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Linguagens, Educação e Sociedade

Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI


LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE – ISSN -1518-0743, Ano 11, n.15, jul./dez. 2006.
Revista de divulgação científica do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal do Piauí

Editor:
Prof. Dr. José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho
Editora Adjunta:
Profa. Dra. Maria da Glória Soares Barbosa Lima
Capa:
Pollyanna Jericó Pinto Coelho
Diagramação
Dario Mesquita

Instruções para os colaboradores/autores: vide final da revista.

Pede-se permuta / We ask for exchange.

Linguagens, Educação e Sociedade: Revista do Programa de Pós-


Graduação em Educação da UFPI/Universidade Federal do Piauí/
Centro de Ciências da Educação, ano 11, n.15, (2006) – Teresina:
EDUFPI, 2006 – 128p.

Desde 1996
Semestral (jul./dez. 2006)
ISSN 1518-0743
1. Educação – Periódico CDD 370.5
I. Universidade Federal do Piauí CDU 37(05)

Indexada em/ Indexed in:


- IRESIE - (Índice de Revistas en Educación Superior e Investigación
Educativa) - Universidad Nacional Autonoma do México - UNAM.

- BBE - Bibliografia Brasileira de Educação – Brasília - CIBEC/INEP.

- EDUBASE – Faculdade de Educação / UNICAMP - Campinas - SP.


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

Linguagens, Educação e Sociedade


Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI

ISSN 1518-0743
LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE – ISSN -1518-0743 Ano 11, n.15, jul./dez. 2006.
Revista de divulgação científica do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal do Piauí

Missão: Publicar resultados de pesquisas originais e inéditos e revisões bibliográficas na área de


Educação, como forma de contribuir com a divulgação do conhecimento científico e com o
intercâmbio de informações.

Reitor: Prof. Dr. Luiz de Sousa Santos Júnior


Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Profa. Dra. Maria Acelina M. de Carvalho
Centro de Ciências da Educação:
Diretor: Prof. Dr. João Berchmans Carvalho Sobrinho
Vice-Diretor: Prof. Dr. José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho
Programa de Pós-Graduação em Educação
Coordenadora: Profa. Dra. Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina
Editor: Prof. Dr. José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho
Editora Adjunta: Prof. Dra. Maria da Glória Soares Barbosa Lima

COMITÊ EDITORIAL
Prof. Dr. Ademir Damásio – Universidade do Extremo Sul Catarinense
Prof. Dr. Antonio José Gomes - Universidade Federal do Piauí
Prof. Dr. António Gomes Alves Ferreira – Universidade de Coimbra - Portugal
Prof. Dr. Ademir José Rosso – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profa. Dra. Anna Maria Piussi – Università di Verona – Itália
Profa. Dra. Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Universidade Federal do Piauí
Profa. Dra. Diomar das Graças Motta – Universidade Federal do Maranhão
Prof. Dr. Luiz Botelho Albuquerque – Universidade Federal do Ceará
Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura – Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Maria Cecília Cortez Christiano de Souza – F.E – Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Maria do Amparo Borges Ferro – Universidade Federal do Piauí
Profa. Dra. Maria do Carmo Alves do Bomfim – Universidade Federal do Piauí
Profa. Dra. Maria Jurací Maia Cavalcante – Universidade Federal do Ceará
Profa. Dra. Maria Salonilde Ferreira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Profa. Dra. Marília Pinto de Carvalho – Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Mariná Holzmman Ribas – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Dr. Paulo Rômulo de Oliveira Frota – Universidade do Extremo Sul Catarinense

Pareceristas ad hoc (deste número)


Antonia Edna Brito, Ana Valéria Marques Fortes Lustosa, Germaine Elsout Aguiar, Guiomar de Oliveira Passos,
Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina, Josânia de Lima Portela, Marlene Araújo de Carvalho e Maria da Glória
Carvalho Moura.

Endereço para contato


Universidade Federal do Piauí
Centro de Ciências da Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Revista “Linguagens, Educação e Sociedade”
Campus Min. Petrônio Portela – Ininga
64.040-730 Teresina – Piauí Fone(86)3237-1234
e-mail: educmest@ufpi.br Web:<http:www.ufpi.br>
Versão eletrônica:http:www.ufpi.br.mesteduc/Revista.htm
Sumário

Editorial .................................................................................................... 07

Artigos
O Projeto de Qualificação Docente (PQD): uma abordagem para formação do professor
em serviço
Prof. Dr. Miguel André Berger..............................................................................................................09

Opinião de Docentes Acerca da Relação entre Programas Televisivos e Violência


Infantil em Ambientes Educacionais
Cristiany Gomes Andriola e Wagner Bandeira Andriola.................................................................18

A Formaçao do Professor: um fator significativo na compreensão do fracasso escolar


Eliana de Sousa Alencar e Maria Vilani Cosme de Carvalho..........................................................26

Saber & Poder no Ensino da Matemática: o discurso dos professores da baixada


santista
Martha Abrahão Saad Lucchesi e Dráuzio Costa Pires de Campos..............................................37

Uma Leitura Católica do Movimento Escolanovista


Evelyn de Almeida Orlando..................................................................................................................45

O Processo de Reformulação Textual


Maria Vilani Soares..............................................................................................................................57

A Formação Continuada de Professores: modelos clássico e contemporâneo


José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho...................................................................................75

A Dialética da Subjetividade Versus Objetividade Desvelando o Movimento de se


Tornar Professor
Terezinha Gomes da Silva e Maria Vilani Cosme de Carvalho.......................................................93

Antônia Rosa Dias de Freitas: exemplo de uma professora indisciplinada


Maria Alveni Barros Vieira.................................................................................................................105
Resumos
Projeto escola ativa: os desafios de ensinar ciências naturais em classes
multisseriadas da zona rural de Teresina – PI
Marta Maria Azevedo Queiroz...........................................................................................................116

A prática docente na academia de polícia militar do Piauí: uma abordagem à luz do


agir comunicativo
José Adersino Alves de Moura..........................................................................................................117

Trajetórias de vidas profissionais: histórias de professores das séries iniciais do


ensino fundamental
Georgina Quaresma Lustosa ...........................................................................................................118

A construção do processo de torna-se professor: um estudo focalizando o


administrador
Maria Teresa de Jesús Andrade Portela .........................................................................................119

Desvelando a pratica pedagógica de professores de língua portuguesa do CEFET-


PI: análise de dilemas emergentes
Dinalva C. M. Santos.........................................................................................................................220

A prática pedagógica das professoras do curso de enfermagem: revisitando a


construção dos saberes docentes
Maria Zélia de Araújo Madeira .........................................................................................................221

As práticas de formação de professores de 1ª a 4ª serie do ensino fundamental: um


estudo da formação do magistério leigo em Oeiras (PI)-1970 a 2004
Baltazar Campos Cortez ...................................................................................................................222

Instruções para o envio de trabalhos.........................................................................................123

Endereços dos autores dos trabalhos constantes neste número ...................................125

Permuta .............................................................................................................................................126

Assinatura .........................................................................................................................................127
Editorial

É com satisfação e com esperanças renovadas que encerramos o ano de 2006, trazendo
à comunidade acadêmica a Edição nº 15 da Revista “Linguagem, Educação e Sociedade”, do
Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGEd, da Universidade Federal do Piauí.

Esta edição centra-se na temática Formação de Professores e Práticas Pedagógicas,


reiterando o propósito deste periódico de prosseguir com suas publicações temáticas, aspecto
que tem se mostrado positivo e facilitador na organização e definição de cada novo número
publicado.

Nesta direção, o número 15 de nossa revista contém um conjunto de 09 artigos que


versam sobre: Formação Continuada; Saberes Docentes; Movimento de Formar Professores;
e Práticas Pedagógicas, e mais Resumos de Dissertações de autoria de Mestrandos vinculados
ao nosso Programa de Pós-Graduação.

Informamos, por oportuno, que a revista, neste momento, conta com uma Edição
Eletrônica, portanto, um marco da ampliação de nossos serviços prestados à comunidade
acadêmica.

Esperamos que todos possam usufruir este número de nossa revista, visto que
entendemos este gesto como o incentivo maior ao trabalho que vimos desenvolvendo neste
entorno. Apresentamos, pois, aos leitores nossos agradecimentos, estendendo-os, de forma
especial aos colaboradores responsáveis pelos diversos trabalhos que ora apresentamos.

Para todos uma boa leitura

Comitê Editorial

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 14. jan./jun. 2006 7


O PROJETO DE QUALIFICAÇÃO DOCENTE (PQD): UMA
ABORDAGEM PARA FORMAÇÃO DO PROFESSOR EM
SERVIÇO*

Miguel André Berger¹

Resumo Abstract

O presente artigo analisa o Projeto de Qualificação This present article analyses the Teaching Qualificati-
Docente (PQD), um dos projetos desenvolvidos pela on Project (PQD), one of the projects developed by the
Universidade Federal de Sergipe em parceria com a Federal University of Sergipe and the partnership with
Secretaria de Estado de Educação, visando à qualifi- the State Education Secretary, aiming the teaching
cação de professores militantes em escolas públicas qualification in public schools in land of the state. Tho-
no interior do Estado. Os alunos egressos do Projeto se students from the Project mentioned above (version
de Qualificação Docente (versão I e II) foram contata- I and II) were contacted through the application of a
dos através da aplicação de um questionário. As con- questionary. The bibliography by Selma Pimenta and
tribuições teóricas de Selma Pimenta e Maurice Tardif Maurice Tardif conducted our analyses. The ex stu-
embasaram esse estudo. Os egressos amostrados dents shown according to the tables about its project
avaliaram positivamente o projeto por proporcionar for- in order to propose the superior formation through ex-
mação em nível superior, valorizando os saberes ex- periency, knowledge and the reflection moments and
perienciais e os momentos de reflexão e redimensio- new directions of the pedagogical work.
namento do trabalho pedagógico.
Keywords: Teacher formation. Superior teaching. Kno-
Palavras-chave: Formação do professor. Ensino su- wledge.
perior. Construção de saberes.

Introdução terior do Estado. Entre as ações realizadas


destacam-se as resultantes do convênio fir-
O avanço do conhecimento nas diversas mado entre a UFS e a Secretaria Estadual
áreas do saber, a crescente demanda nos de Educação e Cultura (SEED) para capaci-
diversos níveis de ensino vem exigindo quali- tação de 160 docentes em Cursos de Licen-
ficação e capacitação constante dos profis- ciatura Curta nas áreas de Ciências, Comu-
sionais atuantes no campo do magistério a nicação e Expressão e Estudos Sociais, nos
fim de atender essas exigências sociais. anos de 1982 a 1984. Enquanto que, em ou-
A Universidade Federal de Sergipe re- tras unidades da Federação, como Bahia,
sultante da aglutinação das Faculdades de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte,
Filosofia, de Direito e de Medicina surge em verificou-se um processo de interiorização do
1968, sendo que durante esses anos de exis- ensino superior, com a instalação de unida-
tência, poucos cursos foram ofertados no in- des de ensino nas principais regiões, o mes-

* Artigo recebido em: setembro de 2006.


* Aceito em: novembro de 2006.
¹ Doutor em Educação. Docente do Departamento de Educação e Núcleo de Pós-Graduação em Educação da
UFS

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 09 - 17, jul./dez. 2006 9
mo não aconteceu em Sergipe. mes Cardoso Barreto, enviou o ofício n° 633/
A proporção geográfica do Estado e a 91 ao Magnífico Reitor, expondo à UFS, a
pequena distância da capital até os municípi- necessidade de oferta de cursos de licencia-
os que fazem limítrofe com as fronteiras foram tura, como forma de qualificar os professo-
justificativas para explicar a não expansão do res atuantes no interior do Estado, que ape-
ensino superior para o interior. Atrelado a essa nas com o 2° grau estavam atuando nas séri-
situação está o desinteresse dos políticos em es iniciais e finais do 1° grau até no 2° grau.
lutar pela expansão do ensino superior para Essa solicitação foi endossada com ofícios
manter seus privilégios e deter o poder. expedidos pelos prefeitos de Propriá e Car-
A Lei 9394/96, que estabelece as dire- mópolis, narrando a situação educacional e
trizes norteadoras do sistema educacional a necessidade de qualificação do quadro
brasileiro, preocupa-se com as questões da docente.
inclusão, da democratização e melhoria do O Sindicato dos Trabalhadores da Edu-
ensino e a formação continuada do profes- cação do Ensino de 1° e 2° Graus também
sor, além de definir como competência das teve uma participação muito grande em ter-
unidades federadas o ensino médio. mos da aprovação deste projeto. No ofício
A SEED lançou o Projeto SOMEM, em 181/94, de 10 de maio de 1994, dirigido ao
1990, como uma medida paliativa para aten- Magnífico Reitor, a Presidência desse sindi-
der essa clientela. Esse projeto, utilizando-se cato expunha a formação restrita de grande
da metodologia modular, expandiu-se duran- parte dos professores atuantes nas redes
te o período de 1994 a 2000, favorecendo a municipal e estadual a nível de 2° grau e a
continuidade de estudo a nível médio a mui- dificuldade de atenderem as necessidades
tos jovens residentes nos municípios interio- e desafios do processo de alfabetização dos
ranos (SILVA, 2004). diversos segmentos da classe trabalhadora.
Visando a qualificação de profissionais Também ressaltava o desgaste físico, emo-
para favorecer a democratização do ensino cional e financeiro de muitos professores re-
médio e a melhoria do ensino público, surge o sidentes no interior do Estado que se deslo-
Projeto de Qualificação Docente (PQD). Hou- cam diariamente para seu aperfeiçoamento
ve duas etapas desse Projeto PQD I e PQD II, profissional na capital. Diante dessa situação
sendo que as atividades vêm sendo desen- vem sensibilizar os dirigentes da UFS para,
volvidas em cinco pólos regionais instalados em parceria com a SEED, analisar a possi-
nos municípios de Lagarto, Estância, Propriá, bilidade de oferta de cursos visando à for-
Itabaiana e Nossa Senhora da Glória. mação de recursos humanos.
Na primeira etapa (PQD I) foram ofertados As negociações com o Secretário de
os cursos de Licenciatura em Letras/Portugu- Estado da Educação e do Desporto e Lazer
ês, Ciências Biológicas, Matemática e Quími- passaram por um período de paralisação,
ca. O PQD II envolveu a oferta dos cursos de sendo retomadas em abril de 1996. Através
Licenciatura em Pedagogia, História, Geogra- do ofício n° 213/96, endereçado ao Magnífi-
fia, Educação Física e Letras Português-Inglês. co Reitor, o Secretario expõe o déficit de
atendimento em torno de 89% da população
Implantação do Projeto de Qualificação escolarizável em termos do segundo grau e
Docente a pretensão de estender o ensino médio a
todos os municípios do Estado de Sergipe.
Em 30 de outubro de 1991, o Secretário Defende a necessidade de uma parceria tri-
de Estado da Educação e Cultura, João Go- partite com SEED, UFS e Prefeituras dos

10 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


municípios. Resultante destes acordos foi pla- jeto e as sugestões que dá para melhoria do
nejado e implantado o Projeto de Qualifica- Projeto; 3) Identificar as contribuições que o
ção Docente que se norteia pelos seguintes Projeto de Qualificação Docente possibilitou
aspectos: aos profissionais do magistério.

