram as necessidades operacionais de tomadas de decisões
rápidas durante as filmagens de documentários. Nestes casos fica muito difícil ao opera-
dor de câmera parar o processo de filmagem, calcular a base-estéreo e ainda posicionar as
câmeras à correta distância.
Em alguns casos de filmagens estéreo 3D, nas quais ocorre transmissão em broadcas-
ting, são utilizados analisadores computacionais de imagens estereoscópicas que enviam,
através de retroalimentação, informações de controle da base-estéreo para o acionamento
de motores que controlam parafusos que determinam a posição das câmeras. Para isso
são utilizados RIGs totalmente motorizados como é o caso do modelo TS5 da 3alitydigital5
ou da câmera desenvolvida pela Disney Research-Zurich6 (HEINZLE et al., 2011). Dessa
forma há um controle da paralaxe7 diretamente a partir da base-estéreo. Esta é a situação
do estado da arte dos sistemas de filmagem S3D estéreo, todavia, o tamanho e o peso dos
equipamentos acabam por tornar inviável sua utilização em documentários.
No âmbito da linguagem, a paralaxe é a principal variável a ser considerada em um
filme S3D, para se determinar a sensação de profundidade durante a visualização. Essa
profundidade possui caráter semiótico, na medida em que representa o próprio espaço,
mas pode também, de modo metafórico, representar outras dimensões narrativas do
filme. Em um filme de caráter ficcional, onde existe um maior controle do processo de
construção da imagem, o aspecto estereoscópico pode representar uma sensação de am-
pliação de espaço, ou de opressão espacial, sensações obtidas pelo espectador em função
2 Como resultado parcial das pesquisas foi produzido um filme documentário intitulado “O Lago 3D” – 1999, dispo-
nível em http://youtu.be/_yC2lBsSDLo (versão em inglês) e em http://youtu.be/GyHsgwm_zs0 (versão em português).
3 Este autor também pode ser encontrado pela referência ao nome GODOY-DE-SOUZA.
4 A sigla S3D ou Stereo 3D (3D estéreo), é utilizada para representar o sistema estereoscópico; evita-se assim confusão
com as imagens 3D produzidas por modelagem computacional em ambiente tridimensional, que são em sua maioria
bidimensionais.
5 Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=iJGxpKoYzQs, acesso em 27/12/2011.
6 Vídeo mp4 disponível em http://people.csail.mit.edu/wojciech/CompStereo/index.html, acesso em 28/12/2011.
7 A imagem estereoscópica contém uma representação distinta para a visão de cada um dos olhos; as diferenças
entre uma imagem e outra é denominada de paralaxe, que é a distância entre pontos correspondentes ao olho direito e
esquerdo na imagem estereoscópica projetada na tela.
FUNDAMENTOS BIOPSICOFISIOLÓGICOS
A Teoria do Umwelt proposta por Jacob von Uexküll (UEXKÜL, 1992; VIEIRA, 1994;
SOUZA, 2001), apresenta-se como ferramenta fundamental para a compreensão do pro-
cesso de representação do espaço observado nas imagens estereoscópicas. O Umwelt é
uma espécie de mapeamento da realidade que a Natureza, durante o processo evolutivo,
permitiu ao ser vivo construir interiormente. A espécie humana também representa a
1) o tamanho relativo das imagens dos objetos, de modo que os maiores pare-
çam estar mais próximos que os menores;
8 A Dilatação do Umwelt humano (uma característica evolutiva da espécie) se dá através de elaboração sígnica. Os
sígnos indiciáticos que mostram diferentes aspectos da realidade não observáveis pelos transdutores orgânicos que a
espécie humana possui, são por si só insuficientes para transcender os limites da bolha de universo subjetivo (Umwelt).
Torna-se necessário o desenvolvimento de signos muito mais complexos, que dão coerência aos aspectos da realidade
que se encontram ocultos na forma de dados indiciais do mundo. Conforme foi discutido em “Documentário, Realidade
e Semiose” (SOUZA, 2001: 130), um documentário é uma dessas formas de complexificação sígnica que pode garantir a
Dilatação do Umwelt.
9 J.J. Gibson, fundador da psicologia ecológica, afirma que quando observamos o mundo estamos estabelecendo
uma relação de percepção direta, enquanto que a percepção das representações é uma percepção mediada, que ocorre
por meio do que ele chama de substitutos visuais, estes substitutos são, por exemplo, o desenho, a pintura, a fotografia,
cinema, televisão e etc.
10 Como já foi destacado em “Documentário, Realidade e Semiose, os sistemas audiovisuais como fontes de conhe-
cimento” (SOUZA, 2001), a perspectiva central foi um ganho nas formas de representação espacial; foi a forma que se
disseminou pelo planeta (fotografia, cinema e televisão). A representação espacial pela perspectiva central simula o
espaço, não porque mimetiza o espaço, mas sim porque é um modelo coerente com a forma pela qual o Homo sapiens
mapeia o espaço em seu Umwelt.
11 De acordo com Christian Metz, um “efeito estereocinético, cuja importância para o cinema foi salientada por Ce-
sare L. Musatti no seu artigo intitulado “Os fenômenos estereocinéticos e os efeitos estereoscópicos do cinema normal”,
artigo da Revue International de Filmologie, n29 de janeiro/março de 1957 (METZ, 2004: 20).
Isto posto, cabe considerar ainda que as distorções relativas da imagem de cada ob-
jeto representado sobre a retina parece contribuir na percepção da profundidade espacial.
