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Máriam Joaquim2
mariam_joaquim@hotmail.com
Abstract: The article analyses the possibility of lodging an “agravo interno” against
Small Claims Court’s decisions, rendered in Constitutional Complaint, given the
repeal of the Resolution nº 12/2009, which provided the impossibility of appeal the
singular decisions given by rapporteurs, and the omission of similar provision on the
Resolution nº 03/2016. Furthermore, it also seeks to verify the compatibility between
the “agravo interno” and the Small Claims Court system.
1 Introdução
3
WATANABE, Kazuo. Juizado especial de pequenas causas: Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984.
Editora Revista dos Tribunais, 1985. p. 02.
4
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant G.; NORTHFLEET, Ellen Gracie. Acesso à justiça. Fabris,
1988. p. 94.
o próprio acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), materializando o dever do legislador
de instituir um procedimento que confira ao cidadão uma resposta jurisdicional
tempestiva5.
Nesse contexto, alguns dos institutos e premissas antes assentados no
procedimento comum tiveram de ser revistos, em prol da celeridade e da efetividade a
que se propõe a técnica dos Juizados Especiais. 6 Enquanto causas complexas
demandam procedimentos mais sofisticados, criaram-se procedimentos mais
compreensíveis para as causas de menor complexidade 7 , de modo que tem
prevalecido a preferência pela informalidade dos atos e pela simplicidade do
procedimento, que impõem, consequentemente, limitações em matéria probatória e,
principalmente, recursal.8
Entretanto, mesmo para salvaguardarem-se, na atividade jurisdicional,
certos interesses e valores da sociedade democrática, a celeridade não deve prevalecer
de forma absoluta sobre qualquer outro valor. Nas palavras de Barbosa Moreira, “se
uma justiça lenta demais é decerto uma justiça má, daí não se segue que uma justiça
muito rápida seja necessariamente uma justiça boa”9.
É pertinente, pois, a crítica de Souza e Baptista, para quem o sistema dos
Juizados, em busca de celeridade, acabou por comprometer diversas garantias
processuais e, com isso, “embora tenha assegurado, de fato, um acesso mais facilitado
da população ao Poder Judiciário, não conseguiu (...) garantir o propalado acesso à
justiça, aqui entendido como acesso a um processo justo.”10
Assim também advertem Cappelletti, Garth e Northfleet, no contexto da
terceira onda renovatória, sobre o risco de que procedimentos modernos, eficientes e
mais céleres, ofusquem as demais garantias fundamentais do processo civil, tais como
5
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 3, 2015. p. 296.
6
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: Condicionantes legítimas e ilegítimas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 2. ed. p. 152.
7
GENSLER, Steven S. Judicial case management: Caught in the crossfire. Duke Law Journal, p. 669-
744, 2010. p. 707.
8
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant G.; NORTHFLEET, Ellen Gracie. op cit. p. 94.
9
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns mitos. In: Revista da Academia de
Letras Jurídicas. v.15, n. 17, 2004. p. 157.
10
SOUZA, Marcia Cristina Xavier de; BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Quais os limites da
aplicação das regras recursais do CPC/15 aos juizados especiais cíveis estaduais? In: GALINDO,
Beatriz Magalhães; KOHLBACH, Marcela (coords.). Recursos no CPC/2015: perspectivas, críticas e
desafios. Salvador: Juspodivum, 2017, p. 234.
a ampla defesa e o contraditório.11 Deve-se ter presente que o Estado deve assegurar
ao jurisdicionado o “acesso à ordem jurídica justa”12 , ou seja, além do acesso aos
tribunais e da inafastabilidade da jurisdição, deve preservar a tutela jurisdicional
adequada e efetiva, bem como as garantias do processo constitucionalmente
previstas.13 Entretanto, ainda segundo Cappelletti, Garth e Northfleet, é inevitável, no
que diz respeito ao acesso à justiça, que as “mudanças tendentes a melhorar o acesso
por um lado podem exacerbar barreiras por outro”14.
