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HOWARD SNYDER
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Vida nova para a igreja
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VINHO NOVO,
ODRES NOVOS
Vida nova para a igreja

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ABU Edltora S/C


VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Traduzido do original em inglês
RADICAL RENEWAL
The Problem of Wineskins Today
Copyright © 1996 por Howard A. Snyder
Publicado por Touch Publications
P.O. Box 19888, Houston
Texas 77224, EUA

Direitos reservados pela


ABU Editora S/ C
Caixa Postal 2216
01060-970 - São Paulo - SP

Este livro foi publicado pela ABU Editora


com apoio e participação da Igreja
Metodista Livre - Concílio Nikkei

Tradução: Norio Yamakami, Lucy Hiromi Kono Yamakami,


e Daniel Yoshimoto
Revisão final: john L Griffin
Composição: ABU
Capa: Celso Carpigiani

O texto bíblico utilizado neste livro é o da Edição Revista e Atualizada no


Brasil, 2' edição, da Sociedade Bíblica do Brasil, exceto quando outra versão
é indicada.

1~ Edição - 1997
Dedicatória
Em memória de meus pais,
Edmund C. Snyder e
Clara Zahniser Snyder,
os que primeiro
ensinaram-me a amar a igreja

Prefácio à edição em português


A Bíblia nos ensina não só a receber a vida eterna mediante Jesus
Cristo, mas também a viver aqui na terra como o Corpo de Cristo
- a comunidade dos discípulos de Jesus. Este livro mostra o plano
de Deus para a igreja e questiona seriamente a maneira pela qual ela
acaba, muitas vezes, negando a realidade dinâmica da verdadeira
Igreja.
Deus tem abençoado o Brasil, e a igreja no Brasil, de um modo
muito especial. A grande questão é esta: Será que a igreja de Jesus
Cristo no Brasil vai encarnar, de maneira ñel e radical, as Boas
Novas, por meio de comunidades de discípulos que vivam de tal
forma que Jesus esteja realmente presente e visível em seu meio?
Minha oração é que Deus aja na igreja pelo seu Espírito para que
isso seja realidade. Espero que este livro possa ajudar muitas igrejas
a atingir esse alvo.

Howard Snyder
Wilmore, Kentucky
Maio, 1997
Índice
Introdução: Vinho Novo e Odres Velhos 13
TEMPO PARA VINHO NOVO
1 O Cataclismo Impossível 23
2 Mundo à Beira do Abismo? 28
3 O Evangelho aos Pobres 41
Ul\/IA NOVA VISÃO DOS ODRES VELHOS
4 Igrejas, Templos e Tabernáculos 61
5 Os Edifícios das Igrejas São Supérfluos? 73
6 Pastores Devem Ser Superstars? 86
MATERIAL BÍBLICO PARA oDREs NOVOS
7 A Comunhão do Espírito Santo 93
8
9A O Mente
Povo de Deus 105
de Cristo 117
10 A Ecologia da Igreja 133
11 O Lugar dos Dons Espirituais 159
12 O Grupo Pequeno como Estrutura Básica 170
ESTRUTURA DA IGREJA NO TEMPO E NO ESPAÇO
13 Igreja e Cultura - 183
14
15 Uma Lição dadoHistória
Um Relance Futuro 202
212
Notas 229
Pós-escrito: Parábola do Rio 226
Indice Remissivo 246
Prefácio

Uma pequena raiz no lugar exato pode partir um edificio


inteiro. Um fino vinho com grau wrto de fermentação pode
estourar um odre velho.
É o princípio da vida; do fermento; dos pequenos começos
com grande promessa.
Renovação radical significa retorno para os princípios
básicos, volta à raiz (radix). Renovação radical é tão poderosa
que pode colocar o mundo novamente de cabeça para cima.
Mas só se o mundo estiver vivo. Só se o vinho for real.
Este é um livro sobre renovação radical e o problema dos
odres. Renovação radical é a maior necessidade da igreja hoje.
Como comunidades que se chamam pelo nome de cristãs,
devemos voltar às raízes, redescobrir o vinho do evangelho. E
isso significa lançar um olhar renovado para os odres.
Este livro é uma revisão e atualização de The Problem of
Wineskins, publicado em 1975. Aqui vai o porquê disso:
Numa conferência na Coréia em 1995, fui abordado por
dois pastores jovens da Finlândia. Depois que se apresentaram,
o mais velho disse: “Eu li The Problem of Wineskins quando
era estudante de seminário na Suécia. Ele foi muito
importante para mim durante meu treinamento, e tem
realmente me ajudado como pastor.”
Aquilo foi uma grande surpresa, mas tenho tido experiências
similares. A coisa mais gratificante para mim com relação a
Vñneskins tem sido o seu impacto sobre jovens líderes na
América do Norte e ao redor do mundo. A reação mais comum
que eu tenho encontrado é que o livro ajudou os leitores a ver
a igreja sob uma nova luz, traçando um modelo que é poderoso,
prático e biblicamente sadio.
/O PREFÁCIO
A maior parte de The Problem of Wineskins foi escrita
enquanto eu morava no Brasil. Foi para mim um projeto de
exploração em que procurei abrir caminho por um terreno
desconhecido. O estudo da Bíblia, a pesquisa, o trabalho de
redação, as questões, discussões, orações e o ministério que
deram origem ao livro renderam ricos frutos. Trouxeram uma
fé mais profunda e uma esperança renovada na igreja no
mundo - na igreja e no mundo.
Ao trabalhar com todo o material bíblico sobre a igreja (nos
dois Testamentos), e em especial no livro de Efésios, um
entendimento completamente novo se abriu para mim.
Comecei a sentir o que os cristãos primitivos devem ter sentido
quando diziam “igreja” ou “comunhão” ou “comu.nidade”. Que
isso tenha sido uma nova' descoberta evidencia, sem dúvida, o
quanto o conceito bíblico (ou melhor, a realidade) da igreja
tem sido perdida na maior parte do cristianismo tradicional.
Felizmente, as coisas estão mudando!
A experiência de sair do ambiente norte-americano e me
envolver no ministério numa outra cultura levou-me a
repensar totalmente na missão e na estrutura da igreja no
mundo de hoje. Foi minha experiência de crescer na igreja,
pastorear em Detroit, Michigan, e exercer ministério no Brasil
que suscitou as questões. Mas foi principalmente a Escritura
que me deu as respostas.
Isso foi há mais de vinte anos, naqueles turbulentos dias
no início da década de 70. Wineskins continuou nos catálogos
por duas décadas e foi traduzido para várias línguas. Embora
ainda esteja em circulação em alguns idiomas, ele finalmente
se esgotou nos Estados Unidos.
Uma vez que o livro não estava mais disponível em inglês,
a Touch Outreach Ministries se ofereceu para reimprimi-lo
em sua forma revisada e atualizada. A esperança tanto da
editora como do autor é que, por meio deste e de um crescente
conjunto de livros similares, uma nova geração de líderes
cristãos descubra o assombroso e atraente poder da igreja do
Novo Testamento. Não há nenhuma surpresa no fato de que,
quando aceitamos o testemunho bíblico exatamente como
PREFÁCIO II
ele se apresenta, em vez de impor sobre ele nossas idéias
preconcebidas ou equivocadas, surge um consenso com
respeito à natureza básica do Corpo de Cristo. Assim, muitos
livros hoje apontam basicamente para a mesma direção.
As alterações nesta edição revista de Wineskins se devem
principalmente aos deslocamentos culturais que se verificaram
no mundo nas últimas duas décadas. Mas fiz também uma
série de outras mudanças a fim de ser mais claro e incisivo. A
maior modificação é o acréscimo de um capítulo inteiramente
novo, “A Ecologia da Igreja”, incluído como capítulo 10. Este
era o capítulo-chave em meu livro publicado em 1983,
Liberating the Church (já esgotado). Como esse capítulo leva
adiante algumas percepções de Wineskins e apresenta um
modelo orgânico prático para a vida da igreja, creio que sua
inclusão fortalece consideravelmente o livro. Acrescentei ainda
um pós-escrito.
Este livro tenta restabelecer a visão bíblica da igreja à
luz da cultura contemporânea. Embora hoje com toda
probabilidade eu seja mais lúcido acerca da visão bíblica da
igreja, continuo convencido de que o argumento desenvolvido
no livro original é biblicamente sadio e surpreendentemente
relevante. Quanto ao contexto cultural, as direções que
apontei há vinte anos parecem hoje muito mais acertadas.
Minha conclusão - mais firme hoje, após uma experiência
mais ampla da igreja global e contato com muitas pessoas que
têm usado Wineskins em contextos bem variados - é que o
modelo bíblico funciona se for trabalhado.

Howard A. Snyder
Dayton, Ohio
1NTRoDUçÃo
VI HO NOVO E
ODRES VELHOS

Recentemente, recebi um e-mail de Joe Culumber, meu amigo


de Seattle. Joe pastoreia naquela cidade uma congregação
multiétnica em crescimento. Ele escreveu:
Há algumas dinâmicas que estão atuando na igreja
aqui - coisas estão “escapando do controle” no bom
sentido. Pessoas estão tomando iniciativa e exercendo
ministério sem ao menos me consultar! E cinco ou seis
pessoas de diferentes idades e tipos estão pensando em
mudar de vida em direção ao ministério de “tempo
integral”, o que é ao mesmo tempo excitante e
desafiador.
Soa como se a igreja estivesse passando por renovação radical,
resolvendo o problema de odres.
Para falar a verdade, nunca tive muita experiência nem
com vinho nem com odres - do tipo literal. Mas por muito
tempo estou intrigado com as palavras de Jesus em Lucas
5.37-38: “E ninguém põe vinho novo em odres velhos, pois o
vinho novo rebenta os odres velhos, estragando-se os odres e
därainando-se o vinho. Vinho novo deve ser posto em odres
velhos” (Bíblia Viva).
fi e queria dizer Jesus? Com certeza, ele não queria dizer
todas as coisas que os cristãos têm concluído dessas palavras
ao longo do tempo. Jesus faz distinção aqui entre algo
14 INTRODUÇÃO
essencial e primário (o vinho) e algo secundário mas também
necessário e útil (os odres). Odres seriam supérfluos sem o
vinho.
Essa distinção é fundamental para a vida diária da igreja.
Existe aquilo que é novo, poderoso e essencial- o evangelho
de Jesus Cristo. E existe aquilo que é secundário, subsidiário,
feito por mãos humanas. São os odres - tradições, estruturas
e padrões de conduta e ação, que se desenvolveram ao redor
do evangelho.
Estou particularmente interessado aqui na relação entre
esses odres e o vinho do evangelho. Que tipos de odres são
mais compatíveis com o evangelho em nossa emergente
sociedade global? Isso porque os odres são o ponto de contato
entre o vinho e o mundo. São determinados tanto pelas
propriedades do vinho como pelas pressões do mundo e
surgem quando o evangelho divino toca a cultura humana.
Na passagem sobre os odres em Lucas 5, os críticos de Jesus
vieram a ele com uma pergunta: “Os discípulos de J oão jejuam
e oram freqüentemente, bem como os discípulos dos fariseus,
mas os teus discípulos vivem comendo e bebendo.”
Jesus responde falando primeiro sobre o noivo. “Podem
vocês fazer os convidados de uma festa de casamento jejuar
enquanto o noivo está com eles? Mas virão dias quando o noivo
lhes será tirado; naqueles dias jejuarão.” O próprio Jesus era
o noivo, e enquanto ele estivesse na terra com seus discípulos,
era inteiramente apropriado que estes festejassem e
celebrassem.
Mas Jesus não pára por aí. Ele prossegue e fala sobre roupa
nova e vinho novo. Jesus sabia onde estava o verdadeiro
problema. Sabia o que estava por trás da questão levantada
pelos escribas e fariseus. Estavam irritados porque Jesus não
obedecia a todas as suas tradições. Na verdade, eles estavam
fazendo a mesma pergunta que fizeram em Mateus 15.2: “Por
que os seus discípulos transgridem a tradição dos anciãos'?”
Então, Jesus diz: “Ninguém tira remendo de roupa nova e
o costura em roupa velha; se o fizer, estragará a roupa nova,
além do que o remendo da nova não se ajustará à velha. E
INTRODUÇÃO 15
ninguém põe vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho
novo rebentará os odres, se derramará e os odres se estragarão.
Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos.”
A última afirmação é a chave: “Vinho novo deve ser posto
em odres novos.” O velho judaísmo não poderia conter o
vinho novo de Cristo. A fé cristã teria de crescer e romper o
odre velho. E foi isso mesmo que aconteceu. A igreja começou
a se espalhar pelo mundo todo, desfazendo-se das velhas
formas judaicas.

Uma Mensagem de Novidade


Aprendemos duas coisas aqui. Em primeiro lugar, esta
parábola nos lembra que Deus é sempre um Deus de
novidades. O evangelho é novo - sempre.
O Antigo Testamento freqüentemente fala de coisas novas.
Lemos sobre um novo cântico, um novo coração, um novo
espírito, um novo nome, uma nova aliança, uma nova criação,
um novo céu e uma nova terra.1 Davi disse: “ [Deus] me pôs
nos lábios um novo cântico” (Sl 40.3). E temos outras
declarações, tais como:
“Eis que as primeiras predições já se cumpriram, e novas
coisas eu vos anuncio; e, antes que sucedam, eu vo-las farei
ouvir” (Is 42.9).
“Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura,
não o percebeis?” (Is 43.19).
“Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles”
(Ez 11.19).
“Pois eis que eu crio novos céus e nova terra” (Is 65.17 ).
O Novo Testamento pinta um quadro semelhante ao
apresentar o evangelho. Hebreus 10.20 fala sobre o “novo e
vivo caminho”. E Jesus disse naquela terrível noite da Ceia
do Senhor: “isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança”
(Mt 26.28).
Deus é um Deus de novidades. Por um lado, Deus é o
Ancião de dias, o “Pai das luzes, em quem não pode existir
variação ou sombra de mudança” (Tg 1.17). “Uesus Cristo,
ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre” (Hb 13.8).
/Ó INTRODUÇÃO
Porém, isso não significa que Deus seja estático ou
estacionário. A história do povo de Deus na Bíblia e a
história da igreja cristã mostram exatamente o contrário.
Em todas as épocas, o verdadeiro evangelho bíblico é uma
mensagem de novidade, de renovação radical.
Deus não parou de fazer coisas novas. A Bíblia diz: “Nós,
porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova
terra, nos quais habita justiça” (2 Pe 3.13). Muitas das
profecias do Antigo Testamento sobre “novas coisas” se
cumpriram parcialmente na vinda de Cristo e nascimento da
igreja, a nova comunidade. Mas o fundo profético ainda não
se esgotou. Permanecem profecias que náo foram cumpridas
até o momento e promessas de novas coisas que ainda não
foram desfrutadas. E no final da Bíblia Deus ainda está
dizendo: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21.5).
Todas as épocas experimentam a tentação de esquecer que
o evangelho é sempre novo. Tentamos conservar o vinho novo
do evangelho em odres velhos - tradições fora da moda,
filosofias obsoletas, instituições rangentes, velhos hábitos.
Porém, com o tempo os odres velhos começam a amarrar o
evangelho. Então, devem ser rompidos, e o poder do evangelho
deve ser liberado novamente.
Isso tem acontecido muitas vezes na história da igreja. A
natureza humana deseja conservar, mas a natureza divina
quer renovar. Parece quase uma lei: as coisas criadas com o
objetivo inicial de ajudar o evangelho tornam-se, no final,
obstáculos - odres velhos. E aí Deus tem de destruí-los ou
abandoná-los de modo que o vinho do evangelho possa renovar
mais uma vez o nosso mundo.
O evangelho continua novo em nossos dias. Ele ainda é “o
poder de Deus”. Ele ainda está rompendo odres velhos e
fluindo para dentro do mundo. De fato, isso é mais
verdadeiro hoje, e em mais lugares, do que em qualquer
período da história. Tudo o que eu tento dizer neste livro
brota de uma profunda confiança em Jesus Cristo e no poder
renovador do seu evangelho.
INTROD vÇÃo 17
Mas há mais alguma coisa que essa parábola nos ensina:
a necessidade de odres novos. Odres não são eternos nem
sagrados. A medida que o tempo passa, eles precisam ser
substituídos - não porque o evangelho muda, mas porque o
próprio evangelho exige e produz mudanças! Vinho novo deve
ser posto em odres novos - não de uma vez por todas, mas
repetidamente, periodicamente. Este livro foi escrito a ñm de
enfatizar a relatividade das estruturas da igreja e a ñm de
sugerir alguns pontos de partida para a necessária atualização
dos odres.

Seis Novas Correntes


Ao escrever este livro fui influenciado por muitas correntes e
movimentos de renovação. Na edição original, mencionei
quatro correntes que agitavam a igreja no início da década de
70: evangelização pessoal, renovação da igreja, crescimento
da igreja e o Movimento Carismático. Hoje, muita coisa mudou,
embora possamos traçar linhas de relações ao longo do último
quarto de século. No plano global, o grande assunto é o notável
crescimento da igreja cristã em centenas de grupos de povos
ao redor do mundo nas últimas três décadas.
Mais recentemente, surgiram seis novos movimentos. Em
certa medida, todos eles brotaram do fermento da década de
70 e confirmam aspectos da dinâmica bíblica da igreja, tal
como é descrita neste livro?
1. O movimento das comunidades eclesiais de base ou
comunidades de base, especialmente entre católicos romanos
na América Latina, começou no início da década de 70 e
continua com muitas mudanças. Essas comunidades populares
aparentemente chegam a centenas de milhares, e a maioria
delas é pobre, enfatizando os temas do capítulo 3 deste livro?
2. Um crescente e bem diversificado movimento de igreja
nas casas está mostrando em contextos culturais bem
diferentes a viabilidade e a popularidade de igrejas pouco
estruturadas e mais informais, onde as pessoas têm muita
amizade entre si. O movimento de igreja nos lares na China
é o maior e mais dinâmico exemplo, mas redes informais de
18 INTRODUÇÃO
igrejas nas casas, de diferentes espécies, podem ser
encontradas em muitas regiões do mundo.”
3. O movimento de igreja em células tem sido encarado
como um jeito específico de ser e formar igreja, e atualmente
é internacional em seu alcance. Esse movimento demonstra
de maneira conclusiva o poder dos círculos pequenos e
comprometidos de crentes bem como a sede que muitas
pessoas têm de compromisso deñnido e discipuladof'
4. O movimento de metaigreja está se tornando o modelo
dinâmico de muitas grandes igrejas protestantes nos Estados
Unidos e em outros países. Suas percepções-chave são a
importância de pequenos grupos como estruturas para
discipulado e desenvolvimento de ministérios e o ministério
de todos os crentes? Vemos o impacto óbvio das megaigrejas,
mas só as megaigrejas que seguem o modelo de metaigreja
vão continuar dinâmicas segundo o padrão bíblico.
5. Hoje, há também um crescente movimento de oração
em muitos lugares, com raízes principalmente na Coréia e
na América do Norte. Embora esse movimento não enfatize
especificamente odres novos, está tornando as pessoas mais
abertas para ouvir o sussurro do Espírito e unindo os
cristãos numa experiência de igreja caracterizada por
orações?
6. Finalmente, e de modo mais geral, podemos mencionar a
Terceira Onda do movimento pentecostal-carismático com sua
contínua ênfase nos dons e poder do Espírito.
Estatisticamente, a maioria dos cristãos no mundo hoje é
carismática - resultado de uma mudança dramática nos
últimos 25 anos. Enquanto em alguns lugares essa “onda”
está se desviando para sensacionalismo ou submergindo no
sucesso, em muitas áreas ela representa a ponta de lança do
crescimento de igrejaf
Há outras correntes novas que merecem observação
cuidadosa e podem interagir com os movimentos e tendências
acima. O movimento de Promise Keepers (“Cumpridores de
Promessa”› surgiu no início da década de 90 e está trazendo
muitos homens u uma nova compreensão de responsabilidade
INTRODUÇÃO 19
cristã e discipulado. Ainda não está claro que impacto terá
sobre as igrejas locais. Mas ele provê uma oportunidade para
alertar igrejas que sabem como canalizar uma nova energia
espiritual em odres novos.
Outra tendência é o surgimento de cristãos se
encontrando na Internet. formando o que alguns estão
chamando de ciberigreja global. Muitos grupos de discussão
online já estão conversando ativamente sobre tópicos como
igrejas nas casas, liderança de igre_ja, Promise Keepers
(“Guardiões da Promessa”) e assim por diante. Alguns já
enxergam um significativo próximo passo: a criação de uma
cibercomunidade cristã, uma nova forma de igreja que
poderia transcender divisões raciais, étnicas e
socioeconômicas. Ninguém sabe para onde isso vai nos levar,
mas devemos estar atentos às promessas e aos perigos.
Essas várias correntes não são o foco deste livro. Porém, é
digno de nota que todas as seis correntes mencionadas acima
enfatizem um ou mais dos temas discutidos nas próximas
páginas. O vinho já estava em fermentação no início da
década de 70. Hoje percebemos essas novas correntes e
discernimos uma interligação considerável entre elas.
Todas essas correntes, ou o impulso por trás delas, têm
algum papel importante neste livro. Mas o coração do livro
brota de um contínuo diálogo com a Palavra de Deus e com
outros que, assim como eu, têm se dedicado a uma busca
constante para redescobrir a verdadeira igreja bíblica de Jesus
Cristo.

Um Organismo Vivo
A Bíblia diz que a igreja é nada menos que o Corpo de Cristo.
Ela é a Noiva de Cristo (Ap 21.9), os ramos vivos (Jo 15.1-8),
o Rebanho de Deus (1 Pe 5.2), o templo santo no Senhor (Ef
2.21-22). Todas essas figuras bíblicas enfatizam um
relacionamento essencial, vivo e amoroso entre Cristo e a
igreja. Até mesmo o “templo” é vivo, um organismo vivo!
Essas figuras sublinham a suprema importância da igreja
no plano de Deus e nos lembra que “Cristo amou a Igreja e a
20 INTRODUÇÃO
si mesmo se entregou por ela” (Ef 5.25). Se a Igreja é o Corpo
de Cristo - o instrumento para ação da Cabeça no mundo
-- então a igreja é uma parte essencial do evangelho, e a
eclesiologia e a soteriologia são inseparáveis. Por isso,
devemos tratar da renovação radical dos odres.
O leitor vai logo perceber que não tentei dar um programa
completo para a estrutura da igreja. N ão apresento nenhum
projeto detalhado. Antes, tentei falar basicamente sobre
princípios chaves e entendimentos que devem modelar
qualquer estrutura válida e bíblica em nossos dias. Este livro,
portanto, é sugestivo, não definitivo. Eu abri mais portas
do que as que escolhi para (ou sou capaz de) entrar por elas.
Várias questões são tratadas somente de modo parcial e
incompleto. Outros livros de minha autoria lidam com alguns
desses assuntos de maneira mais completa - em especial The
Community of the King, Liberating the Church e A Kingdom
Manifesto. Propostas mais detalhadas e sistemáticas para
estrutura da igreja podem ser encontradas também em
algumas das obras citadas em notas ao longo do livro.
O vinho novo deve ser colocado em odres novos. Mas de
onde vêm esses odres novos? Quem os fornece? Como eles
são feitos? Que determina sua utilidade?
Este livro procura responder a perguntas como essas.
TEMPO
PARA
VINHO NOVO
CAPÍTULO 1

O CATACLISM
IMPOSSÍVEL

É difícil fugir da conclusão de que, hoje, uma das maiores


barreiras que se erguem contra o evangelho de Jesus Cristo é
a igreja institucional. Há alguns anos, um estudante
protestava brandindo uma placa que dizia: “Cristo Sim!
Cristianismo Nãol” Penso que ele expressava o que muitos
sentem: na grande maioria das vezes a igreja institucional
representa algo radicalmente diferente do Jesus Cristo da
Bíblia.
Mas como alguém poderia chegar a Cristo senão por
intermédio da igreja? E como pode a igreja apresentar Jesus
sem se colocar ela mesma no caminho? Em nosso mundo que
se transforma rapidamente, cada vez menos pessoas se
interessam por um montão de odres velhos, não importa quão
bem conservados eles sejam.
A situação hoje não deixa de ser irônica. Por um lado, grande
parte da igreja institucionalizada fala em seu cantinho consigo
mesma sobre como ser relevante, e adota uma teologia que
tem como premissa não declarada: “Se você não pode vencê­
los, junte-se a eles.” Muitas vezes ela apresenta uma
“teologia” de causas políticas e/ou sociais ligada de modo
tão desesperador a modismos culturais passageiros, que ela
morre bem antes dos teólogos que a inventaram.
24 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Enquanto isso, de volta às telas da 'IV uma enxurrada de
programas de entrevista domina a cena, ignorando a igreja
enquanto seus participantes tagarelam acerca de suas
experiências e relacionamentos. As pessoas não querem uma
teologia em que crer ou mesmo uma causa pela qual viver,
mas acima de tudo uma experiência que pareça real. Na falta
disso, enchem sua vida com descartáveis emocionais como
sexo, drogas, relacionamentos egocêntricos e misticismo da
Nova Era. Gangues de adolescentes, e mesmo grupos de
punk rock e rap, estão na verdade representando uma
parábola dramatizada. Estão dizendo: “Queremos um
gostinho da experiência”.
Nós poderíamos oferecer isso. A igreja poderia apresentar
Cristo, não uma instituição ou uma teologia ou um programa.
A igreja poderia apresentar Jesus, não um cristianismo
antiquado e adulterado. Mas é claro que ela não 0 faz. Ela
tenta fermentar um vinho novo em vez de jogar fora os odres
velhos? Na maioria das vezes, a igreja não está apenas no
mundo; em grande medida, ela é também do mundo.
Escrevo como um evangélico que aceita que a Bíblia tem
plena autoridade. Se estivéssemos falando aqui apenas no
aspecto teológico, poderíamos lançar nossas críticas contra a
igreja e nos manter confortavelmente longe de qualquer
perturbação, pois poderíamos atribuir toda a culpa ao
liberalismo doutrinário. Porém, quando falamos de assuntos
como divisão de classes, discriminação racial,
institucionalismo, negligência em relação aos pobres e ao
centro velho das grandes cidades, e falta de consciência social
e impacto cultural, estamos sendo confrontados por
problemas que estão presentes tanto (e às vezes até mais)
nas igrejas evangélicas e fundamentalistas como nas assim
chamadas igrejas liberais.
Propostas Heréticas e Insuficientemente Radicais
Obviamente, não é que a igreja hoje não tenha propostas
para renovação. Mas a maioria dessas sugestões é herética
ou não é radical o suficiente. São heréticas, pois jogam no
0 CATHCLISMO IMPOSSÍVEL 25
lixo o evangelho bíblico em troca de algo mais “relevante”.
Ou não são radicais o bastante: tentam permanecer atadas,
mais do que devem, a tradições, organizações e estruturas
da igreja. A maioria dos programas de renovação sugeridos
por autores evangélicos enquadra-se nessa última categoria,
com algumas exceções notáveis.
Muitos cristãos sabem, evidentemente, que Alguma Coisa
Está Errada. Alguns livros significativos de autores
evangélicos - tais como o pequeno clássico de Robert
Coleman, O Plano Mestre do Evangelismo, e o mais recente
The Body, de Charles Colson - têm procurado apresentar
princípios do Novo Testamento relacionados com o que a igreja
deve ser e como ela deve evangelizar. O problema é que quase
nenhum desses livros vai longe o suficiente. Muitos textos
sobre princípios neotestamentãrios de evangelização e
discipulado, por exemplo, são úteis, mas tentam enxertar
alguns métodos do Novo Testamento em estruturas
eclesiásticas que não são de modo nenhum neotestamentárias
em sua natureza. Em contraste, muitos livros que tratam
especificamente de crescimento e estrutura da igreja
negligenciam a ênfase de suprema importância que a Bíblia
dedica ao discipulado radical e à comunidade que muda a vida
das pessoas. E com freqüência, suas sugestões acerca de
estrutura não levam suficientemente a sério o conceito
neotestamentário de igreja.
Para um evangelho radical (bíblico) precisamos de uma
igreja radical (bíblica). Para um vinho sempre novo devemos
ter continuamente odres novos.
Em suma, precisamos de um cataclismo.
Alguma coisa precisa ser feita. O institucionalismo deveria
ser atirado fora.
Que poderia fazer uma denominação ou igreja local que
deseje realmente experimentar a dinâmica do Novo
Testamento? Vamos supor...
Em primeiro lugar, todos os edifícios da igreja são
vendidos. O dinheiro é dado (literalmente) aos pobres. Todas
as congregações com mais de duzentos membros são
26 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
divididas em duas. Escritórios, pequenos prédios ou centros
comunitários são alugados conforme a necessidade.
Campanhas promocionais da escola dominical e a maior parte
da propaganda são eliminadas. Crentes se reúnem
freqüentemente nas casas; cultos de oração no meio da semana
se tornam supérfluos.
Pastores assumem empregos seculares e deixam de ser
pagos pela igreja; eles se tornam, com efeito, “leigos” treinados
em vez de profissionais pagos. “Leigos” de ambos os sexos
assumem a liderança de todos os negócios da igreja. Não há
nenhuma tentativa para atrair não-crentes aos cultos das
igrejas; estes são principalmente para crentes e talvez sejam
realizados em algum outro horário que não a manhã de
domingo. `
Evangelização assume novas dimensões. A igreja começa a
levar a sério a sua responsabilidade de pregar o evangelho
aos pobres e ser um agente do reino de Deus. Ela deixa de
levar em consideração o potencial econômico ao planejar novas
igrejas. Começa a perder seu encanto pelo materialismo da
classe média.
Etc.
Que aconteceria a uma igreja como essa? Eu penso que ela
cresceria - e poderia muito bem reviver o livro de Atos.
Este é o cataclismo necessário, em linhas gerais, se não em
detalhes específicos. Esse cataclismo poderia trazer a igreja
mais perto do modelo e espírito do Novo Testamento. Mas
este é um cataclismo impossível. Nunca nenhuma
denominação ou congregação em sã consciência institucional
faria tal coisa, por razões psicológicas e sociológicas (se não
bíblicas) perfeitamente boas.
Dietrich Bonhoeffer escreveu cinqüenta anos atrás (1944):
A Igreja só é Igreja quando existe para outros. Para fazer
um início, deve entregar todo o seu patrimônio aos
necessitados. Os ministros devem viver exclusivamente
dos donativos voluntários da comunidade, talvez tenham
que exercer qualquer profissão profana. A Igreja deve
participar das tarefas profanas da vida na coletividade
0 CATACLISMO IMPOSSÍVEL 27
humana, não como quem governa, mas como quem
ajuda e serve. Ela deve dizer aos homens de todas as
profissões o que representa uma vida em Cristo. o que
significa existir para outrosfi
Este é, em essência. se não em detalhes, o tipo de cataclismo
de que necessitamos. Mas, infelizmente. trata-se de um
cataclismo impossível.
Ou será que é possível?
Deus não estaria dizendo ainda: “Farei coisa nova...Nf).
CAPÍTULO 2

ç UNDo
A BEIRA D0 ABISM 2

A igreja no limiar do século XXI deve olhar bem em que tipo


de mundo estamos vivendo.
Há meio século, Dietrich Bonhoeffer escreveu de sua cela
da prisão nazista que o mundo “tinha chegado à idade da
emancipação”. A frase ecoou pela igreja por décadas. Agora
ela parece um pouco estranha. Hoje parece mais certo dizer
que o mundo está à beira do caos, mesmo estando cada vez
mais ligado eletronicamente* '
Numa coisa, porém, Bonhoeffer tinha razão. E isso se
relaciona com a questão da missão e estrutura da igreja.
Bonhoeffer acreditava que o mundo havia chegado à idade
da emancipação no sentido de que Deus como hipótese de
trabalho não era mais necessário. As pessoas não precisavam
mais de “Deus” para explicar o mundo. Isso é verdade, disse
ele, não só na ciência e na filosofia, mas também na própria
religião.
Bonhoeffer observou: “desde Kant, ele [Deus] só parece
existir além da experiência do mundo.” Insistia em que os
cristãos devem aceitar abertamente a nova condição do homem
sem Deus e, em meio a essa nova cosmovisão, confrontar as
pessoas com Cristo. Disse Bonhoeffer: “Interessa-me chegar
à conclusão de que se deve reconhecer simplesmente a
MUNDO À BEIRA DO ABISMO 29
emancipação do mundo e do homem. ”3 “O mundo emancipado
vive muito mais sem Deus e, por isso, talvez, muito mais perto
de Deus do que o mundo dependente.” Seu interesse, disse,
era “o aproveitamento incondicional do mundo emancipado
por Jesus Cristo”.5
Mas como as coisas estão hoje? Teria o mundo realmente
chegado à “idade da emancipação”, ou estaria morrendo de
velho? Que espécie de mundo é o nosso?
E um mundo secularizado e urbanizado, um mundo
“seculurbano”. Mas é também um mundo em que novas
superstições correm velozmente por onde velhos dogmas
tinham medo de trilhar; um mundo em que habitantes da
cidade podem ser tão isolados e ilhados _ e tão provincianos
- como seus ancestrais que viviam na zona rural. A cidade
secular está ficando encantada novamente.
Os homens e as mulheres high-tech de hoje se encontram à
beira de um colapso nervoso. O que era anunciado como a
nossa maioridade, nossa maturidade, nossa confiança secular,
está sendo minado pela insegurança. Vivemos numa nova era
de ansiedade.
Então, a que tipo de emancipação o homem chegou? Em
que ponto estamos no mapa da história do mundo?
Em vez de chegar à maioridade, a história descreveu um
círculo completo. Em vários aspectos chaves, ela voltou ao
espírito do mundo romano do primeiro século. E por isso, esta
era a que chegamos pode ser a mais estratégica para a
proclamação efetiva do evangelho bíblico.
E. M. Blaiclock observou: “De todos os séculos, o vigésimo
é o mais parecido com o primeiro: dominado por cidades,
oprimido pela tirania, decadente, destroçado por aquelas crises
geradas pelos abusos que o homem pratica contra si mesmo e
contra a natureza.” Esse paralelismo entre a civilização de
hoje e o mundo do primeiro século tem sido sugerido também
por outros autores. Há alguns anos, os futurologistas Herman
Kahn e Anthony J. Wiener, do Hudson Institute, fazendo
projeções para o Ano 2000, observaram que “há alguns
paralelos entre os tempos romanos e os nossos”. Sugeriram
JU VINHO N OVO. ODRES NOVOS
que “algumas das perspectivas para o ano 2000 são, com efeito,
um retorno a uma espécie de nova era de Aug'usto”."
Discutindo a cultura atual, disseram que “algo muito parecido
à nossa tendência múltipla ocorreu na Grécia helenística, no
tim da República Romana e no começo do Império Romano”.”
A “tendência múltipla” de Kahn e Wiener apontava para
“culturas cada vez mais sensitivas, seculares e pragmãticas;
acumulação de conhecimentos científicos e tecnológicos;
institucionalização da mudança; crescente instrução,
urbanização e riqueza”.” Em nossa perspectiva de quem vive
nas vésperas do ano 2000, podemos constatar a acuracidade
dessa projeção, embora vejamos também um abismo cada vez
maior entre os ricos e os pobres.
O historiador Adolf Harnack alistou várias condições do
primeiro século que ajudaram de modo especial o crescimento
do cristianismo primitivo. Paralelismos com as condições de
hoje são impressionantes. Harnack citou “a mistura de
diferentes nacionalidades”, “a relativa unidade da língua e
das idéias”, “a convicção prática e teórica quanto à unidade
essencial” da humanidade e, em especial, “a crescente
popularidade de uma filosofia mística de religião, com intenso
desejo por alguma forma de revelação e sede por milagres”.1°

Sete sinais dos tempos


Uma rápida verificação do clima cultural de hoje comparado
ao do Império Romano do primeiro século produz vários
paralelos significativos:
1. Um mundo essencialmente urbano, com as cidades
desempenhando 0 papel cultural principal. O sabor urbano
do primeiro século transparece claramente no livro de Atos e
nos escritos de Paulo. Em contraste com a maior parte da
Idade Média, “o mundo greco-romano era um aglomerado de
cidades”, segundo o historiador Kenneth Latourette.“ Era o
mundo de Roma, Alexandria, Éfeso, Corinto, Colossos,
Tessalônica, Sardes, Filadélfia, Esmirna, Laodicéia, Ancira,
Antioquia (capital da Síria e terceira major cidade do império)
MUNDO À BEIRA DO ABISMO 31
e literalmente centenas de outras cidades. Roma, a maior
delas, tinha no primeiro século uma população que pode ter
chegado a um milhão de habitantes, e a população de
Alexandria tem sido estimada em 500 mil. Muitas cidades
aparentemente_tinham população que passava de 100 mil
(incluindo escravos); sabemos que no estádio de Efeso cabiam
25 mil pessoas sentadas.”
Há várias estimativas quanto à população total do Império
Romano no primeiro século, mas 60 milhões parece ser um
número razoável. Desse total, talvez cerca de 10 milhões, ou
15%, tenham vivido nas cidades maiores, com 100 mil
habitantes ou mais. Considerando o grande número de cidades
menores então existentes, pode ser que aproximadamente
metade da população vivesse em cidades - uma situação que
mudou de maneira drástica mais tarde.
O mais importante, contudo, não é a porcentagem, mas a
influência. Independentemente da porcentagem efetivamente
urbanizada (pelos padrões atuais), é claro que a vida e a cultura
urbanas desempenhavam um papel dominante no primeiro
século. A cidade era o lugar em que se devia estar; o livro de
Atos reflete isso.
O fato da urbanização hoje é tão bem conhecido que não
precisa de muitos comentários. “Por volta do ano 2000, metade
da raça humana estará vivendo em cidades”, relata Cities &
Slums News, e a maioria dessas pessoas será pobre. O mundo
agora tem cerca de 40 cidades com população superior a 5
milhões de habitantes.”
Podemos, portanto, traçar um paralelo entre o Império
Romano e o mundo de hoje - em termos de estatística
também, mas especialmente no aspecto cultural, pois a
urbanização é um fenômeno mais do que quantitativo. “O
estudo da cidade tem se tornado o estudo da sociedade
contemporânea”, diz Leonard Reissman.“ Harvey Cox
observa: “A urbanização significa uma estrutura da vida
comum, na qual a diversidade e a desintegração da tradição
são proeminentes” e onde “a alta mobilidade, a concentração
econômica e as comunicações de massa têm arrastado até as
32 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
pequenas aldeias para dentro do fluxo da urbanização”.1° Cox
pensa que esse é um fenômeno estritamente do século XX,
mas o paralelo com o primeiro século é impressionante.
2. Paz, estabilidade e unidade política sem paralelos. “A
guerra é uma das constantes da história”, escreveu Durants
em The Lessons of History. “Nos últimos 3.421 anos de história
registrada, apenas 268 não viram nenhuma guerra.”*° Mesmo
assim, a fé cristã irrompeu pelo mundo romano durante uma
época de paz incomum. César Augusto tinha dado estabilidade
a todo o império, trazendo uma “época de paz sem paralelos
na`história”.“
A primeira vista, o mundo hoje não parece muito pacífico.
Pensamos nos Balcãs, partes da antiga União Soviética, várias
nações na Africa Central; nos conflitos políticos, econômicos
e étnicos; crimes nas ruas e assim por diante. Mesmo assim,
em contraste com o passado, e considerando a velocidade das
revoluções sociais hoje, o período de 1945 para cá tem sido
extraordinariamente pacífico. Apesar das turbulências
regionais, o mundo hoje demonstra uma surpreendente
estabilidade global. Uma grande guerra mundial parece menos
provável hoje do que há apenas trinta anos. Um acordo
internacional acabando com a guerra na Bósnia foi assinado
em 1995. E isso segue os principais passos recentes em direção
à paz no Oriente Médio, África do Sul e Irlanda do Norte.
Com certeza, não existe hoje nenhuma unidade política
comparável à da posição do Império Romano no mundo
mediterrâneo. Mesmo assim, a presença militar e econômica
americana em toda parte e o crescimento das Nações Unidas,
aliados à rede cada vez maior de avanços tecnológicos e ao
incremento do comércio mundial, têm produzido o que pode
ser um equivalente funcional do Império Romano e da Pax
Romana.
3. A disseminação de uma cultura e língua predominantes
por todo 0 mundo. A cultura grega dominou o mundo romano
do primeiro século. Por todo o império, mesmo na Itália, o
grego era a segunda língua comum. Idéias gregas foram
M UA/Do À BEIRA DO ABISMO 33
adotadas por imitação em quase todas as províncias. Crianças
romanas eram educadas em grego.
O paralelo com a influência americana hoje (para o bem ou
para o mal) é notável. Crianças em idade escolar, de Rússia a
China, estudam inglês. O mundo assiste a filmes americanos
e adota estilos americanos. A América ainda é o principal
exportador do mundo na área de inovações tecnológicas e
científicas e, em especial, de novidades culturais.
4. Viagens internacionais, comunicação e intercâmbio
cultural. As estradas romanas (cerca de 83.500 km, segundo
uma estimativals) são lendárias; sua segurança e estado de
conservação no primeiro século só encontram paralelos em
nossos dias. Homens de negócios, oficiais do governo, militares,
sábios e outros viajavam por grandes distâncias e com
facilidade por todo o império. Conhecimentos e informações
se multiplicavam rapidamente, criando algo parecido com o
equivalente do primeiro século à explosão de conhecimentos
que se verifica hoje. Harnack fala em “os onipresentes
mercadores e soldados - alguém poderia acrescentar, o
onipresente professor”.19
A situação é similar hoje - mas agora em escala global.
Nunca antes viajar foi tão fácil, tão seguro, tão barato
comparativamente ou algo praticado de modo tão extenso.
Homens e mulheres de negócio, estudantes, educadores,
líderes de igrejas, turistas, atletas e funcionários de governo
viajam constantemente por quase todo o globo. Até mesmo a
China se abriu. Viagens internacionais atingem níveis
recordes. Intercâmbio cultural, oñcial ou não, se dá com grande
rapidez, muitas vezes sem ser percebido.
Temos, além disso, um mundo com meios modernos de
comunicação de massa - satélites, publicações nacionais e
internacionais, televisão global, serviços de rede, publicação
de livros em escala sem precedentes, e agora a Internet, ligando
de modo interativo mais de 50 milhões de pessoas pelo mundo.
Em suma, vivemos na era da comunicação. Novas idéias ou
novos estilos rapidamente se tornam propriedades do mundo.
34 VINHO N OVO. ODRES NOVOS
A situação não tem paralelos, mas, guardadas as proporções,
o primeiro século era muito semelhante.
5. Mudança social penetrante, com uma tendência para uma
visão humanista, uniuersalista, de “um único mundo”; um
sentimento de que a humanidade é essencialmente una e
compartilha um destino comum. Qualquer movimento mais
amplo de pessoas e idéias tende a desfazer o tecido da tradição
e produzir mudança social. Isso foi verdade nos tempos da
igreja primitiva. Harnack cita uma descrição do mundo do
primeiro século:
A vida antiga começou a se desestruturar; seus
sólidos fundamentos começavam a se enfraquecer A
idéia da humanidade universal havia se libertado da idéia
de nacionalidade. Os estóicos tinham passado a
mensagem de que todos [os homens] são iguais, e haviam
falado tanto da fraternidade como dos deveres [entre os
homens]. As classes mais baixas, até então desprezadas,
haviam garantido sua posição. O tratamento dado aos
escravos se tornou mais brando. Mulheres, até então
sem os direitos legais, passaram a recebê-los em número
cada vez maior. Crianças recebiam cuidados. A
distribuição de cereais tornou-se uma espécie de
sistema de auxílio aos pobres ou de assistência social, e
nos deparamos com um crescente número de atos
generosos, dãdjvas e doações, que já evidenciavam um
espírito mais humano.”
Este quadro se aplica não apenas à época de Paulo, mas
também, numa medida surpreendente, à nossa época.
Zbigniew Brzezinski escreveu em Between Two Ages, “Nós
atingimos o estágio na história [do homem] em que a paixão
pela igualdade é uma força universal, autoconsciente. A paixão
pela igualdade é forte hoje porque pela primeira vez na história
humana a desigualdade não fica mais isolada por tempo e
distãncia.”*“ Levando em devida consideração a diferença de
tempos, quase a mesma coisa acontecia no Império Romano.
A paixão pela igualdade não era tão grande, mas estava
presente e aumentava. E sua pressuposição essencial, de que
MUNDO À BEIRA DO A131sMo 35
a humanidade é basicamente una, tem sido uma poderosa força
modeladora tanto naquela época como nos dias de hoie.
6. Fermento religioso e ƒilosófico bem disseminado; a mistura
e “relativizaçäo” das ‹¬osmovisões; a ascensão das novas
religiões; um ateísmo prático e descrença em deuses, associado
ao misticismo existencial. Temos aqui, espiritualmente, a
principal característica do primeiro século -- e a mais
importante para a fé cristã. Latourette observa que esse
“fermento ético, filosóñco e religioso é uma das principais
razões para a notável disseminação do cristianismo”.2** E é
aqui que o paralelo com hoje é mais impressionante.
Devemos observar aqui quatro tendências mais ou menos
distintas do primeiro século. A primeira é um ateísmo prático
resultante de uma forte reação contra a religião tradicional e
seus deuses. Escritores populares ridiculizavam os deuses da
mitologia tradicional. “Pensadores refletiam sobre as
crueldades, os adultérios, as traições, as guerras e as mentiras
atribuídos aos deuses, e os criticavam.”23 Muitas pessoas já
não levavam a sério a religião tradicional.
Algo similar está acontecendo hoje. Vemos um crescente
desencanto com ideologias e religiões tradicionais, que se
manifesta em forma de “colapso do comunismo”, ou abandono
das crenças tradicionais na Africa e no Oriente, ou reação
contra o cristianismo institucional no Ocidente. A fé tem se
tornado relativa. Vivemos numa “era de fé volátil”
(Brzezinski), do “fim da ideologia” (Daniel Bell), das
“cosmovisões relativizadas” (Harvey Cox) e numa “crise de
observa: ~
autoridade cultural” (Os Guinness).2'* Como Brzezinski

Em nosso tempo, as ideologias estabelecidas estão


sendo submetidas a ataques porque seu caráter
institucionalizado, que já foi útil para mobilizar massas
relativamente incultas, tem se tomado um impedimento
para adaptação intelectual, enquanto se percebe cada
vez melhor que seu interesse pelas qualidades externas
da vida ignora a dimensão interior, mais espiritual. Dessa
ÂÕ VINHO NOVO, ODRES NOVOS
forma, ideologias que compelem estão dando lugar a
idéias que impelem,
Mesmo assim, ainda se sente a necessidade de uma síntese
que possa definir o significado e o sentido histórico de nossos
tempos.”
Em segundo lugar; esse fermento religioso incluía a ascensão
das religiões novas e intensamente emocionais, bem como o
ressurgimento de algumas religiões mais antigas do Oriente.
No Império Romano, os cultos de Cibele, Isis e Mitras (este
último importado da Pérsia) eram especialmente populares,
mas havia muitos outros. Segundo Michael Green, “no
primeiro século d.C. o mundo greco-romano estava inundado
de religiões de mistério deste tipo”, e eles “estimulavam muito
o entusiasmo”.26
Essa condição possui muitos paralelos modernos: 0
ressurgimento de algumas seitas budistas e hinduístas, o
crescimento do islã no Ocidente, a expansão fenomenal do
espiritismo no Brasil e em outros países e as novas religiões
da Coréia e Japão. Estes e outros movimentos similares com
f reqüência exibem uma natureza intensamente emocional, em
que a experiência obscurece a crença específica.
Um paralelo relacionado é a popularidade da astrologia.
Green menciona a “ascensão e grande popularidade da
pseudociência da astrologia, no último século a.C.”27 Hoje a
popularidade da astrologia continua a aumentar (ela está até
na Internet) e tem ganhado espaço na imprensa popular.”
O terceiro aspecto do fermento religioso do primeiro século
era a ascensão de um misticismo irracional e uma ênfase na
experiência em lugar da razão. Latourette observa: “Os
intelectuais estavam perdendo a esperança na capacidade da
mente humana de por si só alcançar a verdade.”29 Como já foi
dito, Harnack menciona isso como uma das “condições
externas” do mundo do primeiro século.
A situação hoje parece uma reprise do primeiro século.
Diferentes escritores têm destacado que a humanidade tenta
uma “fuga da razão”. Experimentar é o que vale, não importa
o que proporcione essa experiência: droga, violência,
MUNDO A BEIRA DO ABISMO 37
entretenimento, glossolalia ou meditação. Diz-se que basta
uma olhada na confusão em que estamos hoje para se saber
aonde o racionalismo nos leva. Alguns enxergam uma volta
ao romantismo; outros dizem que temos na verdade a ascensão
do irracionalismo.
A quarta tendência indicando a presença do fermento
religioso era uma generalizada confusão teológica e ideológica
e uma busca de novas direções. No primeiro século, isso foi
em grande medida fruto da crescente descrença em deuses
tradicionais. A popularização da filosofia de Platão e seus
ataques contra os deuses deixou os pensadores num vácuo
filosófico e teológico. Os deuses tradicionais estavam mortos.
Que deveria substitui-los?
O paralelo hoje é o relativismo bem disseminado, a
ignorância teológica e o aberto questionamento de todo o rumo
do pensamento ocidental a partir de Descartes e Kant. O
movimento intelectual conhecido como Pós-modernismo, com
sua senha da “desconstrução”, reflete a confusão cultural de
hoje. Todd Gitlin escreve: “A história sofreu ruptura, paixões
se esgotaram, crer tem se tornado dificil; os heróis morreram
e foram substituídos por celebridades.”3°
7. Degradação moral. Escrevi na edição de 1975 de
Wineskins: “Acrescento este último paralelo com certa
hesitação, pois ele tem sido mencionado com tanta freqüência
e muitas vezes tem sido superestimado.” Mas a decadência
social na América do Norte e em outras regiões nos últimos
vinte anos dissipou minha hesitação. Políticos e líderes de
todas as estirpes apontam agora para a necessidade de
“valores”, mesmo não sabendo ao certo em que basear esses
valores. Aqui também se nota um paralelo com o mundo da
igreja primitiva. A progressiva e previsível exploração do sexo
e violência hoje, com freqüência conduzindo diretamente ao
homossexualismo e sadomasoquismo, com toda a
probabilidade não tem paralelos desde os tempos romanos.
58 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
Três Objeções
Juntamente com os paralelos, vêm os contrastes. Três
diferenças entre hoje e o primeiro século devem ser observadas.
Em primeiro lugar, nossa era se localiza no final de vinte
séculos de história cristã, enquanto o primeiro século foi uma
era pré-cristã. Considerando isso, será que esses paralelos são
realmente válidos?
Conquanto essa diferença seja importante, não cancela o
meu ponto principal aqui por duas razões. Uma é que o
judaísmo havia se espalhado rapidamente pelo mundo romano
durante os quatro séculos antes de Cristo, não só como uma
fé religiosa mas também como uma perspectiva da realidade,
uma cosmovisáo. Durante esse tempo, o judaísmo era uma fé
intensamente missionária.” Sua influência se espalhava como
fermento, algo parecido _com o papel do cristianismo hoje e
nos séculos passados.
O outro fator restritivo é a notável capacidade do cris­
tianismo para renovar a si mesmo. Muitas vezes na história,
no exato momento em que a igreja visível, institucional, estava
morrendo e já se faziam os preparativos para o funeral, a fé
cristã estava renascendo silenciosamente em novos
movimentos e odres que só foram reconhecidos mais tarde.
Existem alguns sinais de que isso está acontecendo hoje. O
cristianismo pode ser, exatamente ao mesmo tempo, uma
daquelas velhas e tradicionais religiões que estão sendo
abandonadas, e uma fé nova, dinâmica, em ascensão. O
crescimento das igrejas em células e outras formas “novas”
de igreja nos Estados Unidos e em outros países, bem como o
impressionante crescimento na Coréia e na China em décadas
recentes, são exemplos notáveis desse fato.
A segunda diferença é o fato inteiramente novo da revolução
de computadores e eletrônica. Aqui não existe nenhum
paralelo real do primeiro século. Porém, existe algum paralelo
negativo. Embora a tecnologia computadorizada seja um fato
novo, muitos reagem contra ela voltando-se para o
irracionalismo e misticismo - uma resposta semelhante à
reaçáo do primeiro século contra a filosofia e ciência da época.
MUNDO À BEIRA DO ABISMO 39
As implicações da revolução tecnológica para a fé cristã terão
um longo alcance e precisam ser analisadas com cuidado.
Tenho mais coisas a dizer mais tarde sobre a importância dessa
revolução para a igreja.
Por fim, o Império Romano não era na verdade o mundo
todo, mas apenas uma parte limitada dele, enquanto hoje
pensamos em termos realmente globais. Mas esse é de fato
um ponto importante. Estamos vendo uma situação similar à
do Império Romano do primeiro século, mas hoje numa escala
global. O cristianismo nasceu dentro desse mundo romano
“na plenitude dos tempos” e virou-o de cabeça para baixo.
Não poderia estar acontecendo isso de novo em nossos dias ­
no mundo todo?
Com freqüência ñcamos chocados e desanimados com
estatísticas de crimes e outros indicadores de decadência
moral, ou com outros sinais da crise cultural de hoje. Mas em
vez de ñcarmos desanimados, talvez devêssemos olhar esses
sinais sob outra luz. Pois como cristãos sabemos que a
verdadeira igreja de Jesus Cristo nunca poderá correr perigo
real de extinção. Religiões institucionalizadas podem entrar
em decadência. A imoralidade pode crescer. Opressão e
injustiça podem se avolumar. Mas até mesmo por meio dessas
coisas Deus pode estar preparando uma nova e revolucionária
explosão do evangelho que irá mais uma vez alterar o curso
da história humana. Cristo veio “na plenitude dos tempos”,
quando o palco estava preparado. E Deus está montando o
palco hoje para uma grande intervenção - talvez o último
grande movimento na história do mundo.
Existem sinais encorajadores -- o` movimento da igreja nas
casas na China, relatos cada vez mais numerosos de
avivamento em muitos lugares, novas formas de comunidade
cristã que se disseminam amplamentej” publicações cristãs
em volume sem precedentes, rápido crescimento da igreja
entre muitos grupos de povos do mundo, nova abertura ao
evangelho por parte de alguns povos considerados fechados
durante muito tempo, vozes novas e persuasivas na teologia
fundamental, crescente cooperação entre evangélicos e
fl 0 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
católicos romanos em questões sociais e morais. Pode ser que
o mundo esteja de fato chegando à maturidade no mais
profundo sentido - chegando ao ponto de reconhecer sua
absoluta necessidade de uma palavra certa do Deus vivo.
O cataclismo necessário na igreja institucional ainda parece
impossível. Mas pode ser que o vinho novo transbordante
encontre odres novos, catalisadores para o cataclismo.
Profecias como Joel 2.28-82 não se esgotaram no dia do
Pentecostes. Um fundo de profecias bíblicas continua
reservado para nossos dias, e nem todas as profecias falam de
maneira negativa sobre o julgamento.” Deus ainda vai fazer
novas coisas!
E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito
sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas
profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens
terão visões; até sobre os servos e sobre as servas
derramarei o meu Espírito naqueles dias E acontecerá
que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo
(Jl 2.28-29, 32).
Com o mundo fechando o círculo e assumindo condições que
mostram notável semelhança com os tempos do Novo
Testamento, não está fora de propósito esperar o surgimento
de uma igreja com a energia do Novo Testamento.
Agora, a igreja com a energia do Novo Testamento é uma
igreja que prega o evangelho aos pobres.
CAPÍTULO 3

O EVANGELHO AOS
POBRES

Jesus veio pregando o evangelho aos pobres. O Antigo


Testamento fala muitas vezes sobre o cuidado de Deus para
com o pobre, o órfão, a viúva, o oprimido. A renovação radical
nos chama a atenção para esse interesse bíblico pelo pobre,
pois aqui sentimos o coração de Deus bater.
Corre livre pela igreja uma estranha idéia de que não é
possível plantar igrejas sólidas e auto-sustentadas entre os
pobres, pelo menos não sem o envio de pesados subsídios e de
líderes por igrejas mais ricas. Existe alguma verdade nisso _
se pensamos em igrejas modeladas segundo o padrão
tradicional, institucionalizado, de edifícios caros e organização
burocrática. Mas se nosso interesse é plantar igrejas
neotestamentárias, é melhor estudar mais uma vez o
evangelho do Novo Testamento e o que ele diz acerca dos
pobres.
Ao examinar as referências bíblicas aos pobres há vários
anos, fui alertado para o interesse especial de Deus por essas
pessoas. No entanto, muitas vezes a igreja tem negligenciado
esse interesse - para seu próprio prejuízo* Essa questão é
intimamente ligada à estrutura da igreja, como veremos.
Jesus, com certeza, não impôs restrições à Grande
Comissão. As boas novas devem ser levadas para todas as
4.2 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
classes e pessoas. Porém, tanto por palavras como pelo
exemplo, Jesus mostrou que os pobres têm um lugar especial
no plano de Deus. E a Bíblia mostra notável coerência em
fazer ressoar esse tema em toda a sua extensão.

