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Vladimir Safatle

UM DIA, ESTA LUTA


--- ~OCORRER

-.:l
- •
Olivro como imagem do mundo é de toda mane ,a
uma ideia insípida. Na ,e,dade nao baste dizer
Viva o múltiplo grito de resto dlflci <le emitir.
Nenhuma habilidade t pognlfica. le>.ical ou mesmo
sintática será suficiente pa1a fazê-lo ouvu. É preciso
fazer o múlllplo, não acrescentando semp,e uma
dimensão supenor. mas. ao contrário. da rraneira
mais s mples. com força de sobriedade. no ní,el
das dimensões de que se dispõe, seml)(e n• I
(é somente assim que o uno laz parte do múltiplo.
estando seml)(e subtra·do dele). Subtra110 único
da multlpllcldade a serconstiwida. escre.er a n• 1.

Glles Deteuze e Félix Guattari


4 Este texto é para aqueles que choram pelo que virá. Ele foi escrito para
aqueles que percebem a noite mais escura chegar com sua violência,
seu desprezo e sua sede de vingança. Pois nessas horas só parece haver
duas saídas possíveis: a fuga e a melancolia. Nós sabemos dos erros que
fizemos, eles não foram poucos. Sabemos dos erros que repelimos. eles
também não foram poucos. Eainda sabemos do sistema que montamos
para não fazer a autocrítica implacável dos nossos erros e das repetições
dos nossos erros. Que se diga mais uma vez: eles não foram poucos.
Mas nada disso pode Justificar o fechamento que virá, o carnaval
macabro que se aproxima. O Brasil é agora o laboratório mundial de
formas novas de junção entre fascismo e neoliberalismo radical im-
pulsionadas não apenas pela violência de Estado, mas também pela
violência de grupos e indivíduos movidos por toda forma de ressen-
timento. Um governo de milícias. Como um laboratório, ele fornecerá
o modelo do que pode vir a ser aplicado em outros países, a começar
pelos vizinhos latino americanos.

"Mas esta violência sempre existiu para os mais vulneráveis e po-


bres. Você só escreve sobre ela porque agora ela chegará também
para seu grupo•. Esta é uma frase que se ouve de tempos em tem-
pos. No lugar da solidariedade imanente dos que lutam, cada um em
sua frente, ouve-se a velha roda da culpabilização animada por um
gosto inconfesso de vingança vinda de quem deveria compor alian-
ças indestrutíveis. "Agora, você também sentirá". Nesses momentos,
nota-se aquilo que um dia percebeu Rousseau: a máxima da política
moderna é que Lodos permaneçam separados, que não haJa lingua-
gem comum, enunciação comum, força comum. Trata-se de fazer
com que ninguém perceba a teia contínua de solidariedade que se
teceu, durante décadas neste país, entre todos aqueles que sentiam
como insuportável viver em uma sociedade profundamente desigual.
Sociedade na qual toda condição de crescimento tem o gosto de algo
roubado, no qual todo sorriso parece uma afronta contra quem se
5 submete às piores espoliações.
6 Há de se apontar nossas armas para fora, pois agora começa o
grande realinhamento. "Onde está seu maior perigo, está também
sua salvação", diria Hõlderlln. O que virá é nosso maior perigo, nin-
guém tem o direito de duvidar disto Aqueles que acreditam que as
explosões de violência que vemos nas ruas passarão como se dis-
solvidas pelo vento apenas repetem tantos outros que, diante do
abismo, acharam que podiam continuar dançando a mesma dança
de sempre. Não, esse conllito que molda povos no fogo, que faz da
d1v1são o caminho necessário para novos acordos, não passará até
reconstrtmr nosso país. Ele poderá reconstituí-lo nos permitindo dis-
solver as barreiras entre os que lutam contra a espoliação e as múlti-
plas formas de autoritarismo e fundir nossos braços em um corpo de
força amda não vista. Ele poderá reconstituí-lo a partir da emergên-
cia, enfim, de um sujeito político compacto dotado da radicalidade
e da resiliência do que foi forjado no fogo. E, para nós, não há outro
caminho de salvação.