Um processo mais célere e menos custoso é consequentemente um
processo de menor empenho garantístico. Nos dizeres de Barbosa Moreira, “os dois
proveitos não cabem num saco” 15. Na realidade, a fim de ponderarem-se os valores
garantidos e adequar-se o procedimento à natureza material do direito pretendido,
melhor é dizer que, no que tange à celeridade, “o processo deve demorar o tempo
necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional” 16. Daí se
extrai que os litígios de menor complexidade prescindem de todas as formalidades e
de todos os mecanismos do procedimento comum.
Um dos princípios relativizados pela estrutura dos Juizados Especiais é o
duplo grau de jurisdição. Do texto da Lei 9.099/95 se extrai que, no âmbito dos
Juizados, é permitida somente a interposição de embargos de declaração (art. 48, com
a redação que lhe deu o CPC/2015), e de recurso inominado para a revisão das
sentenças, excetuando-se a homologatória de conciliação ou laudo arbitral (art. 41). O
sistema recursal dos Juizados Especiais, sobretudo dos Cíveis, portanto, está longe de
se equiparar à previsão de recorribilidade das decisões da Justiça Comum. E não
poderia ser diferente, uma vez que a dupla análise do mérito consome mais tempo do
Judiciário do que uma só, e a ampla recorribilidade, nesse contexto, atentaria contra
11
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant G.; NORTHFLEET, Ellen Gracie. op cit. p. 163.
12
WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna: participação e processo. São Paulo:
RT, 1988. p. 128.
13
Neste sentido, CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo sem dilações indevidas. In:
Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 9. Tais
noções garantísticas, entretanto, não devem ser entendidas como absolutas no âmbito dos Juizados
Especiais, mesmo porque muitas delas se põem como contraditórias aos seus próprios princípios
norteadores.
14
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant G.; NORTHFLEET, Ellen Gracie. op cit. p. 29.
15
MOREIRA, José Carlos Barbosa. op. cit. p. 156.
16
Neste sentido, Didier afirma que não há uma garantia à celeridade, mas sim à duração razoável do
processo. DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil 1: introdução ao direito processual
civil e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podivm, v. 1. 2015. p. 96
os princípios da oralidade e da celeridade, instituídos expressamente como princípios
informadores do sistema dos Juizados Especiais .17
A despeito de os Juizados Especiais terem sido instituídos para solucionar
conflitos de menor complexidade, e das limitações legislativas quanto ao sistema
recursal, que daí decorrem, as decisões proferidas no âmbito dos Juizados têm sido
submetidas à apreciação dos já sobrecarregados Tribunais, por força da tendência de
ampliação da recorribilidade das decisões, de modo geral, inclusive por via de
18
sucedâneos recursais. Além da possibilidade de interposição de Recurso
Extraordinário em matéria constitucional, foi ampliada a ‘recorribilidade’ nos
Juizados também para se admitir Reclamação Constitucional contra decisões que
afrontem a jurisprudência do STJ, desvirtuando-se, de forma drástica, a sistemática
dos Juizados.
Há que se perguntar, finalmente, qual é, de fato, o objetivo dos Juizados
Especiais: pretende-se garantir um processo formal, assegurando-se todas as vias
recursais tal como no procedimento comum, sob a justificativa de se alcançar a -
ilusória - segurança jurídica, ou proporcionar verdadeiramente o acesso à justiça à
litigiosidade contida, o que, por consequência, remete a uma prestação jurisdicional
mais célere e tempestiva?19
Diante da percepção de uma suposta insuficiência do sistema recursal na
20
Lei dos Juizados Especiais Cíveis, tanto a jurisprudência quanto os fóruns
compostos por operadores do Direito de todo o país têm se mostrado atuantes na
tentativa disciplinar a matéria, ora ampliando as possibilidades de recorribilidade, ora
contendo os abusos resultantes de suas próprias percepções, de modo que a questão da
recorribilidade nos Juizados Especiais, ainda sem solução definitiva, se mostra de
grande relevância.
17
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 3, 2015. p. 312. Em contribuição ao argumento, Marinoni, Arenhart e Mitidiero afirmam
que a CF não prevê um duplo juízo sobre o mérito, como garantia fundamental. Nesse sentido: “o
duplo juízo, exatamente porque deixa de lado os benefícios da celeridade, absolutamente fundamental
para a efetividade do direito constitucional de acesso à justiça (que, afinal é a razão de ser da
instituição dos Juizados Especiais) – além da noção de tutela tempestiva e efetiva – não deve ser
pensado como princípio fundamental de justiça ao menos diante das causas de menor complexidade.
