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Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários

(no âmbito do Programa PIR PALOP II – VIII FED)


Formação contínua para Magistrados

SISTEMA DE JUSTIÇA E
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

Autores
Dr. Luís Correia Mendonça
Dr. António João Latas

Assistência técnica do INA com apoio científico e pedagógico do CEJ


Manual de apoio ao Curso M1

1
Ficha Técnica
Título: SISTEMA DE JUSTIÇA E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

Autores: Luís Correia Mendonça e António João Latas

ISBN: 978-972-9222-92-4

Depósito Legal: 254428/07

Editor: INA- Instituto Nacional de Administração


Palácio dos Marqueses de Pombal
2784-540 Oeiras
Tel: 21 446 53 39
Fax: 21 446 53 68
URL: www.ina.pt
E-mail: edicoes@ina.pt

Capa: Sara Coelho


Execução Gráfica: JMG, Art. Pap., Artes Gráficas e Publicidade, Lda.
Tiragem: 1.000 exemplares
Ano de Edição: 2007

A presente publicação foi organizada e editada pelo INA, no âmbito das funções de assistência técnica
e pedagógica à execução do Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários (Programa
PIR PALOP II), com enquadramento orçamental específico no co-financiamento do referido Projecto
pelo Governo Português através do IPAD.

O conteúdo da mesma corresponde à adaptação de textos de apoio à execução de acções de formação


contínua para Magistrados, desenvolvidas na Fase I do referido Projecto (Novembro de 2003 a Junho
de 2006), elaborados em versão original por Docentes do CEJ – Centro de Estudos Judiciários
do Ministério da Justiça de Portugal, sob coordenação científica e pedagógica do Juiz-Desembargador
Dr. Manuel Tomé Gomes.

As opiniões expressas no presente documento são da exclusiva responsabilidade dos respectivos


Autores e, como tal, não vinculam nem a Comissão Europeia nem o Governo Português, o INA
ou o CEJ.

A reprodução e utilização do conteúdo está condicionada quer às disposições legais genéricas


aplicáveis aos direitos de propriedade intelectual quer às que regulam as iniciativas desenvolvidas no
âmbito de financiamentos públicos da União Europeia e de Portugal. É autorizada a cópia para fins
didácticos nos PALOP.

2
Índice

PARTE 1 – DA JUSTIÇA – SISTEMA, FUNÇÃO JURISDICIONAL,


LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIAL ........................................................... 7

SUB-ÍNDICE ............................................................................................................................................... 9

I – DO SISTEMA DE JUSTIÇA............................................................................................................... 13

1 – Definição e componentes............................................................................................................. 13

2 – A função social do sistema de justiça ....................................................................................... 14


2.1 – A justiça como meio de preservação da paz social e da ordem democrática .............. 14
2.2 – A justiça como garantia da tutela e realização dos direitos fundamentais ….............. 17
2.3 – A justiça como instrumento de protecção do ambiente e do património cultural e
de promoção da qualidade de vida dos cidadãos .......................................................... 20
2.4 – A justiça como instrumento de progresso económico .................................................... 25

3 – Sistema de justiça estadual e o movimento de ADR (resolução alternativa de conflitos) ….. 28

4 – Meios não jurisdicionais de resolução de conflitos ............................................................... 32

II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL .................................................................................................... 34

1 – Noção . Actividade jurisdicional do ponto de vista da função e da estrutura .................. 34

2 – Âmbito da função jurisdicional ................................................................................................. 39


2.1 – Função jurisdicional e função política................................................................................ 39
2.2 – Função jurisdicional e função administrativa................................................................... 40
2.3 – Função jurisdicional e poder judicial.................................................................................. 44

3 – Área de Jurisdição ........................................................................................................................ 50


3.1 – Jurisdição constitucional...................................................................................................... 50
3.2 – Jurisdição civil e penal.......................................................................................................... 53
3.3 – Jurisdição administrativa .................................................................................................... 54
3.4 – Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária ................................................................. 60
3.5 – Jurisdição arbitral necessária e voluntária ........................................................................ 63
3.6 – Justiça de proximidade – formas de justiça comunitária................................................ 65
3.7 – A reserva de lei em matéria de organização judiciária ................................................... 68

4 – O direito de acesso à justiça e o processo equitativo ............................................................. 68

3
III – DA LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIAL ........................................................................... 78

1 – Julgar em nome do povo? A legitimidade do poder judicial nas sociedades democráticas 78

2 – Os Conselhos Superiores das Magistraturas como órgãos de legitimação e de auto –


administração das magistraturas ............................................................................................ 80

3 e 4 – O contributo da cultura jurídica para o funcionamento das instituições e o papel


do juiz como canal de transmissão da influência dessa cultura ....................................... 83

5 – As relações entre o poder judicial e os outros poderes ....................................................... 86

6 – Juizes profissionais e juizes laicos ......................................................................................... 87

7 – O controlo da opinião pública sobre o exercício da função jurisdicional ...................... 89

8 – Conclusões sobre o papel social da magistratura ................................................................ 92

PARTE 2 – TRIBUNAIS. ÓRGÃOS DE SOBERANIA ESTRUTURA ORGÂNICA


DO SISTEMA JUDICIÁRIO ............................................................................. 99

SUB-ÍNDICE ............................................................................................................................................... 101


NOTA INTRODUTÓRIA .......................................................................................................................... 105

I. TRIBUNAIS / ÓRGÃOS DE SOBERANIA ...................................................................................... 107

1 – Da independência dos Tribunais e da sua submissão à Constituição e à Lei .................... 107


1.1. – Âmbito .................................................................................................................................... 107
1.2. – Das Garantias de Independência......................................................................................... 113
1.2.1. – Quanto ao tribunal como órgão ............................................................................. 113
1.2.1.1. – Organização judiciária e reserva de lei ................................................. 113
1.2.1.2. – O Juiz legal ou juiz natural ..................................................................... 115
1.2.2. – Quanto aos titulares – regime estatutário dosmagistrados judiciais ............... 116
1.2.2.1. – Inamovibilidade e irresponsabilidade .................................................. 116
1.2.2.2. – Impedimentos, recusas e suspeições ..................................................... 117
1.2.2.3. – Órgãos privativos de gestão e disciplina .............................................. 119
1.2.2.4. – Reserva de lei ............................................................................................ 125
1.3. – Princípio do processo equitativo. Remissão ..................................................................... 126

2 – Obrigatoriedade das Decisões Judiciais .................................................................................... 126


2.1. – Autoridade do caso julgado ................................................................................................. 126
2.2. – A executoriedade das decisões judiciais; o direito à coadjuvação das outras autoridades
na execução das decisões. .................................................................................................... 127

3 – Da Dignidade Formal dos Magistrados como Garantia ......................................................... 128


3.1. – Foro próprio ........................................................................................................................... 128
3.2. –Especialidades de regime em questões criminais .............................................................. 129
3.3. – Outros direitos e regalias ..................................................................................................... 131
3.4. – Do uso de traje profissional, por disposição legal ............................................................ 131

4
3.5. Do estatuto remuneratório ..................................................................................................... 132
3.6. Do respeito devido pelas funções que exercem .................................................................. 132

II. ESTRUTURA ORGÂNICA DO SISTEMA JUDICIÁRIO .......................................................... 133

1 – Dos Tribunais Internacionais .................................................................................................... 133


1.1. – O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ........................................................................ 133
1.2. – O Tribunal Comum de Justiça e Arbitragem (CCJA) ................................................... 134
1.3. – Da Comissão da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos ..................... 135

2 – Dos Tribunais Nacionais ............................................................................................................ 135


2.1. – Das categorias de tribunais: generalidades .................................................................... 135
2.2. – As diversas categorias de tribunais nos cinco PALOP.................................................. 138
2.2.1. – Angola ..................................................................................................................... 139
2.2.1.1. – O Tribunal Constitucional .................................................................... 139
2.2.1.2. – O Sistema Unificado de Justiça ............................................................ 140
2.2.1.2.1. – Caracterização e estrutura ................................................. 140
2.2.1.2.2. – O Tribunal Supremo – Estrutura, Composição e Funcionamento 141
2.2.1.2.3. – Os Tribunais Provinciais ................................................... 143
2.2.1.2.4. – Os Tribunais Municipais ................................................... 144
2.2.1.3. – O Tribunal de Contas ............................................................................ 144
2.2.1.3.1. – Atribuições e estrutura ...................................................... 144
2.2.1.3.2. – Jurisdição ............................................................................. 145
2.2.1.3.2.1. – Âmbito subjectivo......................................... 145
2.2.1.3.2.2. – Âmbito material e territorial ...................... 145
2.2.1.3.3. – Competência ....................................................................... 146
2.2.1.3.4. – Funcionamento ................................................................... 147
2.2.1.3.5. – Composição do Tribunal e recrutamento dos juízes .... 148
2.2.1.4. – A Jurisdição Militar ............................................................................... 148
2.2.1.4.1. – Estrutura .............................................................................. 148
2.2.1.4.2. – As Autoridades Judiciárias Militares .............................. 149
2.2.1.4.3. – Os Tribunais Militares ....................................................... 150
2.2.1.4.3.1. – Estrutura ....................................................... 150
2.2.1.4.3.2. – Composição, funcionamento e competências 150
2.2.2. – Cabo Verde ............................................................................................................ 151
2.2.2.1. – Espécies de tribunais constitucionalmente previstas ...................... 151
2.2.2.2. – O Supremo Tribunal de Justiça e tribunais judiciais de 1.ª instância 152
2.2.2.2.1. – Competência, composição e funcionamento do Supremo
Tribunal de Justiça.............................................................. 153
2.2.2.2.2. – Os tribunais de 1.ª instância ............................................. 154
2.2.2.2.2.1. – Os tribunais comuns ................................... 154
2.2.2.2.2.2. – Os tribunais fiscais e aduaneiros ............... 156
2.2.3. – Guiné-Bissau ......................................................................................................... 157
2.2.3.1. – Espécies de tribunais constitucionalmente previstas ...................... 157
2.2.3.2. – Estrutura da orgânica judiciária – Tribunais de Sector, Tribunais Regionais
e o Supremo Tribunal de Justiça ....................................................... 157
2.2.3.2.1. – Composição e funcionamento ......................................... 158
2.2.4. – Moçambique ........................................................... ............................................. 159
2.2.4.1. – Espécies de Tribunais Constitucionalmente previstas .................... 159
2.2.4.2. – Estrutura da orgânica judiciária .................. ...................................... 160
2.2.4.3. – O Conselho Constitucional – âmbito jurisdicional .......................... 160

5
2.2.4.3.1. – Composição e funcionamento ......................................... 161
2.2.4.4. – O Tribunal Supremo e demais Tribunais Judiciais........................... 163
2.2.4.4.1. – O Tribunal Supremo.......................................................... 163
2.2.4.4.2. – Os Tribunais Judiciais de Província ............................... 166
2.2.4.4.3. – Os Tribunais Judiciais de Distrito............ ....................... 167
2.2.4.5. – Os Tribunais Comunitários................................ ................................. 167
2.2.4.6. – O Tribunal Administrativo ................................................................. 168
2.2.4.6.1. – Âmbito de Jurisdição......................................................... 168
2.2.4.6.2. – Estrutura, composição, funcionamento e competências 169
2.2.4.7. – Os Tribunais Aduaneiros .................................................................... 171
2.2.4.7.1. – Âmbito de Jurisdição e Estrutura.................................... 171
2.2.4.7.2. – Composição e funcionamento ...................................... 171
2.2.5. – São Tomé e Príncipe ............................................... ............................................. 172
2.2.5.1. – Espécies de Tribunais Constitucionalmente previstas..................... 172
2.2.5.2. – A estrutura da orgânica judiciária...................................................... 173
2.2.5.3. – O Supremo Tribunal de Justiça........................................................... 173
2.2.5.4. – Os tribunais de 1.ª Instância................................................................. 174

III. ADENDA SOBRE A ORGÂNICA JUDICIÁRIA PORTUGUESA .......................................... 175


1 – O Tribunal Constitucional ......................................................................................................... 176
2 – Os Tribunais Administrativos e Fiscais ................................................................................... 180
3 – O Tribunal de Contas .................................................................................................................. 189
4 – O Tribunal de Conflitos .............................................................................................................. 194

SIGLAS E ABREVIATURAS ..................................................................................................................... 199


NOTA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................................................... 201

6
Parte 1

DA JUSTIÇA

SISTEMA, FUNÇÃO JURISDICIONAL,


LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIAL
(Dr. Luís Correia Mendonça)

7
Sub-índice

I – DO SISTEMA DE JUSTIÇA............................................................................................................... 13

1 – Definição e componentes............................................................................................................. 13

2 – A função social do sistema de justiça ....................................................................................... 14


2.1 – A justiça como meio de preservação da paz social e da ordem democrática .............. 14
2.2 – A justiça como garantia da tutela e realização dos direitos fundamentais ….............. 17
2.3 – A justiça como instrumento de protecção do ambiente e do património cultural e
de promoção da qualidade de vida dos cidadãos .......................................................... 20
2.4 – A justiça como instrumento de progresso económico .................................................... 25

3 – Sistema de justiça estadual e o movimento de ADR (resolução alternativa de conflitos) ….. 28

4 – Meios não jurisdicionais de resolução de conflitos ............................................................... 32

II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL .................................................................................................... 34

1 – Noção . Actividade jurisdicional do ponto de vista da função e da estrutura .................. 34

2 – Âmbito da função jurisdicional ................................................................................................. 39


2.1 – Função jurisdicional e função política................................................................................ 39
2.2 – Função jurisdicional e função administrativa................................................................... 40
2.3 – Função jurisdicional e poder judicial.................................................................................. 44

3 – Área de Jurisdição ........................................................................................................................ 50


3.1 – Jurisdição constitucional...................................................................................................... 50
3.2 – Jurisdição civil e penal.......................................................................................................... 53
3.3 – Jurisdição administrativa .................................................................................................... 54
3.4 – Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária ................................................................. 60
3.5 – Jurisdição arbitral necessária e voluntária ........................................................................ 63
3.6 – Justiça de proximidade – formas de justiça comunitária................................................ 65
3.7 – A reserva de lei em matéria de organização judiciária ................................................... 68

4 – O direito de acesso à justiça e o processo equitativo ............................................................. 68

III – DA LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIAL ........................................................................... 78

1 – Julgar em nome do povo? A legitimidade do poder judicial nas sociedades democráticas 78

2 – Os Conselhos Superiores das Magistraturas como órgãos de legitimação e de auto –


administração das magistraturas ............................................................................................ 80

9
3 e 4 – O contributo da cultura jurídica para o funcionamento das instituições e o papel
do juiz como canal de transmissão da influência dessa cultura ....................................... 83

5 – As relações entre o poder judicial e os outros poderes ....................................................... 86

6 – Juizes profissionais e juizes laicos ......................................................................................... 87

7 – O controlo da opinião pública sobre o exercício da função jurisdicional ...................... 89

8 – Conclusões sobre o papel social da magistratura ................................................................ 92

10
«A Justiça é a mais importante instituição de uma sociedade
democrática. Não é a Economia, não é o Governo, a mais importante
é mesmo a Justiça. Se há uma Justiça independente, eficiente e
íntegra há esperança. Se não há, mesmo que tudo o mais marche
bem, o futuro da democracia está ameaçado».

MARIO VARGAS LLOSA1

1
Entrevista ao jornal Público, de 1de Novembro de 2003.

11
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

ȱ
ȱ
ȱ
Iȱ–ȱDOȱSISTEMAȱDEȱJUSTIÇAȱ
ȱ
1ȱ–ȱDEFINIÇÃOȱEȱCOMPONENTESȱȱ
ȱ
Deȱqueȱfalamosȱquandoȱfalamosȱdeȱsistemaȱdeȱjustiça?ȱȱ
Osȱjuristasȱusamȱcorrentementeȱoȱtermoȱ«sistema»ȱcomoȱsinónimoȱdeȱordenamentoȱjurídico.ȱȱ
Nãoȱé,ȱporém,ȱmuitasȱvezes,ȱesclarecidoȱoȱexactoȱsignificadoȱdaȱpalavraȱ«sistema»ȱ
referidaȱaȱ«sistemaȱnormativo».ȱȱ
NorbertoȱBobbioȱidentificaȱtrêsȱsignificadosȱdeȱsistemaȱemergentesȱdaȱdogmáticaȱeȱ
doȱestudosȱdeȱfilosofiaȱdoȱDireito 1 .ȱȱ
Umȱprimeiroȱsignificadoȱéȱbaseadoȱnoȱsignificadoȱdeȱ«sistema»ȱnaȱexpressãoȱ«sistemaȱ
dedutivo».ȱ «Emȱ talȱ acepção,ȱ adoptadaȱ peloȱ jusnaturalismoȱ racionalistaȱ moderno,ȱ
dizȬseȱ queȱ umȱ ordenamentoȱ éȱ umȱ sistemaȱ enquantoȱ todasȱ asȱ normasȱ jurídicasȱ
daqueleȱordenamentoȱsãoȱderiváveisȱdeȱalgunsȱprincípiosȱgeraisȱ(ditosȱ«princípiosȱ
geraisȱ doȱ Direito»),ȱ consideradosȱ daȱ mesmaȱ maneiraȱ queȱ osȱ postuladosȱ deȱ umȱ
sistemaȱcientífico».ȱȱ
Umȱ segundoȱ significadoȱ encontramoȬloȱ usadoȱ naȱ pandectísticaȱ alemã,ȱ desdeȱ
Savigny,ȱeȱdepoisȱseguidoȱporȱgrandeȱparteȱdaȱciênciaȱjurídicaȱmoderna.ȱ«Aquiȱoȱ
termoȱ«sistema»ȱéȱusado,ȱaoȱcontrário,ȱparaȱindicarȱumȱordenamentoȱdaȱmatéria,ȱ
realizadoȱatravésȱdoȱprocessoȱindutivo,ȱistoȱé,ȱpartindoȱdoȱconteúdoȱdasȱsimplesȱ
normasȱ comȱ aȱ finalidadeȱ deȱ construirȱ conceitosȱ sempreȱ maisȱ gerais,ȱ eȱ
classificaçõesȱouȱdivisõesȱdaȱmatériaȱinteira:ȱaȱconsequênciaȱdestasȱoperaçõesȱseráȱ
oȱ ordenamentoȱ doȱ materialȱ jurídicoȱ doȱ mesmoȱ modoȱ queȱ asȱ laboriosasȱ
classificaçõesȱdoȱzoólogoȱdãoȱumȱordenamentoȱaoȱreinoȱanimal».ȱȱ
Numȱ terceiroȱ significado,ȱ «dizȬseȱ queȱ umȱ ordenamentoȱ jurídicoȱ constituiȱ umȱ
sistemaȱporqueȱnãoȱpodemȱcoexistirȱneleȱnormasȱincompatíveis».ȱComȱesteȱterceiroȱ
sentido,ȱoȱsistemaȱjurídicoȱnãoȱéȱumȱsistemaȱdedutivo,ȱéȱumȱsistemaȱnumȱsentidoȱ
negativo,ȱ«istoȱé,ȱumaȱordemȱqueȱexcluiȱaȱincompatibilidadeȱdasȱsuasȱpartesȱsimples».ȱȱ
Quandoȱfalamosȱemȱ«sistemaȱdeȱjustiça»ȱnãoȱestamosȱaȱutilizarȱaȱpalavraȱ«sistema»ȱ
comoȱsinónimoȱdeȱordenamento,ȱnesteȱcasoȱordenamentoȱjudiciário,ȱemȱqualquerȱ
dosȱsentidosȱmencionados,ȱnemȱvemȱaoȱcasoȱaȱjustiça,ȱentendidaȱcomoȱvirtude.ȱȱ

1 ȱȱNorbertoȱBobbio,ȱTeoriaȱdoȱOrdenamentoȱJurídico,ȱ10.ªȱed.ȱBrasília,ȱEditoraȱdaȱUniversidadeȱdeȱBrasília,ȱ
1999:ȱ77.ȱ

13
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Estamosȱantesȱaȱaludirȱàȱjustiçaȱcomoȱinstituiçãoȱjudiciária,ȱoȱqueȱnoȱuniversoȱdaȱ
CommonȱLawȱseȱtraduzȱporȱjudges,ȱjudiciary,ȱcourtsȱouȱadministrationȱofȱjustice.ȱȱ
Oȱsistemaȱdeȱjustiça,ȱnoȱseuȱmomentoȱestático,ȱéȱoȱcomplexoȱordenadoȱdeȱórgãosȱeȱ
agentesȱ investidosȱ doȱ poderȱ ouȱ autoridadeȱ judiciários,ȱ ouȱ que,ȱ comȱ diferentesȱ
papéisȱ eȱ emȱ planosȱ diversos,ȱ colaboramȱ naȱ administraçãoȱ daȱ justiçaȱ (tribunais,ȱ
prisões,ȱjuizes,ȱmagistradosȱdoȱministérioȱpúblico,ȱadvogados,ȱnotários,ȱconservadores,ȱ
polícias,ȱperitos,ȱetc...);ȱnoȱseuȱaspectoȱdinâmico,ȱéȱoȱconjuntoȱdeȱactividadesȱdesenvolvidasȱ
porȱessesȱórgãosȱeȱagentesȱvinculadasȱàȱobservânciaȱdoȱdireitoȱpositivo.ȱȱ
Nãoȱ éȱ habitualȱ falarȬseȱ emȱ «contencioso»,ȱ paraȱ identificarȱ oȱ sistemaȱ deȱ justiça,ȱ
termoȱqueȱseȱreservaȱparaȱoȱdomínioȱdasȱempresasȱeȱdaȱadministraçãoȱpública.ȱȱ
Nesteȱplanoȱéȱpossívelȱdistinguirȱumaȱconcepçãoȱmaterialȱeȱumaȱconcepçãoȱformalȱ
deȱcontencioso.ȱȱ
Doȱ pontoȱ deȱ vistaȱ material,ȱ abrangeráȱ oȱ conjuntoȱ deȱ situaçõesȱ contenciosas,ȱ latoȱ
sensu,ȱdeȱmodoȱaȱincluirȱosȱinteressesȱprivadosȱqueȱestãoȱnaȱorigemȱdaȱchamadaȱ
jurisdiçãoȱvoluntáriaȱDoȱpontoȱdeȱvistaȱformal,ȱoȱcontenciosoȱabrangeȱosȱmétodos,ȱ
aȱfunçãoȱeȱosȱórgãosȱdestinadosȱaȱconhecerȱeȱaȱeliminarȱasȱsituaçõesȱcontenciosas,ȱ
oȱprocessoȱeȱosȱtribunais.ȱȱ
Oȱnossoȱcursoȱversaráȱessencialmenteȱsobreȱesteȱaspectoȱformalȱdoȱsistemaȱdeȱjustiça.ȱȱ
ȱ
ȱ
2ȱ–ȱAȱFUNÇÃOȱSOCIALȱDOȱSISTEMAȱDEȱJUSTIÇAȱȱ
ȱ
2.1ȱ–ȱAȱjustiçaȱcomoȱmeioȱdeȱpreservaçãoȱdaȱpazȱsocialȱeȱdaȱordemȱdemocráticaȱȱ
ȱ
Aoȱprincípioȱeraȱaȱvingança,ȱaȱpermanenteȱinsegurança,ȱoȱriscoȱiminenteȱdeȱsujeiçãoȱàȱ
forçaȱfísica.ȱTemposȱemȱque,ȱsegundoȱaȱfórmula,ȱ«oȱhomemȱeraȱloboȱdoȱhomem».ȱȱ
Vítimasȱdeȱagressão,ȱosȱhomensȱreagiam,ȱouȱnão,ȱnaȱmedidaȱdasȱsuasȱforças:ȱ«olhoȱ
porȱolho,ȱdenteȱporȱdente!».ȱȱ
Aoȱ sopesarȱ asȱ razõesȱ deȱ cadaȱ umȱ dosȱ contendoresȱ (aȱ alegoriaȱ daȱ balança)ȱ eȱ aoȱ
entregarȱ aȱ umȱ terceiroȱ judicante,ȱ foraȱ daȱ controvérsia,ȱ aȱ dirimiçãoȱ doȱ conflitoȱ
(alegoriaȱ daȱ espada),ȱ aȱ justiçaȱ constituiȱ umȱ inegávelȱ progressoȱ civilizacionalȱ emȱ
relaçãoȱàȱleiȱdoȱtalião.ȱȱ
Emȱverdade,ȱaȱjustiçaȱéȱumȱindiscutívelȱinstrumentoȱdeȱrealizaçãoȱdaȱpazȱentreȱosȱ
homens.ȱȱ
Masȱqueȱpaz?ȱAȱqueȱresultaȱdaȱordemȱsocial,ȱpolíticaȱeȱeconómicaȱvigenteȱnumaȱ
determinadaȱcomunidade.ȱȱ

14
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Daȱpazȱàȱordemȱoȱcaminhoȱnãoȱéȱlongo.ȱAȱpalavraȱpazȱdesignaȱaȱregularidadeȱdasȱ
relaçõesȱsociais.ȱNãoȱé,ȱporém,ȱsinónimoȱdeȱpassividadeȱporȱparteȱdaquelesȱqueȱaȱ
respeitam.ȱAȱpazȱéȱumȱacto;ȱoȱestadoȱdeȱpazȱdecorreȱdaȱvontadeȱdosȱhomensȱdeȱquereremȱ
viverȱemȱconjunto,ȱdeȱumȱpacto,ȱfictícioȱouȱnão,ȱqueȱcriaȱumȱtipoȱdeȱorganizaçãoȱsocialȱ
tuteladaȱporȱumȱordenamentoȱjurídicoȱqueȱasseguraȱaȱrealizaçãoȱdesseȱcompromisso.ȱȱ
Aȱpazȱengendraȱaȱordem,ȱe,ȱparaȱalémȱdisso,ȱoȱrespeitoȱdessaȱordem.ȱEȱporqueȱoȱ
respeitoȱdessaȱordemȱpassaȱpeloȱdireito,ȱnãoȱéȱdifícilȱsituarȱaȱmissãoȱdaȱjustiça.ȱȱ
Quandoȱasȱrelaçõesȱsócioȱ–ȱjurídicasȱnãoȱconhecemȱumȱdesfechoȱnormal,ȱouȱsejaȱoȱ
previstoȱnasȱleisȱdoȱsistema,ȱaȱjustiçaȱintervemȱparaȱ«fazerȱasȱcoisasȱentraremȱnaȱ
ordem»,ȱ justamenteȱ naȱ ordemȱ social,ȱ económica,ȱ políticaȱ eȱ constitucionalȱ queȱ
caracterizaȱoȱsistemaȱpolítico,ȱdoȱqualȱaȱjustiçaȱéȱumaȱpeça 2 .ȱȱ
Masȱ aȱ justiçaȱ nãoȱ representaȱ propriamenteȱ aȱ paz.ȱ Elaȱ nãoȱ dá,ȱ comȱ efeito,ȱ naȱ suaȱ
maneiraȱdeȱactuar,ȱaȱideiaȱdeȱumaȱordemȱharmoniosaȱnoȱseuȱdesenvolvimento.ȱȱ
«Aȱ particularidadeȱ daȱ cenaȱ judiciáriaȱ éȱ deȱ nãoȱ celebrarȱ aȱ harmoniaȱ masȱ antesȱ aȱ
divisãoȱouȱmaisȱexactamenteȱaȱpassagemȱdaȱdivisãoȱàȱunidadeȱreencontrada» 3 .ȱȱ
Todosȱ osȱ totalitarismosȱ eȱ utopiasȱ apostaramȱ numȱ mundoȱ semȱ dissensão,ȱ numaȱ
sociedadeȱ harmónica,ȱ semȱ contradições,ȱ produtoȱ finalȱ daȱ vitóriaȱ heróicaȱ daȱ
concórdiaȱsobreȱaȱdiscórdia,ȱdoȱbemȱsobreȱoȱmal.ȱȱ
Masȱ umaȱ sociedadeȱ totalmenteȱ unificadaȱ éȱ umaȱ ilusão.ȱ Quandoȱ oȱ homemȱ
concluísseȱ aȱ tarefaȱ deȱ unificarȱ aȱ «cidade»,ȱ darȬseȬiaȱ depressaȱ contaȱ queȱ tinhaȱ
destruídoȱoȱqueȱpretendiaȱunificar.ȱȱ
Aȱjustiçaȱexisteȱporqueȱoȱhomem,ȱcomoȱdiziaȱPauloȱFreireȱ«éȱumȱserȱdabriga».ȱÉȬoȱ
paraȱvivenciarȱouȱpôrȱemȱpráticaȱaȱvocaçãoȱontológicaȱdeȱserȱmais.ȱȱ
Admitirȱqueȱoȱconflitoȱpossaȱchamarȱaȱpresençaȱdeȱvaloresȱcomoȱosȱdeȱliberdadeȱeȱ
responsabilidadeȱeȱterȱatéȱumaȱdimensãoȱéticaȱrelevanteȱpareceȱnãoȱserȱfácilȱparaȱ
osȱpregadoresȱdaȱharmoniaȱeȱparaȱosȱmilitantesȱdaȱconcórdia.ȱȱ
Aȱ sociedade,ȱ porém,ȱ viveȱ eȱ subsisteȱ porqueȱ comportaȱ necessariamenteȱ conflitos.ȱ
Umȱgrupoȱqueȱfosseȱsimplesmenteȱharmoniosoȱeȱcentrípeto,ȱumaȱmeraȱ«reunião»ȱ
deȱmulheresȱeȱhomens,ȱmaisȱouȱmenosȱangélicos,ȱseriaȱumȱgrupoȱsemȱverdadeiroȱ
processoȱdeȱvida.ȱȱ

2ȱNãoȱéȱpacíficoȱqueȱaȱjustiçaȱsejaȱumȱfactorȱdeȱordemȱnaȱsociedade.ȱParaȱalguns,ȱ«aȱjustiçaȱmanifestaȱaȱ
desordemȱ dasȱ sociedades»,ȱ «elaȱ contribuiȱ paraȱ complexificarȱ ouȱ paraȱ resolverȱ asȱ grandesȱ questõesȱ
difíceisȱdasȱdesordensȱàȱmedidaȱqueȱvãoȱaparecendo»;ȱ«elaȱfuncionaȱsempreȱdaȱmesmaȱmaneira:ȱéȱaȱ
apropriaçãoȱdoȱsaberȱeȱdoȱpoderȱdeȱumaȱclasseȱsobreȱoutra».ȱAȱquestãoȱqueȱficaȱemȱabertoȱé,ȱpois,ȱaȱ
deȱsaberȱseȱéȱaȱjustiçaȱqueȱcontribuiȱparaȱaȱdesordemȱouȱseȱéȱaȱdesordemȱsocialȱqueȱseȱtornaȱcadaȱvezȱ
maisȱcomplexaȱeȱnãoȱforçosamenteȱaȱjustiça.ȱ
3ȱAntoineȱGarapon,ȱLeȱGardienȱdesȱPromesses,ȱEditionsȱOdileȱJacob,ȱ1996:ȱ47.ȱ

15
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

PensaȬseȱ habitualmenteȱ que,ȱ paraȱ estruturarȱ umaȱ sociedade,ȱ importaȱ excluirȱ aȱ


conflitualidadeȱouȱamortecêȬlaȱoȱmaisȱpossível.ȱOȱconflitoȱé,ȱentão,ȱvistoȱcomoȱumȱ
passivoȱ sociológico,ȱ umaȱ instânciaȱ negativaȱ queȱ cumpreȱ eliminarȱ paraȱ reforçoȱ daȱ
unidadeȱdoȱcorpoȱsocial.ȱȱ
GeorgȱSimmelȱinverteȱestaȱmaneiraȱdeȱverȱasȱcoisas:ȱ«Seȱqualquerȱinteracçãoȱentreȱ
osȱhomensȱéȱumaȱsocialização,ȱentãoȱoȱconflito,ȱqueȱéȱumaȱdasȱformasȱmaisȱactivasȱ
deȱsocialização,ȱeȱqueȱéȱlogicamenteȱimpossívelȱdeȱreduzirȱaȱumȱúnicoȱelemento,ȱ
deveȱabsolutamenteȱserȱconsideradoȱcomoȱumaȱsocialização» 4 .ȱȱ
Osȱ elementosȱ dosȱ paresȱ amor/ódio,ȱ simpatia/antipatia,ȱ associação/competição,ȱ
atracção/repulsa,ȱsãoȱporȱigualȱinteiramenteȱpositivos,ȱcontribuindoȱambosȱparaȱoȱ
equilíbrioȱinteriorȱdoȱgrupo.ȱȱ
Interagimosȱ emȱ sociedadeȱ numaȱ inextricávelȱ misturaȱ deȱ relaçõesȱ amistosasȱ eȱ
relaçõesȱ hostis,ȱ semȱ queȱ seȱ possaȱ dizerȱ queȱ osȱ momentosȱ deȱ divergênciaȱ ouȱ deȱ
disputa,ȱporȱmaisȱfrequentesȱeȱintensosȱqueȱsejam,ȱatinjamȱaȱsubstânciaȱ«doȱviverȱ
emȱ conjunto».ȱ Aȱ menosȱ queȱ seȱ ultrapassemȱ todasȱ asȱ reservasȱ eȱ limites,ȱ oȱ
afrontamentoȱnãoȱtenhaȱoutroȱpropósitoȱsenãoȱoȱdaȱpuraȱeȱsimplesȱdestruiçãoȱdoȱ
outroȱ(éȱoȱcasoȱdoȱhomicídioȱcrapuloso),ȱaȱlutaȱsejaȱapenasȱdeterminadaȱpeloȱseuȱ
terminusȱaȱquoȱsubjectivoȱ(aȱlutaȱpelaȱluta).ȱȱ
Aȱcoexistênciaȱdoȱprincípioȱdaȱuniãoȱeȱdoȱcombate,ȱdoȱsimȱeȱdoȱnão,ȱdaȱafirmaçãoȱ
eȱ daȱ negação,ȱ doȱ «aȱ favor»ȱ eȱ doȱ «contra»,ȱ inerenteȱ àsȱ diversasȱ instânciasȱ daȱ
sociedade,ȱencontramoȬlaȱtambémȱpresenteȱnoȱlitígio,ȱouȱseja,ȱnoȱconflitoȱjudiciário.ȱȱ
Esteȱconflitoȱéȱaȱbrigaȱnoȱseuȱestadoȱracionalizado,ȱoȱconcentradoȱdaȱdisputa,ȱnaȱ
medidaȱemȱqueȱneleȱsóȱéȱprestávelȱaquiloȱqueȱdoȱconflitoȱenquantoȱtalȱsirvaȱosȱfinsȱ
doȱprocesso.ȱHáȱneleȱumaȱindiferençaȱporȱtudoȱoȱqueȱéȱsubjectivoȱeȱemocional,ȱporȱ
tudoȱoȱqueȱnãoȱinteressaȱàȱcausa,ȱoȱqueȱconduzȱaȱumȱformalismoȱqueȱquaseȱoȱtornaȱ
autónomoȱemȱrelaçãoȱaoȱseuȱconteúdo.ȱSeȱ«osȱdebatesȱjudiciáriosȱsãoȱconduzidosȱ
porȱ advogadosȱ profissionais,ȱ éȱ semȱ dúvidaȱ aȱ fimȱ deȱ isolarȱ cuidadosamenteȱ oȱ
debateȱdeȱtodasȱasȱassociaçõesȱpessoaisȱqueȱnadaȱtêmȱaȱverȱcomȱele» 5 .ȱȱ
Masȱ éȱ justamenteȱ porȱ seȱ circunscreverȱ aoȱ «objectoȱ daȱ causa»ȱ queȱ esteȱ tipoȱ deȱ
conflitoȱpressupõe,ȱnoȱseuȱconjunto,ȱumaȱunidade,ȱumȱcoenvolvimentoȱdasȱpartes.ȱȱ
DizȬnos,ȱ umaȱ vezȱ mais,ȱ Simmel:ȱ «Aȱ submissãoȱ comumȱ àȱ lei,ȱ oȱ reconhecimentoȱ
pelosȱ doisȱ ladosȱ queȱ aȱ decisãoȱ sóȱ deveȱ serȱ tomadaȱ depoisȱ doȱ pesoȱ objectivoȱ dosȱ
motivos,ȱ oȱ respeitoȱ dasȱ formasȱ queȱ sãoȱ consideradasȱ comoȱ absolutamenteȱ
vinculativasȱparaȱasȱduasȱpartes,ȱaȱconsciênciaȱdeȱqueȱqualquerȱprocessoȱtemȱlugarȱ
noȱseioȱdeȱumȱpoderȱeȱdeȱumaȱordemȱsocialȱ–ȱsóȱestesȱlheȱconferindoȱoȱsentidoȱeȱaȱ

4 Georg Simmel , Le Conflit, Circé, Dijon, 1995: 19. ȱ


5 ȱIdem,ȱibidem:ȱ49.ȱ

16
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

garantiaȱ –ȱ tudoȱ istoȱ fazȱ comȱ queȱ oȱ conflitoȱ jurídicoȱ assenteȱ numaȱ largaȱ baseȱ deȱ
unidadeȱeȱdeȱconsensoȱentreȱosȱadversários» 6 .ȱȱ
Estaȱ compreensãoȱ doȱ conflitoȱ comoȱ instânciaȱ positivaȱ deȱ socialização,ȱ comoȱ
contributoȱparaȱaȱunidadeȱdaȱvidaȱsocial,ȱofereceȱumȱcontributoȱincontornávelȱparaȱ
captarȱoȱqueȱé,ȱafinal,ȱoȱ«coraçãoȱdoȱprocesso».ȱComoȱdizȱRicoeurȱ«oȱprocessoȱnãoȱ
éȱsenãoȱaȱformaȱcodificadaȱdeȱumȱfenómenoȱmaisȱamplo,ȱaȱsaberȱoȱconflito» 7 .ȱȱ
Queȱosȱjuizesȱpossam,ȱcomȱasȱsuasȱdecisões,ȱintroduzirȱunidadeȱnaȱdiscórdia;ȱmasȱ
queȱ possamȱ também,ȱ comȱ serenidade,ȱ aceitarȱ oȱ factoȱ queȱ nemȱ sempreȱ aquelasȱ
serãoȱ portadorasȱ deȱ esperança,ȱ nemȱ servirãoȱ paraȱ encurtarȱ aȱ distânciaȱ daȱ nossaȱ
longínquaȱseparação...ȱcomoȱ«seresȱdaȱbriga».ȱUmaȱpalavraȱfinalȱparaȱdeixarȱbemȱ
claroȱumȱponto:ȱoȱjuizȱéȱumȱartíficeȱdaȱpazȱeȱdaȱharmoniaȱsocial;ȱoȱconflito,ȱqueȱoȱ
magistradoȱnãoȱdeveȱestimularȱeȱmuitoȱmenosȱacicatar,ȱtemȱumȱsentidoȱqueȱvariaȱ
deȱ culturaȱ paraȱ cultura,ȱ sendo,ȱ porȱ conseguinteȱ variadasȱ asȱ suasȱ formasȱ deȱ
expressãoȱ eȱ deȱ resolução.ȱ Estaȱ nota,ȱ nãoȱ prejudicaȱ aȱ convocaçãoȱ queȱ fizemosȱ daȱ
análiseȱdeȱumȱdosȱmaisȱimportantesȱsociólogosȱdoȱséculoȱpassado,ȱantesȱchamaȱaȱ
atençãoȱ paraȱ aȱ necessidadeȱ deȱ aȱ complementarȱ comȱ umȱ olharȱ nãoȱ eurocêntrico,ȱ
fundadoȱnosȱdadosȱdaȱantropologia.ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ

2.2ȱ–ȱAȱjustiçaȱcomoȱgarantiaȱdaȱtutelaȱeȱrealizaçãoȱdosȱdireitosȱfundamentaisȱȱ
ȱ
Todasȱ asȱ Constituiçõesȱ dosȱ PALOPȱ reservamȱ umaȱ dasȱ suasȱ partesȱ aosȱ direitosȱ
fundamentais.ȱȱ
Aȱ LCRA,ȱ oȱ Títuloȱ IIȱ –ȱ «Direitosȱ eȱ Deveresȱ Fundamentais»;ȱ aȱ CRCVȱ aȱ Parteȱ IIȱ –ȱȱ
«Direitosȱ eȱ Deveresȱ Fundamentais»,ȱ comȱ umȱ Títuloȱ IIȱ reservadoȱ aȱ «Direitos,ȱ
liberdadesȱ eȱ garantiasȱ »,ȱ umȱ Títuloȱ IIIȱ sobreȱ «Direitosȱ eȱ deveresȱ económicos,ȱ
sociais,ȱeȱculturais»ȱeȱumȱTituloȱVȱepígrafadoȱ«Daȱfamília»;ȱaȱCRGB,ȱoȱTítuloȱIIȱ–ȱ
«DosȱDireitos,ȱLiberdades,ȱGarantiasȱeȱDeveresȱFundamentais»;ȱaȱCRMȱoȱTítuloȱIIȱ
–ȱ«Direitos,ȱDeveresȱeȱLiberdadesȱFundamentais»,ȱcompreendendoȱdoisȱcapítulos,ȱ
paraȱ alémȱ doȱ inicialȱ («Princípiosȱ gerais»)ȱ eȱ doȱ finalȱ («Garantiaȱ dosȱ direitosȱ eȱ
liberdades»),ȱ sobreȱ «Direitos,ȱ deveresȱ eȱ liberdades»ȱ (Capítuloȱ II)ȱ eȱ «Direitosȱ eȱ
deveresȱ económicosȱ eȱ sociais»ȱ (Capítuloȱ III);ȱ aȱ CRDSTPȱ aȱ Parteȱ IIȱ –ȱ «Direitosȱ
FundamentaisȱeȱOrdemȱSocial»,ȱcontendoȱumaȱestruturaȱclassificatóriaȱassenteȱnaȱ
distinçãoȱentreȱ«DireitosȱPessoais»ȱ(TítuloȱII),ȱ«Direitosȱsociaisȱeȱordemȱeconómica,ȱ
socialȱeȱcultural»ȱ(TítuloȱIII)ȱeȱ«Direitosȱeȱdeveresȱcívicoȱ–ȱpolíticos».ȱȱ
ÀȱexcepçãoȱdeȱMoçambique,ȱemȱtodasȱasȱConstituiçõesȱseȱencontraȱumaȱcláusulaȱ
deȱsalvaguardaȱemȱmatériaȱdeȱdireitosȱfundamentais:ȱoȱartigoȱ21.º,ȱn.ºȱ1,ȱdaȱLCRAȱ

6 ȱIdem,ȱibidem:ȱ50.
7 ȱPaulȱRicouer,ȱLeȱJuste,ȱPuf,ȱParis,1997:189.ȱ

17
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

dispõeȱ queȱ «osȱ direitosȱ fundamentaisȱ expressosȱ naȱ presenteȱ Leiȱ nãoȱ excluemȱ
outrosȱ decorrentesȱ dasȱ leisȱ eȱ dasȱ regrasȱ aplicáveisȱ deȱ Direitoȱ Internacional»;ȱ oȱ
artigoȱ17.º,ȱn.ºȱ1ȱdaȱCRCVȱestipulaȱqueȱ«asȱleisȱouȱnormasȱinternacionaisȱpoderãoȱ
consagrarȱdireitos,ȱliberdadesȱeȱgarantiasȱnãoȱprevistasȱnaȱConstituição»;ȱoȱartigoȱ
29.º,ȱ n.º1,ȱ daȱ CRGBȱ preceituaȱ queȱ «osȱ direitosȱ fundamentaisȱ consagradosȱ naȱ
Constituiçãoȱ nãoȱ excluemȱ quaisquerȱ outrosȱ constantesȱ dasȱ demaisȱ leisȱ daȱ
RepúblicaȱeȱdasȱregrasȱaplicáveisȱdeȱDireitoȱInternacional»;ȱoȱartigoȱ17.º,ȱn.ºȱ1ȱdaȱ
CRDSTPȱprevêȱ«osȱdireitosȱconsagradosȱnestaȱConstituiçãoȱnãoȱexcluemȱquaisquerȱ
outrosȱqueȱsejamȱprevistosȱnasȱleisȱouȱemȱregrasȱdeȱDireitoȱInternacional».ȱȱ
EmȱtodasȱestasȱConstituiçõesȱéȱdadaȱênfaseȱàȱdimensãoȱinternacionalȱdosȱdireitosȱ
fundamentais,ȱnomeadamenteȱporȱreferênciaȱàȱDeclaraçãoȱUniversalȱdosȱDireitosȱ
doȱHomem,ȱadoptadaȱeȱproclamadaȱpelaȱAssembleiaȱGeralȱdasȱNaçõesȱUnidas,ȱnaȱ
suaȱResoluçãoȱ217ȱ–ȱAȱ(III),ȱdeȱ10ȱdeȱDezembroȱdeȱ1948,ȱqueȱserveȱdeȱparâmetroȱ
naȱ interpretaçãoȱ eȱ integraçãoȱ dasȱ normasȱ constitucionaisȱ eȱ legaisȱ relativasȱ aosȱ
direitosȱfundamentaisȱ(artigosȱ21.º,ȱn.ºȱ2,ȱdaȱLCRA,ȱ17.º,ȱn.ºȱ3,ȱdaȱCRCV,ȱ29.º,ȱn.ºȱ2ȱ
daȱCRGBȱeȱ17.º,ȱn.ºȱ2,ȱdaȱCRDSTP),ȱe,ȱbemȱassim,ȱàȱCartaȱAfricanaȱdosȱDireitosȱdoȱ
Homemȱ eȱ dosȱ Povos,ȱ aprovadaȱ pelaȱ Conferênciaȱ Ministerialȱ daȱ Organizaçãoȱ daȱ
UnidadeȱAfricanaȱ(OUA),ȱemȱBanjul,ȱGâmbiaȱ,ȱemȱJaneiroȱdeȱ1981,ȱadoptadaȱpelaȱ
XVIIIȱAssembleiaȱdosȱChefesȱdeȱEstadoȱeȱGovernoȱdaȱOUAȱ,ȱemȱNairóbi,ȱQuénia,ȱ
emȱ27ȱdeȱJunhoȱdeȱ1981,ȱeȱentradaȱemȱvigorȱemȱ21ȱdeȱOutubroȱdeȱ1986ȱ(artigoȱ21.º,ȱ
n.ºȱ2,ȱdaȱLCRAȱ) 8 .ȱȱ
Sãoȱvastosȱeȱdiversificadosȱosȱtiposȱdeȱdireitosȱqueȱintegramȱoȱelencoȱdosȱdireitosȱ
fundamentaisȱ dasȱ constituiçõesȱ emȱ apreço.ȱ Nelasȱ encontramosȱ consagrados,ȱ sobȱ
fórmulasȱ diversasȱ eȱ comȱ variadaȱ densificação,ȱ osȱ clássicosȱ direitos,ȱ liberdadesȱ eȱ
garantias,ȱ osȱ direitosȱ económicos,ȱ sociaisȱ eȱ culturaisȱ eȱ osȱ novosȱ direitosȱ deȱ
solidariedade.ȱȱ
Nãoȱéȱesteȱoȱlocalȱparaȱumȱestudoȱdetalhadoȱeȱcomparadoȱdosȱváriosȱsistemasȱdeȱ
direitosȱfundamentais.ȱȱ
Aȱquestãoȱqueȱaquiȱnosȱinteressa,ȱeȱaȱqueȱprocuraremosȱdarȱresposta,ȱnãoȱsóȱnesteȱ
númeroȱmasȱquandoȱestudarmosȱexȱprofessoȱaȱmatériaȱrelativaȱaoȱacessoȱaoȱdireito,ȱ
consisteȱ emȱ saberȱ queȱ meiosȱ eȱ remédiosȱ estãoȱ àȱ disposiçãoȱ dosȱ cidadãosȱ paraȱ
garantiremȱ aȱ efectividadeȱ dosȱ seusȱ direitosȱ eȱ reagiremȱ contraȱ aȱ violaçãoȱ dosȱ
mesmos.ȱȱ
Proibidaȱaȱautodefesa,ȱexceptoȱemȱcircunstânciasȱexcepcionaisȱdefinidasȱnaȱleiȱ(v.ȱ
g.ȱ acçãoȱ directaȱ Ȭȱ artigoȱ 336.ºȱ CC,ȱ legítimaȱ defesaȱ –ȱ artigoȱ 337.ºȱ CC,ȱ estadoȱ deȱ

8 ȱTodosȱosȱPALOPȱratificaramȱaȱCartaȱAfricanaȱdosȱDireitosȱdoȱHomemȱeȱdosȱPovos:ȱAngolaȱemȱ2ȱdeȱ
Marçoȱ deȱ 1990,ȱ Caboȱ Verdeȱ emȱ 2ȱ deȱ Junhoȱ deȱ 1987,ȱ GuinéȬȱ Bissauȱ emȱ 4ȱ deȱ Dezembroȱ deȱ 1985,ȱ
Moçambiqueȱemȱ22ȱdeȱFevereiroȱdeȱ1989ȱeȱSãoȱToméȱeȱPríncipeȱemȱ23ȱdeȱMaioȱdeȱ1986.ȱ

18
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

necessidadeȱ–ȱartigoȱ339.ºȱCC),ȱcomoȱdecorrênciaȱdoȱmonopólioȱdaȱcoacçãoȱfísicaȱ
legítimaȱ porȱ parteȱ doȱ Estado,ȱ aȱ quemȱ incumbeȱ aȱ funçãoȱ deȱ manterȱ aȱ pazȱ socialȱ
numȱ determinadoȱ território,ȱ oȱ deverȱ deȱ protecçãoȱ dosȱ cidadãosȱ atravésȱ deȱ umȱ
sistemaȱdeȱjustiça,ȱsurgeȱcomoȱumȱcorolárioȱlógicoȱdaquelaȱproibição.ȱȱ
AȱgarantiaȱdeȱacessoȱaosȱtribunaisȱassumeȱnumȱEstadoȱdeȱdireito,ȱcomoȱfacilmenteȱseȱ
percebe,ȱ umȱ papelȱ fundamental,ȱ doȱ pontoȱ deȱ vistaȱ daȱ defesaȱ dosȱ direitosȱ
fundamentais.ȱȱ
Éȱ verdadeȱ queȱ aȱ viaȱ judiciáriaȱ nãoȱ esgotaȱ osȱ meiosȱ deȱ defesaȱ dessesȱ direitos.ȱ
Assim,ȱ porȱ exemplo,ȱ encontramosȱ consagradosȱ pelosȱ textosȱ constitucionaisȱ dosȱ
PALOPȱ (nãoȱ todos)ȱ oȱ direitoȱ deȱ resistência,ȱ comoȱ direitoȱ deȱ desobedecerȱ aȱ ordensȱ
queȱ lesemȱ osȱ direitos,ȱ liberdadesȱ eȱ garantiasȱ eȱ deȱ repelirȱ agressõesȱ ilícitas,ȱ
«quandoȱnãoȱsejaȱpossívelȱrecorrerȱàȱautoridadeȱpública»ȱ(artigoȱ19.ºȱdaȱCRCV;ȱcfr.ȱ
também,ȱartigoȱ80.º,ȱn.ºȱ2ȱdaȱCRM)ȱeȱoȱdireitoȱdeȱpetição,ȱcomoȱdireitoȱpolíticoȱdosȱ
cidadãosȱ apresentarem,ȱ individualȱ ouȱ colectivamente,ȱ aosȱ órgãosȱ doȱ poderȱ
políticoȱouȱaȱqualquerȱautoridade,ȱinclusiveȱaoȱProvedorȱdeȱJustiça,ȱquandoȱexistaȱ
(artigosȱ142.ºȱLCAȱeȱ253.ºȱCRCV),ȱpetições,ȱrepresentações,ȱreclamaçõesȱouȱqueixasȱ
paraȱ defesaȱ dosȱ seusȱ direitos,ȱ daȱ constituição,ȱ dasȱ leisȱ ouȱ doȱ interesseȱ geralȱ
(artigosȱ20.º,ȱn.ºȱ3ȱeȱ58.ºȱCRCV,ȱ80.ºȱCRMȱeȱ59.ºȱCRDSTP).ȱȱ
Porȱoutroȱlado,ȱaoȱnívelȱinternacional,ȱdeȱacordoȱcomȱaȱCartaȱAfricanaȱdosȱDireitosȱ
doȱHomemȱeȱdosȱPovos,ȱqualquerȱcidadãoȱdosȱPALOPȱtemȱoȱdireitoȱdeȱexposiçãoȱ
eȱdeȱqueixaȱàȱComissãoȱAfricanaȱdosȱDireitosȱdoȱHomemȱeȱdosȱPovos,ȱaȱqual,ȱnosȱ
termosȱ doȱ artigoȱ 46.ºȱ daȱ Cartaȱ podeȱ recorrerȱ aȱ qualquerȱ métodoȱ deȱ investigaçãoȱ
adequadoȱsobreȱasȱalegadasȱviolaçõesȱdosȱdireitosȱhumanos.ȱȱ
AquandoȱdaȱelaboraçãoȱdaȱCartaȱprevaleceuȱaȱopiniãoȱqueȱseȱopunhaȱàȱcriaçãoȱdeȱ
umȱtribunalȱafricanoȱdosȱdireitosȱdoȱhomem,ȱemȱnomeȱdoȱrespeitoȱdasȱtradiçõesȱ
jurídicasȱafricanasȱqueȱpreferemȱaȱconciliaçãoȱàȱresoluçãoȱjurisdicionalȱdosȱlitígios.ȱȱ
Peseȱ emboraȱ oȱ Protocoloȱ relativoȱ àȱ Carta,ȱ assinadoȱ emȱ Ouagadougou,ȱ emȱ 9ȱ deȱ
Junhoȱ deȱ 1998,ȱ terȱ previstoȱ aȱ criaçãoȱ deȱ umȱ Tribunalȱ Africanoȱ dosȱ Direitosȱ doȱ
Homem,ȱàȱsemelhançaȱdosȱinstituídosȱnasȱconvençõesȱeuropeiaȱeȱinteramericanaȱ
congéneres,ȱ aȱ verdadeȱ éȱ queȱ continuaȱ aȱ estarȱ aȱ cargoȱ daȱ referidaȱ Comissãoȱ aȱ
protecção,ȱaȱnívelȱregional,ȱdessesȱdireitos.ȱNesteȱquadro,ȱcabeȱàȱComissãoȱreceberȱ
exposiçõesȱ dosȱ Estadosȱ (artigosȱ 47.º,ȱ 48.ºȱ eȱ 49.ºȱ daȱ Carta)ȱ eȱ outrasȱ exposiçõesȱ
(artigoȱ 55.ºȱ daȱ Carta),ȱ nasȱ quaisȱ seȱ englobamȱ asȱ queȱ sãoȱ daȱ iniciativaȱ deȱ
organizaçõesȱnãoȱgovernamentaisȱouȱdeȱparticulares.ȱȱ
Aȱ Comissãoȱ nãoȱ tem,ȱ porém,ȱ poderȱ deȱ decisão,ȱ queȱ pertenceȱ àȱ Conferênciaȱ deȱ
Chefesȱ deȱ Estadoȱ eȱ deȱ Governo,ȱ e,ȱ conformeȱ resultaȱ daȱ interpretaçãoȱ conjugadaȱ
dosȱartigosȱ50.ºȱeȱ56.ºȱdaȱCarta,ȱaȱexposiçãoȱsóȱpodeȱserȱporȱelaȱapreciadaȱquandoȱoȱ
queixosoȱtiverȱesgotadoȱtodasȱasȱviasȱdeȱrecursoȱinternasȱdisponíveis.ȱȱ

19
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

VêȬseȱagora,ȱperanteȱaȱnaturezaȱeȱregimeȱdasȱviasȱnãoȱjurisdicionaisȱdeȱprotecçãoȱ
dosȱdireitosȱhumanos,ȱaȱimportânciaȱdecisivaȱdaȱactividadeȱjudicialȱparaȱaȱtutelaȱdosȱ
direitos,ȱ liberdadesȱ eȱ garantias,ȱ nãoȱ apenasȱ comoȱ palcoȱ deȱ exercícioȱ dosȱ direitosȱ
dosȱ cidadãosȱ emȱ faceȱ doȱ tribunalȱ (direitoȱ deȱ acesso,ȱ oȱ direitoȱ deȱ audiência,ȱ oȱ
direitoȱ deȱ fundamentaçãoȱ daȱ sentença,ȱ etc.)ȱ masȱ tambémȱ comoȱ instrumentoȱ deȱ
protecçãoȱdessesȱdireitosȱperanteȱterceiros 9 .ȱȱ
«Atéȱ porque,ȱ comoȱ refereȱ Jorgeȱ Miranda,ȱ aȱ garantiaȱ específicaȱ dosȱ direitosȱ
fundamentaisȱnãoȱseȱencontraȱnoȱexercícioȱdoȱdireitoȱdeȱresistência,ȱnemȱsequerȱnoȱ
Provedorȱ deȱ Justiça,ȱ masȱ simȱ nosȱ tribunaisȱ (...),ȱ únicosȱ órgãosȱ queȱ decidemȱ
segundoȱ critériosȱ deȱ legalidadeȱ eȱ nãoȱ deȱ conveniênciaȱ ouȱ deȱ oportunidadeȱ
política» 10 .ȱȱ
ȱ

2.ȱ3ȱ–ȱAȱjustiçaȱcomoȱinstrumentoȱdeȱprotecçãoȱdoȱambienteȱeȱdoȱpatrimónioȱȱ
ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱculturalȱeȱdeȱpromoçãoȱdaȱqualidadeȱdeȱvidaȱdosȱcidadãosȱȱ
ȱ
Nasȱúltimasȱdécadasȱdoȱséculoȱpassadoȱdesenvolveuȱ–ȱseȱumaȱnovaȱcategoriaȱdeȱ
direitos,ȱ chamadosȱ direitosȱ deȱ solidariedade,ȱ comoȱ osȱ direitosȱ deȱ protecçãoȱ daȱ
naturezaȱeȱdeȱdefesaȱdoȱsistemaȱecológicoȱeȱdoȱpatrimónioȱcultural.ȱ
«Sãoȱdireitosȱdeȱumaȱquartaȱcategoria,ȱqueȱnãoȱsãoȱbasicamenteȱdireitosȱdeȱdefesa,ȱ
nemȱ direitosȱ deȱ participação,ȱ nemȱ deȱ prestação,ȱ principalmenteȱ dirigidosȱ aoȱ
Estado,ȱ masȱ formamȱ umȱ complexoȱ deȱ todosȱ eles,ȱ «direitosȱ circulares»,ȱ comȱ umaȱ
horizontalidadeȱ característicaȱ eȱ umaȱ dimensãoȱ objectivaȱ fortíssima,ȱ jáȱ queȱ
protegemȱbensȱque,ȱemboraȱpossamȱserȱindividualmenteȱatribuídosȱeȱgozados,ȱsãoȱ
aoȱmesmoȱtempoȱbensȱcomunitáriosȱdeȱqueȱtodosȱsãoȱtitularesȱ–ȱeȱaliás,ȱnãoȱsóȱtodosȱ
osȱvivos,ȱmasȱaindaȱosȱelementosȱdasȱgeraçõesȱfuturas,ȱnaȱmedidaȱemȱqueȱestejaȱemȱ
causaȱaȱsobrevivênciaȱdaȱsociedade» 11 .ȱȱ
Comoȱdisciplina,ȱoȱdireitoȱdoȱambienteȱnãoȱtemȱmaisȱdoȱqueȱ30ȱanos.ȱEmȱJunhoȱdeȱ
1972,ȱ aȱ Conferênciaȱ dasȱ Naçõesȱ Unidasȱ sobreȱ oȱ meioȱ ambiente,ȱ organizadaȱ emȱ
Estocolmo,ȱ sancionouȱ aȱ tomadaȱ deȱ consciênciaȱ internacionalȱ dosȱ problemasȱ doȱ
ambienteȱ eȱ reconheceuȱ aȱ necessidadeȱ deȱ estabelecerȱ políticasȱ coerentesȱ paraȱ
protegerȱoȱmeioȱnatural.ȱȱ
Antesȱ destaȱ Conferênciaȱ tinhaȱ havidoȱ outrasȱ iniciativasȱ internacionaisȱ nesteȱ
domínio.ȱEmȱ15ȱdeȱSetembroȱdeȱ1968,ȱporȱexemplo,ȱaȱOUAȱadoptouȱaȱConvençãoȱ

9ȱȱJoséȱCarlosȱVieiraȱdeȱAndrade,ȱOsȱDireitosȱFundamentaisȱnaȱConstituiçãoȱPortuguesaȱdeȱ1976,ȱ2.ªedição,ȱ
Almedina,ȱCoimbra,ȱ2001:ȱ352.ȱ
10ȱJorgeȱMiranda,ȱConstituiçãoȱeȱDemocracia,ȱPetrony,ȱLisboa,ȱ1976:ȱ308.ȱ

11ȱJoséȱCarlosȱVieiraȱdeȱAndrade,ȱOsȱDireitosȱFundamentais...,ȱop.,ȱcit:ȱ62.ȱȱ

20
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Africanaȱ sobreȱ aȱ conservaçãoȱ daȱ naturezaȱ eȱ dosȱ recursosȱ naturais.ȱ Nosȱ Estadosȱ
Unidos,ȱemȱ1970,ȱfoiȱpromulgadoȱoȱNationalȱEnvironmentalȱPolicyȱAct.ȱȱ
AȱConferênciaȱdeȱEstocolmoȱmarca,ȱcontudo,ȱ«oȱarranqueȱjurídicoȬnormativoȱdasȱ
questõesȱambientaisȱnoȱplanoȱinternacional».ȱȱ
Numerososȱpaísesȱdotaramȱ–ȱse,ȱdesdeȱentão,ȱdeȱadministraçõesȱespecializadasȱeȱ
procuraramȱ limitarȱ aȱ deterioraçãoȱ daȱ qualidadeȱ doȱ solo,ȱ doȱ ar,ȱ daȱ águaȱ eȱ daȱ
biosfera.ȱAȱcriseȱeconómica,ȱentretantoȱocorrida,ȱalimentouȱumȱclimaȱdesfavorávelȱ
aoȱ prosseguimentoȱ dessesȱ esforçosȱ eȱ assistiuȱ –ȱ seȱ mesmoȱ aȱ algunsȱ retrocessos,ȱ aȱ
pretextoȱdosȱ«excessos»ȱdeȱregulamentaçãoȱnesteȱdomínio,ȱsupostamenteȱnaȱorigemȱ
dasȱ dificuldadesȱ financeirasȱ dasȱ empresas.ȱ Porȱ outroȱ lado,ȱ osȱ paísesȱ emȱ viasȱ deȱ
desenvolvimentoȱ argumentamȱ queȱ sóȱ agora,ȱ depoisȱ deȱ desenvolvidas,ȱ asȱ naçõesȱ
industrializadasȱ colocamȱ naȱ agendaȱ políticaȱ internacionalȱ aȱ protecçãoȱ doȱ ambiente,ȱ
quandoȱoȱseuȱactualȱbemȱ–ȱestarȱseȱfez,ȱemȱgrandeȱmedida,ȱàȱcustaȱdeȱumaȱexploraçãoȱ
desenfreadaȱdosȱrecursosȱnaturais,ȱqueȱagoraȱtãoȱzelosamenteȱpretendemȱpreservar.ȱȱ
Destaȱ históriaȱ nãoȱ seȱ trataȱ aqui.ȱ Asȱ ameaçasȱ sobreȱ oȱ ambienteȱ continuaramȱ aȱ
agravarȬseȱeȱcomȱelasȱoȱreforçoȱdaȱconsciênciaȱdaȱnecessidadeȱdeȱoȱproteger.ȱȱ
Comoȱ resultadoȱ destaȱ consciênciaȱ progressivamenteȱ generalizadaȱ eȱ deȱ queȱ oȱ
ambienteȱéȱumȱbemȱessencial,ȱ«umȱambienteȱsadioȱeȱecologicamenteȱequilibrado»ȱ
foiȱerigido,ȱpelasȱconstituiçõesȱmodernas,ȱemȱobjectoȱdeȱumȱdireitoȱfundamentalȱeȱ
oȱdeverȱdeȱoȱ defenderȱeȱvalorizarȱemȱincumbênciaȱdoȱEstado.ȱOȱmesmoȱseȱdiga,ȱ
mutatisȱmutandis,ȱparaȱoȱpatrimónioȱcultural.ȱȱ
AȱLCRA,ȱporȱexemplo,ȱdispõe,ȱnoȱartigoȱ24.º:ȱ«1ȱ–ȱTodosȱosȱcidadãosȱtêmȱoȱdireitoȱ
deȱviverȱnumȱmeioȱambienteȱsadioȱeȱnãoȱpoluído;ȱ2ȬȱOȱEstadoȱadoptaȱasȱmedidasȱ
necessáriasȱàȱprotecçãoȱdoȱmeioȱambienteȱeȱdasȱespéciesȱdeȱfloraȱeȱfaunaȱnacionaisȱ
emȱtodoȱoȱterritórioȱnacionalȱeȱàȱmanutençãoȱdoȱequilíbrioȱecológico;ȱ3ȬȱAȱleiȱpuneȱ
osȱactosȱqueȱlesemȱdirectaȱouȱindirectamenteȱouȱponhamȱemȱperigoȱaȱpreservaçãoȱ
doȱmeioȱambiente».ȱȱ
AȱCRCVȱpreceituaȱnoȱartigoȱ7.º:ȱ«SãoȱtarefasȱfundamentaisȱdoȱEstado:ȱk)ȱProtegerȱ
aȱ paisagem,ȱ aȱ natureza,ȱ osȱ recursosȱ naturaisȱ eȱ oȱ meioȱ ambiente,ȱ bemȱ comoȱ oȱ
patrimónioȱ históricoȱ –ȱ culturalȱ eȱ artísticoȱ nacional».ȱ Porȱ suaȱ vez,ȱ oȱ artigoȱ 72.ºȱ
consigna:ȱ «1ȱ –ȱ Todosȱ têmȱ direitoȱ aȱ umȱ ambienteȱ sadioȱ eȱ ecologicamenteȱ
equilibradoȱ eȱ oȱ deverȱ deȱ oȱ defenderȱ eȱ valorizar;ȱ 2ȱ –ȱ Paraȱ garantirȱ oȱ direitoȱ aoȱ
ambiente,ȱ incumbeȱ aosȱ poderesȱ públicos:ȱ a)ȱ Elaborarȱ eȱ executarȱ políticasȱ
adequadasȱ deȱ ordenamentoȱ doȱ território,ȱ deȱ defesaȱ eȱ preservaçãoȱ doȱ ambienteȱ eȱ
deȱ promoçãoȱ doȱ aproveitamentoȱ racionalȱ deȱ todosȱ osȱ recursosȱ naturais,ȱ
salvaguardandoȱcapacidadeȱdeȱrenovaçãoȱeȱaȱestabilidadeȱecológica;ȱb)ȱPromoverȱ
aȱ educaçãoȱ ambiental,ȱ oȱ respeitoȱ pelosȱ valoresȱ doȱ ambiente,ȱ aȱ lutaȱ contraȱ aȱ
desertificaçãoȱeȱosȱefeitosȱdaȱseca».ȱȱ

21
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

TambémȱaȱCRMȱcolocaȱaȱpreservaçãoȱdoȱambienteȱnoȱelencoȱdasȱincumbênciasȱdoȱ
Estado,ȱ dispondoȱ noȱ artigoȱ 37.º:ȱ «Oȱ Estadoȱ promoveȱ iniciativasȱ paraȱ garantirȱ oȱ
equilíbrioȱ ecológicoȱ eȱ aȱ conservaçãoȱ eȱ preservaçãoȱ doȱ meioȱ ambiente,ȱ visandoȱ aȱ
melhoriaȱdaȱqualidadeȱdeȱvidaȱdosȱcidadãos»ȱ(cfr.ȱaindaȱoȱartigoȱ17.ºȱdaȱCRGBȱqueȱ
versaȱsobreȱaȱdefesaȱdoȱpatrimónioȱcultural).ȱȱ
Aȱ tutelaȱ ambientalȱ passaȱ porȱ umȱ conjuntoȱ deȱ meios,ȱ desdeȱ osȱ tradicionaisȱ
instrumentosȱ repressivos,ȱ deȱ naturezaȱ penalȱ ouȱ administrativa,ȱ aosȱ novosȱ
instrumentosȱ deȱ tutela,ȱ situadosȱ muitasȱ vezes,ȱ naȱ expressãoȱ deȱ Márioȱ deȱ Meloȱ
Rocha,ȱ«ȱ«naȱterraȱdeȱninguém»,ȱparedesȱmeiasȱentreȱaȱdiplomaciaȱeȱoȱdireito» 12 ,ȱ
deȱ queȱ seȱ destacamȱ asȱ ecoȱ –ȱ auditorias,ȱ comȱ oȱ queȱ seȱ «ȱ visaȱ procederȱ aȱ umaȱ
avaliaçãoȱ eȱ consequenteȱ melhoriaȱ doȱ meioȱ ambienteȱ medianteȱ umȱ processoȱ
voluntárioȱ deȱ autoȱ –ȱ avaliaçãoȱ queȱ reflecteȱ sobreȱ aȱ práticaȱ atéȱ aíȱ seguida»ȱ
sobretudoȱ aoȱ nívelȱ dasȱ empresas 13 ,ȱ osȱ acordosȱ voluntários,ȱ entendendoȱ –ȱ seȱ porȱ
«acordoȱ voluntárioȱ emȱ matériaȱ ambientalȱ oȱ compromisso,ȱ assumidoȱ deȱ formaȱ
voluntária,ȱestabelecidoȱentreȱosȱactoresȱdaȱpolíticaȱdeȱprotecçãoȱambientalȱnaȱáreaȱ
daȱ gestãoȱ ambiental» 14 ,ȱ eȱ aȱ mediaçãoȱ ambiental,ȱ queȱ «ȱ assentaȱ naȱ ideiaȱ deȱ que,ȱ emȱ
muitosȱcasos,ȱoȱsistemaȱtradicionalȱdeȱdirimirȱosȱconflitosȱporȱviaȱjudicialȱconheceȱ
dificuldadesȱ deȱ váriosȱ (níveis)ȱ eȱ baseiaȱ –seȱ emȱ experiênciasȱ análogasȱ feitasȱ emȱ
outrasȱáreasȱdoȱDireitoȱ(comoȱoȱdireitoȱdoȱtrabalhoȱouȱoȱdireitoȱdaȱfamília)» 15 .ȱȱ

Nãoȱnosȱinteressa,ȱnaȱeconomiaȱdesteȱcurso,ȱdesenvolverȱestesȱaspectos,ȱmasȱsimȱ
pôrȱ emȱ destaque,ȱ nasȱ suaȱ linhasȱ gerais,ȱ asȱ viasȱ processuaisȱ deȱ tutelaȱ queȱ osȱ
ordenamentosȱdosȱPALOPȱproporcionamȱemȱmatériaȱambiental.ȱȱ

Aȱtutelaȱdoȱambienteȱtantoȱseȱpodeȱdirigirȱàȱreparaçãoȱdosȱdanosȱcausados,ȱcomoȱ
àȱ prevençãoȱ eȱ cessaçãoȱ dasȱ situaçõesȱ deȱ agressão 16 .ȱ Eȱ istoȱ tantoȱ noȱ domínioȱ dasȱ
relaçõesȱ entreȱ particularesȱ comoȱ nosȱ casosȱ emȱ queȱ aȱ lesãoȱ ouȱ ameaçaȱ deȱ lesãoȱ
provenhaȱdeȱentidadesȱpúblicas.ȱȱ

Deȱ entreȱ asȱ viasȱ deȱ tutelaȱ jurisdicionaisȱ doȱ ambienteȱ podemȱ distinguirȱ –ȱ seȱ osȱ
meiosȱprincipaisȱeȱosȱmeiosȱcautelares.ȱȱ

Caberiaȱ fazerȱ aindaȱ umaȱ distinçãoȱ entreȱ aȱ viaȱ judiciária,ȱ ouȱ sejaȱ aȱ dosȱ tribunaisȱ
judiciaisȱouȱcomuns,ȱinstrumentalȱdaȱactuaçãoȱdeȱumaȱnormaȱprimáriaȱdeȱdireitoȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
civil,ȱ eȱ aȱ viaȱ dosȱ tribunaisȱ administrativos,ȱ domínioȱ deȱ intervençãoȱ doȱ direitoȱ

12ȱMárioȱdeȱMeloȱRocha,ȱ«DireitoȱInternacionalȱeȱDireitoȱEuropeuȱeȱoȱDireitoȱdoȱAmbiente»,ȱEstudosȱdeȱ
DireitoȱdoȱAmbiente,ȱPublicaçõesȱUniversidadeȱCatólica,ȱPorto,ȱ2003:ȱ53.ȱ
13ȱ Márioȱ deȱ Meloȱ Rocha,ȱ Aȱ Avaliaçãoȱ doȱ Impactoȱ Ambientalȱ Comoȱ Princípioȱ doȱ Direitoȱ doȱ Ambienteȱ nosȱ

QuadrosȱInternacionalȱeȱEuropeu,ȱPublicaçõesȱUniversidadeȱCatólica,ȱPorto,ȱ2000:ȱ327.ȱ
14ȱIbidem.ȱ329.ȱ

15ȱIbidem:ȱ331.,ȱ

16ȱ Márioȱ Arosoȱ deȱ Almeida,ȱ «Tutelaȱ Jurisdicionalȱ emȱ Matériaȱ Ambiental»,ȱ Estudosȱ deȱ Direitoȱ doȱ

Ambiente,ȱop.,ȱcit:ȱ82ȱsegs..ȱ

22
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

administrativo,ȱ«ramoȱque,ȱporȱnatureza,ȱestáȱmelhorȱposicionadoȱparaȱintroduzir,ȱ
naȱ ordemȱ jurídicaȱ substantiva,ȱ asȱ regrasȱ necessáriasȱ paraȱ conciliarȱ oȱ
desenvolvimentoȱeconómicoȱcomȱoȱrespeitoȱpeloȱambiente» 17 .ȱȱ

Noȱ entanto,ȱ dadoȱ oȱ estádioȱ deȱ desenvolvimentoȱ daȱ justiçaȱ administrativaȱ nosȱ
PALOP,ȱ circunscreveremosȱ aȱ nossaȱ abordagemȱ aosȱ instrumentosȱ deȱ protecçãoȱ
jurídicoȱ–ȱcivilȱdoȱambiente.ȱȱ

Talȱnãoȱsignifica,ȱbemȱentendido,ȱqueȱinexistamȱmecanismosȱdeȱprotecçãoȱnaqueleȱ
primeiroȱâmbito.ȱBastaȱlembrarȱaȱsuspensãoȱdaȱeficáciaȱdosȱactosȱadministrativos,ȱ
regulamentada,ȱemȱAngola,ȱpelaȱLeiȱn.ºȱ8/96,ȱdeȱ19ȱdeȱAbril.ȱȱ

Quantoȱaosȱmeiosȱprincipaisȱdeȱprevençãoȱeȱcessaçãoȱdoȱilícitoȱambiental,ȱcabeȱchamarȱȱȱȱȱ
desdeȱlogoȱàȱcolaçãoȱoȱartigoȱ70.º,ȱn.1,ȱdoȱCC.ȱAȱdoutrinaȱcivilistaȱtemȱconsideradoȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
oȱdireitoȱaoȱambienteȱcomoȱumȱdireitoȱdeȱpersonalidadeȱouȱcomoȱumaȱdimensãoȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
deȱ umȱ direitoȱ geralȱ deȱ personalidade,ȱ paraȱ efeitosȱ deȱ enquadramentoȱ naȱ tutelaȱ
previstaȱ nasȱ formulaçõesȱ normativasȱ conjugadasȱ dosȱ artigosȱ 70.º,ȱ n.ºȱ 2,ȱ doȱ CCȱ eȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
1474.ºȱeȱ1475.ºȱCPC.ȱȱ

Noȱqueȱseȱrefereȱaosȱmeiosȱprincipaisȱdeȱreparaçãoȱdeȱdanosȱosȱmesmosȱesgotamȱ–ȱseȱ
nasȱacçõesȱdeȱresponsabilidadeȱcivilȱporȱdanosȱemȱmatériaȱambientalȱaȱinstaurarȱ
peranteȱosȱtribunais.ȱȱ
Sãoȱ váriosȱ eȱ complexosȱ osȱ problemasȱ queȱ oȱ institutoȱ daȱ responsabilidadeȱ civilȱ
suscitaȱemȱmatériaȱambiental 18 .ȱNãoȱéȱesteȱoȱlugarȱparaȱdesenvolverȱestaȱmatéria.ȱ
Chamaȱ –ȱ se,ȱ noȱ entanto,ȱ aȱ atençãoȱ paraȱ algunsȱ aspectosȱ doȱ regimeȱ legalȱ queȱ
podemȱserȱpotenciadosȱemȱordemȱaȱcontribuirȱparaȱumaȱprotecçãoȱmaisȱeficazȱdoȱ
meioȱambiente.ȱȱ
Osȱ delitosȱ ambientaisȱ integramȱ oȱ campoȱ deȱ aplicaçãoȱ doȱ artigoȱ 483.º,ȱ n.º1,ȱ CC.ȱ
Incumbeȱaoȱlesadoȱaȱalegaçãoȱeȱaȱprovaȱdosȱfactosȱconstitutivosȱdoȱdireitoȱalegadoȱ
(artigoȱ342.º,ȱn.ºȱ1,ȱCCȱ),ȱfactosȱdeȱqueȱseȱdeduza,ȱportanto,ȱoȱpreenchimentoȱdosȱ
pressupostosȱ daȱ responsabilidadeȱ civilȱ subjectiva,ȱ designadamenteȱ aȱ culpaȱ doȱ
lesanteȱ(artigoȱ487.º,ȱn.ºȱ1ȱCCȱ),ȱoȱqueȱnemȱsempreȱéȱfácil.ȱȱ
Todavia,ȱoȱCódigoȱCivilȱofereceȱoutrasȱviasȱdeȱresponsabilizaçãoȱdoȱpoluidor,ȱquerȱ
aoȱconsagrarȱumaȱpresunçãoȱdeȱculpaȱ«paraȱquemȱtiverȱemȱseuȱpoderȱcoisaȱmóvelȱ
ouȱ imóvel,ȱ comȱ oȱ deverȱ deȱ aȱ vigiar»ȱ ouȱ «causarȱ danosȱ aȱ outremȱ noȱ exercícioȱ deȱ
umaȱ actividade,ȱ perigosaȱ porȱ suaȱ própriaȱ naturezaȱ ouȱ pelaȱ naturezaȱ dosȱ meiosȱ
utilizados»ȱ (artigosȱ 493.ºȱ eȱ 344.º,ȱ n.ºȱ 1ȱ CC),ȱ querȱ aoȱ contemplarȱ situaçõesȱ deȱ
responsabilidadeȱ objectiva,ȱ noȱ artigoȱ 509.º,ȱ n.º1,ȱ porȱ parteȱ deȱ quemȱ «tiverȱ aȱ

17 ȱIbidem:ȱ81.ȱ ȱ
18 ȱ Henriqueȱ Sousaȱ Antunes,ȱ «Ambienteȱ eȱ Responsabilidadeȱ Civil»,ȱ Estudosȱ deȱ Direitoȱ doȱ Ambiente,ȱ
PublicaçõesȱUniversidadeȱCatólica,ȱPorto,ȱ2003:ȱ149ȱsegs.ȱ

23
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

direcçãoȱ efectivaȱ deȱ instalaçãoȱ destinadaȱ àȱ conduçãoȱ ouȱ entregaȱ daȱ energiaȱ
eléctricaȱouȱdoȱgás,ȱeȱutilizarȱessaȱinstalaçãoȱnoȱseuȱpróprioȱinteresse»,ȱsalvoȱ«ȱseȱ
aoȱtempoȱdoȱacidenteȱestaȱ[aȱinstalação]ȱestiverȱdeȱacordoȱcomȱasȱregrasȱtécnicasȱ
emȱvigorȱeȱemȱperfeitoȱestadoȱdeȱconservação»,ȱe,ȱnoȱartigoȱ1347.º,ȱquantoȱaȱdanosȱ
provocadosȱporȱinstalaçõesȱouȱdepósitosȱdeȱsubstânciasȱcorrosivasȱouȱperigosas 19 .ȱȱ
Umȱdosȱprincipaisȱobstáculosȱdoȱlesadoȱconsisteȱemȱprovarȱoȱnexoȱdeȱcausalidadeȱ
entreȱaȱcondutaȱdoȱlesanteȱeȱoȱdano,ȱquerȱporqueȱesteȱseȱapresentaȱanónimo,ȱquerȱ
porqueȱ éȱ oȱ somatórioȱ daȱ váriasȱ condutasȱ reiteradasȱ espaçadasȱ noȱ tempo,ȱ querȱ
aindaȱ porqueȱ seȱ trataȱ deȱ danoȱ futuroȱ nãoȱ previsível.ȱ Oȱ recursoȱ àȱ teoriaȱ daȱ
causalidadeȱ adequadaȱ mostraȱ –ȱ seȱ quaseȱ sempreȱ imprestávelȱ paraȱ satisfazerȱ asȱ
exigênciasȱprobatóriasȱlegais.ȱȱ
Nenhumȱ dosȱ ordenamentosȱ jurídicosȱ emȱ causaȱ prevêȱ soluçõesȱ alternativasȱ (v.ȱ g.ȱ
presunçãoȱlegalȱdeȱcausalidade,ȱimputaçãoȱconjuntaȱnasȱhipótesesȱdeȱcausalidadeȱ
alternativa).ȱ Noȱ entanto,ȱ oȱ reconhecimentoȱ deȱ queȱ háȱ comportamentoȱ ilícitoȱ doȱ
agenteȱlogoȱqueȱesteȱvioleȱasȱregrasȱpreventivasȱdestinadasȱaȱtutelarȱosȱinteressesȱ
maisȱtardeȱlesadosȱ(artigoȱ483.º,ȱn.ºȱ1ȱCC),ȱpermiteȱatenuarȱaquelaȱomissão 20 .ȱȱ
Noȱ respeitanteȱ aosȱ meiosȱ cautelares,ȱ sobressaemȱ osȱ procedimentosȱ cautelaresȱ nãoȱ
especificadosȱ(artigoȱ399.ºȱeȱsegs.ȱCPC),ȱatravésȱdosȱquaisȱseȱpodeȱintimarȱoȱagressorȱ
aȱabsterȬseȱdeȱqualquerȱcondutaȱlesivaȱambiental,ȱeȱoȱembargoȱdeȱobraȱnovaȱ(ȱartigoȱ
412.ºȱsegs.ȱCPCȱ).ȱȱ
Umaȱúltimaȱreferênciaȱàȱacçãoȱpopular.ȱDeȱtodosȱosȱPALOP,ȱapenasȱaȱRepúblicaȱdeȱ
CaboȱVerdeȱconstitucionalizouȱoȱdireitoȱdeȱacçãoȱpopular.ȱȱ
Dispõeȱoȱartigoȱ58.º,ȱn.ºȱ3ȱdaȱCRCV:ȱ«Éȱgarantido,ȱnosȱtermosȱdaȱlei,ȱoȱdireitoȱdeȱ
acçãoȱ popular,ȱ designadamenteȱ paraȱ defesaȱ doȱ cumprimentoȱ doȱ estatutoȱ dosȱ
titularesȱ deȱ cargosȱ públicosȱ eȱ paraȱ defesaȱ doȱ patrimónioȱ doȱ Estadoȱ eȱ deȱ demaisȱ
entidadesȱ públicas».ȱ Porȱ suaȱ vez,ȱ preceituaȱ oȱ artigoȱ 21.º,ȱ n.ºȱ 2:ȱ «Aȱ todosȱ éȱ
conferido,ȱ pessoalmenteȱ ouȱ atravésȱ deȱ associaçõesȱ deȱ defesaȱ dosȱ interessesȱ emȱ
causa,ȱoȱdireitoȱdeȱpromoverȱaȱprevenção,ȱaȱcessaçãoȱouȱaȱperseguiçãoȱjudicialȱdasȱ
infracçõesȱ contraȱ aȱ saúde,ȱ oȱ ambiente,ȱ aȱ qualidadeȱ deȱ vidaȱ eȱ oȱ patrimónioȱ
cultural».ȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
Aȱacçãoȱpopularȱpodeȱserȱperspectivadaȱnoȱplanoȱdaȱcivicȱjustice,ȱassumindoȱentãoȱ
umaȱ naturezaȱ supletiva,ȱ emȱ relaçãoȱ àȱ actividadeȱ dasȱ entidadesȱ públicas,ȱ ouȱ
mesmoȱ correctiva,ȱ contraȱ osȱ actosȱ daȱ administraçãoȱ pública.ȱ Pareceȱ serȱ esteȱ oȱ
sentidoȱ deȱ queȱ seȱ revesteȱ noȱ citadoȱ artigoȱ 58.ºȱ daȱ CRCV.ȱ Contudo,ȱ elaȱ podeȱ

19 ȱIbidem:ȱ163.ȱ
20 ȱIbidem:ȱ177.ȱȱ

24
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

assumirȱ umaȱ novaȱ dimensãoȱ aoȱ nívelȱ daȱ civilȱ justice,ȱ configurandoȱ –ȱ seȱ entãoȱ
«comoȱumaȱacçãoȱcolectivaȱdirigidaȱàȱtutelaȱdeȱdireitosȱdifusosȱeȱfragmentados» 21 .ȱȱ
Diferentementeȱ doȱ queȱ ocorreȱ comȱ osȱ chamadosȱ interessesȱ colectivos,ȱ queȱ seȱ
reportamȱ «aȱ umaȱ comunidadeȱ genericamenteȱ organizadaȱ cujosȱ membrosȱ sãoȱ
comoȱtaisȱidentificáveis,ȱmasȱsemȱqueȱessaȱorganizaçãoȱseȱprocesseȱemȱtermosȱdeȱ
pessoaȱ colectiva» 22 ,ȱ osȱ interessesȱ difusosȱ «correspondemȱ àquelesȱ interessesȱ cujaȱ
titularidadeȱ pertenceȱ aȱ todosȱ eȱ aȱ cadaȱ umȱ doȱ membrosȱ daȱ comunidade,ȱ deȱ umȱ
grupoȱ ouȱ deȱ umaȱ classe,ȱ semȱ que,ȱ todavia,ȱ sejamȱ susceptíveisȱ deȱ apropriaçãoȱ
individualȱporȱqualquerȱumȱdessesȱsujeitos.ȱQuerȱdizer:ȱosȱinteressesȱdifusosȱnãoȱ
sãoȱ interessesȱ individuais,ȱ porqueȱ oȱ bemȱ jurídicoȱ aȱ queȱ seȱ referemȱ –ȱ como,ȱ porȱ
exemplo,ȱ oȱ meioȱ ambienteȱ ouȱ aȱ qualidadeȱ deȱ vidaȱ –ȱ éȱ inapropriávelȱ
individualmenteȱeȱnãoȱpodeȱserȱatribuídoȱemȱexclusividadeȱaȱqualquerȱsujeito» 23 .ȱȱ
Emȱ qualquerȱ destesȱ casos,ȱ porém,ȱ atribuiȱ –ȱ seȱ oȱ direitoȱ deȱ acçãoȱ aȱ pessoasȱ
colectivasȱouȱsingulares,ȱemȱqueȱnãoȱradicaȱouȱpodeȱnãoȱradicarȱaȱtitularidadeȱdosȱ
interessesȱemȱpresença.ȱȱ
Estaȱevoluçãoȱoperadaȱnaȱprocessualísticaȱcivil,ȱdeȱqueȱéȱreflexoȱoȱaludidoȱartigoȱ
21.ºȱ daȱ CRCV,ȱ éȱ instrumentalȱ daȱ tutelaȱ jurisdicionalȱ efectiva,ȱ entreȱ outros,ȱ doȱ
direitoȱ aȱ umȱ ambienteȱ sadioȱ eȱ aȱ umȱ patrimónioȱ históricoȱ –ȱ culturalȱ preservado,ȱ
queȱ todosȱ osȱ PALOP,ȱ emȱ conformidadeȱ comȱ asȱ respectivasȱ especificidadesȱ
culturais,ȱdãoȱmostrasȱdeȱquererȱincrementar.ȱȱ
ȱ
2.4ȱ–ȱAȱjustiçaȱcomoȱinstrumentoȱdeȱprogressoȱeconómicoȱȱȱ
ȱ
Aȱ quedaȱ doȱ muroȱ deȱ Berlimȱ eȱ oȱ desmembramentoȱ daȱ URSSȱ marcamȱ
simbolicamenteȱ oȱ fimȱ daȱ ilusãoȱ históricaȱ deȱ organizarȱ aȱ economiaȱ deȱ umaȱ
sociedadeȱ segundoȱ aȱ lógicaȱ exclusivaȱ daȱ planificaçãoȱ central.ȱ Éȱ possívelȱ eȱ atéȱ
desejávelȱ oȱ planeamentoȱ paraȱ atacarȱ problemasȱ específicosȱ ouȱ alcançarȱ metasȱ
determinadas,ȱmasȱéȱproblemáticoȱsubstituir,ȱemȱpermanência,ȱcomȱumaȱvontadeȱ
únicaȱasȱdecisõesȱautónomasȱeȱnemȱsempreȱconvergentesȱdeȱmilhõesȱdeȱpessoas.ȱȱ
Aquelesȱacontecimentosȱassinalamȱtambémȱoȱtriunfoȱeȱaȱhegemoniaȱdaȱlógicaȱdeȱmercado.ȱȱ
ReconheceȬseȱ hojeȱ porȱ todaȱ aȱ parteȱ queȱ nãoȱ éȱ possívelȱ governarȱ umaȱ sociedadeȱ
contraȱoȱmercado.ȱȱ

21ȱAntónioȱPayamȱMartins,ȱClassȱActionȱemȱPortugal,ȱCosmos,ȱLisboa,ȱ1999:ȱ103.ȱ
22ȱJoséȱLebreȱdeȱFreitas,ȱIntroduçãoȱaoȱProcessoȱCivil,ȱCoimbraȱEditora,ȱCoimbra,ȱ1996:ȱ81;ȱesteȱautorȱdáȱ
comoȱ oȱ exemploȱ osȱ habitantesȱ deȱ umaȱ povoaçãoȱ ouȱ osȱ operáriosȱ deȱ umȱ complexoȱ fabril,ȱ masȱ
podemosȱ acrescentarȱ «aqueleȱ queȱ respeitaȱ àȱ reparaçãoȱ dosȱ danosȱ infligidosȱ porȱ umaȱ intoxicaçãoȱ
alimentarȱaosȱclientesȱdeȱumȱrestaurante»ȱ(M.ȱT.ȱdeȱSousa).ȱ
23ȱ Miguelȱ Teixeiraȱ deȱ Sousa,ȱ «Aȱ Protecçãoȱ Jurisdicionalȱ dosȱ Interessesȱ Difusos:ȱ Algunsȱ Aspectosȱ

Processuais»,ȱTextos,ȱAmbienteȱeȱConsumo,ȱIȱVol.,ȱCEJ,ȱLisboa,ȱ1996:232ȱ

25
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Quandoȱseȱ falaȱ emȱ mercadoȱ estáȬseȱ aȱaludirȱ aȱ umȱ lugar,ȱ realȱ ouȱ virtual,ȱ ondeȱ seȱ
encontramȱ pessoasȱ queȱ sãoȱ livresȱ deȱ tomarȱ decisões.ȱ Aȱ economiaȱ deȱ mercadoȱ éȱ
justamenteȱoȱresultadoȱdoȱinteragirȱdeȱumaȱpluralidadeȱdeȱvontadesȱlivresȱeȱnistoȱ
resideȱaȱprincipalȱrazãoȱdoȱseuȱsucessoȱhistórico.ȱȱ
Éȱ verdadeȱ queȱ oȱ mercadoȱ deixadoȱ aȱ siȱ mesmoȱ geraȱ concentraçãoȱ deȱ capital,ȱ
desemprego,ȱ exclusãoȱ social.ȱ Todosȱ lemosȱ osȱ relatosȱ daȱ situaçãoȱ dasȱ classesȱ
trabalhadorasȱ emȱ Inglaterra,ȱ noȱ séc.ȱ XIX.,ȱ todosȱ jáȱ ouvimosȱ falarȱ doȱ trabalhoȱ
infantil,ȱdosȱhoráriosȱdiáriosȱdeȱ16ȱhoras,ȱdaȱcriseȱdeȱ1929Ȭ1932,ȱdeȱumȱcortejoȱdeȱ
chagasȱsociaisȱprovocadoȱporȱumȱcapitalismoȱsemȱregras.ȱNãoȱéȱesteȱoȱlocalȱparaȱ
desenvolvimentoȱdesteȱponto.ȱȱ
Aȱ referênciaȱ aȱ esteȱ darkȱ sideȱ daȱ economiaȱ deȱ mercadoȱ vemȱ aȱ propósitoȱ daȱ
convicçãoȱdeȱqueȱnãoȱháȱalternativaȱparaȱaȱnecessidadeȱdoȱmercadoȱserȱregulado,ȱ
(emȱmaiorȱouȱmenorȱgrau).ȱOȱatentadoȱterroristaȱdeȱ11ȱdeȱSetembroȱdeȱ2001ȱseria,ȱ
paraȱmuitos,ȱaȱmelhorȱprovaȱdisso.ȱȱ
Vendoȱbem,ȱtambémȱoȱNewȱDeal,ȱnosȱEstadosȱUnidos,ȱeȱoȱEstadoȱProvidência,ȱnaȱ
Europa,ȱ foramȱ umaȱ respostaȱ àȱ chamadaȱ «questãoȱ social»,ȱ numȱ ambienteȱ políticoȱ
deȱconcorrênciaȱcomȱoȱmodeloȱsocialista.ȱȱ
Aȱ forçaȱ daȱ leiȱ passouȱ aȱ mobilizarȬseȱ para,ȱ porȱ exemplo,ȱ imporȱ programasȱ deȱ
empregoȱ eȱ deȱ desenvolvimento,ȱ paraȱ assegurarȱ umaȱ concorrênciaȱ leal,ȱ evitarȱ aȱ
concentraçãoȱ doȱ poderȱ económico,ȱ vedarȱ acordosȱ queȱ atentemȱ contraȱ aȱ livreȱ
fixaçãoȱ dosȱ preços,ȱ reprimirȱ aȱ circulaçãoȱ eȱ vendaȱ deȱ mercadoriasȱ eȱ produtosȱ
avariadosȱouȱperigosos,ȱetc.ȱȱ
Estaȱligaçãoȱentreȱoȱdireitoȱeȱaȱeconomiaȱnãoȱéȱumȱfenómenoȱinteiramenteȱnovo.ȱ
Numerososȱ sectoresȱ doȱ direito,ȱ comoȱ oȱ dosȱ títulosȱ deȱ créditoȱ eȱ oȱ doȱ direitoȱ dosȱ
seguros,ȱ porȱ exemplo,ȱ foramȱ impostosȱ pelaȱ economia.ȱ Noȱ entanto,ȱ noȱ mundoȱ
actualȱ oȱ direitoȱ passouȱ aȱ serȱ muitoȱ maisȱ vezesȱ invocadoȱ paraȱ tutelarȱ asȱ
expectativasȱdosȱoperadoresȱeconómicos.ȱȱ
Consequentemente,ȱoȱjuizȱtransformouȬse,ȱtambémȱele,ȱnumȱimportanteȱagenteȱdeȱ
regulaçãoȱdoȱmercado.ȱȱ
PedeȬseȬlhe,ȱ porȱ exemplo,ȱ naȱ áreaȱ doȱ chamadoȱ direitoȱ penalȱ secundário,ȱ queȱ
reprimaȱ aȱ criminalidadeȱ económica,ȱ aȱ evasãoȱ eȱ fraudesȱ fiscais,ȱ oȱ branqueamentoȱ
deȱ capitais;ȱ éȱ chamadoȱ aȱ removerȱ asȱ causasȱ impeditivasȱ doȱ bomȱ funcionamentoȱ
dasȱunidadesȱprodutivas,ȱaȱevitarȱqueȱoȱinstitutoȱfalimentarȱseȱtraduza,ȱnaȱprática,ȱ
emȱ delapidaçãoȱdeȱbens,ȱdestruiçãoȱdaȱcapacidadeȱprodutivaȱeȱdesemprego;ȱqueȱ
dêȱ respostaȱ aosȱ milharesȱ deȱ acçõesȱ deȱ dívidasȱ comȱ queȱ bancos,ȱ companhiasȱ deȱ
seguros,ȱ empresasȱ deȱ leasing,ȱ deȱ telecomunicaçõesȱ eȱ empresasȱ emissorasȱ deȱ
créditoȱ aoȱ consumoȱ «colonizam»ȱ osȱ tribunais,ȱ passandoȱ estesȱ aȱ funcionar,ȱ tantasȱ
vezes,ȱcomoȱmerosȱagentesȱcobradoresȱaoȱseuȱserviço.ȱȱ

26
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Peranteȱesteȱacréscimoȱ daȱ procura,ȱ nãoȱ sóȱ emȱquantidadeȱ comoȱ emȱ qualidade,ȱ oȱ


sistemaȱrespondeȱmal,ȱouȱnãoȱrespondeȱdeȱtodo.ȱȱ
Asȱ estratégiasȱ empresariaisȱ nãoȱ ficamȱ insensíveisȱ àȱ eficiênciaȱ daȱ organizaçãoȱ
judiciáriaȱ eȱ aosȱ custosȱ relativos.ȱ Naȱ décadaȱ deȱ noventaȱ doȱ séculoȱ passado,ȱ porȱ
exemplo,ȱ nosȱ Estadosȱ Unidos,ȱ verificouȱ –ȱ seȱ umȱ enormeȱ afluxoȱ deȱ iniciativasȱ
económicasȱnoȱDelaware,ȱjustamenteȱporȱserȱoȱEstadoȱqueȱofereciaȱmelhorȱsistemaȱ
deȱjustiçaȱaosȱmaisȱbaixosȱcustos.ȱȱ
Bemȱ sabemosȱ queȱ muitosȱ destesȱ problemasȱ sãoȱ actualmenteȱ específicosȱ dosȱ
chamadosȱ paísesȱ doȱ «centro»ȱ doȱ sistemaȱ económicoȱ mundial.ȱ Todavia,ȱ
considerandoȱ aȱ mundializaçãoȱ eȱ asȱ actuaisȱ estratégiasȱ deȱ desenvolvimentoȱ dosȱ
paísesȱdaȱperiferia,ȱéȱdeȱprognosticarȱqueȱtambémȱestesȱseȱvejamȱproximamenteȱaȱ
braçosȱcomȱsituaçõesȱsemelhantes.ȱȱ
Deȱ todoȱ oȱ modo,ȱ ressalvadasȱ todasȱ asȱ diferençasȱ deȱ nívelȱ deȱ desenvolvimentoȱ
económico,ȱpodeȱafirmar–seȱqueȱnenhumȱpaísȱpodeȱprogredirȱsemȱumȱsistemaȱdeȱ
justiçaȱeficaz.ȱȱ
Oraȱ aȱ eficáciaȱ desseȱ sistemaȱ afereȬseȱ pelaȱ capacidadeȱ demonstradaȱ emȱ alcançarȱ
trêsȱfinalidadesȱfundamentais:ȱa)ȱ–ȱenquadrarȱoȱmercado;ȱb)ȱ–ȱencorajarȱaȱcertezaȱ
dosȱcontratos;ȱc)ȱ–ȱencorajarȱosȱcomportamentosȱpositivos.ȱȱ
Nenhumaȱeconomiaȱfuncionaȱdeȱformaȱsocialmenteȱaceitávelȱseȱnãoȱforȱreguladaȱ
pelaȱlei;ȱéȱnecessárioȱqueȱosȱcontratosȱsejamȱpontualmenteȱcumpridosȱeȱosȱcréditosȱ
efectivamenteȱ satisfeitos,ȱ éȱ precisoȱ queȱ oȱ sistemaȱ encorajeȱ osȱ comportamentosȱ
correctosȱ(pagarȱimpostos,ȱsolverȱasȱdívidas,ȱetc.)ȱdesencorajandoȱosȱincorrectos.ȱȱ
Sobreȱtudoȱistoȱaȱjustiçaȱtemȱumaȱimportantíssimaȱpalavraȱaȱdizer,ȱnaȱconsciênciaȱ
deȱ que,ȱ seȱ umȱ magistradoȱ nãoȱ criaȱ riqueza,ȱ podeȱ evitarȱ espoliaçõesȱ eȱ contribuirȱ
paraȱ aȱ salvaguardaȱ deȱ patrimóniosȱ eȱ aȱ manutençãoȱ deȱ postosȱ deȱ trabalho,ȱ paraȱ
alémȱ daȱ suaȱ missãoȱ tradicionalȱ deȱ reprimirȱ aȱ violênciaȱ eȱ osȱ crimesȱ contraȱ asȱ
pessoasȱ eȱ bensȱ eȱ deȱ fazerȱ comȱ queȱ osȱ contratosȱ sejamȱ cumpridosȱ eȱ osȱ danosȱ
reparados 24 .ȱȱ
É,ȱ porém,ȱ reconhecidoȱ porȱ umȱ númeroȱ cadaȱ vezȱ maiorȱ deȱ autoresȱ queȱ osȱ juizes,ȱ
cujoȱinstrumentoȱdeȱtrabalhoȱéȱoȱdireito,ȱnãoȱpodemȱdesempenharȱeficazmenteȱoȱ
papelȱ deȱ operadoresȱ económicos,ȱ designadamenteȱ seȱ continuaremȱ aȱ utilizarȱ osȱ
procedimentosȱ tradicionais.ȱ Aȱ complexidadeȱ dosȱ processosȱ naȱ áreaȱ económicaȱ
exigeȱ conhecimentosȱ especializadosȱ noȱ âmbitoȱ comercial,ȱ fiscal,ȱ económicoȱ eȱ
financeiro,ȱ conhecimentosȱ essesȱ queȱ nãoȱ estãoȱ porȱ viaȱ deȱ regraȱ aoȱ alcanceȱ doȱ

24 ȱSeguiuȱ–ȱse,ȱnesteȱnúmero,ȱnasȱsuasȱlinhasȱgerais,ȱoȱteorȱdeȱumaȱconferênciaȱdoȱSr.ȱDr,ȱJoãoȱSalgueiro,ȱ
proferidaȱ noȱ Centroȱ deȱ Estudosȱ Judiciários,ȱ emȱ Lisboa,ȱ emȱ Setembroȱ deȱ 2001,ȱ nãoȱ podendo,ȱ
naturalmenteȱoȱconferencistaȱserȱresponsabilizadoȱpelosȱerrosȱeȱimprecisõesȱdoȱpresenteȱtexto.ȱ

27
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

magistrado.ȱ Oȱ recursoȱ aȱ peritosȱ ouȱ aȱ criaçãoȱ deȱ tribunaisȱ deȱ competênciaȱ


especializada,ȱnoȱdomínioȱeconómico,ȱtêmȱconstituídoȱaȱrespostaȱmaisȱfrequenteȱàsȱ
dificuldadesȱsurgidasȱnaȱadministraçãoȱdaȱjustiçaȱnesteȱsector.ȱMasȱmesmoȱnesteȱ
quadroȱ eȱ dotadoȱ deȱ meiosȱ materiaisȱ suficientes,ȱ nãoȱ pareceȱ queȱ oȱ juizȱ possaȱ
transformarȬseȱnumȱgrandeȱregulador,ȱnumȱersatzȱdeȱchefeȱdeȱempresa,ȱsobȱpenaȱdeȱ
acelerarȱaȱdecomposiçãoȱdasȱprópriasȱinstânciasȱdeȱregulaçãoȱmercantil.ȱȱ

3ȱ–ȱSISTEMAȱDEȱJUSTIÇAȱESTADUALȱEȱOȱMOVIMENTOȱDEȱADRȱȱ
ȱȱȱȱȱȱ(RESOLUÇÃOȱALTERNATIVAȱDEȱCONFLITOS)ȱȱ
ȱ
Osȱ métodosȱ deȱ ADR,ȱ taisȱ comoȱ aȱ mediação,ȱ aȱ conciliaçãoȱ eȱ aȱ arbitragem,ȱ foramȱ
praticadosȱduranteȱváriosȱséculosȱnaȱEuropa.ȱȱ
Foi,ȱ porém,ȱ nosȱ EUAȱ que,ȱ emȱ primeiroȱ lugar,ȱ osȱ instrumentosȱ deȱ ADR,ȱ
particularmenteȱ aȱ mediação,ȱ seȱ transformaramȱ numaȱ actividadeȱ profissional,ȱ
desenvolvidaȱcomȱbaseȱnumȱnovoȱramoȱdeȱconhecimentosȱespecializados.ȱȱ
OsȱinstrumentosȱdeȱADRȱsituamȬseȱnaȱlinhaȱintermédiaȱdeȱumaȱcurvaȱimaginária,ȱ
representativaȱ deȱ umaȱ contínuaȱ diminuiçãoȱ daȱ autonomiaȱ dasȱ partesȱ sobreȱ oȱ
respectivoȱ diferendo,ȱ noȱ inícioȱ daȱ qualȱ aȱ negociaçãoȱ surgeȱ comoȱ oȱ primeiroȱ
utensílio,ȱ culminando,ȱ noȱ outroȱ extremo,ȱ comȱ aȱ imposiçãoȱ aosȱ contendoresȱ deȱ
umaȱdecisãoȱdoȱlitígioȱporȱumȱterceiroȱjudicanteȱ(árbitro).ȱȱ
Oȱprocessoȱdeȱglobalizaçãoȱestáȱaȱdesestabilizarȱasȱtradicionaisȱestruturasȱsociaisȱeȱ
aȱcriarȱumaȱcontínuaȱpressãoȱsobreȱosȱserviçosȱpúblicos,ȱemȱordemȱaȱassegurarȱumȱ
climaȱdeȱinvestimentoȱcompetitivo.ȱȱ
Estaȱ situaçãoȱ conduzȱ aȱ umȱ resultadoȱ contraditório:ȱ porȱ umȱ lado,ȱ mecanismosȱ
diferentesȱdaȱleiȱ–ȱredesȱfamiliaresȱtradicionais,ȱesquemasȱdeȱsegurançaȱsocial,ȱetc.,ȱ
geradoresȱ deȱ segurançaȱ nasȱ expectativasȱ dosȱ cidadãos,ȱ estãoȱ aȱ desaparecer,ȱ
levandoȱcadaȱvezȱmaisȱasȱpessoasȱaȱrecorrerȱaosȱtribunais;ȱporȱoutroȱlado,ȱnãoȱobstanteȱ
esteȱaumentoȱdaȱlitigiosidade,ȱaȱadministraçãoȱdaȱjustiçaȱmanteveȱquaseȱconstanteȱ
oȱseuȱorçamento.ȱȱ
Atéȱesteȱmomento,ȱemȱquaseȱtodosȱosȱpaíses,ȱtêmȱprevalecido,ȱnaȱáreaȱdaȱjustiça,ȱ
osȱ constrangimentosȱ orçamentaisȱ e,ȱ comȱ todaȱ aȱ verosimilhança,ȱ continuarãoȱ aȱ
prevalecerȱnoȱfuturo,ȱaȱparȱdoȱaumentoȱdaȱprocura.ȱȱ
Nesteȱ contexto,ȱ haveráȱ progressivamenteȱ menorȱ espaçoȱ paraȱ umaȱ cuidadaȱ
conciliaçãoȱendoprocessual,ȱaoȱmesmoȱtempoȱqueȱaumentaráȱaȱreceptividadeȱparaȱ
aȱideiaȱdeȱreorientarȱaȱresoluçãoȱdosȱconflitosȱparaȱinstânciasȱforaȱdosȱtribunais.ȱȱ
Oȱ Estadoȱ –ȱ Providênciaȱ foiȱ talvezȱ longeȱ aoȱ condicionarȱ aȱ livreȱ determinaçãoȱ doȱ
seuȱ destino,ȱ porȱ parteȱ dasȱ pessoas.ȱ CriouȬseȱ nasȱ sociedadesȱ desenvolvidasȱ umȱ