Os Pobres no Antigo Testamento


Desde a aliança mosaica até as promessas do evangelho, a
Bíblia aponta continuamente para o pobre, a viúva, o órfão, o
estrangeiro, o necessitado e o oprimido.
O Antigo Testamento revela vários fatos significativos, fatos
surpreendentes, sobre a atitude de Deus em relação ao pobre.
Lemos que o Senhor ama de modo especial os pobres e não se
esquece deles. O ungido de Deus “acode ao necessitado que
clama e também ao aflito e ao desvalido. Ele tem piedade do
fraco e do necessitado e salva a alma aos indigentes” (Sl 72.12­
13). O Senhor “não se esquece do clamor dos aflitos” (Sl 9.12).
Deus tem sido “a fortaleza do pobre e a fortaleza do necessitado
na sua angústia” (Is 25.4).
Na ordem social do Antigo Testamento os pobres receberam
uma vantagem econômica. O povo recebe a ordem de
emprestar livremente aos pobres, e não impor juros (Dt 15.7­
11; Ex 22.25). Parte da colheita de cereais e uvas não devia
ser recolhida mas deixada em benefício aos pobres (Lv 19.9­
10; 23.22). Significativamente, um dos propósitos do dízimo
era prover socorro para os pobres (Dt 14.29; 26.12-13).
O Antigo Testamento insiste em que Deus requer justiça
pelos pobres e julgará os que se opõem a eles. As palavras de
Deus por meio do profeta Zacarias são bem típicas: “Executai
juízo verdadeiro, mostrai bondade e misericórdia, cada um a
seu irmão; não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o
estrangeiro, nem o pobre” (Zc 7.9-10; compare Lv 19.15; Dt
16.18-20; 24.14-22; Pv 31.9; Am 2.6-7).
Por fim, o Antigo Testamento ensina que o povo de Deus
tem uma especial responsabilidade ética pelos pobres. A
lembrança de sua própria escravidão no Egito devia motivar
os israelitas a mostrar misericórdia para com os oprimidos
o EVANGELHO Aos POBRES 43
(Dt 24.17-22). A fidelidade do povo de Deus era continuamente
medida pelo tratamento dado aos pobres.
Todos esses ensinos acerca dos pobres fazem parte da
Palavra de Deus. Embora estejam ligados a contextos
históricos específicos, a mensagem ética brilha através deles
e forma o pano de fundo da própria atitude e ensino de Jesus.
O ensino é claro, coerente e persistente. De todos os povos e
classes, Deus tem compaixão especial pelos pobres, e seus atos
na história confirmam isso.
E relevante perguntar aqui por que Deus se interessa tanto
pelos pobres. Que há dentro da natureza divina que dã origem
a essa atenção tão especial? Para responder plenamente a isso
devemos examinar em detalhes o conceito bíblico de justiça.
No Antigo Testamento, 0 interesse de Deus pelos pobres é
ligado de modo consistente à sua justiça bem como à sua ação
visando estabelecer a justiça entre o seu povo. Assim,
biblicamente, palavras como o pobre, o necessitado, o
oprimido, o estrangeiro possuem um conteúdo tipicamente
moral, que aponta para a exigência de justiça por parte de
Deus.
Isso não é facilmente compreendido no mundo de hoje. A
expressão “o pobre” não tem para nós esse conteúdo moral.
Ela tem um sentido meramente descritivo; pode-se dizer que
para nós “pobre” é uma palavra inteiramente secular. Para
sermos bíblicos, precisamos ver que a pobreza em si tem um
significado ético. Os pobres são uma categoria moral. No
mundo de Deus não existe nenhuma condição humana que
esteja isenta de significado moral, e os pobres e 0 tratamento
que eles recebem são fortes indicadores da fidelidade do povo
de Deus.

Jesus e os Pobres
Mas, e quanto a relação entre Jesus e os pobres? Jesus teria
minimizado ou confirmado a ênfase do Antigo Testamento?
Vários fatos acerca da atitude de Jesus brilham através dos
Evangelhos.
44 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
1. Jesus fez da pregação do evangelho aos pobres uma
autenticação do seu próprio ministério. Ele disse: “O Espírito
do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar
os pobres” (Lc 4.18). Citou Isaías 61 para mostrar as marcas
pelas quais o seu evangelho poderia ser conhecido. Disse de
modo bem claro que era sua prática e propósito consciente
pregar seu evangelho especialmente aos pobres. (Compare Mt
11.1-6.)
Com Jesus, não acontecia de pregar uma coisa e fazer outra.
Seu ministério terreno foi para os pobres e entre os pobres.
Como G. K. Chesterton escreveu, Jesus era “um estrangeiro
sobre a terra” que
compartilhava a vida errante dos mais destituídos de
lar e de esperança dentre os pobres... [Elelprovavelmente
seria enxotado pela polícia e quase com toda a certeza
preso por não ter meios visíveis de subsistência. Pois
nossa lei tem em si uma nota de esquisitice ou um toque
de fantasia que Nero e Herodes nunca teriam imaginado,
de efetivamente punir as pessoas sem lar por não estar
dormindo em casa?
2. Jesus cria que os pobres estavam mais prontos e aptos
para entender e aceitar o seu evangelho. Uma coisa admirável
e tão diferente da atitude comum hoje! Certa vez Jesus orou:
“Graças te dou, Ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque
ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste
aos pequeninos. Sim, Ó Pai, porque assim foi do teu agrado”
(Mt 1 1.25-26). Jesus mostrou ali que os “sábios e instruídos”
- os sofisticados, os cultos, os de status social mais elevado
- acham o evangelho difícil de aceitar, uma pedra de tropeço,
enquanto os pequeninos - aqueles com pouca sofisticação e
capacidade de compreensão - são rápidos em captar o
significado das boas novas e aceitá-las. E óbvio que os pobres
pertencem à última categoria. “Embora fosse o Senhor de todo
o mundo, ele pref`eriu crianças e pessoas ignorantes aos
sábios”, disse João Calvino.
3. Jesus dirigiu especificamente o chamado do evangelho
para os pobres. Ele disse: “Vinde a mim, todos os que estais
O EVANGELHO AOS POBRES 45
cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). A
despeito da nossa entranhada tendência para espiritualizar
essas palavras, parece claro que Jesus aqui estava falando,
em primeiro lugar, de modo literal. O chamado de Jesus era
preeminentemente para os pobres - aqueles que, de todo o
povo, eram os mais cansados e sobrecarregados, não só em
termos espirituais, mas também por causa de longas horas de
labor físico e de vários tipos de opressão conhecidos apenas
pelos pobres. E para estes que Jesus fala - não de maneira
exclusiva, mas preeminentemente. Walter Rauschenbusch

pobres e oprimidos.” ­
estava certo: “A compaixão fundamental de Jesus era pelos

4. Em várias ocasiões, Jesus recomendou parcialidade a


favor dos pobres. Examine Mateus 19.21 e Lucas 12.33 e 14.12­
14. Nisso ele estava em completa harmonia com o espírito da
revelação de Deus no Antigo Testamento.
Em suma, Jesus Cristo, o Filho de Deus, demonstrou a
mesma atitude para com os pobres que Deus revelou no Antigo
Testamento. Embora fosse o Salvador de todos, ele via os
pobres com especial compaixão. De propósito levou o
evangelho aos pobres e chamou atenção especificamente para
o que ele estava fazendo.
Esta, em resumo, é a evidência bíblica. Que existe evidência
bíblica para o interesse especial de Deus pelos pobres ñca óbvio
quando alguém se dá ao trabalho de procurar por ela.
Evangelho aos Pobres Hoje
Que significam os ensinos bíblicos acerca dos pobres para
nossas igrejas hoje? As implicações são claras e urgentes.
1. Assim como o seu Senhor; a Igreja deve dar uma ênfase
especial aos pobres. Uma teologia bíblica para hoje deve refletir
o interesse bíblico pelos pobres. Uma igreja que procure ser
neotestamentária em espírito e prática precisa meditar sobre
as implicações dessa ênfase bíblica.
Essa verdade deve ser urgentemente afirmada hoje porque
o protestantismo contemporâneo está, em geral,
negligenciando as pessoas pobres. Bruce Kendrick, em seu
46 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
livro sobre a Paróquia Protestante do East Harlem, expressou
isso da seguinte maneira: “Em vez de procurar a ovelha
perdida - seja negra ou branca ou salpicada - [os
protestantes] têm procurado aqueles que pensavam como eles
pensavam, se vestiam como eles se vestiam, e falavam como
eles falavam.” Em vez de procurar os pobres, a igreja “estava
se segregando deles e negligenciando o fato de que o sinal do
Reino é os pobres ouvindo o evangelho sendo pregado a eles”.5
“Abandonando o gueto [dos pobres] ”, escreveu David
McKenna, “a igreja tem dado a entender que sua missão não
tem sentido para os pobres, desesperados e miseráveis - a
não ser quando um oceano separa a igreja do gueto.”° As igrejas
norte-americanas parecem até mais insensíveis em relação
aos pobres agora do que eram na década de 70.
Esses críticos põem o dedo tão perto da ferida que
perturbam. Não que as denominações protestantes não
tenham em suas fileiras pessoas pobres ou de classe operária;
muitas têm. O problema é a quase total falta de consciência
da responsabilidade que a igreja tem de buscar os pobres,
planejar o seu crescimento no meio deles, em vez de tratar os
pobres primariamente como um problema social a ser
discutido e analisado. “Tive fome, e me destes uma declaração
de fé.”
Na América do Norte, o evangelho aos pobres implica uma
responsabilidade cristã especial pelo centro velho das cidades,
pois essa área é 0 reino particular dos pobres. “A vida no centro
velho da cidade é uma mistura de muitas coisas; entretanto,
sua nota dominante é a pobreza”, lembra-nos Gibson Winter?
Os pobres, é claro, não estão confinados ao centro velho.
Existem subúrbios pobres, assim como os de classe média e
alta. Além disso, o padrão de urbanização varia de um país
para outro, e nem sempre os pobres vivem no centro das
cidades. Com freqüência eles estão mais na periferia da cidade,
como em São Paulo. Mas onde quer que os pobres estejam,
são o foco da responsabilidade cristã.
O problema básico não é uma questão de geografia. A
fidelidade cristã não é medida necessariamente pelo lugar em
o EVANGELHO AOS POBRES 4 7
que a pessoa vive, embora às vezes esse possa ser o caso. O
problema básico é a responsabilidade cristã pelos pobres. Se
os cristãos vão se mudar de uma área, devem perguntar a si
mesmos o que essa mudança significa em termos de sua
responsabilidade para com os pobres. Quais são suas
motivações para a mudança? Qual seria o melhor lugar em
que eles poderiam construir a igreja e encarnar o amor de
Deus? Estariam eles abandonando os pobres? Caso sim, de
quem é a responsabilidade por esses pobres? A mudança
representa maior ou menor obediência ao evangelho?
Enfrentar perguntas difíceis como essas à luz das Escrituras
pode ser o único caminho para quebrar o padrão em que se
deixam os pobres espiritualmente deserdados.
2. A prioridade para com os pobres é evangelização ­
vivendo e transmitindo as boas novas. Nosso interesse deve
estar, em primeira instância, na verdade central da mensagem
do evangelho: reconciliação com Deus por meio do sangue de
Jesus Cristo.
O próprio Jesus estabeleceu a prioridade: “O Espírito do
Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar
os pobres” (Lc 4.18). “Os cegos vêem, os leprosos são
purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e
aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11.5).
Em nossa preocupação pelos pobres, corremos sério risco
de negligenciar ou acabar retendo a coisa mais importante: a
própria mensagem do evangelho. Nada do que podemos fazer
pelos pobres é mais relevante do que a evangelização. Como
Ernest Campbell escreveu, “uma igreja tão ocupada em
corrigir as grandes injustiças da sociedade, a ponto de não
conseguir nem querer fazer o esforço para ganhar homens e
mulheres para uma lealdade a Jesus Cristo, logo se tornará
estéril e incapaz de se reproduzir.” Nem ela é digna de ser
reproduzida.
Hoje, muitos cristãos se sentem meio embaraçados, ou pelo
menos assim parece, em falar de evangelizar os pobres por
causa dos excessos e de uma preocupação unilateral com as
“almas” que se verificaram no passado. Isso é compreensível,
48 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
mas não é desculpa para que se abandone a proclamação das
boas novas. O evangelho compartilhado e vivido deve ser a
ênfase primária - não porque esse é o caminho para atacar
problemas sociais, mas porque “o salário do pecado é a morte,
mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna” (Rm 6.23). O
problema da pobreza pode ser resolvido um dia, mas o pobre
- ou o antigo pobre - continuará sem o evangelho.
Obviamente, o testemunho centralizado em Cristo não será
compartimentalizado. Não vai dividir as pessoas em “alma” e
“corpo”, cuidando de um só e condenando aqueles que cuidam
do outro. “Como o nosso Senhor, que curou o doente e
alimentou o faminto, devemos ver [homens e mulheres] como
[pessoas] inteiras, não como almas desincorporadas a serem
embaladas para o céu.”9 Dessa forma, a evangelização
cristocêntrica cuidará de pessoas - pessoas em pecado,
pessoas perdidas e oprimidas, pessoas sobrecarregadas que
trabalham duro, famintas por comida real e comunhão real.
Vai andar como Cristo andou, mas vai sempre dizer por que
Cristo morreu. Vai proclamar Jesus como exemplo humano,
mas acima de tudo como o Senhor ressurreto.
Um outro fato sugere a prioridade da evangelização: Os
pobres são, em geral, mais receptivos ao evangelho. Jesus
estava certo!
Ernst Troeltsch observou cerca de oitenta anos atrás: “Os
movimentos religiosos realmente criativos, formadores de
igrejas, são obras dos estratos mais baixos Só aí encontramos
a necessidade de um lado e a ausência da cultura de reflexão
relativizadora, de outro.”1° Isso tem sido verdade ao longo da
história: a igreja cresce mais rapidamente entre os pobres.
Falando do ponto de vista sociológico, as raízes do cristianismo
têm sido fincadas com mais freqüência entre as massas.
Troeltsch escreveu também: “A Igreja Primitiva buscou e
ganhou seus novos adeptos principalmente entre as camadas
mais baixas nas cidades, membros das classes mais altas,
prósperas e educadas, só começaram a entrar na igreja no
segundo século, e ainda por cima apenas de modo bem
gradual.” Tertuliano podia dizer no segundo século: “Os
O EVANGELHO AOS POBRES 49
incultos são sempre a maioria entre nós.” John Wesley disse
em 1771: “Em todos os lugares, vemos que a parte da
humanidade que trabalha duro é a mais pronta a receber o
evangelho. ” 12
Estudos sobre crescimento de igreja mostram o mesmo
padrão. Um bom exemplo é o caso de Adoniram Judson,
famoso missionário na Birmânia. Judson procurou os
birmaneses de classes mais altas para evangelizar. Mas num
dado momento acolheu um pobre membro da desprezada e
inculta tribo Karen. Esse homem, Ko Tha Byu, tornou-se
cristão consagrado e começou a levar o evangelho ao seu
próprio povo, enquanto Judson trabalhava com a elite social.
Que aconteceu? Grandes números de karens voltaram-se para
Cristo, enquanto Judson via relativamente pouco fruto.”
Obviamente, outros fatores também estavam ali em jogo, mas
um padrão característico se evidencia: crescimento rápido da
fé entre os pobres.
Muitos exemplos semelhantes vêm da história das missões
cristãs nos últimos dois séculos, em particular na India. Donald
McGavran apresenta o seguinte relato em Understanding
Church Growth:
Em 1840, os batistas americanos começaram uma missão
em Nellore na costa leste da lndia. Por vinte e cinco
anos eles trabalharam entre as castas superiores
ganhando menos de cem convertidos.
Em 1865, John Çlough e sua esposa vieram como
novos missionários. A medida que aprendiam a língua e
estudavam a Bíblia para ver o que Deus teria para eles
fazer, cada um independentemente chegou à conclusão
de que, com base em 1 Coríntios 1.26-28, a política
seguida rigorosamente pelos missionários mais velhos,
de procurar ganhar apenas as castas superiores,
desagradava a Deus. Os madigas (intocáveis), sobre os
quais se sabia que eram receptivos à mensagem cristã,
estavam sendo evitados a fim de que o batismo deles
não dificultasse ainda mais às pessoas da casta dos
hindus se tornzcr cristãs. Os Cloughs se mudaram de
50 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Nellore, abriram o posto de Ongole, e começaram
batizando alguns líderes espirituais madigas, que eram
notáveis por seu fervor. Em 1869, centenas estavam
sendo acrescentadas ao Senhor.”
Em seu significativo estudo sobre o crescimento da igreja no
Brasil, William R. Read observou um padrão similar, de modo
especial entre os pentecostais: “A população das camadas
inferiores da sociedade brasileira aceita, em geral, a mensagem
mais prontamente do que os elementos mais privilegiados das
classes mais elevadas.” E esse é um padrão
predominantemente urbano: “Os pentecostais têm trabalhado
de modo ativo e bem-sucedido, nos centros urbanos,
densamente povoados, para onde aflui grande número de
pessoas que emigram de áreas rurais. vis
Não é segredo que muitas das grandes denominações de
hoje - que dificilmente poderiam ser classificadas como
pobres - começaram como movimentos por Cristo entre as
classes inferiores. O período de crescimento fenomenal veio
durante aqueles anos em que o evangelho era pregado aos
pobres.
Esse fato do rápido crescimento da igreja entre os pobres
tem algo a dizer sobre estratégia e mordomia. Como McGavran
observou, plantar a semente do evangelho onde é mais
provável que ele cresça é uma mordomia fiel da mensagem do
evangelho. Estou convencido de que Jesus nos manda pregar
o evangelho aos pobres não só porque suas necessidades são
mais agudas, mas também precisamente porque eles são os
mais prontos a aceitar. Os pobres são a sementeira da
revolução espiritual e social, da renovação radical.
Em suma, tanto a preocupação com a conversão pessoal
como as considerações sobre estratégia de crescimento de
igreja indicam: A principal prioridade em relação aos pobres
é a evangelização.
3. A responsabilidade cristã em relação aos pobres não
termina com a evangelização. Por quê? Porque, biblicamente,
não pode. Porque o envolvimento com as pessoas, em amor,
uma vez iniciado, não pode ser abandonado simplesmente.
O EVANGELHO AOS POBRES 51
Pais que amam seus filhos não negligenciam suas
necessidades. Eles os alimentam e os vestem - não porque
eles não se preocupam com a alma dos filhos, mas porque na
prática o amor não se preocupa com distinções analíticas entre
alma e corpo.
Portanto - uma vez que a responsabilidade cristã em
relação aos pobres deve ser uma expressão de amor - não
podemos fazer prescrições rígidas sobre qual é exatamente
essa responsabilidade, além da evangelização. O amor
identificará e enfrentará as necessidades em cada contexto
específico, se não for emparedado por tradições não-bíblicas
que asñxiam o amor.
Temos a Bíblia para nos guiar. Fica claro pelo Antigo e Novo
Testamentos, por exemplo, que Deus espera que seu povo veja
que os pobres devem receber cuidados. Será que podemos dizer
como Davi: “jamais vi o justo desamparado, nem a sua
descendência a mendigar o pão” (Sl 37 .25)? Caso não, podemos
questionar se nossa igreja está cumprindo sua
responsabilidade bíblica para com os pobres.
4. A igreja precisa de pobres. De fato, para manter sua
dinâmica espiritual, ela precisa dos pobres muito mais do que
ela precisa dos ricos ou da classe média.
Começando com Ernst Troeltsch, estudiosos da igreja como
fenômeno social têm observado como movimentos religiosos
nascem entre os pobres e, depois, com as gerações seguintes
subindo na escala socioeconômica, abandonam e deserdam os
pobres. O livro As Origens Sociais das Denominações Cristãs
de H. Richard Niebuhr (publicado em 1929) ainda é muito
relevante neste ponto. Disse Niebuhr, “Todas as igrejas dos
pobres cedo ou tarde se transformaram em igrejas de classe
média.” Niebuhr documentou o seguinte padrão, agora
familiar:
Desse ponto de vista, certa fase da história do
denominacionalismo revela-se como história dos pobres
religiosamente desprezados, que modelam novo tipo de
cristianismo correspondente às suas próprias
necessidades, que ascendem na escala econômica sob a
52 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
influência da disciplina religiosa, e que, em meio à
respeitabilidade cultural recém adquirida, abandonam,
por sua vez, os novos pobres que os sucedem em nível
mais baixo. Este modelo repete-se com notável
regularidade na história do cristianismo.”
A questão é: Seria esse padrão bíblico? E seria isso
inevitável, predestinado? Evidentemente não é bíblico - não
é cristão - negligenciar os pobres, mesmo que seja este o
padrão comum. E se não é bíblico, tampouco é inevitável. A
igreja precisa dos pobres. As igrejas de classe média precisam
de classes mais baixas. Se desejam evitar a arteriosclerose
espiritual e social, as igrejas devem crescer entre os pobres.
Toda denominação precisa de uma contínua infusão de
centenas de novos membros dentre os pobres - homens e
mulheres salvos exatamente das crises de sua pobreza. Isso
nos manteria alertas e espiritualmente vivos. Evitaria que
nossas igrejas virassem prisioneiras de alguma classe social
ou credo político e, dessa forma, ficassem em situação
comprometedora. Nossas diferenças radicais no mundo nos
uniriam em Cristo. Comunhão na igreja exigiria milagre. Seria
literalmente a comunhão do Espírito Santo. Impossível? Mas
isso aconteceu no primeiro século d.C.
O padrão da carne é nossas igrejas crescendo para adquirir
“respeitabilidade”, abandonando os pobres. O padrão do
Espírito é a igreja crescendo em Cristo, como lemos em
Efésios 4.
Não há nenhuma surpresa no fato de os cristãos, com o
tempo, tenderem a prosperar materialmente. Maior fidelidade
no trabalho, mordomia mais cuidadosa do dinheiro, um novo
interesse pela educação e fatores similares realmente trazem
progresso econômico e social. Fidelidade cristã geralmente traz
bênçãos materiais.
O problema não está em os cristãos prosperarem; está em
que, ao prosperarem, tendem a virar as costas aos pobres e
adotar as atitudes sociais próprias do seu status recém­
adquirido. A consciência do chamado especial do evangelho
aos pobres é esquecida ou espiritualizada.
o EVANGELHO AOS POBRES 53
De acordo com a Bíblia, o padrão deve ser diferente. Ao
prosperar materialmente, os cristãos devem fazer um esforço
especial por disseminar o evangelho entre os pobres. Eles têm
agora os recursos materiais para isso! Pastores e líderes
cristãos devem constantemente chamar atenção para essa
responsabilidade bíblica e ajudar os cristãos a cumpri-la. Isso
é necessário não só por causa dos pobres, mas também para a
saúde espiritual daqueles que não são pobres.
A igreja precisa dos pobres. Como seus membros
naturalmente prosperam no aspecto material “sob a influência
da disciplina religiosa” - um fruto legítimo, se não um
resultado assegurado, do evangelho - ela deve de maneira
deliberada, autoconsciente, pregar o evangelho aos pobres. A
igreja precisa constantemente de dinamismo espiritual,
espontaneidade, honestidade e dedicação radical encontrados
de modo preeminente entre os pobres que atenderam ao
chamado de Cristo. O caminho para a renovação radical e
crescimento consistente pode estar precisamente aqui: num
ministério efetivo entre as massas. Uma ênfase saudável no
evangelho aos pobres pode ser o mais seguro antídoto contra
o institucionalismo e odres quebradiços.

A Prática dos Princípios


Que significa tudo isso na prática? Como podem as igrejas ser
fiéis aos pobres hoje?
O primeiro passo é a consciência dessa responsabilidade ­
ainda bem ausente - e compromisso para fazer algo a respeito.
Em meu pensamento, o que digo aqui é visto como um passo
nessa direção.
Indo mais além, devemos buscar uma abordagem bíblica.
Isso significa que não tomamos automaticamente por certo a
necessidade de elaborar programas cèntralizados em edifícios
ou organização. A abordagem deveria ser centralizada em
pessoas: por meio de testemunho pessoal, contatos informais,
comunicação pessoa a pessoa (em vez de trabalho
principalmente em massa) e grupos pequenos de estudo bíblico
nos lares ou em outros lugares. A primeira prioridade deveria
54' VINHO NOVO, ODRES NOVOS
ser formar um núcleo de discípulos firmes, depois usar essas
células primárias para atuar tanto na evangelização como no
ministério social a fim de alcançar uma comunidade maior.
Com freqüência os próprios pobres, uma vez convertidos
firmemente, podem fazer mais por Cristo em suas próprias
comunidades do que os especialistas importados, altamente
treinados e bem dotados de recursos, basicamente porque
vêem os problemas a partir de dentro e sentem o seu peso.
Eles os vivem."
Portanto, o que precisamos para levar o evangelho aos
pobres não é de programas caros, em grande escala - uma
pressuposição fundamental, mas errada e essencialmente
mundana, que as pessoas adotam quando pensam no
testemunho entre os pobres. O que precisamos é de cristãos
comuns mas comprometidos, que tenham a visão e dedicação
para trabalhar entre os pobres, gastar tempo com eles, viver
entre eles em alguns casos, formar - sem barulho, sem alarde
- células dinâmicas de testemunho cristão que se
multiplicam, a fim de transformar a comunidade por Cristo.18
Tal abordagem responde automaticamente à maioria das
questões sobre finanças. Ministério entre os pobres não é caro
se for baseado em princípios bíblicos. Nada poderia ser mais
claro, a partir do Novo Testamento e da história da igreja
primitiva. Os primeiros “missionários” podem ser sustentados
por uma igreja local ou um grupo de famílias cristãs, ou ainda
prover seu próprio sustento. Mas assim que um núcleo de
convertidos tenha sido formado, seu próprio dízimo será
suficiente para levar adiante o trabalho. O custo não é
monetário. É, antes, o preço do discipulado.
Isso não significa, evidentemente, excluir por completo a
possibilidade de programas maiores de socorro ou ação social
entre os pobres, sustentados pela igreja. Tais programas
podem ser de grande auxílio. Mas são, na realidade, formas
secundárias do ministério cristão, não substitutos para
evangelização entre os pobres numa base mais pessoal.
Mas será que o ideal é possível, tendo em vista a situação
contemporânea? Uma igreja de classe média (por exemplo)
0 EVANGELHO Aos POBRES F5
conseguiria pregar o evangelho aos pobres de modo
convincente? Se não, o vinho sempre novo do evangelho
romperá os odres velhos e mais uma vez criará alguns
recipientes novos. Igrejas ricas serão deixadas à espera da
morte, tornando-se igual à da Laodicéia (Ap 3.17), e a
verdadeira igreja irá mais uma vez se lançar para o meio dos
pobres. Isso está acontecendo agora em alguns lugares, como
tem acontecido repetidas vezes na história.
No Brasil, na China e em outros lugares, os pobres estão
respondendo às boas novas. Mas ouço uma vozinha atrás de
mim, fazendo objeções: “É, mas isso é no campo missionáriol”
De fato é -lugares como São Paulo, uma cidade sofisticada e
em expansão, de 15 milhões de pessoas. Mas hoje o mundo
inteiro é um campo missionário - um campo missionário
formado por cidades. Os pobres urbanos têm as mesmas
necessidades e a mesma fome por Cristo, seja em São Paulo,
seja em Manilha, seja em Chicago. Pensamos que nos países
mais desenvolvidos a resposta não seria a mesma se o
evangelho for pregado aos pobres. Mas como podemos ter
certeza disso? Nós não estamos lá. Não tentamos ainda.
Deve haver uma nova pregação do evangelho aos pobres em
nossos dias. O evangelho bíblico exige isso. Não devemos
esperar e orar, não devemos alimentar expectativas
meramente por um bom número de igrejas que estejam
crescendo e sejam dinâmicas. Devemos esperar por um
desencadeamento de movimentos espirituais revolucionários
que “fujam do (nosso) controle”, mas sejam guiados pelo
Espírito Santo. Isso já aconteceu antes. Está acontecendo
novamente. _
agora mesmo em alguns lugares. Isso pode acontecer
Não devemos ter nada a não ser revolução - uma revolução
espiritual de proporções globais, como a que aconteceu
dezenove séculos atrás. Tanto a Bíblia como a história da igreja
apontam o mesmo caminho: Preguem o evangelho aos pobres.
Mas, de novo, será que o evangelho pode ser pregado aos
pobres hoje? Estariam as igrejas contemporâneas em condições
de fazer tal proclamação e sobreviver a tal evangelho? A
S6 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
verdade é que a maior parte do protestantismo contemporâneo
está presa numa sufocante rede de institucionalismo. Os odres
se tornaram rígidos. Portanto, não é suficiente clamar por
mudanças ou proclamar a necessidade da proclamação. Todo
o problema dos odres - a estrutura da igreja - deve ser
enfrentado.

Os Pobres e o Problema dos Odres


Assim, a urgência da pregação do evangelho aos pobres nos
traz diretamente à questão da igreja e o problema dos odres.
O evangelho para os pobres e o conceito da igreja estão ligados
de modo indissolúvel. Fracasso em ministrar aos pobres atesta
mais do que uma responsabilidade não cumprida; evidencia
uma visão distorcida da igreja e a necessidade de uma
renovação radical.
A história da igreja ilustra isso. Como já comentei,
renovação na igreja tem significado com freqüência o
renascimento da igreja entre os pobres, as massas, os
alienados. E esse ressurgir é acompanhado usualmente pela
recuperação de ênfases essenciais do Novo Testamento como:
comunidade, pureza, discipulado, o sacerdócio dos crentes e
os dons do Espírito.
A Reforma Protestante é o caso mais notável nesse ponto.
Como Niebuhr observa, “o fracasso da Reforma em satisfazer
as necessidades religiosas dos camponeses e outros grupos não
privilegiados é um capítulo da história largamente
documentado. Com seu fervor religioso nato, permaneceu a
religião da classe média e da nobreza.”19 O toque de trombeta
da Reforma, chamando atenção para a salvação pela fé,
despertou nas massas oprimidas a esperança pela libertação,
mas o segundo toque convocou as tropas contra os que estavam
dispostos a entender o chamado evangélico de “liberdade aos
oprimidos” de modo literal demais. Tragicamente, os pobres
foram traídos por boa parte da Reforma.
Por quê? Sem dúvida, as razões são complexas e envolvem
muitos fatores sociais, políticos e econômicos, bem como
teológicos. A coisa significativa para esta nossa discussão é
O EVANGELHO AOS POBRES 57
que a corrente principal da Reforma focalizou acima de tudo
a questão da salvação pessoal (soteriologia). Ela lidou muito
pouco, de alguma maneira prática, com a doutrina da igreja
(eclesiologia), embora tenha introduzido várias mudanças
estruturais. Como diz Hendrik Hart: “Embora os líderes da
Reforma Protestante quisessem sinceramente romper com a
concepção católica romana tradicional de igreja, a tradição
que nasceu da Reforma não foi bem-sucedida nessa ruptura. ”2°
Os sistemas presbiteriano e congregacional, que nasceram
da Reforma, trouxeram algumas melhorias práticas. Mas
ambos os sistemas se baseiam em algumas pressuposições
medievais não comprovadas acerca da natureza da igreja. Isso
é evidente em particular na doutrina dos dons espirituais e
na visão geral de ministério, em que a tradicional dicotomia
clero-laicato persiste em grande medida.” O resultado é que
igrejas protestantes modernas - sejam presbiterianas,
congregacionais ou episcopais quanto à forma ­
impressionam mais por suas semelhanças do que por suas
diferenças. Independentemente do rótulo, a eclesiologia
protestante é baseada mais na tradição que na Escritura.
A negligência em relação aos pobres e à doutrina da igreja
pela corrente principal da Reforma teve como resultado a
chamada Reforma Radical e, principalmente, o Movimento
Anabatista. De acordo com Roland Bainton, o anabatismo foi
“o resultado de um esforço por completar de modo mais
consistente o programa de restauração do cristianismo
primitivo... De modo muito mais drástico do que qualquer um
de seus contemporâneos, [os anabatistas] pesquisaram as
Escrituras a fim de recuperar o padrão da igreja primitiva.”22
O anabatismo, à semelhança de alguns movimentos
relacionados como o dos quakers, “dependente do movimento
anabatista com feições anglo-saxônicas”23 que surgiu um
século mais tarde, era em boa parte um movimento de
camponeses e de classes mais pobres. Em sua simplicidade
radical, esses grupos procuraram levar até o fim o impulso da
Reforma, ao nível prático da vida diária e testemunho da
58 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
comunidade cristã. Teologicamente, isso foi uma extensão da
Reforma à eclesiologia e à estrutura da igreja.
A conseqüência para os anabatistas, obviamente, foi
perseguição ou extermínio. Os melhores líderes anabatistas
foram rapidamente eliminados “por meio de fogo, água e
espada”, com freqüência pelas mãos de principais
reformadores e seus seguidores.” Mas um remanescente
sobreviveu. Mais tarde, grupos inspirados em Menno Simons
(menonitas) e Jakob Hutter, em meio a muito sofrimento e
perseguição, levaram adiante os mesmos ideais.
Não vem ao caso que alguns anabatistas, menonitas,
quakers e participantes de outros grupos similares,
pressionados pela perseguição, ocasionalmente caíram em
extremos. O importante é que esses movimentos de “evangelho
aos pobres” buscaram restaurar uma compreensão mais
bíblica e prática da igreja. A história da igreja desde a Reforma
mostra que são precisamente esses grupos (ou a reavaliação
deles) que têm inflamado grande parte do impulso
contemporâneo para reexaminar a doutrina e estrutura da
igreja.
O que precisamos fazer hoje, com certeza, não é tentar
imitar os reformadores radicais ou tentar completar agora o
seu programa de reforma.” Precisamos, antes, ver a
importância para nossos dias da concepção de igreja do Novo
Testamento, insistir em que “salvação pela fé” deve ser ligada
à verdadeira comunidade cristã e discipulado real. Na época
da Reforma, a idéia era radical demais para poder ser tolerada.
Hoje, não. Hoje, quando novas coisas estão acontecendo e
ventos refrescantes estão soprando, o problema dos odres
precisa ser examinado por aqueles que levam a sério o anúncio
de Jesus de que ele veio para proclamar o evangelho aos
pobres.
É para esse problema que voltamos agora nossa atenção,
primeiro olhando criticamente para alguns odres velhos e,
depois, sugerindo o caminho para alguns novos.
UMA NOVA VISÃO DOS
ODRES VELHOS
CAPÍTULO 4

IGREJAS, TEMPLOS E
TABERNAcULos

Vamos voltar ao Antigo Testamento por um momento.


Podemos aprender muito de Moisés. A aliança mosaica e os
quarenta anos no deserto náo se limitaram a formar a fé dos
hebreus; eles têm muito a nos ensinar também sobre a
natureza da comunidade do povo de Deus - sobre a igreja.
Os três elementos centrais na aliança mosaica eram
sacrifício, sacerdócio e tabernáculo. Juntos, como partes da
lei mosaica e acoplados a ela, constituíam a base revelada para
a relação de aliança entre Deus e seu povo escolhido.
Estabeleciam o caminho aprovado para se chegar a Deus, a
expiação, Deus habitando em meio ao seu povo em ñdelidade
à aliança.
O surpreendente ensino do Novo Testamento,
especialmente no livro de Hebreus, é que Jesus Cristo é o
cumprimento do sacrifício, sacerdócio e tabernáculo. Jesus
Cristo é nosso grande Sumo Sacerdote; portanto, não
precisamos de nenhum sacerdote humano (Hb 4.14; 8.1). O
sacerdócio passou - ou melhor, foi expandido para incluir
todos os crentes (1 Pe 2.9; Ap 1.6).
De modo semelhante, Jesus Cristo é o verdadeiro e perfeito
sacrifício, oferecido uma vez por todas. Nenhum outro
sacrifício é necessário ou mesmo possível (Hb 7.27; 9.14, 25­
6.2 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
28; 1 Pe 3.18). O sistema sacrificial se tornou inteiramente
supérfluo porque tudo o que era prefigurado na aliança
mosaica se cumpriu na morte de Cristo. Não existe mais
nenhum sacrifício, exceto aquele em que a igreja se apresenta
a si mesma como um “sacrifício vivo” (Rm 12.1-2) e oferece
“sacrifício de louvor” (Hb 13.l5).
Também é verdade, mas bem menos enfatizado, que Jesus
Cristo é o cumprimento do tabernáculo (Hb 8-9). “Porque
Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do
verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por
nós, diante de Deus” (Hb 9.24). Portanto, já não há mais
necessidade de um tabernáculo terrestre. “E 0 Verbo se fez
carne e habitou [literalmente, tabernaculou] entre nós” (Jo
1.14; compare Jo 1.17). Jesus identificou seu corpo com o
templo (Jo 2.19-21).* Ele é Emanuel, “Deus conosco” (Mt 1.23).
O corpo de Cristo é, em certo sentido, “o verdadeiro
tabernáculo”. Assim, a comunidade dos crentes, o “corpo de
Cristo”, é também parte do verdadeiro tabernáculo, pois a
igreja é “casa de Deus” (Hb 3.6; 1 Tm 3.15), “santuário” (Ef
2.21; 2 Co 6.16), “habitação de Deus” (Ef 2.22).
Sacrifício, sacerdócio, tabernáculo - todos instituídos por
intermédio de Moisés no Antigo Testamento. Teologicamente,
todos eles passaram com a vinda de Cristo e o nascimento da
igreja. Historicamente, todos passaram com a destruição de
Jerusalém em 70 d.C. Eles se tornaram irrelevantes,
anacrônicos. Odres velhos.
E assim a igreja nasceu sem sacerdócio, sacrifício ou
tabernáculo porque a igreja e Cristo, juntos, eram as três
coisas. A igreja incorporou fielmente essa verdade por mais
de um século e se espalhou pelo Império Romano.
A grande tentação da igreja organizada tem sido restaurar
esses três elementos entre o povo de Deus: transformar
comunidade em uma instituição. Historicamente, a igreja tem
sucumbido algumas vezes. Voltando ao espírito do Antigo
Testamento, ela tem estabelecido um sacerdócio profissional,
convertido a eucaristia em um novo sistema sacrificial e
construído grandes catedrais. Quando isso acontece, uma volta
IGREJAS, TEMPLOS E TABERNÁCULOS 63
à fidelidade deve significar um retorno - tanto na soteriologia
como na eclesiologia - à profunda simplicidade do Novo
Testamento. Porém, em geral a reforma na doutrina não tem
se ligado a uma reforma suficientemente radical na estrutura
da igreja.

A Importância do Tabernáculo
O significado do tabernáculo deve receber uma atenção
especial aqui - em parte porque isso geralmente não acontece,
mas principalmente porque ele é importante para a igreja,
para a eclesiologia. Por que deveria Deus ser representado
por uma estrutura fisica? Por que uma tenda?
Na aliança mosaica, o tabernáculo era o símbolo da presença
de Deus. “E me farão um santuário, para que eu possa habitar
no meio deles” (Ex 25.8). A idéia central era a habitação de
Deus no meio do seu povo. Deus não podia habitar de verdade
no coração das pessoas por causa dos seus pecados e rebeldia;
sua habitação tinha de ser simbólica. Por isso, Deus ordenou
a construção do tabernáculo, dando o seu projeto a Moisés em
profusão de detalhes. Devia ser erguido de acordo com o
modelo revelado no monte (Ex 26.30, At 7.44; Hb 8.5).
Mas para a igreja, o tabernáculo tem o seu cumprimento
no corpo de Cristo, como já vimos. Por isso, a necessidade de
um tabernáculo material já passou. Por quê? Porque agora
Deus habita com o seu povo nos corações e nos corpos da
comunidade dos crentes, mediante a habitação interior do
Espírito Santo. O Espírito Santo “habita convosco e estará
em vós” (Jo 14.l7), disse Jesus. Se alguém ama e obedece a
Jesus, o Pai e o Filho vêm a ele e nele fazem morada (Jo 14.23).
“Entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo” (Ap
3.20).
A idéia central do tabernáculo é, claramente, a habitação
de Deus. Mas no Novo Testamento, Deus habita no coração
das pessoas, e não apenas entre elas de modo simbólico. O
véu se partiu em dois; o coração de pedras foi substituído por
coração de carne. Dessa forma, a igreja é “habitação de Deus”
no Espírito e por meio do Espírito (Ef 2.22).
64 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Haverá também um cumprimento eterno, escatológico,
dessa idéia de habitação de Deus. Quando João vê a cidade
santa descendo da parte de Deus, as primeiras palavras que
ele ouve vindas do trono são: “Eis o tabernáculo de Deus com
os homens” (Ap 21.3; compare Ez 37.27-28). E este o
significado da cidade santa: a habitação eterna, espiritual, real
e perfeita de Deus com o seu povo. Portanto, obviamente não
há ali nenhum “santuário, porque 0 seu santuário é o Senhor,
o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21.22). E não seria
esse o projeto de Deus o tempo todo: uma cidade sem templos
porque o próprio Deus é o seu santuário? Aqui todas as
limitações de tempo e espaço evaporam. Deus e seu povo em
perfeita comunhão. O povo de Deus habitando eternamente
em comunhão, na koinonia, do Espírito Santo.
Dessa forma, vemos uma tríplice progressão: Primeiro, Deus
habitando simbolicamente entre o seu povo numa estrutura
física chamada tabernáculo. Segundo, Deus realmente
habitando dentro do coração e na comunidade do seu povo
mediante o Espírito Santo. Terceiro, Deus habitando
eternamente com o seu povo, em perfeita e inquebrantável
comunhão, na era vindoura.

Tabernáculo ou Templo?
Mas, ao passar de Moisés a Cristo, saltamos mais de 1.200
anos da história do povo de Deus - a era do templo. Com o
reinado de Davi e Salomão, o tabernáculo foi substituído pelo
templo. Teriam o tabernáculo e o templo exatamente o mesmo
significado? Ou sugerem eles diferentes aspectos do plano de
Deus?
Analisando o relato do Antigo Testamento, podemos ver
uma nítida diferença entre tabernáculo e templo.
Fico maravilhado toda vez que leio sobre a construção da
arca e do tabernáculo no Antigo Testamento. Este era o padrão
da Arca da Aliança:
Também farão uma arca de madeira de acácia; de dois
côvados e meio será o seu comprimento, de um côvado e
meio, a largura, e de um côvado e meio, a altura. De
IGREJAS, TEMPLOS E TAEERNÁCULOS 65
ouro puro a cobrirás Fundirás para ela quatro argolas
de ouro e as porás nos quatro cantos da arca... meterás
os varais nas argolas aos lados da arca, para se levar por
meio deles a arca (Ex 25.10-14).
Por cima dessa arca ficava o propiciatório, uma peça magnífica
de ouro coberta por dois querubins, cujas asas eram estendidas
sobre a arca.
Pensem nessa peça linda e cara, símbolo da presença do
Deus Todo-poderoso, Criador do universo - mas com dois
varais espetados em seus cantos para que se pudesse carregá­
la! Um símbolo desfigurado? Não, um símbolo perfeito ­
símbolo não só de um Deus santo, mas também de um Deus
móvel! Deus não estava aprisionado ali numa tenda. Algum
dia, quem sabe amanhã, as coisas vão mudar. A nuvem
começará a se mover. A arca será carregada. J avé é livre para
ser imprevisível. Ele é sempre fiel consigo mesmo, mas não
necessariamente às nossas idéias preconcebidas. Ele fará novas
coisas.
O tabernáculo é o símbolo da presença de Deus junto ao
seu povo e, como tal, acima de tudo, é um símbolo móvel. Tudo
é feito para ser desmontado e 'carregado com facilidade. E isso
não foi idéia de Moisés; era de acordo com o modelo revelado
no monte, como a Escritura repete várias vezes. Se o
tabernáculo representa a presença de Deus, representa com
certeza a natureza dinâmica de I)eus e a mobilidade do povo
de Deus.
Mas, alguém pode contestar, isso é ir longe demais na busca
do significado. E claro que o tabernáculo tinha de ser móvel,
pois o povo de Deus estava viajando. Sua mobilidade não tem
nenhum significado mais profundo. Mas esse é precisamente
o ponto! Deus começou a peregrinação; ele determinou que
ela durasse quarenta anos; ele criou um povo peregrino. Isso
foi para Israel uma grande lição objetiva sobre a natureza do
seu Deus. Antes de se estabelecerem na terra prometida, os
israelitas devem aprender a que tipo de Deus estão servindo.
Ele não é um Deus para ser confinado num país ou numa
cidade ou num templo; ele está acima dessas coisas. O único
66 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
caminho para aprender isso de verdade é vivendo como um
povo peregrino, e o tabernáculo reflete isso.
Uma das passagens mais belas e radicais do Antigo
Testamento descreve de maneira bem gráfica essa mobilidade:
Quando a nuvem se erguia de sobre a tenda, os filhos de
Israel se punham em marcha; e, no lugar onde a nuvem
parava, aí os filhos de Israel se acampavam. Segundo o
mandado do Senhor, os filhos de Israel partiam e,
segundo o mandado do Senhor, se acampavam; por todo
o tempo em que a nuvem pairava sobre o tabernáculo,
permaneciam acampados. Quando a nuvem se detinha
muitos dias sobre o tabernáculo, então, os ñlhos`de Israel
cumpriam a ordem do Senhor e não partiam. As vezes,
a nuvem ficava poucos dias sobre o tabernáculo; então,
segundo o mandado do Senhor, permaneciam e, segundo
a ordem do Senhor, partiam. Às vezes, a nuvem ñcava
desde a tarde até à manhã; quando, pela manhã, a nuvem
se erguia, punham-se em marcha; quer de dia, quer de
noite, erguendo-se a nuvem, partiam. Se a nuvem se
detinha sobre o tabernáculo por dois dias, ou um mês,
ou por mais tempo, enquanto pairava sobre ele, os filhos
de Israel permaneciam acampados e não se punham em
marcha; mas, erguendo-se ela, partiam. Segundo o
mandado do Senhor, se acampavam e, segundo o
mandado do Senhor, se punham em marcha; cumpriam
o seu dever para com o Senhor, segundo a ordem do
Senhor por intermédio de Moisés (Nm 9.17-23).
Foi assim com o tabernáculo. Mas o templo era diferente. Ele
era imóvel - ancorado, permanente - e seu significado
também difere de acordo com essa condição.
O tabernáculo foi idéia de Deus; foi seu projeto. Ele ordenou
sua construção. Mas e quanto ao templo? Deus enviou palavras
ao rei Davi:
Edificar-me-ás tu casa para minha habitação? Porque
em casa nenhuma habitei desde o dia em que fiz subir
os filhos de Israel do Egito até ao dia de hoje; mas tenho
andado em tenda, em tabernáculo. Em todo lugar em
IGREJAS. TEMPLOS E TABERNÁCULOS 67
que andei com todos os filhos de Israel, falei, acaso,
alguma palavra com qualquer das suas tribos, a quem
mandei apascentar o meu povo de Israel, dizendo: Por
que não me edificais uma casa de cedro? (2 Sm 7 .5-7)
O rei Davi era rico, próspero e estava em período de paz.
Ele disse a Natã, o profeta: “Olha, eu moro em casa de cedros,
e a arca de Deus se acha numa tenda” (2 Sm 7.2). Se o rei tem
uma casa real, por que não Deus também? Isso não é lógico?
Não é um reconhecimento da primazia do Senhor?
Desse modo, o templo foi idéia de Davi, não de Deus. Além
disso, Davi era rei, e a monarquia também não era idéia de
Deus (1 Sm 8.4-9). Podemos perguntar se teria havido mesmo
um templo caso não houvesse um rei. Mas em ambos os casos,
Deus ajustou seu plano a desejos humanos, por causa de seus
próprios propósitos.
Deus permitiu a construção do templo, mas não por Davi.
Este fez os preparativos, mas foi Salomão quem construiu.
Em contraste com o tabernáculo, o projeto não veio do Monte
Sinai. Deus não foi o arquiteto.
Enquanto Salomão estava construindo o templo, uma
palavra veio de Deus: “Quanto a esta casa que tu [observe,
tu, não eu] edificas, se andares nos meus estatutos, e
executares os meus juízos, e guardares todos os meus
mandamentos, andando neles, cur nprirei para contigo a minha
palavra, a qual falei a Davi, teu pai. E habitarei no meio dos
filhos de Israel e não desampararei o meu povo” (1 Rs 6.12­
13). Embora o templo não fosse idéia de Deus, ele honra as
boas intenções de Salomão e também a sua criatividade. Deus
habitará naquela casa; manterá a aliança - desde que
Salomão e o povo sejam ñéis.2
Essa foi a origem do templo. Mais tarde o povo desobedeceu
a Deus e o templo foi destruído. O povo escolhido foi levado
como prisioneiro. Pensavam que Deus estava com toda a
segurança dentro do templo e entre os sacerdotes, mas de
repente ele lhes sobreveio de fora, mediante a voz do profeta
e o estrondo dos reis estrangeiros.
68 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
A conclusão que se tira de tudo isso é clara: O sinal mais
exato da presença de Deus em sua igreja aqui na terra é o
tabernáculo, e apenas de modo secundário 0 templo. O
tabernáculo é o verdadeiro símbolo, pois mostra de modo mais
acurado como Deus age na história.
Uma certa legitimidade é atribuída ao templo do Antigo
Testamento, mas ela é de caráter essencialmente tipológico e
escatológico e se baseia no reinado de Davi como o tipo do
reino eterno de Cristo? A tipologia é percebida claramente
no livro de Salmos, em que Davi é o rei, Jerusalém é a cidade
santa e o templo é a santa habitação de Deus. Mas o significado
primário é escatológico. Na realidade concreta Davi peca, a
monarquia se degenera, a cidade santa está cheia de sangue e
o culto no templo acaba no final mergulhado num
institucionalismo morto.
Essa interpretação típica, escatológica, é confirmada mais
adiante por aquilo que os profetas dizem acerca do templo.
Com freqüência eles falam de um templo, mas em geral se
referem ao templo eterno de Deus que está no céu.“ A visão
do templo de Ezequiel com certeza tem significado
escatológico, como ñca claro a partir dos paralelos com o livro
de Apocalipse. Além disso, Jeremias adverte contra uma falsa
fé no templo: “Não conñeis em palavras falsas, dizendo:
Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este”
(Jr 7.4).
Uma aparente exceção a essa visão do santuário é
encontrada na reconstrução do templo após o exílio, e em
particular na profecia de Ageu. Aqui - pela única vez na Bíblia
- Deus ordena que se edifique um templo (Ag 1.7-8).
Ageu teve quatro visões num espaço de quatro meses. O
templo está em ruínas, mas 0 povo estava mais preocupado
em ornamentar suas casas do que em reconstruir a casa de
Deus. Na primeira visão Deus lhes ordena que reconstruam o
templo. Por quê? Porque 0 povo tinha abandonado o seu
primeiro amor. O templo havia se tornado o símbolo da
presença de Deus, e a negligência daquela casa pelo povo era
um sinal e sintoma da negligência em relação ao próprio Deus.
IGREJAS. TEMPLOS E TABERNÁCULOS 69
Mas em sucessivas visões, também relacionadas ao templo, a
vontade de Deus é colocada na perspectiva escatológica. Deus
diz, com efeito: “Vocês sentem que esse templo que estão
reconstruindo é apenas uma sombra do primeiro, cheio de
glória? Mas está chegando a hora em que as coisas vão mudar.”
Deus diz: “Encherei de glória esta casa, A glória desta última
casa será maior do que a da primeira” (Ag 2.3-9). Aqui se faz
uma referência ao futuro escatológico (como em outras
passagens similares) e não ao futuro imediato do templo
material, que não podia (e nunca conseguiu) se comparar ao
primeiro templo, de Salomão.
Qual é a mensagem central da profecia de Ageu, então?
Simplesmente que o povo estava sendo inñel a Deus, e Deus
ordenou a reconstrução do templo como um ato de rededicação
à aliança feita com Salomão.
Mas mesmo aqui não se permite que o templo terreno
assuma importância devida. Imediatamente ele é colocado na
perspectiva da eternidade: O templo material é apenas a
sombra do que está para vir no reino futuro de Deus, quando
o Senhor irá abalar o céu e a terra, o mar e a terra seca (Ag
2.21-23).
Nem mesmo a sublime visão de Isaías no capítulo 6 do seu
livro concede alguma legitimidade ao templo terreno. Seus
olhos foram abertos para ver Deus em seu trono eterno, em
seu santuário celestial. As imagens são claramente do
santuário celestial, não do templo terreno. (Compare Ap 4.1­
11.) O interessante é que a passagem nem mesmo diz que
Isaías estava no templo quando recebeu a visão, embora
costumemos pensar assim. Pode ser que ele estivesse
descansando em sua própria casa. °
Vemos, portanto, no tabernáculo e na peregrinação pelo
deserto, a contraparte do Antigo Testamento para a igreja na
história como o povo peregrino de Deus. O templo e o reino
representam mais exatamente o reino escatológico de Cristo,
a ser consumado na era vindoura. Tanto o tabernáculo como
o templo representam a habitação de Deus com o seu povo.
70 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
Mas o tabernáculo, mais simples, despretensioso e peregrino
é o símbolo mais exato da igreja na terra.”

Tabernáculo e Igreja
Com o nascimento da igreja, a necessidade de um tabernáculo
físico ou um templo passou. Um templo já não é mais
necessário. Não existe mais nenhum lugar santo para culto e
sacrifício (Jo 4.20-24), pois o sacrifício já foi feito, uma vez
por todas. Tudo o que precisavam era de um lugar para se
reunirem como comunidade cristã. O lugar mais natural era
o lar (At 2.46; 5.42). Cristãos judeus continuaram cultuando
por algum tempo no templo, mas essa prática foi cessando
gradativamente. E o templo foi destruído em 70 d.C.
E impressionante que Estêvão, em seu discurso no templo
antes de seu martírio, vai diretamente de uma discussão sobre
o tabernáculo e o templo para a condenação dos líderes judeus:
O tabernáculo do Testemunho estava entre nossos pais no
deserto, como determinara aquele que disse a Moisés que o
fizesse segundo o modelo que tinha visto... até os dias de Davi.
Este achou graça diante de Deus e lhe suplicou a faculdade de
prover morada para o Deus de Jacó. Mas foi Salomão quem
lhe edificou a casa. Entretanto, não habita o Altíssimo em
casas feitas por mãos humanas (At 7.44-48).
Ao que parece, o ponto focalizado aqui é a lentidão dos
líderes judeus em reconhecer os verdadeiros sinais da presença
de Deus. Eles resistem ao Espírito Santo por confiar no templo
físico, e não vêem Jesus Cristo como o cumprimento tanto do
tabernáculo como do templo, como sacerdote e rei ao mesmo
tempo. Tão acostumados a procurar a Deus em pedras e
argamassa, eles não o reconhecem em carne humana (Jo 1.1­
11). Eles rejeitaram a Jesus Cristo e estão confiando naquilo
que já não tem mais significado.
Tudo o que isso sugere é um fato bem mais básico:
tcologicamente, a igreja não precisa mais de templos. Edifícios
não são essenciais para a verdadeira natureza da igreja, pois
o tabernáculo simbolizava a habitação de Deus, e Deus já
habita dentro da comunidade humana dos crentes cristãos.
IGREJAS, TEMPLOS E 'IVÃBERNÁCULOS 71
As pessoas são o templo e o tabernáculo, um tabernáculo “não
feito por mãos”, “maior e mais perfeito”, do qual o tabernáculo
de Moisés era apenas uma cópia (Hb 9.11). Dessa forma, do
ponto de vista teológico, os edifícios das igrejas são supérfluos.
Eles não são necessários para a função sacerdotal porque todos
os crentes são sacerdotes e todos têm acesso direto, a qualquer
hora e em qualquer lugar, ao grande Sumo Sacerdote. Um
prédio de igreja não pode ser propriamente “a casa do Senhor”
porque na nova aliança esse título é reservado para a igreja
como povo (Ef 2; 1 Tm 3.15; Hb 1O.21). Um prédio de igreja
não pode ser um “lugar santo” em nenhum sentido especial,
pois lugares santos não existem mais, e toda criação é sagrada.
O cristianismo não possui lugares santos, apenas povo santo.
Os cristãos sabem que Deus está presente em todos os lugares,
pois a terra é do Senhor.
E difícil encontrar base bíblica para se construir edifícios
para igrejas. Pelo contrário, o ensino de Hebreus - o mais
claro em afirmar que o sistema sacrificial e o sacerdócio
passaram de modo que a igreja agora não precisa mais deles
- pode implicar que a igreja não deve se envolver na
construção de prédios exatamente da mesma maneira pela
qual não deve instituir nenhum sacerdócio novo ou nenhum
sacrifício novo.6 De qualquer forma, a igreja primitiva não
construiu prédios.7
"'A conclusão de que a igreja, teologicamente, não precisa de
edifícios é reforçada pela diferença que já vimos que existe
entre o tabernáculo e o templo. Notamos que aparentemente
Deus prefere o tabernáculo ao templo como o sinal de sua
habitação com seu povo, pois o primeiro enfatiza que o Senhor
é dinâmico, não estático, móvel, um Deus de surpresas. E dessa
forma, o tabernáculo mostra que o povo de Deus - a igreja ­
é móvel e flexível, formado por peregrinos. Mas a imagem do
templo é flagrantemente incompatível com a idéia do povo
peregrino. Há uma certa incongruência no fato de a arca da
aliança ficar descansando com toda a segurança dentro do
templo de Salomão. Um templo não pode ser movido; ele só
pode ser destruído. Ele é estático. E assim, na Bíblia Deus
72 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
não manda a igreja construir templos. O tabernáculo é o sinal
mais exato de sua presença, e mesmo ele já se cumpriu e
passou.
Dessa forma, se os edifícios da igreja têm alguma
justificativa, só pode ser de ordem prática - simplesmente
um lugar para se reunir e desenvolver funções essenciais,
conforma a necessidade. Além disso, ediñcios se tornam um
retorno à sombra do Antigo Testamento e uma traição contra
a realidade do Novo.
Do ponto de vista teológico, edificios de igrejas são na melhor
das hipóteses desnecessários e, na pior, idolátricos. Se o
sacerdócio e o sistema sacriñcial já passaram, o mesmo deve
acontecer com o tabernáculo. Todos os três deixaram de ser
instituições e se tornaram algo vivo, mediante o Espírito de
Cristo que dá vida e por meio do seu Corpo, que somos nós.
Essa verdade é expressa muito bem pelas seguintes
palavras, citadas por John Havlik em People-Centred
¡Evangelism:
‹ “A igreja nunca é um lugar, mas sempre um povo; nunca
“fum curral, mas sempre um rebanho; nunca um ediñcio
sagrado, mas sempre uma assembléia dos que crêem. A igreja
é você que ora, não onde você ora. Uma estrutura de tijolo ou
mármore não pode ser igreja mais do que suas roupas de sarja
.ou cetim podem ser você.”8
A igreja é a comunidade do povo de Deus, a habitação do
Espírito de Deus.
Esta é a verdadeira natureza da igreja. E foi isso que a igreja
\
rimitiva experimentou.
\
CAPÍTULO 5

EDIFEÍCIOS DE IGREJAS
sAo SUPERFLUOS?

