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Como escreve

Otavio Luiz Rodrigues Junior

Entrevista a José Nunes de Cerqueira Neto,

publicada em: comoeuescrevo.com

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Por necessidade profissional, viajar é parte de minha rotina. Esses deslocamen-

tos, em geral pela manhã, comprometem parte de minha semana, até por compreen-

derem aeroportos e traslados terrestres. Logo, não consigo estabelecer uma rotina ma-

tinal digna do substantivo “rotina”.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual

de preparação para a escrita?

Aprendi uma verdade que me acompanha em minha relação com o trabalho e a

escrita: o sucesso é conquistado enquanto os outros dormem. Escrever ou trabalhar

nos horários normais é algo ordinário. Conseguir trabalhar e escrever em horário pouco

usuais é o que torna possível avançar em projetos ligados a essas atividades. A ma-

drugada e o alvorecer são os períodos em que melhor produzo, assim considerada a

ideia de produção bibliográfica.

Escrever é para mim uma atividade muito prazerosa, mas (ou talvez por isso)

não vem acompanhada de qualquer ritual. Preciso apenas de uma mesa com nenhum

(ou quase nenhum) objeto que me desvie a atenção e um computador com duas telas.

Acostumei-me a escrever com duas telas e tenho hoje muita dificuldade quando elas

não estão disponíveis. Como morei fora do país (Portugal e Alemanha), terminei por

desenvolver o hábito de digitalizar parte de meu acervo de trabalho (livros, capítulos de

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livros e artigos), o que me liberava dos problemas com o transporte de tanto material

bibliográfico. Daí as duas telas serem tão necessárias.

Se é possível falar em um ritual, o que realmente não admito que o possua, ele

se constitui em reunir o material bibliográfico (não digitalizado, é claro) próximo de mim

e separá-lo por temas, de acordo com a evolução do texto.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você

tem uma meta de escrita diária?

Eu admiro profundamente os autores que possuem disciplina de escrita. Ma-

chado de Assis, Alexandre Dumas e Mario Vargas Llosa são autores com tal caracterís-

tica, embora por razões diferentes. Machado escrevia para atender a seus compromis-

sos com os diários fluminenses do século XIX. Era uma forma de complementação de

sua renda como oficial de gabinete no Império. Mas a escrita de seus romances era

lenta, burilada, extremamente reflexiva. Dumas era outro autor que não perdia o fôlego

(de escritor) para não perder o crédito (com seus inúmeros fornecedores de bebidas,

alimentos e roupas). Essa disciplina, ditada pela necessidade, prejudicou-lhe a imagem

póstera como grande autor, o que julgo ser mais uma manifestação injusta de esno-

bismo. Llosa, em uma entrevista ao periódico espanhol El País, revelou que tem uma

disciplina férrea de escrita. Não há dia em que ele não se dedique a escrever algumas

páginas, com ou sem inspiração. Esse seria meu modelo. Infelizmente, não consigo tal

nível de autocontrole criativo.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas sufi-

cientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

O processo de escrita é variável, a depender do tipo de texto. Uma tese ou um

livro demandam a reunião lenta e acumulada das fontes. É a fase do “colecionador”:

reunião de fontes e sua organização, seja em pastas (físicas ou eletrônicas) ou em pra-

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teleiras. Posteriormente, a leitura compulsiva desses textos. Em casa, no avião ou,

quando é possível, no trabalho. Comparo esse processo a encher um compartimento

até que ele transborde. Quando há o transbordo, começo a escrita. É claro que a me-

mória nem sempre funciona bem e ter os materiais à mão é ótimo para não se perder o

foco e o ritmo de escrita.

A redação é movida, nessa fase, pela angústia da reordenação mental do sumá-

rio (que eu elaboro apenas mentalmente e depois confiro-lhe uma forma no texto) e da

sensação de que não será possível abordar tudo o que seria desejável ou esperável.

Artigos, a depender de sua profundidade, servem-se desse modelo ou não. Se

forem mais simples ou se forem as colunas que publico na revista Consultor Jurídico,

às quartas-feiras, o processo é mais ágil: leitura das fontes e escrita quase em simultâ-

neo. Nesse caso, há o aproveitamento de outras leituras (mais profundas ou aprofun-

dadas) que fiz para escrever livros ou teses, bem como aquelas feitas de modo desin-

teressado pelo mero amor ao tema.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo

de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos lon-

gos?

Américo Plá Rodríguez é autor de um ótimo livrinho, intitulado “Como se escreve

um livro jurídico: conselhos a um jovem que vai escrever um livro”, publicado em 2003

pela editora da Universidade de Campinas, com uma bela tradução de Jefferson Carús

Guedes. Nesse livro, o qual recomendo vivamente a leitura, o velho jurista uruguaio in-

ventaria os principais problemas enfrentados por um autor para começar, desenvolver

e terminar uma tese (ou um livro, em geral). Procrastinação, medo dos leitores e de

suas expectativas, como figuram em sua pergunta, somam-se aos cronófagos (como

ele denomina os fatores e as pessoas que nos desviam da concentração da escrita,

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como verdadeiros “devoradores do tempo”), aos erros no dimensionamento do objeto

da tese ou desvios para temas laterais, que criam labirintos que nos impedem de ter-

minar um texto.