• As aulas são concentradas em dois dias Perfil do Aluno


da semana (sexta-feira e sábado ou
quinta-feira e sábado), a fim de não afas- Esse estudo envolveu 25 alunos egres-
tar o professor da sala de aula, possibili- sos do PQD I e 61 do PQD II, totalizando uma
tando assim sua capacitação. A perma- amostra de 86 alunos. A grande proporção
nência do professor em sala de aula visa de alunos (76%) é casada, sendo que uma
favorecer a articulação entre teoria e prá- minoria (13%) é solteira, havendo uma distri-
tica, bem como constitui uma forma do buição eqüitativa entre os egressos do PQD
Estado não incorrer em maiores gastos, I e II. Trata-se de uma clientela que possui
liberando totalmente o professor de suas larga experiência de vida, concentrando-se
atividades, estando consoante com as nas faixas etárias de 36 a 40 anos e de 41 a
reformas governamentais calcadas no 45 anos, havendo uma predominância do ele-
ideário neoliberal (CASTRO, 2004). mento feminino em relação ao masculino.
• Ênfase no uso de uma metodologia que Em relação à vida profissional, a grande
articule a teoria às experiências profis- proporção atua na rede estadual (47,70%),
sionais do professor, ensejando uma re- ou assume compromissos docentes em mais
flexão e melhoria de sua prática. de uma rede de ensino: estadual e municipal
• Atividades de reforço são dispensadas (20,90%) ou estadual e particular (4,70%).
aos professorandos com desempenho Ao ingressar no Projeto de Qualificação
abaixo da média, a fim de minimizar os Docente, a função desempenhada por gran-
casos de reprovação. Os alunos que são de parte dos professorandos se prendia à
reprovados nas disciplinas são excluídos docência nas quatro séries finais do ensino
do Projeto e têm poucas chances de con- fundamental (67,40%), apesar de 18,60% atu-
tinuar os estudos na UFS. ar como professor polivalente, ou seja, nas
quatro séries iniciais do ensino fundamental.
Dois anos após a conclusão do PQD I e Pequena proporção dos docentes atuava na
II, foi realizado esse estudo de acompanha- educação infantil ou no ensino médio, respec-
mento dos egressos dos cursos desenvolvi- tivamente, 4,70% e 3,5%.
dos no Pólo de Própria, abrangendo uma Esses profissionais provêm de famílias
amostra desses. Esse estudo foi efetivado com baixo grau de escolaridade, devido às
com o intuito de verificar a efetividade do pro- dificuldades que os pais tiveram para dispor
jeto e de colher sugestões dos profissionais de escolas nas imediações de sua casa ou
visando a implementação do projeto na sua terem de trabalhar para ajudar a família.
terceira versão. As ocupações exercidas por grande
Os seguintes objetivos nortearam a re- parte dos pais são aquelas que exigem pou-
alização desse estudo: 1) Verificar o destino ca qualificação, como lavrador, pedreiro, co-
profissional dos egressos do Projeto de Qua- merciante; o elemento materno se ocupa
lificação Profissional a fim de constatar sua mais das ocupações restritas ao ambiente
funcionalidade; 2) Detectar a avaliação que doméstico.
o egresso tem da formação recebida no Pro-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 11


Opiniões sobre o Projeto de Qualificação dos conteúdos com os do ensino fundamen-
Docente tal, seu campo de atuação.
A relação entre os conteúdos discutidos
Os professorandos tiveram informações em sala e a atuação profissional foi outro as-
sobre o Projeto através de diversas fontes, pecto questionado. Essa relação foi alta nos
destacando o papel dos profissionais atuan- diversos cursos do PQD I (76%) e do PQD II
tes nos órgãos centrais (SEED) ou Regionais (78,70%), com exceção dos de Pedagogia e
de Educação (32,60%), em unidades esco- Letras Português/Inglês.
lares (26,70%) bem como através dos meios Os alunos que responderam afirmativa-
de comunicação. Houve uma ampla divulga- mente alegaram como justificativa:
ção do Projeto, em suas duas versões, a fim
de envolver os docentes atuantes nos muni- - Ensino qualitativo e prático, além
cípios interioranos, onde são restritas as do excelente nível dos professores
oportunidades de formação e baixo o percen- que favoreciam nossa aprendizagem
tual de professores com formação superior. e relação com o trabalho. (Letras
Português, PQD I, aluna 8).
O desejo de aperfeiçoamento na área
(46,50%) e a qualidade do curso e da insti-
tuição (22,10%) foram os motivos mais des- - O curso melhorou minha
tacados pelos alunos que procuraram os vá- capacidade de expressão e a
rios cursos ministrados no PQD I e PQD II, compreensão de certos conteúdos
em termos de primeira opção. nos quais tinha dificuldades. (Letras
Português, PQD II, aluna 1).
O desejo de aperfeiçoamento na área
(20,90%), o cumprimento da exigência legal
de ser portador de diploma de curso superi- - Estou aprendendo a desenvolver
or (16,30%) e a melhoria na forma de traba- um ensino, envolvendo mais o aluno,
lho (16,30%) também foram motivos que ti- através do desenvolvimento de
projetos junto à comunidade escolar,
veram maior freqüência em termos da segun-
pesquisas, excursões didáticas.
da opção. Outros motivos foram citados com
(Biologia, PQD I, aluno 5).
menor freqüência, como a obtenção de me-
lhores oportunidades de trabalho ao portador
de diploma de nível de formação superior, - Aprendi novas metodologias para
possibilidade de aumento salarial, oportuni- o ensino de Geografia e conteúdos
mais aprofundados, destacando o
dade de capacitação dada pelo governo e
papel do homem. (Geografia, PQD
possibilidade de articular curso e trabalho. II, aluna 4).
Os egressos também ressaltaram a re-
lação forte entre o curso e a atividade profis-
sional desenvolvida. Essa relação foi mais
Os alunos que se posicionaram na ca-
forte nos cursos de Português (72,70%) e
tegoria "em parte" alegam:
Biologia (71,40%), integrantes do PQD I, e
nos de Geografia (90%), História (76,90%) e
- Dificuldade de aplicar os conteúdos
Educação Física (77,80%), integrantes do
voltados para o ensino médio no
PQD II. Nos outros cursos houve essa rela- ensino fundamental. (Matemática,
ção sendo que os alunos a consideraram "par- PQD I, aluno 5).
cial", alegando não estar atuando na referida
área de conhecimento e/ou a pouca relação

12 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


- Dificuldade de compreensão dos cem a (re) construção por parte do professor
conteúdos devido às carências e do significado atribuído à atividade desenvol-
deficiências no ensino fundamental vida no cotidiano a partir de seus valores, “de
e médio. (Letras Português/Inglês,
seu modo de situar-se no mundo, de sua his-
PQD II, aluno 4).
tória de vida, de seus valores... do sentido que
tem em sua vida o ser professor”.
Outro ponto destacado pelos egressos
A possibilidade de troca dos saberes pro-
relaciona-se às oportunidades que tiveram
venientes da experiência na profissão, dos
para discussão das atividades e dificuldades
saberes construídos para enfrentar os desafi-
enfrentadas no cotidiano da sala de aula du-
os da profissão (TARDIF, 2001) entre os cole-
rante a concretização das disciplinas, tanto
gas foi outro aspecto destacado. Os profes-
no PQD I (68%) como na segunda versão do
sores sentiram-se valorizados, corroborando
projeto (77%).
as colocações de PIMENTA (1995) de que “os
Essas oportunidades foram maiores nos
professores, muitas vezes podem reinventar
cursos de Biologia, Matemática, História, Le-
os saberes pedagógicos a partir de sua práti-
tras/Português, Pedagogia e Letras Portugu-
ca social de ensino”, ou seja, constroem sa-
ês/Inglês, em contraposição aos cursos de
beres durante o fazer pedagógico.
Português, Educação Física e Geografia, na
A abertura para trazer a experiência co-
opinião de uma proporção reduzida de egres-
tidiano dos professores para reflexão e dis-
sos do PQD I e II, respectivamente 28% 19%.
cussão nos cursos de formação é uma estra-
Com base nestas informações verifica-
tégia para minimizar a distância entre o de-
se que os cursos favoreceram a formação e
senvolvimento do currículo formal com conteú-
atuação dos professores em relação ao do-
dos e atividades de estágio distanciados da
mínio aprofundado dos saberes curriculares
realidade das escolas, ensejando “uma pers-
e pedagógicos.
pectiva burocrática e cartorial que não dá
Os egressos também foram questiona-
conta de captar as contradições presentes na
dos sobre os aspectos facilitadores e inter-
prática social de educar, pouco tem contribu-
ferentes em seu desempenho durante o cur-
ído para gestar uma nova identidade do pro-
so. No primeiro caso destacam a oportuni-
fissional docente” (p.16), de acordo com pes-
dade de freqüentar uma universidade públi-
quisas realizadas por Pimenta (1994) e Lei-
ca (31,40%), concentrando as atividades nos
te (1995).
finais de semana, favorecendo assim conci-
Entre os aspectos interferentes no anda-
liar estudo e trabalho (30,20%), o clima de
mento do curso, os egressos ressaltaram a
abertura e bom relacionamento entre os pro-
perda do curso em caso de reprovação
fessores (24,40%) e a aquisição de novas
(40,70%) e a infra-estrutura deficiente do pólo
amizades (23,20%)
(34,90%). Mesmo tendo oportunidade de fa-
Os professores entrevistados voltaram a
zer as atividades compensatórias, previstas na
reafirmar a importância dos momentos de
Resolução no. 32/02/CONSU/UFS, que reza
discussão e troca de experiências onde pu-
que o aluno não obtendo, em cada nota confe-
deram confrontar os saberes pedagógicos e
rida na disciplina, o mínimo de cinco, será sub-
curriculares com os saberes experienciais,
metido a um Programa Especial de Ativida-
tendo mais condições de refletir e analisar sua
des de Reforço de Aprendizagem, tal aspecto
forma de atuação e ressignificar sua prática.
foi muito preocupante para os alunos.
Isto corrobora as colocações de PIMENTA
As condições estruturais e materiais do
(1999, p. 19) de que tais situações favore-
Pólo, instalado na Diretoria Regional de Edu-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 13


cação, também foram alvo de críticas. Além com formação específica na área.
do Pólo não dispor de biblioteca com acervo Alguns egressos também vêm exercen-
variado e laboratórios (os alunos tinham de do a função de coordenador pedagógico
se deslocar para o campus da UFS, em São quer no espaço escolar (10,40%0, quer a ní-
Cristóvão, para cursar disciplinas que reque- vel de Diretoria Regional (2, 10%), ou então,
riam o uso desse ambiente), havia os proble- o cargo de direção em unidades escolares
mas referentes a transporte, o cansaço resul- (4,20%).
tante das atividades semanais e a concen- Outras vantagens também foram desta-
tração das aulas nos finais de semana, as- cadas pelos egressos, advindas da conclu-
pectos identificados por uma minoria de alu- são do curso de licenciatura ofertado pelo
nos (15%). Projeto de Qualificação Docente, como a
aquisição e/ ou ampliação dos saberes cur-
Contribuições do PQD para o professor riculares e específicos da área de conheci-
cursista mento, segundo TARDIF (2002). Esse ganho
foi mais destacado entre os concludentes dos
O egresso do PQD I e II também foi solici- cursos de Biologia, Matemática, Educação
tado a expressar as vantagens e contribuições Física e Letras Português/Inglês.
advindas de sua participação no Projeto. Outra vantagem destacada pelos egres-
Inicialmente foi realizado um contraponto sos dos vários cursos foi à ampliação da ba-
entre as atividades profissionais exercidas ao gagem dos saberes pedagógicos (18,60%),
ingressarem no Projeto e no momento atual quando vivenciaram e assimilaram metodolo-
para constatação da ocorrência ou não de gias inovativas para nortear o trabalho em sua
mudanças na vida do professor. Detendo-se área de atuação. Os egressos destacaram o
no tipo de mudança, pode-se verificar que o conhecimento e a vivência de estratégias que
Projeto de Qualificação Docente vem atingin- estimulavam a participação do aluno, ao in-
do seu objetivo no tocante à formação de pro- vés da simples aula expositiva.
fessores para atuação no ensino médio, pois Além dessas vantagens, uma proporção
60,40 % dos egressos atuantes no ensino de egressos (11,60%) destacou o aumento
fundamental foram designados para aquele em seus rendimentos e a atuação na área e/
nível de ensino. Entre esses egressos, ou matéria de preferência (9,30%).
20,70% estão atuando na área em que foram Os egressos também avaliaram a con-
formados, assumindo atividades nas quatro tribuição do Projeto de Qualificação Docen-
séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª te para sua vida pessoal como profissional.
séries) e nas séries do ensino médio; 24, A grande proporção de egressos avaliou o
10% atuam na área específica de sua forma- curso como "ótimo" tanto em relação à con-
ção no ensino médio. Em contraposição, tribuição para sua elevação pessoal (52,30%)
55,20% dos egressos estão atuando no en- como profissional (55,80%). Entre as justifi-
sino médio, assumindo atividades docentes cativas arroladas em relação ao primeiro as-
tanto na área de formação como em outra. pecto têm-se:
Outra proporção de egressos (20,80%)
declarou obter mudança funcional no mes- - Promove nas pessoas um respeito
mo nível de ensino, passando das séries ini- maior e sente auto-realizada. (Curso
ciais para atuar nas finais do ensino funda- Letras / Inglês, PQD II, aluna 2).
mental, quando o currículo é organizado em
termos de disciplinas, exigindo profissional

14 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


- Favoreceu meu aprendizado das oportunidades advindas quando da con-
através da troca de experiências, clusão do curso, atribuindo nota na escala de
tendo maior desenvoltura, 1 (pouco) a 10 (muito importante) a vários
capacidade de organizar minhas
aspectos listados.
idéias, além de ampliar minhas
amizades. (Curso Letras / Calculando a média dos pontos atribuí-
Português, PQD I, aluna 1). dos pelos egressos nos aspectos em que o
Projeto, na sua versão I e II mais beneficiou
na sua formação foram: o ensejo a uma vi-
Quanto à contribuição para a vida pro-
são crítica e reflexiva da educação e do con-
fissional, os egressos destacaram:
texto social (X = 9,28 e X = 9,07), o aprimora-
mento das capacidades de expressão e or-
- Proporcionou novos conhecimentos ganização das idéias (X = 7,72 e X = 8,42),
e novas oportunidades de trabalho. melhor atuação profissional (X = 9,16 e X =
(Curso de Letras / Português, PQD I,
9,05), o interesse no aprimoramento pessoal
aluna 1).
e profissional (X = 7,12 e X = 9,27) e mais
abertura para o diálogo e compreensão do
- A visão do mundo das letras ser humano (X = 7,50 e X = 9,27).
possibilitou uma atuação mais crítica Através destas colocações pode-se ve-
e despertou o compromisso como rificar que o Projeto de Qualificação Docente
educador de favorecer o ensino
não só ensejou o processo de (re) constru-
público. (Curso de Letras /
Português, PQD I, aluno 5). ção do conhecimento por parte do professor,
mas contemplou várias dimensões no proces-
so de formação. Favoreceu segundo Nasci-
- Domínio maior dos conteúdos mento (1997) a formação de um professor cri-
matemáticos e de metodologias ativo, um professor que sabe fazer ligação en-
diferentes para auxiliar a
tre o mundo exterior e o que se passa no in-
aprendizagem do aluno. (Curso de
Matemática, PQD, aluna 7). terior da sala de aula, para desenvolver o tra-
balho pedagógico de forma mais contextua-
lizada e efetiva. Enfim, formou um profissio-
Proporções semelhantes de egressos nal mais entusiasmado, competente e com-
analisaram a contribuição como "boa" para sua prometido como pessoa e como profissional,
vida pessoal como profissional, alegando: despertando seu interesse na busca do cres-
cimento profissional, já que os conteúdos es-
- Mais competência e segurança em colares estão sujeitos a um ritmo acelerado
resolver problemas pessoais como de transformações diante da produção cien-
em atuar em sala de aula. (Curso de tífica crescente, a contínua inovação tecnoló-
Educação Física, PQD II, aluna 3).
gica e as mudanças sociais e culturais.
Os egressos também salientaram o sur-
- Mudou a minha atitude profissional gimento e o fortalecimento de novas amiza-
e passei a ter uma relação mais des, um aspecto que ficou em uma posição
aberta com os meus colegas de intermediária entre esses dois grupos de as-
trabalho. (Curso de Pedagogia, pectos, favorecendo assim a formação huma-
PQD II, aluna 5).
na do professor. Essa rede de relações com
outros colegas, com outras escolas poderá
O egresso também fez uma avaliação ensejar situações de formação continuada e

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 15


mais condições de articulação na luta por fra-estrutura do Pólo; a oferta de cursos de
melhores condições de trabalho. especialização para aprimoramento do pro-
cesso de formação continuada, e, a oferta de
Sugestões para melhoria do PQD cursos em áreas mais carentes de recursos
humanos (Matemática, Física, Química, In-
Com base em suas vivências no curso e glês, Português).
atuação no mundo do trabalho, os egressos
foram solicitados a expressar sugestões vi- Considerações finais
sando à implementação do Projeto e a atua-
ção da UFS. O Projeto de Qualificação Docente foi
Para melhoria do Projeto de Qualificação muito valorizado pelos professores atuantes
Docente, os egressos sugeriram: a necessi- nas redes estadual e municipal de ensino dos
dade de se repensar a questão da reprova- municípios interioranos do Estado de Sergi-
ção do aluno, garantindo a continuidade do pe por proporcionar oportunidade de forma-
curso na UFS; a ampliação do acervo biblio- ção continuada, ensejando a (re) construção
gráfico de cada Pólo a fim de favorecer as do conhecimento e a ampliação de suas vi-
atividades de pesquisa por parte dos profes- vências através da troca de experiências. Os
sores-alunos; o desenvolvimento de um traba- alunos valorizaram esse esforço da UFS em
lho de acompanhamento e orientação mais ampliar seu campo de ação, utilizando de
sistemático ao professor, por parte da coor- uma metodologia que ensejou momentos de
denação do Pólo, a fim de favorecer a articu- reflexão e valorização do saber docente.
lação teoria x prática e a melhoria do ensino. Os resultados alcançados com essa ex-
Para melhoria do trabalho da UFS suge- periência proporcionaram subsídios valiosos
rem: maior diálogo junto com o Governo do para a UFS desencadear o processo de in-
Estado para melhoria das condições de in- teriorização do ensino superior.