28
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

grupoȱ deȱ «excluídos»ȱ dasȱ formasȱ tradicionaisȱ deȱ representação,ȱ istoȱ é,ȱ daȱ vidaȱ
política,ȱ sindicalȱ eȱ associativa.ȱ Residirãoȱ nesteȱ factoȱ eȱ naȱ convicçãoȱ deȱ queȱ oȱ
recursoȱ àȱ justiçaȱ oficialȱ nãoȱ é,ȱ muitasȱ vezes,ȱ aȱ formaȱ idealȱ deȱ resoluçãoȱ dosȱ
conflitos,ȱespecialmenteȱquandoȱosȱlitigantesȱtêmȱrazõesȱparaȱquererȱpreservarȱasȱ
boasȱrelaçõesȱnoȱfuturoȱ(nasȱrelaçõesȱcomerciais,ȱemȱcrisesȱfamiliares,ȱnasȱrelaçõesȱ
deȱ vizinhança,ȱ nosȱ conflitosȱ deȱ consumo,ȱ etc.)ȱ asȱ razõesȱ doȱ actualȱ sucessoȱ dasȱ
formasȱalternativasȱdeȱresoluçãoȱdosȱconflitos.ȱȱ

Nãoȱ háȱ consensoȱ quantoȱ aoȱ elencoȱ dosȱ instrumentosȱ pertencentesȱ àȱ famíliaȱ doȱ
ADR.ȱOȱpróprioȱsignificadoȱassociadoȱaosȱconceitosȱdeȱconciliaçãoȱeȱdeȱmediaçãoȱ
variaȱconformeȱasȱespecificidadesȱdeȱcadaȱáreaȱeȱpaís.ȱȱ

Sobȱ aȱ designaçãoȱ deȱ ADR,ȱ noȱ seuȱ sentidoȱ amplo,ȱ escondemȬseȱ realidadesȱ
profundamenteȱ distintas,ȱ tãoȱ diversasȱ queȱ dificilmenteȱ seȱ encontramȱ linhasȱ
comunsȱcapazesȱdeȱasȱunificarȱemȱviaȱpositiva.ȱȱ

Aȱ designaçãoȱ deȱ formasȱ alternativasȱ deȱ resoluçãoȱ deȱ litígiosȱ pressupõe,ȱ


implicitamente,ȱ aȱ referênciaȱ aȱ sistemasȱ tradicionaisȱ deȱ jurisdição,ȱ mas,ȱ porȱ outroȱ
lado,ȱ sugereȱ queȱ elasȱ sãoȱ chamadasȱ aȱ substituirȱ outrasȱ formas,ȱ ditasȱ clássicas,ȱ
dessaȱresolução.ȱȱ

Estaȱ conclusãoȱ nãoȱ éȱ deȱ sufragar.ȱ Váriasȱ experiênciasȱ mostramȱ queȱ asȱ formasȱ
clássicasȱ deȱ resoluçãoȱ dosȱ litígiosȱ surgemȱ muitasȱ vezesȱ acopladas,ȱ atéȱ
estreitamenteȱ imbricadas,ȱaosȱ novosȱ métodosȱ ditosȱalternativos.ȱ Maisȱ doȱqueȱemȱ
alternatividadeȱdeveȱfalarȬseȱemȱdiversificaçãoȱdeȱmétodosȱdeȱresoluçãoȱdeȱconflitos,ȱqueȱ
podemȱcumularȬseȱouȱassociarȬseȱdentroȱdoȱmesmoȱsistema.ȱȱ

Nãoȱseȱpodeȱfalar,ȱemȱrigor,ȱdeȱresoluçãoȱdeȱlitígiosȱparaȱdescreverȱoȱresultadoȱdosȱ
métodosȱ diversificadosȱ compreendidosȱ naȱ designaçãoȱ deȱ ADR,ȱ ou,ȱ então,ȱ
devemosȱtomarȱaȱexpressãoȱlitígioȱnumaȱacepçãoȱmuitoȱmaisȱlargaȱdoȱqueȱaquelaȱ
queȱestáȱnaȱbaseȱdoȱprocessoȱcivilȱadversarial.ȱȱ

Seȱ aȱ decisãoȱ arbitralȱ podeȱ terȱ umaȱ forçaȱ semelhanteȱ àȱ deȱ umaȱ sentençaȱ deȱ umȱ
tribunalȱ judicial,ȱ jáȱ naȱ mediaçãoȱ aȱ intervençãoȱ deȱ terceiroȱ temȱ apenasȱ comoȱ
resultadoȱpossívelȱaȱaceitaçãoȱpelasȱpartesȱdeȱumaȱsoluçãoȱnegociadaȱqueȱapenasȱ
asȱ vincula,ȱ emȱ princípio,ȱ emȱ termosȱ semelhantesȱ aȱ umaȱ estipulaçãoȱ porȱ elasȱ
livrementeȱaceiteȱ(aȱmenosȱqueȱintervenhaȱdeȱnovoȱaȱimbricaçãoȱdeȱprocessos,ȱumȱ
actoȱjudicialȱdeȱhomologaçãoȱdoȱacordo).ȱȱ

Osȱ métodosȱ alternativosȱ nãoȱ dispensamȱ aȱ existênciaȱ eȱ oȱ funcionamentoȱ deȱ umȱ


sistemaȱclássicoȱqueȱosȱenquadreȱeȱapoie.ȱȱ

Osȱ métodosȱ alternativosȱ sóȱ concorremȱ verdadeiramenteȱ comȱ aȱ funçãoȱ deȱ


acertamentoȱeȱdeȱdeclaraçãoȱdoȱdireito,ȱmasȱnãoȱcomȱaȱfunçãoȱexecutiva.ȱȱ

29
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Aȱ viaȱ extrajudicialȱ deȱ resoluçãoȱ deȱ conflitosȱ éȱ umȱ complementoȱ eȱ nãoȱ umȱ
sucedâneoȱdaȱviaȱjudicial,ȱrazãoȱpelaȱqualȱnãoȱseȱdeveȱdificultarȱoȱrecursoȱdirectoȱàȱ
justiçaȱ oficial,ȱ nosȱ casos,ȱ bemȱ entendido,ȱ emȱ queȱ aȱ mesmaȱ forȱ prioritariamenteȱ
desejada,ȱnemȱfazerȱdependerȱtalȱrecursoȱdaȱfrustraçãoȱdasȱformasȱalternativas.ȱȱ
Porȱoutroȱlado,ȱnãoȱseȱdevemȱdegradarȱasȱgarantias,ȱcasoȱaȱvontadeȱdasȱpartesȱsejaȱ
recorrerȱaȱumȱADR.ȱȱ
Nadaȱ impede,ȱ antesȱ seȱ vêȱ comȱ interesse,ȱ aȱ manutençãoȱ ouȱ atribuiçãoȱ aoȱ juizȱ doȱ
papelȱdeȱmediadorȱouȱconciliadorȱ(ConciliationȱandȱMediationȱinȱCourt),ȱdesdeȱqueȱ
nãoȱseȱreunamȱnaȱsuaȱpessoaȱasȱduasȱfaculdadesȱ–ȱaȱdeȱconciliarȱeȱdeȱdecidirȱ–ȱpoisȱ
talȱcúmuloȱnãoȱéȱdeȱmoldeȱaȱfavorecerȱoȱresultadoȱpositivoȱdaȱmediaçãoȱouȱconciliação.ȱȱ
Nosȱ nossosȱ ordenamentosȱ processuais,ȱ masȱ talȱ aconteceȱ tambémȱ emȱ muitosȱ
outrosȱsistemas,ȱoȱjuizȱdaȱconciliaçãoȱéȱnormalmenteȱoȱjuizȱdoȱjulgamento.ȱȱ
Paraȱremediarȱoȱqueȱalgunsȱvêemȱcomoȱdefeitoȱdoȱsistemaȱactual,ȱpropõeseȱ–ȱéȱoȱ
casoȱbelgaȱ(cfr.ȱprojectoȱ–ȱpilotoȱnoȱCourȱd’ȱAppelȱd’ȱAnversȱinspiradoȱnoȱmodeloȱdaȱ
mediaçãoȱjudiciáriaȱdoȱCourȱd’ȱAppelȱdeȱQuébec)ȱ–ȱaȱcriaçãoȱdaȱfiguraȱdeȱumȱjuizȱ–ȱ
mediador,ȱ apetrechadoȱ dosȱ convenientesȱ conhecimentosȱ técnicosȱ eȱ cujoȱ poderȱ deȱ
conhecerȱdoȱlitígioȱficaȱprecludido,ȱemȱcasoȱdeȱseȱfrustrarȱaȱmediação.ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
UmaȱlargaȱparteȱdaȱdoutrinaȱtendeȱhojeȱaȱexcluirȱaȱarbitragemȱdosȱADR,ȱemboraȱ
tantoȱ nestaȱ comoȱ naȱ mediaçãoȱ hajaȱ oȱ afastamento,ȱ aoȱ menosȱ parcialȱ eȱ porȱ livreȱ
consensoȱ dasȱ partesȱ (semȱ prejuízoȱ daȱ figuraȱ daȱ arbitragemȱ forçada),ȱ doȱ métodoȱ
clássicoȱdoȱrecursoȱaosȱtribunaisȱjudiciais.ȱȱ
Oȱqueȱessencialmenteȱdiferenciaȱaȱarbitragemȱdaȱmediação,ȱeȱfigurasȱafinsȱdestaȱ–ȱ
éȱ fluidaȱ aȱ linhaȱ deȱ delimitaçãoȱ entreȱ aȱ mediaçãoȱ eȱ aȱ conciliação,ȱ v.g.ȱ poderȱ deȱ
iniciativaȱdoȱmediador,ȱdeȱqueȱoȱconciliadorȱestariaȱexcluído;ȱaȱmaiorȱduraçãoȱdaȱ
conciliaçãoȱ –,ȱ consisteȱ emȱ aquelaȱ ser,ȱ emȱ princípio,ȱ umȱ processoȱ deȱ
heteroregulamentaçãoȱ deȱ umȱ litígio,ȱ emȱ queȱ aȱ umȱ árbitroȱ cabeȱ aȱ decisãoȱ deȱ umȱ
diferendo,ȱ deȱ acordoȱ comȱ umȱ processoȱ adversarial,ȱ aindaȱ queȱ simplificado,ȱ
conducenteȱ aȱ umaȱ decisão,ȱ emȱ princípioȱ equiparadaȱ ouȱ susceptívelȱ deȱ virȱ aȱ serȱ
equiparadaȱ àȱ sentençaȱ deȱ umȱ tribunalȱ judicial;ȱ naȱ mediação,ȱ muitoȱ
diferentemente,ȱ supõeȬseȱ aȱ intervençãoȱ deȱ umȱ terceiroȱ neutro,ȱ imparcialȱ eȱ
equidistanteȱ dasȱ partes,ȱ queȱ procuraȱ umaȱ aproximaçãoȱ dasȱ pretensõesȱ dosȱ
interessados,ȱnaȱbuscaȱdeȱumȱpontoȱdeȱequilíbrioȱentreȱosȱinteressesȱdivergentes;ȱ
naȱmediação,ȱoȱmediadorȱnãoȱdecide,ȱestamosȱforaȱdaȱheteroregulamentação.ȱȱ
Oȱ recursoȱ aosȱ instrumentosȱ deȱ ADRȱ nãoȱ dependeȱ apenasȱ daȱ naturezaȱ doȱ
diferendoȱ ouȱ daȱ importânciaȱ pecuniáriaȱ emȱ disputa,ȱ masȱ tambémȱ deȱ outrosȱ
factores,ȱentreȱosȱquais,ȱaȱexistênciaȱouȱnãoȱdeȱmandatáriosȱdasȱpartesȱeȱoȱnívelȱdeȱ
expectativasȱ destasȱ quantoȱ aoȱ desfechoȱ favorávelȱ deȱ umȱ litígioȱ instauradoȱ emȱ
tribunal.ȱȱ

30
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Naȱ arbitragemȱ ouȱ naȱ mediaçãoȱ comercial,ȱ mormenteȱ naȱ arbitragemȱ ouȱ naȱ
mediaçãoȱ internacional,ȱ adȱ hocȱ ouȱ comȱ recursoȱ aȱ instituiçõesȱ internacionaisȱ
especializadas,ȱ asȱ partesȱ pretendemȱ obterȱ soluçõesȱ maisȱ rápidasȱ doȱ queȱ aquelasȱ
queȱ lhesȱ ofereceȱ oȱ sistemaȱ judicial,ȱ maisȱ ajustadasȱ àsȱ especificidadesȱ ouȱ àȱ
complexidadeȱdasȱmatériasȱemȱcausa,ȱmasȱtambémȱaíȱseȱjogaȱoȱdesejoȱdeȱveremȱosȱ
seusȱlitígiosȱapreciadosȱporȱquemȱtemȱmaiorȱpreparaçãoȱtécnicaȱeȱdeȱgarantiremȱaȱ
reservaȱnosȱprocedimentosȱeȱnosȱresultadosȱqueȱporȱessasȱviasȱseȱobtêm.ȱȱ
Noȱplanoȱinterno,ȱoȱsucessoȱdaȱarbitragemȱinstitucionalizada,ȱmuitoȱespecialmenteȱ
noȱdomínioȱdosȱconflitosȱdeȱvalorȱreduzido,ȱteráȱresultadoȱdeȱsemelhanteȱmétodoȱ
constituirȱumaȱnovaȱformaȱdeȱacessoȱàȱtutelaȱjurídica,ȱatéȱentãoȱfechadaȱaȱquemȱnãoȱ
podiaȱdarȬseȱaoȱluxoȱdeȱapelarȱaosȱtribunaisȱporȱfaltaȱdeȱinformaçãoȱouȱporȱfaltaȱ
deȱrecursos.ȱȱ
Nãoȱ háȱ regrasȱ predefinidasȱ ouȱ directrizesȱ firmesȱ queȱ possamȱ serȱ usadasȱ paraȱ
preverȱoȱsucessoȱdaȱresoluçãoȱdeȱumȱlitígioȱatravésȱdeȱmediação,ȱoȱqueȱdeveȱserȱ
consideradoȱsomenteȱnumaȱbaseȱcasuística,ȱsemȱprejuízoȱdosȱmaioresȱprogressosȱ
registadosȱnaȱaplicaçãoȱdestaȱtécnicaȱaosȱconflitosȱfamiliares.ȱȱ
Aȱ «nova»ȱ mediação,ȱalicerçadaȱ nasȱ jáȱantigasȱ experiênciasȱ americana,ȱ canadiana,ȱ
inglesaȱ eȱ argentina,ȱ eȱ impulsionadaȱ pelosȱ resultadosȱ dasȱ maisȱ recentesȱ
experiênciasȱ italianaȱ eȱ francesa,ȱ assumiu,ȱ emȱ todaȱ aȱ Europa,ȱ umȱ dinamismoȱ
próprio.ȱ Umȱ movimentoȱ socialȱ importanteȱ aȱ favorȱ daȱ implantaçãoȱ daȱ mediaçãoȱ
emȱ diversosȱ domíniosȱ dasȱ relaçõesȱ sociais,ȱ fundamentalmenteȱ naȱ jurisdiçãoȱ deȱ
menores,ȱnoȱdireitoȱdoȱtrabalho,ȱnoȱdireitoȱdeȱfamíliaȱeȱnosȱconflitosȱdeȱconsumo,ȱ
ganhaȱterreno,ȱumȱpoucoȱporȱtodosȱosȱEstados.ȱȱ
Aȱmediaçãoȱéȱcadaȱvezȱmaisȱvistaȱcomoȱumȱsignoȱdosȱnovosȱtempos,ȱressaltandoȱaȱ
necessidadeȱdeȱumaȱverdadeiraȱculturaȱdeȱentendimento.ȱȱ
Aȱ mediaçãoȱ temȱ técnicasȱ eȱ métodosȱ específicos,ȱ exigindoȬseȱ umaȱ preparaçãoȱ eȱ
habilitaçãoȱ igualmenteȱ própriasȱ aosȱ mediadoresȱ envolvidosȱ numȱ procedimentoȱ
queȱjáȱnãoȱseȱcompadeceȱcomȱintervençõesȱintuitivasȱouȱvoluntariosas.ȱȱ
Aȱ pedraȱ angularȱ daȱ mediaçãoȱ éȱ aȱ figuraȱ doȱ mediadorȱ –ȱ naȱ realidade,ȱ nãoȱ existeȱ
umaȱ mediaçãoȱ eficienteȱ semȱ bonsȱ mediadoresȱ eȱ sóȱ umaȱ suaȱ sólidaȱ formaçãoȱ nasȱ
técnicasȱdeȱgestãoȱdosȱconflitos,ȱnasȱtécnicasȱdeȱnegociação,ȱnoȱconhecimentoȱdasȱ
instituiçõesȱjurídicasȱeȱnosȱinteressesȱemȱjogoȱpodeȱgarantirȱoȱprestígioȱsocialȱdestaȱ
viaȱ alternativaȱ deȱ resoluçãoȱ deȱ conflitos.ȱ Doravante,ȱ quemȱ nãoȱ tiverȱ tempoȱ paraȱ
«educaçãoȱ permanente»ȱ temȱ deȱ aceitarȱ aȱ novaȱ divisãoȱ deȱ trabalhoȱ profissionalȱ eȱ
ficarȱforaȱdesteȱsector.ȱȱ

Nasȱ arbitragensȱ ouȱ mediaçãoȱ queȱ envolvemȱ grandesȱ interessesȱ económicos,ȱ aȱ


expansãoȱdosȱinstrumentosȱdeȱADRȱnãoȱconcorreȱgrandementeȱparaȱaȱdiminuiçãoȱ

31
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

doȱ númeroȱ deȱ processosȱ pendentesȱ emȱ tribunaisȱ judiciais.ȱ Antesȱ deȱ seȱ falarȱ emȱ
mediaçãoȱjáȱseȱfaziaȱalgoȱsemelhanteȱaȱissoȱnoȱdiscretoȱsilêncioȱdosȱescritóriosȱdosȱ
advogados.ȱȱ

Oȱ acréscimoȱ doȱ recursoȱ àsȱ arbitragensȱ institucionalizadas,ȱ designadamenteȱ asȱ


limitadasȱ aosȱ processosȱ deȱ reduzidoȱ valor,ȱ justamenteȱ porqueȱ representamȱ umaȱ
novaȱ viaȱ deȱ acessoȱ paraȱ aȱ tutelaȱ dosȱ direitos,ȱ tambémȱ nãoȱ corresponderáȱ aȱ umaȱ
diminuiçãoȱsensívelȱdoȱnúmeroȱdosȱprocessosȱnosȱtribunais.ȱȱ

Osȱ ADRȱ nãoȱ podemȱ resolverȱ oȱ problemaȱ doȱ peso,ȱ maisȱ ouȱ menosȱ significativo,ȱ
queȱasȱacçõesȱexecutivas,ȱnãoȱfindas,ȱtrazemȱàȱmorosidadeȱdoȱsistemaȱjudicial.ȱȱ
OsȱmétodosȱdeȱADR,ȱnomeadamenteȱaȱmediação,ȱtêmȱincontestáveisȱméritosȱeȱumȱ
relevanteȱpapelȱaȱdesempenharȱnoȱfuturo,ȱmasȱnãoȱconstituemȱsoluçãoȱapressadaȱ
paraȱiludirȱosȱatrasosȱnaȱadministraçãoȱdaȱjustiça.ȱAȱsuaȱregularȱutilizaçãoȱestaráȱ
condicionadaȱpelaȱcapacidadeȱdosȱtribunaisȱofereceremȱumȱserviçoȱrápido,ȱbaratoȱ
eȱeficiente 25 .ȱȱ
Nosȱ PALOPȱ nãoȱ pareceȱ queȱ estejaȱ muitoȱ avançadoȱ oȱ chamadoȱ movimentoȱ dosȱ
ADR,ȱ semȱ prejuízoȱ daȱ receptividadeȱ queȱ quantoȱ aȱ elesȱ possaȱ existirȱ nasȱ
comunidadesȱ jurídicasȱ dessesȱ países,ȱ mormenteȱ emȱ relaçãoȱ àȱ arbitragemȱ
institucional 26 .ȱȱ
Merecem,ȱ contudo,ȱ especialȱ mençãoȱ aȱ recenteȱ leiȱ sobreȱ arbitragemȱ voluntáriaȱ deȱ
Angola,ȱqueȱrevogouȱoȱTítuloȱIȱdoȱLivroȱIVȱdoȱCódigoȱdeȱProcessoȱCivilȱ(Leiȱn.ºȱ
16/03,ȱdeȱ25ȱdeȱJulho)ȱeȱalgumasȱexperiências,ȱcomo,ȱporȱexemplo,ȱasȱfunçõesȱdeȱ
conciliaçãoȱ levadosȱ aȱ caboȱ pelaȱ Direcçãoȱ Geralȱ doȱ Trabalho,ȱ emȱ Caboȱ Verde,ȱ noȱ
âmbitoȱdosȱconflitosȱlaborais 27 ,ȱcomȱparaleloȱemȱAngola,ȱemȱâmbitoȱidêntico,ȱporȱ
parteȱdaȱInspecçãoȱGeralȱdeȱTrabalho 28 .ȱȱ

4ȱ–ȱMEIOSȱNÃOȱJURISDICIONAISȱDEȱRESOLUÇÃOȱDEȱCONFLITOSȱȱȱ
ȱ
Emboraȱvariemȱasȱpercepçõesȱdoȱconflitoȱconformeȱasȱculturas,ȱeste,ȱcomoȱjáȱvimos,ȱ
derivaȱdaȱvocaçãoȱontológicaȱdoȱhomem,ȱsendo,ȱporȱconseguinte,ȱinerenteȱaȱqualquerȱ
sociedade.ȱȱ

25ȱSeguiȱdeȱpertoȱnestaȱparteȱdoȱtrabalhoȱoȱconteúdoȱdasȱconferênciasȱeȱintervençõesȱfeitasȱnoȱdecursoȱ
doȱ Seminárioȱ Internacionalȱ sobreȱ «Formasȱ deȱ Resoluçãoȱ Extrajudicialȱ deȱ Conflitos»ȱ realizadoȱ peloȱ
CEJ,ȱemȱLisboa,ȱnosȱdiasȱ12ȱeȱ13ȱdeȱAbrilȱdeȱ2002,ȱnoȱâmbitoȱdoȱProgramaȱGrotiusȱCivil,ȱJAIȱ/ȱGRȱ–ȱ
CVȱ/ȱ60ȱ/ȱ01ȱ/ȱPT.ȱ
26ȱArmandoȱMarquesȱGuedesȱetȱalii,ȱ«LitígiosȱeȱpluralismoȱemȱCaboȱVerde.ȱAȱorganizaçãoȱjudiciáriaȱeȱ

osȱmeiosȱalternativos»,ȱThemis,ȱn.ºȱ3ȱ(2001):ȱ33ȱss.ȱ
27ȱIbidem:ȱ27ȱss.ȱ

28ȱ Armandoȱ Marquesȱ Guedesȱ etȱ alii,ȱ Pluralismoȱ eȱ Legitimação,ȱ Aȱ Edificaçãoȱ Jurídicaȱ Pósȱ –ȱ Colonialȱ deȱ

Angola,ȱAlmedina,ȱ2003:170.ȱ

32
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Nasȱsociedadesȱmodernasȱaȱjustiçaȱoficial,ȱporȱvezesȱchamadaȱ«justiçaȱdoȱasfalto»,ȱ
assumeȱ–ȱseȱcomoȱaȱviaȱprioritáriaȱparaȱaȱresoluçãoȱdosȱconflitos.ȱȱ
Éȱnaturalȱqueȱnoȱperíodoȱpósȱ–ȱindependênciaȱtenhaȱsidoȱdadaȱespecialȱatençãoȱaoȱ
aparelhoȱ judicialȱ comoȱ dimensãoȱ fundamentalȱ daȱ edificaçãoȱ nacionalȱ doȱ Estadoȱ
pósȱ–ȱcolonial.ȱIstoȱsemȱprejuízoȱdaȱimportânciaȱdadaȱaosȱtribunaisȱpopularesȱeȱaȱ
algunsȱmecanismosȱdeȱdescentralizaçãoȱdaȱadministraçãoȱdaȱjustiça.ȱ
Aȱjustiçaȱestadualȱnãoȱesgota,ȱporém,ȱosȱmeiosȱdeȱresoluçãoȱdosȱconflitos.ȱAoȱladoȱ
ouȱabaixoȱdestaȱjustiçaȱexistemȱformasȱtradicionaisȱeȱparaȱ–ȱjudiciaisȱdeȱresoluçãoȱ
dosȱconflitos.ȱȱ
Armandoȱ Marquesȱ Guedesȱ avançaȱ aȱ ideiaȱ deȱ umȱ «pluralismoȱ jurisdicional»,ȱ
constituídoȱporȱtrêsȱpatamares:ȱnumȱpóloȱoȱsistemaȱjudiciárioȱdoȱEstado;ȱnoȱpóloȱ
opostoȱaȱ«justiçaȱtradicional»;ȱnumȱplanoȱintermédioȱasȱformasȱ«paraȬjudiciais»ȱdeȱ
composiçãoȱdosȱlitígios 29 .ȱȱ
Ora,ȱnoȱqueȱseȱrefereȱàȱjustiçaȱtradicionalȱéȱmuitoȱlimitadoȱoȱconhecimentoȱdeȱqueȱ
dispomos.ȱ Aȱ partirȱ dosȱ trabalhosȱ jáȱ citadosȱ daqueleȱ autorȱ sobreȱ Angolaȱ eȱ Caboȱ
Verde,ȱ masȱ tambémȱ sobreȱ Sãoȱ Toméȱ eȱ Príncipe 30 ,ȱ ficamosȱ comȱ umaȱ noçãoȱ doȱ
estadoȱincipienteȱdosȱestudosȱnestaȱmatéria,ȱdeȱqueȱnestesȱdoisȱúltimosȱpaísesȱnãoȱ
existemȱdisputeȱinstitutionsȱformais,ȱantesȱformasȱmísticasȱdeȱintervençãoȱporȱparteȱ
deȱfeiticeirosȱeȱcurandeirosȱ–ȱ(emȱCaboȱVerde,ȱondeȱestivemosȱduranteȱcincoȱanosȱ
eȱmeio,ȱtendoȱpercorridoȱtodoȱoȱterritório,ȱnuncaȱnosȱapercebemosȱdesteȱfenómenoȱ
socialȱqueȱoȱautorȱidentificouȱemȱapenasȱ2ȱsemanas)ȱ–ȱeȱdoȱpapel,ȱporȱtodosȱmaisȱ
ouȱmenosȱconhecido,ȱque,ȱnasȱsociedadesȱafricanasȱdesempenhamȱasȱpessoasȱmaisȱ
idosasȱdaȱcomunidadeȱeȱasȱautoridadesȱlocaisȱ(chefaturas,ȱrégulos,ȱreis,ȱsobas,ȱetc.)ȱ
naȱprevençãoȱeȱresoluçãoȱdosȱlitígios.ȱ
Enquantoȱ nãoȱ dispusermosȱ deȱ estudosȱ maisȱ consistentes,ȱ certamenteȱ daȱ
competênciaȱ deȱ antropólogosȱ eȱ deȱ sociólogos,ȱ maisȱ doȱ queȱ deȱ simplesȱ juristas,ȱ
pareceȱ–ȱnosȱtemerárioȱavançarȱnesteȱponto 31 .ȱȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ

29ȱArmandoȱMarquesȱGuedesȱetȱalii,ȱ«LitígiosȱeȱpluralismoȱemȱCaboȱVerde...»,ȱop.ȱcit.:ȱ60/61.ȱ
30ȱ Armandoȱ Marquesȱ Guedesȱ etȱ alii,ȱ Litígiosȱ eȱ Legitimação,ȱ Estado,ȱ Sociedadeȱ Civilȱ eȱ Direitoȱ emȱ
S.ToméȱeȱPríncipe,ȱAlmedina,ȱCoimbra,ȱ2002.ȱȱ
31ȱ Sobreȱ Moçambique,ȱ Orlandoȱ Nhancale,ȱ Normas,ȱ Regrasȱ eȱ Justiçaȱ Tradicional:ȱ Comoȱ evitarȱ eȱ resolverȱ

conflitos?,ȱMAE,ȱ1996.ȱ

33
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

ȱ
ȱ

IIȱ–ȱDAȱFUNÇÃOȱJURISDICIONALȱ
ȱ
1ȱ–ȱNOÇÃO.ȱACTIVIDADEȱJURISDICIONALȱDOȱPONTOȱDEȱVISTAȱȱ
ȱȱȱȱȱȱDAȱFUNÇÃOȱEȱDAȱESTRUTURAȱ
Aȱ actividadeȱ jurisdicionalȱ serveȱ paraȱ tutelarȱ osȱ direitosȱ subjectivosȱ eȱ osinteressesȱ
legítimosȱdosȱparticulares.ȱȱ
Talȱfunçãoȱdecorreȱdosȱartigosȱ43ȱºȱdaȱLCRA,ȱ21.º,ȱn.º1ȱdaȱCRCV,ȱdoȱartigoȱ32.ºȱdaȱ
CRGB,ȱdoȱartigoȱ82.ºȱdaȱCRMȱeȱdoȱartigoȱ19.ºȱdaȱCRDSTP.ȱȱ
Aȱsituaçãoȱqueȱencontraȱnaȱleiȱumaȱprotecçãoȱmaisȱamplaȱéȱaȱdosȱdireitosȱsubjectivos,ȱ
quandoȱoȱinteresseȱdoȱsujeitoȱéȱreconhecidoȱcomoȱpróprioȱeȱexclusivoȱdoȱseuȱtitular.ȱȱ
Porȱoutroȱlado,ȱháȱmuitasȱnormasȱqueȱprotegemȱosȱinteressesȱparticularesȱdeȱumaȱ
maneiraȱapenasȱindirectaȱouȱreflexa,ȱnaȱmedidaȱemȱqueȱtaisȱinteressesȱcoincidemȱ
comȱumȱinteresseȱpúblico.ȱȱ
Nestesȱcasos,ȱaȱobservânciaȱdaȱnormaȱqueȱprotegeȱumȱinteresseȱpúblicoȱsatisfazȱaoȱ
mesmoȱtempoȱumȱinteresseȱparticular,ȱassimȱcomoȱaȱinobservânciaȱdaȱnormaȱlesa,ȱ
emȱconjuntoȱcomȱoȱinteresseȱpúblico,ȱoȱinteresseȱparticular.ȱȱ
Doisȱ exemplosȱ destasȱ situações:ȱ aȱ condutaȱ deȱ umȱ automobilistaȱ violadoraȱ dasȱ
regrasȱestradais,ȱcausalȱdeȱumȱacidente,ȱalémȱdeȱsofrerȱaȱcominaçãoȱdeȱumaȱcoimaȱ
ouȱ deȱ umaȱ pena,ȱ originaȱ oȱ deverȱ deȱ indemnizarȱ osȱ danosȱ aȱ queȱ deuȱ causa;ȱ seȱ
alguémȱfalsificaȱumȱdocumento,ȱparaȱalémȱdeȱresponderȱcriminalmenteȱconstituiȱ–ȱ
seȱnaȱobrigaçãoȱdeȱindemnizarȱosȱdanosȱqueȱdaíȱresultaram 32 .ȱȱ
Tutelarȱ direitosȱ subjectivosȱ eȱ interessesȱ legítimosȱ significaȱ reagirȱ contraȱ aȱ respectivaȱ
violação,ȱouȱseja,ȱeliminarȱosȱefeitosȱdeȱnãoȱterȱsidoȱfeitoȱoȱqueȱeraȱdevidoȱouȱdeȱ
terȱsidoȱfeitoȱoȱqueȱnãoȱeraȱdevidoȱouȱnãoȱpodiaȱfazerȬse.ȱȱ
ComeçaȬse,ȱ desdeȱ já,ȱ aȱ poderȱ deduzirȱ asȱ característicasȱ fundamentaisȱ queȱ seȱ
costumamȱatribuirȱàȱactividadeȱjurisdicional.ȱȱ
Dizȱ –ȱ seȱ queȱ aȱ jurisdiçãoȱ éȱ secundáriaȱ porȱ referênciaȱ àȱ funçãoȱ legislativa,ȱ aȱ quemȱ
pertenceȱ aȱ criaçãoȱ dasȱ normasȱ jurídicas,ȱ geraisȱ eȱ abstractas.ȱ Elaȱ éȱ chamadaȱ aȱ
avaliar,ȱ emȱ momentoȱ ulteriorȱ àȱ emissãoȱ daȱ normaȱ primáriaȱ ouȱ deȱ direitoȱ
substantivo,ȱseȱhouveȱouȱnãoȱviolaçãoȱdessaȱnorma.ȱȱ

ȱ
32 Maisȱ exemplosȱ emȱ Piresȱ deȱ Limaȱ eȱ Antunesȱ Varela,ȱ Códigoȱ Civilȱ Anotado,ȱ Vol.ȱ I.,ȱ 4ªȱ ed.ȱ Coimbraȱ
editora,ȱCoimbra,ȱ1987:ȱ472.ȱ

34
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Dizȱ –ȱ seȱ queȱ aȱ jurisdiçãoȱ éȱ instrumentalȱ emȱ relaçãoȱ àsȱ normasȱ deȱ direitoȱ material,ȱ
porquantoȱsurgeȱcomoȱviaȱnecessáriaȱparaȱsuprimirȱaȱviolaçãoȱdaquelasȱnormasȱeȱ
paraȱ eliminar,ȱ quantoȱ possível,ȱ asȱ consequênciasȱ negativasȱ daquelasȱ condutasȱ
violadorasȱdoȱdireito.ȱȱ
Dizȱ –ȱ seȱ queȱ aȱ jurisdiçãoȱ éȱ substitutivaȱ porqueȱ aȱ actividadeȱ jurisdicionalȱ procuraȱ
alcançarȱ oȱ bemȱ queȱ asȱ partesȱ poderiamȱ terȱ conseguidoȱ seȱ tivessemȱ seguidoȱ osȱ
preceitosȱ normativosȱ emȱ concordânciaȱ deȱ pontosȱ deȱ vistaȱ eȱ convergênciaȱ deȱ
vontades.ȱ Oȱ juizȱ éȱ chamadoȱ aȱ decidirȱ apenasȱ quandoȱ faltaȱ aȱ espontâneaȱ
observânciaȱdaȱlei.ȱAȱactividadeȱdoȱmagistradoȱsubstituiȱ–ȱseȱàȱvontadeȱdoȱcidadãoȱ
inerteȱouȱrenitente.ȱȱ
Aȱsubstituiçãoȱqueȱoperaȱaȱjurisdiçãoȱnãoȱéȱapenasȱumaȱsubstituiçãoȱmaterial,ȱnoȱ
sentidoȱemȱqueȱoȱtitularȱdoȱdireitoȱobtémȱdoȱtribunalȱaquiloȱaȱqueȱteriaȱdireitoȱdeȱ
obterȱ juntoȱ doȱ sujeitoȱ passivo.ȱ TrataȬse,ȱ também,ȱ deȱ umaȱ actividadeȱ deȱ
substituiçãoȱ intelectual:ȱ aoȱ afirmarȱ aȱ vontadeȱ daȱ leiȱ noȱ casoȱ concretoȱ oȱ juizȱ
individualizaȱ oȱ comandoȱ normativo,ȱ sempreȱ queȱ asȱ partesȱ nãoȱ saibam,ȱ nãoȱ
possamȱ ouȱ nãoȱ queiramȱ fazêȬlo.ȱ Aȱ decisãoȱ jurisdicional,ȱ particularmenteȱ aȱ
sentença,ȱ éȱ fonteȱ deȱ umaȱ regulaȱ jurisȱ concreta,ȱ desprovidaȱ dasȱ característicasȱ deȱ
generalidadeȱeȱabstracção,ȱqueȱdisciplinaȱasȱrelaçõesȱentreȱasȱpartes,ȱprecisamenteȱ
naȱformaȱestabelecidaȱpeloȱjuiz.ȱȱ
Esteȱcarácterȱsubstitutivoȱnãoȱéȱimpostoȱpelaȱnaturezaȱdasȱcoisas,ȱantesȱderivaȱdaȱ
proibiçãoȱdaȱautodefesa,ȱinerenteȱaȱqualquerȱsociedadeȱdevidamenteȱorganizada.ȱ
Aȱ partirȱ doȱ momentoȱ emȱ queȱ seȱ vedaȱ aosȱ particularesȱ queȱ façamȱ justiçaȱ pelasȱ suasȱ
própriasȱ mãos,ȱ ofereceȬlhesȱ aȱ viaȱ judiciáriaȱ necessáriaȱ paraȱ protecçãoȱ dosȱ seusȱ
direitosȱeȱinteresses.ȱȱ
Estasȱ características,ȱ queȱ pressupõemȱ determinadaȱ concepçãoȱ doȱ Estadoȱ eȱ daȱ
norma,ȱnãoȱsão,ȱporém,ȱabsolutas.ȱȱ
Casosȱ há,ȱ mesmoȱ noȱ âmbitoȱ daȱ jurisdiçãoȱ civil,ȱ queȱ aȱ administraçãoȱ daȱ justiçaȱ éȱ
postaȱ emȱ acçãoȱ independentementeȱ daȱ préviaȱ verificaçãoȱ deȱ umaȱ violaçãoȱ dasȱ
normas.ȱBastaȱpensarȱnaȱindisponibilidadeȱdeȱcertasȱsituaçõesȱjurídicasȱ(estadoȱdasȱ
pessoas,ȱrelaçõesȱdeȱfiliação,ȱetc.),ȱcujaȱmodificaçãoȱeȱextinçãoȱsãoȱsubtraídas,ȱporȱ
razõesȱ deȱ interesseȱ público,ȱ àȱ autonomiaȱ negocial,ȱ eȱ confiadasȱ aȱ umȱ órgãoȱ doȱ
Estado.ȱ Quandoȱ esteȱ órgãoȱ éȱ jurisdicional,ȱ falaȬseȱ emȱ jurisdiçãoȱ constitutivaȱ
necessária,ȱ porȱ contraposiçãoȱ àȱ jurisdiçãoȱ constitutivaȱ nãoȱ necessáriaȱ emȱ queȱ aȱ
actividadeȱjurisdicionalȱaindaȱconservaȱaȱfunçãoȱsubstitutivaȱeȱsecundáriaȱ(penseȱ–ȱ
seȱnosȱcasosȱdeȱexecuçãoȱespecíficaȱdeȱumȱcontratoȱ–ȱpromessaȱouȱdeȱconstituiçãoȱ
porȱsentençaȱdeȱumaȱservidãoȱlegal).ȱȱ
AȱestesȱcasosȱdeveȱacrescentarȬseȱaȱactividadeȱjurisdicionalȱqueȱtambémȱprescindeȱ
daȱviolaçãoȱdeȱumaȱnormaȱeȱqueȱseȱtraduzȱnasȱsentençasȱdeȱdeclaraçãoȱdaȱexistênciaȱ

35
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

ouȱinexistênciaȱdeȱumȱdireitoȱouȱdeȱumȱfactoȱ(artigoȱ4.º,ȱn.ºs.ȱ1ȱeȱ2,ȱalíneaȱa),ȱdoȱCPC).ȱ
Subjacenteȱàsȱacçõesȱdeȱsimplesȱapreciação,ȱnãoȱexisteȱaindaȱumaȱviolaçãoȱefectivaȱ
doȱdireito,ȱmasȱumaȱsituaçãoȱdeȱincertezaȱobjectivaȱacercaȱdaȱexistênciaȱdesseȱdireito.ȱȱȱȱȱ
Porȱ outroȱ lado,ȱ noȱ direitoȱ penal,ȱ nãoȱ sendoȱ consentidaȱ aȱ voluntáriaȱ sujeiçãoȱ àsȱ
sançõesȱ criminais,ȱ aȱ aplicaçãoȱ judicialȱ dasȱ normasȱ nãoȱ seȱ substituiȱ àȱ faltaȱ ouȱ àȱ
inadequadaȱ aplicaçãoȱ espontâneaȱ dosȱ preceitosȱ normativos,ȱ antesȱ éȱ confiadaȱ aoȱ
juizȱcomoȱseuȱencargoȱexclusivo.ȱȱ
Se,ȱ naȱ jurisdiçãoȱ civil,ȱ oȱ magistradoȱ assumeȱ oȱ papelȱdeȱ umȱ terceiro,ȱ equidistanteȱ
dasȱpartesȱeȱforaȱdoȱconflito,ȱnaquelasȱsegundasȱsituações,ȱoȱpapelȱdoȱjuizȱafastaȬseȱ
significativamenteȱdoȱdeȱumȱárbitroȱqueȱjulgaȱentreȱdoisȱcontendores.ȱȱ
Todavia,ȱ umaȱ posiçãoȱ deȱ «terzietà»,ȱ parcialmenteȱ análogaȱ àȱ primeiraȱ éȱ obtidaȱ
medianteȱaȱatribuiçãoȱdaȱfunçãoȱdeȱpromoverȱaȱaplicaçãoȱdaȱnormaȱemȱquestãoȱaȱ
umaȱ«parteȱpúblicaȱimparcial»,ȱqueȱéȱoȱMinistérioȱPúblico.ȱȱ

Podemos,ȱ pois,ȱ emȱ conclusão,ȱ definir,ȱ comȱ Crisantoȱ Mandrioli,ȱ aȱ actividadeȱ


jurisdicional,ȱsobȱumȱperfilȱfuncional,ȱcomoȱ«actuaçãoȱdoȱdireitoȱsubstantivo»,ȱcomȱaȱ
precisãoȱdeȱqueȱ«talȱactuaçãoȱocorreȱasȱmaisȱdasȱvezesȱemȱviaȱsecundáriaȱeȱsubstitutivaȱ
(=ȱouȱsancionatória),ȱmasȱporȱvezesȱporȱviaȱprimária» 33 .ȱȱ

Vejamosȱ agoraȱ aȱ actividadeȱ jurisdicionalȱ doȱ pontoȱ deȱ vistaȱ daȱ suaȱ estrutura,ȱ
procurandoȱcaptarȱoȱqueȱelaȱéȱemȱsiȱmesma.ȱȱ

Julgarȱ consisteȱ emȱ avaliar,ȱ emȱ contraditório,ȱ umȱ factoȱ passadoȱ comoȱ justoȱ ouȱ
injusto,ȱ comoȱ lícitoȱ ouȱ ilícito,ȱ segundoȱ critériosȱ objectiváveisȱ fornecidosȱ pelaȱ
hierarquiaȱ deȱ fontesȱ doȱ direito,ȱ eȱ enunciarȱ emȱ consequênciaȱ aȱ regraȱ jurídicaȱ
concretaȱdestinadaȱaȱvalerȱcomoȱdisciplinaȱdoȱcasoȱsujeito.ȱȱ

Doȱpontoȱdeȱvistaȱmaterial,ȱnumaȱformulaçãoȱmaisȱsincopada,ȱoȱtrabalhoȱdoȱjuizȱ
consisteȱ essencialmenteȱ «numaȱ actividadeȱ dirigidaȱ àȱ aplicaçãoȱ dasȱ normasȱ
jurídicasȱ àȱ hipóteseȱ deȱ factoȱ concreta,ȱ qualificadaȱ pelaȱ obrigaçãoȱ deȱ observarȱ
determinadasȱregrasȱprocessuais» 34 .ȱȱ

AsȱConstituiçõesȱdasȱRepúblicasȱdeȱAngola,ȱCaboȱVerde,ȱMoçambiqueȱeȱSãoȱToméȱ
eȱ Príncipeȱ nãoȱ têm,ȱ nemȱ deviamȱ ter,ȱ umaȱ definiçãoȱ ouȱ descriçãoȱ dasȱ funçõesȱ
legislativaȱ ouȱ administrativa,ȱ masȱ todasȱ elasȱ adoptaramȱ umaȱ formulaçãoȱ
normativaȱrelativaȱàȱfunçãoȱjurisdicionalȱ(aoȱinvés,ȱtalȱorientaçãoȱnãoȱfoiȱseguidaȱ
naȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱdaȱGuinéȬȱBissau).ȱȱ

Oȱ artigoȱ 121.º,ȱ n.ºȱ 1,ȱ daȱ LCRAȱ dispõe:ȱ «Osȱ tribunaisȱ garantemȱ eȱ asseguramȱ aȱ
observânciaȱ daȱ Leiȱ Constitucional,ȱ dasȱ leisȱ eȱ demaisȱ disposiçõesȱ normativasȱ

33 ȱCrisantoȱMandrioli,ȱDirittoȱProcessualeȱCivile,ȱI,ȱ14.ªȱed.,ȱG.ȱGiappichelliȱEditore,ȱTorino,ȱ2002:ȱ17.ȱ
34 ȱAlessandroȱPizzorusso,ȱL’OrganizzazioneȱdellaȱGiustiziaȱinȱItalia,ȱEinaudi,ȱTorino,ȱ1990:3.ȱ

36
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

vigentes,ȱ aȱ protecçãoȱ dosȱ direitosȱ eȱ interessesȱ legítimosȱ dosȱ cidadãosȱ eȱ dasȱ


instituiçõesȱeȱdecidemȱsobreȱaȱlegalidadeȱdosȱactosȱadministrativos»;ȱoȱartigoȱ208.ºȱ
daȱCRCVȱpreceitua:ȱ«Aȱadministraçãoȱdaȱjustiçaȱtemȱporȱobjectoȱdirimirȱconflitosȱ
deȱinteressesȱpúblicosȱeȱprivados,ȱreprimirȱaȱviolaçãoȱdaȱlegalidadeȱdemocráticaȱeȱ
assegurarȱaȱdefesaȱdosȱdireitosȱeȱinteressesȱlegalmenteȱprotegidosȱdosȱcidadãos»;ȱoȱ
artigoȱ 161.º,ȱ n.ºȱ 1,ȱ daȱ CRMȱ estatui:ȱ «Osȱ tribunaisȱ têmȱ comoȱ objectivoȱ garantirȱ eȱ
reforçarȱ aȱ legalidadeȱ comoȱ instrumentoȱ daȱ estabilidadeȱ jurídica,ȱ garantirȱ oȱ
respeitoȱpelasȱleis,ȱassegurarȱosȱdireitosȱeȱliberdadesȱdosȱcidadãos,ȱassimȱcomoȱosȱ
interessesȱ jurídicosȱ dosȱ diferentesȱ órgãosȱ eȱ entidadesȱ comȱ existênciaȱ legal»;ȱ oȱ
artigoȱ103.º,ȱn.ºȱ2ȱdaȱCRDSTPȱconsagra:ȱ«Naȱadministraçãoȱdaȱjustiçaȱincumbeȱaosȱ
tribunaisȱ assegurarȱ aȱ defesaȱ dosȱ direitosȱ eȱ interessesȱ legalmenteȱ protegidosȱ dosȱ
cidadãos,ȱ dirimirȱ osȱ conflitosȱ deȱ interessesȱ públicosȱ eȱ privadosȱ eȱ reprimirȱ aȱ
violaçãoȱdasȱleis».ȱȱ
Estasȱ formulaçõesȱ normativasȱ sãoȱ descritivasȱ eȱ nãoȱ dogmáticas,ȱ nãoȱ procurandoȱ
definir,ȱemȱtermosȱmateriais,ȱoȱqueȱéȱaȱfunçãoȱaȱqueȱseȱreferem.ȱȱ
São,ȱ porȱ outroȱ lado,ȱ eclécticas.ȱ Nelasȱ tantoȱ encontramȱ guaridaȱ osȱ queȱ vêemȱ aȱ
essênciaȱdaȱfunçãoȱjurisdicionalȱnaȱresoluçãoȱdeȱlitígiosȱouȱconflitosȱdeȱinteressesȱ
(«dirimirȱ osȱ conflitosȱ deȱ interesseȱ públicosȱ eȱ privados»)ȱ –ȱ concepçãoȱ subjectivaȱ deȱ
jurisdiçãoȱ –ȱ comoȱ osȱ queȱ encontramȱ essaȱ essênciaȱ naȱ tutelaȱ doȱ ordenamentoȱ
objectivo,ȱ sendoȱ aȱ «ȱ defesaȱ dosȱ direitosȱ eȱ interessesȱ legalmenteȱ protegidos»ȱ eȱ aȱ
repressãoȱdaȱ«ȱviolaçãoȱdaȱlegalidadeȱdemocráticaȱ»ȱdoisȱaspectosȱdeȱumaȱmesmaȱ
realidadeȱ–ȱconcepçãoȱobjectivaȱdaȱjurisdição.ȱȱ
Aindaȱnumaȱoutraȱinterpretação,ȱosȱpreceitosȱemȱquestãoȱmaisȱnãoȱconteriamȱdoȱ
queȱ umȱ elencoȱ deȱ áreasȱ específicasȱ deȱ jurisdição,ȱ aȱ saber:ȱ justiçaȱ administrativa,ȱ
criminalȱeȱjustiçaȱcivil.ȱȱ
Paraȱ Joãoȱ Castroȱ Mendes,ȱ numaȱ anotaçãoȱ aoȱ artigoȱ 206.ºȱ daȱ Constituiçãoȱ daȱ
RepúblicaȱPortuguesa,ȱhojeȱartigoȱ202.º,ȱeȱqueȱtemȱumaȱredacçãoȱsemelhanteȱàȱdosȱ
citadosȱ artigos,ȱ «oȱ verdadeiroȱ papelȱ doȱ art.ºȱ 206.ºȱ éȱ oȱ deȱ veículoȱ deȱ certosȱ
pormenores:ȱnemȱtodosȱosȱinteressesȱdosȱcidadãosȱdevemȱserȱdefendidos,ȱmasȱsóȱ
osȱinteressesȱlegalmenteȱprotegidos;ȱnemȱtodaȱaȱlegalidadeȱmereceȱtutela,ȱmasȱsóȱaȱ
democráticaȱ(sejaȱoȱqueȱforȱqueȱrepresenteȱoȱqualificativo),ȱporȱúltimo,ȱosȱconflitosȱ
deȱinteressesȱpúblicosȱvalemȱtantoȱperanteȱosȱtribunaisȱcomoȱosȱprivados» 35 .ȱȱ
Algumaȱ doutrinaȱ portuguesaȱ temȱ defendidoȱ aȱ possibilidadeȱ deȱ seȱ darȱ umaȱ
definiçãoȱ materialȱ deȱ jurisdição.ȱ Destaqueȱ paraȱ Afonsoȱ Rodriguesȱ Queiró,ȱ cujaȱ
doutrinaȱtemȱsidoȱseguidaȱpeloȱTribunalȱConstitucional,ȱqueȱpropõeȱosȱseguintesȱ

35 ȱJoãoȱCastroȱMendes,ȱ«Art.ȱ206.ºȱ(Funçãoȱjurisdicional)»,ȱEstudosȱsobreȱaȱConstituição,ȱ1.ºȱVol.,ȱPetrony,ȱ
Lisboa,ȱ1977:ȱ396.ȱȱ

37
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

traçosȱ distintivos:ȱ 1.º:ȱ «Osȱ actosȱ jurisdicionaisȱ sãoȱ emȱ geralȱ actosȱ deȱ agentesȱ
estaduais»;ȱ 2.º:ȱ «Aȱ actividadeȱ jurisdicionalȱ caracterizaȬseȱ (...)ȱ porȱ seȱ encontrarȱ
subordinadaȱaoȱDireito»,ȱistoȱé,ȱaȱ«todasȱasȱregrasȱdeȱconteúdoȱeȱalcanceȱmaisȱouȱ
menosȱprecisoȱque,ȱdeȱacordoȱcomȱaȱnormaȱfundamentalȱsobreȱosȱmodosȱdaȱsuaȱ
revelaçãoȱemȱcadaȱpaís,ȱtêmȱneleȱaplicaçãoȱcomoȱnormasȱjurídicas»;ȱ3.º:ȱ«Alémȱdeȱ
seremȱ emȱ geralȱ actosȱ deȱ agentesȱ doȱ Estadoȱ subordinadosȱ aoȱ Direito,ȱ éȱ essencial,ȱ
paraȱ queȱ seȱ faleȱ deȱ actosȱ jurisdicionais,ȱ queȱ osȱ agentesȱ estaduaisȱ tenhamȱ queȱ
resolverȱ«questõesȱjurídicas»,ȱentendendoȬseȱporȱtalȱconflitosȱdeȱpretensõesȱentreȱ
duasȱouȱmaisȱpessoas,ȱouȱcontrovérsiasȱsobreȱaȱverificaçãoȱouȱnãoȱverificaçãoȱemȱ
concretoȱdeȱumaȱofensaȱouȱviolaçãoȱdaȱordemȱjurídica»;ȱ4.ºȱ«...ȱoȱquidȱspecificumȱdoȱ
actoȱjurisdicionalȱresideȱemȱqueȱeleȱnãoȱapenasȱpressupõeȱmasȱéȱnecessariamenteȱ
praticadoȱparaȱresolverȱumaȱ«questãoȱdeȱdireito».ȱSe,ȱaoȱtomarȬseȱumaȱdecisão,ȱaȱ
partirȱdeȱumaȱsituaçãoȬdeȬfactoȱtraduzidaȱnumaȱ«questãoȱdeȱdireito»ȱ(naȱviolaçãoȱ
doȱdireitoȱobjectivoȱouȱnaȱofensaȱdeȱumȱdireitoȱsubjectivo),ȱseȱactua,ȱporȱforçaȱdaȱ
lei,ȱparaȱseȱconseguirȱaȱproduçãoȱdeȱumȱresultadoȱpráticoȱdiferenteȱdaȱpazȱjurídicaȱ
decorrenteȱdaȱresoluçãoȱdessaȱ«questãoȱdeȱdireito»,ȱentãoȱnãoȱestaremosȱperanteȱ
umȱactoȱjurisdicional;ȱestaremos,ȱsim,ȱperanteȱumȱactoȱadministrativo» 36 .ȱȱ
Assimȱvistasȱasȱcoisas,ȱnãoȱsão,ȱentreȱoutros,ȱactosȱjurisdicionais:ȱȱ
1.ºȱ–ȱosȱactosȱprivadosȱdeȱautoȬtutelaȱdosȱdireitosȱindividuaisȱouȱdoȱdireitoȱ
objectivo;ȱȱ
2.ºȱ–ȱosȱactosȱdeȱtransacçãoȱdasȱpartesȱsobreȱoȱobjectoȱdaȱcausa;ȱPeloȱcontrário,ȱsãoȱ
actosȱjurisdicionais:ȱȱ
1ºȱ–ȱactosȱdosȱsujeitosȱprivadosȱdaȱrelaçãoȱprocessual,ȱeȱmesmoȱdeȱterceiros,ȱpraticadosȱ
noȱprocessoȱ(dadaȱaȱsuaȱligaçãoȱfuncionalȱcomȱaȱactividadeȱdoȱjuiz);ȱȱ
2.ºȱ–ȱsentençasȱdeȱhomologaçãoȱdosȱtermosȱdeȱconciliaçãoȱjudicial,ȱnoȱprocessoȱcivil;ȱȱ
3.ºȱ–ȱactosȱpreparatóriosȱdaȱresoluçãoȱdeȱ«questõesȱjurídicas»ȱ(osȱquaisȱnoȱseuȱconjuntoȱ
constituemȱoȱprocessoȱdeclaratório);ȱȱ
4.ºȱ–ȱconjuntoȱdeȱactosȱpraticadosȱnoȱprocessoȱdeȱexecuçãoȱcivilȱ(trataȬseȱdeȱresolverȱ
efectivamenteȱaȱ«questãoȱdeȱdireito»,ȱapreciadaȱnoȱprocesso,ȱnaȱsuaȱfaseȱdeȱ
cognição);ȱȱ
5.ºȱ–ȱasȱdecisõesȱtomadasȱemȱprocessoȱdestinadoȱaȱobterȱoȱdecretamentoȱdeȱ
providênciasȱcautelares.ȱȱ
ȱ

36 ȱ Afonsoȱ Rodriguesȱ Queiró,ȱ Liçõesȱ deȱ Direitoȱ Administrativo,ȱ Vol.ȱ 1.ȱ Coimbra,ȱ 1976:40ȱ ss.;ȱ «Aȱ
função...»,ȱop.ȱcit.:ȱ24ȱss.).ȱȱ

38
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

2ȱ–ȱÂMBITOȱDAȱFUNÇÃOȱJURISDICIONALȱȱ
ȱ
2.1ȱ–ȱFunçãoȱjurisdicionalȱeȱfunçãoȱpolíticaȱȱ
Éȱ frequenteȱ contraporȬseȱ aȱ actividadeȱ políticaȱ àȱ «justiça».ȱ Quandoȱ falamosȱ emȱ
actividadeȱ políticaȱ estamosȱ aȱ referirȬnosȱ àȱ actividadeȱ legislativaȱ deȱ criaçãoȱ deȱ
regrasȱ geraisȱ eȱ abstractas,ȱ estasȱ geralmenteȱ compostasȱ deȱ doisȱ elementos,ȱ aȱ
previsãoȱeȱaȱestatuição,ȱmasȱtambémȱàȱvertenteȱnãoȱnormativa,ȱdaȱpráticaȱdeȱactosȱ
políticosȱ eȱ deȱ governação.ȱ InteressaȬnosȱ ilustrarȱ estaȱ contraposição,ȱ seguindoȱ
Pizzorusso 37 ,ȱaȱpartirȱdaȱrelaçãoȱexistenteȱentreȱpolíticaȱeȱoȱfenómenoȱdeȱcriação,ȱ
modificaçãoȱeȱaplicaçãoȱdoȱdireito.ȱȱ
Oȱdireito,ȱqueȱéȱumȱfenómenoȱeminentementeȱsocialȱ–ȱubiȱsocietas,ȱibiȱjusȱ–,ȱencontra,ȱ
naȱépocaȱmoderna,ȱnaȱestruturaȱdoȱEstado,ȱaȱsuaȱprincipalȱmanifestação.ȱIstoȱsemȱolvidarȱ
que,ȱ noȱ actualȱ momentoȱ histórico,ȱ existemȱ outrosȱ sistemasȱ normativos,ȱ comoȱ oȱ
direitoȱinternacional,ȱoȱdireitoȱeclesiástico,ȱoȱdireitoȱdeȱinstituiçõesȱsociaisȱqueȱoperamȱ
noȱinteriorȱdoȱEstadoȱ(v.g.ȱdireitoȱdesportivo),ȱparaȱalémȱdoȱchamadoȱ«direitoȱdosȱprivados».ȱȱ
Deȱ todoȱ oȱ modoȱ oȱ direitoȱ estadualȱ é,ȱ semȱ dúvida,ȱ aȱ principalȱ ordemȱ normativaȱ
dasȱ sociedadesȱ modernas,ȱ sendoȱ àȱ justiçaȱ oficialȱ ouȱ doȱ Estadoȱ queȱ seȱ fazȱ
normalmenteȱreferênciaȱquandoȱfalamosȱdeȱactividadeȱjudiciária.ȱȱ
Oraȱaȱcaracterísticaȱfundamentalȱqueȱpermiteȱdistinguirȱoȱcomplexoȱdeȱactividadesȱ
queȱseȱpodemȱreconduzirȱàȱesferaȱdaȱpolíticaȱdasȱqueȱpertencemȱàȱesferaȱdaȱjustiçaȱ
consisteȱ«naȱatitudeȱqueȱoȱoperadorȱassumeȱperanteȱaȱnormaȱjurídica».ȱȱ
«Noȱ casoȱ doȱ operadorȱ políticoȱ consisteȱ emȱ avaliarȱ aȱ idoneidadeȱ daȱ normaçãoȱ
vigenteȱ paraȱ permitirȱ aȱ realizaçãoȱ dosȱ seusȱ programasȱ eȱ aȱ oportunidadeȱ deȱ
promoverȱ aȱ suaȱ eventualȱ modificação»;ȱ «noȱ casoȱ doȱ operadorȱ judiciárioȱ consisteȱ
noȱ individualizarȱ eȱ interpretarȱ aȱ normaȱ queȱ deveȱ serȱ aplicadaȱ aȱ umaȱ hipóteseȱ
concreta,ȱ deduzindoȬaȱ dosȱ textosȱ normativosȱ jáȱ predispostosȱ (constituição,ȱ lei,ȱ
regulamento,ȱetc.)ȱouȱelaborandoȬa,ȱmedianteȱaȱutilizaçãoȱ–ȱparaȱalémȱdosȱtextosȱ–ȱ
tambémȱdeȱfactosȱnormativosȱsimplesȱ(comoȱoȱcostume,ȱetc.)» 38 .ȱȱ
Masȱ destaȱ distinçãoȱ nãoȱ façamosȱ umaȱ tábuaȱ rígida.ȱ É,ȱ naȱ verdade,ȱ sabidoȱ queȱ aȱ
actividadeȱ políticaȱ nãoȱ estáȱ totalmenteȱ desvinculadaȱ daȱ obrigaçãoȱ deȱ observarȱ oȱ
direitoȱemȱvigor.ȱȱ
Talȱ resultaȱ óbvioȱ porȱ referênciaȱ àsȱ disposiçõesȱ queȱ regemȱ oȱ procedimentoȱ deȱ
formaçãoȱ dosȱ actosȱ normativosȱ eȱ àsȱ normasȱ substantivasȱ queȱ oȱ legisladorȱ deveȱ
respeitarȱdeȱacordo,ȱcomȱosȱprincípiosȱdaȱhierarquiaȱdasȱfontesȱdoȱdireito.ȱȱ

37 ȱAlessandroȱPizzorusso.ȱL’Organizzazione...,ȱop.ȱcit.:ȱ17ȱsegs.ȱ
38 ȱIbidem:ȱ18.ȱȱ

39
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Aforaȱaȱactividadeȱlegislativa,ȱque,ȱcomoȱvimos,ȱestáȱcompreendidaȱnaȱactividadeȱ
políticaȱlatoȱsensu,ȱtambémȱaȱactividadeȱpolíticaȱnãoȱnormativaȱnãoȱpodeȱtraduzirȬ
seȱ emȱ comportamentosȱ que,ȱ aoȱ menosȱ sobȱ oȱ perfilȱ processual,ȱ colidamȱ comȱ oȱ
direitoȱvigente.ȱIsto,ȱbemȱentendido,ȱsemȱseȱdeixarȱdeȱreconhecerȱoȱamploȱespaçoȱ
aíȱ reservadoȱ àȱ discricionariedadeȱ daȱ actuaçãoȱ deȱ programasȱ queȱ tendemȱ aȱ
transformar,ȱ deȱ modoȱ maisȱ ouȱ menosȱ radical,ȱ aȱ baseȱ dasȱ relaçõesȱ económicasȱ eȱ
sociais.ȱȱ
Porȱoutroȱlado,ȱaȱactividadeȱjurisdicionalȱnãoȱseȱesgotaȱnaȱobservânciaȱdasȱnormasȱ
predispostas.ȱȱ
Passadaȱaȱépocaȱdoȱformalismoȱeȱdoȱestadualismoȱdasȱfontes,ȱtendeȱ–ȱseȱcadaȱvezȱ
maisȱhojeȱaȱreconhecerȱàȱjurisprudênciaȱumȱpoderȱcriativo,ȱquerȱnoȱqueȱseȱrefereȱ
aoȱ esclarecimentoȱ eȱ completamentoȱ doȱ textoȱ normativo,ȱ querȱ noȱ concerneȱ àȱ
supressãoȱ deȱ antinomias,ȱ querȱ aindaȱ noȱ queȱ tangeȱ àȱ adaptaçãoȱ doȱ direitoȱ àȱ
evoluçãoȱdosȱfactos.ȱȱ
Peloȱ menos,ȱ ninguémȱ negaráȱ aȱ discricionariedadeȱ aoȱ juizȱ quandoȱ fixaȱ aȱ medidaȱ
concretaȱ daȱ pena,ȱ entreȱ oȱ mínimoȱ eȱ oȱ máximoȱ legaisȱ ouȱ quandoȱ éȱ chamadoȱ aȱ
concretizarȱcláusulasȱgeraisȱouȱconceitosȱindeterminados.ȱȱȱȱȱȱȱ
Seja,ȱ porém,ȱ comoȱ for,ȱ permaneceȱ fundamentalȱ oȱ princípioȱ iuraȱ novitȱ curia,ȱ
segundoȱoȱqualȱ«oȱjuizȱnãoȱestáȱsujeitoȱàsȱalegaçõesȱdasȱpartesȱnoȱtocanteȱàȱindagação,ȱ
interpretaçãoȱeȱaplicaçãoȱdasȱregrasȱdeȱdireito»ȱ(artigoȱ664.ºȱCPC).ȱOȱjuizȱconheceȱoȱ
direitoȱ eȱ aplicaȬoȱ oficiosamenteȱ aosȱ factosȱ articuladosȱ pelasȱ partesȱ eȱ provadosȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
emȱ tribunal,ȱ aȱ menosȱ que,ȱ excepcionalmente,ȱ devaȱ julgarȱ segundoȱ aȱ equidadeȱ
(artigoȱ4.ºȱCC).ȱȱ
ȱ
2.2ȱ–ȱFunçãoȱjurisdicionalȱeȱfunçãoȱadministrativaȱȱ
ȱ
Éȱ maisȱ difícil,ȱ naȱ prática,ȱ distinguirȱ aȱ actividadeȱ administrativaȱ daȱ actividadeȱ
jurisdicionalȱdoȱqueȱambasȱdaȱactividadeȱpolítica.ȱȱ
CompreendeȬseȱ bemȱ porquê.ȱ Aoȱ passoȱ queȱ aȱ actividadeȱ normativaȱ consisteȱ naȱ
integraçãoȱ ouȱ modificaçãoȱ doȱ direitoȱ vigenteȱ segundoȱ reformasȱ contidasȱ emȱ
programasȱ políticosȱ ouȱ exigidasȱ peloȱ eleitorado,ȱ asȱ actividadesȱ administrativaȱ eȱ
jurisdicionalȱ fazem,ȱ ambas,ȱ actuarȱ oȱ direitoȱ positivoȱ queȱ resultaȱ doȱ conjuntoȱ dasȱ
fontesȱdoȱdireito.ȱȱ
Porȱ outroȱ lado,ȱ tantoȱ osȱ actosȱ jurisdicionaisȱ comoȱ osȱ actosȱ administrativosȱ sãoȱ
actosȱdeȱagentesȱestaduaisȱ(latoȱsensu),ȱsujeitosȱaȱumaȱrelaçãoȱdeȱempregoȱpúblico.ȱȱ
Aȱpartirȱdestaȱbaseȱcomum,ȱjustiçaȱeȱadministraçãoȱdistinguemȬseȱemȱtrêsȱaspectosȱ
fundamentais.ȱȱ

40
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Aȱ primeiraȱ diferençaȱ derivaȱ doȱ factoȱ deȱ somenteȱ asȱ decisõesȱ dosȱ órgãosȱ
jurisdicionaisȱteremȱaptidãoȱparaȱassumirȱaqueleȱparticularȱgrauȱdeȱimutabilidadeȱ
queȱtemȱaȱdesignaçãoȱdeȱ«casoȱjulgado»ȱ(artigosȱ671.ºȱsegs.ȱCPC).ȱPorȱseuȱlado,ȱosȱ
actosȱ administrativos,ȱ mesmoȱ quandoȱ insusceptíveisȱ deȱ impugnação,ȱ podemȱ serȱ
modificadosȱ pelaȱ administração,ȱ sempreȱ queȱ fortesȱ razõesȱ deȱ interesseȱ públicoȱ oȱ
recomendem.ȱȱ
Aȱ segundaȱ diferençaȱ resultaȱ doȱ factoȱ deȱ osȱ órgãosȱ administrativosȱ estaremȱ
integradosȱnumaȱhierarquiaȱeȱsujeitosȱàȱorientaçãoȱpolíticaȱdoȱgoverno.ȱOsȱjuizes,ȱ
enquantoȱ agentesȱ deȱ umaȱ funçãoȱ soberanaȱ doȱ Estado,ȱ estãoȱ desvinculadosȱ deȱ
qualquerȱrelaçãoȱdeȱdependênciaȱdesteȱgénero.ȱȱ
Aȱ terceiraȱ diferençaȱ provémȱ doȱ factoȱ deȱ aȱ actividadeȱ administrativaȱ seȱ
desenvolverȱ naȱ baseȱ deȱ orientaçõesȱ políticasȱ eȱ administrativasȱ adoptadasȱ pelosȱ
órgãosȱdeȱgovernoȱouȱoutrasȱentidadesȱpúblicasȱeȱprosseguirȱfinsȱfixadosȱporȱestasȱ
entidades,ȱnosȱlimitesȱdaȱlei,ȱmasȱcomȱelevadasȱmargensȱdeȱdiscricionariedade.ȱȱ
Oȱ juiz,ȱ aoȱ invés,ȱ «nãoȱ estáȱ vinculadoȱ àȱ observânciaȱ deȱ orientaçõesȱ deȱ políticaȱ
judiciária,ȱ estabelecidasȱ porȱ autoridadesȱ políticas,ȱ administrativasȱ ouȱ judiciárias,ȱ
antesȱ decideȱ sempreȱ casoȱ aȱ casoȱ naȱ baseȱ dasȱ suasȱ avaliaçõesȱ pessoais,ȱ aindaȱ queȱ
inspiradoȱemȱcritériosȱobjectivos» 39 .ȱȱ
Ouȱditoȱdeȱoutroȱmodo:ȱaoȱpassoȱqueȱoȱdireitoȱpositivoȱparaȱoȱjuizȱ«representaȱaȱ
únicaȱfonteȱdondeȱextraiȱindicaçõesȱsobreȱcomoȱdecidirȱasȱquestõesȱconcretamenteȱ
submetidasȱ aoȱ seuȱ exame»,ȱ paraȱ oȱ funcionárioȱ administrativoȱ «representaȱ acimaȱ
deȱ tudoȱ umȱ limiteȱ dentroȱ doȱ qualȱ deveȱ desenvolverȱ aȱ actividadeȱ destinadaȱ aȱ
prosseguirȱosȱfinsȱaȱeleȱestabelecidosȱpelaȱautoridadeȱpolíticaȱeȱadministrativa» 40 .ȱȱ
Oȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ portuguêsȱ temȱ contribuído,ȱ comȱ numerososȱ acórdãos,ȱ
paraȱaȱdistinçãoȱentreȱadministraçãoȱeȱjurisdição.ȱȱ
Eȱ temȱ seguido,ȱ noȱ essencial,ȱ oȱ «critérioȱ teleológico»ȱ deȱ distinçãoȱ propostoȱ porȱ
RodriguesȱQueiróȱeȱchamadoȱaȱatençãoȱparaȱaȱnecessáriaȱindependência,ȱobjectivaȱ
eȱ subjectiva,ȱ doȱ órgãoȱ judicante,ȱ emȱ complementoȱ daȱ especialȱ naturezaȱ daȱ suaȱ
actividade,ȱ semȱ oȱ queȱ nãoȱ seȱ respeitaȱ aȱ reservaȱ geralȱ deȱ jurisdiçãoȱ consagradaȱ noȱ
artigoȱ202.º,ȱn.ºs.ȱ1ȱeȱ2,ȱdaȱCRP.ȱȱ
Oȱ Acórdãoȱ n.ºȱ 104/85,ȱ deȱ 26ȱ deȱ Junhoȱ (Acórdãosȱ doȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ
(ATC),ȱ5:633),ȱporȱexemplo,ȱjulgouȱinconstitucionaisȱasȱnormasȱdosȱartigosȱ206.ºȬ1,ȱ
eȱ 209.ºȬ5,ȱ doȱ Regulamentoȱ Geralȱ dasȱ Capitanias,ȱ aprovadoȱ peloȱ DecretoȬLeiȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
n.ºȱ265/72,ȱdeȱ31ȱdeȱJulho,ȱnaȱparteȱemȱqueȱaludemȱàȱcompetênciaȱdoȱcapitãoȱdoȱ

39 ȱAlessandroȱPizzorusso,ȱL’ȱOrganizzazione...,ȱop.ȱcit.:ȱ21.ȱ
40 ȱIbidem:ȱ22.ȱȱ

41
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

portoȱ paraȱ decidirȱ osȱ litígiosȱ noȱ n.ºȱ 4ȱ daȱ alíneaȱ oo)ȱ doȱ n.ºȱ 1.ºȱ doȱ artigoȱ 10.ºȱ doȱ
Regulamento,ȱeȱàȱsuaȱefectivaȱactuaçãoȱemȱconcretoȱcomoȱpressupostoȱdasȱacçõesȱ
aȱintentarȱemȱtribunal,ȱporȱentenderȱqueȱnoȱdomínioȱemȱcausaȱoȱcapitãoȱdoȱportoȱ
desenvolviaȱ umaȱ acçãoȱ jurisdicional,ȱ reservadaȱ aosȱ tribunais,ȱ eȱ nãoȱ umaȱ simplesȱ
actividadeȱpréȬprocessual,ȱprópriaȱdeȱumȱórgãoȱadministrativo.ȱȱ
OsȱAcórdãosȱn.ºȱ98/88,ȱdeȱ28ȱdeȱAbrilȱ(ATC,ȱ11:777)ȱeȱn.ºȱ211/90,ȱdeȱ20ȱdeȱJunhoȱ
(ATC,16:575)ȱjulgaramȱinconstitucionaisȱasȱnormasȱdosȱartigosȱ3.ºȱeȱ4.ºȱdoȱDecretoȬ
leiȱ n.ºȱ 471/76,ȱ deȱ 14ȱ deȱ Junho,ȱ noȱ segmentoȱ emȱ queȱ permitiaȱ aoȱ Ministérioȱ doȱ
Trabalhoȱ confirmarȱ ouȱ não,ȱ oȱ afastamentoȱ deȱ trabalhadoresȱ assumidoȱ eȱ
formalizadoȱ pelaȱ administraçãoȱ daȱ respectivaȱ empresa,ȱ porqueȱ nestaȱ áreaȱ
jurisdicionalȱdeȱdirimirȱumȱconflitoȱdeȱinteressesȱprivadosȱ(relaçõesȱdeȱemprego),ȱ
osȱ tribunaisȱ têmȱ aȱ primeiraȱ palavra,ȱ ficandoȱ vedadoȱ aoȱ legisladorȱ devolverȱ ȱ aȱ
práticaȱdosȱcorrespondentesȱactosȱparaȱoutroȱórgãos.ȱȱ
OȱAcórdãoȱn.ºȱ182/90,ȱdeȱ6ȱdeȱJunhoȱ(ATC,ȱ16:365)ȱjulgouȱinconstitucionalȱaȱnormaȱ
constanteȱdoȱ§ȱ3ȱdaȱalíneaȱb)ȱdoȱMapaȱIȱanexoȱaoȱDecretoȬLeiȱn.ºȱ376/87,ȱdeȱ11ȱdeȱ
Dezembro,ȱ naȱ parteȱ emȱ queȱ confereȱ aosȱ secretáriosȱ judiciaisȱ competênciaȱ paraȱ
proferirȱ todasȱ asȱ decisõesȱ sobreȱ matériaȱ deȱ custas,ȱ porȱ terȱ entendidoȱ queȱ «aȱ
decisãoȱ condenatóriaȱ ouȱ absolutóriaȱ emȱ custasȱ consubstanciaȱ emȱ siȱ mesmaȱ umaȱ
«decisãoȱjurisdicional»,ȱporȱconstituirȱumȱdosȱelementosȱintegrantesȱdaȱsentença,ȱ
implicarȱ aȱ determinaçãoȱ doȱ responsávelȱ e,ȱ eventualmente,ȱ aȱ repartiçãoȱ dessaȱ
responsabilidadeȱporȱumaȱpluralidadeȱdeȱpartesȱ(art.ºȱ446ȱCPC),ȱsóȱpodendo,ȱporȱ
conseguinteȱ serȱ proferidaȱ porȱ umȱ juiz.ȱ Oȱ segmentoȱ daȱ normaȱ queȱ conferiaȱ
competênciaȱ aoȱ secretárioȱ paraȱ decidirȱ «sobreȱ reclamaçõesȱ deȱ contas»ȱ nãoȱ foiȱ
objectoȱdeȱapreciação.ȱQuantoȱaȱesta,ȱoȱTribunalȱrefereȱqueȱpoderiaȱchegarȱaȱoutraȱ
solução.ȱȱ
OȱAcórdãoȱn.ºȱ443/91,ȱdeȱ20ȱdeȱNovembroȱ(ACT,ȱ20:ȱ477)ȱjulgouȱinconstitucionaisȱ
asȱnormasȱconstantesȱdosȱartigosȱ21.ºȱ,ȱcorpoȱeȱseuȱn.ºȱ5ȱ–ȱnaȱparteȱemȱqueȱconfereȱ
àȱ comissãoȱ liquidatáriaȱ poderesȱ paraȱ verificar,ȱ classificarȱ eȱ graduarȱ osȱ créditosȱ
sobreȱ aȱ massaȱ –,ȱ 22.ºȱ eȱ seuȱ §ȱ 1.º,ȱ 26.º,ȱ corpo,ȱ primeiraȱ parteȱ eȱ seuȱ §ȱ 1.º,ȱ primeiroȱ
período,ȱ 34.º,ȱ corpo,ȱ primeiroȱ períodoȱ eȱ 37.º,ȱ 1.ºȱ §,ȱ primeiroȱ eȱ segundoȱ períodos,ȱ
todosȱdoȱDecretoȬLeiȱn.ºȱ30.689,ȱdeȱ27ȱdeȱAgostoȱdeȱ1940,ȱqueȱatribuemȱàȱcomissãoȱ
liquidatáriaȱ deȱ umȱ estabelecimentoȱ bancárioȱ poderesȱ quantoȱ aoȱ contenciosoȱ deȱ
reclamação,ȱverificaçãoȱeȱgraduaçãoȱdosȱcréditosȱsobreȱeleȱhavidos,ȱporquantoȱ«ȱoȱ
DecretoȬLeiȱn.ºȱ30.ȱ689,ȱaoȱatribuirȱexclusivamenteȱaȱumaȱcomissãoȱliquidatáriaȱ[inȱ
casu,ȱ daȱ Caixaȱ Económicaȱ Faialense]ȱ compostaȱ porȱ trêsȱ vogaisȱ (um,ȱ oȱ comissárioȱ
doȱGoverno,ȱnomeadoȱpeloȱMinistérioȱdasȱFinanças;ȱeȱosȱoutros,ȱrepresentandoȱosȱ
credoresȱ eȱ oȱ banqueiroȱ singularȱ ouȱ osȱ sóciosȱ doȱ estabelecimentoȱ bancárioȱ eleitosȱ
ouȱ nomeadosȱ pelosȱ seusȱ representados,ȱ sobȱ confirmaçãoȱ daqueleȱ Ministro),ȱ
poderesȱ paraȱ verificar,ȱ graduarȱ eȱ classificarȱ osȱ créditos,ȱ decidindoȱ daȱ suaȱ

42
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

existênciaȱ eȱ posição,ȱ aindaȱ queȱ controvertidosȱ pelosȱ própriosȱ credoresȱ


(reclamantes,ȱ reconhecidosȱ oficiosamenteȱ ouȱ outros)ȱ eȱ peloȱ estabelecimentoȱ
bancário,ȱparaȱtantoȱefectuandoȱdiligênciasȱdeȱprovaȱeȱprocedendoȱaȱjulgamento,ȱ
actividadeȱqueȱmanifestamenteȱseȱinsereȱnumaȱfunçãoȱdeȱdirimiçãoȱdeȱconflitos,ȱéȱ
deȱconsiderarȱcomoȱvioladorȱdaȱLeiȱFundamental»,ȱposiçãoȱreiteradaȱnoȱAcórdãoȱ
n.ºȱ 179/92,ȱ deȱ 7ȱ deȱ Maioȱ (ATC,22:407),ȱ agoraȱ apenasȱ noȱ queȱ tangeȱ àȱ normaȱ daȱ
primeiraȱparteȱdoȱcorpoȱdoȱcitadoȱȱart.ºȱ34.º.ȱȱ
OȱAcórdãoȱn.ºȱ158/95,ȱdeȱ15ȱdeȱMarçoȱ(ATC,ȱ30;ȱ781)ȱjulgouȱinconstitucionalȱoȱn.ºȱ4ȱ
doȱartigoȱ10.ºȱdoȱDecretoȬLeiȱn.ºȱ317/85,ȱdeȱ2ȱdeȱAgosto,ȱnaȱparteȱemȱqueȱatribuiȱ
competênciaȱaoȱtribunalȱjudicialȱdaȱcomarcaȱparaȱconhecerȱdoȱrecursoȱinterpostoȱ
deȱdecisãoȱcamaráriaȱqueȱdetermineȱaȱremoçãoȱdeȱhabitaçõesȱdeȱcanídeos,ȱsempreȱ
queȱ razõesȱ deȱ salubridadeȱ ouȱ deȱ tranquilidadeȱ daȱ vizinhançaȱ oȱ imponham.ȱ
Fundamentos:ȱaȱaludidaȱdecisãoȱcamaráriaȱéȱumȱactoȱadministrativo,ȱemanadoȱdoȱ
modoȱ deȱ exercícioȱ daȱ funçãoȱ administrativa;ȱ paraȱ queȱ osȱ tribunaisȱ judiciaisȱ
pudessemȱ conhecerȱ doȱ recursoȱ (directoȱ deȱ anulação)ȱ deȱ talȱ decisão,ȱ necessárioȱ
teriaȱ sido,ȱ oȱ queȱ nãoȱ aconteceu,ȱ obterȬseȱ autorizaçãoȱ legislativa,ȱ vistoȱ aȱ
organizaçãoȱeȱcompetênciaȱdosȱtribunaisȱconstituirȱmatériaȱdeȱreservaȱrelativaȱdaȱ
competênciaȱ legislativaȱ daȱ Assembleiaȱ daȱ Repúblicaȱ (art.ȱ 168.ºȬ1,ȱ alíneaȱ q)ȱ CRP,ȱ
hojeȱart.ºȱ165.ºȱȬ1,ȱalíneaȱp).ȱȱ
OȱAcórdãoȱn.ºȱ630/95,ȱdeȱ8ȱdeȱNovembroȱ(ATC,ȱ32:ȱ497;ȱtemȱvotoȱdeȱvencidoȱdeȱ
Vítorȱ Nunesȱ deȱ Almeida)ȱ julgouȱ inconstitucionaisȱ asȱ normasȱ dosȱ artigosȱ 2.º,ȱ
primeiraȱ parte,ȱ eȱ 3.ºȱ doȱ DecretoȬLeiȱ n.ºȱ 28.039,ȱ deȱ 14ȱ deȱ Setembroȱ deȱ 1937,ȱ eȱ dosȱ
artigosȱ1.º,ȱeȱseusȱ§§ȱ1.ºȱeȱ3.º,ȱ2.º,ȱ3.º,ȱ4.º,ȱ5.º,ȱ7.ºȱeȱ8.ºȱdoȱDecretoȱn.ºȱ28.040,ȱdeȱ14ȱdeȱ
Setembroȱdeȱ1937,ȱqueȱregulamȱasȱcompetênciasȱdoȱjúriȱavindor,ȱcompostoȱporȱumȱ
presidenteȱ eȱ doisȱ vogaisȱ escolhidosȱ entreȱ osȱ homensȱ bonsȱ daȱ freguesia,ȱ eȱ doȱ
presidenteȱdaȱcâmaraȱnoȱprocessoȱdeȱarrancamentoȱdeȱeucaliptosȱeȱoutrasȱespéciesȱ
florestais,ȱsendoȱqueȱ«actuandoȱnoȱsentidoȱdeȱdecidirȱumaȱcontrovérsiaȱjurídicaȱeȱ
emȱdefesaȱdoȱdirectoȱinteresseȱdosȱparticularesȱdonosȱdosȱprédiosȱconfinantesȱcomȱ
asȱáreasȱdeȱplantaçãoȱouȱsementeiraȱvedadasȱporȱlei,ȱoȱjúriȱavindorȱeȱoȱpresidenteȱ
daȱcâmaraȱmunicipalȱassumemȬseȱcomoȱórgãosȱjurisdicionais»ȱ(depoisȱdosȱAcórdãosȱ
16/96ȱeȱ17/96,ȱfoi,ȱpeloȱAcórdãoȱn.ºȱ963/96,ȱdeȱ11ȱdeȱJulhoȱ–ȱDRȬIȱSérieȱ–Aȱ–ȱn.ºȱ234,ȱ
deȱ 9Ȭ10Ȭ96ȱ –ȱ declarada,ȱ comȱ forçaȱ obrigatóriaȱ geral,ȱ aȱ inconstitucionalidade,ȱ porȱ
violaçãoȱdoȱprincípioȱdaȱreservaȱdaȱfunçãoȱjurisdicional,ȱasȱnormasȱconstantesȱdaȱ
primeiraȱparteȱdoȱartigoȱ2.ºȱdoȱDecretoȬLeiȱn.ºȱ28.039ȱeȱdosȱartigosȱ1.º,ȱeȱseuȱ41.º,ȱ2.ºȱ
eȱ8.º,ȱestesȱdoȱdecretoȱn.ºȱ28.040).ȱȱ
OȱAcórdãoȱn.ºȱ450/97,ȱdeȱ25ȱdeȱJunho. 41
ȱ

41 ȱ Paraȱ umȱ inventárioȱ maisȱ exaustivoȱ daȱ jurisprudênciaȱ doȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ portuguêsȱ aȱ esteȱ
respeito,ȱPauloȱCastroȱRangel,ȱRepensarȱoȱPoderȱJudicial,ȱUniversidadeȱCatólicaȱdoȱPorto,ȱPorto,ȱ2001:ȱ353.ȱ

43
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

2.3ȱ–ȱFunçãoȱjurisdicionalȱeȱpoderȱjudicialȱȱ

DoȱpontoȱdeȱvistaȱsemânticoȱaȱfunçãoȱjurisdicionalȱdistingueȬseȱdoȱpoderȱjudicialȱ
porȱ aȱ primeiraȱ indicarȱ umȱ conjuntoȱ deȱ actividadesȱ eȱ oȱ segundoȱ abarcarȱ umȱ
complexoȱdeȱsujeitos.ȱȱ
Estesȱdoisȱaspectos,ȱdeȱâmbitoȱmaisȱrestritoȱdoȱqueȱoȱdeȱsistemaȱdeȱjustiça,ȱestãoȱ
nosȱ ordenamentosȱ constitucionaisȱ modernos,ȱ estreitamenteȱ associados,ȱ deȱ talȱ
modoȱqueȱaȱfunçãoȱdosȱórgãosȱjudiciáriosȱseȱesgotaȱpraticamenteȱnoȱexercícioȱdaȱ
funçãoȱjudiciáriaȱeȱestaȱsóȱporȱaquelesȱéȱtendencialmenteȱexercida.ȱȱ
Estaȱ quaseȱ indiferenciaçãoȱ éȱ recente,ȱ deȱ umȱ pontoȱ deȱ vistaȱ histórico.ȱ Emȱ Romaȱ
existiaȱ umaȱ funçãoȱ jurisdicionalȱ eȱ aȱ «arteȱ deȱ julgar»ȱ foiȱ suficientementeȱ
caracterizada,ȱ masȱ nuncaȱ existiuȱ umȱ poderȱ judicial,ȱ comoȱ poderȱ doȱ Estado,ȱ
realidadeȱ deȱ queȱ sóȱ seȱ começaȱ aȱ falarȱ aȱ partirȱ doȱ Iluminismo,ȱ porȱ referênciaȱ àȱ
chamadaȱteoriaȱdaȱseparaçãoȱdosȱpoderes.ȱȱ
ȱȱ
Oȱ princípioȱ daȱ divisãoȱ dosȱ poderesȱ resultouȱ daȱ confluênciaȱ deȱ umaȱ práticaȱ
constitucionalȱeȱdaȱteorizaçãoȱdessaȱprática.ȱȱ
PráticaȱconstitucionalȱnascidaȱcomȱaȱRevoluçãoȱInglesaȱdeȱ1688Ȭ89ȱeȱaprofundadaȱ
comȱasȱduasȱoutrasȱrevoluçõesȱdoȱfinalȱdoȱséculoȱXVIII,ȱaȱamericanaȱeȱaȱfrancesa.ȱȱ
AȱConstituiçãoȱNorteȱAmericanaȱdeȱ1787,ȱcujosȱautoresȱconheciamȱbemȱoȱL’ȱEspritȱ
desȱLois,ȱreservaȱosȱtrêsȱprimeirosȱdosȱseusȱapenasȱseteȱartigos,ȱrespectivamenteȱaoȱ
poderȱ legislativoȱ (Congresso)ȱ aoȱ executivoȱ (Presidente)ȱ eȱ aoȱ judicialȱ (Tribunais).ȱ
Porȱsuaȱvez,ȱaȱDeclaraçãoȱdosȱDireitosȱdoȱHomemȱeȱdoȱCidadão,ȱdeȱ26ȱdeȱAgostoȱ
deȱ1789,ȱdispõe,ȱnoȱseuȱartigoȱ16.º:ȱ«Touteȱsocietéȱdansȱlaquelleȱlaȱgarantieȱdesȱdroitsȱn’ȱ
estȱ pasȱ assuré,ȱ niȱ laȱ séparationȱ desȱ pouvoirsȱ determinée,ȱ n’aȱ pointȱ deȱ constitution».ȱ Aȱ
teoriaȱ daȱ separaçãoȱ dosȱ poderes,ȱ talȱ comoȱ foiȱ teorizadaȱ aȱ partirȱ deȱ Lockeȱ eȱ deȱ
Montesquieu,ȱ implicaȱ duasȱ consequênciasȱ jurídicas:ȱ aȱ especializaçãoȱ funcionalȱ eȱ aȱ
independênciaȱorgânica.ȱȱ
Aȱ especializaçãoȱ funcionalȱ nãoȱ exigeȱ apenasȱ queȱ cadaȱ umȱ dosȱ órgãosȱ doȱ Estadoȱ
desempenheȱaȱfunçãoȱcorrespondente,ȱmas,ȱainda,ȱqueȱaȱtotalidadeȱdessaȱfunçãoȱ
caibaȱaoȱrespectivoȱórgãoȱqueȱaȱexerce.ȱȱ
Aoȱ poderȱ legislativoȱ eȱ sóȱ aȱ eleȱ caberiaȱ oȱ desempenhoȱ daȱ funçãoȱ legislativa;ȱ aoȱ
poderȱexecutivoȱeȱsóȱaȱeleȱaȱtotalidadeȱdosȱpoderesȱdeȱexecuçãoȱdasȱleis;ȱaoȱpoderȱ
judicialȱeȱsóȱaȱeleȱaȱtotalidadeȱdaȱfunçãoȱjurisdicional.ȱȱ
Aȱindependênciaȱorgânicaȱsignifica,ȱporȱseuȱturno,ȱumaȱseparaçãoȱdosȱpoderesȱdeȱtalȱ
formaȱ organizadaȱ que,ȱ nãoȱ provindoȱ nenhumȱ órgãoȱ doȱ outro,ȱ nenhumȱ interfereȱ
emȱesferaȱqueȱnãoȱsejaȱaȱsuaȱ(ou,ȱnumaȱoutraȱcompreensãoȱdoȱprincípio,ȱqueȱtodosȱ
tenhamȱaȱmesmaȱcapacidadeȱdeȱintervenção).ȱȱ

44
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ

Numaȱconcepçãoȱmuitoȱdivulgadaȱteriaȱsidoȱestaȱaȱideiaȱdosȱpaisȱfundadoresȱdaȱ
naçãoȱ americanaȱ eȱ dosȱ anglómanosȱ franceses,ȱ discípulosȱ deȱ Voltaireȱ eȱ deȱ
Montesquieu,ȱ responsáveisȱ pelasȱ Constituiçõesȱ Francesasȱ deȱ 1791,ȱ deȱ 1795ȱ eȱ deȱ
1848,ȱnasȱquaisȱseȱidentificaȱumaȱseparaçãoȱrígidaȱdeȱpoderes.ȱȱ
OraȱMichelȱTroperȱesclareceȬnosȱȱaȱesteȱrespeito:ȱtantoȱaȱespecializaçãoȱfuncionalȱ
comoȱaȱindependênciaȱorgânicaȱsofremȱfortesȱderrogaçõesȱnessasȱconstituições;ȱaȱ
teoriaȱ daȱ separaçãoȱ dosȱ poderesȱ nãoȱ éȱ umȱ critérioȱ útilȱ deȱ classificaçãoȱ deȱ
constituiçõesȱnemȱdeȱregimesȱpolíticos 42 .ȱȱ
Aȱ especializaçãoȱ funcionalȱ quedaȱ infirmadaȱ comȱ aȱ outorgaȱ aȱ determinadoȱ órgãoȱ
deȱumaȱfunçãoȱqueȱnãoȱlheȱpertenceriaȱporȱaplicaçãoȱdaqueleȱprincípio.ȱOȱvetoȱabsolutoȱ
ouȱsuspensivoȱdosȱprojectosȱaprovadosȱpeloȱlegislativo,ȱconferidoȱaoȱexecutivo,ȱouȱ
aȱ colaboraçãoȱ dosȱ órgãosȱ legislativoȱ eȱ executivoȱ naȱ direcçãoȱ daȱ políticaȱ externa,ȱ
porȱ exemplo,ȱ ilustramȱ aȱ participaçãoȱ deȱ umȱ órgãoȱ numaȱ funçãoȱ queȱ nãoȱ
correspondeȱaȱesseȱórgão.ȱRetirarȱaosȱtribunaisȱoȱconhecimentoȱdosȱlitígiosȱemȱqueȱ
aȱadministraçãoȱsejaȱparte,ȱparaȱosȱconfiarȱàȱprópriaȱadministraçãoȱconstituiȱoutroȱ
exemploȱdeȱcomoȱoȱprincípioȱdaȱespecializaçãoȱfuncionalȱpodeȱserȱprejudicado.ȱȱ
Aȱteoriaȱdaȱseparaçãoȱdeȱpoderesȱexige,ȱainda,ȱqueȱosȱórgãosȱsejamȱindependentesȱ
unsȱ dosȱ outros.ȱ Assim,ȱ «oȱ órgãoȱ daȱ funçãoȱ executivaȱ nãoȱ poderáȱ estarȱ investidoȱ
doȱdireitoȱdeȱdestituirȱosȱtitularesȱdaȱfunçãoȱlegislativa,ȱe,ȱsimetricamente,ȱoȱórgãoȱ
daȱfunçãoȱlegislativaȱnãoȱpoderáȱestarȱinvestidoȱdoȱdireitoȱdeȱdestituirȱosȱtitularesȱ
daȱfunçãoȱexecutiva» 43 .ȱȱ
Tambémȱ nesteȱ ângulo,ȱ naȱ análiseȱ queȱ fazȱ daȱ responsabilidadeȱ dosȱ ministrosȱ eȱ
detentoresȱ doȱ poderȱ executivo,ȱ nasȱ constituiçõesȱ estudadas,ȱ Troperȱ concluiȱ pelaȱ
inexistênciaȱdeȱumaȱrealȱindependênciaȱdoȱexecutivoȱemȱrelaçãoȱaoȱlegislativo.ȱȱ
Se,ȱ doȱ constitucionalismoȱ francês,ȱ passarmosȱ paraȱ aȱ Constituiçãoȱ dosȱ Estadosȱ
Unidos,ȱsairáȱaindaȱreforçadaȱaȱideiaȱdeȱqueȱaȱteoriaȱdaȱseparaçãoȱdosȱpoderesȱnaȱ
suaȱpurezaȱnãoȱcaptaȱasȱinstituiçõesȱcriadasȱàȱsuaȱluzȱeȱemȱseuȱnome.ȱȱ
Nãoȱ seȱ vêȱ comoȱ coadunarȱ coerentementeȱ estaȱ teoriaȱ comȱ oȱ vetoȱ suspensivoȱ eȱ oȱ
pocketȱ vetoȱ doȱ Presidenteȱ norteȬamericano,ȱ comȱ oȱ vetoȱ legislativoȱ doȱ Congresso,ȱ
comȱ oȱ poderȱ deȱ ratificaçãoȱ peloȱ Senadoȱ dosȱ tratadosȱ negociadosȱ peloȱ chefeȱ doȱ
executivoȱ ouȱ dasȱ nomeaçõesȱ dosȱ agentesȱ federais,ȱ comȱ oȱ controloȱ exercidoȱ peloȱ
Congressoȱ sobreȱ aȱ administração,ȱ nomeadamenteȱ atravésȱ dasȱ Comissõesȱ
Senatoriais,ȱqueȱpodemȱlevarȱatéȱàȱresponsabilizaçãoȱpenalȱdoȱpróprioȱ(lembrarȱoȱ
casoȱWatergateȱqueȱprovocou,ȱpelaȱprimeiraȱvezȱnaȱhistóriaȱdosȱEstadosȱUnidos,ȱaȱ
demissãoȱdoȱPresidenteȱRichardȱNixon)ȱetc.ȱ

42 ȱMichelȱTroperȱ,ȱLaȱSeparationȱdesȱPouvoirsȱetȱl’HistoireȱConstitutionelleȱFrançaise;ȱL.ȱG.ȱD.ȱJ.,ȱParis,ȱ1980.ȱȱ
43 ȱMichelȱTroper,ȱLaȱseparation...,ȱop.ȱcit.,:ȱ69.ȱ

45
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Éȱ claroȱ queȱ aȱ respeitoȱ daȱ experiênciaȱ constitucionalȱ norteȬamericanaȱ seȱ podeȱ


afirmarȱqueȱoȱpoderȱexecutivoȱcabeȱaoȱPresidente,ȱaȱfunçãoȱlegislativaȱpertenceȱaoȱ
CongressoȱeȱaȱfunçãoȱjurisdicionalȱestáȱaȱcargoȱdosȱTribunais.ȱȱ
Tambémȱéȱverdadeȱqueȱaíȱosȱjuízesȱfederaisȱsãoȱvitalícios,ȱoȱPresidenteȱnãoȱpodeȱ
dissolverȱoȱCongressoȱnemȱdeleȱdependeȱpoliticamente.ȱȱ
Masȱtalȱnãoȱjustificaȱqueȱseȱpossaȱerigirȱaȱteoriaȱdaȱseparaçãoȱrígidaȱdosȱpoderesȱ
emȱcritérioȱdeȱinterpretaçãoȱcoerenteȱouȱdeȱclassificaçãoȱdosȱregimesȱpolíticos 44 .ȱȱ
ȱȱȱ
Estaȱ teoriaȱ serviuȱ deȱ pontoȱ deȱ partidaȱ paraȱ oȱ enquadramentoȱ constitucionalȱ dosȱ
poderesȱ eȱ dasȱ funçõesȱ doȱ Estado,ȱ mas,ȱ aȱ meioȱ caminho,ȱ sofreuȱ desviosȱ eȱ
adaptaçõesȱqueȱimportaȱreter.ȱȱ
Noȱ decursoȱ destesȱ cercaȱ deȱ trêsȱ séculosȱ transcorridosȱ desdeȱ oȱ tempoȱ daȱ suaȱ
primeiraȱ enunciaçãoȱ atéȱ hoje,ȱ aȱ doutrinaȱ daȱ separaçãoȱ dosȱ poderesȱ temȱ
funcionadoȱ comoȱ umȱ enormeȱ mito,ȱ noȱ duploȱ sentidoȱ deȱ ideiaȬfalsaȱ eȱ deȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
ideiaȬforça.ȱȱ
IdeiaȬfalsaȱsobretudoȱquandoȱseȱlheȱimputaȱaȱpaternidadeȱaȱMontesquieu.ȱOraȱesteȱ
autorȱ nãoȱ sóȱ nuncaȱ utilizouȱ aȱ expressãoȱ «separação»ȱ deȱ poderes,ȱ nem,ȱ oȱ queȱ éȱ
maisȱimportante,ȱfoiȱpartidárioȱdeȱumaȱrealȱespecializaçãoȱdasȱfunçõesȱdoȱEstado.ȱȱ
Paraȱ Montesquieu,ȱ umaȱ separaçãoȱ rígidaȱ dosȱ poderesȱ conduziriaȱ sempreȱ àȱ
predominânciaȱ deȱ umȱ sobreȱ osȱ restantes.ȱ Aȱ soluçãoȱ positivaȱ queȱ preconizaȱ
consisteȱ emȱ realizarȱ umȱ equilíbrio,ȱ nãoȱ entreȱ umȱ poderȱ executivoȱ eȱ umȱ poderȱ
legislativo,ȱradicalmenteȱdistintos,ȱmasȱentreȱautoridadesȱqueȱparticipemȱtodasȱnaȱ
funçãoȱ legislativaȱ [«oȱ corpoȱ legislativoȱ compostoȱ deȱ duasȱ partes,ȱ umaȱ prendeȱ aȱ
outraȱ comȱ suaȱ mútuaȱ faculdadeȱ deȱ impedir.ȱ Ambasȱ estarãoȱ presasȱ aoȱ poderȱ
executivo,ȱqueȱestaráȱeleȱmesmoȱpresoȱaoȱlegislativo»] 45 .ȱȱ
Oȱmodeloȱemȱqueȱseȱinspiraȱéȱoȱdaȱconstituiçãoȱinglesa,ȱondeȱoȱexecutivoȱinterfereȱ
noȱ legislativo,ȱ atravésȱ doȱ direitoȱ deȱ vetoȱ concedidoȱ aoȱ rei,ȱ eȱ oȱ legislativoȱ noȱ
executivo,ȱatravésȱdoȱcontroloȱdaȱexecuçãoȱdasȱleis.ȱȱ
Oȱ verdadeiroȱ objectivoȱ deȱ Montesquieuȱ nãoȱ eraȱ propriamenteȱ formal,ȱ oȱ deȱ
equilibrarȱ poderesȱ doȱ Estado,ȱ masȱ simȱ asȱ classesȱ queȱ nelesȱ seȱ manifestavamȱ –ȱ oȱ
rei,ȱaȱnobrezaȱeȱ«oȱpovo»ȱ–,ȱpropiciandoȱumaȱcorrelaçãoȱdeȱforçasȱfavorávelȱàȱsuaȱ
classeȱdeȱorigem.ȱȱ

44ȱOȱdireitoȱconstitucionalȱclassifica,ȱcomoȱseȱsabe,ȱosȱregimesȱpolíticos,ȱemȱregimesȱdeȱseparaçãoȱouȱdeȱ
confusãoȱdeȱpoderes.ȱAȱconfusãoȱdosȱpoderesȱpodeȱdarȬseȱemȱfavorȱdoȱexecutivoȱouȱdoȱlegislativo;ȱaȱ
separaçãoȱdosȱpoderesȱadmiteȱaindaȱaȱdistinçãoȱentreȱoȱisolamentoȱdosȱpoderes,ȱqueȱéȱindependênciaȱ
semȱespecialização,ȱeȱaȱcolaboraçãoȱdosȱpoderes,ȱqueȱéȱespecializaçãoȱsemȱindependência.ȱ
45ȱMontesquieu,ȱOȱEspíritoȱdasȱLeis,ȱMartinsȱFontes,ȱSãoȱPaulo,ȱ2000:ȱ176.ȱ

46
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Titular do poder legislativo numa câmara alta aristocrática com poderes jurisdicionais,
capaz de controlar o poder do monarca e de se opor à burguesia representada na
câmara baixa, através do exercício do direito de veto em relação às propostas da
iniciativa dos Comuns, a nobreza podia bloquear quaisquer decisões tomadas fora
dela e garantir os seus privilégios contra as investidas do rei ou do próprio povo.
«Não se poderia garantir melhor as condições de perenidade de uma classe decadente
a quem a história arrancava e disputava já as suas antigas prerrogativas».46
Questão diversa consiste em saber se o programa de restabelecimento dos direitos
de uma nobreza ameaçada, à custa do poder absoluto do monarca, não resultou de
um enorme mal-entendido histórico, porquanto ajudou a derrubar o aparelho
feudal, verdadeiro suporte vital dessa mesma nobreza.
Alguns autores quiseram fazer de Montesquieu o pai do «poder judicial», um
poder distinto, o terceiro, e não mero ramo do executivo. Não faltam, para o efeito,
citações da sua obra, como esta: « Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o
mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse estes três
poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os
crimes ou as querelas entre os particulares»47.
Todavia, não parece que Montesquieu considerasse a autoridade judiciária como
verdadeiro poder. Como dizia: «Dos três poderes dos quais falamos, o de julgar é,
de alguma forma, nulo. Só sobram dois»48.
Montesquieu não reconhece aos juizes qualquer papel autónomo no acto de
interpretar e aplicar a lei.
A faculdade de julgar é definida como o poder de execução das coisas que
dependem do direito civil. Por sua vez, as sentenças devem ser «um texto preciso
da lei. Se fossem uma opinião particular do juiz, viveríamos em sociedade sem
saber precisamente os compromissos que ali assumimos»49. Daí a frase tantas
vezes citada «... os juizes da nação são apenas (...) a boca que pronuncia as palavras da
lei; são seres inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor»50.
Uma outra ideia incompatível com a autonomia do poder judiciário: «o poder de
julgar não deve dado a um senado permanente, mas deve ser exercido por pessoas
tiradas do seio do povo em certos momentos do ano, da maneira prescrita pela lei,
para formar um tribunal que só dure o tempo que a necessidade requer»51.

