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Carlos de 48 anos de idade, porteiro numa repartição pública, com

hábitos alcoólicos e tabágicos acentuados desde há 30 anos, encontra-se em fase


terminal no contexto de um carcinoma hepático com metastização cerebral.
Tem 2 filhos de 11 e 13 anos de idade, estudantes e saudáveis, mas
marcados pelos frequentes excessos agressivos do pai sobre a mãe (que obrigou
a 2 internamentos para resolução de fracturas) e sobre eles próprios. A mulher
trabalha a dias em duas casas de família desde há cerca de 7 anos com
satisfação mútua.
Por várias vezes pensou separar-se do marido, chegou mesmo a enviá-lo
para casa da sogra. Os últimos anos da sua vida foram marcados por
sentimentos alternados de pena pelo marido e de raiva pelos maltratos físicos e
psíquicos a que era sujeita, bem como os seus filhos, nos períodos de
alcoolização excessiva do marido.
A viúva do Sr. Carlos após a sua morte brusca retira-se, contrariamente
ao afirmado, da vida activa, enche o apartamento de fotografias do marido e
impede sistematicamente que filhos, familiares ou vizinhos lhe teçam
comentários negativos em relação ao marido.

As doenças de curso prolongado e irreversível, incuráveis estão


associadas a perdas inevitáveis nos doentes, nos familiares e nos profissionais
de saúde, conduzindo a sofrimento e a processos de luto algumas vezes
complicados cujos principais sinais importa diagnosticar precocemente, para
que uma intervenção de ajuda pertinente possa ser desencadeada e realizada em
tempo útil.

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Define-se Luto como uma reacção característica a uma perda
significativa.
Nesta definição importa reportarmo-nos aos seus dois componentes
principais:
1) A perda:
• Real – perda de uma pessoa, animal ou objecto querido ou
• Simbólica – perda de um ideal, de uma expectativa, de uma
potencialidade.
2) A reacção característica:
• Processa-se habitualmente por fases características.

!
A perda é uma mudança que inclui um estado de privação de alguém, de
alguma coisa tangível (casa, carro, emprego, …) ou de qualquer coisa intangível
(representações mentais: projecto de vida, esperança de entrar num curso, …),
que põe em marcha reacções afectivas, cognitivas, comportamentais e, em
termos gerais, o processo de luto.
Ao aproximar-se a morte, vários tipos de perda podem ocorrer
constituindo-se em enormes desafios para os doentes moribundos e para as suas
famílias e que, por isso, devem ser diagnosticadas e monitorizadas pelos
profissionais de saúde cometidos na ajuda a essas situações.
Importa avaliar objectivamente as dimensões mais importantes de perda.
Sem uma cuidada avaliação prévia é difícil iniciar um projecto de ajuda
pertinente, ou seja, uma intervenção que vá de encontro às verdadeiras
necessidades do doente e da família, naquele momento.
Não esquecer que o sentimento de luto está relacionado com a natureza
da ligação específica que cada um tem com o objecto perdido.

A perda é ao mesmo tempo:


• Comum – todos vivem separações e perdas e
• Única – cada perda tem um significado específico para cada pessoa
em cada fase da vida ou da doença.

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Emocional e Psicológica
• Auto- regulação emocional Intelectual
• Auto-imagem • Memória de curto-
prazo
• Esperança, perspectivas de futuro, projectos,
sonhos • Funcionamento
cognitivo (atenção,
• Privacidade e liberdade (vida íntima...) concentração...)
• Papéis quotidianos: cônjuge, progenitor, filho, • Sentimento de
papéis domésticos específicos controlo sobre
dimensões
corporais e
Física pessoais de
PERDAS
• Partes do corpo, corpo funcionamento
ASSOCIADAS
inteiro COM DOENÇA
• Funções corporais TERMINAL
(locomoção,
sexualidade...)
• Sensação de bem-estar
físico, boa saúde
Espiritual
• Sentimento de integridade, coerência e
Social completude
• Vida de família • Sentimento de ambição, de valor pessoal, de
• Vida convivial (amigos...) propósito
• Vida de trabalho • Sentimento de esperança e significado
• Vida civil, política • Sentimento de “estar no mundo” (grounding)
• Comunidade religiosa e/ou controlo/poder (agency)
• Sentimento de confiança numa entidade
divina ou transcendente

Dever-se-á também ter em atenção que uma perda convoca muitas vezes
outras perdas que há que sistematicamente contextualizar (por ex., uma perda
transitória em período de desemprego ou reforma, a ocorrência de uma doença
terminal própria ou de um familiar), pois têm um efeito de acentuar o risco.
A perda de uma pessoa pode também estender-se a outras dimensões da
vida para além da pessoa (perda de intimidade, companhia, segurança, contacto,
estilo de vida, papéis sociais, significado perante o futuro) conduzindo também
ao incremento dos sentimentos de insegurança, medo e ansiedade. Deveremos,
por isso, avaliar sistematicamente as perdas principais ou primárias e todo o tipo
de perdas secundárias.

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Tipos de perda

Interpessoais

Relacionais Materiais

Transacionais

Importa também ter em consideração o conceito de “perdas


incrementais” (Cook, Oltjenbrun, 1989, 1998) que se consideram como um
factor aditivo de luto devido a perdas relacionais múltiplas: uma perda pode
desencadear outras, resultando numa "magnificação" do luto. Um exemplo, e na
perspectiva familiar, é o "luto desincronizado" entre os diferentes membros de
uma família: na sequência da perda de um criança num casal (luto primário),
devido à assimetria e incongruência do processo deste luto nesse casal, ocorre
uma perda secundária conduzindo a uma mudança na relação conjugal, que se
for considerada stressante, pode conduzir a um luto secundário que, por sua vez,
pode provocar uma discórdia familiar e precipitar uma perda terciária (por ex.,
divórcio - luto terciário).
Modelo incremental de luto

Luto terciário

Luto secundário

Luto
primário

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A nossa conceptualização do processo de luto passa por considerar que


uma perda envolve sistematicamente, mas em graus de intensidade e duração
variáveis, três dimensões interligadas de vivência do problema (intrapsíquica,
interpessoal e transcendental) e que se desenvolve através de três mecanismos
fundamentais de elaboração (evitamento, assimilação e acomodação).

Referências conceptuais do processo de luto


Evitamento Assimilação Acomodação
Reexperiência
Trauma
Entorpecimento Dor emocional do prazer sem
(intrapsíquico)
culpa e medo
Integração
Separação relacional Reexperiência de
Procura harmónica na
(interpessoal) memórias
memória
Rotura existencial Reconstrução
Negação Desespero
(transcendental) de significado

Na dimensão intrapsíquica percebe-se, compreende-se, aceita-se a


realidade da perda primária através da elaboração da dor da perda, do ponto de
vista físico, emocional e espiritual, dando-lhe algumas formas de expressão
(verbal, não verbal/comportamental) que libertam energia para uma integração.
Na dimensão interpessoal converte-se paulatinamente a relação com o
falecido de uma presença efectiva a uma reexperiência presencial virtual e,
finalmente, a uma memória integrada e à constituição de um legado e
experiência continuada e harmónica de uma presença apoiante.
Na dimensão transcendental relaciona-se a exposição à morte a um
contexto de significado de experiência humana e desenvolve-se uma nova
identidade baseada na vida sem a pessoa.
Em todas estas linhas se encontra um movimento flutuante (de adesão e
evitamento) para a compreensão e aceitação da perda, através de várias formas
de expressão libertadora, permitindo depois uma integração sentida.
As reacções adaptativas à perda variam também consoante a natureza da
perda, as experiências passadas, a personalidade e valores individuais, a ameaça
percebida em relação ao sentimento de integridade pessoal. Por exemplo, a
reacção a uma morte esperada de um familiar idoso distante afectivamente pode

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provocar uma tensão moderada e transitória seguida de uma aceitação rápida e
bem integrada da inevitabilidade do processo de doença e da morte, em
contraste com reacções a acontecimentos traumáticos como a revelação súbita
de um diagnóstico terminal ou a morte inesperada de uma criança que podem
causar reacções particularmente perturbadoras, exigindo um enorme esforço de
adaptação.
No entanto, ambas as reacções podem passar, com grau de intensidade e
temporalidade diferentes, por fases com características semelhantes.

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Para efeitos de referência descritiva consideramos três fases fundamentais


no processo de luto: choque/negação, desorganização/desespero e
reorganização/ recuperação.