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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 17


OPINIÃO DE DOCENTES ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE
PROGRAMAS TELEVISIVOS E VIOLÊNCIA INFANTIL EM
AMBIENTES EDUCACIONAIS*

Cristiany Gomes Andriola¹


Wagner Bandeira Andriola²

Resumo Abstract

A investigação teve como objetivo central verificar a This investigation had as it central objective the verifi-
opinião de professoras do ensino infantil acerca da in- cation of the opinions of primary school teachers con-
fluência de programas televisivos sobre a violência in- cerning the influence of television programs on youth
fantil no ambiente escolar. Para tal foram entrevista- violence in school environments. Eight teachers from
das oito docentes de uma instituição particular de edu- a privately run college in Fortaleza were interviewed.
cação da cidade de Fortaleza. Os resultados revelam The results showed that there was a convergence of
que os docentes convergem para a aceitação de que opinions among the teachers indicating a relationship
há, de fato, relação entre o fenômeno da violência in- between the phenomenon of youth violence and cer-
fantil como sendo efeito de alguns tipos de programas tain television programs that the youths watched with
televisivos aos quais os infantes são submetidos com some regularity.
maior grau de regularidade.
Keywords: Youth violence. Primary education. Televi-
Palavras-chave: Violência infantil. Educação infantil. sion.
Televisão.

Introdução cionando aos meios de comunicação em


geral, Rodríguez Neira (2000, p. 140-141)
Conforme assevera Verdú (2000), a te- chega a afirmar que:
levisão é, atualmente, mais um dos diversos
meios de comunicação utilizados no mundo. En ningún otro momento de la
Nesse âmbito, não é exagerado afirmar que historia la presencia de estos medios
se trata do mais poderoso meio moderno de había sido tan poderosa y tan
influência sobre as pessoas; trata-se de um omnímoda como en la actualidad.
Disfrutan de un poder de
veículo de expressão da arte, que tem técni-
convocatoria que impregna todos los
ca e linguagem própria, conforme asseveram aspectos de la vida. Llegan a todas
Clemente Díaz e Vidal Vázquez (1996). Men- partes y penetran en todos los

* Artigo recebido em: setembro de 2006.


* Aceito em: novembro de 2006.
¹ Pedagoga (Universidade de Fortaleza); Especialista em Gestão da Qualidade Empresarial (UFC/FIEC);
Coordenadora de Recursos Humanos (PROVIDER).
² Psicólogo (Universidade Federal da Paraíba); Especialista em Psicometria (Universidade de Brasília); Mestre em
Psicologia Social e do Trabalho (Universidade de Brasília); Doutor em Filosofia e Ciências da Educação (Universidad
Complutense de Madrid); Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC); Coordenador de Análise Institucional
e Avaliação (PRPL/UFC); Avaliador Institucional (DEAES/INEP/MEC).

18 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 18-25, jul./dez. 2006
rincones. [...] tienen cada vez más debate a respeito da qualidade das novas
poder de fusión y de provocación. aprendizagens que os programas televisivos
proporcionam às crianças em idade escolar.
Devido a seu baixo custo de aquisição, Os pais de família podem fazer dela um
a televisão como objeto de consumo, é um elemento positivo para a recreação e a edu-
produto que está presente em praticamente cação de seus filhos. Não é certo que os pais
todas as moradias brasileiras. Neste contex- sejam impotentes diante da avalanche dos
to, poderíamos dizer que é um “convidado conteúdos negativos da televisão. Eles pos-
permanente” nas casas. Este acontecimento suem uma capacidade educadora e de mu-
proporciona uma serie de aspectos positivos, dança muito grande. É questão de senso co-
dentre os quais destacamos: mum e de analisar bem o que devem ou não
ver seus filhos. Como nos recorda Yarce
• A democratização do acesso da popula- (1993, p. 7), “saber ver televisão é algo que
ção às noticias; se aprende”. É exatamente neste trabalho de
• A possibilidade de participação de seto- ensinar bem as crianças a verem televisão
res marginalizados da sociedade em al- que estão situados os pais e os professores.
guns programas que lutam por seus di- Nesse ponto, convém aclarar algumas con-
reitos, etc.; cepções acerca da idéia de criança.
• A possibilidade das crianças menos fa-
vorecidas socialmente terem estímulos Concepções de Criança e Infância
que as ajudem no seu desenvolvimento
cognitivo. A criança sempre esteve presente no
mundo, nas diferentes sociedades das mais
Não obstante, também é necessário re- simples às complexas formas de organiza-
conhecer os efeitos negativos da televisão. ção. No entanto, a sua conceituação está ar-
Devemos enfatizar que um dos segmentos ticulada ao contexto histórico vivenciado nas
mais influenciados pelos programas televisi- relações sociais, estabelecidas pela conjun-
vos é o composto pelas crianças em idade tura político-econômica presentes em uma
escolar (PALMER; DORR, 1980). Dado o seu dada sociedade. As concepções e papéis
nível de desenvolvimento cognitivo e, sobre- atribuídos à criança ao longo da história da
tudo, moral, as crianças formam uma popula- humanidade diferenciam-se, pois a criança
ção facilmente influenciável pelos conteúdos inicialmente era considerada um ser imper-
dos programas televisivos. Por exemplo, é ceptível, quase invisível, um adulto em minia-
cada vez mais freqüentes a apresentação de tura. Kramer (1995, p. 19) ao discutir a exis-
programas com cenas de sexo em horários tência da concepção de infância, afirma que:
inadequados; a divulgação de cenas de vio-
lência em programas e filmes “familiares” etc. A idéia de infância não existiu sempre
(DÍAZ-AGUADO; MARTÍNEZ ARIAS; MARTÍN e da mesma maneira. Ao contrário,
SEOANE, 2004). ela apareceu com a sociedade
Os referidos programas proporcionam, capitalista, urbano industrial. Na
em um grau maior ou menor, novas aprendi- medida em que mudam a inserção
e o papel social da criança na
zagens. O problema está no fato de que as
comunidade. Se na sociedade
novas aprendizagens podem ter a caracte- feudal, a criança exercia um papel
rística de serem aceitáveis ou inaceitáveis no produtivo direto (de adulto) assim que
contexto social. Assim, estamos entrando num ultrapassava o período de alta

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 19


mortalidade, na sociedade burguesa num contexto histórico que, às vezes, é injus-
ela passa a ser alguém que precisa to e excludente, contraditoriamente negando
ser cuidada, escolarizada e a cidadania não só das crianças, mas da
preparada para uma atuação futura.
população de modo geral. Não obstante, ha-
Este conceito de infância é
determinado historicamente pela veremos de compreender as etapas presen-
modificação nas formas de tes no desenvolvimento da criança.
organização da sociedade.
Desenvolvimento Psicológico da Criança
Atualmente, a criança é apresentada
como o sujeito de direitos, um cidadão a par- Trabalhos de psicólogos, psicopedago-
tir de uma concepção construída através de gos, sociólogos, médicos e pediatras, enfa-
muito estudo e discussões fomentadas pelo tizam que uma criança “não é um adulto a
posicionamento político de garantia dos di- escala reduzida, caracterizado por seu esta-
reitos da criança. Essa demanda social é do incompleto e sua imperfeição”. A criança
impulsionada também pela luta do movimen- é um organismo em desenvolvimento, relati-
to de mulheres por creches, pelo interesse de vamente completo e perfeito: um organismo
especialistas em ressignificar o atendimento em desenvolvimento que forma, em cada ida-
à criança, oferecendo embasamento teórico de, um todo. Para esclarecer o exposto trata-
consistente para a construção de uma políti- remos cada aspecto por separado.
ca pública que, na prática, garanta a efetiva-
ção dos direitos da criança. • Físico: é um corpo em desenvolvimento
Ao serem questionadas as concep- rápido, com todas as repercussões que
ções de criança, existentes em diferentes isto trará consigo, pois sabemos como
épocas, paralelamente se questionam tam- a dimensão fisiológica influi na intelectu-
bém vários aspectos, como exemplo: o al, na afetiva e na comportamental. Por
atendimento à criança, as instituições que outro lado, desenvolvimento rápido sig-
oferecem atendimento, o desenvolvimento nifica fragilidade (por tanto, precauções
infantil e como este se constrói, conside- constantes). Desenvolvimento é também
rando as diversas abordagens dos diferen- ritmo de crescimento, etapas, crises, re-
tes ramos sociais nos quais se destacam gressões que há de se conhecer e res-
a educação, a saúde, a justiça e a assis- peitar, para não exigirem-se esforços
tência. As concepções de infância vêm sen- muito intensos em certas épocas.
do construídas em meio às contradições • Afetivo: a motivação é o estado normal
existentes na sociedade, caracterizando-se do bebê, dominado por sua afetividade,
como uma produção histórico-social, ultra- suas emoções e mais tarde por seus
passando interpretações meramente gene- sentimentos. O desenvolvimento afetivo
ralistas e limitadas por etapas definidas, a tem também suas leis: de um estado
partir de períodos cronológicos. emocional inicial, a criança passaria ao
A ressignificação da infância se deve ao estado das emoções diferenciadas, e
fato de buscar-se um novo olhar sobre a cri- das tendências afetivas muito primitivas
ança que, mesmo sendo um sujeito de pou- passaria a sentimentos mais intelectua-
ca idade, mas de direitos, possui especifici- lizados e mais ricos diante da grande in-
dades que lhes são peculiares, que as distin- fluência da maduração biológica, da ex-
guem dos adultos e que na plenitude da ri- periência que permite a adaptação a si-
queza de suas potencialidades está inserida tuações, e da imitação dos comporta-

20 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


mentos emocionais dos adultos. Segun-
do a psicanálise, por outra parte, o de- La televisión reemplaza el esfuerzo
senvolvimento afetivo obedece ao prin- que tienen que realizar los padres
cipio do prazer e segue diversas etapas para soportar la carga familiar. Pero
bem definidas. en el fondo todos los padres se
sienten culpables porque con la
• Intelectual: o conhecimento das modifi-
televisión están fomentando la falta
cações das estruturas psíquicas neces- de contacto directo entre los
sita de profundo estudo psicológico. Sem miembros de la familia.
embargo, há que se levar em conta que
estas modificações engendram tipos de Há que se enfatizar que os benefícios da
comportamento que mudam à medida televisão, em termos de informação, entrete-
que a criança cresce. nimento e cultura, são efetivos se os pais sou-
berem canalizá-los, escolhendo os programas
Chegado a esse ponto faz-se mister ten- e fixando horários, que podem fazer contan-
tar relacionar como programas televisivos do com as iniciativas e aportes de seus fi-
podem gerar novos padrões de comporta- lhos, de acordo com suas idades (ANDRIO-
mentos nos infantes em idade escolar. LA; ANDRIOLA, 2003). Para Yarce (1993), o
problema não está nos programas emitidos,
Televisão e Aquisição de Novos mas sim na falta de critério ao selecionar a
Comportamentos oferta televisiva.
Não existe uma visão única acerca da
Poderíamos dizer que, igual aos produ- influência da televisão sobre os comporta-
tos farmacêuticos, a televisão tem sua própria mentos dos espectadores. Por exemplo, Yar-
composição, seus ingredientes, suas indica- ce (1993) destaca que a televisão reflete o
ções e contra-indicações, seus efeitos secun- que é a sociedade e a sociedade reflete o
dários e a possibilidade de “intoxicação” que ela é. Já Quintana Cabanas (2000) opi-
(GARCÍA SILBERMAN; RAMOS LIRA, 1998). na que a televisão, mais que uma causa das
Há de se evitar que os hábitos da família se atitudes e dos valores dos espectadores, é
submetam à ditadura da televisão. Isto se con- um produto dos mesmos.
segue sempre que os pais ensinam a seus fi- Sem embargo, na vida real se põem em
lhos, com seu próprio exemplo e com o devi- prática coisas aprendidas na televisão, tais
do diálogo, como usar a televisão positivamen- como, o uso de armas, comportamentos
te, evitando seus efeitos negativos. agressivos, delitos sexuais, etc., e levam-se
Com os adolescentes, jovens e, sobre- à tela histórias ou acontecimentos violentos
tudo, crianças, o exemplo vale muito. Aos pe- que ocorrem na realidade. Observamos, en-
quenos e grandes, devemos de inculcar que tão, que a televisão responde a uns padrões
há outras atividades distantes da televisão, básicos ou idéias mães, aceitas pelo públi-
que são atrativas e fáceis de empreender co, que se podem aplicar a quase todos os
(PALMER; DORR, 1980). Por exemplo, às gêneros de programas (DÍAZ-AGUADO;
vezes, na hora das refeições pode haver uma MARTÍNEZ ARIAS, 2001). Yarce (1993) des-
comunicação familiar. Não se podem substi- taca três classes de idéias mães muito dife-
tuir esses momentos pela televisão, pois as- rentes nos seus conteúdos mas que, igual-
sim acabar-se-ia anulando o diálogo. mente, têm efetiva influencia sobre os com-
De acordo com Vallejo Nágera (1987, portamentos dos jovens:
p. 19):