Numa pequena vila montanhesa o vento soprava suavemente,


em especial durante a primavera.
No alto de um morro atrás da vila, o vento era muito mais
forte. As pessoas subiam até lá de vez em quando para sentir
o vento em plena força. Ele se precipitava das montanhas,
desgrenhando os cabelos, congelando as faces, tirando-lhes o
fôlego.
Certo dia, os moradores da vila construíram um pequeno
santuário no alto do morro. Ergueram quatro paredes e um
telhado, mas deixaram grandes janelas abertas de modo que
as pessoas ainda podiam sentir o vento.
Depois de algum tempo, construíram um santuário maior
e mais bonito. Mas alguns começaram a ficar preocupados
com a chuva. As vezes a chuva caía e entrava pelas janelas. A
assentos. `
água estava deixando manchas na parede, no assoalho e nos

Foi por isso que colocaram vidro nas janelas. Vidro liso,
claro, de modo que ainda podiam ver a paisagem do lado de
fora, ver as montanhas e o vale. As pessoas vinham e
desfrutavam, observavam através da janela o vento balançar
as árvores e varrer a encosta das montanhas. Não podiam
mais sentir o vento, mas gostavam da vista.
74 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
Mas novas coisas aconteceram. Um dia, os habitantes da
vila, ao se tornarem mais prósperos, resolveram decorar as
janelas com pinturas e quadros. Por fim, vitrais requintados
substituíram o vidro liso que foi colocado antes.
O santuário ainda continua ali. E um lugar lindo - bem
preservado e muito freqüentado. As pessoas fazem
peregrinações a esse lugar. Entram no santuário, acendem as
luzes, curvam-se em orações e lembram o que costumavam
sentir quando o vento se precipitava das montanhas,
desgrenhando os cabelos, congelando as faces e tirando-lhes o
fôlego.

O Testemunho dos Edifícios das Igrejas


Pense só nisso!
“Se você perguntasse 'Onde fica a igreja?' em qualquer
cidade importante do mundo antigo em que o cristianismo
penetrou no primeiro século, seria conduzido a um grupo de
pessoas reunidas para culto numa casa. Não havia nenhum
prédio especial ou outro bem tangível com que associar 'igreja',
apenas pessoas.” Assim escreveu o falecido Walter Oetting
num livro pequeno mas significativo, The Church of the
Catacombsfi
Os cristãos não construíam edificios próprios para igrejas
até cerca de 200 d.C. Esse fato sugere que, por mais úteis que
tenham sido os prédios das igrejas, eles não são essenciais
nem para o crescimento numérico, nem para a profundidade
espiritual. A igreja primitiva possuía essas duas qualidades, e
os dois primeiros séculos d.C. foram o período de maior
vitalidade e crescimento da igreja até os tempos recentes. Em
outras palavras, a igreja cresceu mais rápido quando não havia
a ajuda - ou o impedimento - de suas instalações.
Mas se é mesmo verdade que os edifícios não são essenciais
nem para o crescimento nem para a vitalidade, por que estão
as igrejas hoje tão em dívida para com eles e por causa deles?
Estaria a igreja realmente padecendo de um “complexo de
edilicio”?
Eomicios DE IGREJAS sÁo SUPÉRFL Uos? 75
As instalações de igrejas são uma espécie de testemunho.
Elas falam cinco coisas acerca da igreja hoje.
Em primeiro lugar, edificios de igrejas são um testemunho
de nossa imobilidade. Existe algo mais imóvel do que um
prédio de igreja? Talvez uma burocracia arraigada, mas só
um pouquinho mais. Entretanto, os cristãos são,
supostamente, peregrinos em viagem. Os cristãos devem ser
um povo móvel. No Antigo Testamento, o tabernáculo portátil
era o símbolo da presença de Deus em comunhão com seu
povo, como vimos no capítulo anterior. O Antigo Testamento
não se cumpre em edifícios impressionantes, mas em templo
feito de carne, ou seja, pessoas comuns.
O evangelho diz “Ide”, mas nossos prédios dizem “Ficai”.
O evangelho diz “Procurai os perdidos”, mas nossos templos
dizem “Deixai os perdidos procurar a igreja”.
Em segundo lugar, edificios de igrejas são um testemunho
de nossa inflexibilidade. Assim que erguemos um prédio,
cortamos nossas opções em cerca de 75%. Uma vez que o
edifício estiver pronto e em uso, o programa e o orçamento da
igreja já estarão determinados em grande parte. O culto de
domingo de manhã permite a participação direta de apenas
uns poucos - isso é ditado pelo projeto do santuário.
Basicamente, os cultos serão um programa em que uma única
pessoa fala para o resto, e essa pessoa será separada e
reconhecida como um profissianal - isso é ditado pela
disposição da plataforma. A comunicação será de mão única
(se é que isso é comunicação) - pregador para o povo - isso
é ditado pela arquitetura e o sistema de som. E assim por
diante. A arquitetura petriñca o programa.
O problema, em essência, não está no projeto deficiente. É
uma questão de limitações inerentes a edificios de igrejas.
Prédios são, por natureza, inflexíveis e encorajam
inflexibilidade - pior ainda, a estagnação? Depois de vários
anos de ministério urbano em Los Angeles, Lawrence Carter
expressou isso da seguinte forma: “No presente, as igrejas de
cidades estão escravizadas a seus tijolos e argamassa numa
época em que a igreja precisa ser flexível, adaptável e relevante
7'(› VINHO NOVO, ODRES NOVOS
face às necessidades bem concretas, tristezas e aspirações de
Hz]
uma população urbana em rápida mudança.
O mesmo pode ser dito acerca da maioria das igrejas
suburbanas e de pequenas cidades.
Em terceiro lugar, edificios de igrejas são um testemunho
de nossa falta de com unhâo. Prédios de igrejas podem ser locais
que inspiram sentimento de culto, mas em geral não são
acolhedores. São desconfortáveis e impessoais. N ão são feitos
para comunhão, para a koinonia no sentido bíblico. As casas,
sim. Era nas casas que os cristãos primitivos se reuniam para
comunhão (At 2.42; 5.42). Prédios de igrejas são feitos para
culto, mas culto sem comunhão se torna frio e divorciado da
realidade. `
Provavelmente em 90% dos prédios de igrejas, os assentos
do santuário consistem de bancos de madeira dispostos em
fileiras e fixados com firmeza no chão. Os bancos são
arrumados de modo a tornar virtualmente impossível para os
participantes do culto olharem no rosto um do outro. E como
se o ideal fosse colocar cada adorador em sua cabina isolada
para que a pessoa pudesse ver apenas o “ministro”, sem se
distrair com outras pessoas. Mas se devemos prestar culto ao
Senhor juntos, precisamos estar juntos. Para que possamos
nos comunicar um com outro enquanto cultuamos, precisamos
enxergar um ao outro. E necessário que possamos ver faces
atentas, olhos rasos de lágrimas, sorriso silencioso que nos
mostram que algo está acontecendo e nos levam a cultuar
juntos.
Muitas congregações têm sentido essa falta de comunhão
na igreja e, por isso, acrescentaram uma coisa chamada “salão
social”. Mas com que freqüência nós conseguimos, seja no salão
social, seja no santuário, seja na classe de escola dominical,
algo que realmente possa ser chamado de comunhão? A
verdadeira koinonia, a comunhão cristã real e bíblica, como a
que era experimentada pelos cristãos primitivos, está em falta
na maioria das igrejas hojef'
E assim, um visitante pode freqüentar uma igreja durante
semanas e nunca encontrar a comunhão cativante, calorosa e
E1›1Fi‹'10s DE IGREJAS sÁo su1›ÉRF1.Uos? 77
amorosa que atrai uma pessoa a Cristo. Situação como essa
seria simplesmente impossível no ano 100 d.C.
Em quarto lugar, edifícios de igrejas são um. testernunho do
nosso orgulho. Insistimos em que as estruturas de nossas
igrejas devem ser bonitas e bem equipadas - o que em geral
significa caras - ejustilicamos isso dizendo que Deus merece
o melhor. Mas pode ser que tal pensamento não passe de uma
racionalização do orgulho carnal.
Ou podemos dizer que afinal somos embaixadores do Rei
dos reis, que tem riquezas inesgotáveis. E verdade. Mas isso
não justifica o uso de vastos recursos para construir
embaixadas. Podemos esquecer que nosso rei escolhe ser um
servo, e somos chamados para servir a ele servindo a outros.
Temos outras desculpas para templos caros. Podemos, por
exemplo, sentir que precisamos ter edificios lindos a fim de
atrair pecadores à igreja e, desse modo, a Cristo. Mas há duas
coisas erradas aqui. Em primeiro lugar, o conceito está errado.
E a igreja que deve buscar o perdido, e não o contrário.
Segundo, a motivação está errada. Tentamos atrair o pecador
apelando ao orgulho (“Temos hoje o prazer e a honra de
receber em nossa escola dominical a visita da Sra. Hackett,
mãe de nossa querida Sandra. Esperamos que ela volte no
próximo domingo, com o seu esposo...”). Essa não era a
abordagem de Cristo. Muitas vezes, nossas igrejas acabam
competindo entre si no plano arquitetônico. Essa é a pior face
da evangelização.
Costumamos dizer que nossos prédios devem estar em
harmonia, em estilo e valor, com a arquitetura da comunidade.
Mas isso é simplesmente um jeito de se conformar com o
mundo. Um evangelho segundo' os padrões do Novo
Testamento não precisa causar boa impressão mediante um
edificio atraente. Isso é mais como empacotar diamantes em
embalagem brilhante para vender melhor. Na realidade, com
um edificio sofisticado, a igreja pode simplesmente atrair os
fariseus e repelir os pobres. Afinal, isso já aconteceu na
história. Fazemos uma adaptação da parábola de Jesus: “Eis
que um fazendeiro saiu a semear. Antes, porém, construiu
78 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
primeiro um celeiro fantástico para impressionar os
vizinhos...”
Desde quando é tarefa da igreja impressionar pessoas com
sua arquitetura ou se mesclar com o ambiente como um
camaleão? A igreja deve se levantar por Cristo contra as
vaidades da cultura humana. Isso deve aplicar-se também à
arquitetura. Se é preciso construir prédios, que eles falem de
Deus e não do materialismo da classe média.
Por fim, edificios de igrejas são um testemunho das nossas
divisões de classe e raça. A igreja primitiva era uma mistura
de ricos e pobres, judeus e gregos, negros e brancos, incultos e
instruídos. Mas com seus prédios, as igrejas estão anunciando
publicamente que isso não é verdade hoje. Um sociólogo pode
dar uma olhadinha em dez edificios de igrejas, ver o nome da
denominação e então inferir com grande precisão o nível de
educaçao e de renda, ocupações e posição social da maior parte
de seus membros. De acordo com o Novo Testamento, isso
não devia acontecer.
Mas de um modo menos sofisticado, a nova família que
chega a uma comunidade faz a mesma coisa que o sociólogo.
Saem de carro e dão uma olhada nos prédios das igrejas da
vizinhança. Escolhem uma que parece ser “do seu tipo” ­
uma igreja formada por pessoas com aproximadamente o
mesmo nível de renda e de educação, posição política e cor.
Na maioria dos casos, uma observação cuidadosa no edifício e
no pátio de estacionamento é suficiente para dizer-lhes se vão
se sentir “em casa" ali. E claro que, às vezes, podem ser
enganados por uma igreja de classe inferior que está em
ascensão na sociedade e acabou de completar um programa
de construção.
O problema aqui, obviamente, vai muito além da
arquitetura. Mas o edificio é um testemunho. É uma placa
sinalizadora denunciando ao mundo a consciência de classe e
o exclusivismo da igreja.
ED1Fic1os DE 1GRI‹}‹¡/lS sÁo sUr›É1z>1‹¬1.Uos? 79
Nossos prédios, portanto, dão testemunho da imobilidade,
inflexibilidade, /alta de comunhão, orgulho e divisões de
classes na igreja de hoje.

Que deveria ser feito?


Que deveria ser feito então? Parar de usar essas instalações?
Para muitas igrejas, essa seria a melhor solução. Um tipo
diferente de arquitetura não é suficiente. Lembre-se, durante
seus 150 anos de maior vitalidade, a igreja cristã nunca sequer
ouviu falar de edifícios especialmente projetados para igreja.
“Igreja” significava pessoas, a comunidade dos discípulos.
Naqueles dias a igreja era móvel, flexível, acolhedora, humilde,
envolvente - e crescia que era uma loucura!
Poderíamos recomendar soluções menos radicais - menos
programas centralizados em prédios, mais evangelização,
arquitetura mais simples. Mas por quê? Por que continuar
construindo prédios? Por que não, simplesmente, se desfazer
deles? Edifícios tradicionais de igrejas são desnecessários num
mundo urbano e muitas vezes são um obstáculo para o
cristianismo bíblico.
Naturalmente, sugerir que edificios de igrejas são um luxo
desnecessário suscita de imediato uma saraivada de protestos:
“Que fazer com todas essas propriedades?” As palavras de
Cristo sugerem uma possível resposta para uma igreja com
“muitas propriedades”: “... vai, vende os teus bens, dá aos
pobres depois, vem e segue-me” (Mt 19.2l).
“Mas onde os cristãos iriam se reunir?” Nos lares, como
faziam os cristãos primitivos? Voltaríamos ao que Paulo
chamava “a igreja que está em tua casa” (Fm 2).
“Mas as casas são pequenas demaisl” Só se a igreja for
grande demais. Divida a congregação em grupos de doze a
trinta pessoas. Isso facilita a comunhão e permite que os
membros se conheçam um ao outro. Pode ser uma experiência
renovadora!
“Mas precisamos de cultos coletivos, com grupos grandes.”
É verdade - como demonstro no capítulo 8. Mas basta que a
congregação alugue um pequeno salão ou escola ou centro
80 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
comunitário onde possa se reunir para cultos em conjunto e
treinamentos uma ou duas vezes por semana, e não gastar
centenas de milhares de dólares para ter6um grande santuário
usado só algumas horas semanalmente.
“Mas as pessoas não vão ser atraídas para uma escola ou
um pequeno salão.” Bem, há dois tipos de pessoas - as que
são comprometidas com Cristo e as que não são. As que são
realmente comprometidas com Cristo e sua igreja vão se reunir
em qualquer lugar. As que não são, é verdade, provavelmente
não se reunirão num humilde escritório. Mas isso é irrelevante
se a igreja for uma comunidade missionária e se a unidade
básica for o grupo pequeno. Nesse caso, a evangelização ocorre
fora da “igreja”. Por isso, não deve haver preocupação em
atrair os não-comprometidos ao lugar de culto, nem há motivos
para isso. Quando eles encontrarem a Cristo, virão para o
culto.
“Mas um salão vai ser pequeno demais.” Depende do
objetivo da igreja. Se o alvo é ajuntar um número cada vez
maior de pessoas num mesmo lugar, então um pequeno imóvel
alugado realmente não serve. Porém, se o alvo é o crescimento
do Corpo de Cristo, um supertemplo não é necessário.
Crescimento saudável é crescimento por divisão. A igreja deve
formar duas congregações quando crescer e suas instalações
ficarem pequenas. Talvez o grupo local deva estabelecer
voluntariamente um limite em torno de 150 membros como o
marco para se dividir em dois.
i “Mas isso significaria igrejas de apenas 75 ou 100 membros.
E um número pequeno demais, para desenvolver uma
programação completa de igreja. ” E verdade - se precisamos
de sociedade de homens, sociedade de senhoras, um programa
para jovens, um clube para idosos, escola dominical, culto de
oração no meio da semana, programas de treinamento, cinco
conselhos e dez comissões (quase um padrão para a estrutura
eclesiástica). Mas isso não será necessário se o programa for
flexível, não centralizado em ediñcio. A unidade básica de
organização seria o grupo pequeno, e a tese é que toda função
ED1Fic1os DE IGREJAS sÁo SUPÉRFL Uos? 81
essencial da igreja pode ser desenvolvida efetivamente por
meio desses grupos.
Para ser realista, deve-se reconhecer a grande diferença
que existe de uma igreja local para outra. Uma igreja
escravizada ao prédio pode muito bem vender seu edifício e
ainda continuar numa rotina institucional, nunca chegando
a experimentar uma renovação radical. Por outro lado,
algumas igrejas com propriedades consideráveis
aparentemente sabem encarar essas instalações como algo
funcional e não sagrado, e permanecem vivas e
espiritualmente dinâmicas. Isso mostra que o complexo de
edificio é com freqüência tão conceitual quanto material.

Quatro Categorias de Igrejas


Igrejas locais em geral se dividem em quatro categorias com
referência a prédios. Em cada caso, o curso de ação necessário
pode ser diferente.
1. A Igreja-Corpo. Esse tipo está mais perto da experiência
do Novo Testamento. Ela não mantém propriedades nem
precisa delas. Programa suas reuniões de culto de acordo com
o espaço disponível em casas, escolas, salões alugados ou outras
instalações. Sua estrutura é orgânica, baseada numa rede de
grupos pequenos interligados por experiências de cultos
coletivos de grupo grande.
Esse tipo de igreja pode viver e crescer indefinidamente,
causando profundo impacto na sociedade mediante um
contínuo processo de divisão de células e multiplicação. Sua
estrutura celular é vista como normal, e não provisória ou
transicional. Não precisa fazer nenhum plano para construção
de prédio; essa igreja é espiritualmente completa. Ela é um
edificio no sentido neotestamentário.
2. A Igreja-Catedral. Não importa o tamanho de seu prédio,
essa igreja realmente encara o edificio como a igreja. É o
edificio que determina toda a programação e o estilo de vida
da igreja. Membros desse tipo de igreja só conseguem pensar
que uma igreja sem prédio é como um corpo sem esqueleto.
Ironicamente, pensam que ela morreria! O ediñcio define todas
82 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
as coisas, de finanças a discipulado. Ouvi falar certa vez de
uma pequena igreja que tinha muitas dificuldades em
conseguir 1.500 dólares para missões estrangeiras enquanto
estava entretida em levantar 10.000 dólares para pavimentar
o estacionamento! Não admira que a igreja estivesse
estagnada.
Esse tipo de igreja perdeu a visão bíblica do Corpo de Cristo.
Tenha ela 30 membros ou 3.000, está em perigo espiritual.
Tal igreja deveria considerar seriamente a possibilidade de
livrar-se de sua propriedade e mudar para uma vida mais
centralizada em pessoas. Não acontecendo tal milagre, o
núcleo de interessados dentro da igreja deveria formar uma
célula orgânica para começar a redescobrir a igreja viva.
3. A Igreja-Tabernáculo. Essa igreja tem um edifício, mas
este é estritamente secundário e funcional. Não é um “lugar
santo” num sentido inerente, mas simplesmente um
instrumento para a extensão do reino de Cristo. O prédio pode
ser grande ou pequeno, simples ou sofisticado. O importante
é que ele é funcional, construído de modo a ter flexibilidade e
uso múltiplo. Seu estilo representa uma mordomia adequada
do tempo, dinheiro e ambiente, e dá um testemunho
verdadeiro e positivo acerca do evangelho.
Chamo-a de Igreja-Tabernáculo não por causa do tamanho
ou estilo do edifício, mas porque o prédio é visto como um
tabernáculo ou tenda, provisório e temporário, a ser usado ou
abandonado de acordo com as circunstâncias. (Algumas igrejas
conhecidas como Tabernáculos Evangélicos são na verdade
Igrejas-Catedrais, enquanto algumas estruturas mais
sofisticadas e estéticas funcionam realmente como
tabernáculos.)
Há pouca coisa que pode ser criticada numa igreja como
essa, desde que ela continue a funcionar desse modo e não se
deixe levar para a mentalidade da igreja-catedral.
4. A Igreja-Fantasma. Esse último tipo se orgulha de não
ter nenhum edificio. O problema é que ela tem pouquíssima
forma concreta de qualquer espécie! E como uma daquelas
manchas de tinta do teste de Rorschach: cada pessoa faz dela
EDIFÍCIOS DE IGREJAS sÁo sm›É1e1‹¬1.Uo.s2 83
o que quiser. Sua existência nebulosa é baseada em reuniões
ocasionais, realizadas quase de improviso; e a despeito de todo
o seu discurso acerca da comunidade, pode ser altamente
individualista. Ela ainda não se tornou um corpo caracterizado
por responsabilidade mútua e inter-relações orgânicas. Como
lhe falta estrutura, uma ou outra coisa pode acontecer. Pode
simplesmente evaporar como a neblina diante do sol. Ou pode
surgir uma pessoa com personalidade forte que impõe o seu
tipo de estrutura e converte o grupo numa organização.
E óbvio que esse não é um tipo bíblico e não pode continuar
assim indefinidamente. Mas a uma primeira vista superficial,
ela pode parecer uma I greja-Corpo. De fato, um grupo amorfo
como esse deve buscar e encontrar o padrão bíblico da igreja
como uma comunidade orgânica e se tornar o Corpo de Cristo
de modo mais literal.
Para resumir: enquanto a Igreja-Corpo reproduz do modo
mais claro a experiência do Novo Testamento, a Igreja­
Tabernáculo pode ser uma legítima encarnação da comunidade
do povo de Deus em alguns contextos. Os modelos Catedral e
Fantasma esqueceram ou não conseguiram discernir o
significado real da “igreja”.
Onde nos Encaixamos?
Onde minha igreja, ou sua, se encaixa nessa classificação?
Vamos receber grande ajuda espiritual se ponderarmos com
seriedade sobre essa questão.
Uma pequena análise deve revelar se uma igreja é realmente
fiel à visão bíblica do povo de Deus ou se ela sucumbiu ao
complexo de edifício.
Como podemos descobrir? Parece-me que qualquer igreja
que...
- gaste mais dinheiro em prédios que em projetos na
comunidade e em evangelização;
- realize todas as suas reuniões somente “na igreja”;
- coloque manutenção e construção antes da missão e
evangelização;
84 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
- recuse-se a usar suas instalações para qualquer
atividade que não seja “sagrada";
- meça a espiritualidade pelo número de corpos
humanos dentro das quatro paredes;
tem um complexo de edifício e ignora quase por completo o
que a Bíblia quer dizer por “a i greja”. Portanto, são necessárias
algumas reflexões difíceis e completa reavaliação como
preparativos para estabelecimento de algumas metas
específicas visando corrigir a situação. Para começar, uma
igreja nessa condição poderia estabelecer um alvo de aumentar
anualmente suas ofertas para missões estrangeiras,
ministérios sociais, evangelização e necessidades similares em
dez pontos percentuais acima do índice de aumento do seu
orçamento global, até que pelo menos metade de suas ofertas
seja destinada a ajudar os outros." Numa ação mais
fundamental, uma igreja assim precisa reexaminar toda sua
vida comunitária bem como seu culto e adoração segundo as
linhas sugeridas ao longo deste livro.
Hugh Steven conta como, no começo do Movimento de Jesus
no sul da Califórnia, a Capela do Calvário de Chuck Smith
enfrentou uma crise para decidir se deixavam ou não os hippies
descalçados pisarem o seu belo carpete. Os santos tinham sido
assegurados de que aqueles pés descalços e gordurosos iriam
destruir o tapete. Eis uma crise de prioridades: pessoas ou
propriedade? A igreja decidiu a favor das pessoas, e centenas
de jovens descalços vieram a Cristo.”
Juan Carlos Ortiz conta que, quando pastoreava uma igreja
crescente em Buenos Aires, fechou as instalações da igreja
por um mês para ver se ela conseguiria sobreviver debaixo de
perseguição. Que aconteceu? A igreja continuou a funcionar
normalmente. Por quê? Porque ela estava estruturada como
um corpo - uma completa rede de contatos informais e
pequenas células. O prédio era secundário. Durante aquele
mês, contribuições financeiras foram administradas nos
grupos pequenos. Ortiz conta: “Durante aquele mês entrou
mais dinheiro do que nunca.”
EDIFÍCIOS DE IGREJAS sÁo SUPÉRFLUOS ? 85
Nestes dias, tão semelhantes aos tempos do Novo
Testamento, os edifícios tradicionais de igreja são um
anacronismo que ela mal consegue manter. Isso não quer dizer
que uma igreja nunca deveria possuir propriedades. Mas
significa que qualquer propriedade, qualquer prédio, deve ser
encarado sem apego, deve servir para a missão da igreja e ser
uma expressão de uma compreensão mais bíblica da
verdadeira natureza da igreja. Qualquer edifício encarado
dessa maneira deve ser funcional - um meio, não um fim. O
caminho de volta para a Idade Média é por demais convidativo.
CAPÍTULO 6

PASTORES DEVEM SER


S UPERS TARS?

Conheça Pastor Jones, Superstar.


Ele prega, aconselha, evangeliza, administra, concilia, dá
comunicados e às vezes integra ainda as pessoas. Também
levanta recursos.
Ele controla o culto da manhã de domingo melhor do que
qualquer apresentador de programa de entrevistas que atua
na TV durante a semana. Sabe usar palavras melhor que a
maioria dos candidatos políticos. Em erudição, supera muitos
professores de seminários. Nenhuma função social de igreja
seria completa sem ele.
Sua congregação, é claro, Considera-se Uma Igreja De Sorte.
Pena que não são muitas igrejas que podem se orgulhar de
um talento como esse.
Confesso minha admiração, talvez com leve toque de inveja.
Não por causa do talento, da capacidade em si. Mas por causa
do sucesso, do desempenho. Eis um homem que prega
fielmente a Palavra, vê vidas transformadas por Cristo, vê
sua igreja crescer. Que pastor protestante sincero não gostaria
de estar em seu lugar? Isso, sem falar de sua casa pastoral.
Penso em todos os pastores medíocres, que lutam com
dificuldades, observando com inveja santa (se é que existe uma
coisa dessas), avaliando seu próprio desempenho com base no
PASTORES DEVEM SER SUPERSTARS 2 87
sucesso do Pastor Jones e descendo mais um degrau na
escadaria do desânimo ou, talvez, da auto-acusação.
Afinal, o problema é simples, náo é? A igreja precisa de
mais pastores qualificados, melhor treinamento. Mais atenção
para encaminhar aqueles jovens talentosos que Deus pode
estar chamando “para o ministério”. Melhor trabalho de caça­
talentos para descobrir os superstars.
Mas... e se...? E se o problema na verdade náo for a falta de
superstars? E se houver um erro fundamental no conceito
tradicional de ministério na igreja?
Será que o problema está realmente na falta de superstars
eclesiásticos? Ou não estaríamos nós com noções não-bíblicas
do que é de fato a igreja?
Será possível que nossas estruturas estejam apagando o
Espírito?
Vamos dar uma olhada na igreja do Pastor Jones. Temos
ali Bill S., com uma capacidade fora do comum para se
comunicar. Ganhou até um concurso de debates no colégio.
Ele poderia pregar - mas ninguém jamais pensou nisso. Ele
é recepcionista.
Temos também John M. Boa praça. Amigo de todo o mundo.
As pessoas vão falar naturalmente com ele sobre seus
problemas. Ele tem jeito para ouvir; escuta até com os olhos.
Com um pouco de treinamento e incentivo poderia ter um
ministério frutífero de cura de pessoas. Ah... precisaria
também de um pouco mais de tempo: faz parte de três
comissões da igreja.
Ou Sherrie R., assistente social. Ela é uma eficiente
professora de escola dominical, mas fica profundamente
angustiada com o sofrimento dos pobres. Está se esgotando,
porque está sempre dando mas nunca recebe: ninguém está
afirmando-a, ninguém está discipulando-a. E muito talentosa,
mas está realmente ocupada demais para crescer. Seu sonho
secreto é ver a igreja começar um ministério de reforma social,
mas está cansada demais.
Ou Bob B., contador. Como era de se esperar, é o diretor de
finanças da igreja e faz um belo trabalho. Ninguém sabe que
88 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
ele é também uma espécie de erudito bíblico autodidata ~
um talento aparentemente supérfluo.
De fato, olhando para a vida de centenas de membros da
igreja do Pastor Jones, fazemos uma surpreendente
descoberta: cada talento do Pastor é igualado ou superado pelo
de algum dos membros. Uma quantidade abundante de dons
permanece enterrada porque esses talentos são
aparentemente desnecessários. É verdade que ninguém na
igreja dá mostras de que vai se tornar um superstar como o
Pastor Jones. E verdade também que para cada talento existe
provavelmente um problema correspondente. Mas talvez Deus
possa fazer uso desses talentos e curar os problemas, se
pensarmos de maneira diferente sobre o ministério.
Como era a igreja primitiva? Paulo tinha um impressionante
desprezo em relaçäo à idéia de superstar:
Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E
também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o
mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo
Deus é quem opera tudo em todos. A manifestação do
Espírito é concedida a cada um visando a um fim
proveitoso.
Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros,
e todos os membros, sendo muitos, constituem um só
corpo, assim também com respeito a Cristo.
Porque também o corpo não é um só membro, mas
muitos. Se disser o pé: Porque não sou mão, não sou do
corpo; nem por isso deixa de ser do corpo. Mas Deus
dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo,
como lhe aprouve. Se todos, porém, fossem um só
membro, onde estaria o corpo? O certo é que há muitos
membros, mas um só corpo.
Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente,
membros desse corpo. A uns estabeleceu Deus na igreja,
primeiramente apóstolos; em segundo lugar, profetas;
em terceiro lugar, mestres; depois, dons de curar,
socorros, governos, variedades de línguas (1 Co 12.4-7,
12, 14-15, 18-20, 27-28).
PASTORES DEVEM SER S UPERSTARS? 89
Pescou? “Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria
o corpo'?” Se o pastor é um superstar, então a igreja é um
auditório, não um corpo.
Eu tinha lido muitas vezes o que a Bíblia diz sobre os dons
espirituais, mas nunca havia entendido. Não conseguia
compreender por que essa coisa toda não faz sentido nenhum
para a igreja hoje. Parece que não funciona. Será que essas
palavras não foram mesmo escritas só para a igreja primitiva,
como alguns dizem?
E então tive um estalo. Essas palavras são para a igreja de
todos os tempos, mesmo que hoje pareçam supérfluas por
termos agora todos os dons organizados. Não precisamos do
Espírito (que horror!) para atiçar dons para o ministério. Só
precisamos de superstars para fazer a organização funcionar.
Assim dependemos de nossas estruturas e nossos
superstars. E sabemos que o sistema funciona - basta olhar
o que os superstars estão fazendo em suas superigrejas! Temos
estatísticas, edifícios e orçamentos para provar isso. Você não
tem como argumentar contra o sucesso.
Só há um problema.
Não há superstars em número suficiente para todos.
Milhares de igrejas, mas só centenas de superstars.
Graças a Deus pelos superstars! Eles são pessoas bem­
aventuradas. Mas a igreja de Jesus Cristo não pode ser movida
a superstars assim como um cavalo não pode ser movido a
combustível para avião a jato. E Deus nunca quis que fosse
assim. Simplesmente não há tantos superstars, na ativa ou
em potencial, e nunca vai haver. Deus não promete à igreja
um exército de superstars. Mas ele promete, sim, prover de
todos os líderes necessários mediante os dons do Espírito (Ef
4.1-16). Se uma denominação precisa depender de pastores
superstars para crescer, há algum erro fundamental em sua
estrutura e, num nível mais básico ainda, em seu conceito de
igreja.
Ore ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a
seara, e não cheƒões.
90 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Animem-se, pastor desanimado e “leigo” desanimado! O
problema na verdade não está em que você é inapto. Leia
novamente o Novo Testamento com uma pergunta: Além de
Pedro e Paulo, onde estão os superstars? Como foi que a igreja
primitiva “teve sucesso” sem nossa organização, catedrais ou
superstars?
O jovem Ralph C. tem pensado em ir para “o ministério”
(sem saber que já está nele), mas hesita porque sabe que não
é um superstar. (E se as igrejas não exigissem superstars?)
Chuck Y. tem 38 anos e um bom trabalho numa firma de
eletrônica; conheço-o bem. Está frustrado e gostaria de
desenvolver algum ministério mais amplo - algo mais
desafiador que uma classe de escola dominical. Mas pensa que
antes teria de deixar o serviço e ir ao seminário. (E se mais
pastores tivessem emprego secular e treinamento in loco, como
no Novo Testamento?)
Vamos encarar os fatos! Tiago, João, Filipe e Bartolomeu
nunca seriam bem-sucedidos no século XX. Pelo menos não
em nossas igrejas. Nem Epafras, Marcos, Priscila, Aristarco,
Febe, Demas, Trifosa ou Lucas, alguns amigos de Paulo (Rm
16; Fm 23). Estes não eram nenhum superstar em sua época;
só parecem assim quando os vemos através da névoa da
história e da tradição. Mas eram usados pelo Espírito, cada
um de acordo com seus dons. Suas congregações nunca
ouviram que tinham de ter um superstar à frente delas; por
isso, todos os crentes trabalhavam juntos, edificando a
comunidade da fé. Muitos ministros em cada congregação.
Como um corpo, cada parte exercendo sua própria função.
Será que nossas estruturas apagam o Espírito?
“E, assim, invalidastes a palavra de Deus, por causa da vossa
tradição” (Mt 15.6). A Palavra de Deus não está algemada ­
a menos que nós a prendamos. Que diz então a Palavra
desracorrentada acerca da igreja?
E hora de voltar à Palavra a fim de encontrar uma
eclesiologia bíblica, um perñl bíblico da igreja que harmonize
com o novo mover do Espírito em nossos dias.
Que o Espírito e a Noiva digam: “Veml”
MATERIAL BÍBLICO
PARA ODRES NOVOS
CAPÍTULO 7

A como HÃo DO
EsP1R1To sANTo

A verdadeira comunhão cristã - que o Novo Testamento


grego chama koinonia - é o dom do Espírito para a igreja.
Lamentavelmente, essa comunhão está em falta em grande
parte da igreja institucional hoje. E essa lacuna está bem
no cerne da impotência, rigidez e aparente irrelevância de
boa parte do cristianismo do fim do milênio.
A igreja muitas vezes é criticada por seu institucionalismo
rígido, sua burocracia inchada, seu “fundamentalismo
morfológico”. Críticos pedem estruturas mais relevantes e
uma nova eclesiologia. O conceito neotestamentário da
koinonia do Espírito Santo é a resposta. Ela oferece um ponto
de partida decisivo na busca por estruturas mais íntimas e
menos impessoais para a vida da igreja.

Uma Crise de Comunhão


A igreja hoje sofre de uma crise de comunhão: simplesmente
não está vivenciando ou demonstrando aquela “comunhão
do Espírito Santo” (2 Co 13.13) que caracterizava a igreja
do Novo Testamento. Num mundo de instituições enormes
e impessoais, a igreja muitas vezes parece apenas mais uma
instituição enorme e impessoal.
9‹/O VINHO NOVO, ODRES NOVOS
A igreja se mostra altamente organizada exatamente numa
época em que seus membros estão menos preocupados com
a organização e mais com a comunidade. Hoje, raramente
sc encontra na igreja institucionalizada aquela atraente
intimidade entre as pessoas, em que as máscaras são
retiradas, a honestidade prevalece e existe uma sensação de
comunicação e comunhão que transcendem o humano - a
intimidade que é literalmente a comunhão do e no Espírito
Santo.
Há alguns anos, Keith Miller escreveu sobre essa lacuna
em seu livro, The Taste of New Wine. Suas palavras são
mais do que relevantes, pois as pessoas ainda estão sedentas:
Nossas igrejas estão cheias de pessoas que por fora
parecem contentes, em paz, mas por dentro estão
clamando por alguém que as ouça exatamente como
elas são - confusas, frustradas, muitas vezes
assustadas, cheias de culpa, e com freqüência incapazes
de se comunicar até mesmo com suas próprias famílias.
Mas outras pessoas na igreja parecem tão felizes e
contentes que raramente alguém tem coragem de
admitir suas necessidades profundas diante de um
grupo tão auto-suñciente, que é o que aparenta uma
reunião normal da igreja'
Essa duplicidade não-intencional é um resultado quase
inevitável dos atuais padrões institucionais da organização
da igreja. E uma descrição da igreja sem koinonia.
A koinonia, evidentemente, é apenas um aspecto da
existência total da igreja. A igreja do Novo Testamento vive
por meio de adoração, testemunho e comunhão. Todos eles
são essenciais para que a igreja seja fiel. A igreja deve pregar
e ensinar, e também servir - seguindo o exemplo de Cristo.
Mas a koinonia é essencial tanto para uma proclamação
efetiva como para um serviço relevante. Koinonia é a igreja
permanecendo na videira, para poder dar muito fruto. E 0
Corpo “bem ajustado e consolidado”, crescendo e
amadurecendo em amor, de tal modo que os vários dons do
Espírito possam ser manifestados no mundo (Ef 4.16).
A ‹:oMuNHÁo no Esrimro szwro 95
Muitas vezes tanto a pregação como o serviço da igreja têm
sofrido simplesmente por falta da verdadeira koinonia.
Mas que é, especificamente, a laoinonia do Espírito Santo?
E que tem ela a nos dizer acerca da estrutura da igreja em
nossos dias?

Que é a “Comunhão do Espírito Santo ”?


Em 2 Coríntios 13.13, Paulo ora para que “a comunhão
[koinonia] do Espírito Santo” esteja com os cristãos. E em
Filipenses 2.1, Paulo fala da “comunhão [koinonia] do
Espírito”.
Essas passagens implicam duas dimensões: a dimensão
vertical, da comunhão dos crentes com Deus, e a dimensão
horizontal, da koinonia deles, juntos, mediante o Espírito
Santo. E crucial que esses dois aspectos sejam preservados
e compreendidos juntos. A idéia neotestamentária de
koinonia não é captada plenamente até que vejamos o
significado das dimensões horizontal e vertical juntos.
De início, podemos enxergar aqui apenas a dimensão
vertical da comunhão com Deus mediante o Espírito Santo.
Não é disso que Paulo está falando? Mas a dimensão
horizontal também está muito bem presente, e talvez até
mesmo de maneira primária: a comunhão entre os cristãos
que é dádiva do Espírito. Como James Reid escreveu sobre 2
Coríntios, 13.13: “Isso não significa comunhão com o
Espírito. E uma comunhão com Deus que ele compartilha,
mediante o Espírito que habita no seu povo, com os que são
membros do corpo de Cristo. A comunhão do Espírito Santo
é a verdadeira descrição da igr‹ja.”2
Muito tem sido escrito acerca do significado e implicações
da palavra koinonia. A maior parte da discussão tem
enfatizado a dimensão horizontal, a comunhão dos cristãos
uns com os outros. Mas é a dimensão vertical que fornece o
conteúdo básico ao conceito de koinonia. A koinonia na igreja
deve começar com a comunhão do Espírito Santo, do
contrário estará destituída do dinamismo do Novo
96 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
Testamento. Hendrik Kraemer capta a verdade central em
seu livro Theology of the Laity: “A comunhão (koinonia) com
e em Jesus Cristo e o Espírito é o solo criativo e sustentador
da comunhão (koinonia) dos crentes uns com os outros.” A
comunhão espiritual na igreja que é verdadeira koinonia é
dádiva do Espírito; não é só uma característica da nossa
humanidade. E algo sobrenatural.
Portanto, há duas coisas que a comunhão do Espírito
Santo não é:
1. Não é aquele ambiente social superficial que a palavra
comunhão significa em nossas igrejas hoje. Em geral, esse
tipo de “comunhão” não é sobrenatural; é a mesma coisa
que a reunião semanal do Rotary ou Lion's. Maior parte
daquilo que passa por comunhão na igreja - qualquer que
seja seu valor - é algo bem inferior à koinonia. E a
“comunhão barata”, semelhante à “graça barata” de
Bonhoeffer. Na melhor das hipóteses, é um encontro social
entre amigos - atraente, mas facilmente copiado fora da
igreja. A koinonia bíblica, porém, é algo exclusivo à igreja
de Jesus Cristo.
A “comunhão” típica da igreja raramente atinge o nível
de koinonia porque esta não é compreendida nem procurada.
Como resultado, há pouca ou nenhuma estrutura para
koinonia na igreja. Ela se acostumou à sociabilidade
agradável e superficial que, na melhor das hipóteses, é um
substituto barato da koinonia.
2. Por outro lado, koinonia não é simplesmente uma
comunhão mística que existe sem nenhuma relação com a
estrutura da igreja. Podemos falar de modo abstrato sobre
“a comunhão da igreja”, como se ela fosse algo que
automaticamente, e quase por definição, une os cristãos. Mas
o conceito abstrato é vazio à parte da reunião dos crentes
num determinado ponto no tempo e no espaço. Não podemos
fugir disso, pelo menos enquanto estivermos neste mundo.
O próprio Cristo enfatizou a necessidade de se estar junto
quando disse: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos
em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20). É possível
A COM UNHÃO DO ESPÍRITO SANTO 97
ter comunhão com Deus quando você está sozinho, em
qualquer lugar, pois Deus é espírito. Mas normalmente você
não pode ter comunhão corn outra pessoa que não esteja
presente. A comunhão do Espírito Santo não é um poder
que liga espiritualmente as pessoas enquanto estão
separadas fisicamente. Antes, é a profunda comunhão
espiritual em Cristo que os crentes vivenciam quando se
reúnem como igreja de Cristo.
Não quero com isso negar o que os cristãos historicamente
chamam “a comunhão dos santos”. As vezes em nossa
oração, e com freqüência nos cultos das igrejas, podemos
sentir aquela comunhão mística com “toda a milícia
celestial”, isto é, os santos que já se foramfl Isso também é
um dom de Deus. É, porém, 0 equivalente celestial do que
devemos vivenciar diariamente enquanto estamos reunidos
como membros do Corpo de Cristo.
Podemos descrever a comunhão do Espírito Santo nos
seguintes termos:
1. A koinonia do Espírito Santo é a comunhão entre os
crentes que 0 Espírito Santo concede. E aquela experiência
de uma comunhão mais profunda, que todo crente
experimenta de vez em quando na presença de outros crentes?
Sua base é a unidade que os cristãos têm em Cristo. Uma fé
compartilhada, uma salvação compartilhada e uma natureza
divina compartilhada são as raí zes da koinonia. O conceito
básico da palavra koinonia, de fiato, é o de algo que se possui
em comum - vida compartilhada.
2. E a comunhão de Cristo com seus discípulos. Jesus
gastou três anos vivendo e trabalhando em comunhão com
um pequeno grupo de discípulos. Como Robert Coleman
observa: “Na realidade ele passou mais tempo com os seus
discípulos do que com todas as outras pessoas. Comia com
eles, dormia junto com eles e conversava com eles durante a
maior parte de todo 0 seu ministério.” Esses discípulos não
só aprenderam de Cristo; eles experimentaram uma
comunhão profunda - igual à koinonia da igreja primitiva.
É interessante que durante o discurso de Cristo na última
98 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
ceia, três discípulos sentiram-se à vontade para interromper
com comentários ou perguntas (Jo 14.5, 8, 22). Juntos
estavam vivenciando a comunhão do Espírito Santof
3. E a comunhão da igreja primitiva, descrita no livro de
Atos. Os primeiros cristãos conheciam uma unidade bem
especial, unicidade de propósito, amor fraterno e
compartilhamento mútuo - em outras palavras, koinonia.
Isso era mais que a alegria imediata da conversão ou a
solidariedade da fé compartilhada. Era uma atmosfera, um
ambiente espiritual que crescia enquanto oravam, aprendiam
e adoravam juntos em suas próprias casas (At 2.42-46; 5.42).
4. E a contraparte terrena e antegozo da comunhão eterna
do céu. A alegria do céu é a liberdade da comunhão eterna
com Deus e com os companheiros de fé, sem limitações
físicas. Como modelo terreno da realidade celestial, a
koinonia na igreja compartilha a mesma natureza espiritual
da vida no céu; não é diferente em termos de qualidade. Mas
ela sofre a limitação da carne bem como do espaço e do tempo.
Assim, a kloinonia na igreja não é nem contínua, nem
universal. E, necessariamente, interrupta, parcial, local. E
limitada e afetada por fatores físicos, mas sua realidade
essencial não é deste mundo.
5. E análoga à unidade, companheirismo e comunhão
entre Cristo e o Pai. Existe um paralelo entre a comunhão
dentro da Trindade e a koinonia entre os crentes, e dos
crentes com Deus. A oração de Cristo em João 17 é
especialmente sugestiva. Jesus pede que os discípulos sejam
um, como ele e o Pai são um. De maneira mais geral, ele ora
por todos os futuros cristãos: “para que todos sejam um,
Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também
estejam em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste”
(Jo 17.11, 21, NVI). A koinonia é o cumprimento dessa oração
na igreja. E uma manifestação, no espaço e no tempo, da
comunhão que existe na Santíssima Trindade. É um
compartilhamento sobrenatural entre as pessoas da
Divindade e a igreja na terra. Envolve as dimensões vertical
e horizontal. Cristo desejou que seus seguidores fossem um
A COMUNHÃO DO ESPÍRITO SANTO 99
em sua koinonia -- um com Deus, mas também uns com os
outros.
Essa koinonia é um dom do Espírito Santo. Mas então a
igreja seria impotente para criar ou nutrir essa comunhão?
Ou poderiam as estruturas da igreja proporcionar as
condições para a comunhão do Espírito Santo?
Daniel J. Fleming fez a seguinte observação em seu livro
Living as Comrades: “A criação e a preservação dessa
koinonia é obra peculiar do Espírito Santo. Mas podemos
ajudar ou impedir sua concretização pelo grau em que nos
esforçamos conscientemente por entrar em comunhão com
as pessoas ao nosso lado.”8 E isso é verdade tanto para a
igreja como para cada pessoa.
A Bíblia não diz muita coisa sobre estruturas específicas
para a igreja. O Novo Testamento não contém nenhuma
revelação do Sinai semelhante ao “modelo do tabernáculo”.
Somos livres para criar estruturas que sejam as mais
propícias à missão e às necessidades da igreja em nossa época,
desde que não nos afastemos da visão bíblica da igreja? O
próprio conceito da koinonia do Espírito Santo pode ter algo
muito significativo a dizer sobre tais estruturas.

Implicações para a Estrutura da Igreja


No Pentecostes, o Espírito Santo deu à igreja nascente, entre
outras coisas, o dom da koinonia. Essa é a única explicação
para a comunhão cristã primitiva descrita em Atos. A
criação da comunhão genuína é uma parte essencial da obra
do Espírito. Nesse sentido, a obra do Espírito Santo em cada
crente não pode ser separada do que ele está fazendo na igreja
toda - a igreja não como grande número de crentes
separados, mas precisamente como uma comunidade de fé.
O fato de não enxergarmos essa inter-relação vital entre
os aspectos individual e coletivo da operação do Espírito,
empobrece nossa compreensão tanto do cristão como da
igreja. Significa, em primeiro lugar, ver o desenvolvimento
espiritual do crente num sentido por demais individualizado,
100 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
separado, como se os cristãos crescessem melhor em
isolamento. Em segundo lugar, não vê um elemento básico
para a estrutura e ministério da igreja: A igreja provê o
contexto para o crescimento espiritual participando numa
comunhão que é, ao mesmo tempo, um dom do Espírito e o
ambiente em que o Espírito pode operar.
Dessa forma, uma conexão natural liga a comunhão do
Espírito Santo à estrutura da igreja. De fato, a natureza
dessa koinonia tem várias implicações para a forma da igreja.
Antes de mais nada, a comunhão do Espírito Santo é uma
função da igreja reunida, não da igreja em dispersão. A
implicação óbvia para a estrutura da igreja é a seguinte: A
igreja deve fazer provisão suficiente para poder se reunir a
fim de vivenciar a koinonia. Para que haja koinonia, é preciso
estar juntos em um lugar ao mesmo tempo sob a direção do
Espírito Santo. Podemos falar sobre a comunhão do Espírito
Santo apenas como uma realidade espiritual, ignorando as
limitações de espaço e tempo, mas isso não faz sentido. O
fato é que a comunhão do Espírito Santo - a koinonia
neotestamentãria na igreja - requer, como uma necessidade
absoluta, proximidade física. A igreja não experimenta a
comunhão do Espírito Santo se ela não se reúne em um
ambiente propício à operação do Espírito Santo.
Em segundo lugar, a comunhão do Espírito Santo
naturalmente é ligada à comunicação. Comunhão sem
comunicação seria uma contradição de termos. Assim, a
segunda implicação para a estrutura da igreja é esta: A igreja
deve se reunir de tal modo que permita e encoraje a
comunicação entre os membros.
Esse fato imediatamente levanta questões acerca das
estruturas mais tradicionais de adoração. Indepen­
dentemente do seu valor, o culto de adoração tradicional da
igreja não é muito propício para a comunicação entre as
pessoas, para a comunhão. Destina-se principalmente, pela
liturgia e pela arquitetura, a uma comunicação de mão única.
do púlpito para os bancos. De fato, comunicação entre duas
pessoas durante o culto é encarada como falta de educação e
A COMUNHÁO no ESPÍRITO SANTO 101
atitude estranha ao espírito de adoração. Como Alan Watts
comentou de modo cáustico: “Os participantes se sentam
em fileiras, olhando na nuca dos outros, e estão em
comunicação apenas com o dirigente.”1°
O culto tradicional da igreja em geral não é a melhor
estrutura para se vivenciar a comunhão do Espírito Santo.
Na verdade, nenhuma reunião de igreja é propícia à koinonia
se for baseada numa comunicação de mão única, de dirigente
para o grupo - não importa se é reunião de oração, classe
de escola dominical ou estudo bíblico. A koinonia brota e
floresce apenas em estruturas que permitam e encorajem a
comunicação.
E uma vez que a koinonia envolve tanto a dimensão
vertical como a horizontal, essa comunicação também
implica comunhão co`m Deus. Em outras palavras, a oração
faz parte da koinonia.
A terceira implicação para odres envolve o elemento de
liberdade. Paulo dá-nos o princípio: “Onde está o Espírito
do Senhor, aí há liberdade” (2 Co 3.17). O Espírito Santo é o
libertador. A liberdade do Espírito e a koinonia do Espírito
caminham juntos. Onde há koinonia, há também liberdade
e abertura, um ambiente que permite que se fale “a verdade
em amor” (Ef 4.l5). Verdadeira koinonia só pode ser
vivenciada onde existe a liberdade do Espírito.
A implicação para a estrutura é a seguinte: A igreja deve
providenciar estruturas suficientemente informais e íntimas
para permitir a liberdade do Espírito. Deve haver uma
sensação do inesperado ‹e do não-programado quando os
crentes se reúnem, uma excitação provocada pelo
imprevisível, uma liberdade em relação a formas e padrões
estabelecidos. Com freqüência, numa reunião informal e
relativamente pouco estruturada, há uma abertura maior à
ação de Deus e, assim, uma probabilidade maior de que a
comunhão do Espírito Santo seja experimentada.
Isso não significa, evidentemente, combater o
planejamento, a forma e a liturgia apropriados. Os crentes
precisam daqueles momentos de culto coletivo solene, em
102 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
que o Deus Santo e Altíssimo é honrado com dignidade e
reverência. Mas em meio à dignidade e reverência, muitos
crentes solitários clamam por dentro pelo toque caloroso e
terapêutico da koinonia. Os crentes precisam saber por
experiência que o Deus Altíssimo é também o Deus
Pertíssimo (Is 57.15). Se o culto tradicional não é
regularmente complementado com oportunidades informais
de koinonia, os crentes facilmente caem num deísmo prático,
e a igreja se torna o guardião sagrado de uma forma de
piedade impotente - o solene guardador de odres vazios.
Por outro lado, forma e liturgia ganham um novo significado
para os cristãos que vivem e crescem em koinonia.
Robert Raines diz essencialmente a mesma coisa em seu
livro New Life in the Church:
A igreja deve fomentar e sustentar as condições em
que a koinonia possa ser conhecida. Para a maior parte
das pessoas, isso não pode ser feito simplesmente por
meio do culto da manhã. O culto é indispensável como
reunião semanal da comunidade cristã. Mas é eficaz
somente se for o compartilhamento integral, por todas
as pessoas, da amizade em Cristo que tiverem
experimentado durante aquela semana.”
Por fim, a comunhão do Espírito Santo dá a entender uma
situação de aprendizado. Jesus disse que quando viesse o
Espírito Santo, este ensinaria aos discípulos todas as coisas
e os faria lembrar de tudo o que o Mestre lhes tivesse
ensinado (Jo 14.26). Daria testemunho de Cristo e guiaria
os crentes à nova verdade (Jo 15.26; 16.13). O Espírito Santo
veio para ensinar, para revelar a Palavra.
Uma vez que é o mesmo Espírito de Deus quem inspira as
Escrituras Sagradas e fala por meio delas (2 Tm 3.16; 1 Pe
1.21), e como essas Escrituras testiñcam de Cristo (Jo 5.39),
a koinonia do Espírito Santo naturalmente é relacionada
ao estudo da Bíblia. De fato, vemos esses dois temas ligados
um ao outro na igreja primitiva, que perseverava “na
doutrina dos apóstolos e na comunhão" (At 2.42).
A coMUNHÁo DO ESPIRITO sANTo 103
A implicação-chave aqui é esta: A estrutura da igreja deve
proporcionar o estudo da Bíblia no contexto da comunidade.
Quando os cristãos se reúnem sob a direção do Espírito
Santo com a tarefa objetiva de estudar a Bíblia, vivenciam a
koinonia com resultados que mudam vidas. São tocados pelo
Espírito e pela Palavra. Descobrem que é no ambiente da
comunidade de crentes ensinados pelo Espírito Santo que
se aprende de Cristo.
A idéia de koinonia do Espírito Santo, portanto, indica
que a igreja deve proporcionar estruturas em que ( 1) os
crentes possam se reunir para estarem juntos; (2) a
intercomunicação seja encorajada; (3) uma atmosfera
informal permita a liberdade do Espírito; e (4) o estudo direto
da Bíblia seja central.
Com certeza, grande parte dos padrões e estruturas
contemporâneas da igreja não satisfazem esses critérios.
Mas existe uma estrutura em que isso ocorre: algumas
formas de grupos pequenos. A koinonia do Espírito Santo é
vivenciada com maior probabilidade quando os cristãos se
reúnem informalmente na comunhão dos grupos pequenos.
O grupo pequeno pode satisfazer os critérios acima. Põe
os crentes juntos num ponto no tempo e no espaço. Seu
tamanho pequeno e sua intimidade permitem um alto grau
de comunhão e intercomunicação. Não requer uma
estruturação formal; pode manter a ordem sem sufocar a
informalidade e a abertura favoráveis à liberdade do
Espírito. E por fim, oferece um contexto ideal para o estudo
bíblico em profundidade.
Na cultura greco-romana do primeiro século, a koinonia
era uma parceria voluntária ou associação para apoio mútuo
e realização de tarefas. Os primeiros cristãos adaptaram
essa forma social para os propósitos do evangelho, tornando­
se a koinonia do Espírito.” Podemos aprender da experiência
e criatividade deles.
A igreja primitiva vivenciava essa koinonia do Espírito
Santo. Sabemos também que os cristãos primitivos se
reuniam em grupos pequenos nos lares. Coincidência? Ou
104 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
será que a própria idéia de koinonia do Espírito Santo não
indicaria a necessidade de algum tipo de comunhão em grupo
pequeno como estrutura básica dentro da igreja?
George Webber, ao discutir sobre grupos pequenos no livro
The Congregation in Mission, observou que “nenhum
relacionamento de amor pode se desenvolver a menos que
haja estruturas em que ele possa crescer”.“* A koinonia no
Espírito Santo cresce quando há estruturas para alimentá­
la.
CAPÍTULO 8

O POVO DE DEUS

Uma das perspectivas da igreja encara-a como o resultado


do propósito cósmico de Deus chamando e preparando um
povo especial. Isso também se relaciona com odres.
Adão e Eva deviam ser fecundos, multiplicar-se e encher
a terra, tornando-se um povo (Gn 1.28).1 Deus prometeu a
Abraão: “de ti farei uma grande nação” (Gn 12.2) - e
cumpriu. Deus escolheu os filhos de Israel e redimiu-os do
Egito, dizendo: “Tomar-vos-ei por meu povo e serei vosso
Deus” (Ex 6.7; compare Dt 7.6). Esse tema ecoa de modo
consistente através de todo o Antigo Testamento.
Ao passarmos para o Novo Testamento, aprendemos que
o povo de Deus tem o seu centro e sua base em Jesus Cristo.
A infidelidade do povo de Deus no Antigo Testamento não
frustrou o plano de Deus. Ele ainda está chamando e
preparando seu povo, não mais o Israel biológico, mas o novo
e verdadeiro Israel, a igreja.” João Batista veio “no espírito
e poder de Elias”, para exercer o ministério de “habilitar
para o Senhor um povo preparado” (Lc 1.17).
Paulo tinha profunda consciência do plano de Deus, de
preparar um povo na base da fé. Cristo “a si mesmo se deu
por nós, a fim de remir-nos de toda a iniqüidade e purificar,
para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas
obras” (Tt 2.14; compare Rm 9.25-26; 2 Co 6.16). O mesmo
fato é citado por Tiago (At 15.14), João (Ap 21.3) e o escritor
1 06 v1NHo Novo, ODRES NOVOS
de Hebreus (Hb 8.10). Pedro diz: “Vós, porém, sois raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva
de Deus vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas agora,
sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia,
mas, agora, alcançastes misericórdia" (1 Pe 2.9-10). Essa é
a “nova aliança” de que Jeremias falou, em que Deus diz:
“Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31.33).
Mas que significa precisamente, segundo a Bíblia, ser um
povo? E como deve a igreja ser estruturada de modo a
vivenciar essa realidade?