Cada fase procura retratar um processo complexo que envolve,


simultaneamente, aspectos emocionais, cognitivos, comportamentais, sociais e
espirituais, em termos que serão sempre simplistas e reducionistas, não se
podendo reduzir as complexidades intra/inter/transpessoais do processo de luto
a um conjunto de fases “dogmáticas”. Uma conceptualização rígida desta
natureza exigiria que as pessoas teriam sempre de passar sequencialmente por
estas fases como personagens passivos e que seriam sempre expectáveis certas
reacções típicas, que efectivamente nem sempre acontecem, ou não acontecem
na ordem proposta. Esta postura mecânica poderia acentuar sentimentos de
fracasso ou de sobrecarga em pessoas já com grande sofrimento.
O processo de luto é, efectivamente, um processo multidimensional,
habitualmente muito activo, altamente personalizado e determinado por

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inúmeros factores de vida do enlutado. Não é um processo linear, com limites
concretos, mas um compósito de fases erráticas, fluidas, sobrepostas, que
variam de pessoa para pessoa e ao longo do tempo.
Este período de transição, sobrecarregado pela perda, em que se vai criar
uma nova relação com o que se perdeu e reintegrá-lo no seu ser e se vai
aprender como viver num mundo sob um conjunto novo de condições, não se
poderá reduzir a uma mera listagem de reacções. A formulação em termos de
fases, que a seguir desenvolveremos, tem, por isso, um mero objectivo
heurístico. As fases significam aqui orientações genéricas que, repetimos, não
pretendem prescrever onde obrigatoriamente o enlutado “deve” passar durante
um processo de luto.

I. Choque/Negação – Evitamento
• Estado de choque/Embotamento afectivo/Entorpecimento
• Incredulidade/Negação/Dissociação
• Procura
II. Desorganização/Desespero – Consciencialização
• Problemas afectivos • Problemas existenciais/espirituais
− Dor emocional − Desespero (transitório)
• Choro − Perda de finalidade, de propósito
• Tristeza, desgosto − Ausência de desejo de continuar a
• Depressão viver
• Anedónia • Problemas comportamentais
• Ansiedade, inquietação − Conduta alterada
• Disforia − Desejo intenso de retorno do
• Tensão, agitação falecido
− Culpa, Remorso − Ruptura de actividade
− Irritabilidade, protesto, ressentimento, − Isolamento, intensa solidão
cólera (falecido, família, amigos, • Problemas somáticos
prestadores de cuidados) − Cefaleias
• Problemas cognitivos − Problemas digestivos
− Preocupações e recordações recorrentes − Dispneia, suspiros
− Medo de enlouquecer, de não se adaptar, − Aperto no peito
de entrar em colapso − Palpitações
− Reexperiências de memória − Visão desfocada
− Sentimento de “presença” do falecido − Dores musculares
− Dificuldade de concentração − Nó na garganta, boca seca
− Défice cognitivo e de memória a curto − Doenças infecciosas
prazo − Fadiga, lassidão, falta de energia

III. Reorganização/Recuperação – Restabelecimento


• Renúncia ao mundo “assumido” • Reinvestimento identitário
− Reconhecer a perda − Redescoberta de significado
− Limitar papéis antigos − Desenvolvimento de nova identidade
• Reajustamento ao “novo” mundo
− Adquirir novos papéis
− Voltar ao trabalho
− Procurar novas relações

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Na primeira fase, o choque, entorpecimento e negação iniciais podem
alternar com intensa dor mental e lamentações.
A segunda fase, também designada por luto agudo, inclui estados
afectivos intensos sobrevindo sobre a forma de ondas periódicas de desconforto
emocional ou físico, mas é, muitas vezes, também acompanhado de isolamento
social e de preocupações recorrentes sobre vários aspectos do falecido e até de
identificação com ele.
Os sentimentos de remorso e culpa às vezes aparecem isoladamente,
outras na sequência de reacções de irritabilidade exagerada ou projectada. Estes
sentimentos podem ter também variadas determinações:
- Culpa do sobrevivente, sobretudo quando há um desígnio de
responsabilidade (condutor do carro acidentado).
- Culpa por alívio (na sequência de um esforço sobre-humano e
preocupações dispendidas) mas que pode aparecer sob a forma da
pessoa ter contribuído (de uma maneira ou outra) para a morte ou
sofrimento do falecido
- Culpa por “transgressões”, manifestando-se por auto-acusações
(irracionais ou aparentemente exageradas) sobre uma série de actos ou
omissões (apoio não adequado ou não persistente, falha em prevenir
certos acontecimentos, insuficiente pressão sobre profissionais de
saúde para diagnóstico ou tratamento atempado da doença, …)

As reacções de irritabilidade ou raiva que podem assumir várias formas


de expressão (comentários negativos, sarcasmos, comportamento passivo-
agressivo ou explicitamente agressivo) têm também várias determinações que
deverão ser sempre diagnosticadas:
Quer no doente em estadio terminal:
- O dar-se conta de que fica privado de finalidades e sonhos no futuro;
- A dor física e sofrimento;
- A retirada de outros (significa que sabem que se está a morrer);
- A constatação que as orações e crenças religiosas não alteraram a doença.
Quer nos seus familiares:
- Sentimentos, desamparo e frustração por não serem capazes de “parar” a
doença;
- Antecipação e medo de mudanças nos papéis e funções no sistema
familiar;

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- Protecção de si próprio “retirando-se” afectivamente do doente e
reconhecendo ao mesmo tempo que precisa de maior proximidade e
vinculação;
- Exaustão não só pela expectativa da morte mas por ter de tomar decisões
e de completar tarefas pesadas relacionadas com todo o processo;
- Sentir-se inundado de sentimentos e, às vezes, expressão de raiva para
com o doente (doente responsável pela sua doença, directamente ou por
negligência, doente agressivo para com a família, velhos conflitos ou
aspectos não resolvidos agora reactualizados), cuidadores e outros
membros da família;
- Desacordo sobre o tratamento ou cuidado ao doente (determinando ou
atraso ou evitamento de decisões importantes pela incapacidade de
concordância aceitável).

A fase de recuperação pode-se processar de forma emocionalmente integrada


com novos investimentos no mundo sem o falecido, mas ser entrecortada de
preocupações e revivescências emocionais relativas ao falecido, paralelas a
momentos de reexperiência do prazer sem culpa e de procura de novas relações.
Nalgumas situações a capacidade de reapreciar a vida pode começar muito
precocemente, provocando não raramente subtis sentimentos de culpa ou remorso.
Estas são reacções, vivências únicas, pessoais, dinâmicas e cambiantes que
ocorrem em qualquer processo de luto normal e devem ser validadas aos doentes e
suas famílias como reacções normais esperadas.
Como critérios de adaptação normal ao processo de perda importa avaliar
sistematicamente em relação à:
− Primeira fase, o grau e duração de uma atitude de negação em relação à
perda sofrida;
− Segunda fase, a proporcionalidade e rigidez dos sentimentos de culpa e
irritabilidade; Terceira fase, a progressão da desvinculação progressiva e
a integração harmoniosa de novos papéis e actividades e redescoberta de
significados pessoais, sociais e transcendentais.

No âmbito dos cuidados paliativos, mas não só, podem-se designar diferentes
tipos de luto normais:
− Luto preparatório – O que o doente terminal faz para se preparar para a
separação com este mundo (Kübler-Ross, 1969): ruminação sobre o
passado, “retirada” afectiva de familiares/amigos e períodos de tristeza,
dor e ansiedade (variação).

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− Luto antecipatório – O processo pelo qual os sobreviventes (familiares,
amigos) assumem o papel de enlutados e começam a elaborar as
mudanças emocionais associadas com a morte previsível de outrem.
Este trabalho poderá mitigar a intensidade da reacção ao luto depois da
morte, deixando o sobrevivente menos vulnerável a reacções não
adaptativas.
− Luto prematuro – Processo pelo qual os sobreviventes (familiares e
amigos) iniciam mudanças emocionais e sociais num momento precoce
em relação à possibilidade de morte (Síndrome de Lázaro). Este trabalho
antecipatório pode determinar sentimentos de culpa (por ex., por
abandono), habitualmente de curta duração no contexto da
”ressuscitação”.
− Luto latente – Reacções que surgem muito tempo depois da perda (pelo
que é designado também de tardio) e que parte da consideração de que
um processo de luto nunca acaba verdadeiramente, deixando sempre uma
marca indelével na pessoa e que se pode reactivar em qualquer altura ou
no contexto de perdas significativas.

Mas nem sempre o processo de luto decorre progressiva e harmoniosamente


nesta direcção. Há situações em que o processo de luto pode complicar-se ou
(psico)patologizar-se.