Esta é uma luta há muito tempo Já escrita. Um dia ela iria ocorrer e
não era possível ao nosso país passar mais tempo sem se confrontar
com ela em toda sua dureza. Não sena possível criar efetivamente
uma sociedade igualitária, inclusiva e profundamente livre sem nos
confrontarmos sem medo com esses discursos, sujeitos e grupos. Ela
chegaria um dia e quis a contingência que fossemos nós aqueles que
deveriam assumir a linha de frente em seu momento mais decisivo.
Quis a contingência que fossemos nós as pessoas a fazer essa luta.
Não há mais ninguém, não temos mais nada. Se perdermos, serão
gerações que terão que conviver com o silêncio e a derrota. Mas não
temos partidos, não temos sindicatos, tudo foi queimado no fogo dos
nossos próprios erros. É verdade, estamos sozinhos e, como sempre,
é diante deste desamparo que podemos realmente criar. Talvez des-
cubramos que as maiores criações são feitas assim, no momento de
maior desamparo. Pois não temos para onde voltar. Nossa única pos-
1 sibilidade é ir para a frente.
s Muitos já lutaram essa luta em outras intensidades, alguns resisti-
ram, outros venceram, outros morreram. Pois este país foi construído
através da luta contínua contra esses mesmos que agora levantam
mais uma vez suas cabeças. Como dma Florestan Fernandes, este é
o país da contrarrevolução permanente. "De onde eles vieram?", per-
guntam alguns. ·como pessoas que cresceram comigo podem agora
assumir discursos de agressão que, no limite, são direcionados contra
mim, contra a forma de vida que é minha?".
Alguém deveria. nessas horas, falar de espectros, falar de encarna-
ção, falar de espíritos que transmigram. Por mais que possa parecer
contraintuitivo. isto sena uma análise mais analítica. Pois essas falas
vieram de outros tempos, esses gestos são de outros sujeitos, esses
afetos atravessaram séculos. Ai daqueles que nada compreendem do
tempo contraído e mult1estratificado da política. Eles não sabem com
quem falam. Falam com senhores de engenho espancando escravos
travestidos de parentes próximos, falam com bandeirantes genocidas

de índios em roupas de executivos de grandes empresas, falam com


torturadores e ocultadores de cadáveres encarnados em taxistas. As
verdadeiras lutas são sempre lutas entre corpos e entre espectros.
Mas só se vence tais lutas quando não apenas se ouve este tempo
contraído vindo contra nós. Vence tais lutas quando este tempo contraí-
do começa a habitar nossas falas. Quando negros que lutaram contra
sua escravidão falam as palavras de professores universitários brancos,
quando mulheres espancadas e ensanguentadas desenham os gestos
de operários, quando militantes torturados habitam os corpos de garo-
tas a procura da próxima rave, quando travestis assassinadas ressus-
citam na cólera de trabalhadores em greve. As verdadeiras lutas são
sempre lutas entre corpos e entre espectros.
Entendamos ,sto: quando a política chega em seu ponto fundador,
ela mostra qual é a natureza real de seus conflitos. Eles não são con-
flitos sobre modelos de gestão ou discussões sobre a natureza de polí-
• ticas públicas. Pois quem realmente acredita que os que virão tem, de
10 fato, competência enorme e visão para produzir ·modelos mais racio-
nais"? Mesmos seus eleitores sabem que o que está realmente em jogo
é a explosão de uma revolta generalizada que, ao mesmo tempo, prefe-
re preservar as ilusões de estar sob uma mão forte e protetora.
Esses conflitos não são também sobre lutas contra a corrupção e pela
segurança, como são vendidos. Esta é uma velha estratégia: colocar
pessoas que tiveram anos de sua vida pública em partidos corruptos
sem nunca mostrar indignação alguma, que louvam reg)mes corruptos
como a ditadura militar brasileira. para desempenhar o papel do homem
incorruptível e indignado com a corrupção. Énecessário muito desespe-
ro que levar a sério essa farsa. O Brasil Já viu isso e verá de novo. Esta
é outra velha estratégia: colocar quem incita a violência e atira em ad-
versários para vender umão nacional. OBrasil já viu isso e verá de novo.
Na verdade, o conflito que vemos é sobre formas devida. Para alguns,
uma forma devida baseada na igualdade radical, na visibilidade integral
das singularidades e da plast1c1dade das formas soc1a1s é um insulto.