A Base Bíblica
A idéia de um povo tem ricas raízes bíblicas, em especial no
Antigo Testamento. O grego bíblico usa a palavra laos para
se referir à igreja como um povo. Essa palavra (da qual se
originou “laicato”) ocorre mais de 2.000 vezes na
Septuaginta (o Antigo Testamento grego), em geral
traduzindo a palavra hebraica 'am. Laos é a palavra
normalmente usada para designar Israel como o povo de
Deus; “serve para enfatizar a posição religiosa especial e
privilegiada desse povo como o povo de Deus.”3 No Antigo
Testamento, laos “é a sociedade nacional de Israel de acordo
com sua base religiosa e distinção. ÍY4
No Novo Testamento, laos ocorre cerca de 140 vezes. É a
palavra que Paulo e Pedro usam para descrever a igreja como
um povo, o novo Israel. Assim, no Novo Testamento “um
conceito cristão novo e figurado surge ao lado da antiga visão
biológica e histórica e o empurra para fora. ››5
Essa formação de um povo proporciona a base para a
missão da igreja na área de serviço e proclamação. Como
um povo, a igreja é em si mesma a verificação da mensagem
que ela proclama, ou então a traição dessa mensagem. Como
John Howard Yoder observa: “A obra de Deus consiste no
chamamento de um povo, seja na Antiga Aliança seja na
Nova O fato de homens e mulheres serem chamados juntos
para uma nova integridade social é em si a obra de Deus.
o POVO DE DEUS 1 0 7
que dá significado à história, e da qual derivam tanto a
conversão pessoal como os instrumentos missionários/'G
Yoder continua:
Em termos práticos, é claro que não pode haver
nenhum processo de proclamação sem uma
comunidade, distinta do resto da sociedade, que faça a
proclamação. Em termos práticos, é igualmente claro
que não pode haver nenhum chamado evangelístico
para uma nova espécie de comunhão e aprendizado, se
não houver um corpo de pessoas, também distinto de
toda a sociedade, [do qual as pessoas possam fazer
parte] Se não houver num determinado lugar pessoas
de várias características e origens que tenham sido
reunidas em Jesus Cristo, então não há naquele lugar
a nova humanidade e naquele lugar o evangelho não é
verdadeiro. Se, por outro lado, esse milagre da nova
criação tiver ocorrido, então todas as verbalizações e
interpretações pelas quais esse corpo se comunica com
o mundo ao seu redor são simplesmente explicações
de sua presençaf
A igreja se torna um povo exatamente do mesmo modo pelo
qual uma pessoa se torna um filho de Deus - pela graça,
mediante a fé em Jesus Cristo. A pessoa convertida se torna
parte de um povo transformado. E a vivência dessa realidade
sempre produz uma igreja com o dinamismo do Novo
Testamento, a menos que seja sufocada por tradições não­
bíblicas.
Biblicamente, podemos distinguir pelo menos cinco
características do povo de Deus:
1. A igreja é um povo escol/iido. A ênfase aqui está na
soberania e iniciativa de Deus. E Deus que age para escolher
e formar um povo para si. A igreja é o resultado da soberana
graça de Deus (2 Tm 1.9). Ela existe porque Deus agiu
graciosamente na história.
O fato de Deus ter escolhido um povo para si implica uma
distinção entre aqueles que são escolhidos e os que não são.
Se Deus escolheu um povo, então esse povo realmente existe
108 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
como um povo, que de algum modo pode ser identificado e
distinguido do mundo. Não se trata de um povo anônimo.
2. A igreja é um povo peregrino. Temos aqui um tema
dificil, mas biblicamente necessário. Dif`ícil porque pode ser
entendido de maneira errada e levar ao afastamento
teológico e prático do mundo. Mas necessário porque sem
essa ênfase a igreja escorrega para a pior espécie de
mundanismo.
Adão e Eva não foram criados para serem peregrinos. Deus
lhes fez um lar que devia ter sido permanente: “E plantou o
SENHOR Deus um jardim no Eden, da banda do Oriente, e pôs
nele o homem que havia formado” (Gn 2.8). Adão e Eva se
sentiam em casa no mundo e em harmonia com seu ambiente
- em termos morais, físicos e psicológicos. Essa era a
ecologia original da criação de Deus.
Mas quando entrou o pecado, Adão e Eva se tornaram
nômades. Nossos primeiros pais foram expulsos do jardim.
Após seu pecado de assassinato, Caim foi condenado a ser
“fugitivo e errante pela terra” (Gn 4.12). Mas que aconteceu?
“Retirou-se Caim da presença do SENHOR e edificou uma
cidade” (Gn 4.16-17). O mundo caiu sob o domínio do mal, e
a humanidade tentou construir um Eden substituto nesse
mundo contaminado?
Dessa forma, daí para frente a história da redenção é a
história dos atos de Deus chamando um povo para si. Esse
povo é chamado para ser peregrino, viver em tensão ativa
com o mundo, “procurando a cidade não feita por mãos
humanas”, sabendo que virá a hora da reconciliação final, o
fim da peregrinação.
A igreja é um povo peregrino, de “estrangeiros
residentes”.9 Isso não significa que ela seja completamente
divorciada do seu contexto cultural ou que não tenha
nenhuma responsabilidade por ele. É exatamente o contrário.
A missão da igreja ainda é reconciliação. Significa, porém,
uma tensão moral fundamental entre a igreja e a sociedade
humana. O aspecto da peregrinação é conseqüência da
alienação produzida pelo pecado. Lembra-nos da alienação
O POVO DE DEUS 109
entre os homens e o seu mundo. Mais do que isso, é um pré­
requisito para a verdadeira reconciliação.
3. A igreja é um povo da aliança. A relação entre Deus e
seu povo é específica e tem bases morais e éticas. É
fundamentada na aliança, o que significa que a igreja
constantemente enfrenta o desafio da fidelidade ou
infidelidade às provisões do pacto.
Um dos principais significados da aliança é que ela coloca
o povo de Deus na história real. A aliança implica um evento
pactual em que o contrato entre Deus e a humanidade é
estabelecido de maneira concreta no tempo e no espaço. Os
hebreus tinham profunda consciência disso. Dessa forma,
temos o fato histórico da outorga da lei no Antigo
Testamento e o estabelecimento da Nova Aliança no evento
histórico da última ceia, e na morte e ressurreição de Jesus
Cristo. O pacto é estabelecido em acontecimentos históricos
que podem ser registrados, comemorados e estudados.
Esses eventos históricos têm sido registrados para nós
nas Escrituras; por isso, a Bíblia é o Livro da Aliança da
igreja. O povo de Deus é um povo “da Palavra”. A Bíblia é
normativa para a vida da igreja não por causa de alguma
doutrina particular de inspiração, mas precisamente porque
ela é o Livro da Aliança.”
4. A igreja é um povo de testemunhas. Sua tarefa é apontar
para o que aconteceu no passado, o que está ocorrendo no
presente e que constitui verdadeiramente ação de Deus. A
igreja deve ser capaz de dizer: “Isso é Aquilo”, ensina Jess
Moody. Deve ter algo miraculoso para mostrar. Se nosso
sucesso for tão somente “aquilo que pode ser explicado em
termos de organização e administração - isto é, algo que o
mundo poderia fazer com o mesmo investimento de esforço
e técnica, um dia o mundo irá nos repudiar
definitivamente.”“
A igreja deve dar testemunho acerca dos atos pessoais de
Deus através da história - e, como o livro de Atos deixa
claro, principalmente da ressurreição de Jesus Cristo (por
exemplo, At 2.32; 3.l5; 4.33). Deve também ser capaz de
110 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
apontar para milagres contemporâneos de conversão
pessoal, comunhão genuína e vida de serviço que criam um
ambiente de credibilidade para os milagres dos tempos
antigos. Como Yoder enfatiza:
A novidade política que Deus traz ao mundo é uma
comunidade dos que servem em vez de dominar, que
sofrem em vez de infligir sofrimentos, cuja comunhão
transpöe fronteiras sociais em vez de reforçá-las. Essa
nova comunidade cristã não é apenas um veículo ou
fruto do evangelho; são as próprias boas novas.”
Mas esse testemunho não é meramente passivo. Deus deu à
igreja um “ministério de reconciliação”, para que “pela
igreja” pudesse efetuar a reconciliação de “todas as coisas,
tanto as do céu como as da terra” (2 Co 5.18; Ef 3.10; 1.10;
Cl 1.2O). Isso dá aos cristãos um mandato para trabalhar
em vários ministérios de reconciliação, efetuando aquelas
“boas obras, as quais Deus de antemão preparou” com vistas
ao cumprimento de seu plano de reconciliação (Ef 2.1O).
5. Por fim, a igreja é um povo santo. A Bíblia exige
santidade de modo insistente: “Sede santos, porque eu sou
santo” (Veja, por exemplo, Lv 11.44-45; 19.2; 20.7; 1 Pe 1.15­
16.) Paulo diz que Cristo santifica a igreja para que ela possa
ser “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém
santa e sem defeito” (Ef 5.27).
Essa santidade é uma co-participação na natureza divina
(2 Pe 1.4). É o fruto do Espírito que habita e age, não só
dentro de cada crente, mas também dentro da comunidade
redimida. É um aspecto da comunhão do Espírito Santo. A
personalidade humana e a comunidade cristã foram feitas
para serem saturadas do Espírito de Deus, e só quando isso
ocorre é que desenvolvem todo o seu potencial.

Implicações para a Estrutura da Igreja


Teologicamente, a igreja é o povo especial de Deus, mas na
realidade muitas vezes ela não consegue viver de modo digno
dessa nobre vocação. Sejam quais forem as chamadas
O POVO DE DEUS I II
explicações espirituais para essa lacuna, ela deve ser
encarada também como um problema de eclesiologia, e em
especial de estrutura da igreja. Que pode fazer a igreja para
encarnar essa realidade, demonstrá-la de modo visível?
Parece que há quatro implicações chave:
Em primeiro lugar, cada crente precisa se sentir parte de
uma unidade orgânica maior do povo de Deus. Isso signiñca
que a igreja deve se reunir de um modo que encoraje e
expresse sua condição de povo. Não faz sentido falar que é
povo se na prática nossas estruturas impedem a experiência
dessa realidade.
Aqui mais uma vez precisamos nos lembrar dos obstáculos
temporais que os crentes enfrentam nesta vida - obstáculos
que impedem que seja alcançada a consciência de que somos
um povo. Há místicos, é claro, que gostam de viver em
isolamento e conseguem sentir, de maneira mística, sua
união com outros cristãos. Mas a experiência deles está
longe da realidade da maioria de nós, tampouco é a ideal. Os
cristãos normais precisam de estruturas de igreja que guiem
a uma consciência de que pertencem ao povo.
Mas que tipos de estruturas constroem essa espécie de
consciência de povo? Obviamente, estruturas que de fato
levem o povo de Deus a estar junto num ponto específico no
tempo e no espaço. E isso sugere uma segunda diretriz para
a estrutura da igreja: A igreja deve reunir-se regularmente
como uma grande congregação. Ela precisa se reunir
efetivamente como um povo.
Essa é uma razão pela qual os grupos pequenos de
comunhão, embora essenciais, não são suñcientes por si
mesmos para sustentar a vida da igreja. Cada célula do Corpo
de Cristo precisa ver e sentir sua unidade com o corpo maior.
Sem dúvida, não é fisicamente possível levar todo o Corpo
de Cristo a se reunir ao mesmo tempo num lugar. Limitações
fisicas requerem estruturas intermediárias - associações,
denominações ou movimentos - que representem um
grande corte transversal do povo de Deus, em que a
1 [2 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
homogeneidade não é social nem política nem econômica,
mas espiritual.
Fui convencido da necessidade dessas estruturas de
grupos grandes quando morava no Brasil. Na cidade de São
Paulo, o inflamado evangelista pentecostal Manoel de Mello
estava construindo o que se dizia ser o maior santuário do
mundo. Numa parte desse templo que foi levantada primeiro,
milhares de seus seguidores do movimento “Brasil para
Cristo” reuniam-se todo sábado à noite. Apinhados nos
ônibus de linha, quem sabe cantando enquanto se
locomoviam, convergiam para o centro deles. Vinham de
todas as partes da cidade e de áreas mais distantes, prontos
para compartilhar a alegria e a excitação de um grande
ajuntamento de crentes. Juntos oravam, cantavam, davam
testemunhos e ouviam'o seu líder. Mais tarde se espalhavam
em centenas de congregações ao redor da cidade, muitas
delas pequenas e lutando contra dificuldades. Mas não se
desanimavam: sabiam que eram parte de um povo, um
movimento! Algo estava acontecendo, algo grande, algo com
dimensões dignas de Deus. Viam e sentiam isso.
Alguns podem escarnecer, falando em “catarse emocional”
e “psicologia de massa”. Com certeza existem perigos de
extremos e falsificações. Mas devemos reconhecer que,
enquanto estivermos presos ao espaço e tempo, nossa
natureza humana continuará dependendo essencialmente de
estruturas. E náo se pode negar o valor prático dessa
identiñcaçáo de uma pessoa com sua igreja vista como um
povo.
De fato, muitos movimentos religiosos novos têm sentido
instintivamente, em seu início, a necessidade de alguma
forma de ajuntamento regular de grandes grupos ­
concentrações, campanhas evangelísticas, congressos ou seja
o que for. Muitas vezes cultos de pregação para massas, tais
como no metodismo primitivo, cumpriram essa função.
Muitas das grandes igrejas da Coréia, tais como a Igreja do
Evangelho Pleno de Yoido e Igreja Metodista de Kwanglim,
têm uma consciência viva desse sentimento de ser um povo.
o POVO DE DEUS 113
Existem, porém, diferentes modelos. Uma variedade de
formas é possível. O essencial é reunir um grande grupo de
crentes de modo regular e freqüente - reuniões periódicas
de congregações menores e células num grande ajuntamento.
Além disso, seguindo em parte 0 exemplo do Antigo
Testamento, podemos enfatizar a necessidade de experiências
de aliança. Tanto os hebreus como os cristãos primitivos
tinham consciência de ser um povo porque alguma coisa
havia acontecido. Deus tinha agido na história para escolher
e formar um povo. No Antigo Testamento, esses atos de Deus
eram periodicamente recordados mediante festivais e
celebrações especiais. Tais comemorações eram experiências
de aliança, ocasiões para recordação e renovação do pacto
entre Deus e seu povo. E isso sugere a terceira implicação
para a estrutura da igreja: A igreja precisa de festivais
periódicos que tenham um significado pactual.
Não estou falando de celebrações superficiais que imitam
os modelos do mundo. Antes, refiro-me a comemorações que
brotam da alegria genuína e emoção de compartilhar
coletivamente os benefícios dos atos de Deus e celebram esses
eventos. Era assim com todos os festivais religiosos do
Antigo Testamento. A igreja precisa de comemorações
análogas ao Dia da Expiação e à Festa dos Tabernáculos,
não análogas a grandes concentrações, reveillon ou final de
campeonato!
É interessante lembrar que muitos protestantes
americanos costumavam guardar esse tipo de festival - os
camp meetings, realizados em tendas ou ao ar livre e que
duravam vários dias. Nos melhores encontros, denomi­
nacionais ou não, a consciência de que pertenciam a um
mesmo povo e deviam cumprir as responsabilidades da
aliança era reavivada periodicamente de maneira poderosa.
Milhares afluíam a essas reuniões durante grande parte do
século XIX.”
Mas esses encontros desapareceram gradualmente nas
brumas da história do cotidiano americano ou cederam lugar
a acampamentos de famílias, e nenhum substituto adequado
I 14 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
apareceu até agora. As cruzadas de Billy Graham, as grandes
convenções do Vineyard e de outros movimentos, e mais
recentemente as conferências regionais das igrejas em
células, têm despertado vez por outra algum sentimento de
que se pertence a um povo, mas apenas de maneira
esporádica, pois seu propósito principal é outro.
Qualquer que seja a forma dessas experiências pactuais,
devem cumprir pelo menos quatro funções principais:
1. Celebração dos atos de Deus: Relembrando com alegria
e louvor os atos de Deus na história bíblica, em Jesus Cristo
(em especial a encarnação, ressurreição e Pentecostes) e na
história daquele subgrupo particular do povo de Deus.
Alguns salmos recontam em seqüência bíblica os atos de
Deus em relação ao seu povo. Esses salmos provavelmente
eram usados nas grandes assembléias reunidas para culto.
Por que a igreja hoje não deveria manter “celebrações
pactuais” periódicas, retomando onde os salmos pararam e
recontando as intervenções de Deus através da história da
igreja? Com certeza os atos de Deus podem ser reconhecidos
em vários movimentos e pessoas, e isso pode ser
legitimamente celebrado, para dar glórias a Deus.”
2. Renovação da aliança: Relembrando os termos da
aliança de Deus conosco, tanto a parte de Deus como a nossa.
Envolverá necessariamente arrependimento, confissão e
nova dedicação a Deus, além de uma consciência renovada
de fidelidade à Bíblia como a Palavra escrita e Livro da
Aliança.
3. Avaliação e definição. Avaliação: Temos sido fiéis à
aliança? Onde temos falhado? Que mudanças devem ser
feitas? Temos abandonado a perspectiva bíblica, seja
acondicionando nossa fé em tradições não-bíblicas, seja
fazendo mudanças que são igualmente não-bíblicas? E
definição: Que significa, hoje, ser o povo de Deus? Qual é a
nossa relação com a cultura não-cristã? Quais são os limites
de nosso engajamento com o mundo?
4. Renovação de uma visão para 0 futuro. Onde não há
visão, o povo perece. Precisamos pensar acerca do futuro a
o POV() DE DEUS 115
partir do ponto de vista histórico e bíblico. Precisamos captar
uma visão das futuras possibilidades, lembrando que
servimos a um Deus que ainda promete fazer uma coisa nova.
Comemorações pactuais são apropriadas para contínua
definição de uma escatologia bíblica.
Tudo o que foi dito até agora nos conduz à última
implicação do conceito do povo de Deus para a estrutura da
igreja. Como vimos, não é sem motivo ou por acidente que o
povo de Deus existe. A base de existência da igreja como um
povo é de suma importância. Portanto, a base de existência
da igreja como um povo deve estar sempre no centro da
própria estruturação da igreja.
Qual é essa base do povo de Deus? Não é outra coisa senão
a Palavra de Deus - o Deus que se relaciona conosco, Jesus
Cristo como uma pessoa viva e ativa, e a Bíblia como a
verdade historicamente condicionada mas revelada de uma
vez por todas (Hb 4.12-13). A igreja se constitui povo de Deus
pela Palavra de Deus.
Aqui, talvez , seja o ponto em que as estruturas de grupo
grande e as de grupo pequeno se ajustam. O grupo pequeno
é um excelente ambiente para estudo bfi›lico e labor teológico
genuíno, empreendido por todo o Corpo de Cristo e não só
por teólogos profissionais. Aqui precisa ser trabalhado o
significado bíblico real do fato de ser povo de Deus hoje.
Para alguns, é uma ofensa falar na igreja como um povo
distinto. Para os que desejam enfatizar a solidariedade de
toda a raça humana diante da injustiça e outros males
sociais, qualquer insinuação de que a igreja é ou deve ser
um povo distinto soa escandalosa. Mas permanece o fato de
que a Bíblia usa essa linguagem. Além disso, a igreja como
uma comunidade distinta é uma necessidade prática, como
salientamos. A verdade não existe independentemente de
pessoas, e pessoas não existem independentemente de
estruturas de vida em comum.
Mas como se deñne quem faz e quem não faz parte do povo
de Deus? Quais são os critérios para identificação? Várias
respostas podem ser dadas, mas pelo menos isto é claro: As
I 16 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
estruturas aqui sugeridas, que aumentam e modelam a
consciência da igreja de que ela é o povo de Deus, tendem
naturalmente a reunir crentes genuínos e repelir aqueles
que não estejam sinceramente interessados nas coisas do
Espírito.
Quando a estrutura da igreja é funcional, e quando os
odres, em vez de apagar o Espírito, permitem e estimulam o
sentimento de que é povo de Deus, podemos ter esperanças
de uma fidelidade cristã mais profunda e de uma vida nova
na igreja.
CAPÍTULO 9

A ME TE DE CRISTO

Vivemos num mundo cada vez mais hostil a tudo o que seja
verdadeiramente humano. Ouvimos falar muito em
consciência expandida, treino de sensibilidade, novas formas
de comunidade e coisas semelhantes, mas forças
fundamentais estão se movendo para minar a singularidade
do ser humano. Quando nos despojamos do jargão, muitas
vezes encontramos uma convicção não expressa de que,
fundamentalmente, o homem nada mais é do que uma
máquina ou um complexo químico. A mente humana é
meramente uma “máquina digital modificada de baixa
velocidade, com múltiplos processamentos paralelos
distintos, trabalhando em água salgada.”
Mas a igreja deve conhecer a mente de Cristo, a imagem
renovada de Deus. Numa era high-tech, isso é revolucionário.
“Nós, porém, temos a mente de Cristo”, diz Paulo em 1
Coríntios 2.16. E também: “Tende em vós o mesmo
sentimento [em inglês, “mesma mente”] que houve também
em Cristo Jesus” (Fp 2.5). Essas declarações revelam duas
coisas: O caráter de Jesus Cristo é o padrão para a igreja; e
existe um aspecto peculiar do caráter de Cristo - aquilo
que Paulo chama de “mente” - que a comunidade do povo
de Deus deve experimentar.
118 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
É esse aspecto especial do caráter de Cristo que está mais
ameaçado na sociedade contemporânea sem Deus. Mas aqui
também encontramos material para novos odres.

A Singularidade da Mente de Cristo


A palavra característica do Novo Testamento para “mente”
é nous. Essa palavra grega aparece vinte e quatro vezes,
vinte e uma delas nos escritos de Paulo. “Mente” no Novo
Testamento, porém, não tem o sentido técnico que a palavra
adquiriu na filosofia grega. O uso neotestamentário é mais
próximo da idéia de “coração” no Antigo Testamento.”
Sem entrar num estudo técnico de nous e palavras
correlatas, podemos dizer que quando o Novo Testamento
fala em mente, está se referindo à totalidade da pessoa
humana, como um ser racional, moral e espiritual. Somos
confrontados aqui com a singularidade da personalidade
humana - a imagem de Deus. Conhecemos a pessoalidade.
Isso mostra a relação entre afirmações como “nós temos a
mente de Cristo” e declarações como “aos que de antemão
conheceu, também os predestinou para serem conformes à
imagem de seu Filho” (Rm 8.29). Os cristãos, restaurados
na conversão ao relacionamento com Deus mediante Cristo,
podem ter a mente de Cristo porque foram criados à imagem
de Deus.
A imagem de Deus faz dos homens seres singulares em
um mundo de coisas, animais e máquinas. Jesus Cristo, “a
imagem do Deus invisível” (Cl 1.15), veio para vencer o
pecado e restaurar essa imagem. Ele expiou o pecado e fundou
a igreja. E a vontade expressa de Deus para a igreja é que
“todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento
do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da
estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13). Isso significa
encarnar a mente de Cristo na igreja de Deus.
Mas que é a imagem de Deus em nós? Em que consiste a
singularidade da mente de Cristo? Essencialmente, é a
liberdade para responder a Deus, para entrar em comunhão
A MENTE DE CRISTO 119
amorosa com ele e, dessa forma, com outras pessoas. Essa
singularidade será entendida de maneira ligeiramente
diferente em diferentes épocas e culturas. No contexto atual
da sociedade high-tech, ela significa em especial cinco coisas
7

cinco elementos-chave da mente de Cristo na igreja de hoje


- elementos que foram claramente demonstrados na
personalidade e caráter de Jesus Cristo e sào, dessa forma,
significativos para a igreja, o seu Corpo.
1. Espontaneidade. Espontaneidade é básica à
personalidade. A arte, o amor e o teatro pressupõem a
liberdade para que possam ser espontâneos - para fazer o
não necessário, o não planejado, o não exigido.
Espontaneidade é a imprevisibilidade de Jesus, que nunca
se encaixou nos moldes de ninguém. Espontaneidade é o
criativo no homem e na mulher, a capacidade e o impulso
para agir livremente. Como Mildred Winkoop observa, “o
próprio fato da diferença e imprevisibilidade” dá aos seres
humanos um valor singular.”
Espontaneidade, entretanto, é a morte da técnica.
Espontaneidade é um fora-da-lei no mundo da
tecnologia - ela é muito perigosa. O pior pecado de
uma máquina ou de um computador é ser imprevisível.
Previsibilidade é compreensível quando estamos lidando
com máquinas. Mas hoje, a complexidade da sociedade
moderna requer o crescente uso de máquinas para regular e
monitorar o comportamento humano. E isso é acompanhado
pelo aumento de meios efetivos para controlar a sociedade
mediante a tecnologia do comportamento humano. Os
futurologistas Kahn e Wiener escreveram:
A moderna sociedade industrial é altamente
diferenciada e, por issc mesmo, requer grande
integração para poder funcionar
A maior riqueza e a tecnologia aperfeiçoada nos
proporcionam uma gama bem mais ampla de
alternativas; mas, assim que uma dessas alternativas
é escolhida, tornam-se indispensáveis regulamentos e
imposição de ordem. Desta maneira, com aumento
120 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
geométrico na complexidade e na organização da vida
moderna, outros aumentos, [ainda que não direta­
mente proporcionais,] no escopo e na complexidade dos
controles humanos e organizacionais, se fazem
necessários. Não é preciso que se presuma o triunfo
da mentalidade policial para se prever isso. Toda
restrição terá a sua explicação válida e atraente, que
poderá até ser libertáriafi
Em outras palavras, quanto mais complicada se torna a
sociedade, mais as pessoas devem ser reguladas. As placas
de “Proibido Estacionar” eram desnecessárias quando não
havia carros, e não era preciso controlar a poluição antes
da Revolução Industrial.
Na sociedade tecnológica, a espontaneidade pode se
tornar a verdadeira prova da liberdade - espontaneidade,
não no sentido de uma “liberdade” para se voltar para dentro
num irracionalismo auto-indulgente (que não é liberdade
real e não produz ação eficaz no mundo), mas a liberdade
para criar, agir, amar de maneiras que produzam e mudem
relacionamentos humanos e estruturas sociais. Essa
espontaneidade, singular à personalidade humana e
proporcionada pelo Espírito Santo, está sendo ameaçada pela
sociedade tecnológica.
2. Individualidade. Cada ser humano é uma pessoa
singular. Todas as pessoas têm valor porque foram criadas
e amadas por Deus. Portanto alguma coisa inquantificável
é encontrada nos homens. Os seres humanos podem ser
contados, mas só quando se ignora aquilo que é mais
singularmente humano.
Como as pessoas são criadas à imagem de Deus, elas têm
valor pelo que são, independentemente do que consigam
fazer. Se os seres humanos não compartilham com Deus de
sua infinitude singular, certamente compartilham a
dimensão de sua personalidade - para tomar emprestado
um pensamento de Francis Schaefferfi
A sociedade tecnológica, é claro, não está muito
interessada no que é singular em cada pessoa, mas sim
A MENTE DE cmsro 121
naquilo que elas têm em comum - o que pode ser contado,
padronizado, computado, manipulado. A crescente
sofisticação das técnicas que estudam o comportamento
alarga cada vez mais a faixa do quantificável. As sociedades
tecnológicas avançadas já estão muito além da mera
quantificação de renda, educação, emprego, residência,
crédito disponível e outros, e passando a avaliar crenças
religiosas, preferências políticas, saúde mental e tipos de
personalidade. Alguns chegam a estabelecer índices de
qualidade de vida.”
Alvin Toffler argumenta que a tecnologia avançada tende
mais à diversificação do que à padronização.” Isso bem pode
vir a ser o resultado da tecnologia, mas tal diversificação
não é sem problemas. A tecnologia vem aos poucos
alcançando tal nível de sofisticação que é capaz de subdividir
as pessoas de acordo com critérios cada vez mais restritivos,
com o fim de atingir um resultado específico. Nos Estados
Unidos, o resultado tem sido “o 'nicliamento' da América”
(a divisão da América em nichos).8 E superficial, portanto,
afirmar que a diversidade tecnológica implica maior
liberdade, como Toffler parece fazer. Pelo contrário, a
diversificação facilita a manipulação. Na verdade, esse é o
objetivo, embora isso raramente seja afirmado abertamente.
Toda manipulação é uma ameaça à real personalidade ­
e, portanto, à verdadeira espiritualidade. Na igreja, a
manipulação produz uma religião sintética na qual a
“experiência” religiosa é induzida e mantida por meio da
tecnologia. O crente se torna objeto, não sujeito; uma “coisa”,
não um “eu”. Precisamos hoje de um medo saudável de
qualquer tendência de reduzir 1 evangelização e a experiência
religiosa a mera tecnologia. i.
J á que Jesus Cristo morreu pelos indivíduos, não somente
pela “humanidade”, e já que ele viu valor em cada pessoa e
tratou a cada uma como tal, a igreja cristã jamais deve perder
a ênfase bíblica na individualidade. Diante da quantificação
da sociedade e da manipulação das pessoas, os cristãos
[22 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
precisam apregoar que a individualidade é um dom de Deus
e parte essencial da mente de Cristo.
3. Consciência moral. Mesmo sem a luz da Bíblia, as
pessoas distinguem entre o certo e o errado, o bem e o mal.”
Essa consciência moral é uma dimensão da imagem de Deus.
Através das Escrituras, entendemos que o problema
fundamental não é, entretanto, de certo ou errado, nem
questão de moralidade e códigos morais. Essencialmente,
nossa consciência moral é nossa convicção de que somos
seres responsáveis diante do Deus Criador. Deus existe e cria;
portanto cada pessoa, criada à imagem divina, é responsável
(e responsiva) diante dele. Nesse relacionamento de
responsabilidade encontramos o significado da vida.
Mas que acontece com a moralidade em um mundo high­
tech? Duas coisas. Em primeiro lugar, a consciência moral
ê embotada mediante o eclipse do significado último. A
industrialização e .a urbanização estraçalham as
cosmovisões tradicionais juntamente com os seus valores e
criam uma sociedade solta, sem fundamentos. Segue-se uma
onda geral de “imoralidade” e “destruição dos padrões
morais”. Quando isso ocorre em uma sociedade fortemente
influenciada pela fé cristã, o resultado é uma rejeição
generalizada da moralidade cristã e o tipo de degeneração
moral agora evidente nos Estados Unidos e na Europa
Ocidental.
As pessoas, no entanto, não podem viver muito tempo em
um vácuo moral. Elas precisam de uma moralidade. E a
tecnologia expande-se para preencher esse vácuo, pois ela
tem sua própria moralidade. Essa é a segunda coisa que
acontece à moralidade num mundo high-tech. A tecnologia
está relacionada com os meios, não essencialmente com os
fins. O que é tecnologicamente viável (os meios) é bom em si
mesmo, e a questão dos fins se torna supérflua. Embora
algumas vozes questionem a identificação da tecnologia com
o progresso, a marcha da própria tecnologia é capaz, a longo
prazo, de fazer calar esses protestos. O progresso tecnológico
é bom em si mesmo (melhores carros e TVs, melhores
A MENTE DE CRISTO 123
detergentes e removedores, mais exploração espacial). E
mesmo quando se percebe que as técnicas não são
necessariamente boas, descobrimos que elas são essenciais
para a sobrevivência (controles contra a poluição, a pílula,
novas técnicas de vigilância, melhores bombas, bancos com
informações computadorizadas e assim por diante). E como
pode alguém questionar uma coisa essencial para a
sobrevivência?
Dessa forma, a tecnologia produz seus próprios valores
morais -- o que Jacques Ellul chama de “moralidade
tecnológica”. Essa nova moralidade, diz Ellul, “tende a levar
o comportamento humano a harmonizar-se com o mundo
tecnológico, estabelecer uma nova escala de valores em
'termos de tecnologia e criar novas virtudes.”1° A própria
tecnologia fornecerá os meios para instilar tal moralidade
e ganhar adeptos para ela. Pois, segundo Ellul:
as técnicas da psicologia serão capazes de chegar
até o fundo do coração, personalizar as razões objetivas
para o comportamento e, mediante procedimentos
técnicos, obter lealdade e boa vontade, alegria mesmo
no cumprimento do “dever”, o qual, como todas as
outras coisas, deixa de ser doloroso e cansativo no
confortável mundo de técnicas."
B. F. Skinner apontou o caminho para essa moralidade
induzida vinte e cinco anos atrás. Ele argumentou que a
moralidade, afinal, nada mais é do que “um problema no
comportamento humano”. Como as pessoas se sentem
moralmente, portanto, “é uma questão para a qual a ciência
do comportamento deve ter uma resposta”.12 A tecnologia
comportamental irá, qua ndo solicitada, gerar uma
moralidade que venha ao enc-)ntro'das necessidades sociais.
Tal moralidade tecnológica é totalmente oposta à fé cristã,
não porque o comportamento específico induzido seria
“imoral” - ele pode, na realidade, ser altamente
recomendável- mas porque ela é uma moralidade de meios,
não de fins; de necessidade tecnológica, não de
relacionamentos pessoais com Deus e os outros. Trata-se
1241 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
de uma moralidade no nível das coisas e dos seres não­
conscientes, não no alto nível de pessoas conscientes. O
comportamento social das formigas pode ser perfeitamente
decoroso, mas pela razão acima, não é um modelo adequado
para a moralidade humana.
A igreja, contudo, é chamada para aprofundar nossa
capacidade moral e dar-lhe significado por meio de
relacionamentos centralizados em Cristo, tanto horizontais
como verticais. Essa é uma parte essencial do significado
do discipulado. A igreja corre o risco de cair num insidioso
mundanismo nesse ponto. Não obstante todos os seus
interesses professos em pessoas, muitas vezes a igreja
institucional se trai pela sua maneira de lidar com as pessoas
na prática. Nossa consciência moral - que nos foi dada
como um capacitador de relacionamentos verdadeiros,
amorosos e santos - pode muito facilmente ser manipulada
por técnicas “espirituais” que visam manter as pessoas na
linha. Mandar uma criança pequena ficar quieta na igreja
porque ali é a casa de Deus, além de ser uma teologia ruim,
pode ser simplesmente uma técnica para induzir um
comportamento desejado. Esse é apenas um pequeno exemplo
do que muitas vezes acontece numa escala muito maior.
4. Autoconsciência. Os seres humanos, como observou
Francis Schaeffer, são singulares porque “de modo muito
real [eles vivem] dentro de sua própria cabeça”.1° Os salmos
repetidamente falam dessa vida interior - aquela vida que
só a pessoa conhece e cujas profundezas vão mais fundo que
nossa própria consciência, sendo conhecidas somente por
Deus. Isso reflete a imagem de Deus e é essencial para a
formação da mente de Cristo em nós.
Muitas coisas no mundo ou desenvolvem, ou distorcem
ou enfraquecem a autoconsciência. A maior parte do que
vem pela televisão e filmes realmente tem um efeito
amortecedor, como o álcool e muitos tipos de drogas. Muitas
formas de misticismo não-cristão tendem à mesma direção:
a absorção da autoconsciência individual num Todo
transpessoal, universal. No livro 1984, de George Orwell, o
A MENTE DE cmsro 125
desenvolvimento da Novilíngua tinha como propósito real
limitar a consciência e eliminar a escolha, rebaixando dessa
maneira o comportamento do nível racional para o nível de
instintos: “Ortodoxia é inconsciência.”“
Num mundo que tende a diminuir nossa autoconsciência
ou tratá-la como uma mera peculiaridade evolucionária
legitimamente sujeita à engenharia comportamental, a igreja
de Jesus Cristo não pode nunca se esquecer de que a
autoconsciência é um dom de Deus. Portanto, a
autoconsciência deve ser afirmada, não como uma
preocupação consigo mesmo ou como base para uma
introspecção espiritual mórbida, mas como o fundamento
indispensável para a comunicação, para o amor, para os atos
de vontade e, portanto, para o culto. A autoconsciência é
essencial para a verdadeira liberdade.
5. Vontade. A Bíblia fala constantemente da vontade de
Deus. Jesus disse: “Porque eu desci do céu não para fazer a
minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me
enviou” (Jo 6.38). A vontade é parte da imagem de Deus e da
mente de Cristo.
Grande parte da psicologia contemporânea (bem como
algumas teologias, se examinarmos suas pressuposições)
nega a possibilidade de volição verdadeira. As pessoas
comportam-se de certas maneiras, mas acreditar que esse
comportamento brota de uma escolha consciente é uma
ilusão. Comece com uma pressu posição purarnente empírica,
e essa é a única conclusão a que você pode chegar pela lógica.
Vontade, propósito, intenção - todos estão além do escopo
da investigação científica e, portanto, são considerados
antecipadamente como não ser do reais.
Em contraste, o cristão começa' com o fato da Palavra
revelada de Deus. Os cristãos bíblicos assumem um Deus
pessoal, volitivo e consciente, em lugar da visão embaçada
de uma pressuposição empírica. A fé cristã é impensável sem
o fato da vontade de Deus - e por derivação, da vontade do
homem e da mulher.
126 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
A mente de Cristo não transforma 0 cristão num robô
controlado pelo Espírito. Nosso alvo não é ser “controlado”
pelo Espírito. Antes, mediante a presença do Espírito, os
cristãos são capacitados a exercer livremente sua vontade
para fazer a vontade de Deus. Em nenhum lugar as
Escrituras dizem que devemos ser controlados pelo Espírito;
antes somos guiados pelo Espírito, manifestando o fruto do
domínio próprio (Gl 5.22).15 De todas as pessoas, os cristãos
devem ser as mais “voluntariosas”, mas com sua vontade
submissa a Deus, como criaturas diante do Criador.
A igreja deve dar a devida ênfase nesse fato da vontade,
especialmente numa época em que a sociedade ou manipula
ou desaloja a vontade humana. Na era da informática, ou
encontramos nosso leque de escolhas significativas cada vez
mais limitado ou nos confrontamos com a superescolha, uma
vertiginosa explosão de opções que tende a nos entorpecer.1°
Podemos escolher, por exemplo, entre dezenas de opções
insignificantes de um carro - cores, estilos, acessórios,
potência e assim por diante - mas até o momento não
podemos optar entre um motor elétrico e a gasolina, uma
escolha muito mais significativa.
Igualmente importante é toda a área de publicidade e
propaganda. John Kenneth Galbraith escreveu sobre o
“crescimento maciço no aparato de persuasão e incitação
associado à venda de bens”. A pessoa comum (mais
conhecida como “consumidor”) é o alvo de propaganda
incessante sobre como usar seu dinheiro. “Em nenhum outro
assunto, religioso, político ou moral, [alguém] é instruído
de maneira tão elaborada”, observou Galbraith.”
Mas a política não está muito atrás da indústria. As
últimas campanhas presidenciais americanas testemu­
nharam esforços de propaganda sem precedentes em
extensão, gastos e sofisticação. Os computadores identificam
os setores do eleitorado mais abertos à persuasão e assim
esforços ou investimentos não serão desperdiçados em
grupos não responsivos. Técnicas similares serão repetidas
no futuro com eficácia e sutileza cada vez maiores.
A MENTE DE CRISTO 127
Essa vasta rede de persuasão, envolvendo a indústria, o
governo e talvez até a religião, é uma das características da
sociedade high-tech. Há uma tendência para limitação e
manipulação das escolhas significativas.
Que significa isso para os cristãos? A igreja enfrenta uma
tarefa cada vez mais dificil ao procurar imitar a mente de
Cristo. Ela será tentada a confiar em técnicas seculares de
propaganda para conquistar convertidos e produzir
comportamento “cristão” em vez de tomar a estrada mais
dificil e mais profunda do verdadeiro crescimento para a
maturidade espiritual mediante a recuperação do significado
bíblico de igreja.

Implicações para a Estrutura da Igreja


Que significa tudo isso para os odres? Como a igreja deve
ser estruturada para que seus membros possam resistir às
pressões da sociedade? Como podemos ter a mente de Cristo?
A igreja deve ser estruturada de forma a afirmar a
singularidade e o valor da personalidade humana. Deve
insistir em que o que é verdadeiro acerca de cada pessoa é
verdadeiro também acerca da igreja: ela tem valor porque é
obra de Deus. Muitos hoje reduziriam a igreja a uma técnica,
um meio para um fim, dizendo que a igreja existe não para
si mesma, mas para servir. Issa é verdade, mas apenas uma
meia-verdade. A igreja é o Corpo de Cristo. Se Cristo morreu
pela igreja e a ama, então a igreja tem um valor singular.
Independentemente do que ela faz no mundo, a igreja tem
valor e significado porque Deus a criou. Essa é uma outra
forma de dizer, afinal, que :L salvação é “pela graça
mediante a fé” e “não por ob~as”. E ainda, que a igreja é
“criada em Cristo Jesus para boas obras”, as quais devem
ser seu estilo de vida (Ef 2.10).
Mais especificamente, podemos identificar as seguintes
implicações para a estrutura da igreja:
A estrutura da igreja deve reconhecer e honrar a pessoa
toda para que a mente de Cristo se torne uma realidade na
128 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
igreja. Toda a esfera da vida da pessoa deve ser o campo
especial de ação da igreja.
Isso pode soar estranho, uma vez que o cristianismo
ocidental muitas vezes tem sido criticado justamente por
dar demasiada ênfase no individual. Mas aplicar o corretivo
bíblico não significa fazer como um pêndulo e ir direto para
o outro extremo. Tampouco significa procurar uma
abordagem branda, de meio-termo. Antes, a solução está em
sustentar a Palavra revelada de Deus em toda sua amplitude:
O evangelho tem dimensões tanto comunitárias quanto
individuais, e ambas devem ser encarnadas na igreja. Por
isso, deve-se resistir a qualquer tendência não-bíblica de
abandonar o conceito da pessoalidade distinta.
` Olhe para Jesus Cristo, cuja mente deve estar em nós.
Sua vida mostrou solidariedade para com toda a humanidade.
Ele morreu por todos. Mas sua singularidade como uma
pessoa individual se destaca claramente, não só porque ele
foi a encarnação singular do Deus invisível, mas por causa
da verdadeira individualidade da sua humanidade. Jesus não
foi a encarnação de uma humanidade genérica; ele foi e é
uma pessoa específica.
A estrutura da igreja deve ser compatível com essa ênfase
pessoal. As estruturas devem colocar as pessoas face a face
com Jesus Cristo como pessoas responsáveis. A educação e
0 treinamento devem focalizar a pessoa e não permitir que
ninguém se perca no grupo, até mesmo durante o uso de
dinâmicas de grupo e interação. Em todas as áreas da vida
da igreja deve haver um reconhecimento de que Cristo
chama, salva e habita pessoas específicas para sua glória, e
sua obra se manifestará de maneiras tão variadas quanto
os cristais de neve ou as folhas de uma árvore - tão variadas
como a própria personalidade humana.
Obviamente, essa necessidade requererá uma ênfase
apropriada no relacionamento um-a-um na comunidade
cristã. Isso deve acontecer não principalmente no sentido
tradicional da relação pastor-membro, mas sim no sentido
A MENTE DE CRISTO [29
de uma rede completa e gloriosa de relacionamentos crente­
a-crente que se tornam a estrutura invisível da comunidade.
AQUI, mais uma vez, grupos pequenos são necessários para
providenciar a oportunidade e o estímulo para tais
relacionamentos.
Uma implicação crucial aqui é a importância do
casamento e da família para a igreja. Essas são as
instituições básicas para formação de personalidade que
Deus nos deu, e elas devem funcionar de mãos dadas com a
igreja. Em certo sentido, o lar cristão é uma das estruturas
da igreja. Nos planos de Deus, a igreja é a família de Deus e
a família é a igreja de Deus. Precisamos repensar na família
com base na visão bíblica do Corpo de Cristo.
Uma pessoa em necessidade nunca permaneceu perdida
na multidão enquanto Jesus passava. Essa é uma parábola
para a estrutura da igreja hoje.
Em segundo lugar, a estrutura da igreja deve ser flexível
e variada. Esse é o significado da espontaneidade e
autoconsciência, discutidas anteriormente. A estrutura da
igreja deve proporcionar uma variedade de oportunidades
para o ministério e para a expressão do significado da fé em
Cristo. Deve haver alguma liberdade de escolha na
descoberta e desenvolvimento de um estilo de vida cristão
(ou variedade de estilos de vida) para nossa época, mas dentro
da autoridade da Escritura e do contexto da comunidade
cristã.
A vida da comunidade cristã deve produzir os tipos de
mudanças sugeridas no exemplo a seguir:
Nos últimos anos, tenho tido comunhão com vários
irmãos que já serviram em uma organização cristã cujo
objetivo era a evangelização mundial. O zelo dentro
dessa organização levou-a a estabelecer uma regra
segundo a qual cada membro da direção deveria
testemunhar um certo número de vezes por semana.
Cada um devia preencher relatórios acerca disso.
Finalmente, Deus começou a falar a esses homens
sobre o que ele queria da vida deles. Não muito depois
1-50 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
de deixar essa organização, um desses homens me
disse: “E realmente maravilhoso! Estou começando
aprender a viver. Estou descobrindo o que significa
realmente ser livre para ser como Cristo.”
Outro desses companheiros compartilhou comigo a
emocionante descoberta que havia feito. Descobriu que
não pecisava andar o tempo todo às voltas com desejos
secretos escondidos debaixo da superfície. Descobriu
que a vida ressurreta de Jesus era capaz de elevá-lo
acima do problema, substituindo-o por um amor
livre!18 '
saudável pelos outros que vinha de Deus. Ele estava

A estrutura deve ser flexível. Naquelas áreas em que não


foram revelados padrões específicos, as mudanças devem ser
realizadas de acordo com as circunstâncias, mas sem abrir
mão dos princípios bíblicos. Tais áreas incluem horário, local
e freqüência das reuniões, organização para ministérios
especíñcos e a maioria dos aspectos do governo da igreja.
Nessa área, flexibilidade, e não apenas a tradição, deve ser a
regra. O profundo silêncio da Bfiilia a respeito de estruturas
específicas deve nos alertar quanto à sua natureza
secundária, condicionada culturalmente, e lembrar-nos de
que é necessária uma constante reavaliação à luz da Palavra
de Deus para que a mente de Cristo se torne realidade.
Para fazer a obra de Deus no mundo, a igreja é
naturalmente forçada a adotar padrões estruturais
(organizações, instituições e assim por diante) apropriados
para a cultura ao redor (veja o capítulo 13). Mas tais
estruturas não são nunca a essência da igreja. Elas podem
ser revisadas, adaptadas ou até mesmo dissolvidas. Em anos
recentes, considerável pesquisa sociológica tem sido feita
sobre formas organizacionais flexíveis, de curta duração ou
“autodestrutíveis”. A igreja institucional poderia beneñciar­
se grandemente de tais estudos. Sua aplicação pode ser útil
em áreas em que a estrutura da igreja é organizacional em
sua natureza, incluindo em especial as estruturas
denominacionais.
A MENTE DE CRISTO 131
Em terceiro lugar, a estrutura da igreja deve ajudar a
sustentar a vida cristã no mundo. A tarefa da igreja não é
tirar os cristãos das ruas, mas enviá-los equipados para as
tarefas do reino. A comunidade cristã deve ser estruturada
para tal capacitação. Quanto mais a sociedade se tornar
hostil aos valores cristãos, mais os cristãos dependerão de
estruturas de apoio da comunidade cristã para viver suas
vidas.
Tais estruturas devem reforçar os valores da
personalidade por meio de grupos pequenos e de uma nova
ênfase na família e em outros relacionamentos um-a-um.
Isso pode requerer a formação de células de interesse especial,
de cristãos chamados para ministérios específicos no
mundo. Com certeza, isso significará um sério envolvimento
teológico com a Escritura para determinar os contornos da
responsabilidade cristã na sociedade.
Uma implicação final se evidencia aqui: A estrutura da
igreja deve ser construída sobre os dons espirituais. Os dons
do Espírito são um testemunho da diversidade de
personalidades humanas. Paulo enfatiza em 1 Coríntios 12­
14, Efésios 4 e outras passagens que a função essencial dos
dons espirituais é a edificação da comunidade cristã. Isso é
sinônimo da encarnação da mente de Cristo na igreja. Dons
espirituais formam um dos fundamentos básicos para um
entendimento apropriado da igreja.
Os cristãos - e portanto toda a comunidade de fé ­
vivenciam a mente de Cristo somente quando os dons
espirituais dados por Deus são despertados e exercitados.
Nenhum cristão com um dom atrofiado demonstrará com
facilidade a mente de Cristo. Além disso, a interação
dinâmica dos dons dentro da comunidade é necessária para
se alcançar em escala coletiva a mente de Cristo. Podemos
entender isšâ mediante a figura do corpo: o ouvido ouve,
não porque ele gosta de ouvir, mas para que o corpo possa
funcionar. A mão agarra, não só porque ela precisa se
exercitar, mas para que o corpo possa atuar.
1,32 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Uma ênfase em dons espirituais significa uma estrutura
de igreja dinâmica, interativa e orgânica. Significa
resistência consciente contra os modelos seculares de
organização para a igreja. A estrutura da comunidade deve
ser baseada em modelos e figuras bfl)licos, e não em modelos
tomados da indústria, educação ou governo. Em muitos
casos, uma ênfase apropriada em dons espirituais significa
uma reavaliação fundamental da estrutura da igreja.
Certa tensão, até mesmo antítese, deve prevalecer entre a
igreja e a sociedade. Essa tensão é bíblica, no espírito de
João 17.14-16 e passagens similares, e se tornará mais
acentuada em todo o mundo nas próximas décadas. O valor
singular da mente de Cristo será negado pela sociedade em
geral, e portanto se tornará central para a igreja.
Mas isso não deve ser justificativa para uma retirada do
mundo, para se construir mosteiros do espírito. Nem deve
servir de motivo para negar que Jesus Cristo é o Senhor de
toda a criação, que ele “despojando os principados e as
potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando
deles na cruz” (Cl 2.15). O plano de Deus ainda é “fazer
convergir nele, todas as coisas, tanto as do céu como as
da terra” (Ef 1.1O). A igreja compartilha com Cristo o
segredo de que a presente batalha será ganha por Jesus,
porque a vitória foi conquistada na cruz. Diante de uma
sociedade ímpia, os cristãos têm a confiança necessária para
trabalhar no mundo, manifestando os sinais do reino que,
pela fé, vêem se aproximar.
A encarnação da mente de Cristo na igreja requer
pensamento claro e reavaliação do modelo estrutural básico
da igreja. Que significa realmente, na prática, estruturar
organicamente a igreja? Passarei agora a lidar com esse
assunto, delineando um modelo orgânico básico.
CAPÍTULO 10

A EcoLo(;1A DA IGREJA

A comunhão do Espírito Santo - o povo de Deus - a mente


de Cristo. Essa é a pedra de toque trinitária essencial para
a vivência de uma igreja bíblica e transculturalmente
relevante. São as dimensões bíblicas que apontam para um
modelo dinâmico e orgânico de igreja, a comunidade cristã.
A igreja como Corpo de Cristo é um organismo vivo. Todas
as figuras da Bíblia para a igreja indicam modelos de igreja
vivos, flexíveis e organizados em células, como já vimos. A
partir dessa idéia-chave, podemos esboçar um modelo
fundamental para a vida diária da igreja.
Uma questão-chave para cada organismo é: Qual a sua
ecologia? Como é que todas as partes se encaixam, e como
interagem com seu ambiente? Qual é o equilíbrio ecológico
que sustenta uma igreja saudável, à medida que ela
experimenta a koinonia do Espírito, encarna a mente de
Cristo e, como povo de Deus, cumpre a missão do Reino no
mundo?1
A vida da igreja pode ser vista ecologicamente como uma
interação dinâmica de muitas partes. Como todo organismo,
sua saúde depende de um equilíbrio muito preciso no
funcionamento das partes. Entender a ecologia da igreja
significa discernir os elementos-chave e o modo pelo qual
eles se relacionam entre si.
134 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
Paulo descreve um quadro ecológico da igreja em 1
Coríntios 12, usando a analogia do corpo humano. Cada
crente é um membro do corpo, e a saúde do corpo como um
todo depende do funcionamento apropriado e da interação
de todos os membros. Paulo está pensando de modo ecológico
quando diz: “Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora
tenha muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo
muitos, formam um só corpo, assim também com respeito a
Cristo” (1 Co 12.12, NVI).2
Paulo fala de modo similar, mas de um ângulo ligeiramente
diferente em Efésios 4.1-16. Esse texto também é uma
descrição da ecologia da igreja, mas aqui a ênfase recai não
tanto nos membros e dons individuais, mas, sim, na
dinâmica de crescimento em Cristo e vida pela plenitude de
sua graça. A ênfase está na dependência que o corpo tem de
sua cabeça-, Jesus Cristo. É um quadro também altamente
ecológico: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos
em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo,
bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta,
segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu
próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor”
(Ef 4.15-16).
Essas passagens sublinham o fato de que a igreja é um
organismo vivo, carismático, dependente da graça de Deus.
Examinando Efésios e outras passagens do Novo
Testamento, podemos construir um modelo ecológico que
identifique os elementos básicos da vida cotidiana da igreja
e mostre como eles se relacionam uns com os outros.
O modelo que se segue é uma síntese do ensino
neotestamentário sobre a ecologia da igreja. Quero enfatizar
que se trata de um modelo, ou seja, não é uma descrição
completa da vida da igreja, nem a única maneira válida de
se enxergar a igreja local. No entanto, é um modelo
razoavelmente abrangente, consistente com as Escrituras
e bem relevante para a vida da igreja no mundo atual.
A ECOLOGIA DA IGREJA 135
O Propósito da Igreja
O modelo começa com o propósito da igreja. É fácil entender
a ecologia da igreja quando sabemos, antes de mais nada,
por que ela existe.
O ponto de partida determina fortemente tudo o que vem
depois. Assim como a serra não funciona muito bem como
martelo nem o dedo como ouvido, da mesma forma a igreja
fica sem poder quando funciona de modo contrário ao plano
de Deus. A igreja tem tremenda força quando seus propósitos
e funções combinam com os desígnios de Deus. Muitas vezes,
porém, esperamos coisas erradas da igreja - em parte porque
os seus propósitos não estão claros para nós.
A igreja deve ser sinal, símbolo e precursora do Reino de
Deus. A igreja existe para o Reino. Falando de modo mais
simples, 0 propósito da igreja é glorificar a Deus. Sendo
assim, um modelo ecológico orienta a vida da igreja para a
glória de Deus. Usando um círculo para representar a
comunidade cristã, nosso modelo começa a tomar forma,
como podemos ver na figura 1.

Funções da Igreja
Uma igreja fiel glorifica a Deus de muitas maneiras.
Contudo, para evitar cair na armadilha de se justificar toda
e qualquer coisa que a igreja faz, dizendo simplesmente “isso
é para a glória de Deus”, precisamos identificar as funções
mais básicas da igreja. Quais os componentes essenciais da
vida da igreja?
Ao descrever a igreja como a família ou casa de Deus
(oikos no grego do Novo Testamento), é útil enxergar a igreja
como uma comunidade de adoração, comunhão e testemunho.
Observando-se de modo apropriado a cadência bíblica e
prática de adoração, comunhão e testemunho, a igreja
mantém o equilíbrio ecológico espiritual que a conserva fiel
a Deus e cheia de vida. Isso proporciona o dinamismo e a
saúde que permitem à igreja ser usada de maneira fabulosa
no grande plano redentor de Deus.
136 VINHO NOVO. ODRES NOVOS

Y' 16 idade

í. A G|Ól'Ía

Figura 1. A Comunidade Cristã.

Encontramos a igreja do Novo Testamento vivendo uma


vida de adoração, comunhão e testemunho. Essas funções
são indicadas até certo ponto pelas palavras
neotestamentárias leitourgia (“culto” ou “adoração”, de
onde vem a palavra “liturgia”), koinonia (“comunhão” ou
“compartilhamento”) e martyria (“testemunho” ou
“depoimento”, de onde vem a palavra “mártir”).3 A igreja é
uma comunidade ou uma fraternidade de vida
compartilhada, uma koinonia. A igreja dá testemunho do
que Deus fez em Jesus Cristo e em sua própria experiência,
mesmo que o seu testemunho (martyria) possa levá-la ao
martírio. Acima de tudo, a igreja desempenha o serviço de
adoração (leitourgia) a Deus, não somente por meio de atos
de adoração, mas mediante uma vida de louvor a Deus - a
igreja como uma contínua doxologia.
Mantendo esses três elementos juntos, e dando uma certa
prioridade à adoração como o louvor a Deus, o modelo então
A ECOLOGIA DA IGREJA 137
assume a forma da figura 2. Aqui a igreja aparece
glorificando a Deus mediante sua adoração, sua vida
conjunta em comunhão e seu testemunho no mundo.
Relembrando que esse é um modelo ecológico, devemos
enfatizar não só que essas funções são direcionadas para a
glória de Deus, mas também que cada uma interage com as
outras e as influencia. Esse dinamismo de inter-relações é
ressaltado pelas setas na figura.

Ado ação

/ A Glória X
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Q de Deus ä
6. ¿.~
Figura 2. Adoração, Comunhão e Testemunho.