46 Louis Althusser, Montesquieu, a Política e a História, Presença, Lisboa, 1977:138.


47 Montesquieu, O Espírito..., op. cit.: 168.
48 Ibidem: 172.

49 Ibidem: 170.

50 Ibidem: 175.

51 Ibidem: 169.

47
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Compreende-se agora melhor a ideia acima expressa de o poder de julgar ser, de


algum modo, nulo. Se tal poder, «tão terrível entre os homens», não está ligado a
nenhum estado ou profissão, ele torna-se, por assim dizer, invisível e nulo.
De 11 de Fevereiro de 1755, data da morte de Montesquieu, aos nossos dias, foram
muitas e profundas as mutações sofridas pelo poder judicial.
Foquemos quatro. A primeira, é a constituição e desenvolvimento de corpos
permanentes de magistrados, dando origem a várias ordens de jurisdições,
judiciária, administrativa, militar, financeira e, até, constitucional.
Autores há que, a partir deste fenómeno de diversificação de ordens de tribunais,
preferem falar em poder jurisdicional em vez de poder judiciário, reservando esta
designação para o complexo de órgãos jurisdicionais que compõe a magistratura
dos tribunais comuns.
A segunda alteração radical em relação à análise de Montesquieu tem a ver com o
poder normativo ou criador do juiz. De mera força executiva das coisas que
dependem do direito civil a jurisprudência transformou – se, na maior parte das
sociedades ocidentais, numa fonte, ao menos sociológica, do direito.
A terceira grande alteração tem a ver com a vontade progressivamente afirmada
de colocar a justiça ao abrigo de qualquer influência política, com reforço dos
mecanismos que garantam a independência da magistratura.
A última ocorre no plano doutrinal. A teoria da separação dos poderes transmuta-
se em reserva de legislação, de administração e de jurisdição, compreendendo esta
última a subdistinção entre reserva do juiz ou de primeira palavra e reserva do tribunal
ou de segunda palavra , nas quais se religa a dimensão material de uma função do
Estado à dimensão organizatória da mesma52.
Não fazendo a mera função o órgão, só se respeita a reserva de jurisdição, por
exemplo, quando consagrada, quando um acto materialmente jurisdicional estiver
devolvido à competência de um tribunal, ou seja, à competência de um órgão
independente e predeterminado por lei, dispondo os titulares desses órgãos das
garantias que são próprias dos juízes, designadamente as de imparcialidade e
inamovibilidade.
Por outro lado, os Estados socialistas, em nome do carácter absoluto da soberania
popular, rejeitaram pura e simplesmente a teoria da divisão dos poderes.
Este tipo de Estados fez assentar a organização do poder no princípio da unidade.
Na esteira da democracia directa teorizada por Rousseau, fundada na ideia de
concentração de poderes numa assembleia electiva única, expressão da soberania

52 Paulo Castro Rangel, Repensar o Poder Judicial, op. cit: 254.

48
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

una e indivisível, e reivindicando o legado histórico do governo de assembleia,


consagrado na Constituição Francesa de 1793, nas ideias daquele autor inspirada,
o modelo constitucional socialista abole a separação horizontal dos poderes, tal
como o tinha feito a Comuna, e substitui – a por uma estrutura de sobreposição
vertical dos poderes em vários escalões e de concentração de todos os poderes em
cada escalão.
Não existe, assim, uma separação entre as funções executiva, legislativa e
jurisdicional, mas uma mera especialização de competências, que são, em teoria,
meras dimensões de um único poder.
Apesar desta evolução histórica continua, ainda hoje, a discutir-se se deve falar em
poder judiciário ou em autoridade judiciária, se em ordem ou poder.
A Constituição Francesa de 1958, por exemplo, não fala de poder, mas de
autoridade judiciária, omissão que se encontra também na Constituição da
República Portuguesa de 1976. Em Portugal, de resto, não há, como por exemplo
em Espanha, uma Lei Orgânica do Poder Judicial, mas um Lei de Organização e
Funcionamento dos Tribunais Judiciais («Do Poder Judicial» tratam a CRCV e a
CRGB; «Dos Tribunais» a CRM e a CRDSTP; Da Justiça a LCRA).
Distinção subtil, mas carregada de significado: «Só há um soberano. É o povo. O
povo só cria dois poderes: o poder executivo através da eleição do Presidente, o
poder legislativo pela eleição do Parlamento. Ele não elege os juízes. Os juízes são
nomeados pelo Presidente segundo as modalidades que garantem a sua
independência e aplicam a lei (...). Eles exercem a sua autoridade com toda a
liberdade, mas esta autoridade está subordinada à lei. Eis a razão porque se fala de
autoridade e não de poder a propósito dos juizes» (Alain Peyrefitte).
A Constituição Italiana de 1947 dispõe que a magistratura ordinária, a quem está
confiado o exercício da função jurisdicional «constitui uma ordem autónoma e
independente de qualquer outro poder» (artigo.º 104. § 1.º).
Também neste caso muito se discutiu sobre se a magistratura é uma «ordem» ou
um «poder», dependendo a resposta da ênfase que se puser nos segmentos que
compõem a formulação normativa, na primeira ou na segunda parte.
A discussão é, porém, ociosa. Como refere Giovanni Verde, «se por poder se
entendesse aquele que é exercido por um organismo que recebe directa
investidura do povo, só seria poder do estado o Parlamento; não o seria o
Governo, que obtém a confiança do Parlamento e não do povo (artigo 94.º), nem o
Presidente da Republica, que é eleito pelo Parlamento (artigo 83.º)»53; os pais
constituintes italianos estabeleceram uma ligação directa entre a administração da

53 Giovanni Verde, L’ Ordinamento Giudiziario, Giuffrè editore, Milano, 2003: 4.

49
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

justiça e o povo (artigo 101.º, § 1.º), donde deriva que a jurisdição (...) não pode
mais ser englobada na legislação ou na administração e, em particular, não pode
ser considerada como muitas vezes acontece entre os estudiosos das instituições
políticas, como um «dever» ou como uma «função» específica ou como uma
articulação do Estado – administração»54.
Para o modelo ser coerente, os juizes não deviam ser burocratas que prestam um
serviço público, mas profissionais chamados a desenvolver a sua actividade a
partir de um mandato conferido, directa ou indirectamente, pelo povo. Mas tal
solução colidiria com as tradições, não só da Itália, mas dos países de Civil Law.
Todavia, este modelo não afecta a substância da instituição, a menos, como diz o
citado autor, que se pretenda «encontrar um diverso ponto de equilíbrio entre as
instituições, repropondo o modelo de uma justiça, não mais garante dos direitos
fundamentais do cidadão contra qualquer forma de violação e, portanto, também
contra o Parlamento e o Governo, mas ao serviço destes últimos do seu modo de
entender e de realizar o interesse público»55.

3 – Á REAS DE JURISDIÇÃO

3.1 – Jurisdição constitucional

Em termos históricos – comparativos, podem identificar – se três grandes modelos


de garantia da constitucionalidade: o modelo de fiscalização política, de tipo
francês; o modelo de fiscalização judicial (judicial review), de origem americana; o
modelo de fiscalização jurisdicional em Tribunal Constitucional, de matriz austríaca56.
No modelo político, o controlo de constitucionalidade dos actos normativos está
entregue a órgãos políticos (ao próprio parlamento ou a um órgão político
especialmente constituído para o efeito, ligado ou independente da assembleia).
No modelo judicialista, o controlo da constitucionalidade é exercido pelos juízes,
no desempenho normal da função jurisdicional. No sentido puro, que surgiu e se
desenvolveu nos EUA, é uma fiscalização difusa, concreta e incidental, por via de
excepção.
No modelo do Tribunal Constitucional, é criada uma ordem de jurisdição
diferente da dos tribunais judiciais, e da dos tribunais administrativos, quando

54 Ibidem: 5.
55 Ibidem: 5/6.
56 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Constituição e Inconstitucionalidade, 3.ª ed.,

Coimbra Editora, Coimbra, 1996: 379 ss.; J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., op. cit.: 831 ss.

50
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

haja, com competência especializada em Direito Constitucional. Todas as


Constituições dos PALOP previram o controlo de constitucionalidade das leis e
dos actos com força de lei, mas adoptaram sistemas diferentes de garantia.
A LCRA e a CRCV prevêem a existência de um Tribunal Constitucional. No caso
angolano, o tribunal constitucional é composto por sete juizes (três indicados pelo
Presidente da República, incluindo o Presidente do Tribunal; três eleitos pela
Assembleia Nacional, por maioria de dois terços dos deputados em efectividade
de funções; um juiz eleito pelo Plenário do Tribunal Supremo), designados por um
mandato de sete anos não renováveis (artigo 135.º).
O controlo de constitucionalidade tanto pode ser preventivo como sucessivo
(artigos 134.º, alíneas a) e b), 154.º e 155.º), por acção ou omissão (artigos 134.º,
alínea c) e 153.º, n.º 2), incidental ou por via principal (artigo 134.º, alíneas d) e e)).
No caso de controlo preventivo, a questão de inconstitucionalidade só pode ser
iniciada pelo Presidente da República ou por um quinto dos deputados da
Assembleia Nacional (artigo 154.º), sendo mais ampla a legitimidade em sede de
controlo sucessivo, porquanto, para além daquelas entidades, ainda podem
suscitar a questão o Primeiro – Ministro e o Procurador Geral da República (artigo
155.º, n.º1).
Podem, por sua vez, requerer a declaração de inconstitucionalidade por omissão
o presidente da República, um quarto dos deputados em efectividade de
funções e o Procurador Geral da República (artigo 156.º, n. 1). Verificada a
inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional dá conhecimento desse facto ao
órgão legislativo competente para supresssão da lacuna. (artigo 156.º, n.º2).
Não podem ser promulgados, assinados ou ratificados diplomas cuja apreciação
preventiva da constitucionalidade tenha sido requerida ao Tribunal
Constitucional, sem que este se tenha pronunciado (artigo 154.º, n.º 2). Declarada a
inconstitucionalidade das normas, o diploma deve ser vetado pelo Presidente da
República e devolvido ao órgão que o tiver aprovado para que expurgue a norma
julgada inconstitucional (artigo 154.º, n.º 3).
No caso de controlo sucessivo, a declaração de inconstitucionaliddae produz
efeitos ex tunc, isto é, desde a entrada em vigor da norma declarada
inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela eventualmente
haja revogado (artigo 155.º, n.º 2), salvo se se tratar de inconstitucionalidade
superveniente, caso em que a declaração só produz efeitos desde a entrada em
vigor da norma constitucional (artigo 155.º, n.º 3). Ficam, em todo o caso,
ressalvados os casos julgados, quando a norma respeitar a matéria penal,
disciplinar ou ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável
ao arguido (artigo 155.º, n.º4).

51
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Em Cabo Verde, prevê – se que o Tribunal Constitucional seja composto por um


mínimo de três juizes, eleitos pela Assembleia Nacional de entre personalidades
de reputado mérito e competência e de reconhecida probidade, com formação
superior em Direito, pelo período de nove anos, não renováveis (artigo 219.º).
O tribunal cabo-verdiano tem uma competência mais ampla do que a do seu
congénere angolano pois não se limita a fiscalizar a constitucionalidade e
legalidade dos actos normativos, estando também previsto que verifique a morte
do Presidente da República, que declare a incapacidade, o impedimento ou a
perda do cargo por parte deste, exerça jurisdição em matéria eleitoral e de
organização político – partidária, dirima conflitos de jurisdição e conheça dos
recursos de amparo (artigo 219.º)
Este último ponto é inovador, no conjunto dos ordenamentos jurídicos dos PALOP.
A CRCV é, de facto, a única que consagra o recurso de amparo para o Tribunal
constitucional, como garantia concreta dos direitos fundamentais (artigo 20.º).
Esta constituição prevê também o controlo preventivo de constitucionalidade, a
requerimento do Presidente da República, de um quarto dos deputados em
efectividade de funções ou do Primeiro – Ministro (artigo 273.º, n.º 1), produzindo
a declaração de inconstitucionalidade efeitos semelhantes aos previstos na
constituição angolana (artigo 274.º), e o controlo sucessivo, seguindo a via quer da
fiscalização abstracta (artigo 275.º) quer da concreta (artigo 276.º).
No primeiro caso, têm legitimidade activa para suscitar a questão o Presidente da
República, o Presidente da Assembleia Nacional, o Primeiro-Ministro, o Procurador
Geral da República e pelo menos um quarto dos deputados à Assembleia Nacional.
Em sede de fiscalização concreta podem recorrer para o Tribunal Constitucional, o
ministério público, e as pessoas que, de acordo com a lei, tenham legitimidade
para interpor recurso e depois de esgotadas as vias ordinárias de impugnação
(artigo 277.º).
Quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade rege o artigo 280.º, em
termos similares aos da constituição angolana.
O sistema de garantia de constitucionalidade da CRDSTP é do tipo misto. A
questão de inconstitucionalidade pode ser levantada oficiosamente pelo tribunal,
pelo ministério público ou por qualquer das partes. Admitida a questão o
incidente sobe, em separado, à Assembleia Nacional, que decidirá (artigo 111.º).
No caso da Guiné Bissau prevê – se também um modo de controlo por via
incidental, mas o incidente sobe, também em separado, não a um órgão político,
mas ao STJ (artigo 126.º).

52
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Em Moçambique, a fiscalização de constitucionalidade pertence ao Conselho


Constitucional, «órgão de competência especializada no domínio das questões
jurídico – constitucionais» (artigo 180.º).
Compete a este órgão, para além do controlo de constitucionalidade de actos
normativos, resolver os conflitos de competência entre órgãos de soberania e
controlar a regularidade de formação dos órgãos constitucionais (contencioso
eleitoral) e de realização dos referendos (artigo 181.º).
Trata-se de um sistema concentrado, que reconhece legitimidade para solicitar a
declaração de inconstitucionalidade apenas ao Presidente da República, ao
presidente da Assembleia da República, ao Primeiro – Ministro e ao Procurador
Geral (artigo 183.º).
Embora as constituições de Angola e de Cabo Verde prevejam como vimos, a
existência de um Tribunal Constitucional, têm sido até hoje os supremos tribunais
a desempenhar as competências a ele atribuídas.

3.2 – Jurisdição civil e penal

Entre as várias distinções que normalmente se fazem para melhor analisar as áreas
em que se desenvolve a jurisdição, sobressai a distinção entre jurisdição civil e
penal.
A primeira abrange a actividade de aplicação da lei pelos juizes aos casos em que
tal aplicação resulte controvertida entre o particulares ou em que a intervenção do
magistrado se justifique para garantir os interesses das partes, de terceiros ou
mesmo da colectividade.
Perante uma situação subjectiva afectada de incerteza ou objecto de controvérsia,
são três as formas de intervenção da jurisdição civil que podem dar resposta a essa
situação: a tutela declarativa, a tutela executiva e a tutela cautelar.
A primeira forma de tutela corresponde às acções declarativas (artigo 4.º, n.1 CPC).
Trata-se aqui de apurar se a invocada relação substantiva existe; se esta relação foi
violada ou se encontra numa situação de incerteza grave e objectiva; que efeitos é
preciso produzir para superar a controvérsia ou a dúvida existente entre as partes.
A providência final, que concede a tutela declarativa, pode ter conteúdos diversos,
de acordo com a forma de tutela requerida pela parte, que será normalmente
aquela que for adequada ao direito controvertido ou duvidoso.
Diz-nos, consequentemente, o artigo 4.º, n.º 2, do CPC, que as acções declarativas
podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.

53
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Ao lado da intervenção jurisdicional declarativa encontramos a intervenção


jurisdicional executiva.
Este tipo de intervenção liga – se às hipóteses em que o ordenamento impõe a
determinado sujeito um comportamento activo que é necessário para a realização
de uma situação substantiva protegida. Se o sujeito obrigado não actua no sentido querido
pelo ordenamento, então deve actuar um órgão executivo que tomará as «providências
adequadas à reparação efectiva do direito violado» (artigo 4.º, n 2 CPC).
Por outro lado, desde o momento em que os particulares sentem a necessidade de
recorrer a tribunais para dirimir o litígio que os opõe e aquele em que é concedida
tutela efectiva, a realidade não pára. São, por conseguinte, necessários
instrumentos que obstem a que o fluir da vida no decurso do processo faça
desaparecer ou diminuir significativamente o interesse na tutela jurisdicional. Foi
para prevenir ou garantir os direitos subjectivos privados (Calamandrei chamou-
lhe a «garantia da garantia judiciária») que se criou a figura dos procedimentos
cautelares e respectivas formas de tutela (artigos 381.º ss. CPC).
Enquanto a actividade do juiz tem em vista conceder alguma destas formas de
tutela, a pedido da parte, ao juiz penal está reservada a tarefa de aplicar um
particular tipo de regras substantivas, isto é, normas que prescrevem o infligir de
sanções penais57. Estamos a referir-nos a penas, detentivas ou pecuniárias, que
correspondem a determinados comportamentos taxativamente descritos em tipos
penais, contravencionais ou até de mera ordenação social.
A esta função principal do juiz penal acrescem outras acessórias, tais como a
aplicação de medidas de segurança ou o arbitramento de indemnização ao lesado,
para ressarcimento de eventuais danos causados pelo cometimento do ilícito criminal.
É ao ministério público que pertence a titularidade da acção penal, cujo exercício
contra determinado arguido, que se presume inocente até ao trânsito em julgado
de sentença condenatória, se deve pautar, em qualquer dos sistemas em estudo,
por um estrito critério de legalidade.

3.3 – Jurisdição administrativa

Em França, o contencioso administrativo está historicamente impregnado da


controvérsia acerca da teoria da separação dos poderes, dos princípios
organizativos dela decorrentes e das disputas entre as forças e os interesses que
reivindicaram o direito de modelar o novo Estado saído da Revolução de 89.
Julgar a administração será ainda administrar?

57 Alessandro Pizzorusso, L´Organizzazione..., op. cit.: 9 ss.

54
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Para os partidários da doutrina dos três poderes do Estado – legislativo, executivo


e jurisdicional – a resposta é peremptoriamente negativa. Julgar a administração é
seguramente isso mesmo, julgar e não administrar.
Mas, para aqueles que perfilham uma teoria dualista, a resposta aquela pergunta
é, ao invés, positiva.
Para esta teoria não é admissível qualquer outra função, para além da de elaborar
e executar as leis.
A actividade consistente em dirimir litígios, segundo critérios e procedimentos
legais, não constitui uma verdadeira terceira função, mas apenas uma parte ou
modalidade da função executiva.
Para os seguidores desta tese, as funções legislativa e executiva dariam corpo a
dois poderes. «Mas, como a lei pode ser executada na sequência de um litígio ou,
pelo contrário, na ausência de qualquer litígio, será necessário instituir, no interior
do poder executivo, duas autoridades, encarregada uma da execução contenciosa,
que será a autoridade judiciária ou jurisdicional, outra da execução não
contenciosa, que será a autoridade administrativa. A cada ramo da função
executiva deve corresponder uma autoridade, e as duas autoridades devem ser
independentes uma da outra, porque a independência da autoridade jurisdicional
é, para os justiciáveis, uma garantia de imparcialidade»58.
Se julgar a administração é ainda, para esta corrente, o exercício de uma função
executiva, seria intromissão abusiva conferir a um órgão de um ramo do executivo
o julgamento dos actos dos agentes do outro ramo.
Hoje, esta referência obrigatória a um princípio rector, funcionando como uma
espécie de atestado de qualidade de um sistema, tem uma dimensão limitada.
Jean Rivero lembra que às razões que justificaram, em França, a criação de uma jurisdição
administrativa, se substituíram novas razões, para justificar a sua manutenção,
que deslocam o fundamento da dualidade de jurisdição do terreno histórico-político
para o campo das considerações técnicas: «É (...) a existência de um direito administrativo
original que constitui hoje a única justificação sólida para a jurisdição administrativa.
A sua justificação primitiva, essencialmente política – a preocupação de defender a
independência do executivo contra a autoridade judiciária – foi substituída por
uma jurisdição técnica fundada na ideia de divisão do trabalho entre as duas
ordens de jurisdições, especializadas na aplicação de dois direitos diferentes».59
Sem embargo, a experiência francesa continua a constituir ponto de referência
obrigatório quando tratamos da justiça administrativa.

58 Michel Troper, La Séparation..., op. cit.: 46.


59 Jean Rivero, Droit Administratif, Dalloz, Paris, 1977: 138.

55
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

O Ancien Régime sempre opôs uma forte resistência a que os tribunais comuns (os
Parlamentos judiciários) se imiscuíssem nos assuntos administrativos.
O contencioso administrativo, então bastante imperfeito, estava a cargo do
Conselho do Rei e dos vários intendentes (da justiça, das finanças, etc.). O
Conselho do Rei foi suprimido em 1791, depois de a Lei de 16- 24 de Agosto de
1790 ter restringido o controlo jurisdicional dos actos da administração pública.
A lei de 90 inaugurou um período de cerca de 80 anos, até 1872, durante o qual a
doutrina e o legislador franceses oscilaram entre três soluções, em matéria de
justiça administrativa, a saber: «1 – a tese judiciária, a menos relevante,
fundamentada no princípio da unidade da função jurisdicional, defendendo a
eliminação dos tribunais administrativos e a sujeição da actividade administrativa
ao controlo dos tribunais comuns; os seus defensores foram, contudo, rareando na
medida directa em que o Conselho de Estado ganhava maior autonomia face ao
Governo e às autoridades administrativas; 2 – a tese administrativa, escorada na
convicção de que «julgar a Administração é ainda administrar», sustentando a
confusão entre os órgãos do contencioso e a Administração activa, posição
defendida sobretudo sob a Restauração (1815-1830); 3 – a tese, designada por
alguns como quase – judiciária, mas que na realidade é administrativa do ponto
de vista orgânico, e que procura ser judiciária do ponto de vista da função
exercida, preconizando a criação de verdadeiros tribunais especiais, em que os
juizes gozam de inamovibilidade e se concedem aos recorrentes as indispensáveis
garantias processuais, mas que funcionam integrados no complexo dos órgãos da
Administração»60.
Como é sabido, foi esta última tese que acabou definitivamente por triunfar com a
reforma do Conselho de Estado de 1872.
Nos outros países da Europa continental, na segunda metade do século XIX,
destacou – se também do tronco da jurisdição civil «a jurisdição administrativa».
De então para cá e do ponto de vista dos órgãos a quem tem sido confiado o
«contencioso administrativo» podemos autonomizar quatro sistemas-tipo: 1 – sistema
do legislador – juiz; 2 – sistema do administrador-juiz; 3 – sistema dos tribunais
administrativos; 4 – sistema dos tribunais judiciais. O sistema do legislador – juiz
consiste em atribuir a um órgão legislativo competência para apreciar questões
contenciosas, como instância de recurso (ou não) de actos de outro órgão.
Trata-se de um sistema próprio da Suiça, só compreensível à luz do sistema de
governo directorial.

60 Rui Chancerelle de Machete, «Contencioso Administrativo», Dicionário Jurídico da Administração


Pública, Vol. II., Atlântida, Coimbra, 1972: 689.

56
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Na confederação helvética, o contencioso administrativo federal compete ao


Conselho Federal (executivo colegial de sete membros), com recurso para a
Assembleia Federal (Conselho Nacional e Conselho dos Estados), sem prejuízo da
competência própria do Tribunal Federal.
O sistema do administrador – juiz, também chamado de Ministro – juiz ou de
jurisdição reservada, consiste em atribuir à Administração a faculdade de se julgar a
si mesma, isto é, um órgão da Administração activa recebe competência para
resolver as questões contenciosas, a requerimento ou não de outro órgão.
No primeiro caso, o procedimento gracioso prolonga – se numa fase de instrução
perante um órgão administrativo que se limita a emitir parecer sobre o qual
recairá decisão final da autoridade administrativa competente. «Historicamente o
sistema de administrador – juiz apresenta – se em geral como um estado inicial,
precedendo e preparando o aparecimento de uma jurisdição administrativa
autónoma»61.
O sistema dos tribunais administrativos consiste em confiar o contencioso da
Administração a órgãos administrativos exercendo uma função jurisdicional.
Há, porém, que distinguir subsistemas, consoante os tribunais administrativos
sejam distintos dos tribunais comuns e façam parte do poder executivo ou a
jurisdição administrativa pertença «a tribunais próprios constituindo uma
organização judiciária independente ou integrando o Poder Judicial, mas sem que
as suas sentenças fiquem sujeitas à revisão ou cassação de um tribunal superior da
ordem judiciária»62.
Este último subsistema é também designado por germânico.
O sistema dos tribunais administrativos, no seu primeiro subsistema, teve início,
em França, e foi, depois, seguido em numerosos países, como a Holanda, o
Luxemburgo, a Grécia, a Polónia, Portugal63, a Tunísia, etc.

61 André Laubadère, Traité de Droit Administratif, Vol. I., L.G.D.J., Paris, 1973: 321.
62 Rui Machete, «O contencioso...», op., cit.: 763:
63 Até à recente reforma do contencioso administrativo em Portugal ( ), teve enorme peso a autoridade

de Marcello Caetano que sempre considerou os Tribunais Administrativos integrados no Poder


Executivo.Todavia, já nos finais dos anos 40 do século passado, Carlos Moreira sustentava «ser
contraditório e confuso» que, «sem quebra do princípio que considera separadas e independentes a
administração e a jurisdição, não é possível que um órgão seja ao mesmo tempo, autoridade
administrativa e juiz». Os tribunais administrativos, para este constitucionalista de Coimbra, seriam
«órgãos judiciários, embora desintegrados da jurisdição ordinária, em obediência a uma melhor
especialização técnica e por se julgar vantajoso furtá-los ao ambiente dos tribunais comuns. São
verdadeiros tribunais especiais» («O Princípio da Legalidade na Administração», Boletim da Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XXV, 1949: 389, nota 1 ). Para uma crítica cerrada desta tese,
Marcello Caetano, «Anotação ao Acórdão de 22 de Fevereiro de 1952 do Supremo Tribunal
Administrativo (caso Brandão Queimada), O Direito, ano 84.º: 199 segs.

57
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

O sistema germânico vigora, como o próprio nome indica, nos países de língua
alemã, como a Alemanha e a Áustria, tendo sido recentemente seguido por
Portugal.
O sistema dos tribunais judiciais consiste em confiar a resolução dos litígios
administrativos aos tribunais comuns, com ou sem especialização dos juizes
competentes.
É o sistema da Common Law e, no universo da Civil Law, o adoptado por países tão
diferentes como o Brasil, a Argélia, Marrocos, etc.
Que razões militam a favor de cada um dos sistemas de contencioso
repertoriados?
O sistema do legislador – juiz, por estar intimamente ligado à experiência
constitucional suiça, e o sistema doa administrador – juiz, pelo seu carácter pouco
avançado e até retrógrado, não têm praticamente defensores. As opiniões dividem
– se hoje entre os méritos e os deméritos dos dois sistemas jurisdicionais em
presença.
O primeiro e mais frequente defeito apontado ao sistema judicialista reside na
incapacidade de os tribunais comuns julgarem bem as questões administrativas.
A crescente complexidade destas questões, e a familiaridade dos juizes ordinários
com o cível e o crime, tornaria estes magistrados menos aptos para resolverem os
casos que implicam a aplicação do direito administrativo.
Por outro lado, é clássica a censura feita aos juízes comuns de terem uma especial
propensão para sacrificarem o interesse público ao interesse privado.
Argumenta-se, por fim, que o juiz não pode «brandir o machado de guerra contra
quem o traz à cintura» (Jean Rivero). O que quer dizer que o cumprimento dos
julgados da jurisdição comum ficará na prática dependente da consciência e
vontade dos agentes administrativos.
Não menos clássicos são os argumentos aduzidos contra o sistema dos tribunais
administrativos.
A integração destes tribunais na Administração acabará sempre por os fazer
inclinar para o lado da parte mais forte, com perda de imparcialidade dos
respectivos juizes; mesmo como ordem autónoma há sempre uma tendência
natural para nesses tribunais se dar uma especial e desequilibrada relevância ao
interesse público; a dualidade de jurisdições cria frequentes e dispensáveis
conflitos entre elas com prejuízo para a celeridade e eficiência da administração da
justiça; uma ordem de tribunais administrativos é uma fonte permanente de
pressão financeira sobre o orçamento do estado, pelo que implica de despesas com

58
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

as infraestruturas e funcionamento desses tribunais (v.g. despesas com a


manutenção e limpeza das instalações e equipamentos privativos, despesas com o
pessoal, etc.).
Em tese, e sem prejuízo das condicionantes de ordem histórica, económica, social,
jurídica, política e até cultural, que podem influenciar a adopção de um qualquer
modelo de contencioso, parece-nos preferível, sobretudo em países sem grandes
níveis de desenvolvimento, o modelo judicialista ou de unidade de jurisdição.
Por cinco razões principais: 1.º – Permite evitar delicados conflitos de jurisdição
que são de natureza a engendrar atrasos consideráveis na administração da
justiça; 2.º – Permite aproximar a justiça dos cidadãos através da simplificação
e/ou uniformização de regras procedimentais; 3.º – Permite agilizar a estrutura
burocrática do aparelho jurisdicional do Estado, 4.º – Permite economizar em
termos financeiros, evitando um acréscimo de gastos com instalações e pessoal,
disponibilizando verbas para outras funções prioritárias; 5.º – Permite obter
ganhos de legitimidade, para o poder judicial64.
Para assegurar níveis superiores de competência técnica, a uniformidade
jurisprudencial e o prestígio dos tribunais perante a própria administração
pública, é recomendável, sem desconsideração do modelo, consagrar a
especialização dos tribunais comuns em matéria de direito administrativo. As
Constituições dos PALOP não vedam nem impõem a existência de tribunais
administrativos (artigos 125.º, n.º3 da LCRA, 213.º, n.2, alínea b) da CRCV, 121.º,
n.º 2, alínea b) da CRGB, 167.º, n.º 1, alínea b) ).
No entanto, só em Moçambique, salvo erro, existe um Tribunal Administrativo (
cfr. Lei n.º 5/92, de 6 Maio) com jurisdição em todo o território nacional, não só em
matéria administrativa, mas ainda com funções no domínio da apreciação da
legalidade das despesas públicas e do contencioso fiscal e aduaneiro.
Em Angola, o Tribunal Administrativo foi integrado no Tribunal Supremo (Lei n.º
18/88 de 31 de Dezembro e Decreto n.º 27/ 90, de 3 de Novembro), o qual
compreende, além de outras, uma Câmara do Cível e Administrativo. Esta
especialização existe também ao nível dos Tribunais Provinciais, como o de
Luanda, que é constituído por salas especializadas, de entre elas, a sala do cível e
administrativo.
Modelo judicialista similar encontra – se também em vigor em Cabo Verde e São
Tomé e Príncipe.
Em Cabo Verde, o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para julgar e
decidir os recursos dos actos definitivos e executórios praticados pela

64 Tabrizi Bensalah, La République Algérienne, LGDJ, Paris, 1979:245.

59
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Administração Pública (artigo 13.º LOJCV), e os tribunais de 1.ª classe da Praia e


do Mindelo quanto a idênticos actos da Administração Local, vigorando um
regime similar em São Tomé (artigo 15.º da Lei n.º 8/ 91, de 9 de Dezembro).

3.4 – Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária

Uma importante distinção operada no interior da jurisdição civil é a que contrapõe


a jurisdição contenciosa ou litigiosa à jurisdição voluntária ou graciosa.
O Código de Processo Civil de 39 faz uma arrumação complexa e tendencialmente
exaustiva dos processos de jurisdição voluntária (artigos 1409.º e segs.).
No Capítulo XVIII, do Título IV, do Livro III, do Código, sob a epígrafe «Dos
processos de jurisdição voluntária» são tratadas as seguintes matérias:
providências relativas aos filhos e aos cônjuges (artigos 1412.º a 1418.º); separação
ou divórcio por mútuo consentimento (artigo 1419 a 1424.º); processos de
suprimento (artigos 1425.º a 1430.º), alienação ou oneração de bens dotais e de
bens sujeitos a fideicomisso (artigos 1431.ºa 1438.º), autorização ou confirmação de
actos (artigos 1439.º a 1441.º), conselho de família (artigos 1442.º a 1445.º),
verificação da gravidez (artigos 1446.º a 1449.º), providências conservatórias e
curadoria provisória dos bens do ausente (artigos 1450.º a 1455.º), fixação judicial
de prazo (artigos 1456.º e 1457.º), notificação para preferência (artigos 1458.º a
1466.º), herança jacente (artigos 1467.º a 1469.º), exercício da testamentaria (artigos
1470.º a 1473.º), tutela da personalidade, do nome e da correspondência
confidencial (artigos 1474.º e 1475.º), apresentação de coisas ou documentos
(artigos 1476.º e 1477.º), modificação da sentença ou acordo que fixe a
indemnização sob a forma de renda (artigo 1478.º), exercício de direitos sociais
(1479.º a 1501), providências relativas a navios ou sua carga (artigos 1502.º a
1507.º).
José Alberto dos Reis, numa declaração confessória, aludiu às dúvidas que
assaltaram o seu espírito quando elaborou o Código e teve de optar pela inclusão
de um ou outro processo no capítulo referente à jurisdição voluntária, o qual, na
sua óptica continha um elenco fechado. E concluiu: «A arrumação é defeituosa
porventura; mas tem a vantagem de oferecer à jurisprudência segurança e certeza».
Explicou, por fim, o critério que o norteou: «a jurisdição voluntária implica o
exercício duma actividade essencialmente administrativa, a jurisdição contenciosa
implica o exercício duma actividade verdadeiramente jurisdicional»65.
Decorrido quase meio século, a doutrina não logrou ainda fixar uma linha nítida
de demarcação entre a jurisdição contenciosa e a voluntária.

65 José Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II., Coimbra Editora, Coimbra, 1956: 398.

60
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

O critério tradicional assenta na existência ou não de controvérsia entre os


interessados. A jurisdição contenciosa desenvolver-se-ia inter nolentes, ao passo
que a graciosa desenrolar-se-ia inter volentes.
Não parece, todavia, que, à luz do código, este critério possa valer, «porque neste
são integrados na jurisdição voluntária quer processos em que não há oposição
entre as partes – como o processo de separação por mútuo consentimento (artigos
1419.º a 1424.º) –, quer processos em que há um conflito entre as partes – como o
processo de alimentos a filhos maiores ou emancipados (art.º 1412.º) ou de
destituição de administrador (artigo 1484:º)66.
A jurisdição civil nasce da exigência de superar a crise da experiência jurídica que
deriva da controvérsia que opõe as partes quanto aos seus direitos e obrigações.
Esta controvérsia torna necessário o antídoto do acertamento dos direitos em
contraditório, gerando a chamada jurisdição contenciosa.
Mas, a intervenção do juiz e da jurisdição não deriva apenas deste estado de
incerteza, que reclama a declaração do direito.
Pode acontecer que obstáculos, da mais diversa natureza, impeçam que as pessoas
jurídicas, singulares ou colectivas, verdadeiras protagonistas do ordenamento
jurídico, exprimam a sua capacidade ou autonomia, ou que esta deva ser assistida
ou sujeita a controlo, para se evitarem prejuízos a terceiros ou à própria
comunidade jurídica.
Estamos aqui no âmbito da jurisdição voluntária, cujo critério de distinção da
jurisdição contenciosa residirá nos «critérios de decisão do tribunal em cada um
deles»67.
Como refere Teixeira de Sousa «nos processos de jurisdição voluntária, as decisões
podem ser tomadas segundo critérios de conveniência e de oportunidade (artigo
1410.º), o que significa que nesses processos as decisões podem ser fundamentadas
num critério não normativo: esse critério assenta na discricionariedade judiciária,
porque é ele que pressupõe o uso daqueles juízos de conveniência e de
oportunidade»68. Tal não acontece nos processos de jurisdição contenciosa.
Em consequência deste critério distintivo, nos processos de jurisdição graciosa
predomina o princípio inquisitório sobre o dispositivo, quanto ao objecto do
processo (artigos 1409.º, n.º2), não é admissível recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça (artigo 1411.º, n.º 2), e as decisões podem ser alteradas com fundamento
em circunstâncias supervenientes (artigo 1411.º, n.º 1).

66 Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 2000: 39.
67 Ibidem:38.
68 Ibidem, idem.

61
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Alguns autores têm sustentado que a jurisdição voluntária não é nem voluntária
nem jurisdição, sendo frequente invocar-se a ideia de Zanobini de englobar no
género administração pública do direito privado a actividade do juiz quando emite
resoluções no âmbito daquela jurisdição.
Parece-nos, em primeiro lugar, «que quando a lei subordina a autorizações e
controlos os actos jurídicos de direito privado confiando-os avisadamente ao juiz
para que avalie completamente o interesse subjacente ainda que privado, não actua
uma forma de administração pública mas protege e potencia, ao invés, o direito
privado, tornando possível a sua actuação prática em conformidade com os seus
fins»69.
Em segundo lugar, a jurisdição voluntária é jurisdição e não administração.
Também nela «o juiz se manifesta como expressão de todo o ordenamento
objectivamente considerado em posição de absoluta imparcialidade, e não como
um órgão que persegue um fim particular e específico para o qual é dotado de um
igualmente específico poder»70.
Por outro lado, o regime de impugnação e de tutela jurisdicional típico dos actos
administrativos falta, em absoluto, na jurisdição voluntária. Esta jurisdição
desenvolve – se integralmente no âmbito da jurisdição comum71.
As hipóteses que legalmente se reconduzem à noção de jurisdição voluntária
apresentam características de acentuada heterogeneidade, tanto sob o ponto de
vista processual como substantivo, o que torna problemática qualquer teoria geral
de jurisdição graciosa.
Castro Mendes distingue três tipos de situações que terão justificado a criação de
um processo de jurisdição voluntária para as resolver72.
Em primeiro lugar, «os casos em que o objecto do processo é um interesse, ou
grupo de interesses independentes (recaindo sobre bens autónomos) de outra
pessoa (uma só)».
A submissão deste interesse ou interesses a tribunal pode resultar de razões
subjectivas – ausência (artigo 1450.º e segs.), incapacidade (artigo 1438.º e segs.,
inexistência ou indeterminação (artigo 1467.º e segs.; 1470.º e segs.) do titular de
interesses – ou de razões objectivas – alienação ou oneração de bens dotais (artigo
1431.º e segs.); verificação da gravidez (artigo 1446.º e segs.).

69 Girolamo Monteleone, Diritto Processuale Civile, 3.ª ed., Cedam, Padova, 2002: 1230, nota 1.
70 Ibidem: 1230.
71 Defendendo a natureza administrativa da jurisdição voluntária, José Lebre de Freitas , Introdução ao

Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, Coimbra Editora, Coimbra, 1996:51.


72 João Castro Mendes, Direito Processual Civil, , I Vol., AAFDUL, Lisboa, 1990: 76 e segs.

62
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Em segundo lugar, os «casos em que o objecto do processo de jurisdição


voluntária é composto de interesses de duas pessoas – mas interesses solidários e
não em conflito» (v. g. separação por mútuo consentimento – artigo 1419.º segs. – e
notificação para preferência – artigo 1458.º segs.).
Por fim, os casos de desarmonia de interesses, «em que se entrecruzam interesses
contrapostos, mas não no mesmo plano – um deles tem necessariamente posição
de primazia» (v. g. providências relativas a filhos – artigo 1412.º – em que os
interesses dos pais são tomados em conta num segundo plano; certos processos
relativos ao exercício de direitos sociais – artigo 1488.º segs. e artigo 1500.º e segs. –
em que o interesse da sociedade prevalece sobre o do administrador ou o dos
sócios.
Mas esta construção também não está isenta de críticas73.

3.5 – Jurisdição arbitral necessária e voluntária

Código de Processo Civil dedica todo um livro – o Livro IV – ao tribunal arbitral.


Este livro compreende dois títulos: o Título I sobre o tribunal arbitral voluntário e
o Título II sobre o tribunal arbitral necessário.
Apenas em Angola (Lei n.º 16/03, de 25 de Julho, que revogou todo o Título I do
livro IV do CPC).e Moçambique existe legislação própria sobre a arbitragem
voluntária, interna e internacional.
Dado que o presente estudo abrange transversalmente os ordenamentos jurídico
dos cinco países, fazemos recair o desenvolvimento deste ponto sobre o regime
que deriva do código.
A arbitragem voluntária é um instrumento jurídico – processual através do qual os
titulares de direitos subjectivos disponíveis podem chegar à resolução das
controvérsias nascidas a propósito desses direitos, sem terem de recorrer aos
tribunais judiciais.
Os tribunais arbitrais não são, claro está, órgãos de soberania. É, no entanto usual,
sustentar – se que a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na
sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado.
Divergimos deste entendimento. Não se pode conferir, em substância, o valor de
sentença a uma decisão – o laudo dos peritos – que não constitui expressão da
jurisdição, entendida esta como poder inerente à soberania do Estado, antes retira
vida e consistência da manifestação de uma vontade negocial74.

73 Artur Anselmo de Castro, Direito Processual..., op. cit.:150/151.


74 Girolamo Monteleone, Diritto Processuale Civile; 3.ªed., Cedam, Padova, 2002: 820.

63
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Os árbitros não são magistrado da ordem judiciária, mas meros cidadãos


privados, ou que actuam nessa qualidade, escolhidos pelas partes.
É no mínimo problemático que passem, por esta simples escolha, a estar
investidos de uma autoridade soberana.
No âmbito da arbitragem voluntária cumpre distinguir o compromisso arbitral da
cláusula compromissória.
O primeiro é um negócio jurídico que exprime a vontade comum das partes de
subtrair ao tribunal a resolução de um litígio actual e de confiá-lo ao julgamento
de um ou mais árbitros (artigo 1508.º CPC).
Várias são as condições a que está subordinada a validade formal ou substancial
do compromisso: 1.º – Quanto aos sujeitos – os compromitentes hão-de ser pessoas
hábeis para contratar; os representantes das pessoas colectivas, sociedades,
incapazes ou ausentes só podem celebrar compromissos nos precisos limites das
suas atribuições ou precedendo autorização especial de quem deva concedê-la; o
mandatário carece de procuração com poderes especiais (artigo 1509.º CPC); 2.º –
Quanto ao objecto – o compromisso só pode recair sobre relações jurídicas que
estejam no domínio da vontade das partes (artigo 1510.º CPC); 3.º – Quanto à
forma – o compromisso deve revestir a forma escrita e tem de individualizar com
precisão o litígio a decidir (artigo 1511:º CPC). Com o compromisso arbitral
extingue-se a instância (artigos 287.º, alínea h) e 290.º CPC).

A cláusula compromissória não pressupõe uma controvérsia actual, antes consiste


numa convenção inserida num contrato para a eventualidade de poderem suscitar
– se questões entre as partes.

Neste caso a lei exige que os contraentes especifiquem o acto jurídico de que essas
questões possam emergir (artigo 1513.º, n.º 1 CPC).
Vinculando-se as partes a constituir um tribunal arbitral, se, em caso de violação
da convenção de arbitragem, qualquer delas instaurar directamente uma acção em
juízo, a outra parte pode paralisar esta acção, invocando a excepção dilatória de
preterição do tribunal arbitral, a qual não é de conhecimento oficioso (artigos
494.º, n.º1, alínea h) e 495:º CPC).

Se alguma das partes se mostrar remissa a celebrar o compromisso, pode a outra


requerer ao tribunal que designe dia para a nomeação de árbitros (artigo 1513.º,
n.º2).
No acto de nomeação de peritos, devem as partes fixar com precisão o objecto do
litígio. Se não chegarem a acordo sobre essa matéria, resolve o juiz, decisão
susceptível de recurso (artigo 1513.º, n.º 5 CPC).

64
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Os árbitros escolhidos por acordo das partes não podem ser recusados, ainda que
seja por motivos supervenientes, a menos que se verifiquem as circunstâncias a
que aludem as alíneas a), b) e h) do n.º 1 do artigo 122 do CPC. Se não tiverem sido
nomeados por acordo das partes é aplicável aos árbitros o regime de
impedimentos e escusas estabelecido para os juízes (artigo 1514.º, n.2 CPC).
A competência do tribunal arbitral voluntário está temporalmente limitada.
Dispõe, com efeito, o artigo 1512.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que o compromisso
fica sem efeito se os árbitros não proferirem a decisão dentro do prazo fixado no
compromisso ou em escrito posterior ou, quando não tiver sido fixado, dentro do
prazo de seis meses, salvo se as partes acordarem na prorrogação.
A decisão dos árbitros tem a mesma força que uma sentença proferida por um
tribunal equivalente ao da comarca (artigo 1522:º CPC), sendo, como esta,
susceptível de recurso, salvo se as partes tiverem a este renunciado. Entende-se
que houve renúncia ao recurso se as partes houverem concedido aos árbitros a
faculdade de julgarem segundo a equidade (artigos 1523.º e 1524:º CPC).
Proferida a decisão arbitral o processo é logo entregue na secretaria do tribunal
competente, que procederá às notificações e assegurará a subsequente tramitação
dos autos ( artigo 1521.º, n.º 3 CPC ).
Como os tribunais arbitrais não dispõem de jus imperii, não têm competência
executiva, carecendo também, como é opinião dominante, de competência em
sede de tutela cautelar.
A arbitragem necessária, por não assentar na autonomia negocial, suscita
problemas delicados de compatibilização com a reserva de jurisdição,
particularmente evidenciados quando não é claro o seu carácter e não se respeita
convenientemente o contraditório75.

3.6 – Justiça de proximidade – formas de justiça comunitária

Conquistada a independência, os movimentos que conduziram a luta de libertação


nacional e assumiram a direcção dos respectivos Estados, nos PALOP,
incrementaram um programa político de orientação nacional – popular que se
traduziu, na área da justiça, entre outras inúmeras medidas, na criação de
tribunais populares.
Em Cabo Verde, por exemplo, foram instituídos Tribunais de Zona, ao nível da
freguesia e do povoado, compostos por assessores de extracção exclusivamente

75 José Lebre de Freitas, «A citação dos interessados como garantia de defesa no processo de
expropriação», Estudos sobre Direito Civil e Processo Ccivil, Coimbra Editora, Coimbra, 2002: 58.

65
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

popular, com competência para a resolução de pequenas causas, quer no cível


quer no crime.
Na Guiné – Bissau, país que, como é sabido, esteve ligado a Cabo Verde, sob a
direcção do mesmo partido – o PAIGC – foram criados Tribunais Populares
de Base.
Em Angola foi instituído, em 1978, com jurisdição provincial, depois alargada a
todo o território nacional, um Tribunal Popular Revolucionário. Este era um
tribunal essencialmente político, com características diferentes dos tribunais
populares caboverdianos e guineenses, com competência para o julgamento
crimes graves (contra a segurança do Estado, mercenários, crimes de guerra,
sabotagem económica, etc.)76.
Em Moçambique foram postos a funcionar tribunais de localidade e debairro.
A evolução política registada em todos esses países, que passaram deregimes de
partido único para sistemas pluripartidários, tendo adoptado um estatuto jurídico
moldado nos princípios do Estado de Direito, fez com que, na maior parte dos
casos, os tribunais populares fossem abolidos, pelas próprias forças políticas que
tinham estado na sua origem.
Em Cabo Verde, os tribunais de zona foram extintos ainda durante a 1:º República,
pelo governo do PAICV; na Guiné-Bissau, pelo Governo do PAIGC; em Angola o
Tribunal Popular foi extinto em 1988.
As funções anteriormente cometidas aos órgãos extintos foram atribuídas a órgãos
jurisdicionais criados com as reformas operadas no domínio da reorganização
judiciária desses países.
Na Guiné-Bissau, por exemplo, o vazio deixado com a abolição dos Tribunais
Populares de Base foi preenchido com a criação dos Tribunais de Sector, pelo
decreto-lei n.º 6/93 de 13 de Outubro.
Os Tribunais de Sector são órgão públicos, que funcionam junto das tabancas ou
dos organismos policiais, para, de forma simplificada, resolverem os pequenos
diferendos próprios da vivência comunitária.
O tribunal de sector funciona com um presidente, nomeado pelo Conselho
Superior da Magistratura Judicial, preferentemente de entre licenciados em
Direito, com mais de 25 anos, e dois assessores, seleccionados em cada audiência,
de entre cidadãos maiores de 30 anos e residentes na área territorial de jurisdição
do tribunal (artigos 3.º, 4.º e 6.º).

76 Armando Marques Guedes, Pluralismo e Legitimação..., op. cit.:177ss.

66
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Embora se dê preferência às soluções baseadas no consenso e na equidade e aos


usos e costumes que não contrariem lei expressa, os tribunais de sector estão
sujeitos aos princípios da legalidade do processo e da decisão (artigos 2.º, 8.º,
23.º a 60.º).
Estamos aqui perante órgãos integrados na organização judiciária do país
exercendo uma justiça de proximidade.
A experiência moçambicana oferece-nos uma outra realidade.
A Lei n.º 4/92, de 6 de Maio, dando execução ao previsto nos artigos 63.º e 64:º da
Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, criou os Tribunais Comunitários.
Pretendeu-se instituir um órgão que permita aos cidadãos resolver pequenos
diferendos no seio da comunidade onde vivam e contribuir para a harmonização
das diversas práticas de justiça e para o enriquecimento das regras, usos e
costumes, tudo em ordem «à síntese criadora do direito moçambicano».
Os tribunais comunitários funcionam nas sedes de posto administrativo ou de
localidade, nos bairros ou nas aldeias (artigo 1.º, n.º 2).

Estes tribunais são compostos por oito cidadãos nacionais, de idade não inferior a
25 anos – 5 efectivos e três suplentes, que elegem de entre si o presidente – eleitos,
por um período de três anos, renovável, pelos órgãos representativos locais
(artigos 7.º, 9.º e 10.º).

Cabe aos tribunais judiciais de distrito proceder ao controlo do processo eleitoral


dos membros dos tribunais comunitários (artigo 14.º).

À justiça comunitária moçambicana compete a resolução de pequenos conflitos de


natureza civil e questões emergentes de relações familiares que resultem de uniões
constituídas segundo os usos e costumes, e, na área criminal, conhecer delitos de
pequena gravidade que não sejam puníveis com penas privativas de liberdade e a
que se ajustem medidas tais como: crítica pública; prestação de serviço à
comunidade por período não superior a trinta dias; multa cujo valor não exceda
10.000,00 MT; privação por período não superior a trinta dias do exercício do
direito cujo uso imoderado originou o delito; indemnização de prejuízos causados
pela infracção, podendo esta medida ser aplicada autonomamente ou
acompanhada de qualquer das outras (artigo 3.º).
As decisões dos tribunais comunitários, que não podem deliberar sem que estejam
presentes pelo menos dois membros, para além do presidente, não assentam em
critérios normativos (artigo 8.º). Põe – se a tónica na reconciliação entre as partes e
caso esta não seja possível, no julgamento segundo «a equidade, o bom senso e
com justiça» (artigo 2.º, n.1).

67
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Havendo discordância em relação às medidas adoptadas pelo tribunal


comunitário, as partes podem, em matéria cível e de família, «introduzir a questão
no tribunal judicial competente», sendo que, em matéria crime, « o tribunal
comunitário elaborará auto e remetê-lo-á ao competente tribunal judicial de
Distrito» (artigo 4.º).
Funcionando embora em ligação com a justiça estadual, o papel dos tribunais
comunitários no sistema de justiça moçambicano não se esgota nas tarefas
comummente atribuídas a órgãos de conciliação e de julgamento de pequenas
causas.
Emanação da comunidade, pretende-se que a administração da justiça não seja
apenas o exercício de uma função soberana «em nome do povo», mas uma
actividade exercida por esse mesmo povo, fonte exclusiva do poder democrático.

3.7 – A reserva de lei em matéria de organização judiciária


A reserva de lei em matéria de organização judiciária constitui uma garantia da
independência da magistratura e dos juízes individualmente considerados.
Remete-se o estudo deste ponto para o módulo que tratar ex professo da
independência dos tribunais. Sempre se dirá, no entanto, que na LCRA (artigo
89.º, alínea j)), na CRCV (artigo 175.º, alínea d)) e na CRGB (artigo 86.º alínea f)) a
reserva de lei, nesta matéria, é absoluta, sendo relativa na CRDSTP (artigo 87.º,
alínea d) e 89.º) e não estando constitucionalmente consagrada em Moçambique.

4 – O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA E O PROCESSO EQUITATIVO

Todos os textos constitucionais dos PALOP reconhecem o direito de acesso aos


tribunais.
A LCRA no artigo 43º: «os cidadãos têm o direito de impugnar e de recorrer aos
tribunais, contra todos os actos que violem os seus direitos estabelecidos na
presente Lei Constitucional e demais legislação em vigor»; a CRCV no artigo 21.º,
n.º1: «a todos é garantido o direito de acesso à justiça e de obter, em prazo
razoável e mediante processo equitativo, a tutela dos direitos ou interesses
legalmente protegidos»; a CRGB no artigo 32.º: «Todo o cidadão tem o direito de
recorrer aos órgãos jurisdicionais contra os actos que violem os seus direitos
reconhecidos pela Constituição e pela Lei (...)»; a CRM no artigo 82.º: «o cidadão
tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus direitos
reconhecidos pela Constituição e pela lei»; a CRDSTP no artigo 19: «todo o
cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus
direitos reconhecidos pela constituição e pela lei (...)».

68
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Direito de acesso aos tribunais significa basicamente direito à protecção jurídica


através dos tribunais, o que tanto pode ser visto como uma garantia subjectiva da
qual deriva o reconhecimento ao indivíduo do direito à tutela jurisdicional, como
garantia objectiva ou de sistema, a qual incide sobre a estrutura dos órgãos
judiciários ou sobre aspectos funcionais da administração da justiça.
Tutela jurisdicional que tem de ser efectiva, em ambas as vertentes. Garante-se,
nomeadamente, a eficácia da protecção jurisdicional através da determinação
legal, simples, clara e aberta da via judicial.
Equipara-se a uma via judicial fechada a que se percorre por «caminhos confusos»
ou a que se traduz, na prática, «num jogo formal sistematicamente reconduzível à
existência de formalidades e pressupostos processuais cuja «desatenção» pelos
particulares implica a «perda automática das causas»»77.
A «dependência» dos direitos de protecção dos particulares em relação a
prestações do Estado justifica a afirmação de que «o conteúdo essencial do direito de
acesso aos tribunais é a garantia da via judiciária»78.
A garantia da via judiciária implica um direito ao processo. Mas não a qualquer
processo. Só se respeita a garantia constitucional se estiverem assegurados
instrumentos processuais equitativos. Não basta que todos se possam defender em
juízo; é ainda necessário que o processo se desenrole com todas as garantias
processuais sem as quais o processo não é justo.
A garantia da via judiciária e o direito ao processo são assim complementadas com
uma nova dimensão, justamente a do processo ser «justo» ou «equitativo».
A ideia de um processo «justo» ou «equitativo» está ligada a determinada matriz
histórico-cultural e precede a própria formalização do direito de acesso aos tribunais.
Como sublinha, entre outros, Guilherme da Fonseca, «o direito de acesso aos
tribunais não vinha expressamente enunciado nas cartas da franquia dos séculos
XIII e XVII, nem nas constituições Americanas, nem na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão»79.
A justiça era uma prerrogativa do monarca e não um direito de um estamento ou
dos súbditos do rei.
Na Inglaterra, primeiro com a Magna Charta Libertatum, de 1215 e, depois, com o
Habeas Corpus Act, de 1679 e o Bill of Rights, de 1689, consignaram-se determinadas

77 J. J. Canotilho, Direito Constitucional, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 1999:465.


78 Ibidem: 464.
79 Guilherme da Fonseca, «A Defesa dos Tribunais (Princípio Geral da Tutela jurisdicional dos Direitos

Fundamentais)», Boletim do Ministério da Justiça, 344: 21.

69
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

garantias favorecendo os direitos da aristocracia feudal perante o seu suserano. De


entre elas, a de «um julgamento regular pelos seus pares e de harmonia com a lei do
país» (no texto latino da Magna Carta, «... nisi per legale judicium parium suorum, vel
per legem terrae...»), fórmula esta depressa interpretada como equivalendo a um
«processo devido em direito».
É ao «due process of law» que se referem as Emendas V e XIV da Constituição dos
Estados Unidos da América de 1787 (V Emenda: «no person shall [...] be deprived
of life, liberty or property, without due process of law...»; XIV Emenda, Sec. 1,
introduzida em 1868 depois da guerra da secessão: «... nor shall any State deprive
any person of life , liberty, or property, without due process of law; or deny to any
person within its jurisdiction the equal protection of the laws»), expressão utilizada
com o significado de «obrigatoriedade da observância de um tipo de processo
legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da
propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a
aplicação da penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade»80.
O processo passa a ser visto, de acordo com a tradição angloamericana, como um
fenómeno comprometido com valores, onde não estão apenas em causa ritos
procedimentais, mais ou menos neutros, mas também e sobretudo ideias -base
como as que estão ínsitas nas fórmulas «lawful judgment», «law of the land» e
«fair trial» e que se traduzem, entre outras manifestações, no respeito por um
debate oral, concentrado e público, a desenrolar –se perante um órgão judiciário
composto por juizes tendencialmente não profissionais, verdadeiros pares (peers)
dos sujeitos coenvolvidos na causa e na exigência de que o sistema de justiça se
paute por determinados padrões éticos, funcionando de forma transparente e
controlável do exterior (modelo de processo contradictory, accusatorial ou adversarial).
A experiência dos países de Civil Law é bem diferente. É próprio destes a
prioridade dada ao «direito reconhecido» em relação ao «direito tutelado» «ao que
é inerente (por força do princípio ubi jus ibi remedium) a função prevalecentemente
«declarativa» do juiz, ao passo que a adopção do principio oposto (ubi remedium ibi
jus) é própria daqueles sistemas, nos quais a função judiciária é prevalecentemente
«criativa», o «direito vivo» é um case law e a «supremacia» do processo sobre as
normas de natureza substantiva é um coerente corolário»81.
Também por isto as constituições europeias de oitocentos e das primeiras décadas
do século passado não sentiram a necessidade de incluir no catálogo dos direitos
fundamentais qualquer garantia específica de direito processual.

80 J. J. Canotilho, Direito Constitucional, op. cit.: 461.


81 Luigi Paolo Comoglio, «Valori etici e ideologie del «giusto processo (modeli a confronto)», Rivista di
Diritto Processuale, 2001: 893.

70
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Tal só começou a acontecer após o final da segunda guerra mundial, numa


evolução que está intimamente relacionada com os instrumentos supranacionais e
internacionais de garantia dos direitos do homem e que tem origem na reacção
dos vencedores do conflito contra os valores de ordem tirânica dos regimes nazi e
fascista.
A noção de «processo justo» reporta – se: a) – à formulação do artigo 10.º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948: «Toda a pessoa tem direito,
em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por
um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações
ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja
deduzida»; b) – ao artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, de 1950: «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada,
equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e
imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos
seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser
público (...); c) – ao artigo 14.º, n.º 1, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, de 1966, com igual formulação em relação à Convenção de 1950;
d) ao artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
proclamada em 7 de Dezembro de 2000, também com conteúdo idêntico ao da
Convenção Europeia.
A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos não ficou alheia a este
movimento. O artigo 7.º, n.º 1 dispõe: «Toda a pessoa tem direito a que sua causa
seja apreciada. Esse direito compreende:

c) o direito de defesa, incluindo o de ser assistido por um defensor de sua livre


escolha;
d) o direito de ser julgado em um prazo razoável por um tribunal imparcial».

Muitas das constituições modernas demoraram anos a constitucionalizar


determinadas garantias atinentes à função jurisdicional e ao processo.
Em Portugal, por exemplo, só com a revisão constitucional de 1997 se aditou um
n.º 4.º ao artigo 20.º, com a seguinte redacção: «Todos têm direito a que uma causa
em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante
processo equitativo».
Em Itália, a Lei Constitucional 23.11.99, n.º 2, deu nova formulação ao artigo 111.º
da Constituição Republicana de 1948, o qual passou a dispor: § 1 – «la
giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge»; § 2 – «ogni

71
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

processo si svolge nel contradditorio tra le parti, in condizioni di paritá, davanti a


giudice terzo e imparziale»; «la legge ne assicura la ragionevole durata».

De todos os PALOP, apenas a República de Cabo Verde constitucionalizou a


garantia de um «processo equitativo».

Pode legitimamente questionar-se o alcance destas alterações. Para uns, mais não
serão do que manifestações de «folclore constitucional», sem qualquer relevância
prática. Falar – se agora em processo justo ou equitativo, não poderá querer
significar que, dantes, o processo era injusto ou não equitativo. Ora, se não o era,
como é suposto, as alterações são óbvias, tautológicas e inúteis. Poder-se-á,
alguma vez, entender, que, por exemplo, em Cabo Verde, antes da Constituição de
99, o processo era injusto, para passar a ser «justo», a partir da entrada em vigor
da lei fundamental? Ou que, nos restantes países, que não consagraram a fórmula,
o processo é basica e irremediavelmente injusto? Que normas processuais eram
constitucionais antes da entrada em vigor da Constituição e deixaram de o ser a
partir dessa data? Será correcto adjectivar o processo, mero instrumento do direito
material, ou, pelo contrário, adjectivar, isso sim, como justos ou injustos, os
«produtos» gerados por esse meio? Nada de novo, portanto, sobre o «processo
equitativo»82.

Pode, porém, contrapor-se que o fenómeno não se reduz a uma mera


«constitucionalização» em sentido formal, «que se trata de uma atitude
axiológica que – no âmbito específico das garantias constitucionais relativas à
justiça – visa consagrar duradouramente determinados fundamentos éticos do
processo, conferindo – lhes uma plena legitimação e relevância jurídica ao
prescrever as «escolhas de civilidade democrática» que estão destinadas a
condicionar, no tempo, o máximo grau de aceitabilidade moral das formas de
tutela judiciária e das estruturas publicísticas, através das quais a justiça é
administrada».83

Tratou-se, na verdade, de evidenciar o problema organizatório do processo, o qual


não se esgota numa mera questão de cerimonial ou de rito, antes exige o respeito
por determinados princípios de civilidade jurídica. Como afirma Trocker ««justo»
não é qualquer processo que se limite a ser « regular» sob o plano formal. Justo é o
processo que se desenvolve no respeito dos princípios fixados pelas normas
constitucionais e pelos valores partilhados pela colectividade»84.

82 É este o entendimento em Itália, de Sergio Chiarloni, perante a lei constitucional de 99, « Il Nuovo
Art. 111 Cost. e il Processo Civile », Rivista di Diritto Processuale, 2000: 1010 segs..
83 Luigi Comoglio, art. cit.: 898.

84 Nicolò Trocker, « Il nuovo articolo 111 della costituzione e il « giusto processo » in materia civile:

profili generali.», Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 2001: 386.

72
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Note-se, porém, que um processo não é justo em absoluto. Um determinado


modelo de processo equitativo é sempre aquele que é ou parece ser o «mais justo»
num determinado momento histórico e no quadro de uma dada cultura85.
Ora que dimensões jurídico-constitucionais se podem identificar no âmbito do
«processo equitativo»?
Os legisladores constituintes têm assumido nesta matéria uma atitude cautelosa,
evitando consagrar fórmulas demasiado incisivas ou analíticas. Fica assim aberto à
discricionariedade do legislador ordinário um amplo espaço de conformação, sem
prejuízo do papel importantíssimo dos tribunais e, em particular, dos tribunais
constitucionais na tarefa de densificação das garantias judiciárias.
Respeitados os princípios base que devem informar qualquer processo, o
legislador é livre de modelar a disciplina do procedimento segundo cânones
insindicáveis de oportunidade e conveniência. As fases do processo, a sua
cadência, a sua rigidez, os poderes e deveres do juiz no desenvolvimento da acção
e, consequentemente, o maior ou menor relevo conferido à actividade das partes,
por exemplo, cabem neste espaço de livre modelação.
De entre aqueles princípios base, constituindo as condições mínimas e insupríveis de
um processo justo, destacam – se o direito de acção e de defesa e as garantias do contraditório
entre as partes, em plano de igualdade, perante um terceiro judicante imparcial.
Os ordenamentos dos PALOP, sem terem passado por qualquer processo de
«refundação dos princípios constitucionais», consagram o direito de defesa (artigo
36.º, n.º1, da LCRA; artigo 34.º, n.º 5.º, da CRCV; artigo 42.º, n.º 1 da CRGB; artigo
100.º da CRM; artigo 39.º, n.º 1, da CRDSTP), a necessidade de contradição (artigos
34.º, n.º4 da CRCV; 42.º, n.º 5 da CRGB; 39.º, n.º5, da CRDSTP; artigos 3.º, 490.º,
783.º, 798.º e 522.º CPC), a igualdade das partes (artigos 18.º, n.º 1, da LCRA; 23.º
da CRCV; 24.º da CRGB; 66.º da CRM; 14.º da CRDSTP) e a imparcialidade do juiz.
Não há verdadeiramente processo sem contraditório, sem que o procedimento se
desenrole sob a intervenção dialecticamente contraposta e reciprocamente
complementar das partes. Em alguns ordenamentos (artigos 16.º CPC francês,
278.º, § 3, ZPO alemão, 3.º, n.º 3, CPC português, após reforma de 95/96) o
contraditório não é apenas um direito das partes, é também uma regra de processo
para o juiz. Não é este o caso do processo civil vigente nos países em análise.

85 Giovanni Verde, «Giustizia e Garanzie nella Giurisdizione Civile», Rivista di Diritto Processuale,
2000:307. Este autor resume oseu ponto de vista desta forma: «O justo processo, em suma, não
pertence à «natureza das coisas»; é o precipitado de valores mutáveis e está ligado a diversas e
igualmente possíveis soluções técnicas, entre as quais é preciso operar escolhas segundo uma escala
de prioridades».

73
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Não é, por outro lado, incompatível com um processo justo o chamado contraditório
diferido (v. g. no caso dos procedimentos cautelares não especificados, sem
audiência prévia do requerido, no arresto ou na restituição provisória de posse),
em que a contradição é garantida à parte que o pretenda num momento
subsequente à providência judicial.
Quanto à igualdade das partes, ela compreende a exigência que no exercício da
jurisdição e na atribuição de poderes processuais se não verifiquem
discriminações entre as partes e que qualquer uma delas tenha o poder de fazer o
que puder fazer a contraparte para mostrar as suas razões.
Esta igualdade tem uma vertente formal, de mera paridade ou isonomia
processual, com o que se procura evitar injustificáveis diferenças de tratamento, e
uma vertente material, que nos remete para a problemática do «nivelamento
social» no processo, de que não vamos cuidar neste ponto.
A imparcialidade do juiz representa a contrapartida e a justificação da
independência dos juizes constitucionalmente afirmada (artigos 127.º da LCRA;
220.º, n.º 3, da CRCV; 123.º, n.º 2 da CRGB; 164.º, n.º 1.º da CRM; 104.º da
CRDSTP).
Independência e imparcialidade «são o verso e reverso da mesma realidade
fundamental»86.
A imparcialidade pode ser vista do ponto de vista funcional, como «foro interior»
do magistrado, forçosamente despido de interesse na causa e equidistante das posições
das partes, ou em sentido estrutural, como garantia institucional da independência
e da alteridade subjectiva do julgador com respeito às partes em litígio.

Presumindo – se, até prova em contrário, a imparcialidade subjectiva do


magistrado (ninguém tem a pretensão de entrar no espírito do julgador para se
assegurar da sua imparcialidade), espera –se, por outro lado, do legislador que
crie as condições para que os juízes exerçam as suas funções num contexto
processual que favoreça objectivamente uma decisão imparcial, dissipando as
dúvidas ou aparências que a respeito se possam levantar (justice must not only be
done ; it must also be seen to be done).
Há, de resto, instrumentos legais que asseguram esta imparcialidade,
designadamente o regime de impedimentos e suspeições dos magistrados (artigos
122.º e sgs. CPC).
Não se esgotam, porém, aqui as dimensões jurídicas do direito ao processo equitativo.

86 João Castro Mendes, « Nótula sobre o artigo 208.º da constituição. Independência dos juizes »,
Estudos sobre a Constituição, Vol. 3, Petrony, Lisboa, 1979: 666.

74
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Uma dimensão essencial do «processo equitativo» é a sua duração razoável. «Justice


delayed is justice denied» ensinava Bentham. O legislador constitucional cabo-
verdiano deixou bem enfatizada esta vertente, ao consagrar, como vimos, o direito
a uma decisão em «prazo razoável».
Tal significa que o direito de acção dos cidadãos queda prejudicado se o sistema
de justiça não garantir a «duração razoável» dos processos.
Não é razoável a duração de tal forma rápida de um processo que não consinta às
partes o exercício com utilidade do direito de defesa.
No pólo oposto, uma excessiva duração do processo atinge gravemente o valor eficácia,
e, com isso, o princípio da tutela jurisdicional efectiva. Além disso, esta excessiva
duração entra em conflito com o princípio da legalidade, em virtude de prolongar
no tempo as situações de incerteza e contrárias ao direito, podendo provocar alarme
social e desprestígio da justiça, para além de ressentimento em quem se julga com razão.
O prazo razoável tornou – se um critério de referência para estabelecer a
conformidade de um processo com as exigências de um «processo equitativo». A
avaliação em concreto, porém, nem sempre é fácil, atendendo a que a duração dos
processos depende mais do bom e eficiente funcionamento dos serviços de
administração judiciária do que da simplificação do rito processual ou da
disciplina do exercício dos poderes dos juizes e das actividades das partes.
Uma outra dimensão tem a ver com o direito a uma decisão final sobre o fundo da
causa. Fala- se em direito ao processo, justamente com o sentido de direito a obter
uma decisão sobre o mérito da causa, fundada em direito. Note-se que o chamado
direito ao processo não se confunde com o direito a uma decisão favorável ao
demandante, nem tal teria qualquer sentido87.
O processo equitativo chama ainda a presença de pressupostos processuais que
não sejam nem desnecessários, nem desadequados, nem desproporcionados, o que
é instrumental da ideia de prevalência do fundo sobre a forma.
O direito ao processo implica também o direito à execução das sentenças dos
tribunais, mesmo quando seja a própria Administração a condenada, o que
levanta problemas delicados, cuja análise sai, todavia, do âmbito deste curso.
Por fim, uma grande parte da doutrina, considera o duplo grau de jurisdição de
mérito um elemento essencial do modelo de processo equitativo.
Até aqui temos perspectivado o direito de acesso aos tribunais de um ponto de
vista garantístico. Tal ângulo não esgota toda a dimensão da garantia constitucional.

87 J. J Canotilho. Direito Constitucional... op. cit : 465.

75
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Com efeito, ela também implica uma actividade prestacional do Estado, no sentido
de evitar que o acesso ao direito e aos tribunais quedem denegados em virtude da
insuficiência de meios económicos ou por razões de ordem social ou cultural.
A LCRA dispõe no artigo 36.º: «1 – Nenhum cidadão pode ser preso ou submetido
a julgamento, senão nos termos da lei, sendo garantido a todos os arguidos o
direito de defesa e o direito à assistência e patrocínio judiciário; 2 – O Estado
providencia para que a justiça não seja denegada por insuficiência de meios
económicos»; a CRCV preceitua no artigo 21.º: «n.º 3 – Todos têm direito, nos
termos da lei, à defesa, à informação jurídica, ao patrocínio judiciário e a fazer-se
acompanhar por advogado perante qualquer autoridade; 4 – A justiça não pode
ser denegada por insuficiência de meios económicos»; a CRGB consagra no artigo 33.º,
como vimos, o direito de acesso aos órgãos jurisdicionais, «não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos»; a CRM proclama, no artigo 100.º,
n.º 2: «O Estado providencia para que a justiça não seja denegada por insuficiência
económica»; a CRDSTP, no artigo 19.º, que versa sobre o acesso aos tribunais, também
refere que a justiça não pode ser denegada «por insuficiência de meios económicos».
A partir dos estudos já clássicos de Mauro Capppelleti e Brian Garth é usual falar-se,
em matéria de acesso ao direito e aos tribunais, em três vagas (no sentido matafórico
de «vagas de som», que não são forçosamente sucessivas e que se podem sobrepor): a
primeira vaga preocupa-se com os entraves colocados aos pobres e desfavorecidos; a
segunda vaga preocupa-se com a protecção dos interesses colectivos e difusos; a
terceira vaga com os chamados ADR e com o papel conferido ao juiz.
Estamos a falar de um movimento que acompanha a própria evolução do Estado –
Providência na Europa e que sofreu um manifesto declínio nos anos oitenta e
noventa do século passado, registando alguma retoma nos últimos anos.
Tradicionalmente, o apoio judiciário era isso mesmo, apenas judiciário,
circunscrevendo-se praticamente à assistência e ao patrocínio judiciários.
Reconheceu-se, no entanto, que esta vertente do acesso aos tribunais não era
suficiente para assegurar uma efectiva igualdade de todos os cidadãos perante o
direito. É por certo importante reconhecer e garantir o acesso de todos aos
tribunais, mas subsistirão sempre enormes desigualdades se não se combater o
estado de ignorância de muitas pessoas acerca dos seus direitos, bem como em
relação aos remédios que lhes assistem.
Os clássicos instrumentos de assistência judiciária foram então complementados
com a consulta jurídica e a informação sobre os direitos. A ideia de uma justiça
integralmente gratuita não tem, hoje, praticamente defensores. Seria injusto fazer
recair sobre todos – a maioria dos cidadãos não utentes – o custo de um serviço
que não lhes aproveita e que pode até ser mobilizado temerariamente.

76
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Tem sido entendimento do Tribunal Constitucional português, por exemplo, que o


direito de acesso aos tribunais não é impeditivo da existência de custas a cargo dos
utentes da justiça.
O legislador ordinário, porém, deve respeitar o princípio da proporcionalidade, na
fixação do montante das custas, estando – lhe vedado que actue «por forma que,
ao efectuar determinadas exigências condicionantes do acesso aos tribunais, tal
acesso se torne, na prática, acentuada, extrema ou intoleravelmente difícil, ao
menos para determinados cidadãos que não desfrutam de abundantes recursos
económicos. E, por outro lado, mesmo relativamente a quem desfrute desses
recursos, torna-se claro que, se o condicionamento de acesso aos tribunais, verbi
gratia por exigência de pagamento de custas, se postar numa fasquia tal que –
ponderando a contraposição, necessariamente aleatória, de uma situação de
alcance de certo benefício económico resultante do deferimento da pretensão solicitada e
de outra consistente em se não obter ganho de causa – ultrapasse em muito, na
última situação, aquele benefício, isso conduzirá a um acentuado arredar dos
cidadãos dos órgãos de administração de justiça» (Acórdão do Tribunal constitucional
de 2 de Julho de 1977 – Diário da República-II série – n.º 241 – 17-10-1997).
Vários têm sido os sistemas adoptados no âmbito do patrocínio judiciário.
Encontramos aqui, no essencial, três modelos: o do patrocínio gratuito, o da
advocacia convencionada e o da advocacia pública88.
Parece ser este último o modelo existente em Moçambique, onde o patrocínio
judiciário e a assistência jurídica estão a cargo do Instituto do Patrocínio e
Assistência Judiciária (IPAJ), criado pela Lei n.º 6/94, de 13 de Setembro, com
estatuto orgânico aprovado pelo decreto n.º 54/95, de 13 de Dezembro.
No plano mais geral do sistema, podem agrupar-se em duas grandes categorias os
modelos adoptados. Ou se adopta um sistema jurisdicionalizado, entregando ao
juiz da causa a incumbência de proceder ao exame das provas e conhecer, em
primeira instância, da concessão do apoio (é o sistema alemão e angolano – cfr.
Decreto-Lei 15/95, de 10 de Novembro – e foi o sistema que vigorou em Portugal
de 1970 a 2001 e, em Espanha, até 96), ou se opta por um regime
desjurisdicionalizado, simples ou misto, entregando a órgãos não judiciários, a
comissões de assistência jurídica, aos próprios serviços da segurança social, etc., a
competência neste domínio (é o sistema actualmente em vigor na maior parte dos
países europeus - Bélgica, Espanha, França, Grã – Bretanha, Itália, Países Baixos,
Portugal, Suécia, etc. – e ainda nos Estados Unidos).

88 João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias, «E a justiça aqui tão perto? As transformações no
acesso ao direito e à justiça», Revista Crítica de Ciências Sociais, 65: 81 segs.

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Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

III – DA LEGITIMIDADE DO PODER JUDICIAL

1 – JULGAR EM NOME DO POVO? A LEGITIMIDADE DO PODER


JUDICIAL NAS SOCIEDADES DEMOCRÁTICAS
Todas as Constituições dos PALOP, à excepção de Moçambique, proclamam que a
justiça é administrada em nome do povo (artigos 120.º, n.º 1, LCRA; 209.º, n.º 1,
CRCV; 119.º CRGB; 103.º CRDSTP).
São possíveis, pelo menos, três leituras desta fórmula. A primeira, vê na expressão
«em nome do povo» um enunciado meramente retórico, com valor exclusivamente
simbólico. A segunda, interpreta-a como fórmula tabeleónica utilizada pelos juizes
para fingirem uma derivação popular do seu poder. A terceira, confere-lhe
relevante significado jurídico – constitucional, porquanto põe claramente em destaque
a conexão existente entre soberania popular e exercício da função jurisdicional89.
Cada época histórica tem a sua noção de legitimidade. A ideia moderna procede
da Revolução Francesa e radica no princípio da soberania popular. A função
judicial só será legítima se for expressão da soberania popular, e, se for legítima, é
expressão dessa soberania (J.J. Canotilho).
Num Estado democrático, no rigor dos princípios, o pode de julgar deveria ser
conferido, como sustentava Montesquieu, por tempo limitado a magistrados eleitos.
Ora os juizes não são eleitos, nem desempenham o cargo temporariamente. Onde
fazer radicar, então, a sua legitimidade? Donde deriva o seu poder «terrível» de
decidir sobre bens tão importantes como a liberdade e a propriedade dos seus
concidadãos? O que legitima o poder de julgar? Quem faz «reis» os juizes?
Para além do modelo de legitimação electiva, podem identificar – se, pelo menos, mais
quatro modelos legitimatórios do poder judicial. O modelo de legitimação profissional –
a realização de um concurso público e a satisfação de determinados requisitos de
mérito, com frequência ou não numa escola profissional, conferiria por si só
legitimidade para exercer a função de julgar. O modelo de legitimação institucional
– «é a própria «instituição» da magistratura que justifica o exercício da função judicial
(e do respectivo «poder») e que a si mesma se oferece como fundamento»90.

89 J. J. Gomes Canotilho, «Legitimidade do poder Judicial», Colóquio «A justiça em Portugal», Conselho


Económico e Social, Lisboa, 1999, 198.
90 Jorge Figueiredo Dias, «Nótulas sobre temas de direito judiciário ( penal)» , Revista de Legislação e de

Jurisprudência, 3849: 358.

78
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

O modelo de legitimação através da legalidade – a legitimidade identifica-se com a


legalidade- positivação do direito, resolve – se no interior e através da estrutura
normativa do ordenamento jurídico, e, em última instância, através da norma
fundamental ou do resultado produzido pelo sistema (legitimação pelo
procedimento ou pela decisão). O modelo de legitimação através do controlo político
– os órgãos jurisdicionais são controlados politicamente por outros órgãos
democraticamente eleitos.
A legitimação profissional não satisfaz. Não pode ser um mero concurso público e
a frequência no Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ), no Centro de
Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), ou em qualquer outra escola de magistrados,
a legitimar o poder de julgar.
A legitimação institucional não é democraticamente correcta. A legitimidade tem
de decorrer do voto. Nem se vê como, neste modelo, a pretensão dos cidadãos à
independência judicial e à autonomia do ministério público possa se tutelada
contra os próprios órgãos de administração da justiça91.
A legitimação pelo império da lei entrou em crise, pressionada pelo devir do mundo
e pelo avanço do império da justiça e do império da sociedade.
«O império da justiça exige a compatibilização da lei com os princípios e valores
jurídicos fundamentais, com os ideais de justiça a que deve responder a prática
jurídica, de forma que o juiz oriente o inevitável, e agora já geralmente
reconhecido, protagonismo jurisdicional de acordo com eles. Exige o abandono,
não das leis, mas sim do legalismo, que é uma prática baseada num conceito
demasiado estreito da lei. Exige, por fim, uma leitura do ordenamento jurídico de
acordo com a melhor versão possível»; o império da sociedade, por sua vez, «exige,
em síntese, que a independência judicial não se traduza no privilégio de uns
tantos profissionais afastados da sociedade, que é a única depositária da
soberania, ou na sua irresponsabilidade perante ela»92
Ora, não sendo compatível com as tradições dos PALOP e com os princípios
constitucionais destes países a eleição dos juizes, como fonte principal de
legitimação da magistratura, será privilegiadamente através de órgãos de auto –
administração da magistratura – os Conselhos Superiores – que se obterá a
legitimação democrática dos juizes, desde que estes mesmos órgãos respeitem o
princípio democrático.

91 Ibidem: 357.
92 Modesto Saavedra López, « A legitimidade judicial na crise do império da lei », Revista do Ministério
Público, n.º 57: 14/15.

79
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

2 – OS CONSELHOS SUPERIORES DAS MAGISTRATURAS COMO


ÓRGÃOS DE LEGITIMAÇÃO E DE AUTO – ADMINISTRAÇÃO
DAS MAGISTRATURAS

A constitucionalização de «conselhos de magistratura» é um fenómeno recente


que data do pós-guerra. Primeiro, na Constituição Francesa de 1946, depois, nas
Constituições italiana de 47, francesa de 58, portuguesa de 76 e espanhola de 78.

As constituições dos PALOP não ficaram alheias a esta tendência. A LCRA dispõe,
no artigo 132.º, que «o Conselho Superior da Magistratura Judicial é o órgão
superior de gestão e disciplina da magistratura judicial» (n.º 1), sendo composto
de dezanove membros, numa maioria de magistrados judiciais, a saber: o
Presidente do Tribunal Supremo que preside ao Conselho, três juristas designados
pelo Presidente da República, sendo pelo menos um deles magistrado judicial,
cinco juristas designados pela Assembleia Nacional, dez juizes eleitos entre si
pelos magistrados judiciais (n.º 2).
A lei constitucional prevê ainda um Conselho Superior da Magistratura do
Ministério Público integrado na Procuradoria – Geral da República (artigo 137.º).
Na CRCV o artigo 221.º, n.º1, define o Conselho Superior da Magistratura Judicial
como «órgão de gestão, administração e disciplina da magistratura judicial», o
qual é composto, nos termos do n.º3, por nove membros, na maioria vogais laicos:
o Presidente do Supremo do Supremo Tribunal de Justiça, que preside ao
Conselho, dois magistrados judiciais eleitos pelos seus pares, o Inspector Superior
Judicial, três cidadãos, que não sejam magistrados ou advogados, eleitos pela
Assembleia Nacional e dois cidadãos, que reunam as mesmas condições dos
anteriores, designados pelo Presidente da República.

Também se prevê um Conselho Superior do Ministério Público como órgão


integrado na Procuradoria – Geral da República (artigo 223.º, n.3).
Na CRGB, o artigo 120.º, n.5, preceitua que «o Conselho Superior da Magistratura
Judicial é o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial»,
acrescentando, no n.º 6, que «na sua composição, o Conselho Superior da
Magistratura contará, pelo menos, com representantes do Supremo Tribunal de
Justiça, dos demais Tribunais e da Assembleia Nacional Popular, nos termos que
vierem a ser fixados por lei».
Ora, de acordo com o artigo 61.º da Lei n.º 1/99, de 1 de Setembro (Estatuto dos
Magistrados Judiciais), o Conselho Superior da Magistratura é presidido pelo
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e composto por treze vogais, para além
de um oficial de justiça que só vota em matéria respeitante aos oficias de justiça, a

80
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

saber: o Vice – Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dois dos Presidente das
Câmaras do Supremo Tribunal de Justiça; dois vogais designados pelo Presidente
da República; quatro personalidades designadas pela Assembleia Nacional
Popular, um Presidente do Tribunal de Círculo, dois juízes de direito eleitos de
entre os seus pares; um juiz sectorial eleito de entre os seus pares.
Neste caso há uma maioria de membros togados. Na Republica da Guiné – Bissau
foi a Lei n.º 7/ 95, de 25 de Julho, que aprovou a orgânica do Ministério Público,
que instituiu o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (artigo 7.º).
Em Moçambique, o artigo 172.º da Constituição dispõe que «a lei regula a
competência, a composição, a organização e o funcionamento do Conselho
Superior da Magistratura Judicial», existindo norma similar quanto ao Conselho
Superior da Magistratura do Ministério Público (artigo 177.º).
O artigo 8.º, n.º 1, da Lei n. º 10/91, de 30 de Julho, define o Conselho Superior da
Magistratura Judicial como «órgão de gestão e de disciplina da magistratura
judicial», sendo constituído, nos termos do artigo 9.º, por quinze membros, na sua
maioria magistrados, a saber: o Presidente do Tribunal Supremo, que presidirá; o
Vice – Presidente do Tribunal Supremo; dois membros designados pelo Presidente
da República, sendo um deles magistrado judicial; quatro membros eleitos pela
Assembleia da República, um Juiz Conselheiro, quatro Juízes de direito e dois
Juízes, eleitos pelos seus pares.
A República de São Tomé e Príncipe foi a única que não «formalizou»
constitucionalmente a existência de um conselho para as magistraturas. Foi
também a única que consagrou quanto a este um modelo organizatório assente na
unidade.
Com efeito, a Lei de Base do Sistema Judiciário (Lei n.º 8/91, de 9 de Dezembro)
prevê a existência de um único conselho, o Conselho Superior Judiciário, definido
como órgão de autogoverno da magistratura, superintendendo na sua gestão e
disciplina (artigo 17.º, n.º 1), e com a seguinte composição: o presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, que presidirá; o Procurador-Geral da República, que
é o Vice-Presidente; um juiz de 1.ª instância eleito de entre os seus pares; um
delegado do procurador da República eleito de entre os seus pares; um elemento
designado pelo Presidente da República de preferência jurista; dois elementos
eleitos pela Assembleia Nacional de preferência entre os juristas, por um
representante dos advogados e por um representante dos solicitadores (artigo 18.º).
Faz ainda parte do conselho um representante dos funcionários, mas só intervém
na discussão de matérias da sua classe profissional.
Como se vê, o Conselho é composto em metade por magistrados.

81
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Podemos agora avançar com algumas considerações, a propósito da estrutura


organizatória das magistraturas nestes países.

Do confronto entre os vários regimes sobressaem pontos comuns, claras diferenças


e diferentes graus de constitucionalização dessas estruturas. Comecemos pelos
pontos comuns.

Em primeiro lugar, em todos os PALOP os respectivos Conselhos Superiores


surgem como órgãos de gestão e disciplina das magistraturas. Compete-lhes
exercer as funções que permitiam com maior facilidade a interferência
do executivo na actividade dos juízes, isto é, as relativas à nomeação,
colocação, transferência e promoção dos magistrados, e, bem assim, em matéria
disciplinar.

Só a Lei de Base do Sistema Judiciário de São Tomé define o Conselho Superior


Judiciário como órgão de autogoverno.

É problemática este qualificação. Como ensina Gomes Canotilho, a fórmula


autogoverno deve ser reservada ao governo próprio dos entes territoriais
autónomos, adequando – se «mal a um poder desprovido de poder autónomo de
auto – organização e de qualquer poder organizatório geral»93.

Para este autor, «não existe ...um autogoverno dos juízes mas sim uma auto –
administração das magistraturas judicias e do ministério público»; «as dimensões
garantísticas subjacentes à exigência de autogoverno prendem – se com a garantia
da chamada independência colectiva. Através do apelo à independência colectiva
pretende – se legitimar a subtracção ao poder executivo de todas as decisões
referentes à administração burocrática da justiça mas susceptíveis de incidir sobre
a independência dos magistrados. Só nesta perspectiva é compreensível e
aceitável a afirmação de que os magistrados têm autogoverno»94.

Em segundo lugar, todos os Conselhos Superiores dos PALOP têm um carácter


compósito, deles fazendo parte membros «togados» e membros «laicos».

Pretende-se com esta composição diversificada evitar duas «unidimensionalidades».95

Se todos os membros forem juízes escolhidos pela magistratura corre – se o risco


do corporativismo, da « automovimentação dos juízes» e até de o Estado de
direito democrático se poder transformar num estado de juízes antidemocrático96.

93 J.J.Gomes Canotilho, «A questão do autogoverno das magistraturas como questão politicamente


incorrectam», Ab Uno Ad Omnes, 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra Editora, Coimbra, 1998: 251.
94 Ibidem, idem.

95 Ibidem: 262.

96 J. Figueiredo dias, «Nótulas...», op., cit: 358.

82
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Por outro lado, se todos os membros forem eleitos corre – se o risco de politização
e, em última análise, mesmo de partidarização dos conselhos e, através deles, da
administração da justiça no seu todo.
Como pontos claramente divergentes apontemos os relativos à unidade ou
pluralidade dos conselhos e à «dosagem» existente entre «membros laicos» e
«membros togados».
Quanto ao primeiro aspecto temos, por um lado, a experiência da República de
São Tomé, com um único Conselho Superior, e os restantes países, com um
conselho superior para cada uma das magistraturas, por outro.
No que tange ao segundo aspecto, em Cabo Verde os membros laicos estão em
maioria, tendo Angola, Guiné-Bissau e Moçambique optado por dar a maioria aos
membros togados. Em São Tomé há uma paridade ente membros togados e laicos.
Por fim, e para além de, como já vimos, a Constituição de São Tomé não ter
formalizado o seu Conselho Superior, encontramos casos em que essa
constitucionalização reveste uma modalidade forte, não só com institucionalização
da figura, mas também com uma descrição da sua natureza, competências e
composição – Angola e Cabo Verde – casos em que assume uma modalidade fraca,
com a mera criação do órgão – Moçambique – e casos intermédios em que à
criação do órgão e descrição sumária da sua finalidade se acrescenta uma fórmula
mínima quanto à sua composição – Guiné-Bissau.

3 e 4 – O CONTRIBUTO DA CULTURA JURÍDICA PARA O


FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES E O PAPEL DO
JUIZ COMO CANAL DE TRANSMISSÃO DA INFLUÊNCIA
DESSA CULTURA

É conhecida a imagem que relaciona o poder legislativo com o futuro, a


administração pública com o presente e o poder judicial com o passado.
Não deixa de haver uma certa dose de verdade nesta relação. Todavia, está longe
de traduzir adequadamente a realidade a ideia de que o poder judicial, por dirimir
litígios nascidos no passado e punir crimes já cometidos, está necessariamente
voltado para trás, numa atitude senão retrógrada e passadista, pelo menos
conservadora e imobilista.
Com efeito, o poder judicial, no exercício da sua função de aplicar o direito
concorre para o desenvolvimento ordenado de qualquer sociedade, como
destacámos na primeira parte deste trabalho.

83
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Agora vamos pôr a ênfase na influência jurídico-cultural dos tribunais no


funcionamento das instituições.
Quando falamos de influência dos tribunais, estamos a referir-nos a todos os
tribunais, sem excepção, incluindo o tribunal constitucional, quando houver.
Por outro lado, a influência jurídico – cultural a que nos vamos referir não parte
apenas dos tribunais. Todo o corpo de juristas, englobando advogados,
solicitadores, notários, etc., contribui, em maior ou menor proporção, para um
melhor funcionamento institucional.
Todavia, dada a importância dos tribunais, como órgãos de soberania, não é de
estranhar que se reserve para eles e para o papel do juiz a maior atenção. Seria,
por certo, temerário pensar que o desenvolvimento da sociedade passa sobretudo
pela actuação dos tribunais.
Cabe naturalmente aos governos a elaboração e execução das políticas necessárias
em ordem a atingir aquele objectivo.
Em democracia, a via normal de manifestação da vontade política dos cidadãos
não é através dos juízes, os quais não desempenham funções representativas, mas
sim através dos seus governantes.
Estes aprovam e fazem executar actos dotados de uma elevada taxa de
politicidade, de que são exemplo as leis e actos do governo.
A influência de considerações de ordem política é neste caso preponderante. O
que não significa que aqueles actos sejam concebidos e levados a cabo sem
contemplação pelos factores culturais. Não é, porém, este o factor que para eles
mais releva.
De modo inverso se passam as coisas quando são os tribunais a tomar decisões.
Então estamos perante actos dotados da mais alta taxa de juridicidade – as
sentenças – prevalecendo a influência de factores culturais.
O carácter não representativo da magistratura, não é fruto do acaso. Como explica
Pizzorusso, a justificação para a conservação de um aparelho judicial com as
características que possui nos países de civil law, em que se afasta como princípio
qualquer outra forma de legitimação que não seja a derivada da investidura popular,
reside «na exigência de combinar a influência que sobre a actividade dos poderes
públicos é exercida, num determinado momento histórico, pelas forças políticas
naquela momento prevalecentes, com as influências que, por sua vez, derivam da
cultura jurídica e política operante no âmbito da sociedade que representam o
resultado de movimentos de pensamento muito mais lentos e complexos».97

97
Alessandro Pizzorusso, L´Organizzazione..., op. cit.: 65.

84
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Não se pretende, bem entendido, transformar os tribunais em contra-poder, nem


conferir-lhes um papel reservado à oposição, em sistemas com alternância
democrática.
Tão pouco se estão a colocar os tribunais no sopé do Estado, integrados na
comunidade, actuando em patamar diferente do dos outros órgãos de soberania e,
porventura, até contra eles.
A actividade jurisdicional tem e deve continuar a ter um papel subordinado à dos
órgãos representativos.
Tal resulta, aliás, de todos os textos constitucionais dos PALOP segundo os quais
os juízes devem obediência à lei (artigos 127.º LCRA, 210.º, n.º1 CRCV, 123.º, n.º 2
CRGB, 164.º, n.º 1 CRM, 104.º CRDSTP).
Os juízes, porém, têm um estatuto diferente dos restantes executores da lei, que
lhes garante, entre outras, margens de liberdade alargadas no que se refere à
interpretação e aplicação das leis.
Ultrapassado o tempo do positivismo e do conceitualismo dogmático, ninguém
sustenta hoje convictamente que o juiz deva ser um mecânico executor da lei,
reduzido à função de introduzir os factos no mecanismo lógico do silogismo
judiciário, para depois, concluída a operação, ditar de forma automática a decisão
que ao caso couber.
Sistemas jurídicos funcionando em sociedades cada vez mais complexas, num
mundo globalizado, ordenamentos constitucionais compreendendo instrumentos
de garantia cada vez mais sofisticados e com múltiplas reservas (de lei, de
administração, de jurisdição), limites constitucionais crescentes à actividade do
poder legislativo, cuja produção tantas vezes prolixa, nem sempre se reveste
de qualidade e clareza, eis alguns exemplos que estão na base de uma
maior intervenção dos juristas e, em particular dos magistrados, na
conformação do ordenamento jurídico com importantes repercussões ao nível das
instituições.
As alterações assim induzidas não derivam directamente de qualquer vontade
política, nem por esta foram previstas e, às vezes, desejadas, mas da actuação por
via jurisdicional das normas criadas pelo legislador, afinal da influência jurídico
cultural que os órgãos do poder judicial fazem valer enquanto asseguram respeito
pelos princípios fundamentais do sistema vigente.
Podemos agora concluir recorrendo uma vez mais a Pizzorusso. A posição
constitucional do poder judiciário encontra a sua justificação essencialmente na
função que lhe está confiada de «ser o portador, no processo de criação-actuação
do direito, das influências jurídico – culturais que servem para assegurar o

85
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

respeito por princípios fundamentais que integram a constituição material vigente


[no momento] e, mais em geral, a continuidade do direito na sua constante
evolução»98.

5 – AS RELAÇÕES ENTRE O PODER JUDICIAL E OS OUTROS PODERES

É diferente o contributo que, para o funcionamento dos poderes públicos podem


dar os órgãos propriamente políticos – Presidente da República, Governo, Assembleia
– e os Tribunais, o que deriva da natureza das funções cometidas a cada um deles.
A separação dos poderes está consagrada em todas as constituições dos PALOP.
Contudo, esta separação não deve querer dizer um divórcio ou, para utilizar uma
expressão da doutrina italiana «separatezza».
Por esta expressão entende-se «aquela situação de profunda incompreensão que se
verifica quando muitos sujeitos ou grupos de sujeitos agem, não apenas de modo
independente, mas também na base de princípios e de orientações completamente
diversos e descoordenados entre si. De maneira a tornar possível não apenas
conflitos em sentido técnico, mas também contrastes de fundo capazes de causar
dificuldade práticas e confusão geral entre os destinatários das diversas
providências»99.
Sem prejuízo da completa independência da magistratura na tarefa de aplicação
do direito, não se compreende que o poder judicial se afaste da prossecução do
complexo de finalidades fundamentais que estão constitucionalmente consagradas.
Daqui deriva a necessidade de criar meios de ligação entre o poder judiciário e o
espaço público, a fim de, sem pôr em causa a independência do terceiro poder,
atenuar os efeitos de um funcionamento separado.
A ligação mais eficaz consiste na criação de conselhos superiores para as
magistraturas, solução a que já fizemos referência.
Um segundo instrumento de ligação consiste em consagrar instrumentos de
responsabilização dos juízes. Contudo, tal responsabilização não pode ser, em
qualquer caso, de tipo político ou repressivo, sendo certo que, em princípio, os
juizes não são responsáveis pelas decisões que proferem no exercício da suas
funções (artigos 129.º LCRA; 220.º, n.5 CRCV; 123.º,n.º 3 CRGB; 165.º CRM; 108.º,
n.º 2 CRDSTP).

98 Ibidem:67.
99 Alessandro Pizzorusso, L `Organizazione..., op. cit.: 70/71.

86
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Um terceiro instrumento reside na utilização dos media para promover debates


sobre matérias judiciárias. Como veremos melhor, não é, longe disso, seguro, que
a crítica jornalística das decisões judiciais tenha mais vantagens do que
inconvenientes.
Um quarto e último instrumento de ligação pode consistir na participação de
juizes laicos ou não profissionais na administração da justiça.

6 – JUÍZES PROFISSIONAIS E JUÍZES LAICOS

Algumas das constituições dos PALOP, no que se refere à participação popular na


administração da justiça, contêm disposições particulares.
A LCRA, por exemplo, dispõe no artigo 122.º. «Os tribunais são em regra colegiais
e integrados por juízes profissionais e assessores populares, com os mesmos
direitos e deveres quanto ao julgamento da causa».
A CRM, por seu turno, no artigo 170.º, preceitua: «1 – O Tribunal Supremo é
composto por juízes profissionais e juízes eleitos, em número a ser estabelecido
por lei; 2 – Os juízes profissionais são nomeados pelo Presidente da República,
ouvido o Conselho Superior da Magistratura Judicial; 3 – O estatuto e o período de
exercício das funções de Presidente, Vice – Presidente e de juiz profissional do
Tribunal Supremo são definidos por lei; 4 – A eleição de juízes do tribunal
supremo compete à Assembleia da República; 5 – Podem ser eleitos como juízes
do Tribunal Supremo os cidadãos moçambicanos com idade superior a trinta e
cinco anos, sendo os demais requisitos e duração do respectivo mandato fixados
por lei». Acrescenta o artigo 171.º: «1 – Nos julgamentos a matéria de direito é
sempre decidida pelos juízes profissionais, 2 – Os juízes eleitos participam apenas
nos julgamentos de primeira instância».
A CRDSTP, por sua vez, no artigo 107.º, afirma: «A lei prevê e estimula formas
adequadas de participação popular na administração da justiça».
Concretizando os princípios constitucionais enunciados, em Angola, intervêm
dois assessores populares, para além do juiz, no julgamento dos processos crimes
a que seja aplicável pena de prisão superior a um ano ou dos processos da
competência do tribunal de trabalho de valor superior à sua alçada (artigo 1.º da
Lei n.º 11/77, de 11de Maio, regulamentada pelo Decreto Executivo n.º3/78, de 25
de Maio).
Os assessores são nomeados, por um ano, pelo Ministro da Justiça, após sorteio
operado entre os nomes constantes de uma lista organizada por uma comissão
composta por representantes da Comissão Directiva do MPLA, do Secretariado

87
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Provincial da UNTA, ou órgão que o substitua, e do Comissário Provincial da sede


da respectiva comarca ou pelo Comissário Municipal se a sede da comarca for
sede de Município (artigos 3.º, 4.º e 7.º).
No despacho que designar dia para julgamento o juiz mandará dar vista no
processo a cada um dos assessores populares, sucessivamente pelo prazo de
quarenta e oito horas (artigo 11.º, n.º1).
As decisões do tribunal colectivo, após encerramento do debate oral, são tomadas
por maioria simples, sem indicação de voto (artigos 14.º, 15.º e16:º).
Na Guiné-Bissau, o Decreto – Lei n.º 6/93, de 13 de Outubro, aprovou a Lei
Orgânica dos Tribunais de Sector. Com tais tribunais pretendeu – se preencher o
vazio deixado a nível de resolução dos conflitos de base pela extinção dos
Tribunais Populares de Base.
Na definição legal «os Tribunais de Sector visam administrar a Justiça de forma
simplificada e com base em ampla participação popular» (artigo 1.º).
Cada tribunal funciona com um Presidente, nomeado de preferência de entre
licenciados ou bacharéis em Direito, e dois assessores, seleccionados em cada
audiência de entre cidadãos maiores de 30 anos e residentes há mais de 3 anos na
área territorial de jurisdição do Tribunal (artigos 3.º e 6.º).
É o Juiz Presidente quem dirige os trabalhos e vela pela disciplina na audiência de
julgamento, sendo as decisões, quer em matéria cível quer em crime, tomadas por
maioria de votos dos membros que constituem o Tribunal, sem prejuízo da
prevalência da opinião do Juiz Presidente, que nestes casos deve ser
fundamentada (artigos 37.º e 59.º).
Também no desenvolvimento dos preceitos constitucionais, depois de proclamar,
no artigo 10.º, que « os juízes eleitos participam nos julgamentos em primeira
instância e tomam parte na discussão e decisão sobre matéria de facto» (n.º 1) e
que « na discussão da matéria de direito, intervêm exclusivamente os juízes
profissionais» (n.º 2), a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de Moçambique (Lei
n.º 10/92, de 6 de Maio) desenvolve sistematicamente estes princípios ao nível dos
vários escalões de tribunais (Tribunal Supremo, Tribunais Judiciais de Província e
Tribunais Judicias de Distrito).
Temos assim que, no Tribunal Supremo, composto por um mínimo de sete juízes
profissionais e dezassete eleitos (artigo 30.º, n.2), intervém esta categoria de juízes
no Plenário, quando este funciona como tribunal de instância única (artigos 32.º,
n.º 2, e 34.º), e bem assim nas secções, constituídas por um mínimo de dois juizes
profissionais e dois eleitos, também quando funcionem como tribunal de primeira
instância (artigos 36.º, n.1 e 39).

88
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Funcionando em primeira instância, o Tribunal Judicial de Província, não poderá


deliberar sem a presença de, pelo menos, dois juizes eleitos, além do juiz
profissional (artigos 50.º, n.º 1 e 51.º) sendo que o Tribunal Judicial de Distrito
funciona em colectivo integrado, pelo menos, por dois juizes eleitos e pelo juiz
profissional (artigo 58:º).
Os juízes eleitos são propostos por associações ou organizações sociais, culturais,
cívicas e profissionais (artigo 78.º) pertencendo à Assembleia da República, ouvido
o Conselho Superior da Magistratura Judicial, a fixação dos mecanismos e prazos
para a eleição dos juízes não profissionais do Tribunal Supremo e ao Governo, sob
idêntica consulta, para os juízes dos tribunais de província e distrito (artigo 79.º).
Em São Tomé, a Lei Base do Sistema Judiciário prevê igualmente, em termos
amplos, a participação popular na administração da justiça, mas circunscrita à
matéria de facto. Com efeito, de acordo com o artigo 5.º, § único, «em todas as
instâncias onde se discuta matéria de facto, a requerimento das partes, pode o
Tribunal ser integrado por jurados em número e condições a serem definidos pela Lei».
A introdução dos jurados, no sistema judiciário francês pós-revolução, teve a
presidi-la a finalidade de enquadrar politicamente o corpo de magistrados, de que
se desconfiava, retirando-lhe o domínio do facto e o poder de o conformar ao
direito, e não o inverso, como era esperado.
Não é esta a finalidade dos modernos instrumentos de participação popular na
administração da justiça. Com eles não se pretende enquadrar a actividade dos
juízes profissionais, nem assegurar a representação nos tribunais das diversas
forças sociais e políticas existentes na sociedade, mas antes exprimir o sentimento
de justiça do cidadão comum desprovido de formação técnica. É, porém, normal
que essa participação aumente os níveis de civilidade jurídica e a imagem dos
tribunais junto da comunidade.

7 – O CONTROLO DA OPINIÃO PÚBLICA SOBRE O EXERCÍCIO DA


FUNÇÃO JURISDICIONAL

O instrumento clássico de controlo da actividade jurisdicional por parte da


opinião pública reside no princípio da publicidade das audiências de julgamento,
constitucionalmente consagrado em Angola (artigo 124.º LCRA), Cabo Verde
(artigo 210.º, n.º 4, CRCV) e São Tomé e Príncipe (artigo 106.º, CRDSTP), e, em
todos os PALOP, na legislação ordinária (cfr. v. g. artigo 656.º, n.º 4 CPC).
A entrada da rádio e da televisão nos tribunais e, em particular, nas salas de
audiências tem colocado, nas últimas décadas, problemas novos à administração
da justiça.