18
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 148 – 149.
19
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 3, 2015, p. 313.
20
SOUZA, Marcia Cristina Xavier de; BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. op. cit. p. 236.
3 O sistema recursal dos Juizados Especiais Cíveis a partir das Resoluções
12/2009 e 03/2016 do STJ
21
LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Teoria Geral do Processo. 3. ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 113.
22
WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna: participação e processo. São Paulo:
RT, 1988. p. 128.
23
DAL MONTE, Douglas Anderson. Reclamação no novo CPC e garantia das decisões dos tribunais.
In: Panorama atual do novo CPC. 1. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 79.
24
Muito se discute acerca da natureza jurídica da reclamação. A doutrina diverge em relação à sua
categorização entre recurso, ação autônoma de impugnação ou exercício do direito constitucional de
petição. Todavia, tal discussão não tem cabimento no presente artigo, tendo sido adotada a posição
majoritária da doutrina. Sobre tal tema, verificar: MOUZALAS, Rinaldo; ALBUQUERQUE, João
Otávio Terceiro B. de. A “nova” reclamação constitucional e seus impactos sobre a uniformização de
jurisprudência nos juizados especiais. In: Bruno Garcia Redondo; Welder Queiroz dos Santos;
Augusto Viníciues Fonseca e Silva; Leandro Carlos Pereira Valladares. (Org.) Juizados Especiais. 1.
Ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 585-609.
decisões dos tribunais pátrios, conforme previsto no artigo 988 do CPC e nos artigos
102, I, “l” e 105, I, “f” da Constituição Federal25.
25
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume 2. 3. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 635.
26
A jurisprudência, tanto no STF quanto no STJ, firmou-se no sentido do não cabimento de recurso
especial contra decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais (Súmula 201/STJ).
27
O mesmo não pode ser dito dos Juizados Especiais Federais e dos Juizados da Fazenda Pública,
tendo em vista que as Leis 10.259/01 e 12.153/09 preveem o cabimento de incidente de uniformização
de jurisprudência como forma de acessar o STJ, nos casos em que a decisão das Turmas de
Uniformização contrariarem súmula ou a jurisprudência dominante da Corte.
cabimento de Reclamação para o STJ de decisões proferidas pelas Turmas Recursais
dos Juizados Especiais Cíveis. “O fundamento do voto vencedor 28 , proferido pela
ministra Ellen Gracie, foi o da preservação da autoridade das decisões do STJ, na
qualidade de órgão constitucionalmente investido na função de preservar a
integridade das normas infraconstitucionais”. 29
Nesse contexto foi editada a Resolução nº 12/2009 do STJ, que
consolidou o cabimento de Reclamação destinada a dirimir divergência entre acordão
prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Todavia, tão logo construído pela jurisprudência o cabimento de Reclamação
contra decisão de turma recursal e editada a Resolução nº 12/2009, o volume do
Reclamações aumentou significativamente. Isto porque, o instituto começou a ser
utilizado indiscriminadamente como novo meio de acesso às Cortes Superiores, ou
seja, como nova modalidade recursal. Desvirtuou-se, dessa forma, a Reclamação
como meio de garantir a preservação da autoridade das decisões dos tribunais. Tal
fenômeno acabou por sobrecarregar ainda mais o Superior Tribunal de Justiça .
Em resposta, no ano de 2016, no julgamento do Agravo Regimental
interposto contra a Reclamação 18.506/SP , entraram em debate as consequências
práticas da Resolução nº 12/2009, especialmente no que se referia ao bom
funcionamento do Superior Tribunal de Justiça. Ao fim das discussões, entendeu-se
pela nulidade do referido ato normativo.
