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ofensa a Deus?
4 anos ago
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by Católico Porque...
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– “Dada a transcendência de Deus, qual o sentido da expressão ‘ofensa a
Deus’?” (Nelândia – Belo Horizonte-MG).
As concepções dos antigos gregos exigem mais atenção da nossa parte, dadas
as suas relações com o Cristianismo.
No séc. V a.C., Sócrates (+399 a.C.) voltou toda a sua atenção para o problema
da virtude e as falhas cometidas contra esta. Afirmava que a derrogação à
virtude ou o pecado tem sua raiz na ignorância; é, portanto, isento de culpa
moral, pois ninguém peca voluntariamente(!); o homem que saiba em que
consiste a virtude, pratica-a; a virtude vem a ser uma ciência, que acarreta
necessariamente um ato bom. Assim, o pecado toma índole estritamente
intelectual; muito tênue, quase nulo se terna o senso de responsabilidade moral.
Qual a razão de ser de tão manca noção de pecado em um filósofo que tanto
se elevou na Metafísica?
Por fim, no limiar da Era Cristã, uma religiosidade nova, a dos “ cultos de
mistérios (de Cibele, Isis, Mitra…)” , vinda do Oriente, avivou nos pagãos a
consciência de que o pecado é nódoa hedionda e obstáculo à salvação.
Tendiam, porém, a identificá-lo com impureza ritual, cúltica, não dando
suficiente atenção ao aspecto moral do ato, à responsabilidade da consciência.
Foi sobre este fundo de ideias que surgiu o Cristianismo, acarretando profunda
mudança nas concepções religiosas do gênero humano.
Para o cristão, uma verdade básica é que Deus se identifica com o Amor, e o
Amor que primeiro amou os homens; fê-los imagem e semelhança sua e
imprimiu-lhes na consciência as normas universais para conseguirem o seu Fim
Último; pela consciência o único Deus fala a todo homem, de qualquer época
ou nação que seja, chamando-o, atraindo-o a Si. Disto se segue que burlar a
voz da consciência não equivale simplesmente a transgredir uma lei da
sabedoria humana, mas é repulsa de um chamado do Amor, e do Amor que
tem absoluto direito a ser o primeiro amado. O pecado é um ato que atinge a
natureza humana (como de certo modo já o percebia o pagão) e, além disto,
atinge também a Deus, com a diferença, porém, de que a natureza humana é
maltratada, punida pelo seu próprio pecado, ao passo que Deus não sofre
detrimento em consequência da revolta do homem (Deus nada perde nem
ganha, nem tem sentimentos ou paixões); mas, na medida mesma (medida
plena) em que Deus é Valor (o Primeiro Valor), pode-se dizer que Deus é o
primeiro injuriado e ofendido pelo pecado; este equivale a um atentado contra
os direitos do Sumo Bem, visando rebaixá-lo e colocar um ser inferior no lugar
do Supremo.
É dentro desta perspectiva que a Sagrada Escritura, desde os seus livros mais
antigos, inculca insistentemente que Deus tem horror ao pecado (cf.
Deuteronômio 12,31; 17,1; 18,12; Provérbios 3,32; 11,12; 12,22; 15,8-9.26).
Não se trata, porém, de um horror que leve simplesmente a condenar e criar
distância entre o Santo e o réu. Ao contrário, o Deus que repudia o pecado, não
repudia o pecador; por isto, o Criador se quis fazer também o Redentor do
homem culpado, numa efusão de amor ainda mais estupenda do que a que deu
origem ao mundo. É ao contemplar Cristo sofrendo os horrores da agonia no
horto das Oliveiras que se compreende quanto e como Deus horroriza a culpa:
o pecado vem a ser morte, e Deus é a Vida mesma; mas nem por isto Deus
feito homem se recusou a experimentar a morte a fim de libertar os que esta
detinha cativos sob o seu império.
No séc. XVII houve doutores cristãos que quiseram, por assim dizer, mitigar a
noção cristã, distinguindo entre “pecado filosófico” e “pecado teológico”. Aquele
seria um ato contrário à natureza humana e à reta razão; por muito vultuoso
que fosse, não seria ofensa a Deus, desde que o pecador, ao cometê-lo, não
pensasse no Senhor; tal culpa não romperia a amizade com Deus nem seria
merecedora do inferno. Somente o “pecado teológico” ou uma transgressão
livre da lei divina reconhecida como tal separaria do Pai celeste e acarretaria a
ruína da alma. Essa distinção foi condenada pelo Papa Alexandre VIII em 1690
(cf. DZ 1290) como contrária à doutrina do Evangelho. Não se pode, pois,
ofender a natureza humana ou a lei natural sem ofender também a Deus. Disto
ainda se segue uma verdade muito bela: a sanção infligida ao pecador não
decorre de uma sentença arbitrária e reformável de Deus, mas é, antes, a
reação, o protesto existencial da natureza humana e das demais criaturas
violentadas pelo livre arbítrio do pecador.