89
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

Desde 1 de Julho de 1991, as redes de cabo americanas oferecem aos seus


assinantes um canal suplementar único no seu género: o Court TV.
Este canal difunde, exclusivamente, para todo o território dos EUA, 24x24 horas
por dia, emissões consagradas a processos judiciais, muitas delas em directo e em
«daytime».
Os pais fundadores da constituição norte-americana quiseram que a justiça fosse
pública. Graças à televisão muitos dos obstáculos materiais que limitavam o
princípio foram abolidos, sendo agora possível que toda a nação veja como a
justiça é administrada em seu nome.
Corre-se, porém, o risco de a justiça se transformar numa espécie de «circo
romano», quando se pede aos teleespectadores que se pronunciem sobre a
inocência ou a culpabilidade dos arguidos, como se fossem membros de um júri, e
de se estimular um reprovável voyeurismo.
Não são poucos, com efeito, os riscos de derrapagem: o de explorar a dor e a
angústia dos intervenientes no processo; o de influenciar o desenrolar do processo,
submetendo – o sistematicamente à pressão dos media e da opinião pública; o de
contribuir para o vedetismo dos «homens de lei»; o de induzir fenómenos de
linchamento mediático dos acusados100.
Seja como for, o acesso das equipas de televisão aos tribunais parece ser um dado
adquirido, e não apenas nos tribunais norte-americanos. Mais cedo ou mais tarde
esta realidade irá impor – se em todos os países.
Nos países onde este acesso não está regulamento por lei, recai sobre os
magistrados, no exercício dos seus poderes de disciplina processual, definir regras
mínimas de procedimento. Em Portugal, por exemplo, em processos de maior
repercussão social tem-se em geral vedado o acesso das câmaras de televisão à
sala de audiências, sem prejuízo da cobertura jornalística poder ser feita através
dos meios tradicionais. Quando, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da
moral pública, a audiência deva ser secreta, intervém um assessor de imprensa ad
hoc como elo de ligação entre o tribunal e a opinião pública, através de briefings
com os órgãos de comunicação social.
Pode, sem receio de errar, dizer-se que existe, a respeito da cobertura televisiva
das audiências, alguns consensos. Enumeremos alguns deles: 1.º – o juiz, para
efeito de garantir o direito de informação e o de ser informado, pode autorizar
essa cobertura, se as partes o consentirem; 2.º – Em casos de interesse social
particularmente relevante no conhecimento da discussão a autorização pode ser

100
Yves Eudes, «Un nouveau spectale: les procés télévisés», Le Monde Diplomatique, Août, 1992: 21.

90
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

dada sem esse consentimento; 3.º – mesmo neste caso, deve sempre preservar-se a
reserva privada e o direito à imagem de todos os presentes e intervenientes na
audiência; 4.º – não podem, em qualquer caso, ser transmitidas as sessões de
julgamento que decorram «à porta fechada».
O controlo da opinião pública sobre a actividade judiciária não se deve
circunscrever à fase final do processo. Ora o acompanhamento do desenrolar do
processo coloca problemas de compatibilização das liberdades de expressão, de
informação e de imprensa, consagradas, de resto, em todas as constituições dos
PALOP (artigos 32.º e 35.º LCRA, 47.º CRCV, 51.º e 56.º CRGB, 74.º CRM, 28.º e 29.º
CRDSTP) com o «segredo de justiça».
Este segredo tem uma vertente interna, que consiste no dever que recai sobre
os agentes com responsabilidade na investigação de não revelarem aos arguidos
ou seus defensores os resultados da investigação, antes de o processo atingir
certa fase, e uma vertente externa, que consiste na proibição de divulgação do teor
de peças processuais, ainda que do conhecimento dos sujeitos processuais, a
terceiros que não estejam legalmente autorizados a tomar conhecimento
desses actos.
Praticamente em todos os países onde está legalmente consagrado este dever as
violações são constantes, designadamente quando se está perante processos de
enorme projecção mediática.
A «fome de notícias», muitas vezes de escândalos, mostra-se insaciável. Incapaz
de averiguar e de perseguir os agentes das violações a justiça vê gravemente
atingido o seu prestígio e credibilidade.
Perante tal situação, que tende a agravar-se, procuram-se soluções alternativas.
Podemos referir algumas: 1.º – introdução da faculdade de os juízes de instrução
ou do titular do inquérito poderem proibir por um período curto de tempo a
divulgação de notícias sobre determinado processo; 2.º – a criação junto dos
tribunais de assessores de imprensa com a função de fornecer aos jornalistas
informação fidedigna e susceptível de assegurar o seu «direito à crónica»; 3.º –
observância pelos jornalistas de um adequado «self-restraint», sob a supervisão de
uma «alta autoridade» credível.
Numa obra que fez sucesso há alguns anos101, Alain Minc defende que nas actuais
democracias de opinião ocidentais, que substituíram as clássicas democracias
representativas, emergiu uma nova «santa aliança», formada pelos juízes, pelos
jornalistas e pela opinião pública.

101
Alain Minc, Au Nom de la Loi, Gallimard, Paris, 1998.

91
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

No seu modo de ver o funcionamento das sociedades modernas passou a estar, na


sua globalidade, dependente desta «aliança de ferro», na qual os media parecem
desempenhar principal protagonismo, quando, na verdade, não são mais do que
um reflexo dos outros dois actores.
De contra-poder os juízes passaram a efectivo primeiro poder, a novos ídolos
sociais, a «divas dos media».
Este autor também alerta para os riscos de os magistrados se transformarem em
pivots do populismo, mas o essencial da sua tese não reside aí.
Temos as maiores dúvidas em acompanhar esta tese, elaborada a partir da
realidade francesa dos anos noventa do século passado.
Os media em geral, e a televisão em particular, mormente quando não prestam um
serviço público, não são aliados da justiça nem globalmente a favorecem. São
muitas vezes, ao invés, um palco de defesa contra o processo que instrumentaliza o
espaço processual da justiça, ou seja a defesa no processo.
Este aspecto é correctamente destacado por Garapon quando observa que os media
fazem pairar uma perigosa ameaça sobre a base simbólica em que assenta o
edifício da justiça. O símbolo cria distância. «Ora os media abolem as três
distâncias essenciais que fundamentam a justiça: a delimitação de um espaço
protegido, o tempo diferido do processo e a qualidade oficial dos actores desse
drama social. Eles deslocalizam o espaço judiciário, paralisam o tempo e
desqualificam a autoridade»102.
Outros meios de controlo são a presença de membros laicos nos Conselhos
Superiores das Magistraturas, que já analisámos, e o controlo democrático e difuso
que é exercido pela colectividade sobre as decisões dos juízes, tornado possível
pelo dever de motivação que a estes vincula.

8 – CONCLUSÕES SOBRE O PAPEL SOCIAL DA MAGISTRATURA

A justiça, como o sábado, existe por causa do homem, e não o inverso.


Falar do papel social da magistratura suscita a questão consistente em saber que
funções o Estado e a sociedade querem que os magistrados cumpram, mas
também uma segunda, complementar da primeira, que questiona a possibilidade
desse Estado e dessa sociedade poderem ter a magistratura que desejam.

102
Antoine Garapon. Le Gardien des Promesses, op., cit.: 74.

92
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Um empirismo demasiado pessimista poderia responder às questões formuladas


começando por dizer que há tantos papéis sociais quanto o número de formações
sociais e de magistrados que nelas exercem funções, e, na ausência de estudos
aprofundados e consistentes sobre cada uma delas, daria o assunto por encerrado.
Não vamos seguir por aí. É possível falar em modelos (ou estereótipos) de justiça,
a que correspondem diversos desempenhos por parte dos magistrados.
François Ost, por exemplo, utilizando um duplo critério de qualificação, jurídico-
político, propõe três modelos ou tipos – ideais de justiça: modelo de justiça consuetudinário –
tradicional; modelo legalista – liberal e modelo normativo – tecnocrático103.
O primeiro modelo pressupõe uma sociedade rural e comunitária; o segundo uma
sociedade industrial e urbana e um Estado não intervencionista; o terceiro uma
sociedade pós-industrial e um Estado-Providência.
Na visão deste autor, ao modelo tradicional corresponde um juiz-pacificador, ao
modelo legalista-liberal um juiz-árbitro e ao terceiro modelo um juiz-treinador.
Guido Alpa, a partir do grau de criatividade da jurisprudência, distingue o juiz-
mero executor, o juiz-descobridor e o juiz-legislador104.
O juiz-mero executor, que agradava a Frederico «o Grande» e a Napoleão, «é um
zeloso funcionário do Estado, devotado à lei, portador dos valores oficiais,
cuidadoso examinador das normas, privado de vocação criadora, firme
conservador, tendencialmente obtuso»; o juiz-descobridor, que agradava aos
formalistas de cultura germânica, deve «ter em atenção que os mesmos factos
podem convocar várias normas, que as normas, por natureza, são gerais e
abstractas, que o legislador não prefigurou todas as circunstâncias possíveis sobre
as quais exprimiu o seu comando, que as próprias normas são contraditórias ou
lacónicas ou redutoras, e, por conseguinte, a procura do direito, que se atinge
escavando no magma normativo, comporta operações dirigidas a conciliar
antinomias, a integrar lacunas, a estender e a restringir a formulação normativa»;
o juiz-legislador, prefigurado no inicio do século passado pelo legislador suíço
(artigo 1.º CC), «não tendo descoberto, no tecido normativo, a norma a aplicar ao
caso concreto, e estando na mesma obrigado a decidir, reconhece a necessidade de
criar ad hoc a norma que faz falta».
É, por outro lado, já clássica a oposição entre o tipo-ideal burocrático de juiz, com origem
na experiência constitucional francesa, e o tipo-ideal profissional, da common law.

103
François Ost, «Juge – pacificateur, juge – arbitre, juge – entraîneur. Trois modèles de justice»,
Fonction de Juger et Pouvoir Judiciaire, Facultés universitaires Saint – Louis, Bruxelles, 1983: 1-70.
104
Guido Alpa, L´Arte di Giudicare, Laterza, Roma- Bari, 1996: 3 ss.

93
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

O modelo que está subjacente à organização judiciária dos PALOP é, no essencial,


do primeiro tipo. Os magistrados formam um corpo profissional de funcionários,
organizado como hierarquia e que toma decisões segundo critérios técnicos.
Conhecidas razões históricas explicam o arquétipo do juiz-funcionário. Com a
Revolução Francesa, e como elemento estruturante do Estado Liberal de Direito,
os juízes ficaram subordinados ao «império da lei», entendida como «expressão da
vontade geral» (artigo 6.º da Déclaration des Droits de L ´Homme et du Citoyen) e
fonte exclusiva do direito.
Nenhum espaço próprio se reservava à jurisprudência, palavra que Robespierre
pretendeu suprimir dos dicionários. Ao juiz, «simples boca que pronuncia as
palavras da lei», não é conferida qualquer margem de liberdade na aplicação do
direito e a autoridade que possui é de certa forma nula. É-o porque os juízes, para
além de carecerem de capacidade de decisão autónoma, não representam qualquer
força social, ao contrário do legislativo e do executivo.
Nesta acepção, a justiça não é poder mas o exercício de uma «função lógica», de
carácter estritamente técnico, uma mera actividade de individualização do
comando legal e de concretização da vontade do legislador.
Da justiça oligárquica dos parlamentos judiciais do antigo regime, assente na
venalidade do cargo, passou-se para um modelo de justiça burocrática, baseado na
integração do magistrado na organização administrativa do Estado.
Levando em conta esta evolução, que contrasta com a experiência anglo-
americana, Vittorio Denti reconduz a dois os modelos de juiz: o modelo de juiz-
administrador, o qual, ao tornar concreta, nos casos singulares, a vontade da lei,
persegue os mesmos fins que o Estado procura atingir através dos outros dois
poderes, e o modelo do juiz garante, o qual opera fora e, de certa forma, sobre os
outros dois poderes do Estado, desempenhando essencialmente uma função de
salvaguarda dos direitos dos cidadãos105.
Ao primeiro modelo corresponde um tipo de recrutamento burocrático da
magistratura, análogo ao que é próprio da administração pública e fundado na
unificação inicial das competências e na progressão da carreira. Ao segundo
modelo corresponde um recrutamento fora da carreira em sentido próprio, junto
de juristas já qualificados perante a opinião pública, quer a nomeação dos juízes,
como acontece na Inglaterra e, em grande parte, nos EUA, provenha do poder
executivo, quer tenha uma base electiva, como acontece na maior parte dos
tribunais estaduais norte-americanos.

105
Vittorio Denti, «Crisi della giustizia e crisi della società», Sistemi e Riforme, Studi sulla giustizia Civile,
Il Mulino, Bologna, 1999: 158 ss.

94
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

Uma abordagem muito próxima desta é seguida por Carlo Guarneri106. Este autor
caracteriza o tipo-ideal burocrático do juiz com os seguintes traços: a) – a selecção
do pessoal judiciário é feita por concurso aberto a todos os estudantes, após os
estudos universitários, não sendo conferida especial relevância à experiência
extra-judiciária dos candidatos; b) – a formação profissional do juiz é assegurada
principalmente no interior do corpo judiciário; c) – a progressão na carreira faz-se
na base da antiguidade e do mérito, sendo este apreciado, em larga medida
discricionariamente, pelos superiores hierárquicos do magistrado; d) – a
competência dos magistrados é «generalista», sendo estes supostamente capazes
de dar resposta às mais variadas questões que surjam no desempenho das
respectivas funções, do crime ao civil, passando pelas matérias comerciais,
laborais, de família e menores, etc.; e) – as garantias de independência interna, isto
é, em relação aos outros juízes, são geralmente fracas, quer pelo referido em c)
quer pelo facto de decorrer, da selecção do magistrado para o exercício
profissional num conjunto muito variado de áreas , uma tendência natural deste
para, no decurso da carreira, mudar frequentes vezes de jurisdição ou de tribunal,
sujeitando – se, nessas transferências, aos poderes da hierarquia.
A concepção do juiz como «boca da lei» está, contudo completamente
ultrapassada.
Por muito que se pretenda «amarrar» o juiz ao «império da lei», não é mais
possível negar a criatividade jurisprudencial e recusar um certo activismo judicial.
Para continuar a manter a tradicional «neutralização política da magistratura»
seria preciso um Estado que definisse com clareza o seu perímetro de actuação;
um ordenamento jurídico que, graças a determinados instrumentos (correcta
feitura das leis, contenção na produção legislativa, códigos adaptados às
realidades, jurisprudência uniforme, etc.), pudesse satisfazer com suficiência as
exigências de segurança, coerência, clareza e previsibilidade dos cidadãos; uma
magistratura menos atenta a repelir qualquer tentativa de «politizar» a sua
actividade.
Nas sociedades modernas ocidentais é fácil concluir que nenhuma destas
condições se verifica, e, demais a mais num mundo globalizado como é o de hoje,
é duvidoso que a história se repita noutros quadrantes, com a retoma do modelo
legalista-liberal.
Há muito que o «império da lei», na sua versão positivista, entrou em falência,
abrindo espaço para uma concepção mais permeável aos interesses sociais e
impregnada de valores. O direito deixou de se identificar com a lei, esta deixou de

106 Carlo Guarneri, Patrizia Pederzoli, La Puissance de Juger, Michalon, Paris, 1996.

95
Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários – Programa PIR PALOP II

ser fonte exclusiva das decisões judiciais, por todo lado se reconhece uma extensão
do papel da magistratura.
A expansão dos poderes do juiz é hoje um dado praticamente inquestionado. O
que discute, isso sim, é a dimensão da liberdade destes poderes em relação às
outras instituições políticas e ao próprio sistema normativo.
Com referência a estes dois importantes aspectos, Guarneri, na obra citada107,
propõe uma tipologia dos papéis judiciários integrados por quatro categorias: a do
juiz subordinado, sem criatividade e autonomia política (lato sensu); a do juiz
delegado, dotado de uma criatividade «intersticial», resultante de uma delegação,
expressa ou implícita, dos representantes da comunidade política, mas com fraca
autonomia política; a do juiz guardião, cuja tarefa principal é a garantia dos direitos
dos cidadãos, a tutela, com base nos preceitos constitucionais, dos direitos dos
particulares e das minorias, designadamente perante os potenciais abusos das
instituições políticas da maioria; o juiz político, a quem se reconhece uma maior
margem de apreciação e um verdadeiro papel de actor político.
O enquadramento atrás feito e esta tipologia constituem uma boa base de partida
para nós, juristas e magistrados, sabermos sob que modelo andamos a operar e se
o mesmo se adapta às necessidades e sentimentos sobre a justiça das nossas sociedades.
Não nos cabe a nós opinar pelos outros. Cada um fará a sua análise e tirará as suas
conclusões.
Falando sobre a realidade que melhor conhecemos e a ela circunscrevendo a nossa
opinião, sempre diremos, no entanto, que o figurino que progressivamente se vem
impondo é o do juiz-garante ou juiz-guardião, o de um juiz que o é também da lei,
que integra lacunas, que concretiza o que o legislador deixou indeterminado ou
em cláusulas gerais, que dirime questões outrora resolvidas por diversas
instâncias da sociedade e que não chegavam aos tribunais, que exerce uma função
supletiva na solução de questões deixadas sem cobertura legal, que é capaz de dar
resposta ao fenómeno chamado da judicialização dos direitos, que é conhecedor do
direito internacional ou supranacional, que está sensibilizado para os problemas
novos suscitados pela chamada tutela diferenciada, que confere à sua actuação
uma dimensão que transcende as garantias processuais, situando – se no plano
mais denso da efectiva tutela dos direitos constitucionalmente garantidos, etc.
Garapon, no seu trabalho várias vezes citado ao longo deste texto, sustenta a ideia
de que o juiz deve ser o garante da instância política, da convivência cívica e até se
lhe pede que reabilite a própria democracia.

107
Ibidem: 68ss.

96
Sistemas de Justiça e Organização Judiciária

As palavras finais do seu livro resumem bem a sua tese e explicam o título
escolhido: «O juiz – quer seja o de Nuremberga ou mais modestamente os nossos
pequenos juízes dos subúrbios – mantém-se [no seu posto] para lembrar à
humanidade, à nação ou ao simples cidadão, as promessas que lhe foram feitas, a
começar pela primeira de todas, a promessa de vida e de dignidade. Essas
promessas os juizes guardam-nas, mas não as escondem: eles são as suas
testemunhas, os seus garantes, e os seus guardas. Foram-lhe transmitidas,
ouviram-nas, e lembram-nas, se for preciso, àqueles mesmos que lhas confiaram:
como poderemos censurá-los?»108.
O que parece, na verdade, essencial é que o juiz se sinta o intérprete das exigências
da sociedade civil e, sem assumir uma posição conflituante com os outros poderes
públicos ou cair no extremismo da escola do direito livre ou do figurino do juiz
político, garanta, na sua esfera própria de actuação, as condições base de um livre
desenvolvimento da pessoas humana.
Ou, dito de outro modo, mais densamente «Os juízes têm hoje, certamente, uma
grande responsabilidade na vida do direito, desconhecida nos ordenamentos do
Estado de direito legislativo. Mas os juízes não são os senhores do direito no
mesmo sentido em que o era o legislador no século passado. São mais exactamente
os garantes da complexidade estrutural do direito no Estado constitucional, quer
dizer, os garantes da necessária e dúctil coexistência entre lei, direito e justiça.
Podemos mesmo afirmar que entre Estado constitucional e qualquer «senhor do
direito» há uma radical incompatibilidade. O direito não é um objecto propriedade
de um só, antes deve ser objecto do cuidado de todos»109.

108
Antoine Garapon, Le Gardien des Promesses, op. cit.:274.
109 Gustavo Zagrebelsky, El Derecho Dúctil. Trotta, Madrid, 1995:153.

97
Parteȱ2ȱ
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TRIBUNAIS.ȱÓRGÃOSȱDEȱSOBERANIAȱ
ESTRUTURAȱORGÂNICAȱDOȱSISTEMAȱ
JUDICIÁRIOȱ
ȱ
(Dr.ȱAntónioȱJoãoȱLatas)ȱ
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99
SubȬíndiceȱ
ȱ

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ȱ ȱ
NOTAȱINTRODUTÓRIAȱ..........................................................................................................................ȱ 105
ȱȱȱ
I.ȱTRIBUNAISȱ/ȱÓRGÃOSȱDEȱSOBERANIAȱ......................................................................................ȱȱ 107
ȱ
1ȱ–ȱDaȱindependênciaȱdosȱTribunaisȱeȱdaȱsuaȱsubmissãoȱàȱConstituiçãoȱeȱàȱLeiȱ....................ȱ 107
1.1.ȱ–ȱÂmbitoȱ....................................................................................................................................ȱȱ 107
1.2.ȱ–ȱDasȱGarantiasȱdeȱIndependência.........................................................................................ȱȱȱ 113
1.2.1.ȱ–ȱQuantoȱaoȱtribunalȱcomoȱórgãoȱ.............................................................................ȱ 113
1.2.1.1.ȱ–ȱOrganizaçãoȱjudiciáriaȱeȱreservaȱdeȱleiȱ.................................................ȱ 113
1.2.1.2.ȱ–ȱOȱJuizȱlegalȱouȱjuizȱnaturalȱ.....................................................................ȱȱ 115
1.2.2.ȱ–ȱQuantoȱaosȱtitularesȱ–ȱregimeȱestatutárioȱdosmagistradosȱjudiciaisȱ...............ȱ 116
1.2.2.1.ȱ–ȱInamovibilidadeȱeȱirresponsabilidadeȱ..................................................ȱȱ 116
1.2.2.2.ȱ–ȱImpedimentos,ȱrecusasȱeȱsuspeiçõesȱ.....................................................ȱȱ 117
1.2.2.3.ȱ–ȱÓrgãosȱprivativosȱdeȱgestãoȱeȱdisciplinaȱ..............................................ȱ 119
1.2.2.4.ȱ–ȱReservaȱdeȱleiȱ............................................................................................ȱ 125
1.3.ȱ–ȱPrincípioȱdoȱprocessoȱequitativo.ȱRemissãoȱ.....................................................................ȱȱ 126
ȱ
2ȱ–ȱObrigatoriedadeȱdasȱDecisõesȱJudiciaisȱ....................................................................................ȱ 126
2.1.ȱ–ȱAutoridadeȱdoȱcasoȱjulgadoȱ.................................................................................................ȱ 126
2.2.ȱ–ȱAȱexecutoriedadeȱdasȱdecisõesȱjudiciais;ȱoȱdireitoȱàȱcoadjuvaçãoȱdasȱoutrasȱautoridadesȱȱ
ȱȱȱȱȱȱȱȱnaȱexecuçãoȱdasȱdecisões.ȱ....................................................................................................ȱ 127
ȱ
3ȱ–ȱDaȱDignidadeȱFormalȱdosȱMagistradosȱcomoȱGarantiaȱ.........................................................ȱ 128
3.1.ȱ–ȱForoȱpróprioȱ...........................................................................................................................ȱ 128
3.2.ȱ–Especialidadesȱdeȱregimeȱemȱquestõesȱcriminaisȱ..............................................................ȱ 129
3.3.ȱ–ȱOutrosȱdireitosȱeȱregaliasȱ.....................................................................................................ȱȱ 131
3.4.ȱ–ȱDoȱusoȱdeȱtrajeȱprofissional,ȱporȱdisposiçãoȱlegalȱ............................................................ȱ 131
3.5.ȱDoȱestatutoȱremuneratórioȱ......................................................................................................ȱ 132
3.6.ȱDoȱrespeitoȱdevidoȱpelasȱfunçõesȱqueȱexercemȱ...................................................................ȱ 132
ȱ
II.ȱESTRUTURAȱORGÂNICAȱDOȱSISTEMAȱJUDICIÁRIOȱ...........................................................ȱ 133
ȱ
ȱ1ȱ–ȱDosȱTribunaisȱInternacionaisȱ......................................................................................................ȱȱ 133
1.1.ȱ–ȱOȱTribunalȱInternacionalȱdeȱJustiçaȱ(TIJ)ȱ..........................................................................ȱȱ 133
1.2.ȱ–ȱOȱTribunalȱComumȱdeȱJustiçaȱeȱArbitragemȱ(CCJA)ȱ......................................................ȱȱ 134
1.3.ȱ–ȱDaȱComissãoȱdaȱCartaȱAfricanaȱdosȱDireitosȱdoȱHomemȱeȱdosȱPovosȱ........................ȱȱ 135
ȱȱ
2ȱ–ȱDosȱTribunaisȱNacionaisȱ...............................................................................................................ȱ 135
2.1.ȱ–ȱDasȱcategoriasȱdeȱtribunais:ȱgeneralidadesȱ......................................................................ȱȱ 135
2.2.ȱ–ȱAsȱdiversasȱcategoriasȱdeȱtribunaisȱnosȱcincoȱPALOP....................................................ȱȱ 138
2.2.1.ȱ–ȱAngolaȱ......................................................................................................................ȱȱ 139
2.2.1.1.ȱ–ȱOȱTribunalȱConstitucionalȱ....................................................................ȱȱ 139

101
2.2.1.2.ȱ–ȱOȱSistemaȱUnificadoȱdeȱJustiçaȱ............................................................ȱȱȱ 140
2.2.1.2.1.ȱ–ȱCaracterizaçãoȱeȱestruturaȱ.................................................ȱ 140
2.2.1.2.2.ȱ–ȱOȱTribunalȱSupremoȱ–ȱEstrutura,ȱComposiçãoȱeȱFuncionamentoȱȱ 141
2.2.1.2.3.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱProvinciaisȱ...................................................ȱȱȱ 143
2.2.1.2.4.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱMunicipaisȱ...................................................ȱ 144
2.2.1.3.ȱ–ȱOȱTribunalȱdeȱContasȱ............................................................................ȱȱ 144
2.2.1.3.1.ȱ–ȱAtribuiçõesȱeȱestruturaȱ......................................................ȱȱȱ 144
2.2.1.3.2.ȱ–ȱJurisdiçãoȱ.............................................................................ȱȱ 145
2.2.1.3.2.1.ȱ–ȱÂmbitoȱsubjectivo.........................................ȱ 145
2.2.1.3.2.2.ȱ–ȱÂmbitoȱmaterialȱeȱterritorialȱ......................ȱȱ 145
2.2.1.3.3.ȱ–ȱCompetênciaȱ.......................................................................ȱȱȱȱ 146
2.2.1.3.4.ȱ–ȱFuncionamentoȱ...................................................................ȱ 147
2.2.1.3.5.ȱ–ȱComposiçãoȱdoȱTribunalȱeȱrecrutamentoȱdosȱjuízesȱ....ȱ 148
2.2.1.4.ȱ–ȱAȱJurisdiçãoȱMilitarȱ...............................................................................ȱȱȱȱ 148
2.2.1.4.1.ȱ–ȱEstruturaȱ..............................................................................ȱȱȱȱ 148
2.2.1.4.2.ȱ–ȱAsȱAutoridadesȱJudiciáriasȱMilitaresȱ..............................ȱȱȱȱ 149
2.2.1.4.3.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱMilitaresȱ.......................................................ȱ 150
2.2.1.4.3.1.ȱ–ȱEstruturaȱ.......................................................ȱ 150
2.2.1.4.3.2.ȱ–ȱComposição,ȱfuncionamentoȱeȱcompetênciasȱȱȱ 150
2.2.2.ȱ–ȱCaboȱVerdeȱ............................................................................................................ȱȱȱ 151
2.2.2.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱtribunaisȱconstitucionalmenteȱprevistasȱ......................ȱȱ 151
2.2.2.2.ȱ–ȱOȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiçaȱeȱtribunaisȱjudiciaisȱdeȱ1.ªȱinstânciaȱȱȱ 152
2.2.2.2.1.ȱ–ȱCompetência,ȱcomposiçãoȱeȱfuncionamentoȱdoȱSupremoȱȱȱ
TribunalȱdeȱJustiça..............................................................ȱȱȱ 153
2.2.2.2.2.ȱ–ȱOsȱtribunaisȱdeȱ1.ªȱinstânciaȱ.............................................ȱȱ 154
2.2.2.2.2.1.ȱ–ȱOsȱtribunaisȱcomunsȱ...................................ȱ 154
2.2.2.2.2.2.ȱ–ȱOsȱtribunaisȱfiscaisȱeȱaduaneirosȱ...............ȱȱ 156
2.2.3.ȱ–ȱGuinéȬBissauȱ.........................................................................................................ȱȱ 157
2.2.3.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱtribunaisȱconstitucionalmenteȱprevistasȱ......................ȱȱ 157
2.2.3.2.ȱ–ȱEstruturaȱdaȱorgânicaȱjudiciáriaȱ–ȱTribunaisȱdeȱSector,ȱTribunaisȱRegionaisȱ
eȱoȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiçaȱ.......................................................ȱȱȱ 157
2.2.3.2.1.ȱ–ȱComposiçãoȱeȱfuncionamentoȱ.........................................ȱȱ 158
2.2.4.ȱ–ȱMoçambiqueȱ...........................................................ȱ.............................................ȱȱ 159
2.2.4.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱTribunaisȱConstitucionalmenteȱprevistasȱ....................ȱȱ 159
2.2.4.2.ȱ–ȱEstruturaȱdaȱorgânicaȱjudiciáriaȱ..................ȱ......................................ȱȱ 160
2.2.4.3.ȱ–ȱOȱConselhoȱConstitucionalȱ–ȱâmbitoȱjurisdicionalȱ..........................ȱȱ 160
2.2.4.3.1.ȱ–ȱComposiçãoȱeȱfuncionamentoȱ........................................ȱ 161
2.2.4.4.ȱ–ȱOȱTribunalȱSupremoȱeȱdemaisȱTribunaisȱJudiciais..........................ȱ 163
2.2.4.4.1.ȱ–ȱOȱTribunalȱSupremo.........................................................ȱ 163
2.2.4.4.2.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱJudiciaisȱdeȱProvínciaȱ...............................ȱȱ 166
2.2.4.4.3.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱJudiciaisȱdeȱDistrito............ȱ......................ȱȱȱȱȱȱ 167
2.2.4.5.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱComunitários................................ȱ................................ȱȱȱȱ 167
2.2.4.6.ȱ–ȱOȱTribunalȱAdministrativoȱ................................................................ȱ 168
2.2.4.6.1.ȱ–ȱÂmbitoȱdeȱJurisdição........................................................ȱȱ 168
2.2.4.6.2.ȱ–ȱEstrutura,ȱcomposição,ȱfuncionamentoȱeȱcompetênciasȱȱȱ 169
2.2.4.7.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱAduaneirosȱ...................................................................ȱȱ 171
2.2.4.7.1.ȱ–ȱÂmbitoȱdeȱJurisdiçãoȱeȱEstrutura....................................ȱȱ 171
2.2.4.7.2.ȱ–ȱComposiçãoȱeȱfuncionamentoȱ........................................ȱȱ 171
2.2.5.ȱ–ȱSãoȱToméȱeȱPríncipeȱ............................................................................................ȱ 172
2.2.5.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱTribunaisȱConstitucionalmenteȱprevistas....................ȱ 172
2.2.5.2.ȱ–ȱAȱestruturaȱdaȱorgânicaȱjudiciária......................................................ȱȱ 173

102
2.2.5.3.ȱ–ȱOȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiça...........................................................ȱȱ 173
2.2.5.4.ȱ–ȱOsȱtribunaisȱdeȱ1.ªȱInstância................................................................ȱ 174
ȱ
III.ȱADENDAȱSOBREȱAȱORGÂNICAȱJUDICIÁRIAȱPORTUGUESAȱ..........................................ȱȱ 175
1ȱ–ȱOȱTribunalȱConstitucionalȱ.........................................................................................................ȱȱ 176
2ȱ–ȱOsȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscaisȱ...................................................................................ȱȱ 180
3ȱ–ȱOȱTribunalȱdeȱContasȱ..................................................................................................................ȱȱ 189
4ȱ–ȱOȱTribunalȱdeȱConflitosȱ.............................................................................................................ȱȱ 194
ȱ
SIGLASȱEȱABREVIATURASȱ....................................................................................................................ȱ 199
NOTAȱBIBLIOGRÁFICAȱ..........................................................................................................................ȱȱ 201

ȱ
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103
NotaȱIntrodutóriaȱ
ȱ
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ȱ
ȱ
Aȱvastidãoȱeȱdiversidadeȱimplicadasȱnasȱáreasȱtemáticasȱaquiȱabordadas,ȱaȱfaltaȱdeȱ
estabilidadeȱ eȱ sedimentaçãoȱ dasȱ soluçõesȱ legislativasȱ adoptadasȱ nosȱ diversosȱ
países,ȱ muitasȱ dasȱ quaisȱ sãoȱ bastanteȱ recentes,ȱ eȱ aindaȱ aȱ escassezȱ deȱ estudosȱ
versandoȱ estasȱ novasȱ realidades,ȱ aliadasȱ àsȱ limitaçõesȱ deȱ ordemȱ objectivaȱ eȱ
subjectivaȱdoȱautor,ȱnãoȱpermitiramȱumaȱabordagemȱanalíticaȱeȱinterpretativaȱcomȱ
aȱamplitudeȱmerecida.ȱȱȱ
ȱ
PrivilegiouȬse,ȱ pois,ȱ umaȱ abordagemȱ essencialmenteȱ descritivaȱ dasȱ realidadesȱ
normativasȱ dosȱ cincoȱ países,ȱ sobretudoȱ aȱ partirȱ dosȱ textosȱ constitucionaisȱ eȱ dasȱ
leisȱ estatutáriasȱ eȱ deȱ organizaçãoȱ judiciáriaȱ dosȱ cincoȱ PALOP,ȱ disponíveis,ȱ
recorrendoȬseȱ aindaȱ emȱ Adendaȱ aoȱ exemploȱ portuguêsȱ paraȱ darȱ suporteȱ
normativoȱ àȱ análiseȱ deȱ algumasȱ questõesȱ particularmenteȱ controvertidasȱ ouȱ
significativas,ȱ paraȱ oȱ queȱ emȱ anexoȱ eȱ emȱ complementoȱ seȱ juntaȱ umaȱ selecçãoȱ deȱ
textosȱlegislativos.ȱȱ
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105
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

ȱ
ȱ
ȱ
Iȱ–ȱTRIBUNAISȱ/ȱÓRGÃOSȱDEȱSOBERANIAȱ
ȱ
ȱ
Enquantoȱ órgãosȱ deȱ soberania 1 ,ȱ osȱ Tribunaisȱ definemȬseȱ pelosȱ
seguintesȱ atributos:ȱ (1)ȱ independênciaȱ eȱ submissãoȱ exclusivaȱ àȱ
Constituiçãoȱ eȱ àȱ Lei,ȱ (2)ȱ Obrigatoriedadeȱ dasȱ Decisõesȱ Judiciaisȱ eȱ (3)ȱ
dignidadeȱformalȱdosȱMagistradosȱcomoȱgarantia.ȱȱ
Vejamosȱentãoȱcadaȱumȱdeles.ȱȱ
ȱ
1ȱ–ȱINDEPENDÊNCIAȱDOSȱTRIBUNAISȱEȱAȱSUAȱSUBMISSÃOȱȱ
ȱȱȱȱȱȱÀȱCONSTITUIÇÃOȱEȱÀȱLEIȱȱ
1.1.ȱ–ȱÂmbitoȱȱ

a)ȱConsideraçõesȱgerais.ȱȱ

Independentementeȱdaȱimportânciaȱqueȱpodeȱassumirȱaȱanáliseȱmaisȱaprofundadaȱ
dasȱrelaçõesȱqueȱseȱestabelecemȱentreȱosȱconceitosȱdeȱindependênciaȱeȱimparcialidadeȱ
ȱ
dosȱ tribunaisȱ eȱ dosȱ juízes, 2 nãoȱ deixamosȱ deȱ constatarȱ queȱ osȱ textosȱ normativosȱ
nacionaisȱ eȱ internacionaisȱ usamȱ muitasȱ vezesȱ apenasȱ umȱ delesȱ ouȱ ambosȱ osȱ
conceitosȱ emȱ conjunto,ȱ comoȱ formaȱ deȱ caracterizarȱ osȱ tribunaisȱ enquantoȱ órgãosȱ
deȱsoberania,ȱsemȱqueȱporȱqualquerȱdaquelesȱmodosȱseȱpretendaȱnecessariamenteȱ
autonomizarȱeȱcontraporȱambosȱosȱconceitos.ȱȱ

1ȱVd,ȱManuelȱToméȱSoaresȱGomesȱeȱFernandoȱBento,ȱDaȱFunçãoȱJurisdicional.ȱOrganizaçãoȱJudiciária.ȱ
LinhasȱEsquemáticas,ȱLisboa,ȱSetembroȱdeȱ1998ȬCEJ.ȱ
2ȱSemȱdesenvolverȱosȱconceitosȱdeȱindependênciaȱeȱimparcialidade,ȱnomeadamenteȱnoȱqueȱrespeitaȱaoȱ

temaȱ dasȱ relaçõesȱ entreȱ eles,ȱ nãoȱ queremosȱ deixarȱ deȱ fazerȱ referênciaȱ àȱ perspectivaȱ queȱ atribuiȱ
carácterȱinstrumentalȱàȱindependênciaȱdosȱjuízesȱeȱdosȱtribunaisȱfaceȱàȱimparcialidade,ȱtomadaȱestaȱcomoȱ
princípioȱúltimoȱlegitimadorȱdaȱactividadeȱheterocompositivaȱjudicial.ȱ
Aȱimparcialidadeȱéȱvistaȱentãoȱenquantoȱposturaȱobjectivaȱeȱsubjectivaȱexigívelȱaosȱtribunaisȱeȱaosȱjuízesȱ
naȱ suaȱ actividadeȱ deȱ obtençãoȱ eȱ declaraçãoȱ deȱ resultados,ȱ noȱ âmbitoȱ deȱ umȱ sistemaȱ deȱ justiçaȱ
heterocompositivaȱ autoritária,ȱ emȱ queȱ aȱ independênciaȱ seȱ insereȱ numȱ conjuntoȱ maisȱ amploȱ deȱ
garantiasȱcomȱvistaȱaȱassegurarȱaȱimparcialidade.ȱȱȱ
Independentementeȱ dosȱ seusȱ postuladosȱ teóricos,ȱ estaȱ concepçãoȱ daȱ independênciaȱ comoȱ garantiaȱ daȱ
imparcialidade,ȱ eȱ nãoȱ comoȱ umȱ fimȱ emȱ siȱ mesmo,ȱ temȱ aȱ virtualidadeȱ deȱ pôrȱ emȱ evidênciaȱ queȱ aoȱ
falarȬseȱ exclusivamenteȱ daȱ independênciaȱ seȱ correȱ oȱ riscoȱ deȱ potenciarȱ magistraturasȱ bemȱ maisȱ
independentesȱ doȱ queȱ imparcialmenteȱ motivadasȱ peloȱ queȱ éȱ justo,ȱ esquecendoȱ queȱ aȱ independênciaȱ nãoȱ
ofereceȱquaisquerȱgarantiasȱdeȱserȱmeioȱadequadoȱàȱobtençãoȱdeȱresultadosȱjustos,ȱporqueȱimparciaisȱȬVdȱaȱesteȱ
propósito,ȱ Soveralȱ Martins,ȱ Aȱ Organizaçãoȱ dosȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ Portugueses,ȱ Iȱ Volume,ȱ Foraȱ doȱ
Textoȱ –ȱ Coimbra,ȱ 1990,ȱ deȱ ondeȱ seȱ transcrevemȱ osȱ trechosȱ emȱ itálico,ȱ eȱ paraȱ maioresȱ
desenvolvimentos,ȱCarloȱGuarnieri,ȱLÍndipendenzaȱDellaȱMagistratua,ȱPadova,mȱCedamȬ1981,ȱpp.ȱ

107
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Naȱverdade,ȱenquantoȱoȱart.ȱ10ºȱdaȱDeclaraçãoȱUniversalȱdosȱDireitosȱdoȱHomemȱ
ouȱ oȱ art.ȱ 6ºȱ nºȱ 1ȱ daȱ Convençãoȱ Europeiaȱ dosȱ Direitosȱ doȱ Homemȱ (CEDH),ȱ seȱ
referemȱ aȱ umȱ tribunalȱ independenteȱ eȱ imparcial,ȱ aȱ generalidadeȱ dasȱ legislaçõesȱ dosȱ
cincoȱ PALOPȱ refereȬseȱ apenasȱ aȱ tribunaisȱ ouȱ juízesȱ independentes,ȱ eȱ oȱ art.ȱ 203ºȱ daȱ
actualȱ CRPȱ diz,ȱ genericamente,ȱ que,ȱ “Osȱ tribunaisȱ sãoȱ independentesȱ eȱ apenasȱ estãoȱ
sujeitosȱ àȱ lei”,ȱ semȱ queȱ oȱ art.ȱ 216ºȱ façaȱ qualquerȱ alusãoȱ àȱ independênciaȱ ouȱ
imparcialidadeȱ dosȱ juízesȱ aoȱ disporȱ sobreȱ asȱ suasȱ garantiasȱ eȱ inamovibilidades,ȱ
paraȱmaisȱadianteȱaludirȱexpressamenteȱàquelasȱcaracterísticas,ȱquandoȱnoȱart.ȱ222ºȱ
nº5ȱ estabeleceȱ queȱ “…ȱ osȱ juízesȱ doȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ gozamȱ dasȱ garantiasȱ deȱ
independência,ȱinamovibilidade,ȱimparcialidadeȱeȱirresponsabilidadeȱeȱestãoȱsujeitosȱ
àsȱincompatibilidadesȱdosȱjuízesȱdosȱrestantesȱtribunais.”.ȱȱ

Porȱsuaȱvezȱoȱart.ȱ7ºȱnº1ȱd)ȱdaȱCartaȱAfricanaȱdosȱDireitosȱdoȱHomemȱeȱdosȱPovosȱ
aprovadaȱ pelaȱ Conferênciaȱ Ministerialȱ daȱ Organizaçãoȱ daȱ Unidadeȱ Africanaȱ
(OUA),ȱ emȱ Banjul,ȱ Gâmbia,ȱ emȱ Janeiroȱ deȱ 1981ȱ eȱ entradaȱ emȱ vigorȱ emȱ 21ȱ deȱ
Outubroȱ deȱ 1986,ȱ consagraȱ oȱ direitoȱ deȱ qualquerȱ pessoaȱ aȱ queȱ aȱ suaȱ causaȱ sejaȱ
examinada,ȱoȱqueȱcompreendeȱoȱdireitoȱaȱserȱjulgadaȱnumȱprazoȱrazoávelȱporȱumaȱ
jurisdiçãoȱimparcial,ȱemȱtermosȱqueȱnãoȱdeixamȱdeȱfazerȱlembrarȱoȱart.ȱ6ºȱdaȱCEDHȱ
oȱqual,ȱcomoȱaludido,ȱconsagraȱoȱdireitoȱdeȱqualquerȱpessoaȱ“…ȱaȱqueȱaȱsuaȱcausaȱ
sejaȱ examinada,ȱ equitativaȱ eȱ publicamente,ȱ numȱ prazoȱ razoávelȱ porȱ umȱ tribunalȱ
independenteȱ eȱ imparcial….”,ȱ nadaȱ nosȱ permitindoȱ concluirȱ queȱ seȱ temȱ emȱ menteȱ
diversaȱcaracterizaçãoȱdosȱtribunais.ȱȱ

TomarȬseȬão,ȱ pois,ȱ indistintamenteȱ asȱ referênciasȱ aȱ tribunaisȱ independentes,ȱ aȱ


tribunaisȱ independentesȱ eȱ imparciaisȱ ouȱ apenasȱ aȱ tribunaisȱ imparciais,ȱ quandoȱ
genericamenteȱ utilizadas,ȱ comȱ similitudeȱ deȱ significados,ȱ semȱ deixarȱ deȱ terȱ
sempreȱpresenteȱoȱcarácterȱindissociávelȱdeȱambasȱasȱcaracterísticasȱeȱsemȱignorarȱ
aȱdistinçãoȱentreȱasȱgarantiasȱconsagradasȱnormativamenteȱqueȱmaisȱdirectamenteȱ
visamȱaȱsalvaguardaȱdeȱumaȱouȱoutraȱdasȱfacesȱdestaȱmesmaȱmoeda.ȱȱ

Quandoȱ seȱ distinguiremȱ osȱ conceitosȱ paraȱ melhorȱ clarezaȱ deȱ exposição,ȱ comoȱ
faremos,ȱ considerarȬseȬáȱ entãoȱ queȱ aȱ independênciaȱ temȱ maisȱ queȱ verȱ comȱ umȱ
quadroȱ institucionalȱ geral,ȱ relacionadoȱ comȱ asȱ garantiasȱ daȱ justiçaȱ naȱ sociedade,ȱ
doȱ queȱ comȱ aspectosȱ maisȱ ligadosȱ àsȱ relaçõesȱ eȱ atitudesȱ pessoaisȱ doȱ juizȱ queȱ
possamȱafectarȱ–ȱouȱparecerȱafectarȱ–ȱaȱsuaȱaptidãoȱparaȱdecidirȱcomȱtotalȱisenção,ȱ
casoȱemȱqueȱfalaremosȱentãoȱdeȱimparcialidade.ȱȱ

ComoȱrefereȱoȱProf.ȱFigueiredoȱDias,ȱseȱatravésȱdaȱcaracterísticaȱdaȱindependênciaȱ
dosȱ juízesȱ seȱ asseguramȱ osȱ fundamentosȱ deȱ umaȱ actuaçãoȱ dosȱ tribunaisȱ livreȱ
peranteȱpressõesȱqueȱseȱlhesȱdirijamȱdoȱexterior,ȱaȱobjectividadeȱdeȱumȱjulgamentoȱ
derivaȱainda,ȱparaȱalémȱdaquelaȱsegurançaȱgeral,ȱdeȱnãoȱseȱpermitirȱqueȱseȱponhaȱ
emȱdúvidaȱaȱposiçãoȱdeȱequidistânciaȱdosȱjuízesȱperanteȱosȱcasosȱconcretosȱaȱdecidir.ȱ

108
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

b)ȱDelimitação.ȱȱ
ȱ
Tentemosȱprecisarȱentãoȱqualȱoȱâmbitoȱdaȱnoçãoȱdeȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱ
enquantoȱórgãosȱdeȱsoberania,ȱtendoȱpresenteȱqueȱtalȱprincípioȱconstituiráȱaȱmaisȱ
irrenunciávelȱ característicaȱ daȱ funçãoȱ deȱ julgarȱe,ȱ portanto,ȱ semȱaȱ qualȱ nãoȱ podeȱ
falarȬseȱ deȱ tribunaisȱ ouȱ tutelaȱ jurisdicional.ȱ Comoȱ ensinaȱ oȱ Prof.ȱ Marceloȱ Rebeloȱ
deȱSousa, 3 ȱaȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱconstituiȱelementoȱdefinidorȱdaȱprópriaȱ
funçãoȱ jurisdicional,ȱ naȱ medidaȱ emȱ queȱ talȱ função,ȱ paraȱ alémȱ deȱ compreenderȱ
elementosȱ definitóriosȱ materiaisȱ [assegurarȱ aȱ defesaȱ dosȱ direitosȱ eȱ interessesȱ
legalmenteȱprotegidos,ȱreprimirȱaȱviolaçãoȱdaȱlegitimidadeȱdemocráticaȱeȱdirimirȱ
osȱconflitosȱdeȱinteressesȱpúblicosȱeȱprivados,ȱnoȱcasoȱportuguêsȱeȱemȱdefiniçõesȱ
similares]ȱ éȱ aquelaȱ queȱ éȱ exercidaȱ atravésȱ deȱ órgãosȱ entreȱ siȱ independentes,ȱ colocadosȱ
numaȱposiçãoȱdeȱimparcialidadeȱeȱdeȱjuridicidade.ȱIstoȱé,ȱ“…aȱfunçãoȱjurisdicionalȱincluiȱ
naȱsuaȱdefiniçãoȱumȱelementoȱorgânicoȬmaterial:ȱosȱórgãosȱqueȱaȱexercemȱsãoȱimparciaisȱeȱaȱ
suaȱ actuaçãoȱ éȱ essencialmenteȱ jurídicaȱ ouȱ juridificada.ȱ (…)ȱ Ouȱ seja,ȱ aȱ própriaȱ
independênciaȱ dosȱ tribunaisȱ estáȱ ínsitaȱ naȱ definiçãoȱ daȱ funçãoȱ jurisdicionalȱ doȱ EstadoȬ
colectividade.ȱ(…)ȱSemȱelaȱnãoȱháȱverdadeiraȱfunçãoȱjurisdicional”ȱ(p.ȱ9).ȱȱ

Aȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱcomporta,ȱporém,ȱumaȱpluralidadeȱdeȱsignificados,ȱ
comȱ asȱ maisȱ sériasȱ implicaçõesȱ eȱ incidênciasȱ políticas,ȱ económicasȱ eȱ sociais,ȱ
conformeȱensinavaȱjáȱemȱ1974ȱoȱProf.ȱFigueiredoȱDias 4 :ȱȱ

(1)ȱ Noȱ seuȱ significadoȱ maisȱ directamenteȱ político,ȱ queȱ resultaȱ daȱ «separaçãoȱ deȱ
poderes»ȱenquantoȱprincípioȱbásicoȱemȱqualquerȱEstadoȱdeȱDireito,ȱsignificaȱaȱ
independênciaȱperanteȱosȱrestantesȱpoderesȱdoȱEstadoȱ(ouȱperanteȱosȱrestantesȱórgãosȱ
deȱsoberania). 5

(2)ȱNumȱsegundoȱsentido,ȱtrataȬseȱdaȱindependênciaȱperanteȱquaisquerȱgruposȱdaȱvidaȱ
pública,ȱ sejamȱ elesȱ partidosȱ políticos,ȱ lobbies,ȱ imprensa,ȱ rádio,ȱ televisãoȱ ouȱ
quaisquerȱoutros,ȱcujaȱinfluência,ȱsobretudoȱnasȱdemocraciasȱparlamentares,ȱéȱ
maisȱperigosaȱparaȱoȱexercícioȱdaȱfunçãoȱjudicialȱqueȱaȱdosȱrestantesȱpoderesȱ
doȱEstado.ȱȱȱ

(3)ȱ Numȱ terceiroȱ sentidoȱ estáȱ emȱ causaȱ aȱ independênciaȱ dosȱ tribunaisȱ peranteȱ aȱ
administraçãoȱ judiciária,ȱ ouȱ seja,ȱ emȱ faceȱ deȱ ordensȱ ouȱ instruçõesȱ aȱ queȱ oȱ juizȱ
devaȱ obediênciaȱ emȱ matériaȱ deȱ organizaçãoȱ eȱ fiscalizaçãoȱ dosȱ serviçosȱ

3ȱ Marceloȱ Rebeloȱ deȱ Sousa,ȱ Orgânicaȱ Judicial,ȱ Responsabilidadeȱ dosȱ Juízesȱ eȱ Tribunalȱ Constitucionalȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
(IȱJornadasȱJudiciaisȱLusoȱBrasileiras,ȱLisboa,ȱOutubroȱdeȱ1991)ȱed.ȱA.A.F.D.L.,ȱp.ȱ8ȱ
4ȱDireitoȱProcessualȱPenal,ȱ1ºȱVolume,ȱCoimbraȱEditoraȬ1981ȱpp.ȱ301Ȭ320,ȱqueȱseȱsegueȱdeȱpertoȱnestaȱparte.ȱ

5ȱUmaȱreferênciaȱaoȱqueȱteráȱsidoȱaȱhistóriaȱdaȱindependênciaȱjudicialȱemȱPortugal,ȱtomadaȱnesteȱsentido,ȱ

podeȱverȬseȱemȱLuísȱEloyȱAzevedo,ȱMagistraturaȱPortuguesaȬRetratoȱdeȱumaȱmentalidadeȱcolectiva,ȱ
ediçãoȱCosmos,ȱLisboaȬ2001,ȱpp.ȱ82Ȭ93.ȱ

109
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

judiciais,ȱ v.g.ȱ noȱ queȱ respeitaȱ aȱ licenças,ȱ ausênciasȱ eȱ suaȱ justificação,ȱ


participaçãoȱ nosȱ turnosȱ judiciais,ȱ organizaçãoȱ internaȱ deȱ trabalhosȱ ouȱ
jurisdiçãoȱ disciplinar,ȱ entreȱ outrosȱ aspectosȱ deȱ carácterȱ essencialmenteȱ
burocráticoȱouȱadministrativo.ȱȱ

Oȱqueȱseȱpretende,ȱnestaȱsede,ȱéȱassegurarȱqueȱporȱviaȱdoȱdeverȱdeȱobediênciaȱ
doȱ juizȱ nessasȱ matérias,ȱ oȱ mesmoȱ nãoȱ fiqueȱ sujeitoȱ aȱ qualquerȱ espécieȱ deȱ
pressãoȱ noȱ queȱ tocaȱ aoȱ exercícioȱ daȱ funçãoȱ judicial,ȱ ouȱ seja,ȱ relativamenteȱ aoȱ
sentidoȱemȱqueȱháȬdeȱdecidirȱosȱcasosȱconcretosȱsujeitosȱàȱsuaȱapreciação.ȱȱ

(4)ȱNumȱúltimoȱsentido,ȱfalaȬseȱdaȱindependênciaȱperanteȱosȱoutrosȱtribunais.ȱȱ
ȱ
PretendeȬseȱ assegurarȱ aosȱ juízesȱ aȱ independênciaȱ necessáriaȱ paraȱ decidiremȱ deȱ
acordoȱ comȱ aȱ suaȱ concepçãoȱ doȱ direitoȱ eȱ daȱ leiȱ –ȱ oȱ queȱ nãoȱ seȱ confundeȱ comȱ
perspectivasȱ puramenteȱ subjectivas,ȱ discricionáriasȱ eȱ incontroláveisȱ –,ȱ semȱ
estaremȱ adstritosȱ aoȱ deverȱ deȱ seguirȱ quaisquerȱ correntesȱ ouȱ orientaçõesȱ
jurisprudênciasȱ queȱ nãoȱ «perfilhem»,ȱ aoȱ contrárioȱ doȱ queȱ sucedeȱ nosȱ direitosȱ deȱ
inspiraçãoȱ inglesa,ȱ ondeȱ aȱ magistraturaȱ seȱ encontraȱ vinculadaȱ aoȱ princípioȱ doȱ
«precedente».ȱȱ

Numȱ esforçoȱ deȱ sínteseȱ pode,ȱ pois,ȱ dizerȬseȱ queȱ comȱ aȱ independênciaȱ dosȱ
tribunaisȱ seȱ pretendeȱ significarȱ queȱ osȱ mesmos,ȱ enquantoȱ órgãosȱ supraȱ partes,ȱ
estranhosȱ aosȱ interessesȱ públicosȱ ouȱ privadosȱ emȱ causa,ȱ sóȱ estãoȱ sujeitosȱ àȱ
Constituiçãoȱeȱàsȱdemaisȱleis,ȱnãoȱdevendoȱobediênciaȱaȱquaisquerȱoutrosȱpoderesȱdoȱEstadoȱ
ouȱprivados,ȱsendoȱigualmenteȱindependentesȱentreȱsi,ȱsemȱprejuízoȱdoȱacatamentoȱ
dasȱdecisõesȱproferidas,ȱemȱviaȱdeȱrecurso,ȱpelosȱtribunaisȱsuperiores.ȱȱ
ȱ
c)ȱAȱconsagraçãoȱformalȱdaȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱnaȱConstituiçãoȱdosȱcincoȱ
PALOP.ȱȱ
ȱ
Aȱ independênciaȱ dosȱ tribunaisȱ encontraȬseȱ claramenteȱ acolhidaȱ noȱ ordenamentoȱ
jurídicoȱpositivoȱdosȱcincoȱPALOP,ȱquerȱnasȱrespectivasȱconstituições,ȱquerȱnaȱleiȱ
ordinária,ȱ sintonizandoȬseȱ assimȱ comȱ instrumentosȱ internacionaisȱ deȱ inegávelȱ
relevo,ȱ independentementeȱ daȱ áreaȱ políticaȱ eȱ geográficaȱ porȱ elesȱ directamenteȱ
abrangidas,ȱ segundoȱ osȱ quaisȱ aȱ Independênciaȱ doȱ sistemaȱ judicialȱ deveȱ serȱ garantidaȱ
porȱregrasȱinternasȱdoȱmaisȱelevadoȱnívelȱpossível.ȱȱ

Nesteȱ sentidoȱ apontamȱ osȱ Princípiosȱ fundamentaisȱ dasȱ Naçõesȱ Unidas,ȱ aoȱ
preveremȱqueȱaȱindependênciaȱdaȱMagistraturaȱéȱgarantidaȱpeloȱEstadoȱeȱconsagradaȱnaȱ
Constituiçãoȱ ouȱ peloȱ direitoȱ nacional,ȱ aȱ Recomendaçãoȱ Rȱ (94)ȱ 12ȱ doȱ Comitéȱ deȱ
MinistrosȱdoȱConselhoȱdaȱEuropaȱou,ȱainda,ȱaȱCartaȱEuropeiaȱsobreȱoȱEstatutoȱdosȱ
Juízes,ȱ redigidaȱ pelosȱ participantesȱ emȱ reuniãoȱ multilateralȱ sobreȱ oȱ estatutoȱ dosȱ

110
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

juízesȱ naȱ Europa,ȱ organizadaȱ peloȱ Conselhoȱ daȱ Europa,ȱ deȱ 8ȱ aȱ 10ȱ deȱ Junhoȱ deȱ
1998,ȱ aȱ qualȱ estabeleceȱ queȱ “Emȱ cadaȱ Estadoȱ europeu,ȱ osȱ princípiosȱ fundamentaisȱ doȱ
estatutoȱdosȱjuízesȱsãoȱenunciadosȱnasȱnormasȱinternasȱdeȱnívelȱmaisȱelevadoȱeȱsuasȱregrasȱ
emȱnormasȱdoȱnívelȱpeloȱmenosȱlegislativo.”,ȱlembrandoȱaindaȱumȱaspectoȱessencialȱdeȱ
todaȱ estaȱ problemáticaȱ aoȱ afirmarȱ queȱ Aȱ independênciaȱ dosȱ juízesȱ nãoȱ éȱ umaȱ
prerrogativaȱouȱumȱprivilégioȱoutorgadoȱnoȱseuȱpróprioȱinteresse,ȱmasȱsimȱnoȱinteresseȱdaȱ
preeminênciaȱdoȱdireitoȱeȱdaquelesȱqueȱprocuramȱeȱpedemȱjustiça.ȱȱ

c.1.)ȱ –ȱ Aȱ Leiȱ Constitucionalȱ nºȱ 23/92ȱ deȱ 16ȱ deȱ Setembroȱ daȱ Repúblicaȱ deȱ Angolaȱ
(LCRA),ȱ queȱ visouȱ essencialmenteȱ aȱ clarificaçãoȱ deȱ Angolaȱ comoȱ umȱ Estadoȱȱ
democrático,ȱdeȱdireito,ȱassenteȱnumȱmodeloȱdeȱorganizaçãoȱdoȱEstadoȱassenteȱnaȱ
separaçãoȱdeȱfunçõesȱeȱinterdependênciaȱȱdosȱórgãosȱdeȱsoberania,ȱconsagraȱestaȱ
mesmaȱ separaçãoȱ eȱ interdependênciaȱ noȱ art.ȱ 54º,ȱ incluindoȱ osȱ tribunaisȱ entreȱ osȱ
órgãosȱdeȱsoberania,ȱnoȱart.ȱ53º.ȱȱ

Porȱseuȱlado,ȱoȱart.ȱ120ºȱcomȱqueȱseȱiniciaȱaȱsecçãoȱdedicadaȱaosȱtribunais,ȱdeclaraȬ
osȱindependentes,ȱnoȱexercícioȱdaȱfunçãoȱjurisdicional,ȱapenasȱsujeitosȱàȱLei.ȱȱ
ȱ
c.2)ȱ –ȱ Naȱ Constituiçãoȱ daȱ Repúblicaȱ deȱ Moçambiqueȱ (CRM),ȱ osȱ Tribunaisȱ sãoȱ
igualmenteȱ integradosȱ entreȱ osȱ órgãosȱ deȱ soberaniaȱ (art.ȱ 109º)ȱ eȱ oȱ art.ȱ 164ºȱ
determinaȱqueȱosȱjuízesȱsãoȱindependentesȱeȱapenasȱdevemȱobediênciaȱàȱlei.ȱȱ
Oȱart.ȱ4ºȱdoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciais,ȱaprovadoȱpelaȱLeiȱ10/91ȱdeȱ30ȱdeȱ
Julhoȱ afirmaȱ tambémȱ aȱ independênciaȱ dosȱ magistradosȱ judiciaisȱ (EMJȬM),ȱ
explicitandoȱqueȱosȱmesmosȱapenasȱjulgamȱsegundoȱaȱConstituição,ȱaȱleiȱeȱaȱsuaȱ
consciência,ȱnãoȱestandoȱsujeitosȱaȱordensȱouȱinstruções,ȱsemȱprejuízoȱdoȱdeverȱdeȱ
acatamentoȱdasȱdecisõesȱdosȱtribunaisȱsuperioresȱproferidasȱemȱviasȱdeȱrecurso.ȱȱ
ȱ
c.3)ȱ–ȱNoȱseuȱart.ȱ2º,ȱaȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱdeȱCaboȱVerdeȱ–ȱrepublicadaȱpelaȱ
LeiȱConstitucionalȱnºȱ1/V/99ȱdeȱ23ȱdeȱNovembroȱ(CRCV)ȱ–ȱconsagraȱoȱEstadoȱdeȱ
DireitoȱDemocráticoȱcomoȱmodeloȱdeȱorganizaçãoȱpolíticaȱeȱreconheceȱoȱprincípioȱ
daȱ separaçãoȱ eȱ interdependênciaȱ dosȱ poderes,ȱ mencionandoȱ expressamenteȱ aȱ
independênciaȱ dosȱ tribunais;ȱ oȱ art.ȱ 118ºȱ nºȱ 2ȱ reafirmaȱ oȱ principioȱ daȱ separaçãoȱ eȱ
interdependênciaȱ dosȱ poderesȱ entreȱ osȱ órgãosȱ deȱ soberania,ȱ cujaȱ enumeraçãoȱ
constaȱ doȱ art.ȱ 118ºȱ nºȱ 1,ȱ queȱ incluiȱ osȱ tribunais.ȱ Oȱ art.ȱ 175ºȱ atribuiȱ competênciaȱ
absolutamenteȱreservadaȱàȱAssembleiaȱNacional,ȱórgãoȱlegislativoȱporȱexcelência,ȱ
emȱ matériaȱ deȱ Organizaçãoȱ dosȱ Tribunaisȱ eȱ deȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ oȱ queȱ
representaȱ oȱ reforçadoȱ reconhecimentoȱ daȱ importânciaȱ atribuídaȱ àȱ organizaçãoȱ
dosȱTribunaisȱeȱdoȱMinistérioȱPúblicoȱ–ȱeȱrespectivosȱmagistradosȱ–ȱfaceȱàȱanteriorȱ
versãoȱ daȱ Constituiçãoȱ queȱ apenasȱ atribuíaȱ reservaȱ relativaȱ deȱ competênciaȱ àȱ
AssembleiaȱNacionalȱnaquelesȱdomíniosȱ(cf.ȱanteriorȱart.ȱ188ºȱdaȱCRCV).ȱȱ

111
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

NoȱTítuloȱVȱdedicadoȱaoȱPoderȱJudicial,ȱoȱart.ȱ210ºȱnº1ȱreafirmaȱaȱindependênciaȱ
dosȱtribunaisȱeȱaȱsuaȱexclusivaȱsujeiçãoȱàȱConstituiçãoȱeȱàȱleiȱeȱoȱart.ȱ220ºȱdedicadoȱ
àȱmagistraturaȱjudicialȱdeterminaȱaȱsuaȱconstituiçãoȱcomoȱcorpoȱúnico,ȱautónomoȱ
eȱ independenteȱ deȱ todosȱ osȱ demaisȱ poderes;ȱ tambémȱ oȱ art.ȱ 4ºȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ
Magistradosȱ Judiciaisȱ aprovadoȱ pelaȱ Leiȱ 32/III/97ȱ deȱ 31ȱ deȱ Dezembroȱ seȱ refereȱ àȱ
independênciaȱ dosȱ juízesȱ noȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funções,ȱ osȱ quaisȱ apenasȱ devemȱ
obediênciaȱàȱleiȱeȱàȱsuaȱconsciência,ȱsemȱprejuízoȱdoȱdeverȱdeȱacataremȱasȱdecisõesȱ
dosȱtribunaisȱsuperioresȱproferidasȱporȱviaȱdeȱrecurso.ȱȱȱ
ȱ
c.4.)ȱ Oȱ art.ȱ 120ºȱ nºȱ 4ȱ daȱ Constituiçãoȱ daȱ Repúblicaȱ daȱ GuinéȬBissauȱ deȱ 26ȱ deȱ
Fevereiroȱdeȱ1993,ȱcomȱasȱalteraçõesȱintroduzidasȱpelaȱLeiȱConstitucionalȱ1/95ȱdeȱ1ȱ
deȱ Dezembro,ȱ eȱ pelaȱ Leiȱ Constitucionalȱ aprovadaȱ emȱ 27ȱ deȱ Novembroȱ deȱ 1996ȱ
(CRGB),ȱ refereȱ queȱ noȱ exercícioȱ daȱ suaȱ funçãoȱ jurisdicionalȱ osȱ tribunaisȱ sãoȱ
independentesȱeȱapenasȱestãoȱsujeitosȱàȱlei,ȱeȱoȱart.ȱ123ºȱexpressamenteȱdeclaraȱqueȱnoȱ
exercícioȱ oȱ dasȱ suasȱ funçõesȱ oȱ ȱ juizȱ éȱ independenteȱ eȱ sóȱ deveȱ obediênciaȱ àȱ leiȱ eȱ àȱ suaȱ
consciência.ȱȱ
Nesteȱmesmoȱsentido,ȱdispõeȱoȱart.ȱ5ºȱdoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱ(Leiȱ
nºȱ 1/99ȱ deȱ 1ȱ deȱ Setembro)ȱ queȱ osȱ juízesȱ julgamȱ apenasȱ segundoȱ aȱ Leiȱ eȱ aȱ suaȱ
consciênciaȱ eȱ nãoȱ estãoȱ sujeitosȱ aȱ ordensȱ ouȱ instruções,ȱ salvoȱ oȱ deverȱ deȱ
acatamentoȱdasȱdecisõesȱproferidasȱpelosȱtribunaisȱsuperioresȱporȱviaȱdeȱrecurso.ȱȱ
ȱ
c.5)ȱ Tambémȱ aȱ Constituiçãoȱ daȱ Repúblicaȱ Democráticaȱ deȱ Sãoȱ Toméȱ eȱ Príncipeȱ
(CRSTP)ȱ naȱ versãoȱ daȱ Leiȱ deȱ Revisãoȱ Constitucionalȱ nº1/2003ȱ deȱ 29ȱ deȱ Janeiro,ȱ
acolheȱoȱprincípioȱdaȱseparaçãoȱdeȱPoderes,ȱincluindoȱosȱTribunaisȱentreȱosȱórgãosȱ
deȱsoberaniaȱ(art.ȱ68º)ȱȱeȱproclamandoȱemȱpreceitoȱautónomoȱaȱsuaȱindependênciaȱ
eȱ exclusivaȱ sujeiçãoȱ àsȱ leisȱ (ȱ art.ȱ 121º),ȱ oȱ queȱ éȱ afirmadoȱ igualmente,ȱ quaseȱ ipsisȱ
verbis,ȱnoȱart.ȱ2ºȱdaȱLeiȱdeȱBaseȱdoȱSistemaȱJudiciárioȱ(Leiȱ8ȱnºȱ8/91)ȱeȱreafirmadoȱ
noȱart.ȱ2ºȱdoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱ(Leiȱnºȱ10/91):ȱosȱmagistradosȱJudiciaisȱapenasȱ
julgamȱsegundoȱaȱConstituiçãoȱeȱaȱlei,ȱnãoȱestandoȱsujeitosȱaȱordensȱouȱinstruções,ȱsalvoȱoȱ
acatamentoȱdasȱdecisõesȱproferidasȱpelosȱtribunaisȱsuperioresȱporȱviaȱdeȱrecurso.ȱȱ

Aȱtítuloȱdeȱmeroȱapontamento,ȱrefiraȬseȱqueȱtambémȱoȱart.ȱ110ºȱnº1ȱdaȱCRPȱincluiȱ
osȱTribunaisȱentreȱosȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱ(PresidenteȱdaȱRepública,ȱAssembleiaȱdaȱ
República,ȱGovernoȱeȱTribunais),ȱimpondoȱoȱart.ȱ111ºȱnº1ȱaosȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱ
osȱ deveresȱ deȱ observarȱ aȱ separaçãoȱ eȱ interdependênciaȱ entreȱ eles,ȱ nosȱ termosȱ
estabelecidosȱ naȱ Constituição,ȱ oȱ art.ȱ 203ºȱ afirmaȱ queȱ osȱ tribunaisȱ sãoȱ
independentesȱeȱapenasȱestãoȱsujeitosȱàȱlei,ȱoȱart.ȱ165ºȱnº1ȱp)ȱconsideraȱmatériaȱdaȱ
exclusivaȱ competênciaȱ daȱ AR,ȱ aȱ organizaçãoȱ eȱ competênciaȱ dosȱ tribunais,ȱ bemȱ
comoȱoȱestatutoȱdosȱrespectivosȱmagistrados,ȱenquantoȱoȱart.ȱ288ºȱal.ȱm),ȱincluiȱaȱ
independênciaȱdosȱtribunaisȱentreȱosȱlimitesȱmateriaisȱdaȱrevisãoȱconstitucional.ȱȱ

112
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Deȱigualȱmodoȱoȱart.ȱ3ºȱnº1ȱdaȱLeiȱdeȱOrganizaçãoȱeȱFuncionamentoȱdosȱTribunaisȱ
Judiciaisȱ (LOFTJȱ –ȱ Leiȱ 38/87ȱ deȱ 23.12.ȱ apósȱ asȱ alteraçõesȱ daȱ Leiȱ 3/99ȱ deȱ 13ȱ deȱ
Janeiro)ȱrefereȱqueȱosȱtribunaisȱjudiciaisȱsãoȱindependentesȱeȱapenasȱestãoȱsujeitosȱ
àȱ leiȱ eȱ oȱ art.ȱ 4ºȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ Judiciaisȱ (EMJȱ –ȱ Leiȱ 21/85ȱ deȱ 30ȱ deȱ
Julho,ȱsucessivamenteȱmodificada)ȱdispõeȱigualmenteȱqueȱosȱmagistradosȱjudiciaisȱ
julgamȱapenasȱsegundoȱaȱConstituiçãoȱeȱaȱleiȱeȱqueȱnãoȱestãoȱsujeitosȱaȱordensȱouȱ
instruções,ȱ salvoȱ oȱ deverȱ deȱ acatamentoȱ pelosȱ tribunaisȱ inferioresȱ dasȱ decisõesȱ
proferidas,ȱemȱviasȱdeȱrecurso,ȱpelosȱtribunaisȱsuperiores.ȱȱ
ȱ
1.2.ȱ–ȱDasȱGarantiasȱdeȱIndependência.ȱȱ
ȱ
Paraȱassegurarȱaȱefectivaȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱeȱaȱsuaȱexclusivaȱsujeiçãoȱàȱ
constituiçãoȱ eȱ àȱ lei,ȱ estasȱ estabelecemȱ algumasȱ garantias,ȱ sendoȱ umasȱ reportadasȱ
aoȱtribunalȱenquantoȱórgãoȱeȱoutrasȱestabelecidasȱaȱpropósitoȱdosȱjuízesȱenquantoȱ
titularesȱdosȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱtribunais.ȱȱ
ȱ
1.2.1.ȱ–ȱQuantoȱaoȱtribunalȱcomoȱórgão.ȱȱ
ȱ
1.2.1.1.ȱ–ȱOrganizaçãoȱjudiciáriaȱeȱreservaȱdeȱlei.ȱȱ
ȱ
Osȱtribunais,ȱqueȱsãoȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱnoȱseuȱtodoȱeȱcadaȱqualȱdeȱperȱsi,ȱsãoȱ
independentesȱ relativamenteȱ aȱ todosȱ osȱ demaisȱ órgãosȱ doȱ poderȱ políticoȱ doȱ
Estadoȱeȱtambémȱentreȱsi,ȱoȱqueȱéȱgarantidoȱdesdeȱlogoȱpelaȱadopçãoȱdeȱmodelosȱ
deȱorganizaçãoȱjudiciáriaȱimunesȱàsȱinterferênciasȱdosȱdemaisȱpoderesȱdoȱEstadoȱ
eȱ garantesȱ doȱ respeitoȱ pelaȱ independênciaȱ internaȱ dasȱ diversasȱ categoriasȱ deȱ
tribunais,ȱ garantiasȱ estasȱ queȱ sãoȱ reforçadasȱ emȱ Portugalȱ eȱ nosȱ PALOPȱ (àȱ
excepçãoȱdeȱMoçambique)ȱpelaȱconsagraçãoȱdeȱreservaȱdeȱlei,ȱouȱseja,ȱdeȱreservaȱ
deȱ competênciaȱ doȱ parlamento,ȱ emȱ matériaȱ deȱ organizaçãoȱ eȱ competênciaȱ dosȱ
tribunais.ȱȱ

Paraȱalémȱdaȱimportânciaȱque,ȱaȱpartirȱdoȱconstitucionalismoȱliberalȱdeȱfinaisȱdoȱ
séc.ȱXVIII,ȱaȱdoutrinaȱouȱprincípioȱdaȱseparaçãoȱdeȱpoderesȱassumiuȱnaȱafirmaçãoȱ
daȱprópriaȱorganizaçãoȱjudiciária,ȱtambémȱoȱprincípioȱdoȱEstadoȱdeȱDireitoȱagiuȱ
emȱ concretoȱ comoȱ forçaȱ históricoȬpolíticaȱ aȱ favorȱ daȱ renovaçãoȱ daȱ organizaçãoȱ
judiciáriaȱestatal.ȱAȱafirmaçãoȱteóricaȱdeȱqueȱoȱpróprioȱEstadoȱdeveȱsubordinarȬseȱ
aoȱdireito,ȱdeȱqueȱaȱsuaȱsoberaniaȱdeveȱautoȱlimitarȬseȱeȱosȱseusȱórgãosȱnãoȱdevemȱ
terȱposiçãoȱprivilegiadaȱnoȱqueȱseȱrefereȱàȱaplicaçãoȱdaȱlei,ȱimportariaȱumaȱpolíticaȱ
legislativaȱ destinadaȱ aȱ garantirȱ aȱ independênciaȱ doȱ juiz,ȱ nãoȱ sóȱ aumentandoȱ asȱ
suasȱ garantiasȱ específicas,ȱ masȱ tambémȱ atravésȱ daȱ aboliçãoȱ deȱ órgãosȱ deȱ
jurisdiçãoȱextraordináriaȱdificilmenteȱtuteláveisȱnaȱsuaȱposiçãoȱdeȱindependência.ȱ
(EnricoȱSpagnaȱMusso,ȱGiudiceȱ(nozione)ȱinȱEnciclopediaȱdelȱDiritoȬXVIII,ȱp.ȱ939ȱeȱ

113
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

G.ȱ Costa,ȱ Oȱ Poderȱ Judicialȱ numaȱ Sociedadeȱ Democrática,ȱ textoȬbaseȱ daȱ


comunicaçãoȱapresentadaȱaoȱVȱCongressoȱNacionalȱdosȱMagistradosȱdoȱtrabalhoȱ
emȱPortoȱAlegre,ȱRS,ȱBrasil,ȱMaioȱdeȱ1994.).ȱȱ

Desdeȱlogo,ȱosȱtribunaisȱ–ȱtodosȱeȱcadaȱumȱdelesȱ–ȱnãoȱseȱintegramȱemȱqualquerȱ
orgânicaȱ hierarquizada,ȱ naȱ qualȱ umȱ órgãoȱ estejaȱ sujeitoȱ aoȱ poderȱ deȱ direcçãoȱ deȱ
outroȱ órgão,ȱ ditoȱ seuȱ superior,ȱ oȱ queȱ nãoȱ seȱ confundeȱ comȱ aȱ revisibilidadeȱ dosȱ
actosȱ jurisdicionaisȱ –ȱ traduzidaȱ essencialmenteȱ naȱ revisãoȱ deȱ sentença,ȱ (v.g.ȱ art.ȱ
29ºȱ nº6ȱ daȱ CRP,ȱ paraȱ aȱ sentençaȱ penal)ȱ eȱ naȱ susceptibilidadeȱ deȱ interposiçãoȱ deȱ
recursoȱeȱaȱconsequenteȱhierarquizaçãoȱdeȱgrausȱdeȱjurisdição.ȱȱȱ

Nestasȱ situações,ȱ asȱ decisõesȱ dosȱ tribunaisȱ superioresȱ nãoȱ representamȱ ordensȱ
concretasȱouȱdirectivasȱdeȱactuação,ȱnemȱtãoȱpoucoȱseȱconfundemȱcomȱumȱmeroȱ
poderȱ deȱ revogaçãoȱ nemȱ supõem,ȱ nunca,ȱ umȱ poderȱ deȱ avocação,ȱ existentes,ȱ emȱ
regra,ȱ numaȱ relaçãoȱ hierárquica.ȱ Doȱ mesmoȱ modo,ȱ oȱ duploȱ grauȱ deȱ jurisdição,ȱ
quandoȱconsagradoȱ(temȱassentoȱconstitucionalȱexpressoȱemȱmatériaȱpenalȱnoȱart.ȱ
32ºȱ nº1ȱ daȱ CRP,ȱ apósȱ aȱ 4ªȱ revisãoȱ Constitucionalȱ emȱ 1997),ȱ representaȱ sobretudoȱ
umȱ corolárioȱ doȱ direitoȱ fundamentalȱ deȱ acessoȱ aosȱ tribunaisȱ eȱ comoȱ direitoȱ àȱ
protecçãoȱ dosȱ direitosȱ eȱ interessesȱ dosȱ cidadãosȱ atravésȱ dosȱ tribunais.ȱ (vdȱ Prof.ȱ
MarceloȱRebeloȱdeȱSousa,ȱest.ȱcit.ȱp.ȱ12).ȱȱȱ

Noȱqueȱrespeitaȱàȱreservaȱdeȱcompetênciaȱlegislativa,ȱestaȱéȱperspectivadaȱcomoȱ
garantiaȱ daȱ independênciaȱ dosȱ tribunais,ȱ querȱ seȱ trateȱ deȱ reservaȱ absolutaȱ ouȱ
relativaȱ dosȱ parlamentos,ȱ poisȱ mesmoȱ aȱ tratarȬseȱ deȱ reservaȱ relativaȱ –ȱ oȱ queȱ
sucedeȱ noȱ casoȱ portuguêsȱ eȱ naȱ Constituiçãoȱ daȱ Repúblicaȱ Democráticaȱ deȱ Sãoȱ
Toméȱ eȱ Príncipeȱ apósȱ aȱ revisãoȱ deȱ 2003)ȱ Ȭdesdeȱ logoȱ surgeȱ significativamenteȱ
condicionadaȱ aȱ intervençãoȱ doȱ executivoȱ nestaȱ matéria,ȱ umaȱ vezȱ queȱ oȱ Governoȱ
apenasȱ podeȱ legislarȱ dentroȱ dosȱ limitesȱ fixadosȱ peloȱ Parlamentoȱ naȱ Leiȱ deȱ
Autorizaçãoȱlegislativaȱeȱnoȱtempoȱpreviamenteȱestabelecidoȱporȱesta.ȱȱ

Porȱoutroȱlado,ȱaoȱexigirȬseȱaȱpréviaȱdiscussãoȱeȱaprovaçãoȱdaȱleiȱdeȱautorizaçãoȱ
legislativaȱ peloȱ Parlamento,ȱ acabaȱ porȱ encontrarȬseȱ igualmenteȱ presenteȱ nestesȱ
casosȱ deȱ reservaȱ relativaȱ –ȱ eȱ nãoȱ apenasȱ nosȱ casosȱ deȱ reservaȱ absolutaȱ –ȱ aȱ ideiaȱ
subjacenteȱ àȱ reservaȱ democráticaȱ ouȱ reservaȱ deȱ plenário,ȱ própriasȱ daȱ reservaȱ deȱ
Parlamento,ȱnoȱapuroȱdeȱconceitosȱdoȱProf.ȱGomesȱCanotilho.ȱȱ

Naȱ verdade,ȱ ensinaȱ aqueleȱ Professor 6 ȱ que,ȱ numaȱ alturaȱ emȱ queȱ seȱ ampliaȱ
progressivamenteȱ aȱ competênciaȱ legislativaȱ doȱ executivo,ȱ oȱ problemaȱ daȱ reservaȱ
deȱ leiȱ ganhaȱ sentidoȱ sobretudoȱ seȱ quisermosȱ acentuar,ȱ nãoȱ tantoȱ aȱ divisãoȱ dosȱ

6 ȱJ.J.ȱGomesȱCanotilho,ȱȱDireitoȱCnstitucionalȱeȱTeoriaȱdaȱConstituição,ȱ5ªȱedição,ȱAlmedina,ȱCoimbraȱȬ
2002ȱpp.ȱ718Ȭ723.ȱȱ

114
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

poderes,ȱ aȱ funçãoȱ dosȱ parlamentosȱ comoȱ órgãosȱ deȱ controloȱ políticoȱ daȱ legislaçãoȱ
governamental,ȱ ouȱ aindaȱ aȱ fixaçãoȱ racionalizadoraȱ eȱ estabilizadoraȱ deȱ umaȱ ordemȱ
estadualȱ(reservaȱdeȱleiȱenformadaȱpelaȱideiaȱdeȱEstadoȱdeȱdireito),ȱmasȱsobretudoȱ
aȱ legitimidadeȱ democráticaȱ dasȱ assembleiasȱ representativas,ȱ expressaȱ naȱ preferênciaȱ eȱ
reservaȱdeȱleiȱformalȱparaȱaȱregulamentaçãoȱdeȱcertasȱmatérias.ȱȱ

Aȱpublicidadeȱqueȱrodeiaȱaȱsuaȱdiscussão,ȱoȱacompanhamentoȱpelaȱopiniãoȱpúblicaȱeȱaȱsuaȱ
difusãoȱpelosȱmassȱmedia,ȱaȱpossibilidadeȱdeȱintervençãoȱdeȱtodosȱosȱpartidosȱrepresentadosȱ
(nãoȱ apenasȱ osȱ queȱ directaȱ ouȱ indirectamenteȱ constituemȱ oȱ governo)ȱ justificarãoȱ queȱ aȱ
constituiçãoȱreserveȱàȱleiȱformalȱdaȱassembleiaȱaȱdisciplinaȱdeȱcertasȱmatérias.ȱȱ

Aȱ matériaȱ deȱ organizaçãoȱ eȱ competênciaȱ dosȱ tribunaisȱ éȱ sujeitaȱ aȱ reservaȱ


legislativaȱabsolutaȱnaȱLCRAȱ(art.ȱ89ºȱal.ȱjȱnoȱȱart.ȱ175ºȱal.ȱd)ȱdaȱCRCVȱnoȱart.ȱ86ºȱf)ȱ
daȱ CRGBȱ que,ȱ apesarȱ deȱ nãoȱ mencionarȱ expressamenteȱ oȱ carácterȱ absolutoȱ daȱ
reserva,ȱressalvaȱexpressamenteȱnoȱart.ȱ87ºȱaȱfaculdadeȱdeȱaȱAssembleiaȱNacionalȱ
concederȱ autorizaçãoȱ aoȱ Governoȱ paraȱ esteȱ legislarȱ nasȱ matériasȱ queȱ enumera,ȱ
dondeȱseȱconcluiȱȱserȱinsusceptívelȱdeȱdelegaçãoȱaȱcompetênciaȱlegislativaȱfirmadaȱ
noȱ art.ȱ 86º.ȱ Oȱ art.ȱ 100ºȱ daȱ actualȱ versãoȱ daȱ CRSTP,ȱ prevêȱ queȱ aȱ Assembleiaȱ
NacionalȱpossaȱautorizarȱoȱGovernoȱaȱlegislarȱsobreȱaȱmatériaȱdaȱsuaȱcompetênciaȱ
exclusiva,ȱaíȱseȱincluindoȱaȱmatériaȱdeȱOrganizaçãoȱJudiciáriaȱ(cfȱart.ȱ98ºȱal.ȱd)).ȱȱ

AȱCRMȱdeclaraȱnoȱart.ȱ135ºȱnºȱ1ȱqueȱaȱAssembleiaȱdaȱRepúblicaȱtemȱcompetênciaȱ
paraȱ legislarȱ sobreȱ asȱ questõesȱ básicasȱ daȱ políticaȱ internaȱ eȱ externaȱ doȱ paísȱ eȱ
enumeraȱnoȱseuȱnºȱ2ȱalgumasȱdasȱmatériasȱfundamentaisȱàȱprópriaȱexistênciaȱdoȱ
Estadoȱ eȱ àȱ suaȱ organizaçãoȱ política,ȱ nãoȱ incluindoȱ qualquerȱ normaȱ relativaȱ àȱ
organizaçãoȱ eȱ competênciaȱ dosȱ tribunais,ȱaȱ qualȱ nãoȱ éȱ igualmenteȱ mencionadaȱ aȱ
propósitoȱdosȱrestantesȱórgãosȱcomȱcompetênciaȱnormativa.ȱȱ

Noȱ casoȱ português,ȱ oȱ actualȱ art.ȱ 164ºȱ nºȱ 1ȱ p)ȱ daȱ CRP,ȱ queȱ determinaȱ quaisȱ asȱ
matériasȱ sujeitasȱ aȱ reservaȱ relativa,ȱ ouȱ seja,ȱ emȱ queȱ aȱ competênciaȱ legislativaȱ éȱ
atribuídaȱàȱAssembleiaȱcomȱpossibilidadeȱdeȱautorizaçõesȱlegislativasȱaoȱgoverna,ȱ
acolheȱ entreȱ asȱ matériasȱ concernentesȱ àȱ organizaçãoȱ doȱ poderȱ político,ȱ
precisamenteȱ aȱ organizaçãoȱ eȱ competênciaȱ dosȱ tribunais,ȱ abrangendoȱ todaȱ aȱ
regulamentaçãoȱlegislativaȱdaȱmatéria,ȱporquantoȱaȱConstituiçãoȱnãoȱseȱlimitaȱaoȱ
regimeȱgeralȱouȱàsȱbasesȱgeraisȱdoȱrespectivoȱregimeȱjurídico.ȱȱ
ȱ
1.2.1.2.ȱ–ȱOȱjuizȱlegalȱouȱjuizȱnatural.ȱȱ
ȱ
Outraȱdasȱgarantiasȱdaȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱenquantoȱórgão,ȱéȱaȱchamadaȱ
garantiaȱ doȱ juizȱ legalȱ ouȱ juizȱ natural.ȱ TraduzȬseȱ esta,ȱ essencialmente,ȱ naȱ fixaçãoȱ
préviaȱnaȱleiȱdosȱfactoresȱdeterminativosȱdaȱcompetênciaȱparaȱosȱdiversosȱtiposȱdeȱ
causaȱ eȱ aȱ estabilidadeȱ daȱ competênciaȱ depoisȱ deȱ iniciadaȱ aȱ acção,ȱ proibindoseȱ aȱ

115
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

criaçãoȱ deȱ tribunaisȱ adȱ hocȱ ouȱ oȱ desaforamentoȱ deȱ qualquerȱ causa,ȱ medianteȱ
atribuiçãoȱarbitráriaȱdeȱcompetênciaȱaȱumȱtribunalȱdiferenteȱdoȱqueȱeraȱlegalmenteȱ
competenteȱ àȱ dataȱ doȱ factoȱ atributivoȱ daȱ competência.ȱ Porȱ estaȱ viaȱ seȱ procuraȱ
garantirȱaȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱfaceȱaȱoutrosȱpoderesȱdoȱEstado,ȱbemȱcomoȱ
aȱ suaȱ imparcialidade,ȱ naȱ medidaȱ emȱ queȱ aȱ sujeiçãoȱ estritaȱ dasȱ regrasȱ deȱ
competênciaȱaoȱprincípioȱdaȱlegalidadeȱpretendeȱafastarȱaȱpossibilidadeȱdeȱescolhaȱ
doȱjuizȱcompetente,ȱporȱquemȱquerȱqueȱseja.ȱȱ

ReferemȬseȬlheȱosȱart.sȱ22ºȱ(“Leiȱreguladoraȱdaȱcompetência)ȱeȱ23ºȱ(“Proibiçãoȱdeȱ
desaforamento”)ȱdaȱactualȱLOFTJ,ȱdeȱPortugal,ȱeȱoȱart.ȱ32ºȱnº9ȱdaȱCRPȱqueȱaȱincluiȱ
entreȱ asȱ garantiasȱ deȱ processoȱ criminal:ȱ “Nenhumaȱ causaȱ podeȱ serȱ subtraídaȱ aoȱ
tribunalȱcujaȱcompetênciaȱestejaȱfixadaȱemȱleiȱanterior”.ȱȱ

Nestesȱprecisosȱtermosȱtambémȱoȱnºȱ8ȱdoȱart.ȱ34ºȱdaȱConstituiçãoȱdeȱCaboȱVerde,ȱ
dedicadoȱ aosȱ princípiosȱ doȱ processoȱ penal,ȱ consagraȱ oȱ princípioȱ doȱ juizȱ naturalȱ
emȱmatériaȱpenal.ȱȱ
ȱ
ȱ
1.2.2.ȱ–ȱQuantoȱaosȱtitulares 7 –ȱRegimeȱestatutárioȱdosȱmagistradosȱjudiciais.ȱȱ
ȱ
1.2.2.1.ȱ–ȱInamovibilidadeȱeȱirresponsabilidade.ȱȱ

Entreȱ asȱ garantiasȱ daȱ independênciaȱ eȱ imparcialidadeȱ dosȱ tribunaisȱ relativasȱ aosȱ
juízes,ȱseusȱtitulares,ȱcontamȬseȱaȱinamovibilidadeȱeȱirresponsabilidade.ȱȱ

Comȱ aȱ garantiaȱ daȱ inamovibilidade,ȱ pretendeȬseȱ significarȱ queȱ osȱ juízesȱ apenasȱ
podemȱserȱtransferidos,ȱsuspensos,ȱaposentadosȱouȱdemitidosȱnosȱcasosȱprevistosȱ
naȱlei,ȱoȱqueȱéȱacompanhado,ȱouȱnão,ȱdaȱconsagraçãoȱ–ȱporȱviaȱconstitucionalȱouȱ
ordináriaȱ–ȱdoȱcarácterȱvitalícioȱdoȱcargo.ȱ

OȱprincípioȱdaȱirresponsabilidadeȱdosȱjuízesȱtraduzȬseȱnaȱregraȱsegundoȱaȱqualȱ
osȱjuízesȱnãoȱincorremȱemȱresponsabilidadeȱcriminal,ȱdisciplinarȱouȱcivilȱemȱresultadoȱ
doȱexercícioȱdasȱsuasȱfunções,ȱaȱnãoȱserȱnosȱcasosȱespecialmenteȱprevistosȱnaȱlei.ȱȱ

Comȱdiferençasȱdeȱpormenor,ȱestasȱgarantiasȱdaȱindependênciaȱeȱimparcialidadeȱ
dosȱ juízesȱ enquantoȱ titularesȱ doȱ órgãoȱ deȱ soberaniaȱ tribunais,ȱ encontramȬseȱ
reconhecidasȱnosȱcincoȱPALOPȱeȱnaȱlegislaçãoȱportuguesa.ȱȱ

7 ȱNoȱcasoȱportuguês,ȱrelativamenteȱaosȱjuízesȱdeȱordensȱouȱcategoriasȱdiversasȱdosȱtribunaisȱjudiciais,ȱ
valemȱ regrasȱ emȱ tudoȱ idênticasȱ àȱ estabelecidasȱ paraȱ estesȱ eȱ queȱ infraȱ seȱ referirão..ȱ Paraȱ alémȱ dosȱ
juízesȱdoȱTribunalȱConstitucional,ȱexpressamenteȱmencionadosȱnoȱart.ȱ222ºȱnº5ȱdaȱCRPȱ(ȱeȱigualmenteȱ
referidosȱnosȱart.sȱ22ºȱ24º,ȱ26ºȱeȱ27º,ȱdaȱLeiȱdoȱTribunalȱConstitucionalȱ–ȱLeiȱ28/82ȱdeȱ15.11),ȱtambémȱosȱ
juízesȱdosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscaisȱeȱosȱJuízesȱdoȱTribunalȱdeȱContasȱgozamȱdasȱmesmasȱ
garantiasȱ eȱ estãoȱ sujeitosȱ àsȱ mesmasȱ incompatibilidadesȱ dosȱ juízesȱ dosȱ tribunaisȱ judiciais,ȱ paraȱ cujoȱ
estatutoȱasȱrespectivasȱleisȱestatutáriasȱremetemȱexpressamenteȱ(ȱart.ȱ57ºȱdoȱE.T.A.F.ȱeȱart.sȱȱ7º,ȱ8º,ȱ26ºȱeȱ
27ºȱȱdaȱLeiȱdeȱOrganizaçãoȱeȱProcessamentoȱdoȱTribunalȱdeȱContas,ȱaprovadaȱpelaȱLeiȱ98/97ȱdeȱ26ȱdeȱAgosto).ȱ

116
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Osȱ artigosȱ 127ºȱ eȱ 128ºȱ daȱ Leiȱ Constitucionalȱ angolanaȱ deȱ 1992,ȱ reconhecemȱ
expressamenteȱ asȱ garantiasȱ daȱ inamovibilidadeȱ eȱ irresponsabilidadeȱ dosȱ juízes,ȱ
masȱoȱcarácterȱvitalícioȱdasȱfunçõesȱnãoȱtemȱassentoȱconstitucional,ȱencontrandoȬ
seȱ antesȱ consagradoȱ noȱ art.ȱ 12ºȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ Judiciaisȱ eȱ doȱ MPȱ
aprovadoȱ pelaȱ Leiȱ 7/94;ȱ aȱ irresponsabilidadeȱ éȱ estabelecidaȱ comoȱ princípio,ȱ masȱ
remeteȬseȱimplicitamenteȱparaȱaȱleiȱordináriaȱaȱregulaçãoȱdosȱtermosȱemȱqueȱoȱjuizȱ
podeȱserȱresponsabilizado.ȱȱ

DeȱigualȱmodoȱaȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱdeȱCaboȱVerdeȱacolheȱosȱprincípiosȱdaȱ
inamovibilidadeȱeȱirresponsabilidadeȱnosȱnºsȱ4ȱeȱ5ȱdoȱart.ȱ220º,ȱoȱqueȱéȱreafirmadoȱ
nosȱart.sȱ6ºȱeȱ5ºȱdoȱEMJ,ȱsemȱque,ȱtodavia,ȱemȱqualquerȱdosȱDiplomasȱseȱreconheçaȱ
oȱ carácterȱ vitalícioȱ daȱ nomeação,ȱ aoȱ contrárioȱ doȱ queȱ vimosȱ sucederȱ comȱ oȱ
ordenamentosȱangolanoȱeȱsucedeȱigualmenteȱcomȱoȱordenamentoȱportuguês,ȱqueȱ
oȱreconhecemȱnasȱleisȱestatutárias.ȱȱ

AȱCRGBȱconsagraȱexpressamenteȱoȱprincípioȱdaȱirresponsabilidadeȱdosȱjuízesȱemȱ
termosȱidênticosȱaosȱdasȱrestantesȱconstituiçõesȱ(art.ȱ123ºȱnº3)ȱeȱacolheȱigualmenteȱ
oȱ princípioȱ daȱ inamovibilidadeȱ aoȱ sujeitarȱ aoȱ princípioȱ daȱ legalidadeȱ aȱ
competênciaȱ queȱ atribuiȱ aoȱ Conselhoȱ Superiorȱ deȱ Magistraturaȱ paraȱ aȱ nomeação,ȱ
demissão,ȱcolocação,ȱpromoçãoȱeȱtransferênciaȱeȱexercícioȱdaȱacçãoȱdisciplinar,ȱnosȱtermosȱ
daȱ leiȱ (art.ȱ 123ºȱ nº4).ȱ Talȱ comoȱ ocorreȱ comȱ asȱ leisȱ angolanaȱ eȱ portuguesa,ȱ éȱ oȱ
EstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱqueȱconsagraȱoȱcarácterȱvitalícioȱdaȱnomeaçãoȱ
dosȱjuízesȱaoȱmesmoȱtempoȱqueȱreafirmaȱoȱprincípioȱdaȱinamovibilidadeȱ(art.ȱ7º),ȱ
bemȱcomoȱoȱdaȱirresponsabilidadeȱ(art.6º).ȱȱ

Idênticaȱ éȱ aȱ soluçãoȱ doȱ ordenamentoȱ jurídicoȱ deȱ Sãoȱ Toméȱ eȱ Príncipe,ȱ


encontrandoȬseȱ aquelesȱ princípiosȱ estabelecidosȱ noȱ art.ȱ 125ºȱ nºsȱ 1ȱ eȱ 2ȱ daȱ
Constituiçãoȱ eȱ nosȱ art.sȱ 3ºȱ eȱ 7ºȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ semȱ que,ȱ talȱ comoȱ
vimosȱ sucederȱ comȱ aȱ legislaçãoȱ caboȬverdiana,ȱ seȱ mostreȱ expressamenteȱ
consagradoȱoȱcarácterȱvitalícioȱdaȱnomeaçãoȱdosȱjuízes.ȱȱȱȱȱȱ

EmȱPortugalȱosȱjuízesȱapenasȱrespondemȱcivilmente,ȱporȱfactoȱqueȱnãoȱconstituaȱ
crime,ȱemȱcasoȱdeȱdoloȱouȱculpaȱgrave,ȱmedianteȱacçãoȱdeȱregressoȱdoȱEstadoȱ(art.ȱ
5ºȱdoȱEMJȬȱredacçãoȱdaȱLeiȱ143/99ȱdeȱ31ȱdeȱAgosto).ȱȱ
ȱ
1.2.2.2.ȱ–ȱImpedimentos,ȱrecusasȱeȱsuspeições.ȱȱ
ȱ
Maisȱ dirigidasȱ agoraȱ aȱ garantirȱ aȱ imparcialidadeȱ dosȱ juízes,ȱ tomadaȱ comoȱ
elementoȱ daȱ noçãoȱ complexaȱ deȱ “tribunalȱ independenteȱ eȱ imparcial,ȱ queȱ seȱ
pretendeȱsalvaguardar”,ȱtantoȱosȱordenamentosȱjurídicosȱdoȱcincoȱPALOP,ȱcomoȱoȱ
português,ȱprevêemȱnasȱrespectivasȱconstituiçõesȱe/ouȱnasȱleisȱestatutáriasȱaȱregraȱ
daȱ exclusividadeȱ funcionalȱ ouȱ daȱ dedicaçãoȱ exclusivaȱ dosȱ juízesȱ profissionais,ȱ

117
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

segundoȱ aȱ qualȱ osȱ juízesȱ emȱ exercícioȱ nãoȱ podemȱ desempenharȱ qualquerȱ outraȱ
funçãoȱpúblicaȱouȱprivada,ȱcomȱexcepçãoȱdasȱfunçõesȱdocentesȱouȱdeȱinvestigaçãoȱ
científicaȱdeȱnaturezaȱjurídica.ȱȱȱ

Oȱ art.ȱ 10ºȱ nº1ȱ doȱ EMJȬGBȱ (Leiȱ 1/99)ȱ proíbeȱ qualquerȱ funçãoȱ públicaȱ ouȱ privadaȱ
remunerada,ȱexceptoȱaȱactividadeȱdocenteȱouȱdeȱinvestigaçãoȱjurídica,ȱeȱoȱart.ȱ220ºȱ
nºȱ6ȱdaȱCRCVȱeȱoȱart.ȱ216ºȱnºȱ3ȱdaȱCRPȱsecundadoȱpeloȱart.ȱ13ºȱdoȱEMJȬPortugal,ȱ
proíbemȱexpressamenteȱqueȱaȱactividadeȱdeȱdocênciaȱouȱinvestigaçãoȱpermitidasȱ
sejamȱremuneradas;ȱoȱart.ȱ131ºȱdaȱLCRAȱsecundadoȱpeloȱart.ȱ26ºȱnº1ȱdoȱEMJMPȬA,ȱ
oȱart.ȱ166ºȱdaȱCRM,ȱsecundadoȱpeloȱart.ȱ46ºȱdoȱEMJȬM,ȱoȱart.ȱ10ºȱnº1ȱdoȱEMȬSTPȱeȱ
oȱreferidoȱart.ȱ10ºȱnºȱ1ȱdoȱEMJȬGB,ȱnãoȱproíbemȱexpressamenteȱqueȱasȱactividadesȱ
excepcionalmenteȱ permitidas,ȱ comoȱ aȱ docênciaȱ eȱ investigaçãoȱ jurídica,ȱ sejamȱ
remuneradas.ȱȱ

Comȱ oȱ princípioȱ daȱ dedicaçãoȱ funcionalȱ exclusivaȱ dosȱ juízes,ȱ visaseȱ assegurarȱ queȱ
estesȱ seȱ dediquemȱ integralmenteȱ aoȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funções,ȱ masȱ sobretudoȱ
pretenderȬseȬáȱ evitarȱ queȱ oȱ juizȱ seȱ envolvaȱ noutrasȱ actividadesȱ capazesȱ deȱ criarȱ
pólosȱ deȱ relaçõesȱ eȱ interessesȱ queȱ ponhamȱ emȱ causaȱ aȱ suaȱ imparcialidade,ȱ querȱ
emȱ termosȱ efectivos,ȱ querȱ aparentes,ȱ queȱ pudessemȱ abalarȱ aȱ confiançaȱ dosȱ
cidadãosȱnasȱdecisõesȱdosȱjuízes.ȱȱ

ComoȱdestacamȱG.ȱCanotilhoȱeȱV.Moreiraȱ(CRPȱanotada,ȱ1993ȱp.ȱ824),ȱ“TrataȬseȱdeȱ
umaȱincompatibilidadeȱdeȱexercícioȱ(nãoȱpodemȱdesempenhar)ȱqueȱnãoȱimpedeȱoȱjuizȱdeȱserȱ
titularȱdeȱoutraȱfunçãoȱdesdeȱqueȱsuspensa”.ȱȱ

Aȱ excepçãoȱ dasȱ funçõesȱ deȱ docênciaȱ eȱ investigaçãoȱ jurídicaȱ explicaȬse,ȱ nãoȱ sóȱ
porqueȱ podemȱ contribuirȱ paraȱ oȱ aperfeiçoamentoȱ doȱ exercícioȱ deȱ funções,ȱ masȱ
tambémȱ porqueȱ –ȱ nosȱ casosȱ emȱ queȱ aȱ condiçãoȱ deȱ nãoȱ remuneraçãoȱ seȱ encontreȱ
estabelecidaȱ–ȱestaȱpermiteȱevitarȱdependênciasȱfinanceiras.ȱȱ

Comȱoȱmesmoȱintuitoȱdeȱevitarȱqueȱoȱjuizȱseȱenvolvaȱnoutrasȱactividadesȱcapazesȱ
deȱ criarȱ pólosȱ deȱ relaçõesȱ eȱ interesses,ȱ queȱ pudessemȱ abalarȱ aȱ confiançaȱ dosȱ
cidadãosȱ nasȱ suasȱ decisões,ȱ vigoraȱ igualmenteȱ emȱ todosȱ osȱ ordenamentosȱ
jurídicosȱ aquiȱ considerados,ȱ aȱ proibiçãoȱ deȱ actividadeȱ política,ȱ aȱ qualȱ sempreȱ
encontrariaȱjustificaçãoȱnaȱcircunstânciaȱdeȱaȱintervençãoȱpolíticoȬpartidáriaȱdosȱjuízesȱ
nãoȱdeixarȱdeȱafectarȱaȱrepresentaçãoȱsocialȱdaȱsuaȱindependênciaȱeȱimparcialidade.ȱȱ

Aȱ partirȱ doȱ âmbitoȱ maiorȱ ouȱ menorȱ daȱ proibição,ȱ podemȱ considerarȬseȱ doisȱ
gruposȱdeȱpaíses:ȱȱ

–ȱOȱart.ȱ220ºȱnºȱ7ȱdaȱCRCVȱsecundadoȱpeloȱart.ȱ18ºȱnº2ȱdoȱEMJȬCVȱeȱoȱart.ȱ26ºȱnº3ȱdoȱ
EMJMPȬA,ȱproíbemȱqueȱosȱjuízesȱpertençamȱaȱpartidosȱpolíticos,ȱparaȱalémȱdaȱproibiremȱ
qualquerȱ actividadeȱ políticoȬpartidáriaȱ (proibiçãoȱ expressaȱ noȱ casoȱ deȱ Caboȱ Verdeȱ eȱ

118
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

implícita,ȱpareceȬme,ȱnoȱcasoȱdeȱAngola);ȱȱ

–ȱ Osȱ restantesȱ ordenamentos,ȱ vedamȱ aȱ práticaȱ deȱ actividadesȱ políticopartidáriasȱ semȱ


proibiremȱ aȱ filiaçãoȱ emȱ partidosȱ políticos,ȱ peloȱ menosȱ deȱ formaȱ expressa.ȱ Éȱ oȱ queȱ sucedeȱ
comȱoȱart.ȱ10ºȱnºȱ2ȱdoȱEMJȬG,ȱoȱart.ȱ10ºȱnº2ȱdoȱEMȬSTP,ȱoȱart.ȱ47ºȱdoȱEMJȬMȱeȱoȱart.11ºȱ
doȱ EMJȱ deȱ Portugal,ȱ ondeȱ aȱ proibiçãoȱ deȱ actividadeȱ políticaȱ nãoȱ temȱ assentoȱ
constitucional,ȱ podendoȱ suscitarȱ mesmoȱ algumasȱ dúvidasȱ talȱ proibiçãoȱ pelaȱ leiȱ
ordinária.ȱȱ
ȱ
Aȱimparcialidadeȱdosȱjuízesȱéȱaindaȱespecialmenteȱgarantidaȱpeloȱimpedimento,ȱemȱ
abstracto,ȱ doȱ exercícioȱ deȱ funçõesȱ emȱ tribunaisȱ situadosȱ emȱ circunscriçãoȱ ondeȱ
anteriormenteȱexerceuȱoutrasȱfunções,ȱouȱondeȱexerçamȱdeterminadasȱfunçõesȱouȱ
actividadesȱoutrasȱpessoasȱcomȱosȱquaisȱoȱmagistradoȱtenhaȱespeciaisȱrelaçõesȱdeȱ
parentescoȱ ouȱ outras,ȱ independentementeȱ dosȱ litígiosȱ concretosȱ queȱ lhesȱ sãoȱ
submetidos,ȱcomoȱparadigmaticamenteȱestabelecemȱoȱart.ȱ7ºȱdoȱEMJȱdeȱPortugal 8 ,ȱ
oȱart.ȱ8ºȱdoȱEMJȬGB,ȱcujaȱepígrafeȱéȱprecisamente,ȱ“Garantiasȱdaȱimparcialidade”ȱeȱ
oȱart.ȱ27ºȱdoȱEMJMPȬAngola,ȱcujoȱtextoȱéȱoȱseguinte:ȱ“ȱ1.ȱOsȱmagistradosȱJudiciaisȱ
eȱosȱdoȱMinistérioȱPúblicoȱnãoȱpodemȱservirȱemȱtribunalȱemȱqueȱexerçamȱfunçõesȱ
Magistradosȱ aȱ queȱ estejamȱ ligadosȱ peloȱ casamento,ȱ parentescoȱ ouȱ afinidadeȱ emȱ
qualquerȱgrauȱdaȱlinhaȱrectaȱouȱatéȱaoȱ2ºȱgrauȱdaȱlinhaȱcolateral.2.ȱParaȱefeitoȱdoȱ
númeroȱ anteriorȱ aȱ uniãoȱ deȱ facto,ȱ mesmoȱ nãoȱ reconhecida,ȱ éȱ havidaȱ comoȱ
casamento.”.ȱȱ