Penso que sofro de todos eles. E mais alguns...

A meu favor, porém, invoco o benefício de não ser um grafômano, como definia

Rudolf von Jhering aos escritores jurídicos em série (quase serial killers das letras jurí-

dicas) do século XIX. Literatura de má qualidade, conceitos ruins ou mal-empregados,

textos fast food e outros desvios da escrita jurídica de nosso tempo são pragas cada

vez mais incontroláveis. Na raiz disso talvez esteja a falta de superego ou o que tenho

chamado de vitória dos fordistas contra os renascentistas.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão pron-

tos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Adoraria poder ler e revisar meus textos duas ou três vezes. Mais do que isso,

circular draft papers ou versões preliminares com alguns amigos e colegas que admiro

e respeito, antes, é claro, de mandar para a publicação. Esse tipo de expediente, que

lembra muito o tipo de Ciência que se faz desde o século XVIII, é um ideal cada vez

mais raro, difícil de se pôr em prática e alheio à realidade de textos para consumo ime-

diato e industrial, rapidamente perecíveis.

Quando consigo fazer isso, sinto que produzi algo de superior qualidade em re-

lação ao que não se submeteu a tais processos de refinamento.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascu-

nhos à mão ou no computador?

A melhor possível. Considero que a tecnologia é uma amiga do escritor contem-

porâneo. Ela permite eliminar uma série de processos mecânicos que antes retardavam

(ou condicionavam) a atividade do escritor. Todos os de minha geração (nascidos entre

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1970 e 1975) conheceram a máquina de escrever. Até o meio da faculdade (1994), ela

ainda era o “instrumento” por excelência. A chegada dos editores de texto dos compu-

tadores mudou tudo. Com a internet, os mecanismos de busca e as facilidades atuais

da informática, escrever tornou-se bem mais fácil. Embora, reconheça-se, mais perigo-

so... Para autores e para leitores.

Eu cultivo o hábito da escrita à mão. Tenho canetas-tinteiro, vidros de tinta e ca-

dernos. Há uma espécie de “ritual do chá” no uso desses instrumentos de escrita: en-

chê-los, limpar as penas e os conversores, trocar as tintas. É algo que aprecio muito e,

eventualmente, manuscrevo textos pequenos e depois os digito. A escrita à mão é

também útil para fazer sumários, preparar tópicos ou anotar algumas ideias centrais de

textos que me servem à elaboração de um livro ou de uma coluna. Fora isso, porém,

rendi-me por completo à tecnologia.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para

se manter criativo?

Das viagens, das leituras jurídicas e não jurídicas, dos filmes, das músicas e das

situações da vida... Tudo concorre para a criatividade do escritor, seja ele jurídico ou

não. Viver é encontrar fontes para a criação literária. Evidentemente que o texto técnico

exige um nível de leitura e de rigor metodológico que a liberdade criativa de um texto

não jurídico é, muitas vezes, inconciliável. Fatores como carga de leitura e conheci-

mento especializado são muito mais importantes. Nesse caso, a influência do elemento

metajurídico serve para dar o colorido certo a uma aquarela que, até por dever de ofí-

cio, deve ter tons mais neutros.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos

anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?

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O processo em si mudou muito pouco. Escrevo artigos desde 1994 e livros des-

de 2000. O processo, tal como descrevi nas perguntas anteriores, só se aprimorou. Na

essência, contudo, é basicamente igual. O que mudou – e muito – foi a maneira como

escrevo. Perdi a linguagem bacharelesca e praxista (a doença infantil do escritor jurídi-

co), diminuí os adjetivos, eliminei os cacoetes do texto jurídico mais antigo (o douto, o

pranteado...) e tentei escrever, ao menos nos últimos anos, de forma mais autoral e

acessível. O hábito (e o dever) de escrever colunas semanais na revista Consultor Jurí-

dico foi decisivo para esse avanço em direção ao simples e ao claro.

Se pudesse voltar a escrever minha tese de doutorado (defendida em 2006) ou

de livre-docência (defendida em 2017), seria mais organizado. Tentaria aproveitar mais

o tempo. Organização e disciplina permitem dedicar mais horas à revisão e à crítica do

próprio texto. Mas isso não depende, muita vez, da vontade do autor. No meu caso, os

bloqueios criativos podem durar dias. Quando são vencidos, consigo escrever a fio por

muito tempo. Isso, contudo, impede qualquer previsibilidade no cronograma da escrita.

E há um preço alto a se pagar...

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro

você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Deixarei a primeira parte dessa pergunta em aberto. Aprendi com meu falecido e

querido orientador, Antonio Junqueira de Azevedo, que projetos literários não se anun-

ciam. Eles simplesmente terminam. E, como disse Churchill, depois de escravizar os

autores, precisam ser mortos e o cadáver atirado à fúria dos leitores.

Quanto ao livro que eu gostaria de ler? Aquele que descobrirei em minha próxi-

ma visita à livraria. Espero encontrar com ele em breve.

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Otavio Luiz Rodrigues Junior é professor do departamento de Direito Civil da Facul-

dade de Direito da Universidade de São Paulo.

José Nunes de Cerqueira Neto é doutorando em direito na Universidade de Brasília.

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