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 21


• O amor: e com ele a sensualidade, o ero-
tismo, o sexo, a pornografia e todas as Amostra
manifestações ou conseqüências do
amor. Produz nas pessoas sentimenta- A amostra foi composta por oito profes-
lismo, romantismo, fidelidade e infideli- sores de uma escola particular da Cidade de
dade, triângulos amorosos, traições, etc. Fortaleza, todos do gênero feminino, com ida-
O tipo de programa que encarna melhor de média de 37 anos e com tempo de atua-
este tipo de padrão é o melodrama, te- ção no âmbito da educação infantil variando
lenovela; de dois a nove anos, em turmas que tinham
• A violência: em todas as suas formas (as- em média 21 alunos.
sassinatos, seqüestros, atos terroristas,
massacres, torturas, droga, violações, Resultados
raptos, abusos e crianças e adolescen-
tes, violência psicológica ou moral, etc.), Como enfatizado, a indagação inicial
tanto em programas de ação e aventura, abordou a possível relação entre programas
policial ou de terror, infantis e juvenis, dá- televisivos e o fenômeno da violência infantil.
se esta constante; Nesse sentido, todos os oito professores ex-
• O “mais além”: tudo o que tem que ver pressaram a crença de que, efetivamente, tal
com o sobrenatural, religião, magia, mi- associação existe, isto é: a televisão fomenta
tologia, feitiçaria, adivinhação, ciência- a violência infantil. Perguntados acerca da su-
ficção do “mais além”, personagens com posta diferença entre meninos e meninas, no
poderes sobrenaturais, etc. que diz respeito aos modos ou as maneiras
de expressão dos comportamentos agressi-
Estas idéias matrizes são apresentadas vos, houve unanimidade nas respostas: todos
na televisão através de diversas formas e pro- concordam em que há diferença entre os gê-
gramas, proporcionando às crianças pa- neros. Para explicar tal diferença as professo-
drões de comportamento que são facilmente ras destacaram os seguintes fatores:
internalizados, aprendidos e explicitados.
Decorre, então, perguntamo-nos: estarão as • Determinantes culturais, que acentuam
crianças em idade pré-escolar emitindo com- e as diferenças entre os gêneros atra-
portamentos agressivos resultantes dos seus vés do condicionamento e do reforço dos
hábitos televisivos? papéis de homens e mulheres na socie-
dade moderna (ressaltado por 62,5%
Método das entrevistadas);
• Determinantes biológicos, responsáveis
Tratou-se de estudo ex-post facto, do pelas peculiaridades e pelas distinções
tipo pesquisa de campo, já que os dados fo- biológicas, físicas e fisiológicas entre os
ram coletados in situ, isto é, no ambiente na- gêneros (destacado por 12,5% dos res-
tural (a escola) no qual os professores exer- pondentes);
cem sua profissão. O procedimento para a • Junção dos determinantes biológicos e
coleta de dados deu-se através da aplicação culturais, que foram, ambos, enumerados
individualizada de um questionário contendo por 25% das professoras.
sete perguntas fechadas que abordavam a
influência da televisão sobre os comporta- Sondadas acerca da emissão de com-
mentos de aprendizes da educação infantil. portamentos que refletem imitações de pro-

22 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


tagonistas de filmes e/ou desenhos anima- televisivos através de:
dos, 87,5% atestaram que, efetivamente, os
observam no seu dia-a-dia escolar. Destaca- • Determinação de horários, anunciada
ram os seguintes comportamentos como sen- por 41,6% das professoras;
do as mais características imitações: • Monitoramento da natureza ou tipo de
programa, enfatizado por 41,6% das res-
• Simulação de lutas e uso de armas, que pondentes;
foi enumerado por 63,6% das entrevis- • Estimulação de atividades alternativas à
tadas; televisão, enumerada por 16,8% das
• Discussões em pequenos grupos cujos partícipes.
membros encarnam personagens infan-
tis, anunciada por 27,3% das professo- Há unanimidade quanto ao papel dos pro-
ras; fessores na educação dos alunos e no incen-
• Simulação de imunidade ao perigo, en- tivo à não-agressão. Para tanto haverá que:
fatizada por 9,1% das respondentes.
• Buscar o diálogo constante com os alu-
As professoras destacaram que os apren- nos, enumerada por 42,6% dos docen-
dizes costumam brincar na escola com jogos e tes;
brinquedos trazidos da própria residência, sen- • Incentivar o respeito aos outros, citada
do os mais frequentemente usados: por 23,1% dos entrevistados;
• Refletir acerca das regras estabelecidas
• Bonecos de super-heróis (enumerado na escola e na sala de aula, enfatizada
por 45,5% das partícipes); por 30,7% dos partícipes.
• Jogos de regras (enfatizado por 36,4%
das respondentes); Conclusões
• Bolas de futebol (conforme destacaram
18,1% das professoras). As informações brindadas pelas oito
docentes da instituição educacional investi-
Para 75% das professoras, os desenhos gada permitem-nos constatar o que se segue:
e redações refletem os efeitos da violência
infantil. Destacaram que os comportamentos • Existem, de fato, comportamentos agres-
refletidos nos desenhos e nas redações são: sivos ou violentos, típicos dos meninos;
• Alguns programas televisivos contribuem
• Lutas, anunciada por 50% das professo- para o incremento desses comportamen-
ras; tos que se verificam no âmbito escolar;
• Histórias de terror, enumeradas por 25% • Os pais podem e devem contribuir para
das respondentes; diminuir tais comportamentos através (i)
• Assaltos, enfatizados por 12,5% das par- do controle dos programas televisivos
tícipes; inadequados aos infantes, (ii) do diálo-
• Morte, anunciada por 12,5% das profes- go constante com os filhos, (iii) da refle-
soras. xão coletiva, resultante do diálogo e, por
fim, (iv) do bom exemplo;
Afortunadamente, as professoras são • Os docentes também podem e devem
unânimes em afirmar que os pais podem con- ensinar valores humanos aos seus
trolar o livre acesso dos filhos aos programas aprendizes, de acordo com códigos de

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 23


ética e de moral preconizados pelas so- mas a afligir educadores e gestores educa-
ciedades modernas (solidariedade, jus- cionais. Sabemos que a solução não é fácil,
tiça, respeito às minorias, liberdade, res- tampouco simplória. A sociedade moderna
ponsabilidade, etc.); demanda das instituições escolares uma
• A escola também exerce papel funda- formação que ajude aos seus aprendizes
mental nesse contexto. Poderá contribuir desenvolverem-se plenamente, como pesso-
para a diminuição do fenômeno da vio- as humanas, como cidadãos e como futuros
lência infantil através do oferecimento de profissionais, tomando como referência va-
cursos de formação do seu professora- lores como os destacados anteriormente.
do e da organização de currículos que Para tal, as famílias e os pais devem pro-
trabalhem alguns dos valores humanos porcionar orientações, conversas, reflexões
acima mencionados. e bons exemplos, de modo sistemático e
constante. Sendo assim, há um antigo adá-
Para finalizar, devemos destacar que, gio latino que pode ser bem aplicado nesse
atualmente, a violência infantil no contexto âmbito: basis virtutum constantia (a cons-
educacional é um dos mais graves proble- tância é a base das virtudes).

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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 25


A FORMAÇAO DO PROFESSOR: UM FATOR
SIGNIFICATIVO NA COMPREENSÃO DO FRACASSO
ESCOLAR

Eliana de Sousa Alencar¹


Maria Vilani Cosme de Carvalho²

Resumo Abstract

O presente artigo tem como objetivo analisar qual tem


sido o papel dos cursos de formação de professores The present article has as goal analysing what has
na construção e desconstrução do fracasso escolar. been the role of teacher’s formation cousers for the
Para procedermos a essa análise nos fundamentamos construction and disconstruction of school failure. In
nos trabalhos de alguns teóricos como Charlot (2000), order to proceed into this analysis, we based our work
Oliveira (2001), Tardif (2002), Pimenta (2002), Scheibe on some theoreticians’ productions like Charlot (2000),
(2002), Souza (2002), Moreira (2003), Guimarães Oliveira (2001), Tardif (2002), Pimenta (2002), Sheibe
(2004), Candau (2004), Marchesi e Gil (2004), Bossa (20002), Sousa (2002), Moreira (2003), Guimarães
(2004), Pimenta (2005), dentre outros e produzimos o (2004), Candau ( 2004), Marchese e Gil (2004), Bossa
texto em três partes. Na primeira, situamos a discus- (2004), Pimenta (2005) among olthers and produced a
são em torno da questão do fracasso escolar, tendo text divided into three parts. In the first one, we located
como referência estudos recentes que mostram a si- the discussion around the question of school failure
tuação de fracasso dos alunos como uma construção having as reference rencet studies that show the stu-
social. Na segunda parte, discutimos os modelos de dents’ failure situation as a social construction. In the
formação inicial e continuada de professores, com base second part, we discussed the models of teacher initi-
nas idéias dos teóricos que tratam desse tema para al and continued formation, based on theoretician’s
mostrar que esses modelos podem mediar ou não a ideas that deal with this theme, to show that these
(des)construção do fracasso escolar. Na última parte models can or can’t mediate the disconstruction of
do texto, tecemos algumas considerações sobre a pro- school failure. In the last part of the text, we made
blemática e apontamos sugestões que podem levar a some consideations about the problematic and appo-
formação docente a tornar-se um dos caminhos pos- inted some suggestions that can help the teacher’s
síveis no enfrentamento da situação de fracasso que formation to become one of the ways for facing failure
muitos alunos se encontram hoje. situations in which many students are nowadays.

Palavras-Chave: Fracasso escolar. Práticas pedagó- Keywords: School failure. Pedagogical practices.
gicas. Formação de professores. Teacher’s formation.

Introdução dessas explicações encontravam e encon-


tram, até hoje, fundamentação na teoria das
Ao longo dos anos, temos visto diferen- diferenças individuais, que atribuía as causas
tes explicações ou justificativas surgirem para do fracasso escolar aos fatores estritamente
o fracasso dos alunos na escola. Algumas ligados aos alunos, como suas

* Artigo recebido em: outubro de 2006.


* Aceito em dezembro de 2006.
¹ Mestranda em Educação (UFPI)
² Doutora em Educação (PUC – SP). Professora do Curso de Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí (UFPI).

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(in)capacidades, suas (des)motivações ou que o conduzirão por toda vida e serão de-
sua herança genética. Outras explicações, terminantes de sucesso ou de fracasso. Con-
pelo contrário, encontravam suas justificativas trárias a estas duas concepções, surgem as
na teoria das desigualdades sociais, que, por concepções interacionistas, defendendo que
sua vez, atribuía as causas do fracasso es- os processos de desenvolvimento e aprendi-
colar aos fatores de ordem externa ao aluno zagem são construídos na interação do indi-
como as suas condições sócio-econômicas víduo com o meio social, com os outros e con-
e culturais (PATTO,1999). sigo mesmo.
Essas teorias foram bastante difundidas Diante destas considerações introdutó-
nos anos 60 e 70 e ainda hoje estão presen- rias, colocamos em evidência que nos dete-
tes em muitas pesquisas educacionais, ser- remos, tão somente, na análise da concep-
vindo sobretudo para continuar atribuindo aos ção sócio-interacionista porque acreditamos
alunos a responsabilidade pelos resultados que seus pressupostos dão contribuições
de sua aprendizagem e de sua não aprendi- significativas para a formação do professor,
zagem e, ao mesmo tempo, isentando a es- no que se refere à compreensão dos proces-
cola e, conseqüentemente, os professores da sos de ensino e aprendizagem, à medida que
responsabilidade na construção do fracasso considera o indivíduo um ser social e históri-
escolar. co e que sua aprendizagem ocorre mediada
Entretanto, quando entendemos que a pelas relações que estabelece com os outros,
aprendizagem é um processo social os su- consigo mesmo e com o meio social. Desse
jeitos envolvidos diretamente nesse contex- modo, os alunos deixam de ser vistos de for-
to, sobretudo professores e alunos, passam ma isolada e as relações interativas com os
a ter parcelas de responsabilidades uns com professores passam a ser peça chave no
os outros. Essa compreensão se configura desenrolar dos processos de ensino e apren-
mediante pesquisas como as de Patto (1999), dizagem. Além disso, o modo como o pro-
Charlot (2000) e Bossa (2004), que apontam fessor concebe o aluno (seu desenvolvimen-
para uma nova concepção acerca do fracas- to e aprendizagem), bem como os métodos
so escolar. Segundo esses pesquisadores, de ensino e as atividades de avaliação se-
o fracasso escolar é uma construção social e rão fundamentais na consolidação dessas
precisa ser investigado como tal e não como relações e na concretização de um processo
um problema relacionado ora às condições educativo eficaz.
individuais do aluno, ora às suas condições A conseqüência disso é que se o pro-
socioeconômicas e culturais. fessor é o elemento chave na consolidação
Convém notar que as diferentes teorias do processo educativo, então sua formação
que explicam a forma como a criança apren- profissional é um fator que precisa ser leva-
de e se desenvolve apóiam-se em diferentes do em conta quando se pretende analisar a
concepções de desenvolvimento humano e problemática do fracasso escolar.
de aprendizagem, que, por sua vez, funda- Diante de tal constatação, algumas ques-
mentam a formação do professor e, logo, a tões carecem, senão de respostas, pelo me-
sua prática pedagógica. Enquanto a concep- nos de reflexões que levem a uma compre-
ção empirista considera o meio como fator ensão da problemática em foco. Com esse
determinante na formação da inteligência do propósito, buscaremos analisar: qual tem sido
indivíduo e, logo, no seu desenvolvimento e o papel dos cursos de formação de profes-
aprendizagem, a inatista acredita que o indi- sores mediante o fenômeno do fracasso es-
víduo ao nascer já vem dotado de aptidões colar ? Que tipo de formação habilitaria os

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professores a desenvolverem práticas que volvimento a criança aprende por uma neces-
viabilizem a superação do fracasso escolar? sidade interna, movida pelo desejo de saciar
Na busca de respostas a estas ques- alguma de suas necessidades ou pelo pra-
tões, desenvolvemos uma pesquisa biblio- zer de explorar o mundo que a cerca. Com o
gráfica, tendo como fundamento os trabalhos início da escolaridade, esta realidade muda,
de Charlot (2000), Oliveira (2001), Tardif além dos fatores internos, fatores externos
(2002), Pimenta (2002), Scheibe (2002), também passam a determinar o processo de
Souza (2002), Moreira (2003), Guimarães aprendizagem da criança. Sobre isso Ferrei-
(2004), Candau (2004), Marchesi e Gil ra (1996, p.17) nos explica que:
(2004), Bossa (2004), Pimenta (2005), den-
tre outros e como forma de divulgá-la, mes- A criança ao passar ao papel de aluno
mo que parcialmente, dada que se encontra é confrontada com o currículo formal,
em processo, produzimos o presente artigo, com objetivos de aprendizagem
o qual, estruturalmente, divide-se em três prévios, independentes do seu desejo
de descoberta ou curiosidade de
partes. Na primeira, situamos a discussão
saber ou da sua história de vida.
em torno da questão do fracasso escolar, Desta forma, a relação de
tendo como referência estudos recentes que aprendizagem deixa de ter um caráter
mostram a situação de fracasso dos alunos afetivo e familiar, para se tornar, numa
como uma construção social. Na segunda relação mais racional, mais
parte, discutimos os modelos de formação distanciada e, obviamente, menos
inicial e continuada de professores com individualizada.
base nas idéias dos teóricos que tratam des-
se tema, para mostrar que esses modelos Podemos com isso afirmar que no co-
podem mediar ou não a (des)construção do meço da vida escolar, a criança passa por
fracasso escolar. Na última parte, tecemos situações de aprendizagem diferentes da-
algumas considerações finais sobre a pro- quelas que estava acostumada. O que antes
blemática, apontando sugestões que podem era visto como um processo natural, agora é
contribuir com a formação docente, enquanto caracterizado por exigências de um sistema
um dos caminhos possíveis no enfrentamen- de ensino que possui suas próprias regras e
to da situação de fracasso que muitos alu- normas. Principia, então, o processo de edu-
nos se encontram hoje. Essa reflexão se jus- cação formal, marcado pela entrada da cri-
tifica porque acreditamos que o professor ança na escola e pelas relações que serão
tem um papel de mediador no processo de estabelecidas ao longo do seu desenvolvi-
constituição da cidadania do aluno e, tam- mento cognitivo, social, afetivo e do seu
bém, da superação do fracasso escolar. aprendizado.
Para tanto, é imprescindível fortalecer as ati- A psicologia sócio-histórica de Vygotsky,
vidades de produção de saberes e de inici- ao fundamentar a concepção sócio-interaci-
ativas que melhorem a formação, as condi- onista do desenvolvimento e aprendizagem,
ções de trabalho e, por conseguinte, a pró- defende a idéia de interação entre o sujeito e
pria prática pedagógica do professor. a realidade social, histórica e cultural e vê a
aquisição do conhecimento como um proces-
Entendendo o fracasso escolar como so construído pelo indivíduo nessa relação
uma construção social que acontece durante toda a sua vida. Esta
concepção contraria as explicações empiris-
Na gênese do seu processo de desen- tas que consideram o meio como determinan-