DirigindoȬseȱigualmenteȱàȱsalvaguardaȱdaȱimparcialidadeȱdosȱjuízes,ȱprevêemȱasȱ
leisȱ deȱ processoȱ algunsȱ casosȱ deȱ impedimentosȱ ouȱ escusasȱ eȱ suspeiçõesȱ ouȱ recusasȱ –ȱ
consoanteȱ aȱ iniciativaȱ sejaȱ doȱ juizȱ ouȱ deȱ outremȱ –,ȱ porȱ intermédioȱ dosȱ quaisȱ seȱ
pretendeȱ obstarȱ àȱ intervençãoȱ doȱ juizȱ numȱ processoȱ emȱ funçãoȱ deȱ especiaisȱ
relaçõesȱ ouȱ circunstânciasȱ ȱ queȱ oȱ liguemȱ aȱ umȱ casoȱ concretoȱ submetidoȱ aoȱ seuȱ
julgamentoȱ –ȱ v.gȱ art.sȱ 39ºȱ doȱ Códigoȱ deȱ Processoȱ Penalȱ daȱ GuinéȬBissau,ȱ queȱ
acolheȱ entreȱ osȱ motivosȱ deȱ impedimento,ȱ porȱ exemplo,ȱ queȱ oȱ juizȱ sejaȱ ouȱ tenhaȱ
sidoȱ cônjugeȱ doȱ lesadoȱ ouȱ suspeitoȱ noȱ processo,ȱ queȱ tenhaȱ intervindoȱ noȱ mesmoȱ comoȱ
agenteȱdoȱMP,ȱagenteȱdaȱPJȱouȱmandatárioȱjudicialȱouȱaindaȱseȱéȱouȱdevaȱserȱtestemunhaȱ
noȱprocesso;ȱjáȱoȱart.ȱ40ºȱdoȱmesmoȱDiplomaȱLegalȱdefine,ȱdeȱformaȱgenérica,ȱqueȱ
“Oȱjuizȱéȱsuspeitoȱquandoȱexistemȱfortesȱmotivosȱqueȱpossamȱabalarȱaȱsuaȱimparcialidade,ȱ
nomeadamenteȱterȱexpressadoȱopiniõesȱreveladorasȱdumȱpréȬjuízoȱemȱrelaçãoȱaoȱobjectoȱdoȱ
processo.”ȱ VejamȬseȱ ainda,ȱcomȱ carácterȱexemplificativo,ȱ osȱ art.sȱ39ȱ aȱ47º,ȱ doȱ CPPȱ
portuguêsȱeȱosȱart.sȱ122ºȱaȱ136ºȱdoȱȱC.P.CivilȱPortuguês. 9
ȱȱ

8 Vd anexo xx ( EMJ,-P ȱ
9
Vdȱanexoȱxy.

119
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

1.2.2.3.ȱ–ȱÓrgãosȱprivativosȱdeȱgestãoȱeȱdisciplinaȱȱ
ȱ
Aȱ independênciaȱ dosȱ juízesȱ éȱ aindaȱ asseguradaȱ pelaȱ existênciaȱ deȱ órgãosȱ
privativosȱdeȱgestãoȱeȱdisciplina,ȱcomȱcompetênciaȱparaȱaȱnomeação,ȱcolocação,ȱ
transferênciaȱeȱpromoçãoȱdosȱjuízesȱeȱparaȱexercerȱoȱrespectivoȱpoderȱdisciplinar.ȱȱ
ȱ
a)ȱAȱexistênciaȱdeȱumȱórgãoȱautónomoȱdoȱpoderȱexecutivoȱeȱdoȱpoderȱlegislativoȱ
queȱ desempenheȱ umȱ papelȱ exclusivoȱ ouȱ peloȱ menosȱ marcanteȱ emȱ todosȱ aquelesȱ
aspectos,ȱ surgeȱ comoȱ umaȱ dasȱ primeirasȱ garantias,ȱ noȱ planoȱ essencialmenteȱ
orgânico,ȱ daȱ independênciaȱ dosȱ tribunaisȱ eȱ dosȱ juízes,ȱ sabidoȱ comoȱ podeȱ serȱ
determinanteȱ aȱ intervençãoȱ deȱ outrosȱ poderesȱ eȱ particularmenteȱ doȱ poderȱ
executivo,ȱnessesȱaspectosȱdeȱordemȱorganizacionalȱeȱestatutária.ȱȱ

NasȱsignificativasȱpalavrasȱdoȱpreâmbuloȱdoȱDecretoȱnºȱ11ȱ751ȱdeȱ23ȱdeȱJunhoȱdeȱ
1926,ȱ (atribuídasȱ aoȱ Prof.ȱ Manuelȱ Rodriguesȱ –ȱ entãoȱ Ministroȱ daȱ Justiçaȱ –ȱ porȱ
Joaquimȱ Roseiraȱ Figueiredoȱ eȱ Flávioȱ Pintoȱ Ferreira,ȱ Oȱ Poderȱ Judicialȱ eȱ aȱ suaȱ
Independência,ȱ1974,ȱpp.ȱ24ȱeȱ25),ȱ«…ȱIndependênciaȱdoȱpoderȱJudicialȱeȱentregaȱaoȱ
arbítrioȱdoȱpoderȱexecutivoȱdaȱfaculdadeȱdeȱnomearȱeȱcolocarȱnosȱcargosȱdeȱjustiçaȱ
osȱ magistradosȱ judiciaisȱ sãoȱ expressõesȱ antagónicas».ȱ ReferindoȬseȱ àȱ experiênciaȱ
portuguesaȱ daȱ época,ȱ prossegueȱ oȱ mesmoȱ preâmbuloȱ afirmando,ȱ queȱ «Aȱ
nomeaçãoȱ eȱ colocaçãoȱ dosȱ magistradosȱ judiciaisȱ eraȱ deȱ factoȱ decidida,ȱ emȱ regra,ȱ
comȱvexamesȱparaȱestes,ȱnosȱdirectóriosȱdosȱpartidosȱpolíticos,ȱsujeitosȱainda,ȱporȱ
vezes,ȱ aoȱ placetȱ dasȱ comissõesȱ locaisȱ (…)ȱ urgindoȱ terminarȱ comȱ estaȱ situaçãoȱ
deprimenteȱparaȱoȱpoderȱjudicial,ȱconfiandoȱaȱesteȱaȱcolocaçãoȱdosȱseusȱmembros,ȱ
únicaȱ formaȱ deȱ lheȱ concederȱ aȱ independênciaȱ efectivaȱ queȱ aȱ constituiçãoȱ lheȱ
atribui….»”.ȱȱ

JáȱnoȱperíodoȱdoȱEstadoȱNovo,ȱpassouȱaȱcompetirȱaoȱMinistroȱdaȱJustiça,ȱdepoisȱdeȱ
ouvidoȱ oȱ Conselhoȱ Superiorȱ Judiciário,ȱ determinarȱ asȱ comarcas,ȱ tribunaisȱ ouȱ
cargosȱemȱqueȱhaviamȱdeȱserȱcolocadosȱosȱjuízesȱdeȱqualquerȱclasseȱouȱcategoria,ȱ
cabendoȱ aindaȱ aoȱ Ministroȱ daȱ Justiçaȱ designarȱ osȱ inspectoresȱ judiciasȱ eȱ peloȱ
Estatutoȱ Judiciárioȱ deȱ 1962,ȱ todasȱ asȱ nomeações,ȱ promoçõesȱ eȱ quaisquerȱ
colocaçõesȱdosȱmagistradosȱjudiciaisȱeramȱfeitasȱpeloȱMinistroȱdaȱJustiça.ȱȱ

Éȱbemȱoȱexemploȱdeȱcomoȱaȱatribuiçãoȱaoȱexecutivoȱdosȱpoderesȱdeȱnomeaçãoȱeȱ
movimentaçãoȱ dosȱ juízesȱ emȱ nadaȱ concorriaȱ paraȱ oȱ desligamentoȱ políticoȱ queȱ
deveráȱexistirȱentreȱoȱpoderȱjudicialȱeȱoȱpoderȱexecutivo,ȱpodendoȱdizerȬse,ȱcomoȱ
fezȱ àȱ época,ȱ Sáȱ Carneiroȱ referindoȬseȱ maisȱ especificamenteȱ àsȱ promoçõesȱ dosȱ
juízes,ȱqueȱestasȱ«sãoȱtambémȱumaȱgarantiaȱindispensávelȱparaȱaȱindependência,ȱ
vistoȱ que,ȱ seȱ oȱ acessoȱ aosȱ diversosȱ grausȱ daȱ magistraturaȱ estiverȱ dependenteȱ deȱ
outroȱpoderȱqueȱnãoȱsejaȱoȱjudicial,ȱsempreȱhaveráȱcondicionamentoȱdoȱexercícioȱ
daȱjudicaturaȱporȱaqueleȱpoderȱdeȱqueȱdependemȱasȱpromoções.».ȱȱ

120
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Seȱ aȱ estaȱ circunstânciaȱ acrescentarmosȱ que,ȱ noȱ mesmoȱ períodoȱ históricoȱ queȱ seȱ
prolongouȱ atéȱ 25ȱ deȱ Abrilȱ deȱ 1974,ȱ todosȱ osȱ membrosȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ
JudiciárioȱeramȱnomeadosȱpeloȱGovernoȱ(VdȱJoaquimȱRoseiraȱFigueiredoȱeȱFlávioȱ
PintoȱFerreira,ȱOȱPoderȱJudicialȱeȱaȱsuaȱIndependência,ȱ1974,ȱpp.35Ȭ39ȱeȱ33),ȱpodemosȱ
terȱ umaȱ ideiaȱ doȱ grauȱ deȱ efectividadeȱ daȱ Independênciaȱ proclamadaȱ entãoȱ naȱ
Constituiçãoȱ deȱ 1933ȱ eȱ nosȱ sucessivosȱ Estatutosȱ Judiciáriosȱ eȱ daȱ essencialidadeȱ
destesȱ aspectosȱ organizacionaisȱ eȱ estatutáriosȱ naȱ garantiaȱ daȱ Independênciaȱ doȱ
poderȱjudicialȱȱ
ȱ
b)ȱ Paraȱ alémȱ daȱ existênciaȱ deȱ umȱ órgãoȱ autónomoȱ queȱ procedaȱ àȱ nomeaçãoȱ eȱ
movimentaçãoȱ dosȱ juízesȱ consideramȬse,ȱ pois,ȱ seremȱ igualmenteȱ determinantesȱ
duasȱoutrasȱgarantiasȱque,ȱtodavia,ȱpodemȱassumirȱformasȱeȱamplitudeȱdiferentesȱ
deȱsistemaȱparaȱsistemaȱeȱdeȱordenamentoȱparaȱordenamentoȱjurídico.ȱȱ

Porȱ umȱ lado,ȱ trataȬseȱ daȱ inclusãoȱ deȱ juízesȱ naȱ composiçãoȱ doȱ órgãoȱ deȱ gestãoȱ eȱ
disciplinaȱ eȱ daȱ autoriaȱ eȱ modoȱ daȱ suaȱ designação,ȱ bemȱ comoȱ dosȱ restantesȱ
membros.ȱPorȱexemplo,ȱaȱRecomendaçãoȱnºȱRȱ(94)ȱ12ȱdoȱComitéȱdeȱMinistrosȱdoȱ
ConselhoȱdaȱEuropaȱconsideraȱque,ȱ“Aȱautoridadeȱcompetenteȱemȱmatériaȱdeȱselecçãoȱeȱ
deȱ carreiraȱ dosȱ juízesȱ deveráȱ serȱ independenteȱ doȱ governoȱ eȱ daȱ administraçãoȱ e,ȱ
detalhadamente,ȱdispõeȱaȱcitadaȱCartaȱEuropeiaȱSobreȱoȱEstatutoȱdosȱJuízesȱque,ȱ
“Paraȱ tomadaȱ deȱ qualquerȱ decisãoȱ queȱ afecteȱ aȱ selecção,ȱ recrutamento,ȱ nomeação,ȱ
progressãoȱ naȱ carreiraȱ ouȱ cessaçãoȱ deȱ funçõesȱ comoȱ juiz,ȱ oȱ respectivoȱ estatutoȱ prevêȱ aȱ
intervençãoȱ deȱ umaȱ instânciaȱ independenteȱ doȱ poderȱ executivoȱ eȱ doȱ poderȱ legislativo,ȱ
compostaȱpeloȱmenosȱporȱmetadeȱdeȱjuízesȱeleitosȱpelosȱseusȱpares”.ȱȱ

Porȱ outroȱ lado,ȱ daȱ garantiaȱ deȱ que,ȱ ondeȱ aȱ Constituiçãoȱ ouȱ aȱ lei,ȱ permitamȱ aoȱ
governoȱ intervirȱ naȱ nomeaçãoȱ dosȱ juízesȱ –ȱ comoȱ sucedeȱ noȱ chamadoȱ modeloȱ
profissionalȱcaracterísticoȱdosȱpaísesȱdaȱcommonȱlawȱeȱemȱalgunsȱpaísesȱdaȱcivilȱ
lawȱ–,ȱvigoremȱefectivamenteȱemȱtodaȱaȱmatériaȱdeȱgestão,ȱorganizaçãoȱdaȱcarreiraȱ
eȱdisciplinaȱdosȱjuízes,ȱcritériosȱobjectivosȱclaramenteȱestabelecidos.ȱȱȱ

Naȱ verdade,ȱ mesmoȱ emȱ paísesȱ doȱ chamadoȱ modeloȱ «burocrático»,ȱ comumȱ àȱ
generalidadeȱdosȱpaísesȱcontinentaisȱouȱdeȱcivilȱlaw,ȱcasosȱháȱemȱqueȱseȱcumulaȱaȱ
profissionalizaçãoȱdaȱmagistraturaȱcomȱaȱtutelaȱgovernamentalȱ(Bélgica,ȱHolandaȱ
ouȱ Alemanha), 10 ȱ ȱ emboraȱ seȱ trateȱ deȱ sistemasȱ culturalmenteȱ estratificadosȱ eȱ menosȱ
penetradosȱpelaȱnoçãoȱdeȱcarreira;ȱnaȱAlemanha,ȱporȱexemplo,ȱaȱnomeaçãoȱdeȱjuízesȱ
paraȱ osȱ lugaresȱ superioresȱ éȱ frequentementeȱ deixadaȱ àȱ discricionariedadeȱ doȱ
executivo:ȱosȱjuízesȱdosȱtribunaisȱfederaisȱsãoȱescolhidosȱemȱcomumȱpeloȱministroȱ
federalȱ competenteȱ eȱ porȱ umaȱ comissãoȱ deȱ selecçãoȱ dosȱ juízesȱ composta,ȱ emȱ

10 ȱVejaȬseȱȱCunhaȱRodrigues,ȱModelosȱdeȱgovernoȱdoȱpoderȱjudicial:ȱalternativasȱinȱLugaresȱdoȱDireito,ȱ
CoimbraȱEditoraȱ–ȱ1999,ȱpp.ȱ211ȱaȱ242ȱȱemȱespecialȱp.ȱ236.ȱȱ

121
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

metade,ȱ deȱ ministrosȱ doȱ Länder. 11 ȱ Essencialȱ é,ȱ lembremoȬlo,ȱ queȱ nestesȱ casos,ȱ
vigoremȱ efectivamenteȱ emȱ todaȱ aȱ matériaȱ deȱ gestão,ȱ organizaçãoȱ daȱ carreiraȱ eȱ
disciplinaȱ dosȱ juízes,ȱ critériosȱ objectivosȱ claramenteȱ estabelecidosȱ queȱ impeçamȱ
nãoȱ sóȱ aȱ influênciaȱ ilegítimaȱ doȱ poderȱ políticoȱ masȱ tambémȱ deȱ factoresȱ comoȱ oȱ
riscoȱdeȱfavoritismo,ȱdeȱconservadorismoȱeȱdeȱclientelismoȱqueȱexiste,ȱquandoȱasȱ
nomeaçõesȱ nãoȱ seguemȱ umȱ procedimentoȱ estruturadoȱ ouȱ quandoȱ sãoȱ fundadasȱ
emȱ recomendaçõesȱ pessoais,ȱ conformeȱ seȱ reconheceȱ noȱ Parecerȱ nº1ȱ (2001)ȱ doȱ
Conselhoȱ Consultivoȱ dosȱ Juízesȱ Europeusȱ apresentadoȱ aoȱ Conselhoȱ deȱ Ministrosȱ doȱ
Conselhoȱ daȱ Europaȱ sobreȱ asȱ normasȱ relativasȱ àȱ independênciaȱ eȱ inamovibilidadeȱ dosȱ
juízes.ȱȱ
ȱȱ
c)ȱ Vejamosȱ sumariamenteȱ qualȱ oȱ acolhimentoȱ dadoȱ àquelesȱ princípiosȱ nosȱ cincoȱ
PALOPȱeȱnoȱordenamentoȱportuguês.ȱȱ
ȱ
c.1.ȱ–ȱNoȱqueȱrespeitaȱàȱsuaȱconsagraçãoȱaoȱmaisȱaltoȱnívelȱdaȱlegislaçãoȱinterna,ȱ
Angola,ȱCaboȱVerdeȱeȱPortugalȱprevêemȱnasȱrespectivasȱconstituiçõesȱaȱexistênciaȱ
eȱcomposiçãoȱdoȱórgãoȱautónomoȱdeȱgestãoȱeȱdisciplinaȱdaȱmagistraturaȱjudicial,ȱ
designandoȬoȱ porȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ Judicialȱ osȱ doisȱ primeirosȱ
paísesȱ(art.sȱ132ºȱdaȱLCRAȱeȱ221ºȱdaȱCRCV)ȱeȱConselhoȱSuperiorȱdaȱMagistraturaȱ
noȱcasoȱportuguêsȱ(ȱart.ȱ218ºȱdaȱCRP).ȱAȱGuinéȬBissauȱprevêȱnoȱart.ȱ120ºȱnºsȱ5ȱeȱ6ȱ
daȱ CRGBȱ aȱ existênciaȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ eȱ aȱ participaçãoȱ
necessáriaȱ deȱ representantesȱ doȱ STJ,ȱ demaisȱ tribunaisȱ eȱ daȱ Assembleiaȱ Nacional,ȱ
naȱsuaȱcomposição,ȱdeixandoȱaoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱ(Leiȱ1/99ȱdeȱ1ȱ
deȱ Setembro)ȱ aȱ indicaçãoȱ maisȱ detalhadaȱ daȱ suaȱ composiçãoȱ eȱ aȱ respectivaȱ
nomeação.ȱȱ

Oȱ art.ȱ 172ºȱ daȱ CRMȱ limitaȬseȱ aȱ preverȱ aȱ existênciaȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ
Magistraturaȱ Judicial,ȱ remetendoȱ paraȱ aȱ leiȱ ordináriaȱ aȱ definiçãoȱ dasȱ suasȱ
competênciasȱ eȱ respectivaȱ composição,ȱ oȱ queȱ temȱ lugarȱ nosȱ art.sȱ 8ºȱ aȱ 34ºȱ doȱ
EstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱaprovadoȱpelaȱLeiȱ10/91ȱdeȱ30ȱdeȱJulho.ȱȱ

Aȱ CRSTPȱ nãoȱ constitucionalizouȱ umȱ órgãoȱ deȱ gestãoȱ eȱ disciplinaȱ dosȱ juízesȱ
prevendo,ȱporém,ȱnaȱLeiȱdeȱBasesȱdoȱSistemaȱJudiciário,ȱaprovadaȱpelaȱLeiȱ8/91ȱdeȱ
9ȱ deȱ Dezembro,ȱ aȱ existênciaȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ Judiciário,ȱ comumȱ àsȱ
magistraturasȱjudicialȱeȱdoȱMP,ȱoȱqualȱoȱart.ȱ17ºȱnº1ȱdefineȱcomoȱoȱórgãoȱdeȱautoȬ
ȱ
governo 12 daȱMagistratura,ȱsuperintendendoȱnaȱsuaȱgestãoȱeȱdisciplina.ȱȱ

11 ȱProcéduresȱPénalesȱd´Europe,ȱsousȱlaȱdirectionȱdeȱM.ȱDelmasȬMarty,ȱp.ȱ428.ȱȱ
12 ȱSobreȱasȱreservasȱàȱqualificaçãoȱdosȱConselhosȱcomoȱórgãosȱdeȱautogovernoȱȱvd.ȱGomesȱCanotilho,ȱAȱ
Questãoȱ doȱ Autogovernoȱ dasȱ Magistraturasȱ Comoȱ Questãoȱ Politicamenteȱ Incorrecta,ȱ inȱ ABȱ VNOȱ ADȱ
OMNESȬ75ȱ anosȱ daȱ Coimbraȱ Editora,ȱ p.ȱ 251ȱ eȱ Figueiredoȱ Dias,ȱ Nótulasȱ Sobreȱ Temasȱ deȱ Direitoȱ
Judiciárioȱ(Penal)ȱinȱRevistaȱdeȱLegislaçãoȱeȱJurisprudênciaȱnºsȱ3850ȱeȱ3851,ȱp.ȱ9.ȱȱ

122
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

c.2.ȱ–ȱNoȱqueȱrespeitaȱàȱcomposiçãoȱdosȱdiversosȱConselhos,ȱcuidaȬseȱdeȱverificarȱ
sobretudoȱseȱdeȱtodosȱelesȱfazemȱparteȱjuízesȱȱeȱqualȱaȱorigemȱdosȱrestantesȱmembros.ȱȱ

Aȱ primeiraȱ conclusãoȱ aȱ retirarȱ dasȱ disposiçõesȱ constitucionaisȱ eȱ legaisȱ


supracitadasȱ éȱ que,ȱ querȱ nosȱ cincoȱ PALOP,ȱ querȱ emȱ Portugal,ȱ osȱ Conselhosȱ sãoȱ
integradosȱ porȱ juízesȱ eȱ nãoȱ juízes,ȱ verificandoȬse,ȱ portanto,ȱ oȱ seuȱ carácterȱ
compósito,ȱcomȱoȱqueȱseȱevitamȱasȱduasȱunidimensionalidadesȱaȱqueȱseȱrefereȱoȱProfȱ
Gomesȱ Canotilhoȱ eȱ queȱ sumariamenteȱ aquiȱ seȱ recordam:ȱ parlamentarizaçãoȱ dosȱ
conselhosȱ seȱ todosȱ osȱ membrosȱ fossemȱ eleitosȱ ouȱ corporativismoȱ eȱ autoȱ
movimentaçãoȱdosȱjuízes,ȱqueȱresultariaȱdoȱpreenchimentoȱdosȱconselhosȱapenasȱ
porȱjuízesȱescolhidosȱpelosȱseusȱpares.ȱȱ

Aȱsegundaȱconclusãoȱéȱque,ȱnoȱqueȱrespeitaȱàȱorigemȱdosȱmembrosȱnãoȱjuízes,ȱapenasȱ
Caboȱ Verdeȱ impõeȱ queȱ osȱ cidadãosȱ aȱ integrarȱ oȱ Conselhoȱ porȱ eleiçãoȱ daȱ
Assembleiaȱ Nacionalȱ eȱ porȱ designaçãoȱ doȱ Presidenteȱ daȱ República,ȱ nãoȱ sejamȱ
magistradosȱ ouȱ advogados,ȱ nãoȱ sendoȱ certoȱ queȱ desteȱ modoȱ seȱ pretendaȱ assegurarȱ
algumaȱ pluralidadeȱ eȱ diversidadeȱ deȱ perspectivasȱ eȱ interesses,ȱ quiçáȱ comȱ oȱ
propósitoȱ deȱ assegurarȱ aȱ participaçãoȱ deȱ outrosȱ cidadãosȱ –ȱ paraȱ alémȱ dosȱ maisȱ
directamenteȱimplicadosȱnaȱvidaȱjudiciáriaȱ–ȱnaȱgestãoȱeȱdisciplinaȱdaȱmagistratura.ȱȱȱ

Angolaȱ exigeȱ queȱ todosȱ osȱ membrosȱ aȱ designarȱ peloȱ PRȱ eȱ pelaȱ Assembleiaȱ
Nacionalȱ sejamȱ juristas,ȱ paraȱ alémȱ dosȱ membrosȱ juízes,ȱ peloȱ queȱ ficaȱ vedadaȱ aȱ
participaçãoȱdeȱoutrasȱclassesȱprofissionais.ȱȱ

Naȱ Repúblicaȱ daȱ GuinéȬBissauȱ prevêȬseȱ aȱ participaçãoȱ deȱ umȱ oficialȱ deȱ justiçaȱ
naqueleȱ órgão,ȱ nãoȱ seȱ introduzindoȱ outrasȱ especialidadesȱ relativamenteȱ aosȱ
membrosȱnãoȱjuízes,ȱtalȱcomoȱsucedeȱcomȱPortugal.ȱȱ

Oȱ art.ȱ 9ºȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ Judiciaisȱ deȱ Moçambique,ȱ queȱ regulaȱ aȱ
composiçãoȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistratura,ȱ prevêȱ aȱ eleiçãoȱ pelosȱ seusȱ
paresȱ deȱ quatroȱ oficiaisȱ deȱ justiçaȱ que,ȱ talȱ comoȱ sucedeȱ relativamenteȱ àȱ Guinéȱ
BissauȱeȱPortugal,ȱtêmȱintervençãoȱrestritaȱàsȱmatériasȱrelativasȱaȱoficiaisȱdeȱjustiça.ȱȱ

QuantoȱaȱSãoȱToméȱeȱPríncipe,ȱparaȱalémȱdasȱparticularidadesȱresultantesȱdeȱserȱ
umȱórgãoȱconjuntoȱdaȱMagistraturaȱJudicialȱeȱdoȱMinistérioȱPúblico,ȱéȱtambémȱoȱ
únicoȱ Paísȱ queȱ prevêȱ aȱ participaçãoȱ deȱ umȱ representanteȱ dosȱ advogadosȱ eȱ dosȱ
solicitadores,ȱ atribuindoȱ preferênciaȱ aȱ juristasȱ relativamenteȱ aosȱ restantesȱ
membrosȱnãoȱmagistrados.ȱȱ
ȱ
c.3.ȬȱAsȱformasȱdeȱinvestiduraȱdosȱmembrosȱdosȱConselhos.ȱȱ

Nosȱ diversosȱ ordenamentos,ȱ osȱ membrosȱ juízesȱ sãoȱ investidosȱ naȱ qualidadeȱ deȱ
membrosȱ dosȱ Conselhos,ȱ porȱ inerênciaȱ (emȱ regra,ȱ oȱ Presidenteȱ dosȱ Tribunaisȱ

123
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Supremos),ȱ porȱ eleiçãoȱ dosȱ seusȱ paresȱ ouȱ porȱ escolhaȱ deȱ órgãosȱ políticos;ȱ nesteȱ
últimoȱcasoȱéȱaȱConstituiçãoȱouȱaȱleiȱqueȱimpõeȱaȱescolhaȱdeȱumȱjuizȱemȱalgunsȱcasos.ȱȱ

Osȱmembrosȱnãoȱjuízesȱsãoȱsempreȱescolhidosȱporȱórgãosȱpolíticos,ȱexcepçãoȱfeitaȱ
aosȱ representantesȱ dasȱ ordensȱ profissionaisȱ referidasȱ noȱ casoȱ deȱ Sãoȱ Toméȱ eȱ aosȱ
funcionáriosȱdeȱjustiça,ȱondeȱaȱLeiȱprevêȱaȱsuaȱparticipaçãoȱnecessária.ȱȱ

Quantoȱ àsȱ entidadesȱ queȱ nomeiamȱ membrosȱ dosȱ Conselhosȱ éȱ significativoȱ queȱ
apenasȱ aoȱ Presidenteȱ daȱ Repúblicaȱ eȱ aosȱ Parlamentosȱ seȱ atribuaȱ talȱ faculdade,ȱ oȱ
queȱseȱcompaginaȱcomȱaȱnecessidadeȱdeȱparticipaçãoȱdeȱórgãosȱrepresentativosȱdoȱ
poderȱpolíticoȱnaȱgestãoȱdosȱjuízes,ȱporȱumȱlado,ȱeȱcomȱasȱreservasȱgeneralizadasȱàȱ
participaçãoȱ governamentalȱ nessaȱ matéria.ȱ Comoȱ escreveȱ oȱ Prof.ȱ F.ȱ Dias, 13 ȱ “…ȱ aȱ
intervençãoȱ dosȱ outrosȱ poderesȱ doȱ estado,ȱ emȱ especialȱ doȱ parlamento,ȱ naȱ instituiçãoȱ doȱ
corpoȱ governanteȱ daȱ magistraturaȱ (…)ȱ representaȱ umaȱ soluçãoȱ democraticamenteȱ
irrepreensívelȱeȱplenamenteȱcompatívelȱcomȱaȱindependênciaȱeȱautonomiaȱjudicial.ȱȱ
ȱ
c.4.ȱ–ȱTratarȬseȬáȱagoraȱdeȱdeixarȱumaȱbreveȱnotaȱsobreȱaȱcomposiçãoȱeȱestruturaȱ
doȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ emȱ Portugalȱ peloȱ interesseȱ que,ȱ numaȱ
perspectivaȱ comparada,ȱ oȱ seuȱ conhecimentoȱ possaȱ representarȱ paraȱ osȱ
magistradosȱdosȱcincoȱPALOP.ȱȱ
ȱȱ
c.4.1ȱ –ȱ Aȱ composiçãoȱ doȱ CSMȱ encontraȬseȱ definidaȱ naȱ Constituição:ȱ éȱ presididoȱ
peloȱPresidenteȱdoȱSupremoȱtribunalȱdeȱJustiçaȱeȱéȱcompostoȱporȱ16ȱvogais,ȱsendoȱ
doisȱ designadosȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ República,ȱ seteȱ eleitosȱ pelaȱ ARȱ eȱ seteȱ juízesȱ
eleitosȱpelosȱseusȱpares.ȱȱȱ

TrataȬseȱdeȱumȱsistemaȱmistoȱdeȱnomeaçãoȱporȱórgãosȱdoȱpoderȱpolíticoȱdiversosȱ
doȱpoderȱexecutivoȱ(aȱARȱeȱoȱPR),ȱeȱdeȱeleiçãoȱinterna,ȱentreȱoȱjuízesȱeȱpelosȱjuízes,ȱ
deȱ acordoȱ comȱ oȱ princípioȱ daȱ representaçãoȱ proporcional,ȱ permitindoȬseȱ queȱ oȱ
CSMȱpossaȱserȱconstituídoȱporȱumaȱmaioriaȱdeȱmembrosȱnãoȱjuízes,ȱdesdeȱqueȱosȱ
restantesȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱneleȱrepresentadosȱ(PRȱeȱAR)ȱoȱpretendam.ȱȱ

SistemaȱsimilarȱvigoraȱparaȱoȱConselhoȱSuperiorȱdosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscais.ȱȱ

Nosȱ termosȱ doȱ art.ȱ 217ºȱ nº1ȱ daȱ CRP,ȱ art.ȱ 4ºȱ nº2ȱ daȱ LOFTJȱ eȱ art.ȱ 136ºȱ doȱ EMJ,ȱ
competeȱaoȱConselhoȱSuperiorȱdaȱMagistraturaȱaȱnomeação,ȱcolocação,ȱtransferênciaȱeȱ
promoçãoȱdosȱjuízesȱdosȱtribunaisȱjudiciaisȱeȱoȱexercícioȱdaȱrespectivaȱacçãoȱdisciplinar.ȱ

Relativamenteȱ aosȱ juízesȱ dosȱ tribunaisȱ administrativosȱ eȱ fiscaisȱ estabeleceȱ oȱ art.ȱ


217ºȱnº2ȱdaȱCRPȱqueȱsejaȱoȱrespectivoȱconselhoȱsuperiorȱaȱasseguráȬlas.ȱOȱEstatutoȱ
dosȱ Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ Fiscaisȱ aprovadoȱ pelaȱ Leiȱ 13/2002ȱ deȱ 19ȱ deȱ

13 ȱLoc.ȱCit.ȱp.ȱ9.ȱȱ

124
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Fevereiroȱ defineȱ asȱ competênciasȱ eȱ atribuiçõesȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ dosȱ


Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ Fiscaisȱ noȱ art.ȱ 74º,ȱ prevendoȬseȱ noȱ art.ȱ 75ºȱ aȱ
composiçãoȱdaqueleȱórgão:ȱpresidenteȱdoȱSupremoȱTribunalȱAdministrativo,ȱqueȱ
preside,ȱdoisȱvogaisȱdesignadosȱpeloȱPresidenteȱdaȱRepública,ȱquatroȱeleitosȱpelaȱ
AssembleiaȱdaȱRepúblicaȱeȱquatroȱjuízesȱeleitosȱpelosȱseusȱpares.ȱȱ
ȱ
1.2.2.4.ȱ–ȱReservaȱdeȱlei.ȱȱ
ȱ
Porȱúltimo,ȱimportaȱconsiderarȱaindaȱaȱsujeiçãoȱaȱreservaȱdeȱleiȱdaȱmatériaȱrelativaȱ
aoȱ Estatutoȱ dosȱ juízes,ȱ comoȱ umaȱ dasȱ garantiasȱ daȱ suaȱ independência,ȱ atentaȱ aȱ
perspectivaȱaludidaȱsupraȱaȱpropósitoȱdaȱreservaȱdeȱleiȱemȱmatériaȱdeȱorganizaçãoȱ
eȱcompetênciaȱdosȱtribunais.ȱȱȱ

Oȱart.ȱ89ºȱal.ȱj)ȱdaȱLCRA,ȱtalȱcomoȱoȱart.ȱ175ºȱal.ȱe)ȱdaȱCRCVȱeȱoȱart.ȱ86ºȱf)ȱdaȱCRGB,ȱ
consideramȱ aȱ matériaȱ relativaȱ aoȱ estatutoȱ dosȱ magistradosȱ comoȱ matériaȱ deȱ
reservaȱ absolutaȱ daȱ competênciaȱ doȱ Parlamento,ȱ emȱ termosȱ similaresȱ aoȱ queȱ
vimosȱsupraȱaȱpropósitoȱdaȱmatériaȱdeȱorganizaçãoȱjudiciária.ȱȱ

Nosȱ termosȱ dosȱ art.sȱ 98ºȱ eȱ 99ºȱ daȱ CRSTPȱ éȱ deȱ reservaȱ relativaȱ aȱ competênciaȱ daȱ
AssembleiaȱNacionalȱnoȱqueȱrespeitaȱaosȱEstatutosȱdosȱMagistradosȱtalȱcomoȱemȱ
matériaȱdeȱorganizaçãoȱjudiciária,ȱcomoȱvimos.ȱȱ

Tambémȱ relativamenteȱ aoȱ estatutoȱ dosȱ juízesȱ aȱ CRMȱ nadaȱ refere,ȱ valendoȱ aȱ
referênciaȱfeitaȱsupraȱaȱpropósitoȱdaȱorganizaçãoȱjudiciária.ȱȱ

Noȱ casoȱ português,ȱ aȱ CRPȱ consideraȱ oȱ Estatutoȱ dosȱ juízesȱ entreȱ asȱ matériasȱ
sujeitasȱaȱreservaȱabsolutaȱdeȱcompetênciaȱlegislativa.ȱNaȱverdade,ȱemboraȱoȱtextoȱ
daȱConstituiçãoȱnãoȱdeixeȱclaroȱqueȱoȱEstatutoȱdosȱjuízesȱsejaȱabrangidoȱpelaȱal.m)ȱ
doȱ art.ȱ 164º,ȱ queȱ seȱ refereȱ genericamenteȱ aoȱ Estatutoȱ dosȱ titularesȱ dosȱ órgãosȱ deȱ
soberania,ȱtemȱsidoȱesteȱoȱentendimentoȱseguidoȱnaȱesteiraȱdeȱG.CanotilhoȱeȱVitalȱ
Moreira, 14 ȱ paraȱ quemȱ nãoȱ seriaȱ lógicoȱ excluirȱ osȱ juízesȱ quandoȱ aȱ mesmaȱ normaȱ
incluiȱ naȱ reservaȱ parlamentarȱ absolutaȱ osȱ membrosȱ dosȱ órgãosȱ doȱ poderȱ local,ȱ
bemȱcomoȱosȱtitularesȱdosȱrestantesȱórgãosȱconstitucionais.ȱȱ

Considerandoȱ estesȱ argumentosȱ eȱ aindaȱ aȱ circunstânciaȱ deȱ seȱ terȱ mantidoȱ


inalteradoȱ oȱ textoȱ constitucional,ȱ pareceȬnosȱ nãoȱ restaremȱ dúvidasȱ sobreȱ aȱ
consideraçãoȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ juízesȱ entreȱ asȱ matériasȱ deȱ reservaȱ absolutaȱ daȱ
AssembleiaȱdaȱRepública.ȱȱ

Aoȱ contrárioȱ daȱ reservaȱ relativa,ȱ aȱ reservaȱ absolutaȱ deȱ competênciaȱ legislativa,ȱ
implicaȱaȱimpossibilidadeȱdeȱdelegaçãoȱdeȱcompetênciaȱporȱparteȱdaȱAssembleiaȱ

14 ȱCfȱCRPȱanotada,ȱ3ªediçãoȬȱCoimbraȱEditora,ȱ1993,ȱp.ȱ667.ȱȱ

125
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

emȱqualquerȱoutroȱórgão,ȱincluindoȱoȱGoverno,ȱpeloȱqueȱaȱinclusãoȱdaȱmatériaȱdoȱ
Estatutoȱ dosȱ juízesȱ naȱ reservaȱ deȱ leiȱ absolutaȱ acentuaȱ aȱ relevânciaȱ daȱ matériaȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
emȱcausa.ȱ

Istoȱ é,ȱ resultamȱ acentuadasȱ asȱ razõesȱ queȱ justificamȱ aȱ reservaȱ deȱ parlamento,ȱ
convergindoȱ nestesȱ casosȱ comȱ maisȱ intensidadeȱ asȱ dimensõesȱ inerentesȱ aoȱ
princípioȱdoȱEstadoȱdeȱdireitoȱeȱaoȱprincípioȱdemocrático.ȱTrataȬseȱdeȱassegurarȱaȱ
observânciaȱ dosȱ princípiosȱ concretizadoresȱ doȱ Estadoȱ deȱ Direitoȱ (princípioȱ daȱ
confiançaȱ eȱ segurançaȱ jurídicas,ȱ princípiosȱ daȱ proporcionalidade,ȱ daȱ igualdadeȱ eȱ
daȱimparcialidade)ȱmasȱtambémȱdeȱguardarȱparaȱumȱórgãoȱcomȱumaȱlegitimaçãoȱ
políticaȱespecialȱaȱregulaçãoȱdeȱcertasȱmatérias.ȱȱ
ȱ
ȱ
1.3.ȱ–ȱPrincípioȱdoȱprocessoȱequitativo.ȱ–ȱREMISSÃO. 15

2ȱ–ȱAȱȱOBRIGATORIEDADEȱEȱPREVALÊNCIAȱDASȱDECISÕESȱJUDICIAISȱȱ
ȱ
Osȱ tribunaisȱ exercemȱ poderesȱ deȱ autoridadeȱ quandoȱ julgamȱ ouȱ ordenamȱ
providênciasȱ nasȱ suasȱ áreasȱ deȱ competência,ȱ vinculandoȱ asȱ demaisȱ entidadesȱ
públicasȱ eȱ privadas,ȱ paraȱ quemȱ sãoȱ obrigatórias,ȱ prevalecendoȱ sobreȱ asȱ decisõesȱ
deȱquaisquerȱoutrasȱautoridades.ȱȱ

Asȱexpressõesȱmaisȱsignificativasȱdessaȱobrigatoriedadeȱresidem,ȱnosȱaspectosȱqueȱ
seȱabordarãoȱdeȱseguida.ȱȱ
ȱ
2.1.ȱ–ȱAutoridadeȱdoȱcasoȱjulgado.ȱȱ
ȱ
Noȱ essencial,ȱ aȱ autoridadeȱ deȱ casoȱ julgadoȱ dasȱ decisõesȱ judiciais,ȱ consisteȱ noȱ
impedimentoȱqueȱsejaȱintentadaȱacçãoȱidênticaȱaȱoutraȱjáȱdecididaȱcomȱtrânsitoȱemȱ
julgado,ȱistoȱé,ȱemȱqueȱfoiȱproferidaȱdecisãoȱque,ȱversandoȱsobreȱoȱfundoȱdaȱcausa,ȱ
adquiriuȱforçaȱobrigatóriaȱdentroȱeȱforaȱdoȱprocessoȱporȱnãoȱadmitirȱjáȱreclamaçãoȱ
ouȱrecursoȱordinário.ȱȱ

Oȱ casoȱ julgadoȱ impõeȱ queȱ aȱ decisãoȱ seȱ torneȱ indiscutívelȱ (sóȱ porȱ viaȱ deȱ recursoȱ
extraordinárioȱ–ȱouȱmeioȱdeȱimpugnaçãoȱsimilarȱ–ȱaȱdecisãoȱjudicialȱpodeȱvirȱaȱserȱ
alterada),ȱpeloȱqueȱoȱdireitoȱantesȱcontrovertidoȱtornaȬseȱcertoȱeȱumȱdosȱinteressesȱ
conflituantesȱéȱconsideradoȱprevalente,ȱcomȱcarácterȱdeȱtendencialȱdefinitividade.ȱ
TrataȬseȱ deȱ umaȱ concessãoȱ práticaȱ àȱ necessidadesȱ deȱ garantirȱ aȱ segurançaȱ eȱ aȱ
certezaȱdoȱdireito,ȱaindaȱqueȱcomȱsacrifícioȱpossívelȱdaȱjustiçaȱmaterial.ȱȱ

15 ȱOȱtratamentoȱdesteȱtemaȱfoiȱjáȱlevadoȱaȱcaboȱpeloȱDr.ȱLuísȱCorreiaȱdeȱMendonçaȱnoȱManualȱrelativoȱ
àsÁreasȱTemáticasȱ2ȱaȱ4ȱdesteȱcurso,ȱparaȱondeȱseȱremeteȱȱintegralmenteȱ.ȱȱ
ȱ

126
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Àȱ autoridadeȱ doȱ casoȱ julgado,ȱ porém,ȱ sãoȱ contrapostosȱ limitesȱ cadaȱ vezȱ maisȱ
significativos,ȱparticularmenteȱemȱmatériaȱpenal.ȱȱ

Porȱ umȱ lado,ȱ oȱ casoȱ julgadoȱ materialȱ emȱ processoȱ penalȱ temȱ sobretudoȱ umaȱ
funçãoȱnegativaȱqueȱseȱtraduzȱnoȱprincípioȱconstitucionalȱneȱbisȱinȱidem,ȱouȱseja,ȱnoȱ
direitoȱ eȱ garantiaȱ fundamentalȱ contraȱ aȱ duplaȱ puniçãoȱ eȱ foiȱ nestaȱ dimensãoȱ
negativaȱ queȱ seȱ afirmouȱ aȱ partirȱ dosȱ finaisȱ doȱ sec.ȱ XVIII,ȱ comȱ oȱ Movimentoȱ
Iluminista,ȱ naȱ suaȱ funçãoȱ deȱ garantiaȱ jurídicoȬpenalȱ doȱ cidadãoȱ faceȱ àȱ arbitráriaȱ
perseguiçãoȱpenal.ȱȱ

Porȱ outroȱ lado,ȱ naȱ suaȱ relaçãoȱ comȱ aȱ Leiȱ Nova,ȱ éȱ inquestionávelȱ aȱ proibiçãoȱ daȱ
aplicaçãoȱretroactivaȱdeȱleiȱpenalȱmaisȱgraveȱqueȱaȱvigenteȱàȱdataȱdosȱfactos,ȱmasȱéȱ
hojeȱ elevadoȱ aȱ verdadeiroȱ princípioȱ constitucionalȱ aȱ aplicaçãoȱ daȱ leiȱ novaȱ
descriminalizadoraȱeȱdaȱLeiȱnovaȱmaisȱfavorávelȱaoȱarguidoȱcomȱsacrifícioȱdoȱcasoȱ
julgadoȱpenal,ȱcomoȱexpressamenteȱoȱditaȱoȱart.ȱ2ºȱnº2ȱdoȱCódigoȱPenalȱportuguês,ȱ
paraȱ osȱ casosȱ deȱ descriminalizaçãoȱ eȱ mesmoȱ nosȱ casosȱ emȱ queȱ aȱ LNȱ introduzȱ
alteraçõesȱ noȱ sentidoȱ maisȱ favorávelȱ aoȱ arguidoȱ semȱ descriminalizarȱ comoȱ éȱ
defendidoȱ porȱ parteȱ daȱ Doutrinaȱ penalȱ portuguesaȱ eȱ foiȱ consideradoȱ noȱ Acȱ Tcȱ
677/98ȱdeȱ2.12.1998.ȱȱ

Porȱúltimo,ȱoȱrecursoȱextraordinárioȱdeȱrevisãoȱdeȱsentençaȱpenalȱcondenatóriaȱé,ȱ
geralmente,ȱ admitidoȱ comȱ considerávelȱ amplitude,ȱ enquantoȱ aȱ revisãoȱ deȱ
sentençaȱpenalȱabsolutóriaȱapenasȱéȱadmissívelȱemȱsituaçõesȱmaisȱlimitadasȱ(v.g.ȱ
art.ȱ449ºȱdoȱCódigoȱdeȱProcessoȱPenalȱPortuguês).ȱȱ

Significaȱ istoȱ queȱ seȱ aȱ forçaȱ deȱ casoȱ julgadoȱ dasȱ decisõesȱ dosȱ tribunaisȱ éȱ causaȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
eȱ efeitoȱ daȱ obrigatoriedadeȱ daquelasȱ mesmasȱ decisõesȱ enquantoȱ dadoȱ
caracterizadorȱdaȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱcomoȱórgãosȱdeȱsoberania,ȱaquelaȱ
mesmaȱ forçaȱ deȱ casoȱ julgadoȱ nãoȱ podeȱ serȱ vistaȱ comoȱ umaȱ sacralizaçãoȱ doȱ casoȱ
julgadoȱpenalȱaoȱserviçoȱdeȱumȱequívocoȱprestígioȱdosȱtribunaisȱouȱcomoȱmeioȱdeȱ
salvaguardarȱoȱvalorȱdasȱdecisõesȱjudiciaisȱemȱprocessoȱpenalȱindependentementeȱ
daȱsuaȱjustificaçãoȱ–ȱcomȱindevidaȱpostergaçãoȱdoȱinteresseȱconcretoȱdasȱjustiçaȱ–,ȱ
comoȱ seȱ aȱ manutençãoȱ dumȱ valorȱ antijurídicoȱ seȱ confundisseȱ comȱ oȱ prestígioȱ
funcionalȱdeȱórgãosȱcriadoresȱdeȱdireitoȱautónomo. 16
ȱ
2.2.ȱ–ȱAȱexecutoriedadeȱdasȱdecisõesȱjudiciaisȱ–ȱoȱdireitoȱàȱcoadjuvaçãoȱdasȱ
outrasȱautoridadesȱnaȱexecuçãoȱdasȱdecisões.ȱȱ

Aȱ executoriedadeȱ dasȱ decisõesȱ judiciaisȱ queȱ adquiremȱ aȱ forçaȱ deȱ casoȱ julgado,ȱ
surgeȱ comoȱ elementoȱ indispensávelȱ àȱ actuaçãoȱ dosȱ tribunaisȱ comoȱ órgãosȱ deȱ
soberaniaȱqueȱtêmȱporȱobjectoȱnãoȱsóȱdeclararȱoȱdireitoȱmasȱtambémȱfazêȬloȱcumprir.ȱȱ

16 ȱCavaleiroȱdeȱFerreira,ȱCursoȱdeȱProcessoȱPenal,ȱȱIII,ȱpp.ȱ38Ȭ9).ȱ

127
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Perspectivadaȱ comoȱ umȱ direitoȱ dosȱ cidadãos, 17 ȱ aȱ execuçãoȱ dasȱ decisõesȱ judiciaisȱ
dosȱ tribunaisȱ constituiȱ mesmoȱ pressupostoȱ deȱ umaȱ protecçãoȱ jurídicaȱ eficazȱ e,ȱ
nessaȱ medida,ȱ traduzȬseȱ noȱ direitoȱ aȱ fazerȱ cumprirȱ asȱ sentençasȱ dosȱ tribunaisȱ
atravésȱ dosȱ tribunaisȱ (ouȱ deȱ outrasȱ autoridadesȱ públicas),ȱ devendoȱ oȱ Estadoȱ
fornecerȱ todosȱ osȱ meiosȱ jurídicosȱ eȱ materiaisȱ necessáriosȱ eȱ adequadosȱ paraȱ darȱ
cumprimentoȱ àsȱ sentençasȱ doȱ juiz,ȱ abrangendoȬseȱ aȱ execuçãoȱ dasȱ sentençasȱ
proferidasȱcontraȱoȱpróprioȱEstado.ȱȱ

Osȱ tribunais,ȱ porém,ȱ têmȱ meiosȱ limitadosȱ paraȱ fazerȱ cumprirȱ materialmenteȱ asȱ
suasȱ decisõesȱ eȱ paraȱ fazerȱ faceȱ aoȱ meroȱ incumprimentoȱ dasȱ mesmasȱ ouȱ àȱ
resistênciaȱ ouȱ oposiçãoȱ activaȱ aoȱ cumprimentoȱ dasȱ decisões,ȱ peloȱ queȱ aȱ leiȱ
ordináriaȱ prevêȱ diversasȱ formasȱ deȱ tornarȱ efectivaȱ aȱ decisão:ȱ tutelaȱ penal,ȱ
coadjuvaçãoȱdasȱrestantesȱautoridades,ȱdesignadamenteȱautoridadesȱpoliciais,ȱouȱ
limitaçãoȱdeȱoutrosȱdireitosȱdosȱparticularesȱporȱviaȱlegislativa.ȱȱ

Aȱ títuloȱ deȱ exemploȱ doȱ queȱ consagramȱ asȱ diversasȱ constituições,ȱ dispõeȱ nestaȱ
matériaȱ oȱ art.ȱ 121ȱ nº2ȱ daȱ Leiȱ Constitucionalȱ nºȱ 23/92ȱ deȱ Angola,ȱ queȱ asȱ decisõesȱ
dosȱ tribunaisȱ sãoȱ deȱ cumprimentoȱ obrigatórioȱ paraȱ todosȱ osȱ cidadãosȱ eȱ demaisȱ
pessoasȱjurídicasȱeȱprevalecemȱsobreȱasȱdeȱoutrasȱautoridades.ȱȱȱ

Emboraȱ aȱ Leiȱ Constitucionalȱ nãoȱ remetaȱ expressamenteȱ paraȱ aȱ leiȱ ordináriaȱ aȱ


regulaçãoȱ dosȱ termosȱ daȱ execuçãoȱ dasȱ decisõesȱ dosȱ tribunais,ȱ oȱ art.ȱ 123ºȱ daȱ Leiȱ
Constitucionalȱdeȱ1992ȱimpõeȱaȱtodasȱasȱentidadesȱpúblicasȱeȱprivadasȱoȱdeverȱdeȱ
cooperarȱcomȱosȱtribunaisȱnaȱexecuçãoȱdasȱsuasȱfunções,ȱcomȱoȱqueȱnãoȱdeixaȱdeȱ
pressuporȱ claramenteȱ aȱ executoriedadeȱ dasȱ decisõesȱ judiciaisȱ comoȱ elementoȱ
indispensávelȱ aoȱ plenoȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funçõesȱ comȱ amplitudeȱ idênticaȱ àȱ queȱ
vimosȱ paraȱ oȱ ordenamentoȱ português.ȱ Aȱ obrigatoriedadeȱ daȱ executoriedadeȱ dasȱ
decisõesȱ judiciaisȱ definitivasȱ éȱ reafirmadaȱ noȱ art.ȱ3ºȱdaȱ Leiȱ doȱSistemaȱ Unificadoȱ
deȱJustiçaȱ–ȱLeiȱnºȱ18/88ȱdeȱ31ȱdeȱDezembroȱ(LSUJ).ȱȱ

3ȱ–ȱAȱDIGNIDADEȱFORMALȱDOSȱTRIBUNAISȱEȱDOSȱSEUSȱTITULARESȱȱ
ȱ
Aȱ dignidadeȱ formalȱ dosȱ tribunaisȱ manifestaȬseȱ nalgumasȱ especificidadesȱ
estatutáriasȱdosȱseusȱtitulares,ȱcomoȱsejamȱoȱdireitoȱaȱforoȱpróprioȱeȱespecialidadesȱ
deȱregime,ȱemȱdeterminadosȱaspectosȱcivisȱeȱpenais,ȱeȱoutrosȱdireitosȱqueȱlhesȱsãoȱ
especialmenteȱreconhecidos.ȱȱ
ȱ
3.1.ȱ–ȱForoȱpróprioȱ
Oȱ direitoȱ aȱ foroȱ próprioȱ nasȱ causasȱ criminaisȱ nãoȱ éȱ estabelecidoȱ emȱ termosȱ
idênticosȱemȱtodosȱosȱPALOP.ȱȱ

17 ȱSeguindoȱdeȱpertoȱJComesȱCanotilho,ȱDireitoȱConstitucionalȱeȱTeoriaȱdaȱConstituição,ȱp.ȱ494.ȱ

128
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Aȱ Leiȱ Constitucionalȱ deȱ Angolaȱ deȱ 1992ȱ nãoȱ seȱ lheȱ refere,ȱ masȱ oȱ Estatutoȱ dosȱ
Magistradosȱ Judiciaisȱ eȱ doȱ MPȱ (EMJMP)ȱ prevêȱ foroȱ próprioȱ eȱ outrosȱ direitosȱ eȱ
regaliasȱ inerentesȱ àȱ função,ȱ noȱ seuȱ artigoȱ 33º,ȱ oȱ qualȱ reconheceȱ aosȱ magistradosȱ
direitoȱ aȱ foroȱ eȱ processoȱ especiaisȱ nasȱ causasȱ criminaisȱ emȱ queȱ sejamȱ arguidosȱ eȱ
tambémȱ nasȱ acçõesȱ deȱ responsabilidadeȱ civil,ȱ porȱ factosȱ praticadosȱ noȱ exercícioȱ
dasȱsuasȱfunçõesȱeȱporȱcausaȱdelas.ȱȱȱ

Sãoȱ tambémȱ estesȱ osȱ termosȱ doȱ art.ȱ 53ºȱ nº1ȱ b)ȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ
Judicias,ȱ deȱ Moçambiqueȱ aprovadoȱ pelaȱ Leiȱ nºȱ 10/91ȱ deȱ 30ȱ deȱ Julhoȱ comȱ
alteraçõesȱpelaȱLeiȱ6/96ȱdeȱ5ȱdeȱJulhoȱeȱ7/99ȱdeȱ2ȱdeȱFevereiroȱ(doravante,ȱEMJȬM)ȱ
doȱart.ȱ24ºȱnº1ȱa)ȱdoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciais,ȱdeȱCaboȱVerdeȱ(doravante,ȱ
EMJ–CV),ȱ aprovadoȱ pelaȱ Leiȱ nºȱ 135/IV/95ȱ deȱ 3ȱ deȱ Julho,ȱ alteradaȱ pelaȱ Leiȱ nºȱ
64/V/98ȱdeȱ17ȱdeȱAgosto.ȱȱ

Oȱ art.ȱ 15ºȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ Judiciaisȱ daȱ GuinéȬBissauȱ limitaȬseȱ aȱ
inscreverȱ oȱ Foroȱ Próprioȱ eȱ processoȱ especialȱ entreȱ osȱ direitosȱ especiaisȱ reconhecidosȱ
aosȱ Magistradosȱ Judiciaisȱ eȱ oȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ deȱ Sãoȱ Toméȱ eȱ Príncipeȱ
(doravante,ȱEMJSTP)ȱremeteȱparaȱoȱforoȱespecialȱdefinidoȱnaȱLeiȱBaseȱdoȱSistemaȱ
Judiciário,ȱ emȱ casoȱ deȱ prisão,ȱ oȱ queȱ significaȱ queȱ gozamȱ deȱ foroȱ especialȱ emȱ
matériaȱ criminal,ȱ sendoȱ julgadosȱ –ȱ talȱ comoȱ oȱ Presidenteȱ daȱ República,ȱ 1ºȱ
Ministro,ȱMinistrosȱeȱDeputadosȱȬȱporȱumȱtribunalȱcolectivoȱformadoȱadȱhoc,ȱporȱ
doisȱjuízesȱdeȱ1ªȱinstância,ȱsorteadosȱentreȱeles,ȱeȱumȱjuizȬconselheiro,ȱqueȱpreside.ȱȱ
ȱ
3.2.ȱ–ȱEspecialidadesȱdeȱregimeȱemȱdeterminadosȱaspectosȱdeȱordemȱcriminal.ȱȱ
ȱ
Oȱ art.ȱ 130ºȱ daȱ Leiȱ Constitucionalȱ angolanaȱ deȱ 1992ȱ prevêȱ queȱ osȱ juízesȱ doȱ
Tribunalȱ Supremo,ȱ comȱ referênciaȱ expressaȱ aoȱ seuȱ Juizȱ Presidenteȱ eȱ aoȱ ViceȬ
Presidente,ȱ bemȱ comoȱ osȱ juízesȱ doȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ sóȱ podemȱ serȱ presosȱ
depoisȱ deȱ culpaȱ formada,ȱ quandoȱ aȱ infracçãoȱ forȱ punívelȱ comȱ penaȱ deȱ prisãoȱ
maior,ȱ peloȱ queȱ apenasȱ poderãoȱ sofrerȱ prisãoȱ preventivaȱ apósȱ pronúnciaȱ porȱ
crimeȱpunívelȱcomȱpenaȱdeȱprisãoȱmaior.ȱTambémȱosȱjuízesȱdeȱ1ªȱinstânciaȱgozamȱ
deȱprerrogativasȱnestaȱmatériaȱemȱtermosȱidênticosȱaosȱestabelecidosȱnaȱlegislaçãoȱ
portuguesa;ȱporȱexemplo:ȱnãoȱpodemȱserȱpresosȱantesȱdeȱculpaȱformada,ȱexceptoȱ
nosȱcasosȱdeȱflagranteȱdelitoȱporȱcrimeȱdolosoȱpunívelȱcomȱpenaȱdeȱprisãoȱmaior.ȱ
Depoisȱ deȱ reproduzirȱ oȱ preceitoȱ constitucional,ȱ oȱ art.ȱ 31ºȱ doȱ EMJMPȱ determinaȱ
aindaȱ queȱ emȱ casoȱ deȱ prisão,ȱ oȱ magistradoȱ deveȱ serȱ imediatamenteȱ apresentadoȱ
aoȱProcuradorȱGeralȱDaȱRepública,ȱcomȱconhecimentoȱaoȱPresidenteȱdoȱTribunalȱ
Supremoȱquandoȱseȱtrateȱdeȱmagistradoȱjudicial.ȱȱ

Quantoȱ àȱ prisão,ȱ oȱ art.ȱ 30ºȱ doȱ EMJȬCVȱ nãoȱ distingueȱ consoanteȱ aȱ categoriaȱ dosȱ
juízes,ȱadmitindoȱaȱsuaȱprisãoȱapenasȱdepoisȱdaȱculpaȱformada,ȱexceptoȱemȱcasoȱ
deȱflagranteȱdelitoȱeȱseȱaoȱcrimeȱcouberȱpenaȱdeȱprisãoȱmaior,ȱcasoȱemȱqueȱdeveȱ

129
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

serȱimediatamenteȱapresentadoȱaoȱjuizȱcompetente.ȱNestesȱprecisosȱtermosȱdispõeȱ
igualmenteȱoȱart.ȱ57ºȱdoȱEMJȬMȱeȱtambémȱoȱart.ȱ11ȱdoȱEMȬSTPȱque,ȱtodavia,ȱnãoȱ
refereȱaȱimediataȱapresentaçãoȱaoȱjuizȱcompetente.ȱ Oȱart.ȱ15ºȱnºȱ1ȱn)ȱdoȱEMJȬGBȱ
estabeleceȱ regraȱ idênticaȱ emȱ matériaȱ deȱ prisãoȱ preventiva,ȱ emboraȱ fixeȱ emȱ doisȱ
anosȱoȱlimiteȱdeȱprisãoȱaȱpartirȱdoȱqualȱseȱadmiteȱaȱprisãoȱemȱflagranteȱdelito.ȱȱ

Oȱ art.ȱ 30ºȱ doȱ EMJȬCVȱ prevêȱ aindaȱ expressamenteȱ queȱ noȱ cumprimentoȱ deȱ
detençãoȱ ouȱ prisãoȱ osȱ Magistradosȱ Judiciaisȱ devemȱ serȱ recolhidosȱ nosȱ
estabelecimentosȱ prisionaisȱ emȱ regimeȱ deȱ separaçãoȱ dosȱ restantesȱ detidosȱ ouȱ
presos,ȱemȱtermosȱmuitoȱsemelhantesȱaosȱprevistosȱnosȱart.sȱ15ºȱeȱ16ºȱdoȱEstatutoȱ
dosȱ Magistradosȱ Judiciais,ȱ portugueses,ȱ aprovadoȱ pelaȱ leiȱ 21/85ȱ deȱ 30ȱ deȱ Julho,ȱ
comȱ asȱ alteraçõesȱ subsequentes,ȱ especialmenteȱ asȱ introduzidasȱ ultimamenteȱ pelaȱ
Leiȱ143/99ȱdeȱ31ȱdeȱAgosto.ȱȱ

Naȱ legislaçãoȱ portuguesaȱ prevêȬseȱ queȱ todasȱ asȱ fasesȱ doȱ processoȱ penal,ȱ bemȱ
comoȱ nosȱ recursosȱ emȱ matériaȱ contraordenacional,ȱ emȱ queȱ sejaȱ arguidoȱ juiz,ȱ
correrãoȱseusȱtermosȱnoȱtribunalȱdeȱcategoriaȱimediatamenteȱsuperiorȱàqueleȱemȱ
queȱ seȱ encontraȱ colocadoȱ oȱ magistradoȱ aȱ exercerȱ funções.ȱ Faceȱ àȱ organizaçãoȱ
judiciáriaȱportuguesa,ȱissoȱsignificaȱqueȱrelativamenteȱaosȱmagistradosȱcolocadosȱ
naȱ primeiraȱ instânciaȱ oȱ processoȱ correráȱ seusȱ termosȱ noȱ Tribunalȱ daȱ Relaçãoȱ
territorialmenteȱcompetente,ȱrelativamenteȱaȱjuizȱqueȱexerçaȱfunçõesȱnestaȱúltimaȱ
categoriaȱdeȱtribunais,ȱȱoȱprocessoȱcorreráȱtermosȱnoȱSTJ,ȱoȱmesmoȱsucedendoȱcasoȱ
seȱtrateȱdeȱJuizȱcolocadoȱnoȱSTJ,ȱcomoȱexpressamenteȱdeterminaȱoȱcitadoȱart.ȱ15ºȱnºȱ
1ȱdoȱEMJ.ȱȱȱ
Dadaȱ aȱ reservaȱ judicial,ȱ praticamenteȱ integral,ȱ deȱ instruçãoȱ eȱ julgamentoȱ emȱ
matériaȱ criminal,ȱ serãoȱ osȱ Tribunaisȱ daȱ Relaçãoȱ eȱ oȱ STJȱ osȱ competentesȱ paraȱ
conhecerȱemȱ1ªȱinstânciaȱdeȱprocessoȱcrimeȱemȱqueȱsejaȱarguidoȱjuizȱdeȱqualquerȱ
outraȱdasȱcategoriasȱouȱordensȱdeȱtribunais.ȱȱȱ

Relativamenteȱ aosȱ juízesȱ doȱ Tribunalȱ Constitucional,ȱ porém,ȱ oȱ procedimentoȱ


criminalȱ porȱ crimeȱ praticadoȱ noȱ exercícioȱ deȱ funçõesȱ apenasȱ prosseguiráȱ seȱ aȱ
AssembleiaȱdaȱRepúblicaȱoȱdeliberarȱ(art.ȱ26ºȱdaȱLeiȱdoȱTribunalȱConstitucional).ȱȱ

Oȱ art.ȱ 16ºȱ doȱ EMJȱ portuguesesȱ (naȱ redacçãoȱ daȱ leiȱ 10/94ȱ deȱ 5ȱ deȱ Maio)ȱ consagraȱ
aindaȱ especialidadesȱ deȱ regimeȱ noȱ queȱ respeitaȱ àȱ admissibilidadeȱ daȱ detençãoȱ eȱ
prisãoȱ preventiva,ȱ cumprimentoȱ daquelaȱ medidaȱ deȱ coacçãoȱ eȱ deȱ penaȱ privativaȱ
deȱ liberdadeȱ eȱ realizaçãoȱ deȱ buscasȱ domiciliárias.ȱ Nãoȱ podemȱ serȱ presosȱ
preventivamenteȱouȱdetidosȱantesȱdeȱserȱproferidoȱdespachoȱqueȱdesigneȱdiaȱparaȱ
julgamento,ȱ salvoȱ emȱ casoȱ deȱ flagranteȱ delitoȱ porȱ crimeȱ punívelȱ comȱ penaȱ deȱ
prisãoȱ superiorȱ aȱ 3ȱ anos,ȱ situaçãoȱ emȱ queȱ poderáȱ serȱ detidoȱ paraȱ serȱ
imediatamenteȱ apresentadoȱ àȱ autoridadeȱ judiciáriaȱ competente.ȱ Aȱ prisãoȱ
preventivaȱ ouȱ oȱ cumprimentoȱ deȱ penaȱ ocorrerãoȱ emȱ regimeȱ deȱ separaçãoȱ dosȱ

130
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

restantesȱdetidos,ȱemȱestabelecimentoȱprisionalȱcomum,ȱeȱasȱbuscasȱnoȱdomicílioȱ
pessoalȱ ouȱ profissionalȱ deȱ qualquerȱ juizȱ devemȱ serȱ presididasȱ peloȱ juizȱ
competenteȱdeȱacordoȱcomȱasȱregrasȱsobreȱforoȱpróprioȱsupraȱreferidas.ȱȱ
ȱ
3.3.ȱ–ȱOutrosȱdireitosȱeȱregalias.ȱȱ
ȱ
TantoȱoȱEMJMP,ȱdeȱAngolaȱ(art.sȱ33ºȱeȱ34º),ȱcomoȱosȱart.sȱ24ºȱeȱ25ºȱdoȱEMJȬCV,ȱoȱ
art.ȱ53ºȱdoȱEMJȬM,ȱart.ȱ15ºȱdoȱEMJȬGB,ȱart.ȱ12ºȱdoȱEMȬSTPȱeȱoȱart.ȱ17ºȱdoȱEMJȬP,ȱ
obedecemȱaȱumaȱlógicaȱidênticaȱeȱmesmoȱaȱsimilaridadesȱdeȱconteúdo,ȱaindaȱqueȱ
comȱ amplitudesȱ diversas:ȱ reconhecemȱ aosȱ magistradosȱ garantiasȱ emȱ matériaȱ deȱ
segurançaȱ pessoalȱ eȱ daȱ família,ȱ direitoȱ aoȱ usoȱ deȱ armaȱ eȱ deȱ entradaȱ eȱ livreȱ
circulaçãoȱ emȱ determinadosȱ lugaresȱ nãoȱ acessíveisȱ livrementeȱ aoȱ público,ȱ paraȱ
alémȱ deȱ algumasȱ regaliasȱ deȱ conteúdoȱ patrimonialȱ relativasȱ àȱ satisfaçãoȱ deȱ
necessidadesȱ pessoaisȱ eȱ domésticas,ȱ comoȱ oȱ direitoȱ aȱ viaturaȱ paraȱ usoȱ pessoal,ȱ aȱ
casaȱdoȱEstadoȱouȱaȱexpensasȱdeste.ȱȱ
ȱ
3.4.ȱ–ȱDoȱOȱusoȱdeȱtrajeȱprofissional,ȱporȱdisposiçãoȱlegal.ȱȱ
ȱ
Oȱusoȱdoȱtrajeȱdosȱmagistradosȱeȱdosȱrestantesȱmembrosȱdasȱprofissõesȱjudiciáriasȱ
constituiȱoȱmaisȱantigoȱusoȱcivilȱaindaȱemȱvigorȱeȱteráȱtidoȱaȱsuaȱorigemȱnaȱvesteȱ
deȱsumoȱsacerdoteȱdeȱJerusalémȱqueȱchegouȱàȱRepúblicaȱdeȱVenezaȱviaȱBizâncioȱeȱ
influenciouȱposteriormenteȱtodosȱosȱtribunaisȱdaȱEuropa,ȱaȱcomeçarȱpeloȱducadoȱ
deȱBorgonha. 18 ȱActualmenteȱosȱmagistradosȱnãoȱusamȱoȱtrajeȱprofissionalȱduranteȱ
todoȱ oȱ diaȱ eȱemȱ qualquerȱ ocasião,ȱ comoȱ naȱ IdadeȱMédia,ȱfazendoȬoȱ emȱ regraȱ naȱ
salaȱ deȱ audiênciasȱ variandoȱ oȱ seuȱ usoȱ noutrasȱ diligênciasȱ emȱ função,ȱ sobretudo,ȱ
doȱcostume.ȱȱȱ
ȱ
Paraȱalémȱdeȱumaȱfunçãoȱpurificadoraȱeȱprotectora,ȱGaraponȱatribuiȱaindaȱaoȱtrajeȱ
profissionalȱ oȱ papelȱ deȱ assinalarȱ aȱ vitóriaȱ doȱ parecerȱ sobreȱ oȱ ser.ȱ Éȱ umaȱ vesteȱ
institucionalȱ queȱ cobreȱ quemȱ aȱ usa.ȱ Oȱ homemȱ queȱ aȱ vesteȱ marcaȱ aȱ superioridadeȱ –ȱ
temporáriaȱ–ȱdaȱinstituiçãoȱsobreȱoȱhomem:ȱjáȱnãoȱéȱeleȱqueȱhabitaȱaȱsuaȱveste,ȱmasȱsimȱestaȱ
queȱoȱhabitaȱaȱele.ȱOȱtrajeȱpermite,ȱaȱquemȱoȱveste,ȱaȱidentificaçãoȱcomȱaȱsuaȱpersonagem.ȱ
Contrariamenteȱaoȱprovérbio,ȱnoȱprocessoȱéȱoȱhábitoȱqueȱfazȱoȱjuiz,ȱoȱadvogadoȱeȱoȱprocurador.ȱȱ

Todosȱ osȱ PALOP,ȱ talȱ comoȱ Portugal,ȱ prevêemȱ naȱ suaȱ legislaçãoȱ oȱ usoȱ deȱ trajeȱ
próprio,ȱdesignadoȱbeca,ȱpelosȱmagistradosȱnoȱexercícioȱdeȱfunçõesȱe,ȱforaȱdelas,ȱ
emȱ certasȱ ocasiõesȱ deȱ maiorȱ solenidade.ȱ (art.ȱ 17ºȱ doȱ EMȬSTP,ȱ art.ȱ 53ºȱ doȱ EMJ.M,ȱ
art.ȱ 23ºȱ doȱ EMJCV,ȱ queȱ seȱ refereȱ apenasȱ aoȱ usoȱ deȱ Trajeȱ nasȱ Audiências,ȱ 29ºȱ doȱ

18 ȱ Aȱ breveȱ referênciaȱ históricaȱ segueȱ deȱ perto,ȱ Antoineȱ Garapon,ȱ Bemȱ JulgarȬEnsaioȱ Sobreȱ oȱ Ritualȱ
JudiciárioInstitutoȱPiaget,ȱLisboaȱ(ȱtrad.ȱdoȱoriginalȱfrancêsȱBienȱJuger,ȱdeȱ1997).ȱȱ

131
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

EMJMP,ȱart.ȱ11ºȱdoȱEMȬGBȱeȱart.ȱ18ºȱdoȱEMJȬP).ȱOȱart.ȱ11ºȱnºȱ2ȱdoȱEMJȬGbȱeȱoȱart.ȱ
18ºȱdoȱEMJȬP,ȱregulamȱaindaȱalgunsȱaspectosȱdosȱtrajesȱcorrespondentesȱàȱcategoriaȱ
dosȱjuízes,ȱprevendoȱexpressamenteȱqueȱosȱJuízesȱdoȱSTJȱpodemȱusarȱcapaȱsobreȱaȱbeca.ȱȱ
ȱ
3.5.ȱ–ȱDoȱestatutoȱremuneratório.ȱȱȱ
ȱ
Aȱconsideraçãoȱdoȱestatutoȱremuneratórioȱdosȱjuízesȱcomoȱelementoȱdaȱdignidadeȱ
formalȱ dosȱ juízesȱ –ȱ enquantoȱ garantiaȱdaȱ suaȱindependênciaȱ –,ȱ parteȱ daȱideiaȱdeȱ
queȱ aosȱ juízesȱ deveȱ serȱ proporcionado,ȱ oȱ desafogoȱ económicoȱ queȱ lhesȱ permitaȱ
entregaremseȱ exclusivamente,ȱ semȱ preocupaçõesȱ deȱ ordemȱ material,ȱ aoȱ exercícioȱ
daȱ suaȱ nobreȱ funçãoȱ deȱ julgar.ȱ Paraȱ alémȱ desteȱ aspectoȱ daȱ questão,ȱ enfatizaȬseȱ
igualmenteȱ queȱ osȱ juízesȱ servemȱ osȱ seusȱ paísesȱ noȱ mesmoȱ planoȱ deȱ outrosȱ
titularesȱdeȱórgãosȱdeȱsoberania,ȱcomoȱoȱChefeȱdeȱEstado,ȱDeputados,ȱChefesȱdeȱ
Governoȱ ouȱ Ministros,ȱ oȱ queȱ explicaȱ queȱ emȱ regraȱ seȱ tenhamȱ emȱ contaȱ asȱ
remuneraçõesȱ auferidasȱ porȱ estesȱ noȱ escalonamentoȱ remuneratórioȱ dasȱ diversasȱ
categoriasȱ deȱ magistrados,ȱ nomeadamenteȱ pelaȱ indexaçãoȱ doȱ seuȱ vencimentoȱ aoȱ
daquelesȱtitularesȱdeȱcargosȱpolíticos.ȱȱ

ReferemȬseȱ expressamenteȱ aoȱ estatutoȱ remuneratórioȱ dosȱ juízes,ȱ regulandoȱ


directamenteȱ sobreȱ oȱ mesmoȱ ouȱ remetendoȱ paraȱ diplomasȱ próprios,ȱ osȱ art.sȱ 37º,ȱ
38ºȱeȱ39º,ȱdoȱEMJMPȬA,ȱosȱart.sȱ15ºȱalsȱd)ȱaȱg),ȱ16ºȱeȱ17º,ȱdoȱEMJȬGB,ȱȱart.sȱ59ºȱeȱ61ºȱ
doȱEMJȬM,ȱart.sȱ14ºȱeȱ16º,ȱdoȱEMȬSTPȱeȱart.sȱ25º,ȱ26ºȱ,ȱ27ºȱeȱ28º,ȱdoȱEMJȬCVȱosȱquaisȱ
regulamȱ pormenorizadamenteȱ osȱ componentesȱ daȱ retribuiçãoȱ paraȱ asȱ diversasȱ
categoriasȱ deȱ juízesȱ porȱ referênciaȱ aoȱ vencimentoȱ doȱ ȱ Presidenteȱ doȱ Supremoȱ
TribunalȱdeȱJustiçaȱoȱqual,ȱporȱsuaȱvez,ȱéȱestabelecidoȱnumaȱdadaȱpercentagemȱdoȱ
vencimentoȱdoȱPresidenteȱdaȱRepública.ȱȱ
ȱ
3.6.ȱ–ȱDoȱrespeitoȱdevidoȱaosȱjuízesȱpelasȱfunçõesȱqueȱexercem.ȱȱ
ȱ
Emboraȱ possaȱ dizerȬseȱ queȱ oȱ respeitoȱ pelosȱ juízes,ȱ emȱ atençãoȱ àsȱ funçõesȱ queȱ
exercem,ȱ assentaȱ emȱ largaȱ medidaȱ noȱ costume,ȱ encontramȬseȱ nasȱ legislaçõesȱ
nacionaisȱmanifestaçõesȱdaquelaȱgarantiaȱformal,ȱquerȱnasȱleisȱdeȱprocessoȱ(v.g.ȱaȱ
propósitoȱ daȱ direcçãoȱ dasȱ Audiências),ȱ querȱ naȱ legislaçãoȱ queȱ regulaȱ oȱ exercícioȱ
daȱadvocaciaȱeȱoutrasȱprofissõesȱjudiciárias.ȱȱ

Assimȱoȱart.ȱ73ºȱe,ȱemȱespecial,ȱoȱart.ȱ74ºȱdoȱEstatutoȱdaȱOrdemȱdosȱAdvogadosȱdeȱ
Caboȱ Verde,ȱ aprovadosȱ peloȱ DecȬleiȱ nºȱ 51/2000ȱ deȱ 4ȱ deȱ Dezembro,ȱ oȱ qualȱ
estabeleceȱqueȱemȱquaisquerȱcircunstânciasȱdaȱvidaȱforense,ȱosȱadvogadosȱdevemȱ
tratarȱ osȱ juízesȱ comȱ especialȱ respeitoȱ eȱ solenidadeȱ ouȱ oȱ art.ȱ 87ºȱ doȱ Estatutoȱ daȱ
OrdemȱdosȱAdvogados,ȱportugueses,ȱaprovadoȱpeloȱDecȬleiȱ84/84ȱdeȱ16ȱdeȱMarçoȱ
eȱrepublicadoȱpelaȱLeiȱ80/2001ȱdeȱ20ȱdeȱJulho,ȱqueȱconsagraȱdeveresȱidênticos.ȱȱ

132
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

ȱ
ȱ
ȱ
IIȱ–ȱESTRUTURAȱORGÂNICAȱDOȱSISTEMAȱJUDICIÁRIOȱ
ȱ
1ȱ–ȱDOSȱTRIBUNAISȱINTERNACIONAISȱȱ

Noȱ presenteȱ móduloȱ farȬseȬáȱ umaȱ referênciaȱ aoȱ Tribunalȱ Internacionalȱ deȱ Justiçaȱ
(ONU),ȱ aoȱ Tribunalȱ Comumȱ deȱ Justiçaȱ eȱ Arbitragemȱ (CCJA)ȱ daȱ OHADAȱ
(Organizaçãoȱ paraȱ aȱ Harmonizaçãoȱ doȱ Direitoȱ dosȱ Negóciosȱ emȱ África),ȱ deȱ queȱ
fazȱ parteȱ aȱ Repúblicaȱ daȱ GuinéȬBissauȱ eȱ aindaȱ àȱ Comissãoȱ Africanaȱ dosȱ Direitosȱ
doȱHomemȱeȱdosȱPovos,ȱaȱqueȱaderiramȱosȱcincoȱPALOP.ȱȱ
ȱ
1.1ȱ–ȱOȱTribunalȱInternacionalȱdeȱJustiçaȱ(TIJ). 19

Conformeȱ ficouȱ aȱ constarȱ daȱ Cartaȱ dasȱ Naçõesȱ Unidasȱ desdeȱ Junhoȱ deȱ 1945,ȱ Oȱ
Tribunalȱ Internacionalȱ deȱ Justiçaȱ “éȱ oȱ principalȱ órgãoȱ judicialȱ dasȱ Naçõesȱ Unidas”ȱ eȱ
incluiȱcomoȱseusȱmembrosȱipsoȱfactoȱtodosȱosȱmembrosȱdaȱONU.ȱȱ

Competências,ȱcomposiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ

SóȱosȱEstadosȱpoderãoȱserȱpartesȱemȱcausasȱsubmetidasȱaoȱTIJ,ȱoȱqualȱtemȱasȱsuasȱ
competênciasȱ previstasȱ essencialmenteȱ noȱ art.ȱ 36ºȱ eȱ 65º,ȱ doȱ seuȱ Estatuto,ȱ queȱ fazȱ
parteȱintegranteȱdaȱCartaȱdasȱNaçõesȱUnidas,ȱcomoȱaludido.ȱȱ

Oȱart.ȱ36ºȱatribuiȱaoȱTribunalȱcompetênciaȱparaȱconhecerȱtodasȱasȱquestõesȱqueȱlheȱ
sejamȱ submetidasȱ pelasȱ partes,ȱ emȱ especialȱ entreȱ asȱ que,ȱ nosȱ termosȱ doȱ §ȱ 2º,ȱ
declararamȱ reconhecerȱ comoȱ obrigatória,ȱ ipsoȱ factoȱ aȱ jurisprudênciaȱ doȱ tribunalȱ
relativamenteȱaȱtodasȱasȱquestõesȱqueȱrespeitemȱa:ȱȱ
–ȱinterpretaçãoȱdeȱtratados;ȱȱ
–ȱqualquerȱmatériaȱdeȱdireitoȱinternacional;ȱȱ
–ȱ verificaçãoȱ daȱ existênciaȱ deȱ actosȱ queȱ constituamȱ violaçõesȱ deȱ compromissosȱ
internacionais;ȱȱ
–ȱnaturezaȱouȱextensãoȱdaȱreparaçãoȱdevidaȱpelaȱviolaçãoȱdeȱcompromissosȱinternacionais.ȱȱ
Porȱ suaȱ vez,ȱ oȱ art.ºȱ 65ºȱ doȱ Estatutoȱ confereȱ aoȱ TIJȱ competênciaȱ consultiva:ȱ “oȱ
tribunalȱ poderáȱ darȱparecerȱconsultivoȱ sobreȱ qualquerȱ questãoȱ jurídicaȱaȱ pedidoȱdoȱ órgãoȱ
que,ȱdeȱacordoȱcomȱaȱCartaȱdasȱnaçõesȱUnidasȱouȱporȱelaȱautorizado,ȱestiverȱemȱcondiçõesȱ
deȱ fazerȱ talȱ pedido”.ȱ Emboraȱ semȱ carácterȱ obrigatórioȱ paraȱ osȱ Estados,ȱ oȱ exercícioȱ
destaȱcompetênciaȱpeloȱTIJȱtemȱsidoȱimportanteȱnaȱconstruçãoȱdoȱdireitoȱinternacional.ȱȱ

19 ȱ SeguirȬseȬáȱ deȱ pertoȱ quantoȱ aoȱ TIJ,ȱ Joãoȱ Motaȱ deȱ Camposȱ (ȱ coord)ȱ eȱ outros,ȱ Organizaçõesȱ
InternacionaisȬFundaçãoȱCalousteȱGulbemkianȱ–ȱ1999,ȱpp.ȱ278ºȱaȱ285ºȱȱ

133
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

OȱTIJȱestáȱinstaladoȱnoȱPalácioȱdaȱPazȱemȱHaia.ȱÉȱconstituídoȱporȱ15ȱjuízesȱeleitosȱ
porȱnoveȱanos,ȱnãoȱpodendoȱserȱeleitoȱmaisȱqueȱumȱjuizȱdaȱmesmaȱnacionalidade.ȱ
Osȱjuízesȱdevemȱpossuirȱasȱqualificaçõesȱexigidasȱparaȱaȱnomeaçãoȱparaȱosȱmaisȱaltosȱ
cargosȱjudiciaisȱouȱseremȱjuristasȱdeȱreconhecidaȱcompetênciaȱemȱdireitoȱinternacional.ȱȱ

Aȱcomposiçãoȱdoȱtribunalȱdeveȱreflectirȱosȱprincipaisȱsistemasȱdeȱdireitoȱdoȱmundo.ȱȱ

OȱTIJȱpodeȱfuncionarȱemȱtermosȱsemelhantesȱaosȱdeȱumȱtribunalȱarbitral,ȱquandoȱ
doisȱEstadosȱdecidemȱsubmeterȱaoȱtribunalȱumaȱdeterminadaȱquestãoȱdelimitandoȱ
concretamenteȱoȱobjectoȱdoȱlitígio,ȱprevendoȬseȱaȱconstituiçãoȱdeȱeȱcâmarasȱespecializadasȱ
paraȱdecidirȱquestõesȱespeciaisȱseȱosȱEstadosȱinteressadosȱnissoȱconvierem.ȱ

IndependentementeȱdasȱnaturaisȱlimitaçõesȱinerentesȱàsȱrelaçõesȱentreȱEstados,ȱaȱ a
jurisprudênciaȱdoȱTIJȱtemȱcontribuídoȱparaȱaȱreferidaȱcostru10.0243o ȱdaȱcomunidadeȱ
internacional ȱcomoȱ
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Oȱ Tribunalȱ éȱ compostoȱ porȱ seteȱ juízesȱ eleitosȱ porȱ umȱ períodoȱ deȱ seteȱ anosȱ
(renovávelȱumaȱvez),ȱentreȱcidadãosȱdosȱEstadosȱPartes;ȱincluiȱnaȱsuaȱcomposiçãoȱȱ
umȱjuizȱdaȱGuinéȬBissau.ȱȱ

OȱTribunalȱexerceȱasȱseguintesȱfunções:ȱȱ

–ȱemiteȱpareceresȱsobreȱprojectosȱdeȱactosȱuniformesȱantesȱdaȱsuaȱapresentaçãoȱaoȱ
Conselhoȱ deȱ Ministros,ȱ eȱ emiteȱ pareceresȱ sobreȱ aȱ interpretaçãoȱ eȱ aplicaçãoȱ deȱ
actosȱuniformes;ȱȱ
–ȱéȱumaȱinstânciaȱdeȱrecurso,ȱcomoȱtribunalȱdeȱcassação,ȱsubstituindoȱosȱsupremosȱ
tribunaisȱdeȱjustiçaȱnacionaisȱemȱtodoȱeȱqualquerȱlitígioȱrelativoȱaoȱnovoȱdireitoȱ
uniformizado;ȱ aȱ intervençãoȱ doȱ tribunalȱ podeȱ serȱ requeridaȱ directamenteȱ porȱ
umaȱdasȱpartesȱemȱlitígioȱnumȱprocessoȱemȱcursoȱperanteȱjurisdiçãoȱnacionalȱouȱ
medianteȱreenvioȱdaȱjurisdiçãoȱnacional;ȱȱ
–ȱ oȱtribunalȱorganizaȱeȱcontrolaȱoȱbomȱfuncionamentoȱdosȱprocessosȱdeȱarbitragem,ȱ
nomeiaȱouȱconfirmaȱosȱárbitrosȱeȱexaminaȱosȱprojectosȱdeȱsentença,ȱaosȱquaisȱsóȱ
podeȱproporȱmodificaçõesȱformais.ȱȱ
ȱ
OȱTribunalȱtemȱaȱsuaȱsedeȱemȱAbidjan,ȱnaȱCostaȱdoȱMarfim.ȱȱ
ȱ
1.3.ȱ –ȱ Comoȱ jáȱ referidoȱ noȱ volumeȱ 1ȱ doȱ Manualȱ relativoȱ aoȱ presenteȱ curso,ȱ daȱ
autoriaȱ doȱ Dr.ȱ Luísȱ Correiaȱ deȱ Mendonça,ȱ aȱ Comissãoȱ daȱ Cartaȱ Africanaȱ
dosȱ Direitosȱ doȱ Homemȱ eȱ dosȱ Povos,ȱ nãoȱ éȱ umȱ verdadeiroȱ tribunal,ȱ
cabendoȬlheȱ receberȱ exposiçõesȱ dosȱ Estadosȱ (artigosȱ 47.º,ȱ 48.ºȱ eȱ 49.ºȱ daȱ
Carta)ȱeȱoutrasȱexposiçõesȱ(artigoȱ55.ºȱdaȱCarta),ȱnasȱquaisȱseȱenglobamȱasȱ
queȱ sãoȱ daȱ iniciativaȱ deȱ organizaçõesȱ nãoȱ governamentaisȱ ouȱ deȱ
particulares.ȱNãoȱtem,ȱporém,ȱpoderȱdeȱdecisão,ȱqueȱpertenceȱàȱConferênciaȱ
deȱ Chefesȱ deȱ Estadoȱ eȱ deȱ Governo,ȱ e,ȱ conformeȱ resultaȱ daȱ interpretaçãoȱ
conjugadaȱdosȱartigosȱ50.ºȱeȱ56.ºȱdaȱCarta,ȱaȱexposiçãoȱsóȱpodeȱserȱporȱelaȱ
apreciadaȱ quandoȱ oȱ queixosoȱ tiverȱ esgotadoȱ todasȱ asȱ viasȱ deȱ recursoȱ
internasȱdisponíveis.ȱȱ
ȱ
2ȱ–ȱDOSȱTRIBUNAISȱNACIONAISȱȱ
ȱ
2.1.ȱ–ȱDasȱcategoriasȱdeȱtribunaisȱȬȱgeneralidades.ȱȱ
ȱ
Aȱprimeiraȱdistinçãoȱaȱfazerȱemȱmatériaȱdeȱorganizaçãoȱjudiciáriaȱtemȱaȱverȱcomȱoȱ
modeloȱ estruturalȱ adoptadoȱ emȱ cadaȱ ordenamentoȱ jurídico.ȱ Segundoȱ ensinaȱ oȱ
Prof.ȱ G.ȱ Canotilho 20 ,ȱ Oȱ poderȱ jurisdicionalȱ podeȱ estruturarȬseȱ comȱ baseȱ emȱ doisȱ

20 ȱDireitoȱConstitucionalȱcitȱȱp.ȱ656ȱȱ

135
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

princípios:ȱ oȱ princípioȱ daȱ unidadeȱ deȱ jurisdiçãoȱ eȱ oȱ princípioȱ daȱ pluralidade.ȱ Existeȱ
princípioȱ daȱ unidadeȱ quandoȱ seȱ verificaȱ umaȱ concentraçãoȱ daȱ funçãoȱ deȱ julgarȱ numaȱ
únicaȱ organizaçãoȱ judiciária.ȱ ConsagraȬseȱ oȱ princípioȱ daȱ pluralidadeȱ deȱ jurisdiçõesȱ
quandoȱ asȱ funçõesȱ judiciaisȱ sãoȱ atribuídasȱ aȱ váriosȱ órgãosȱ enquadradosȱ emȱ jurisdiçõesȱ
diferenciadasȱeȱindependentesȱentreȱsi.ȱȱ

Nosȱordenamentosȱjurídicosȱondeȱseȱencontraȱconsagradoȱoȱprincípioȱdaȱunidadeȱ
existe,ȱ emȱ regra,ȱ umȱ “tribunalȱ supremo”,ȱ enquantoȱ aoȱ princípioȱ daȱ pluralidadeȱ
corresponderáȱumaȱpluralidadeȱdeȱtribunaisȱsupremosȱcomoȱsucede,ȱporȱexemplo,ȱ
noȱ ordenamentoȱ português,ȱ ondeȱ aoȱ ladoȱ doȱ Tribunalȱ Constitucional,ȱ seȱ
encontramȱoȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiça,ȱoȱSupremoȱTribunalȱAdministrativoȱeȱoȱ
TribunalȱdeȱContas.ȱȱȱ

NesteȱúltimoȱmodeloȱdeȱorganizaçãoȱjudiciáriaȱverificaȬseȱque,ȱapesarȱdeȱaȱfunçãoȱ
deȱadministrarȱaȱjustiçaȱseȱencontrarȱatribuídaȱaosȱtribunais,ȱnoȱseuȱconjunto,ȱeȱdeȱ
aȱ Jurisdiçãoȱ apresentarȱ umaȱ unidadeȱ essencialȱ emȱ faceȱ dasȱ outrasȱ funçõesȱ doȱ
Estado,ȱ oȱ exercícioȱ doȱ poderȱ jurisdicionalȱ reparteȬseȱ porȱ váriosȱ órgãos,ȱ numȱ
sistemaȱdeȱorganizaçãoȱjudiciáriaȱnãoȱunitário.ȱȱȱ

Pluralidadeȱdeȱtribunais:ȱdiversidadeȱdeȱcategoriasȱeȱordensȱdeȱtribunais.ȱȱ

Nesteȱmodelo,ȱéȱprecisoȱconsiderarȱaindaȱqueȱsóȱalgumasȱdasȱcategoriasȱabrangemȱ
umaȱpluralidadeȱdeȱtribunaisȱqueȱseȱintegramȱnumȱcomplexoȱorgânicoȱhierarquizadoȱ
paraȱefeitosȱdeȱrecurso,ȱcomȱumȱtribunalȱsuperiorȱnoȱtopoȱdaȱhierarquia,ȱconstituindoȬseȱ
emȱordensȱdeȱtribunais,ȱenquantoȱoutrasȱdasȱcategoriasȱcorrespondemȱaȱtribunaisȱ
únicosȱ ouȱ aȱ umaȱ possívelȱ pluralidadeȱ deȱ tribunais,ȱ masȱ semȱ que,ȱ nesteȱ últimoȱ
caso,ȱconstituamȱumȱcomplexoȱorgânicoȱinternamenteȱhierarquizado.ȱȱ

Entreȱasȱcategoriasȱdeȱtribunaisȱqueȱseȱintegramȱemȱordensȱjurisdicionais,ȱcontamȬ
seȱ osȱ tribunaisȱ judiciaisȱ eȱ osȱ tribunaisȱ administrativosȱ eȱ fiscais,ȱ noȱ ordenamentoȱ
português;ȱ exemplosȱ doȱ segundoȱ casoȱ sãoȱ oȱ Tribunalȱ Constitucional,ȱ queȱ éȱ umȱ
tribunalȱúnicoȱemȱCaboȱVerde,ȱAngolaȱeȱPortugal,ȱouȱosȱjulgadosȱdeȱPazȱque,ȱnoȱ
casoȱ português,ȱ sãoȱ constituídosȱ porȱ umaȱ pluralidadeȱ deȱ tribunaisȱ semȱ que,ȱ
todavia,ȱseȱintegremȱnumaȱestruturaȱorgânicaȱhierarquizada.ȱȱ

Tantoȱ nosȱ paísesȱ queȱ adoptamȱ oȱ modeloȱ unitárioȱ comoȱ naquelesȱ queȱ seguemȱ oȱ
princípioȱdaȱpluralidadeȱdeȱjurisdições,ȱnãoȱéȱhomogéneaȱaȱatençãoȱconcedidaȱporȱ
cadaȱumaȱdasȱconstituiçõesȱnacionaisȱàȱmatériaȱdaȱorgânicaȱjudiciária.ȱȱ

Porȱ outroȱ lado,ȱ naȱ generalidadeȱ dasȱ constituiçõesȱ queȱ aquiȱ nosȱ interessam,ȱ àȱ
diversidadeȱ deȱ categoriasȱ deȱ tribunaisȱ nãoȱ corresponde,ȱ necessariamente,ȱ aȱ suaȱ
autonomiaȱorgânicaȱouȱaȱsuaȱimpermeabilidadeȱfaceȱàsȱrestantes,ȱindependentementeȱ
deȱseȱorganizaremȱouȱnãoȱemȱordensȱdeȱtribunais.ȱȱ

136
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Sóȱ relativamenteȱ aȱ algumasȱ dasȱ categoriasȱ asȱ constituiçõesȱ parecemȱ pressuporȱ


autonomiaȱ eȱ paralelismoȱ entreȱ elas,ȱ nomeadamenteȱ aoȱ disporȱ sobreȱ aȱ suaȱ
estruturaȱ eȱ composiçãoȱ (vdȱ art.sȱ 210º,ȱ 211º,ȱ 212ºȱ eȱ 214º,ȱ daȱ CRP),ȱ enquantoȱ
relativamenteȱaȱoutrasȱcategorias,ȱdeixaȬseȱaoȱlegisladorȱordinárioȱliberdadeȱparaȱ
encontrarȱasȱsoluçõesȱmaisȱadequadas.ȱȱȱ

Éȱassimȱqueȱosȱtribunaisȱmarítimos,ȱapesarȱdeȱconstituíremȱumaȱdasȱcategoriasȱdeȱ
tribunaisȱ expressamenteȱ mencionadasȱ naȱ constituiçãoȱ portuguesa,ȱ surgemȱ
integradosȱ naȱ ordemȱ dosȱ tribunaisȱ judiciaisȱ comoȱ tribunaisȱ deȱ competênciaȱ
especializadaȱ(art.sȱ78ºȱeȱ90º,ȱdaȱLOFTJ),ȱtalȱcomoȱasȱdecisõesȱdosȱtribunaisȱarbitrais,ȱ
mencionadosȱ noȱ art.ȱ 209ºȱ nºȱ 2ȱ daȱ CRPȱ estãoȱ sujeitasȱ aȱ anulaçãoȱ eȱ aȱ recurso,ȱ aȱ
conhecerȱ pelosȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ ouȱ pelosȱ Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ Fiscais,ȱ
consoanteȱosȱcasosȱ(cfȱart.sȱ27ºȱeȱ29ºȱdaȱLeiȱdeȱArbitragemȱVoluntáriaȱ–ȱLeiȱnºȱ31/86ȱ
deȱ29ȱdeȱAgostoȱeȱart.ȱ186ºȱdoȱCódigoȱdeȱProcessoȱnosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱ
FiscaisȱaprovadoȱpelaȱLeiȱ1572002ȱdeȱ22ȱdeȱFevereiro),ȱapesarȱdeȱnãoȱintegraremȱ
nenhumaȱdessasȱordensȱdeȱtribunais,ȱtalȱcomoȱdasȱdecisõesȱdosȱjulgadosȱdeȱPazȱpodeȱ
caberȱrecursoȱparaȱosȱtribunaisȱjudiciaisȱ(cfȱart.ȱ62ºȱdaȱLeiȱ78/2001ȱdeȱ13ȱdeȱSetembro).ȱȱȱ

Nestaȱ parteȱ aȱ CRPȱ prevê,ȱ pois,ȱ aȱ existênciaȱ deȱ umaȱ diversidadeȱ deȱ espéciesȱ ouȱ
categoriasȱdeȱtribunais,ȱsemȱimporȱsoluçõesȱdoȱpontoȱdeȱvistaȱorgânico.ȱȱ

Deȱigualȱmodoȱasȱconstituiçõesȱdistinguemȱentreȱtribunaisȱcomȱcarácterȱnecessárioȱ
ouȱ eventual,ȱ deixandoȱ aoȱ legisladorȱ ordinárioȱ aȱ decisãoȱ sobreȱ aȱ suaȱ criaçãoȱ
efectivaȱ eȱ mesmoȱ sobreȱ aȱ amplitudeȱ eȱ oȱ ritmoȱ deȱ instalaçãoȱ dosȱ tribunaisȱ
facultativosȱou,ȱnesteȱparticular,ȱmesmoȱdosȱprevistosȱcomȱcarácterȱnecessárioȱouȱ
obrigatório.ȱȱ

Claroȱéȱqueȱoȱquadroȱdaȱorgânicaȱjudiciáriaȱdeȱcadaȱumȱdosȱpaísesȱnãoȱnosȱéȱdadoȱ
apenasȱpelaȱConstituição,ȱdependendoȱnecessariamenteȱdasȱopçõesȱconcretamenteȱ
assumidasȱ peloȱ legisladorȱ ordinárioȱ eȱ doȱ grauȱ deȱ concretizaçãoȱ dasȱ normasȱ
constitucionais.ȱȱ

Emȱtodoȱoȱcaso,ȱpodemosȱtomarȱcomoȱelementoȱcomumȱaosȱcincoȱordenamentosȱaȱ
existênciaȱ de,ȱ essencialmente,ȱ doisȱ tiposȱ deȱ tribunais,ȱ numaȱ primeiraȱ linhaȱ deȱ
distinção:ȱ osȱ tribunaisȱ comunsȱ queȱ abrangem,ȱ peloȱ menos,ȱ osȱ tribunaisȱ comȱ
competênciaȱcomumȱemȱmatériaȱcívelȱeȱcriminalȱeȱexercemȱjurisdiçãoȱemȱtodasȱasȱ
áreasȱ nãoȱ atribuídasȱ aosȱ tribunaisȱ especiais;ȱ outrosȱ tribunaisȱ que,ȱ noȱ confrontoȱ
comȱaqueles,ȱpodemȱdesignarȬseȱdeȱtribunaisȱespeciais,ȱcomȱâmbitoȱdeȱjurisdiçãoȱ
emȱáreasȱouȱmatériasȱespecíficas.ȱȱ

Estesȱ últimosȱ podemȱ serȱ tribunaisȱ únicosȱ ouȱ constituíremȬseȱ emȱ ordensȱ deȱ
tribunaisȱ eȱ nãoȱ seȱ encontramȱ necessariamenteȱ consagradosȱ emȱ todasȱ asȱ ordensȱ
jurídicasȱnacionais.ȱȱ

137
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Emȱfunçãoȱdoȱcritérioȱanalíticoȱsumariamenteȱexposto,ȱpodemosȱconsiderarȱentreȱ
osȱtribunaisȱespeciais,ȱosȱseguintes:ȱȱ

–ȱTribunalȱConstitucional;ȱȱ
–ȱTribunaisȱadministrativos;ȱȱ
–ȱTribunaisȱfiscaisȱe/ouȱaduaneirosȱȱ
–ȱTribunalȱdeȱContas;ȱȱ
–ȱTribunalȱdeȱConflitos;ȱȱ
–ȱTribunaisȱarbitrais;ȱȱ
–ȱTribunaisȱdeȱproximidadeȱouȱdeȱpequenasȱcausas.ȱȱ
–ȱTribunaisȱmilitares.ȱȱ
ȱ
2.2.ȱ–ȱAsȱdiversasȱcategoriasȱdeȱtribunaisȱnosȱPALOP.ȱȱ
ȱ
Vejamosȱ então,ȱ relativamenteȱ aȱ cadaȱ umȱ dosȱ ordenamentosȱ jurídicos,ȱ quaisȱ asȱ
categoriasȱdeȱtribunaisȱreferidasȱnasȱrespectivasȱconstituiçõesȱpara,ȱseguidamente,ȱ
procurarmosȱ apreenderȱ aȱ orgânicaȱ judiciáriaȱ deȱ cadaȱ umȱ dosȱ ordenamentosȱ talȱ
comoȱ aȱ mesmaȱ resultaȱ doȱ conjuntoȱ dasȱ fontesȱ normativasȱ infraconstitucionaisȱ
disponíveis,ȱprocurandoȱdescreverȱquaisȱasȱcategoriasȱdeȱtribunaisȱexistentesȱemȱ
cadaȱ país,ȱ asȱ soluçõesȱ encontradasȱ emȱ matériaȱ deȱ divisãoȱ judicialȱ doȱ território,ȱ
níveisȱ deȱ competência,ȱ competênciaȱ dosȱ tribunaisȱ superioresȱ eȱ dosȱ tribunaisȱ deȱ
instância,ȱbemȱcomoȱosȱrespectivosȱmodosȱdeȱfuncionamento.ȱȱ

ȱParaȱ compreensãoȱ doȱ essencialȱ deȱ cadaȱ umaȱ dasȱ categoriasȱ deȱ tribunais,ȱ querȱ
consideradasȱ deȱ perȱ si,ȱ querȱ noȱ confrontoȱ comȱ asȱ restantes,ȱ iremosȱ verȱ
sumariamenteȱqualȱoȱseuȱâmbitoȱdeȱjurisdição,ȱbemȱcomoȱoȱfundamentalȱdaȱsuaȱ
estrutura,ȱcomposiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ

Pelaȱsuaȱoperacionalidadeȱnoȱpresenteȱcontexto,ȱatentaȱsobretudoȱaȱdiversidadeȱdeȱ
sentidosȱ comȱ queȱ éȱ usadaȱ aȱ expressãoȱ competência,ȱ tomaȬseȱ aquiȱ oȱ conceitoȱ deȱ
jurisdiçãoȱ comȱ oȱ sentidoȱ emȱ queȱ éȱ utilizadoȱ naȱ definiçãoȱ legalȱ deȱ conflitoȱ deȱ
jurisdiçãoȱnoȱCódigoȱdeȱProcessoȱCivilȱportuguêsȱ(art.ȱ115º),ȱouȱseja,ȱincluindoȱnãoȱ
sóȱ oȱ poderȱ globalmenteȱ reconhecidoȱ aosȱ tribunaisȱ emȱ confrontoȱ comȱ osȱ demaisȱ
órgãosȱdoȱEstado,ȱmasȱtambémȱoȱpoderȱgenericamenteȱatribuídoȱaȱcadaȱumaȱdasȱ
ȱ
categoriasȱdeȱtribunaisȱemȱfaceȱdasȱrestantes. 21

Vejamosȱ entãoȱ quaisȱ asȱ principaisȱ categoriasȱ deȱ tribunaisȱ emȱ cadaȱ umȱ dosȱ cincoȱ
PALOP,ȱcomȱaȱadvertênciaȱdeȱque,ȱporȱlimitaçõesȱdeȱváriaȱordem,ȱnãoȱfoiȱpossívelȱ
procederȱàȱconfirmaçãoȱdasȱfontesȱnormativasȱconsideradasȱnoȱtexto,ȱnemȱacederȱ
aȱtodaȱaȱlegislaçãoȱpertinenteȱdeȱformaȱigualȱparaȱtodosȱosȱpaíses.ȱȱ
ȱ
21 ȱ vdȱȱA.ȱVarela,ȱJ.ȱMiguelȱBezerraȱeȱSampaioȱeȱNora,ȱCoimbraȱEditora,ȱ1984ȱp.ȱ186..ȱȱ