De acordo com o voto do Ministro Luis Felipe Salomão, “o impacto do
referido ato normativo na realidade desta Corte impõe reflexão profunda, mormente
por já terem escoado cerca de 6 anos desde a decisão do Supremo Tribunal Federal, e
diante da inércia do legislador em dar andamento ao PLC 16/2007, oferecido pelo
Poder Executivo e ao PL 5.741/2013, oriundo de grupo de trabalho instituído no
âmbito do STJ, ambos buscando a criação da Turma Nacional de Uniformização de
28
Cite-se trecho do referido voto: “Entretanto, não existe previsão legal de órgão uniformizador da
interpretação da legislação federal para os juizados especiais estadual, podendo, em tese, ocorrer a
perpetuação de decisões divergentes da jurisprudência do STJ (...). Todavia, enquanto não for criada
turma de uniformização para os juizados especiais estaduais, poderemos ter a manutenção de decisões
divergentes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional federal (...). Desse modo, até
que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação da jurisprudência do STJ, em
razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação jurisdicional, a lógica
da organização do sistema judiciário nacional recomenda que se dê à reclamação prevista no artigo
105, I, f, da CF, amplitude suficiente à solução do impasse”.
29
JAYME, Fernando Gonzaga; LEROY, Guilherme Costa; SILVEIRA, Thamiris D’Lazzari.
Reclamação ao STJ de decisões proferidas pelos Juizados Especiais Cíveis estaduais: qui custodiet
ipsos custodes? Revista Direito GV. V. 12. N. 2. Maio-Agosto 2016. São Paulo. p. 472.
Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal (...). Afinal, a
utilização, ainda que temporária, do manejo da reclamação diretamente ajuizada no
STJ, em se tornando regra, subverte tanto a lógica que preside o sistema dos juizados
especiais - que prima pela celeridade -, quanto a própria existência de Tribunal
Superior. (...). Destarte, reitera-se que a recomendação contida na decisão proferida há
6 anos, nos EDcl no RE 571.572, teve caráter excepcional e temporário e, certamente,
não anteviu a avalanche de reclamações que passaram a chegar a esta Corte Superior,
nem preconizou a expedição da Resolução STJ nº 12/2009, cujas disposições
transcendem, a meu juízo, o objetivo do STF à época” 30.
Assim, revogou-se a Resolução nº 12/2009, com a edição da Resolução
03/2016, por meio da qual derrogou-se às Câmaras Reunidas ou à Seção
Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as
Reclamações destinadas a dirimir eventual divergência entre acórdão prolatado por
Turma Recursal Estadual ou do Distrito Federal e a jurisprudência consolidada do
STJ31.
32
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume 2. 3. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 517.
33
MACEDO, Lucas Buril de. Agravo interno. Análise das modificações legais e de sua recepção no
Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 269. Ano 42. São Paulo: Ed. RT, julho 2017. p.
322.
Especiais Cíveis seria cabível, ainda que, como se verá, problemático do ponto de
vista dos princípios que norteiam essa face do Judiciário.
34
TALAMINI, Eduardo. Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais:
legitimidade e controle (agravo interno). Disponível em:
https://www.academia.edu/31174071/Decisões_individualmente_proferidas_por_integrantes_dos_tribu
nais_legitimidade_e_controle_agravo_interno_2001_. Acesso em: 27 de novembro de 2017.
35
MENDONÇA, Henrique Guelber de. O princípio da colegialidade e o papel do relator no processo
civil brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 1, n. 1, 2016. 207 – 225. p. 210.
36
TALAMINI, Eduardo. op. cit.
37
VIOLIN, Jordão. Dupla conformidade e julgamento monocrático de mérito: os poderes do relator no
Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, Ed. RT, v. 42, n. 267, p. 319-344, maio
2017. p. 319.
38
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.
2, 2017. p . 577.
O art. 932 do CPC trata, além dos poderes de direção e instrução
processual conferidos ao relator, da possibilidade deste, por decisão monocrática, não
conhecer ou julgar improcedente o recurso. O inciso III do referido dispositivo, além
de manter a possibilidade de não conhecimento pelo relator nos casos de recurso
inadmissível (visivelmente carente de qualquer pressuposto recursal, tais como
legitimidade recursal, tempestividade ou preparo) ou prejudicado (visivelmente
carente de interesse recursal) 39, passou a incluir a hipótese daquele que tenha deixado
de impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida.