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Para além do luto normal anteriormente descrito podem verificar-se tipos


de luto complicado e até de luto (psico)patológico em cerca de 10-20% das
pessoas enlutadas.
Tipos de luto

Normal Complicado

(Psico)Patológico

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Na vida e na prática clínica nem sempre podemos delimitar uma
separação bem definida entre estas várias formas de luto, pelo que no seguinte
esquema os vários tipos de luto se entrecruzam.

As situações mais frequentes de luto complicado, como reacções de má


adaptação, são as que se indicam no seguinte quadro:

Luto complicado
Tipo Relação Auto-imagem Intervenção
Traumático Não esperada Traumatizada Integridade
Inibido Ambivalente Paralisada Aceitação
Crónico Dependente Desamparada Autonomia
Exagerado Insegura Inquietude Contenção
Indizível Inaceitável Desvalorizada Confidência

1) Luto traumático (perda inesperada)

Exposição a acontecimento traumático (ameaça de morte, morte real,


ferimento grave ou ameaça à integridade física do próprio ou de outros), cuja
resposta envolve medo intenso, sentimento de falta de ajuda ou horror.
O doente sente-se desligado, com embotamento afectivo ou ausência de
resposta emocional/confuso/desamparado/paralisado.

2) Luto inibido (retardado, adiado, congelado)

Há um adiar o processo de luto quando o sofrimento provocado pelas


perdas ultrapassou as capacidades de elaboração. As expressões de luto são
suprimidas ou inibidas, pequenos acontecimentos podem desencadear reacções
intensas, mesmo ao fim de alguns anos após a perda, as respostas a uma perda
recente parecem desproporcionadas ao grau da perda, os enlutados não
conseguem falar sobre o falecido sem expressões francas de luto.
A situação mais típica desta forma de luto complicado é o resultado de
uma relação marcadamente ambivalente com o objecto perdido como a que
apresentámos no caso clínico inicial.
O que acaba por acontecer neste tipo de situação, e por uma questão de
economia emocional interna, é o enlutado fazer uma clivagem entre os aspectos
positivos e os mais negativos do falecido, idealizando os primeiros e recalcando

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ou negando os segundos. Por ex., no caso clínico descrito de relação
ambivalente da mulher com o marido alcoólico, agressor violento, verificou-se
que, por morte brusca do marido, a viúva só exprimia sentimentos positivos
enaltecendo sistematicamente todas as suas qualidades e não deixando
expressar, reprimindo mesmo severamente, a menção a aspectos negativos
(alcoolismo, desrespeito, agressão) do marido face a ela e aos filhos.
O processo de luto fica, portanto, inibido, não pode avançar. Só depois de
serem admitidos esses aspectos negativos e devidamente relativizados com os
aspectos positivos será possível fazer uma integração harmónica do objecto
perdido, deixando, assim, espaço mental disponível para novos investimentos.

3) Luto crónico (dependente)

Em que o processo de luto está estático (ocorrem mais frequentemente


em personalidades dependentes), ou seja, os níveis de tristeza, irritabilidade,
culpa mantêm-se sem mudança durante meses e anos, verificando-se uma
dificuldade paradoxal de um enlutado investir num novo objecto.

4) Luto exagerado

Manifesta-se por comportamentos autodestrutivos em que o sobrevivente


tenta aliviar a dor emocional e espiritual através de estratégias adaptativas
lesivas (consumo de álcool e drogas, práticas sexuais não seguras, tentativas de
suicídio, acidentes sequenciais, …)

5) Luto indizível (privado de direito, afastado)

Refere-se ao pesar e desgosto escondido da pessoa “marginalizada” em


que não há “permissão social” (ou é muito reduzida) para exprimir as reacções à
perda. O sobrevivente não pode anunciar aberta ou publicamente a perda de
uma pessoa próxima porque a relação é culturalmente inaceitável ou
marginalizada (homossexuais, companheiros anteriores, amantes ilícitos,
colaboradores de trabalho,…) conduzindo ao afastamento (geográfico) da
família e dos amigos, a barreiras financeiras, à raiva, tristeza e isolamento.
A tipificação de cinco situações de luto complicado procura constituir-se
numa referência exemplificativa entre muitas outras situações não tão
tipificadas mas que podem estar também na origem da complicação/
prolongamento do processo de luto.

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Importa, por isso, identificar precocemente alguns aspectos que indiquem
que um processo de luto está a tornar-se complicado.
Para além dos quadros anteriormente descritos apresentam-se alguns
critérios genéricos para identificar situações de luto complicado.

Critérios de luto complicado/prolongado

Existencial/Espiritual

Afectivo Comportamental

Luto
complicado

Cognitivo
Físico/Vincular

Social

Critérios afectivos

1. Não consegue falar do objecto perdido sem se emocionar (“saudades


penosas”) e factos menores desencadeiam reacções de luto (dor emocional/
angústia);
2. Tristeza não justificada em determinadas circunstâncias – data, locais
significativos – (“ausência amarga”);
3. Irritabilidade excessiva, amargura ou hostilidade relacionados com a morte;
4. Sentimento subjectivo de entorpecimento, atordoamento, distanciamento ou
falta de resposta emocional (“emocionalmente dormente”) prolongadas;

Critérios cognitivos

5. Idealização de aspectos positivos e recalque/dissociação/ denegação/


negação de aspectos negativos do objecto perdido;
6. Comportamento "seco", como se nada tivesse acontecido, evitando
referências ao objecto desaparecido;
7. Fobia de doença ou de morte relacionada com a do objecto perdido;

 499
Critérios físicos/vinculares

8. Compulsão para imitar traços do objecto perdido, ou sensação de


contínuas obrigações para com ele (“fidelização tirânica”);
9. Apresentação de sintomas físicos semelhantes ao objecto perdido (por
vezes em datas significativas);
10. Evitamento desproporcionado de rotinas do falecido;

Critérios comportamentais

11. Investimento desproporcionado em actividades laborais, físicas ou


sociais;
12. Sequência de comportamentos autodestrutivos (acidentes sequenciais,
consumo de álcool e drogas, prática sexuais não seguras, tentativas de
suicídio, …);

Critérios sociais
13. Postura “demasiado independente”: evita relacionamentos ou sabota os já
existentes (mantém distância física, isolamento emocional, comentários
críticos e cruéis);
14. Incapacidade persistente de confiar nos outros, dolorosamente
consciente de que não conseguirá ultrapassar a situação;
15. Sentimento de solidão e vazio, dificuldade de imaginar uma vida plena
sem o falecido;

Critérios existenciais/espirituais
16. Sentimento de vida vazia, sem significado e sem rumo para o futuro;
17. Sentimentos penosos de futilidade, perda franca de interesse nas
actividades pessoais (sente que parte de si próprio morreu);
18. Visão atormentada do mundo (falta de sentimento de confiança/segurança/
controlo).

500
* + , -.

Nos lutos (psico)patológicos os enlutados organizam a sua reacção à


perda sob a forma de diferentes quadros sindromáticos correspondendo a
manifestações psicopatológicas típicas.

Luto (psico)patológico

• Melancólico – depressão major (mais de 6 meses depois da perda) com


importantes sentimentos de culpa e auto-acusação e, por vezes, comportamento
autodestrutivos com pensamentos persistentes de suícido ou preparação de um
plano para cometer suicídio.
• Maníaco – (omnipotente) negação e euforia sustentadas, controlo/ desprezo e
pseudo-superação.
• Paranóide – (ataque/fuga) reivindicador, com querulância sustentada.
• Histérico – dramatização, repetições, fugas e mudanças dramáticas, com sobre-
identificações com falecido (em traços, sintomas físicos ou objectos)
• Hipocondríaco – crenças e desesperos irracionais relacionados com sintomas ou
doenças.
• Obsessivo – (controlador) tendência para rituais (para além dos normais na sua
cultura).
• Fóbico – (evitativo), evitamento extremo, fuga sistemática e imperiosa a situações
relacionadas com a perda, fobias sobre a doença ou morte.
• Ansioso – com estados de ansiedade, agitação ou agarofobia mantida,
• Pós-traumático – Perturbação de stress pós-traumática – PSPT
• Border-line – (desorganizado) com tendência a PSPT ao delirium agudo e
subagudo, crises confusional ou confuso-oníricas.
• Aditivo – como forma de manter a negação ou a dissociação das emoções numa
pessoa predisposta para o uso de álcool ou drogas, para evitar o sofrimento.
• Caracterial – (comportamentalizado, incontinente, através da acção)
comportamentos aberrantes ou não adaptativos. Passagens ao acto e
perturbações da conduta (sobretudo em adolescentes e crianças), com procura do
perigo, provocações dissociais ou disfunções familiares consecutivas grosseiras.
• Somatoforme – (operatório, equivalente afectivo, incontinente através da descarga
somática) com repercussões psicofisiológicas. Apresenta sintomas ou queixas
somatomorfas. Os doentes sentem sintomas que lhes causam dificuldades mas
não os relacionam conscientemente com a perda.