138
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

2.2.1ȱ–ȱANGOLA.ȱȱ

EspéciesȱdeȱTribunaisȱconstitucionalmenteȱprevistas.ȱȱ

Oȱ art.ȱ 125ºȱ daȱ Leiȱ Constitucionalȱ daȱ Repúblicaȱ deȱ Angolaȱ refereȬseȱ àsȱ ȱ seguintesȱ
categoriasȱdeȱtribunais:ȱȱ

–ȱTribunalȱConstitucional;ȱȱ
–ȱtribunaisȱmilitares;ȱȱ
–ȱtribunaisȱadministrativos;ȱȱ
–ȱtribunalȱdeȱcontas;ȱȱ
–ȱtribunaisȱfiscais;ȱȱ
–ȱtribunaisȱmarítimosȱeȱȱȱ
–ȱtribunaisȱarbitrais.ȱȱ

Oȱ art.ȱ 125ºȱ nº1ȱ consagraȱ aindaȱ aȱ estruturaȱ básicaȱ dosȱ tribunaisȱ emȱ funçãoȱ doȱ
território,ȱdistinguindoȱdeȱacordoȱaȱamplitudeȱdaȱáreaȱdeȱcompetênciaȱterritorial,ȱ
osȱseguintesȱtribunais:ȱȱ

–ȱTribunaisȱMunicipais,ȱqueȱconstituemȱaȱcircunscriçãoȱterritorialȱdeȱbase;ȱȱ
–ȱTribunaisȱProvinciais,ȱconstituindoȱaȱcircunscriçãoȱterritorialȱintermédia;ȱȱ
–ȱTribunalȱSupremo,ȱcomȱcompetênciaȱcorrespondenteȱaȱtodoȱoȱterritórioȱnacional.ȱȱ

Aȱ Leiȱ nºȱ18/88ȱ deȱ 31ȱ deȱ Dezembroȱ prevêȱ oȱ Sistemaȱ Unificadoȱ deȱ Justiçaȱqueȱpôsȱ
cobroȱ àȱ anteriorȱ proliferaçãoȱ deȱ jurisdições,ȱ abrangendoȱ numaȱ orgânicaȱ comumȱ
essencialmenteȱtrêsȱníveisȱdeȱtribunais,ȱestabelecidosȱemȱfunçãoȱdaȱáreaȱterritorialȱ
abrangidaȱ e,ȱ também,ȱ daȱ hierarquiaȱ paraȱ efeitosȱ deȱ recurso,ȱ comȱ competênciaȱ
genéricaȱ emȱ razãoȱ daȱ matériaȱ (Tribunaisȱ Municipais,ȱ Tribunaisȱ Provinciaisȱ eȱ
Tribunalȱ Supremo),ȱ constituindoȱ aȱ jurisdiçãoȱ comum,ȱ naȱ medidaȱ emȱ queȱ apenasȱ
nãoȱ serãoȱ competentesȱ paraȱ asȱ causasȱ queȱ venhamȱ aȱ serȱ atribuídasȱ aȱ outrosȱ
tribunaisȱ deȱ algumaȱ dasȱ espéciesȱ referidasȱ noȱ art.ȱ 125ºȱ nº3ȱ daȱ LCRA,ȱ paraȱ alémȱ
dasȱ questõesȱ abrangidasȱ pelaȱ jurisdiçãoȱ constitucionalȱ eȱ pelaȱ competênciaȱ dosȱ
tribunaisȱ militaresȱ (vdȱ art.ȱ 125ºȱ nºsȱ 1ȱ eȱ 2,ȱ LCRA).ȱ MostraȬse,ȱ pois,ȱ acolhido,ȱ noȱ
essencial,ȱoȱprincípioȱdaȱunidadeȱdeȱjurisdições.ȱȱ

Vejamosȱ entãoȱ numaȱ breveȱ notaȱ oȱ Tribunalȱ Constitucional,ȱ umaȱ vezȱ queȱ aȱ
jurisdiçãoȱ constitucionalȱ foiȱ jáȱ abordadaȱ noȱ Volumeȱ 1ȱ doȱ Manualȱ deȱ apoioȱ desteȱ
curso,ȱdaȱautoriaȱdoȱDrȱLuísȱCorreiaȱdeȱMendonça,ȱparaȱondeȱseȱremete.ȱȱ
ȱ
2.2.1.1.ȱ–ȱOȱTribunalȱConstitucional.ȱȱ
Oȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ éȱ oȱ tribunalȱ aoȱ qualȱ competeȱ –ȱ tipicamenteȱ –ȱ
administrarȱ aȱ justiçaȱ emȱ matériasȱ deȱ naturezaȱ jurídicoconstitucional,ȱ conformeȱ
disposiçãoȱ textualȱ doȱ art.ȱ 134ºȱ daȱ LCRA.ȱ Designadamenteȱ cabeȬlheȱ procederȱ àȱ

139
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

fiscalizaçãoȱ abstractaȱ preventivaȱ eȱ sucessivaȱ dasȱ normas,ȱ querȱ porȱ viaȱ deȱ acção,ȱ
querȱ porȱ omissão,ȱ bemȱ comoȱ àȱ fiscalizaçãoȱ sucessivaȱ concreta,ȱ decidindoȱ
definitivamenteȱ aȱ questãoȱ deȱ inconstitucionalidadeȱ suscitadaȱ emȱ recursoȱ
interpostoȱdeȱdecisãoȱdeȱtribunalȱordinárioȱqueȱtiverȱrecusadoȱaȱaplicaçãoȱdeȱnormaȱ
porȱinconstitucionalidadeȱouȱqueȱtenhaȱaplicadoȱnormaȱcujaȱinconstitucionalidadeȱ
hajaȱsidoȱsuscitadaȱduranteȱoȱprocesso.ȱ–ȱArt.sȱ134.ºȱeȱ154ºȱaȱ155º,ȱdaȱLCRA.ȱȱ

OȱTribunalȱéȱconstituídoȱporȱseteȱjuízes,ȱescolhidosȱdeȱentreȱjuristasȱeȱmagistrados,ȱ
comȱ oȱ queȱ seȱ abrangerãoȱ licenciadosȱ emȱ direito,ȱ porȱ umȱ lado,ȱ eȱ magistradosȱ
judiciaisȱ eȱ doȱ MºPºȱ porȱ outro.ȱ Trêsȱ dosȱ membrosȱ doȱ Tribunal,ȱ incluindoȱ oȱ seuȱ
Presidente,ȱserãoȱdesignadosȱpeloȱPresidenteȱdaȱRepública,ȱtrêsȱoutrosȱsãoȱeleitosȱ
pelaȱAssembleiaȱ Nacionalȱporȱ umaȱ maioriaȱ qualificadaȱ deȱ doisȱ terçosȱ eȱ oȱsétimoȱ
seráȱeleitoȱpeloȱPlenárioȱdoȱTribunalȱSupremo.ȱȱ
ȱ
2.2.1.2.ȱ–ȱOȱSistemaȱUnificadoȱdeȱJustiça.ȱ
ȱ
2.2.1.2.1.ȱ–ȱCaracterizaçãoȱeȱEstrutura.ȱȱ
ȱ
Tal como resulta dos art.s 125º nº1 da LCRA e art. 6º da Lei do Sistema Unificado de
Justiça supracitada ( doravante, LSUJ) os tribunais estruturam-se de acordo com as
seguintes categorias hierarquicamente estabelecidas, no sentido crescente: ȱ

–ȱTribunaisȱMunicipaisȱȱ
–ȱTribunaisȱProvinciais;ȱȱ
–ȱTribunalȱSupremo.ȱȱ
ȱ
Aȱ divisãoȱ judicialȱ ajustaȬseȱ àȱ divisãoȱ políticoȬadministrativaȱ doȱ territórioȱ eȱ oȱ
Tribunalȱ Supremoȱ temȱ competênciaȱ emȱ todoȱ oȱ territórioȱ nacional,ȱ comȱ sedeȱ naȱ
capitalȱdoȱPaís,ȱosȱTribunaisȱProvinciaisȱexercemȱjurisdiçãoȱnaȱáreaȱdasȱrespectivasȱ
provínciasȱeȱtemȱsedeȱnaȱsuaȱcapital,ȱOsȱTribunaisȱMunicipaisȱexercemȱjurisdiçãoȱnaȱ
áreaȱterritorialȱdoȱrespectivoȱMunicípioȱeȱsituamȬseȱnaȱrespectivaȱsede,ȱsemȱprejuízoȱ
deȱosȱTribunaisȱProvinciaisȱseremȱcompetentesȱnosȱmunicípiosȱqueȱintegramȱaȱrespectivaȱ
provínciaȱenquantoȱnãoȱforemȱcriadosȱosȱcorrespondentesȱTribunaisȱMunicipais.ȱȱ

UmȱoutroȱelementoȱcaracterizadorȱdoȱSistemaȱcomȱespecialȱrelevânciaȱaoȱnívelȱdaȱ
orgânicaȱ judiciáriaȱ prendeȬseȱ comȱ aȱ composiçãoȱ eȱ modoȱ deȱ funcionamentoȱ dosȱ
tribunais.ȱ Segundoȱ oȱ art.ȱ 2ºȱ al.ȱ d)ȱ daȱ LSUJ,ȱ osȱ tribunaisȱ sãoȱ emȱ regraȱ colegiaisȱ (peloȱ
menosȱ emȱ matériaȱ criminal)ȱ eȱ sãoȱ integradosȱ porȱ juízesȱ eȱ assessoresȱ populares,ȱ emȱ
paridadeȱnoȱqueȱrespeitaȱaosȱdireitosȱeȱdeveresȱquantoȱaoȱjulgamentoȱdaȱcausa.ȱȱȱ

Osȱ juízesȱ doȱ Tribunalȱ Supremoȱ designamȬseȱ Juízesȱ Conselheiros,ȱ osȱ juízesȱ dosȱ
TribunaisȱProvinciaisȱdesignamȬseȱJuízesȱdeȱDireitoȱeȱosȱdosȱTribunaisȱMunicipais,ȱ
JuízesȱMunicipais.ȱȱȱ

140
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Osȱ Juízesȱ Conselheirosȱ sãoȱ nomeadosȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ Repúblicaȱ medianteȱ
propostaȱdoȱConselhoȱSuperiorȱdaȱMagistratura,ȱdeȱentre:ȱȱ

–ȱAdjuntosȱdoȱProcuradorȱGeralȱdaȱdaȱRepública;ȱȱ
–ȱJuízesȱdosȱTribunaisȱProvinciais;ȱȱ
–ȱProcuradoresȱProvinciaisȱdaȱRepública.ȱȱȱ
ȱ
Exigeȱ aindaȱ aȱ Leiȱ (art.ȱ 43ºȱ doȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ Judiciaisȱ eȱ doȱ Ministérioȱ
Públicoȱ–ȱEMJMP,ȱaprovadoȱpelaȱLeiȱ7/94ȱdeȱ29ȱdeȱAbril)ȱaȱlicenciaturaȱemȱDireitoȱ
eȱcincoȱaȱoitoȱanosȱdeȱexperiênciaȱprofissionalȱeȱboaȱclassificação,ȱsemȱesquecerȱosȱ
requisitosȱgeraisȱprevistosȱnaȱmesmaȱleiȱparaȱingressoȱnaȱmagistratura.ȱȱ

OsȱjuízesȱdeȱDireitoȱeȱosȱJuízesȱMunicipaisȱsãoȱnomeadosȱpeloȱConselhoȱSuperiorȱ
daȱMagistraturaȱJudicialȱentreȱosȱcidadãosȱangolanosȱcomȱidadeȱnãoȱinferiorȱaȱ21ȱ
anosȱqueȱpreenchamȱosȱdemaisȱrequisitosȱestabelecidosȱnoȱart.ȱ41ºȱdoȱEMJMP.ȱȱ

Segundoȱ oȱ regimeȱ estabelecidoȱ nosȱ art.sȱ 55ºȱ aȱ 64º,ȱ osȱ assessoresȱ juntoȱ doȱ Tribunalȱ
Supremoȱserãoȱeleitosȱ(eȱdestituídos)ȱpelaȱAssembleiaȱNacional,ȱmedianteȱpropostaȱ
doȱPresidenteȱdoȱTribunalȱSupremo,ȱosȱassessoresȱjuntoȱdosȱTribunaisȱProvinciaisȱ
sãoȱeleitosȱ(eȱdestituídos)ȱpelasȱAssembleiasȱProvinciaisȱeȱosȱassessoresȱjuntoȱdosȱ
TribunaisȱMunicipaisȱsãoȱeleitosȱpelaȱAssembleiaȱMunicipal.ȱPorȱcadaȱcâmaraȱdoȱ
TribunalȱSupremo,ȱ porȱ cadaȱ salaȱ–ȱ ouȱsecçãoȱemȱ queȱ seȱ desdobrarȱ Ȭȱdoȱ Tribunalȱ
provincialȱ eȱ porȱ cadaȱ Tribunalȱ Municipal,ȱ existirãoȱ doisȱ assessoresȱ efectivosȱ eȱ doisȱ
suplentes.ȱActualmente,ȱporém,ȱéȱprevalecenteȱouȱmesmoȱexclusivaȱaȱnomeaçãoȱadȱ
hocȱdosȱAssessores.ȱȱ
Vejamosȱ agoraȱ umȱ poucoȱ melhorȱ aȱ composição,ȱ estruturaȱ eȱ funcionamentoȱ deȱ
cadaȱumȱdosȱtribunais.ȱȱ
ȱ
2.2.1.2.2.ȱ–ȱOȱTribunalȱSupremoȱȬȱEstrutura,ȱcomposição,ȱfuncionamentoȱeȱcompetências.ȱȱ
ȱ
OȱTribunalȱSupremoȱéȱconstituídoȱpeloȱPresidente,ȱViceȬPresidenteȱ(nomeadosȱdeȱ
entreȱJuízesȱConselheirosȱeȱMagistradosȱdoȱMPȱjuntoȱdoȱTribunalȱSupremo,ȱpeloȱ
PresidenteȱdaȱRepública,ȱqueȱpodeȱexoneráȬlosȱȬȱart.ȱ44ºȱdaȱLSUJȱeȱart.ȱ43ºȱnº2ȱdoȱ
EMJMP)ȱ eȱ juízesȱ queȱ integramȱ osȱ órgãosȱ emȱ queȱ seȱ desdobraȱ oȱ tribunalȱ noȱ seuȱ
funcionamento.ȱȱ
Estesȱórgãosȱsão,ȱoȱplenário,ȱasȱcâmarasȱdeȱcompetênciaȱgenéricaȱeȱespecializada.ȱȱ

Oȱplenárioȱ

Oȱ plenárioȱ exerceȱ (1)ȱ asȱ funçõesȱ deȱ direcçãoȱ eȱ fiscalizaçãoȱ daȱ actividadeȱ
jurisdicionalȱ deȱ todosȱ osȱ tribunais,ȱ descritasȱ noȱ art.ȱ 14ºȱ daȱ LSUJ,ȱ deȱ carizȱ
essencialmenteȱ administrativoȱ eȱ político,ȱ (2)ȱ funçõesȱ deȱ tribunalȱ plenoȱ eȱ deȱ

141
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

tribunalȱ deȱ recurso,ȱ designadamenteȱ uniformizarȱ aȱ jurisprudênciaȱ eȱ decidirȱ dosȱ


conflitosȱ deȱ competênciaȱ entreȱ asȱ câmarasȱ doȱ tribunalȱ Supremoȱ ouȱ conhecerȱ dosȱ
recursosȱinterpostosȱdasȱdecisõesȱproferidasȱporȱestasȱemȱ1ºȱinstância.ȱȱ
ȱ
Asȱcâmarasȱȱ

Oȱ Tribunalȱ supremoȱ éȱ compostoȱ pelasȱ seguintesȱ câmaras,ȱ cujasȱ competências,ȱ


enumeradasȱnosȱart.sȱ19º,ȱ20º,ȱ21ºȱeȱ22º,ȱdaȱLSUJ,ȱȱsão,ȱdesignadamente:ȱȱ

–ȱ câmaraȱ doȱ cívelȱ eȱ administrativo,ȱ queȱ passouȱ aȱ terȱ competênciaȱ emȱ matériaȱ
laboralȱ comȱ aȱ Leiȱ 22ȬB/92ȱ deȱ 9ȱ deȱ Setembro):ȱ julgarȱ emȱ 1ªȱ instânciaȱ acçõesȱ deȱ
indemnizaçãoȱ propostasȱ contraȱ juízesȱ eȱ assessoresȱ popularesȱ deȱ todosȱ osȱ
tribunaisȱ eȱ dosȱ magistradosȱ doȱ MPȱ porȱ viaȱ dasȱ suasȱ funções,ȱ reverȱ sentençasȱ
estrangeirasȱ emȱ matériaȱ cível,ȱ deȱ famíliaȱ eȱ deȱ trabalho,ȱ decidirȱ conflitosȱ deȱ
competênciaȱentreȱtribunaisȱdeȱProvínciaȱouȱentreȱestesȱeȱTribunaisȱMunicipaisȱ
deȱ provínciaȱ diferente;ȱ emȱ 2ªȱ instância,ȱ conhecerȱ dosȱ recursosȱ interpostosȱ dasȱ
decisõesȱ proferidasȱ pelasȱ salasȱ doȱ cívelȱ eȱ administrativo,ȱ deȱ Famíliaȱ eȱ doȱ
Trabalho,ȱ dosȱ Tribunaisȱ provinciaisȱ eȱ deȱ recursosȱ deȱ actosȱ administrativosȱ
definitivosȱ eȱ executóriosȱ dosȱ Ministrosȱ doȱ trabalho,ȱ Administraçãoȱ públicaȱ eȱ
SegurançaȱSocialȱprevistosȱnaȱlei;ȱȱ

–ȱ câmaraȱ dosȱ crimesȱ comuns:ȱ julgarȱ emȱ 1ªȱ Instânciaȱ processosȱ crimesȱ contraȱ
titularesȱ deȱ cargosȱ políticos,ȱ entidadesȱ nomeadasȱ peloȱ PRȱ ouȱ juízesȱ eȱ
magistradosȱ doȱ MP,ȱ dosȱ tribunaisȱ Provinciaisȱ eȱ Municipais,ȱ bemȱ comoȱ osȱ
Assessoresȱjuntoȱdestesȱmesmosȱtribunaisȱmasȱapenasȱquandoȱseȱtrateȱdeȱcrimesȱ
cometidosȱnoȱexercícioȱdasȱsuasȱfunçõesȱeȱdecidirȱconflitosȱdeȱcompetênciaȱemȱ
matériaȱcriminal;ȱemȱ2ªȱinstância,ȱconhecerȱdosȱrecursosȱdasȱdecisõesȱproferidasȱ
emȱ processosȱ deȱ naturezaȱ criminalȱ pelosȱ Tribunaisȱ Provinciaisȱ eȱ Municipaisȱ eȱ
recursosȱdeȱrevisãoȱdasȱsentençasȱpenaisȱproferidasȱpelosȱmesmosȱtribunais;ȱȱ

–ȱcâmaraȱdosȱcrimesȱcontraȱaȱsegurançaȱdoȱEstado:ȱemȱ1ªȱinstância,ȱconhecerȱdosȱ
processosȱ porȱ crimesȱ contraȱ aȱ segurançaȱ doȱ Estadoȱ emȱ queȱ sejamȱ arguidosȱ
algunsȱ titularesȱ deȱ cargosȱ políticos,ȱ entidadesȱ nomeadasȱ peloȱ PRȱ ouȱ juízesȱ eȱ
magistradosȱ doȱ MP,ȱ dosȱ tribunaisȱ Provinciaisȱ eȱ Municipais,ȱ bemȱ comoȱ
Assessoresȱjuntoȱdestesȱmesmosȱtribunais,ȱquandoȱseȱtrateȱdeȱcrimesȱcometidosȱ
noȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funçõesȱ eȱ decidirȱ conflitosȱ deȱ competênciaȱ entreȱ asȱ salasȱ
dosȱ crimesȱ daȱ mesmaȱ naturezaȱ dosȱ tribunaisȱ Provinciais;ȱ emȱ 2ªȱ instância,ȱ
conhecerȱ dosȱ recursosȱ interpostosȱ dasȱ decisõesȱ proferidasȱ pelasȱ Salasȱ dosȱ
Crimesȱ contraȱ aȱ Segurançaȱ doȱ Estadoȱ nosȱ Tribunaisȱ Provinciais,ȱ conhecerȱ dosȱ
recursosȱ deȱ cassaçãoȱ eȱ deȱ recursosȱ deȱ revisãoȱ deȱ sentençasȱ penaisȱ proferidasȱ
pelasȱmesmasȱsalasȱdosȱTribunaisȱProvinciais.ȱȱ
ȱ

142
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Cadaȱ câmaraȱ éȱ compostaȱ deȱ umȱ Juizȱ presidenteȱ eȱ doisȱ Juízes,ȱ eȱ podeȱ serȱ
desdobradaȱ emȱ maisȱ deȱ umaȱ salaȱ comȱ idênticaȱ composição,ȱ quandoȱ asȱ
necessidadesȱdoȱ serviçoȱ oȱ imponham.ȱOȱ presidenteȱ eȱ osȱ juízesȱ dasȱ câmarasȱ paraȱ
alémȱdasȱfunçõesȱjurisdicionaisȱtêmȱasȱdemaisȱcompetênciasȱdescritasȱnosȱart.sȱ25ºȱ
eȱ26º,ȱdaȱLSUJ.ȱȱ

OȱPresidenteȱdoȱTribunalȱSupremoȱtem,ȱessencialmente,ȱfunçõesȱdeȱrepresentaçãoȱdoȱ
Tribunal,ȱ bemȱ comoȱ funçõesȱ deȱ naturezaȱ administrativaȱ eȱ políticaȱ eȱ deȱ carizȱ
disciplinar.ȱOȱviceȬPresidenteȱcoadjuvaȱoȱpresidenteȱeȱsubstituiȬoȱquandoȱnecessário.ȱȱȱ
ȱ
2.2.1.2.3.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱProvinciaisȱȱ
ȱ
ȱOsȱ Tribunaisȱ Provinciaisȱ sãoȱ constituídosȱ peloȱ juizȱ presidente,ȱ pelosȱ juízesȱ dasȱ
salasȱeȱpelosȱassessoresȱpopulares;ȱcadaȱsalaȱseráȱcompostaȱporȱumȱjuizȱqueȱaȱelaȱ
presideȱeȱporȱdoisȱassessoresȱpopulares.ȱȱ

OsȱTribunaisȱdeȱProvínciaȱsão,ȱemȱregra,ȱintegradosȱpelasȱseguintesȱsalasȱ(apósȱaȱ
Leiȱ22ȬB/92ȱdeȱ9ȱdeȱSetembro),:ȱȱ

–ȱsalaȱdoȱcívelȱeȱdoȱadministrativo;ȱȱ
–ȱsalaȱdeȱfamília;ȱȱ
–ȱsalaȱdoȱtrabalhoȱȱ
–ȱsalaȱdosȱcrimesȱcomuns;ȱȱ
–ȱsalaȱdosȱcrimesȱcontraȱaȱsegurançaȱdoȱEstado.ȱȱȱ
ȱ
Aȱsalaȱdoȱcívelȱeȱdoȱadministrativoȱassumeȱoȱpapelȱdeȱtribunalȱcomum,ȱpoisȱcompeteȬ
lheȱjulgarȱemȱ1ªȱinstânciaȱtodasȱasȱcausasȱqueȱnãoȱsejamȱdaȱcompetênciaȱdeȱoutrosȱ
órgãosȱ judiciais;ȱ emȱ 2ªȱ instânciaȱ conheceȱ dosȱ recursosȱ deȱ decisõesȱ dosȱ Tribunaisȱ
municipaisȱ emȱ matériaȱ cívelȱ eȱ ainda,ȱ emȱ matériaȱ administrativa,ȱ dosȱ recursosȱ
interpostosȱdasȱcondenaçõesȱporȱcontravençãoȱouȱtransgressãoȱnãoȱpenalȱimpostasȱ
pelosȱ órgãosȱ deȱ administraçãoȱ doȱ Estadoȱ eȱ autoridadesȱ policiais,ȱ aduaneirasȱ eȱ
outras.ȱȱ

Aȱ salaȱ dosȱ crimesȱ comunsȱ assumeȱ igualmenteȱ oȱ papelȱ deȱ tribunalȱ comumȱ emȱ
matériaȱ criminalȱ comum,ȱ cabendoȬlheȱ prepararȱ eȱ julgarȱ todosȱ osȱ processosȱ queȱ
nãoȱsejamȱdaȱcompetênciaȱdeȱoutroȱtribunal,ȱporȱleiȱespecial;ȱéȱaindaȱcompetenteȱ
paraȱ procederȱ àȱ confirmação,ȱ revogação,ȱ alteraçãoȱ eȱ anulaçãoȱ dasȱ decisõesȱ
proferidasȱ peloȱ Tribunalȱ Municipalȱ emȱ processoȱ deȱ naturezaȱ penal,ȱ queȱ tenhamȱ
porȱ objectoȱ infracçõesȱ puníveisȱ comȱ penaȱ deȱ prisãoȱ superiorȱ aȱ umȱ anoȱ ouȱ multaȱ
superiorȱ aȱ 40.000.00ȱ Kz,ȱ ouȱ dasȱ sentençasȱ queȱ apliquemȱ qualquerȱ destasȱ penas,ȱ
sempreȱqueȱhajaȱrenúnciaȱaoȱrecursoȱ(competenteȱparaȱconhecerȱdoȱrecursoȱseriaȱaȱ
câmaraȱdosȱcrimesȱcomunsȱdoȱTribunalȱSupremoȱȬart.ȱ42ºȱnº2ȱdaȱLSUJ).ȱȱ

143
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Àȱ Salaȱ deȱ Famíliaȱ competeȱ prepararȱ eȱ julgarȱ osȱ processosȱ relativosȱ àȱ constituição,ȱ
anulação,ȱ alteraçãoȱ eȱ dissoluçãoȱ dasȱ relaçõesȱ jurídciasȱ familiaresȱ eȱ respectivosȱ
direitosȱeȱdeveres.ȱȱ

Aȱ salaȱ doȱ Trabalhoȱ foiȱ criadaȱ pelaȱ Leiȱ 22ȬB/92ȱ deȱ 9ȱ deȱ Setembroȱ que,ȱ noȱ seuȱ
Preâmbulo,ȱ deixavaȱ claroȱ oȱ propósitoȱ deȱ devolverȱ asȱ questõesȱ laboraisȱ aosȱ
tribunais,ȱintegrandoȬasȱdentroȱdoȱsistemaȱUnificadoȱdeȱJustiça.ȱȱ

Aȱ Salaȱ doȱ Trabalhoȱ temȱ competênciaȱ paraȱ conhecerȱ emȱ 1ªȱ instânciaȱ daȱ
generalidadeȱdasȱquestõesȱlaborais:ȱquestõesȱemergentesȱdeȱacidentesȱeȱtrabalhoȱeȱ
doençasȱ profissionais,ȱ questõesȱ emergentesȱ doȱ estabelecimento,ȱ execuçãoȱ ouȱ
extinçãoȱ dasȱ relaçõesȱ jurídicasȱ laborais,ȱ recursosȱ deȱ medidasȱ disciplinaresȱ
aplicadasȱaosȱtrabalhadores,ȱjulgamentoȱdeȱtransgressõesȱeȱcontravençõesȱeȱpeloȱoȱ
crimeȱdeȱdesobediênciaȱaȱqueȱseȱrefereȱoȱart.ȱ33ºȱdaȱLeiȱ9/81ȱdeȱ2ȱdeȱNovembro.ȱȱ
ȱ
2.2.1.2.4.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱMunicipais.ȱȱ
ȱ
Estesȱtribunaisȱsãoȱconstituídosȱporȱumȱjuizȱeȱdoisȱassessoresȱpopulares.ȱȱ

Julgamȱapenasȱemȱ1ªȱinstânciaȱeȱtêmȱcompetênciaȱemȱmatériaȱcívelȱeȱcriminal.ȱEmȱ
matériaȱ cívelȱ julgamȱ apenasȱ osȱ processosȱ cíveisȱ deȱ valorȱ nãoȱ superiorȱ aȱ umaȱ
quantiaȱ queȱ correspondeȱ aoȱ dobroȱ daȱ suaȱ alçada;ȱ doȱ pontoȱ deȱ vistaȱ daȱ
competênciaȱ funcional,ȱ podemȱ aindaȱ prepararȱ processosȱ daȱ competênciaȱ dosȱ
tribunaisȱ Provinciaisȱ porȱ delegaçãoȱ destesȱ eȱ atéȱ àsȱ fasesȱ previstasȱ naȱ lei;ȱ têmȱ
igualmenteȱcompetênciaȱparaȱprepararȱeȱjulgarȱacçõesȱcíveis,ȱindependentementeȱ
doȱvalor,ȱquandoȱasȱpartesȱlheȱsujeitamȱaȱdecisãoȱdoȱlitígio.ȱEmȱmatériaȱcriminalȱosȱ
TribunaisȱMunicipaisȱapenasȱtêmȱcompetênciaȱparaȱprepararȱeȱjulgarȱosȱprocessosȬ
crimeȱ puníveisȱ comȱ penaȱ correccionalȱ eȱ aindaȱ assimȱ desdeȱ queȱ oȱ respectivoȱ
julgamentoȱnãoȱsejaȱdaȱcompetênciaȱdeȱoutrosȱtribunais.ȱȱ
ȱ
2.2.1.3.ȱ–ȱOȱTribunalȱdeȱContas.ȱȱ
ȱ
2.2.1.3.1.ȱ–ȱAtribuiçõesȱeȱEstatutoȱdoȱTribunal.ȱȱ
ȱ
Expressamenteȱ referidoȱ noȱ art.ȱ 125ºȱ nºȱ 2ȱ daȱ LCRAȱ comoȱ umaȱ dasȱ categoriasȱ deȱ
tribunaisȱ susceptívelȱ deȱ serȱ criadaȱ pelaȱ leiȱ ordinária,ȱ oȱ Tribunalȱ deȱ Contasȱ foiȱ
criadoȱpelaȱLeiȱnºȱ5/96ȱdeȱ12ȱdeȱAbril,ȱcomoȱoȱórgãoȱjudicialȱespecialmenteȱencarregueȱ
deȱexercerȱaȱfiscalizaçãoȱfinanceiraȱdoȱEstadoȱeȱdemaisȱpessoasȱcolectivasȱpúblicasȱqueȱaȱleiȱ
determinar.ȱȱ

ConformeȱseȱdepreendeȱdoȱpreâmbuloȱdaȱLeiȱ5/96,ȱtambémȱemȱAngolaȱoȱTribunalȱ
deȱContasȱconstituiȱumȱmeioȱimportanteȱdeȱcontroloȱexternoȱrelativamenteȱaȱcadaȱ

144
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

umaȱ dasȱ entidadesȱ eȱ serviçosȱ sujeitosȱ àȱ suaȱ intervenção,ȱ masȱ tambémȱ


relativamenteȱ àȱ macroorganizaçãoȱ daȱ Administraçãoȱ Pública,ȱ peranteȱ aȱ qualȱ seȱ
apresentaȱcomoȱórgãoȱindependente.ȱȱ

Nãoȱseȱtrata,ȱporém,ȱdeȱmeraȱindependênciaȱtécnicaȱqueȱtambémȱdeveȱexistirȱnoȱ
âmbitoȱdoȱcontroloȱinternoȱporȱrazõesȱdeȱmaximizaçãoȱdaȱeficáciaȱdaȱgestão,ȱmasȱ
deȱ umaȱ independênciaȱ maisȱ ampla 22 ȱ queȱ seȱ traduzȱ essencialmenteȱ noȱ sistemaȱ deȱ
autogovernoȱ (oȱ poderȱ deȱ determinarȱ oȱ seuȱ planoȱ deȱ acçãoȱ semȱ ingerênciaȱ deȱ
outrosȱ órgãos)ȱ eȱ noȱ estatutoȱ deȱ independênciaȱ dosȱ seusȱ juízes,ȱ expressamenteȱ
reconhecidosȱ peloȱ art.ȱ 3ºȱ daȱ Leiȱ Orgânicaȱ doȱ Tribunalȱ deȱ Contasȱ (doravante,ȱ
LOTContas).ȱȱ
ȱ
2.2.1.3.2.ȱ–ȱJurisdição.ȱȱ
ȱ
Tomandoȱ aquiȱ oȱ conceitoȱ deȱ jurisdiçãoȱ comȱ oȱ sentidoȱ deȱ funçãoȱ ouȱ actividadeȱ
atribuídaȱaȱcadaȱordemȱouȱcategoriaȱdeȱtribunais,ȱcorrespondenteȱàȱparcelaȱqueȱlheȱ
cabeȱ daȱ funçãoȱ jurisdicionalȱ atribuídaȱ aosȱ Tribunaisȱ noȱ seuȱ conjunto,ȱ comoȱ atéȱ
aqui,ȱ podemosȱ consideráȬlaȱ desdeȱ logoȱ sobȱ diversasȱ perspectivas.ȱ Vamosȱ ver,ȱ
assim,ȱoȱseuȱâmbitoȱsubjectivo,ȱmaterialȱeȱterritorial.ȱȱ
ȱ
2.2.1.3.2.1.ȱȬȱÂmbitoȱsubjectivo.ȱȱȱ
ȱ
EstãoȱsujeitosȱàȱjurisdiçãoȱdoȱTribunalȱ(ȱart.ȱ2ºȱdaȱLeiȱnºȱȱ5/96):ȱȱ

–ȱa)ȱosȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱdoȱEstadoȱeȱseusȱserviços;ȱȱ
–ȱb)ȱosȱinstitutosȱpúblicos;ȱȱ
–ȱc)ȱasȱautarquiasȱlocaisȱeȱsuasȱassociações;ȱȱ
–ȱd)ȱasȱempresasȱouȱsociedadeȱdeȱcapitaisȱmaioritariamenteȱpúblicos;ȱȱ
–ȱe)ȱasȱassociaçõesȱpúblicas;ȱȱ
–ȱf)ȱquaisquerȱoutrosȱentesȱpúblicosȱqueȱaȱleiȱdeterminar.ȱȱ

Nosȱtermosȱdoȱnºȱ2ȱdoȱ2ºȱdaȱLOTContas,ȱquaisquerȱoutrasȱentidadesȱestãoȱsujeitasȱ
àȱfiscalizaçãoȱdoȱtribunalȱsobreȱaȱutilizaçãoȱdeȱdinheirosȱpúblicos.ȱȱ
ȱȱ
2.2.1.3.2.2.ȱ–ȱÂmbitoȱmaterialȱeȱterritorial.ȱȱ
Aȱ jurisdiçãoȱ doȱ Tribunalȱ incideȱ sobreȱ aȱ generalidadeȱ dasȱ receitasȱ eȱ dasȱ despesasȱ
públicasȱ eȱ daȱ actividadeȱ deȱ gestãoȱ correspondente,ȱ abrangendoȱ todaȱ aȱ ordemȱ
jurídicaȱ angolana,ȱ tantoȱ emȱ territórioȱ nacionalȱ comoȱ noȱ estrangeiroȱ (art.ȱ 2ºȱ daȱ
LOTContas).ȱȱ

22 ȱVd,ȱparaȱmaioresȱdesenvolvimentos,ȱJoséȱF.ȱF.ȱTavares,ȱOȱTribunalȱdeȱContas,ȱAlmedinaȱ1998,ȱppȱ13ȱaȱ25.ȱȱ

145
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

2.2.1.3.3.ȱ–ȱCompetência.ȱȱ
ȱ
Considerandoȱ aquiȱ aȱ competênciaȱ comoȱ oȱ conjuntoȱ dosȱ poderesȱ funcionaisȱ
(jurisdicionais,ȱ nãoȱ jurisdicionais,ȱ deȱ fiscalização,ȱ deȱ controloȱ daȱ legalidade)ȱ
conferidosȱ pelaȱ leiȱ ordináriaȱ paraȱ seremȱ exercidosȱ noȱ âmbitoȱ daȱ suaȱ jurisdiçãoȱ eȱ
comȱvistaȱàȱprossecuçãoȱdasȱsuasȱatribuições,ȱcujoȱexercícioȱconsubstanciaȱasȱsuasȱ
funçõesȱ ouȱ actividades,ȱ podemosȱ distinguirȱ oȱ seguinteȱ quadroȱ deȱ Poderesȱ doȱ
TribunalȱdeȱContas,ȱapresentadoȱporȱJoséȱF.F.ȱTavaresȱ(obȱcit)ȱparaȱoȱTribunalȱdeȱ
Contasȱportuguês:ȱȱ

1)ȱPeloȱcritérioȱdaȱnaturezaȱdosȱpoderes,ȱestesȱpodemȱser:ȱȱ

a)ȱpoderesȱdeȱfiscalização/controlo,ȱtraduzidosȱnumaȱactividadeȱtécnicaȱdeȱapreciaçãoȱ
daȱ actividadeȱ financeiraȱ pública:ȱ aoȱ T.ȱ Contasȱ competeȱ darȱ parecerȱ sobreȱ aȱ
ContaȱGeralȱdoȱEstado,ȱqueȱenviaráȱàȱAssembleiaȱNacionalȱjuntamenteȱcomȱumȱ
relatórioȱ anual,ȱ conformeȱ determinaȱ oȱ art.ȱ 7ºȱ daȱ LOTContas.ȱ Oȱ Parecerȱ deveȱ
aindaȱincidirȱsobreȱoȱorçamentoȱdaȱSegurançaȱSocialȱeȱdemaisȱactosȱenumeradosȱ
noȱ art.ȱ 24ºȱ doȱ Regulamentoȱ daȱ Organizaçãoȱ eȱ doȱ Processoȱ doȱ Tribunalȱ deȱ
Contas,ȱaprovadoȱpelaȱLeiȱ23/01ȱdeȱ12ȱdeȱAbril).ȱȱ
NesteȱâmbitoȱoȱT.ȱContasȱapreciaȱaȱactividadeȱfinanceiraȱdoȱEstadoȱnoȱanoȱaȱqueȱ
aȱ Contaȱ seȱ reporta,ȱ nosȱ domíniosȱ dasȱ receitas,ȱ dasȱ despesas,ȱ daȱ tesouraria,ȱ doȱ
recursoȱ aoȱ créditoȱ públicoȱ eȱ doȱ património,ȱ emȱ diversosȱ aspectosȱ deȱ queȱ seȱ
destacam,ȱ porȱ maisȱ emblemáticos,ȱ oȱ cumprimentoȱ daȱ Leiȱ doȱ Orçamentoȱ doȱ
Estadoȱ eȱ legislaçãoȱ complementarȱ eȱ aȱ execuçãoȱ dosȱ programasȱ deȱ acção,ȱ
investimentoȱeȱfinanciamentoȱdasȱempresasȱpúblicas,ȱbemȱcomoȱoȱempregoȱouȱ
aplicaçãoȱdasȱsubvençõesȱaȱcargoȱdosȱfundosȱautónomos.ȱȱ

b)ȱ Poderesȱjurisdicionais,ȱemȱespecial,ȱdeȱjulgamentoȱdaȱresponsabilidadeȱfinanceira,ȱ
tendoȱ comoȱ baseȱ sobretudoȱ osȱ resultadosȱ daȱ fiscalizaçãoȱ realizada.ȱ (Cfȱ art.sȱ 6ºȱ
alsȱ b)ȱ d)ȱ eȱ 9º,ȱ 28ºȱ aȱ 31º,ȱ daȱ LOTContasȱ eȱ art.ȱ 15ºȱ doȱ Regulamentoȱ eȱ
FuncionamentoȱdoȱTribunalȱdeȱContas.ȱȱȱ
Aȱaplicaçãoȱaosȱresponsáveisȱdeȱmultasȱeȱdemaisȱsançõesȱprevistasȱnaȱlei,ȱpeloȱ
Tribunalȱ deȱ contas,ȱ nãoȱ prejudicaȱ aȱ responsabilidadeȱ criminal,ȱ disciplinarȱ ouȱ
civilȱqueȱpossaȱterȱlugarȱ(art.ȱ31ºȱnºȱ4ȱLOTContas).ȱȱ
Deveȱ sublinharȬse,ȱ ainda,ȱ queȱ osȱ poderesȱ deȱ fiscalização/controloȱ eȱ osȱ poderesȱ
jurisdicionaisȱouȱdeȱjulgamentoȱformamȱumȱtodoȱglobalȱeȱcoerente,ȱrepresentandoȱ
osȱpoderesȱjurisdicionalȱumȱcomplementoȱouȱsequênciaȱnaturalȱdosȱpoderesȱdeȱ
fiscalização.ȱȱ
ȱ
2.ȱPeloȱcritérioȱdoȱmomentoȱdoȱexercícioȱdoȱcontrolo,ȱaȱcompetênciaȱdoȱTribunalȱdeȱContasȱ
emȱapreçoȱpodeȱdistinguirȬseȱentre:ȱȱ

146
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

–ȱpoderesȱdeȱfiscalizaçãoȱpréviaȱ(preventivaȱouȱaȱpriori)ȱdaȱlegalidadeȱeȱcabimentoȱ
orçamentalȱdeȱactos,ȱȱcontratos,ȱouȱoutrosȱinstrumentosȱgeradoresȱdeȱdespesaȱouȱ
representativosȱ deȱ responsabilidadesȱ financeirasȱ directasȱ ouȱ indirectas,ȱȱ
exercidosȱ atravésȱ doȱ vistoȱ ouȱ daȱ declaraçãoȱ deȱ conformidadeȱ –ȱ art.ȱ 8ºȱ daȱ
LOTContasȱeȱart.ȱ26ºȱdoȱRegulamentoȱdoȱTribunalȱdeȱContas).;ȱȱ
–ȱpoderesȱdeȱfiscalizaçãoȱsucessivaȱ(ouȱaȱposteriori),ȱconsubstanciadosȱnaȱapreciaçãoȱeȱ
avaliaçãoȱ daȱ actividadeȱ financeiraȱ eȱ daȱ gestãoȱ económicoȬfinanceiraȱ eȱ
patrimonialȱ(art.ȱ9ºȱdaȱLOTContas);ȱȱ
ȱ
3.ȱ Oȱ T.ȱ Contasȱ temȱ aindaȱ competênciaȱ materialȱ complementarȱ eȱ instrumentalȱ
relativamenteȱ àȱ execuçãoȱ daȱ suaȱ actividade,ȱ querȱ aprovandoȱ regulamentosȱ
internosȱ necessáriosȱ aoȱ seuȱ funcionamento,ȱ querȱ emitindoȱ instruçõesȱ
indispensáveisȱ aoȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ competências,ȱ aȱ cumprirȱ peloȱ Estado,ȱ seusȱ
serviçosȱeȱoutrasȱentidadesȱsujeitasȱàȱsuaȱjurisdição,ȱentreȱoutrasȱ–ȱcfȱart.ȱ6ºȱnº2ȱdaȱ
LOTContas.ȱȱ
ȱ
2.2.1.3.4.ȱ–ȱFuncionamento.ȱȱ
ȱ
OȱTribunalȱdeȱContasȱtemȱsedeȱemȱLuanda,ȱeȱpodeȱdisporȱdeȱsecçõesȱregionaisȱouȱ
provinciais,ȱ tendoȱ emȱ vistaȱ oȱ melhorȱ desempenhoȱ dasȱ suasȱ atribuições,ȱ asȱ quaisȱ
entrarãoȱ emȱ funcionamentoȱ porȱ deliberaçãoȱ doȱ plenárioȱ doȱ tribunalȱ (art.ȱ 5ºȱ daȱ
LOTContas).ȱȱ

OȱTribunalȱContasȱfuncionaȱdeȱmodoȱdiversificado:ȱȱ

–ȱemȱplenário,ȱqueȱsóȱpodeȱfuncionarȱcomȱ2/3ȱdosȱseusȱjuízesȱemȱefectividadeȱdeȱ
funções,ȱ eȱ reúneȱ comȱ aȱ totalidadeȱ dosȱ juízesȱ eȱ deȱ representantesȱ doȱ Ministérioȱ
público,ȱsobȱaȱdirecçãoȱdoȱPresidenteȱdoȱTribunal;ȱȱ
–ȱemȱsessõesȱdasȱcâmaras,ȱqueȱreúnemȱemȱsessãoȱplenáriaȱȱcomȱtrêsȱjuízes;ȱȱ
–ȱ emȱ sessõesȱ diáriasȱ deȱ visto,ȱ aȱ realizarȱ emȱ todosȱ osȱ diasȱ úteis,ȱ paraȱ efeitosȱ deȱ
fiscalizaçãoȱpreventiva,ȱasseguradasȱporȱdoisȱjuízes;ȱȱ
–ȱemȱsessõesȱdasȱsecçõesȱregionaisȱouȱprovinciais,ȱqueȱfuncionarãoȱcomȱumȱmínimoȱ
deȱdoisȱjuízes.ȱȱ

Aoȱplenárioȱcompeteȱdecidirȱasȱquestõesȱmaisȱimportantesȱsobreȱoȱfuncionamentoȱ
doȱTribunal,ȱrecrutamentoȱdeȱjuízes,ȱexercerȱoȱpoderȱdisciplinarȱsobreȱosȱjuízesȱe,ȱ
deȱentreȱasȱcompetênciasȱmateriaisȱdoȱtribunal,ȱemitirȱoȱparecerȱsobreȱaȱContaȱGeralȱ
doȱEstado.ȱComoȱinstânciaȱdeȱrecurso,ȱcompeteȬlheȱdecidirȱosȱprocessosȱdeȱanulaçãoȱ
dasȱ decisõesȱ proferidasȱ emȱ matériaȱ deȱ Contasȱ pelasȱ Câmaras,ȱ ouȱ deȱ acórdãosȱ jáȱ
transitadosȱ emȱ julgado,ȱ bemȱ comoȱ dosȱ recursosȱ paraȱ uniformizaçãoȱ deȱ
jurisprudênciaȱ eȱ sobreȱ outrasȱ matériasȱ queȱ porȱ leiȱ lheȱ competirem.ȱ (art.ȱ 12ºȱ daȱ
LOTContas).ȱȱ

147
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

ȱÀȱ 1ªȱ câmaraȱ compete,ȱ noȱ essencial,ȱ procederȱ àȱ fiscalizaçãoȱ preventivaȱ seȱ nãoȱ
houverȱacordoȱentreȱosȱjuízesȱqueȱcompõemȱaȱsessãoȱdeȱvistoȱeȱjulgarȱemȱrecursoȱ
asȱ decisõesȱ dasȱ secçõesȱ regionaisȱ ouȱ provinciaisȱ emȱ matériaȱ deȱ fiscalizaçãoȱ
preventiva,ȱ(art.ȱ13ºȱdaȱLOTContas).ȱȱ

Àȱ 2ªȱ câmaraȱ compete,ȱ noȱ essencial,ȱ aȱ fiscalizaçãoȱ sucessiva,ȱ procedendoȱ aoȱ


julgamentoȱdasȱcontasȱdosȱserviçosȱeȱorganismosȱsujeitosȱàȱjurisdiçãoȱdoȱtribunalȱ
e,ȱ emȱ recurso,ȱ asȱ decisõesȱ dasȱ secçõesȱ regionaisȱ emȱ matériaȱ deȱ fiscalizaçãoȱ
sucessivaȱ(art.ȱ14ºȱdaȱLOTContas).ȱȱ
ȱ
2.2.1.3.5.ȱ–ȱComposiçãoȱdoȱtribunalȱeȱrecrutamentoȱdosȱjuízes.ȱȱ
ȱ
Oȱtribunalȱdeȱcontasȱéȱcompostoȱporȱumȱtotalȱdeȱnoveȱjuízes,ȱpodendoȱfuncionarȱ
comȱumȱmínimoȱdeȱsete,ȱentreȱosȱquaisȱumȱPresidenteȱeȱumȱViceȬPresidenteȱ(art.ȱ
4ºȱdaȱLeiȱ5/96ȱcomȱaȱredacçãoȱdadaȱpelaȱLeiȱ21/03ȱdeȱ29ȱdeȱAgosto).ȱȱ

Osȱ juízesȱ doȱ tribunalȱ deȱ Contasȱ sãoȱ recrutadosȱ medianteȱ concursoȱ curricularȱ
peranteȱ umȱ júri,ȱ deȱ entreȱ cidadãosȱ angolanosȱ queȱ preenchamȱ osȱ requisitosȱ
enumeradosȱnoȱart.ȱ22º.ȱȱ

Osȱ Juízesȱ sãoȱ nomeadosȱ eȱ empossadosȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ República,ȱ talȱ comoȱ oȱ
PresidenteȱdoȱTribunalȱeȱoȱViceȬPresidente,ȱsobȱpropostaȱdoȱplenário.ȱȱ

OȱPresidenteȱdoȱTribunalȱdeȱContasȱtemȱfunçõesȱdeȱrepresentaçãoȱdoȱTribunalȱeȱasȱ
demaisȱ competênciasȱ fixadasȱ noȱ art.ȱ 6º,ȱ sendoȱ substituídoȱ naȱ suaȱ ausência,ȱ
vacaturaȱouȱimpedimento,ȱpeloȱViceȬPresidente.ȱȱ

OsȱjuízesȱdoȱTribunalȱdeȱContasȱgozamȱdasȱhonras,ȱdireitos,ȱcategoria,ȱtratamento,ȱ
remuneraçõesȱ eȱ demaisȱ prerrogativasȱ dosȱ juízesȱ conselheirosȱ doȱ Tribunalȱ
Supremo,ȱaplicandoȬseȬlhesȱporȱregraȱoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱ(art.ȱ23ºȱ
daȱLOTContas).ȱȱ
ȱ
2.2.1.4.ȱ–ȱAȱJurisdiçãoȱMilitar.ȱȱ

2.2.1.4.1.ȱ–ȱEstrutura.ȱȱ

SãoȱdoisȱosȱórgãosȱdaȱadministraçãoȱdaȱJustiçaȱMilitar,ȱtalȱcomoȱreguladoȱpelaȱLeiȱnºȱ
5/94ȱdeȱ11ȱdeȱFevereiroȱ–ȱLeiȱSobreȱaȱJustiçaȱPenalȱMilitarȱ(doravante,ȱLJPM).ȱAsȱ
AutoridadesȱJudiciáriasȱMilitaresȱeȱosȱTribunaisȱMilitares.ȱȱ

Sãoȱ abrangidosȱ pelaȱ administraçãoȱ daȱ Justiçaȱ Militarȱ osȱ crimesȱ daȱ competênciaȱ
dosȱ tribunaisȱ militares,ȱ ouȱ seja,ȱ osȱ crimesȱ emȱ queȱ sejamȱ arguidosȱ quaisquerȱ
militaresȱnoȱactivoȱeȱmilitaresȱdoȱquadroȱpermanente,ȱnaȱreservaȱeȱnaȱreforma.ȱOȱ
art.ȱ26ºȱnº3ȱdaȱLJPMȱequiparaȱaȱmilitares:ȱȱ

148
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

–ȱosȱmembrosȱdaȱPolíciaȱNacional;ȱȱ
–ȱosȱmembrosȱdeȱoutrasȱforçasȱparaȬmilitaresȱquandoȱnoȱexercícioȱdasȱsuasȱfunçõesȱeȱ
demaisȱpessoasȱqueȱaȱleiȱexpressamenteȱdeterminar;ȱȱ
–ȱosȱmembrosȱdasȱforçasȱdeȱsegurançaȱdasȱempresasȱpúblicasȱeȱprivadas,ȱquandoȱ
cometamȱcrimesȱencontrandoȬseȱfardadosȱouȱarmados.ȱȱ
ȱ
Emȱ casoȱ deȱ comparticipaçãoȱ criminosaȱ osȱ arguidosȱ civisȱ serãoȱ igualmenteȱ
julgadosȱpeloȱTribunalȱmilitarȱeȱaȱcompetênciaȱdosȱtribunaisȱmilitaresȱmantémȬseȱ
relativamenteȱ aȱ crimesȱ praticadosȱ porȱ militaresȱ noȱ activo,ȱ mesmoȱ depoisȱ deȱ
aquelesȱteremȱperdidoȱaȱqualidadeȱdeȱmilitaresȱ(art.ȱ27º).ȱȱ

Aȱ jurisdiçãoȱ militarȱ delimitaȬse,ȱ pois,ȱ porȱ umȱ critérioȱ subjectivo,ȱ naȱ medidaȱ emȱ
queȱéȱaȱqualidadeȱdeȱmilitarȱ–ȱouȱequiparadoȱ–ȱdoȱagenteȱdoȱcrime,ȱqueȱdeterminaȱ
aȱcompetênciaȱdosȱtribunaisȱmilitares,ȱprevendoȱaȱleiȱaȱextensãoȱdeȱcompetênciaȱaȱ
civisȱemȱcasoȱdeȱcomparticipaçãoȱcriminosa,ȱoȱqueȱfoiȱdeclaradoȱinconstitucionalȱ
porȱdecisãoȱdoȱtribunalȱconstitucionalȱdeȱ11.10.1996.ȱȱ
ȱ
2.2.1.4.2.ȱ–ȱAsȱAutoridadesȱJudiciáriasȱMilitares.ȱȱ

Sãoȱ autoridadeȱ judiciáriasȱ militares,ȱ Aȱ Políciaȱ Judiciáriaȱ Militarȱ (PJM)ȱ eȱ aȱ


Procuradoriaȱmilitar.ȱȱ

ÀȱPJMȱcompeteȱaȱinstruçãoȱeȱinvestigaçãoȱdosȱcrimesȱsujeitosȱàȱjurisdiçãoȱmilitar,ȱ
exercendoȱaȱsuaȱfunçãoȱemȱtodoȱoȱterritórioȱnacional.ȱȱȱ

AȱProcuradoriaȱMilitarȱéȱumaȱestruturaȱhierarquizada,ȱconstituídaȱporȱoficiasȱdoȱ
quadroȱ permanenteȱ ouȱ nãoȱ –ȱ talȱ comoȱ aȱ PJMȱ –ȱ naȱ dependênciaȱ técnicaȱ eȱ
administrativaȱ doȱ Procuradorȱ Militarȱ dasȱ Forçasȱ Armadas,ȱ oȱ qualȱ seȱ subordinaȱ
militarmenteȱaoȱChefeȱdoȱestadoȱMaiorȱGeneralȱdasȱForçasȱArmadas,ȱsobȱpropostaȱ
deȱ quemȱ éȱ nomeadoȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ República.ȱ Naȱ citadaȱ decisãoȱ deȱ
11.10.1996,ȱ oȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ declarouȱ inconstitucionalȱ oȱ art.ȱ 10ºȱ daȱ Leiȱ
5/94ȱ naȱ parteȱ emȱ queȱ colocavaȱ aȱ Procuradoriaȱ Militarȱ naȱ dependênciaȱ doȱ
procuradorȱMilitarȱdasȱFA,ȱpeloȱqueȱaȱmesmaȱdependeȱdaȱProcuradoriaȬgeralȱdaȱ
Repúblicaȱque,ȱporȱsuaȱvez,ȱpassouȱaȱdisporȱdeȱumȱviceȬprocuradorȱgeralȱparaȱasȱ
ForçasȱArmadas.ȱȱ

Noȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funções,ȱ aȱ Procuradoriaȱ Militarȱ éȱ independenteȱ deȱ


quaisquerȱórgãosȱmilitaresȱouȱdaȱadministraçãoȱdoȱEstado.ȱȱ

ÀȱProcuradoriaȱMilitarȱcompete,ȱnoȱessencial,ȱexercerȱaȱacçãoȱpenalȱnosȱprocessosȱ
doȱforoȱmilitar,ȱordenarȱeȱvalidarȱaȱprisãoȱpreventivaȱeȱpugnarȱpelaȱsuaȱexecução,ȱ
dirigirȱ aȱ instruçãoȱ preparatóriaȱ dosȱ processosȱ instruídosȱ pelaȱ Políciaȱ Judiciáriaȱ
MilitarȱeȱfiscalizarȱaȱlegalidadeȱnoȱseioȱdasȱForçasȱArmadasȱAngolanas.ȱȱ

149
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

2.2.1.4.3.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱMilitares.ȱȱ
ȱ
2.2.1.4.3.1.ȱ–ȱEstruturaȱȱ
ȱ
Oȱart.ȱ18ºȱdaȱLJPMȱprevêȱtrêsȱcategoriasȱouȱespéciesȱdeȱtribunaisȱque,ȱcomoȱresultaȱ
daȱlei,ȱestãoȱhierarquicamenteȱorganizados,ȱnomeadamenteȱparaȱefeitosȱdeȱrecurso:ȱȱ

–ȱConselhoȱSuperiorȱdeȱJustiçaȱMilitar;ȱȱ
–ȱSupremoȱTribunalȱMilitar;ȱȱ
–ȱTribunaisȱMilitaresȱRegionais,ȱdeȱZonaȱeȱdeȱGuarnição.ȱȱ
ȱ
PodemȱaindaȱserȱconstituídosȱTribunaisȱMilitaresȱdeȱFrente.ȱȱ

Noȱexercícioȱdasȱsuasȱfunções,ȱosȱjuízesȱdosȱtribunaisȱmilitaresȱsãoȱindependentesȱ
deȱquaisquerȱórgãosȱMilitaresȱouȱdaȱAdministraçãoȱdoȱEstado.ȱȱ

Oȱ Presidenteȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ deȱ Justiçaȱ Militarȱ eȱ doȱ Supremoȱ Tribunalȱ
MilitarȱsubordinamȬseȱmilitarmenteȱaoȱChefeȱdoȱEstadoȱMaiorȱGeneral.ȱOsȱJuízesȱ
dosȱ Tribunaisȱ Militares,ȱ deȱ Zonaȱ eȱ deȱ Guarnição,ȱ subordinamȬseȱ funcionalmenteȱ
aoȱPresidenteȱdoȱSupremoȱTribunalȱMilitar.ȱȱ

Oȱ Presidenteȱ doȱ Conselhoȱ Superiorȱ deȱ Justiçaȱ Militarȱ eȱ osȱ respectivosȱ Juízesȱ sãoȱ
nomeadosȱ adȱ hocȱ peloȱPresidenteȱdaȱRepúblicaȱsobȱpropostaȱ doȱChefeȱ doȱEstadoȱ
Maiorȱ General.ȱ Oȱ Presidenteȱ eȱ osȱ Juízesȱ doȱ Supremoȱ Tribunalȱ Militarȱ sãoȱ
nomeadosȱpeloȱPresidenteȱdaȱRepúblicaȱsobȱpropostaȱdoȱChefeȱdoȱEstadoȱMaiorȱ
General.ȱOȱPresidenteȱeȱosȱJuízesȱdosȱTribunaisȱMilitares,ȱdeȱZonaȱeȱdeȱGuarnição,ȱ
sãoȱnomeadosȱpeloȱChefeȱdoȱEstadoȱMaiorȱGeneralȱsobȱpropostaȱdoȱPresidenteȱdoȱ
SupremoȱTribunalȱMilitar.ȱȱ
ȱ
2.2.1.4.3.2.ȱ–ȱComposição,ȱfuncionamentoȱeȱcompetências.ȱȱ
ȱ
OȱConselhoȱSuperiorȱdeȱJustiçaȱMilitarȱ(ȱCSJM).ȱȱ

OȱCSJMȱéȱconstituído,ȱparaȱefeitosȱdeȱjulgamento,ȱporȱumȱJuizȱPresidenteȱeȱquatroȱ
JuízesȱVogais,ȱosȱquais,ȱcomoȱaludido,ȱsãoȱnomeadosȱadȱhocȱsempreȱqueȱhajaȱprocessoȱ
paraȱ julgamento,ȱ cessandoȱ asȱ suasȱ funçõesȱ depoisȱ deȱ decididoȱ oȱ mesmo.ȱ –ȱ art.ȱ 70ºȱ daȱ
LJPM.ȱOȱCSJMȱéȱconstituídoȱapenasȱporȱoficiaisȱgenerais,ȱsendoȱoȱPresidenteȱeȱoȱ
Procuradorȱ–ȱigualmenteȱnomeadoȱadȱhocȱ–ȱdeȱpostoȱigualȱouȱsuperiorȱaoȱdoȱjuizȱ
PresidenteȱdoȱTribunalȱSupremoȱMilitar.ȱȱ

Oȱ CSJMȱ é,ȱ essencialmente,ȱ umȱ tribunalȱ deȱ recurso,ȱ conhecendoȱ deȱ recursosȱ
interpostosȱ deȱ decisõesȱdoȱ Supremoȱ Tribunalȱ Militarȱ eȱ quandoȱ sejamȱ réusȱJuízesȱ
dosȱTribunaisȱMilitaresȱeȱMagistradosȱdoȱMinistérioȱPúblicoȱjuntoȱdeles.ȱȱ

150
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

OȱSupremoȱTribunalȱMilitar.ȱȱ
ȱ
EsteȱTribunal,ȱtalȱcomoȱosȱrestantes,ȱéȱconstituído,ȱparaȱefeitosȱdeȱjulgamento,ȱporȱ
umȱJuizȱPresidenteȱeȱdoisȱJuízesȱVogais.ȱȱ

Noȱ essencial,ȱ decideȱ emȱ 1ªȱ instância,ȱ emȱ 2ªȱ instânciaȱ eȱ conheceȱ dosȱ conflitosȱ deȱ
competênciaȱentreȱosȱTribunaisȱMilitares,ȱparaȱalémȱdeȱoutrasȱȱȱ

Emȱ 1ªȱ Instânciaȱ conheceȱ dosȱ processosȱ emȱ queȱ sejamȱ arguidosȱ Juízosȱ dosȱ
TribunaisȱMilitaresȱeȱMagistradosȱdoȱMPȱjuntoȱdelesȱouȱOficiasȱGenerais.ȱȱ

Comoȱtribunalȱdeȱrecurso,ȱqueȱconstituiráȱoȱessencialȱdasȱsuasȱfunções,ȱconheceȱdeȱ
recursosȱinterpostosȱdeȱdecisõesȱdosȱtribunaisȱmilitaresȱinferiores.ȱȱ

TribunaisȱMilitaresȱRegionais,ȱdeȱZonaȱeȱdeȱGuarniçãoȱȱ

Éȱ daȱ competênciaȱ destesȱ tribunais,ȱ dentroȱ daȱ respectivaȱ áreaȱ deȱ competência,ȱ oȱ
julgamentoȱdeȱtodosȱosȱprocessosȱcriminaisȱemȱqueȱsejamȱarguidosȱmilitaresȱcomȱ
aȱpatenteȱatéȱCoronelȱouȱequivalente.ȱNoȱcasoȱdeȱexistiremȱTribunaisȱMilitaresȱdeȱ
Frente,ȱ estesȱ terãoȱ aȱ competênciaȱ genéricaȱ eȱ específicaȱ dosȱ Tribunaisȱ Militaresȱ
regionais.ȱ(art.ȱ30ºȱdaȱLJPM).ȱȱ
ȱ
2.2.2.ȱ–ȱCABOȱVERDE.ȱȱ
ȱ
2.2.2.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱtribunaisȱconstitucionalmenteȱprevistas.ȱȱ
ȱ
Oȱ art.ȱ 213ºȱ daȱ Constituiçãoȱ daȱ Repúblicaȱ deȱ Caboȱ Verdeȱ prevêȱ asȱ seguintesȱ
categoriasȱdeȱtribunais:ȱȱ

–ȱTribunalȱConstitucional;ȱȱ
–ȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiçaȱeȱtribunaisȱjudiciaisȱdeȱprimeiraȱinstância;ȱȱ
–ȱTribunalȱdeȱContas;ȱȱ
–ȱTribunalȱMilitarȱdeȱInstância;ȱȱ
–ȱTribunaisȱfiscaisȱeȱaduaneiros.ȱȱ
ȱ
Prevêȱaindaȱqueȱpossamȱserȱcriadosȱasȱseguintesȱcategoriasȱouȱespéciesȱdeȱtribunais:ȱȱ

–ȱTribunaisȱjudiciaisȱdeȱsegundaȱinstância;ȱȱ
–ȱtribunaisȱadministrativos;ȱȱ
–ȱtribunaisȱarbitrais;ȱȱ
–ȱorganismosȱdeȱregulaçãoȱdeȱconflitosȱemȱáreasȱterritoriaisȱmaisȱrestritasȱqueȱaȱdaȱ
jurisdiçãoȱdoȱtribunalȱjudicialȱdeȱ1ªȱinstância.ȱȱ
ȱ

151
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Oȱnºȱ3ȱdaqueleȱart.ȱ213ºȱdaȱCRCVȱprevêȱaindaȱaȱpossibilidadeȱde,ȱnosȱtribunaisȱdeȱ
primeiraȱ instância,ȱ poderemȱ serȱ criadosȱ tribunaisȱ comȱ competênciaȱ específicaȱ eȱ
tribunaisȱespecializados.ȱȱ

ApelaȬseȱ aquiȱ aoȱ critérioȱdaȱ especialidadeȱ emȱ razãoȱ daȱ matériaȱ eȱ aȱ distinçõesȱnoȱ
interiorȱ dessesȱ tribunaisȱ deȱ competênciaȱ especial,ȱ emȱ funçãoȱ deȱ critériosȱ maisȱ
específicos,ȱcomoȱsejam,ȱaȱexemploȱdoȱqueȱsucedeȱnoȱcasoȱportuguês,ȱemȱfunçãoȱdaȱ
formaȱdeȱprocessoȱaplicável.ȱIstoȱé,ȱdistinguindoȬseȱprimeiramente,ȱporȱexemplo,ȱ
entreȱ tribunaisȱ competentesȱ paraȱ matériaȱ cívelȱ eȱ crime,ȱ criamȬseȱ deȱ entreȱ estes,ȱ
tribunaisȱcomȱcompetênciaȱapenasȱparaȱconhecerȱdeȱprocessosȱaȱqueȱcorrespondeȱ
certaȱ formaȱ deȱ processoȱ emȱ sentidoȱ amplo,ȱ comoȱ serão,ȱ emȱ Portugal,ȱ asȱ Varasȱ
CíveisȱeȱCriminaisȱouȱosȱTribunaisȱdeȱPequenaȱInstânciaȱCívelȱouȱCriminal.ȱȱ

Temȱ aindaȱ assentoȱ constitucionalȱ aȱ proibiçãoȱ –ȱ deȱ princípioȱ –ȱ daȱ criaçãoȱ deȱ
tribunaisȱ comȱ competênciaȱ exclusivaȱ paraȱ oȱ julgamentoȱ deȱ determinadosȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
crimesȱ paraȱ alémȱ dosȱ previstosȱ naȱ constituição,ȱ emboraȱ oȱ âmbitoȱ doȱ princípioȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
sejaȱ maisȱ limitadoȱ doȱ que,ȱ porȱ exemploȱ emȱ Portugal,ȱ naȱ medidaȱ emȱ que,ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
paraȱalémȱdosȱtribunaisȱmilitares,ȱoȱart.ȱ218ºȱnº1ȱb)ȱdaȱCRCVȱatribuiȱaosȱtribunaisȱ
fiscaisȱ eȱ aduaneirosȱ competênciaȱ paraȱ oȱ julgamentoȱ deȱ crimesȱ emȱ matériaȱ fiscalȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
eȱ aduaneiraȱ eȱ aindaȱ deȱ outrasȱ infracçõesȱ deȱ naturezaȱ económicaȱ ouȱ financeiraȱ
atribuídasȱporȱlei.ȱȱȱ

Porȱ especiaisȱ dificuldadesȱ deȱ ordemȱ objectivaȱ sóȱ posteriormenteȱ poderáȱ


completarȬseȱ oȱ quadroȱ daȱ orgânicaȱ judiciáriaȱ deȱ Caboȱ Verde.ȱ Assim,ȱ remeteȬseȱ
relativamenteȱ àȱ Jurisdicionalȱ Constitucionalȱ paraȱ oȱ Volumeȱ 1ȱ doȱ Manuelȱ desteȱ
Curso,ȱ daȱ autoriaȱ doȱ Dr.ȱ Luísȱ Correiaȱ deȱ Mendonça,ȱ eȱ passariaȱ aȱ tecerȱ algumasȱ
considerações,ȱ aindaȱ euȱ limitadas,ȱ aȱ propósitoȱ daȱ jurisdiçãoȱ comum.ȱ Supremoȱ
tribunalȱdeȱJustiçaȱeȱrestantesȱtribunaisȱjudiciais.ȱȱ
ȱ
2.2.2.2.ȱ–ȱOȱȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiçaȱeȱtribunaisȱjudiciaisȱdeȱ1ªȱinstância.ȱȱ
ȱ
QuantoȱaoȱSTJȱeȱrestantesȱtribunais,ȱouȱseja,ȱquantoȱàȱordemȱdeȱtribunaisȱunificadaȱnoȱ
STJ,ȱ estaȱ abrangeráȱ todosȱosȱ tribunaisȱdeȱ 1ªȱ instânciaȱ independentementeȱ daȱ suaȱ
competênciaȱ emȱ razãoȱ daȱ matéria,ȱ àȱ excepçãoȱ dosȱ tribunaisȱ militaresȱ queȱ pelasȱ
suasȱ especialidadesȱ devemȱ serȱ consideradosȱ autonomamenteȱ apesarȱ deȱ teremȱ
igualmenteȱnoȱtopoȱdaȱrespectivaȱhierarquiaȱoȱSTJ.ȱȱ

Emȱ primeiroȱ lugar,ȱ abrangeȱ osȱ tribunaisȱ judiciaisȱ deȱ 1ªȱ instância,ȱ osȱ quaisȱ podeȱ
dizerȬseȱ queȱ sãoȱ tribunaisȱ comunsȱ duplamente;ȱ emȱ primeiroȱ lugarȱ porqueȱ oȱ sãoȱ
emȱ matériaȱ cívelȱ eȱ criminalȱ eȱ emȱ segundoȱ lugarȱ porqueȱ noȱ confrontoȱ comȱ osȱ
restantesȱ tribunaisȱ deȱ 1ªȱ instânciaȱ conhecemȱ deȱ todasȱ asȱ causasȱ queȱ porȱ leiȱ nãoȱ
sejamȱatribuídasȱaȱoutraȱjurisdiçãoȬȱart.ȱ215ºȱnº1ȱCRCV.ȱȱ

152
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Emȱ segundoȱ lugar,ȱ abrangeȱ osȱ tribunaisȱ administrativos,ȱ osȱ tribunaisȱ fiscais,ȱ
aduaneirosȱ eȱ militares,ȱ poisȱ oȱ Supremoȱ Tribunalȱ deȱ Justiçaȱ éȱ oȱ órgãoȱ deȱ topoȱ deȱ
todosȱ eles,ȱ comoȱ expressamenteȱ determinaȱ oȱ art.ȱ 214ºȱ nº1ȱ daȱ CRCV.ȱ Sãoȱ aquiȱ
visíveisȱ sinaisȱ inequívocosȱ doȱ princípioȱ daȱ unidade,ȱ vistoȱ verificarȬseȱ umaȱ
concentraçãoȱ quaseȱ exclusivaȱ daȱ funçãoȱ deȱ julgarȱ numaȱ únicaȱ organizaçãoȱ
judiciária,ȱ nãoȱ obstanteȱ preverȬseȱ aȱ criaçãoȱ deȱ tribunaisȱ deȱ 1ªȱ instânciaȱ comȱ
competênciasȱdistintasȱdoȱpontoȱdeȱvistaȱmaterial.ȱȱ
ȱ
2.2.2.2.1.ȱ–ȱCompetência,ȱcomposiçãoȱeȱfuncionamentoȱdoȱSTJ.ȱȱ
ȱ
Nosȱtermosȱdoȱart.ȱ214ºȱdaȱCRCV,ȱoȱSTJȱtemȱsedeȱnaȱcidadeȱdaȱPraiaȱeȱjurisdiçãoȱ
sobreȱtodoȱoȱterritórioȱnacionalȱeȱoȱseuȱPresidenteȱéȱnomeadoȱpeloȱPresidenteȱdaȱ
República,ȱ remetendoȬseȱ paraȱ aȱ leiȱ ordináriaȱ aȱ regulaçãoȱ daȱ suaȱ composição,ȱ
competênciaȱeȱfuncionamento.ȱȱ

Oȱ STJȱ éȱ compostoȱ porȱ cincoȱ juízesȱ conselheiros,ȱ prevendoȱ oȱ art.ȱ 7ºȱ daȱ Leiȱ deȱ
OrganizaçãoȱJudiciáriaȱaprovadaȱpelaȱLeiȱnºȱ3/81ȱdeȱ20ȱdeȱMarçoȱ–ȱcomȱalteraçõesȱ
introduzidasȱ pelaȱ Leiȱ nºȱ 189/91ȱ deȱ 30ȱ deȱ Dezembroȱ Leiȱ nºȱ 12/V/96ȱ deȱ 11ȱ deȱ
Novembro,ȱLeiȱ60/V/98ȱdeȱ6ȱdeȱJulhoȱeȱDecȬleiȱ61/V/98ȱdeȱ6ȱdeȱJulhoȱȬ,ȱqueȱpossaȱ
serȱnomeadoȱumȱsextoȱelemento.ȱȱ

Aȱnomeaçãoȱdosȱjuízesȱconselheirosȱéȱreguladaȱnoȱart.ȱ8ºȱdoȱEMJ,ȱoȱqualȱprevêȱqueȱ
umȱ delesȱ seráȱ nomeadoȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ Repúblicaȱ deȱ entreȱ magistradosȱ
judiciaisȱ ouȱ doȱ MP,ȱ outroȱ seráȱ nomeadoȱ pelaȱ Assembleiaȱ Nacionalȱ deȱ entreȱ osȱ
magistradosȱjudiciais,ȱmagistradosȱdoȱMPȱouȱjuristasȱnacionaisȱeȱosȱrestantesȱserãoȱ
nomeadosȱpeloȱConselhoȱSuperiorȱdaȱMagistraturaȱdeȱentreȱmagistradosȱjudiciais,ȱ
sendoȱ oȱ Presidenteȱ doȱ Supremoȱ nomeadoȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ Repúblicaȱ deȱ entreȱ
osȱjuízesȱqueȱoȱcompõem,ȱcomoȱreferido.ȱOȱnº1ȱdoȱart.ȱ8ºȱestabeleceȱpreviamenteȱ
umȱconjuntoȱdeȱrequisitosȱparaȱaȱdesignaçãoȱcomoȱjuízesȱdoȱSupremoȱTribunalȱdeȱ
Justiça,ȱ comoȱ sejamȱ aȱ licenciaturaȱ emȱ direitoȱ eȱ oȱ exercícioȱ deȱ actividadeȱ
profissionalȱ naȱ magistraturaȱ ouȱ outraȱ actividadeȱ forenseȱ ouȱ deȱ docênciaȱ doȱ
direito,ȱpeloȱmenosȱduranteȱcincoȱanos.ȱȱ
ȱ
Funcionamentoȱȱ
ȱ
Oȱ STJȱ nãoȱ estáȱ organizadoȱ emȱ secçõesȱ especializadasȱ nemȱ emȱ secçõesȱ deȱ
competênciaȱgenérica;ȱpodeȱfuncionarȱ(a)ȱcomoȱtribunalȱdeȱrevistaȱcomȱapenasȱtrêsȱ
dosȱ respectivosȱ juízesȱ ouȱ (b)ȱ comoȱ tribunalȱ plenoȱ comȱ intervençãoȱ deȱ todosȱ osȱ
seusȱjuízes.ȱȱȱ

Funcionandoȱ comȱ trêsȱ juízes,ȱ comoȱ tribunalȱ deȱ revista,ȱ temȱ competênciaȱ paraȱ
apreciarȱosȱrecursosȱdasȱdecisõesȱdosȱtribunaisȱjudiciaisȱdeȱ1ªȱinstânciaȱemȱmatériaȱ

153
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

cível,ȱ criminalȱ eȱ comercialȱ eȱ paraȱ decidir,ȱ emȱ 1ºȱ grauȱ deȱ jurisdição,ȱ emȱ matériaȱ
administrativa,ȱ osȱ recursosȱ dosȱ actosȱ definitivosȱ eȱ executóriosȱ praticadosȱ pelaȱ
administraçãoȱ pública.ȱ Temȱ aindaȱ competênciaȱ paraȱ resolverȱ osȱ conflitosȱ deȱ
jurisdiçãoȱ entreȱ osȱ tribunaisȱ eȱ outrasȱ autoridades,ȱ bemȱ comoȱ osȱ conflitosȱ entreȱ
autoridadesȱeȱoutrosȱentesȱpúblicos.ȱȱȱ

Funcionandoȱ emȱ plenárioȱ deȱ todosȱ osȱ juízesȱ oȱ tribunalȱ conhece,ȱ emȱ 1ºȱ grauȱ deȱ
jurisdiçãoȱ eȱ emȱ matériaȱ criminal,ȱ dosȱ processosȱ porȱ crimesȱ ouȱ contravençõesȱ
contraȱ titularesȱ deȱ órgãosȱ deȱ soberaniaȱ eȱ dasȱ acçõesȱ intentadasȱ contraȱ juízesȱ
conselheiros,ȱ representantesȱ doȱ MPȱ eȱ juízesȱ dosȱ tribunaisȱ regionaisȱ porȱ actosȱ
praticadosȱnoȱexercícioȱdasȱsuasȱfunçõesȱȱ

Umaȱ vezȱ que,ȱ comoȱ refereȱ Armandoȱ Marquesȱ Guedesȱ eȱ outros 23 ,ȱ éȱ oȱ Supremoȱ
Tribunalȱ deȱ Justiçaȱ quemȱ vemȱ exercendoȱ asȱ competênciasȱ emȱ matériasȱ deȱ
naturezaȱ jurídicoȬconstitucionalȱ enquantoȱ nãoȱ éȱ instaladoȱ oȱ Tribunalȱ
Constitucional,ȱcriadoȱpelaȱúltimaȱrevisãoȱconstitucional,ȱemȱ1999,ȱcontinuaȱaȱserȱ
atribuídoȱ aoȱ plenárioȱ doȱ STJȱ competênciaȱ paraȱ fiscalizarȱ aȱ constitucionalidadeȱ eȱ
legalidadeȱdeȱnormasȱjurídicasȱeȱexercerȱasȱrestantesȱcompetênciasȱqueȱintegramȱaȱ
ȱ
jurisdiçãoȱconstitucional. 24
ȱ
2.2.2.2.2.ȱȬȱOsȱTribunaisȱdeȱ1ªȱInstânciaȱȱ
ȱ
Comoȱ aludido,ȱ aȱ estruturaȱ judiciáriaȱ comumȱ éȱ compostaȱ porȱ doisȱ níveisȱ deȱ
jurisdição,ȱ aȱ 1ªȱ instânciaȱ eȱ oȱ Supremo,ȱ poisȱ apesarȱ deȱ aȱ Constituiçãoȱ preverȱ essaȱ
possibilidadeȱnãoȱforamȱaindaȱcriadosȱtribunaisȱdeȱ2ªȱinstância.ȱOsȱtribunaisȱdeȱ1ªȱ
instânciaȱ subdividemȬseȱ emȱ tribunaisȱ comuns,ȱ tribunaisȱ fiscaisȱ eȱ aduaneirosȱ eȱ
tribunaisȱmilitares.ȱȱ
ȱ
2.2.2.2.2.1.ȱ–ȱOsȱtribunaisȱcomunsȱȱ
ȱ
a)ȱ Aȱ divisãoȱ territorialȱ deȱ baseȱ éȱ constituídaȱ pelasȱ comarcas,ȱ classificadasȱ emȱ
comarcasȱdeȱ1ª,ȱ2ªȱouȱaȱ3ª,ȱclasse,ȱemȱfunçãoȱdaȱcomplexidadeȱeȱvalorȱdasȱcausasȱ
cíveisȱeȱcriminais.ȱAȱcomarca,ȱenquantoȱcircunscriçãoȱterritorialȱdeȱbase,ȱcoincideȱ
comȱaȱdivisãoȱconcelhiaȱdoȱPaísȱ(EstudoȱSobreȱoȱEstadoȱdaȱJustiçaȱemȱCaboȱVerdeȱ

23ȱLitígiosȱeȱPluralismoȱemȱCaboȱVerde.ȱAȱorganizaçãoȱjudiciáriaȱeȱosȱmeiosȱalternativos,ȱinȱThemisȱnº3ȱ(2001)ȱp.ȱ
33ȱeȱsgs.ȱ
24ȱSobreȱoutrasȱcompetênciasȱeȱaȱcomposiçãoȱdosȱTribunaisȱconstitucionais,ȱbemȱcomoȱaȱcaracterizaçãoȱ

dasȱ formasȱ deȱ fiscalizaçãoȱ daȱ constitucionalidadeȱ (preventiva,ȱ sucessiva,ȱ etc),ȱ legitimidadeȱ paraȱ
suscitarȱ aȱ questãoȱ daȱ inconstitucionalidadeȱ eȱ efeitosȱ daȱ respectivaȱ decisãoȱ eȱ declaração,ȱ nosȱ cincoȱ
PALOP,ȱ vejaseȱ oȱ volumeȱ Iȱ doȱ Manualȱ desteȱ cursoȱ (Áreasȱ temáticasȱ 1ȱ aȱ 4)ȱ daȱ autoriaȱ doȱ Dr.ȱ Luísȱ
CorreiaȱdeȱMendonça,ȱdeȱpáginasȱ39ȱaȱ42.ȱ

154
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

(coordenadoȱpeloȱprof.ȱBoaventuraȱSousaȱSantos)ȱrelatórioȱprovisório,ȱp.ȱ47.)ȱȱ
ȱ
b)ȱClassesȱdeȱtribunaisȱeȱrespectivasȱcompetências.ȱȱ
ȱ
Conformeȱ prevêȱ aȱ Constituição,ȱ osȱ tribunaisȱ deȱ1ªȱ Instânciaȱ podemȱ desdobrarȬseȱ
emȱ juízosȱ especializadosȱ emȱ funçãoȱ daȱ matériaȱ quandoȱ oȱ movimentoȱ processualȱ oȱ
justifique,ȱfuncionandoȱemȱregraȱcomoȱtribunaisȱdeȱcompetênciaȱgenérica.ȱȱ

Umaȱoutraȱclassificação,ȱdaȱmaiorȱrelevância,ȱéȱaȱqueȱdistinguiaȱentreȱtribunaisȱdeȱ
1ª,ȱ2ªȱouȱ3ª,ȱclasses,ȱaȱqueȱcorrespondiamȱcompetênciasȱdiferentes.ȱȱ

FaceȱàȱLOJ,ȱosȱtribunaisȱdeȱ1ªȱclasseȱsãoȱosȱtribunaisȱcomunsȱemȱmatériaȱcívelȱeȱcriminalȱ
eȱ tambémȱ relativamenteȱ aȱ todasȱ asȱ matériasȱ nãoȱ atribuídasȱ aȱ outrosȱ tribunais.ȱ
Assim,ȱnãoȱexistindoȱaindaȱtribunaisȱadministrativos,ȱsãoȱosȱtribunaisȱdeȱ1ªȱclasseȱ
osȱ competentesȱ paraȱ todasȱ asȱ matériasȱ aȱ conhecerȱ pelosȱ tribunaisȱ judiciaisȱ deȱ 1ªȱ
instância,ȱnomeadamenteȱmatériasȱdoȱcontenciosoȱadministrativoȱeȱlaboral.ȱȱȱ

Podemȱ dividirȬseȱ emȱ juízosȱ deȱ competênciaȱ especializadaȱ eȱ sãoȱ igualmenteȱ


competentesȱ paraȱ asȱ restantesȱ causasȱ incluindoȱ asȱ deȱ valoresȱ maisȱ elevadosȱ eȱ asȱ
correspondentesȱaosȱcrimesȱmaisȱgraves.ȱȱ

Conhecemȱ aindaȱ emȱ 1ºȱ grauȱ deȱ jurisdiçãoȱ dosȱ processosȱ porȱ crimesȱ ouȱ
contravençõesȱcontraȱjuízesȱadjuntos,ȱagentesȱdoȱMP,ȱdelegadosȱdoȱGoverno,ȱporȱ
factosȱ praticadosȱ noȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funçõesȱ ouȱ porȱ causaȱ delas,ȱ eȱ aindaȱ dasȱ
acçõesȱcíveisȱintentadasȱcontraȱaqueles.ȱȱ

Osȱtribunaisȱdeȱ2ªȱclasseȱ(art.19ºȱdaȱLOJ)ȱtêmȱcompetênciaȱemȱ1ªȱeȱemȱ2ºȱgrauȱdeȱjurisdição.ȱȱ

Emȱ 1ºȱ grauȱ deȱ jurisdiçãoȱ conhecem,ȱ emȱ matériaȱ cível,ȱ dosȱ processosȱ cíveisȱ cujoȱ
valorȱ nãoȱ sejaȱ superiorȱ aȱ valorȱ determinado,ȱ dosȱ processosȱ deȱ inventário,ȱ
liquidaçãoȱ eȱ partilhaȱ deȱ bensȱ atéȱ aoȱ limiteȱ fixadoȱ naȱ lei,ȱ dosȱ processosȱ deȱ
jurisdiçãoȱ voluntáriaȱ eȱ dosȱ procedimentosȱ cautelaresȱ emȱ matériaȱ daȱ suaȱ
competência.ȱEmȱmatériaȱcriminal,ȱjulgaȱasȱtransgressõesȱeȱcrimesȱcujaȱpenaȱnãoȱ
excedaȱ8ȱanosȱdeȱprisãoȱouȱsançãoȱequivalente.ȱEmȱmatériaȱdaȱnaturezaȱfamiliarȱ
conhecemȱdosȱdivórciosȱporȱmútuoȱacordoȱeȱdoȱreconhecimentoȱdasȱuniõesȱdeȱfacto.ȱȱ

Emȱ 2ºȱ grauȱ deȱ jurisdição,ȱ osȱ tribunaisȱ deȱ 2ªȱ classeȱ podemȱ julgar,ȱ emȱ matériaȱ deȱ
direito,ȱosȱrecursosȱdasȱsentençasȱproferidasȱpelosȱtribunaisȱdeȱ3ªȱclasse.ȱȱȱ

Osȱtribunaisȱdeȱ3ªȱclasseȱ(art.ȱ23ºȱdaȱLeiȱdeȱOrganizaçãoȱJudiciária):ȱtêmȱcompetênciaȱ
emȱmatériaȱcriminalȱparaȱjulgarȱtransgressõesȱeȱcrimesȱcujaȱpenaȱnãoȱsejaȱsuperiorȱ
aȱdoisȱanosȱdeȱprisão;ȱemȱmatériaȱcível,ȱjulgamȱasȱacçõesȱdeclarativasȱeȱexecutivasȱ
deȱ valorȱ nãoȱ superiorȱ aoȱ estabelecidoȱ naȱ lei,ȱ salvoȱ seȱ emȱ razãoȱ daȱ matériaȱ oȱ
processoȱforȱexcluídoȱdaȱsuaȱcompetência,ȱeȱconhecemȱdosȱprocessosȱdeȱinventárioȱ

155
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

atéȱ aoȱ valorȱ fixadoȱ naȱ leiȱ eȱ aindaȱ dosȱ processosȱ relativosȱ aoȱ extravioȱ deȱ bensȱ
pertencentesȱ aȱ incapazesȱ eȱ aȱ herançasȱ jacentes;ȱ emȱ matériaȱ deȱ direitoȱ daȱ famíliaȱ
competeȬlhesȱconhecerȱdasȱacçõesȱdeȱdivórcioȱporȱmútuoȱconsentimento.ȱȱ

Actualmenteȱexistirãoȱapenasȱdoisȱtribunaisȱdeȱ3ªȱclasseȱeȱnãoȱhaveráȱdistinçãoȱdoȱ
pontoȱdeȱvistaȱdaȱcompetênciaȱmaterialȱentreȱasȱtrêsȱcategoriasȱdeȱtribunais.ȱTodosȱ
têmȱ idênticaȱ competênciaȱ materialȱ eȱ dasȱ suasȱ decisõesȱ cabeȱ recursoȱ paraȱ oȱ
SupremoȱTribunalȱdeȱJustiça.ȱȱ

c)ȱComposiçãoȱeȱfuncionamentoȱdosȱtribunaisȱcomunsȱdeȱ1ªȱinstância.ȱȱ

Emȱ regra,ȱ estesȱ tribunaisȱ sãoȱ compostosȱ porȱ umȱ juiz,ȱ comȱ competênciaȱgenérica,ȱ
exceptoȱ nosȱ tribunaisȱ deȱ 1ªȱ classeȱ emȱ queȱ existamȱ juízosȱ especializados,ȱ querȱ
porqueȱ existirãoȱ aíȱ peloȱ menosȱ doisȱ juízes,ȱ querȱ porqueȱ cadaȱ umȱ conhecerá,ȱ emȱ
princípio,ȱapenasȱdasȱmatériasȱdaȱcompetênciaȱdoȱjuízoȱqueȱlheȱestáȱatribuído.ȱȱ

Doȱpontoȱdeȱvistaȱdaȱcompetênciaȱfuncionalȱnãoȱháȱsoluçõesȱdiferenciadas,ȱpoisȱemȱ
todasȱasȱclassesȱdeȱtribunaisȱeȱrelativamenteȱaȱtodasȱasȱmatérias,ȱosȱtribunaisȱdeȱ1ªȱ
instânciaȱdecidemȱsempreȱemȱjuizȱsingular.ȱȱ

Emboraȱseȱexija,ȱemȱregra,ȱaȱlicenciaturaȱemȱdireitoȱparaȱaȱnomeaçãoȱcomoȱjuizȱdeȱ
direito,ȱoȱart.ȱ11ºȱnº3ȱdoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱexpressamenteȱdispensaȱoȱ
requisitoȱdaȱlicenciaturaȱemȱdireitoȱparaȱaȱnomeaçãoȱcomoȱjuizȱadjunto,ȱcategoriaȱ
estaȱqueȱtemȱestatutoȱdiferenteȱdoȱdosȱjuízesȱdeȱdireitoȱeȱdesembargadores.ȱȱ

Naȱverdade,ȱoȱEMJȱprevêȱessencialmenteȱduasȱcategoriasȱdeȱjuízesȱna1ȱªȱinstância:ȱȱ

Aȱ–ȱJuízesȱdeȱdireitoȱeȱJuízesȱdesembargadores,ȱqueȱseȱdividemȱemȱjuízesȱdeȱdireitoȱ
deȱ 3ª,ȱ 2ªȱ eȱ 1ªȱ classesȱ eȱ juízesȱ desembargadores,ȱ noȱ sentidoȱ ascendenteȱ daȱ
carreira.ȱ–ȱart.ȱ12ºȱdoȱEMJȱ–,ȱsendoȱnecessariamenteȱosȱjuízesȱdesembargadoresȱ
colocadosȱemȱtribunaisȱdeȱ1ªȱclasseȱeȱȱosȱrestantesȱtendencialmenteȱcolocadosȱ
nasȱcomarcasȱqueȱcorrespondemȱàȱsuaȱcategoriaȱ(art.ȱ37ºȱnºȱ1ȱEMJ).ȱȱ
Bȱ–ȱJuízesȱadjuntos;ȱcomȱprogressãoȱhorizontalȱnaȱcarreira,ȱemȱ4ȱescalões,ȱtomaȱasȱ
designaçõesȱ deȱ Juizȱ adjuntoȱ deȱ 1ª,ȱ 2ªȱ ouȱ 3ª,ȱ classes,ȱ e,ȱ porȱ último,ȱ deȱ Juizȱ
adjuntoȱprincipal.ȱ–ȱart.ȱ13ºȱdoȱEMJ.ȱȱ

Todosȱ osȱ juízesȱ dosȱ tribunaisȱ deȱ comarcaȱ sãoȱ nomeadosȱ peloȱ CSMȱ precedendoȱ
concurso.ȱȱ

2.2.2.2.2.2.ȱ–ȱTribunaisȱFiscaisȱeȱAduaneiros.ȱȱ

Nosȱ termosȱ doȱ art.ȱ 218ºȱ daȱ CRCV,ȱ estesȱ tribunaisȱ sãoȱ competentesȱ paraȱ julgarȱ
acçõesȱ eȱ recursosȱ contenciososȱ emergentesȱ deȱ relaçõesȱ jurídicasȱ fiscaisȱ ouȱ
aduaneirasȱ eȱ recursosȱ emȱ matériaȱ deȱ contraȬordenaçõesȱ fiscais,ȱ aduaneiras,ȱ
comerciaisȱouȱoutrasȱeconómicasȱouȱfinanceiras.ȱȱ

156
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Paraȱ alémȱ dissoȱ têmȱ aindaȱ competênciaȱ emȱ matériaȱ criminal,ȱ quandoȱ seȱ trateȱ deȱ
crimesȱ emȱ matériaȱ fiscalȱ eȱ aduaneiraȱ ouȱ financeiraȱ e,ȱ conformeȱ notíciaȱ deȱ A.ȱ
Marquesȱ Guedesȱ eȱ outrosȱ (p.ȱ 19),ȱ emȱ 2000ȱ oȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ
decidiuȱqueȱestesȱtribunaisȱconheceriamȱigualmenteȱdosȱprocessosȱlaborais,ȱdadoȱ
oȱpequenoȱnúmeroȱdeȱprocessosȱemȱmatériaȱfiscalȱeȱaduaneiraȱeȱaȱsobrecargaȱdeȱ
trabalhoȱdosȱtribunaisȱjudiciais.ȱȱ

Sãoȱ doisȱ osȱ tribunaisȱ fiscaisȱ eȱ aduaneirosȱ existentes,ȱ comȱ sedeȱ naȱ Praiaȱ eȱ noȱ
Mindelo,ȱ emboraȱ esteȱ últimoȱ nãoȱ seȱ encontreȱ instalado.ȱ (relatórioȱ provisório,ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
p.ȱ115).ȱȱ
ȱ
2.2.3.ȱ–ȱGUINÉȬBISSAUȱȱ
ȱ
2.2.3.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱtribunaisȱprevistasȱnaȱConstituição.ȱȱ
ȱ
Numaȱafirmaçãoȱclaraȱdoȱprincípioȱdaȱunidadeȱdeȱjurisdições,ȱoȱart.ȱ120ºȱnº1ȱdaȱ
ConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱdaȱGuinéȱBissauȱconsagraȱoȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiçaȱ
comoȱ aȱ instânciaȱ judicialȱ supremaȱ daȱ República.ȱ Aoȱ proibirȱ aȱ existênciaȱ deȱ
Tribunaisȱexclusivamenteȱdestinadosȱaoȱjulgamentoȱdeȱcertasȱcategoriasȱdeȱcrimes,ȱ
oȱart.ȱ121ºȱdaȱCRGBȱrefereȱaindaȱaȱexistênciaȱdeȱTribunaisȱMilitaresȱeȱdeȱTribunaisȱ
Administrativos,ȱFiscaisȱeȱdeȱContas,ȱenquantoȱoȱart.ȱ122ºȱprevêȱaȱpossibilidadeȱdeȱ
criaçãoȱdeȱtribunaisȱpopularesȱparaȱconhecimentoȱdeȱlitígiosȱdeȱcarácterȱsocial,ȱquerȱcíveis,ȱ
querȱ penaisȱ semȱ que,ȱ porém,ȱ qualquerȱ delesȱ dêȱ origemȱ aȱ categoriasȱ ouȱ ordensȱ judiciáriasȱ
autónomas.ȱȱ
ȱ
2.2.3.2.ȱ–ȱEstruturaȱdaȱorgânicaȱjudiciáriaȱ–ȱTribunaisȱdeȱSector,ȱTribunaisȱ
RegionaisȱeȱoȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiça.ȱȱ

Aȱorgânicaȱjudiciáriaȱcomumȱassentaȱemȱtrêsȱníveisȱdeȱjurisdição:ȱosȱTribunaisȱdeȱ
Sector,ȱosȱTribunaisȱRegionaisȱeȱoȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiça.ȱȱ

Porȱora,ȱcuidarȬseȬáȱdeȱverȱumȱpoucoȱmaisȱdetalhadamenteȱosȱTribunaisȱdeȱSector,ȱ
cujaȱleiȱorgânicaȱ–ȱLeiȱOrgânicaȱdoȱTribunalȱdeȱSectorȱ–ȱfoiȱaprovadaȱpeloȱDecȬleiȱ
6/93ȱdeȱ13ȱdeȱOutubro.ȱȱ

Osȱ Tribunaisȱ deȱ Sectorȱ visamȱ administrarȱ aȱ justiçaȱ deȱ formaȱ simplificadaȱ eȱ comȱ
baseȱ emȱ amplaȱ participação,ȱ caracterizandoȬseȱ pelaȱ preferênciaȱ pelaȱ oralidade,ȱ
simplicidade,ȱ informalidade,ȱ economiaȱ processualȱ eȱ celeridade,ȱ privilegiandoȱ asȱ
soluçõesȱbaseadasȱnoȱconsensoȱeȱnaȱequidade,ȱprocurandoȱresolverȱosȱconflitosȱdeȱ
pequenasȱ causasȱ comȱ recursoȱ aosȱ usosȱ eȱ costumes,ȱ comoȱ fontesȱ deȱ direitoȱ
tradicionais,ȱdesdeȱqueȱnãoȱcontrariemȱleiȱexpressa,ȱproibindoȬse,ȱpois,ȱapenasȱosȱ
usosȱeȱcostumesȱcontraȱlegem.ȱȱ

157
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Estesȱtribunaisȱtêmȱcompetênciaȱemȱmatériaȱcívelȱeȱcriminal.ȱȱ

Emȱmatériaȱcívelȱconhecemȱdasȱacçõesȱenumeradasȱnoȱart.ȱ12ºȱdaȱLOTS,ȱdeȱvalorȱ
igualȱ ouȱ inferiorȱ àȱ suaȱ alçada,ȱ considerandoȱ aȱ leiȱ integradaȱ naȱ matériaȱ cívelȱ asȱ
acçõesȱ emergentesȱ deȱ contratoȱ deȱ trabalhoȱ –ȱ paraȱ alémȱ dasȱ emergentesȱ deȱ
prestaçãoȱdeȱserviçosȱ–ȱdesdeȱqueȱnãoȱsejaȱparteȱoȱEstado;ȱsãoȱaindaȱcompetentesȱ
dentroȱdaȱsuaȱalçadaȱparaȱjulgarȱosȱpedidosȱdeȱpagamentoȱdeȱdívidas,ȱdeȱrendasȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
eȱindemnizaçãoȱeȱparaȱdecidirȱosȱpedidosȱdeȱrestituiçãoȱdeȱcoisaȱmóvel.ȱȱ

Independentementeȱdoȱvalorȱdaȱcausaȱoȱnºȱ2ȱdoȱmesmoȱart.ȱ12ºȱatribuiȱaindaȱaosȱ
tribunaisȱdeȱsectorȱcompetênciaȱparaȱconhecerȱdeȱalgumasȱquestõesȱcomȱbaseȱnosȱ
usosȱ eȱ costumesȱ locais,ȱ desdeȱ queȱ nãoȱ sejaȱ parteȱ oȱ Estado,ȱ comoȱ sejamȱ questõesȱ
relativasȱaȱpequenasȱpropriedadeȱrurais,ȱquestõesȱsucessóriasȱporȱmorteȱdeȱpessoaȱ
cujosȱ laçosȱ familiaresȱ sejamȱ constituídosȱ exclusivamenteȱ comȱ fundamentoȱ nosȱ
usosȱ eȱ costumesȱ locais,ȱ pedidosȱ deȱ separaçãoȱ ouȱ divórciosȱ deȱ casadosȱ apenasȱ
segundoȱ osȱ usosȱ eȱ costumesȱ locaisȱ eȱ questõesȱ relativasȱ aosȱ filhosȱ menoresȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
daíȱderivadas.ȱȱ

Emȱmatériaȱcriminal,ȱosȱTribunaisȱdeȱSectorȱsãoȱcompetentesȱparaȱjulgarȱprocessosȱ
porȱtransgressõesȱeȱcontravençõesȱnãoȱmarítimasȱeȱporȱcrimesȱaȱqueȱcorrespondeȱ
penaȱdeȱprisãoȱatéȱ2ȱanos,ȱcomȱouȱsemȱpenaȱdeȱmulta,ȱouȱsóȱcomȱpenaȱdeȱmultaȱ
(art.ȱ17º).ȱȱ
ȱ
2.2.3.2.1.ȱ–ȱComposiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ
ȱ
Osȱ Tribunaisȱ deȱ Sectorȱ funcionamȱ comȱ umȱ Presidenteȱ eȱ doisȱ Assessoresȱ queȱ oȱ
coadjuvamȱ(ȱart.sȱ3ºȱeȱ5º).ȱȱȱ

OȱJuizȱPresidenteȱéȱnomeadoȱpreferentementeȱdeȱentreȱlicenciadosȱemȱdireitoȱcomȱ
maisȱ deȱ 25ȱ anos,ȱ peloȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ (eȱ antesȱ doȱ
funcionamentoȱdesteȱórgão,ȱpeloȱMinistroȱdaȱJustiça).ȱOsȱAssessoresȱsãoȱmembrosȱ
leigosȱ queȱ integramȱ oȱ tribunalȱ colegialȱ naȱ Audiênciaȱ deȱ Julgamento,ȱ sendoȱ
seleccionadosȱ emȱ cadaȱ Audiênciaȱ deȱ entreȱ cidadãosȱ maioresȱ deȱ 30ȱ anosȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
residentesȱ háȱ maisȱ deȱ 3ȱ anosȱ naȱ áreaȱ deȱ jurisdiçãoȱ territorialȱ doȱ tribunal.ȱ Doȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
pontoȱ deȱ vistaȱ funcionalȱ compete,ȱ pois,ȱ aoȱ tribunalȱ colegialȱ assimȱ constituído,ȱ
procederȱ àȱ audiênciaȱ deȱ julgamentoȱ querȱ emȱ matériaȱ cível,ȱ querȱ criminal,ȱȱȱ
cabendoȱ aoȱ juizȱ Presidenteȱ comoȱ juizȱ singularȱ praticarȱ osȱ demaisȱ actosȱ nosȱ
respectivosȱprocessos.ȱȱ

Sãoȱ susceptíveisȱ deȱ recursoȱ asȱ decisõesȱ dosȱ Tribunaisȱ deȱ Sectorȱ que,ȱ emȱ matériaȱ
cívelȱeȱemȱmatériaȱcriminal,ȱponhamȱtermoȱaoȱprocesso.ȱȱ
ȱ

158
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

2.2.4.ȱ–ȱMOÇAMBIQUE.ȱȱ
ȱ
2.2.4.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱtribunaisȱprevistosȱnaȱConstituição.ȱȱ

Aȱ Constituiçãoȱ daȱ Repúblicaȱ deȱ Moçambiqueȱ enumeraȱ noȱ art.ȱ 167ºȱ asȱ seguintesȱ
categoriasȱdeȱtribunais:ȱȱ

–ȱOȱTribunalȱSupremoȱeȱoutrosȱtribunaisȱjudiciais;ȱȱ
–ȱOȱTribunalȱAdministrativo;ȱȱ
–ȱOsȱtribunaisȱmilitares;ȱȱ
–ȱOsȱtribunaisȱaduaneiros;ȱȬȱosȱtribunaisȱfiscais;ȱ–ȱosȱtribunaisȱmarítimos;ȱ–ȱosȱtribunaisȱ
doȱtrabalho.ȱȱ

Maisȱ queȱ daȱ diversidadeȱ deȱ tribunaisȱ enumerados,ȱ éȱ daȱ constitucionalizaçãoȱ doȱ
Tribunalȱ Administrativo,ȱ comȱ correspondênciaȱ aoȱ nívelȱ daȱ leiȱ ordinária,ȱ queȱ
resultaȱ aȱ afirmaçãoȱ deȱ queȱ oȱ ordenamentoȱ jurídicoȱ moçambicanoȱ acolhe,ȱ emȱ
matériaȱdeȱorganizaçãoȱjudiciária,ȱoȱprincípioȱdaȱpluralidadeȱdeȱjurisdições,ȱpoisȱ
asȱ funçõesȱ judiciaisȱ noȱ seuȱ conjuntoȱ sãoȱ atribuídasȱ aȱ umaȱ pluralidadeȱ deȱ órgãosȱ
enquadradosȱemȱjurisdiçõesȱdiferenciadasȱeȱindependentesȱentreȱsi,ȱaindaȱqueȱdeȱ
médiaȱpulverização,ȱusandoȱaquiȱaȱdoȱProfȱMarceloȱRebeloȱdeȱSousa,ȱatendendoȱ
aoȱnúmeroȱlimitadoȱdeȱcategoriasȱdeȱtribunaisȱefectivamenteȱexistentes.ȱȱȱ

AȱConstituiçãoȱregulaȱaindaȱemȱcapítuloȱautónomoȱoȱConselhoȱConstitucionalȱque,ȱ
nãoȱ obstanteȱ aȱ suaȱ designaçãoȱ eȱ aȱ suaȱ inserçãoȱ sistemáticaȱ foraȱ doȱ capítuloȱ
dedicadoȱ aosȱ tribunaisȱ (nãoȱ constando,ȱ portanto,ȱ naȱ enumeraçãoȱ queȱ daquelesȱ éȱ
feitaȱ noȱ art.ȱ 167º),ȱ afiguraseȬnosȱ serȱ umȱ verdadeiroȱ órgãoȱ jurisdicional,ȱ dadasȱ asȱ
competênciasȱ queȱ lheȱ sãoȱ atribuídasȱ eȱ oȱ teorȱ dasȱ normasȱ queȱ regemȱ aȱ suaȱ
composiçãoȱ eȱ funcionamento,ȱ deȱ acordoȱ comȱ asȱ quaisȱ éȱ umȱ verdadeiroȱ órgãoȱ
jurisdicionalȱcompostoȱporȱjuízes,ȱcomoȱexplicitamenteȱmencionadoȱnoȱart.ȱ8ºȱdaȱLeiȱ
nºȱ4/2003ȱdeȱ21ȱdeȱJaneiroȱqueȱaprovouȱoȱEstatutoȱOrgânicoȱdoȱConselhoȱConstitucional.ȱȱ