Quanto ao exame do mérito recursal, o CPC prevê amplamente a
possibilidade de provimento ou desprovimento total ou parcial do recurso por decisão
monocrática do relator (art. 932, incisos IV e V).40 Neste ponto, quanto às hipóteses
de improcedência, acertada a opção do legislador ao substituir as expressões
“confronto com jurisprudência dominante” e “manifestamente improcedente”,
altamente vagas e subjetivas, pelas situações objetivas de contrariedade a
entendimento consolidado em súmula do STF, do STJ ou do próprio Tribunal;
acórdãos do STF ou STJ em julgamento de recursos repetitivos; ou entendimento
firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência41.
Essa tendência de alargar os poderes dos relatores teve início com as
reformas processuais promovidas na década de 90, nas quais o julgamento singular foi
estendido a todas as espécies de recursos e diversificaram-se as suas hipóteses de
cabimento. No CPC/2015 não se vislumbra qualquer desvio da “tendência de
descolegialização das decisões dos tribunais” 42 , de modo que parece, na realidade,
tratar-se de um caminho sem volta.
À medida em que se amplia a atribuição de poderes decisórios ao relator,
vê-se, simultaneamente, crescer a importância do agravo interno e a ampliação das
39
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) et al. Breves comentários ao novo Código de Processo
Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2324
40
NUNES, Jorge Amaury Maia. Poderes do Relator no CPC de 2015: tendência ou abuso?. Migalhas,
30 de agosto de 2016. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/ProcessoeProcedimento/106,MI244782,61044-
Poderes+do+relator+no+CPC+de+2015+Tendencia+ou+abuso. Acesso em 23 de novembro de 2017.
41
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) et al. Breves comentários ao novo Código de Processo
Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. 2325. Não obstante, o STJ aprovou a Emenda
Regimental nº 22, de 16 de março de 2016, para permitir que a “jurisprudência dominante” seja
novamente parâmetro para os julgamentos monocráticos, paralelamente aos demais critérios trazidos
pelo Código.
42
NUNES, Jorge Amaury Maia. op. cit.
hipóteses de recorribilidade por esta via.43 Eduardo Talamini sustenta que a atuação
isolada do relator submete-se a uma condicionante para que seja compatível com a
Constituição, sendo importante verificar se aquele correspondeu, na prática do ato que
44
lhe foi delegado, ao pretendido pelo órgão colegiado. As partes, portanto,
necessariamente terão de dispor mecanismo que permita a conferência, pelo
colegiado, do acertamento da decisão. Nesse sentido, o recurso de agravo interno,
cabível contra decisões monocráticas de relator, realizaria função de consubstanciar a
colegialidade nos tribunais.
Na vigência do CPC/1973, a despeito dos inconvenientes na disciplina do
agravo interno, o seu procedimento, na prática, se mostrava bastante ágil, visto que o
prazo para sua interposição era de cinco dias corridos da intimação da decisão do
relator; não se exigia a intimação do agravado para apresentar contrarrazões; e o
julgamento colegiado do recurso se dava “em mesa”, ou seja sem a necessidade de
sua inclusão em pauta. 45 Estas particularidades atribuíam significativa utilidade ao
agravo interno, na medida em que se tornava possível a correção célere de eventual
decisão anômala do relator.
O CPC/2015 ampliou as hipóteses de cabimento do recurso, sendo agora
admissível em face de quaisquer decisões que tenham por fundamento o art. 932,
independentemente do recurso de origem. Em outras palavras, permite o
questionamento em colegiado da decisão do relator, de forma genérica 46, inclusive em
Reclamação (art. 989). O novo Código, apesar destes benefícios, trouxe algumas
alterações que, ao que nos parece, comprometem muito a agilidade inerente ao agravo
interno, colocando em risco a tutela recursal célere e tempestiva.
A primeira e mais problemática questão referente ao novo procedimento
diz respeito ao prazo para a sua interposição, o qual foi consideravelmente ampliado
em relação à disciplina anterior, de cinco dias corridos para quinze dias - na linha da
43
MACÊDO, Lucas Buril de. Agravo interno: análise das modificações legais e de sua recepção no
Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo, São Paulo, Ed. RT, v. 42, n. 269, p. 311-344, jul.