Essas funções são bem nítidas nos primeiros anos da igreja


cristã. Em Atos 2.42, lemos que os primeiros cristãos
“perseveravam na doutrina ios apóstolos e na comunhão,
no partir do pão e nas orações.” Além disso, lemos que eles
compartilhavam seus bens e seus lares uns com os outros
de modo que não havia necessitados entre eles; e vemos ainda
que todos participavam de um grupo pequeno, no qual
adoravam a Deus e eram fortalecidos para o testemunho no
mundo.
138 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
1. Adoração. Os cristãos primitivos “perseveravam no
partir do pão e nas orações.” Isso descreve a igreja em
adoração. O partir do pão provavelmente significa a refeição
ágape dos cristãos primitivos, em que os crentes celebravam
a Ceia do Senhor em seus grupos de comunhão nos lares.
Reunindo-se em suas casas bem como em cultos com grupos
maiores, os cristãos do primeiro século mantinham a
vitalidade da igreja mediante constante louvor e oração.
Atos 4.22-31 mostra a igreja em adoração. Pedro e João
tinham sido presos e depois libertados pelo Sinédrio. Os
crentes estavam reunidos para louvar a Deus e para pedir
ousadia e coragem. E Deus respondeu. “Tendo eles orado,
tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ñcaram cheios
do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra
de Deus” (At 4.31). '
Paulo diz aos efésios: “Falando entre vós com salmos,
entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e
cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso
Deus e Pai, em nome do Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos
uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5.19-21). E aos
colossenses diz: “Instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente
em toda a sabedoria, louvando a Deus com salmos, e hinos,
e cânticos espirituais, com gratidão, em vossos corações”
(Cl 3.16).
A adoração - louvar a Deus e ouvi-lo falar através da
Palavra - é central na vida do povo de Deus. No Antigo
Testamento lemos sobre as grandes festas dos filhos de
Israel. Essas comemorações, assim como todo o sistema
sacrificial, focalizavam a adoração a Deus.
Através da história, em cada país e idioma, a adoração
tem sido a atividade central da igreja - o 'próprio sangue
que corre nas suas veias. Isso é natural, pois a adoração é,
acima de tudo, a igreja louvando a Deus. Na adoração, a
igreja celebra quem Deus é e tudo o que ele tem feito pelo
seu povo, e também renova o compromisso de viver para a
glória de Deus. A adoração tem prioridade sobre todas as
A ECOLOGIA DA IGREJA 139
coisas que a igreja faz, porque sua maior preocupação é a
glória do Deus Todo-Poderoso.
Adoração significa, porém, mais do que cultos de adoração.
Estamos aqui para viver uma vida de adoração. Tudo o que
fazemos deve ser para glorificar a Deus. Essa vida de
adoração, porém, adquire foco e intensidade especiais na
celebração semanal de adoração do povo de Deus.
Cada semana é uma jornada através do tempo. A jornada
nos coloca face a face com os valores, pressões e seduçöes de
um mundo idólatra. Sobreviver por mais uma semana
significa fazer ouvidos moucos para as incontáveis
propagandas de roupas, carros, revistas, centros de lazer e
outras coisas, e ao mesmo tempo ouvir os clamores da
necessidade humana. A menos que planejemos de outro
modo, a semana será programada para nós pelo emprego ou
escola, compromissos, recados, programação de TVI nossos
conhecidos e muitas outras coisas. O mundo nos pressiona
cada vez mais.
Por isso, Paulo diz em Romanos 12: “Não se amoldem ao
padrão deste mundo” (NVI). Antes, devemos oferecer-nos
como sacrifícios vivos a Deus. Essa é a adoração genuína
(Rm 12.1-2 ).
A adoração é uma janela em um mundo totalmente fechado
em si. O mundo tenta nos moldar. Ele traça um círculo à
nossa volta, bloqueando o mundo mais alto e brilhante, o
mundo espiritual. Não vant os negar o presente mundo nem
fugir dele. Antes, devemos aprender a viver como Jesus
dentro da sociedade. Devemos ser luzes no mundo (Mt 5.14­
16; Fp 2.15). _
Aqui está o segredo. Na adoração, as cortinas do tempo e
do espaço são abertas totalmente, e enxergamos novamente
a dimensão espiritual. Adorar a Deus em espírito e em
verdade nos abre uma janela para a eternidade. A adoração
muda nossas vidas, pois por meio dela percebemos
novamente que, de fato, vivemos em dois mundos.
Começamos a ver a partir da perspectiva de Deus: “Até que
1-90 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
entrei no santuário de Deus e atinei com o fim deles” (Sl
73.17).
Como cristãos adoramos a Deus individualmente em
nossos próprios momentos de oração e devoção, mas a
adoração é, de maneira especial, uma ocupação da igreja
congregada. Ao orarmos a sós, tendemos a focalizar nossas
próprias necessidades, problemas e feridas. Não há nada de
errado nisso, mas a oração individual se completa no louvor
coletivo. Deus nos fez para que o glorifiquemos juntos.
Devemos ser uma comunidade de adoração e louvor. Quando
estamos juntos, unindo nossos corações e vozes em oração,
algo nos faz levantar os olhos de nossas próprias
preocupações e focalizá-los no Deus Todo-Poderoso. E então
acontece uma coisa estranha: ao olhar para 0 próprio Deus,
temos nossas próprias vidas renovadas, curadas e
preparadas para o serviço no mundo. Quanto mais
claramente vemos Jesus, mais claramente o vemos
apontando para “fora do arraial” (Hb 13:13), enviando-nos
ao mundo.
Isso é o que a adoração pode e deve fazer por nós. Mas os
benefícios que recebemos da adoração são na verdade
secundários. A grande preocupação é o próprio Deus.
Adoramos a Deus, não para nos sentirmos melhores nem
para sermos mais “espirituais”, mas porque ele ordena e
nos convida a adorá-lo. Em nosso louvor a Deus, adoramos
ao Rei.
2. Comunhão. Os primeiros cristãos perseveravam na
“comunhão” (At 2.42). Como pessoas que compartilham a
graça de Deus, davam de si mesmos para serem e se tornarem
a comunidade do povo de Deus. Em Atos e por todo o Novo
Testamento podemos ver que a construção da comunhão
cristã é uma função básica da igreja. Os crentes “partiam o
pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria
e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a
simpatia de todo o povo” (At 2.46-47). Essa é uma maneira
básica de se glorificar a Deus.
A ECOLOGIA DA IGREJA 141
Deus nos torna uma comunidade e faz com que cresçamos
continuamente como uma comunhão de crentes, num
processo em que somos “edificados até que todos cheguemos
à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à
perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de
Cristo” (Ef 4.12-13).
Isso é edificação no sentido neotestamentário. Edificar é
oikodomein, construir uma família (oikos) ou comunidade
de fé. Como W. A.Visser't Hooft observou: “No Novo
Testamento, a edificação não é usada no sentido subjetivo
de intensificação e nutrição da piedade pessoal. Significa a
ação do Espírito Santo mediante a qual ele cria o povo de
Deus e molda sua vida.”'* Biblicamente, edificação é a
construção da comunidade tendo como alvo a pessoa e o
caráter de Jesus.
Na ecologia bíblica da igreja, a comunhão é tão importante
quanto a adoração. Assim como uma casa não é uma família
se seus membros não se encontram e gastam tempo juntos,
assim os crentes não vivenciam a igreja de verdade, sem a
comunhão cristã. Eles não “discernem o Corpo” (veja 1 Co
11.29). Assim como o corpo humano não pode viver sem seus
órgãos vitais, a igreja não pode crescer sem a comunhão.
Biblicamente, comunhão significa vida compartilhada
com base em nosso novo ser em Jesus Cristo. Nascer de novo
é nascer dentro da família c comunidade de Deus. Enquanto
formas e estilos de comunidade variam, qualquer grupo de
crentes que não experimente uma vida de intimidade juntos
tem perdido o real significado do Corpo de Cristo. Ser
comunidade cristã significa levar a sério o fato de que os
crentes são membros uns dos outros e, por conseguinte,
assumir a responsabilidade pelo bem-estar dos irmãos em
Cristo em suas necessidades sociais, materiais e espirituais.
3. Testemunho. Na vida da igreja, a adoração e a comunhão
impulsionam o testemunho da igreja.
Foi assim em Atos. O louvor e a comunhão descritos em
Atos 2.42-47 trouxeram um resultado interessante:
“Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os
142 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
que iam sendo salvos” (At 2.47). Mais tarde, quando a igreja
de Jerusalém foi perseguida e muitos crentes fugiram para
outras áreas, “os que foram dispersos iam por toda a parte
pregando a palavra” (At 8.4). Antes de sua ascensão, Jesus
disse a seus seguidores: “Sereis minhas testemunhas tanto
em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos
confins da terra.” (At 1.8). O livro de Atos é a história do
testemunho da igreja por todo o mundo romano, em resposta
às palavras de Jesus.
Uma igreja fraca em adoração tem pouca vontade de
testemunhar. Aliás, nem tem muita coisa a testemunhar.
De modo semelhante, uma igreja sem uma vida comunitária
vigorosa tem testemunho fraco porque os crentes não estão
crescendo em maturidade e aprendendo a funcionar como
discípulos saudáveis. Onde a comunhão é fraca, muitas vezes
o testemunho é comprometido por um individualismo
exacerbado. O testemunho pode se degenerar ao ponto de se
convidar as pessoas para Deus sem envolvê-las na
comunidade cristã.
Numa congregação saudável, o testemunho nasce não
apenas da comissão especíñca de Jesus (Mt 28.19-20; At 1.8),
mas também do impulso do Pentecostes e da vida dinâmica
da comunidade cristã. Essas são as molas mestras que
despertam na igreja a vontade de testemunhar no mundo.
Uma comunidade cristã viva tem a inclinação e o poder para
testemunhar. Ela testemunha por causa da sua preocupação
com a necessidade humana e por ter em vista o Reino de
Deus que se aproxima. Na economia de Deus, o testemunho
da igreja tem um significado importante para o Reino.
Visto ecologicamente, o testemunho não é o propósito
principal da igreja, mas o fruto inevitável e necessário de
uma comunidade que adora a Deus e cuida de seus membros
com amor. Dessa forma, ele é uma das principais prioridades
da vida da igreja no mundo.
A Ecotocm DA IGREJA 143
Explorando o Modelo
Os elementos básicos de adoração, comunhão e testemunho
podem ser expandidos para se mostrar com clareza como
eles funcionam de fato. Assim como as partes dessa tríade
se combinam para moldar a vida da igreja, cada uma delas,
por sua vez, depende da saúde de seus próprios componentes.
Adoração, comunhão e testemunho podem ser analisados
de várias maneiras. Uma delas, que parece ter certa lógica
natural e equilíbrio, é a que vê a adoração como uma
interação entre instrução, arrependimento e celebração; a
comunhão como um elemento que consiste em disciplina,
santificação e dons do Espírito; e o testemunho como uma
combinação de evangelização, serviço e justiça. A figura 3
representa essa ecologia mais completa da igrejas”

ependlmento

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_ ADORAÇÃO

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'blrqo gv”

Figura 3. A Ecologia da Vida da Igreja

Vejamos como cada um desses aspectos funciona na vida


da igreja.
144 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
(1) Celebração, Instrução e Arrependimento
Celebração é a igreja no ato de louvar a Deus. Na adoração,
a igreja celebra a pessoa e a obra de Deus usando a música,
liturgia, oração espontânea e outros meios.
A vida cristã é uma vida de celebração. As palavras
celebrar e adorar comunicam a idéia de honrar a alguém.
Na adoração celebramos os méritos de Deus. Mas por causa
do tipo de pessoa que Deus é e do que ele tem feito, a
celebração significa também alegria. Os cristãos são um
povo alegre, que gosta de cantar, porque eles sabem 0 segredo
de tudo - Deus. A alegria deles vem de um Deus que liberta
da escravidão e desespero do pecado.
Dar louvor a Deus.pelo que ele é toca as ñbras mais
profundas de nosso ser. O louvor alcança nossas
personalidades até mesmo abaixo dos níveis de consciência
porque lã bem fundo dentro de nós está registrado que Deus
nos fez para si mesmo. Quando louvamos a Deus, os poços
profundos da alma e espírito são tocados. E por isso que a
adoração não só glorifica a Deus, mas também nos liberta,
nos purifica e nos fortalece.
A igreja em adoração celebra um Deus de ação, não de
abstração. Adorar é celebrar os atos de Deus na história e
especialmente em Jesus Cristo. Isso é realismo, não
misticismo. Inclui celebrar a obra de Deus em nossa vida
pessoal e em nossa vida em conjunto na comunidade cristã.
Juntos como irmãos em Cristo, compartilhamos o mistério
e o segredo não somente de pecados perdoados, mas também
da comunhão concedida. Então nos alegramos com os que
se alegram e choramos com os que choram (Rm 12.15).
Uma alegria especial vem aos crentes quando se celebra a
vinda de uma nova era, a manifestação da plenitude do reino
de Deus. A adoração liberta a igreja para o Reino. Louvamos
a Deus não só pelo que ele tem feito, mas também por aquilo
que irá fazer. Pela fé, antecipamos e celebramos o dia em
que iremos cantar: “O reino do mundo se tornou de nosso
Senhor e do seu Cristo” (Ap 11.15). Na adoração, celebramos
a economia de Deus (oikonomia) e o seu Reino _ agora e no
A E(`()LOUIA DA IGREJA 145
futuro. A igreja celebra o futuro presente, sabendo que “o
reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e
alegria no Espírito Santo" (Rm 14.l7). A esse tipo de
adoração chamo de “terapia de realidade” porque ela nega a
realidade de uma cosmovisão materialista, tridimensional,
e celebra a verdade acerca de Deus, nossa vida e o alvo para
o qual a história está caminhando.
A Ceia do Senhor é um elemento muito importante nessa
grande celebração. A eucaristia relembra a obra de Deus em
Cristo e sinaliza tanto para a realidade da igreja como para
a promessa de um Reino. A igreja é de fato uma comunidade
sacramentalf*
A instrução como parte da adoração envolve a igreja no
ato de ouvir a voz de Deus mediante a Palavra lida, ensinada
ou falada de alguma outra forma. Na adoração, os
movimentos de celebração e instrução são movimentos do
Espírito e da Palavra.
A igreja é a comunidade da Palavra na mesma medida em
que ela é a comunidade do Espírito. E o ambiente em que
aprendemos de Deus. Na adoração, não só falamos a Deus,
mas também, o que é mais importante, ouvimos Deus falando
a nós. Adoramos no Espírito quando recebemos a Palavra.
A instrução é um componente básico da adoração. Deus
revelou-se através de sua Palavra e só podemos ser seu povo
fiel se a ouvimos, entendemos e obedecemos.
A comunidade do povo de Deus vive pela Palavra aplicada
aos nossos corações pelo Espírito. Paulo nos dá um retrato
da Palavra de Deus na vida da igreja quando diz: “Habite,
ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e
aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando
a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com
gratidão, em vosso coração” (Cl 3:16). Ao escrever dessa
forma, Paulo nos lembra que compartilhar a Palavra na
adoração é algo que os crentes fazem uns com os outros, e
não uma coisa que uma pessoa deva fazer sozinha. A
passagem indica também que a instrução sempre se funde à
celebração.
146 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
A adoração pública deve ser construída em torno da
Palavra de Deus. Com freqüência o culto começa com a
leitura de um versículo de um salmo ou outro trecho da
Escritura, chamando-nos para a adoração, concentrando
nosso foco no próprio Deus. Isso nos lembra de nossa vocação
primária que é glorificá-lo.
Muitas vezes ouvimos a Palavra de Deus também em lições
ou leituras litúrgicas das Escrituras do Antigo e Novo
Testamentos. O uso regular das Escrituras na adoração nos
ensina os caminhos de Deus com o seu povo - tudo o que
ele fez no passado e tudo que ele planeja para o presente e o
futuro.
A Escritura pode ser usada de modo proveitoso e criativo
na adoração, de diversas formas. As leituras bíblicas podem
ser relacionadas com os principais eventos do calendário
cristão. Por muitos séculos a igreja tem padronizado seus
cultos ao longo do ano em torno dos eventos da vida de Jesus.
O ano cristão começa não com o Ano Novo, mas com o
Advento, o anúncio da vinda de Cristo, quatro semanas antes
do Natal. A seguir vêm as estações do Natal, Epifania (a
manifestação pública e ministério de Jesus), Quaresma
(centralizada no sofrimento e morte de Jesus), Páscoa e
Pentecostes.
O Pentecostes, que celebra a vinda do Espírito Santo e a
vida da igreja, inicia a mais longa estação do ano (cerca de
seis meses), trazendo-nos de volta ao Advento. O Pentecostes
também é um bom período para se recordar como Deus tem
agido através da história até os nossos dias, usando aquelas
passagens das Escrituras que recordam os atos poderosos
de Deus. Seguir o calendário cristão mantém nossa atenção
nos atos de Deus mediante Cristo e é muito melhor do que
nos enfiarmos dentro de uma agenda determinada pelos
feriados seculares e datas comerciaisf
Além da leitura normal, pode-se recitar ou cantar a
Palavra; as Escrituras podem ser apresentadas por meio de
dramatizações, leitura responsiva ou antifônica, dança ou
outras formas. Assim como os salmos nos dizem que devemos
A ECOLOGIA DA IGREJA 147
usar poesia e música na adoração, também falam de dança
litúrgica.
Muitos salmos são próprios para leituras dramatizadas
ou responsivas. Salmo 107, por exemplo, relata a fidelidade
de Deus para com o seu povo através da história. O refrão
repete: “Rendam graças ao SENHOR por sua bondade e por
suas maravilhas para com os filhos dos homensl” Podemos
dividir o salmo em seções de acordo com esse refrão e fazer
um grupo de leitores (ou toda a congregação dividida em
setores) ler o salmo inteiro, erguendo um coro crescente a
Deus por sua infalível fidelidade.
Certa vez, nossa igreja fez algo similar com o livro de
Apocalipse. Para introduzir uma série de sermões em
Apocalipse que iria começar na semana seguinte,
estruturamos todo um culto de celebração em torno do livro.
Pessoas diferentes leram as seções maiores, intercaladas com
cânticos alegres e outros elementos de adoração. Foi um culto
inesquecível. O Apocalipse de Jesus Cristo se tornou vivo
quando exaltamos ao Rei dos reis e Senhor dos senhores e
celebramos, pela fé, o desfecho da história.
De particular importância na adoração é a proclamação
pública da Palavra mediante o ensino e a pregação (1 Tm
4.13; 5.17). Deus escolheu a “loucura” da pregação para
“salvar os que crêem” (1 Co 1.21). Pregação significa a
proclamação pública da Palavra aos não-crentes e o ensino
da Palavra aos crentes como parte da adoração regular.
Embora Deus capacite todos os cristãos a lerem e entenderem
a Palavra por si mesmos, também concede dons especiais de
pregação e ensino (1 Co 12.28; Ef 4.11; At 6.2). A igreja deve
procurar identificar e encorajar os membros dotados com
esses dons e dar atenção especial às suas palavras, ao mesmo
tempo em que continua a “julgar todas as coisas, retendo o
que é bom” (1 Ts 5.21), mediante estudo particular e reuniões
de grupos pequenos.
O arrependimento talvez seja raramente visto como parte
da adoração, mas ele se harmoniza bem com o ritmo de
Palavra e resposta. E falsa uma adoração em que celebramos
148 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
a Deus enquanto nossa vida contradiz o evangelho e
permanecemos impenitentes. Infelizmente, essa é a realidade
de muitas igrejas. Deus irrompeu sobre o culto sagrado de
um Israel não arrependido para dizer: “Aborreço, desprezo
as vossas festas e com as vossas assembléias solenes não
tenho nenhum prazer Afasta de mim o estrépito dos teus
cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras.
Antes, corra o juízo como as águas; e a justiça como ribeiro
perene” (Am 5.21, 23-24). A adoração está intimamente
ligada ao Reino de Deus e sua justiça na ecologia da igreja e,
portanto, ao arrependimento.
Em vários pontos de. sua história, Israel verdadeiramente
ouviu a Palavra de Deus, arrependeu-se e foi renovado. Pôde
então realmente celebrar a bondade de Deus. Quando Isaías
viu 0 Senhor num “alto e sublime trono”, ele se arrependeu
de sua iniqüidade e foi então preparado para servir a Deus
efetivamente (Is 6.1-10). A proclamação do Reino no Novo
Testamento se inicia com um chamado ao arrependimento
(Mt 3.2). Tiago diz à igreja: “Purificai as mãos, pecadores; e
vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração. Afligi-vos,
lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a
vossa alegria em tristeza. Humilhai-vos na presença do
Senhor, e ele vos exaltará” (Tg 4:8-10).
Muitas vezes, a palavra de Deus para a igreja não é para
que ela confie ou creia, e sim: “Arrependa-se!” (Ap 2.5, NVI).
Quando a igreja é infiel a Deus, sua adoração sem
arrependimento é uma blasfêmia. Ela trará julgamento, não
bênção.
Um dos ritmos da adoração, portanto, é a seqüência
instrução, arrependimento e celebração. Nesses atos
celebramos não só a obra de Deus no passado, mas também
sua misericórdia em nos renovar, perdoando-nos e nos
aceitando como o seu povo.
Na prática, isso signiñca que em nossa adoração devemos
ter tempo para o arrependimento assim como para o louvor.
Com freqüência o arrependimento faz parte da liturgia da
igreja, como na Súplica Geral ou no ritual da Santa
A ECOLOGIA DA IGREJA 149
Comunhão, no Livro de Oração Comum. Isso é bem
apropriado e lembra a igreja da necessidade de
arrependimento. Mas o arrependimento precisa ser
específico, tanto na vida pessoal dos crentes como na vida
coletiva da comunidade cristã.
A medida que a economia de Deus e as prioridades do seu
Reino se tornarem mais claras para a igreja, o arrepen­
dimento será visto cada vez mais como algo central para a
fidelidade exigida no Reino. Arrependimento de pecados como
egocentrismo, glutonaria, opressão e confiança nos falsos
deuses do bem-estar, nacionalismo, ideologia política e
poderio militar pode abrir as portas para a renovação e para
uma nova identificação com os pobres e sofredores da Terra.
Nesse sentido, o arrependimento pode ser chave para uma
renovação radical. Não é tanto a nação que precisa se
arrepender, mas é a igreja, que diz servir a Deus e seu Reino,
mas muitas vezes está servindo a si mesma ou aos sutis
deuses da tecnologia e segurança.
(2) Disciplina, Santificação e Dons Espirituais
A vida da igreja unida em comunhão requer tanta atenção
quanto a adoração. Este é o verdadeiro significado da
“comunhão do Espírito Santo”, como vimos no capítulo 7.
A adoração vital depende em grande parte do cuidado que é
dado à alimentação da vida compartilhada da igreja.
Podemos pensar nesse aspecto da ecologia da igreja como
algo que inclui disciplina, santificação e dons espirituais.
A disciplina significa discipulado, edificação de uma
comunidade de pessoas que sejam verdadeiros discípulos de
Jesus. A igreja não é um clube social ou um lugar para se
encontrar pessoas; ela é uma comunidade de crentes
chamados e unidos (como :nembros do mesmo corpo) pela
graça de Deus. A igreja é o povo da aliança. Em fidelidade ao
Deus revelado nas Escrituras e em Jesus Cristo, os cristãos
aceitam a responsabilidade uns pelos outros e concordam
em exercitar a disciplina como algo indispensável para
serem fiéis à aliança que Deus fez com eles. Desse modo, a
150 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
igreja leva a sério as muitas passagens das Escrituras que
falam da importância de advertir, repreender, exortar,
encorajar, edificar e discipular uns aos outros em amor.
Jesus disse em Mateus 18.20: “Porque onde estiverem dois
ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” _
essa é, certamente, uma das mais surpreendentes afirmações
na Escritura. Esse versículo, no entanto, aparece no final
de um trecho em que Jesus fala de pecados, conflitos e a
necessidade de se confrontar uns aos outros. Por isso, Jesus
está falando de algo que significa mais do que o simples fato
de estarem com ele. Está falando sobre o que significa ser
uma comunidade de discípulos. Estarmos “juntos com
Jesus” por um breve intervalo de tempo não é problema.
Mas os problemas surgem quando começamos a viver juntos
como irmãos em Cristo, ajudando-nos uns aos outros a
sermos mais fiéis ao nosso chamado como cristãos. Os
pecados acontecem. Ofendemos uns aos outros, irritamos
uns aos outros. E assim confrontação, disciplina e
reconciliação se tornam necessárias. Isso, também, é parte
do que significa “estar com Jesus”. Parte da ecologia da
igreja é aprender a viver e funcionar juntos como uma
comunidade de disciplina.
Não seguimos naturalmente o caminho de Jesus.
Tendemos a nos extraviar, fazendo o que nos agrada em vez
de fazer o que agrada a Deus. Precisamos de alguém para
nos guiar, encorajar-nos, elogiar-nos quando fazemos bem
alguma coisa e nos corrigir quando fazemos algo errado.
Precisamos de disciplina - tanto da disciplina interior que
flui do centro de nossas vidas em Cristo e do andar no
Espírito, como da disciplina externa que vem do fato de
prestarmos contas uns aos outros.
Deus nos salvou e nos fez responsáveis uns pelos outros.
É por isso que Paulo diz: “Não tenha cada um em vista o
que é propriamente seu, senão também cada qual o que é
dos outros” (Fp 2.4). Os crentes devem estar prontos a
assumir alguma responsabilidade em relação a sua própria
vida e também pela vida de seus irmãos na fé.
A ECOLOGIA DA IGREJA 151
Essa é uma das razões pelas quais estruturas de grupos
pequenos são essenciais na igreja. O Novo Testamento
mostra um nível de vida cristã que é distinta da do mundo e
que simplesmente não se experimenta sem alguma forma de
estrutura de grupos pequenos. Hebreus 3.13 nos ordena:
“Exortai-vos mutuamente cada dia a fim de que nenhum
de vós seja endurecido pelo engano do pecado.” Isso requer
freqüentes reuniões íntimas, porque sem esse suporte mútuo
constante provavelmente seremos endurecidos pelo pecado.
Hebreus 10.25 é um texto correlato: “Não deixemos de
nos reunir como igreja, segundo o costume de alguns, mas
encorajemo-nos uns aos outros” (NVI). Essas passagens
parecem indicar encontros freqüentes para encorajar uns
aos outros. Apontam para períodos de reunião em grupos
menores para edificação e disciplina, bem como outros
contatos freqüentes entre crentes. Esta é uma questão-chave
de estrutura, para a qual voltaremos em um capítulo
posterior.
Várias passagens bíblicas falam da necessidade de se
encorajar, exortar e até repreender uns aos outros na igreja
- como, por exemplo, Tiago 5.16, 1 Tessalonicenses 5.11,
Colossenses 3.16, Romanos 12.15, e a passagem de Mateus
18 já mencionada. Esses textos retratam um nível de
compromisso cristão e comportamento que requer alguma
forma de pequenas células para subsistir. Chamo essas
células de “células de aliança”. A igreja simplesmente perde
essas qualidades quando não se reúne com suficiente
freqüência, intimidade e compromisso de modo a permitir
que elas se desenvolvam.
A santificação está relacionada de maneira muito íntima
à disciplina e à edificação (oikodome) da igreja, que já
discutimos. A santificação ‹ê obra do Espírito, pela qual Deus
restaura sua imagem nos crentes e na comunidade da fé.
Consiste em ter a mente de Cristo, produzindo o fruto do
Espírito. É a manifestação do caráter de Cristo em seu
Corpo.
152 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Essa manifestação é a obra do Espírito Santo nos crentes
e na comunidade cristã. Jesus quer nos tornar semelhantes
a ele e, por isso, a santificação dos crentes é parte do
propósito da nossa vida na igreja. Deus deseja um povo santo
- um povo distinto do mundo de tal modo que possa se
engajar com o mundo. Essa santidade não deve ser moldada
segundo alguma noção de santidade abstrata ou de outro
mundo, mas de acordo com o caráter de Jesus Cristo.
A piedade pessoal tem seu lugar na família de Deus. Os
fundamentos da hora devocional e do crescimento na graça
são preocupações legítimas para os que se dispõem a colocar
Deus em primeiro lugar em suas vidas. No entanto, a igreja
sempre corre o risco de desviar o foco dessas atividades para
o narcisismo espiritual ou o subjetivismo. Outros aspectos
da ecologia total da igreja, se mantidos em equilíbrio, podem
efetivamente deter essa tendência. Como Richard Foster
sugere em Celebração da Disciplina, a vida e disciplina
interiores devem ser equilibradas por vida e disciplinas
coletivas e externas? Estudo bíblico, leitura devocional,
oração, jejum e outros meios para uma vida santa são
fundamentos importantes em si mesmos. Tornam-se
poderosos na vivência cristã quando são partes da ecologia
equilibrada da comunidade cristã.
Os cristãos deveriam ser os que se preocupam, como John
Wesley sempre dizia, com “toda a santidade interior e
exterior”. Nossos hábitos pessoais, a mordomia do nosso
corpo, o compromisso com a honestidade, integridade e
pureza são tão importantes para a saúde da igreja quanto o
nosso testemunho mais visível, no mundo. Ambos, a saúde
da igreja e o testemunho, são partes da vida santificada.
A santificação, acima de tudo, é o ministério do Espírito
Santo. Somos salvos “pela santiñcação do espírito e fé na
verdade” (2 Ts 2.13). Deus continua sua obra de santiñcação
em nós e em seu corpo quando permitimos que seu Espírito
nos purifique, nos encha e nos liberte. “Onde está o Espírito
do Senhor, aí há liberdade. E todos nós, com o rosto
desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do
A ECOLOGIA DA IGREJA 153
Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua
própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 C0 3_17­
18).
Essa liberdade floresce quando a igreja funciona de acordo
com a ecologia e a economia de Deus. Não acontece de outra
maneira, ou pelo menos não na extensão que Deus deseja,
pois a santificação é parte do quadro maior da vida da igreja.
A prioridade da santificação é outra razão pela qual a
igreja precisa de grupos pequenos bem unidos e coesos (as
chamadas células de aliança) para sustentar sua vida. Tais
grupos são tão importantes quanto os outros auxílios para
espiritualidade e edificação que a igreja proporciona.
Os dons espirituais são parte de vital importância da vida
comunitária da igreja. Vamos olhar mais de perto os dons
espirituais no próximo capítulo, mas aqui devemos observar
o seu lugar na ecologia essencial da vida da igreja.
Os dons do Espírito se tornam muito importantes e
práticos quando são despertados, identificados e exercitados
no contexto da comunhão cristã. Na ecologia de Deus, o fruto
do Espírito e os dons do Espírito caminham juntos. Enfatizar
um deles mais que o outro é distorcer o plano de Deus para
a igreja, deformando o corpo.
Os dons espirituais não são “coisas” que Deus dá, como
presentes ou bônus. Antes, são manifestações de sua graça
na igreja. São a graça ‹1e Deus operando por meio das
personalidades dos crent es, preparando-os e capacitando­
os para seus ministérios específicos, a fim de que a igreja
possa ser edificada, o Reino de Deus seja estabelecido e Deus
seja glorificado em tudo. A passagem bíblica fundamental
para se entender os dons do ponto de vista ecológico é Efésios
4.11-16.
Os dons espirituais são uma das pedras fundamentais do
ministério do povo de Deus. Os dons são despertados,
identificados e canalizados à medida que os crentes são
intimamente unidos na vida comunitária da igreja. Além
disso, à medida que o leque de dons é despertado e começa a
funcionar, esses dons ativam outros aspectos da vida e da
154 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
missão da igreja. Dessa forma, os dons são um dos mais
importantes elos na ecologia da igreja. O desenvolvimento
dos dons proporciona grande parte do dinamismo do
testemunho e adoração da igreja, assim como grande parte
da edificação da comunidade. Se confiamos em Deus e em
sua obra no corpo, descobriremos que o Espírito levanta
pessoas com os dons necessários para fazer funcionar a
ecologia completa da igreja. Isso, então, se torna algo
essencial para o testemunho da igreja no mundo.
Em suma, podemos dizer que a disciplina, a santificação
e os dons espirituais constituem a ecologia da vida
comunitária da igreja. O propósito de seu funcionamento

1.6) '
conjunto é a edificação da família de Deus de modo que ela
possa de fato viver “para louvor da glória de sua graça” (Ef

(3) Evangelização, Serviço e Justiça


Os elementos-chave no testemunho da igreja são
evangelização, serviço e justiça. Somando esses elementos,
conseguimos um retrato bem completo da ecologia total da
igreja.
Historicamente, a igreja tem encontrado dificuldades para
manter juntos a evangelização, o serviço e o testemunho
profético da justiça de Deus. Mas quando o testemunho
evangelístico tem sido apoiado por um serviço amoroso no
espírito de Jesus e por uma autêntica preocupação com a
justiça, a igreja tem atingido seu ponto mais alto, e assim
tem provocado o seu maior impacto pelo Reino.
A evangelização - o ato de compartilhar as boas novas
de Jesus e do Reino - é sempre importante em uma igreja
fiel, segundo o padrão bíblico. Numa igreja saudável, via de
regra a evangelização simplesmente acontece, mas não ficam
falando nela o tempo todo. Esse é provavelmente o motivo
pelo qual o Novo Testamento dá muitos exemplos do
testemunho evangelístico da igreja, mas fala pouco sobre a
necessidade de evangelizar. Hoje, entretanto, precisamos
enfatizar a evangelização na ecologia da igreja porque a
A ECOLOGIA DA IGREJA 155
história eclesiástica e a tradição acumulada mostram a
tendência ou para exagerar ou para negligenciar o impulso
missionário do evangelho.
Ecologicamente, a evangelização afeta de maneira
significativa as outras áreas da vida da igreja. Uma igreja
que não evangeliza se torna ensimesmada e egocêntrica. Com
o tempo, muitas vezes ela se torna legalista por causa do
peso da tradição, falta de sangue novo e perda do vigor que
os novos convertidos trazem. A fecundidade evangelística
aviva tanto a adoração da igreja como a sua vida
comunitária. A igreja foi feita para crescer e se reproduzir.
Quando isso não acontece, seu vigor diminui. Os novos
convertidos na comunhão de uma igreja são como o
nascimento de um bebé dentro de uma família.
O serviço significa a ação da igreja como serva no mundo,
segundo o exemplo de Cristo. Assim como a evangelização,
o serviço é parte do transbordamento da vida do Espírito na
igreja. Está arraigado na vida comunitária da igreja porque
o serviço cristão significa tanto servir uns aos outros na
família da fé como estender a mão em serviço para o mundo.
O serviço se baseia também na adoração, porque nela somos
relembrados do que Deus tem feito por nós. Sua Palavra nos
chama a ir até os pobres, os oprimidos e os que sofrem, nos
passos de Jesus.
A justiça é também uma parte essencial do testemunho
da igreja para o mundo. Jesus nos comissionou para fazer
do “Reino de Deus e sL.a justiça” nossa primeira prioridade
(Mt 6:33).9 Na ecologia bíblica, a evangelização e o serviço
combinam com o testemunho profético da igreja a favor da
justiça, renovando a sociedade e apontando de maneira
genuína para o Reino.
A igreja que encarna essa ecologia bíblica tripartite é
profética no mundo - profética tanto por aquilo que ela é
como pelo que ela faz. Ela é profética quando cria e sustenta
uma comunidade de crentes reconciliados e reconciliadores,
reconhece e identifica o verdadeiro inimigo, renuncia à
definição e prática de poder do mundo e trabalha pela justiça
1 56 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
na sociedade.” Acima de tudo, a igreja é profética quando,
por sua adoração, comunhão e testemunho, aponta para o
Reino e manifesta a nova era do Reino.
A igreja é a palavra e o testemunho profético de Deus no
mundo quando se posiciona ao lado dos pobres e a favor dos
pobres. Jesus deixou claro que esse é o lugar onde devemos
estar, como já vimos (Mt 25.31-46). Quando servimos os
pobres, não estamos levando Cristo a eles; estamos
simplesmente indo aonde ele já está e tornando-o conhecido
(Mt 25.40). Portanto, a evangelização e o serviço da igreja
por si mesmos se tornam proféticos, mostrando a
preocupação de Deus com a justiça para os oprimidos.
Permanecer ao lado dos pobres significa ao mesmo tempo
apontar para a nova era e condenar os poderes da presente
era (sejam políticos, econômicos, físicos ou espirituais), que
se contentam em oferecer segurança aos ricos e conselhos
para os pobres. Esse é um outro jeito de dizer que a igreja
deve ser um sinal visível do Reino.
Do ponto de vista ecológico, então, a evangelização, o
serviço e a justiça se combinam e interagem para constituir
o testemunho da igreja no mundo. Esse testemunho é
alimentado e autenticado (ou submetido à fome e traído)
pela qualidade da adoração e vida comunitária da igreja.
Usando o Modelo
Este modelo ecológico para a vida da igreja pode ser
estrategicamente útil. Além de auxiliar nosso entendimento,
é útil na tarefa de diagnosticar a condição de uma igreja e
resolver a questão de estrutura.
Os problemas numa igreja com freqüência apontam para
um desequilíbrio na ecologia de adoração, comunhão e
testemunho. Enxergar a igreja como um organismo vivo nos
ajuda a discernir a doença, o problema patológico, que talvez
precise de tratamento para que a comunidade possa ter uma
vida equilibrada e saudável. Precisamos, portanto,
diagnosticar o problema e corrigi-lo.
A ECOLOGIA DA IGREJA 157
Quando a igreja é fraca em adoração, sua vida se torna
humanista e subjetiva. Muitas vezes perde-se o impulso para
a evangelização. Quando a vida em comunhão é anêmica, os
crentes permanecem bebês espirituais e não crescem em
Cristo. A adoração pode se tornar fria e formal, e o
testemunho fraco ou excessivamente individualista e
programado. Se o testemunho da igreja é o problema, a
comunhão pode se tornar ensimesmada e egocêntrica. A
igreja se desvia para o legalismo a fim de resguardar sua
vida e tem pouco crescimento ou impacto. Investigar essas
várias áreas pode ser muito revelador para uma igreja que
está procurando ser livre para o Reino, mas percebe que
existe algo errado.
A renovação, portanto, significa trazer a igreja ao nível
normal de saúde que Deus deseja. Na verdade, o objetivo não
é tanto a renovação, mas principalmente a vitalidade. A
renovação deve ser entendida como a construção de uma
comunidade vigorosa que trabalhe junto com os propósitos
do Reino de Deus.
Este modelo pode ser usado também para explorar as
questões de estrutura da igreja. Se a adoração, a comunhão
e o testemunho são básicos para a saúde da igreja, a questão
que se levanta é se a igreja realmente tem estruturas
funcionais nessas áreas. Alguns componentes da vida da
igreja requerem mais estrutura que outros. Mas se os vários
elementos que constituem o modelo são todos essenciais,
então precisamos pergi; ntar se a igreja está estruturada para
a vida nessas áreas. A estrutura não vai trazer vida, mas
sua ausência pode trazer a morte. Uma família pode viver
sem uma casa, mas seria mais saudável se tivesse um abrigo.
A estrutura é o esqueleto que dá forma à vida.
Ao levantar a questão de estrutura, devemos lembrar que
a igreja é sobretudo um organismo carismático em vez de
uma instituição ou organização. Portanto, as estruturas
criadas para a vida da igreja devem se enquadrar em um
modelo orgânico. Precisam ser carismáticas, ou seja,
baseadas na graça de Deus (charis) e nos dons do Espírito
158 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
(charismata). As estruturas não devem ser uma mixórdia
de programas e organizações conflitantes com a natureza
essencial da própria igreja.
São essas as dimensões e algumas das dinâmicas da
ecologia do Corpo de Cristo. Formar odres funcionais e fiéis
no mundo de hoje significa encontrar maneiras práticas de
ajudar a igreja a experimentar a ecologia equilibrada de
adoração, comunhão e testemunho.
CAPÍTULO ll

O LUGAR DO DO
ESPIRITUAIS

Deus cria. Por isso, homem e mulher, criados à sua imagem,


também criam. O Espírito de Deus que “se movia sobre a face
das águas” no alvorecer da criação é o mesmo que, de acordo
com as Escrituras, opera na igreja, concedendo a cada um “a
manifestação do Espírito, visando ao bem comum” (1 Co 12.7,
NVI).
A fé cristã dá espaço para dons e criatividade com base na
importante doutrina bíblica dos dons do Espírito. Muitos
cristãos, porém, ficam confusos quanto aos dons espirituais e
não estão conscientes da criatividade implícita neles. Muitas
de nossas tradições cristãs - de maneira implícita, se não
explícita - negam a possibilidade de criatividade real. A igreja
institucionalizada apresenta com freqüência uma percepção
errônea perigosa e paralizante do conceito bíblico de dons.
Embora o interesse pelos dons espirituais tenha crescido
consideravelmente nas últimas décadas, muitas vezes tem
gerado mais calor do que luz.
É impossível entender realmente o que o Novo Testamento
ensina sobre igreja, a menos que se entenda o que ele ensina
a respeito dos dons espirituais. Já mostramos que os dons
fazem parte da ecologia essencial da igreja como um organismo
espiritual. Eles se relacionam principalmente não com
160 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
experiências individuais de cristãos, mas com a vida orgânica
da igreja. Dons são dados para a comunidade e no contexto da
comunidade.
J ai sugeri no capítulo 6 a maneira pela qual nossa concepção
errada sobre os dons espirituais afeta nosso conceito de
ministério pastoral e reforça o conceito de “Superstar”; e nos
dois últimos capítulos, observamos que a estrutura da igreja
deve ser compatível com os dons. Precisamos agora discutir
com um pouco mais de profundidade o lugar dos dons
espirituais na vida da igreja.
A igreja, em sua forma institucional, na maior parte do
tempo deixa um espaço muito reduzido para dons espirituais
espontâneos. Pior ainda, ela não precisa dos dons espirituais
para funcionar relativamente bem. Quando a igreja local é
estruturada segundo um modelo institucional, em vez de se
basear num modelo carismático, os dons espirituais são
substituídos pela aptidão, educação e técnica e, dessa forma,
passam a ser supérfluos.
Muitos equívocos comuns acerca dos dons espirituais
precisam ser corrigidos e ter desmascarada sua verdadeira
natureza. Na realidade são tendências não-bíblicas que
efetivamente apagam a obra do Espírito Santo na comunidade
cristã. Apresento a seguir cinco dessas tendências:
1. A tendência de negar ou desacreditar os dons espirituais.
Em sua forma mais extrema, essa linha diz que os dons
espirituais foram dados como sinais miraculosos no
Pentecostes, mas não têm mais legitimidade hoje. Dons de
cura, profecia e línguas não são mais válidos. Numa forma
mais moderada, essa linha admite, teoricamente, a validade
dos dons espirituais, mas na prática suspeita deles e tende a
desacreditá-los. Todos os dons espirituais, e em especial os
mais controvertidos, são encarados como supérfluos, se não
heréticos.
Essa posição, porém, limita de maneira perigosa a ação do
Espírito Santo e a relevância do Novo Testamento para o
tempo presente. Não há nenhuma razão, por exemplo, para
aplicarmos os capítulos 12 e 14 de 1 Coríntios exclusivamente
o LUGAR Dos Dolvs ESPIRITUAJS 161
à igreja primitiva, e não fazer o mesmo com o capítulo 13.
Dons e amor andam juntos - tanto no século vinte como no
primeiro.
A negação dos dons espirituais é sinal de um equívoco básico
quanto à natureza dos dons e, no fundo, sobre a natureza da
igreja. Os que têm medo dos dons espirituais (e muitas vezes
o problema é esse mesmo: o medo) em geral imaginam os dons
como algo altamente individualista, irracional, e com
manifestações excêntricas que perturbam a unidade do Corpo
de Cristo. Mas essa caricatura não representa tudo o que a
Bíblia ensina sobre os dons do Espírito.
Os dons espirituais não podem ser desprezados sem que
haja uma correspondente desvalorização da visão bíblica de
igreja e de vida cheia do Espírito. Os charismata não são algo
acrescentado de modo artificial, nem estão limitados a
determinadas épocas ou culturas. Eles são válidos
transculturalmente e é sua presença na igreja que a torna
relevante numa dimensão transcultural. Não é por acaso que
Paulo, tanto em Romanos 12 como em Efésios 4, relaciona a
unidade do ministério do Espírito na igreja com a diversidade
de dons. O apelo para que os cristãos apresentem os corpos
como sacrifício vivo e se transformem pela renovação da mente
é seguido pela exortação para que, tendo “diferentes dons
segundo a graça que nos foi dada”, façam bom uso deles (Rm
12.1-6). As duas injunções continuam valendo para os dias de
hoje.
Vale lembrar que nenhuma das discussões do Novo
Testamento sobre dons restringe algum dom específico
somente aos homens ou às mulheres. Aparentemente, a igreja
do Novo Testamento aceitava de bom grado todo e qualquer
dom concedido por Deus, independentemente do fato de o
receptor ser um homem ou uma mulher.
Não temos nenhuma autoridade para invalidar algum dom
específico. Talvez seja difícil aceitar a totalidade do ensino
bíblico sobre esse assunto, mas isso é necessário para evitar o
empobrecimento da igreja, e é absolutamente essencial para
16.2 VINHO N OVO. ODRES NOVOS
uma doutrina verdadeiramente bíblica de igreja e seu
ministério.
2. A tendência de superindividualizar os dons espirituais.
O cristianismo ocidental tem uma tendência de individualizar
o evangelho em detrimento de seus aspectos comunitários e
coletivos. ' Concepções contemporâneas de dons espirituais têm
sofrido dessa tendência. Como conseqüência, os dons
espirituais são quase sempre vistos como matéria restrita ao
relacionamento “particular” do crente com Deus, sem levar
em consideração a comunidade cristã. Em contraste, Paulo
repetidamente enfatiza que os dons do Espírito são para
edificação da igreja e perdem sua significância com a perda
dessa ênfase. O princípio geral é: “A cada um, porém, é dada a
manifestação do Espírito, visando ao bem comum" (1 Co 12.7 ,
NVI). Cada dom, concedido pela graça, é equilibrado pela
responsabilidade da comunidade e interação com ela. Paulo
introduz seus comentários sobre dons em Romanos 12
afirmando: “também nós, conquanto muitos, somos um só
corpo em Cristo e membros uns dos outros” (Rm 12.5). E esse
0 equilíbrio bíblico, e os dons espirituais só podem ser
compreendidos corretamente nesse contexto.
De acordo com o Novo Testamento, a comunidade de crentes
atua como o contexto de controle para o exercício dos dons,
desencorajando dessa forma as aberrações individualistas. Os
dons têm de operar dessa maneira. A igreja é, como disse
Gordon Cosby, “uma comunidade despertadora e portadora
de dons”. Quando a igreja realmente funciona desse modo, os
vários dons não só reforçam uns aos outros, mas também
atuam como dispositivo para avaliação e controle mútuos, a
fim de evitar extremos. Aqui a analogia neotestamentária do
corpo é muito útil. A mão ou pé são contidos de alguma ação
extremada por meio de suas ligações com os vários órgãos e
sistemas do corpo. Enquanto estiver funcionando como parte
do corpo, a mão é útil e até indispensável, mas cortada fora
ela se torna grotesca e inútil. Acontece 0 mesmo com os dons
espirituais.
O LUG/LR DOS DONS ESPIRITUAJS ] 65
Cabe ressaltar neste ponto que os pequenos grupos de
estudo bíblico são especialmente úteis. () grupo pequeno
conduzido pelo Espírito constitui uma comunidade e oferece
o contexto tanto para despertar dons como para disciplinar
seu uso. Mediante várias células desse tipo, a comunidade
maior da igreja é edificada.
Dons espirituais não são dados para satisfação pessoal;
tampouco visam prioritariamente ao crescimento espiritual
de quem os possui, embora isso também seja importante. Dons
são dados para o bem comum, “para que a igreja receba
edificação” (1 Co 14.5).
3. A tendência de confundir dons espirituais com
capacidades inatas. O erro aqui está em se posicionar em um
dos extremos: achar que os dons espirituais e as capacidades
inatas ou são sinônimos ou são opostos.
Cada pessoa nasce com possibilidades latentes que podem
ser desenvolvidas e empregadas para a glória de Deus. Isso é
mordomia. Mas quando o Novo Testamento fala de dons
espirituais, vai além disso. Paulo diz que o Espírito Santo
“realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a
cada um, individualmente” (1 Co l2.11). Isso sugere um
relacionamento imediato, direto, entre Deus e o crente através
da conversão e vida no Espírito. Os dons espirituais resultam
da operação do Espírito na vida do crente, de modo que são
algo mais do que o simples uso sábio e ñel de habilidades
inatas. Dons devem ser entendidos, literalmente, como
dádivas ou presentes do Espírito.
Mas como e quando o Espírito opera? Só depois da
conversão? O Espírito Santo é o Espírito da criação, “que se
movia sobre a face das águas”, o mesmo Espírito que disse a
Jeremias: “Antes que eu te 1`ormasse no ventre materno, eu
te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te
constitui profeta às nações” (Jr 1.5). Deus é soberano e
onisciente e não devemos supor que ele só começa a trabalhar
na vida de uma pessoa depois de sua conversão. Além disso,
não existe na verdade nenhuma capacidade “inata”. Añnal,
“que tens tu que não tenhas recebido'?” (1 Co 4.7). Não seria
164 v1NHo NOVO. oDHEs NOVOS
nada demais afirmar que Deus, em sua presciência, dá a cada
pessoa, por ocasião do nascimento, os talentos que deseja
despertar e acender mais tarde. Um dom espiritual é
freqüentemente uma capacidade dada por Deus e que pegou
fogo.
Uma capacidade inata não se torna um dom do Espírito até
que ela seja entregue ao Espírito e usada por ele. Aplica-se
aqui o princípio da cruciíicação e ressurreição, de morrer e
ser ressuscitado. Habilidades naturais permanecem no plano
das obras humanas destituídas de poder enquanto não forem
entregues a Deus como sacrifício.
Em seu livro Full Circle, David Mains escreve numa
excelente discussão a respeito dos dons espirituais:
Nas áreas em que tenho capacidades naturais, como por
exemplo, facilidade para falar em público, a diferença
entre talentos pessoais e dons do Espírito Santo é
encontrada em minha atitude. Se reconheço que o
talento vem de Deus, e em oração e dedicação contínuas
entrego-o a Ele para que seja usado no ministério de
uma forma especial, ele se torna um dom do Espírito
Santo, com expressão sobrenatural. A prova disso se vê
na maneira gradual em que Deus vai incrementando 0
dom para Seu serviço?
Portanto, talentos e dons não são sinônimos nem se encontram
em pólos opostos. Ambos, afinal, são concedidos por Deus.
Não é por acaso que vendedores convertidos muitas vezes se
tornam bons evangelistas. Deus não é movido por caprichos.
Embora não possamos limitar o trabalho soberano do Espírito,
ainda assim podemos esperar alguma correspondência entre
as habilidades inatas e os traços de personalidade de uma
pessoa - latentes ou desenvolvidos - e os dons espirituais
que Deus irá manifestar. O Espírito tenciona transformar­
nos naquilo que deveríamos ser, não em fotocópias uns dos
outros.
4. A tendência de exagerar alguns dons e desprezar outros.
Essa é uma das distorções mais sérias e mais comuns dos dons
espirituais: a tendência de considerar legítimos somente os
O LUGAR DOS DONS ESPIRITUAIS 165
dons que nos são familiares ou com os quais nos sentimos à
vontade. Pode-se perceber a seriedade dessa aberração no fato
de a maioria das discussões sobre dons espirituais se desviar
para a questão das línguas. Essa tendência, de só se pensar
em dons mais espetaculares como línguas, cura ou profecia
quando se fala em dons espirituais, é uma distorção que deve
ser evitada. Todos os dons são importantes, todos os dons são
necessários e todos são dados por Deus para o bem comum.
Um exame das passagens bíblicas relevantes sugere que os
vários dons mencionados são representativos e não se pretende
apresentar uma lista exaustiva. A multiforme operação do
Espírito pode despertar uma infinidade de dons, e eles podem
ser tão variados quanto a personalidade humana. O Novo
Testamento alista dons específicos de liderança como os de
apóstolo, profeta, evangelista e pastor-mestre (Ef 4.11; 1 Co
12.28). Outras designações, porém, como palavra de
conhecimento, socorros, serviço, misericórdia e outros, podem
ser entendidas como categorias gerais que incluem um amplo
espectro de dons e ministérios específicos.
Dessa forma, qualquer habilidade inflamada e usada pelo
Espírito Santo - seja na música, na arte, na escrita, na oração
intercessória, nos afazeres domésticos, na hospitalidade, no
ouvir ou em qualquer outra área - é um dom espiritual
legítimo. Se Deus concedeu c dom, então ele é bom e deve ser
usado. O ensino bíblico é simples: “Servi uns aos outros, cada
um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da
multiforme graça de Deus, para que em todas as coisas seja
Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo” (1 Pe 4.10, 11).
O problema, muitas vezes, está na incapacidade de afirmar
todo o leque de dons - a incapacidade de apreciar a
“multiforme graça de Deus”. Todos os dons são importantes
e nenhum deles é uma aberração se for exercido de maneira
correta no contexto da comunidade. Por isso, assim como é
errado enfatizar de modo exagerado a pregação e o ensino e
negar as línguas e curas, é errado também exagerar do outro
lado e enfatizar de tal forma os dons espetaculares que os
dons mais “normais” sejam perdidos de vista. O Espírito Santo
1 6 6 VINHO Novo, onmêrs NOVOS
só pode agir de modo que “não haja divisão no corpo" quando
todos os dons são afirmados e exercidos em cooperação mútua.
Deixe-me citar David Mains novamente:
Cada membro verdadeiro de igreja local tem no mínimo
um dom, e a maioria das pessoas tem muitos. Como
ninguém tem todos os dons, e todos têm pelo menos um,
existe uma interdependência entre os membros da igreja.
As Escrituras ensinam (1 Co 12.22-25) que os dons
menos espetaculares são mais necessários que os mais
vistosos. Em outras palavras, a igreja pode caminhar
por muito tempo sem um milagre, mas não consegue
existir sem atos de misericórdia ou ofertas! E triste
ver como o corpo de Cristo tem se tornado aleijado
porque nosso propósito principal ao freqüentar a igreja
tem sido ouvir um homem exercitar seus dons, em vez
de capacitar todas a_s pessoas a desenvolver seus dons
para o ministério, não só dentro da igreja, como também
junto à sociedade.”
Uma igreja saudável irá esperar, identificar e despertar a
variedade de dons que estão adormecidos no Corpo. Quando
todos os dons são añrmados sob a liderança do Espírito Santo
e no contexto do amor mútuo, cada dom é importante e
nenhum deles se torna uma aberração. Se o Espírito Santo
decide outorgar a uma congregação local todos os dons
mencionados nas Escrituras, isso, sem dúvida, é uma decisão
divina e não compete a nós questioná-la. Nada temos a dizer,
pois O Espírito Santo é soberano. Porém, podemos estar certos
de que Deus dará a cada igreja local todos os dons realmente
necessários para 0 seu crescimento em amor e ministério.
5. A tendência de separar os dons espirituais da cruz. Essa
tendência resulta da falha em encarnar a tensão entre a cruz
e os charismata, entre a Páscoa e o Pentecostes. Por um lado,
os dons são enlatizados de tal modo que a cruz se perde de
vista e a comunidade é fragmentada pelo egocentrismo. Ou
então pode-se fazer exatamente 0 oposto: negar qualquer
ênfase nos dons por medo do egocentrismo e orgulho espiritual.
O LUGAR DOS DONS ESPIRITUAIS 167
Qual Ó a visúo du Bíblia? (Iomo o fato de todos os crentes
descobrir e exercer seus dons harmoniza com as palavras
fundamentais de Cristo: “Se alguém quer vir após mim, a si
mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8.34)?
Temos aqui o perigo de os dons espirituais serem mal­
compreendidos. O ensino do Novo Testamento não é um
chamado para cada cristão “cuidar da sua própria vida” e
esquecer o bem-estar do grupo e as necessidades do mundo. O
ministério não é determinado exclusivamente pelo desejo
pessoal, mas, sim, pela cruz.
Biblicamente, não há contradição entre a afirmação dos
dons e a auto-negação; na realidade, os dois caminham juntos.
O princípio bíblico, mais uma vez, é: morte e ressurreição.
Cada um de nós é crucificado com Cristo e morre para sua
própria vontade, e o Espírito Santo faz ressuscitar dentro de
nós nosso dom. Por isso, o dom espiritual, exercido de maneira
correta, não é egocêntrico. Ele dá a si mesmo.
Mas precisamos nos aprofundar mais ainda nessa matéria:
descobrimos 0 verdadeiro significado da crucificação quando
começamos a realmente exercer nossos dons. O exercício fiel
dos dons do Espírito nos dará um espírito de sacrifício, numa
dimensão cada vez mais profunda -Í e Deus planejou as coisas
para que funcionem dessa maneira. E assim que fomos criados,
nos aspectos psicológico, emocional e espiritual.
Portanto, somos colocados frente a frente com a vida e morte
de Jesus Cristo, Filho de Deus e homem perfeito. Podemos
supor que ele possuía, pelo menos potencialmente, todos os
dons do Espírito. Exerceu publicamente muitos deles:
apóstolo, evangelista, dons de curar, profeta, mestre,
auxiliador, consolador, amigo. O exercício fiel do ministério
levou-o não ao trono, mas à cruz. Mas também levou-o além
da cruz, à ressurreição.
“Para isto vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu
em lugar de vocês, deixando-lhes exemplo, para que sigam os
seus passos” (1 Pe 2.21, NV I). Aqui está o significado dos dons
do Espírito.
1 68 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
Elizabeth O'Connor escreveu com muita perspicácia, em
seu livro Eighth Day of Creation 1 “Quando alguém realmente
põe em prática seus dons, estes vão fazê-lo transpirar
responsabilidade e sacrifício”. Diz mais:
A identificação dos dons traz à tona a questão do
compromisso. Se de alguma forma identifico meu dom e
ele é confirmado, não posso continuar “levando na
brincadeira” como tenho feito. Eu preferiria muito mais
estar comprometido com Deus no abstrato do que estar
comprometido com ele em termos de meus dons.
Portas irão se fechar a um milhão de agradáveis
possibilidades. Vou me tornar um pintor ou um médico
somente se a auto-negação se tornar parte da minha
perspectiva da realidade. Compromisso em termos de
meus dons signiñca que devo deixar de ser um eterno
visitante de igrejas. Em algum lugar bem no fundo do
coração sei disso. A vida não será mais o bufê que tenho
feito dela, provando e beliscando aqui e ali. Meu
compromisso me dará uma identidade!
Dons espirituais alcançam legitimidade e significado
plenamente bíblicos somente dentro do padrão da encarnação­
crucificação-ressurreição.
Muitas igrejas hoje ainda estão confusas acerca dos dons
espirituais, mas o ensino bíblico a esse respeito é claro, se o
procurarmos. As várias distinções sugeridas aqui são
tentativas de se retirar algumas camadas de concepções
culturalmente deñnidas, para que os ensinos bíblicos se
tornem claros.
A necessidade urgente de nossos dias é que os dons
espirituais sejam vistos e entendidos no contexto da
eclesiologia, como no Novo Testamento. Uma compreensão
bíblica dos dons espirituais é absolutamente essencial para
uma concepção bíblica de igreja, pois isso vai determinar se
nossa eclesiologia é baseada em um modelo carismático ou
institucional.
Quando os dons espirituais são mal-compreendidos ­
superindividualizados, negados, divorciados da comunidade
O LUGAR DOS DONS ESPIRITUAJS 169
ou distorcidos de qualquer outra maneira - a igreja sofre. A
igreja torna-se verdadeiramente igreja somente quando o
significado bíblico dos dons espirituais é resgatado. Uma igreja
cuja vida e ministério não são alicerçados sobre o exercício
dos dons espirituais é, biblicamente, uma contradição de
termos.
Em décadas recentes, parece que o próprio Espírito Santo
tem chamado sua igreja de volta à realidade dos dons
espirituais. Igrejas locais têm sido renovadas, livros têm sido
escritos e uma consciência acerca dos dons tem se desenvolvido
gradualmente.
Muitas igrejas hoje estão descobrindo o significado prático
dos dons espirituais e isso é cada vez mais óbvio na literatura
sobre a renovação da igreja. A partir da perspectiva de missões
e estratégia missionária, muitos missiólogos têm enfatizado
agora a importância da descoberta e uso dos dons espirituais
no trabalho missionário da igreja pelo mundo afora?
Nenhum ensino é mais prático que a sólida instrução sobre
os dons do Espírito. Muitas vezes o crente frustrado e movido
por culpa se transforma em um discípulo feliz e eficaz quando
descobre o seu dom espiritual. Em minha própria experiência,
a descoberta dos dons tornou claro o ministério para o qual
Deus me chamou e abriu novas perspectivas e oportunidades
de serviço. Quando identifiquei e assumi meus dons, foi como
se todas as peças contraditõ rias da minha vida se encaixassem
nos devidos lugares. Encontrei a chave para o que Deus estava
fazendo em minha vida e por meu intermédio.
Serviço feliz e eficaz deve ser o resultado da identificação e
aceitação dos dons que o Espírito tem dado a nós. Pois é o
próprio Cristo quem dá do ns a homens e mulheres a fim de
que eles possam glorificá-lo com alegria.
CAPÍTULO 12

o <;RUPo PEQUENO
coMo ESTRUTURA
BASICA

Um grupo pequeno de oito a doze pessoas que se reúne


informalmente nas casas é a estrutura mais eficaz para a
comunicação do evangelho em nossa sociedade high-tech.
Esses grupos são mais adequados para a missão da igreja
num mundo urbano do que os cultos tradicionais, os
programas institucionais da igreja ou os meios de
comunicação de massa. Do ponto de vista metodológico, o
grupo pequeno oferece a maior esperança para a descoberta
e uso dos dons espirituais e para a renovação na igreja e na
sociedade.
Essa é uma das principais conclusões que surgem da
análise dos capítulos anteriores. Defendo o grupo pequeno
como estrutura básica da igreja, não tanto pelo fato de sua
utilidade ter sido abundantemente demonstrada em anos
recentes mediante a proliferação de estudos bíblicos nos
lares, igrejas em células, grupos familiares e vários tipos de
grupos de compartilhamento e koinonia - embora isso seja
altamente significativo. Meu argumento baseia-se
principalmente no caráter inerente dos grupos pequenos e
0 GRUPO PEQ UEN0 COMO ESTRUTURA BÁSICA 1 71

em.sua_ compatibilidade essencial com a “ecologia bíblica”


da igreja.
O grupo pequeno foi a unidade básica da igreja durante
seus dois primeiros séculos. Não havia templos; os cristãos
encontravam-se quase que exclusivamente em casas
particulares. Na realidade, a existência de grupos pequenos
de um ou outro tipo parece ser um elemento comum a todos
os movimentos significativos do Espírito Santo através da
história da igreja. O pietismo primitivo tinha os collegia
pietatis - reuniões domésticas para oração, estudo bflalico
e discussão. O grupo pequeno foi um elemento básico do
reavivamento wesleyano na Inglaterra, com a proliferação
das “reuniões de classe” de João Wesleyfl Grupos pequenos
foram a base do reavivamento de santidade que varreu os
Estados Unidos no final do século dezenove e resultou, em
parte, no movimento pentecostal moderno.” De maneira mais
significativa, o caminho para a Reforma foi pavimentado
por grupos pequenos de estudo bíblico? No mínimo, esses
fatos demonstram de modo bem claro que os grupos pequenos
são propícios ao ministério renovador do Espírito Santo.
A igreja precisa redescobrir hoje o que os cristãos
primitivos já sabiam: reuniões de grupos pequenos são
essenciais para a vivência e crescimento cristão. O sucesso
de uma reunião não é “nedido pelo número de pessoas. Sem
o grupo pequeno, a igreja numa sociedade high-tech
simplesmente não experimenta um dos fundamentos mais
básicos do evangelho - a verdadeira, rica e profunda
comunhão dos_cristãos, a koinonia.

