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A busca para essas respostas não é simples, pois as mudanças produzidas pela influência
das relações virtuais e das redes sociais implicam em novas formas de subjetivação muito
inovadoras sob uma série de perspectivas das teorias sociais. E que não estão restritas
somente aos jovens mas afetando toda a sociedade, desde a infância até os mais idosos.
Tornou-se necessário ingressar no campo dos estudos sociais que discutem a noção de
subjetividade e construção sócio-cultural-econômica. Dentre os mais importantes,
iniciou-se com os importantes estudos de Zizek sobre a posição do sujeito diante da
influência da ideologia como constituída pela fantasia, em seu papel primordial de dar
um sentido ao Real. Base fundamental para pensar a posição do sujeito diante dos novos
tempos, principalmente com o advento quase divino da burocracia da qual nos tornamos
cada vez mais reféns. Recentemente, o filme “Eu, Daniel Blake” nos apresentou o conflito
de um homem idoso em sua luta pelo atendimento na saúde e por sua aposentadoria, que
não conseguia resolver sua demanda por estar as voltas com um sistema informatizado e
impessoal que obstaculizava suas tentativas em dar uma solução para seu seguro-saúde.
A burocracia se apresenta como uma experiência traumática, e seu caráter divino advêm
por ter se tornada todo-poderosa, onipresente e invisível.
Por outro lado, as chamadas novas organizações familiares se constituem numa dinâmica
imaginária que se move de forma altamente dinâmica. Não somente no plano dos novos
relacionamentos e laços, mas, principalmente pela observação de certa ruptura na
disponibilidade de tempo e convivência entre pais e filhos. Os pais passaram a ser
culpabilizados por tamanha ausência. Mas algo aconteceu para que essa mudança
ocorresse.
Com esses dois autores, já é possível perceber os desafios do homem contemporâneo para
ressiginifcar uma realidade que afeta sua posição diante do mundo e de si mesmo.
Transformação tão profunda que descentra os sujeitos de tal forma que suas referências
passam a ser mutantes a cada dia.
Alguns outros autores também contribuem para ajudar nas análises dessas mudanças e
seus efeitos na sociedade e, mais especificamente, na adolescência. Destacam-se, em
especial, os estudos de Harari sobre as transformações do homem na história da
humanidade e o efeito da religião do consumismo, como ele o chama, nos dias atuais.
Na ausência de utopias coletivas e de valores humanistas, associados a uma sociedade
extremamente competitiva, emerge uma falta de sentido existencial. Sentimentos como a
tristeza, por exemplo, não podem ser compartilhados por poder revelar fragilidade e, por
consequência, fracasso. O estudo de Harris sobre a perda da vivência dos jovens sobre a
experiência da “ausência” para quem nasceu e vive num mundo hiperconectado, também
contribui nesta reflexão sobre como a experiência do vazio existencial, do silêncio interno
e do exercício da contemplação são vividos, muitas vezes, com muito sofrimento.
Esses autores contribuem de forma muito construtiva as mudanças que vem ocorrendo na
sociedade contemporânea na constituição de novas subjetividades.
Em relação a psicanálise, Freud sempre nos lembrava de que a teoria é muito importante,
mas não impede que as coisas sejam como são. E parece-nos que as mudanças pedem um
novo caminho de compreensão à luz das bases clássicas de Freud, Lacan e também de
Winnicott. Os desafios da clínica contemporânea diante do chamado mal do século XXI,
a depressão, encontram novos desafios diante do sofrimento psíquico, da transformação
de certos padecimentos da condição humana em doenças de caráter psiquiátrico e,
principalmente, pela ação corrosiva dos novos modos do viver afetando a relação dos
sujeitos com a “realidade”. Sucumbindo, muitas vezes, pela inadequação aos modelos
que subjugam o comportamento ideal à “religião do consumo e do desempenho”.
Considere-se que vivemos num momento em que há uma profunda insatisfação dos
adultos com os modelos vigentes. Se os jovens buscam realizar esse desejo inconsciente
de pais que desejariam viver outro modelo de realização profissional e pessoal, qual seria
a atitude diante da realidade desses jovens? Fica a impressão de que não há com que se
contrapor ou a se seguir. Diante de tal vazio existencial, em que o consumo, a
competitividade e a insegurança ocupam o lugar do sofrimento psíquico, resta aos jovens
esse modelo com o qual não querem se identificar, com uma busca de um lugar que escapa
desse vazio vivido pelos adultos. E, ao que me parece, caem em estados de ansiedade e
depressão diante dos desafios impostos por uma sociedade que nem seus pais conseguem
suportar.
Outra observação clínica que me parece cada vez mais clara diante das dinâmicas sociais
e familiares diz respeito ao processo edípico revivido na adolescência. Com certo apuro
e análise de inúmeros casos de depressões entre adolescentes foi possível perceber um
componente estrutural que se repete. Há, cada vez mais, uma dificuldade dos jovens se
contraporem aos pais, como um dos elementos básicos da condição adolescente, e
permanecendo na posição infantil de submissão aos desejos destes. Com a dificuldade de
se livrar das amarras do olhar familiar sobre sua condição infantil, deprimem, porque se
sentem incapazes de separar dessa condição prolongada da infância, e ainda tendo que
lidar com as pressões que a sexualidade impõe a todos.
E como é que essa trama se revela? Por meio do prolongamento da adolescência dos
adultos e da condição narcísica dos pais em aceitar o crescimento dos seus filhos. De uma
forma geral, os pais se colocam como parceiros de confidências amorosas, de
cumplicidade de programas compartilhados e de medo do seu próprio envelhecimento,
em ultima análise. O prolongamento da condição infantil na adolescência culpabiliza o
jovem diante de se contrapor a alguém que busca preencher todos os buracos e, ao invés
de criar amadurecimento, promove estados melancólicos por meio de inibição e
introspecção. De uma forma geral, os quadros depressivos da adolescência se aproximam
dessas duas observações clínicas. Incluindo, nestes, muitas das depressões de jovens
adultos e que se expressam pela dificuldade da perda dessa condição infantil.
Da clínica social à subjetiva, caminha-se numa busca de entender como as questões “são
o que são” nesses tempos de profundas transformações sociais. E estes são alguns dos
apontamentos que se percorre nessa estrada em que se é sujeito e objeto dessa mudança,
além de localizar qual o lugar do analista nessas intervenções.
A clínica do adolescente dos tempos líquidos parece ser uma terminologia interessante
para situar a experiência da clínica psicanalítica contemporânea. E este é um desafio a ser
enfrentado e que pode trazer “luzes” tanto para as famílias como para a escola.
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