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te na formação da inteligência do indivíduo, aponta Patto (1999, p. 21):
assim como as explicações inatistas que con-
sideram o indivíduo desde o seu nascimen- É ainda nas séries iniciais que o
to, dotado de aptidões que o conduzirão por tráfego escolar fica congestionado,
toda a vida e que, certamente, determinarão um grande contingente de crianças
seus fracassos e seus sucessos. em idade escolar no país atualmente
fora da escola, aí não está não
Com base nessa concepção, partimos
somente porque nunca chegou a ter
da idéia de que toda criança é capaz de acesso aos bancos escolares,
aprender e que o seu desenvolvimento soci- senão porque deles foi eliminado
al, afetivo e cognitivo ocorrerá em face da prematuramente.
qualidade das interações que esta venha a
estabelecer na escola. A criança chega à es- Segundo essa autora, a prova disso está
cola muito curiosa, com um enorme desejo no fato de que a grande maioria das crian-
de conhecer as coisas para poder compre- ças fracassa logo no início da sua escolari-
endê-las significativamente, o que converge zação, pois, quando não são eliminadas pre-
para o pensamento de Matuí (1995, p. 25) cocemente, são promovidas, por meio do sis-
entender que "um dos prazeres mais naturais tema de ciclos e sem desenvolver as habili-
e espontâneos para o ser humano é o de dar dades necessárias às series seguintes, situ-
significado às coisas e ao universo. O homem ação que contribui para o mascaramento da
faz isso desde que nasce até a sua morte". reprovação escolar.
No entanto, muitas vezes ao se deparar Durante muito tempo, especificamente
com a realidade da sala de aula, a criança entre as décadas de 60 e 70, o fracasso es-
acaba se sentindo deslocada e às vezes até colar era analisado ora em termos de diferen-
discriminada, pois apresenta um conjunto de ças individuais dos alunos, ora em termos de
características próprias do seu grupo social posições sociais (CHARLOT, 2000). Essas
(linguagem, valores, hábitos) que normalmen- idéias têm sido difundidas amplamente para
te não são aceitos e nem valorizados pela es- afirmar que a causa do fracasso escolar ou
cola. Esse choque cultural provoca no aluno está na origem social do aluno ou nas suas
desmotivação e desinteresse levando ao sur- diferenças individuais, e, portanto, não cabe à
gimento de resistências que podem culminar escola nenhuma responsabilidade com rela-
no abandono da escola. Isso mostra que quan- ção a esse problema. Recentemente, pesqui-
do os processos de ensino e aprendizagem sas desenvolvidas em torno dessa problemá-
não se mostram satisfatórios, a escola deixa tica, como as de Patto (1999), Mantovanini
de ser o ambiente mais adequado para a (1999), Charlot (2000), Mazzotti (2003) e Bos-
aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. sa (2004), têm nos mostrado que questões
Esses obstáculos se materializam em um mau relacionadas aos fatores socioeconômicos e
desempenho do aluno, que, segundo Abramo- culturais e às diferenças individuais por si só
vay (2003, p. 453), “podem ter como conseqü- não definem a situação de não-aprendizagem
ência a reprovação, a repetência e em casos dos alunos. Essas pesquisas demonstram,
extremos, o abandono da escola”. sobretudo, que o fracasso escolar é muito mais
Nas pesquisas em educação, estes pro- uma construção social que envolve necessari-
blemas são tratados sob a designação geral amente as relações sociais mantidas no inte-
de “fracasso escolar” e se configuram, nota- rior da escola e que, portanto, estas relações
damente, nas escolas públicas de Ensino precisam ser investigadas.
Fundamental e nas séries iniciais, como Atualmente, as pesquisas que explicam

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o fracasso escolar vêm ganhando destaque aluno, uma vez que os conteúdos estudados
por meio dos estudos de Bernard Charlot. na escola não têm nenhuma relação com
Tais estudos criticam, notadamente, as teo- suas experiências de vida. Outro fator consi-
rias de reprodução e da privação sociocul- derado importante e que precisa ser obser-
tural. Segundo Charlot (2000), para se com- vado são as práticas repressoras e autoritá-
preender o problema do fracasso escolar é rias. Essas práticas ao serem aplicadas im-
preciso observar questões relacionadas às pedem o aluno de refletir acerca das normas
mediações entre a origem social e as traje- e das regras essenciais a uma vida em soci-
tórias escolares, questões relativas ao sen- edade, além de não contribuir para uma for-
tido de ir à escola e aprender para o aluno, mação da consciência moral na criança, ins-
bem como as condições de apropriação taura o medo e a ansiedade, tolhendo a ca-
deste saber. Para esse autor, não existe fra- pacidade de expressão, de diálogo e de po-
casso escolar, o que existe são crianças em sicionamento crítico do aluno.
situação de fracasso, portanto, uma investi- Como fator importante no processo de
gação acerca das inter-relações que se es- aprendizagem do aluno podemos ressaltar
tabelecem na escola facilitaria a apreensão também os métodos de ensino. Grande par-
dos motivos que levariam os alunos a situa- te dos métodos que são utilizados em nos-
ções de fracasso escolar. Em outros termos, sas escolas baseia-se na concepção tradici-
isso significa conhecer os fenômenos decor- onal de ensino, que tem como foco principal
rentes de um conjunto de contradições que do processo educativo o ensino e não a for-
envolvem pais, alunos e professores num ma como o aluno constrói o conhecimento
contexto de relações interpessoais. (BECKER, 2003). As atividades pedagógi-
Charlot (2000) parte da idéia de que o cas geralmente valorizam a memorização e
sentido de ir à escola e de aprender, para o não a análise crítica e a reflexão de como se
aluno, é construído mediante uma cultura e um chega a determinados resultados durante a
conjunto de valores e de representações no aprendizagem. Nessa concepção não há lu-
seio das interações sociais. Por esse moti- gar para trocas, a aprendizagem é conduzi-
vo, a escola precisa promover uma educa- da pelo professor e o aluno passivamente
ção que leve os sujeitos a se relacionarem responde aos estímulos. Segundo Becker
significativamente com o saber, além de cri- (2003, p.71), "a aprendizagem escolar foi
ar condições para o exercício permanente de transformada em um grande processo de trei-
trocas entre eles, os outros e o meio. Isso sig- namento pelo qual o aluno é pressionado
nifica que todos os conteúdos trabalhados (disciplina) continuamente a resolver proble-
pela escola, assim como todas as situações mas que não são seus e a executar ações
em que o aluno for levado a interagir com o que não lhe dizem respeito".
saber deverão ser consideradas de funda- Este autor considera que, dessa forma,
mental importância, pois podem ser determi- a escola produz uma aprendizagem alienan-
nantes tanto do sucesso como do fracasso te e ineficaz, contribuindo para a manutenção
desses alunos. de inúmeros problemas relacionados ao de-
Diante disso, é importante destacarmos senvolvimento do aluno na escola, levando-o
a importância que alguns fatores têm no pro- muitas vezes ao inevitável fracasso. Isso nos
cesso de aprendizagem do aluno. Dentre induz a perceber que é preciso que a escola
esses fatores podemos ressaltar a falta de seja remontada a favor do aluno e não contra
significado dos conteúdos escolares que ge- ele. Sobre essa questão Bossa (2004, p. 19)
ralmente leva à desmotivação por parte do explica que:

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No Brasil, a escola torna-se cada vez trado que a formação do professor, tanto a
mais o palco de fracassos e de inicial como a continuada, da forma como
formação precária, impedindo os vem sendo desenvolvida, não prepara os pro-
jovens de se apossarem da herança
fessores para atuarem de forma consciente
cultural, dos conhecimentos
acumulados pela humanidade e, diante das complexas situações da escola e,
consequentemente, de notadamente, da sala de aula. Um exemplo
compreenderem melhor o mundo bastante ilustrativo dessa realidade pode ser
que o rodeia [...]. encontrado na pesquisa realizada por Sousa
(2000) sobre a interação professor-aluno e o
Diante dessa realidade, entendemos que fracasso escolar, na qual pôde constatar que
a escola precisa modificar consistentemente grande parte dos problemas enfrentados pe-
o seu panorama educacional tanto no que diz los professores em sala de aula está relacio-
respeito às condições de funcionamento nada à visão que estes têm dos alunos, pois
como, e sobretudo, com relação ao que se constroem, nos cursos de formação, uma vi-
refere ao professor, e aqui nos remetemos a são “ideal” de aluno bem distante da visão
outro fator que consideramos bastante signi- “real” e acabam por não saber como lidar com
ficativo na construção do fracasso escolar: a as situações para as quais não se sentem
formação do professor. preparados, dentre elas o fracasso escolar.
Marchesi e Perez (2004) compreendem Moreira (2003), ao analisar a formação
que a formação do professor precisaria es- inicial do professor, entende que essa é uma
tar em consonância com a realidade que per- “questão muito complexa”, porque considera
meia a sala de aula, não podendo continuar que certas instituições não estão preparan-
centrada apenas no domínio dos conteúdos do o futuro professor para trabalhar nas es-
científicos e específicos da matéria, mas so- colas. Na concepção desse autor, há uma
bretudo, que seja assentada em saberes que desarticulação entre formação inicial e a na-
levem os professores ao enfrentamento da tureza das atividades que o professor, como
prática pedagógica com todos os problemas profissional de educação, desempenha nas
que contingenciam o cotidiano escolar. escolas. O que acontece na realidade é que
Pensamos que a construção desses sa- a formação inicial, que deveria preparar o fu-
beres dificilmente poderá ser efetivada longe turo professor para lidar com situações que
da prática pedagógica, apenas por meio de comumente são vivenciadas na escola e na
referenciais teóricos e de estágios que nor- sala de aula, na verdade, não cumpre esse
malmente são realizados no final dos cursos papel e, conseqüentemente, não prepara es-
de formação inicial, sem articular teoria e prá- ses futuros profissionais como deveria. Esse
tica. Para uma melhor compreensão acerca distanciamento entre a formação inicial e a
dos modelos de formação inicial e continuada realidade profissional vai acarretar ao profes-
de professores, faremos uma breve análise sor inúmeras conseqüências ao seu trabalho,
com base nas idéias de alguns teóricos que pois de acordo com Pimenta (2005, p. 08):
têm se dedicado ao estudo dessa temática.
Para além da finalidade de conferir
A formação de professores mediando a uma habilitação legal ao exercício
(des)construção do fracasso escolar profissional da docência, do curso de
formação inicial se espera que forme
o professor. Ou que colabore para
Pesquisas recentes como as de Pimen-
sua formação. Melhor seria dizer que
ta (2005) e Guimarães (2004) têm demons-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 31


colabore para o exercício da sua da, ou durante essas aulas, eles vão estagiar
atividade docente, uma vez que para aplicarem esse conhecimento.
professorar não é uma atividade Na perspectiva de Tardif (2003), esse
burocrática para a qual se adquire
modelo aplicacionista de formação de profes-
conhecimentos e habilidades
técnico-mecânicas [...]. sores, que separa pesquisa, formação e prá-
tica apresenta uma série de problemas que
vão afetar substancialmente a prática docen-
Para essa autora, formar o professor e
te. O primeiro problema está relacionado à
colaborar para o exercício da sua atividade
forma como o professor lida com o conheci-
docente é o mínimo que se espera dos cur-
mento disciplinar, que passa a ser visto e en-
sos de formação inicial, no entanto, o que
tendido pelo professor como um conhecimen-
acontece na prática é uma formação descon-
to compartimentalizado, especializado e sem
textualizada, com conteúdos e atividades dis-
nenhuma relação ente si. Nesse modelo de
tanciados da realidade das escolas, que não
formação, o professor não consegue articular,
dão conta de captar as contradições presen-
conhecer e fazer, pois ambos são processos
tes no dia-a-dia dos alunos. O mais grave,
vistos de forma dissociados. O segundo pro-
ainda, é constatar a presença de estereóti-
blema está no fato de que esse modelo de for-
pos e preconceitos que permeiam a literatu-
mação ignora as crenças e as representações
ra sobre o fracasso escolar. Geralmente es-
anteriores a respeito do ensino que os alunos
ses estereótipos são relacionados às crian-
trazem para as salas de aulas. Suas experi-
ças pobres e são transferidos aos professo-
ências de vida não são levadas em conta e,
res nos cursos de formação, servindo para
por conseqüência, a formação para o magis-
alimentar a idéia de que estes nada podem
tério que recebem tem um impacto pequeno
fazer para mudar a situação de fracasso des-
sobre o que pensam e sentem antes de co-
sas crianças, visto que esses alunos já nas-
meçar a atuarem na prática.
ceram marcados socialmente pelo estigma
Em relação à formação continuada, o
da diferença (MAZZOTTI, 2003).
que Scheibe (2002) nos faz observar é que
Analisando pesquisas recentes sobre
os gestores das políticas educacionais con-
formação de professores, Guimarães (2004)
tinuam concebendo-a como os tradicionais
pôde constatar que os requisitos profissionais
cursos sazonais de atualização, capacita-
que constituem o ser professor hoje devem
ção, treinamento, aperfeiçoamento e recicla-
ser buscados na prática profissional, desen-
gem em todos os níveis de ensino. No geral,
volvida nas escolas, estabelecendo-se rela-
esses cursos são assentados nos princípi-
ções entre os conhecimentos e desafios ai
os do modelo da racionalidade técnica, que
surgidos e a formação. Ou seja, a prática pro-
se caracteriza pela supervalorização do co-
fissional determina os contornos da profissi-
nhecimento acadêmico distanciado da prá-
onalização a ser buscada nos cursos de for-
tica escolar cotidiana, pela reprodução de
mação inicial e continuada e estes contribu-
teorias no processo ensino-aprendizagem,
em para a formação de novas práticas.
sendo a prática concebida como algo que
Conforme explica Tardif (2003), os cursos
deriva do conhecimento científico.
de formação inicial para o magistério são ge-
Nessa perspectiva de formação consi-
ralmente idealizados segundo um modelo apli-
derada clássica, o conhecimento privilegia-
cacionista do conhecimento em que os alunos
do é o produzido por universidades e pelas
passam certo número de anos a assistir as
instituições ligadas a elas. O conhecimento
aulas baseadas em disciplinas e constituídas
que provém da prática pedagógica, constru-
de conhecimentos proposicionais. Em segui-