..!..-- - ;,
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Écomo ver ao longe uma festa que não te convidaram. Melhor conviver
com os reativos que lutam pela ordem, pela regularidade das tradições,
pela pretensa naturalidade das formas. Talvez isso explique um pouco
porque questões ligadas a "gênero·, a ·sexualidade" se transformaram
em pontos tão sensíveis em um época na qual poderíamos esperar indi-
ferença livre em relação a elas.
Mas se esse conflito que rasga as sociedades contemporâneas em
várias localidades encontrou no Brasil uma de suas batalhas funda-
mentais, não foi por acaso. Ele acabaria por ocorrer necessariamente
no país que mais acreditou em conciliações e pactos extraídos a fór-
ceps. O Brasil se deleitou na ilusão de poder eliminar a negatividade
bruta do conflito que divide povos em dois. Ele acreditou poder sair
de seu período ditatorial fazendo conciliações e grandes pactos, sem
nunca julgar seus crimes contra a humanidade, sem nunca condenar
torturadores, ocultadores de cadáveres, assassinos que operavam im-
" puni mente nas engrenagens do Estado e no corpo das forças armadas.
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Agor~, ele os vê voltar em um cortejo no qual cerram fileiras com Juízes
meb~ados pelo seu poder de administrador de condomínio, ex-atores
pomos arrependidos, evangélicos com sangue de Cristo nos olhos e fu-
zis na mão, fazendeiros com shows de stand-up racista.
O Brasil .permitiu que os setores fascistas de sua sociedade inocu-
lassem o discurso de que vivíamos em uma guerra e, em uma guerra,
h~ sempre excesso por todos os lados. Mas. não. A ditadura militar não
foi uma guerra. Ela to, o exercício da tirania, um golpe preventivo contra
transformações sociais que se acomodariam no horizonte restrito do na-
c,onal-desenvol~imentismo. Mas sequer isto era admissível. Levantar-se
contra_ a tirania e um direito maior até mesmo dentro da tradição liberal.
? dire'.to de resistência nos lembra que toda ação contra um governo
ilegal e uma ação legal. Oproblema é que liberais brasileiros não são ca-
pazes sequer de assumir as consequências de seus próprios princípios.
De toda forma, algu.ns prefeririam não chamar de gato um gato. Acham
que falar sobre o fascismo brasileiro é impreciso, contraprodutivo, mera

peça retórica. Isto não seria diferente para sujeitos que desconhecem a
força da nomeação e temem que, através da nomeação correta, revele-
-se as ressonâncias efetivas entre o presente e o passado Mas o que te•
mos diante de nós é sim a figura desta vida que se deleita nessa mlStura
de culto da força com cultivo do medo cujo nome sempre será "fascismo".
Quatro elementos definem a forma de vida fascista e suas patolo-
gias. Primeiro, o culto da violência. Pois se faz necessário acreditar que
a impotência da v,da ordinária e da espoliação constante será vencida
através da força individual de quem enfim tem o direito de andar arma-
do, de sair às ruas com camisas negras, de falar o que quiser sem se
preocupar com ·a ditadura do politicamente correto" O fascismo ofe-
rece uma certa forma de liberdade, ele sempre se construiu a partir da
vamp,rização da revolta. Há uma anarquia bruta, um carnaval sempre
liberado pelo fascismo. Mas no seu caso, a liberdade se transforma na
liberação da violência por aqueles que já não aguentam mais serem
lJ violentados. Ocarnaval não é aqui a reversão da ordem, mas a conjuga-
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çâo entre a ordem e a desordem: a desordem travestida com a fantasia
da ordem. É o ·governo forte" que me permite esfolar refugiados, atirar
em ·comunistas", falar para uma mulher "só não te estupro porque você
não merece", brutalizar toda e qualquer relação social. Este será sem-
pre um dos piores efeitos de um governo fascista: criar uma sociedade à
sua imagem esemelhança. Como lembra Freud, não são exatamente os
povos que criam seus governos, são os governos que criam seus povos.
Segundo, não há fascismo sem ressureição dos Estados-nação em
sua versão paranoica. Pois alguém tem que cuidar das nossas frontei-
ras, que são completamente porosas. Alguém tem que ensinar Edu -
cação Moral e Cívica para nossas crianças a fim de que elas tenham
orgulho desta pátria construída através do genocídio dos índios e da
escravidão dos negros. Alguém tem que impedir que sejamos invadidos
por mais uma leva de refugiados que vem para cá com seus crimes. O
Estado-nação se mostra como o último refúgio do que é meu, do que
me é próprio. É o meu território, o meu país, a minha língua, os meus

costumes, a minha miséria, a minha violência, o ~eu sufocam.ento.