 501
Partindo do modelo de Horowitz (1993) evidenciam-se no seguinte
quadro alguns aspectos do processo de luto cuja não transformação pode
conduzir a cristalizações sob a forma de quadros clínicos psiquiátricos.

Evolução psicopatológica do processo de luto


Momentos/fases
Sintomas/Psicopatologia*/Luto psicopatológico
intrapsíquicas do luto
Perturbação de stress pós-traumático agudo em
Acontecimento, perda
casos de catástrofes especialmente “arrasantes”
Choque/impacto (horror, Reacções de pânico ou esgotamento por causa das
aflição) reacções emocionais intensas que nos invadem
Depressão ou agitação por causa da:
Dor mental, protesto, tristeza, culpa extremas
ressentimento ansiedades persecutórias (sentimento de ser
perseguido, necessidade de perseguir…)
Evitamento extremo: fobias, uso de drogas para
Negação (negar a realidade da
evitar o sofrimento mental.
perda ou do que ela significa
Reacções maníacas: controlo, desprezo, pseudo-
para nós)
superação...
Intrusão/”inundação” de
Estados de inundação por ideias, emoções, imagens
vivências e recordações
ou recordações sobre o objecto ou a perda
inevitáveis do acontecimento
Elaboração (começa a Respostas psicossomáticas: tendem a desenvolver-
enfrentar-se a realidade do que se queixas somáticas ou até doenças somáticas se a
se passou) elaboração do luto pára ou “congela”
Perturbações caracteriais ou psicopatológicas se
Reparação (a vida continua,
não há a restauração do mundo interno e o
até com melhoria mental,
renovamento das relações externas através de uma
intrapsíquica)
elaboração suficiente do luto

No âmbito do luto (psico)patológico importa fazer o diagnóstico


diferencial correcto entre estas evoluções psicopatológicas e o processo de luto
propriamente dito. Exemplificaremos este diagnóstico diferencial em duas áreas
relevantes: depressão e stress pós-traumático.

, %

A maioria das reacções à perda evolui sob a forma de luto normal mas
algumas situações podem ter um desenvolvimento sindromático depressivo que

502
importa detectar precocemente porque pode exigir intervenção específica
precoce.

Diagnóstico diferencial entre luto e depressão


Luto Depressão
Associado com a progressão de
Humor triste Doença avançada e dor
doença
Desencadeada pela perda Persistente, autónoma
Disforia
(lembranças, pequenos factos) (independente da perda)
Variação Por ondas (mistura “dias bons e
Constante, não remite
temporal humor maus”)
Mantêm capacidade de prazer
Perda da capacidade de apreciar a
Anedonia (procura em ocasiões especiais
vida e o prazer
com familiares e amigos)
Variável mas não perda profunda
Sentimentos de desespero e/ou
Esperança (cura → aumento de tempo de
desamparo persistentes
vida → para morrer bem)
Diminuída, desproporcionadamente
Auto-estima Mantida
negativa
Ocasional, pouco duradoura e
Ideação suicida Desejo intenso e persistente
passiva
Ruminativa, generalizada a vários
Centrada em si e em alguns
Culpa aspectos (às vezes com auto-
aspectos específicos
acusações punitivas)
Raiva Expressa “Encapotada”
Perda de apetite Por desconforto físico Aversão a comer
Insónia Sem um padrão (> no início) Padrão fixo tende a piorar
Capacidade de
Variável Persistente
concentração
Mudança de ideias sobre o futuro, Negativa sobre o passado, presente
Ideação
sobre si mesmo e o mundo e futuro de si mesmo e do mundo
Menos estáveis, profundas sobre
Estáveis, profundas (raiva, vazio,
Emoções uma personalidade não
culpa, ressentimento, …)
melancólica ou depressiva
Hiperactividade ou inibição
Motivações Apatia. Perda da energia, interesse
psicomotora
Limitação
Moderada, transitória Acentuada, prolongada
funcional
Capacidade de Pode lidar com o stress por si
Requer intervenção, medicação
autoregulação próprio ou com suporte de escuta
Apoio
Aceite Não aceite
psicossocial
Mais próxima, consciente e Mais afastada, inconsciente, repetida
Perda proporcionada aos afectos do ou não proporcionada ao estado
sujeito afectivo do sujeito

 503
Em situações de fim de vida é muitas vezes difícil distinguir entre
processos normais e patológicos já que podem exibir sintomas comuns. Neste
contexto será importante diagnosticar diferencialmente um luto preparatório e
um processo normal de morrer de processos já patológicos de depressão ou de
resposta a um deficiente controlo de sintomas físicos.

Sobreposição de processos no fim de vida


Processos normais Processos patológicos

Luto Sintomas comuns Depressão


preparatório
• Alterações de apetite
• Alterações de peso
• Fadiga Resposta a fraco
Processo normal • Energia diminuída controlo de
de morrer • Perturbações do sono sintomas físicos

Poderá ser útil na prática clínica seguir um algoritmo para explicitar as


diferenças entre luto preparatório e depressão em fim de vida (Periyakoil, 2002).

Diferenças entre Luto Preparatório e Depressão


Doente a morrer em sofrimento
(chora, triste, retirado, embotado, ideação suicida)

Avaliar a presença de sintomas físicos não resolvidos

Ausente Presente

Doente ainda em sofrimento Tratar sintomas e reavaliar

Sofrimento resolvido
• Humor muda (aumenta e diminui) com o
tempo Avaliação de: anedónia, disforia
• Auto-estima normal persistente, auto-imagem perturbada,
• Pensamentos ocasionais de suicídio desesperança, avaliação negativa de si próprio,
• Preocupações sobre separação de pensamentos ruminativos sobre morte e suicídio,
pessoas queridas desejo de apressar a morte
Luto preparatório
Depressão
Aconselhamento psicossocial *Doentes em elevado risco de
Terapia de luto em casos graves depressão:
• Depressão ou história familiar de
O doente responde Sem resposta depressão
• Outras doenças psiquiátricas ou
Continuação da terapia
Reconsiderar depressão* tentativas de suicídio
necessária • AVC hemisfério esquerdo, cancro
Despiste periódico de pancreático
depressão • Corticoesteróides ou benzodiazepinas

504
", / (0 1 #

A exposição a um stress muito violento e inesperado poderá determinar


uma reacção de stress pós-traumático aguda ou crónica que se deve diferenciar
do processo de luto.

Diagnóstico diferencial entre luto e reacções traumáticas ao stress


Luto Stress pós-traumático
Foco na pessoa perdida e nas Foco na morte e imagens de
Cognição
imagens da pessoa horror
Anseio pela pessoa perdida Desejo de
Ansiedade de separação segurança/protecção
Irritação (externalização) Ansiedade referida à ameaça
Afectos
Tristeza Raiva, irritabilidade e
lembranças da ameaça
Entorpecimento
Inquietação para procurar a Inquietação focada em nova
Inquietação/ pessoa perdida ameaça potencial
”Vigilidade” Resposta a dicas/ Resposta a estímulos com
recordações daquela pessoa reacções de susto

Uma das tarefas importantes das equipas de cuidados paliativos é a de


evitar desenvolvimentos para luto complicado ou (psico)patológico. Através de
um bom controlo sintomático, do envolvimento da família pela equipa
multidisciplinar e do assegurar de condições de comunicação aberta, clara,
honesta e oportuna, poder-se-á evitar o desenvolvimento de muitos lutos
complicados.
Mas outra das funções da equipa de cuidados paliativas é a de, ao
assegurar a monitorização de todo o processo, nomeadamente nas intervenções
de seguimento, detectar, em fases o mais precoces possíveis, situações de luto
complicado ou (psico)patológico e fazer o seu correcto encaminhamento.

2 )

2 .
O risco de vir a desenvolver um luto complicado/prolongado depende do
grau de susceptibilidade que tem o enlutado para superar todo o tipo de
problemas relacionados com as perdas primárias e secundárias. Para além do

 505
diagnóstico precoce de situações de luto complicado ou (psico)patológico com
vista ao desenvolvimento de estratégias de ajuda específicas, será muito
importante prevenir a sua ocorrência pelo que devemos ter presente indicadores
de factores de vulnerabilidade/risco no processo de luto a serem
sistematicamente avaliados pelas equipas de saúde.