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ído de forma crítica e reflexiva, no cotidiano de reflexão sobre a reflexão-na-ação,
de sala de aula, na vivência com os alunos e ou a análise realizada pelo profissional
no contato com as contingências do trabalho sobre as características e os
processos de sua própria ação,
docente, não é valorizado (CANDAU, 2003).
depois de realizada. O profissional,
Foi por meio desses modelos de forma- sem os condicionantes da situação
ção inicial e continuada que vimos surgir, no prática, pode analisar, individual ou
cenário das pesquisas educacionais, novas coletivamente, o diagnóstico que fez
alternativas de formação que possibilitem aos e o procedimento que adotou perante
professores o enfrentamento da prática do- determinada situação, avaliando-os e
cente e das situações- problemas que se ori- transformando-os.
ginam dela. Schön (1983) ao analisar a práti-
ca de profissionais e fundamentando-se nas Mesmo reconhecendo as contribuições
idéias de filósofos como Dewey e outros, pro- que o modelo proposto por Schön trouxe ao
põe uma formação profissional baseada na campo da formação de professores, especi-
epistemologia da prática, que, segundo Pi- almente por formar o professor tendo como
menta (2002, p. 19), significa “a valorização fundamento a prática pedagógica e o enfren-
da prática profissional como momento de tamento dos problemas que vão surgindo nas
construção de conhecimento, através da re- salas de aula, Pimenta (2002) aponta seus
flexão, análise e problematização desta, e o desdobramentos na área de formação de pro-
reconhecimento tácito, presente nas soluções fessores e as principais críticas por meio de
que os profissionais encontram em ato”. diferentes perspectivas teóricas. Dentre essas
Conforme as idéias de Schön (apud PI- críticas, chama atenção para o individualismo
MENTA, 2002), a prática profissional se tor- nas reflexões, a excessiva ênfase nas práti-
na fonte de conhecimento e a construção des- cas e, logo, uma desvalorização da teoria, à
se conhecimento se dá em três momentos inviabilidade da investigação nos espaços
interdependentes: o conhecimento na ação, escolares, bem como à restrita investigação
a reflexão na ação e a reflexão sobre a refle- neste contexto, além de considerar que esse
xão na ação. Oliveira (2001, p. 37) esclarece modelo vem sendo disseminado sem as re-
o que significa cada uma dessas etapas flexões necessárias acerca de sua aplicação
quando afirma: no contexto da realidade brasileira.
Mediante essas críticas, Pimenta
O conhecimento na ação é o saber (2002), fundamentando-se em Nóvoa (1992)
fazer, um tipo de conhecimento e Giroux (1994), propõe como possibilida-
presente em qualquer ação inteligente, des de superação desses limites que se
fruto da vivência anterior, que pode se avance da perspectiva do "professor refle-
consolidar em esquemas semi- xivo" ao "intelectual crítico reflexivo" em pro-
automáticos ou em rotinas. Apresenta- cesso contínuo de formação. De acordo com
se por meio de ações espontâneos e
Pimenta (2005, p. 30):
não necessariamente exige um
pensamento sistematizado sobre a
ação. Existe um outro tipo de [...] trata-se de pensar a formação
conhecimento, a reflexão-na-ação, em do professor como um projeto único,
que se integram esquemas teóricos englobando a inicial e a contínua.
e convicções implícitas do profissional. Nesse sentido, a formação envolve
É aquele momento em que pensamos um duplo processo: o de
sobre o que dizemos enquanto autoformação dos professores, a
fazemos. Um terceiro momento é o partir da re-elaboração constante dos

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 33


saberes que realizam em sua Considerações Finais
prática, confrontando suas
experiências nos contextos Ao escolhermos como ponto de ancora-
escolares; e o de formação nas
gem a idéia de que a educação é um pro-
instituições escolares onde atuam.
Por isso é importante produzir a cesso social, professores e alunos são vis-
escola como espaço de trabalho e tos como sujeitos essenciais nesse proces-
formação, no que implica gestão so. Entendemos, assim, que a forma como
democrática e práticas curriculares ambos se relacionam tem um forte peso so-
participativas, proporcionando à bre os resultados do processo educativo.
constituição de redes de formação Constatamos, pois, que os professores
contínua, cujo primeiro nível é a
necessitam de uma formação profissional
formação inicial.
adequada às reais necessidades que se fa-
zem presentes no cotidiano da escola. As
Fundamentados nas idéias dessa auto-
reformas têm de contar com a formação ini-
ra, entendemos que é nesse confronto entre
cial e contínua de professores articuladas aos
o que se aprende na teoria com o que se vi-
contextos escolares, ao dia-a-dia da sala de
vencia e se verifica na prática que o profes-
aula. Há a necessidade de garantir, que nes-
sor constrói os conhecimentos necessários
ses cursos de formação, os professores se-
à sua formação profissional. É por meio de
jam preparados para enfrentar com inteligên-
um exercício contínuo de reflexões na prática
cia e criatividade os problemas relacionados
e sobre a prática, que os professores terão
ao ensino e à aprendizagem, uma vez que
uma formação que venha a servir verdadei-
estes problemas se fazem presentes na es-
ramente de mediação para a superação dos
cola, sob a designação mais freqüente de fra-
inúmeros problemas da educação escolar,
casso escolar.
dentre eles, o fracasso dos alunos em suas
Sabemos que o fato de termos nas sa-
aprendizagens.
las de aulas grupos de alunos cada vez mais
Acreditamos, portanto, que a formação
heterogêneos, pode tornar muito mais difícil
do professor, tanto a inicial como a continu-
a tarefa de ensinar. Para evitar esse fenôme-
ada, vista como elemento mediador de des-
no o professor precisa se esforçar bastante
construção do fracasso escolar precisa
para conseguir desenvolver bem o seu tra-
acontecer articulada aos espaços escolares
balho. Por isso, é fundamental fortalecer sua
próximos aos alunos e, conseqüentemente,
atividade e impulsionar iniciativas que visem
à realidade educacional. Dessa forma, lon-
à melhoria de sua formação inicial e continu-
ge de ser um fator que venha a contribuir com
ada, de suas condições de trabalho e, con-
o fenômeno do fracasso escolar dos alunos,
seqüentemente, de seu desenvolvimento pro-
como é visto hoje, a formação de professo-
fissional.
res, poderá vir a ser a peça chave na luta
Desse modo, a sala de aula, longe de
por uma educação mais democrática, em
ser um espaço apenas de transmissão de
que todos os alunos, independente de sua
conteúdos, configura-se como um espaço de
origem sociocultural e econômica e das suas
construção de valores, de idéias, de afetivi-
características e capacidades individuais,
dade e, logo, de subjetividades. Verificamos
tenham o mesmo direito de aprender e se
que é no momento da formação profissional
desenvolver na escola, livres do estigma do
que o professor precisa ser despertado para
fracasso.
essa realidade e dessa forma tomar consci-
ência de que o seu papel é muito mais im-

34 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


portante do que muitas vezes imagina diante ções pedagógicas e pessoais que são tra-
da condução do processo educativo. vadas na sala de aula são marcadas pelo
Pensamos que uma formação profissi- conflito e pelo autoritarismo. Verificamos tam-
onal condizente com a realidade escolar bém que falta ao professor uma formação
seria aquela que levasse o professor a ter profissional que o capacite para atuar numa
amplo domínio das diferentes formas de escola real, com alunos reais e não idealiza-
gestão da sala de aula, bem como de estra- dos, com alunos que carecem de muitas coi-
tégias de ensino que levem os alunos a par- sas, dentre elas respeito, confiança e credi-
ticiparem mais ativamente das aulas e da bilidade.
construção do conhecimento, possibilitando Finalizamos reinterando que a formação
assim a consolidação de suas aprendiza- do professor constitui-se como uma catego-
gens. Para que isso ocorra, necessário se ria fundamental de mediação tanto na cons-
faz que os professores conheçam melhor trução como na desconstrução do fracasso
seus alunos, com seus respectivos interes- escolar. Entretanto, para que assim possa se
ses e motivações e passem a compreender constituir, faz-se necessário que essa forma-
o processo educacional como algo que en- ção esteja articulada ao contexto dos espa-
volve tanto os alunos como os próprios pro- ços escolares, à produção de saberes liga-
fessores, cada um com suas expectativas e dos ao cotidiano da sala de aula com alunos
emoções. reais e não idealizados. A formação profissi-
Não é mais possível compreender o fra- onal do professor precisa levá-lo a adquirir
casso escolar como um fenômeno isolado, condições de estruturar práticas pedagógi-
que afeta muitos dos nossos alunos na esco- cas, para que de posse delas, desempenhe
la porque estes não possuem habilidades uma ação docente que vise à participação e
para "acompanhar" o ensino proposto pela ao envolvimento dos alunos no processo de
escola. Verificamos que, na verdade, a es- construção do conhecimento, contribuindo
cola não oferece a muito de seus alunos con- dessa forma para o fim da exclusão dos alu-
dições de aproveitamento do seu capital cul- nos no processo de aprendizagem e, conse-
tural, porque esta não possui condições ma- qüentemente, com a superação do fracasso
teriais de funcionamento ou porque as rela- escolar.

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36 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


SABER & PODER NO ENSINO DA MATEMÁTICA: O
DISCURSO DOS PROFESSORES DA BAIXADA SANTISTA*

Martha Abrahão Saad Lucchesi¹


Dráuzio Costa Pires de Campos²

Resumo Abstract

Neste trabalho os autores utilizam a Análise do Dis- In this work the authors use the Analysis of the Spee-
curso para, a partir do registro da fala dos professo- ch for, from the register of speaks of the professors, to
res, identificar os aspectos ideológicos que perpas- identify the ideological aspects that going through the
sam a prática do ensino de matemática, e, em segui- practical one of the mathematics education, and, after
da, analisar esses aspectos à luz dos estudos de Frei- that, to analyze these aspects to the light of the studi-
re, Morin, e outros teóricos da educação. Utiliza-se es of Freire, Morin, and other theoreticians of the edu-
ainda, o conceito de signo de Ferdinand de Saussure cation. It is still used, the concept of sign of Ferdinand
para analisar a questão da significação Verificou-se de Saussure to analyze the question of the meaning.It
que a carreira do professor de matemática tanto pode was verified that the career of the professor of mathe-
partir do desejo de envolver-se com a educação como matical in such a way can leave of the desire to beco-
da atividade com a área de conhecimento específica. me involved itself with the education as of the activity
Igualmente, pode resultar de uma escolha pessoal with the specific area of knowledge. Equally, it can
como de uma série de circunstâncias que ofereceram result of a personal choice as of a series of circums-
a oportunidade dessa opção. Em ambos os casos, tances that had offered the chance of this option. In
para os entrevistados, essa carreira foi assumida como both the cases, for the interviewed ones, this career
principal atividade profissional e caminho paras a rea- was assumed as main professional activity and way
lização pessoal. you stop the personal accomplishment.

Palavras-chave: Formação do professor. Ensino/ Keywords: Professor learning. Teaching/learning. Re-


aprendizagem. Relações de saber/poder. lations of knowledge/power.

...o poder produz; ele produz disciplina. Para tal, partiu-se


realidade; produz campos de
objetos e rituais da verdade.
de uma longa e persistente
(Michel Foucault) observação do ambiente de sala de
aula, da sala dos professores, do
Introdução pátio, da entrada e saída da escola,
da cerimônia de formatura.
(CAMPOS, 2004, p. 6).
O objeto de estudo desta pesquisa é o
ensino de Matemática como questão de uso
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que
do poder por parte dos professores dessa

* Artigo recebido em: novembro de 2006.


* Aceito em: dezembro de 2006.
¹ Professora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica de Santos. Doutora em Educação.
² Diretor do Centro de Ciências Humanas da Universidade Católica de Santos. Mestre em Educação.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 37-44, jul./dez. 2006 37
utiliza parte dos dados coletados, fazendo um rização do conhecimento de ciências exatas
recorte nos textos registrados nas entrevistas. deu ao ensino de matemática um maior po-
Os dados foram colhidos mediante en- der decisório sobre a vida escolar do aluno
trevista estruturada com cinco professores de do que o atribuído às demais disciplinas. Sem
Matemática e analisados segundo a técnica questionar a importância do conhecimento de
da Análise do Discurso para, a partir do re- matemática, o que se busca neste trabalho é
gistro da fala desses professores, identificar pesquisar novas propostas de ensino que
os aspectos ideológicos que perpassam a superem a relação autoritária e o estudo ba-
prática do ensino de matemática, e, em se- seado na simples memorização, que vêm se
guida, analisar esses aspectos à luz dos es- mostrando pouco eficientes como método de
tudos de alguns teóricos da educação. ensino de matemática.

A análise do discurso não estaciona Metodologia


na interpretação, trabalha seus limites,
seus mecanismos, como parte dos A metodologia empregada foi a dialética
processos de significação. Também crítica, que tem sido nossa opção ao longo da
não procura um sentido verdadeiro
carreira acadêmica. Para o tratamento dos
através de uma “chave” de
interpretação. Não há esta chave, há dados, empregamos a análise do discurso e
método, há construção de um a análise de textos, visando a compreender
dispositivo teórico. Não há uma os aspectos ideológicos, sociais e subjetivos
verdade oculta atrás do texto. Há dos sujeitos pesquisados (cinco professores
gestos de interpretação que o de Matemática da Baixada Santista).
constituem e que o analista, com seu Lucchesi, constata que existem diversas
dispositivo, deve ser capaz de
formas de análise do discurso. Segundo Ma-
compreender. (ORLANDI, 2001, p. 27)
chado (1998, p.39), na análise do discurso,
atualmente, existem diversas correntes que
Do ponto de vista teórico, fundamenta-
“se entrecruzam”. Quando analisamos um dis-
mos nossa análise em dois aspectos princi-
curso, levamos em conta tanto os aspectos
pais: a visão de Paulo Freire sobre a neces-
de construção do mesmo, os aspectos lingüís-
sidade de integrar a realidade do aluno no
ticos e estruturais da fala ou da escrita como,
ensino e as idéias de Morin sobre a urgência
igualmente, analisamos os aspectos sociais,
em superar a segmentação do conhecimen-
e, de certo modo, o psicossocial, ou seja,
to que resulta da divisão do ensino em disci-
aqueles elementos em que o subjetivo passa
plinas estanques. Utilizamos ainda o concei-
pelo caminho do social. Nesse sentido, cabe
to de signo de Ferdinand de Saussure para
lembrar que a construção dos significados é
analisar a questão da significação (ou, mais
sempre social, mas o indivíduo deles se apos-
freqüentemente, da ausência de significado)
sa e os utiliza, a partir de sua própria percep-
da Matemática para aluno, como conseqüên-
ção da realidade, tanto externa como inter-
cia de um ensino focado exclusivamente na
namente.(2005, p.3)
teoria, que ensina “como fazer”, mas não se
A construção do conhecimento passa pelo
preocupa em demonstrar “em que” utilizar
discurso. Por um lado, pelo discurso externo,
esse conhecimento. Desse modo, o ensino
da sociedade como um todo ou de grupos
de Matemática resulta fragmentado, desvin-
específicos dos quais o sujeito faça parte. Por
culado da vida real do aluno e sem significa-
outro, do discurso interno que é a própria cons-
do para este. Em contrapartida, a supervalo-
trução do pensamento. No caso dos sujeitos