Aquelaȱ Lei,ȱ aliás,ȱ refereȬseȱ maisȱ queȱ umaȱ vezȱ aȱ outrosȱ tribunaisȱ aoȱ regularȱ
aspectosȱdoȱConselhoȱConstitucionalȱcomoȱsucede,ȱporȱexemplo,ȱnoȱseuȱart.ȱ4ºȱnºȱ2ȱ
ouȱnoȱ7ºȱnºȱ1ȱd).ȱȱ

Porȱ outroȱ lado,ȱ constitucionalizaȬseȱ aȱ competênciaȱ doȱ Tribunalȱ Administrativo,ȱ ouȱ


melhor,ȱ oȱ núcleoȱ centralȱ dessaȱ competência,ȱ compostoȱ porȱ doisȱ conjuntosȱ deȱ
matériasȱ queȱ noutrosȱ ordenamentosȱ jurídicosȱ (v.g.ȱ oȱ português),ȱ constituemȱ asȱ
competênciasȱ nuclearesȱ deȱ duasȱ categoriasȱ deȱ tribunaisȱ distintas:ȱ oȱ Tribunalȱ deȱ
ContasȱeȱaȱOrdemȱdosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscais.ȱȱ

OȱTribunalȱSupremo,ȱqueȱéȱdefinidoȱcomoȱoȱmaisȱaltoȱórgãoȱdosȱtribunaisȱjudiciaisȱ
nosȱ art.sȱ 19ºȱ eȱ 28ºȱ daȱ Leiȱ Orgânicaȱ dosȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ (Leiȱ nºȱ 10/92ȱ deȱ 6ȱ deȱ

159
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Maio),ȱéȱtratadoȱcomoȱumȱverdadeiroȱórgãoȱconstitucional,ȱcabendoȬlheȱtodaȱumaȱ
secçãoȱ doȱ capítuloȱ dedicadoȱ aosȱ tribunais,ȱ ondeȱ seȱ regulaȱ oȱ essencialȱ daȱ suaȱ
composiçãoȱ(art.ȱ170º),ȱmodoȱdeȱfuncionamentoȱ(art.ȱ169º),ȱpoderesȱdeȱcogniçãoȱeȱ
participaçãoȱdosȱjuízesȱprofissionaisȱeȱdosȱjuízesȱleigosȱqueȱoȱcompõemȱ(art.ȱ171º)ȱ
eȱ mesmoȱ aȱ consagraçãoȱ daȱ aplicaçãoȱ daȱ leiȱ aoȱ serviçoȱ dosȱ interessesȱ doȱ povoȱ
moçambicanoȱcomoȱumaȱatribuiçãoȱdoȱTribunalȱSupremoȱ(ȱart.ȱ168ºȱnº3).ȱȱȱ
ȱ
2.2.4.2.ȱ–ȱAȱEstruturaȱdaȱorgânicaȱjudiciária.ȱȱ
ȱ
Independentementeȱ doȱ Conselhoȱ Constitucional,ȱ doȱ Tribunalȱ Supremoȱ eȱ doȱ
Tribunalȱ Administrativo,ȱ eȱ demaisȱ espéciesȱ deȱ tribunaisȱ referidosȱ noȱ art.ȱ 167ȱ daȱ
Constituição,ȱ importaȱ considerarȱ desdeȱ jáȱ queȱ aȱ categoriaȱ dosȱ tribunaisȱ judiciais,ȱ
encimadaȱ peloȱ Tribunalȱ Supremo,ȱ abrangeȱ aindaȱ osȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ deȱ
Provínciaȱ eȱ osȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ deȱ Distrito,ȱ numȱ complexoȱ orgânicoȱ queȱ osȱ
relacionaȱeȱorganizaȱcomoȱumaȱverdadeiraȱordem.ȱȱ

Assim,ȱ começaremosȱ porȱ analisarȱ oȱ Conselhoȱ Constitucional,ȱ seguidamenteȱ


cuidarȬseȬáȱ doȱ Tribunalȱ Supremoȱ eȱ restantesȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ e,ȱ porȱ último,ȱ
veremosȱ deȱ entreȱ osȱ tribunaisȱ especiaisȱ enumeradosȱ noȱ art.ȱ 167º,ȱ osȱ queȱ seȱ
encontramȱ criados,ȱ ouȱ seja,ȱ oȱ Tribunalȱ Administrativoȱ eȱ osȱ Tribunaisȱ
Comunitários.ȱȱ
ȱ
2.2.4.3.ȱ–ȱOȱConselhoȱConstitucionalȱ–ȱâmbitoȱdeȱjurisdição.ȱȱ
ȱ
Oȱart.ȱ180ºȱdaȱCRMȱcomeçaȱporȱdefinirȱoȱConselhoȱConstitucional,ȱcomoȱoȱórgãoȱ
deȱ competênciaȱ especializadaȱ noȱ domínioȱ dasȱ questõesȱ jurídicoȬconstitucionaisȱ aȱ
quemȱcompete,ȱdesdeȱlogo,ȱdeclararȱaȱinconstitucionalidadeȱdosȱactosȱlegislativosȱ
eȱnormativosȱdosȱórgãosȱdoȱEstado,ȱcomoȱpodeȱlerȬseȱnaȱal.ȱa)ȱdoȱnº1ȱdoȱart.ȱ181º.ȱ
Oȱ Conselhoȱ Constitucionalȱ funcionaȱ aindaȱ comoȱ Tribunalȱ deȱ Conflitos,ȱ poisȱ
competeȬlheȱdirimirȱconflitosȱdeȱcompetênciaȱentreȱosȱórgãosȱdeȱsoberania,ȱsendoȬ
lheȱ aindaȱ cometidaȱ competênciaȱ paraȱ seȱ pronunciarȱ sobreȱ aȱ legalidadeȱ dosȱ
referendosȱparaȱalémȱdeȱumȱconjuntoȱdeȱcompetênciasȱdeȱnaturezaȱcontenciosaȱeȱnãoȱ
contenciosa,ȱrelativasȱaȱeleições.ȱȱ

Oȱart.ȱ7ºȱd)ȱdaȱLeiȱ4/2003ȱincluiȱentreȱasȱcompetênciasȱdoȱConselhoȱConstitucionalȱ
aȱ apreciaçãoȱ dosȱ recursosȱ deȱ decisõesȱ deȱ outrosȱ tribunais,ȱ oȱ queȱ significaȱ queȱ aoȱ
Conselhoȱ Constitucionalȱ competeȱ aindaȱ procederȱ àȱ fiscalizaçãoȱ sucessivaȱ concretaȱ
porȱ acção,ȱ decidindoȱ definitivamenteȱ asȱ questõesȱ deȱ inconstitucionalidadeȱ
suscitadasȱ emȱ recursoȱ interpostoȱ deȱ decisãoȱ dosȱ restantesȱ tribunais,ȱ deȱ modoȱ
difusoȱ eȱ incidental,ȱ sobreȱ asȱ quaisȱ prevalecemȱ asȱ decisõesȱ doȱ Conselhoȱ
Constitucionalȱcomoȱexpressamenteȱdeterminaȱoȱart.ȱ4ºȱdaȱLeiȱ4/2003.ȱȱȱ

160
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

EmȱsedeȱdeȱfiscalizaçãoȱconcretaȱdaȱconstitucionalidadeȱoȱConselhoȱé,ȱpois,ȱoȱórgãoȱ
queȱ concentraȱ aȱ competênciaȱ paraȱ decidirȱ emȱ termosȱ definitivosȱ aȱ questãoȱ daȱ
inconstitucionalidadeȱouȱilegalidadeȱsuscitadaȱ(cfȱart.ȱ73ºȱnº1ȱLeiȱ4/2003).ȱȱ

OȱConselhoȱConstitucionalȱtemȱaindaȱcompetênciaȱregulamentarȱinternaȱeȱoutrasȱ
competênciasȱ instrumentaisȱ comȱ vistaȱ aoȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funções,ȱ queȱ lheȱ sãoȱ
reconhecidasȱpeloȱart.ȱ25ºȱdaȱLeiȱ4/2003.ȱȱ
ȱ
2.2.4.3.1.ȱ–ȱComposiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ
ȱ
Composição.ȱȱ

OȱConselhoȱConstitucionalȱéȱumȱsó,ȱcomȱjurisdiçãoȱemȱtodaȱaȱordemȱjurídicaȱdaȱ
RepúblicaȱdeȱMoçambique,ȱeȱtemȱaȱsuaȱsedeȱemȱMaputo.ȱȱ
OȱConselhoȱConstitucionalȱéȱcompostoȱporȱseteȱjuízesȱconselheiros:ȱȱ

–ȱOȱPresidenteȱdoȱConselhoȱConstitucional,ȱqueȱéȱindicadoȱpeloȱPresidenteȱdaȱRepúblicaȱ
eȱsubsequentementeȱratificadoȱpelaȱAssembleiaȱdaȱRepúblicaȱ(AR);ȱȱ
–ȱcincoȱjuízesȱdesignadosȱpelaȱAssembleiaȱdaȱRepública;ȱȱ
–ȱumȱjuizȱcooptadoȱpelosȱcincoȱjuízesȱdesignadosȱpelaȱAR.ȱȱ
ȱ
Sóȱ podemȱ serȱ designadosȱ juízesȱ doȱ Conselhoȱ constitucionalȱ cidadãosȱ
moçambicanosȱ comȱ licenciaturaȱ emȱ direitoȱ –ȱ reconhecidaȱ oficialmenteȱ emȱ
Moçambiqueȱ –ȱ ouȱ juízesȱ dosȱ restantesȱ tribunais,ȱ queȱ tenhamȱ exercidoȱ
ininterruptamenteȱumaȱprofissãoȱjurídicaȱdurante,ȱpeloȱmenos,ȱ10ȱanosȱ(art.ȱ9ȱdaȱ
Leiȱ4/2003).ȱȱ

Aȱ Leiȱ nãoȱ estabelece,ȱ porém,ȱ outrasȱ limitaçõesȱ ouȱ requisitos,ȱ peloȱ queȱ seȱ afiguraȱ
queȱ osȱ juízesȱ podemȱ provirȱ deȱ qualquerȱ dasȱ categoriasȱ deȱ tribunaisȱ
constitucionalmenteȱ previstasȱ eȱ deȱ entreȱ quaisquerȱ categoriasȱ deȱ juízes,ȱ
independentementeȱdaȱhierarquiaȱdoȱtribunalȱondeȱtenhamȱprestadoȱserviço.ȱȱ

Aȱ títuloȱ transitório,ȱ aȱ Leiȱ 4/2003ȱ deȱ 21ȱ deȱ Janeiroȱ determina,ȱ porém,ȱ queȱ oȱ
Conselhoȱ seráȱ compostoȱ apenasȱ porȱ 5ȱ membrosȱ duranteȱ umȱ períodoȱ queȱ podeȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
irȱ atéȱ 18ȱ meses,ȱ sendoȱ trêsȱ osȱ membrosȱ aȱ designarȱ pelaȱ ARȱ emȱ vezȱ deȱ cincoȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
(art.ȱ203º).ȱȱ

OȱmandatoȱdosȱjuízesȱdoȱConselhoȱConstitucionalȱéȱdeȱcincoȱanosȱrenovávelȱporȱ
umaȱ únicaȱ vezȱ eȱ gozamȱ osȱ mesmosȱ dasȱ garantiasȱ daȱ independência,ȱ
inamovibilidadeȱ eȱ irresponsabilidade,ȱ sendoȬlhesȱ aindaȱ aplicávelȱ oȱ regimeȱ dosȱ
impedimentos,ȱ incompatibilidadesȱ eȱ garantiasȱ reconhecidasȱ noȱ estatutoȱ dosȱ
MagistradosȱJudiciaisȱ(aprovadoȱpelaȱLeiȱ10/91ȱdeȱ30ȱdeȱJulho,ȱlembremoȬlo),ȱparaȱ
oȱqualȱremeteȱaȱLeiȱ4/2003.ȱȱ

161
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Paraȱ alémȱ disso,ȱ estaȱ Leiȱ atribuiȬlhesȱ direitoȱ aȱ honras,ȱ direitos,ȱ categorias,ȱ
tratamento,ȱ vencimentosȱ eȱ regaliasȱ iguaisȱ aosȱ dosȱ juízesȱ doȱ Tribunalȱ Supremo,ȱ
competindoȱ exclusivamenteȱ aoȱ Conselhoȱ Constitucionalȱ oȱ exercícioȱ doȱ poderȱ
disciplinarȱ sobreȱ osȱ seusȱ juízes,ȱ osȱ quaisȱ gozam,ȱ emȱ reforçoȱ daȱ garantiasȱ deȱ
independência,ȱ doȱ direitoȱ àȱ estabilidadeȱ noȱ empregoȱ (art.ȱ 23º)ȱ poisȱ aȱ suaȱ nomeaçãoȱ
nãoȱéȱvitalíciaȱeȱestáȱmesmoȱsujeitaȱaoȱperíodoȱdeȱduraçãoȱmáximaȱaludido.ȱȱ

AoȱPresidenteȱdoȱConselhoȱConstitucionalȱcompeteȱ(art.ȱ26º),ȱrepresentarȱoȱTribunal,ȱ
presidirȱ eȱ dirigirȱasȱ sessõesȱ respectivas,ȱ superintenderȱ naȱ gestãoȱeȱ administraçãoȱ
doȱConselho,ȱpresidirȱàsȱsessõesȱdeȱvalidaçãoȱeȱproclamaçãoȱdosȱresultadosȱfinaisȱ
dosȱprocessosȱeleitoraisȱeȱexercerȱasȱdemaisȱfunçõesȱatribuídasȱporȱlei.ȱ

Nasȱ suasȱ faltasȱ eȱ impedimentosȱ oȱ Presidenteȱ seráȱ substituídoȱ peloȱ juizȱ doȱ
ConselhoȱConstitucionalȱmaisȱidoso.ȱȱ

Oȱ art.ȱ 104ºȱ daȱ Leiȱ 4/2003ȱ atribuiȱ àȱ representaçãoȱ doȱ Conselhoȱ Constitucionalȱ –ȱ aȱ
cargoȱ doȱ seuȱ presidenteȱ –ȱ precedênciaȱ protocolarȱ relativamenteȱ ȱ aosȱ demaisȱ
tribunaisȱ(ȱsic).ȱȱ
ȱ
Funcionamento.ȱȱ
ȱ
Oȱ CCȱ funcionaȱ emȱ sessõesȱ plenárias,ȱ exigindoȬseȱ aȱ presençaȱ daȱ maioriaȱ dosȱ
respectivosȱmembrosȱemȱefectividadeȱdeȱfunções,ȱincluindoȱoȱPresidenteȱouȱoȱseuȱ
substitutoȱ (art.ȱ 28º),ȱ sendoȱ asȱ deliberaçõesȱ tomadasȱ àȱ pluralidadeȱ deȱ votos,ȱ deȱ
acordoȱ comȱ oȱ princípioȱ umȱ homemȱ umȱ voto,ȱ emboraȱ oȱ Presidenteȱ disponhaȱ ȱ deȱ
votoȱdeȱqualidade.ȱȱȱȱ

Aȱ distribuiçãoȱ deȱ processosȱ éȱ feitaȱ equitativamenteȱ entreȱ todosȱ osȱ juízes,ȱ semȱ
contarȱcomȱoȱpresidenteȱdoȱConselhoCconstitucionalȱaȱquemȱnãoȱsãoȱdistribuídosȱ
processosȱparaȱrelatarȱ(art.ȱ40º),ȱdeȱacordoȱcomȱasȱseguintesȱespéciesȱprocessuais,ȱ
indicadasȱnoȱart.ȱ39ºȱdaȱLeiȱ4/2003:ȱȱ

–ȱprocessosȱdeȱfiscalizaçãoȱpreventivaȱdaȱconstitucionalidadeȱeȱlegalidadeȱdasȱpropostasȱ
deȱreferendoȱnacional;ȱȱ
–ȱprocessosȱdeȱfiscalizaçãoȱabstractaȱdaȱconstitucionalidadeȱouȱlegalidade;ȱȱȱ
–ȱrecursos;ȱȱ
–ȱreclamações;ȱȱȱ
–ȱoutrosȱprocessos.ȱȱȱ

Sãoȱ publicadasȱ naȱ 1ªsérieȬAȱ doȱ Boletimȱ daȱ Repúblicaȱ asȱ decisõesȱ doȱ Conselhoȱ
Constitucionalȱqueȱdeclaremȱaȱinconstitucionalidadeȱouȱilegalidadeȱdeȱquaisquerȱ
actosȱ normativos;ȱ queȱ julguemȱ aȱ inconstitucionalidadeȱ eȱ aȱ ilegalidadeȱ deȱ
quaisquerȱactosȱnormativos,ȱemȱrecursoȱdasȱdecisõesȱdeȱoutrosȱtribunais;ȱemȱqueȱ

162
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

seȱ aprecieȱ aȱ constitucionalidadeȱ eȱ aȱ legalidadeȱ dasȱ propostasȱ deȱ referendoȱ


nacionalȱ eȱ emȱ queȱ seȱ dirimamȱ conflitosȱ deȱ competênciasȱ entreȱ órgãosȱ públicos.ȱ
Sãoȱ publicadasȱ naȱ 2ªȱ sérieȱ doȱ Boletimȱ daȱ Repúblicaȱ asȱ demaisȱ deliberaçõesȱ doȱ
Conselho,ȱ salvoȱ asȱ deȱ naturezaȱ meramenteȱ interlocutóriaȱ ouȱ simplesmenteȱ
repetitivasȱdeȱoutrasȱanteriores.ȱȱ

2.2.4.4.ȱ–ȱOȱTribunalȱSupremoȱeȱdemaisȱtribunaisȱjudiciais.ȱȱ

Osȱtribunaisȱjudiciaisȱconstituemȱaȱjurisdiçãoȱcomum,ȱpoisȱsãoȱdaȱsuaȱcompetênciaȱ
asȱcausasȱqueȱnãoȱseȱencontremȱatribuídasȱaȱjurisdiçãoȱespecialȱ(art.ȱ24ºȱdaȱLOTJ).ȱȱ

Comoȱ foiȱ aludidoȱ supraȱ aȱ propósitoȱ dasȱ categoriasȱ deȱ tribunais,ȱ osȱ tribunaisȱ
judiciaisȱ sãoȱ integradosȱ peloȱ Tribunalȱ Supremo,ȱ osȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ deȱ
Provínciaȱ eȱ osȱ Tribunaisȱ Judiciaisȱ deȱ Distrito,ȱ numȱ complexoȱ orgânicoȱ queȱ osȱ
relacionaȱeȱorganizaȱcomoȱumaȱverdadeiraȱordem.ȱȱ

Osȱ tribunaisȱ judiciaisȱ organizamȬseȱ emȱ funçãoȱ daȱ hierarquiaȱ paraȱ efeitosȱ deȱ
recursoȱdasȱsuasȱdecisões,ȱcomoȱéȱcorrente,ȱmasȱtambém,ȱnosȱtermosȱdoȱart.ȱ23ºȱdaȱ
LOTJ,ȱparaȱefeitosȱdeȱorganizaçãoȱdoȱaparelhoȱjudicialȱ(vdȱinfra)),ȱoȱqueȱintroduzȱumaȱ
notaȱ peculiarȱ emȱ termosȱ deȱ organizaçãoȱ judiciária,ȱ capazȱ deȱ suscitarȱ dúvidasȱ doȱ
pontoȱdeȱvistaȱdaȱindependênciaȱdosȱtribunaisȱnãoȱsóȱemȱfaceȱdosȱoutrosȱpoderesȱ
doȱEstadoȱmasȱtambémȱdasȱrelaçõesȱentreȱosȱprópriosȱtribunais,ȱcomoȱvimosȱsupraȱ
aȱpropósitoȱdasȱgarantiasȱdeȱindependênciaȱdosȱtribunais.ȱȱ
ȱ
2.2.4.4.1.ȱ–ȱOȱTribunalȱSupremo.ȱȱ

Paraȱ alémȱ doȱ exercícioȱ deȱ funçõesȱ jurisdicionaisȱ éȱ aindaȱ cometidaȱ aoȱ Tribunalȱ
Supremoȱ aȱ direcçãoȱ doȱ aparelhoȱ judiciário,ȱ deȱ carizȱ maisȱ políticoȱ eȱ administrativo,ȱ
porquantoȱ encerraȱ poderesȱ comoȱ oȱ deȱ estabelecerȱ osȱ princípiosȱ orientadoresȱ doȱ
desenvolvimentoȱ daȱ actividadeȱ judicial,ȱ avaliarȱ aȱ eficáciaȱ daȱ actividadeȱ judicial,ȱ aprovarȱ
estudosȱ sobreȱ medidasȱ legislativasȱ aȱ proporȱ relacionadasȱ comȱ oȱ aumentoȱ daȱ eficáciaȱ eȱ oȱ
aperfeiçoamentoȱdasȱinstituiçõesȱjudiciáriasȱou,ȱainda,ȱaprovarȱoȱregimentoȱinternoȱdestes,ȱ
bemȱ comoȱ emitirȱ instruçõesȱ eȱ directivasȱ deȱ carácterȱ organizativoȱ eȱ metodológico,ȱ deȱ
cumprimentoȱ obrigatórioȱ paraȱ osȱ tribunaisȱ deȱ escalãoȱ inferior,ȱ aȱ fimȱ deȱ assegurarȱ aȱ suaȱ
operacionalidadeȱeȱaȱeficiênciaȱnaȱadministraçãoȱdaȱjustiça.ȱ–ȱart.sȱ70ºȱeȱ13º,ȱdaȱLOTJ.ȱȱ

CuidarȬseȬáȱ apenasȱ dasȱ competênciasȱ deȱ naturezaȱ jurisdicional,ȱ remetendoȬseȱ


integralmenteȱparaȱoȱtextoȱdosȱart.sȱ65ºȱ74ºȱoȱqueȱrespeitaȱàsȱfunçõesȱdeȱdirecçãoȱ
doȱaparelhoȱjudiciário.ȱȱ

Composição,ȱestruturaȱeȱfuncionamento.ȱȱ

Oȱ Supremoȱ Tribunalȱ éȱ oȱ maisȱ altoȱ órgãoȱ judicialȱ eȱ temȱ jurisdiçãoȱ emȱ todoȱ oȱ
territórioȱnacional,ȱcomȱsedeȱnaȱcapitalȱdoȱPaís.ȱȱ

163
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Éȱ constituídoȱ peloȱ Presidente,ȱ umȱ ViceȬPresidente,ȱ umȱ mínimoȱ deȱ seteȱ juízesȱ
profissionais,ȱnoveȱjuízesȱeleitosȱefectivosȱeȱoitoȱjuízesȱeleitosȱsuplentes.ȱȱ

Osȱ juízesȱ profissionaisȱ sãoȱ nomeadosȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ República,ȱ ouvidoȱ oȱ
Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ Judicialȱ eȱ osȱ juízesȱ eleitosȱ sãoȬnoȱ pelaȱ
AssembleiaȱdaȱRepúblicaȱdeȱentreȱcidadãosȱmoçambicanosȱcomȱidadeȱsuperiorȱaȱ
35ȱ anosȱ (art.ȱ 170ºȱ daȱ CRM),ȱ deȱ acordoȱ comȱ asȱ regrasȱ estabelecidasȱ nosȱ art.ȱ 78ºȱ eȱ
79º,ȱdaȱLOTJ.ȱȱ

Aȱ Constituiçãoȱ limita,ȱ porém,ȱ osȱ poderesȱ deȱ cogniçãoȱ dosȱ juízesȱ eleitos,ȱ
determinandoȱ queȱ nosȱ julgamentosȱaȱmatériaȱ deȱ direitoȱ éȱsempreȱ decididaȱ pelosȱ
juízesȱprofissionaisȱeȱqueȱosȱjuízesȱeleitosȱapenasȱparticipamȱnosȱjulgamentosȱemȱ
primeiraȱinstânciaȱ(art.ȱ171º).ȱȱ
ȱ
Estruturaȱeȱfuncionamentoȱȱ
ȱ
OȱTribunalȱSupremoȱconheceȱduasȱmodalidadesȱdeȱfuncionamentoȱ(art.ȱ170ºȱdaȱCRM):ȱȱ

–ȱEmȱplenário,ȱcomoȱtribunalȱdeȱsegundaȱinstânciaȱeȱdeȱinstânciaȱúnica.ȱȱ
–ȱEmȱsecções,ȱcomoȱtribunalȱdeȱprimeiraȱeȱsegundaȱinstância.ȱȱ
ȱ
Funcionandoȱcomoȱtribunalȱdeȱsegundaȱinstância,ȱoȱplenárioȱdoȱTribunalȱSupremoȱ
éȱconstituídoȱpeloȱPresidente,ȱViceȬPresidenteȱeȱJuízesȱprofissionais;ȱaoȱfuncionarȱ
comoȱ tribunalȱ deȱ instânciaȱ únicaȱ éȱ constituídoȱ peloȱ Presidente,ȱ ViceȬPresidente,ȱ
juízesȱprofissionaisȱeȱjuízesȱeleitosȱ(art.ȱ32ºȱdaȱLOTJ).ȱȱ

Emȱ qualquerȱ dosȱ casos,ȱ oȱ plenárioȱ sóȱ poderáȱ deliberarȱ estandoȱ presentesȱ doisȱ
terçosȱdosȱseusȱmembros.ȱȱ

Asȱsecções,ȱfuncionandoȱcomoȱtribunalȱdeȱ1ªȱinstância,ȱsãoȱcompostasȱporȱumȱmínimoȱ
deȱdoisȱjuízesȱeleitosȱeȱumȱmínimoȱdeȱdoisȱjuízesȱprofissionais.ȱNesteȱasoȱaȱsecçãoȱ
nãoȱpodeȱdeliberarȱsemȱqueȱestejamȱpresentesȱdoisȱjuízesȱprofissionaisȱeȱumȱeleito.ȱȱ

Quandoȱfuncioneȱcomoȱinstânciaȱdeȱrecursoȱ(2ªȱinstância)ȱseráȱconstituídaȱporȱumȱ
mínimoȱdeȱdoisȱjuízesȱprofissionais.ȱȱ

Cadaȱ secçãoȱ éȱ presididaȱ peloȱ juizȱ profissionalȱ maisȱ antigo,ȱ atribuindoȱ aȱ leiȱ aosȱ
Presidentesȱ deȱ Secçãoȱ competênciaȱ paraȱ dirigirȱ asȱ sessõesȱ deȱ julgamentoȱ (semȱ
prejuízoȱdaȱpossibilidadeȱdeȱserȱoȱJuizȱPresidenteȱdoȱTribunalȱSupremoȱaȱfazêȬlo),ȱ
paraȱ alémȱ deȱ poderesȱ deȱ naturezaȱ administrativaȱ eȱ doȱ exercícioȱ daȱ acçãoȱ
disciplinarȱsobreȱosȱfuncionáriosȱdoȱcartórioȱ(vdȱinfra).ȱȱ

Oȱ art.ȱ 37ºȱ daȱ LOTJȱ remeteȱ paraȱ oȱ regimentoȱ internoȱ doȱ Tribunalȱ Supremoȱ aȱ
competênciaȱparaȱfixarȱaȱespecializaçãoȱdeȱcompetências.ȱȱ

164
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Competênciasȱȱ

a)ȱDoȱplenário,ȱemȱ2ªȱinstânciaȱ(ȱart.ȱ33ºȱdaȱLOTJ).ȱȱ

AȱLeiȱatribuiȱaoȱPlenárioȱdoȱTribunalȱSupremoȱasȱseguintesȱcompetências,ȱentreȱoutras:ȱȱ

–ȱ Uniformizarȱ aȱ jurisprudência,ȱ nosȱ casosȱ deȱ decisõesȱ contraditóriasȱ nasȱ váriasȱ


instânciasȱdoȱTribunalȱSupremo;ȱȱ
–ȱdecidirȱconflitosȱdeȱjurisdiçãoȱentreȱosȱtribunaisȱeȱoutrasȱautoridades,ȱoperandoȱ
comoȱumȱverdadeiroȱtribunalȱdeȱconflitos,ȱȱeȱdecidirȱconflitosȱdeȱcompetênciaȱ;ȱȱ
–ȱjulgarȱemȱúltimaȱinstânciaȱeȱemȱmatériaȱdeȱdireitoȱ(comoȱtribunalȱdeȱrevista)ȱosȱ
recursosȱinterpostosȱdasȱdecisõesȱproferidasȱnasȱdiversasȱjurisdiçõesȱprevistasȱnaȱlei;ȱȱ
–ȱ julgarȱ osȱ recursosȱ dasȱ decisõesȱ proferidasȱ emȱ 1ªȱ instânciaȱ pelasȱ secçõesȱ doȱ
TribunalȱSupremo.ȱȱ

b)ȱDoȱplenárioȱemȱinstânciaȱúnica.ȱȱ

Funcionandoȱemȱinstânciaȱúnica,ȱcompeteȱaoȱplenárioȱdoȱTribunalȱSupremoȱ(art.ȱ
34ºȱdaȱLOTJ):ȱȱ

–ȱ julgarȱ processosȱ crimeȱ instauradosȱ contraȱ oȱ Presidenteȱ daȱ Repúblicaȱ eȱ outrosȱ


titularesȱdeȱcargosȱpolíticos;ȱȱ
–ȱjulgarȱprocessosȱcrimeȱinstauradosȱcontraȱjuízesȱprofissionaisȱdoȱTribunalȱSupremoȱ
eȱoutrosȱmagistradosȱreferidosȱnaȱlei,ȱbemȱcomoȱpedidosȱcíveisȱdeȱindemnizaçãoȱ
contraȱ Juízesȱ doȱ Tribunalȱ Supremoȱ eȱ outrosȱ magistrados,ȱ porȱ actosȱ praticadosȱ
noȱexercícioȱdasȱsuasȱfunções.ȱȱȱ

c)ȱDasȱsecçõesȱemȱ1ªȱinstância.ȱȱ

Àsȱsecções,ȱcomoȱtribunalȱdeȱ1ªȱinstância,ȱcompete:ȱȱ

–ȱJulgarȱprocessosȱcrimeȱcontraȱdeputadosȱdaȱAssembleiaȱdaȱRepública,ȱmembrosȱ
doȱConselhoȱdeȱMinistrosȱeȱoutrosȱtitularesȱdeȱcargosȱpolíticosȱmencionadosȱnoȱ
art.ȱ39ºȱdaȱLOTJ;ȱȱ
–ȱ Julgarȱ processosȱ crimeȱ contraȱ juízesȱ profissionaisȱ eȱ juízesȱ eleitosȱ deȱ Tribunaisȱ
Judiciaisȱ deȱ Provínciaȱ eȱ magistradosȱ doȱ MPȱ juntoȱ dosȱ mesmosȱ tribunais,ȱ eȱ
pedidosȱ deȱ indemnizaçãoȱ cívelȱ contraȱ magistradosȱ colocadosȱ nessesȱ mesmosȱ
tribunaisȱporȱactosȱrelacionadosȱcomȱoȱexercícioȱdeȱfunções.ȱȱ

d)ȱDasȱsecçõesȱemȱ2ªȱinstância.ȱȱ

Àsȱsecções,ȱcomoȱtribunalȱdeȱ2ªȱinstância,ȱcompete:ȱȱ
–ȱ Julgarȱ emȱ matériaȱ deȱ factoȱ eȱ deȱ direitoȱ osȱ recursosȱ aȱ interporȱ paraȱ oȱ Tribunalȱ
Supremo;ȱȱ

165
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

–ȱDecidirȱosȱconflitosȱdeȱcompetênciaȱentreȱosȱTribunaisȱdeȱProvínciaȱeȱestesȱeȱosȱ
TribunaisȱDistritais,ȱordenarȱaȱsuspensãoȱdeȱsentençasȱproferidasȱporȱtribunaisȱ
deȱescalãoȱinferiorȱporȱseremȱmanifestamenteȱinjustasȱouȱilegais;ȱȱ
–ȱ Conhecerȱ osȱ pedidosȱ deȱ habeasȱ corpusȱ eȱ decidirȱ asȱ demaisȱ questõesȱ aȱ queȱ seȱ
refereȱoȱart.ȱ38ºȱdaȱLOTJ.ȱȱ
ȱ
2.2.4.4.2.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱJudiciaisȱdeȱProvíncia.ȱȱ
ȱ
OsȱTribunaisȱJudiciaisȱdeȱProvínciaȱsãoȱtribunaisȱintermédiosȱcujaȱáreaȱterritorialȱ
deȱjurisdiçãoȱcorrespondeȱàȱáreaȱterritorialȱdaȱprovínciaȱeȱdaȱcidadeȱcapital.ȱEstesȱ
Tribunaisȱ podem,ȱ àȱ imagemȱ dasȱ secçõesȱ doȱ Tribunalȱ Supremo,ȱ funcionarȱ comoȱ
tribunaisȱ deȱ 1ªȱ Instânciaȱ quantoȱ aȱ determinadasȱ matériasȱ ouȱ comoȱ tribunalȱ deȱ
recursoȱrelativamenteȱàsȱdecisõesȱproferidasȱpelosȱtribunaisȱdeȱescalãoȱinferior,ȱosȱ
TribunaisȱdeȱDistrito.ȱȱ
ȱ
Composição,ȱestruturaȱeȱFuncionamento.ȱȱ
ȱ
Quandoȱ funcionaȱ comoȱ tribunalȱ deȱ segundaȱ instância,ȱ éȱ compostoȱ porȱ 3ȱ juízesȱ
profissionais.ȱȱȱ

Comoȱtribunalȱdeȱ1ªȱinstância,ȱcompõeȬseȱdeȱumȱjuizȱprofissionalȱeȱquatroȱjuízesȱeleitos.ȱȱ

Osȱ Tribunaisȱ deȱ Provínciaȱ têmȱ oȱ seuȱ JuizȬPresidenteȱ eȱ nosȱ casosȱ emȱ queȱ estejaȱ
organizadoȱemȱsecções,ȱestasȱdispõemȱigualmenteȱdoȱrespectivoȱJuizȬPresidente.ȱȱ
ȱ
Competências.ȱȱ
ȱ
Funcionandoȱcomoȱtribunalȱdeȱ1ªȱinstância,ȱoȱtribunalȱdeȱprovínciaȱé,ȱemȱmatériaȱ
cívelȱ eȱ criminal,ȱ oȱ tribunalȱ comumȱ naȱ suaȱ áreaȱ deȱ jurisdição,ȱ porȱ teremȱ
competênciaȱ paraȱ todasȱ asȱ causasȱ daquelaȱ naturezaȱ queȱ nãoȱ seȱ encontremȱ
atribuídasȱ aȱ outrosȱ tribunais.ȱ Paraȱ alémȱ dissoȱ competeȬlhesȱ aindaȱ conhecerȱ deȱ
causasȱdeȱnaturezaȱcívelȱouȱcriminalȱcontraȱmagistradosȱ(juízesȱeȱmagistradosȱdoȱ
MP)ȱcolocadosȱnosȱtribunaisȱdeȱescalãoȱinferior.ȱȱ

Emȱ segundaȱ instância,ȱ oȱ Tribunalȱ deȱ Provínciaȱ conheceȱ dosȱ recursosȱ interpostosȱ
dasȱ decisõesȱ dosȱ Tribunaisȱ deȱ Distritoȱ eȱ outrosȱ que,ȱ porȱ lei,ȱ lheȱ devamȱ serȱ
submetidos,ȱ eȱ aindaȱ dosȱ conflitosȱ deȱ competênciaȱ entreȱ tribunaisȱ judiciaisȱ deȱ
distritoȱdaȱsuaȱáreaȱdeȱjurisdição.ȱȱ

Oȱ Juizȱ Presidenteȱ doȱ Tribunalȱ deȱ Provínciaȱ temȱ umȱ conjuntoȱ deȱ competênciasȱ
decalcadas,ȱemȱboaȱparte,ȱdasȱcompetênciasȱdoȱJuizȱPresidenteȱdoȱTribunalȱSupremo,ȱ
emboraȱcomȱreferênciaȱaoȱseuȱescalonamentoȱnaȱhierarquiaȱdosȱtribunaisȱjudiciais.ȱȱ

166
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

2.2.4.4.3.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱJudiciaisȱdeȱDistrito.ȱȱ
ȱ
Estesȱ tribunaisȱ exercemȱ jurisdiçãoȱ naȱ áreaȱ territorialȱ doȱ distritoȱ eȱ dividemȬseȱ emȱ
tribunaisȱdeȱ1ªȱclasseȱeȱdeȱ2ªȱclasse.ȱȱ

Composição,ȱestruturaȱeȱfuncionamento.ȱȱ

Oȱ Tribunalȱ deȱ Distritoȱ éȱ integradoȱ porȱ umȱ presidente,ȱ queȱ seráȱ umȱ juizȱ
profissional,ȱ eȱ porȱ juízesȱ eleitos.ȱ Quandoȱ oȱ tribunalȱ seȱ encontreȱ organizadoȱ emȱ
secçãoȱintegraráȱ aindaȱ osȱrespectivosȱ presidentes.ȱ Doȱ pontoȱ deȱ vistaȱfuncional,ȱoȱ
tribunalȱdeȱdistritoȱfuncionaȱemȱtribunalȱcolectivoȱnaȱrealizaçãoȱdosȱjulgamentos,ȱ
oȱqualȱéȱconstituídoȱporȱumȱjuizȱprofissionalȱeȱquatroȱjuízesȱeleitos.ȱȱ

Competências.ȱȱ

Aosȱ Tribunaisȱ deȱ Distritoȱ deȱ 1ªȱ Classeȱ compete,ȱ emȱ matériaȱ cível,ȱ julgarȱ asȱ
questõesȱrespeitantesȱaȱrelaçõesȱfamiliaresȱeȱjulgarȱacçõesȱcujoȱvalorȱnãoȱexcedaȱ1ȱ
500ȱ000ȱMT;ȱemȱmatériaȱcriminal,ȱjulgamȱasȱacçõesȱnãoȱatribuídasȱaȱoutrosȱtribunaisȱ
desdeȱqueȱaoȱcrimeȱnãoȱcorrespondaȱpenaȱsuperiorȱaȱ8ȱanosȱdeȱprisão.ȱȱ

Osȱ Tribunaisȱ deȱ Distritoȱ deȱ 2ªȱ classe,ȱ têmȱ competênciaȱ para,ȱ emȱ matériaȱ cível,ȱ
decidirȱprocessosȱjurisdicionaisȱdeȱmenoresȱeȱjulgarȱacçõesȱdeȱvalorȱnãoȱsuperiorȱaȱ
1ȱ 000ȱ 000ȱ MT;ȱ emȱ matériaȱ criminalȱ julgamȱ asȱ acçõesȱ nãoȱ atribuídasȱ aȱ outrosȱ
tribunaisȱdesdeȱqueȱaoȱcrimeȱnãoȱcorrespondaȱpenaȱsuperiorȱaȱ2ȱanosȱdeȱprisão.ȱȱ

Oȱ Juizȱ presidenteȱ doȱ Tribunalȱ tem,ȱ essencialmente,ȱ funçõesȱ administrativasȱ eȱ deȱ


representação.ȱȱ
ȱ
2.2.4.5.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱComunitáriosȱȱ
ȱ
DandoȱcumprimentoȱaoȱprincípioȱconsignadoȱnoȱCap.ȱIIIȱdaȱLOTJȱemȱmatériaȱdeȱ
conciliaçãoȱ eȱ pequenosȱ conflitos,ȱ aȱ leiȱ 4/92ȱ deȱ 6ȱ deȱ Maioȱ criouȱ osȱ Tribunaisȱ
Comunitários,ȱ paraȱ funcionaremȱ nasȱ sedesȱ deȱ postoȱ administrativoȱ ouȱ deȱ
localidade,ȱ nosȱ bairrosȱ ouȱ nasȱ aldeias.ȱ VisaȬseȱ comȱ eles,ȱ segundoȱ oȱ Preâmbuloȱ
daqueleȱ diplomaȱ legal,ȱ permitirȱ aosȱ cidadãosȱ resolverȱ pequenosȱ diferendosȱ noȱ seioȱ daȱ
comunidade,ȱcontribuindoȬseȱparaȱaȱharmonizaçãoȱdasȱdiversasȱpráticasȱdeȱjustiçaȱeȱparaȱ
oȱenriquecimentoȱdasȱregras,ȱusosȱeȱcostumes.ȱȱ

Deȱ acordoȱ comȱ oȱ art.ȱ 2ºȱ daȱ Leiȱ 4/92ȱ osȱ Tribunaisȱ Comunitáriosȱ procurarãoȱ aȱ
reconciliaçãoȱdasȱpartes,ȱnumaȱreferênciaȱqueȱnãoȱdeixaȱdeȱevocarȱosȱprincípiosȱdaȱ
denominadaȱJustiçaȱRestaurativa,ȱeȱquandoȱaquelaȱnãoȱforȱpossível,ȱjulgaráȱentãoȱ
deȱacordoȱcomȱaȱequidade,ȱoȱbomȱsensoȱeȱaȱjustiça.ȱȱ

167
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Composiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ

OsȱTribunaisȱComunitáriosȱserãoȱcompostosȱporȱ8ȱmembros,ȱsendoȱcincoȱefectivosȱ
eȱ trêsȱ suplentes,ȱ osȱ quaisȱ elegerãoȱ deȱ entreȱ siȱ umȱ presidente,ȱ oȱ qualȱ seráȱ
substituídoȱnasȱsuasȱfaltasȱeȱimpedimentosȱpeloȱmembroȱmaisȱvelho.ȱȱ

Osȱ tribunaisȱ funcionamȱ colegialmenteȱ eȱ nãoȱ podemȱ deliberarȱ semȱ queȱ estejamȱ
presentesȱpeloȱmenosȱdoisȱmembrosȱdoȱtribunalȱparaȱalémȱdoȱPresidente.ȱPodemȱ
serȱmembrosȱdosȱTribunaisȱComunitáriosȱquaisquerȱcidadãosȱnacionaisȱemȱplenoȱ
gozoȱdosȱseusȱdireitos,ȱcomȱidadeȱnãoȱinferiorȱaȱ25ȱanos,ȱosȱquaisȱsãoȱeleitosȱpelosȱórgãosȱ
representativosȱlocaisȱporȱumȱperíodoȱdeȱtrêsȱanos,ȱsendoȱpermitidaȱaȱreeleição.ȱȱ

Competênciasȱȱ

Osȱ tribunaisȱ comunitáriosȱ decidemȱ pequenosȱ conflitosȱ deȱ naturezaȱ civilȱ eȱ sobreȱ
questõesȱ emergentesȱ deȱ relaçõesȱ familiaresȱ queȱ resultemȱ deȱ uniõesȱ constituídasȱ
segundoȱosȱusosȱeȱcostumes.ȱȱ

Emȱmatériaȱcriminal,ȱcompeteȱaosȱTribunaisȱComunitáriosȱconhecerȱdeȱdelitosȱdeȱ
pequenaȱgravidade,ȱqueȱnãoȱsejamȱpassíveisȱdeȱserȱpunidosȱcomȱpenasȱprivativasȱ
daȱliberdade,ȱeȱaosȱquaisȱpossamȱserȱaplicadasȱmedidasȱdeȱdistintaȱnatureza,ȱcomoȱ
aȱ críticaȱ pública,ȱ prestaçãoȱ deȱ serviçoȱ aȱ favorȱ daȱ comunidade,ȱ multaȱ ouȱ outrasȱ
indicadasȱnoȱart.ȱ3ºȱdaȱLeiȱ4/92.ȱȱ

Quandoȱhouverȱdiscordânciaȱrelativamenteȱàȱdecisãoȱdoȱtribunal,ȱaȱquestãoȱpodeȱ
serȱ introduzidaȱ noȱ tribunalȱ judicialȱ competenteȱ porȱ iniciativaȱ deȱ qualquerȱ dasȱ
partesȱemȱmatériaȱcívelȱeȱoficiosamenteȱemȱmatériaȱcriminal.ȱȱ
ȱ
2.2.4.6.ȱ–ȱOȱTribunalȱAdministrativoȱȱȱ
ȱ
Comoȱ tivemosȱ ocasiãoȱ deȱ referir,ȱ oȱ ordenamentoȱ jurídicoȱ moçambicanoȱ acolheȱ oȱ
princípioȱ daȱ pluralidadeȱ deȱ jurisdiçõesȱ oȱ queȱ seȱ traduz,ȱ essencialmente,ȱ naȱ
adopçãoȱ doȱ modeloȱ dualistaȱ deȱ ordensȱ jurisdicionais,ȱ emȱ queȱ osȱ Tribunaisȱ
Judiciais,ȱ comoȱ tribunaisȱ deȱ jurisdiçãoȱ Comumȱ coexistemȱ comȱ oȱ Tribunalȱ
Administrativoȱque,ȱemȱtodoȱoȱcaso,ȱtemȱumȱâmbitoȱdeȱjurisdiçãoȱmaisȱamploȱdoȱ
queȱaȱsuaȱdesignaçãoȱpoderáȱsugerir.ȱȱ
ȱ
2.2.4.6.1.ȱ–ȱÂmbitoȱdeȱjurisdição.ȱȱ
ȱ
AȱfunçãoȱjurídicoȬconstitucionalȱdoȱTribunalȱAdministrativoȱencontraȬseȱdefinidaȱ
noȱ art.ȱ 173ºȱ daȱ CRM,ȱ nosȱ termosȱ doȱ qualȱ cabeȱ aoȱ tribunalȱ Administrativo,ȱ “Oȱ
controloȱdaȱlegalidadeȱdosȱactosȱadministrativosȱeȱaȱfiscalizaçãoȱdaȱlegalidadeȱdasȱdespesasȱ
públicas.”.ȱȱ

168
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Aindaȱ deȱ acordoȱ comȱ oȱ art.ȱ 173ºȱ daȱ CRMȱ aȱ suaȱ competênciaȱ funcionalȱ consiste,ȱ
nomeadamente,ȱnoȱjulgamentoȱdasȱacçõesȱqueȱtenhamȱporȱobjectoȱlitígiosȱemergentesȱdasȱ
relaçõesȱ jurídicasȱ administrativasȱ eȱ noȱ julgamentoȱ dosȱ recursosȱ contenciososȱ interpostosȱ
dasȱdecisõesȱdosȱórgãosȱdoȱEstado,ȱdosȱseusȱrespectivosȱtitularesȱeȱagentes 25 .ȱȱ

Nosȱ termosȱ doȱ art.ȱ 1ºȱ nº2ȱ daȱ Leiȱ Orgânicaȱ doȱ Tribunalȱ Administrativoȱ aprovadaȱ
pelaȱ 5/92ȱ deȱ 6ȱ deȱ Maioȱ (doravante,ȱ LOTA),ȱ competeȱ aindaȱ aoȱ Tribunalȱ
Administrativo),ȱ oȱ exercícioȱ daȱ jurisdiçãoȱ fiscalȱ eȱ aduaneira,ȱ emȱ instânciaȱ únicaȱ
ouȱemȱsegundaȱinstância.ȱȱ

Noȱ queȱ respeitaȱ àsȱ competênciasȱ doȱ tribunalȱ emȱ matériaȱ aduaneiraȱ importaȱ terȱ
presente,ȱ porém,ȱ aȱ Leiȱ nºȱ 10/2001ȱ deȱ 7ȱ deȱ Julhoȱ queȱ defineȱ aȱ competência,ȱ
organização,ȱcomposiçãoȱeȱfuncionamentoȱdosȱTribunaisȱAduaneiros.ȱȱ
ȱ
2.2.4.6.2.ȱ–ȱEstrutura,ȱcomposição,ȱfuncionamentoȱeȱcompetências.ȱȱ
ȱ ȱȱ
Estruturaȱeȱcompetências.ȱȱ
ȱ
Deȱ acordoȱ comȱ osȱ art.sȱ 2º,ȱ 11ºȱ eȱ 14º,ȱ daȱ LOTA,ȱ oȱ Tribunalȱ Administrativoȱ éȱ umȱ
tribunalȱ únicoȱ queȱ exerceȱ aȱ suaȱ jurisdiçãoȱ emȱ todoȱ oȱ territórioȱ daȱ República,ȱ
encontrandoȬseȱsedeadoȱnaȱcapitalȱdoȱPaís.ȱȱ

OȱtribunalȱestruturaȬseȱemȱfunçãoȱdoȱseuȱmodoȱdeȱfuncionamento:ȱȱ

–ȱEmȱplenário,ȱcomoȱúltimaȱinstânciaȱouȱinstânciaȱúnica;ȱȱ
–ȱEmȱsecçõesȱeȱsubsecções,ȱcomoȱtribunalȱdeȱ1ªȱinstância.ȱȱ
ȱ
Aȱ LOTAȱ (art.ȱ 3ºȱ nº2)ȱ prevêȱ aȱ constituiçãoȱ deȱ tribunaisȱ arbitraisȱ emȱ algumasȱ
matériasȱdeȱnaturezaȱadministrativa,ȱdesdeȱqueȱsejamȱpresididosȱporȱumȱjuizȱdoȱ
TribunalȱAdministrativo.ȱȱ

Oȱ Tribunalȱ Administrativoȱ divideȬseȱ emȱ trêsȱ secções,ȱ correspondendoȱ cadaȱ umaȱ


delasȱaosȱtrêsȱnúcleosȱmateriaisȱintegradosȱnoȱseuȱâmbitoȱdeȱjurisdição:ȱȱ

25ȱAȱpropósitoȱdeȱnormaȱsemelhanteȱdaȱCRPortuguesaȱeȱdoȱart.ȱ1ºȱdoȱrecenteȱETAFȱeȱasȱhipótesesȱdeȱ

leituraȱqueȱdaiȱpodemȱretirarȬseȱparaȱoȱordenamentoȱmoçambicano,ȱnoȱqueȱrespeitaȱàȱdensificaçãoȱdoȱ
objectoȱ daȱ jurisdiçãoȱ administrativa,ȱ podemȱ verȬseȱ infraȱ algumasȱ notasȱ sobreȱ aȱ Jurisdiçãoȱ
Administrativaȱ emȱ Portugalȱ eȱ nomeadamenteȱ aȱ citaçãoȱ deȱ G.ȱ Canotilhoȱ eȱ V.ȱ Moreira:ȱ 1993,ȱ p.ȱ 815,ȱ
segundoȱaȱqualȱpodemȱverȬseȱnaquelesȱnormativosȱduasȱdimensõesȱcaracterizadoras:ȱȱ
ȱ–ȱ(1)ȱasȱacçõesȱeȱrecursosȱincidemȱsobreȱrelaçõesȱjurídicasȱemȱqueȱumȱdosȱsujeitosȱéȱtitular,ȱfuncionárioȱouȱagenteȱ
deȱumȱórgãoȱdeȱpoderȱpúblicoȱ(ȱespecialmenteȱdaȱadministração);ȱȱ
–ȱ(2)ȱasȱrelaçõesȱjurídicasȱcontrovertidasȱsãoȱreguladas,ȱsobȱoȱpontoȱdeȱvistaȱmaterial,ȱpeloȱdireitoȱadministrativoȱ
ouȱ fiscal.ȱ Emȱ termosȱ negativosȱ istoȱ significaȱ queȱ nãoȱ estãoȱ aquiȱ emȱ causaȱ litígiosȱ deȱ naturezaȱ «privada»ȱ ouȱ
«jurídicoȱ civil».ȱ Emȱ termosȱ positivos,ȱ umȱ litígioȱ emergenteȱ deȱ relaçõesȱ jurídicoȬadministrativasȱ eȱ fiscaisȱ seráȱ
umaȱcontrovérsiaȱsobreȱrelaçõesȱjurídicasȱdisciplinadasȱporȱnormasȱdeȱdireitoȱadministrativoȱe/ouȱfiscal.ȱ

169
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

–ȱ1ªȱSecção,ȱaȱqueȱcorrespondeȱaȱáreaȱdoȱcontenciosoȱadministrativo;ȱȱ
–ȱ2ªȱsecção,ȱaȱqueȱcorrespondeȱaȱáreaȱdoȱcontenciosoȱfiscalȱeȱaduaneiro;ȱȱ
–ȱ 3ªȱ secção,ȱ aȱ queȱ correspondeȱ aȱ áreaȱ deȱ fiscalizaçãoȱ dasȱ despesasȱ públicasȱ eȱ doȱ
visto.ȱȱEstaȱdivideȬseȱem:ȱȱ
–ȱ1ªȱsubsecção,ȱaȱqueȱcorrespondeȱaȱáreaȱdasȱdespesasȱpúblicas;ȱȱ
–ȱaȱ2ªȱsubsecção,ȱaȱqueȱcorrespondeȱaȱáreaȱdoȱvisto.ȱȱ

Aȱ cadaȱ umaȱ destasȱ secçõesȱ competeȱ conhecerȱ dasȱ acçõesȱ eȱ recursos,ȱ


correspondentesȱaȱcadaȱumaȱdasȱmatériasȱqueȱaȱLOTAȱenumera,ȱrespectivamente,ȱ
nosȱart.sȱ25º,ȱ27ºȱeȱ30ºaȱ33ºȱ(despesasȱpúblicasȱeȱvisto).ȱȱ

AoȱPlenárioȱdoȱTribunalȱAdministrativoȱcompeteȱconhecerȱdosȱrecursosȱdosȱactosȱ
administrativosȱouȱemȱmatériaȱadministrativaȱpraticadosȱporȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱ
ouȱseusȱtitularesȱeȱdosȱdemaisȱenumeradosȱnasȱalíneasȱb),ȱd)ȱ,ȱf)ȱeȱg)ȱdoȱart.ȱ23ºȱdaȱ
LOTA,ȱ dosȱ conflitosȱ deȱ jurisdiçãoȱ entreȱ asȱ secçõesȱ doȱ tribunalȱ eȱ qualquerȱ
autoridadeȱadministrativa,ȱfiscalȱouȱaduaneira.ȱȱ

Emȱ qualquerȱ dasȱ suasȱ formações,ȱ oȱ Tribunalȱ Administrativoȱ conheceȱ deȱ matériaȱ
deȱfactoȱeȱdeȱdireito.ȱȱ

Oȱ Tribunalȱ Administrativoȱ éȱ aindaȱ integradoȱ peloȱ seuȱ Presidente,ȱ oȱ qualȱ éȱ


nomeadoȱ porȱ actoȱ doȱ Presidenteȱ daȱ República,ȱ ratificadoȱ pelaȱ Assembleiaȱ daȱ
República,ȱ sendoȱ oȱ cargoȱ exercidoȱ porȱ umȱ períodoȱ deȱ cincoȱ anos,ȱ passívelȱ deȱ
recondução.ȱ Oȱ Presidenteȱ éȱ substituídoȱ peloȱ juizȱ maisȱ antigoȱ noȱ exercícioȱ dasȱ
respectivasȱ funções.ȱ Oȱ Presidenteȱ temȱ funçõesȱ deȱ representaçãoȱ doȱ Tribunalȱ eȱ
funçõesȱjurisdicionaisȱrelativamenteȱamplas,ȱpoisȱpresideȱàsȱsessões,ȱrelataȱeȱvotaȱ
osȱacórdãosȱeȱpodeȱintervirȱnosȱjulgamentosȱporȱfaltaȱdeȱjuízes.ȱȱ

Composiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ

Oȱ plenárioȱ éȱ constituídoȱ peloȱ presidenteȱ doȱ Tribunalȱ eȱ porȱ todosȱ osȱ juízesȱ emȱ
exercício,ȱ tendoȱ aqueleȱ votoȱ deȱ qualidade.ȱ Aȱ distribuiçãoȱ deȱ processosȱ éȱ feitaȱ
equitativamenteȱ porȱ todosȱ osȱ juízes,ȱ incluindoȱ oȱ presidente,ȱ noȱ exercícioȱ deȱ
funçõesȱjurisdicionais.ȱȱ

Paraȱapreciarȱasȱmatériasȱenumeradasȱnoȱart.ȱ25ºȱaȱ1ªȱsecçãoȱéȱconstituídaȱporȱtrêsȱ
juízes,ȱsendoȱumȱdelesȱoȱtitularȱdaȱsecçãoȱ(art.ȱ26º),ȱvalendoȱregraȱidênticaȱparaȱaȱ
2ªȱsecçãoȱ(art.ȱ28º).ȱȱ

Aȱ 3ªȱ secção,ȱ noȱ julgamentoȱ doȱ processoȱ deȱ contas,ȱ éȱ constituídaȱ porȱ trêsȱ juízes,ȱ
sendoȱumȱdelesȱoȱtitular;ȱnaȱapreciaçãoȱdosȱprocessosȱsubmetidosȱaȱvisto,ȱaȱsecçãoȱ
funcionaȱ apenasȱ comȱ umȱ dosȱ juízes,ȱ queȱ podeȱ apresentarȱ oȱ processoȱ paraȱ
julgamentoȱdaȱquestão,ȱquandoȱtiverȱdúvidas,ȱaoȱqueȱpodemosȱchamarȱoȱplenoȱdaȱ
secção,ȱconstituídoȱpelosȱtrêsȱjuízesȱqueȱaȱcompõemȱ(art.ȱ33º).ȱȱ

170
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

2.2.4.7ȱ–ȱOsȱTribunaisȱAduaneirosȱȱ
ȱ
OsȱTribunaisȱAduaneirosȱconstituemȱumaȱdasȱcategoriasȱouȱespéciesȱdeȱtribunaisȱ
mencionadasȱnoȱart.ȱ167ºȱdaȱCRMȱeȱrelativamenteȱaosȱquaisȱoȱseuȱart.ȱ175ºȱremeteȱ
paraȱ aȱ leiȱ ordináriaȱ aȱ competência,ȱ organização,ȱ composiçãoȱ eȱ funcionamento;ȱ éȱ
esteȱ oȱ objectoȱ daȱ Leiȱ 10/2001ȱ deȱ 7ȱ deȱ Julho,ȱ Leiȱ dosȱ Tribunaisȱ Aduaneirosȱ
(doravanteȱLTA).ȱȱ
ȱ
2.2.4.7.1.ȱ–ȱÂmbitoȱdeȱJurisdiçãoȱeȱEstrutura.ȱȱ

Aosȱ Tribunaisȱ Aduaneirosȱ competeȱ julgarȱ asȱ infracçõesȱ eȱ dirimirȱ


litígiosȱsobreȱmatériaȱrelativaȱàȱlegislaçãoȱaduaneira.ȱȱ

Têm,ȱ pois,ȱ competênciaȱ emȱ matériaȱ criminalȱ naȱ medidaȱ emȱ queȱ asȱ infracçõesȱ
aduaneirasȱconstituamȱcrime,ȱcontravençãoȱouȱtransgressão,ȱdispondoȱaȱLTAȱqueȱ
aȱ competênciaȱ paraȱ aȱ instruçãoȱ preparatóriaȱ cabeȱ aoȱ DirectorȬGeralȱ dasȱ
Alfândegasȱ (art.ȱ 7º);ȱ oȱ art.ȱ 30ȱ nºȱ 1ȱ c)ȱ excluiȱ daȱ competênciaȱ dosȱ Tribunaisȱ
Aduaneirosȱquaisquerȱactosȱrelativosȱàȱinstruçãoȱcriminalȱeȱaoȱexercícioȱdaȱacçãoȱ
penalȱqueȱnãoȱseȱconstituamȱemȱinfracçõesȱaduaneiras.ȱȱ

Emȱmatériaȱdeȱcontenciosoȱaduaneiro,ȱoȱart.ȱ3ºȱdaȱLȱTAȱexcluiȱaȱcompetênciaȱdosȱ
TribunaisȱAduaneirosȱrelativamenteȱaȱlitígiosȱdeȱcarácterȱtécnicoȬaduaneiroȱeȱqueȱ
relevemȱ doȱ contenciososȱ administrativo,ȱ bemȱ comoȱ aȱ algumasȱ acçõesȱ relativasȱ aȱ
bensȱ doȱ domínioȱ públicoȱ eȱ aindaȱ questõesȱ deȱ direitoȱ privado,ȱ mesmoȱ queȱ
qualquerȱdasȱpartesȱsejaȱpessoaȱdeȱdireitoȱpúblico.ȱȱ

SãoȱcriadosȱTribunaisȱAduaneirosȱemȱcadaȱumaȱdasȱprovínciasȱdoȱpaísȱeȱnaȱcidadeȱ
deȱMaputo,ȱosȱquaisȱexercemȱaȱsuaȱjurisdiçãoȱnaȱrespectivaȱáreaȱterritorial,ȱficandoȱ
sedeadosȱnaȱrespectivaȱcapitalȱdeȱprovíncia,ȱcomoȱregra.ȱȱ

Osȱ Tribunaisȱ Aduaneirosȱ podemȱ organizarȬseȱ emȱ secções,ȱ ondeȱ oȱ volumeȱ eȱ


complexidadeȱ daȱ actividadeȱ jurisdicionalȱ –ȱ ouȱ outrasȱ circunstânciasȱ –ȱ oȱ
justifiquem.ȱȱ
ȱ
2.2.4.7.2.ȱ–ȱComposiçãoȱeȱfuncionamentoȱȱȱ
ȱ
Cadaȱ Tribunalȱ Aduaneiroȱ éȱ compostoȱ porȱ umȱ juizȱ profissionalȱ queȱ serveȱ deȱ
presidenteȱeȱdoisȱvogais,ȱosȱquaisȱparticipamȱnoȱjulgamentoȱeȱdecidemȱdaȱmatériaȱ
deȱfacto.ȱȱ

Osȱ juízesȱ profissionaisȱ sãoȱ providosȱ medianteȱ concursoȱ público,ȱ deȱ entreȱ
funcionáriosȱ administrativosȱ qualificadosȱ comȱ licenciaturaȱ emȱ direitoȱ eȱ deȱ entreȱ
juízesȱdeȱnívelȱprovincialȱcom,ȱpeloȱmenos,ȱcincoȱanosȱdeȱactividade.ȱȱȱ

171
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Osȱ juízesȱ profissionaisȱ serãoȱ nomeadosȱ peloȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ
Jurisdicionalȱ Administrativaȱ (art.ȱ 16ºȱ nºȱ sȱ 2ȱ eȱ 3),ȱ queȱ nomeiaȱ tambémȱ oȱ JuizȬ
Presidenteȱdeȱcadaȱtribunalȱaduaneiro,ȱeȱenquantoȱesteȱórgãoȱnãoȱfuncionarȱserãoȱ
nomeadosȱ peloȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ Judicialȱ (art.ȱ 25º).ȱ Osȱ juízesȱ
provenientesȱ doȱ funcionalismoȱ públicoȱ sãoȱ nomeadosȱ sobȱ propostaȱ doȱ directorȬ
geralȱ dasȱ Alfândegas,ȱ ouvidoȱ oȱ Ministroȱ doȱ Planoȱ eȱ dasȱ Finanças.ȱ Osȱ juízesȱ
profissionaisȱ têmȱ categoriaȱ inicialȱ idênticaȱ àȱ dosȱ juízesȱ deȱ direitoȱ dosȱ tribunaisȱ
judiciaisȱ daȱ província,ȱ sendoȬlhesȱ aplicávelȱ oȱ Estatutoȱ dosȱ Magistradosȱ daȱ
JurisdiçãoȱAdministrativa.ȱȱ

Oȱ Juizȱ Presidenteȱ –ȱ paraȱ alémȱ dasȱ funçõesȱ jurisdicionaisȱ Ȭtemȱ funçõesȱ deȱ
representaçãoȱdoȱtribunal,ȱqueȱdirige,ȱsuperintendendoȱnosȱrespectivosȱserviços,ȱeȱ
éȬlheȱatribuídaȱaindaȱcompetênciaȱdisciplinarȱsobreȱosȱfuncionáriosȱdoȱtribunal.ȱOȱ
seuȱmandatoȱtemȱaȱduraçãoȱdeȱcincoȱanosȱeȱpodeȱserȱrenovadoȱumaȱvez.ȱȱ

Osȱ vogaisȱ doȱ Tribunalȱ sãoȱ escolhidosȱ entreȱ funcionáriosȱ aduaneirosȱ licenciadosȱ
emȱ direitoȱ eȱ demaisȱ requisitosȱ enumeradosȱ noȱ art.ȱ 18º,ȱ ȱ eȱ sãoȱ nomeadosȱ peloȱ
Presidenteȱ doȱ Tribunalȱ Administrativoȱ medianteȱ propostaȱ doȱ directorȬgeralȱ dasȱ
Alfândegas,ȱouvidoȱoȱMinistroȱdoȱPlanoȱeȱFinanças.ȱOȱseuȱmandatoȱéȱdeȱcincoȱanos,ȱ
renovávelȱatéȱdoisȱperíodosȱdeȱigualȱduração,ȱapósȱoȱqueȱpodeȱserȱnomeadoȱjuiz.ȱȱ
ȱ
2.2.5.ȱ–ȱS.ȱTOMÉȱEȱPRÍNCIPE.ȱȱ
ȱ
2.2.5.1.ȱ–ȱEspéciesȱdeȱtribunaisȱprevistasȱnaȱConstituição.ȱȱ
ȱ
Aȱ Constituiçãoȱ daȱ Repúblicaȱ Democráticaȱ deȱ Sãoȱ Toméȱ eȱ Príncipeȱ revistaȱ pelaȱ
Leiȱ nºȱ 1/2003ȱ deȱ 29ȱ deȱ Janeiro,ȱ prevêȱ noȱ seuȱ art.ȱ 126ºȱ queȱ existamȱ asȱ seguintesȱ
categoriasȱdeȱtribunais:ȱȱ

Oȱ Supremoȱ Tribunalȱ deȱ Justiçaȱ eȱ oȱ Tribunalȱ deȱ Primeiraȱ Instâcia,ȱ oȱ Tribuanlȱ


RegionalȱeȱosȱTribunaisȱDistritaisȱ(queȱserãoȱigualmenteȱtribunaisȱdeȱ1ªȱinstância);ȱȱ

–ȱOȱTribunalȱdeȱContas;ȱȱ
–ȱtribunaisȱmilitaresȱeȱarbitrais.ȱȱ

Dedicaȱ aindaȱ oȱ art.ȱ 127ºȱ aoȱ Supremoȱ Tribunalȱ deȱ Justiça,ȱ queȱ defineȱ comoȱ aȱ
instânciaȱ judicialȱ supremaȱ daȱ República,ȱ aȱ quemȱ cabeȱ velarȱ pelaȱ harmoniaȱ daȱ
jurisprudência,ȱeȱnoȱart.ȱ128º,ȱqueȱtemȱcomoȱepígrafe,ȱTribunaisȱCriminais,ȱproíbeȱ
aȱ existênciaȱ deȱ tribunaisȱ exclusivamenteȱ destinadosȱ aoȱ julgamentosȱ deȱ certasȱ
categoriasȱ deȱ crimes,ȱ comȱ excepçãoȱ dosȱ tribunaisȱ militares,ȱ aisȱ quaisȱ competeȱ oȱ
julgamentoȱdeȱcrimesȱessencialmenteȱmilitaresȱdefinidosȱporȱlei.ȱȱ

Estasȱasȱreferênciasȱconstitucionaisȱaȱcategoriasȱdeȱtribunais.ȱȱ

172
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

2.2.5.2.ȱ–ȱAȱestruturaȱdaȱorgânicaȱjudiciária.ȱȱ
ȱ
Oȱ art.ȱ 5ºȱ daȱLeiȱ Baseȱ doȱ Sistemaȱ Judiciárioȱ (LBSJȬȱ Leiȱ nºȱ8/91ȱ deȱ9ȱ deȱ Dezembro)ȱ
consagraȱ aȱ existênciaȱ deȱ duasȱ categoriasȱ deȱ tribunais:ȱ oȱ Supremoȱ Tribunalȱ deȱ
Justiçaȱeȱosȱtribunaisȱdeȱ1ªȱinstância;ȱporȱsuaȱvez,ȱoȱart.ȱ6ºȱafirmaȱoȱcarácterȱcomumȱ
daȱ jurisdiçãoȱ queȱ tomaȱ esseȱ nomeȱ –ȱ Jurisdiçãoȱ Comumȱ –ȱ aoȱ determinarȱ queȱ
pertencemȱ aȱessaȱ ordemȱ jurisdicionalȱasȱ causasȱqueȱnãoȱsejamȱatribuídasȱaȱoutraȱ
ordemȱjurisdicionalȱȱ
ȱ
2.2.5.3.ȱ–ȱOȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiça.ȱȱ

Composição,ȱfuncionamentoȱeȱcompetências.ȱȱ

OȱSTJȱéȱcompostoȱporȱtrêsȱjuízes,ȱumȱdosȱquaisȱéȱoȱPresidenteȱdoȱSTJ.ȱȱ

OȱPresidenteȱdoȱSTJȱtemȱfunçõesȱdeȱrepresentação,ȱpresideȱaoȱConselhoȱSuperiorȱ
deȱ Justiça,ȱ superintendeȱ naȱ administraçãoȱ dosȱ tribunaisȱ eȱ presideȱaoȱ plenárioȱ doȱ
STJ,ȱcabendolheȱjulgarȱcomoȱjuizȱsingularȱosȱprocessosȱqueȱlheȱforemȱdistribuídos.ȱ
Oȱ STJȱ funcionaȱ emȱ singularȱ ouȱ emȱ pleno,ȱ tendoȱ competênciaȱ emȱ matériasȱ deȱ
naturezaȱ civilȱ eȱ criminal,ȱ administrativa,ȱ fiscalȱ eȱ aduaneiraȱ eȱ mesmoȱ noȱ queȱ
respeitaȱàȱfiscalizaçãoȱdasȱcontasȱdoȱEstadoȱeȱoutrosȱorganismos.ȱȱ

Asȱ competênciasȱ doȱ juizȱ singularȱ encontramȬseȱ definidasȱ noȱ art.ȱ 15ºȱ daȱ LBSJȱ eȱ
contamȬseȱentreȱelas:ȱȱ

–ȱ Julgamentoȱ dosȱ recursosȱ interpostosȱ deȱ decisõesȱ proferidasȱ porȱ tribunalȱ deȱ 1ªȱ
instanciaȱemȱacçãoȱqueȱsigaȱaȱformaȱsumáriaȱouȱprocessoȱcorreccional;ȱȱ
–ȱEmissãoȱdeȱparecerȱsobreȱaȱconstitucionalidadeȱdasȱleisȱantesȱdaȱsuaȱapreciaçãoȱ
pelaȱAssembleiaȱNacional;ȱȱ
–ȱConhecerȱdosȱrecursosȱnasȱmatériasȱadministrativas,ȱbemȱcomoȱnasȱmatériasȱdeȱ
naturezaȱfiscalȱeȱaduaneira,ȱindicadasȱsobȱosȱnºsȱ4ȱeȱ5,ȱdoȱart.ȱ15º.ȱȱ

Aoȱplenoȱcompete:ȱȱ

–ȱConfirmarȱoȱparecerȱdoȱjuizȱconselheiroȱemȱmatériaȱdeȱconstitucionalidade;ȱȱ
–ȱ Julgarȱ osȱ restantesȱ recursosȱinterpostosȱ deȱdecisõesȱ deȱ1ªȱ instância,ȱ emȱ matériaȱ
civilȱeȱcriminal,ȱeȱdosȱrecursosȱparaȱfixaçãoȱdeȱjurisprudência;ȱȱ
–ȱConhecerȱdoȱpedidoȱdeȱhabeasȱcorpusȱemȱvirtudeȱdeȱprisãoȱilegal;ȱȱ
–ȱConhecerȱemȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdiçãoȱosȱrecursosȱdasȱdecisõesȱdosȱMinistros;ȱȱ
–ȱ Decidirȱ osȱ recursosȱ interpostosȱ dasȱ decisõesȱ doȱ juizȱ singularȱ doȱ STJ,ȱ querȱ emȱ
matériaȱadministrativa,ȱquerȱemȱquestõesȱdeȱnaturezaȱfiscalȱeȱaduaneira;ȱȱ
–ȱJulgarȱaȱcontaȱgeralȱdoȱEstadoȱeȱdeȱoutrosȱorganismosȱouȱserviçosȱpúblicos.ȱȱ
ȱ

173
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

2.2.5.4.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱdeȱ1ªȱinstância.ȱȱ
ȱ
Semȱ queȱ possaȱ falarȬseȱ deȱ umaȱ divisãoȱ judiciáriaȱ doȱ territórioȱ porȱ razõesȱ
geográficasȱ eȱ demográficas,ȱ cabeȱ apenasȱ referirȱ queȱ seȱ encontraȱ previstaȱ aȱ
existênciaȱdeȱtrêsȱtribunaisȱdeȱ1ªȱinstânciaȱemȱtodoȱoȱterritório,ȱumȱemȱSãoȱTomé,ȱaȱ
capital,ȱ eȱ maisȱ doisȱ queȱ porȱ seȱ encontraremȱ sedeadosȱ foraȱ daȱ capitalȱ recebemȱ oȱ
nomeȱdeȱtribunaisȱRegionais:ȱumȱnaȱcidadeȱdasȱNeves,ȱoȱoutroȱnaȱilhaȱdoȱPríncipe,ȱȱ
emboraȱesteȱúltimoȱnuncaȱtenhaȱsidoȱinstalado,ȱconformeȱindicaçãoȱdeȱArmandoȱ
MarquesȱGuedes,ȱN´GunuȱTinyȱeȱoutros 26 .ȱȱ

Composiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ

Osȱ tribunaisȱ deȱ 1ªȱ instânciaȱ funcionamȱ singularmenteȱ ouȱ emȱ colectivosȱ deȱ trêsȱ
juízes,ȱqueȱsãoȱnomeadosȱjuízesȱdaȱ1ªȱinstânciaȱquandoȱlicenciadosȱemȱdireitoȱȬȱart.ȱ
6ºȱdoȱEMJȱ,ȱoȱqualȱprevêȱaindaȱaȱfiguraȱdoȱmagistradoȱsubstitutoȱ–ȱart.ȱ5º.ȱȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ
ȱ

26 ȱ Litígiosȱ eȱ Legitimação,ȱ Estado,ȱ Sociedadeȱ Civilȱ eȱ Direitoȱ emȱ Sãoȱ Toméȱ eȱ Príncipe,ȱ Almedinaȱ eȱ
FDUNLisboa,ȱp.ȱ85ȱȱ

174
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

ȱ
ȱ
ȱ
IIIȱ–ȱADENDAȱSOBREȱAȱORGÂNICAȱ
JUDICIÁRIAȱPORTUGUESAȱ
ȱ
ȱ
Aȱ Constituiçãoȱ Portuguesaȱ (art.ȱ 209º)ȱ prevêȱ asȱ seguintesȱ categoriasȱ deȱ tribunais,ȱ
paraȱalémȱdoȱTribunalȱConstitucional:ȱȱ

–ȱOsȱTribunaisȱJudiciais;ȱȱ
–ȱOsȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscais;ȱȱ
–ȱOȱTribunalȱdeȱContas;ȱȱ
–ȱOsȱTribunaisȱMilitares;ȱȱ
–ȱOsȱTribunaisȱMarítimos;ȱȱ
–ȱOsȱTribunaisȱArbitrais,ȱȱ
–ȱOsȱJulgadosȱdeȱPaz;ȱȱ
–ȱOsȱTribunaisȱdeȱConflitosȱentreȱtodosȱosȱanterioresȱ(ȱArt.sȱ209ºȱaȱ214ª,ȱdaȱCRP).ȱȱ
ȱ
Aȱ Constituiçãoȱ prevêȱ aȱ existênciaȱ doȱ T.ȱ Constitucionalȱ eȱ dasȱ trêsȱ primeirasȱ
categoriasȱ deȱ tribunaisȱ ordináriosȱ comȱ carácterȱ necessário,ȱ oȱ mesmoȱ sucedendoȱ
quantoȱ aosȱ tribunaisȱ militaresȱ emȱ tempoȱ deȱ guerraȱ (art.ȱ 213ºȱ daȱ CRP),ȱ eȱ dosȱ
restantesȱcomȱcarácterȱfacultativoȱ(v.g.ȱtribunaisȱmarítimosȱouȱjulgadosȱdeȱpaz).ȱȱȱ

ReferindoȬseȱaoȱcasoȱportuguês,ȱdizȱoȱProf.ȱMarceloȱRebeloȱdeȱSousaȱ–ȱemȱtermosȱ
queȱvalemȱparaȱaȱgeneralidadeȱdosȱpaísesȱqueȱadoptamȱoȱprincípioȱdaȱpluralidadeȱ
deȱ jurisdiçõesȱ –ȱ queȱ oȱ sistemaȱ seȱ caracterizaȱ pelaȱ pulverizaçãoȱ controladaȱ daȱ
orgânicaȱ judiciária;ȱ pulverizadaȱ porqueȱ coexistemȱ váriasȱ ordens,ȱ categoriasȱ ouȱ
instânciasȱ paralelasȱ ouȱ autónomas,ȱ comȱ aȱ suaȱ estruturaȱ eȱ regimeȱ próprios,ȱ eȱ
controladaȱporqueȱseȱreduziuȱoȱelencoȱdosȱtribunaisȱespecializadosȱaoȱestritamenteȱ
necessárioȱeȱseȱproíbeȱaȱexistênciaȱdeȱtribunaisȱcomȱcompetênciaȱexclusivaȱparaȱoȱ
julgamentoȱ deȱ certaȱ categoriaȱ deȱ crimesȱ (exceptoȱ osȱ militares),ȱ procurandoȬseȱ
aindaȱinserirȱosȱtribunaisȱdeȱconflitosȱnoȱquadroȱglobalȱdefinidoȱparaȱosȱtribunais.ȱȱ

Peloȱ interesseȱ queȱ possaȱ terȱ numaȱ perspectivaȱ comparada,ȱ deixamȬseȱ algumasȱ
notasȱ maisȱ detalhadasȱ sobreȱ oȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ português,ȱ aȱ ordemȱ dosȱ
Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ Fiscais,ȱ Oȱ Tribunalȱ deȱ Contasȱ eȱ oȱ Tribunalȱ deȱ
Conflitosȱ(doravanteȱTC).ȱȱ
ȱ
ȱ

175
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

1ȱ–ȱOȱTRIBUNALȱCONSTITUCIONALȱ(TC).ȱȱ
ȱ
Oȱ núcleoȱ maisȱ importanteȱ dasȱ funçõesȱ doȱ TCȱ éȱ constituídoȱ pelaȱ matériaȱ deȱ
fiscalizaçãoȱdaȱconstitucionalidadeȱdaȱilegalidade.ȱȱ
ȱ
1.1.ȱ–ȱAoȱTCȱcompete,ȱpois,ȱapreciarȱaȱconstitucionalidadeȱeȱlegalidadeȱdeȱnormas,ȱ
sobȱqualquerȱdasȱsuasȱformas.ȱȱ

Quantoȱàȱfiscalizaçãoȱdaȱconstitucionalidade,ȱcompeteȬlhe:ȱȱ

(a)ȱProcederȱàȱfiscalizaçãoȱpreventivaȱporȱacção,ȱi.e.,ȱantesȱdaȱintroduçãoȱdasȱnormasȱ
naȱordemȱjurídica,ȱaȱpedidoȱdoȱPresidenteȱdaȱRepúblicaȱ(PR),ȱquantoȱaȱtodasȱeȱ
quaisquerȱ normasȱ sujeitasȱ aȱ fiscalizaçãoȱ daȱ constitucionalidade,ȱ doȱ PrimeiroȬ
Ministroȱeȱdeȱ1/5ȱdosȱDeputadosȱrelativamenteȱàsȱ«Leisȱorgânicas»ȱeȱdosȱMinistrosȱ
daȱrepública,ȱaparaȱasȱRegiõesȱAutónomas,ȱdosȱDiplomasȱqueȱlhesȱcompeteȱassinar;ȱȱ
(b)ȱ Procederȱ àȱ fiscalizaçãoȱ sucessivaȱ abstractaȱ porȱ acção,ȱ ouȱ seja,ȱ deȱ quaisquerȱ
normasȱ sujeitasȱ aȱ fiscalizaçãoȱ daȱ constitucionalidade,ȱ depoisȱ deȱ publicadas,ȱ aȱ
requerimentoȱ deȱ umȱ lequeȱ relativamenteȱ amploȱ deȱ órgãosȱ públicosȱ (PR,ȱ
Presidenteȱ daȱ AR,ȱ PrimeiroȬMinistro,ȱ Provedorȱ deȱ Justiça,ȱ PGR,ȱ 1/10ȱ dosȱ
Deputados,ȱ dosȱ Ministrosȱ daȱ Repúblicaȱ eȱ autoridadesȱ regionais,ȱ emȱ certasȱ
matériasȱrelativasȱásȱregiõesȱautónomas).ȱȱ
(c)ȱ Fiscalizaçãoȱ porȱ omissão,ȱ ouȱ seja,ȱ comȱ fundamentoȱ noȱ incumprimentoȱ daȱ
constituiçãoȱ porȱ omissãoȱ dasȱ medidasȱ legislativasȱ necessáriasȱ paraȱ tornarȱ
exequíveisȱasȱnormasȱconstitucionais,ȱaȱpedidoȱdoȱPR,ȱProvedorȱdeȱJustiçaȱou,ȱ
emȱcertosȱcasos,ȱdeȱautoridadesȱregionaisȱȱ
(d)ȱ Fiscalizaçãoȱ sucessivaȱ concretaȱ porȱ acção,ȱ decidindoȱ definitivamenteȱ aȱ questãoȱ
deȱ inconstitucionalidadeȱ suscitadaȱ emȱ recursoȱ interpostoȱ deȱ decisãoȱ deȱ tribunalȱ
ordinário,ȱnoȱâmbitoȱdoȱcontroloȱdifusoȱeȱincidentalȱdaȱconstitucionalidadeȱdasȱ
normas,ȱcometidoȱpeloȱart.ȱ204ºȱdaȱCRPȱaȱtodosȱeȱqualquerȱumȱdosȱtribunaisȱaȱ
propósitoȱdosȱcasosȱconcretosȱumȱlitígioȱqueȱlhesȱsejamȱsubmetidosȱaȱjulgamento.ȱȱ
ȱ
Quantoȱàȱfiscalizaçãoȱdeȱcertasȱformasȱdeȱlegalidadeȱdeȱcategoriasȱdeterminadasȱ
deȱnormas,ȱcompeteȬlhe:ȱȱ

(a)ȱ Fiscalizarȱ aȱ legalidadeȱ deȱ normasȱ regionaisȱ queȱ infrinjamȱ osȱ limitesȱ legaisȱ daȱ
autonomiaȱregionalȱouȱdeȱnormasȱdoȱEstadoȱqueȱinfrinjamȱasȱgarantiasȱlegaisȱ
daȱ autonomiaȱ regional;ȱ trataȬseȱ deȱ ilegalidadesȱ comȱ particularȱ relevânciaȱ
constitucional,ȱ visandoȬseȱ comȱ aȱ suaȱ fiscalizaçãoȱ garantir,ȱ porȱ umȱ lado,ȱ aȱ
autonomiaȱ regionalȱ contraȱ asȱ incursõesȱ doȱ Estadoȱ e,ȱ porȱ outro,ȱ deȱ garantirȱ aȱ
unidadeȱnormativaȱdoȱEstadoȱcontraȱabusosȱdasȱRegiõesȱautónomas.ȱȱ
(b)Fiscalizarȱaȱlegalidadeȱdeȱquaisquerȱleisȱqueȱinfrinjamȱasȱleisȱdeȱvalorȱreforçado.ȱ

176
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

SãoȱLeisȱdeȱvalorȱreforçadoȱapenasȱasȱqueȱaȱCRPȱqualificaȱcomoȱtal,ȱquerȱporqueȱ
detémȱumȱpapelȱespecialȱnaȱregulaçãoȱdoȱprocessoȱpolítico,ȱpodendoȱdizerȬseȱqueȱ
tratamȱ questõesȱ materialmenteȱ constitucionaisȱ aindaȱ queȱ formalmenteȱ oȱ nãoȱ
sejam.ȱ(V.ȱMoreira,ȱidem,ȱp.ȱ102)ȱquerȱporȱseremȱȱleisȱaȱqueȱaȱprópriaȱconstituiçãoȱ
atribuiȱ valorȱ deȱ parâmetroȱ emȱ relaçãoȱ aȱ outrasȱ leis,ȱ querȱ aindaȱ porȱ seremȱ leisȱ
politicamenteȱ muitoȱ sensíveisȱ estãoȱ sujeitasȱ aȱ processosȱ maisȱ exigentesȱ deȱ
elaboraçãoȱeȱaprovaçãoȱque,ȱporȱisso,ȱdevemȱserȱrespeitadasȱpelasȱleisȱcomuns.ȱȱ

Oȱart.ȱ112ºȱnºȱ3ȱdaȱCRPȱatribuiȱvalorȱreforçado,ȱaosȱseguintesȱtiposȱdeȱleis:ȱȱ
x leisȱorgânicas,ȱcomoȱsejamȱaȱLeiȱeleitoral,ȱaȱȱLTC,ȱouȱaȱLeiȱdeȱdefesaȱnacional,ȱqueȱ
nãoȱseȱconfundemȱcomȱaȱchamadasȱleisȱorgânicasȱqueȱregulamȱaȱactividadeȱdeȱ
certasȱentidadesȱouȱserviçosȱ(ȱv.g.ȱLOPJȱouȱLOMP,);ȱ
x leisȱqueȱcarecemȱdeȱaprovaçãoȱporȱmaioriaȱdeȱ2/3,ȱcomoȱsucedeȱcomȱaȱleiȱqueȱregulaȱoȱ
exercícioȱdoȱdireitoȱdeȱvotoȱdosȱcidadãosȱportuguesesȱresidentesȱnoȱestrangeiroȱouȱ
comȱasȱdisposiçõesȱdasȱleisȱqueȱregulamȱaȱcomposiçãoȱdaȱARȱȱCfȱart.ȱ168ºȱnº6ȱCRP);ȱ
x leisȱqueȱsejamȱpressupostoȱnormativoȱdeȱoutrasȱleisȱouȱqueȱporȱoutrasȱdevamȱserȱrespeitadasȱ
(v.g.ȱleisȱdeȱbases,ȱdeȱqueȱȱéȱexemploȱaȱleiȱdeȱbasesȱdaȱsaúde,ȱleisȬquadroȱouȱleisȱ
deȱenquadramentoȱ–ȱp.ȱex.ȱoȱart.ȱ296ºȱqueȱprevêȱaȱLeiȬquadroȱdasȱreprivatizaçõesȱeȱ
asȱ Leisȱ deȱ autorizaçãoȱ legislativaȱ que,ȱ emȱ determinadoȱ domínioȱ jurídico,ȱ sãoȱ
desenvolvidasȱporȱDecȬleiȱdoȱgovernoȱouȱDecretoȬlegislativoȱregional.ȱȱ
ȱ
1.2.ȱ–ȱParaȱalémȱdaȱcompetênciaȱemȱmatériaȱdeȱfiscalizaçãoȱdaȱinconstitucionalidadeȱeȱ
ilegalidade,ȱ oȱ TCȱ detémȱ aindaȱ competênciaȱ emȱ matériasȱ contenciosasȱ eȱ nãoȱ
contenciosas,ȱ relativasȱ umasȱ aȱ eleições,ȱ referendosȱ eȱ partidosȱ políticos,ȱ eȱ outrasȱ aȱ
titularesȱ deȱ órgãosȱ doȱ poderȱ político.ȱ Entreȱ asȱ primeiras,ȱ contamȬseȱ oȱ julgamentoȱ deȱ
recursosȱ emȱ matériaȱ deȱ eleiçõesȱ paraȱ oȱ Parlamentoȱ Europeu,ȱ aȱ resoluçãoȱ deȱ
questõesȱatinentesȱaȱpartidosȱeȱcoligaçõesȱpolíticas,ȱaȱadmissãoȱdeȱcandidaturasȱaȱ
PRȱ eȱ aoȱ PEȱ ouȱ verificarȱ aȱ legalidadeȱ daȱ constituiçãoȱ deȱ partidosȱ políticosȱ eȱ
respectivasȱdenominações;ȱdeȱentreȱasȱcompetênciasȱrelativasȱaȱtitularesȱdeȱórgãosȱ
doȱpoderȱpolítico,ȱsãoȱexemplosȱoȱjulgamentoȱdosȱrecursosȱporȱperdaȱdeȱmandadoȱ
deȱdeputadosȱàȱARȱeȱaȱverificaçãoȱdaȱmorteȱdoȱPR.ȱȱ
ȱ
1.3.ȱComposiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱ

Composição.ȱȱ

Oȱ Tribunalȱ Constitucionalȱéȱ umȱ sóȱ paraȱ todaȱ aȱ ordemȱ jurídicaȱ portuguesaȱ eȱ temȱ
sedeȱȱemȱLisboa.ȱȱ

AȱafirmaçãoȱdeȱqueȱoȱTCȱ–ȱemboraȱencontrandoȬseȱaȱparȱdasȱrestantesȱcategoriasȱ
tribunaisȱ –ȱ nãoȱ éȱ igualȱ aosȱ outros,ȱ adquireȱ particularȱ sentidoȱ –ȱ paraȱ alémȱ daȱ
especificidadeȱdasȱsuasȱfunções,ȱ–ȱaȱpropósitoȱdaȱsuaȱparticularȱcomposição.ȱȱ

177
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Oȱactualȱart.ȱ222ºȱdaȱCRPȱmantémȱaȱcomposiçãoȱdoȱTCȱemȱ13ȱjuízes,ȱestabelecidaȱ
desdeȱ aȱ criaçãoȱ doȱ tribunalȱ emȱ 1982,ȱ talȱ comoȱ mantémȱ oȱ númeroȱ deȱ juízesȱ
designadosȱpelaȱARȱ(10),ȱoȱnúmeroȱdeȱjuízesȱaȱcooptarȱporȱestesȱ(3)ȱeȱaȱexigênciaȱ
deȱqueȱseisȱdosȱjuízesȱaȱdesignarȱpelaȱARȱouȱaȱcooptarȱsejamȱjuízesȱdosȱtribunaisȱ
ordinários,ȱ eȱ queȱ osȱ demaisȱ sejamȱ juristas;ȱ jáȱ oȱ tempoȱ deȱ duraçãoȱ máximaȱ doȱ
mandatoȱaumentouȱdeȱ6ȱparaȱ9ȱanosȱnaȱ4ªȱRevisãoȱConstitucional,ȱemȱ1997.ȱȱ

Osȱ juízesȱ doȱ TCȱ sãoȱ designadosȱ naȱ suaȱ maioriaȱ porȱ outroȱ órgãoȱ deȱ soberaniaȱ eȱ
apenasȱporȱumȱsóȱdelesȱ–ȱaȱARȱȬ,ȱtêmȱlimitadaȱaȱduraçãoȱdoȱseuȱmandatoȱeȱaȱCRPȱ
impõeȱ ȱ umaȱ quotaȱ deȱ determinadaȱ categoriaȱ profissionalȱ naȱ suaȱ composição,ȱ oȱ
queȱ nãoȱ seȱ verificaȱ emȱ qualquerȱ dosȱ outrosȱ tribunais,ȱ ȱ emboraȱ nãoȱ estabeleçaȱ
outrasȱ limitaçõesȱ ouȱ requisitosȱ àqueleȱ nível,ȱ poisȱ osȱ juízesȱ podemȱ provirȱ deȱ
qualquerȱ dasȱ categoriasȱ deȱ tribunaisȱ constitucionalmenteȱ previstasȱ eȱ deȱ entreȱ
quaisquerȱ categoriasȱ deȱ juízes,ȱ independentementeȱ doȱ tempoȱ deȱ serviçoȱ ouȱ daȱ
hierarquiaȱdoȱtribunalȱondeȱprestemȱserviço.ȱȱ

Noȱ dizerȱ doȱ Prof.ȱ Marceloȱ R.ȱ deȱ Sousaȱ (p.ȱ 33),ȱ aȱ fórmulaȱ escolhidaȱ paraȱ aȱ
composiçãoȱ doȱ TCȱ nãoȱ correspondeȱ aȱ nenhumȱ dosȱ projectosȱ deȱ revisãoȱ
constitucionalȱ apresentadosȱ emȱ 1981,ȱ resultandoȱ antesȱ deȱ umȱ compromissoȱ
político,ȱ queȱ parlamentarizaȱ eȱ partidarizaȱ dominantementeȱ aȱ composiçãoȱ doȱ TC,ȱ
mitigadaȱ apenasȱ pelaȱ obrigaçãoȱ deȱ seisȱ dosȱ seusȱ elementosȱ seremȱ juízesȱ dosȱ
restantesȱtribunais;ȱavalia,ȱporém,ȱpositivamenteȱosȱprimeiroȱoitoȱanosȱdeȱactuaçãoȱ
doȱTC,ȱatribuindoȬlheȱumȱpapelȱimportanteȱnosȱdomíniosȱdosȱdireitos,ȱliberdadesȱ
eȱgarantiasȱeȱdaȱunidadeȱdoȱEstado,ȱeȱamiúde,ȱdaȱorganizaçãoȱdoȱpoderȱpolíticoȱdoȱ
Estadoȱnoȱtocanteȱàȱleiȱeȱaoȱprocessoȱlegislativoȱ(p.ȱ41).ȱȱ

Oȱ art.ȱ 13ºȱ daȱ Leiȱ doȱ Tribunalȱ Constitucional,ȱ aprovadaȱ pelaȱ Leiȱ 28/82ȱ deȱ 15ȱ deȱ
Novembro,ȱjáȱalterada,ȱestabeleceȱqueȱpodemȱserȱeleitosȱjuízesȱdoȱTCȱosȱcidadãosȱ
portuguesesȱqueȱsejamȱdoutores,ȱmestresȱouȱlicenciadosȱemȱDireitoȱ(paraȱalémȱdosȱ
juízesȱdosȱrestantesȱtribunais),ȱcabendoȱaosȱrespectivosȱjuízesȱelegerȱoȱPresidenteȱ
doȱTribunalȱConstitucionalȱporȱdisposiçãoȱexpressaȱdoȱart.ȱ222ºȱnº4ȱdaȱCRP.ȱȱ

Sobreȱ oȱ Estatutoȱ dosȱ juízesȱ doȱ TCȱ disseȬseȱ jáȱ oȱ essencialȱ aȱ propósitoȱ dasȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
garantiasȱ daȱ independênciaȱ eȱ imparcialidadeȱ dosȱ tribunais,ȱ cabendoȱ aindaȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
referirȱ queȱ aȱ Leiȱ doȱ Tribunalȱ Constitucionalȱ (LTC)ȱ lhesȱ atribuiȱ direitoȱ àsȱ honras,ȱ
direitos,ȱ categorias,ȱ tratamento,ȱ vencimentosȱ eȱ regaliasȱ iguaisȱ aosȱ dosȱ juízesȱ doȱ
STJ,ȱ sujeitandoȬosȱ emȱ regrasȱ aosȱ mesmosȱ deveresȱ eȱ incompatibilidades,ȱ
competindoȱ exclusivamenteȱ aoȱ TCȱ oȱ exercícioȱ doȱ poderȱ disciplinarȱ sobreȱ osȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
seusȱ juízesȱ eȱ que,ȱ emȱ reforçoȱ daȱ garantiasȱ deȱ independência,ȱ osȱ juízesȱ doȱ TCȱ
gozamȱdoȱdireitoȱàȱestabilidadeȱdeȱempregoȱconsagradaȱnoȱart.ȱ35ºȱdaȱLTC,ȱpoisȱ
naȱ suaȱ nomeaçãoȱ nãoȱ éȱ vitalíciaȱ eȱ estáȱ mesmoȱ sujeitaȱ aoȱ períodoȱ deȱ duraçãoȱ
máximaȱaludido.ȱȱ

178
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Paraȱ alémȱ doȱ Presidente,ȱ eleitoȱ pelosȱ seusȱ paresȱ nosȱ termosȱ doȱ art.ȱ 222ºȱ nº4ȱ daȱ
CRP,ȱaȱLCTȱprevêȱaindaȱaȱexistênciaȱdeȱumȱvicepresidenteȱaȱelegerȱigualmenteȱporȱ
votoȱsecreto,ȱdeȱeȱentreȱosȱrestantesȱjuízesȱdoȱTribunalȱConstitucional.ȱȱ

Aoȱ Presidenteȱ compete,ȱ nomeadamente,ȱ representarȱ oȱ Tribunal,ȱ presidirȱ àsȱ


sessõesȱ eȱ dirigirȱ osȱ trabalhos,ȱ superintenderȱ naȱ gestãoȱ eȱ administraçãoȱ doȱ
Tribunal,ȱ bemȱ comoȱ nasȱsecretariasȱ eȱserviçosȱdeȱ apoio,ȱ presidirȱ àȱ assembleiaȱ deȱ
apuramentoȱ geralȱ daȱ eleiçãoȱ doȱ Presidenteȱ daȱ Repúblicaȱ eȱ dosȱ Deputadosȱ doȱ
ParlamentoȱEuropeu.ȱȱ

Oȱ viceȬpresidenteȱ substituiȱ oȱ presidenteȱ nasȱ suasȱ faltasȱ eȱ impedimentosȱ eȱ


coadjuvaȬoȱnoȱexercícioȱdeȱalgumasȱdasȱsuasȱcompetências.ȱȱ

Funcionamento.ȱȱ

Oȱ TCȱ funcionaȱ emȱ sessõesȱ plenáriasȱ eȱ porȱ secções,ȱ nãoȱ especializadas,ȱ queȱ sãoȱ
actualmenteȱemȱnúmeroȱdeȱtrês.ȱCadaȱumaȱdelasȱéȱconstituídaȱpeloȱpresidenteȱouȱ
peloȱviceȬpresidenteȱeȱporȱmaisȱquatroȱjuízes,ȱsendoȱaȱrespectivaȱdistribuiçãoȱpelasȱ
secçõesȱ feitaȱ noȱ inícioȱ deȱ cadaȱ anoȱ judicial,ȱ deȱ acordoȱ comȱ asȱ seguintesȱ espéciesȱ
(art.ȱ49ºȱdaȱLTC):ȱȱ

–ȱProcessosȱdeȱfiscalizaçãoȱpreventivaȱdaȱconstitucionalidade;ȱȱ
–ȱOutrosȱprocessosȱdeȱfiscalizaçãoȱabstractaȱdaȱconstitucionalidadeȱouȱlegalidade;ȱȱȱ
–ȱRecursos;ȱȱȱ
–ȱReclamações;ȱȱȱ
–ȱOutrosȱprocessos.ȱ

Oȱ plenárioȱ doȱ Tribunalȱ conheceȱ dasȱ questõesȱ fixadasȱ naȱ Leiȱ (v.g.ȱ paraȱ evitarȱ
divergênciasȱ jurisprudenciaisȱ –ȱ art.ȱ 79ºȬAȱ daȱ LTC)ȱ ouȱ noȱ casoȱ deȱ serȱ interpostoȱ
recursoȱ daȱ decisãoȱ queȱ –ȱ igualmenteȱ noȱ âmbitoȱ daȱ fiscalizaçãoȱ concretaȱ –ȱ tiverȱ
divergidoȱ doȱ julgamentoȱ anteriormenteȱ adoptadoȱ quantoȱ àȱ mesmaȱ norma.ȱ (art.ȱ
79ºȬD,ȱdaȱLTC).ȱȱ

Emȱplenárioȱouȱemȱsecçãoȱoȱtribunalȱsóȱpodeȱfuncionarȱestandoȱpresenteȱaȱmaioriaȱ
dosȱ respectivosȱ membrosȱ emȱ efectividadeȱ deȱ funçõesȱ eȱ asȱ deliberaçõesȱ sãoȱ
tomadasȱàȱpluralidadeȱdeȱvotosȱdosȱmembrosȱpresentes,ȱdispondoȱoȱpresidenteȱ–ȱ
ouȱ oȱ vicepresidenteȱ quandoȱ oȱ substitua,ȱ deȱ votoȱ deȱ qualidade.ȱ Osȱ processosȱ dasȱ
diversasȱ espéciesȱ sãoȱ distribuídosȱ equitativamenteȱ pelosȱ juízesȱ doȱ tribunalȱ
incluindoȱoȱviceȬpresidenteȱ(emboraȱcomȱespecialidades),ȱqueȱosȱrelatarão,ȱpodendoȱ
cadaȱjuizȱlavrarȱvotoȱdeȱvencido.ȱNãoȱsãoȱdistribuídosȱprocessosȱaoȱPresidente.ȱȱ

Sãoȱ publicadasȱ naȱ 1ªsérieȬAȱ doȱ Diárioȱ daȱ Repúblicaȱ asȱ decisõesȱ doȱ tribunalȱ queȱ
declararemȱ aȱ inconstitucionalidadeȱ ouȱ ilegalidadeȱ deȱ quaisquerȱ normas;ȱ

179
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

verificaremȱ aȱ existênciaȱ deȱ inconstitucionalidadeȱ porȱ omissão,ȱ verificaremȱ aȱ


morte,ȱaȱimpossibilidadeȱfísicaȱpermanenteȱouȱaȱperdaȱdoȱcargoȱdeȱPresidenteȱdaȱ
Repúblicaȱeȱasȱrestantesȱenumeradasȱnoȱart.ȱ3ºȱdaȱLTC.ȱSãoȱpublicadasȱnaȱ2ªȱsérieȱ
doȱ Diárioȱ daȱ Repúblicaȱ asȱ demaisȱ decisõesȱ doȱ T.ȱ C.,ȱ salvoȱ asȱ deȱ naturezaȱ
meramenteȱinterlocutóriaȱouȱsimplesmenteȱrepetitivasȱdeȱoutrasȱanterioresȱeȱserãoȱ
aindaȱ publicadosȱ noȱ Boletimȱ doȱ Ministérioȱ daȱ Justiçaȱ todosȱ osȱ acórdãosȱ comȱ
interesseȱdoutrinário,ȱcabendoȱaȱselecçãoȱaoȱpresidente,ȱsemȱprejuízoȱdaȱpublicaçãoȱ
dosȱacórdãosȱpromovidaȱpeloȱTribunal.ȱConstitucionalȱemȱcolectâneaȱanual.ȱȱ
ȱ

2ȱ–ȱOSȱTRIBUNAISȱADMINISTRATIVOSȱEȱFISCAIS.ȱȱ
ȱ
2.1.ȱ–ȱAȱOrdemȱdosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscaisȱ–ȱconsagraçãoȱdoȱmodeloȱȱ
ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱdualistaȱdeȱordensȱjurisdicionais.ȱȱ
ȱ
Seȱaȱinsubmissãoȱdaȱactividadeȱadministrativaȱàȱactividadeȱjudiciáriaȱrepresentaȱaȱ
afirmaçãoȱ revolucionáriaȱ dosȱ poderesȱ legislativoȱ eȱ executivoȱ apósȱ aȱ Revoluçãoȱ
Francesaȱdeȱ1789,ȱditadaȱemȱgrandeȱmedidaȱpelaȱdesconfiançaȱdosȱrevolucionáriosȱ
faceȱaoȱpoderȱdaȱnoblesseȱdeȱrobleȱdoȱAncienȱRégime, 27 ȱaȱúltimaȱmetadeȱdoȱséc.ȱXXȱ
consolidaȱaȱtendênciaȱparaȱsubmeterȱaȱactividadeȱadministrativaȱaosȱtribunaisȱeȱàȱ
justiça,ȱoȱqueȱconduziuȱemȱPortugal,ȱnumȱdosȱcaminhosȱpossíveis,ȱàȱconsolidaçãoȱ
daȱ autonomizaçãoȱ eȱ independênciaȱ daȱ jurisdiçãoȱ administrativaȱ faceȱ aoȱ
ȱ
executivo. 28

Porȱoutroȱlado,ȱoȱúltimoȱquartoȱdoȱséculoȱXXȱtrouxeȱaȱconsolidação,ȱemȱPortugal,ȱ
daȱ tendênciaȱ paraȱ situarȱ osȱ Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ Fiscaisȱ numȱ planoȱ deȱ
equiȬordenaçãoȱ relativamenteȱ àȱ ordemȱ dosȱ tribunaisȱ judiciais,ȱ desenvolvendoȬseȱ
paralelamenteȱ aȱ esta,ȱ emȱ detrimentoȱ deȱ umaȱ outraȱ visãoȱ dasȱ coisasȱ queȱ vêȱ naȱ
existênciaȱdeȱumaȱúnicaȱordemȱjurisdicional,ȱenglobandoȱosȱTribunaisȱJudiciaisȱeȱ
osȱ Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ Fiscais,ȱ umȱ factorȱ deȱ fortalecimentoȱ doȱ Poderȱ
Judicialȱ e,ȱ consequentemente,ȱ deȱafirmaçãoȱ dosȱ direitosȱ eȱ garantiasȱdosȱcidadãosȱ
faceȱaoȱEstadoȱemȱgeralȱeȱàȱAdministraçãoȱemȱparticular.ȱȱ

Oȱ DecȬleiȱ 129/84ȱ deȱ 27ȱ deȱ Abrilȱ queȱ aprovouȱ oȱ Estatutoȱ dosȱ Tribunaisȱ
AdministrativosȱeȱFiscais,ȱrevogandoȱlegislaçãoȱdosȱanosȱquarentaȱeȱcinquentaȱdoȱ
séc.ȱ XX,ȱ revelaȱ bemȱ asȱ duasȱ frentesȱ deȱ afirmaçãoȱ eȱ autonomiaȱ daȱ jurisdiçãoȱ

27ȱ Vd,ȱ porȱ todos,ȱ Pauloȱ Castroȱ Rangel,ȱ Repensarȱ oȱ Poderȱ JudicialȬFundamentosȱ eȱ Fragmentos,ȱ
PublicaçõesȱUniversidadeȱCatólica,ȱȬPortoȱ2001,ȱpp.ȱ183Ȭ193.ȱ
28ȱ Sobreȱ osȱ modelosȱ orgânicosȱ daȱ jurisdiçãoȱ administrativaȱ eȱ asȱ principaisȱ linhasȱ deȱ tensãoȱ daȱ suaȱ

evoluçãoȱ histórica,ȱ vdȱ oȱ 1ºȱ Volumeȱ doȱ Mnaualȱ desteȱ cursoȱ dasȱ autoriaȱ doȱ Dr.ȱ Luísȱ Correiaȱ deȱ
Mendonça”.ȱȱ