2017. p. 312.
44
TALAMINI, Eduardo. op. cit.
45
PANTOJA, Fernanda Medina. Julgamento monocrático e agravo interno no novo CPC. Disponível
em: https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/406876474/julgamento-monocratico-e-agravo-
interno-no-novo-cpc. Acesso em: 27 de novembro de 2017.
46
JOBIM, Marco Félix. A disciplina dos agravos no novo Código de Processo Civil. In: MACÊDO,
Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Coleção novo CPC (LGL\2015\1656),
Doutrina Selecionada – Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. 2. ed.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 906.
unificação dos prazos recursais - contados em dias úteis. 47
Recebido o agravo interno pelo relator, o novo Código passou a prever
que o juiz intimará a parte agravada para manifestar-se sobre o recurso em idêntico
prazo. Esta regra teria como única justificativa a necessidade de observância ao
princípio do contraditório. Nesse sentido era a crítica de Teresa Arruda Alvim,
quando da vigência do CPC revogado, o qual não previa possibilidade de
manifestação da contraparte: não é a ausência de contraditório que viabilizaria
processos mais céleres, “se isso é que está por trás da infeliz ideia de criar recursos
sem contraditório, e, o que é pior, suprimir o contraditório de recursos que o têm, por
razões inconsistentes e inconvincentes” 48.
Ocorre que, neste caso em específico, o processamento do agravo
compromete a celeridade do julgamento do recurso, uma vez que se processa em, em
média, 30 dias úteis (prazo para interposição somado ao prazo de exercício do
contraditório). Ademais, como observava Eduardo Talamini, quando recebido o
recurso pelo relator, ambas as partes já teriam tido a oportunidade de apresentar suas
razões atinentes aos pressupostos e ao mérito, quando da apresentação da própria peça
recursal e das contrarrazões, de modo que não haveria necessidade de se falar em um
contraditório específico no agravo interno.49
Outra modificação que prestigia o contraditório participativo e a
oralidade, mas que pode embaraçar o processamento do recurso, é a previsão da
impositiva inclusão em pauta de julgamento, inclusive com possibilidade de
sustentação oral no caso de Reclamação 50 , justamente a hipótese prevista para
questionamento de julgado de Turma Recursal nos Juizados Especiais Cíveis.
Como bem conclui Fernanda Medina Pantoja, as mencionadas
modificações procedimentais, apesar de benéficas do ponto de vista do contraditório,
tiveram inevitável impacto no tempo de julgamento do processo, valor tão caro à
Justiça, sobretudo no âmbito dos Juizados, o que em determinados casos chega a
desencorajar a própria interposição do recurso.51
Diante disso, o cabimento de agravo interno contra decisão de relator no
julgamento das já mencionadas Reclamações em face de acórdão de Turma Recursal
47
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 315.
48
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. rev., atual. e ampl. de acordo
com a nova Lei do Agravo (Lei 11.187/2005). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 552.
49
TALAMINI, Eduardo. op. cit.
50
MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 316.
51
PANTOJA, Fernanda Medina. op. cit.
nos JEC’s, é questão controversa, cuja definição demanda, mais do que um juízo de
compatibilidade formal-normativa, reflexão acerca dos verdadeiros objetivos das
ferramentas de tratamento de causas de menor complexidade.
52
SOKAL, Guilherme Jales. A Nova Ordem Dos Processos no Tribunal: Colegialidade e Garantias no
CPC/15. Revista de Processo, São Paulo, Ed. RT, v. 272, p. 237-270, out. 2017. p. 258-259.
É evidente que o sistema recursal da justiça comum é, em si mesmo,
incompatível com a sistemática dos Juizados53. A ampla recorribilidade das decisões é
bastante problemática diante da necessidade de tutela tempestiva dos direitos da
população. O uso indiscriminado das Reclamações como se recursos fossem também
é questionável desse ponto de vista. Como visto, a Reclamação Constitucional não é
via recursal, mas tão somente um sucedâneo concebido para a proteção das decisões
dos tribunais e de sua competência, de modo que não deve ser admitida como simples
forma de viabilizar a reanálise do mérito.