Modo de Morte
Morte súbita ou inesperada
Mortes múltiplas (particularmente catastróficas)
Mortes violentas (acidentes, suicídio, homicídio, …)
Morte incerta (não aparecimento do corpo, …)
Morte estigmatizante (SIDA, suicídio,...)
Mortes em que a pessoa se sente responsável
Mortes em que os outros são vistos como responsáveis
Morte privada de direito (que não pode ser conhecida ou expressada)

Pessoais
• Antecedentes Relacionais
psicopatológicos • Relação ambivalente
• Tentativas de suicídio • Relação de dependência
prévias • Vinculação insegura ou
• Perda precoce dos pais dependente dos pais da
• Lutos anteriores não infância
resolvidos • Relação exclusiva
• Juventude do falecido
ou do enlutado (fases de PREDITORES DE
transição) RISCO DE
• Reacções muito COMPLICAÇÕES Recordação dolorosa do
intensas/excessivas de NO PROCESSO processo de cuidados de
amargura e raiva DE RESOLUÇÃO saúde:
• Expressão reduzida de DO LUTO • Falta de controlo dos
sentimentos (ADULTOS) sintomas
• Sentimentos de culpa • Dificuldades diagnósticas
(acontecimentos do Relações disfuncionais com
passado ou abandono os profissionais de saúde
de cuidados) • Percepção de que a morte
• Baixa tolerância ao podia ter sido evitada
stress ou incapacidade • Morte associada a
para enfrentar o stress encarniçamento terapêutico
• Baixa auto-estima

Sociais
• Nível socioeconómico baixo
• Presença de crianças (<14 anos) em casa
• Projectos truncados
• Assuntos pendentes
• Falta de apoio socio-familiar (família ausente ou vista como não
fornecedora de apoio e/ou incapaz de conter e de ajudar, crises
familiares não resolvidas, …)
• Isolamento social
• Incapacidade de realizar rituais religiosos adequados

506
Poderemos, numa outra forma esquematizar, a avaliação dos factores de
risco de luto complicado na área dos cuidados paliativos em seis dimensões
fundamentais:

Luto complicado

Circunstâncias da perda Vulnerabilidade


• Súbita e inesperada • Perturbação psiquiátrica
• Traumática • Personalidade e estilo de
• Estigmatizada coping, LC
• Estilo de vinculação (insegura,
evitante)
• Experiência acumulada de
Características do perdas pessoal
objecto
FACTORES Natureza da relação
• Mãe (jovem)
DE • Excessivamente
• Filho (criança ou
dependente
adolescente) RISCO • Ambivalente
• Irmão na
infância • Exclusivista

Apoio familiar e social Contacto problemático com serviços


• Disfunção familiar de saúde
• Isolamento • Falta de controlo dos sintomas
• Alienação • Dificuldades diagnósticas
• Projectos truncados • Relações disfuncionais com os
profissionais de saúde
• Encarniçamento terapêutico

Em síntese:
Factores de risco de luto complicado (adultos)

Circunstâncias da perda
• Abruptamente dentro do ciclo de vida/”prematuro” (ex. morte de criança)
• Súbita e inesperada “não antecipada”(ex. morte por neutropenia séptica durante
quimioterapia)
• Traumática (ex. caquexia, debilidade, desfiguramento e choque)
• Estigmatizada (ex. SIDA, suicídio, homicídio)
• Prolongada com grande sofrimento (ultrapassando as capacidades de adaptação dos
familiares)

 507
Vulnerabilidade pessoal
• História pessoal e/ou familiar de perturbação psiquiátrica (ex. depressão clínica,
alcoolismo, toxicodependência)
• Personalidade/estilo de coping/Locus Controle (ex. baixa auto-estima, pessimismo, LC
externo)
• Estilo de vinculação (ex. inseguro, evitante)
• Experiência acumulada de perdas “não resolvidas” (ex. infidelidade, divórcio, aborto)
• Má adaptação inicial à perda (ex. sofrimento emocional insuportável, culpa acentuada)
Natureza da relação com o falecido
• Excessivamente dependente (ex. relação de segurança)
• Ambivalente (ex. irritado e inseguro com problemas de alcoolismo, infidelidade, jogo)
• Exclusivista
Apoio familiar e social
• Disfunção familiar (ex. má comunicação e coesão, elevado conflito)
• Isolamento (ex. novos migrantes, recente mudança de residência)
• Alienação (ex. percepção de fraco apoio social, dificuldade de encontro com familiares
e amigos, ausência de pessoas de confiança, pessoas sentidas como antagónicas ou
pouco amistosas)
• Projectos truncados (ex. assuntos pendentes, não possibilidade de realização de rituais
religiosos ou outros)
Insatisfação com os cuidados de saúde
• Falta de controlo dos sintomas/sofrimento intenso antes da morte
• Dificuldades diagnósticas
• Percepção de que a morte poderia ter sido evitada
• Morte associada a encarniçamento terapêutico
• Relações disfuncionais com os profissionais de saúde

Devemos, assim, avaliar sistematicamente os factores de risco e as


situações de vulnerabilidade pessoal prévia ou determinadas pelo modo da
morte ou ainda de falta de apoio social adequado que possam predizer um
processo de luto complicado ou (psico)patológico.
Podem-se também utilizar instrumentos construídos para o efeito de que
são exemplo:
a. Para avaliação da sintomatologia no luto:
− Texas Inventory of Grief – TRIG (Faschingbauer, 1977,81,87);
− Grief Experience Inventory- GEI (Sanders,1991).

508
b. Para diferenciar luto normal e complicado
− Inventory of Complicated Grief – ICG (Prigerson, 1995);
− Inventory of Complicated Grief Revised – ICGR (Prigerson, 2001);
− Questionário sobre o luto (Prigerson, 2004). Validação portuguesa
2010.
c. Para identificar risco de luto complicado
− Bereavement Risk Index – BRI (Parkes and Weiss, 1983) .

2" ) 0 '
Numa perspectiva de apoio à família, um dos pilares da filosofia dos
cuidados paliativos, é muito importante que se ajude a família a compreender a
doença, o seu tratamento, o que irá influenciar decisivamente o seu ajustamento
futuro.
A forma como uma família vive a perda e como cada um dos seus
membros continuam a relacionar-se uns com os outros é um factor crucial para
um a adaptação saudável à perda.
Num luto antecipatório de uma família em relação a um dos seus
membros em período terminal de vida, desenvolve-se habitualmente um
ambiente de conforto mútuo e de estreitamento de intimidade à medida que a
doença avança, em que a família é cada vez mais chamada a participar nos
cuidados pela equipa de saúde. Apesar das pressões do quotidiano e das muitas
dificuldades encontradas a resiliência familiar permite quase sempre reencontrar
momentos de contentamento e felicidade. O envolvimento mútuo nos cuidados
potencia a coesão da família na medida em que os vários membros vão
partilhando, através de uma comunicação fluida e aberta, medos, esperanças,
alegrias, mas também momentos de mal-estar e ansiedade perante o confronto
com as necessidades sempre renovadas do familiar doente.

No entanto, em certas famílias as dificuldades emergem de forma


persistente e vão limitar as capacidades de lidar com a situação. Essas
dificuldades expressam-se sobre várias formas: evitamento protector, negação
de ameaças flagrantes, conspiração de silêncio, agressividade ou até
afastamento do contexto de cuidados. Por vezes o disfuncionamento familiar é
tão grande que faz precipitar os profissionais de saúde nos conflitos familiares.
Daqui decorre a importância de, na prática de cuidados paliativos, se avaliar o
funcionamento das famílias em várias dimensões.

 509
Como vimos, a maior parte das famílias tem uma suficiente resiliência,
não necessita de apoios substantivos para chegar a uma adaptação razoável à
perda, mas outras famílias podem apresentar características preditivas de um
alto risco de morbilidade depois da perda e deverão ser, por isso, alvo
preferencial de intervenções preventivas. Efectivamente, em períodos precoces
de luto, estas famílias descompensam pela deterioração do seu funcionamento
em três dimensões fundamentais: coesão, falha na comunicação e aumento do
conflito.
Resumiremos as principais características destas várias dimensões
consoante uma tipologia de famílias adaptada de Kissane (1996).

510
 511
3 4 .