Vantagens da Estrulura de Grupos Pequenos


O grupo pequeno oferece diversas vantagens sobre outras
formas de igreja:
1. É flexível. Como o grupo é pequeno, é fácil mudar seus
procedimentos ou funções para enfrentar situações novas
ou para alcançar objetivos diferentes. Por ser informal, não
tem muita necessidade de padrões rígidos de operação. E
172 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
livre para ser flexível quanto ao local, horário, freqüência e
duração das reuniões. E fácil dissolvê-lo depois que tiver
alcançado seu objetivo, sem abalar o sismógrafo
institucional. E praticamente impossível dizer isso acerca
de algum outro programa da igreja.
2. Tem mobilidade. O grupo pequeno pode se reunir em
uma casa, escritório, loja, quase qualquer lugar. Não fica
limitado àquele prédio na esquina da avenida Tal com rua
Tal a que chamamos de “igreja”. Pode ir aonde o povo (ou a
ação) está e não precisa persuadir pessoas de fora a entrar
num ambiente estranho.
3. E inclusivo. O grupo pequeno pode demonstrar uma
abertura que atraia pessoas de todos os tipos. Como diz Elton
Trueblood, quando as pessoas participam de “um círculo
pequeno que se dedica à oração e ao compartilhamento
profundo de recursos espirituais”, descobrem que são bem­
vindas pelo que são, “uma vez que o grupo pequeno não tem
orçamento, não tem burocratas preocupados com o sucesso
de sua administração, nem algo para promover.”"
E verdade que os grupos pequenos podem se tornar
exclusivos. Mas a verdadeira koinonia baseada em estudo
bíblico, adoração e oração protege-os contra isso. Mais
basicamente, a integração na ecologia total da vida da igreja,
descrita no capítulo 10, protege contra o exclusivismo e a
“koinonite”. Funcionando dessa maneira, o grupo pequeno
provê um contexto em que a pessoa pode ser vista, como
frisou Oswald Chambers, “como um fato, não como uma
ilustração de um preconceito”. Por isso, oferece alguma
esperança de que as barreiras sociais e raciais sejam
superadas.
4. E pessoal. A comunicação cristã sofre de
impessoalidade. Muitas vezes, ela é bem elaborada, muito
profissional e, por isso, muito impessoal. Mas num grupo
pequeno, pessoas encontram pessoas, e a comunicação se dá
no nível pessoal. Essa é a razão pela qual, por mais
contraditório que pareça, os grupos pequenos podem
realmente alcançar mais pessoas do que os meios de
O GRUPO PEQUENO COMO ESTRUTURA BÁSICA 173

comunicaçao de massa. A mídia alcança milhões de maneira


superficial, mas poucos com profundidade. A igreja deve usar
todos os meios disponíveis de comunicação, mas na
proclamação de um Cristo pessoal nada substitui uma
comunicaçao pessoal.
5. Pode crescer por divisão. O grupo pequeno só é eficaz
enquanto pequeno, mas pode se reproduzir facilmente. Como
células vivas, pode se multiplicar em outras duas, quatro,
oito ou mais, dependendo da liderança e vitalidade de cada
grupo. Possibilidades infinitas de crescimento numérico sem
o correspondente aumento de despesas financeiras ou
diluição do impacto espiritual são uma das mais
maravilhosas características de grupos saudáveis.
6. Pode ser um meio eficaz de evangelização. A
evangelização mais eficaz em um mundo high-tech utilizará
grupos pequenos como metodologia básica. O grupo pequeno
proporciona o melhor ambiente em que pecadores podem
ouvir a voz convincente e atraente do Espírito Santo e
ganhar a vida espiritual mediante a fé. A fé é contagiante
quando a comunhão é genuína. Robert Raines testifica em
New Life in the Church: “Tenho visto proporcionalmente
mais vidas genuinamente convertidas em e por meio de
reuniões de grupos pequenos para oração, estudo bíblico e
comunhão de vida do que em organizações e atividades
convencionais da igreja institucional.”
7. Requer um mínimo de líderes profissionais. Muitos
membros de igrejas que nunca poderiam dirigir um coral,
pregar um sermão, liderar um grupo de jovens ou fazer
visitas de casa em casa podem liderar um grupo pequeno.
Esses grupos precisam de liderança competente, mas a
experiência mostra que bons líderes podem ser preparados
em qualquer igreja mediante um ou dois grupos-chave e um
discipulado contínuo. Não é necessária toda uma equipe de
profissionais treinados.
8. É adaptável à igreja institucional. O grupo pequeno não
requer a derrubada da igreja organizada. E possível
introduzir grupos pequenos sem se descartar ou abalar a
1‹'~?' vnvuo Novo, ovmss NOVOS
'7

igreja. Porém, se a incorporação dos grupos nos lares e dos


grupos-célula ao ministério global da igreja for realizada
com seriedade, alguns ajustes serão necessários e, mais cedo
ou mais tarde, haverá discussões sobre prioridades. O grupo
pequeno deve ser visto como um componente essencial da
estrutura e do ministério da igreja (sua ecologia básica) e
não como seu substituto.
Jess Moody diz: “Venceremos o mundo quando
percebermos que a comunhão, e não a evangelização, deve
ser nossa ênfase prioritária. Quando demonstrarmos o
Grande Milagre do Amor, não nos será necessário sair ­
eles virão até nós.”° Eu diria que nossa ênfase deve ser a
evangelização através da comunhão, e em especial através
de koinonia. Isso é casar o milagre do amor com o convite
de Çristo.
E questionável que a igreja institucional possa exercer
um ministério evangelístico significativo hoje mediante
métodos tradicionais. Talvez ela seja capaz de construir uma
denominação ou megaigreja e promover programas, mas
nunca virarã o mundo de cabeça para baixo.
A maioria dos métodos atuais são muito grandes, muito
vagarosos, muito organizados, muito inflexíveis, muito caros
e muito profissionais para serem realmente dinâmicos
numa sociedade high-tech que caminha a passos rápidos. Se
uma igreja contemporânea quiser libertar-se dos prédios e
do programa, do institucionalismo e da inflexibilidade, e
retornar à dinâmica da igreja primitiva, deveria construir
seu ministério com seriedade e autoconsciência, tendo os
grupos pequenos como estrutura básica.

O Lugar do Grupo Pequeno na Estrutura da Igreja


Muitos cristãos hoje aceitam, sem questionar, alguma forma
de grupo pequeno, entendam ou não suas bases bíblicas e
teológicas. Para mim, pessoalmente, foram as Escrituras e
leituras sobre renovação da igreja que primeiro me levaram
a essa convicção. Três livros que foram especialmente úteis
o GRUPO PEQUENO como ESTRUTURA BÁSICA 1 75
e permanecem proféticos são: A New Face for the Church de
Lawrence O. Richards, e os livros de George W Webber: God 's
Colony tn Man's World e The Congregation in. Mission?
George Webber foi um dos primeiros autores do período
subseqüente à Segunda Guerra a ver o grupo pequeno como
base da estrutura da igreja, mais do que mera técnica ou
programa. Da experiência de muitos anos nos primórdios
da East Harlem Protestant Parish na cidade de Nova York,
Webber apresentou de modo convincente o grupo pequeno
como unidade básica na vida da congregação. Sua análise é
especialmente relevante porque surgiu da experiência num
centro urbano decadente - em certo sentido, um laboratório
para o futuro.
As idéias e experiências de Webber são valiosas e merecem
umiexame mais detalhado. Ele escreveu:
E preciso uma nova estrutura de vida congregacional
que possibilite encontros genuínos entre pessoas, um
ambiente onde as máscaras do auto-engano e da
desconfiança só serão mantidas com muita diñculdade
e onde homens e mulheres começarão a se relacionar
uns com os outros no nível de sua verdadeira
humanidade em Cristo?
Assim, cada igreja deve “dar as condições básicas para que
seus membros se encontrem em grupos pequenos, não como
uma alternativa ou opção para aqueles que quiserem, mas
como parte normativa da sua vida. :ng
Por quê? Em parte por causa dos padrões de vida atuais.
Em pequenas cidades, e até mesmo nas grandes cidades do
passado, os cristãos costumavam viver muito unidos em
comunidades estáveis, mas a urbanização e tecnologia
mudaram esses padrões A tecnópolis moderna é um mundo
diferente. Graças em parte à mobilidade urbana, vivemos
em vários mundos distintos no decorrer de uma semana:
escritório, shopping, vizinhança, escola, clube e, agora, o
ciberespaço da Internet. A igreja é apenas um dos muitos
mundos para a maioria dos cristãos. Por isso, hoje “não
vivemos em comunidades humanas naturais onde
1 76 vuvuo NOVO, omws NOVOS
conhecemos uns aos outros em Cristo e onde, durante a
semana, temos a chance de considerarmos juntos as
implicações de nossa fé. Isso deve ser inserido na própria
estrutura da vida da igreja. ”*°
E verdade que a igreja costuma reunir os crentes em
outras ocasiões durante a semana - mas normalmente só
um punhado dos mais dedicados e de uma forma que não
estimula a koinonia. As igrejas em geral não têm uma
estrutura normativa para verdadeiro compartilhamento e
comunhão.
O grupo pequeno, então, deve ser tanto suplementar como
normativo: suplementar porque não substitui o culto
coletivo; normativo no sentido de ser uma estrutura básica
da igreja, tão importante quanto a celebração dos cultos.
Webber, portanto, descreve a necessidade de um foco duplo
para a congregação local. Precisamos manter o velho foco
do culto coletivo, mas também insistir no novo foco do grupo
pequeno: “Precisamos participar dos cultos e do louvor da
igreja toda, e precisamos também participar de um grupo
integrado à vida da igreja, no qual procuramos compreender
o significado de nosso compromisso com Jesus Cristo e as
implicações para nossa vida como colonos no mundo.”“
De acordo com Atos 2.46, os primeiros cristãos separavam
um tempo para se reunir no templo e para partir o pão em
suas casas. “Esses são os dois focos de nossa vida como
cristãos”, diz Webber. “Participamos do culto congregacional
e nos encontramos nos grupos pequenos.”12 Portanto o grupo
pequeno não é opcional, é uma estrutura essencial. Webber
observa:
A experiência em muitos lugares ensina que tais
reuniões devem ser tanto normativas como regulares
para uma igreja. No momento em que passam a ser
freqüentadas por uns poucos piedosos, correm o risco
de perder o seu impacto. Isso não quer dizer que a
maioria da congregação participará necessariamente,
mas significa que 0 padrão ideal de igreja,
compartilhado pela liderança responsável, é centrado
0 GRUPO PEQUENO COMO ESTRUTURA BÁSICA 177
em gTup0s pequenos. O ponto crucial é que as unidades
pequenas sejam vistas, não como um expediente
temporario ou uma fórmula especial, mas como uma
estrutura essencial da vida congregacional em nossos
dias.”

Os Grupos Existem para Serviço


A simples existência dos grupos pequenos não é suficiente.
Sua função deve ser claramente compreendida. Seu propósito
é objetivo e não apenas subjetivo. Se a ênfase estiver somente
no crescimento espiritual pessoal, o grupo se introverte e
não cumpre sua finalidade - algo como puxar regularmente
uma planta pelas raízes para ver se ela está crescendo. O
propósito dos grupos “deve ser definido em termos objetivos
que definem o trabalho a ser feito e os alvos a serem
alcançados.”“ Eles existem para servir; são “grupos de
capacitação”, preparando os discípulos para serem
obedientes no mundo à semelhança de Cristo.
Com o propósito de obedecer e servir, os grupos pequenos
devem colocar diante de si a tarefa objetiva de estudar a
Bíblia. Aqui está o segredo: Alguma coisa acontece no estudo
bíblico em um grupo pequeno, algo que não acontece em
nenhum outro lugar. O Espírito Santo dá o dom especial da
koinonia que faz o estudo bíblico ganhar vida. Webber
descobriu que “quando pessoas que têm ouvido sermões
educadamente durante anos reúnem-se para ouvir a palavra
de Deus na Bíblia, é mais provável que sintam todo o impacto
da confrontação honesta, e dificilmente conseguem fugir das
exigências práticas. vis
Mas esse despertar pode não ser imediato. Webber e outros
notaram que talvez passem semanas ou meses antes que os
milagres aconteçam. Robert Coleman diz que “os membros
devem ser honestos com Deus e uns com os outros. Pode
levar algum tempo para surgir essa liberdade e confiança.
Afinal, você não se dispõe a desnudar sua alma a pessoas
que você não conhece.”"5 Em parte por essa razão, o grupo
17 8 VINHO NOVO, oomas NOVOS
pequeno deve ser uma estrutura essencial da igreja e não só
uma opçao experimental. Koinonia não é algo que se deva
submeter a experiências, mas algo a ser experimentado.

O Grupo Pequeno e o Institucionalismo da Igreja


Um dos aspectos mais promissores do grupo pequeno está
justamente nas suas possibilidades como estrutura. O grupo
pequeno oferece alguma esperança de uma saída para o
institucionalismo sufocante de boa parte da vida da igreja.
A maioria das igrejas locais está sobrecarregada de bagagem
organizacional que parece essencial. Que fazer? Como
encontrar um padrão de vida congregacional que seja
“funcional para a missão”'?
Em um texto de grande importância para uma eclesiologia
bíblica e relevante, Webber escreve:
A clara exigência da missão é que a multiplicidade de
organizações congregacionais seja eliminada. Uma
igreja missionária não precisa de uma sociedade
missionária de mulheres, mas de mulheres engajadas
em missões. Quanto às associações de homens, que se
juntem ao Rotary ou a outra entidade e tornem-se,
nesse contexto, o sal que preserva as estruturas
seculares da sociedade Os grupos pequenos em uma
igreja, junto com os diáconos ou a assembléia, podem
preencher as exigências institucionais da igreja sem a
necessidade de se estabelecer uma multidão de
organizações para completar o quadro organizacional
da denominação para a igreja local
Desse modo concluímos que a organização da igreja
deve ser funcional para a missão. O tempo nos grupos
pequenos precisa ter sempre em vista os compromissos
seculares de seus membros, para que o precioso tempo
requerido pela igreja seja usado para equipar os
santosfii
Como ilustração, Webber menciona o levantamento de
fundos (por meio de compromissos mensais) para cobrir o
0 GRUPO PEQ UEN0 COMO ESTRUTURA BÁSICA 179

orçamento anual da igreja. Nas igrejas americanas, jssg é


feito por melo de contatos pessoais com todos os membros
da igreja. Normalmente isso toma um tempo considerável e
exige muita organização. Mas algumas igrejas têm feito esse
levantamento por meio dos grupos de estudo bíblico
existentes que já alcançam a maioria dos lares da paróquia
- um sistema bem similar àquelas “reuniões de classe” do
metodismo primitivo na Inglaterra. O objetivo tem sido
alcançado com considerável economia de tempo e esforço.
Webber diz que “isso parece simples e, de fato, é simples”.*8
O grupo pequeno pode tornar-se estrutura básica em uma
igreja local se houver visão para isso e vontade de inovar.
Entretanto não pode haver mudança se não houver uma
reavaliação dos programas e das estruturas tradicionais.
Talvez a reunião de oração do meio da semana precise deixar
de existir em favor de reuniões de grupos pequenos, para
que os grupos pequenos não tomem outra preciosa noite da
semana nem se tornem uma reunião a mais. Outros cultos
e atividades podem ser substituídos pelas reuniões de grupos
pequenos. De fato, toda a organização da vida da igreja
precisará ser revista.
O grupo pequeno não é uma panacéia. Nenhum esforço
humano pode levar a igreja a uma maior fidelidade na tarefa
de ir ao encontro das necessidades e problemas de nossos
dias, a menos que o Espírito Santo a dirija e preencha. Mas
o grupo pequeno é um componente essencial da vida e
estrutura da igreja. Para que as pessoas sejam movidas pelo
Espírito Santo, elas precisam estar abertas para Deus e para
os outros - e essa abertura desenvolve-se melhor num
contexto de comunhão e de apoio amoroso de outras pessoas
que estão buscando sinceramente a Deus.
Nos primeiros anos (lo grande avivamento metodista na
Inglaterra, cerca de 250 anos atrás, João Wesley descobriu
a importância do grupo pequeno para os seus dias. Ele
desenvolveu uma rede de pequenos grupos-célula (HS
“reuniões de classe”) para o crescimento daqueles que
buscavam a Deus. Logo viu resultados surpreendentes. Em
180 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
resposta às críticas, ele escreveu: “Muitos agora, felizes,
experimentaram aquela comunhão cristã que nunca tinham
conhecido. Eles começaram a 'carregar as cargas uns dos
outros”, e 'naturalmente' a 'cuidar uns dos outros”. Como
eles tinham diariamente uma convivência mais íntima,
tinham também maior afeição e carinho uns pelos outros.”'°
Em resumo, os primeiros metodistas descobriram a koinonia
do Espírito Santo por meio de grupos pequenos. Os odres
foram úteis. Nada foi mais característico do avivamento
metodista do que uma dezena ou mais de pessoas que se
reuniam nas casas.
A Bíblia não prescreve nenhum padrão específico de
organização da igreja, mas a necessidade prática da igreja
de hoje indica a necessidade de grupos pequenos como
estrutura básica da igreja - como sempre ocorreu nos
melhores períodos da igreja.
A ESTRUTURA DA IGREJA
NO TEMPO E NO ESPAÇO
CAPÍTULO 13

IGREJA E CULTURA

A Bíblia apresenta um perfil claro do que a igreja deve ser e


conta sua história primitiva em dois contextos culturais: a
sociedade judaica da Palestina e a sociedade greco-romana do
primeiro século. De acordo com esse depoimento bíblico, em
cada época a igreja enfrenta a tarefa de fazer com que os odres
tenham a maior compatibilidade possível com sua natureza e
missão dentro de sua cultura específica.
Mas aqui enfrentamos um problema espinhoso. Vemos que,
pela Bíblia, a igreja é o povo de Deus e a comunhão do Espírito
Santo, não uma instituição organizacional. Mas quando
olhamos para a igreja contemporânea, não vemos apenas (nem
mesmo basicamente) a igreja como um povo; encontramos
também uma proliferação de denominações, instituições,
agências, associações e prédios a que temos aplicado o nome
“igreja”. A Bíblia não fala de tais instituições e estruturas. E
evidente que elas não possuem base bíblica. Como lidar com
essas estruturas à luz :la descrição bíblica da igreja?
Enfrentamos aqui o problema da cultura. Tanto os padrões
organizacionais como 11 arquitetura são expressões de valores
e normas culturais específicos. Como podemos manter, de
maneira prática, uma compreensão bíblica da igreja ao mesmo
tempo que a igreja se manifesta numa gama tão ampla de
odres diferentes, marcados pela cultura?
1 34' VINHO NOVO, ovmzs NOVOS
Seguindo as ênfases dos capítulos anteriores, gostaria agora
de traçar uma relação entre as perspectivas bíblicas da igreja
e da estrutura da igreja e o problema da cultura.1
Donald McGavran escreveu sobre o “mosaico magnífico e
intrincado" da humanidade representada pelas culturas do
mundo, salientando que “a adaptação do cristianismo à cultura
de cada peça do mosaico tem importância crucial”. O alvo da
igreja é “mu1tiplicar, em cada peça do magnífico mosaico,
igrejas verdadeiramente cristãs que se ajustem a cada peça,
estejam perfeitamente adaptadas à sua cultura e sejam
reconhecidas pelos incrédulos como um 'programa do nosso
jeito'”.2
Isso vem acontecendo hoje de maneira notável. É
maravilhosa e gloriosa a diversidade do Corpo de Cristo, e
isso aumenta cada vez mais, à medida que o fogo do evangelho
transpõe muros culturais e incendeia pessoas que nunca o
ouviram. Mas quando isso ocorre, a questão da cultura torna­
se crucial para a igreja. Como lidar com o problema dos odres
numa situação de diversidade cultural cada vez maior?

Perspectivas Tradicionais da Igreja


E comum falar da igreja visível e da igreja invisível. Embora
essa distinção não seja de todo satisfatória, ela ajuda a resolver
um problema recorrente: o contraste doloroso entre o que a
igreja deve ser (0 povo santo e justo de Deus) e o que de fato é
na maioria das vezes (uma organização humana renitente e
desprovida de santidade). Quando fazemos a distinção entre
o visível e o invisível, pelo menos podemos dizer que de fato
existe uma igreja santa, espiritual, dirigida por Deus, igreja
que transcende o que os olhos enxergam normalmente.
É possível contrastar a perspectiva bíblica da igreja com
duas perspectivas tradicionais que correspondem vagamente
à distinção entre igreja visível e invisível? Trata-se da
concepção institucional e da concepção mística.
A concepção institucional identifica a estrutura
institucional visível com a essência da igreja, não traçando
IGREJA E CULTURA 185
nenhuma distinção significativa entre ambas. Assim, a maioria
das denominações é chamada igreja e, na prática, igreja e
denominação significam a mesma coisa.
Embora essa concepção tenha atingido sua expressão mais
elaborada no catolicismo romano, também é comum entre os
protestantes. No protestantismo, porém, não representa bem
uma posição teórica ou teológica, mas uma posição comum,
de cunho popular. Por conseguinte, muitos diriam que a
instituição não é igual à igreja, e a idéia de igreja invisível
prevaleceria. Mas, na realidade, as pessoas não fazem essa
distinção, e a igreja é igualada à estrutura organizacional.
Talvez não haja nada de errado em chamar denominações
ou estruturas institucionais de igrejas - mas não é a isso que
a Bíblia chama de igreja! Quando Paulo ou Pedro ou Jesus
Cristo dizem igreja, é claro que não se referem a uma
instituição ou organização. Para os apóstolos, esse não seria o
significado de igreja visívelf*
Em contraste, a concepção mística coloca a igreja bem acima
do espaço, do tempo e do pecado, como uma realidade etérea
formada de todos os verdadeiros crentes em Cristo e conhecida
apenas por Deus. A concepção mística procura resolver o
problema do disparate embaraçoso entre a igreja institucional
ou visível e a igreja descrita pela Bíblia. Lembra um pouco a
teoria das idéias de Platão: o que vemos talvez seja imperfeito,
mas existe uma igreja perfeita invisível.
Existe, é claro, uma igreja invisível - ou, diríamos, a
verdadeira igreja de Cristo ultrapassa a realidade visível. Mas
isso também não é o que a Bíblia normalmente entende por
igreja. Embora a Bíblia fale da grande multidão de salvos de
todas as nações e de to‹las as épocas que perfazem a única
igreja verdadeira, esse não é o significado comum de igreja no
Novo Testamento. E o significado bíblico também não é
altamente místico. Pode haver uma igreja invisível, mas tal
concepção imaterial não ajuda muito na compreensão da vida
e do crescimento da igreja na terra e na história. Quando a
Bíblia diz igreja, normalmente não está falando de uma
1 8 6 VINHO Novo. 0DREs NOVOS
realidade invisível, etérea, alienada do espaço e do tempo,
assim como não está falando de uma organização institucional.
Essas duas concepções possuem um ponto em comum: não
consideram seriamente a cultura. Na concepção institucional,
a igreja casa-se de tal maneira com sua cultura específica e se
liga a ela de tal modo que se perde de vista o fato de que boa
parte de sua vida e estrutura é determinada pela cultura. Desse
modo, a igreja fica atrelada à cultura. Isso cria problemas,
especialmente quando a cultura muda ou quando se tenta fazer
uma proclamação transcultural.
Na concepção mística, porém, a igreja flutua nebulosamente
acima da cultura e nunca se enreda nas dimensões limitadas
do espaço, tempo e história. Os fatores culturais, que afetam
a teologia, as estruturas e as missões, não são levados em conta.
Assim, tanto a concepção institucional como a concepção
mística são inadequadas. Ambas encobrem o significado bíblico
da igreja - uma, por identiñcar demais a igreja com a cultura
e outra, por afastar a igreja da cultura. Em ambos os casos,
na realidade é a cultura que se torna “invisível”.
Para compreender a igreja de acordo com a Bíblia,
precisamos ir além do modelo tradicional do visível e do
invisível e voltar à concepção bíblica mais antiga e
fundamental. Precisamos considerar seriamente a igreja, de
tal forma que o espaço, o tempo e a história (as dimensões da
cultura) sejam também considerados com seriedade.

Como a Bíblia Vê a Igreja


Em contraste com as concepções tradicionais, a Bíblia retrata
a igreja no meio da cultura, lutando para manter a fidelidade
enquanto vai se manchando com o óleo corrosivo do paganismo
e do legalismo religioso. Essa concepção é mais que relevante
hoje.
Vamos examinar por alto três aspectos essenciais da
concepção bíblica.
1. A Bíblia vê a igreja em perspectiva cósmico-histórica. A
Escritura coloca a igreja bem no centro do propósito cósmico
IGREJA E CULTURA 187
de Deus. Isso é visto com maior clareza nos escritos de Paulo
e, em especial, no livro de Efésios. Paulo preocupava-se em
falar da igreja no contexto do plano de Deus para toda a criação
e como o resultado desse plano (Ef 1.9-10, 20-23; 3.10; 6.l2).5
Qual seria esse plano cósmico? Os três primeiros capítulos
de Efésios o apresentam de modo claro: Que Deus glorifique
a si mesmo unindo todas as coisas em Cristo por meio da igreja.
A idéia básica é a reconciliação - não apenas a reconciliação
dos homens com Deus, mas a reconciliação de todas as coisas,
“tanto as do céu como as da terra” (Ef .10). O centro desse
plano é a reconciliação das pessoas com Deus por meio do
sangue de Cristo. Mas a reconciliação trazida por Cristo
estende-se a todas as alienações que resultam do pecado
humano: consigo mesmo, entre pessoas e entre os homens e
seu ambiente físico. Por mais intrigante que seja a idéia, as
Escrituras ensinam que essa reconciliação inclui até a
redenção do universo físico dos efeitos do pecado, quando todas
as coisas forem subjugadas sob a devida soberania em Jesus
Cristo?
Paulo destaca o fato da salvação individual e coletiva por
meio de Cristo, e prossegue, apresentando a salvação pessoal
em perspectiva cósmica. A redenção das pessoas é o centro do
plano de Deus, mas não é sua circunferência. Paulo alterna
entre o ângulo fechado e o aberto, focalizando na maior parte
das vezes a redenção pessoal, em ângulo fechado, mas usando
periodicamente lentes panorâmicas que captam “todas as
coisas” - coisas visíveis e invisíveis; do passado, do presente
e do futuro; do céu e da terra; todos os principados e potestades
- todo o cenário cósmico e históricofi
Historicamente, o po\ o de Deus diverge não tanto a respeito
do que Deus está fazendo no mundo, mas a respeito do quando
o fará. A maioria dos cristãos aceita que, de um jeito ou de
outro, Deus está levando a história a um clímax cósmico. Mas
uma ala diz: “Não agora; mais tardel”, enquanto outra diz:
“Não depois; agoral” Os que adiam qualquer presença real
do reino até a volta de Cristo (“Nã0 agora; mais tarde!”) não
esperam nenhuma renovação substancial agora, exceto no
133 v1NHo Novo, ODRES NOVOS
âmbito da experiência humana individual - não na política,
arte, educação, cultura em geral, nem mesmo, aliás, na igreja.
A outra ala dá tanta ênfase à renovação presente na sociedade
em geral, que tanto a conversão pessoal como o futuro retorno
de Cristo no espaço e no tempo são negados ou obscurecidos,
e a profundidade do pecado humano não é considerada com
seriedade.”
Parece que, hoje, em todo o mundo, os cristãos estão
começando a perceber que o reino de Deus não é nem
inteiramente presente nem inteiramente futuro. O reino de
Deus (a unificação de todas as coisas em Jesus Cristo) já veio,
está vindo e virá. Francis Schaeffer expressou bem esse
equilíbrio bíblico quando falou de uma “cura substancial”
presente em todas as áreas da alienação causada pelo pecado.
Os cristãos não devem adiar toda a reconciliação real até um
futuro escatológico; também não devem esperar a perfeição
total agora. O que Deus promete é uma cura substancial agora
e uma cura total após a volta de Cristo.” Expressando esse
fato em termos do plano cósmico de Deus, podemos dizer que
Deus já iniciou a reconciliação de todas as coisas na história
humana.
Qual seria, então, o papel da igreja no plano cósmico de
Deus? De acordo com Efésios 3.10, a vontade de Deus é que
“pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne
conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares
celestiais”. A igreja é o agente terreno da reconciliação cósmica
preparada por Deus. Deus está concretizando seu propósito
cósmico usando a igreja como instrumento. Isso significa que
a missão da igreja é mais que evangelizar. A evangelização
está no centro do papel da igreja como agente de reconciliação
sendo, portanto, a primeira prioridade do testemunho da igreja
para 0 mundo. Mas a missão da igreja estende-se também à
reconciliação em outras áreas.
O missiólogo alemão Peter Beyerhaus esclarece a função
da igreja no propósito cósmico de Deus quando afirma que a
igreja é “a nova comunidade messiânica do reino”. Ele diz:
“O reino messiânico pressupõe uma comunidade messiânica.”
IGREJA 1: CULTURA 189
Portanto, a igreja no mundo “é a forma comunal transitória”
do reino de Deus “na era presente, e, por meio de sua igreja,
Cristo exerce um ministério mais que importante rumo à vinda
visível do reino”. Assim, a igreja é o agente terreno de seu
reino vindouro. Beyerhaus define seu reino como o “senhorio
redentor de Deus conquistando sucessivamente tamanho
poder libertador sobre o coração [das pessoas], que a vida delas
e, assim, por fim, toda a criação (Rm 8.21) transformam-se
numa harmonia filial com sua vontade divina.”'°
Essa é a perspectiva cósmica pela qual a Bíblia vê a igreja.
O reino de Deus está vindo e, uma vez que, em parte, essa
vinda ocorre na história, dentro do espaço e do tempo, antes
do retorno de Cristo, isso deve ser realizado por meio do povo
de Deus.
2. A Bíblia vê a igreja em termos mais carismáticos que
institucionais. De acordo com o Novo Testamento, a igreja é
um organismo carismático, não uma organização institucional.
A igreja é o resultado da graça (charis, em grego) de Deus. E
pela graça que a igreja é salva (Ef 2.8) e é mediante o exercício
dos dons espirituais da graça (charismata) que a igreja é
edificada (Rm 12.6-8; Ef 4.7-16; 1 Pe 4.10-11). Portanto, a
igreja é, por definição, carismática. Como observa Clark
Pinnock: “De acordo com as Escrituras, a Igreja é uma
comunidade carismática. ”“
A característica essencial da igreja é a vida, conforme
indicam as figuras empregadas para descrevê-la. Sua vida é,
com certeza, uma vida organizada. Mias a maior parte dessa
organização é secundária e derivada. E o resultado da vida. A
igreja é, acima de tudo, um organismo espiritual com sua
própria estrutura orgânica. Ela só desenvolve expressões
organizacionais em caré .ter secundário.
O Novo Testamento e os escritos dos primeiros pais da igreja
mostram que a igreja primitiva se via como uma comunidade
carismática, não como uma organização ou instituição. “A
maioria dos estudiosos da história da igreja concordam que a
igreja apostólica era uma comunidade carismática, espiritual”,
afirma Donald Bloesch.” Entretanto, com a gradual
190 VINHO Novo, ODRES NOVOS
institucionalização da igreja, a idéia da igreja como uma
organização tornou-se mais proeminente e expulsou em
grande parte a idéia orgânico-carismática, especialmente no
Ocidente, onde as concepções romanas de lei e de estado
influenciaram a igreja. Assim, “na história da teologia, a Igreja
como comunidade reunida dos fiéis tem sido muito comumente
negligenciada em favor da igreja como instituição”, observa o
teólogo católico romano Hans Küng. 13
Segundo a concepção bíblica, Deus oferece sua salvação pela
graça, tendo por base a obra de Cristo, por meio Espírito Santo.
Isso fornece a base para'a vida comunitária da igreja. A luz
pura da “graça multiforme”“ de Deus é então refratada
quando brilha através da igreja, produzindo os vários
charismata multicoloridos. Isso fornece a base para a
diversidade na unidade da igreja. A igreja é edificada pelo
exercício dos dons espirituais quando “todo o corpo, bem
ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta efetua o
seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor”
(Ef 4.16).
Essa é uma chave importante para a saúde e o crescimento
da igreja. Para alcançar seu verdadeiro potencial bíblico, a
igreja deve ser baseada num modelo carismático, não num
modelo institucional. As igrejas que se estruturam
carismaticamente estão bem preparadas para o futuro. Mas
as igrejas que estão enclausuradas em estruturas
institucionais rígidas e burocráticas logo podem se ver atadas
a formas condicionadas pela cultura que se tornam
rapidamente obsoletas.
3. A Bíblia vê a igreja como a comunidade do povo de Deus.
As figuras bíblicas essenciais do Corpo e da Noiva de Cristo,
da família, do templo ou da videira de Deus, e assim por diante,
dão-nos a idéia básica da igreja. Mas são metáforas, não
definições. Creio que a definição mais bíblica seja dizer que a
igreja é a comunidade do povo de Deus.” Os dois elementos
chaves aqui são a igreja como um povo, uma nova raça ou
humanidade, e como uma comunidade ou comunhão. Já
discutimos essas dimensões da igreja nos capítulos 7 e 8.
IGREJA E ‹¬U1.T1.'RA ¡ 91
Povo e comunidade são dois polos que, juntoz, formam a
realidade bíblica da igreja. Por um lado, a igreja é o povo de
Deus. Esse conceitri, com ricas raizes no Antigo Testamento,
closuicu o Fato objetivo de que Deus está agindo através da
historia para chamar e preparar a “raça eleita, sacerdócio real,
nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” tl Pe
2.9l. Aqui. a ênfase recai na universalidade da igreja - o povo
de Deus disperso por t.odo o mundo em centenas de
denominações, movimentos e outras estruturas. Vista da
perspectiva cósmico-histórica, a igreja é o povo de Deus.
Por outro lado, a igreja é uma comunidade ou comunhão,
uma koinonia. Essa tônica, mais presente no Novo
Testamento, brota diretamente da experiência do Pentecostes.
Se o conceito de povo de Deus delineia a continuidade do plano
de Deus desde o Antigo até o Novo Testamento, o da
comunidade chama a atenção para a “nova aliança”, o “vinho
novo”, a “novidade” promovida por Deus na ressurreição de

Santo. ,
Jesus Cristo e o batismo do Espírito no Pentecostes. A tônica
aqui está na informalidade da igreja em sua vida comunitária
intensa e interativa na congregação local. Vista como um
organismo carismático, a igreja é a comunidade do Espírito

A igreja, portanto, é a comunidade do povo de Deus. E um


organismo carismático estabelecido por Deus como o agente
de seu plano para a história humana. Como tal, é válida
transculturalmente: pode ser plantada e consegue crescer em
qualquer cultura humana.

A Estrutura da Igrqiu em Perspectiva Transcultural


Se a igreja é a comunidad .e do povo de Deus, que diremos acerca
da diversidade das estruturas quanto a instituições,
organizações, denominações e arquitetura, em geral incluídas
sob o título de igreja? Qual a relação entre tais estruturas e a
igreja como comunidade de Deus?
As duas tendências mais comuns têm sido ou dizer que essas
estruturas são de fato parte da essência da igreja, tornando­
1 92 v1NHo Novo, oDREs NOVOS
as, assim, “sacras”,1° ou então tomar uma posição
antiinstitucional e insistir que tais estruturas são inválidas e
devem ser abandonadas.
Uma opção mais útil, porém, é considerar paraeclesiásticas
todas essas estruturas que existem em paralelo com a
comunidade do povo de Deus, mas não são em si igreja. Essas
estruturas são úteis na medida em que auxiliam a igreja em
sua missão, mas são invenções humanas determinadas pela
cultura. A igreja em si faz parte do vinho novo do evangelho,
enquanto todas as estruturas paraeclesiásticas são odres ­
úteis, às vezes indispensáveis, mas também sujeitas ao
desgaste e à deterioração. A igreja é a comunidade do povo de
Deus, e é isso que a Bíblia entende por igreja. A igreja não
pode ser outra coisa senão isso! As estruturas institucionais,
portanto, devem ser vistas como algo à parte da igreja ­
potencialmente úteis para a vida e o ministério da igreja, mas
jamais uma parte da essência da igreja. Odres, não o vinho.
Normalmente, consideram-se “estruturas paraecle­
siásticas” as organizações extradenominacionais ou
interdenominacionais como a VIN DE, a MPC ou a AEVB. As
denominações em si não costumam ser consideradas
estruturas paraeclesiásticas. Mas uma vez que, pela Bíblia, a
igreja é sempre um povo e só pode ser um povo, qualquer
estrutura institucional, seja uma denominação, uma agência
missionária, uma editora evangélica ou uma associação
evangelística, é uma estrutura paraeclesiástica.
Em outras palavras, de acordo com a Bíblia, tanto uma
associação evangelística como uma organização
denominacional são estruturas paraeclesiásticas, enquanto as
comunidades de crentes dentro dessas estruturas são a igreja.
As estruturas paraeclesiásticas, inclusive as denominações,
podem ser legítimas e necessárias, mas não são a igreja. Essa
conclusão parece inevitável à luz dos ensinamentos bíblicos
acerca da natureza da igreja.
Isso significaria que todas as estruturas são estruturas
paraeclesiásticas, que nenhuma estrutura é em si parte da
essência da igreja? Não necessariamente. A Igreja é um corpo
IGREJA E CULTURA 193
e, portanto, possui uma estrutura e uma ecologia corporal.
Para ser biblicamente válida, qualquer estrutura
verdadeiramente eclesiástica só pode ser algo carismático e
orgãnico. Tudo 0 mais são estruturas paraeclesiásticas. As
instituições e organizações podem ter sua validade como
estruturas paraeclesiásticas, mas não devem ser confundidas
com a igreja como a comunidade do povo de Deus.
A própria Bíblia nos dá alguns princípios acerca da estrutura
orgânica da igreja, e algumas estruturas básicas da igreja
podem ser discernidas na vida da comunidade neotes­
tamentária. Já os mencionei nos capítulos anteriores e logo
apresentarei um resumo deles.
Antes, porém, quero destacar algumas vantagens de se fazer
distinção entre estruturas eclesiásticas e paraeclesiásticas:
1. O que é sempre transculturalmente relevante (a
igreja compreendida de acordo com a Bíblia) distingue­
se do que está vinculado à cultura e é determinado por
ela (estruturas paraeclesiásticas). Assim, tem-se a
liberdade de ver uma igreja culturalmente relevante e
atuante, sem que ela esteja prisioneira da cultura.
2. Tem-se a liberdade de modificar estruturas
paraeclesiásticas à medida que a cultura muda, pois não
sendo propriamente igreja são, portanto, determinadas
em grande parte pela cultura e não pela Bíblia.
3. Por fim, essa distinção torna possível ver uma vasta
gama de legitimidade nas confissões e estruturas
denominacionais. Se as estruturas eclesiásticas não são
em si igreja, mas fatores determinados pela cultura,
volumes inteiros de controvérsias e polêmicas caem por
terra. Confissões de atnpla variedade ganham liberdade
(pelo menos em poten cial) para se concentrar no que as
une - ser o povo de Deus e desempenhar suas
responsabilidades para com o reino - relegando as
diferenças estruturais ao plano da relatividade cultural
e histórica. Assim, a consideração crucial com respeito
à estrutura passa a ser não a legitimidade bíblica, mas a
relevância funcional.
194 VINHO N OVO, ODRES NOVOS

A figura 4 apresenta outras implicações dessa distinção


entre estruturas eclesiásticas e paraeclesiásticas.

A Igreja Estrutura Paraeclesiástica


Criação de Deus Criação humana
Fato espiritual Fato sociológico
Válida transcultural­ Atrelada à cultura
mente
Compreendida e Compreendida e avaliada
avaliada biblicamente sociologicamente
Validade determinada Validade determinada
por qualidades espiri- . pela função em relação à
tuais e pela fidelidade missão da igreja
às Escrituras
Agente divino de evan­ Agente humano para
gelização e reconciliação evangelização e serviço
Essencial Dispensável
Eterna Temporal e temporária
Dada por revelação Moldada pela tradição
divina humana
. Propósito: glorificar a Propósito: servir à igreja
Deus
Figura 4.
Diferenças entre a Igreja e as Estruturas Paraeclesiásticas

Diretrizes para a Estrutura da Igreja


A partir da descrição bíblica da igreja, podemos agora destilar
quatro princípios fundamentais de sua estrutura. Creio que
esses princípios fornecem um fundamento bíblico básico para
estruturar a igreja em qualquer contexto cultural, levando-a
ao testemunho e ao crescimento efetivos.
1. A liderança deve ser baseada no exercício de dons
espirituais. Não se deve permitir que padrões hierárquicos
ou organizacionais obscureçam ou sobrepujem o padrão bflilico
de liderança carismática (ou seja, designada e concedida pelo
Espírito), aberta a qualquer pessoa escolhida pelo Espírito.
IGREJA E CULTURA 195
No Novo Testamento, a liderança foi de início exercida pelos
onze apóstolos originais e, mais tarde, por Paulo e por um
grupo crescente de outros apóstolos, profetas, evangelistas,
pastores, mestres, bispos, diáconos e presbíteros. Todas essas
funções de liderança estão ligadas a dons espirituais." Fica
claro, portanto, que a liderança no Novo Testamento era
baseada no exercício de dons espirituais de liderança
reconhecidos (formal ou informalmente) pela igreja.”
Todos os dons espirituais devem ser destacados, não apenas
os de liderança. Mas os dons de liderança são cruciais pois,
pela Bíblia, têm precisamente a função de despertar e preparar
os outros dons (Ef 4.11). Assim, não apenas a liderança, mas
toda a vida da igreja é baseada nos dons espirituais - ou,
sendo mais exato, é baseada em Cristo, o qual desperta dons
espirituais em cada membro da comunidade.
2. A vida e o ministério da igreja devem ser construídos
sobre estruturas viáveis de grupos grandes e pequenos. A vida
comunitária de culto, comunhão, edificação e testemunho da
igreja primitiva revela uma ênfase dupla - “no templo e de
casa em casa” (At 5.42). Enquanto a vida comunitária da igreja
centrava-se primariamente nas casas, o culto e a edificação
ocorriam tanto no templo como em pequenas reuniões nas
casas (At 2.42, 46-47; 4.34-35; 5.25, 42).19 Embora o culto no
templo judaico tenha cessado mais tarde, reuniões de grupos
grandes e pequenos parecem ter marcado a vida comum da
igreja primitiva em todo ‹› mundo mediterrâneo.”
Estes eram os focos gêmeos na vida da igreja primitiva: a
congregação ampla e o grupo pequeno. Esse também era o
padrão que os discípulos haviam seguido com Jesus. Por cerca
de três anos, os discípulos gastaram a maior parte do tempo
ou em meio a multidões, ao ar livre, ou em conferências
particulares fechadas, efn grupo pequeno, com o Senhor.
Sempre havia essa alternância entre grupo grande e pequeno,
com o grupo pequeno provendo a intensa vida comunitária
que dava profundidade às reuniões dos grupos grandes.
Teologicamente, as reuniões de grupos grandes e pequenos
são implicações estruturais do fato de a igreja ser o povo de
196 VINHO Novo. omzss NOVOS
Deus e a comunhão do Espírito Santo, como já vimos. O fato
de ser um povo implica a necessidade de reuniões de grupos
grandes, enquanto o fato de ser uma comunhão exige
estruturas baseadas em grupos pequenos. A tríplice ecologia
da adoração, comunhão e testemunho (capítulo 10) também
reforça essa implicação estrutural.
A história da igreja revela uma tendência recorrente de
absolutizar e institucionalizar o grupo grande, limitando-o a
um prédio e a uma forma específica, enquanto se negligência
ou até se condena o grupo pequeno. Praticamente todos os
movimentos importantes de renovação espiritual na igreja
cristã têm sido acompanhados de um retorno ao grupo pequeno
e de uma proliferação de tais grupos nos lares para estudo
bíblico, oração e discussão da fé. Assim, mesmo que outras
estruturas possam ser úteis, as estruturas de grupos grandes
e de grupos pequenos devem ser fundamentais. Embora a
forma específica de tais estruturas possam variar de acordo
com a cultura e as circunstâncias, ambas são necessárias para
manter a comunhão e o testemunho. Não se deve permitir
que nenhuma outra estrutura ou forma subverta ou substitua
o grupo conjunto grande ou o grupo pequeno de comunhão.
O grupo grande e o grupo pequeno são necessários não
apenas para comunhão e testemunho, mas também para
disciplina. Dean M. Kelley salientou em Why Conservative
Churches Are Growing que a disciplina, ou “rigidez”, marca
praticamente todos os movimentos religiosos significativos que
transformam a sociedade. Ele afirma: “Um grupo que
evidencie força social demonstrará proporcionalmente traços
de rigidez; um grupo com traços de indulgência demonstrará
proporcionalmente evidências de fraqueza social, ao invés de
››21
força.
O evangelho exige um padrão elevado de todos os crentes e
requer disciplina fervorosa. Mas como manter essa disciplina?
Se a igreja é de fato bíblica, tal disciplina não será imposta
pela hierarquia, mas algo interno e intrínseco, reforçado pela
própria comunidade, com base num fundo de valores comuns
e sob a liderança do Espírito Santo. O grupo pequeno é a
IGREJA E CULTURA 197
estrutura natural para essa função. Ele oferece o contexto
essencial para instilar a disciplina necessária, pois é o lugar
em que os valores em comum são encontrados, compartilhados
e reafirmados. Isso é válido não apenas do ponto de vista
sociológico: está também de acordo com os ensinos de Jesus e
Paulo (Mt 18.15-20; 1 Oo 5.2-13).
3. Deve-se fazer uma distinção clara entre a igreja e as
estruturas paraeclesiásticas. Os cristãos devem ver a si mesmos
como a comunidade do povo de Deus, não primeiro como
membros de uma organização. Em muitas igrejas
contemporâneas isso seria revolucionário.
Cada igreja deve ser levada a compreender que as
instituições estruturais são legítimas (desde que de fato
ajudem a igreja em sua vida e testemunho), mas não sagradas.
O importante, então, não é prescrever as estruturas
paraeclesiásticas que devem ou não devem existir na igreja,
mas insistir na relatividade e limitações de tais estruturas.
4. As igrejas devem ser parte de uma rede orgâzzica. Isso
parece ser o quarto princípio da estrutura da igreja. E evidente
que não se encontra nenhuma estrutura denominacional na
Bíblia. Mas os apóstolos mantinham uma rede funcional,
orgânica, entre as igrejas. O livro de Atos mostra isso em
alguns pontos, bem como as epístolas. Os apóstolos em
Jerusalém sentiram responsabilidade pela nova igreja
multiétnica de Antioquia e enviaram Barnabé para conferi-la
(At 1 1.22). O apóstolo Paulo manteve uma rede ativa e efetiva
entre as igrejas que fundou com ñns de supervisão, discipulado,
evangelização posterior e ajuda mútua.
O Novo Testamento fala relativamente pouco a respeito
dessa rede, de modo qie devemos nos guardar de tirar
conclusões demais ou de menos. Não há base bíblica para
estruturas denominacion ais hierárquicas ou piramidais (por
mais úteis que sejam). O Novo Testamento também não
insinua a independência total das congregações locais.
Devemos assim aplicar os princípios orgânicos e ecológicos da
vida do corpo, reconhecendo uma interdependência funcional.
“Sujeitem-se uns aos outros, por temor a CriSt0” (Ef 5-21,
1 98 VINHO Novo. omws Novos
NVI) aPlÍCH'Se 3 Ígfejas tanto quanto a pessoas pois trata-se
de um princípio orgânico. O padrão bíblico parece ser uma
rede funcional para manutenção da vida por meio de edificação
mútua, reconhecendo e discernindo o Corpo maior de Cristo.
Em suma, a igreja como a comunidade do povo de Deus
deve ser estruturada em torno dos dons espirituais de
liderança e em torno de alguma forma de reuniões de grupos
grandes e pequenos, com uma rede funcional de edificação.
Além disso, a igreja deve ter o cuidado de distinguir entre sua
própria essência e todas as estruturas paraeclesiásticas, para
não ficar atrelada à cultura, de modo que, pelo contrário, em
períodos de conturbação o vinho não seja lançado para fora
junto com os odres. Foi basicamente isso que ocorreu na Rússia
em 1917 e pode ocorrer em escala muito maior no futuro.
Esses princípios são ilustrados na figura 5.

Implicações para o Testemunho Transcultural


Algumas conclusões para o testemunho global, transcultural
da igreja seguem-se dessa discussão:
1. A igreja conforme apresentada pela Bíblia é sempre
transculturalmente relevante. Isso ocorre porque a igreja é um
organismo cósmico-histórico que procede da ação divina e
transcende qualquer forma cultural particular. Tendo sido
criada por Deus, em seu nível mais profundo, ela corresponde
à estrutura do que é, a estrutura da realidade conforme Deus
a fez.
2. De modo semelhante, as estruturas básicas da liderança
carismática, das reuniões de grupos pequenos e grandes e da
rede translocal são sempre transculturalmente viáveis. Isso
se segue da análise presente e também tem sido demonstrado
em abundância ao longo da história da igreja e na era
missionária moderna. _ .
3. Por outro lado, as estruturas paraeclesiásticas nem sempre
são transculturalmente válidas. Uma vez 'que sao
determinadas pela cultura, as estruturas paraeclesiasticas so
podem ser transferidas de uma cultura para outra na medida
IGREJA E CULTURA 199
em que as duas culturas forem compatíveis. Com freqüência,
será necessário fazer adaptações básicas. ­
4. O exercício de dons espirituais resultará no testemunho
transcultural. Desde o início da igreja e ao longo dos séculos,
Deus tem chamado e enviado seus missionários
carismaticamente preparados. Paulo associava seu próprio
ministério com o dom carismático que havia recebido (Ef 3.7­
8). O padrão antioquino (At 13.1-4) tem sido repetido vezes
sem conta e continuará a se repetir até a volta de Cristo (Mt
24.14). E Deus quem chama e dá os dons, e o dom e o chamado
seguem juntos.

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Figura 5. Um Modelo de Estrutura Eclesiástica


7
" 00 VINHO NOVO, ODRES NOVOS

5. A igreja é.em,si uma estrutura missionária, e qualquer


grupo de missionários pode ser uma representação legítima
da igreja. Isso significa que não deve existir o problema de
Lgreja versus “estruturas missionárias”. Onde há missionários,
a 1g1 eja. Esses missionários têm a responsabilidade de
demonstrar a realidade da comunidade cristã. O verdadeiro
ponto .de tensão, portanto, está entre a igreja como a
comunidade do povo de Deus e as expressões institucionais
da igreja. Se Cristo realmente estiver nelas, as testemunhas
cristãs nunca conseguirão entrar em outra cultura e deixar a
igreja para trás. Mas conseguirão, e muitas vezes deverão,
deixar para trás ou modificar as formas paraeclesiásticas
peculiares à sua própria cultura.
6. Por outro lado, as estruturas paraeclesiásticas
missionárias ou evangelísticas devem ser criadas sempre que
necessárias, para que o trabalho prossiga. Se a igreja é o agente
divino da reconciliação cósmica, estruturas paraeclesiásticas
dinâmicas podem ser agentes humanos de reconciliação. Elas
podem ser úteis nas mãos de Deus para uma difusão mais
rápida e eficiente do reino.
Grupos denominacionais devem colaborar livremente com
outras organizações paraeclesiásticas que estejam desen­
volvendo trabalhos que eles por si não conseguem desenvolver
ou que os ajude a desenvolver seu próprio testemunho. Tais
organizações, porém, devem sempre ter como alvo maior a
formação e a edificação da igreja (embora de maneiras bem
diferentes) ou a extensão do ministério da igreja, sem se
permitir confundir com a igreja ou tornar-se um fim em si.
7. Uma vez que são criações humanas determinadas pela
cultura, todas as estruturas paraeclesiásticas devem ser
submetidas a uma contínua e rigorosa análise sociológica e
teológica para determinar sua fidelidade ao caráterbiolico da
igreja e sua eficácia corno instrumentos de sua missao.,I\lao
devemos hesitar em fazer o mais minucioso exame sociológico
de agências missionárias, organizações €V€{fl8e11St1_°aS 9
assistenciais, estruturas denominacionais e assim por diante.
IGREJA E CULTURA 201
Algumas estruturas paraeclesiásticas devem se devotar
exclusivamente a essa tarefa.
A história ensina que muitas estruturas eclesiásticas vão
acabar sucumbindo ao institucionalismo, tornando-se
obstáculos, em vez de auxílio para a igreja. O fato de Deus ter
levantado um movimento não é garantia contra possíveis
inñdelidades ou egocentrismo. Depois de fazer distinção entre
tais estruturas e a essência da igreja, temos a liberdade de
perguntar até que ponto essas formas são de fato funcionais.
As melhores dessas organizações paraeclesiásticas acolherão
de bom grado esse tipo de avaliação e podem até procura-la
por si (como algumas estão fazendo). Aqueles grupos
paraeclesiásticos que se intimidam diante de tais estudos são,
muitas vezes, exatamente os que mais deles necessitam.
Não há salvação fora da igreja, a menos que o Corpo de
Cristo seja decapitado, separado da Cabeça. Pois quando
alguém é regenerado, passa a fazer parte do Corpo de Cristo.
A igreja é o Corpo de Cristo, a comunidade do Espírito Santo,
o povo de Deus. Como tal, é o agente do plano de Deus para a
reconciliação de todas as coisas em Jesus Cristo.
A necessidade do momento é compreender a igreja como
um organismo carismático dotado por Deus, válido trans­
culturalmente, não como uma organização institucional
moldada pelo mundo. Feita essa distinção, o crescimento
normal e o testemunho da igreja podem ser compreendidos e
planejados, e as várias estruturas paraeclesiásticas, inclusive
as denominações, podem ser trabalhadas e empregadas com
eficiência.
FICAPÍTULO 14
UMA LIÇAC) DA HISTÓRIA

Será que a história oferece algum precedente das concepções


de igreja e de estrutura eclesiástica apresentadas nos
capítulos anteriores? Onde e quando encontramos uma
união feliz e vital do vinho do evangelho com odres
eclesiásticos? Onde uma visão clara do evangelho casa-se
com estruturas viáveis para produzir não apenas conversões
pessoais, como também verdadeira renovação comunitária
e cultural?
Já mencionei a ala radical da Reforma e os movimentos
que dela surgiram (capítulo 3). Esses movimentos exerceram
grande impacto, mas não foram capazes de realizar uma
reforma completa da igreja e da sociedade. Muitos outros
exemplos de quase todos os períodos da história mereceriam
citação e estudo?
Carl F. H. Henry, ao “clamar por uma demonstração
evangélica”, citou dois precedentes históricos especialmente
proveitosos: o Avivamento Wesleyano na Inglaterra do
século XVIII e o despertamento evangélico na Holanda na2
virada deste século, sob a liderança de Abraham Kuyper.
Há alguns bons motivos para reestudar tanto Wesley como
Kuyper. Embora colocados em diferentes tradições
protestantes, ambos foram usados em tão alto grau por Ileus
na promoção da justiça, que os cristãos de hoje deveriam
estar perguntando: Por quê?
um 1.1ÇÁo DA HISTÓRIA 203
Minha própria tradição coloca-me mais perto de John
Wesley e tenho sido afetado pela redescoberta de sua
relevância permanente que vem ocorrendo neste século. E
praticamente impossível pegar um livro de autor evangélico
sem encontrar alguma referência a ele. Quando os escritores
de hoje desejam mostrar que, historicamente, os evangélicos
sempre tiveram consciência social, citam Wesley. Quando
se destaca a necessidade de uma pregação simples, Wesley é
apresentado como exemplo. O fato é que Wesley ilustra
algumas qualidades essenciais para a fidelidade cristã numa
sociedade tecnourbana. Vamos analisã-las neste capítulo?
Em toda a história, o Avivamento Wesleyano talvez
testemunhe a transformação mais abrangente provocada
pelo evangelho em uma sociedade - fato de notável
importância para a igreja de hoje, já que o Avivamento
Wesleyano ocorreu durante o período conturbado que
acompanhou a Revolução Industrial na Inglaterra.
E possível que os efeitos sociopolíticos do Avivamento
Wesleyano tenham sido às vezes exagerados. A idéia de que
Wesley salvou a Inglaterra de uma revolução política
semelhante à que ocorreu na França é, no mínimo, altamente
especulativa e desconsidera diferenças importantes entre as
culturas dos dois países no século XVIII.4 Mas é certo que
as condições sociais inglesas tiveram uma melhora
impressionante no curso daquele século, e o Avivamento
Wesleyano foi um fator importante nessa mudança.
Qual a importância do John Wesley para a igreja de hoje?
Que fatores contribuíram para esse impacto?
Dentre muitos que poderiam ser citados, seis fatores são
especialmente relevantes hoje. Três deles dizem respeito à
mensagem de Wesley e três, a seu método.