Outrossim, a aplicabilidade do agravo interno, da forma como regulado no
CPC/2015, é manifestamente contrária às noções de celeridade e simplicidade, motivo
pelo qual poderá ser rejeitada por parte da doutrina mais protetiva do sistema de
Juizados, pelos Fóruns de discussão e até mesmo pelos tribunais. Os amplos prazos
para interposição e para a manifestação em contraditório, bem como a impositiva
inclusão em pauta de julgamento, inclusive com possibilidade de sustentação oral, são
modificações do desenho do agravo interno que não se conformam à previsão de
celeridade dos Juizados Especiais Cíveis.
Nesse problema em particular, entretanto, é de se reconhecer que, a
despeito das inconstitucionalidades e ilegalidades da Resolução 03/2016, o Superior
Tribunal de Justiça, por decisão política e pautada principalmente na sua insuficiência
quanto à incumbência de revisão de todos os acórdãos das Turmas Recursais, atribuiu
aos Tribunais de Justiça tal responsabilidade.
Uma vez que, ampliando-se o sistema recursal dos Juizados de forma
reconhecidamente artificial, foi admitida a possibilidade de Reclamação para os
Tribunais de Justiça e, sendo o procedimento da Reclamação, nesse âmbito, o do
Código de Processo Civil, iniciado pelo relator, há que se garantir ao jurisdicionado,
no mínimo, a possibilidade de revisão colegiada da decisão monocrática.
Ainda que, como visto, a figura do agravo interno seja deveras destoante
da sistemática dos Juizados e de seus princípios norteadores, há que se prezar pela
coerência do sistema recursal e pela colegialidade das decisões, admitindo-se o
mencionado recurso. Diante da vasta ampliação dos poderes da relatoria, sobretudo no
que se refere às decisões terminativas de mérito, é necessário que haja alguma
53
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados, volume 3. 2. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 312.
garantia recursal em face destes pronunciamentos monocráticos, justamente para
conter eventuais arbitrariedades e incoerências no julgamento.
54 Importante ressalvar que o STJ já decidiu que as reclamações distribuídas até 18/03/2016 continuam
sob a regência da Resolução-STJ nº 12/2009 e, com base nela, devem ser apreciadas. Nesse sentido, em
relação a tais ações, são irrecorríveis as decisões proferidas pelo relator. Veja-se: Superior Tribunal de
Justiça. Jurisprudência em Teses. Tese nº 10. Ed. n.º 89. Brasília, 20 de setembro de 2017.
55 Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno na Reclamação nº 30739. Agravante: Banco Safra S/A.
Agravado: Des. Eliana Raymundo Plaster. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, 30 de
novembro de 2016.
revogação da Resolução nº 12 de 2009, sendo, à época, ainda aplicável. 56 A posição, a
partir de uma interpretação a contrariu sensu, poderia também significar o fim da
proibição do uso do agravo interno uma vez afastada a incidência da resolução.
Nos Tribunais de Justiça, as primeiras manifestações a favor da
admissibilidade do recurso foram observadas nos Tribunais de Justiça do Rio Grande
do Sul57 e da Bahia 58, onde se admitiu o cabimento de agravo de instrumento em
Reclamação, sem entretanto considerar diretamente a revogação do artigo 6º da
Resolução 12/2009 do STJ.
Nesse mesmo sentido, finalmente, importante mencionar o Enunciado nº
464 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, que dispõe que “a decisão
unipessoal (monocrática) do relator em Turma Recursal é impugnável por agravo
interno”. Assim, percebe-se, na doutrina, uma tendência de ampliação recursal no
âmbito dos Juizados Especiais, especialmente com o escopo de resguardar os
princípios da isonomia e da segurança jurídica.
Com base nessas premissas e a partir da argumentação exposta, parece-
nos adequado admitir o cabimento de agravo interno quando se discute divergência
entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual ou do Distrito Federal e a
jurisprudência consolidada do STJ. A questão, no entanto, deverá ser objeto de
considerações mais apuradas no futuro, quando os Tribunais passarem a tratar de
forma exaustiva as reclamações interpostas já sob o novo regime da Resolução
03/2016 do STJ.
6 Conclusão
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