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Esta é uma tradução que compõe uma série de três textos elaborados pela ekipa organizadora
do X Encontro Lésbico-Feminista de Abya Ayla (X ELFAY, Bogotá, Colômbia, 2014), cujo
objetivo era nortear as reflexões das participantes sobre os três eixos centrais daquele
Encontro. Para mais informações sobre os ELFAY, veja o documento de memórias elaborado
pelas compas da Colômbia: http://glefas.org/download/biblioteca/lesbianismo-
feminista/memoria-x-elfay-colombia-2014-v.pdf
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O racismo, deste modo, é parte de uma matriz de opressão, que têm gerado violência real e
simbólica, xenofobia, discriminação e exclusão. Possui diferentes dimensões, níveis e
expressões. Pode ser entendido em sua forma estrutural e impessoal, além de ser histórico e
particular, de acordo com as realidades onde se concretiza.
Com base no lesbianismo feminista, tem-se analisado como a heterossexualidade não tem a
ver com uma opção sexual dentro de um leque de sexualidades diversas, mas que se trata de
uma instituição e um regime político baseado na ideologia da diferença sexual, que é
naturalizada, um regime político que está sustentado na ideia de gênero binário (homens e
mulheres tidos como homogêneos e, ao mesmo tempo, complementares). Trata-se de uma
opressão porque a partir deste regime se definem tanto as relações sociais sistêmicas e
estruturais, como também as relações interpessoais. Assim como o racismo, a
heterossexualidade parte de um tipo de paradigma que define quem tem práticas sexuais ou
relações sociais distintas da heterossexualidade como “outros” e “outras”, por meio de lógicas
de poder e dominação que também geram violências.
Podemos dizer que todas as lésbicas, independente de seu lugar de inscrição racial, de classe
e o lugar de origem ou habitação, padecem da mesma condição de subalternidade?
Acreditamos que há suficiente evidência histórica que nos mostra que não é assim: não é o
mesmo uma lésbica branca em uma zona exclusiva de Buenos Aires, Santiago de Chile,
Barcelona, São Paulo ou a Rua Reforma na Cidade do México, que uma lésbica indígena, afro
ou popular nesses lugares ou em sua própria comunidade. Hoje em dia vemos como tem
surgido uma política homonacionalista que ao mesmo tempo em que outorga direitos à
população LGTTB, se associa às políticas racistas de países como Israel e EUA.
O Coletivo Rio Combahee, pertencente ao Feminismo Negro nos EUA, constituído por
feministas e lésbicas negras de Boston, foram pioneiras em sistematizar uma proposta política
que articulava o sexismo, o classismo, o racismo e a heterossexualidade, o que aparece em
sua primeira Declaração de abril de 1977.
Cheryl Clarke, por exemplo, lésbica afroamericana, pertencente a este coletivo, relacionando
capitalismo ocidental, escravidão e heterossexualidade obrigatória, afirmou:
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da heterossexualidade obrigatória. É assim que os patriarcas tem que louvar
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25/01/2019 Racismo e regime heterossexual, por Ochy Curiel e Xiomara Carballo |
A fim de concretizar ainda mais o que viemos discutindo, se analisamos em que se baseou a
identidade nacional de nossos povos, a pesquisadora Breny Mendoza, feminista hondurenha,
introduz a heterossexualidade nas análises sobre a mestiçagem como um dispositivo de
poder, na conformação da sociedade colonial e pós-colonial de Honduras; análise que
podemos extrapolar para outras realidades latinoamericanas e caribenhas.
Mendoza destaca três elementos importantes para analisar tal dispositivo de poder. Primeiro, o
vínculo entre conquista, racismo e sexualidade, a partir do qual explica que a invasão dos
corpos das mulheres, fundamentalmente por meio dos estupros cometidos por homens
espanhóis contra mulheres indígenas e negras ou, em alguns casos, no marco de relações
efêmeras. Segundo, o caráter heterossexual e o fator reprodutivo que regularam e regulam o
regime da família patriarcal e o sistema de castas. Terceiro, o fato de que o sistema de castas
conduziu a uma condição de ilegitimidade e de bastardia do mestiço durante a Colônia, o que
afetou sua masculinidade e identidade até os dias de hoje. Para Mendoza, o conceito de
mestiçagem foi construído como uma categoria heterossexual, pois implicou no produto
híbrido da relação entre o espanhol e a mulher indígena ou negra, por meio da apropriação de
seus corpos, sua sexualidade e força de trabalho.
Por outro lado, vemos como hoje, por exemplo, nas políticas globais uma das formas em que o
capitalismo funciona é por meio do modelo de acumulação primária – explorador-extrativista e
financiador sob o domínio transnacional, que geralmente pertence a homens brancos,
heterossexuais, com privilégios de classe, do Norte, mas também de nossos países (baseado
em monocultivos, transgênicos, mineração a céu aberto, exploração energética como o
petróleo, hidroeletricidade, expropriação da biodiversidade, etc.).