Retoma-se aqui a Teoria do Umwelt para a justificativa do uso da imagem estereoscópica
como forma de representação do espaço tridimensional. Ao que tudo indica, essa forma de
representação pictórica apresenta-se em um grau elevado de coerência com a representação
do espaço no Umwelt humano. É possível afirmar-se que o aprimoramento dessa forma de
12 É importante deixar claro que, quando utilizamos o termo evolução não estamos empregando-o com juízo de valor,
daquilo que é melhor ou pior, mas sim como um processo de continuidade e mudança, em qualquer sistema dinâmico,
incluindo, mas não limitado a sistemas biológicos (ANDERSON, 1984).
13 Giotto di Bondone (1267-1337), da escola de Florença, é considerado um precursor do uso da perspectiva artificial
na pintura, no início do século XIV. “Giotto redescobriu a arte de criar a ilusão de profundidade numa superfície pla-
na” (GOMBRICH, 1999:201). Imagem disponível em: http://www.wga.hu/art/g/giotto/assisi/lower/ceiling/04christ.jpg,
acesso em 26/12/2011.
14 IMAX 3D projeta filmes em telas de grandes dimensões (o padrão é: 20m de largura por 16m de altura), nas quais a
sensação de imersão é muito intensa já que o espectador não inclui a borda da tela em seu campo de visão. O sistema de
filmagens utiliza câmeras de grande formato (65 mm) com base-estéreo fixada em 64mm de distância entre as objetivas,
o que provoca surgimento de imagens com paralaxes de grandes dimensões.
Neste artigo também não se pretende uma definição exaustiva do termo “imersão”,
apenas acredita-se que seja um parâmetro em torno do qual se poderia desenvolver al-
guma comparação entre os ganhos de linguagem obtidos na década de 60 e os ganhos
obtidos com a imagem S3D no documentário.
Assim utilizar-se-á a seguinte definição de imersão: é um estado mental no qual a
consciência do indivíduo torna-se envolvida por outra dimensão de tempo diferente da-
quele vivenciado normalmente, ou ainda por um espaço quase semelhante à represen-
tação que o cérebro faz do espaço tridimensional. Tem-se aqui evidentes relações com
o conceito de Metz de “impressão de realidade”;15 ou ainda com as idéias de negação das
descontinuidades de montagem promovidas pela ilusão de continuidade narrativa, como
na forma como definiu Baudry.16
Considere-se portanto os efeitos de imersão narrativa proporcionados pela tecnolo-
gia portátil utilizada pelo Direct Cinema americano, ou pelo Cinémà Vérité francês. Em
Primary (1960) de Robert Drew, filme paradigmático do Direct, a imersão ocorre no tem-
po/espaço de uma campanha presidencial desenvolvida nos Estados Unidos. A mobilida-
de da câmera e do som direto coloca o espectador no meio dos acontecimentos, aumen-
tando a “impressão de realidade”; ou de acordo com as idéias de Uexküll, representam-se
os acontecimentos de forma muito coerente e compatível com o Umwelt humano, permi-
tindo o envolvimento dos sentidos. Os deslocamentos de câmera são sentidos como um
deslocamento que o indvíduo realizaria dentro dos próprios eventos retratados pelo filme
de Drew. Os ruídos altamente envolventes, as vozes das pessoas sincronizadas com suas
imagens e os movimentos resultantes dessa sinergia, elevaram a imersão do espectador
nas narrativas apresentadas nos documentários desde então.
Os ganhos de mobilidade possibilitados pela tecnologia a partir daquela época
(câmeras ergonômicas e som direto) sofrem um grande revés com o surgimento da
tecnologia S3D principalmente nos documentários produzidos para o IMAX 3D. As
câmeras de grande formato não possuem mobilidade, a não ser quando suportadas por
sistemas de deslocamento tais como gruas e trilhos. Dessa forma, praticamente todos os
documentários S3D produzidos entre 1990 e 2010, para o IMAX, não contém imagens
de deslocamento de câmera com a mesma agilidade que se vê nos documentários 2D
pós Direct/Vérité.
Todavia, deve ser considerado que há outro nível de imersão promovido por esses
documentários S3D que se refere à representação tridimensional do espaço. Aqui es-
ses documentários exibem com toda a plasticidade possível do sistema estereocópico os
elementos volumétricos e espaciais que justificam sua própria existência. Filmes como:
Figura 3 – Exemplo de imagem anaglífica sendo utilizada para monitorar a porcentagem de paralaxe
negativa em relação à largura da tela.
18 Entende-se por paralaxe positiva a percepção de imagens de objetos situados em um plano situado atrás da tela;
enquanto que por paralaxe negativa entende-se a percepção de imagens de objetos situados à frente da tela. À percepção
de imagens de objetos no plano da tela, denomina-se paralaxe zero.
BIBLIOGRAFIA
19 Produtor especializado em S3D, responsável pelos estudios da 3ality Technica (ex 3ality Digital), uma das empresas
que mais investem em P&D para desenvolvimento da tecnologia S3D para transmissões em tempo real e participante de
boa parte dos filmes S3D de grande sucesso.
20 Existem variadas imagens 2D que buscam representar as diferentes paralaxes: mapas de profundidade, diferenças
entre esquerda e direita, mistura 50%-50%, dentre outras. O autor deste artigo optou pela utilização das imagens anaglí-
ficas por motivos de ordem tecnológica.
21 Tecnologia que permite a visualização estereoscópica sem a utilização de óculos.
FILMOGRAFIA
* Hélio Augusto Godoy de Souza é professor do PPG em Artes da UFMS e doutor em Comunicação e
Semiótica – PUC-SP; mestre em Artes/Cinema – ECA-USP; graduado em Ciências Biológicas – IBUSP.
E-mail: hgodoy@uol.com.br