A presença-ausência dos árabes e de muçulmanos nos processos de
modernização brasileira: a readequação dos mapas coloniais
Bruno Oliveira Rodrigues
Em sua introdução Alain Pascal informa a tônica de seu texto, traz
informações basilares para a compreensão da argumentação que está para desenvolver e apresenta seus objetivos analíticos. O artigo tem como objetivo geral a discussão do papel dos árabes e muçulmanos (árabes, africanos islamizados, pérsios, turcos-otomanos, mongóis...) nos processos coloniais das Américas e como as técnicas de plantio de cana-de-açúcar e de plantio de café, bem como seus respectivos processamentos, deram início ao processo de modernização do Brasil, estreando dessa forma as lutas por terras para atender as demandas que a agricultura exige.
O texto em si trata de forma analítica processos coloniais longos e
complexos, assim como seus impactos nos mecanismos de formação da modernização e consolidação do próprio capitalismo. O presente artigo tem sua divisão em uma introdução, quatro capítulos propriamente ditos e considerações finais, desta forma intenciono discorrer por cada um dos capítulos da melhor maneira possível.
Nesta primeira parte, Pascal apresenta o descredito e preconceito que
permeiam a trajetória dos “árabes” numa visão euro-americana, onde estes são considerados inaptos a vida nos padrões da civilização cristã ocidental ou dos princípios democráticos, para tanto utiliza vários autores e obras para embasar suas argumentações, tendo os árabes muçulmanos contribuído em diversos âmbitos para a formação do que hoje é conhecido como Europeu, bem como as bases para o surgimento do capital, do capitalismo e da modernidade ocidental, estreando assim a geopolítica dos processos coloniais do mundo moderno. Desta forma, vale salientar que o Mar Mediterrâneo é uma ponte e não uma fronteira. Fica pontuado também a importância, das plantas que foram trazidos pelos africanos, principalmente a cana-de-açúcar e o café, que proporcionam as bases dos processos de modernização do Brasil.
Mais adiante, na segunda parte, o que logo chama a atenção é a
argumentação que se opõe aos que suportam que apenas negros africanos foram os únicos escravizados a atravessar o Oceano Atlântico, onde o único e eterno escravizado e escravizável da história moderna. Deixa claro como em oito séculos de colonização árabes muçulmanos tornaram o Mar Mediterrâneo, em uma ponte, possibilitadora de movimentos e intercâmbios intensos, sendo que a incorporação de culturas de plantio irá permitir uma transformação drástica nos gostos e paladares ibéricos e posteriormente da Europa, fazendo a associação com as mudanças primeiro na Europa e depois nas Américas. A mudança nos costumes de alimentação não são os únicos decorrentes desses intensos contatos, mas a própria gramática linguística culinária.
Sobre esse contexto gastronômico/econômico, Pascal cita que um novo
formato agrícola foi inaugurado para atender às necessidades dos novos consumidores europeus, de produtos tal como o açúcar e o café: era a agricultura intensiva exigindo numerosa mão de obra com diversas especializações. O novo formato, além de exigir grandes superfícies de terras, exigia também numerosos trabalhadores do plantio à transformação da cana-de-açúcar em açúcar, em rum e outros derivados. (pág. 134). Assim os árabes muçulmanos lançam as bases do capitalismo e da modernidade ocidental.
Em sua terceira parte, observa e mostra através de Antoni Riera-Melis,
que o cultivo da cana-de-açúcar desde os seus primórdios na África do norte e no mundo ibérico exigia um clima específico e muita mão de obra que foi mal paga ou escravizada, por se tratar de uma agricultura extensiva e intensiva. A produção de açúcar e dos seus derivados necessitou de instalações industriais de transformação e de especialistas. (pág. 136).
Assim, a seguir há a critica a Gilberto Freyre, que sustenta que o
português foi o primeiro colonizador moderno a redirecionar todos os seus esforços para a criação de riqueza localmente, “esquecendo” de mencionar que a maioria dos portugueses chegando à colônia portuguesa das Américas estava fugindo da extrema pobreza e das instabilidades sociais, políticas e econômicas. Desta forma a possibilidade de ascender social e economicamente assim como política e juridicamente se fez interessante a essas pessoas que procuravam a América pretensamente como destino, onde posteriormente, só os seus descendentes veriam a ter todo o controle sobre o funcionamento do novo país, a partir de 1822, como também sobre as suas riquezas. Dessa maneira, se forma uma estrutura de privilégios no acesso a terra no Brasil, diferenciado entre o colonial, o colonizador e o colonialista. Onde o autor, se propõe a discorrer sobre, classificando o colonial como o europeu vivendo na colônia, mas sem privilégios, onde as condições de vida eram às vezes como as dos colonizados. Situando que a modernidade nasce com os processos de desumanização em todos os planos.
A lei de terras de 1850, demonstra o próprio Estado emprenhado em
determinar quem deveria ter ou não acesso às terras, incentivos econômicos e de proteção, tanto policial quanto jurídica em caso de confrontos, assim cada colonizador branco, independente de sua condição social, é sempre um defensor do sistema colonial por se beneficiar, em algum momento, da proteção policial e jurídica do Estado. Com o fortalecimento dessas relações os grandes proprietários de terras são transformados em novas classes econômicas, políticas militares e ideológicas, sendo incontornáveis para a estabilidade social, política e econômica do país, como é citado no próprio texto.
A quarta parte que versa sobre o novo formato do acesso à terra, já é
iniciado com um importante ponto, os mecanismos mentais, jurídicos e políticos que estavam sendo elaborados para manter as hierarquias entre os brancos e negros, bem como a negação ao acesso a terra para africanos livre e libertos, reforçando e legitimando essas hierarquias.
Observando também que a recusa ou a invisibilização do negro no
mercado de trabalho consistiria em negar automaticamente as capacidades racionais do negro, afirmar suas supostas incapacidades mentais e racionais de viver no mundo urbano, de efetuar tarefas que exigem o uso da racionalidade. (pág. 143).
Outro ponto a ser citado é a diferença entre as formas de entender aquele
não é mais escravizado, no mundo muçulmano, o ex-escravo e os seus descendentes serão sempre tratados como seres humanos precários, enquanto no Brasil os não brancos são tratados como eternos cidadãos precários, periféricos e periferizados, devendo sempre depender da bondade das autoridades políticas. (pág. 147).