38 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


estudados, os discursos externos foram: como O professor de Matemática em si,é
ponto de partida, ou tese, o discurso já esta- vista [sic] com uma pessoa seca,
belecido na formação do educador acerca de uma pessoa racional, uma pessoa
sem uma parte... emocional, que
sua função de transmissor do conhecimento;
eles lidam mais, vamos dizer, com
em segundo, foi a pesquisa de campo, como outros tipos de professores, de
elemento de reflexão, os discursos emitidos Língua Inglesa, Portuguesa,
durante as entrevistas (gravadas e transcritas Literatura, História, uma parte entre
na íntegra e recortadas para esta análise). aspas mais humanas. Então, acho
que isto é uma coisa assim que eu
O discurso dos professores sempre quis tentar quebrar essa
visão, quando cada turma que eu
começava dar aula e eu digo que
Os entrevistados falaram a respeito de não é só no Ensino Fundamental e
sua relação com a profissão de professor e, Ensino Médio, quer dizer no ensino
especialmente, sua função de professores de superior apesar de você estar
matemática. Em seu discurso, os professo- lidando com futuros professores de
res criticam a desvinculação entre o ensino Matemática eles também têm
da Matemática, muito teórico, e a realidade problema relacional, né? Então, você
criar aquela relação que você tem
concreta dos alunos, bem como a segmenta-
que criar entre alunos e professor
ção do conhecimento, mencionam ainda, a seria uma relação de cooperação,
questão da afetividade no processo de ensi- de troca, de aprender junto até,
no/aprendizagem e o poder atribuído ao pro- quando se trata da matemática você
fessor de Matemática. Lucchesi aborda a precisa ter um jogo de cintura para
importância do discurso dos professores fazer isso, porque é difícil ...eles
perceberem o seu lado, seu lado de
trabalhar junto, de querer.
A construção do conhecimento (Professora Paula)
passa pelo discurso. Por um lado,
pelo discurso externo da sociedade
como um todo ou de grupos Essa situação chega a incomodar, e
específicos dos quais o sujeito faça alguns professores buscam mudar essa re-
parte. Por outro, pelo discurso lação com seus alunos.
interno que é a própria construção
do pensamento (2005, p.3).
Ah! Desenvolver junto, de fazer uma
troca, não é, eu acho que a postura
A “amorosidade” do educador e o do professor de Matemática é uma
professor de Matemática postura complicada, eu acho que
mesmo eu tendo toda uma atração
Uma das questões levantadas pelos diferente com o aluno que eu procuro
ter sempre, que eu sempre procurei
entrevistados é a visão de que o professor
ter. Ah! Desde que eu comecei a
de Matemática é alguém sem sentimentos, lecionar, mas, mesmo assim eu
raciocínio puro. Esse estereótipo, que nasce tenho que lutar comigo mesmo em
com o racionalismo cartesiano e se amplia algumas situações para tentar
com o uso intensivo do conhecimento mate- enxergar mais o aluno do que aquela
mático na sociedade industrial, não mais sa- visão da Matemática como uma
tisfaz os professores da área, que desejam disciplina poderosa, né? Uma coisa
assim do aluno enxerga uma coisa,
transformar suas práticas de ensino.
às vezes, até meio inatingível, e isso

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 39


se mistura na sua relação com o muito maior, do que se você estiver
aluno. Então, são coisas que eu tive apenas sentado passivamente
que colocar a parte humana nesta procurando entender de maneira
relação que eu acho complicada, lógica, de maneira, ah, até
porque o aluno fica com um pé atrás realizando trabalhos experimentais,
em relação a você. Quer dizer, isto ou seja, é uma forma passiva,
foi uma coisa que eu sempre pensei, embora, ah, seja racional, mas, de
várias vezes. Eu sei que eu consegui uma maneira passiva, você não tem
de uma maneira geral, lógico, com um envolvimento forte com aquele
algumas ressalvas, né? Mas tem conhecimento e o teu rendimento é
situações na minha relação de comprovadamente menor.
trabalho tanto no Ensino Médio,
Então, tenho realizado muitas
como aqui no Ensino Superior em
experiências. Quando o aluno, ele é
que você percebe que você
questionado, quando ele tem uma
conseguiu com determinados alunos
dúvida, quando ele acha curioso,
que este tabu, essa, essa relação
engraçado, ele se liga na aula, o
com a matemática fosse quebrada.
rendimento dele durante o ensino
Em alguns casos não consegui,
daquele assunto será muito maior,
mas de uma maneira geral eu acho
por melhor que eu faça um outro tipo
que nesses anos eu tenho
de aula, dando detalhadamente tudo
procurado. (Professora Paula)
de maneira lógica, racional e passo
a passo. Então, a parte que afetiva,
Os educadores, que são professores de emocional deve preceder sempre a
Matemática (e que se vêem como tal, nesta parte lógica, a parte dedutiva de
ordem), buscam uma visão afetiva e humani- qualquer conhecimento.
zada da sua relação com os alunos, pois per- Eu comprovei, pela minha
cebem que a relação ensino/aprendizagem experiência, que aquilo que eu
não prescinde do que Paulo Freire chama de suspeitava era realmente verdadeiro.
(Professor Carlos)
“amorosidade” do professor em relação a seus
alunos: “Como ser educador se não desenvol-
vo em mim a indispensável amorosidade aos A questão das relações de poder no
educandos? [...]” (FREIRE, 2000, p. 75). ensino de Matemática

“As relações de poder estão talvez entre


Vou mencionar um outro aspecto,
que eu já tinha esta visão, mas, as coisas mais escondidas no corpo social”
através de um artigo realizado pela (FOUCAULT, 1995, p. 237). Para esse autor
Universidade Norte Americana de o poder produz uma verdade, um saber, que
Harvard, apenas comprovou aquilo por sua vez, legitima e fortalece esse poder.
que eu já sabia. Eles pesquisaram,
durante vários anos, milhares de
Os códigos fundamentais de uma
alunos, o seu desempenho e
cultura - aqueles que regem sua
concluíram que o lado afetivo, o lado
linguagem, seus esquemas
emocional na aprendizagem tem um
perceptivos, suas trocas, suas
peso muito grande. Se você estiver
técnicas, seus valores, a hierarquia
emocionalmente envolvido no
de suas práticas - fixam, logo de
processo de aprendizagem de um
entrada, para cada homem, as ordens
determinado tema, se você está
empíricas com as quais terá de lidar
afetivamente, emocionalmente
e nas quais se há de encontrar
relacionado, a tua participação será
(FOUCAULT, 1985, p. 404).

40 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


Os professores pesquisados criticam a era assim, era uma Matemática
postura de detentores de poder adotada pe- mesmo para formar engenheiros,
para construir pontes, para construir
los professores de Matemática. Essa postu-
trens, para construir aviões,
ra inviabilizaria a integração com os profes-
estradas. Era uma coisa assim na
sores de outras disciplinas, dificultando qual- área exata mesmo, e esse ensino
quer proposta interdisciplinar, ou mesmo o da matemática ficou até hoje. [...]
trabalho em equipe. Para Foucault (1995) um (Professora Norma).
poder subsiste porque é produtivo. O que se
observa aqui é que o poder do professor de ... Então, eu acho que a matemática é
matemática está deixando de ser produtivo mais valorizada do que deveria ser...
já que os alunos não aprendem, já que o sa- Então, esta valorização excessiva da
ber fragmentado está se tornando ultrapas- matemática eu não concordo, e os
sado. Assim, dentro da lógica da teoria de próprios professores têm dificuldade
para relacionarem com os alunos e
Foucault, esse poder tende a ser questiona-
mesmo entre si. Eu acho que alguns
do, e aparece no discurso dos professores
professores de Matemática são muito
entrevistados. exigentes; eles estão sempre
querendo em sala de aula um silêncio
Eu acho que a situação atual do absoluto, muitos não conseguem
ensino da Matemática está muito trabalhar em grupo, e nem dar aulas
grave porque os professores de práticas. O professor de Matemática,
Matemática eles são muitos de maneira geral, só se interessa pelo
exigentes, eles acham que são todos conteúdo, esquecendo as relações
poderosos. Eu vejo, às vezes, num interpessoais. Ah! O professor de
trabalho em grupo, numa sala de matemática também... eu vejo assim
professores e os professores como uma pessoa que é muito
planejam algum estudo do meio, rigorosa com os alunos na hora de
aqueles professores de matemática avaliar, de avaliá-los. Eu costumo dar
acham que eles não... que a aulas particulares e, às vezes, fico
matemática não dá para fazer horrorizada, pois alguns professores
estudo do meio. Eles não parecem que fazem avaliação no
conseguem desvincular uma sentido de realmente reprovar os
Matemática conteudista e trazê-la alunos, e não como uma verificação
para o dia-a-dia. Então, eles são para ver se eles alcançaram os
muito assim... são todos muito objetivos propostos. Algumas provas,
poderosos, achando que eles são o às vezes, isso até na escola em que
máximo, e acho que isso vem por eu trabalho, elas são usadas como
causa de um passado de um curso uma arma para castigar os alunos;
de matemática assim muito tipo assim: vocês viram só,
conteudista, e voltada mais assim conversaram o mês inteiro, agora este
para uma Engenharia, para uma é o castigo que eu lhes dou na hora
Escola Militar. Então, a Matemática da prova, ah! [...] (Professora. Norma).
era assim direcionada para esse
lado mesmo e não uma coisa assim
... uma coisa que a gente observa, e
prática voltada para o dia-a-dia.
que é muito dito, é que o professor
Vamos ensinar uma criança a fazer
de Matemática ele tem o poder, né?
contas, porque ela vai num
Os outros professores: Ah, o
supermercado, porque ela tem que
professor de Matemática é um
cuidar do dia-a-dia dela; depois, até,
indivíduo, é um metido; ele acha, ele
como dona de casa. Na verdade não

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 41


acha que sabe mais, ele é não sei o to entre a realidade concreta do aluno e o
que. Bom, muito bem. Supondo que ensino da Matemática, que fica no âmbito do
seja verdade, há um outro lado da... teórico, do decorado e não aprendido. O alu-
da... da moeda que é muito comum
no não sabe aplicar, não vê para que serve
no conselho de classe. Os outros
colegas delegam este poder ao aquilo que está aprendendo.
próprio professor de Matemática,
quando eles perguntam assim: você ... este conteúdo está muito longo;
vai reprovar? Se reprovar, eu reprovo. ele poderia ser repensado no sentido
Ou, então, eles chegam e dizem assim mais prático. E no fim a
assim: olha, esse cara não vale criança aprende um monte de coisa
nada, tá mal comigo. E, às vezes, falta que não serve para nada e, às vezes,
meio ponto para o professor de as coisas do dia-a-dia que ela
Matemática dar e eles ficam, reprova, poderia aprender, como, por
reprova, porque se ficou de exemplo, um... valorizar um pouco
Matemática, ele acha que pode mais a porcentagem, fazer cálculos
reprovar. Isto é comum, você sabe para ensiná-la a cuidar, às vezes,
disso, isto é comum; é por isso que de uma conta de banco, de coisas
eu sempre adotei um critério para dela do dia-a-dia. Isto não acontece.
isso, sempre fui muito chata e muito [...] (Professora Norma).
malvista perante os colegas. Eu não
faço conchavos; aluno meu quem
Paulo Freire, para criar sua metodolo-
analisa sou eu, e sempre fui muito
contra a reprovação desmedida em gia de ensino, baseou-se na necessidade de
vinte e oito anos de, quase vinte e oito vincular a aprendizagem à realidade concre-
seguidos de magistério. Nunca um ta do aluno. O ensino da Matemática, ainda
aluno ficou reprovado só em hoje, está muito distante disso, na visão dos
Matemática, nem quando eu podia seus próprios professores. E isso estaria le-
fazer isso, ainda que eu tivesse de vando à “multiplicação do fracasso” no ensi-
alterar a nota dele, eu alterava, porque
no de Matemática, com professores que não
eu acho que uma reprovação num
componente curricular é uma coisa aprenderam.
muito sofrida. Pode ter, ter havido uma E um algo mais substancial, ainda
não empatia entre aluno e professor que bem abaixo deste, é como o
que ele possa superar, até se ele vai professor de primeira a quarta vê a
para uma outra série, a menos que Matemática. Esse, então, nem
seja um caso, né, que nunca tenha consegue construir, ele nem
vindo à aula. Aí é outro... outra coisa, consegue fazer com que o aluno seja
não nesse jogo de relação de um fazedor de exercícios, porque ele
professor de Matemática com os também não sabe. Então, aí, o aluno
colegas. Ah! Essa... o professor de faz, sai da quarta série totalmente
Matemática é criticado, mas, ao mecanizado, sem saber o que ele
mesmo tempo, os próprios colegas faz, e entra numa quinta onde o
dão esse poder, se é que é um poder professor tem uma outra exigência,
para eles. (Professora Mariana). e vai para o Ensino Médio onde a
visão é outra exigência, não tem uma
continuidade, não tem observação
A desvinculação entre a teoria e a
geral disso. Não sei se eu consegui.
realidade concreta [...] (Professora Mariana).

Os professores criticam o distanciamen-


Mas alguns professores já estariam re-

42 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


agindo a esse estado de coisas, procurando que construir o seu conhecimento
aproximar os conceitos matemáticos da rea- através de uma prática, à medida que
ela vai sentindo necessidade, devido
lidade concreta dos alunos.
às perguntas que você vai fazendo.
... e eu sei que alguns professores Então, você vai direcionando aquela
conseguem fazer com que este aula de acordo com os objetivos que
ensino de matemática não seja assim você quer alcançar. [...] (Professora
tão tradicional, estão procurando Norma).
trabalhar em grupo, né? E, no meu
caso, eu procuro sempre tirar as
crianças de sala de aula. Então, A necessidade de reflexão sobre a prática
fazendo assim é... precisa ensinar o
Sistema Métrico, eles trazem fita Em nossas pesquisas na área de Edu-
métrica, régua, e a gente mede a cação, temos insistido para que o professor
calçada, usando o tamanho dos pés, faça uma reflexão teórico-crítica a respeito de
usando os passos, quantos passos
suas práticas, e como esse estudo teórico
vocês podem dar em uma certa
distância. Um outro grupo faz a pode ser transformador das práticas. Nosso
mesma medição usando a fita método de trabalho pode ser caracterizado
métrica; um outro grupo faz a mesma da seguinte maneira: “reflexão sobre o expe-
medição usando a o tamanho dos rimentado – ação – nova reflexão e nova
pés, e eles fazem depois essa ação” (Lucchesi, 1999, p. 6). Este método
comparação e com isso, então, as tem-nos permitido instigar os alunos do mes-
aulas se tornam muito mais
trado a analisar “o mundo da escola e com-
agradáveis. A parte de pesos e
quantidades, chego, até, inclusive, a preender seus limites, problematizar, buscar
fazer torta em sala de aula. Então, respostas e voltar a agir sobre esse mundo”
depois que a gente faz esta parte (LUCCHESI, 1999, p. 6).
prática aí, né? Então, vamos fazer A fala dos professores entrevistados
uma torta. Aí, eu faço uma receita de aponta para a importância desse caminho de
uma torta. A escola dá os pesquisa-ação, embora eles ainda o façam
ingredientes; as crianças, em grupo,
de maneira pouco sistemática, e sem a ori-
preparam aquela torta toda. Depois,
enquanto ela assa, a gente começa entação de um professor/pesquisador.
a trabalhar. Quantos quilos de farinha
nós vamos usar, precisou usar para ... porque foi quando eu me dediquei
fazer aquela quantidade, quanto de mais à Educação, quando eu
margarina, quanto de óleo. Depois, a procurei voltar a estudar, quando eu
gente faz uma relação entre os quilos, tive de... orientação para... volta...
os litros, todas aquelas medidas que mais para a parte... Educação,
foram usadas, e eu faço várias Educação que eu digo... eu sempre
questões, sendo que eu não... eu tive na Educação, mas quer dizer
direciono as questões, mas eles é parte teórica, leituras que eu não
que chegam à conclusão. Eu acho fazia anteriormente e que eu
que o que está faltando no ensino da comecei a fazer, vivências. Nesse
matemática é isso, fazer com que a sentido que eu comecei a discutir, e
criança construa seu próprio essas coisas eu percebi alterando
conhecimento. Você não pode ser a minha postura em sala de aula. [...]
uma pessoa que está lá na lousa, e (Professora Paula)
você está dando para o aluno aquilo Considerações finais
que você acha que ele tem que
aprender, não. A criança é que tem

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 43


A pesquisa demonstra a insatisfação A reflexão crítica, à luz de teorias inova-
dos professores entrevistados com o lugar de doras/libertadoras do ensino, apresenta-se
poder que ocupam na escola e na universi- como um caminho fértil para a transformação
dade. Eles percebem que essa relação dei- que esses professores buscam de suas práti-
xou de ser produtiva e que não favorece o cas, mas ainda não sabem onde encontrá-la.
aprendizado. Desejam mudanças, e buscam Nesse sentido,a proposta geral da pesquisa,
fazê-las por iniciativa própria. Algumas vezes, que se fundamenta na transformação das prá-
consideram-se bem-sucedidos nessa tarefa, ticas em sala de aula a partir da reflexão teóri-
mas nem sempre atingem seus objetivos, e, co-crítica sobre elas, apresenta-se como uma
de modo geral, têm uma posição desfavorá- proposta a ser profundamente investigada.
vel em relação à posição de poder do pro-
fessor de matemática.

