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1590/0100-512X2019n14309oaa
ABSTRACT This article aims to relate the thesis of the centrality of the
outlaw to think of Law, in Hannah Arendt with her understanding of Law as
"right to have rights" drafted in Origins of totalitarianism. Starting from the
European disintegration in the early twentieth century and the emergence of
the contemporary outlaw, the refugee, we will reflect on the meaning of the
principle of legality, its relationship, in Arendt, with a plural human condition
and the common world. We will show how there are elements contained, in the
Um refugiado costumava ser uma pessoa levada a buscar refúgio por causa de algum
ato praticado ou opinião sustentada. Bem, é verdade que tivemos de buscar refúgio;
mas não praticamos nenhum ato e a maioria de nós nunca sonhou em ter qualquer
opinião política radical. Conosco o significado do termo “refugiado” mudou. Agora
“refugiados” são aqueles de nós que foram tão infelizes a ponto de chegarem em um
novo país sem recursos e terem de ser ajudados por comitês de refugiados (Arendt,
2016, p. 477).
3 Nossa abordagem diferencia-se das outras pela ênfase no refugiado. Quase todos os autores que abordaram
o tema do direito em Arendt partem da desintegração do Estado-nação, mas não observam a centralidade e o
caráter paradigmático do outlaw. Cf. Lafer, 1991; Volk, 2015; Gündogdu, 2011 e 2015; Goldoni e Mccorkindale,
2012; Benhabib, 2012.
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Uma vez fora do país de origem, permaneciam sem lar; quando deixavam o seu Estado,
tornavam-se apátridas; quando perdiam os seus direitos humanos, perdiam todos os
direitos: eram o refugo da terra (Arendt, 1990, p. 300).
4 Outro momento de ruína política, jurídica e social abordado por Arendt aparece no livro “Crises da República”,
em que a autora reflete sobre a situação americana contemporânea. Esse livro traz articulações importantes
para o nosso assunto, mas, por razões de espaço, será considerado noutro momento, em outro texto.
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[...] o Estado-nação não pode existir quando o princípio da igualdade perante a lei é
quebrado. Sem essa igualdade legal, que originariamente destinava-se a substituir as leis
e ordens mais antigas da sociedade feudal, a nação se dissolve numa massa anárquica
de indivíduos super e subprivilegiados. [...] Quanto mais clara é a demonstração da sua
incapacidade de tratar os apátridas como “pessoas legais”, [...] mais difícil é para os
Estados resistir à tentação de privar todos os cidadãos da condição legal e dominá-los
com uma polícia onipotente (Arendt, 1990, pp. 323-324).
O grande perigo – diz Arendt – que advém da existência de pessoas forçadas a viver
fora do mundo comum é que são devolvidas, em plena civilização, à sua elementaridade
natural, a sua mera diferenciação. Falta-lhes aquela tremenda equalização de diferenças
que advém do fato de serem cidadãos de alguma comunidade (Arendt, 1990, p. 335).
5 Embora não tenha partido do pano de fundo da situação dos refugiados, uma excelente abordagem sobre
a relação entre o direito e a condição humana encontramos em “Direito e Política em Hannah Arendt”, de
Ana Paula Repolês, publicado pela editora Loyola, em 2013.
HANNAH ARENDT E O DIREITO (PARTE II): O OUTLAW E O DIREITO A TER DIREITOS 411
[...] onde quer que uma civilização consiga eliminar ou reduzir ao mínimo o escuro
pano de fundo das diferenças, o seu fim será a completa petrificação; será punida, por
assim dizer, por haver esquecido que o homem é apenas o senhor, e não o criador do
mundo (Arendt, 1990, p. 335).
[...] privada de expressão e da ação sobre o mundo comum, perde todo o seu
significado” (Arendt, 1990, p. 336).
Essa é a perspectiva que em Arendt visa esclarecer a questão de como
foi possível o surgimento dos campos de concentração no centro da Europa
ocidental, berço do surgimento da ideia de direitos humanos. O seu problema
é pensar qual o lugar destinado aos homens nos corpos políticos, nos modos de
produção, nas relações sociais. Sua dificuldade reside em compreender como
a Europa pôde propor os direitos humanos e, ao mesmo tempo, permitir os
campos de concentração. O ponto de vista de Arendt não é o europeu oficial,
mas dos desnacionalizados, dos refugiados, das minorias no interior dos Estados
nacionais, os displaced persons, os párias, os outlaws. Sua reflexão não só
ajudou a pensar os direitos humanos no interior da ONU, mas também força
uma reflexão sobre esses direitos para além do jusnaturalismo e do positivismo
jurídico. Se é possível pensar algum vigor na ideia de direitos, isso se dará a
partir da aceitação dos limites e até mesmo do fracasso da sua vigência sob a
égide dos Estados nacionais. Arendt aponta para uma perspectiva que vai além
de uma fundamentação humanista e juspositivista dos direitos que advieram
com o estabelecimento dos Estados nacionais. O humanismo transforma-se
em humanitarismo na prática e o juspositivismo, na banalização dos direitos
humanos e numa proliferação normativa burocrática, suporte para posições
ideológicas do Ocidente.
Para Arendt, direitos ou significa direito a ter direitos ou não significa nada.
Encaminha, assim, sua ideia de direito e de direitos humanos para uma teoria da
cidadania. Essa teoria está delineada no texto de que nos ocupamos aqui e será
melhor explicitada em seus textos posteriores. Trata-se não de uma cidadania
formal, calcada na origem nacional e na mera formalidade burocrática da lei.
Nessa autora, direitos apontam para uma igualização jurídico-política e não
apenas jurídico-formal, racial ou territorial. Arendt possui a convicção de que
é a igualdade política, a pertença a uma comunidade organizada politicamente
e a participação num mundo comum por meio do trabalho, da palavra e da ação
que gerará concretamente a proteção e dará suporte real à dignidade humana.
Não serão normas jurídicas ou direitos específicos formais que protegerão, de
fato, as pessoas do ódio racial ou de classe, mas os vínculos concretos a que as
pessoas têm acesso. Essa ideia tanto pode ajudar a fazer a crítica e apontar os
limites dos direitos na tradição contratualista e nacional-soberanista quanto,
também, do uso ideológico dos direitos humanos para justificar a guerra contra
os não ocidentais. No interior dos atuais Estados de direito, os direitos esbarram
na aporia da representação, na qual a cidadania é parcial e mitigada.
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6 Sobre o tema da amizade em Arendt, cf. de ORTEGA, F. “Para uma política da amizade: Arendt, Derrida,
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