A Mensagem de John Wesley


John Wesley tinha uma mensagem e não se envergonhava
dela. Ele tinha algo definido e específico para comunicar, e a
mensagem era comunicãvel em linguagem humana - fato
204 v¡NHo NOVO. ODRES NOVOS
que precisa ser enfatizado em nossa época. Quais eram os
principais elementos de sua mensagem?
1. Proclamação clara da salvação pessoal por meio de
Jesus Cristo. A mensagem de Wesley era a salvação pela fé.
Ele destacou o ensino bíblico básico do pecado e da perdição
humana, do sacrifício e da ressurreição de Cristo e da
transformação do novo nascimento.
Alguns diziam que tal mensagem já não era relevante.
Que o povo não ouviria. Mas Wesley continuou pregando, e
a reação do público minou as críticas. As pessoas ouviam e
atendiam aos milhares.
Precisamos salientar que Wesley fazia uma proclamação
clara do evangelho básico. Embora tenha se formado em
Oxford, ele não tinha paciência com frases altissonantes que
nada comunicavam. Diz-se que Wesley muitas vezes pregava
os sermões recém-preparados para sua criada, uma menina
simples e sem estudo, e lhe pedia que o interrompesse sempre
que não entendesse suas palavras. Sua paixão era comunicar­
se com as massasf'
Esse era o mesmo Wesley que, pregando em Oxford, podia
citar autores latinos ou 0 Novo Testamento Grego. Wesley
era intelectual, mas colocava a intelectualidade a serviço
do povo.
2. Ênfase Constante na Vida Cheia do Espírito. Wesley
reañrmava constantemente a necessidade do enchimento e
do ministério contínuo do Espírito Santo na vida do crente,
e milhares dos primeiros metodistas descobriram a realidade
dessa experiência. Em quase todas as cidades que visitava,
examinava com cuidado os membros das sociedades
metodistas, conferindo-lhes a experiência cristã. Apesar 'de
com freqüência encontrar falsidade espiritual, ele tambem
encontrou muita realidade e poder espiritual. O Espirito
Santo estava agindo. _
Wesley enfatizou muito mais do que uma simples
experiência de crise no enchimento do Espírito. Sua
preocupação era a de Paulo: maturidade crista, ediñcaçao
da igreja, formação da estatura de Cristo em cada crente.
UMA LIÇÃO DA HISTÓRIA 305
Wesley demonstrou preocupação constante com a edificação
e o crescimento dos cristãos por intermédio da obra do
Espírito.
3. Consciência social ativa e atuante. Wesley era acima de
tudo evangelista. Mesmo assim, examine uma lista dos
títulos de seus sermões ou dos panfletos por ele publicados.
Seus tópicos incluem a riqueza e a economia, pecados
nacionais, guerra, educação, ética médica, comércio com a
América do Norte, responsabilidade em relação ao rei,
indústria de bebidas. Ele tinha profundo interesse pela
justiça social e nacional.
Todos conheciam as opiniões de Wesley sobre pobreza e
riqueza, pirataria marítima, contrabando, tráfico de escravos
e outros problemas da época. Ele não achava que estaria
comprometendo sua vocação de evangelista ao pregar sobre
tais assuntos nas manhãs de domingo. Como os profetas do
Antigo Testamento, via que a fé bíblica atinge todas as áreas
da vida e torna cada pessoa responsável, desde o rei até o
súdito mais humilde.
E o incrível é que o interesse social de Wesley obteve
resultados. Por quê? Primeiro, porque despertou uma nova
consciência moral na nação. Segundo, porque outros
seguiram seu exemplo. Terceiro, porque, sendo evangelista
eficiente, serviu de instrumento na transformação de
milhares de vidas. Ele instilou nos novos convertidos a
mesma preocupação social, alargando com isso a base
popular para a reforma social. Ele provou o que a história
da igreja mostrou em outras épocas e lugares: não há
combinação mais potente na transformação da sociedade que
a evangelização bíblica acompanhada de preocupação social
- a junção do profeta do Antigo Testamento com o
evangelista do Novo Testamento.
O próprio Wesley fez mais do que falar da reforma social.
Entre outras coisas, ele lutou por reformas no sistema
penitenciário, no sistema trabalhista e na indústria de
bebidas; estabeleceu fundos de crédito para os pobres; fez
campanhas contra o tráfico de escravos e contra o
206 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
contrabando; abriu um ambulatório e fornecia remédios
para os pobres; trabalhou para solucionar 0 problema do
desemprego, estabelecendo às vezes pequenos negócios; e
distribuiu pessoalmente ' ' ' ' ­
para os necessitados?
somas consideraveis de dinheiro

O Método de John Wesley


Mas a mensagem de Wesley é só uma parte da história. Ele
viu - ou melhor, aprendeu - que a mais clara e bíblica das
proclamações do evangelho, muitas vezes tem pouco impacto
quando fica fechada entre as paredes (literais ou ñguradas)
da igreja institucional. E é nisso que Wesley torna-se
especialmente relevante para o problema dos odres.
Antes e depois dele, outros têm pregado com a mesma
clareza e efetividade, mas sem metade dos resultados
permanentes. Por quê? Em parte, porque a mensagem deles
era prisioneira de rígidas idéias não-bíblicas acerca da
natureza da igreja.
No início, Wesley mantinha uma eclesiologia muito
tradicional, mas Deus não lhe permitiu continuar assim.
Em muitos sentidos, ele permaneceu na ala mais tradicional
até o ñm. Ele conservou o melhor dessa tradição. Mas em
muitos pontos aprendeu a ser notavelmente flexível e não­
convencional. Isso pode ser ilustrado por três aspectos de
seu ministério.
1. Ele não se confinou à igreja institucional. O início da
eficácia de Wesley pode ser datado. Começou quando ele

igrejas. _ _ _
passou a levar o evangelho para fora das quatro paredes das
Foi assim: o evangelista George Whltefield, amigo de
Wesley, reunira uma grande congregação de .mineiros de
carvão em Kingswood, perto de Bristol. Ali Wh1t€'flBlg
pregava regularmente. Tratava-se de “pregação ao ar livre
- ele reunia a multidão num campo aberto ou numa praça
da cidade e ali abria a Palavra. Wesley desaprovava aquilo.
Ele era, em suas próprias palavras, “tão zeloso em cada ponto
UMA LIÇÃO DA HISTÓRIA 20 7
relacionado com a decência e a ordem, que considerava quase
pecado salvar almas, caso isso não ocorresse numa igreja
[prédio]”.7 Whiteñeld pediu - praticamente insistiu - para
que Wesley cuidasse de sua congregação a fim de que ele
pudesse voltar para a América. Wesley não queria aceitar,
mas depois de ver o ministério de Whiteñeld, sentiu que o
chamado vinha de Deus. Assim, “às quatro da tarde, eu me
submeti a 'ser mais vil”, e proclamei nas vias públicas as
boas novas da salvação, falando de uma pequena elevação
num terreno perto da cidade, para cerca de três mil pessoas.”
A multidão cresceu, e logo havia congregações em outros
lugares - aliás, dentro de poucos anos, em toda a Inglaterra,
Escócia e Irlanda. Wesley descobriu que quando as pessoas
deixam de vir à igreja, é hora de a igreja ir às pessoas.
Wesley, seu irmão Charles e Whiteñeld não ganharam,
com esse empenho, elogios. O bispo Leslie Marston observa:
“Esses três homens eram chamados entusiastas loucos
porque queriam livrar o evangelho das arcadas góticas
conñnadoras da religião estabelecida, e entregá-lo às massas
na rua e no campo, aos doentes e aos impuros em casebres e
becos, aos afligidos e aos condenados em asilos e em
prisões.”9
Wesley era muito fiel à Igreja Anglicana. Ele não tinha a
intenção de fundar um novo grupo dissidente; instava seus
ouvintes e os novos convertidos a participar dos cultos
regulares da Igreja Anglicana. E nunca pregava no campo
ou nas praças na mesma `1ora dos cultos oñciais.
Mas Wesley também era realista. Viu que muitos
simplesmente não participariam dos cultos tradicionais da
igreja. Aquilo seria entrar num mundo estranho. E mesmo
os que entravam não recebi am aquele cuidado espiritual mais
pessoal de que necessitavam. Isso nos leva ao segundo
aspecto do método de Wesley.
2. Ele criou estruturas novas e práticas de koinonia. Uma
das primeiras providências que Wesley tomou foi dividir o
povo que atendia ao seu ministério em grupos de doze, com
um líder para cada grupo. Essas eram as famosas “reuniões
3 03 v1NHo NOVO, ODRES NOVOS
de classe” wesleyanas. Wesley logo descobriu a força
espiritual dessa estrutura de grupos pequenos. Ele afirmou
em 1742:
Chamei alguns homens sinceros e sensatos para uma
reunião, mostrei-lhes a grande dificuldade que vinha
encontrando havia muito tempo - a de conhecer as
pessoas que desejam estar sob meus cuidados. Após
muita discussão, todos concordaram que não haveria
melhor forma de chegar a um conhecimento seguro e
completo de cada pessoa do que dividindo-as em classes
[OU grupos pequenos], sob a supervisão daqueles em
quem mais eu pudesse confiar. Essa foi a origem de
nossas classes em Londres, pelo que todo meu louvor
a Deus jamais será suficiente, com a indizível utilidade
da instituição sendo desde então mais e mais
manifestada.”
Já vimos como mais tarde Wesley comentou que, por meio
da participação nos grupos pequenos, seus seguidores
“passaram a “levar as cargas uns dos outros' e a “cuidar
naturalmente uns dos outros”, chegando a uma experiência
profunda de comunhão cristã.
Wesley também inovou em outros aspectos de estrutura
eclesiástica - ministros “leigos” (possibilitando assim o
exercício dos dons espirituais), “casas de oração”
despretensiosas, e assim por diante. Ele se sentia livre para
fazer tais inovações porque via o metodismo, não como uma
nova denominação, mas só como uma “sociedade” dentro
da Igreja Anglicana. Independentemente dos motivos, ele foi
um dos grandes inovadores da estrutura eclesiástica.
Os esforços de Wesley têm muito a dizer para a igreja
contemporânea. Presas a padrões institucionais rígidos,
muitas das igrejas de hoje raramente experimentam aquela
comunhão do Espírito Santo retratada no Novo Testamento.
Isso também ocorria no anglicanismo do século XVIII - e
Wesley tomou uma providência. _ _ _
3. Ele pregava o evangelho aos pobres. Um dos sinais mais
cruciais do reino são as pessoas a que o evangelho está sendo
UMA LIÇÃO DA HISTÓRIA 20 9
ministrado. John Wesley, como Jesus, pregava aos pobres.
Ele buscava aqueles a quem ninguém buscava.
Lendo seu Diário, ficamos impressionados com o número
de vezes que Wesley pregou às cinco horas da manhã ou no
meio da manhã, em praça pública. Por que ele costumava
pregar às cinco da manhã? Não por conveniência própria,
mas por conveniência dos trabalhadores que saíam rumo às
minas ou fábricas ao amanhecer. Wesley reunia os mineiros
nos campos antes que descessem às minas, ou 0 povo em
praça pública ao meio-dia. Sua paixão era pregar o evangelho
aos pobres, e ali ele obtinha seus maiores resultados.
Em suma, John Wesley tinha uma mensagem e não a
guardava atrás dos vitrais. Ele saía da igreja estruturada,
pregando o evangelho aos pobres. Não permitia que os recém­
nascidos morressem de desnutrição espiritual, provendo-lhes
lares e pais espirituais. Criou novas formas de igreja ­
novos odres - para os que lhe atendiam. Casava a mensagem
bíblica com métodos que harmonizavam com a eclesiologia
bíblica.

O Segredo de John Wesley


Haveria algum segredo especial por trás do impacto de
Wesley? Como “aconteceu” de Wesley encontrar esse
casamento feliz entre mensagem e método?
Encontramos aqui em certo nível o mistério da soberania
do Espírito Santo. Mas oodemos ver pelo menos alguns
elementos usados pelo Espírito na vida de Wesley.
Wesley não era de fato teólogo, embora fosse
teologicamente competente e informado. Ele “teologizava”
o suficiente para enconsrar respostas bíblicas para as
perguntas chaves da experiência cristã e para confrontar as
questões sociais com a revelação bíblica. Mas nunca tentou
elaborar um sistema teológico completo. Sua teologia era
uma mistura de tradicionalismo, pietismo continental,
radicalismo da igreja dos crentes e pragmatismo
evangelístico. Em alguns assuntos, como o batismo de
21 0 VINHO NOVO, ODRES NOVOS
crianças, ele nunca elaborou uma posição consistente,
defendendo opiniões obviamente contraditórias (sua maneira
de conciliar a tradição anglicana e o ensino bíblico).
Nem há unanimidade de opinião quando se discute se
Wesley era no fundo arminiano ou calvinista! Embora fosse
em geral considerado arminiano, por causa de sua ênfase
na explação universal e na livre graça, ele cuidava para não
cair no antinomismo ou no universalismo. Alguns alegam
que sua teologia era, na realidade, uma variação do
calvinismo.“ Se não é possível classiñcá-lo com exatidão, é
porque ele procurava ser totalmente bíblico.
Assim, o segredo de Wesley não estava primariamente em
suas realizações teológicas. Não era essencialmente
teológico, nesse sentido. Mas era essencialmente bíblico.
Wesley, o intelectual, o autor e editor de muitos livros, era
“homem de um livro só” - a Bíblia. Ele a aceitava de modo
implícito e a praticava com zelo. Este era seu segredo: a
Palavra de Deus.
Wesley tinha por pressuposto a idéia de que se a Bíblia é
verdadeira, ela se mostrará verdadeira na experiência
humana. Assim, seus pontos de referência eram primeiro a
Bíblia e, de forma secundária, a experiência, a razão e a
tradição da igreja (o chamado “quadrilátero wesleyano”).
Esses eram seus padrões - mas a tradição, a filosoña da
época e as opiniões dos outros tinham de ceder quando
entravam em conflito com a Escritura interpretada e
vivenciada racionalmente. O que a Bíblia dizia era a verdade,
não importava o que diziam os críticos, e seria comprovado
na vida dos homens.
Por ser bíblico, Wesley era livre para ser radical- radical
no sentido literal de voltar às raízes. `
Não que Wesley não tivesse suas falhas. As vezes parecia
um fanático anticatólico, embora suas relações pessoais com
os católicos como indivíduos fossem irrepreensíveis. Wesley
era também monarquista conservador, tendo pouca
paciência com os presunçosos revolucionários radicais
americanos, embora de início simpatizasse com os
UMA LIÇÃO DA HISTÓRIA 21 1
colonialistas. Apesar dessas ou de outras críticas, porém,
Wesley era profundamente cristão, como bem testiñcavam
os que o conheciam, e sua fé era firme e radicalmente bíblica.
Com certeza Wesley tinha outras qualidades além das que
mencionei. Era administrador e discipulador capaz, sabia
escolher líderes (ainda que alguns dos escolhidos o tenham
traído). Sua edição, condensação e publicação de livros ­
uma biblioteca completa desde história até medicina - era
um ministério à parte. Além disso, ele recebeu ajuda imensa
do irmão, Charles, que escreveu milhares de cânticos que
foram agregados às músicas populares na época. De certa
forma, os primeiros metodistas mantinham uma fé
inteligível porque decoravam boa parte dela com os hinos
de Charles Wesley!
Cada época é única - mas não de todo. Podemos aprender
muito com o passado e isso é ainda mais verdadeiro com
respeito à vida e estrutura da igreja. São raros os períodos
do passado da igreja que brilham como a Inglaterra de Wesley
por sua relevância para os dias de hoje. Aqui encontramos
um modelo adequado para testar as concepções de igreja e
de estrutura eclesiástica apresentadas nestas páginas.
CAPÍTULO 15

UM RELANCE DO
FUTURQ

Algúem disse que o problema do presente é que o futuro não


será como era. E verdade! Vivemos agora sob uma “pressão
do futuro” nunca vista antes durante a história de nossa
peregrinação no planeta Terra.
Vivemos numa sociedade qualitativamente diferente de
tudo que já foi vivenciado pela personalidade humana.
Embora esse período de efervescência e transição apresente
semelhanças marcantes com o mundo romano do primeiro
século, ele leva a raça humana a uma situação sem
precedentes na história. A natureza humana não sofreu
mudanças drásticas, mas a cultura humana desenvolveu-se
tanto que nos vemos num mundo substancialmente diferente.
Não é preciso dizer que esse fato traz tremendas implicações
para a igreja e sua estrutura.
Muitos tendem a duvidar que o mundo seja
fundamentalmente diferente hoje. Na busca inconsciente
pela estabilidade, preferimos pensar que a sociedade não é
basicamente diferente da que existia no passado. Está só
mais intensa, caminhando mais rápido. Mas as evidências
revelam um quadro mais agitado.
Alvin Toffler levanta uma gama impressionante de fatos
e opiniões para comprovar a singularidade da cultura
UM RELANCE no FUTURO 213
contemporânea em seus livros O Choque do Futuro, A
Terceira Onda e Powershifl. Toffler diz que “um número
crescente de opiniões respeitáveis afirma que o atual
movimento representa nada menos do que a segunda grande
divisão na história humana, comparada em magnitude
somente com aquela primeira grande ruptura na
continuidade histórica, a mudança do barbarismo para a
civilização”.* Ele cita o comentário do economista Kenneth
Boulding de que “no que diz respeito a diversas séries
estatísticas relacionadas com as atividades da humanidade,
a data que divide a história humana em duas partes iguais
se encontra bem dentro de nossa memória viva. Vim ao
mundo no meio da história humana, para estabelecer
grosseiramente uma data. Desde que eu nasci, já aconteceu
quase tanta coisa quanto tudo que aconteceu antes.”
Aqui, os fatores chaves são o impacto cumulativo da
tecnologia e a conseqüente aceleração das mudanças. O que
tem ocorrido ao longo da vida de cada pessoa que lê este
livro é que a velocidade das mudanças é tão astronômica
que mais mudanças - e mudanças mais significatiuas ­
ocorrem num ano do que ocorreram literalmente em
centenas de anos anteriores. E a velocidade continua
aumentando. Isso significa que, a menos que haja uma grande
catástrofe para deter a espiral, os poucos anos entre o
presente e o ano 2020 verão mais mudanças do que todas as
que ocorreram desde que Abraão deixou Ur dos caldeus. Será
como se todas as revoluções políticas, científicas,
industriais, sociais e religiosas dos 4.000 anos passados
fossem condensadas numa geração.

Um Mundo em Aceleração
Talvez os dois símbolos mais eloqüentes de nossa nova era
sejam os outdoors e os comerciais de TV Ambos têm muito
a dizer acerca do tipo de mundo em que nós e nossos ñlhos
vamos viver.
21 4 v1NHo Novo. ooflss NOVOS
Tanto os outdoors como os comerciais estão cada vez mais
onipresentes. Por onde quer que andemos, somos
bombardeados por suas mensagens. As imagens que
projetam são quase inevitáveis. Isso é um sintoma da cultura
penetrante, ,invasiva e dinâmica que está sendo formada no
momento. E inevitável, como vemos todas as vezes que
percorremos avenidas movimentadas em São Paulo, Seul ou
Chicago. E inexorável. Não há “refúgio do mundo”; já não
existe um mundo particular. Não é preciso que o Grande
Irmão nos veja. Já nos é suficientemente atordoador sempre
ver o Grande Irmão e receber suas mensagens! E hoje o
Grande Irmão não é o governo ou algum líder político; é a
tecnologia computadorizada, quase autônoma.
Uma segunda característica dos outdoors e das
propagandas é seu alto grau de transitoriedade. Quarenta
anos atrás, um jingle ou um slogan comercial podia durar
anos. Mas a velocidade das mudanças aumentou tanto que
hoje a mensagem comercial, e até o produto, dura questão
de meses ou mesmo semanas. O fato impressionante é a
aceleração da transitoriedade. O outdoor não é uma
estrutura permanente; aparece ou desaparece numa noite.
A mensagem é impressa em plásticos descartáveis, pois a
mensagem é descartável. A mensagem “urgente” de hoje é
descartada amanhã, substituída por outra.
Essa transitoriedade é a característica mais gritante da
nova era, como destacam Toffler e outros. Pensamos cada
vez mais em termos de temporalidade, não permanência. Em
um ano ou dois muita coisa muda em nossa vida - não
apenas produtos familiares, como também carros, roupas,
livros e revistas e (para um número cada vez maior de
pessoas) até casa, amigos, parceiros, empregos, clubes e
idéias. Faça um contraste com a vida de nossos avós.
Os outdoors e os comerciais têm outra coisa em comum:
sofisticação. Grandes quantidades de dinheiro e talento são
despendidas em mensagens comerciais cuja vida é medida
em semanas ou dias. Há uma piada dizendo que os
comerciais de TV são muitas vezes mais interessantes que
UM RELANCE DO FUTURO 215
os programas por eles patrocinados, mas isso é um fato sério
e não se deve esperar menos quando se consideram o
dinheiro, o planejamento e a análise minuciosa empenhados
em cada segundo de um comercial de TV ou em cada
centímetro quadrado de um cartaz. Ben H. Bagdikian
observa: “Os escritores, atores, músicos e produtores mais
bem pagos do mundo não são os que criam cultura para
jovens, teatro para adultos ou programas políticos para os
outros. São os que criam comerciais de televisão.”
Propaganda não é brincadeira! É, no mínimo e cada vez
mais, um dos fatos mais significativos da nova tecnocultura.
Ela mostra o perfil do futuro: os maiores recursos
financeiros e intelectuais da sociedade sendo empregados
na transmissão de mensagens de alto impacto, elevada
transitoriedade e baixo signiñcado para atingir resultados
específicos predeterminados.
Isso leva a outro aspecto dos outdoors e dos comerciais
de TV: seu alto grau de manipulação. A propaganda não é
somente predeterminada; é altamente fictícia. O produto
alardeado como “preferência mundial” não o é na realidade.
O serviço que sutilmente promete felicidade não pode na
realidade proporcioná-la. Seria, entretanto, muita
ingenuidade achar que as propagandas são, portanto,
ineñcazes. Pelo contrário! Elas atingem exatamente o alvo
pretendido. Elas “criam uma realidade” - ou seja, uma
imagem - que predispõe grande número de pessoas a se
comportar do modo que se espera: em geral, comprando
determinado produto ou usando certo serviço.
A propaganda política em épocas de eleição leva ainda
mais longe essa tendência de manipulação e falsificação.
Alcançamos uma sociedade high-tech em que o planejamento
e a estratégia dominam quase todas as áreas da vida, apesar
da publicidade em torno da escolha e da liberdade. O povo
hoje está sujeito a um número estratosférico de mensagens
- mensagens de alto impacto e, ao mesmo tempo, pouco
conteúdo verdadeiro. E essas tendências estão se acelerando
rapidamente.
2 1 6 VINHO NOVO, ovmas NOVOS
Essas tendências são significativas por si. Mas gostaria
de chamar atenção especial para o rumo que estão tomando
e para o que dizem acerca do futuro - e suas implicações
para uma estrutura eclesiástica fiel.
Quando observamos as várias crises atuais - ecológica,
política, ideológica, social e econômica - e as combinamos
com a aceleração já observada, não parece haver outra
conclusão possível: o tempo está se esgotando. Precisamos
encarar de frente o fato de que as crianças que estão
nascendo hoje podem formar a última geração de humanos
a habitar nosso planeta - ou então elas vão viver num
planeta praticamente inabitável, sobrecarregado e destruído
por doenças espirituais, sociais e ambientais.
Para muitos, tal conclusão talvez soe absurda. Mas existe
um vasto conjunto de fatos sólidos que, a não ser que se
misture com uma crença cor-de-rosa no progresso e
desenvolvimento tecnológico, aponta de modo temível nessa
direção.
Vamos estudar alguns desses fatos.
Já mencionei como a transitoriedade e a velocidade das
mudanças na sociedade estão aumentando cada vez mais. A
pergunta é: Será que o ritmo pode aumentar indefi­
nidamente? O famoso historiador Arnold Toynbee escreveu,
ainda em 1966, que quando olhamos para a tecnologia, “tanto
o progresso como a aceleração do progresso saltam aos olhos.
No momento, ambos estão em plena atividade. O ímpeto
deles é portentoso e não tem precedentes.” Aqui nos
deparamos com “um novo desafio - o maior, talvez, que
qualquer outro já enfrentado” pela raça humana. Embora a
tecnologia seja uma invenção humana, diz Toynbee, “ela
agora desafia a [nossa] habilidade de manter a capacidade
de planejar, dirigir e controlar o [nosso] futuro pelo exercício
contínuo da liberdade de escolha que é uma das
características distintivas da natureza humana.” Criado
para nos servir, “esse aparato inanimado agora ameaça
fazer uma declaração de independência em relação ao seu
inventor. Ameaça [nos] levar para onde não quer[emos].”*
UM RELANCE DO FUTURO 217
Esse fato da aceleração nos atinge qualquer que seja o
lado para o qual nos voltemos. Estamos acostumados a ver
o gráfico da população mundial subindo verticalmente,
saindo da folha. Mas gráficos semelhantes poderiam ser
traçados em muitas outras áreas - explosão na informação,
demanda de energia, urbanização, índice de criminalidade,
aumento de descobertas científicas básicas. A rápida
aceleração num intervalo de tempo cada vez mais
comprimido empurra os gráficos ainda mais para cima,
tornando alinha quase vertical. Mas quando a linha alcança
a vertical, precisa parar. Vem o ponto de crise. A aceleração
não é um processo infinito; é finito e precisa parar em algum
momento -- ou então trará catástrofe. Isso se vê com maior
clareza no crescimento populacional: ou sofrerá uma
diminuição radical, ou atingirá o ponto catastrófico em que
espaço, água, oxigênio e alimentos se esgotarão. E no fim
não importa muito o que vai se esgotar primeiro.
Os gráficos são enganosos, claro. Tudo depende da escala.
Pode-se fazer com que um leve aumento pareça catastrófico
ou reduzir um salto importante, transformando-o num
simples ponto. Depende de como colocamos as linhas. Não
devemos ser enganados por gráficos que pareçam indicar
uma catástrofe, sem vasculhar profundamente os dados.
Mesmo assim, a verdade inerente permanece: a história e as
mudanças não podem continuar se acelerando infinitamente.
É preciso que haja alguma mudança: desaceleração,
renovação ou desastre. O que virá?
A sociedade global de hoje é como um avião a jato,
acelerando cada vez mais rápido. Mas há um limite finito de
velocidade que o avião suporta. A menos que desacelere, vai
acabar se rompendo, desiitegrado. Ele não é feito para
transcender as fronteiras da tempo e do espaço, e a cultura
humana também não.
2 ¡ 8 v1NHo NOVO, oDREs NOVOS
A Estratégia Final de Satanás _ _
Dada essa configuração cultural, 3 Ígfela de h°Je deve prestar
muita atenção à Palavra de Deus.
Paulo alerta a igreja: “nossa luta não é contra o sangue e
a carne, e sim contra os principados e potestades, contra 05
dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal, nas regiões celestiais” (Ef 6.12).
A batalha que encerra todas as batalhas - literalmente
- está no horizonte. E o inimigo não é na realidade o
comunismo, o socialismo ou o materialismo; também não é
o capitalismo, o imperialismo ou o Grande Governo. E muito
mais sutil.
O arquiinimigo é Satanás, claro. Mas, como um camaleão,
Satanás possui mil faces. E a igreja de hoje deve ser capaz
de desmascará-lo em seus dois disfarces contemporâneos
mais enganosos.

C b .... .
O primeiro disfarce do inimigo é (por falta de um termo
melhor) o espiritismo. Alguns o chamam “espiritualidade”,
significando algo diferente do discipulado cristão autêntico.
a em aqui a astrologia, o ocultismo, 0 misticismo não­
` ' s fenômenos anti-racionais e
cristao, a realidade virtual e 0
ça umamsta
subjetivistas como o uso de drogas, a medita 'o h `
e comportamentos semelhantes. O denominador comum é
um desligamento do mundo real, um a introspecção voltada
ou estado
para os próprios sentimentos, pensamentos
_ unico mundo que
interior. O interruptor para o mundo exterior é desligado; o
mundo interior é ligado e passa a ser o ' '
importa. Como
' imothy afirma
Leary. T' a- César
Dai “' tudo o
que seja material.”

deMasDeus
seria isso demoníaco? Sim! Porque divide 0 mundo
em duasconciliáveis,
partescortando
in ' ' 'a ligação
­
_ _ , euTrata-se
entre o pensamento
obJet1vo. subjetivo
e a ação entre 0
uef o­ilude
deporque mundo
'ma raude a pessoa,
dentro de sua pró ri ­
fazendo-a pensar que o unico mundo que importa é o que vai
, _ _P a °abeÇfi› °0l'P0 ou sentimentos. Isso
cancela a possibilidade de um '^ ­
_ a experiencia cristã enuína
que é tanto interior como exterior E gasl
pior, favorece
UM RELANCE DO FUTURO 219
estratégias de Satanás para a batalha final. Até cristãos
sinceros caem na armadilha quando se voltam demais para
dentro, perdendo de vista a paixão de Deus por uma vida
redentora no mundo.
O outro disfarce de Satanás - que só tem sido reconhecido
aos poucos e com certa relutância - é a técnica. Esse é o
oposto do espiritismo. Centraliza-se apenas no mundo
exterior, a realidade observável. Seu interesse supremo é
encontrar a melhor maneira possível de fazer algo. Mas isso
se torna uma tirania, porque quando se encontra a melhor
forma de construir um carro, eleger um presidente, vender
um produto ou obter algum outro resultado, todos os outros
meios tornam-se supérfluos, fadados à extinção.
A técnica hoje está construindo uma sociedade em que
tudo dependa da tecnologia. Ocorre uma pirâmide
tecnológica complexa em que uma tecnologia ainda mais
avançada é necessária para lidar com os problemas da
sociedade. As realidades da tecnologia moderna tornam
obsoleta a ideologia e centram a atenção nos meios, não nos
fins. A pergunta importante não é “por quê?”, mas “como'?”
O que é tecnologicamente possível é, portanto, bom. A
tecnologia substitui a ideologia e a estética torna-se
cosmética.
Mas seria isso realmente satânico? Sim! Porque cancela
todos os questionamentos quanto ao propósito e significado
último, supremo, colocando toda a vida no nível do
“penúltimo”. No confortável mundo da técnica, as perguntas
fundamentais do “por quê'?” e do “para onde?” são
esquecidas. O futuro pode prometer uma tecnotopia
totalitária não muito diferente do 1984 de Orwell ou do
Admirável Mundo Novo de Huxley. Tal possibilidade é contra
Deus porque o substitui e reduz o significado do ser humano,
nivelando-o à máquina.
Os inimigos da igreja hoje são o espiritismo e a técnica.
Ambos escravizam as pessoas, um por trancá-las em suas
próprias experiências (sem dúvida um mundo amplo, mas
transcendente só nas aparências), o outro por trancá-las
220 v1NH0 Novo. ODRES NOVOS
numa sala confortável, colorida, caleidoscópica, com paredes
que vão se encolhendo. Em ambos os casos, acaba-se sem
saída. A vida torna-se ou experiência sem ação ou ação sem
sentido.
Mas aí vem o golpe sujo de Satanás e o significado da
batalha final: o casamento do Espiritismo com a Técnica.
Parece impossível, mas está acontecendo. A Técnica é uma
“laranja mecânica”, uma esponja mecânica. Ela absorve tudo
e reduz a cultura a uma metodologia, inclusive o espiritismo
e a, religião.
E nisso que 1984 e Admirável Mundo Novo eram
proféticos. Em ambos os livros, oferecia-se uma religião
sintética controlada pelo estado ou um substituto para a
religião para dar significado à vida e manter todo o
comportamento dentro de limites previsíveis e, portanto,
controláveis. Essa percepção é muito mais significativa que
a discussão sobre o acerto ou o erro de Orwell ou Huxley
quanto aos detalhes de suas respectivas anti-utopias.
E também aqui que a contracultura da década de 70 se
iludiu profundamente. Os usuários sérios de drogas, os que
viviam em comunidades, os filhos da “consciência
alternativa” pensavam que estavam fazendo uma nova
revolução. Foram enganados pelo beijo da publicidade que
os fez pensar que estavam sendo bem-sucedidos. Mas a
atenção da mídia era o beijo da morte, e apenas o primeiro
passo rumo à sua absorção na sociedade tecnológica. Por
trás da cortina, ouvia-se o som abafado da risada demoníaca.
Pois, na realidade, o anti-racional, o subjetivo, o experi­
mental não ameaçam a técnica. A sociedade tecnológica está
perfeitamente disposta a dar lugar aos meditadores
transcendentais ou aos roqueiros punks, como já destacou
Jacques Ellul.5 Pois o mundo introvertido deles está
divorciado da ação e, portanto, não é de fato revolucionário.
Depois que a técnica domina, não basta a “consciência” para
realizar uma revolução. Tal comportamento é até bem-vindo
na tecnotopia, pois mantém os nativos quietos, na crença
UM RELANCE DO FUTURO 221
de que estão realizando algo. Enquanto isso, a técnica
computadorizada cria sua própria “realidade virtual”.
Isso é um truque satânico, e nos dá uma idéia de como
será a última batalha da igreja. O que teria acontecido com
os velhos inimigos como a lascívia, cobiça, imoralidade,
idolatria, preguiça, etc.'? Continuam presentes. Continuam
demoníacos, continuam sendo plenamente empregados. Mas
os principados e potestades sob domínio de Satanás hoje são
vistos em especial no espiritismo e na técnica, que aos poucos
se unem num único plano demoníaco e sedutor.

A Igreja Hoje e Amanhã


Quais as implicações desses desdobramentos para a igreja
- tanto para os odres como para o vinho?
1. Toda a problemática`da estrutura eclesiástica ganha
urgência cada vez maior A medida que a aceleração social
aumenta, somente as igrejas estruturadas de modo flexível
e bíblico serão capazes de permanecer. Essas igrejas
oferecerão as melhores condições para a igreja ser de fato
uma comunidade messiânica em dias diñceis e suportar a
perseguição quando ela vier.
A igreja terá, cada vez mais, de escolher entre um modelo
carismático e um modelo institucional ou burocrático de
vida e estrutura. O desenvolvimento tecnológico, o aumento
da população e outros fatores estão apertando o passo das
mudanças e pressionando a humanidade para dentro de algo
que é, potencialmente, um gueto global. Essa aceleração das
mudanças lança novas cargas sobre todas as estruturas
institucionais.
Alvin Toffler alega que ' a aceleração da mudança atingiu
um ritmo tão rápido que até mesmo a burocracia já não o
pode mais acompanhar”. Isso significa que “novas e até
mesmo instantâneas formas de respostas da organização têm
que caracterizar o futuro”. Estamos vendo o “colapso da
hierarquia” à medida que “são empregados cada vez mais
atalhos que passam ao largo da hierarquia” em todos os
222 v1NHo NOVO, oDREs NOVOS
tipos de organizações. “O resultado cumulativo dessas
pequenas mudanças é uma alteração maciça de sistemas de
comunicações verticais para laterais” - 0 que John
Naisbitt chama de megatendência de trocar as hierarquias
pelas redes.°
Isso pode ser bom ou ruim para a igreja. Depende se ela
está estruturada de acordo com um modelo carismático ou
institucional. Pela Bíblia, é claro que a igreja deve ser
estruturada de modo carismático e orgânico, e qualquer
igreja que esteja estruturada dessa forma já está em muitos
aspectos pronta para enfrentar o choque do futuro. Mas as
igrejas encarceradas em estruturas rígidas, burocráticas e
institucionais podem logo se ver prisioneiras de formas
organizacionais condicionadas pela cultura, que estão se
tornando obsoletas rapidamentef
Uma concepção bíblica de igreja deixará claro que a igreja
é essencial para o evangelho, pois ela é o Corpo de Cristo.
Ao mesmo tempo, ficará claro que as instituições e
estruturas humanas não são em si igreja; não são
santiñcadas. Mas não basta uma concepção bíblica de igreja.
As igrejas locais devem encarnar a realidade bíblica por meio
de estruturas que promovam a adoração, o testemunho e a
vida em comum, conforme temos discutido neste livro.
2. A igreja deve estar vigilante (Mt 24.42; 1 Ts 5.6).
Vivemos dias em que os cristãos devem ser esclarecidos
quanto ao que a igreja é e não é. Assim como muitos falsos
Cristos virão nos últimos dias, igualmente haverá “igrejas”
falsas e apóstatas em todo lugar. Não podemos ser desviados
por nossas próprias idéias nebulosas acerca da igreja.
A igreja deve estar preparada, como indivíduos e como
uma comunidade cristã, para enfrentar a violência da
perseguição, e também a sedução sutil do anticristo. Vai
precisar de clareza doutrinária e comunhão autêntica ­
para que haja fé ortodoxa e também comunhão ortodoxa,
tomando emprestada a expressão de Francis Schaeffera Sob
a ameaça de perseguição, a vida em comunidade torna-se
mais difícil - e mais essencial. Daí a prioridade das
ITM HE.`‹'i.'1N('É DO }"U'7`Í.»7R(J 223
estruturas que srguin mais llexívcis, móveis, menos evidentes
e que nino ‹clcpendum de prédios.
li. A igreja do futuro deve ser biblicamente sadia e
ixrjiifrzru‹~/olmentc autêntica. Ela deve aliar o misticismo à
HQÍIO, casar a experiência profunda com a ação. A igreja. deve
ser uma comunidade genuína em que a integridade da vida
cresce a partir da adoração a Deus e da comunhão com todas
as pessoas em Cristo, sem recorrer a técnicas indignas. A
igreja deve crescer em razão de um magnetismo espiritual
genuíno, não por tecnologia religiosa ou experiências sem
conteúdo.
4 A igreja deve viver e andar no Espírito (Gl 5.16-26).
Ela precisa conhecer, de modo profundo, a orientação e
direção diária do Espírito de Deus. O Espírito deve ser livre
para produzir o fruto e os dons que mantêm a saúde e a
vitalidade da igreja.
Vivemos dias em que a igreja deve aprender a “relaxar”,
a manter sua independência do mundo e sua dependência do
Espírito. Os seguidores atuais de Cristo precisam aprender
todo o significado do padrão vivido pelos filhos de Israel no
deserto, que seguiam ou paravam quando a nuvem se movia
ou estacionava. Precisam aprender a esperar no Senhor, a
ser sensíveis à sua liderança e a depender cada vez menos de
si mesmos. Muitas igrejas locais podem obter benefício
espiritual aplicando o princípio apresentado por Robert
Girard em Brethren, Hang Loose' “Qualquer coisa no
programa da igreja que não consiga manter-se sem pressões
pastorais constantes para que as pessoas se envolvam deve
ser entregue à morte certa e natural.”9 Essa é outra forma
de dizer que a vida da igreja deve ser baseada no exercício de
dons espirituais, não em organizações e programas.
Deus em Cristo proveu recursos maravilhosos para uma
vida cristã abundante. Ele nos dá forças para servir e
persistir. Minha oração é que a igreja de hoje reaprenda o
que a igreja primitiva sabia: esses recursos não são apenas
para os cristãos como indivíduos. São para a comunidade, a
igreja. Que Deus permita que não somente crentes isolados,
224 VINHO NOVO, omzss NOVOS
mas todo o Corpo de Cristo como comunidade e povo possa
andar no Espírito até subir, triunfante, para encontrar-se
com Cristo no ar.
Em muitos sentidos, os cristãos de hoje estão revivendo
os tempos do Novo Testamento. São dias de rápido
crescimento da igreja em muitos lugares, mas também de
letargia espiritual, apostasia crescente, ameaça de
perseguição - e também expectativas pela volta de Cristo.
Essa era a situação da igreja primitiva. A primeira geração
de cristãos pensava que Cristo poderia voltar. Ele não voltou.
E quanto aos cristãos do final do século )Q(? Assim como
os primeiros cristãos, ou como os crentes em 999 d.C.,
podemos estar enganados com respeito a tempos e épocas.
Talvez 0 retorno de Cristo esteja próximo, talvez não. Em
todo caso, é evidente que a igreja está enfrentando dias
difíceis. Muitos crêem que se Cristo não voltar logo, com
certeza haverá grande catástrofe. I
Mas podemos esperar um milagre? E possível que Deus,
em sua graça, permita outro adiamento na história humana,
outra chance para a igreja realmente ser igreja? Seria esse
0 significado dos novos derramamentos do Espírito em
nossos dias?
É possível que Deus ainda tenha uma grande tarefa para
a igreja realizar em favor do Reino?
A igreja parece impotente diante da crise ecológica, por
exemplo, ou em face da desagregação social ou da rede
mundial de poder e intrigas políticas. Mas as armas de nossa
batalha são espirituais, não carnais. Usando as armas do
mundo, a igreja não tem chance. Mas quando a igreja
emprega as armas de Deus (Ef 6.14-17), é o mundo que se
enfraquece.
Não está na hora de a igreja voltar-se para dentro,
encolher-se num canto e esperar, passiva, pelo fim. O mundo
ainda precisa ver 0 que o Espírito é capaz de fazer por meio
da igreja para estabelecer o reino de Deus sobre a terra. A
“nova criação” de Deus pode ter hoje um começo mais
grandioso na história humana do que consideramos possível.
UM RELANCE DO FUTURO 225
Em todo caso, vivemos dias de extrema vigilância:
devemos estar alertas para o que está acontecendo no mundo
e prestar atenção à Palavra de Deus à igreja por meio das
Escrituras. E vivemos dias de grande expectativa, pois a
mão de Deus ainda não se encolheu. Ele ainda é o Deus que
diz: “Farei maravilhas.”
E é o Senhor Jesus que ainda diz à igreja: “Vigiai, pois...”
I POS-ESCRITO
P RABOLA DO RIO

Ele vinha das altas montanhas, ondeando pelos rochedos,


passando por entre fendas e florestas, até chegar à planície.
Lá fluía largo, tranqüilo, mas forte, refletindo em sua
superfície perolada a glória do sol.
A Cidade foi construída ao lado do Rio. Foi construída
aliás, por causa do Rio. Para o povo, o Rio era a Vida. Sua
água pura satisfazia em abundância a sede da Cidade, aguava
suas plantações e fornecia uma variedade de peixes e
alimentos.
Por muitos anos, a Cidade viveu às margens do Rio em
tranqüilidade pastoril. A Cidade cresceu e se expandiu.
Ergueram-se muitas casas e grandes edifícios públicos. Ao
longo do Rio construíram-se ancoradouros, parques e
pontes. Com o tempo, o povo encontrou meios de aproveitar
o potencial do Rio e edificou canais, moinhos e coisas do
gênero. Uma idéia levava a outra e toda uma cultura se
formou em torno do Rio. Havia prosperidade e saúde para
todos.
Até que surgiu a idéia de uma represa. O povo conhecia o
potencial do Rio; afinal, vivia dele. Seria possível fazer muito
mais com uma grande represa, que reteria todo o potencial
do Rio e forneceria energia constante que não variaria de
acordo com as estações.
PARÁBOLA DO Rio 227
E então disseram: “Vamosl Vamos construir uma grande
represa para aproveitar o potencial do Rio.” E assim ñzeram.
Era um grande projeto, projeto digno. Após alguns anos a
represa ficou pronta e trouxe novos benefícios a toda a
Cidade.
Ninguém, porém, percebeu um problema. A Cidade estava
tirando proveito do Rio, mas também o estava modificando.
Com o passar do tempo, o Rio foi diminuindo, diminuindo; e
o lago, crescendo, crescendo. E uma vez que o fluir constante
do Rio fora bloqueado pela represa, sua água, antes
brilhante, tornou-se escura e opaca. Mas a mudança era tão
gradual, que ninguém na verdade percebeu. A glória e os
benefícios da represa cegavam os cidadãos para as realidades
menos óbvias, porém mais sinistras. As vezes doenças e
epidemias atingiam a Cidade, mas ninguém relacionava tais
problemas com as mudanças no Rio.
Enquanto isso, outra coisa acontecia. A água pura
continuava fluindo do alto das montanhas e, com o tempo, o
nível do Rio acabou se elevando cada vez mais atrás da
represa. Então, numa primavera, a neve começou a derreter
nas montanhas e o Rio começou a atingir novos níveis.
Numa manhã de janeiro, bem cedo, o povo da cidade foi
despertado por um som desconhecido. O estrondo de águas
correndo, rugindo, tomou a Cidade e ecoou pelas ruas. Os
líderes da Cidade e todo o povo correram até o Rio para ver
o que estava acontecendo. O Rio estava ali, a represa estava
ali - mas a água se escoava rapidamente. A represa não se
rompera, mas num ponto extremo do rio, a terra havia
cedido, dando lugar a um grande buraco. O Rio se escoava
por ali, fazendo surgir uma cascata raivosa que saía
trovejando pela fenda. O nível da água começou a diminuir.
O lodo e a sujeira acumulados naqueles anos todos foram
varridos pelo Rio em seu renovado poder.
Mas a consternação reinava na Cidade. Os governantes
convocaram uma assembléia para resolver o que fazer.
Especialistas estudaram a situação e apresentaram suas
teorias. Havia rumores de sabotagem e subversão. Ouviram­
228 VINHO NOVO. ODRES NOVOS
se histórias de que o Rio estava agora seguindo um novo
curso abaixo da represa e surgindo do outro lado da planície,
formando um novo canal.
Na realidade, a Cidade não tinha muito o que fazer naquela
situação. Mas a Câmara Municipal tomou uma série de
decisões. Uma delas expressava indignação diante de tudo
que tinha acontecido. Outra impedia todos os cidadãos de
se aproximar do novo Rio ou beber sua água.
E assim passou o tempo. Os engenheiros da cidade não
conseguiram fechar a brecha nem aproveitar o fluxo da água.
Assim, a Cidade aprendeu a conviver com isso, assim como
as cidades costumam fazer. A maioria das pessoas se
contentou em continuar vivendo, cuidando da represa (agora
praticamente inútil) e escrevendo livros para explicar o que
acontecera. As coisas foram se ajustando e a vida voltou ao
normal.
Mas não para todos. Havia, na verdade, um pequeno grupo
dos menos capacitados que pensava diferente. Esses
estranhos diziam uns para os outros: “Por que ñcar aqui ao
lado de uma represa inútil, de um Rio inerte? Por que não
mudarmos lá para baixo e construir uma Cidade nova lá
perto do Rio? Não é o mesmo Rio?”
E assim fizeram. A Câmara Municipal não aprovou. Houve
ameaças, acusações e mais decisões. Mas, apesar de tudo
isso, um grupo decidido resolveu se aventurar e seguiu o
Rio renovado até a planície mais abaixo e lá fundou uma
Nova Cidade. Com o tempo, a Nova Cidade cresceu e
prosperou, vivendo do Rio. Construíram-se ancoradouros,
parques e pontes. O povo encontrou meios de aproveitar o
potencial do rio e construiu canais, moinhos e coisas do
gênero. Uma idéia levava a outra e toda uma cultura se
formou em torno do Rio. Havia prosperidade e saúde para
todos.
E então, um dia (mais ou menos cem anos depois da
fundação da Nova Cidade), alguém disse: “Vamosl Vamos
construir uma grande represa...”
Notas

Introdução
I
Salmos 40.3; 96.1; 98.1; Ezequiel 11.19; 18.31; 36.36; Isaías 62.2;
65.17; 66.22, Jeremias 31.31; 2 Coríntios 5.17; Hebreus 9.15.
2
A literatura é extensa. Veja especialmente Alvaro Barreiro, Basic
Ecclesial Communities: The Evangelization of the Poor (Maryknoll, NY
Orbis, 1982); Leonardo Boff, Ecclesiogenesis: The Base Communities
Reinvent the Church (Maryknoll, NY? Orbis, 1986); Guillermo Cook,
The Expectation of the Poor: Latin American Base Ecclesial Communities
in Protestant Perspective (Maryknoll, NY: Orbis, 1985), James
O`Halloran, Signs of Hope: Developing Small Christian Communities
(Maryknoll, NY Orbis, 1991); David Prior, Parish Renewal at the
Grassroots (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1987); Sergio Torres e John
Eagleson, eds., The Challenge of Basic Christian Communities
(Maryknoll, NY Orbis, 1981). O livro de Prior aplica o modelo de
comunidades de base a contextos mais tradicionais.
3
Fontes úteis são Robert e Julia Banks, The Church Comes Home: A New
Base for Community and Mission (Sutherland, NSW Austrália: Albatross
Books, 1989); Christian Smith, Going to the Root: Nine Proposals for
Radical Church Renewal (Scottdale, PA: Herald Press, 1992); Lois
Barrett, Building the House Church (Scottdale, PA: Herald Press, 1986);
Bernard J. Lee e Michael A. Cowan, Dangerous Memories: House
Churches and Our American Story (Kansas City MO: Sheed and Ward,
1986); e Del Birkejg The House Church: A Model for Renewing the Church
(Scottdale, PA: Herald Press, 1988). Veja também C. Kirk Hadaway,
Stuart A Wright e Francis M. DuBose, Home Cell Groups and House
Churches (Nashville, TN: Bro adman, 1987).
4
Veja Ralph W Neighbour, Whé re Do We Go from Here ? A Guidebook for
the Cell Group Church (Houston, TX: Touch Publications, 1990), William
A. Beckham, The Second Reformation: Reshaping the Church for the
21 st Century (Houston, TX: Touch Publications, 1995); e CellChurch: A
Magazine for the Second Reformation (Box 19888, Houston, TX 77224).
5
As fontes-chave são Carl E Ge- ›rge, Prepare Your Church for the Future
(Tarrytown, NY Fleming H. Revell, 1991); Carl E George com Warren
Bird, The Coming Church Revolution: Empowering Leaders for the
Future (Grand Rapids: Fleming H. Revell, 1994); veja também Lyle E.
Schallerz The Seven-Day-a-Week Church (Nashville, TN : Abingdon Press,
1992) e Michael Slaughter, Spiritual Entrepreneurs: 6 Principles for
Risking Renewal (Nashville, TN: Abingdon Press, 1995).
Veja, por exemplo, Patrick Johnstone, Operation World: The Day-by­
Day Guide to Praying for the World, 5. ed. (Grand Rapids, MI: Zondervan,
250 NOTAS

1993); C. Peter Wagner, Stephen Peters e Mark Wilson, Praying Through


the 100 Gateway Cities of the 10/40 Window (Seattle, WA: YWAM
Publishing, 1995); Richard J. Foster, Prayer: Finding the Heart 's True
Home (N cw York: I-larperCollins, 1992); Ted Haggard, Primary Purpose
(Orlando, FL: Creation House, 1995), que representam diferentes
aspectos do que parece ser um movimento crescente de oração.
Sobre a Terceira Onda, veja especialmente C. Peter Wagner, The Third
Wave of the Holy Spirit (Ann Arbor, MI: Servant Publications, 1988),
John Wimber, Power Evangelism (San Francisco, CA: Harper & Row
Publishers, 1986) e John White, When the Spirit Comes with Power
(Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1988).

Capítulo 1
Como vou deixar claro mais tarde, não estou depreciando a teologia ou
a necessidade de uma ênfase adequada na verdade. O que desejo mostrar
é que não podemos permitir que a teologia ou as estruturas obscureçam
a Pessoa de Cristo e a nova vida que ele oferece.
Dietrich Bonhoeffer, Resistência e Submissão, trad. Ernesto J. Bernhoeft,
2. ed. (Rio de Janeiro/São Leopoldo, RS: Paz e Terra/Sinodal, 1980),
186. Esses comentários de Bonhoeffer são, neste ponto, meras sugestões.
Veja especialmente os capítulos 4, 5 e 6 deste livro.

Capítulo 2
' Fiz uma ampla análise sobre as atuais tendências globais em meu livro
EarthCurrents: The Struggle for the World's Soul (Nashville, TN:
Abingdon, 1995).
Bonhoeffer, Resistência e Submissão, 165.
Ibid., 169.
Ibid., 176.
Ibid., 166.
E. M. Blaiklock, “Merely, Militantly Christian”, Christianity Today,
15:16 (May 7, 1971), 6.
Herman Kahn e Anthony J. Wiener, O Ano 2000 - Urna Estrutura
Para E speculação Sobre os Próximos Trinta e Três Anos, trad. Raul de
Polillo, 3. ed. (São Paulo: Melhoramentos, s.d.), 237. Veja também Snyder,
EarthCurrents: The Struggle for the World 's Soul, 132-36.
Ibid., 242.
Ibid., 34
Adolf Harnack, The Mission and Expansion of Christianity in the First
Three Centuries (New York: Harper Touchbooks, 1962), 19-22.
Kenneth Scott Latourette, A History of the Expansion of Christianity
(Grand Rapids: Zondcrvan, 1970). Vol. 1, The First Five Centuries. 73.
NOTAS 231
Merrill C. Tenney, New Testament Times (Grand Rzapids, MI: Eerdmans,
1966), 279.
Cities & Slums News, 1:4 (January-March, 1993), 4; Patrick Johnstone,
Operation World, 35.
Citado em Edward Krupat, People in Cities: The Urban Environment
and its Effects (New York: Cambridge University Press, 1987), 15.
Harvey Cox, A Cidade do Homem, trad. Jovelino Pereira Ramos e Myra
Ramos (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971), 15.
Will e Ariel Durant, The Lesson of History (New York: Simon and
Schuster, 1968), 81.
Michael Green, Evangelização na Igreja Primitiva, trad. Hans Udo
Fuchs (São Paulo: Vida Nova, 1984), 12.
Noel F! Gist e Sylvia Fleis Fava, Urban Society, 5. ed. (New York: Thomas
Y Crowell, 1964), 23.
Harnack, The Mission and Expansion of Christianity, 21.
Ibid., 22-23.
Zbigniew Brzezinski, Between Two Ages: America 's Role in Technological
Era (New York: Viking Press, 1970), 111. ©1970 by Zbigniew
Brzezinski. Reprinted by permission of the Viking Press.
Latourette, 13.
Green, Evangelização na Igreja Primitiva, 16.
Os Guinness, The American Hour: A Time of Reckoning and the Once
an.d Future Role of Faith (New York: The Free Press, 1993).
Brzezinski, Between Two Ages, 64 (ênfase minha).
Green, Evangelização na Igreja Primitiva, 18-19.
Ibid., 20.
Por exemplo, a reportagem de capa do Time, “Astrology and the New
Cult of the Occult”, March 21, 1969.
Latourette, 131.
Citado em Page Smith, Killing the Spirit: Higher Education in America
(New York: Viking Press, 1990), 3. Desejando uma discussão mais
profunda sobre essas questões, veja Snyder, EarthCurrents,
especialmente o capítulo 15, “Postmodernismz The Death of
Worldviews'?”
Harnack, The Mission and Expansion of Christianity, 1-18.
Donald G. Bloesch, Wellsprin, gs of Renewal (Grand Rapids: Eerdmans,
197 4); David Stoll, Is Latin America Turning Protestant? The Politics
of Evangelical Growth (Berkeley, CA: University of California Press,
1990).
É claro que Joel 2.28-32 não se cumpriu totalmente no Dia de
Pentecostes: ainda não ocorreram todos os sinais indicados nessa
passagem. Aqui se dá o mesmo fenômeno que ocorre com muitas profecias
do Antigo Testamento: Há um cumprimento inicial (a “primeira
32 NOTAS
prestação”) no período neotestamentário; há um cumprimento contínuo,
através da história, pela ação do Espírito mediante a igreja; e haverá
um cumprimento final completo e dramático no futuro. Esse
cumprimento final é, claro, associado na Escritura ao retorno de Cristo.