3 &5 ! 5 $%
Perante estas situações de luto complicado ou (psico)patológico, não se
deve simplificar ou adiar a necessidade de intervenção especializada. Na
realidade ao se normalizarem e validarem incorrectamente (por.ex., o tempo
cura tudo...) reacções à perda (como se deve fazer no luto normal), pode-se
estar a adiar o processo de luto com consequências físicas e psicológicas
negativas.
Deve-se, por isso, resistir a oferecer, nesses casos, soluções simplistas
para problemas complexos. Por exemplo, prescrever unicamente psicotropos
para aliviar sintomas desgastantes (tristeza, insónia, ansiedade) sem investigar
de uma forma global os vários factores (psicológicos, físicos, sociais e
espirituais) associados aquele específico processo de luto. A medicação pode
encobrir ou aliviar temporariamente os sintomas de um luto não resolvido, mas
não consegue aliviar a dor individual da perda. Pode, no entanto, ser utilizada
transitoriamente quando a ansiedade e a depressão (ou outros sintomas) estão a
interferir significativamente com as actividades quotidianas ou com a
capacidade para negociar o processo de luto.
Os resultados de várias revisões sistemáticas (Forte, 2004) indicam que a
maior parte das pessoas em luto não precisam de um acompanhamento
psicológico profissional, que até, segundo nalguns estudos, se veio a revelar
prejudicial. As intervenções em adultos em risco deverão ser dirigidas aos lutos
complicados e são descritas como eficazes pelo menos a curto prazo, quer com
terapêuticas de orientação psicodinâmica quer cognitivo-comportamental. Os
resultados foram melhores quando o próprio enlutado pediu ajuda e a
intervenção terapêutica começou poucos meses após a perda.

3" 6 ! '(
Perante uma perda significativa, o processo de luto é necessário e cumpre
uma função de adaptação, permitindo que o indivíduo restabeleça o equilíbrio
desfeito depois da perda e faz-se por movimentos oscilatórios entre três pólos (3
A’s).

512
Aquisição de significado

Tarefas
do
Luto
(3 A’s)

Aceitação e compreensão da Adaptação criativa à


perda vida

A aceitação e compreensão da perda envolve:


- Aceitação da realidade da perda valorizando-a de forma realista;
- Aceitação do luto como doloroso, sofrendo a dor e o desgosto;
- Reposição emocional do objecto perdido (“esquecendo recordando”)
emancipando-se das ligações com o objecto.

A adaptação criativa à vida implica:


- Viver sem o objecto perdido e enfrentar as dificuldades que aparecem
por causa da perda adaptando-se às mudanças da situação
(“interpretando o comportamento real”);
- Recuperar a liberdade de cultivar novos interesses, possibilitando
novos vínculos satisfatórios.

A aquisição de significado requer ser capaz de redireccionar uma parte da


energia investida no que se perdeu em:
- Desenvolver uma nova identidade;
- Encontrar um novo contexto de significado;
- Adoptar novas formas de estar no mundo.

3* 7# 5 ! '(
O Modelo de Tripla Integração do processo de luto por nós proposto
passa pelo cumprimento três objectivos fundamentais (3 I’s).

 513
Identidade
Redescoberta de sentido

Modelo
de
tripla Integração
(3 I’s)

Interiorização Investimento
Reposicionamento do objecto Redefinição de tarefas

A interiorização reporta-se fundamentalmente a um trabalho de


reposicionamento do objecto com vista à reconfiguração do self interior e pode
passar pelos seguintes aspectos:
- Reconhecimento, compreensão, aceitação e valorização da realidade da
perda;
- Expressão, modelação e contenção do sofrimento;
- Recordações/ruminações/intrusão/vivências/imagens;
- Revivência de vínculos/“reverie” da relação;
- Compreensão, crenças, expectativas e papéis complementares
construídos na relação;
- Desvinculação adaptativa do objecto perdido/transposição da relação;
- Renúncia da antiga relação com o falecido e com o “mundo”/rituais de
transição ou incorporação;
- Perda integrada na memória autobiográfica /”sentimento de presença”;
- Reconfiguração do “self interior”/Eu capacitado (livre e desinibido).

O investimento processa-se através de uma redefinição de tarefas até à


reabilitação do self exterior e pode compreender as seguintes modalidades:
- Distracção controlada;
- Minimização/dissociação/supressão/negação de sentimentos de perda;
- Emancipação da ligação aos objectos/rituais de separação;
- Confrontação com mudanças ambientais e sociais;
- Reestruturação cognitiva/resolução de problemas/programação da vida;

514
- Ressocialização/novos papéis sociais/actividades/disponibilidade para
novas relações;
- Reajustamento ao novo mundo sem esperar pelo antigo;
- Reabilitação do “self exterior”/Eu conectado.

A identidade cumpre-se através de um processo de descoberta de sentido


até à reconstrução de um self transcendental e passa por um processo de:
- Crescimento interior;
- Descoberta de benefícios;
- Mudança de visão do mundo;
- Reconstrução de significado;
- Integração do “legado”;
- Nova identidade;
- Restauração do “self transcendental”/Eu congruente.

32 ! 8 0 ! '(
Com vista às necessidades de trabalho do luto em direcção às três tarefas
e objectivos antes definidos será necessário desenvolver várias abordagens (3
R’s).

Reconectar

Abordagem
3 R’s

Revisitar Reintegrar

Através do revisitar encoraja-se o reencontro com a história da perda


cada vez com maior envolvimento emocional numa narrativa que relembra
realisticamente a pessoa falecida num reviver emocional da relação.

 515
Através do reconectar verificam-se possibilidades de encontrar objectivos
de vida viáveis e o reajustar-se a funcionamentos adaptativos no novo mundo
sem esquecer o antigo, adoptando novas formas de estar no mundo.
O reintegrar implica um processo paulatino de acomodação, integração
de novos significados integradores e desenvolvimento criativo de uma nova
identidade.

Princípios de ajuda a uma pessoa em processo de luto

Revisitar
- Não esperar reacções idênticas de luto em pessoas diferentes.
- Explicar variações na expressão do luto nos diferentes familiares.
- Não comparar tragédias.
- Reconhecer o comportamento "normal" de uma pessoa em luto.
- Facilitar a identificação de sentimentos de irritação, raiva e culpa.
- Validar, "normalizar" as emoções intensas.
- Explicar que se sentirá pior antes de melhorar.
- Identificar a forma como lidou com outras perdas.
- Ajudar a actualizar a perda permitindo a repetição da "história" tantas vezes quanto
necessário.
- Evitar frases triviais como:
- "Todos temos de morrer um dia“;
- "As coisas vão melhorar ";
- “És muito jovem podes refazer a tua vida";
- “São jovens podem ter outro filho“.
- Não temer revelar adequadamente os seus próprios sentimentos.
Reconectar
- Facilitar o funcionamento são.
- Lembrar tarefas de autocuidado.
- Facilitar o estabelecimento de novas relações com outras pessoas.
- Ajudar a explorar o lado positivo de criar novos laços sem se sentir culpado.
Reintegrar
- Ajudar a restaurar a confiança em si: tomando decisões, aprendendo coisas novas,
manejando problemas diários...
- Identificar as modificações no meio e aprender a sobreviver num mundo diferente:
novas rotinas, novos papéis e capacidades.
- Ajudar a lidar e resolver relações alteradas.

516
33 ( 8 ! ( 9 #&6# :
Perante a questão “Quando acaba o luto?” podemos responder de uma
forma muito genérica, quando:
- Passaram as 3 fases
- Se cumpriram as 3 tarefas do luto
- Se realizaram os 3 objectivos
e, portanto, quando através das várias abordagens o EU se capacitou, conectou
ficou congruente.

( 8 !

 517
Neste luto “pacífico”, apesar da integração, não se esquece a pessoa nem
se deixa de sentir a sua falta com tristeza. A perda torna-se integrada na
memória auto-biográfica e os pensamentos e as memórias sobre o falecido não
são preocupantes ou perturbadoras de outras actividades que passam agora a
ocupar progressivamente mais tempo do que as relacionadas com o falecido. A
memória do falecido está acessível e é cada vez mais positiva, a intensidade das
respostas emocionais vai diminuindo assim como a recorrência de pensamentos
com o falecido, apesar de sobrevirem picos de recordações, sobretudo em
períodos sensíveis (aniversários, outras ocasiões especiais).