A comunidade nacional é o avesso do comum. Ela e ape~as ~ _figura
alargada de uma propriedade que aparece como a expressao bas1ca do
medo como afeto político central. . . ..
Terceiro O fascismo sempre será solidário da msens1b1hclade absolu-
ta em rela~ão à violência com classes vulneráve_is_e historicamente_mar-
cadas pela opressão. Ele é a implosão da poss1b1hdade de solidarieda-
de genérica. Essa insensibilidade expressa o deseio inconfesso de que
as estruturas de visibilidade da vida social não sejam transformadas.
Pois toda política é uma questão de circuito de afetos e de estrut~ras de
visibilidade. Trata-se de definir o que pode nos afetar, com qual m~ens1-
dade, através de qual velocidade. Para tanto, há de se gerir a gra~at1ca
do visível, a forma com que as existências são reconhec1d~s. N~ vida so-
cial, ser reconhecido é existir, o que não é reconhec'.do nao eXJ~te. Mas
ser reconhecido não significa apenas uma recogniçao do que Ja ex1st1a.
IS Todo reconhecimento é mplicativo, ele exige que aquele que reconhece
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mude também, Pois habitará um mundo agora com corpos que antes
não o afetavam, e isto é o que aparece para alguns como insuportável.
Por fim, o fascismo sempre será baseado na deposição da força
popular em prol de uma liderança fora da le1. Ele é a colonização do
desejo anti-institucional pela própria ordem. o desejo anti-inst:Jtucional,
quando realmente liberado, pode criar poderes que voltam às mãos do
Povo, democracias que abandonam a representação para transferir a
deliberação e a gestão para a imanência do povo. Mas o fascismo faz
dessa anti-institucionalidade um clamor pela mão forte do governo ex-
presso em uma liderança que parece estar acima da lei, que parece
poder falar o que quiser sem culpa, expor seus piores sentimentos sem
preocupação com seus efeitos, demonstrar seu desejo mais baixo de
violência como expressão de uma liberdade conquistada. Por isso, é
necessário que tais líderes pareçam cômicos, sejam uma mistura de
militar e palhaço de circo. Pois só assim, através dessa ,ronização, tais
proposições Poderão circular com fricção baixa. Afinal, não é para levar

a sério tudo o que eles dizem. Mas quem sabe o que se deve então levar
exatamente a sério? O que é real e o que é apenas bravata? Ninguém
sabe, a não ser eles mesmos. Isto se chama: m,sturar a ordem e a de-
sordem. a lei e a anom,a. Isto é fascismo.
Mas é certo que toda ascensão fascista é construida sob os escom-
bros de uma revolução traída. Enós não soubemos como ir ma,s lon~e,
como não se acomodar às pequenas vitórias e aos ajustes pontuatS.
Nós acreditamos que o povo queria um reformismo gradual e ~eg~ro.
No entanto, eles queriam um pais "diferente de tudo o que esta aí e,
para isto, nós havíamos perdido nossa resposta. Eles ~x1g1~m uma ab-
soluta e incorruptível consciência do bem comum, e nao to, isto o que
ocorreu. Eles queriam a força efetiva, esta que não se acomoda até pas-
sar ao ato até romper as barreiras. Ele não a encontrou em nosso lado.
Isso tudo é fato, mas o que parece derrota foi apenas um ensaio ge-
ral. Esses não serão os primeiros escombros de sonhos. Muitos sonhos
li já se transformaram em escombros. Mas os sonhos sabem transformar

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suas próprias ruínas em catedrais. Neste momento. o fascismo nacio•
nal acredita que terá à sua frente o espaço r1vre e oponentes melancó
licos. Eles sempre erraram e continuarão a errar. Quis a contingéncia
que nós fossemos a última barreira. Pois eles descobrirão que esta era
a barre ra mais ,ntrarsponível Eles descobnrão Que esta era a barreira
que nunca se abala, que ficará de pé até o fm. Ela é construída pelos
deseJos. pela intehg,~ncia e pe a força dos que nunca deixarão suas vi-
das serem colonizadas pelo medo E ao final, esta barreira será a pri-
me,ra parede para a construção oe outro pais.

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