Outra questão importante para a nossa análise tem a ver com o multiculturalismo. Nas
décadas de 1980 e 1990, a maioria dos estados nacionais se definiu como multiculturais,
plurinacionais e multiétnicos. Graças às lutas indígenas e negras e, ao mesmo tempo, aos
interesses do capitalismo, por meio dos estados nacionais, os quais, ao reconhecerem certas
culturas tidas como “particulares”, quiseram mostrar que respeitam a “diversidade”. Nesse
sentido, tem-se reforçado a política de identidade que, apesar de ter sido um posicionamento
legítimo a partir de lutas políticas, pode acabar em essencialismos que pressupõem em uma
autenticidade cultural, relacionada ao regime heterossexual e que afeta especialmente as
mulheres, lésbicas e outros sujeitos com sexualidades dissidentes.
É por meio desta política identitária que se busca uma origem mítica em que se baseia a
aliança matrimonial ou outro tipo de união heterossexual. Neste marco, às mulheres de muitas
comunidades indígenas e afro se pede o que Amrita Chhacchi denominou “a carga de
representação”. Elas são construídas para carregar a representação de autenticidade, são as
portadoras simbólicas da identidade e a honra da coletividade. Desta forma, as mulheres
devem ter comportamentos “apropriados”. Como defendem Adrienne Rich e Monique Wittig,
na lógica heterossexual os corpos das mulheres são “apropriados” para serem colocados a
serviço, não só de seus maridos, amantes, esposos, mas também de uma coletividade
completa. Esta autenticidade cultural tem a ver, além disso, com limitar as mulheres à esfera
reprodutiva dentro de uma relação heterossexual. Assume-se que as mulheres devem “parir o
coletivo”, ao ser as reprodutoras “biológicas” da nação, ou das culturas particulares, quem,
além disso, deve sempre cuidar do produto dessa reprodução.
Muitas vezes, no marco do relativismo cultural, ainda que pretenda ser mais respeitoso, não
deixa de ser um racismo (só que diferencialista), as lógicas patriarcais e heterossexuais de
determinadas culturas são “toleradas”, porque se relacionam a tradições milenares,
consideradas imutáveis e que se sustentam por meio do que Lorena Cabnal, do feminismo
comunitário da Guatemala, denominou de heterossexualidade cosmogônica, para expor a
justificativa da complementaridade entre homens e mulheres, que muitas vezes não evidencia
as violências das quais as mulheres e as lésbicas já foram vítimas, sobretudo indígenas e
negras.
Outro exemplo onde podemos ver a articulação entre o racismo e o regime heterossexual é a
migração.
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25/01/2019 Racismo e regime heterossexual, por Ochy Curiel e Xiomara Carballo |
Efetivamente, a maioria dos homens migrantes, com exceção daqueles racializados, podem
adquirir documentos de estadia legal por meio do trabalho (o que é bem menos frequente para
mulheres e lésbicas). Entretanto, ao casar-se, é raro que os homens mudem quase que
automaticamente de nacionalidade, situação muito mais frequente para as mulheres. Para
muitas lésbicas, se não querem contrair matrimônio com um homem e não podem fazê-lo com
uma mulher, a coisa se complica para buscar estabilidade laboral. Nesse sentido, o estado
nacional, o sistema patriarcal e, consequentemente, o sistema heterossexual, estão
estreitamente vinculados para regulamentar a circulação de pessoas, em particular de
mulheres e lésbicas, mais ainda se elas são de países do chamado Terceiro Mundo, pobres,
negras, indígenas ou mestiças pobres.
As posições de raça, classe, sexo/gênero e opção sexual incidem sobre nossos corpos,
nossos desejos e definem muitas vezes de que forma e a quem desejar, amar e se relacionar.
São permeadas pelas representações colonizadas de concepção do próprio desejo, do desejo
do/da outro/outra e para a construção/desconstrução da própria estética. Nas práticas
lésbicas, inclusive entre lésbicas feministas, nossos desejos geralmente estão atravessados
pela colonialidade.
O imaginário que costumamos ter, por exemplo, das lésbicas indígenas, é muito parecido ao
definido pela lógica colonial. Nós pressupomos que são assexuadas ou, muitas vezes,
exóticas, justificando, desta forma, a hegemonia branca e branco-mestiça. No caso das
lésbicas negras, estas são vistas como hipersexuais, reafirmando muitas das representações
definidas pela colonização, pela colonialidade contemporânea e pelo racismo.
Do outro lado, algumas lésbicas indígenas e negras direcionam seus desejos a lésbicas
brancas ou branco-mestiças como uma maneira de se sentirem respaldadas pela hegemonia
racial e de classe.
Por outro lado, muitas lésbicas populares rompem com os estereótipos de gênero e assumem
uma posição a partir de seus corpos, são transgressoras das expectativas sociais esperadas
do ser “mulheres” ou lésbicas. São as sapatonas, fanchas, caminhoneiras, muitas delas de
ascendência indígena e afro. Elas não são as mais desejadas, precisamente porque nossa
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política lésbico-feminista ainda está atravessada pelo racismo e a colonialidade.
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25/01/2019 Racismo e regime heterossexual, por Ochy Curiel e Xiomara Carballo |
Não negamos que existam relações interraciais que não reproduzam a dominação, e que não
existam lésbicas feministas que não direcionem seus desejos a estas “outras” de “nós”. O que
nos interessa é problematizar estas questões que formam parte da nossa ação política como
lésbicas feministas. Estes são só alguns exemplos de como se articula o racismo com o
regime heterossexual. A ideia é que nos permitam aprofundar e complexificar o sub-eixo que
abordaremos no X Encontro Lésbico-Feminista de Abya Yala.
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