“Faz dois anos que nos deixaste mas continuas sempre na nossa família. Falamos de
ti quando vamos para lugares de que gostamos. Pensamos em ti quando temos
sucessos. Lembrámo-nos de ti quando tivémos uma multa. Eras e serás sempre uma
pessoa muito especial para todos nós. Fazes-nos falta. É verdade! Sentimo-nos
tristes por não partilharmos contigo muitos assuntos mas temos o gosto de ter feito
coisas importantes. Mesmo sentindo a tua falta continuamos a fazer as coisas com
prazer. Também discutimos e às vezes zangamo-nos mas fazemos as pazes como tu
fazias. A tua presença continua muito próxima …”

Em síntese, pode-se considerar que o processo de luto está pacificamente


concluído quando:
1. O falecido não é esquecido, pode-se pensar nele sem dor intensa e sem
desprazer acentuado e a sua recordação pode ser integrada pacificamente
na vida actual.
2. Aceitação clara, directa e expressa de que o que se perdeu não pode
voltar, nem influir já imperativamente na nossa vida, excepto através da
nossa recordação afectuosa (“princípio do fim”).
3. A dor é substituída pela saudade (“sentimento agridoce”) tranquila do
que se perdeu (“fica qualquer coisa de bom, …”).
4. Predominância de boas recordações, do que se perdeu: “o que nos deu, o
que nos ajudou, o que nos proporcionou, o que nos enriqueceu”…
5. Os sentimentos e afectos são mais determinados pelos acontecimentos
relacionais e mentais da existência actual do que pela perda.
6. Capacidade de voltar a interessarmo-nos e a dedicar emoções à vida e aos
vivos, recompondo os laços com o mundo interno, externo e o cosmos.
No entanto, se se pode considerar que o luto tem ou teve um fim, os
processos de luto não!

518
; 4 )

; ! 5 $%
A intervenção profissional em pessoas enlutadas deverá basear-se em três
níveis:
Aconselhamento

Tipos
de intervenção

Apoio Terapêutica
Prevenção Psicológica - Luto complicado
Psiquiátrica – Luto patológico

1. Apoio – Para a maioria dos enlutados (luto normal) é suficiente o


apoio de familiares e amigos remetendo-se o papel do profissional de
saúde para o disponibilizar informação sobre o processo de luto e
principais recursos disponíveis;
2. Aconselhamento – Alguns enlutados (em risco) necessitam de uma
oportunidade mais formal para reflectirem sobre a sua perda, que pode
ser concretizada junto de voluntários, grupos de auto-ajuda,
orientadores espirituais, mas também profissionais de saúde que
deverão estar muito atentos aos factores de risco e à detecção precoce
de problemas associados ao luto para, se for necessário, referenciarem
para uma intervenção mais especializada;
3. Terapêutica – Uma minoria de enlutados (luto complicado/patológico)
necessita de uma intervenção especializada por equipas pluridisciplinares
de saúde mental ou psicoterapeutas como formação em trabalho de luto.

 519
;" #& ! '( 0 #( ! ! ' 5

;" 0 !

1. Considerar o doente e a família como uma unidade única de cuidados:


- Avaliar e atender as necessidades de suporte dos familiares (emocionais,
informativas, práticas).
2. Permitir discussão aberta sobre a doença e os vários aspectos com ela
relacionados:
- Avaliar as preocupações com a situação do doente e prestação de
cuidados;
- Tranquilizar explicitando as medidas terapêuticas e de cuidados que vão
ser utilizadas;
- Abrir espaço de comunicação aberta permitindo a emergência de todas as
preocupações.
3. Providenciar suporte emocional:
- Permitir a expressão e validação de sentimentos;
- Carta ou telefonema de simpatia e condolências.
4. Facilitar assistência prática:
- Encorajar a respeitar a sua própria saúde (a família negligencia a sua
própria saúde e desenvolve expectativas não razoáveis sobre o que deve
fazer);
- Arranjar serviços alternativos;
- Promover formas de mobilização de outros membros da família (para
aliviar a sobrecarga);
- Apoiar em aspectos financeiros ou legais.
5. Respeitar as práticas (culturais, étnicas e religiosas):
- Facilitar condições para a realização de rituais e outros costumes de lidar
com a morte e de cuidados ao corpo (já que o seu impedimento pode
prolongar ou complicar o processo de luto);
- Respeitar os papéis de cada membro da família no processo de luto;
- Identificar crenças e “preconceitos” na família sobre certos tipos de
morte (suicídio, crianças, “mortes mais esperadas que outras”).

520
;"" # ( !

Este tipo de trabalho requer que as equipas de suporte ou das unidades de


internamento tenham nos seus planos de actividade a programação das acções
para acompanhamento de situações de risco/vulnerabilidade relevantes.
Nas unidades, devem ser consensualizadas políticas, normas e
procedimentos:
- Que garantam que não se morra sozinho – presença de profissional
e/ou família;
- Sobre a remoção de aparelhos, catéteres, dentaduras, pertences, etc;
- Sobre o modo dos profissionais comunicarem com os doentes e
familiares;
- Sobre o acesso fácil e confortável aos serviços.

Tanto nas unidades como nas equipas de suporte devem ser, também,
definidas políticas, normas e procedimentos diferenciados para o
acompanhamento posterior de famílias ou indivíduos em risco de desenvolver
luto complicado e que podem assumir a forma de avaliações subjectivas ou
objectivas de situações de luto (escalas) e definição do tipo de seguimentos:
- Sistemático (todos os enlutados ao fim de 1, 3, 6, 12 meses);
- Pontual através de referenciação médica, de enfermagem ou social e;
- Formas especializadas de encaminhamento individual ou familiar.

;* #& 1 # # 0 < 0 = # '< 0 !


'(
1. Acompanhar, mais que “tratar”.
2. Contenção emocional, mais que intervenção ou intervencionismo.
3. Prudência nas intervenções:
− Psicológicas;
− Biológicas, e só se necessário;
− Propor mudanças microssociais, se os núcleos vivenciais naturais e
a rede social não chegam ou não se orientam adequadamente.
4. Imprescindível uma abordagem clínica: considerar que cada processo
de luto é diferente em cada pessoa e em cada momento da sua
evolução.

 521
;* $% 0 # '

Podemos considerar, neste contexto, a contenção como uma função


psicológica, emocional que proporciona ajuda na elaboração dos conflitos
mentais e com a realidade externa e, ao mesmo tempo, contribui para evitar a
sua cronicização e, por conseguinte, a psicopatologia. A contenção, ao
relacionar certos acontecimentos mentais com outros acontecimentos mentais,
comportamentais ou exteriores (através de empatia, identificações passageiras
com o outro, permitindo pensar e utilizar essas emoções para pensar ajudando-o
a não passar à actuação imediata) possibilita integrações mais vastas dos
acontecimentos do que nos primeiros momentos de impacto da perda.

Identificação transitória Empatia

Suportar o impacto
Contenção Evitar “actuação”
emocional

Pensar emocionalmnete Elaborar integrativamente

Antes de actuar

1. Empatia – Entrar em contacto com as emoções do outro (introjectá-las) e senti-


las dentro de nós (sentir algo de similar, graças à acção da identificação por
projecção);
2. Identificação transitória com o outro;
3. Sem que leve a uma “actuação”/acting, tentando imediatamente “resolver”
essas emoções;
4. Porque podemos suportar o seu impacto, devido à solidariedade/amor que
sentimos pelo outro vulnerável, devido ás nossas características de
personalidade, baseadas sobretudo na “contenção” que nos suportou na infância;
5. Que nos permite pensar e utilizar essas emoções para pensar. É o que nos ajuda
a não actuar se não é imprescindível;
6. ou, se chegamos à conclusão, cognitiva ou intuitiva, de que devemos actuar
(dizer, falar, recomendar) o faremos com uma elaboração ou integração
maior que nos primeiros momentos do impacto emocional.

522
;*" ' $% ! 7(!

Todo este processo passa naturalmente pelo estabelecimento de uma relação de


ajuda cujos princípios fundamentais são:

Consideração positiva Respeito caloroso

Centrada
no doente

Aceitação incondicional

Relação de
ajuda

Mutualidade de ressonâncias

Criação
cooperativa

Autenticidade Intervenção não directiva

- Centrada no doente (na natureza subjectiva das experiências e


vivências da situação).
- Consideração positiva (capacidade de superar perdas, ser criativo em
desenvolvimento, manifestar estima e interesse).
- Aceitação incondicional (dar significados e modos de expressão
pessoal - ser em sofrimento – possibilitar emergência de preocupações
e a validação de sentimentos).
- Intervenção não directiva (não se substituir ao outro, respeito da sua
autonomia, informar para melhor compreender, explicar, reflectir,
gerar alternativas – capacitar para a selecção e desenvolvimento de
estratégias adaptativas).