180
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

administrativaȱ (faceȱ aoȱ executivoȱ porȱ umȱ ladoȱ eȱ àȱ ordemȱ dosȱ tribunaisȱ judiciais,ȱ
porȱ outro),ȱ aoȱ afirmarȱ claramenteȱ noȱ seuȱ preâmbuloȱ queȱ seȱ consagravaȱ umȱ
modeloȱdeȱorganizaçãoȱjudiciáriaȱnoȱdomínioȱadministrativoȱeȱfiscal,ȱparaleloȱaoȱdosȱ
tribunaisȱ comuns,ȱ acentuandoȱ bemȱ aȱ naturezaȱ jurisdicionalȱ dosȱ tribunaisȱ
administrativosȱfiscaisȱeȱaȱsuaȱautonomiaȱeȱespecificidade.ȱ(itálicoȱmeu).ȱE,ȱnaȱverdade,ȱ
afirmaȬseȱlogoȱnoȱart.ȱ1ºȱqueȱAȱjurisdiçãoȱadministrativaȱeȱfiscalȱéȱexercidaȱporȱtribunaisȱ
administrativosȱeȱfiscais,ȱórgãosȱdeȱsoberaniaȱparaȱadministrarȱjustiçaȱemȱnomeȱdoȱPovo,ȱ
prevendoȬseȱ umȱ complexoȱ deȱ órgãosȱ daȱ jurisdição,ȱ encimadosȱ peloȱ Supremoȱ
Tribunalȱ Administrativoȱ (art.sȱ 2º),ȱ eȱ atribuindoȬseȱ aȱ umȱ órgãoȱ autónomoȱ –ȱ oȱ
ConselhoȱSuperiorȱdosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscaisȱ–ȱosȱpoderesȱdeȱgestãoȱ
eȱdisciplinaȱdosȱjuízesȱdaȱjurisdiçãoȱadministrativaȱeȱfiscalȱ(art.ȱ98º).ȱȱ

Comȱ aȱ segundaȱ revisãoȱ constitucionalȱ (emȱ 1989)ȱ aȱ existênciaȱ daȱ categoriaȱ dosȱ
Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ Fiscaisȱ deixouȱ deȱ constituirȱ umaȱ meraȱ faculdadeȱ
reconhecidaȱaoȱlegisladorȱordinárioȱparaȱganharȱforosȱdeȱimposiçãoȱconstitucionalȱ
(Art.ȱ211ºȱCRP,ȱCategoriasȱdeȱTribunais:ȱ1.ȱAlémȱdoȱTribunalȱConstitucional,ȱexistemȱ
asȱ seguintesȱcategoriasȱ deȱtribunais.ȱ (a)…);ȱ b)ȱ OȱSupremoȱ Tribunalȱ Administrativoȱ eȱosȱ
demaisȱtribunaisȱadministrativosȱeȱfiscais;ȱ(…)).ȱȱȱ

ProcediaȱȬse,ȱassim,ȱàȱconstitucionalizaçãoȱformalȱdaquelaȱcategoriaȱdeȱtribunais,ȱ
assenteȱ naȱ posiçãoȱ sólidaȱ queȱ lheȱ eraȱ reconhecidaȱ naȱ áreaȱ judiciáriaȱ eȱ naȱ
especificidadeȱ organizativaȱ eȱ funcionalȱ daȱ jurisdiçãoȱ administrativa,ȱ
contrariamenteȱ aoȱ entendimentoȱ –ȱ comȱ forteȱ apoioȱ noȱ momentoȱ daȱ formaçãoȱ daȱ
constituição,ȱ (nasȱ palavrasȱ deȱ G.ȱ Canotilhoȱ eȱ V.ȱ Moreira,ȱ C.R.Anotada,ȱ 1993,ȱ p.ȱ
813),ȱ –ȱ queȱ pugnavaȱ pelaȱ extinçãoȱ daȱ autonomiaȱ orgânicaȱ daȱ justiçaȱ
administrativa,ȱ integrandoȱ osȱ tribunaisȱ administrativos,ȱ comoȱ tribunaisȱ
especializados,ȱdentroȱdaȱcategoriaȱdosȱtribunaisȱjudiciais,ȱnumaȱsoluçãoȱunitária.ȱ

Soluçãoȱestaȱque,ȱpodeȱacrescentarȬse,ȱfoiȱadoptadaȱpelaȱConstituiçãoȱEspanhola,ȱ
deȱ 1978,ȱ queȱ noȱ nº5ȱ doȱ seuȱ art.ȱ 117ȱ determinaȱ que,ȱ “Oȱ princípioȱ daȱ unidadeȱ
jurisdicionalȱ éȱ aȱ baseȱ daȱ organizaçãoȱ eȱ funcionamentoȱ dosȱ Tribunais”,ȱ integrandoȬseȱ oȱ
contenciosoȬadministrativoȱ deȱ plenoȱ naȱ organizaçãoȱ judiciáriaȱ comumȱ reguladaȱ
pelaȱLeyȱOrgânicaȱ6/1985,ȱdeȱ1ȱdeȱJulio,ȱdelȱPoderȱJudicial.ȱȱ

Sendoȱ asȱ razõesȱ históricasȱ eȱ deȱ especialidadeȱ materialȱ eȱ orgânicaȱ asȱ principaisȱ
razõesȱ aduzidasȱ paraȱ justificarȱ aȱ opçãoȱ –ȱ ouȱ aȱ consolidaçãoȱ daȱ opçãoȱ –ȱ peloȱ
modeloȱdualistaȱdeȱordensȱjurisdicionais,ȱéȱdeȱconsiderar,ȱporém,ȱaȱteseȱdeȱPauloȱ
CastroȱRangel,ȱsegundoȱaȱqual,ȱparaȱalémȱȱdaquelasȱrazõesȱeȱdaȱfeiçãoȱexecutivaȱ
doȱ sistemaȱ administrativoȱ queȱ assimȱ sairiaȱ reforçado,ȱ assumiuȱ carácterȱ
determinanteȱ umaȱ razãoȱ endógenaȱ aoȱ direitoȱ judiciárioȱ eȱ exteriorȱ aoȱ direitoȱ
administrativo,ȱ ligadaȱ àsȱ respostasȱ aȱ darȱ àsȱ questõesȱ deȱ legitimidade,ȱ doȱ «autoȬ
governo»,ȱ daȱ responsabilidadeȱ eȱ atéȱ daȱ «autoȬmovimentaçãoȱ mediática»ȱ dosȱ

181
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

agentesȱ doȱ poderȱ judicial.ȱ Naȱ teseȱ daqueleȱ autor,ȱ aȱ Constituiçãoȱ aoȱ organizarȱ umaȱ
dualidadeȱdeȱordensȱjurisdicionaisȱ–ȱeȱcomȱissoȱprecludirȱaȱpossibilidadeȱdeȱoȱpoderȱjudicialȱ
aparecerȱcomoȱumaȱunidadeȱpolíticaȱcoesaȱ–ȱquisȱconstituirȱoȱpoderȱencarregadoȱdaȱfunçãoȱ
jurisdicionalȱcomoȱumȱpoderȱmedularmenteȱdifuso,ȱcujosȱ«governo»ȱeȱ«administração»ȱnãoȱ
estãoȱ confiadosȱ aȱ umȱ corpoȱ único.ȱ Ouȱ seja,ȱ concluiȱ Pauloȱ Rangelȱ assumindoȱ umaȱ
posiçãoȱ hermenêuticaȱ objectivistaȱ eȱ actualista,ȱ aȱ Constituiçãoȱ aproveitouȱ aȱ
tradiçãoȱhistóricaȱeȱaȱespecialidadeȱmaterialȱdoȱdireitoȱadministrativoȱparaȱrealizarȱ
umȱ outroȱ desiderato:ȱ aȱ consagração,ȱ mesmoȱ noȱ planoȱ daȱ suaȱ «organizaçãoȱ
administrativa»,ȱdaȱideiaȱdeȱdifusãoȱdoȱpoderȱjurisdicional.ȱȱ

Aȱ últimaȱ reformaȱ legislativa,ȱ envolveuȱ aȱ aprovaçãoȱ daȱ Leiȱ Geralȱ Tributáriaȱ peloȱ
DecȬleiȱ398/98ȱdeȱ17ȱdeȱDezembro,ȱdoȱnovoȱCódigoȱdeȱProcedimentoȱeȱdeȱProcessoȱ
Tributárioȱ peloȱ DecȬleiȱ 433/99ȱ deȱ 26ȱ deȱ Outubro,ȱ doȱ novoȱ Regimeȱ Geralȱ paraȱ asȱ
InfracçõesȱTributáriasȱpelaȱLeiȱ15/2001ȱdeȱ5ȱdeȱJunho,ȱeȱculminouȱcomȱaȱaprovaçãoȱ
doȱnovoȱCódigoȱdeȱProcessoȱnosȱTribunaisȱAdministrativosȱpelaȱLeiȱ15/2002ȱdeȱ22ȱ
deȱFevereiroȱeȱdoȱnovoȱEstatutoȱdosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscaisȱpelaȱLeiȱ
13/2002ȱ deȱ 19ȱ deȱ Fevereiroȱ (doravante,ȱ E.T.A.F.).ȱ Estesȱ doisȱ últimosȱ diplomasȱ
sofreramȱjáȱalteraçõesȱeȱviramȱaȱsuaȱentradaȱemȱvigorȱproteladaȱparaȱ1ȱdeȱJaneiroȱ
deȱ2004,ȱpelaȱLeiȱnºȱ4ȬA/2003ȱdeȱ19ȱdeȱFevereiro.ȱȱ

OȱnovoȱE.T.A.F.ȱvemȱnaȱlinhaȱdoȱdiplomaȱanteriorȱnoȱqueȱrespeitaȱàȱconsolidaçãoȱ
daȱsuaȱautonomiaȱfaceȱaoȱexecutivoȱeȱtambémȱfaceȱàȱordemȱdosȱtribunaisȱjudiciais,ȱ
confirmandoȬseȱ comoȱ Ordemȱ Jurisdicionalȱ paralelaȱ àquela,ȱ emȱ todaȱ aȱ suaȱ
dimensão.ȱȱ
ȱ
2.3.ȱ–ȱOȱnovoȱregime.ȱ
ȱ
É,ȱpois,ȱcomȱbaseȱnoȱregimeȱpositivoȱaȱvigorarȱaȱpartirȱdoȱpróximoȱdiaȱ1ȱdeȱJaneiroȱ
deȱ2004ȱqueȱprocederemosȱàȱanáliseȱsumáriaȱdoȱâmbitoȱdeȱjurisdição,ȱȱestrutura,ȱ
competências,ȱ funcionamentoȱ eȱ composiçãoȱ dosȱ Tribunaisȱ Administrativosȱ eȱ
Fiscaisȱ(ȱdoravanteȱT.A.F.).ȱȱ
ȱ
2.3.1.ȱ–ȱÂmbitoȱdeȱjurisdição.ȱȱ
ȱ
Apósȱ aȱ 2ªȱ revisãoȱ constitucional,ȱ emȱ 1989,ȱ osȱ TAFȱ passaramȱ aȱ constituirȱ aȱ
jurisdiçãoȱcomumȱouȱordináriaȱdaȱjustiçaȱadministrativa,ȱencontrandoȬseȱaȱfunçãoȱ
jurídicoȬconstitucionalȱdaȱjurisdiçãoȱadministrativaȱdefinidaȱnoȱactualȱart.ȱ212ºȱnº3ȱ
daȱ CRP,ȱ cujaȱ redacçãoȱ seȱ mantémȱ desdeȱ 1989ȱ nãoȱ obstanteȱ aȱ alteraçãoȱ deȱ
numeraçãoȱ(eraȱoȱart.ȱ214ºȱantesȱdaȱrevisãoȱconstitucionalȱdeȱ1997.ȱȱȱ

Nosȱtermosȱdaqueleȱpreceito,ȱaȱsuaȱcompetênciaȱfuncionalȱconsisteȱnoȱjulgamentoȱdasȱ
acçõesȱ eȱ recursosȱ contenciososȱ queȱ tenhamȱ porȱ objectoȱ dirimirȱ osȱ litígiosȱ emergentesȱ dasȱ

182
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

relaçõesȱjurídicasȱadministrativasȱeȱfiscais.ȱEstaȱqualificaçãoȱdasȱrelaçõesȱjurídicas,ȱqueȱ
encontramosȱ igualmenteȱ noȱ art.ȱ 1ºȱ doȱ E.T.A.F.,ȱ implica,ȱ nasȱ palavrasȱ deȱ G.ȱ
CanotilhoȱeȱV.ȱMoreira:ȱ1993,ȱp.ȱ815,ȱduasȱdimensõesȱcaracterizadoras,ȱȱ

–ȱ(1)ȱasȱacçõesȱeȱrecursosȱincidemȱsobreȱrelaçõesȱjurídicasȱemȱqueȱumȱdosȱsujeitosȱéȱtitular,ȱ
funcionárioȱouȱagenteȱdeȱumȱórgãoȱdeȱpoderȱpúblicoȱ(especialmenteȱdaȱadministração);ȱȱ
–ȱ(2)ȱasȱrelaçõesȱjurídicasȱcontrovertidasȱsãoȱreguladas,ȱsobȱoȱpontoȱdeȱvistaȱmaterial,ȱpeloȱ
direitoȱadministrativoȱouȱfiscal.ȱEmȱtermosȱnegativosȱistoȱsignificaȱqueȱnãoȱestãoȱaquiȱ
emȱcausaȱlitígiosȱdeȱnaturezaȱ«privada»ȱouȱ«jurídicoȱcivil».ȱEmȱtermosȱpositivos,ȱumȱ
litígioȱemergenteȱdeȱrelaçõesȱjurídicoȬadministrativasȱeȱfiscaisȱseráȱumaȱcontrovérsiaȱ
sobreȱrelaçõesȱjurídicasȱdisciplinadasȱporȱnormasȱdeȱdireitoȱadministrativoȱe/ouȱfiscal.ȱȱ
ȱ
Talȱ nãoȱ significa,ȱ porém,ȱ queȱ aȱ jurisdiçãoȱ administrativaȱ disponhaȱ deȱ reservaȱ
absolutaȱ emȱ matériasȱ deȱ naturezaȱ administrativaȱ e/ouȱ fiscal,ȱ poisȱ aȱ leiȱ ordináriaȱ
expressamenteȱ atribuiȱ aȱ outrosȱ tribunaisȱ competênciaȱ paraȱ oȱ conhecimentoȱ deȱ
questõesȱ materialmenteȱ administrativas,ȱ aoȱ mesmoȱ tempoȱ queȱ excluiȱ deȱ formaȱ
expressaȱalgumasȱdessasȱmatériasȱdoȱâmbitoȱdaȱjurisdiçãoȱadministrativaȱeȱfiscal.ȱȱȱ

EncontramȬseȱ entreȱ oȱ primeiroȱ conjuntoȱ deȱ situaçõesȱ aȱ competênciaȱ paraȱ oȱ


contenciosoȱeleitoral,ȱqueȱoȱart.ȱ223ºȱnºȱ2ȱc)ȱatribuiȱaoȱTribunalȱConstitucional,ȱeȱoȱ
julgamentoȱdosȱrecursosȱdeȱcontraȬordenação,ȱconfiadoȱaosȱtribunaisȱjudiciais,;ȱnoȱ
segundoȱ grupo,ȱ contaȬseȱ aȱ fiscalizaçãoȱ deȱ actosȱ materialmenteȱ administrativosȱ
praticadosȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ Repúblicaȱ ouȱ peloȱ Conselhoȱ Superiorȱ daȱ
Magistratura,ȱ expressamenteȱ excluídaȱ doȱ âmbitoȱ daquelaȱ jurisdiçãoȱ peloȱ nºȱ 3ȱ doȱ
art.ȱ4ºȱdoȱE.T.A.F..ȱȱȱ

Esteȱ art.ȱ 4ºȱ procedeȱ àȱ enumeraçãoȱ exempficativaȱ deȱ litígiosȱ abrangidosȱ pelaȱ
jurisdiçãoȱ administrativaȱ eȱ deȱ litígiosȱ expressamenteȱ excluídosȱ doȱ respectivoȱ
âmbito.ȱȱ
ȱ
2.3.2.ȱEstruturaȱdosȱTAF.ȱȱ
ȱ
Osȱ tribunaisȱ administrativosȱ eȱ fiscaisȱ formamȱ umaȱ estruturaȱ hierárquica,ȱ cujoȱ
órgãoȱ superiorȱ éȱ oȱ Supremoȱ Tribunalȱ Administrativoȱ porȱ disposiçãoȱ constitucionalȱ
expressaȱ (art.ȱ 212ºȱ nº1),ȱ idênticaȱ àȱ queȱ determinaȱ queȱ oȱ Supremoȱ Tribunalȱ deȱ
Justiçaȱéȱoȱórgãoȱsuperiorȱdaȱhierarquiaȱdosȱtribunaisȱjudiciais.ȱȱ
Oȱ desenvolvimentoȱ daȱ estruturaȱ daȱ jurisdiçãoȱ administrativaȱ eȱ fiscalȱ encontraȬseȱ
noȱE.T.A.F.,ȱoȱqualȱprevêȱnoȱart.ȱ8ºȱaȱsuaȱintegraçãoȱpelosȱseguintesȱtribunais:ȱȱ

–ȱOȱSupremoȱTribunalȱAdministrativo;ȱȱ
–ȱOȱTribunalȱCentralȱAdministrativo;ȱȱ
–ȱOsȱtribunaisȱadministrativosȱdeȱcírculoȱeȱosȱtribunaisȱtributários.ȱȱ

183
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

2.3.3.ȱOȱSupremoȱtribunalȱAdministrativoȱȬȱSTA.ȱȱ

2.3.3.1.ȱ–ȱComposiçãoȱeȱFuncionamento.ȱȱ

Oȱ STAȱ temȱ sedeȱ emȱ Lisboaȱ eȱ competênciaȱ emȱ todoȱ oȱ territórioȱ nacional,ȱ
funcionandoȱporȱsecçõesȱeȱemȱplenário.ȱȱ

Éȱ constituídoȱ porȱ duasȱ secçõesȱ –ȱ aȱ Secçãoȱ deȱ Contenciosoȱ Administrativoȱ eȱ aȱ


SecçãoȱdeȱContenciosoȱTributárioȱ–ȱque,ȱporȱsuaȱvez,ȱfuncionamȱemȱformaçãoȱdeȱ
trêsȱjuízesȱouȱemȱpleno.ȱȱ

OȱSTAȱdispõeȱdeȱumȱPresidenteȱqueȱéȱeleitoȱdeȱentreȱeȱpelosȱjuízesȱdoȱSTA,ȱporȱ
disposiçãoȱ expressaȱ doȱ art.ȱ 212ºȱ nº2ȱ daȱ CRP,ȱ eȱ trêsȱ viceȬpresidentesȱ queȱ oȱ
coadjuvam,ȱ sendoȱ doisȱ dosȱ vicepresidentesȱ eleitosȱ deȱ entreȱ eȱ pelosȱ juízesȱ daȱ
SecçãoȱdoȱContenciosoȱAdministrativoȱeȱoȱterceiroȱviceȬpresidenteȱdeȱentreȱeȱpelosȱ
juízesȱdaȱSecçãoȱDeȱContenciosoȱTributário.ȱȱ

Cadaȱ secçãoȱ doȱ STAȱ éȱ compostaȱ peloȱ Presidenteȱ doȱ Tribunal,ȱ pelosȱ respectivosȱ
viceȬpresidentesȱeȱpelosȱjuízesȱparaȱelaȱnomeados,ȱadmitindoȬseȱaȱdivisãoȱdeȱcadaȱ
secçãoȱporȱsubsecções.ȱOȱJulgamentoȱemȱcadaȱsecçãoȱcompeteȱaoȱrelatorȱeȱaȱdoisȱ
juízes,ȱ queȱ intervêmȱ comoȱ juízesȱ adjuntos.ȱ Oȱ Julgamentoȱ noȱ plenoȱ competeȱ aoȱ
relatorȱ eȱ aoȱ aosȱ demaisȱ juízesȱ emȱ exercícioȱ naȱ secção.ȱ Oȱ plenárioȱ doȱ STAȱ éȱ
compostoȱporȱdezȱjuízes:ȱoȱPresidente,ȱosȱtrêsȱviceȬpresidentesȱeȱosȱtrêsȱjuízesȱmaisȱ
antigosȱ deȱ cadaȱ umaȱ dasȱ secções.ȱ Todasȱ asȱ decisõesȱ colegiaisȱ sãoȱ tomadasȱ emȱ
conferência,ȱprevendoȱoȱETAFȱasȱformasȱdeȱsubstituiçãoȱdeȱjuízes,ȱimpedimentos,ȱ
quórumȱeȱmaioriasȱnecessáriasȱàsȱdecisões.ȱȱ

Competênciaȱ daȱ Secçãoȱ deȱ Contenciosoȱ Administrativo.ȱ Funcionandoȱ emȱ


formaçãoȱdeȱtrêsȱjuízes,ȱconheceȱemȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdição,ȱdeȱprocessosȱemȱmatériaȱ
administrativaȱrelativosȱaȱacçõesȱouȱomissõesȱdasȱentidadesȱenumeradosȱnaȱal.ȱa)ȱ
doȱnº1ȱdoȱart.ȱ24ºȱdoȱETAF.ȱ(PresidenteȱdaȱRepública,ȱAssembleiaȱdaȱRepúblicaȱeȱ
seuȱ Presidente,ȱ Conselhoȱ deȱ Ministrosȱ eȱ PrimeiroȬMinistro,ȱ entreȱ outros),ȱ dosȱ
processosȱrelativosȱaȱeleiçõesȱprevistasȱnoȱpróprioȱETAF,ȱdosȱpedidosȱrelativosȱàȱ
execuçãoȱ dasȱ suasȱ decisões,ȱ dasȱ acçõesȱ deȱ regresso,ȱ fundadasȱ emȱ danosȱ
resultantesȱ doȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ funções,ȱ contraȱ juízesȱ doȱ STAȱ eȱ doȱ TCAȱ eȱ
magistradosȱdoȱMPȱqueȱaíȱexerçamȱfunções.ȱ

Porȱ viaȱ deȱ recursoȱ eȱ funcionandoȱ aindaȱ emȱ formaçãoȱ deȱ trêsȱ juízes,ȱ competeȱ
igualmenteȱàquelaȱSecçãoȱconhecer:ȱȱ

–ȱ dosȱ recursosȱ deȱ acórdãosȱ queȱ aoȱ tribunalȱ centralȱ administrativoȱ caibaȱ proferirȱ
emȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdição;ȱȱ
–ȱdosȱrecursosȱdeȱrevista,ȱsobreȱmatériaȱdeȱdireitoȱ(cfȱart.ȱ24ȱnº2)ȱinterpostosȱdasȱ
seguintesȱdecisões:ȱȱ

184
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

–ȱ deȱ acórdãosȱ daȱ Secçãoȱ deȱ Contenciosoȱ Administrativoȱ doȱ Tribunalȱ Centralȱ
Administrativoȱeȱȱȱ
–ȱ deȱ decisõesȱ dosȱ tribunaisȱ administrativosȱ deȱ círculo,ȱ deȱ acordoȱ comȱ aȱ leiȱ deȱ
processo,ȱ ouȱ seja,ȱ nosȱ casosȱ deȱ revistaȱ perȱ saltumȱ deȱ queȱ trataȱ oȱ art.ȱ 151ºȱ doȱ
CPTAFȱaprovadoȱpelaȱLeiȱ15/2002ȱdeȱ22ȱdeȱFevereiro.ȱȱ
ȱ
Noȱ queȱ respeitaȱ aosȱ poderesȱ deȱ cognição,ȱ estaȱ secçãoȱ conheceȱ apenasȱ deȱ direitoȱ
nosȱrecursosȱdeȱrevista.ȱȱ

Aoȱ plenoȱ daȱ Secçãoȱ deȱ Contenciosoȱ Administrativoȱ competeȱ conhecerȱ dosȱ
recursosȱdeȱacórdãosȱproferidosȱpelaȱsecçãoȱemȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdiçãoȱeȱdosȱrecursosȱ
paraȱuniformizaçãoȱdeȱjurisprudência,ȱapenasȱconhecendoȱdeȱmatériaȱdeȱdireito.ȱȱ

Aoȱ plenoȱ competeȱ aindaȱ pronunciarȬseȱ relativamenteȱ aoȱ sentidoȱ emȱ queȱ deveȱ serȱ
resolvidaȱ porȱ umȱ tribunalȱ administrativoȱ deȱ círculo,ȱ questãoȱ deȱ direitoȱ novaȱ queȱ susciteȱ
dificuldadesȱsériasȱeȱpossaȱvirȱaȱcolocarseȱnoutrosȱlitígio.ȱNosȱtermosȱdaȱleiȱdeȱprocessoȱ
(artȱ 93ȱ doȱ CPTA),ȱ aȱ pronúnciaȱ doȱ plenoȱ doȱ STAȱ podeȱ serȱ solicitadaȱ peloȱ
presidenteȱ doȱ TAC,ȱ aȱ títuloȱ deȱ reenvioȱ prejudicial,ȱ paraȱ serȱ proferidaȱ emȱ trêsȱ
mesesȱeȱterá,ȱnoȱcasoȱdeȱnãoȱserȱdefinitivamenteȱrejeitadaȱpeloȱSTAȱ(vdȱnº3ȱdoȱart.ȱ
93ºȱCPTA),ȱcarácterȱvinculativoȱparaȱoȱtribunalȱdeȱ1ªȱinstância.ȱȱ
ȱ
2.2.3.2.ȱCompetênciasȱȱ
ȱ
2.2.3.2.1.ȱ–ȱAȱSecçãoȱdeȱContenciosoȱTributário,ȱfuncionandoȱemȱformaçãoȱdeȱtrêsȱjuízes,ȱ
conheceȱdosȱseguintesȱrecursosȱdeȱdecisõesȱjurisdicionais:ȱȱ

–ȱ recursosȱ dosȱ acórdãosȱ daȱ secçãoȱ deȱ contenciosoȱ tributárioȱ doȱ Tribunalȱ Centralȱ
Administrativo,ȱproferidosȱemȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdição;ȱȱ
–ȱrecursosȱinterpostosȱdeȱdecisõesȱdosȱTribunaisȱTributáriosȱcomȱexclusivoȱfundamentoȱ
emȱmatériaȱdeȱdireitoȱ(ȱart.ȱ280ºȱnºȱ1ȱdoȱCódigoȱdeȱProcedimentoȱeȱdeȱProcessoȱ
TributárioȱaprovadoȱpeloȱDecȬleiȱ433/99ȱdeȱ26ȱdeȱOutubro).ȱȱ

Conheceȱ aindaȱ dosȱ recursosȱ deȱ actosȱ administrativosȱ doȱ Conselhoȱ deȱ Ministrosȱ
respeitantesȱ aȱ questõesȱ fiscais,ȱ dosȱ conflitosȱ deȱ competênciaȱ entreȱ tribunaisȱ
tributáriosȱeȱtemȱcompetênciaȱparaȱconhecer,ȱemȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdição:ȱȱ

–ȱDasȱprovidênciaȱcautelaresȱrespeitantesȱaȱprocessosȱdaȱsuaȱcompetência;ȱȱ
–ȱPedidosȱrelativosȱàȱexecuçãoȱdasȱsuasȱdecisões;ȱȱ
–ȱPedidosȱdeȱproduçãoȱantecipadaȱdeȱprova,ȱformuladosȱemȱprocessosȱpendentesȱ
naȱsecção.ȱȱ

Estaȱsecçãoȱconheceȱapenasȱdeȱmatériaȱdireitoȱnosȱrecursosȱdirectamenteȱinterpostosȱ
deȱdecisõesȱproferidasȱpelosȱtribunaisȱdaȱbaseȱdaȱpirâmide,ȱosȱtribunaisȱtributários.ȱȱ

185
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Aoȱ plenoȱ daȱ Secçãoȱ Doȱ Contenciosoȱ Tributárioȱ competeȱ conhecer,ȱ apenasȱ deȱ
matériaȱdeȱdireito,:ȱȱ

–ȱDosȱrecursosȱdosȱacórdãosȱproferidosȱpelaȱsecçãoȱemȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdição;ȱȱ
–ȱDosȱrecursosȱparaȱuniformizaçãoȱdeȱjurisprudência.ȱȱ
ȱ
2.3.3.2.2.ȱ –ȱ Oȱ plenárioȱ doȱ STAȱ temȱ competênciaȱ paraȱ conhecerȱ dosȱ conflitosȱ deȱ
jurisdição,ȱnaȱexpressãoȱlegal,ȱentreȱtribunaisȱadministrativosȱeȱtribunaisȱtributáriosȱ
ouȱ entreȱ asȱ secçõesȱ deȱ Contenciosoȱ Administrativoȱ eȱ deȱ Contenciosoȱ Tributário.ȱ
(art.ȱ 29ºȱ doȱ CPTAF).ȱ Talȱ comoȱ oȱ plenoȱ dasȱ secçõesȱ tambémȱ oȱ Plenárioȱ conheceȱ
apenasȱdeȱmatériaȱdeȱdireito.ȱ(art.ȱ12ºȱdȱETAF).ȱȱ

Oȱ Presidenteȱ temȱ funçõesȱ deȱ representaçãoȱ doȱ Tribunal,ȱ deȱ direcçãoȱ


administrativaȱdosȱserviços,ȱdeȱgestãoȱdosȱrecursosȱhumanosȱafectosȱaoȱTribunal,ȱ
naȱ organizaçãoȱ eȱ realizaçãoȱ dasȱ sessões,ȱ tendoȱ votoȱ deȱ desempate,ȱ fixaçãoȱ dosȱ
turnosȱ deȱ juízes,ȱ etc.,ȱ competindoȬlheȱ aindaȱ determinarȱ osȱ casosȱ emȱ que,ȱ porȱ
razõesȱ deȱ uniformizaçãoȱ deȱ jurisprudência,ȱ devemȱ intervirȱ todosȱ osȱ juízesȱ daȱ
secçãoȱ noȱ julgamentoȱ doȱ recursoȱ (art.ȱ 23ºȱ nºȱ 1ȱ f9ȱ ETAF).ȱ Oȱ Presidenteȱ doȱ TCAȱ éȱ
eleito,ȱporȱescrutínioȱsecreto,ȱpelosȱjuízesȱemȱexercícioȱdeȱfunções,ȱentreȱosȱjuízesȱ
doȱTribunalȱcomȱaȱcategoriaȱdeȱconselheiroȱqueȱaíȱexerçamȱfunções,ȱsalvoȱseȱnãoȱ
existiremȱjuízesȱcomȱessaȱcategoriaȱ(art.sȱ33ºȱnºȱ2ȱeȱ19ºȱnº1,ȱETAF).ȱȱ

OȱPresidenteȱéȱcoadjuvadoȱporȱdoisȱviceȬpresidentesȱqueȱconstituemȱcomȱaqueleȱaȱ
presidênciaȱdoȱtribunal,ȱosȱquaisȱsãoȱeleitosȱpelosȱjuízesȱqueȱexerçamȱfunçõesȱnaȱ
secçãoȱrespectivaȱentreȱosȱqueȱaíȱseȱencontramȱemȱexercícioȱefectivoȱdeȱfunções.ȱȱ
ȱ
2.3.4.ȱ–ȱOȱTribunalȱCentralȱAdministrativo.ȱȱ
ȱ
2.3.4.1.ȱComposiçãoȱeȱfuncionamento.ȱȱȱ
ȱ
DoȱpontoȱdeȱvistaȱdaȱsuaȱcomposiçãoȱeȱfuncionamentoȱoȱTCAȱéȱmuitoȱsemelhanteȱ
aoȱSTA:ȱéȱúnico,ȱcomȱsedeȱemȱLisboaȱeȱjurisdiçãoȱemȱtodoȱoȱterritórioȱnacional;ȱéȱ
compostoȱ porȱ duasȱ secçõesȱ Ȭigualmenteȱ especializadasȱ emȱ razãoȱ daȱ matériaȱ
administrativaȱ eȱ tributáriaȱ –ȱ queȱ decidemȱ colegialmente,ȱ emȱ conferência,ȱ eȱ pelaȱ
presidência,ȱcomȱumȱlequeȱrelativamenteȱalargadoȱdeȱcompetênciasȱatribuídasȱaoȱ
Presidente,ȱ incluindoȱ aȱ faculdadeȱ deȱ determinarȱ osȱ casosȱ emȱ que,ȱ porȱ razõesȱ deȱ
uniformizaçãoȱdeȱjurisprudência,ȱdevemȱintervirȱnoȱjulgamentoȱtodosȱosȱjuízesȱdaȱ
secção,ȱ sendoȱ aplicáveisȱ porȱ remissãoȱ asȱ disposiçõesȱ estabelecidasȱ paraȱ oȱ STAȱ
quantoȱaoȱpreenchimentoȱdeȱsecções,ȱregimeȱdasȱsessõesȱdeȱjulgamentoȱeȱregimeȱ
aplicávelȱaosȱadjuntos.ȱȱ

Poderesȱdeȱcognição:ȱoȱTCAȱconheceȱdeȱfactoȱeȱdeȱdireito.ȱ(art.ȱ31º/29.ȱȱ

186
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

CompetênciaȱdaȱsecçãoȱdeȱContenciosoȱAdministrativo.ȱȱ

Conhece,ȱporȱviaȱdeȱrecurso:ȱȱ

–ȱDosȱrecursosȱdasȱdecisõesȱdosȱtribunaisȱadministrativosȱdeȱcírculoȱparaȱosȱquaisȱ
nãoȱsejaȱcompetenteȱoȱSTA;ȱȱ
–ȱ Dosȱ recursosȱ deȱ decisõesȱ proferidasȱ porȱ tribunalȱ arbitralȱ sobreȱ matériasȱ deȱ
contenciosoȱadministrativo.ȱȱ
ȱ
Emȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdição,ȱconheceȱdasȱacçõesȱdeȱregressoȱpropostasȱcontraȱjuízesȱ
dosȱ tribunaisȱ administrativosȱ deȱ círculoȱ ouȱ contraȱ magistradosȱ doȱ MPȱ queȱ aíȱ
exerçamȱfunções.ȱȱ
ȱ
2.3.5.ȱ–ȱOsȱTribunaisȱAdministrativosȱdeȱCírculo.ȱȱ
ȱ
Osȱ Tribunaisȱ administrativosȱ deȱ círculoȱ constituemȱ aȱ baseȱ daȱ pirâmideȱ dosȱ TAFȱ
comȱ competênciaȱ emȱ matériaȱ administrativa,ȱ competindoȬlhesȱ conhecerȱ emȱ 1ªȱ
instânciaȱ deȱ todosȱ osȱ processosȱ doȱ âmbitoȱ daȱ jurisdiçãoȱ administrativa,ȱ comȱ
excepçãoȱdaquelesȱcujaȱcompetênciaȱestejaȱreservada,ȱemȱ1ºȱgrauȱdeȱjurisdição,ȱaosȱ
tribunaisȱsuperioresȱ(art.ȱ44ºȱETAF).ȱȱ

AoȱcontrárioȱdoȱqueȱsucedeȱcomȱoȱSTAȱeȱoȱTCA,ȱprevêȬseȱumȱnúmeroȱpluralȱdeȱ
tribunaisȱnosȱlocaisȱeȱcomȱaȱáreaȱdeȱjurisdiçãoȱqueȱaȱleiȱdeterminar,ȱaȱinstalarȱporȱ
PortariaȱdoȱMinistérioȱdaȱJustiça,ȱqueȱdefiniráȱigualmenteȱoȱnúmeroȱdeȱjuízesȱemȱ
cadaȱtribunal.ȱȱ

Quantoȱaoȱseuȱfuncionamento,ȱoȱETAFȱconsagraȱumȱmodeloȱtripartido:ȱemȱregra,ȱ
funcionamȱcomȱjuizȱsingularȱqueȱconheceȱdeȱfactoȱeȱdeȱdireito;ȱnasȱacçõesȱadministrativasȱ
comunsȱqueȱsigamȱaȱformaȱdoȱprocessoȱordinárioȱoȱjulgamentoȱdaȱmatériaȱdeȱfactoȱéȱ
feitoȱemȱtribunalȱcolectivoȱseȱtalȱforȱrequeridoȱporȱqualquerȱdasȱpartes,ȱcabendoȱaoȱ
juizȱsingularȱproferirȱaȱdecisãoȱfinal,ȱconhecendoȱdeȱdireito,ȱàȱimagemȱdoȱqueȱsucedeȱ
emȱmatériaȱcívelȱ(nosȱtribunaisȱjudiciais)ȱnosȱjulgamentosȱcomȱintervençãoȱdoȱtribunalȱ
colectivo;ȱnasȱacçõesȱespeciaisȱdeȱvalorȱsuperiorȱàȱalçada,ȱoȱtribunalȱjulgaȱdeȱfactoȱ
eȱ deȱ direitoȱ emȱ formaçãoȱ deȱ trêsȱ juízes,ȱ àȱ imagemȱ doȱ queȱ sucedeȱ nosȱ tribunaisȱ
judiciasȱemȱmatériaȱcriminal,ȱnosȱjulgamentosȱcomȱintervençãoȱdoȱtribunalȱcolectivo.ȱȱ

Oȱ ETAFȱ prevêȱ aindaȱ queȱ oȱ presidenteȱ doȱ tribunalȱ possaȱ determinarȱ queȱ oȱ
julgamentoȱseȱfaçaȱcomȱaȱintervençãoȱdeȱtodosȱosȱjuízesȱdoȱtribunal,ȱquandoȱseȱ
coloqueȱquestãoȱdeȱdireitoȱnovaȱqueȱsusciteȱdificuldadesȱsériasȱeȱqueȱpossaȱvirȱaȱ
colocarȬseȱ noutrosȱ litígios,ȱ visandoȬseȱ aȱ uniformizaçãoȱ deȱ jurisprudência,ȱ antesȱ
mesmoȱdeȱseȱverificarȱprevisívelȱdivergênciaȱdeȱdecisõesȱ(Cfȱart.sȱ41ºȱnº1ȱeȱ43ºȱnºȱ3ȱ
d)).ȱEsteȱprocedimentoȱéȱmesmoȱobrigatórioȱquandoȱestejaȱemȱcausaȱumaȱsituaçãoȱ

187
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

deȱprocessosȱemȱmassaȱnosȱtermosȱprevistosȱnaȱleiȱdeȱprocesso.ȱTrataȬse,ȱaoȱnívelȱ
daȱprimeiraȱinstância,ȱdeȱmecanismoȱidênticoȱaoȱjulgamentoȱampliadoȱdeȱrecursoȱ
paraȱuniformizaçãoȱdeȱjurisprudênciaȱporȱdecisãoȱdosȱpresidentesȱdoȱSTAȱouȱdoȱ
TCA,ȱnosȱtermosȱdoȱart.ȱ148ºȱdoȱCPTA.ȱȱ

Comoȱ aludidoȱ supra,ȱ éȱ oȱ art.ȱ 93ºȱ doȱ CPTAȱ queȱ regulaȱ esteȱ procedimento,ȱ deȱ
acordoȱcomȱoȱqualȱoȱPresidenteȱdoȱTACȱpode,ȱemȱalternativa,ȱoptarȱpeloȱreenvioȱ
prejudicialȱparaȱoȱSTAȱparaȱqueȱesteȱemitaȱpronúnciaȱvinculativaȱsobreȱaȱquestãoȱ
cabendoȬlhe,ȱportanto,ȱoȱpoderȱdeȱdecidirȱqualȱaȱmodalidadeȱaȱadoptar,ȱemboraȱoȱ
STAȱpossaȱrejeitarȱdefinitivamenteȱaȱapreciaçãoȱdaȱquestão.ȱȱȱ

Aosȱ presidentesȱ dosȱ TACȱ sãoȱ atribuídasȱ competênciasȱ relativamenteȱ alargadas:ȱ


paraȱalémȱdosȱpoderesȱdeȱrepresentação,ȱdirecçãoȱeȱdisciplinaȱ(aindaȱqueȱlimitada,ȱ
comoȱ emȱ regraȱ sucede)ȱ dosȱ funcionários,ȱ fixarȱ osȱ turnos,ȱ darȱ posses,ȱ elaborarȱ
relatórioȱ anualȱ sobreȱ oȱ estadoȱ dosȱ serviços,ȱ cabeȬlhesȱ igualmenteȱ intervirȱ emȱ
matériasȱ que,ȱ emboraȱ aȱ leiȱ continueȱ aȱ incluirȱ expressamenteȱ naȱ suaȱ competênciaȱ
administrativaȱ (nº3ȱ doȱ art.ȱ 43º),ȱ seȱ ligamȱ maisȱ directamenteȱ aoȱ julgamentoȱ deȱ
processosȱconcretamenteȱconsideradosȱeȱaoȱmodoȱdeȱexercerȱfunçõesȱpelosȱjuízesȱ
doȱ tribunal;ȱ assimȱ quantoȱ àȱ faculdadeȱ deȱ determinarȱ osȱ casosȱ emȱ queȱ devemȱ
intervirȱ noȱ julgamentoȱ todosȱ osȱ juízesȱ doȱ tribunalȱ ouȱ quantoȱ aoȱ planeamentoȱ eȱ
organizaçãoȱ dosȱ recursosȱ humanosȱ doȱ tribunal,ȱ assegurandoȱ umaȱ equitativaȱ
distribuiçãoȱ dosȱ processosȱ pelosȱ juízesȱ eȱ oȱ acompanhamentoȱ doȱ seuȱ trabalhoȱ ouȱ oȱ
poderȱdeȱestabelecerȱaȱformaȱmaisȱequitativaȱdeȱintervençãoȱdeȱjuízesȱadjuntos.ȱȱ

AoȱcontrárioȱdoȱqueȱsucedeȱcomȱosȱpresidentesȱdoȱSTAȱeȱdoȱTCA,ȱosȱpresidentesȱ
dosȱTACȱnãoȱsãoȱeleitosȱpelosȱseusȱpares.ȱConformeȱdeterminaȱoȱart.ȱ43ºȱdoȱETAF,ȱ
osȱ presidentesȱ sãoȱ nomeadosȱ peloȱ Conselhoȱ Superiorȱ dosȱ Tribunaisȱ
Administrativosȱ eȱ Fiscaisȱ (CSTAF),ȱ eȱ nosȱ tribunaisȱ comȱ maisȱ deȱ trêsȱ sãoȱ
necessariamenteȱnomeadosȱdeȱentreȱjuízesȱcomȱaȱcategoriaȱdeȱconselheirosȱouȱdeȱ
desembargadoresȱ eȱ nãoȱ têmȱ processosȱ distribuídos,ȱ dondeȱ resultaȱ queȱ nãoȱ serãoȱ
nomeadosȱdeȱentreȱjuízesȱqueȱexerçamȱfunçõesȱnosȱTACȱumaȱvezȱqueȱestesȱterãoȱaȱ
categoriaȱ correspondenteȱ aȱ juizȱ deȱ direitoȱ (art.ȱ 58ºȱ nº3ȱ doȱ ETAF).ȱ Nosȱ restantesȱ
tribunaisȱ administrativosȱ deȱ círculoȱ cabeȱ aoȱ CSTAFȱ decidirȱ emȱ queȱ condiçãoȱ háȱ
distribuiçãoȱ deȱ processosȱ aosȱ presidentesȱ doȱ TAC,ȱ permitindoȱ aȱ leiȱ queȱ aȱ
nomeaçãoȱseȱfaçaȱentreȱjuízesȱqueȱaíȱexerçamȱfunções,ȱouȱnão.ȱȱȱ
ȱ
OsȱTribunaisȱTributários.ȱȱ
ȱ
Osȱtribunaisȱtributáriosȱconstituemȱaȱbaseȱdaȱpirâmideȱemȱmatériaȱfiscal.ȱTalȱcomoȱ
ocorreȱcomȱosȱTAC,ȱaȱleiȱprevêȱqueȱpossaȱexistirȱumaȱpluralidadeȱdeȱtribunaisȱnosȱ
locaisȱ eȱ comȱ aȱ áreaȱ deȱ jurisdiçãoȱ queȱ aȱ leiȱ determinar,ȱ aȱ instalarȱ porȱ Portariaȱ doȱ
MinistérioȱdaȱJustiça,ȱqueȱdefiniráȱigualmenteȱoȱnúmeroȱdeȱjuízesȱemȱcadaȱtribunal.ȱȱ

188
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

Quantoȱ aoȱ modoȱ deȱ funcionamento,ȱ prevêȬseȱ queȱ osȱ TTȱ funcionemȱ apenasȱ comȱ
juizȱ singular,ȱ queȱ decidiráȱ deȱfactoȱeȱ deȱ direito,ȱ semȱ prejuízoȱ deȱ oȱ presidenteȱ doȱ
tribunalȱpoderȱdeterminarȱqueȱoȱjulgamentoȱseȱfaçaȱcomȱintervençãoȱdeȱtodosȱosȱ
juízesȱdoȱtribunal,ȱquandoȱàȱsuaȱapreciaçãoȱseȱcoloqueȱumaȱquestãoȱdeȱdireitoȱnovaȱqueȱ
susciteȱdificuldadesȱsériasȱeȱpossaȱvirȱaȱcolocarȬseȱnoutrosȱlitígiosȱ(art.ȱ46ºȱdoȱETAF)I,ȱsemȱ
queȱseȱprevejaȱnaȱleiȱdeȱprocessoȱaȱalternativaȱdeȱprocederȱaoȱreenvioȱprejudicialȱ
concedidaȱaoȱpresidenteȱdoȱTACȱpeloȱart.ȱ93ºȱdoȱCPTA.ȱȱ

Oȱ regimeȱ previstoȱ paraȱ aȱ nomeaçãoȱ eȱ competênciasȱ doȱ presidenteȱ doȱ TTȱ éȱ


praticamenteȱdecalcadoȱnoȱregimeȱestabelecidoȱparaȱoȱpresidenteȱdoȱTAC.ȱȱ
ȱ
ȱ
3ȱ–ȱOȱTRIBUNALȱDEȱCONTASȱȱ
ȱ
3.1.ȱ–ȱAtribuiçõesȱeȱEstatutoȱdoȱTribunal.ȱȱ
ȱ
Oȱ art.ȱ 214ºȱ daȱ CRPȱ defineȱ oȱ T.ȱ Contasȱ comoȱ oȱ órgãoȱ supremoȱ deȱ fiscalizaçãoȱ daȱ
legalidadeȱ dasȱ despesasȱ públicasȱ eȱ deȱ julgamentoȱ dasȱ contasȱ queȱ aȱ leiȱ mandarȱ
submeterȬlhe.ȱȱ

Partindoȱ daȱ necessidadeȱ deȱ umȱ sistemaȱ deȱ controloȱ paraȱ assegurarȱ aȱ eficáciaȱ deȱ
todaȱ aȱ actividadeȱ deȱ gestãoȱ eȱ daȱ distinçãoȱ entreȱ sistemasȱ deȱ controloȱ internoȱ eȱ
externo,ȱ especialmenteȱ relevanteȱ noȱ domínioȱ daȱ gestãoȱ pública,ȱ oȱ Tribunalȱ deȱ
Contasȱ constituiȱ umȱ meioȱ particularȱ deȱ controloȱ externoȱ daȱ gestãoȱ pública,ȱ
porquantoȱ paraȱ alémȱ deȱ constituirȱ umȱ órgãoȱ externoȱ relativamenteȱ aȱ cadaȱ umaȱ
dasȱ entidadesȱ eȱ serviçosȱ sujeitosȱ àȱ suaȱ intervenção,ȱ éȬoȱ relativamenteȱ àȱ macroȬ
organizaçãoȱ daȱ Administraçãoȱ Pública,ȱ peranteȱ aȱ qualȱ seȱ apresentaȱ comoȱ órgãoȱ
independente.ȱȱ

Nãoȱseȱtrata,ȱporém,ȱdeȱmeraȱindependênciaȱtécnicaȱqueȱtambémȱdeveȱexistirȱnoȱ
âmbitoȱdoȱcontroloȱinternoȱporȱrazõesȱdeȱmaximizaçãoȱdaȱeficáciaȱdaȱgestão,ȱmasȱ
deȱ umaȱ independênciaȱ maisȱ ampla 29 ȱ queȱ seȱ traduzȱ essencialmenteȱ noȱ sistemaȱ deȱ
autogovernoȱ (oȱ poderȱ deȱ determinarȱ oȱ seuȱ planoȱ deȱ acçãoȱ semȱ ingerênciaȱ deȱ
outrosȱórgãos)ȱeȱnoȱestatutoȱdeȱindependênciaȱdosȱseusȱjuízes.ȱȱȱ

Comoȱtribunal,ȱoȱtribunalȱdeȱcontasȱé,ȱcomoȱvimos,ȱumȱórgãoȱdeȱsoberaniaȱcomoȱosȱ
restantesȱtribunais,ȱregendoȬseȱpelosȱprincípiosȱqueȱlhesȱsãoȱprópriosȱeȱdesignadamente:ȱȱ

–ȱ Oȱ referidoȱ princípioȱ daȱ independênciaȱ eȱ daȱ exclusivaȱ sujeiçãoȱ aoȱ direitoȱ (art.ȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
203ºȱCRP);ȱȱ

29 ȱVd,ȱparaȱmaioresȱdesenvolvimentos,ȱJoséȱF.ȱF.ȱTavares,ȱOȱTribunalȱdeȱContas,ȱAlmedinaȱ1998,ȱppȱ13ȱaȱ25.ȱ

189
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

–ȱDireitoȱàȱcoadjuvaçãoȱdeȱoutrasȱautoridadesȱ(ȱart.ȱ202ºȱCRP);ȱȱ
–ȱPrincípiosȱdaȱfundamentação,ȱdaȱobrigatoriedadeȱeȱdaȱprevalênciaȱdasȱdecisõesȱ
(art.ȱ205ºȱCRP);ȱȱ
–ȱPrincípioȱdaȱpublicidadeȱ(art.ȱ206ºȱCRP)ȱȱ
ȱ
Emboraȱ esteȱ tipoȱ deȱ órgãosȱ financeirosȱ possaȱ existirȱ emȱ quaisquerȱ regimesȱ
políticos,ȱvisandoȱassegurarȱaȱlegalidadeȱestabelecida,ȱoȱT.Contasȱsatisfazȱaȱexigênciaȱ
dasȱ sociedadesȱ democráticasȱ deȱ queȱ aȱ administraçãoȱ financeiraȱ doȱ Estadoȱ sejaȱ
transparenteȱ eȱ controladaȱ porȱ umȱ organismoȱ superiorȱ deȱ fiscalizaçãoȱ externaȱ àȱ
própriaȱadministração,ȱtendoȱcomoȱmissãoȱfundamental,ȱnasȱpalavrasȱdeȱȱJoséȱF.F.ȱ
Tavares,ȱ “…ȱ informarȱ osȱ cidadãosȱ eȱ osȱ seusȱ representantesȱ ȱ (ȱ noȱ Parlamento)ȱ deȱ
comoȱ sãoȱ geridos,ȱ emȱ váriosȱ planos,ȱ osȱ recursosȱ financeirosȱ eȱ patrimoniaisȱ
públicosȱ que,ȱ naȱ realidadeȱ lhesȱ pertencemȱ comȱ oȱ eventualȱ eȱ consequenteȱ
apuramentoȱdeȱresponsabilidadesȱnosȱtermosȱlegalmenteȱdefinidos.ȱȱ
ȱ
3.2.ȱ–ȱJurisdição.ȱȱ
ȱ
Tomandoȱ aquiȱ oȱ conceitoȱ deȱ jurisdiçãoȱ comȱ oȱ sentidoȱ deȱ funçãoȱ ouȱ actividadeȱ
atribuídaȱaȱcadaȱordemȱouȱcategoriaȱdeȱtribunais,ȱcorrespondenteȱàȱparcelaȱqueȱlheȱ
cabeȱ daȱ funçãoȱ jurisdicionalȱ atribuídaȱ aosȱ Tribunaisȱ noȱ seuȱ conjunto,ȱ comoȱ atéȱ
aqui,ȱ podemosȱ consideráȬlaȱ desdeȱ logoȱ sobȱ diversasȱ perspectivas.ȱ Vamosȱ ver,ȱ
assim,ȱoȱseuȱâmbitoȱsubjectivo,ȱmaterialȱeȱterritorial.ȱȱ
ȱ
3.2.1.ȱ–ȱÂmbitoȱsubjectivo.ȱȱ
ȱ
ȱEstãoȱsujeitasȱàȱjurisdiçãoȱdoȱTribunalȱ(art.ȱ2ºȱdaȱLeiȱnºȱ98/97ȱeȱLeiȱnºȱ14/96ȱdeȱ20ȱ
deȱ Abril),ȱ emȱ geral,ȱ aȱ Administraçãoȱ Públicaȱ central,ȱ regionalȱ autónomaȱ eȱ local,ȱ
directa,ȱouȱseja,ȱoȱEstadoȱeȱseusȱserviços;ȱasȱregiõesȱautónomasȱeȱseusȱserviços;ȱasȱ
autarquiasȱ locais,ȱ suasȱ associaçõesȱ ouȱ federaçõesȱ eȱ seusȱ serviços,ȱ bemȱ comoȱ asȱ
áreasȱmetropolitanas,ȱosȱinstitutosȱpúblicos;ȱasȱinstituiçõesȱdeȱsegurançaȱsocial.ȱȱȱ

EstãoȱaindaȱsubmetidasȱaosȱpoderesȱdeȱcontroloȱfinanceiroȱdoȱTribunal,ȱumȱlequeȱdeȱ
entidadesȱ queȱ abrange,ȱ desdeȱ asȱ empresasȱ públicasȱ àsȱ fundaçõesȱ deȱ direitoȱ
privadoȱ queȱ recebamȱ anualmente,ȱ comȱ carácterȱ deȱ regularidade,ȱ fundosȱ
provenientesȱdoȱOrçamentoȱdoȱEstadoȱouȱdasȱautarquiasȱlocais,ȱnoȱqueȱrespeitaȱàȱ
utilizaçãoȱdessesȱmesmosȱfundos.ȱȱ

EncontramȬseȱaindaȱsujeitasȱàȱintervençãoȱdoȱTribunalȱdeȱContas,ȱasȱentidadesȱdeȱ
qualquerȱ naturezaȱ queȱ tenhamȱ participaçãoȱ deȱ capitaisȱ públicosȱ ouȱ sejamȱ
beneficiários,ȱ aȱ qualquerȱ título,ȱ deȱ recursosȱ financeirosȱ públicos,ȱ incluindoȱ osȱ
provenientesȱdoȱorçamentoȱdaȱUniãoȱEuropeia.ȱ–ȱvdȱart.ȱ5ºȱnº1ȱal.ȱh)ȱdaȱLeiȱ97/98.ȱȱ

190
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

3.2.2.ȱ–ȱÂmbitoȱmaterialȱeȱterritorial.ȱȱ
ȱ
Aȱ jurisdiçãoȱ doȱ Tribunalȱ incideȱ sobreȱ aȱ generalidadeȱ dasȱ receitasȱ eȱ dasȱ despesasȱ
públicasȱ eȱ daȱ actividadeȱ deȱ gestãoȱ correspondente,ȱ abrangendoȱ todaȱ aȱ ordemȱ
jurídicaȱportuguesa,ȱtantoȱemȱterritórioȱnacionalȱcomoȱnoȱestrangeiro,ȱabrangendoȱ
assimȱosȱserviçosȱpúblicosȱportuguesesȱnoȱestrangeiroȱcomoȱéȱoȱcasoȱdosȱserviçosȱ
consulares.ȱȬArt.sȱ1ºȱnº2ȱeȱ51ºȱnº1ȱf),ȱdaȱLei7/98.ȱȱȱ
ȱ
3.2.3.ȱ–ȱCompetência.ȱȱ
ȱ
Considerandoȱ aquiȱ aȱ competênciaȱ comoȱ oȱ conjuntoȱ dosȱ poderesȱ funcionaisȱ
(jurisdicionais,ȱ nãoȱ jurisdicionais,ȱ deȱ fiscalização,ȱ deȱ controloȱ daȱ legalidade)ȱ
conferidosȱ pelaȱ CRPȱ eȱ pelaȱ leiȱ ordináriaȱ paraȱ seremȱ exercidosȱ noȱ âmbitoȱ daȱ suaȱ
jurisdiçãoȱ eȱ comȱ vistaȱ àȱ prossecuçãoȱ dasȱ suasȱ atribuições,ȱ cujoȱ exercícioȱ
consubstanciaȱ asȱ suasȱ funçõesȱ ouȱ actividades,ȱ podemosȱ distinguirȱ oȱ seguinteȱ
quadroȱdeȱPoderesȱdoȱtribunalȱdeȱContas,ȱapresentadoȱporȱJoséȱF.F.ȱTavaresȱ.ȱȱ
ȱ
1)ȱPeloȱcritérioȱdaȱnaturezaȱdosȱpoderes,ȱestesȱpodemȱser:ȱȱ

a)ȱPoderesȱdeȱfiscalização/controlo,ȱtraduzidosȱnumaȱactividadeȱtécnicaȱdeȱapreciaçãoȱ
daȱ actividadeȱ financeiraȱ pública:ȱ aoȱ T.ȱ Contasȱ competeȱ darȱ parecerȱ sobreȱ aȱ
Contaȱ Geralȱ doȱ Estado,ȱ incluindoȱ aȱ contaȱ daȱ segurançaȱ social,ȱ comȱ vistaȱ aȱ
habilitarȱ aȱ ARȱ aȱ julgáȬla,ȱ sendoȱ mesmoȱ condiçãoȱ desseȱ juízoȱ (cfȱ art.sȱ 162ºȱ d)ȱ eȱ
107º,ȱCRPȱeȱart.ȱ5ºȱnº1ȱalsȱa)ȱdaȱLeiȱ97/98.).ȱȱ

NesteȱdomínioȱoȱT.ȱContasȱapreciaȱaȱactividadeȱfinanceiraȱdoȱEstadoȱnoȱanoȱaȱqueȱ
aȱ Contaȱ seȱ reporta,ȱ nosȱ domíniosȱ dasȱ receitas,ȱ dasȱ despesas,ȱ daȱ tesouraria,ȱ doȱ
recursoȱ aoȱ créditoȱ públicoȱ eȱ doȱ património,ȱ emȱ diversosȱ aspectosȱ deȱ queȱ seȱ
destacam,ȱ porȱ maisȱ emblemáticos,ȱ oȱ cumprimentoȱ daȱ Leiȱ deȱ Enquadramentoȱ doȱ
OrçamentoȱdoȱEstado,ȱaȱcomparaçãoȱentreȱasȱreceitasȱeȱdespesasȱorçamentadasȱeȱ
asȱefectivamenteȱrealizadas,ȱosȱapoiosȱconcedidosȱdirectaȱouȱindirectamenteȱpeloȱ
Estado,ȱ designadamenteȱ subvenções,ȱ subsídios,ȱ benefíciosȱ fiscais,ȱ créditos,ȱ
bonificaçõesȱ eȱ garantiasȱ financeirasȱ ou,ȱ ainda,ȱ osȱ fluxosȱ financeirosȱ comȱ aȱ Uniãoȱ
Europeia,ȱbemȱcomoȱoȱgrauȱdeȱobservânciaȱdosȱcompromissosȱcomȱelaȱassumidosȱ
(cfȱart.ȱ41ºȱdaȱLOPTC).ȱȱ

AoȱT.ȱContasȱcompeteȱaindaȱdarȱparecerȱsobreȱaȱcontaȱdaȱARȱeȱsobreȱasȱcontasȱdasȱ
RegiõesȱAutónomasȱeȱdasȱrespectivasȱassembleiasȱlegislativasȱregionaisȱ(art.ȱ5ºȱnº1ȱ
alsȱa),ȱinȱfine,ȱeȱb),ȱdaȱLOPTC),ȱbemȱcomoȱemȱrelatóriosȱdeȱauditorias,ȱdeȱanáliseȱeȱ
verificaçãoȱdeȱcontas,ȱcomȱobjectivosȱeȱâmbitoȱmuitoȱvariados.ȱ–ȱCfȱart.ȱ5ºȱeȱȱ50ºȱaȱ
55º,ȱdaȱLeiȱ97/98.ȱȱ
ȱ

191
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

b)ȱPoderesȱjurisdicionais,ȱemȱespecial,ȱdeȱjulgamentoȱdaȱresponsabilidadeȱfinanceira,ȱ
tendoȱ comoȱ baseȱ sobretudoȱ osȱ resultadosȱ daȱ fiscalizaçãoȱ realizada.ȱ (ȱ Cfȱ art.sȱ
214ºȱdaȱCRP,ȱ57ºȱaȱ70ºȱdaȱLeiȱ97/98).ȱȱ

Naȱresponsabilidadeȱfinanceiraȱdistingueȱaȱleiȱentreȱresponsabilidadeȱfinanceiraȱreintegratóriaȱ
(art.sȱ59ºȱaȱ64º),ȱresponsabilidadeȱfinanceiraȱsancionatória,ȱ“art.ȱ65ºȱLeiȱ97/98)ȱeȱresponsabilidadeȱ
sancionatóriaȱporȱoutrasȱinfracções,ȱdeȱnaturezaȱnãoȱfinanceiraȱ(art.ȱ66ºȱLeiȱ97/98).ȱȱ

Todavia,ȱ aȱ competênciaȱ doȱ T.ȱ Contasȱ paraȱ aplicarȱ aosȱ responsáveisȱ asȱ multasȱ eȱ
demaisȱsançõesȱprevistasȱnaȱlei,ȱnãoȱseȱconfundeȱcomȱaȱefectivaçãoȱdeȱresponsabilidadeȱ
penalȱ queȱ apenasȱ podeȱ serȱ levadaȱ aȱ caboȱ pelosȱ tribunaisȱ judiciais,ȱ porȱ estarmosȱ
peranteȱmatériaȱdeȱreservaȱjudicialȱ–ȱ(cf,ȱporȱtodos,ȱart.sȱ27ºȱnº2ȱeȱ209ºȱnº4,ȱdaȱCRP).ȱȱ

Deveȱ sublinharȬseȱ ainda,ȱ queȱ osȱ poderesȱ deȱ fiscalização/controloȱ eȱ osȱ poderesȱ
jurisdicionaisȱouȱdeȱjulgamentoȱformamȱumȱtodoȱglobalȱeȱcoerente,ȱrepresentandoȱ
osȱ poderesȱ jurisdicionaisȱ umȱ complementoȱ ouȱ sequênciaȱ naturalȱ dosȱ poderesȱ deȱ
fiscalizaçãoȱ(art.sȱ5ºȱ1ȱe),ȱ15º,ȱ57ºȱeȱ89º,ȱdasȱLeiȱ97/98).ȱȱ
ȱ
2.ȱ Peloȱ critérioȱ doȱ momentoȱ doȱ exercícioȱ doȱ controlo,ȱ aȱ competênciaȱ doȱ Tribunalȱ
distingueȬseȱentre:ȱȱ
–ȱpoderesȱdeȱfiscalizaçãoȱpréviaȱ(preventivaȱouȱaȱpriori)ȱdaȱlegalidadeȱeȱcabimentoȱ
orçamentalȱdeȱactos,ȱȱcontratos,ȱouȱoutrosȱinstrumentosȱgeradoresȱdeȱdespesaȱouȱ
representativosȱ deȱ responsabilidadesȱ financeirasȱ directasȱ ouȱ indirectas,ȱ
exercidosȱatravésȱdoȱvistoȱouȱdaȱdeclaraçãoȱdeȱconformidadeȱ–ȱart.sȱ5ºȱnº1ȱc),ȱeȱ44ºȱaȱ
48º,ȱdaȱLeiȱ97/98;ȱȱ
–ȱPoderesȱdeȱfiscalizaçãoȱconcomitante,ȱtraduzidosȱnoȱacompanhamentoȱdaȱexecuçãoȱ
deȱactosȱouȱcontratosȱouȱdeȱorçamentos,ȱprogramasȱeȱprojectosȱe,ȱemȱgeral,ȱnoȱ
acompanhamentoȱdaȱactividadeȱfinanceiraȱsobȱaȱsuaȱjurisdiçãoȱ–ȱȱart.sȱ15ºȱnº1ȱeȱ
49º,ȱdaȱLeiȱ97/98;ȱȱȱ
–ȱPoderesȱdeȱfiscalizaçãoȱsucessivaȱ(ouȱaȱposteriori),ȱconsubstanciadosȱnaȱapreciaçãoȱeȱ
avaliaçãoȱdaȱactividadeȱfinanceiraȱeȱdosȱsistemasȱdeȱgestãoȱeȱdeȱcontroloȱinterno,ȱ
emȱ momentoȱ posteriorȱ aoȱ desenvolvimentoȱ daȱ actividadeȱ financeiraȱ
(controlada),ȱ aȱ qualȱ podeȱ conduzirȱ aoȱ julgamentoȱ daȱ responsabilidadeȱ
financeiraȱ–ȱart.sȱ5º,ȱ36º,ȱ37º,ȱ41ºȱeȱ42º,ȱeȱ50ºȱaȱ56º,ȱdaȱLeiȱ97/98.ȱȱ
ȱ
3.ȱContinuandoȱaȱseguirȱJoséȱF.F.ȱTavaresȱnestaȱmatéria,ȱimportaȱconsiderarȱagoraȱ
que,ȱdeȱacordoȱcomȱoȱcritérioȱdoȱconteúdoȱdosȱpoderesȱdeȱcontroloȱdoȱT.ȱContas,ȱ
aȱactividadeȱdesteȱpodeȱconsistirȱem:ȱȱ
–ȱControloȱdaȱlegalidadeȱemȱsentidoȱestritoȱeȱdaȱregularidade;ȱȱ
–ȱControloȱeconómicoȱ(economicidade,ȱeficiênciaȱeȱeficácia);ȱȱ
–ȱAvaliação.ȱȱ

192
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

ȱ
Nesteȱâmbito,ȱoȱtribunalȱapreciaȱaȱgestãoȱfinanceiraȱglobalȱdasȱentidadesȱpúblicasȱ
sujeitasȱ aoȱ seuȱ controlo,ȱ sobȱ oȱ pontoȱ deȱ vistaȱ daȱ legalidadeȱ formal,ȱ ouȱ seja,ȱ doȱ
respeitoȱ pelasȱ regrasȱ daȱ suaȱ execuçãoȱ eȱ daȱ suaȱ conformidadeȱ orçamental,ȱ masȱ
tambémȱ doȱ pontoȱ deȱ vistaȱ daȱ legalidadeȱ substancial,ȱ istoȱ é,ȱ dasȱ regrasȱ deȱ boaȱ
gestãoȱ financeiraȱ dosȱ recursosȱ públicos,ȱ apreciandoȱ aȱ economia,ȱ eficáciaȱ eȱ
eficiência,ȱdaȱgestãoȱfinanceira,ȱaȱqueȱacresceȱoȱpoderȱdeȱavaliaçãoȱ–ȱcfȱart.ȱ1ºȱnº1,ȱ
5ºȱnºȱ1ȱfȱeȱ50º,)ȱdaȱLeiȱ97/98.ȱȱ
ȱȱ
3.4.ȱ –ȱ Oȱ T.ȱ Contasȱ temȱ aindaȱ competênciaȱ materialȱ complementarȱ eȱ instrumentalȱ
relativamenteȱàȱexecuçãoȱdaȱsuaȱactividade,ȱquerȱaprovandoȱregulamentosȱ
internosȱ necessáriosȱ aoȱ seuȱ funcionamento,ȱ querȱ emitindoȱ instruçõesȱ
indispensáveisȱ aoȱ exercícioȱ dasȱ suasȱ competências,ȱ aȱ cumprirȱ peloȱ Estado,ȱ
seusȱ serviçosȱ eȱ outrasȱ entidadesȱ sujeitasȱ àȱ suaȱ jurisdição,ȱ entreȱ outrasȱ –ȱ cfȱ
art.ȱ6ºȱdaȱLOPTC.ȱȱ
ȱ
Funcionamento.ȱȱ
ȱ
OȱTribunalȱdeȱContasȱtemȱsedeȱemȱLisboaȱeȱnasȱRegiõesȱAutónomasȱdosȱAçoresȱeȱ
daȱ Madeiraȱ funcionamȱ secçõesȱ regionaisȱ (sedeadas,ȱ respectivamente,ȱ emȱ Pontaȱ
DelgadaȱeȱnoȱFunchal)ȱcomȱcompetênciaȱplenaȱemȱrazãoȱdaȱmatériaȱnaȱrespectivaȱ
região,ȱnosȱtermosȱdaȱlei,ȱporȱopçãoȱexpressaȱdoȱlegisladorȱconstitucionalȱdesdeȱaȱ
4ªȱrevisãoȱconstitucional,ȱemȱ1997ȱ(art.ȱ214ºȱnº3).ȱȱ

Nosȱ termosȱ daȱ constituiçãoȱ eȱ daȱ leiȱ ordinária,ȱ oȱ T.ȱ Contasȱ podeȱ funcionarȱ
descentralizadamenteȱporȱsecçõesȱregionaisȱnoȱqueȱrespeitaȱaoȱcontinenteȱeȱoȱart.ȱ
3ºȱ daȱ LOPTCȱ prevêȱ aindaȱ queȱ oȱ tribunalȱ possaȱ constituirȱ delegaçõesȱ regionaisȱ
ondeȱfuncionemȱalgunsȱdosȱseusȱserviços,ȱsemȱprejuízoȱdaȱunidadeȱdeȱjurisdiçãoȱeȱ
dasȱcompetênciasȱdefinidasȱporȱlei.ȱȱ

OȱT.ȱContasȱfuncionaȱcomȱtrêsȱsecçõesȱespecializadasȱnaȱsuaȱsedeȱ(art.ȱ15ºȱLeiȱ97/98):ȱȱ
–ȱ1ªȱSecção:ȱfiscalizaçãoȱpréviaȱe,ȱemȱcertosȱcasos,ȱfiscalizaçãoȱconcomitante;ȱȱ
–ȱ2ªȱSecção:ȱfiscalizaçãoȱconcomitanteȱeȱsucessivaȱdeȱverificação,ȱcontroloȱeȱauditoria;ȱȱ
–ȱ3ªȱSecção:ȱjulgamentoȱdosȱprocessosȱdeȱefectivaçãoȱdeȱresponsabilidadesȱeȱdeȱmulta.ȱȱ
ȱ
3.5.ȱ–ȱComposiçãoȱdoȱtribunalȱeȱrecrutamentoȱdosȱjuízes.ȱȱ

OȱtribunalȱdeȱContasȱéȱcompostoȱporȱumȱtotalȱdeȱ7ȱjuízes,ȱpodendoȱfuncionarȱcomȱ
umȱmínimoȱdeȱtrês,ȱumȱdosȱquaisȱseráȱoȱpresidente.ȱȱ

Oȱ recrutamentoȱ dosȱ juízesȱ paraȱ oȱ Tribunalȱ deȱ Contasȱ éȱ feitoȱ medianteȱ concursoȱ
curricularȱperanteȱumȱjúriȱcompostoȱpeloȱPresidenteȱdoȱtribunal,ȱumȱmembroȱdoȱ

193
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

Conselhoȱ Superiorȱ daȱ Magistraturaȱ Judicialȱ eȱ umȱ Professorȱ daȱ Faculdadeȱ deȱ
Direitoȱ daȱ Universidadeȱ Agostinhoȱ Neto,ȱ deȱ entreȱ candidatosȱ queȱ preenchamȱ osȱ
requisitosȱenunciadosȱnoȱart.ȱ22ºȱdaȱLOTContas).ȱȱ

Oȱ Presidenteȱ eȱ osȱ demaisȱ juízesȱ sãoȱ nomeadosȱ eȱ empossadosȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ
República,ȱ medianteȱ propostaȱ doȱ plenárioȱ doȱ tribunalȱ queȱ proporáȱ Oȱ presidenteȱ
deȱentreȱosȱseusȱmembros.ȱȱ

OȱT.ȱContasȱtemȱaȱparticularidadeȱdeȱserȱaȱúnicaȱdeȱcategoriaȱdeȱtribunaisȱemȱqueȱ
oȱ seuȱ presidenteȱ éȱ nomeadoȱ eȱ exoneradoȱ peloȱ Presidenteȱ daȱ República,ȱ sobȱ
propostaȱdoȱGovernoȱ(ȱart.sȱ133ºȱal.ȱm)ȱeȱ16ºȱdaȱLeiȱ97/98).ȱȱ
Oȱ recrutamentoȱ dosȱ juízesȱ fazȬseȱ porȱ concursoȱ curricularȱ entreȱ indivíduosȱ comȱ
idadeȱ superiorȱ aȱ 35ȱ anosȱ deȱ idadeȱ que,ȱ paraȱ alémȱ dosȱ requisitosȱ geraisȱ
estabelecidosȱparaȱaȱnomeaçãoȱdeȱfuncionáriosȱdoȱEstado,ȱseȱintegremȱnumaȱdasȱ
áreasȱdeȱrecrutamentoȱprevistasȱnoȱart.ȱ19ºȱdaȱleiȱ97/98,ȱdeȱqueȱexemplificativamenteȱ
seȱindicamȱasȱduasȱprimeiras:ȱȱ

–ȱMagistradosȱjudiciaisȱouȱdosȱtribunaisȱadministrativosȱeȱfiscais,ȱouȱdoȱMP,ȱcomȱ
determinadosȱrequisitosȱdeȱantiguidadeȱeȱmérito;ȱȱ
–ȱDoutoresȱemȱDireito,ȱEconomia,ȱFinançasȱouȱOrganizaçãoȱeȱGestão,ȱentreȱoutrasȱ
áreasȱadequadas.ȱȱ

OsȱjuízesȱdoȱTribunalȱdeȱContasȱgozamȱdasȱhonras,ȱdireitos,ȱcategoria,ȱtratamento,ȱ
remuneraçõesȱ eȱ demaisȱ prerrogativasȱ dosȱ juízesȱ doȱ STJ,ȱ aplicandoȬseȬlhesȱ porȱ
regraȱoȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱ(ȱart.ȱ24ºȱdaȱLeiȱ97/98).ȱȱ
ȱ

4ȱ–ȱOȱTRIBUNALȱDEȱCONFLITOSȱȱ
ȱ
4.1.ȱ–ȱConflitoȱdeȱjurisdiçãoȱeȱconflitoȱdeȱcompetência.ȱNoções.ȱȱ
ȱ
Quandoȱduasȱouȱmaisȱautoridadesȱouȱtribunais,ȱseȱarrogamȱouȱdeclinamȱoȱpoderȱ
deȱ conhecerȱ daȱ mesmaȱ questão,ȱ surgeȱ umȱ conflitoȱ deȱ jurisdiçãoȱ seȱ asȱ autoridadesȱ
pertençamȱaȱdiversasȱactividadesȱdoȱEstadoȱouȱosȱtribunaisȱseȱintegramȱemȱordensȱ
jurisdicionaisȱ diferentes,ȱ eȱ umȱ conflitoȱ deȱ competênciaȱ quandoȱ doisȱ ouȱ maisȱ
tribunaisȱ daȱ mesmaȱ ordemȱ jurisdicionalȱ seȱ consideramȱ competentesȱ ouȱ
incompetentesȱ paraȱ conhecerȱ daȱ mesmaȱ questão;ȱ oȱ conflitoȱ éȱ positivoȱ seȱ asȱ
autoridadesȱ emȱ conflitoȱ seȱ consideramȱ competentesȱ paraȱ aȱ questãoȱ objectoȱ doȱ
dissídioȱeȱéȱnegativoȱnaȱhipóteseȱinversa.ȱ(art.ȱ115ºȱnºsȱ1ȱeȱ2ȱCPC).ȱȱȱ

1.1.ȱ–ȱOsȱconflitosȱdeȱcompetênciaȱpressupõemȱqueȱosȱtribunaisȱemȱcausaȱintegremȱ
aȱ mesmaȱ ordemȱ jurisdicionalȱ eȱ nãoȱ estejamȱ entreȱ siȱ numaȱ concretaȱ relaçãoȱ deȱ
hierarquia,ȱsendoȱnoȱinteriorȱdaȱrespectivaȱordemȱjurisdicionalȱqueȱseȱencontramȱ

194
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

asȱ soluçõesȱ paraȱ aȱ resoluçãoȱ doȱ dissídio,ȱ deȱ acordo,ȱ emȱ regra,ȱ comȱ aȱ normaȱ
contidaȱ noȱ art.ȱ 116ºȱ nº1ȱ inȱ fineȱ doȱ CPCivil:ȱ “osȱ conflitosȱ deȱ competênciaȱ sãoȱ
solucionadosȱ peloȱ tribunalȱ deȱ menorȱ categoriaȱ queȱ exerçaȱ jurisdiçãoȱ sobreȱ asȱ autoridadesȱ
emȱconflito.”.ȱȱ

Éȱ assimȱ que,ȱ aȱ títuloȱ deȱ exemplo,ȱ competeȱ àsȱ secçõesȱ dosȱ tribunaisȱ daȱ Relaçãoȱ
conhecerȱ dosȱ conflitosȱ deȱ competênciaȱ entreȱ tribunaisȱ deȱ 1ªȱ instânciaȱ sediadosȱ naȱ
áreaȱdoȱrespectivoȱtribunalȱdaȱRelaçãoȱ(art.ȱ56ºȱnºȱ1ȱal.ȱd)ȱdaȱLOFTJ),ȱmasȱcompeteȱàsȱ
secçõesȱdoȱSTJȱconhecerȱdosȱcoȱnflitosȱdeȱcompetênciaȱentreȱtribunaisȱdeȱ1ªȱInstânciaȱ
deȱdiferentesȱdistritosȱjudiciaisȱouȱsediadosȱnaȱáreaȱdeȱdiferentesȱtribunaisȱdaȱRelação.ȱȱ

Tambémȱ osȱ conflitosȱ entreȱ osȱ tribunaisȱ administrativosȱ deȱ círculoȱ eȱ osȱ tribunaisȱ
tributáriosȱ ouȱ entreȱ osȱ secçõesȱ deȱ Contenciosoȱ Administrativoȱ eȱ deȱ Contenciosoȱ
Tributário,ȱ queȱ sãoȱ materialmenteȱ conflitosȱ deȱ competênciaȱ eȱ nãoȱ conflitosȱ deȱ
jurisdição 30 ,ȱ sãoȱ resolvidosȱ peloȱ plenárioȱ doȱ STA,ȱ porȱ serȱ aȱ autoridadeȱ deȱ menorȱ
categoriaȱqueȱexerceȱjurisdiçãoȱsobreȱambasȱasȱautoridadesȱemȱconflito.ȱȱ
ȱ
4.2.ȱModalidadesȱdeȱresoluçãoȱdosȱconflitosȱdeȱjurisdição;ȱdelimitaçãoȱdaȱquestãoȱeȱ
referênciaȱbreve.ȱȱ

Osȱconflitosȱdeȱjurisdiçãoȱsurgem,ȱcomoȱresultaȱdaȱdefiniçãoȱlegalȱcontidaȱnoȱart.ȱ
115ºȱnº1ȱCPC,ȱentreȱentidadesȱsituadasȱaoȱmesmoȱnível,ȱsemȱrelaçõesȱdeȱhierarquiaȱ
entreȱ elasȱ ouȱ deȱ cadaȱ umaȱ delasȱ comȱ umaȱ terceiraȱ entidadeȱ comumȱ comȱ
autoridadeȱsobreȱambas.ȱȱ

Aȱ partirȱ daȱ diversidadeȱ deȱ soluçõesȱ legislativasȱ nosȱ diversosȱ ordenamentosȱ


ȱ
jurídicosȱ eȱ deȱ contributosȱ doutrinários,ȱ Vilarȱ eȱ Romero, 31 consideraȱ quatroȱ
sistemasȱouȱmodelosȱdeȱresoluçãoȱdosȱconflitosȱdeȱjurisdição:ȱȱ

–ȱa)ȱSistemaȱjudicial,ȱemȱqueȱoȱconflitoȱéȱdecididoȱpelosȱtribunaisȱjudiciais,ȱeȱqueȱ
pressupõe,ȱ emȱ regra,ȱ aȱ inexistênciaȱ daȱ dualidadeȱ dasȱ jurisdiçõesȱ
administrativaȱeȱjudicial,ȱvigorandoȱantesȱoȱprincípioȱ“unaȱlex,ȱunaȱjuridictio”,ȱ
comoȱsucedeȱnosȱpaísesȱdaȱCommonȱLaw.ȱ
–ȱ b)ȱ Sistemaȱ administrativo,ȱ deȱ acordoȱ comȱ oȱ qualȱ seráȱ sempreȱ umȱ órgãoȱ daȱ
administraçãoȱaȱdecidirȱoȱconflito,ȱpoisȱparaȱosȱseusȱpartidáriosȱseriaȱlesadoȱoȱ
princípioȱ daȱ independênciaȱ doȱ poderȱ executivoȱ seȱ nãoȱ lheȱ pertencesseȱ aȱ
faculdadeȱdeȱresolverȱosȱconflitosȱjurisdicionais.ȱTeráȱvigoradoȱemȱFrançaȱatéȱ
àȱcriaçãoȱdoȱTribunalȱdeȱConflitos.ȱȱ

30ȱ Apesarȱ deȱ oȱ art.ȱ 29ºȱ doȱ actualȱ E.T.A.F.,ȱ aprovadoȱ pelaȱ Leiȱ 13/2002ȱ deȱ 19ȱ deȱ Fevereiro,ȱ continuarȱ aȱ
referirȬseȬlheȱcomoȱconflitoȱdeȱjurisdição,ȱosȱtribunaisȱtributáriosȱeȱosȱtribunaisȱadministrativos,ȱnãoȱ
obstanteȱ aȱ especializaçãoȱ material,ȱ integramȱ –ȱ comoȱ jáȱ integravamȱ noȱ domínioȱ doȱ ETAFȱ aprovadoȱ
peloȱDecȬleiȱ129/84ȱdeȱ27ȱdeȱAbrilȱ–ȱaȱjurisdiçãoȱadministrativaȱeȱfiscal.ȱ
31ȱ,ȱApudȱAntónioȱDamascenoȱCorreia,ȱTribunalȱdeȱConflitos,ȱLiv.ȱAlmedina,ȱCoimraȬ1987,ȱppȱ53Ȭ77.ȱ

195
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

–ȱc)ȱSistemaȱconstitucionalȱouȱdoȱTribunalȱdeȱConflitos,ȱoȱqualȱimplicaȱaȱcriaçãoȱ
deȱumȱórgãoȱadȱhoc,ȱnormalmenteȱdeȱcriaçãoȱparitária,ȱqueȱficaȱincumbidoȱdeȱ
resolverȱosȱconflitosȱdeȱjurisdição.ȱȱ
ȱ
Éȱ oȱ sistemaȱ queȱ começouȱ porȱ vigorarȱ emȱ Françaȱ eȱ seȱ estendeuȱ aȱ outrosȱ paísesȱ
entreȱosȱquaisȱPortugalȱeȱqueȱporȱissoȱjustificaȱmaisȱalgumaȱatenção.ȱȱ

EmȱFrança,ȱcomoȱemȱPortugal,ȱfoiȱadoptadaȱumaȱsoluçãoȱdualista,ȱqueȱpassaȱpelaȱ
atribuiçãoȱ daȱ competênciaȬregraȱ paraȱ oȱ contenciosoȱ administrativoȱ aȱ tribunaisȱ
administrativos 32 ȱ (eȱ nãoȱ aȱ secçõesȱ especializadasȱ dosȱ tribunaisȱ comuns),ȱ emboraȱ
sejaȱ cometidaȱ competênciaȱ paraȱ certosȱ litígiosȱ deȱ naturezaȱ administrativaȱ àȱ
jurisdiçãoȱcomum.ȱȱ

SendoȱatribuídoȱoȱconhecimentoȱdasȱmatériasȱdeȱnaturezaȱjurídicoȬadministrativaȱ
eȱfiscalȱaȱumaȱordemȱjurisdicionalȱautónomaȱeȱindependenteȱfaceȱaȱàsȱrestantesȱeȱ
designadamenteȱàȱordemȱdosȱtribunaisȱjudiciais,ȱaȱatribuiçãoȱdaȱcompetênciaȱparaȱ
resolverȱ osȱ litígiosȱ aȱ umȱ tribunalȱ deȱ conflitosȱ temȱ diversasȱ vantagens,ȱ deȱ queȱ
destacariaȱ aȱ circunstânciaȱ deȱ serȱ equidistante,ȱ isentoȱ eȱ imparcialȱ emȱ relaçãoȱ aosȱ
intervenientesȱ noȱ conflito,ȱ paraȱ oȱ queȱ contribuiȱ aȱ suaȱ estruturaȱ tendencialmenteȱ
paritária.ȱȱ
ȱ
–ȱd)ȱOȱsistemaȱdoȱpoderȱmoderador.ȱȱ
ȱ
NesteȱmodeloȱdeȱresoluçãoȱatribuiȬseȱaoȱChefeȱdoȱEstadoȱaȱpoderȱdeȱresoluçãoȱdosȱ
conflitosȱ deȱ jurisdiçãoȱ e,ȱ seguidoȱ primeiramenteȱ –ȱ aindaȱ noȱ séc.ȱ XIXȬȱ pelaȱ maiorȱ
parteȱdosȱpaísesȱeuropeus,ȱvigorouȱemȱEspanhaȱatéȱmaisȱtarde.ȱȱ

Naȱ suaȱ monografia,ȱ Antónioȱ Damascenoȱ Correiaȱ analisaȱ aindaȱ oȱ queȱ chamaȱ deȱ
actualȱ sistemaȱ alemão,ȱ segundoȱ oȱ qualȱ aȱ decisãoȱ deȱ cadaȱ órgãoȱ jurisdicional,ȱ
considerandoȬseȱcompetenteȱouȱincompetenteȱparaȱdeterminadoȱlitígio,ȱvinculaȱosȱ
demais,ȱnãoȱpodendoȱoȱtribunalȱreenviadoȱdeclinarȱaȱsuaȱcompetência,ȱsemȱprejuízoȱ
de,ȱnoȱusoȱdaȱ“competênciaȱgeralȱdeȱreenvio”,ȱpoderȱconsiderarȬseȱincompetenteȱ
porȱentenderȱserȱumȱterceiroȱoȱtribunalȱcompetente,ȱparaȱquemȱreenviaȱoȱprocesso.ȱȱ
ȱ
4.3.ȱ Aȱ intervençãoȱ doȱ Tribunalȱ dosȱ Conflitosȱ naȱ resoluçãoȱ deȱ conflitosȱ deȱ
jurisdiçãoȱnoȱordenamentoȱjurídicoȱportuguêsȱactual.ȱȱ

Quantoȱ àȱ soluçãoȱ paraȱ resolverȱ osȱ conflitosȱ deȱ jurisdição,ȱ doȱ pontoȱ deȱ vistaȱ
organizacional,ȱaȱleiȱportuguesaȱoptaȱporȱ(1)ȱumȱtribunalȱdeȱformaçãoȱadȱhoc,ȱdeȱ

32 ȱ Vdȱ supraȱ Luísȱ Mendonçaȱ …,ȱ nºȱ 2.3.3.ȱ aosȱ submodelosȱ dêsȱ teȱ modeloȱ deȱ tribunalȱ administrativo,ȱ comȱ
diferençasȱprofundasȱentreȱeles.ȱȱȱ

196
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

composiçãoȱpréȬdefinidaȱnaȱlei,ȱqueȱéȱoȱTribunalȱdeȱConflitosȱeȱ(2)ȱpelaȱatribuiçãoȱ
especialȱ deȱ competênciaȱ paraȱ oȱ efeitoȱ aȱ umȱ tribunalȱ integradoȱ naȱ orgânicaȱ dosȱ
tribunaisȱjudiciais,ȱqueȱéȱoȱSTJ.ȱȱ
ȱ
4.3.1.ȱ –ȱ Oȱ Tribunalȱ dosȱ Conflitosȱ foiȱ criadoȱ peloȱ decretoȱ nºȱ 18ȱ 107,ȱ deȱ 22ȱ deȱ
Fevereiroȱdeȱ1930ȱeȱremodeladoȱpeloȱDecretoȱnºȱ19ȱ243ȱdeȱ16ȱdeȱJaneiroȱdeȱ1031ȱeȱ
peloȱDecretoȱnºȱ23ȱ185ȱdeȱ30ȱdeȱOutubro.ȱȱ
ȱ
Criadoȱinicialmenteȱparaȱdirimirȱosȱconflitos,ȱpositivosȱouȱnegativos,ȱdeȱjurisdiçãoȱ
eȱ competênciaȱ entreȱ autoridadesȱ administrativasȱ eȱ judiciaisȱ eȱ entreȱ oȱ órgãoȱ
superiorȱ daȱ administraçãoȱ comȱ funçõesȱ jurisdicionaisȱ (Supremoȱ Conselhoȱ daȱ
Administraçãoȱ Pública)ȱ eȱ oȱ Ministroȱ recorridoȱ quandoȱ esteȱ arguísseȱ aȱ
incompetênciaȱ doȱ órgãoȱ jurisdicional,ȱ actualmenteȱ oȱ tribunalȱ deȱ Conflitosȱ éȱ
competenteȱparaȱresolverȱosȱconflitosȱdeȱjurisdiçãoȱqueȱlheȱsejamȱcometidosȱpelaȱ
leiȱordinária,ȱpodendoȱvariarȱaȱsuaȱcomposiçãoȱporȱdeterminaçãoȱlegal,ȱemȱfunçãoȱ
daȱespecializaçãoȱdasȱmatériasȱemȱcausa.ȱȱ
ȱ
4.3.2.ȱ–ȱOsȱconflitosȱdeȱjurisdiçãoȱexpressamenteȱreguladosȱnaȱleiȱordinária,ȱpodemȱ
ocorrerȱemȱduasȱsituações:ȱȱ

–ȱ Conflitoȱ entreȱ osȱ tribunaisȱadministrativosȱ eȱfiscaisȱ eȱ osȱ tribunaisȱ judiciaisȱ(art.ȱ


107ºȱnºsȱ2ȱeȱ3ȱCPC)ȱȱ
–ȱConflitoȱentreȱoȱTribunalȱdeȱContasȱeȱoȱSupremoȱTribunalȱAdministrativo.ȱ(art.ȱ
1ºȱnº3ȱdaȱLeiȱ97/98).ȱȱ

Ambosȱ osȱ conflitosȱ deȱ jurisdiçãoȱ devemȱ serȱ resolvidosȱ peloȱ Tribunalȱ dosȱ
Conflitos,ȱporȱforçaȱdaquelasȱdisposiçõesȱlegais.ȱȱ

Nosȱ casosȱ deȱ conflitoȱ entreȱ oȱ T.ȱ Contasȱ eȱ oȱ Supremoȱ Tribunalȱ Administrativo,ȱ oȱ
TribunalȱdosȱConflitosȱseráȱconstituídoȱporȱdoisȱjuízesȱdeȱcadaȱumȱdosȱtribunaisȱeȱ
peloȱ Presidenteȱ doȱ Supremoȱ tribunalȱ deȱ Justiça,ȱ queȱ presideȱ (art.ȱ 1ºȱ nº3ȱ daȱ Leiȱ
97/98).ȱȱ

Paraȱdecidirȱoȱconflitoȱentreȱtribunaisȱadministrativosȱeȱfiscaisȱeȱtribunaisȱjudiciais,ȱ
oȱ Tribunalȱ dosȱ Conflitosȱ éȱ constituídoȱ pelosȱ juízesȱ daȱ Secçãoȱ doȱ Contenciosoȱ
Administrativoȱ eȱ porȱ juízesȱ conselheirosȱ doȱ STJ,ȱ sobȱ aȱ presidênciaȱ doȱ STAȱ que,ȱ
todavia,ȱsóȱvotaráȱnosȱcasosȱdeȱempate.ȱÉȱesteȱoȱteorȱdoȱart.ȱ17ºȱdoȱDecȬleiȱ23ȱ185ȱ
deȱ30.10.1933ȱqueȱalterouȱoȱDecȬleiȱ19ȱ243ȱdeȱ16.01.1931.ȱUmaȱvezȱqueȱaȱsecçãoȱdoȱ
contenciosoȱAdministrativoȱeraȱaoȱtempo,ȱconstituídaȱporȱtrêsȱjuízes,ȱpassaramȱaȱ
serȱ sorteadosȱ trêsȱ juízesȱ conselheirosȱ doȱ STJȱ paraȱ constituíremȱ oȱ Tribunalȱ dosȱ
Conflitos,ȱdeȱacordoȱcomȱoȱprincípioȱdaȱparidadeȱtendencial,ȱoȱqueȱseȱtemȱmantidoȱ
atéȱ àȱ actualidadeȱ apesarȱ deȱ oȱ contenciosoȱ administrativoȱ virȱ aȱ serȱ integradoȱ porȱ

197
ProjectoȱApoioȱaoȱDesenvolvimentoȱdosȱSistemasȱJudiciáriosȱ–ȱProgramaȱPIRȱPALOPȱIIȱ

númeroȱbemȱsuperiorȱdeȱjuízesȱemȱnomeȱdoȱreferidoȱprincípioȱdaȱparidade;ȱcontinua,ȱ
assim,ȱ aȱ serȱ constituídoȱ porȱ 3ȱ juízesȱ daȱ secçãoȱ doȱ contenciosoȱ administrativoȱ doȱ
STAȱeȱ3ȱjuízesȱdoȱSTJ,ȱcabendoȱaȱpresidênciaȱaoȱpresidenteȱdoȱSTA. 33
ȱ
4.3.3.ȱ–ȱOȱTribunalȱdosȱConflitosȱéȱumȱtribunalȱdeȱfuncionamentoȱintermitente,ȱparaȱ
alémȱdeȱserȱdeȱcomposiçãoȱvariável,ȱcomoȱvimos,ȱreunindoȬseȱquandoȱchamadoȱaȱ
decidirȱ osȱ conflitosȱ daȱ suaȱ competência,ȱ apósȱ oȱ queȱ cadaȱ umȱ dosȱ juízesȱ queȱ oȱ
compõemȱ voltaȱ aȱ exercerȱ deȱ plenoȱ eȱ emȱ exclusividadeȱ asȱ funçõesȱ queȱ lhesȱ sãoȱ
próprias.ȱȱ

Oȱ processoȱ aȱ seguirȱ é,ȱ essencialmente,ȱ oȱ previstoȱ naȱ respectivaȱ lei,ȱ ouȱ seja,ȱ noȱ
TítuloȱȱIIȱdoȱDecretoȱnºȱ19ȱ243ȱdeȱ16ȱdeȱJaneiroȱdeȱ1931.ȱȱ
ȱ
4.3.4.ȱ–ȱParaȱalémȱdoȱTribunalȱdosȱConflitosȱȱoȱart.ȱ116ºȱdoȱCPCȱatribuiȱaindaȱaoȱ
STJȱcompetênciaȱparaȱresolverȱconflitosȱdeȱjurisdição,ȱȱresultandoȱdoȱart.ȱ36ºȱd)ȱdaȱ
LOFTJȱqueȱȱaȱcompetênciaȱdoȱSTJȱnestaȱmatériaȱtemȱcarácterȱresidual,ȱpoisȱaȱcadaȱ
umaȱ dasȱ secçõesȱ doȱ STJȱ apenasȱ compete,ȱ deȱ acordoȱ comȱ aȱ suaȱ especialização,ȱ
“Conhecerȱdosȱconflitosȱdeȱjurisdiçãoȱcujaȱapreciaçãoȱnãoȱpertençaȱaoȱtribunalȱdeȱ
conflitos”.ȱȱ

Significaȱistoȱqueȱemȱtodosȱosȱcasosȱemȱqueȱsuscitemȱconflitosȱentreȱtribunaisȱdeȱ
categoriaȱdiferenteȱouȱentreȱtribunaisȱeȱoutrasȱautoridadesȱpertencentesȱaȱdiversasȱ
actividadesȱ doȱ Estado,ȱ cujaȱ resoluçãoȱ nãoȱ seȱ encontreȱ atribuídaȱ aoȱ Tribunalȱ dosȱ
Conflitos,ȱ oȱ conflitoȱ positivoȱ ouȱ negativoȱ deȱ jurisdiçãoȱ assimȱ surgidoȱ deveȱ serȱ
resolvidoȱpelaȱsecçãoȱrespectivaȱdoȱSTJȱseȱaȱleiȱordináriaȱnãoȱatribuirȱcompetênciaȱ
paraȱoȱefeitoȱaoȱTribunalȱdosȱConflitos.ȱȱ

Caberá,ȱassim,ȱaoȱSTJȱdecidir,ȱporȱexemplo,ȱosȱconflitosȱqueȱpossamȱsurgirȱentreȱosȱ
TribunaisȱJudiciaisȱeȱosȱTribunaisȱMilitaresȱouȱentreȱumȱtribunalȱjudicialȱeȱoȱMP,ȱ
quandoȱseȱentendaȱexistirȱaquiȱumȱverdadeiroȱconflito,ȱdesignadamenteȱquandoȱaȱ
respectivaȱ decisãoȱ judicialȱ nãoȱ forȱ jáȱ susceptívelȱ deȱ recurso,ȱ semȱ prejuízoȱ daȱ
obrigatoriedadeȱdasȱdecisõesȱdosȱtribunaisȱparaȱtodasȱasȱentidadesȱpúblicas. 34

Oȱprocessamentoȱaȱseguir,ȱnestesȱcasos,ȱéȱoȱprevistoȱnosȱart.sȱ117ºȱaȱ120º,ȱdoȱCPC.ȱȱ
ȱ
ȱ
ȱ
33 ȱVdȱsobreȱtodaȱestaȱquestão,ȱAntónioȱDamascenoȱCorreia,ȱobȱcit.ȱpp.ȱ91Ȭ101.ȱȱ
34 ȱ Vdȱ sobreȱ estaȱ questão,ȱ entreȱ outros,ȱ oȱ Acȱ STJȱ deȱ 31.10.89,ȱ BMJȱ 390/351ȱ eȱ votosȱ deȱ vencidoȱ aíȱ
proferidos;ȱJoséȱAntónioȱBarreiros,ȱSistemaȱeȱEstruturaȱdoȱProcessoȱPenalȱPortuguêsȱII,ȱed.ȱautor1997,ȱ
ppȱ 31Ȭ34ȱ eȱ Dáȱ Mesquita,.ȱ Direcçãoȱ doȱ Inquéritoȱ Penalȱ eȱ Garantiaȱ Judiciária,ȱ Coimbraȱ Editoraȱ 2003,ȱ
pp.ȱ48Ȭ9,ȱemȱespecialȱnotaȱ107.ȱ

198
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

SiglasȱeȱAbreviaturasȱȱ
ȱ
ȱ
ȱ
A.A.F.D.L.ȱ–ȱAssociaçãoȱAcadémicaȱdaȱFaculdadeȱdeȱDireitoȱdeȱLisboaȱȱ

CADHPȱ–ȱCartaȱAfricanaȱdosȱDireitosȱdoȱHomemȱeȱdosȱPovosȱȱ

CPCȱ–ȱCódigoȱdeȱProcessoȱCivilȱȱ

CPPȱ–ȱCódigoȱdeȱProcessoȱPenalȱȱ

CRCVȱ–ȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱdeȱCaboȱVerdeȱȱ

CRGBȱ–ȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱdaȱGuinéȬBissauȱȱ

CRMȱ–ȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱdeȱMoçambiqueȱȱ

CRPȱ–ȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱPortuguesaȱȱ

CRSTPȱ–ȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱDemocráticaȱdeȱSãoȱToméȱeȱPríncipeȱȱ

EMJȬCVȱ–ȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱdeȱCaboȱVerdeȱȱ

EMJȬGBȱ–ȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱdaȱGuinéȬBissauȱȱ

EMJȬMȱ–ȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱdeȱMoçambiqueȱȱ

EMJMPȱ–ȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱeȱdoȱMinistérioȱPúblico,ȱdeȱAngolaȱȱ

EMJȬSTPȱ–ȱEstatutoȱdosȱMagistradosȱJudiciaisȱdeȱSãoȱToméȱeȱPríncipeȱȱ

ETAFȱ–ȱEstatutoȱdosȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscais,ȱdeȱȱPortugalȱȱ

LCRAȱ–ȱLeiȱConstitucionalȱdaȱRepúblicaȱdeȱAngolaȱȱ

LSUJȱ–ȱLeiȱdoȱSistemaȱUnificadoȱdeȱJustiça,ȱdeȱAngolaȱȱ

PALOPȱ–ȱPaísesȱAfricanosȱdeȱLínguaȱOficialȱPortuguesaȱȱ

STAȱ–ȱSupremoȱTribunalȱAdministrativo,ȱdeȱPortugalȱȱ

STJȱ–ȱSupremoȱTribunalȱdeȱJustiçaȱȱ

TACȱ–ȱTribunalȱAdministrativoȱdeȱCírculo,ȱdeȱPortugalȱȱ

TAFȱ–ȱTribunaisȱAdministrativosȱeȱFiscais,ȱdeȱPortugalȱȱ

TCAȱ–ȱTribunalȱCentralȱAdministrativo,ȱdeȱPortugalȱȱ

TIJȱ–ȱTribunalȱInternacionalȱdeȱJustiçaȱȱ
ȱ
ȱ

199
SistemasȱdeȱJustiçaȱeȱOrganizaçãoȱJudicialȱ

NotaȱBibliográficaȱȱ
ȱ
ȱ
ȱ
Antunesȱ Varela,ȱ J.ȱ Miguelȱ Bezerraȱ eȱ Sampaioȱ eȱ Nora,ȱ Manualȱ deȱ Processoȱ Civilȱ Coimbraȱ
Editora,ȱ1984.ȱȱ

Azevedo,ȱ Luísȱ Eloyȱ –ȱ Magistraturaȱ Portuguesaȱ –ȱ Retratoȱ deȱ umaȱ mentalidadeȱ colectiva,ȱ
ediçãoȱCosmos,ȱLisboaȬ2001.ȱȱ
Canotilho, J.J. Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª edição, Almedina,
Coimbra-2002. – A Questão do Autogoverno das Magistraturas Como Questão
Politicamente Incorrecta in AB VNO AD OMNES – 75 anos da Coimbra Editora. ȱ
Canotilho,ȱJ.J.ȱGomesȱeȱVitalȱMoreira,ȱConstituiçãoȱdaȱRepúblicaȱPortuguesa,ȱAnotadaȱ–ȱ3ªȱ
ediçãoȱrevista,ȱCoimbraȱEditoraȬ1993.ȱȱ

Costa,ȱ Joséȱ Gonçalvesȱ daȱ –ȱ Oȱ Poderȱ Judicialȱ numaȱ Sociedadeȱ Democrática,ȱ textoȬbaseȱ daȱ
comunicaçãoȱ apresentadaȱ aoȱ Vȱ Congressoȱ Nacionalȱ dosȱ Magistradosȱ doȱ trabalhoȱ emȱ
PortoȱAlegre,ȱRS,ȱBrasil,ȱMaioȱdeȱ1994).ȱ–ȱOȱSistemaȱJudiciárioȱPortuguês,ȱseparataȱdoȱ
BoletimȱdaȱFaculdadeȱdeȱDireito,ȱVolȱLXXIV,ȱCoimbraȬ1998ȱDelmasȬMarty,ȱMireilleȱ–ȱ
(direction)ȱ–ȱProcéduresȱpénalesȱd´Europe,ȱedȱPUF,ȱ1995.ȱȱ

Costa,ȱEduardoȱMaia,ȱAlgumasȱpropostasȱparaȱrepensarȱoȱsistemaȱjudiciárioȱportuguêsȱinȱOȱSistemaȱ
JudiciárioȱPortuguês,ȱsaparataȱdaȱRevistaȱdoȱMinistérioȱPúblicoȱnºȱ80,ȱLisboaȬ1999.ȱȱ

Dias,ȱ Figueiredoȱ –ȱ Direitoȱ Processualȱ Penal,ȱ 1ºȱ Volume,ȱ Coimbraȱ EditoraȬ1981ȱ –ȱ Nótulasȱ
Sobreȱ Temasȱ deȱ Direitoȱ Judiciárioȱ (Penal)ȱ inȱ Revistaȱ deȱ Legislaçãoȱ eȱ Jurisprudênciaȱ nºsȱ
3850ȱeȱ3851.ȱȱȱȱ

Ferrajoli,ȱLuigiȱ–ȱDerechoȱyȱRazónȬTeoriaȱdelȱgarantismoȱpenal,ȱeditorialȱTrottaȱ–ȱMadrid,ȱ
2001ȱ(trad.ȱdoȱoriginalȱitaliano).ȱȱ

Ferreira,ȱCavaleiroȱdeȱ–ȱCursoȱdeȱProcessoȱPenal,ȱIII,ȱReimpressãoȱdaȱUniversidadeȱCatólicaȱ
autorizadaȱpeloȱAutor,ȱLisboaȬ1981ȱȱ

Garapon,ȱAntoineȱȬBemȱJulgarȱ–ȱEnsaioȱSobreȱoȱRitualȱJudiciárioȱed.ȱInstitutoȱPiaget,ȱLisboaȱ
(trad.ȱdoȱoriginalȱfrancêsȱBienȱJuger,ȱdeȱ1997).ȱȱ

Guarnieri,ȱCarloȱ–ȱL´IndipendenzaȱDellaȱMagistratua,ȱPadova,mȱCedamȱ–ȱ1981.ȱȱ

Guedes,ȱArmandoȱMarques,ȱJoãoȱDono,ȱMariaȱJoséȱLopes,ȱPatríciaȱMonteiroȱeȱYaraȱMiranda,ȱ–ȱ
Litígiosȱ eȱ Pluralismoȱ emȱ Caboȱ Verde.ȱ Aȱ organizaçãoȱ judiciáriaȱ eȱ osȱ meiosȱ alternativos,ȱ inȱ
Themisȱnº3ȱ(2001),ȱFaculdadeȱdeȱDireitoȱdasȱUniversidadeȱNovaȱdeȱLisboa.ȱȱ

Guedes,ȱArmandoȱMarques,ȱCarlosȱFeijó,ȱCarlosȱdeȱFreitas,ȱN’GunuȱTiny,ȱFranciscoȱPereiraȱ
Coutinho,ȱ Raquelȱ Barradasȱ Greitas,ȱ Raviȱ Afonsoȱ Pereiraȱ eȱ Ricardoȱ doȱ Nascimentoȱ
Ferreiraȱ –ȱ Pluralismoȱ eȱ Legitimaçãoȱ –ȱ Aȱ Edificaçãoȱ Jurídicaȱ PósȬcolonialȱ deȱ Angola,ȱ
Almedina,ȱȱFaculdadeȱdeȱDireitoȱUniversidadeȱNovaȱdeȱLisboa.ȱȱ

201

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