Capítulo 3
Minhas convicções aqui resultam de um cuidadoso estudo sobre os pobres
através das Escrituras (um estudo que eu estava fazendo quase ao mesmo
tempo em que a Teologia da Libertação latino-americana começou a
escrever sobre Deus e sua “opção preferencial pelos pobres”) e também
de minha herança na Igreja Metodista Livre, que foi fundada “para
proclamar o evangelho aos pobres.”
G. K. Chesteron, The Euerlasting Man (San Francisco, CA: Ignatius
Press, 1993), 205.
John Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists, Mattthew,
Mark, and Luke (Grand Rapids: Eerdmans, 1957), 2:36.
Walter Rauschenbusch, Christianity and the Social Crisis (New York:
Hodder and Stoughton, 1907), 82.
Bruce Kendrick, Come Out the Wilderness (London: Fontana, 1966), 31.
David L. McKenna, ed., The Urban Crisis (Grand Rapids: Zondervan,
1969), 138.
Gibson Winter, The Suburban Captivity of the Churches (New York:
Macmillan, 1962), 140.
Ernest Campbell, Christian Manifesto (New York: Harper & Row, 1970),
9.
Leighton Ford, The Christian Persuader (New York: Harper & Row,
1966), 152.
Citado em H. Richard Niehbur, As Origens Sociais das Denominações
Cristãs, trad. Antonio Gouvêa Mendonça (São Paulo/São Paulo: Ciências
da Religião/ASTE, 1992), 27. Veja também Eric Hoffer, The True Belieuer
(New York: Harper & Row, 1966), 29-48.
Ernst Troeltsch, The Social Teaching of the Christian Churches, trad.
ingl. Olive Wyon (London: George Allen and Unwin, 1956), 1:39.
John Wesley, The Works of John Wesley (Grand Rapids: Zondervan, s.d.),
31445,
Donald McGavran, The Bridges of God (New York: Friendship Press,
1955), 69-70.
Donald McGavran, Understanding Church Growth, 3" ed. (Grand Rapids:
Eerdmans, 1990), 10-11.
William R. Read, Fermento Religioso nas Massas do Brasil, s.trad.
(Campinas: Livraria Cristã Unida, 1967), 235.
N iehbur, As Origens Sociais das Denominações Cristãs, 41, 26.
NOTAS 233
Veja especialmente Viv Grigg, Servos Entre os Pobres, trad. Ehude Garcia
(s.l.: COMIBAM Brasil/Aura, 1991).
A evangelização entre os pobres é complicada pelo fato de os pobres
muitas vezes representarem uma ou mais subculturas distintas da
cultura dominante. Desse modo, vem à tona e deve ser levado em
consideração o problema da comunicação transcultural. Sobre esse
assunto, veja Charles H. Kraft, “North America's Cultural Challenge” e
Ralph D. Winter, “Existing Churches: Means or Ends?”, ambos em
Christianity Today, 16:8 (January 19, 1973), 6-8 e 10-13. O primeiro
passo para relevância intercultural é, entretanto, a retomada do conceito
bíblico de igreja. Lawrence Richards em A New Face for the Church
(Grand Rapids, MI: Zondervan, 1970), 236-282, dá sugestões criativas
para o ministério junto aos pobres. Veja também Grigg, Servos Entre os
Pobres, e Robert C. Lithicum, Cidade de Deus, Cidade de Satanás: Uma
Teologia Bíblica da Igreja nos Centros Urbanos, trad. Leoni Terezinha
Penno Almada de Abreu (Grand Rapids, MI 1 Zondervan, 1991).
Niehbur, As Origens Sociais das Denominações Cristãs, 29.
Hendrick I-Iart, “The Institutional Church in Biblical Perspective:
Cultus and Covenant”, em Will All the King's Men (Toronto: Wedge
Publishing Foundation, 1972), 30.
Donald Bloesch, The Reform of the Church (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
197 O), 1 13; John Howard Yoder, The Fullnes of Christ: Paul 's Vision of
Universal Ministry (Elgin, IL: Brethren Press, 1987). Enquanto os
reformadores afirmavam o “sacerdócio de todos os crentes”, aplicaram
essa ênfase principalmente à soteriologia (todos podem se aproximar
de Deus diretamente) e não tanto à eclesiologia (todos os crentes são
ministros na igreja e sacerdotes uns dos outros). Veja a discussão em
Howard Snyder com Daniel Ruuyon, The Divided Flame: Wesleyans
and the Charismatic Movement (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1986).
Roland H. Bainton, The Refor mation of the Sixteenth Century (Boston:
Beacon Press, 1952), 95.
N iehbur, As Origens Sociais aas Den ominações Cristãs, 32.
Bainton, The Reformation of the Sixteenth Centu/fv, 105.
Há vários pontos de contato entre a abordagem defendida neste livro e
o pensamento de alguns grupos como os Anabatistas, Quakers e Plymouth
Brethren (assim como grupos similares em qualquer lugar do mundo).
Esses grupos retiraram boa parte do seu dinamismo original da
redescoberta de verdades bíbli :as básicas sobre a igreja, embora, é claro,
tenham misturado tais ensinos com outras idéias e compreensões. Por
causa da natureza historicamente condicionada desses grupos - o “fator
cultural” - nenhum deles (nem mesmo a igreja primitiva, nessa questão)
fornece um modelo perfeito para a igreja atual. Não estou propondo
nenhum grupo histórico como um modelo ideal. Leitores informados
234 NOTAS
perceberão que este livro não é uma mera reafirmação das visões
defendidas por movimentos reformadores primitivos. Ao contrário, é
um chamado para uma séria reflexão sobre o problema de estrutura da
igreja e para a aplicação renovadora de conceitos bíblicos básicos de
igreja à nossa época.

Capítulo 4
' Oscar Cullmann sugere que, em João 2.12-22, o autor “entende que a
purificação do Templo significa que a adoração no Templo é substituída
pela pessoa de Cristo". O próprio Cristo é o centro da adoração; o templo
perdeu, assim, essa centralidade. De modo semelhante, “quando Jesus
disse que após a destruição do Templo ele ergueria um santuário em
três dias (= em curto espaço de tempo) isso só pode se referir à
comunidade de discípulos”. Oscar Cullmann, Early Christian Worship
(London: SCM Press, 1969), 72-73; cf. p. 117.
“Deve ser lembrado que se o trabalho e a história [dos homens] são
tomados por Deus e recapitulados no Cristo glorificado, isso ocorre, com
certeza, não porque eles são válidos ou porque dão uma contribuição
positiva para melhorar o que Deus deseja, mas sim porque, em seu
amor, Deus salva [homens e mulheres] com as obras [deles]. É pela graça
que ele transforma o mal em bem e deseja, de fato, levar em conta o que
[a humanidade] tem feito. A nova criação não é superior à primeira por
causa do acréscimo do trabalho e da história [da humanidade] , mas
por causa de uma nova realização do arnor de Deus.” Jacques Ellul,
False Presence of the Kingdom, trad. ingl. C. Edward Hopkin (New
York: Seabury Press, 1972), 29.
A natureza tipológica da dinastia davídica é particularmente clara na
promessa divina de que estabeleceria um reino eterno a partir da
linhagem de Davi (2 Sm 7.1-29 e 1 Cr 17.10-27). Embora haja uma
referência primária a Salomão, a passagem é claramente messiãnica.
Por exemplo, em Miquéias 1.2; Habacuque 2.20; Salmos 11.4; 18.6.
Sobre o significado, para o Reino, do templo ou da casa de Deus na
Escritura, veja meu livro, A Kingdom Manifesto (Downers Grove:
InterVarsity Press, 1985), cap. 3.
Há uma literatura considerável argumentando que a igreja nunca deveria
possuir prédios; que qualquer igreja que agir dessa forma é infiel; e que
a grande queda da igreja foi sua mudança de casas para prédios próprios.
Existe uma certa verdade nessa visão, mas é muito simplista. Muitos
outros fatores estão envolvidos, e igrejas que evitam construções especiais
podem se tornar tão mortas e frias quanto uma congregação petrificada
que se reúne numa catedral.
Mas e quanto à sinagoga judaica? Não era um prédio? Os primeiros
cristãos não se reuniam ali? Não era intenção de Paulo que as sinagogas
NOTAS 2 3 5
se tornassem centros de adoração cristã?
A sinagoga era em primeiro lugar uma comunidade de judeus; apenas
de maneira secundária o termo veio a significar um prédio. Havia por
todo o Império Romario centenas de comunidades sinagogais, bem como
edificios, e foi a essas comunidades que Paulo se dirigia primeiro com o
evangelho. Talvez Paulo desejasse ver esses prédios sinagogais
convertidos em centros cristãos, mas pela providência divina isso não
aconteceu. As sinagogas nunca se tornaram prédios da igreja cristã, até
onde sabemos, e dentro de mais ou menos trinta anos após o nascimento
da igreja, os cristãos viram as portas da sinagoga batendo em seus rostos
(Green, Evangelização na Igreja Primitiva, 240). O que Paulo plantou
não foram edifícios - significativamente, ele não construiu sinagogas
materiais; não organizou comissões de construção; não designou
administradores - mas novas comunidades parecidas com sinagogas.
Como Ralph Winter observa, ele “estabeleceu comunhöes
completamente novas de crentes, no estilo de sinagoga, como unidade
básica de sua atividade missionária. A primeira estrutura no cenário do
Novo Testamento, portanto, é o que se costuma chamar Igreja do Novo
Testamento. Era edificada essencialmente segundo o estilo das sinagogas,
acolhendo a comunidade de ñéis em qualquer lugar” (Ralph D. Winter,
“The Two Structures of God's Redemptive Mission”, Missiology 2:1
[January, 19741, 122). É interessante que os cristãos primitivos
normalmente se chamavam de ecclesia e não de sinagoga. Ambas as
palavras em grego podem ser traduzidas assembléia (cf. Tg 2.2, onde a
NVI e BLH usam o termo reunião para traduzir o grego sinagoga) e,
gramaticalmente, sinagoga teria sido um título apropriado para a igreja.
A preferência da igreja primitiva por ecclesia sugere um desejo de
distinguir claramente a comunidade cristã da sinagoga judaica. (Veja
Harnack, The Mission and Expansion of Christianity, 407-08).
A sinagoga constituiu uma ponte vital para o evangelho ligando a Palestina
ao resto do Império Romano e os judeus aos gentios. Mas trata-se de
uma ponte que, uma vez cruzada, foi abandonada. A igreja primitiva
copiou a sinagoga como um padrão de comunidade, mas aparentemente
nunca como um edifício.
John E Havlik, People-Centered Evangelism (Nashville: Broadman Press,
1971), 47.

Capítulo 5
Walter Oetting, The Church of the Catacombs (St. Louis: Concordia,
1964), 25.
É verdade que hoje há uma tendência significativa de maior flexibilidade
na construção de prédios. Esse é um sinal positivo. Quando alguma
forma de instalações fisicas se torna necessária, deve se dar maior
956 NOTAS
prioridade à flexibilidade e à multifuncionalidade. Veja Alvin Toffler, O
Choque do Futuro, trad. Eduardo Francisco Alves, 5° ed. (Rio de Janeiro:
Record, 1994), 56-62, 218.
Lawrence Carter, Can 't You Hear Me Calltng? (New York: Seabury Press,
1969), 131.
Veja o capítulo 7.
No primeiro século, os cristãos freqüentemente se reuniam nas
residências particulares de pessoas de posses que haviam se convertido.
Embora a grande maioria dos cristãos na igreja primitiva fosse de pobres,
no início havia também ricos convertidos espalhados entre eles. Com
freqüência suas casas espaçosas forneciam amplo espaço para reuniões
relativamente grandes. Sobre essa tendência, veja Michael Green,
Evangelização na Igreja Prtmttiva, especialmente p. 252-267, e Robert
Banks, Paul 's Idea of Community, ed. rev. (Peabody, MA: Hendrickson
Publishers, 1994).
Algumas comunidades que conheço têm se reunido em escolas, prédios
de escritórios, shopping centers, centros comunitários e instalações da
ACM - Associação Cristã de Moços. David Mains, em seu livro Full
Circle, descreveu uma solução criativa para esse problema de lugar para
adoração de grupos grandes.
Peter Wagner sugere que “a praxe das igrejas inflamadas pela visão de
um mundo perdido, necessitado de Cristo, é um mínimo de 50% do
orçamento da igreja para missões. A fim de alcançar outros para Cristo
elas gastam, no mínimo, tanto quanto gastam com suas próprias
necessidades”. C. Peter Wagner, Stop the World, I Want to Get On
(Glendale, CA.: Regal, 1974), 66.
Chuck Smith e Hugh Steven, The Reproducers (Glendale, CA.: Regal,
1972), 55-63.
Juan Carlos Ortiz, numa entrevista em 19 de julho de 1974, durante o
Congresso Intemacional de Evangelização Mundial em Lausanne, Suíça.

Capítulo 7
Keith Miller, The Taste of New Wine (Waco, TX: Word, 1965), 22.
George A. Buttrick, ed., The Interpreter's Bible (New York: Abingdon
Press, 1953), 10:425. Itálicos meus.
I-lendrik Kraemer, A Theology of the Laity (Philadelphia: Westminster
Press, 1958), 107.
Veja Howard A. Snyder, Models of the Kingdom (Nashville, TN:
Abingdon, 1991), 56-66.
Durante os meu anos de formação, o ponto alto religioso era o “culto do
altar”, que costumava ser realizado depois do culto de adoração, sempre
que houvesse pessoas atendendo ao “convite ao altar”. Podia durar alguns
minutos ou mais de uma hora, e ficávamos cantando e ouvindo os
NOTAS 237
testemunhos daqueles que alcançaram a vitória espiritual. Embora seja
possível apontar alguns aspectos negativos nos tradicionais apelos para
o altar e “cultos do altar”, (pelo menos em minha experiência) nesses
momentos eram vivenciadas honestidade, abertura e comunhão
espiritual de maneira profunda, ainda que efêmera, e isso se tornou
inesquecível para mim. Esse fato mais tarde me convenceu da
necessidade de estruturas de vida comum, mais viáveis e práticas, que
permitam que essa realidade seja experimentada - não como um “ponto
alto” ocasional, mas como vida normal da igreja.
Robert Coleman, O Plano Mestre de Evangelismo, trad. João Marques
Bentes (São Paulo: Mundo Cristão, s.d.), 45.
Embora os Doze fossem todos homens, Jesus compartilhou também de
intensa koinonia com algumas mulheres, dentro (e talvez um pouco
além) do grau aceitável no contexto cultural. A casa de Maria, Marta e
Lázaro forneceu uma oportunidade para isso; e Lucas 8.2-3 e Marcos
15.41 mencionam outras mulheres que compartilharam essa profunda
comunhão com Jesus.
Daniel J. Fleming, Living as Comrades (New York: Agricultural
Missions, 1960), 19.
Ent.rarei em mais detalhes sobre considerações básicas para estrutura
da igreja nos capítulos 10 e 12 e em The Community of the King
(Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1977).
Citado em Os Guinness, The Dust of Death (Downers Grove, IL:
InterVarsity Press, 1973), 211.
Robert Raines, New Life in the Church (New York: Harper & Row,
1961), 71.
Banks, Paul 's Idea of Community, 6-8.
George W Webber, The Congregation in Mission (New York: Abingdon
Press, 1964), 81.

Capítulo 8
Pode ser que a afirmação “Por isso deixa o homem pai e mãe, e se une à
sua mulher, tornando-se os dois uma só carne" (Gn 224) implique uma
analogia com o fato de um povo ser chamado de dentro das nações para
se tornar um povo para Deus.
Deus ainda tem um plano, é cl: ro, para o Israel étnico ou biológico, pois
os judeus ainda são seu povo. No fim dos tempos, os judeus e a igreja
serão integrados em um só povo fiel a Deus (Rm 11.1-36).
Gerhard Kittel, ed., Theological Dictionary of the New Testament, trad.
ingl. Geoffrey W Bromiley (Grand Rapids: Eerdmans, 1967), 4:32.
Ibid., 35.
Ibid., 54.
238 NOTAS
John Howard Yoder, The Royal Priesthood, ed. Michael G. Cartwright
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1994), 74.
Ibid., 75.
Jacques Ellul, The Meaning of the City, trad. ingl. Dennis Pardee (Grand
Rapids: Eerdmans, 1970), 5-6, 77.
Stanley Hauerwas e William H. Willimon, Resident Aliens: Life in the
Christian Colony (Nashville, TN: Abingdon, 1989).
Veja Snyder, Liberating the Church, capítulo 10.
Jess Moody, A Drink at Joel 's Place (Waco, TX: Word, 1967), 22, 17.
Vader, 91.
E possível que haja alguma ligação entre o movimento de retiros (camp
meetings) e o envolvimento social de muitos avivalistas do século XIX?
Suspeito que sim, pois os retiros forneciam uma plataforma significativa
para reformadores sociais bem como urna grande e simpática audiência.
Veja Timothy Smith, Revivalism and Social Reform (Nashville:
Abingdon Press, 1957).
Quanto a uma tentativa até certo ponto paralela a essa linha, veja H. R.
Rookrnaaker, Modern Art and the Death of a Culture (Downers Grove,
IL: InterVarsity Press, 1970), 250-252.

Capítulo 9
' Philip Morrison, “The Mind of the Machine”, Technology Review,
January 1973, 17.
Kittel, Theological Dictionary of the New Testament, 4:948-60. Um
bom estudo sobre o uso de nous na Bíblia se encontra em Mildred B.
Wynkoop, A Theology of Love (Kansas City, MO: Beacon Hill Press of
Kansas City, 1972), 132-135.
Wynkoop, A Theology of Love, 121. Veja a discussão sobre Ordem,
Surpresa e Beleza em Snyder, EarthCurrents, capítulo 17.
Kahn e Wiener, O Ano 2000, 426. Veja Bertram Gross, Friendly Fascism
(New York: M. Evans and Co., 1980).
Francis Schaeffer, Poluição e a Morte do Homem: Uma Perspectiva Cristã
da Ecologia, trad. Darci e Nancy Dusilek (Rio de Janeiro: JUERR 1976),
51-55.
Boa parte do problema da sociedade consumista high-tech de hoje está
na conñança excessiva no “produto interno bruto” (PIB) como medida
de saúde econômica. O PIB simplesmente mede a atividade econômica,
sem se importar com os valores morais e não-quantificáveis. Se vamos
usar algum índice, precisamos ao menos de um indicador que leve em
consideração os valores não-monetários. Veja Clifford Cob, Ted Halstead
e Jonathan Rowe, “If the GDP Is Up, Why Is Arnerica Down?” The
Atlantic Monthly, 276:4 (October, 1995), 59-78.
Toffler, O Choque do Futuro, 215ss.
NOTAS 239
Snyder, EarthCurrents, 129- 1.30.
C. S. Lewis, The Abolition of Man (New York: Macmillan, 1947).
Jacques Ellul, To Will and To Do, trad. ingl. C. Edward Hopkin
(Philadelphia: Pilgrim Press, 1969), 185.
Ibid., 190.
B. E Skinner, Beyond Freedom and Dignity (New York: Alfred A. Knopfl
1971), 102-103.
Francis A. Schaeffer, Werdadeira Espiritualidade, s.trad. 4" ed. (São José
dos Campos, SP: Fiel, 1993), 131.
George Orwell, 1984, trad. Wilson Velloso (São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1984), 53.
A Nova Versão Internacional traduz erroneamente Romanos 8.6-9,
afirmando que os cristãos “não estão sob o domínio da carne, mas do
Espírito”, frase essa que transmite a idéia de controle. Essa idéia é
mais forte ainda no texto em inglês da NN em que se repete várias
vezes a palavra “control”. A versão Almeida Revista e Atualizada no
Brasil é mais precisa: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito”.
A palavra “domínio” não se encontra no original grego.
Toffler, O Choque do Futuro, 215ss, 286ss.
John Kenneth Galbraith, The New Industrial State, ed. rev (New York:
New American Library, 1971), 23, 53.
Gary Henley, The Quiet Revolution (Carol Stream, IL: Creation House,
1970), 46-47.

Capítulo 10
1 O conceito de “ecologia” está baseado na palavra grega para casa ou
família, oikos, uma palavra (assim como "economia", oikonomia) que
possui um rico significado no Novo Testamento. Veja o capítulo 2, “The
Economy of God”, em Liberati 'ig the Church.
Por ser este um capítulo inclui‹ lo na edição revisada do livro, as citações
bíblicas no original são da New International Version, mas na tradução
para o português mantivemos o texto da Almeida Revista e Atualizada
no Brasil.
A igreja às vezes é descrita mais em termos de proclamação (kerfygma),
serviço (diakonia) e adoração (leitourgia). Qualquer concepção de igreja
que não veja a koinonia como oase, porém, é uma distorção do quadro
neotestamentãrio. Também II refiro martyria à kerzygma por sugerir
uma concepção mais abranger te e encarnada do testemunho da igreja,
que inclui diakonia. Sobre a tendência de sobrecarregar a idéia de
kerjvgma veja Green, Evangelização na Igreja Primitiva, 55. Atentando
para a advertência de Green, segundo o qual é muito fácil ser induzido
por algumas palavras específicas a construir sobre elas uma
superestrutura teológica, que nunca se pretendeu que esses vocábulos
2 'Ú NOTAS
designassem, estou sugerindo "adoração", "comunhão" e “testemunho"
como componentes básicos não em função do uso técnico desses termos
na Escritura, mas como categorias gerais que envolvem a revelação e a
narrativa bíblicas acerca da igreja. E instrutivo, ainda, comparar algumas
das contrapartes gregas das palavras em inglês ou português e a maneira
pela qual as três palavras são utilizadas no Novo Testamento. Veja uma
discussão breve e útil sobre leitourgia e outras palavras do Novo
Testamento para adoração em Ferdinand Hand, The Worship of the
Early Church, trad. ingl. David E. Green (Philadelphia, PA: Fortress,
1973), 32-39.
W A. Visser't Hooft, The Renewal of the Church (London: SCM Press,
1956), 97.
A base bíblica incontestável para esse modelo se encontra em Ezequiel
10.10.
Veja o capítulo 4, “The Church as Sacrament”, em Liberating the Church.
Veja discussões úteis sobre o ano cristão em Robert E. Webber, The
Majestic Tapestry (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1988). Webber tem
uma seção muito útil sobre a adoração que pode servir como um antídoto
saudável para a superñcialidade de muitos cultos contemporâneos e a
que Webber chama “uma espécie de amnésia evangélica” a respeito do
cristianismo histórico. Por outro lado, Webber, a meu ver, não fornece
justificativas suñcientes para tomar a adoração cristã do segundo século
como modelo principal para a adoração atual.
Richard Foster, Celebração da Disciplina - O Caminho do Crescimento
Espiritual, trad. Luiz Aparecido Caruso (Deerñeld, FL: Vida, 1983), 9­
21.
Na Escritura, justiça e retidão estão intimamente ligadas, de modo que
falar de uma envolve a outra. Veja essa discussão em Liberating the
Church, capítulo 1, 'íIustiça, Libertação e o Reino ”.
Veja discussão mais completa em Snyder, The Community of the King,
107- 16.

Capítulo 1 1
Paul Verghese, “A Sacramental Humanism", em Alan Geyer e Denn
Peerman, eds., Theological Crossings (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1971), 137-45.
Mains, Full Circle, 62.
Ibid., 63.
Elizabeth O'Connor, Eighth Day of Creation (Waco, TX: Word, 1971),
42-43.
Veja, por exemplo, C. Peter Wagner, Frontiers in M issionarzv Strategy
(Chicago: Moody Press, 1971) e Stop the World, I Want to Get On.
Noms 241
Capítulo 12
1

Sobre o pietismo e o metodismo, veja Howard A. Snyder, Signs of the


Spirit: How God Reshapes the Church (Grand Rapids, MI: Zondervan,
1989), especialmente os capítulos 3 e 5.
2
Vinson Synan, The Holiness-Pentecostal Movement (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1971), 42. Em 1891, chegavam a mais de 350 os “encontros
durante a semana para a promoção da santidade”, realizados em sua
maioria em lares, segundo o padrão dos famosos “encontros de quinta­
feira” de Phoebe Palmer.
J
W Stanford Reid, “The Grass-Roots Reformation”, Christianity Today,
15:2 (October 23, 1970), 62-64.
4
Elton Trueblood, The I ncendiarzy Fellowship (New York: Harper & Row,
1967), 70.
(2

Raines, New Life in the Church, 70. O sucesso considerável do programa


Disciple Bible Study (Estudo Bíblico do Discípulo) da Igreja Metodista
Unida, que se apóia em grupos pequenos de compromisso, é mais um
testemunho a favor do mesmo ponto de vista.
6
Moody, A Drink at Joel 's Place, 24.
7
George W Webber, God 's Colony in Man 's World (New York: Abingdon,
1960).
8
Webber, The Congregation in Mission, 21.
O
Ibid.
10
Webber, God 's Colony in Man's World, 58-59. Itálicos meus.
ll
Ibid., 58.
12
Ibid.
1.›
Webber, The Congregation in Mission, 131.
14
Ibid., 122.
15
Ibid., 82.
1G
Robert Coleman, Dry Bones Ca n Live Again (Old Tappan, NJ: Fleming
H. Revell, 1969), 70.
17
Webber, The Congregation in Mission, 163-164.
18
Ibid.
19
John Wesley, “A Plain Account of the People Called Methodists”, The
Works of John Wesley, ed. Frank Baker e Richard Heitzenrater (Nashville,
TN: Abingdon Press, 1984- ), 9:262.

Capítulo 13 ­
1
Boa parte do conteúdo desta se‹áo é desenvolvida de modo mais extenso
'J
em The Community of the King.
Donald A. McGavran, “The Dimensions of World Evangelization”. Tese
para Seminário Estratégico, preparada para o Congresso Internacional
de Evangelização Mundial, Lausanne, Suíça, 16-25 de Julho de 1974.
242 NOTAS
L!

K. L. Schmidt comenta que ao tentarem “entender a antítese entre


uma igreja empírica e outra ideal”, na igreja pós-apostólica “surge uma
consciencia da' dupla natureza da igreja como igreja militante e igreja
triunfante. Tais especulações introduzem uma ambigüidade distintiva
nas afirmações a respeito da igreja. Isso se verifica tanto nos pais gregos
como nos latinos. O maior dentre eles, Agostinho, cujo pensamento
abrangente colocou a igreja no centro da vida católica romana, é
exatamente um dos pensadores em que a relação entre a igreja empírica
e a ideal não é clara. Se as especulações genuinamente gnósticas foram
deixadas à margem, a especulação ainda se impôs em forma de
platonismo O protestantismo, com sua distinção entre a igreja visível
e a invisível, participa, à sua maneira, desse platonismo irreal.”
Schmidt diz ainda que a igreja “como a assembléia de Deus em Cristo
não é invisível por um lado e visível por outro. A comunidade cristã, que
na qualidade de congregação particular representa o corpo todo, é tão
visível e corpórea como [uma pessoa individual] Se Lutero fazia
distinção entre a igreja visível e a invisível, ele o fez sem aceitar o
platonismo de seus sucessores.” Kittel, Theological Dictionary of the
New Testament, 3:533-534.
4
Reconheço que a palavra instituição não está isenta de problemas, pois
qualquer “prática, lei ou costume estabelecido” pode-se considerar uma
instituição (Webster's New Practical Dictionary). Nesse sentido, o
batismo e a Santa Ceia, por exemplo, podem ser encarados como
instituições e é dificil fazer distinção entre instituição e igreja. Mas
aqui uso a palavra instituição em seu sentido mais restrito (e mais
popular) de “uma sociedade ou corporação estabelecida"; em outras
palavras, como uma organização formalmente estruturada,
independentemente de essa estruturação ter se dado por lei, por uma
assembléia constituinte ou meramente por tradições acumuladas. Estou
ciente de que alguns preferem utilizar a expressão igreja institucional
para descrever o que neste livro chamo de comunidade, mas não é nesse
sentido que uso essa frase.
5
A mesma perspectiva cósmico-histórica é evidente através da Escritura.
Todas as promessas de restauração cósmica dos profetas do Antigo
Testamento aplicam-se aqui, alcançando seu clímax em Isaias. No Novo
Testamento, a mensagem essencial do livro de Apocalipse é a união de
todas as coisas sob o senhorio de Cristo. E Isaías, Pedro e João falam de
um novo céu e de uma nova terra (Is 65.17, 66.22; 2 Pe 3.13; Ap 21.1).
6
Efésios 1.10; 2 Coríntios 5.17-21; Romanos 8.21. A palavra grega
traduzida por “convergir” (ARA, NVI) ou “unir” (BLH) em Efésios 1.10
deriva da palavra para “cabeça”. A idéia de Cristo como cabeça da igreja
e de todas as coisas (por exemplo, em Ef 1.22) sugere naturalmente o
conceito da união de todas as coisas sob o comando de Cristo. Isso explica
NOTAS 243
o emprego da palavra incomum “convergir” ou “unir debaixo da
autoridade” por Paulo em Efésios 1.10. Veja Kittel, Theological
Dictionary of the New Testament, 32681-82.
1 Coríntios 8.6; 15.28; Efésios 1.22; 3.9; 4.10; Colossenses 1.17-20;
compare Hebreus 1.2-3; 2.8-10.
Para maior elaboração, veja Howard A. Snyder, Models of the Kingdom
(Nashville, TN: Abingdon Press, 1991).
Francis A. Schaeffer, O Deus Que I ntervém, trad. Fernando Korndorfer
(Jaú, SP/São Paulo: Refúgio/ABU, 1981), 152; Poluição e a Morte do
Homem, 71-75. Veja também George Eldon Ladd, Jesus and the
Kingdom (Waco, TX: Word, 1964) e Howard A. Snyder, A Kingdom
Manifesto (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1985).
Peter Beyerhaus, “World Evangelization and the Kingdom of God”.
Tese sobre Fundamentos Bíblicos, preparada para o Congresso
Internacional de Evangelização Mundial, Lausanne, Suíça, 16-25 de
julho de 1974.
Clark H. Pinnock, “The New Pentecostalism: Reflections by a Well­
Wisher”, Christianity Today, 17:24 (September 14, 1973), 6.
Donald Bloesch, The Reform of the Church (Grand Rapids: Eerdmans,
1970), 112.
Hans Kung, Structures of the Church, trad. ingl. Salvator Attanasio
(London: Burns and Oates, 1964), 12.
1 Pedro 4.1O; compare com Efésios 3.1O. No grego, a palavra traduzida
como “multiforme" (poikilos) geralmente tem o sentido de “multicolor”,
como na variedade de cores em flores ou roupas. W Robertson Nicoll,
ed., The Expositor's Greek Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1961),
3:309. Veja Snyder, The Community of the King, 61-63.
Hans Küng define de forma similar a igreja como “o Povo de Deus a
comunidade dos fiéis”; “a comu nidade do novo povo de Deus convocado
e reunido”. Structures of the Ch urch, x, 1 1. Essa definição harmoniza-se
também com o signiñcado etim ológico da palavra do Novo Testamento
para igreja, ekklesia - uma assembléia convocada e reunida.
Essa é a visão católica romana tradicional, mas muitos grupos
protestantes também tendem a essa direção, com variados graus de
intensidade e auto-consciência.
Está claro que as funções de diá~ :ono, presbítero e bispo eram associadas
com os dons espirituais em passagens como Atos 2028; 21.8; 1 Timóteo
4.14; 1 Pedro 5.1; 2 João 1. O Didache também sugere essa relação
entre os dons e as funções de liderança.
O ministério dos primeiros “diáconos” (Atos 6) e o de Paulo e Barnabé
como os primeiros missionários (Atos 13.1-3) eram reconhecidos
formalmente pela igreja; o ministério evangelístico de Filipe e o
ministério apostólica de Apolo parecem ter sido reconhecidos
24 *Í NOTAS
informulmente como resultado de sua eficiência. Note, entretanto, que
enquanto Atos 6.1-6 refere-se a diakonia (“serviço" ou "ministério"), os
sete escolhidos não são efetivamente chamados "diáconos",
ID
Veja George Peters, Saturation Evangelism (Grand Rapids, Mlf
Zondervan. 1970). 33.
¿0
ll Green, Evangelização na Igreja Primitiva, 239-267 e em outras lugares.
Dean M. Kelley, Why Conservative Churches Are Growing (New York:
Harper & Row, 1972), 86.

Capítulo 14
I
Há uma extensa literatura aqui. Uma boa pesquisa popular é Thomas R
Rausch, Radical Christian Communities (Collegeville, MN: The
Liturgical Press, 1990).
2
Carl E H. Henry A Plea for Evangelical Demonstration (Grand Rapids,
MI: Baker, 1971), 31.
21

Para um estudo mais extenso sobre Wesley e o metodismo primitivo,


veja Howard A. Snyder, The Radical Wesley and Patterns for Church
Renewal (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1980) e Signs of the
Spirit.
4
Maldwyn Edwards, John Wesley and the Eighteenth Century (London:
Epworth Press, 1955), 82ss.
5
Nesse e em vários outros aspectos há paralelos fascinantes entre Wesley
e outro erudito de Oxford, C. S. Lewis, uma figura-chave para a renovação
espiritual 200 anos depois de Wesley - embora em matéria de
temperamento Wesley e Lewis fossem bem diferentes.
G
Maldwyn Edwards faz um excelente resumo sobre os esforços de Wesley
nessa direção em John Wesley and the Eighteenth Century. Veja também
de Mildred Wynkoop, A Theology of Love, 58-64.
7
John Wesley, Journal, em The Works of John Wesley, ed. Baker e
Heitzenrater, 19:46.
8
Ibid.
9
Leslie R. Marston, From Age to Age a Living Witness, A Historical
Interpretation of Free Methodism's First Century (Winona Lake, IN:
Light and Life Press, 1960), 66.
IO
Citado em John Stott, One People (Downers Grove, IL: InterVarsity
Press, 1968), 72-73.
ll
Veja, por exemplo, a discussão em H. Richard N iebuhr, The Kingdom of
God in America (New York: Harper Touchbooks, 1959), 205-206.

Capítulo 15
Alvin Toffler, O Choque do Futuro, 24.
2 Ibid., 24-5.
NOTAS 245
Ben ll. Bagdikian, The Information Machines: Their impact on Men
and the Media (New York: Harper & Row, 1971), 287.
Arnold Toynbee, Change and Habit: The Challenge of Our Time (New
York: Oxford University Press, 1966), 29.
Jacques Ellul, The Technological Society, trad. ingl. John Wilkerson
(New York: Alfred A. Knopf. 1970), 375ss.
Toffler, O Choque do Futuro, 124, 121; John N aisbitt, Megatrends (New
York: Warner Books, 1982, 1984), 211-229.
Toffler (citando Max Weber) lembra-nos que a burocracia, como uma
forma organizacional, surgiu com o crescimento do industrialismo, e
sugere que ela está passando à medida que muitas sociedades se movem
para uma fase pós-industrial (O Choque do Futuro, 110). Se isso for
verdade, pode ser altamente significativo para organizações
denominacionais e outras organizações eclesiásticas e confirma uma
crescente fase “pós-denominacional” para a igreja.
Francis A. Schaeffer, The Church Before the Watching World (Downers
Grove, IL: InterVarsity Press, 1971), 62.
Robert C. Girard, Brethren, Hang Loose! (Grand Rapids: Zondervan,
1972), 73.
Índice
Abraão, 105, 213 na adoração, 145, 146;
Adão, 105, 108 estudo da, 102, 103, 152, 163, 171,
Adoração, 70, 76, 80, 97, 102, 135­ 172, 177
, 149, 156-158, 175-176, 239 Bird, Warren, 229
Africa, 35 Birkey, Del, 229
Ageu, profeta, 69 Bispos, 195, 243
Agostinho de I-Iipona, 241 ' Blaiklock, E. M., 29, 230
Aliança, 61-65, 69, 109, 138, 149; Bloesch, Donald, 189, 231, 233, 243
celebrações da, 113, Boff, Leonardo, 229
nova, 106, 109, 191, Bonhoeffer, Dietrich, 26, 28, 96, 230
renovação da, 114 Boulding, Kenneth, 213
Amor, 51, 98, 101, 120, 124, 134, Brasil, 36, 46, 112
145, 149-150, 174; Brzezinski, Zbigniew, 34, 35, 231
e dons espirituais, 160, 166 Budismo, 36
América Latina, 17 Buenos Aires, 84
Anabatistas, Anabatismo, 57, 233 Burma (Myanmar), 49
Ano cristão, 146, 240 Buttrick, George A., 236
Antioquia, 30, 197, 199 Byu, Ko Tha, 49
Apocalipse, livro de, 63, 68, 147, 242
Apolo, 243 Caim, 108
Apóstolos, 88, 102, 137, 165, 167, Calvary Chapel, 84
195, 197 Calvino, João, 44, 232
Arca da Aliança, 59, 64-65 Camp meetings (Retiros), 113
Arquitetura, 75-79, 100, 183 Campbell, Ernest, 47, 232
Arrependimento, 114, 143, 147-149 Canções, cantar, 138, 145-146, 211
Astrologia, 36, 218 Capitalismo, 218
Atos, livro de, 31, 98, 109, 138, 140, Carismático, Movimento, 17, 18
197 Carter, Lawrence, 75, 235
Autoconsciência, 124-125, 129 Casamento, 129
Autocontrole, 126, 239 Catedrais, 62, 82
Autoridade, cultural, 35 Católica Romana, Igreja, 17, 40, 57,
Avivamento, 40 185, 243
Avivalismo, 238 Ceia do Senhor (Eucaristia), 62,
138;
Bagdikian, Ben, 215 na igreja primitiva, 138
Bainton, Roland, 57, 233 Celebração, 138, 139, 143-148
Banks, Julia, 229 César Augusto, 32
Banks, Robert, 229, 236 Céu, Paraiso, 62, 68, 98, 187
Batismo, 209 Chambers, Oswald, 172
Batistas, 49 Chesteron, G. K., 44, 232
Barnabé, 197, 243 China, 17, 33, 38, 55
Barreiro, Alvaro, 229 Ciberigreja, 19
Barrett, Lois, 229 Ciberespaço, 175
Beckham, William, 229 Cidades, ministério em, 46-50, 55,
Bell, Daniel, 35 75, 175
Beyerhaus, Peter, 188, 243 Cidade Santa, 64
Bíblia, 103, 114, 115, 210; Classe social, 51-52, 78
como livro da aliança, 109. 114; Clérigos/ leigos, distinção entre, 57
ÍNDICE 247
Clough, John, 49 Davi, rei, 64, 68, 70
Cobb, Clifford, 238 Denominações, denominacionalismo,
Coleman, Robert, 25, 97, 177, 237, 78, 111, 130, 178, 183, 191-197,
241 200-201
Colson, Charles, 25 Descartes, René, 37
Comitês, comissões, 80 Deus, adoração de, 139-140, 144­
Comercial, veja Propaganda 148;
Computadores, 38, 119, 126, 221 natureza de, 120;
Comunicação, 100, 125, 172; soberania de, 107, 164, 166, 209
de massa, 33, 170, 172-173 Diáconos, 195, 243
Comunhão, 52, 64, 76, 94-104, 110, Disciplina, 143, 149-150, 196
140-141, 149, 174, 208; ue_¡a Discipulado, 18, 25, 58, 82, 124,
também Comunidade, koinonia 142, 150, 218
Comunhão dos santos, 97 Dízimo, 42
Comunidade (comunhão), 25, 39, Dons do Espírito, 18, 57, 88-89, 94,
76, 83, 90, 93-104, 110, 118, 143, 159-169, 170, 189-190,
129, 135, 140-144, 149-158, 195-199, 208, 223, 243;
190-191, 222; consciência dos, 169;
sacramental, 145 e comunidade, 131-132, 153-154,
Comunidades de base, 17, 229 159-160, 162, 165;
Comunismo, 35, 218 e a cruz, 166-168;
Contracultura, 220 e habilidades, capacidades ou
Conversão, 98, 107, 109, 118, 141, talentos, 163-164
163, 188, 202 Doxologia, 136
Cook, Guillermo, 229 Doze passos, grupos de, 170
Coréia, 18, 36, 38, 112 Drama, 146
Coríntios, cartas aos, 88, 95, 131, DuBose, Francis M., 229
134, 160-161 Durant, Will e Ariel, 32, 231
Corpo de Cristo, 20, 88, 94, 97, 111,
119, 127-134, 141, 152, 157, Eagleson, John, 229
190, 198, 201, 222 East Harlem Protestant Parish
Cosby, Gordon, 162 (Paróquia Protestante do East
Cosmovisões, 28, 34-38, 122, 144­ Harlem), 175
145 Ecologia, 108, 216, 224, 239;
Cowan, Michael, 229 da igreja, 133-158
Cox, Harvey, 31, 35, 231 Economia, 205, 216, 239
Crescimento da igreja, 17-18, 25, E-9 Eden, Jardim do, 108
54, 74, 142, 224; Ediñcação, 141, 151, 190, 200, 204
entre os pobres, 46, 48-51; Edifícios de Igrejas, 25, 41, 70-85,
por divisão, 81, 173 172, 183, 191, 196, 207, 234­
Criação, 163 235;
Criatividade, 159 significado simbólico de, 75-79
Crime, 39, 217 Edwards, Maldwyn, 244
Cullmann, Oscar, 234 Efésios, livro de, 10, 52, 131, 134,
Cultura, 14, 25, 28-40, 108, 114, 153, 187
130, 212-217; Elias, profeta, 105
americana, 33; Ellul, Jacques, 123, 220, 234, 237,
grega, 32; 238, 244
em relação à igreja, 132, 139, 156, Encorajamento, encorajar, 151
161, 183-201; Ensino, 143, 145; veja também
renovação da, 202 Instrução
Cura, 88, 160, 165, 167 Entretenimento, 139
248 ÍNDICE

Escola Dominical, 26, 76. 80. 90, Futuro, 114-115, 144-145, 188, 212­
101 225, 231
Escravos, escravidão, 31, 34, 42,
205 Galbraith, John Kenneth, 126, 239
Espiritismo, 36, 218-221 George, Carl F, 229
Espontancidade, 119-120, 128-129, Girard, Robert, 223, 245
144. 160 Gist, Noel P., 231
Estados Unidos, 121-122 Gitlin. Todd, 37
Espírito Santo, 18, 52, 55, 63-64, Graça, 107, 127, 134, 149, 153-154,
70-72, 89-90, 93-104, 110, 120. 161, 165, 189, 210
138, 141, 144-146, 151-153, _ Graham, Billy, 114
155, 159-169, 171, 179, 204­ Green, Michael, 36, 231, 236, 239
205, 223-224; Grigg, Viv, 233
“controle” do, 126, 239, Grupos de pessoas, 17, 39
fruto do, 110, 151-153, 223 Grupos pequenos. 17-18, 54, 81, 84,
Estêvão, 70 103, 115, 129, 131, 147, 151­
Estilo de vida, 129 153, 163, 195-197, 207-208,
Estrutura de igrejas, 13-20, 25, 41 241;
57, 87-89, 99-101, 110-116, 12'7­ como estrutura básica da igreja,
132, 151, 183-185, 221-222, 170-180, 194-197, 198;
flexibilidade, 80, 129-130, 171-172, limitações de, 111;
221-222, vantagens de, 171-174
orgânica, 132, 157, 193, 197-198, Guerra, 32
222, Guinness, Os, 35, 231, 237
princípios bíblicos, 192-199
Estruturas paraeclesiasticas, 191, Hadaway, C. Kirk, 229
197-200 Haggard, Ted, 230
Europa Ocidental, 122 Halstead, Ted, 238
Eva, 105, 108 Hand, Ferdinand, 240
Evangélicos, 39, 203 Harnack, Adolf, 30, 33, 36, 230,
Evangelização, 17, 25, 47-51, 54, 77, 231, 235
83, 84, 121, 129, 142, 154-158, Hart, Hendrik, 57, 233
164-165, 173, 188 Hauerwas, Stanley, 238
Experiência [também traduzido por Havlik, John, 72, 235
Vivêncial, 121, 204, 218, 223 Hebreus, livro de, 61-62, 71, 93, 151
Expiação, 61, 118, 121, 210 Henley, Gary, 239
Explosão de informações, 217 Henry, Carl F. H., 202, 244
Explosão populacional, 217, 221 Hierarquia, 194-197, 221-222
Ezequiel, profeta, 68 Hinduísmo, 36
História, 28-37, 109-110, 144-148,
Família, vida familiar, 129; 155, 186-189, 191, 196, 201,
família como igreja, 129 231;
Fava, Sylvia Fleis, 231 aprender com a, 202-211
Fé, 107, 127, 144, 147, 173, 204 Hoffer, Eric, 232
Festivais, festas, comemorações, 113, Holiness, Movimento, 171, 240
138 Homossexualismo, 37
F ilxpe, Evangelista, 243 Hospitalidade, 165
Fleming, Daniel J., 99, 237 Hutter, Jakob, 58
Ford, Leighton, 232 Huxley, Aldous, 219
Foster, Richard, 152, 230, 240
Fundação de igrejas, 26, 41 Ideologia, 35-36, 149, 216, 219
Fundamcntalismo morfológica, 93 Idolatria, 149, 221
Igreja, 56-58, 135;
ÍNDICE 249
como carismática, 157, 161, 168, cumpre o tabernáculo, 61-64, 70;
189-192, 201, 221; encarnação, 114, 128;
como organismo, 19, 131-158, 201; ressurreição de, 109, 114, 167,
como sinal do Reino, 135, 188-189; 191;
ecologia da, 133-158; retorno de, 189, 224, 231-252
forma congregacional da, 57; Jesus Movement, 84
forma presbiteriana da, 57; João, Apóstolo, 64, 105, 138
imagens e modelos de, 19, 132­ João Batista, 105
135, 184-185, 206, 221; Johnstone, Patrick, 229-230
institucional, 23-24, 38-41, 62, 93­ Judaísmo, 38
94, 124, 130, 159-160, 168, 173, Judson, Adoniran, 49
185, 191-193, 206, 222, 242; Justiça, 143, 148, 154-156, 205, 240;
primitiva, 30-37, 48-54, 62, 72, 74, e os pobres, 42
88, 98, 103, 137-138, 171, 224;
propósito da, 135; Kahn, Herman, 29, 119, 230, 238
visão bíblica da, 11, 25, 56-57, 61­ Kant, Immanuel, 28, 37
85, 89, 93-169, 183-191, 221­ Kelley, Dean, 196, 243
222; Kendrick, Bruce, 45-46, 232
visível/invisível, 184-185, 242 Kittel, Gerhard, 237
Igreja da Inglaterra, 207-210 Koinonia, 64, 76, 93-104, 136, 171­
Igrejas em Células, 18, 38, 81, 114, 178, 191, 237, 239;
170, 229 estrutura para, 101-104, 173-174,
Igualdade, ideal de, 34 207-208
Imagem de Deus, 117-125, 144, 151, Kraemer, Hendrik, 96, 236
159 Kraft, Charles, 233
Império Romano, 29-37, 62, 234 Krupat, Edward, 231
India, 49-50 Küng, Hans, 190, 243
Individualidade, 120-122, 128 Kuyper, Abraham, 202
Individualismo, 82-83, 99, 128, 142, Kwanglim, Igreja Metodista de, 112
162-163
Inglaterra, 203-207 Ladd, George Eldon, 242
Institucionalismo, 25, 56, 62, 68, 93, Lar, igrejas no, 17, 19, 39, 74, 79,
173-174, 178, 183, 189, 196, 195, 229;
201 na China, 17, 39
Instrução, 143, 145; seja também Lares, importância dos, 69, 98, 103,
Ensino 104, 137, 170, 176-177, 195,
Intemet, 19, 33, 36; 236
uso cristão de, 19 Latourette, Kenneth Scott, 30, 36,
Irracionalismo, 36-37, 120 230
Isaías, profeta, 69, 148 Leary, Timothy, 218
Islã, 36 Lee. Bernard J., 229
Israel como povo de Deus, 105, 237 Legalismo, 157, 186
Lei Mosaica, 61-63
Japão, 36 Leigos, 106
Jejum, 152 Lewis, C. S., 238, 244
Jeremias, profeta, 68, 163 Liberdade, 101, 119-120, 129, 144,
Jerusalém destruição de, 62,69 216;
Jesus Cristo, 61-64, 96-111, 115­ do Espírito, 101, 153
121, 124-132, 134, 140-144, Libertação, teologia da, 232
155, 167, 185, 195-197; Liderança, 19, 86-90, 165, 173, 174,
como sacrifício, 57; 194;
como Sumo Sacerdote, 57; carismática, 194-199, 243
como Verbo (Palavra), 115; Línguas, dom de, 160, 164-165
250 ÍNDICE

Lithicum, Robert, 233 Nicoll, W. Robertson, 243


Liturgia, 100, 102, 136, 144, 146­ Niehbur, H. Richard, 51, 56, 232,
147 233, 244
Livro de Oração Comum, 148 Nova Era, 24
Louvor, 136-140, 142, 144, 154, 223
O'Connor, Elizabeth, 168, 240
Maine, David, 164-166, 236, 240 O'Halloran, James, 229

241 °
Marston, Leslie R., 207, 244
Materialismo, 26, 78, 144-145, 218
McGavran, Donald, 49-50, 184, 232,
McKenna, David, 46, 232
Megaigrejas, 18, 174
Ocultismo, 218
Oetting, Walter, 74, 235
Oração, 98, 101, 138-139, 152, 165,
171, 179
Oração, movimento de, 18, 230
Ortiz, Juan Carlos, 84, 236
Mello, Manoel de, 112 Orwell, George, 124, 219, 239
Menonitas, 58
Mente de Cristo, 117-132, 151 Palavra de Deus, 115, 125, 128,
Metaigreja, modelo de, 18, 229 130, 145, 210, 218, 225
Metodismo, 112, 171, 179-180, 202­ Palmer, Phoebe, 240
211, 240, 244 Pastores, 26, 86-90, 128, 165, 195
Metodista Livre, Igreja, 232 Paulo, Apóstolo, 90, 95, 105-106,
Metodista Unida, Igreja, 241 110, 117, 131-134, 139, 145,
Miller, Keith, 94, 236 150, 161, 185-187, 218, 243
Ministério, 57, 153, 165; Paz mundial, 32
conceito de, 86-89; Pedro, Apóstolo, 90, 106, 138, 185
de todos os crentes, 18, 56, 61 Pentecostalismo, 18, 50, 112, 171
Missão, 99, 106, 108, 154, 169, 170, Pentecostes, 99, 114, 142, 146, 160,
186, 198-200; 191, 231-232
igreja como, 200 Peregrinos, povos, 65, 69-75, 108
Misticismo, 24, 30, 35, 38, 97, 111, Pessoalidade, 118, 131
124, 144, 184, 218, 223 Peters, George, 243
Mitologia, 35 Peters, Stephen, 230
Moisés, 61-65, 70-71 Piedade, 152
Moody, Jess, 109, 174, 238, 241 Pietista, Movimento, 171, 209, 240
Moralidade, 122-124; Pinnock, Clark, 189, 243
declínio da, 37; Platão, 37, 185, 241-242
tecnológica, 123 Plymouth Brethren, 233
Mordomia, 52, 82, 152, 163; Pobres, 34, 78, 149, 156, 232;
dos dons, 165 e o evangelho, 17, 40, 41-58, 156,
Morrison, Philip, 238 205-206, 208-209;
Mudança social, 34, 212; fundação de igrejas e os, 41, 233;
ritmo de, 213, 214, 221, 222 na igreja primitiva, 236;
Mulheres, papéis das, 34, 161 no Antigo Testamento, 42-43
Música, '138, 144-145, 165 Poder, 155;
militar, 149
Naisbitt, John, 221-222, 244 Política, 126, 188, 213-216
Nacionalismo, 149 Pós-modernismo, 37
Nações Unidas, 32 Povo de Deus, 105-116, 141, 185,
Neighbour, Ralph W., 229 190-191, 195, 201
Networking, 197-200, 222 Pregação, 94, 147;
e estrutura da igreja, 197-200 ao ar livre, 206
Niche marketing, “niching” Preparando para o ministério, 131,
(Segmentação do mercado em 178, 195
nichos), 121 Presbiteros, 195
Prior, David, 229
ÍNDICE 251
Produto Interno Bruto (PIB), 238 Roma, 30
Professores, ensino, 88, 145, 165, Rookmaaker, H. R., 238
167, 195; Rowe, Jonathan, 238
mga também Instrução Runyon, Daniel, 233
Profetas, profecia, 88, 160, 167, 195, Rússia, 32
231
Progresso, 122, 216 Sacerdócio, 61-62, 72;
Promise Keepers / Guardiões de igreja como, 105, 233
Promessas, 18-19 Sacerdócio dos crentes, veja
Propaganda 126, 139, 213-215 Ministério de todos os crentes
Propósito, 125, 219 Sacramentos, 145
Prosperidade, 53 Sacrifício, 61-63, 70, 72, 138, 164,
Protestantismo, 56-58, 113, 185, 168
202, 243 Salmos, livro dos, 114, 124, 146
Psicologia, 123-124 Salomão, rei, 64, 67, 70-72
Pureza, 56, 152 Salvação, 56, 58, 97, 107, 190, 204;
pessoal e cósmica, 187
Quakers, 57, 233 Santidade, 110, 151-152, 240;
como semelhança de Cristo, 151­
Raça, racismo, 78 152
Raines, Robert, 102, 173, 237, 241 Santificação, 143, 149, 152
Rausch, Thomas, 243 Satanás, estratégia de, 218-221
Rauschenbusch, Walter, 45, 232 Schaeffer, Francis, 120, 124, 222,
Razão, “fuga” da, 36-37 238, 242, 245
Read, William R., 50, 232 Schaller, Lyle, 229
Realidade Virtual, 218, 221 Schmidt, K. L., 241
Reconciliação, 108-110, 150; Secularização, 29, 146
de todas as coisas, 187-189, 200 Seminário, educação no, 89
Reforma, a, 56-58, 171 Septuaginta, 106
Reforma Radical, a, 57, 202 Serviço, 77, 94, 106, 110, 143, 154,
Reforma social, 205, 238 166, 177, 223, 239, 243
Reid, James, 95 Sinagogas, 234-235
Reid, W. Stanford, 241 Skinner, B. F., 123, 238
Reino de Deus, 26, 46, 68-70, 132, Slaughter, Michael, 229
142-145, 148-149, 153-154, 187­ Smith, Christian, 229
189, 224; Smith, Chuck, 84, 236
e criação, 132; Smith, Page, 231
em relação à igreja, 135, 144, 158­ Smith, Timothy, 238
189;
¬1 Socialismo, 218
presente e futuro, 187 Sociedade, em relação à igreja, 131,
Reissman, Leonard, 31 139, 155, 183-185;
Relativismo, 35-37 transformação da, 203
Religião, religiões, 35-36 Steven, Hugh, 84, 236
Renovação de igrejas, 17, 38, 157, Stoll, David, 231
169, 170 Stott, John, 244
Renovação Radical, significado da, Synan, Vinson, 240
9, 25, 41-43, 50-56, 62, 149,
156-158, 210-211 Tabernáculo, 61-69, 71, 75, 82-83;
Retidão, 155, 205, 240 em contraste com o Templo, 66-68
Revelação, 144; veja também Tecnologia, técnica, 29, 32-33, 38­
Palavra de Deus .39, 118-126, 149, 175, 213, 216­
Revolução Industrial, 119-120, 203 217, 219-221;
Richards, Lawrence, 175, 233 e moralidade, 122-123
252 ÍNDICE
comportamental, 121, 124; Wiener, Anthony, 29, 119, 230, 238
espiritual, 124 Willimon, William, 237
Televisão, 124, 139, 213-216 Wilson, Mark, 230
Tempo e espaço, 98, 100, 103, 109, Wimber, John, 230
111-112, 185-186, 189, 217 Winter, Gibson, 46, 232
Templo, 61-72, 234 Winter, Ralph, 233, 235
Tenney, Merrill C., 231 Wright, Stuart A., 229
Teologia, 115, 131, 230 Wynkoop, Mildred, 119, 238
Terceira Onda, 18, 230
Tertuliano, 48 Yoder, John Howard, 106, 110, 233,
Testemunho, 94, 106, 109-110, 135- 238
136, 141, 153, 157-158; Yoido, Igreja do Evangelho Pleno
transcultural, 198-201, 233; de, 112
Testemunho social, 54, 84, 205
238, 244 °
Temer, Alvin, 121, 212, 221, 235,
Torres, Sergio, 229
Toynbee, Arnold, 216, 244
Tradição, 90, 130, 154, 179, 210
Trindade, 98, 133;
como modelo de comunhão, 98
Troeltsch, Ernst, 48, 51, 232
Trueblood, Elton, 172, 241
Última ceia, 97-98, 109
Unidade, 98, 118, 141;
e diversidade, 190
Urbanização, 28-32, 46, 55, 122,
175, 217

Valores, 37, 131, 139, 183


Verdade, 144, 152, 230
Verghese, Paul, 240
Viagem, 33
Vineyard Movement, 114
Visão, 115
Visser't I-Iooft, W. A., 141, 240
Vitalidade da igreja, 157
Vivência [também traduzida por
Experiêncial, 121, 204, 218, 223
Vontade, 125
Wagner, C. Peter, 230, 236, 240
Watts, Alan, 101
Webber, George, 104. 176-179. 237.
241
Webber, Robert E-› 240
Weber, Max, 244
Wesley, Charles, 207, 210
Wesley, John, 49, 152, 171, 179,
203-211, 232, 241, 244
Vlíhite, John, 230
Whiteñeld, George, 206
_`uan o o vin o novo é colocado
em o res velhos, e es se rompem
._› e o Vin o se per e.
O vinho novo do evangelho precisa de odres feitos por mãos
humanas - estruturas - para alcançar o mundo. Mas, quando esses
odres envelhecem e não são renovados, impedem o progresso do
evangelho, dificultam o crescimento espiritual e prejudicam a vida
da igreja.
Precisamos aprender a deixar de lado nossos odres velhos, por
mais uteis que tenham sido no passado, e procurar odres novos
para I'lOVOS ÍBITIPOS.
Snyder apresenta algumas pistas para essa renovação, discutindo
alguns "furos" reais ou potenciais de nossos odres velhos: o problema
dos templos, o perigo do pastor superstar; o lugar dos pobres, ...e
muito mais!

"Como estruturar a igreja de forma compatível "Simplicidade pequenos grupos dinâmicos e


com o evangelho eterno e, ao mesmo tempo, exercício pleno dos dons espirituais. Com essas
relevante à sociedade atual ° O livro de Snyder éríases, Snyder nos convida a nfletir sobre os
tra: valiosa neflexão sobre essa questão. Sua atuais modelos de igreja. Profundo e desafiador
leitura nos ajuda a redescobrir o dinamismo da este livro nos coloca no centro da discussão
vida orgânica no corpo de Cristo Vale a pena sobre em que direção caminha a igreja
ler.' (Kodo Nakahara, Igreja Metodista Livre da evangélica brasileira. " (Ziel Machado. Secretário
Saúde. São Paulo) Geral da A B U.)

Howard Snyder (Ph.D. em Teologia Histórica pela Universidade de Notre Dame) foi missionáno no Brasil, amando
como deão do Seminario Teológico Metodista Livre em São Paulo. Atualmente é professor de História c Teologia
de Missões no Asbury Theological Seminary, EUA.

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