 523
- Respeito caloroso (afectividade compassiva, envolvimento humano,
carinho, sorriso e toque caloroso).
- Autenticidade (espontaneidade, sinceridade e respeito).
- Mutualidade de ressonâncias (transacção de experiências,
pensamentos – ressaltar a afinidade entre duas pessoas).

;2 ! 8 >( #
Perante uma situação de perda desencadeia-se um processo de luto que
representa um conjunto de mudanças psicológicas e psicossociais, (conjunto de
emoções, representações mentais e comportamentos), através das quais se
elabora internamente a perda.
A alternância de ansiedades, afectos, sentimentos, pensamentos e
comportamentos, às vezes contraditórios, relacionados com o objecto perdido
(marcados por ambivalência, culpa, dependência, …) ao serem contidos iniciam
uma série de processos psicológicos.

;2 ' $% ! '(

Esse trabalho psicológico, que se pode designar por elaboração do luto,


começa com o impacto afectivo, cognitivo e comportamental da perda,
acabando com a aceitação da nova realidade interna e externa do sujeito através
de um processo de reparação/recomposição, que, quando bem sucedido,
acrescenta um salto qualitativo no desenvolvimento pessoal do enlutado, que
constrói assim uma fantasia inconsciente de confiança básica e um sentimento
de orgulho existencial que lhe permitirá suportar adequadamente novos lutos e
investir em novos objectos relacionais.

524
' $% ! '(

 525
;2" ! 8 # >( # #&6#

Em situações de luto complicado ou psicopatológico poderá ser pedida a


colaboração de um profissional especializado existindo várias modalidades
psicoterapêuticas específicas “manualizadas” consoante as indicações que
sintetizamos no quadro.

Modelo da terapia
Autores Indicações
de luto
• Suportiva • Terapia de grupo de apoio • Evitamento de
expressiva expressivo (Spiegel, 1991) expressão emocional
(individual ou • Terapia de grupo psicossocial • Isolamento,
grupal) (Fawzy, 1990) necessidade de apoio
• Trabalho de • Perturbação psiquiátrica
intervenção de (depressão, …)
crise

• Psicodinâmica ou • Psicoterapia psicodinâmica • Problemas relacionais


interpessoal breve (Horowitz, 1984; • Dificuldade de transição
(individual ou de Lieberman, 1992) de papel
grupo) • Psicoterapia interpessoal
(Klerman, 1984)
• Reconstrução de • Psicoterapia de reconstrução • Luto crónico, traumático
significado do significado (Neimeyer,
2007)
• Terapias de grupo centradas
no significado (Breibart, 2004)
• Cognitivo • Terapia psicológica adjuvante • Luto crónico, PTSD
comportamental (Greer, 1997)
(indivíduo ou de • Psicoterapia cognitiva
grupo) comportamental (Kavanagh,
• Terapia do luto 1990; Kleber,1987)
complicado • Tratamento de luto
complicado (Shear, 2005
• Centrada na • Terapia familiar centrada no • Famílias em risco ou
família (grupo luto (Kissane, 2004) disfuncionais
familiar) • Adolescentes e crianças
em risco
• Combinação de • Depressão, ansiedade e
psicotrópicos e perturbações do sono
psicoterapias

526
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O doente em luto interroga-se muitas vezes sobre a capacidade do


cuidador em o ajudar verdadeiramente, formulando questões interiores: “Posso
confiar em ti?”, “Sabes do que estás a falar?”, “Preocupas-te comigo?”. Estas
questões são pertinentes porque não raras vezes se cometem vários
enviesamentos no apoio a estes doentes:
- Presumir similaridades subestimar respostas diferenciadas à perda;
- Ser insensível a respostas e rituais de luto culturalmente específicos;
- Normalizar todas as perturbações de luto e psiquiátricas não
reconhecidas;
- Oferecer intervenções de luto a todos, mais do que respeitar a
resiliência e focar-se naqueles que estão em risco elevado.

É, por isso, muito importante:


- A formação geral e específica dos profissionais de saúde nesta área;
- A introdução de momentos de reflexão ou de partilha de sentimentos
sobre os processos de luto nas equipas que se dedicam a este tipo de
actividades. De salientar que a apresentação dos seus casos de luto e
perda nas sessões clínicas da equipa, pelo menos uma vez por ano,
poderá ser uma política simples de implementar seguindo o princípio
de que: “Uma equipa que não fala nas suas sessões regulares dos
doentes em luto ou terminais é uma equipa terminal”;
- Uma preocupação de selecção criteriosa dos elementos da equipa que
se dedicam a este tipo de tarefas.

Qualidades do profissional para acompanhar lutos


• Capacidade de empatia.
• Capacidade de contenção.
• Atitude e ideologia tolerantes.
• Capacidade de introspecção (insight) sobre as emoções e conflitos pessoais (para
que não os projecte massivamente na pessoa em sofrimento.
• Não sofrer de perturbações psiquiátricas graves, nem de perturbações de
personalidade (não mostrar traços de “cuidador compulsivo” ou tentativas de
suicídio recentes).

 527
• O trabalho profissional no luto não impede de cumprir os seus compromissos
afectivos e familiares (“adictos do trabalho”).
• Necessidades afectivas básicas preenchidas pelas relações com próximos,
familiares ou com a rede social.
• Possuir conhecimento dos processos de luto e das respostas e ritos sociais perante
luto.
• Ter feito uma elaboração suficiente dos seus próprios lutos.
• Suficiente experiência de vida para poder relativizar as suas próprias experiências
e crenças e as do enlutado.
• Fazer, se possível, supervisões ou tutorizações, individuais ou em grupo (de
reflexão – Balint –, de supervisão), para elaborar as dúvidas, conflitos e
ambivalências decorrentes do acompanhamento em que está envolvido.

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Uma nota final vai para a sensibilização dos profissionais de saúde das
unidades e equipas de suporte em cuidados paliativos para os seus próprios
processos de luto perante a perda de doentes e o apoio ao processo de luto das
respectivas famílias.
Este tipo de cuidados, se não forem atendidas algumas condições de
prevenção de burnout, podem conduzir a formas de saturação profissional com
implicações físicas e/ou psicossociais graves, sobretudo porque os profissionais
de saúde:
- Dedicam habitualmente pouco tempo para elaborar as perdas e muitos
lutos não resolvidos podem resultar em burnout;
- Têm tendência a desdramatizar a morte;
- Não utilizam sistematicamente formas individualizadas de se
despedirem dos doentes e das famílias, introduzindo a nível individual
ou da equipa/ unidade rituais de despedida,
- Não estabelecem organizada e atempadamente formas de partilhar
responsabilidades na equipa;
- Não avaliam como influem as perdas pessoais no trabalho e vice-
versa;
- Não se consciencializam dos seus limites;
- Não questionam reflexivamente o seu papel de cuidadores e a suas
contra-atitudes partilhando-as com a equipa.

528
/ C 4

− O trabalho de luto é um processo de adaptação normal e passa por fases


com características bem definidas.
− É importante detectar precocemente sinais de luto complicado.
− É possível identificar factores de risco/vulnerabilidade para uma evolução
patológica do processo de luto.

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1. Um dos seguintes sintomas não é característico de um luto complicado:


a) Períodos de tristeza flutuantes relacionados com acontecimentos quotidianos
que se mantêm por mais de 8 meses após a morte súbita de um cônjuge.
b) Níveis de depressão, irritação e culpa que permanecem inalterados por
meses ou anos depois da perda.
c) Expressões inibidas ou suprimidas de luto.
d) Sintomas físicos incómodos, crónicos e inexplicáveis que surgem depois
da morte de um ser amado.

2. Qual dos seguintes factores tem menor probabilidade de predizer a reacção


da pessoa a uma perda traumática?
a) A natureza da ligação da pessoa ao falecido.
b) Factores de personalidade como tendência para a depressão.
c) Experiências prévias a perdas esperadas e antecipadas.
d) Presença de redes de suporte tais como: família, igreja, grupos sociais.

3. Qual das seguintes intervenções tem menor probabilidade de prevenir um


luto complicado?
a) Normalizar o luto fornecendo informação sobre reacções normais à perda.
b) Prescrever psicofármacos para suprimir os sintomas ansiosos e depressivos
associados ao processo de luto.
c) Enviar a pessoa enlutada a um psicoterapeuta especializado ou a grupos de
auto-ajuda.
d) Ajudar a pessoa enlutada a identificar as perdas e a expressar sentimentos
relativos ao processo de luto.

 529
Soluções: 1.a); 2.c); 3.b)

. )

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