Referências

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aprendizagem da matemática. Dissertação (Mestrado) Universidade Católica de Santos. San-
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44 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


UMA LEITURA CATÓLICA DO MOVIMENTO
ESCOLANOVISTA*

Evelyn de Almeida Orlando²

Resumo Abstract

Este artigo analisa questões a respeito da presença This article has in mind to observe the Catholic pre-
católica nos debates acerca da renovação do ensino sence in the debates concerning the renewal of the
brasileiro nas décadas de 20 e 30 do século passado, Brazilian teaching in the decades of 20 and 30 starting
a partir da ação representativa dos intelectuais católi- from the intellectuals' Catholic acting of the movement
cos atuantes no movimento, dando maior visibilidade representative focus, giving larger visibility to Reform
à reforma do ensino em Minas Gerais e a implementa- of Minas Gerais Teaching and the implementation of
ção das propostas pedagógicas formuladas por esse the pedagogic proposals for that group. In other words,
grupo. Assim, o trabalho põe em evidência, ainda de this article puts in evidence, still in an introductory way,
forma introdutória, a presença de grupos católicos no the presence of the catholics groups in the movement
movimento escolanovista. escolanovista.

Palavras-Chave: Escola Nova. Leituras Católicas. Keywords: School New. Catholics readings, Miner te-
Ensino Mineiro. Educação brasileira. Formação do aching. Brazilian education. The educator's formation.
educador.

Introdução Quase nunca, em contrapartida,


organizam de acordo com o que se
quer conhecer. Assim, como todo
Uma palavra para resumir domina e
cientista, como todo cérebro que
ilumina os nossos estudos:
simplesmente, percebe, o
“compreender”...
historiador escolhe e tria. Em uma
Compreender no entanto, nada tem palavra, analisa. ( MARC BLOCH,
de uma atitude de passividade. Para 2001, p.128)
fazer uma ciência será sempre
preciso duas coisas: uma realidade,
O movimento da Pedagogia Moderna
mas também um homem...
chegou ao Brasil nas últimas décadas do sé-
Dirão que entre o que foi e nós os
culo XIX, trazendo muitas das práticas que
documentos já interpõem um
mais tarde seriam reconhecidas como própri-
primeiro filtro? Sem dúvida, eliminam
freqüentemente, a torto e a direito. as da Escola Nova. Tais práticas e o ideário

* Artigo recebido em: junho de 2006.


* Aceito em: novembro de 2006.
² Licenciada em Pedagogia; aluna do Mestrado em Educação da Universidade Federal de Sergipe pela linha
História, Política e Sociedade; membro do Grupo de Pesquisa em História da Educação: intelectuais, instituições
e práticas escolares/UFS.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 45-56, jul./dez. 2006 45
ao qual correspondiam foram muito valoriza- deixadas pelos homens no exercício da vida.
das com o advento da República, como sím- O método indiciário de Ginzburg leva-me a
bolo do que havia de mais moderno em rela- identificar neste artigo a presença de intelec-
ção à Pedagogia. Nas primeiras décadas do tuais católicos envolvidos com o movimento
século XX esse tipo de proposta recebeu a escolanovista, a leitura católica de tais pro-
contribuição de intelectuais brasileiros que postas e compreender que as idéias não são
realizaram viagens de estudo à Europa e aos produto de um único grupo. A idéias são ges-
Estados Unidos da América e entraram em tadas, circulam e são apropriadas em dife-
contato com as idéias em voga à época. Cla- rentes espaços da vida social, sob as formas
paréde, Dewey, Pestalozzi, Froebel e Herbart, mais adequadas às suas necessidades.
clássicos da Pedagogia Moderna no final do Pensar o movimento da Escola Nova é
século XIX e início do século XX, ganharam tentar compreendê-lo em suas múltiplas di-
maior visibilidade no Brasil e juntamente com mensões, sem conferir a este a condição de
os debates que suscitaram trouxeram a lume movimento monolítico, mas tentando perce-
questões educacionais consideradas impor- bê-lo em um contexto no qual seja possível
tantes no ambiente brasileiro. entendê-lo na sua pluralidade, nos mecanis-
Em 1924, com a fundação da Associa- mos que o legitimam. A apropriação diz res-
ção Brasileira de Educação, os grupos liga- peito a uma determinada forma de ler a reali-
dos a essa instituição, que representavam dade e a sua incorporação por parte de al-
variados interesses, faziam diferentes leitu- guém ou por um grupo específico. É, portan-
ras acerca da modernidade e das práticas to, uma prática singular. Nesse sentido, a his-
próprias a esta. O discurso higienista e as toriografia da educação no Brasil ainda ca-
propostas pedagógicas próprias ao movi- rece de estudos que revelem com maior cla-
mento escolanovista ganharam maior relevo reza a apropriação católica das idéias da
por constituírem medidas eficazes para o Pedagogia Moderna e a atualização do en-
controle do crescimento urbano e industrial. sino nas escolas confessionais e nas esco-
As práticas higenistas apareceram como las públicas, nas quais os professores eram
uma necessidade saudável que permitiria um predominantemente católicos. Os estudos
crescimento salubre e a nova pedagogia sobre História da Educação Brasileira ainda
como a proposta mais eficiente de conforma- não conferiram aos católicos o devido lugar
ção e reprodução cultural. no processo de modernização do ensino no
Diferentes leituras foram feitas do movi- país. Há uma lacuna a ser preenchida com
mento e das suas propostas pedagógicas. A estudos mais profundos acerca da temática.
lente da história, neste artigo, movimenta-se Operar com a idéia de leituras e singu-
na direção contrária em relação a algumas laridades implica pensar na circularidade
certezas que estão postas na produção his- das culturas. Este é um conceito que permi-
tórica da educação brasileira a respeito do te entender determinados processos sem
movimento da Escola Nova. Ao contrário de instituir maiores ou menores. Sob essa óti-
algumas representações construídas pela his- ca, as idéias circulam entre os diferentes
toriografia educacional brasileira, este traba- grupos que as apropriam de acordo com as
lho afirma que os católicos fizeram a sua lei- suas necessidades, de forma singular, e não
tura da Escola Nova e a incorporaram de é possível afirmar categoricamente onde o
maneira bastante eficiente. Assim, através desencadeamento dessas ondulações teve
dos rastros da história e das memórias, bus- início de fato. Sem dúvida, o discurso
co as presenças, as ausências, as marcas escolanovista é marca distintiva do grupo

46 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


que se intitulou “Pioneiros da Educação”, a no que fazia de Anísio “um instrumento no
partir da representação construída por sentido de ampliar a área de influência da
Fernando de Azevedo. O que a historiografia Igreja dentro da estrutura do Estado” (NUNES,
não aponta com clareza é que este mesmo 2000, p. 87). Nos primeiros anos de atuação
discurso, sob padrões diversificados, tam- na Instrução Pública da Bahia, Anísio Teixei-
bém esteve presente, ao mesmo tempo, em ra conciliava as atividades de Inspetor do
outros grupos de intelectuais, como os ca- Ensino com a de colaborador de Dom Augus-
tólicos envolvidos com as questões educa- to nos trabalhos do apostolado leigo. Publi-
cionais do país. cava permanentemente na imprensa católi-
ca e mantinha correspondências freqüentes
Voltando a Lente para os Católicos com o grupo de católicos da França, ligados
à organização da Ação Católica Francesa.
Os vestígios deixados na própria historio-
grafia apontam para a presença e o envolvimen- O Anísio que tomava contato com a
to do grupo católico nas questões educacionais vanguarda conservadora da Igreja
das décadas de 20 e 30. A presença de uma européia, preocupada em preservar
intelectualidade católica no bojo do movimento os valores morais e religiosos, é o
mesmo que se empenha na
e o sucesso da reforma do ensino mineiro, em
organização da escola pública
1927, sinalizam para uma apropriação das pro- baiana. (NUNES, 2000, p. 98).
postas escolanovistas, adequando-as a neces-
sidade de adaptação das práticas renovado-
É o mesmo que, ao assumir a Diretoria
ras à sociedade brasileira. As figuras de Anísio
Geral de Instrução Pública da Bahia, adotou
Teixeira e Lourenço Filho têm suas histórias
como uma das suas primeiras medidas o
marcadas pelo catolicismo. Além deles, outros
exame da situação da educação no Estado
intelectuais como Mário Casassanta, Fernan-
e produziu uma proposta de reforma de ensi-
do de Magalhães, Oliveira Barbosa e Francis-
no que após algumas emendas, se transfor-
co Campos, lideranças do catolicismo, alguns
mou em projeto e, posteriormente, em lei. O
deles signatários do Manifesto dos Pioneiros
que é interessante salientar é que, dentre as
da Educação Nova pregavam a modernização
questões doutrinárias, foi proposto o ensino
da educação, a necessidade de novos méto-
religioso facultativo nas escolas, fora do ho-
dos de ensino, o ensino ativo e integral, sem
rário regulamentar. Proposta que não foi apro-
perder de vista o conceito de tradição. A reno-
vada pelos seus pares. Esse vínculo com o
vação visava ampliar os horizontes educacio-
catolicismo é revelador da forte marca da Igre-
nais, a fim de formar indivíduos mais aptos para
ja na sua formação, com a qual ele só vai rom-
as novas necessidades urbano-industriais que
per durante a sua viagem ao Estados Unidos
se faziam imperativas. Para esse grupo, a mo-
da América em seu contato mais próximo
ralidade era a base de sustentação desse novo
com as idéias de John Dewey. Segundo Nu-
modelo construtivo.
nes (2000), seu primeiro contato com a Amé-
As convicções católicas de Anísio Teixei-
rica estremeceu o seu deslumbramento com
ra, por exemplo, quase o impediram de in-
os mistérios da fé, chegando mesmo a aba-
gressar na vida acadêmica educacional. Sua
lá-los. Entretanto, na sua segunda viagem,
opção pelo campo da educação, amplamen-
entre 1928 e 1929, Anísio percebeu não ape-
te mais largo, o levou a enveredar por cami-
nas o rápido movimento onde o novo supera-
nhos considerados pelos próprios padres do
va o velho a cada instante, mas também uma
colégio que freqüentava como um sinal divi-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 47


retomada de certos valores espirituais, os córdia entre eles dizia respeito aos problemas
quais embebidos pelas idéias de Dewey atinentes à centralização administrativa.
expressam um naturalismo que não significa Os fortes embates provocados pelas
um entusiasmo geral pela ciência contra a posições dos católicos no interior da Asso-
religião, mas que passa a colocar a discus- ciação Brasileira de Educação revelam o
são moral e a emoção religiosa sob uma base peso político e a plasticidade desse grupo,
secular. que aliava as propostas pedagógicas da
Esse contato com o pragmatismo norte- Escola Nova à unificação de um plano naci-
americano não foi capaz de apagar a origem onal de ensino, o qual plasmaria a educa-
e a formação católica que recebeu no perío- ção brasileira com base em padrões defini-
do da sua formação, somando esta ao apor- dos fundamentalmente por valores morais.
te técnico e instrumental aprendido nos anos O método ativo, visto como método eficien-
em que esteve nos EUA, claramente refleti- te no processo de modelagem da criança
do na posição que veio a ocupar como ho- com base em uma formação disciplinada,
mem de ação no campo político e educacio- moral e ética, voltada para o desenvolvimen-
nal brasileiro. Nesse sentido, Nunes ainda to da capacidade cognitiva, ajudaria a for-
reitera: mar o tipo de cidadão que a nova socieda-
de requeria.
em termos de atitude, carregava, Nesse sentido, as reformas do ensino,
numa adequada convergência entre que se tornaram a tônica dos anos 20, tive-
a prática religiosa católica e a prática ram a pretensão de instaurar nos diferentes
política familiar, a valorização da Estados, projetos específicos de remodela-
experiência. (2000, p. 88).
ção do ensino. Em cada Estado, percebe-se
a marca do renovador à frente do projeto e a
Marcado pela mesma insígnia do catoli- singularidade do mesmo em relação à mo-
cismo, Lourenço Filho, importante figura políti- dernização das práticas pedagógicas que
ca, educador, psicólogo e renovador, consoli- ocorreram dentro de um campo, que como
dou o projeto de Anísio Teixeira no Instituto de tal era permeado por disputas políticas em
Educação do Distrito Federal em relação à busca de poder. A implementação dos ide-
formação de um novo quadro de professores, ais renovadores encontrou resistências em
capacitados nos novos cânones da Pedago- muitos lugares como o próprio Distrito Fede-
gia Moderna e, muito embora a sua ênfase ral, não porque suas propostas ferissem efe-
estivesse voltada às questões da Biologia e tivamente determinados princípios nacionais,
da Psicologia Experimental, entre os seus mas porque em torno do campo educacional
pedidos de livros sempre figuravam textos de travou-se uma disputa na qual estava em jogo
Alceu Amoroso Lima e outros livros religiosos não só a educação como projeto pedagógi-
(VIDAL, 2001, p.183, 283). Ainda em relação co, mas, e, sobretudo, como projeto político.
a Lourenço Filho, nas questões formuladas Tudo isto põe em relevo a reforma do siste-
durante as Conferências Nacionais de Edu- ma de ensino mineiro, liderada por Francis-
cação por Barbosa de Oliveira, intelectual ca- co Campos e Mário Casassanta, em 1927,
tólico que contribuiu para a educação e que considerada por Jorge Nagle como “a mais
tinha um papel de destaque no grupo católico bem sucedida do país em termos de propos-
da Associação Brasileira de Educação, suas tas pedagógicas” (NAGLE apud HILSDORF,
manifestações não se davam de forma con- 2003, p. 81). O sucesso da Reforma mineira
trária às deste. O único ponto efetivo de dis- se deu em virtude de não haver em Minas, de

48 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


modo mais explícito, uma disputa acirrada Aperfeiçoamento para professores
pelo poder político dentre os que lideraram o já formados, a reformulação da
projeto reformista. A intelectualidade a frente Revista do Ensino e a constituição
de bibliotecas. (CARVALHO, 2003,
desse projeto era católica e a inserção dos
p. 238 - 239).
ideais da Igreja no campo educacional era
ponto pacífico.
O governo mineiro incentivou e investiu
Mário Casassanta e Francisco Campos,
na modernização do ensino, enviando tam-
católicos convictos não só pela formação que
bém algumas professoras aos Estados Uni-
receberam, mas também pelas suas postu-
dos da América para aprenderem as novas
ras e decisões, estiveram à frente da refor-
técnicas educacionais. Quando do seu retor-
ma do sistema de ensino mineiro, em 1927,
no, elas adaptavam as novas técnicas às suas
a qual não retirou o ensino religioso das es-
necessidades e às condições locais. Além
colas mesmo este tendo sido abolido pelas
disso, em consonância com os novos precei-
decisões constitucionais de 1931. Fernando
tos higienistas, o governo de Minas Gerais
Magalhães e Oliveira Barbosa, lideranças
convidou a psicóloga Helena Antipoff, assis-
católicas na Associação Brasileira de Edu-
tente de Edouard Claparéde na França, a
cação ao longo da década de 20, também
assumir a cadeira de Psicologia Educacio-
adotaram posturas claramente definidas no
nal na Escola de Aperfeiçoamento de Profes-
tocante a renovação das práticas pedagógi-
sores de Minas Gerais e a direção do Labo-
cas sem desassociá-las da formação moral
ratório de Psicologia da Escola de Aperfei-
católica. Esta educação apoiava-se nas ba-
çoamento. O discurso mineiro, embora cató-
ses do catolicismo, considerado por esse
lico, não afrontava as novas propostas peda-
grupo o “cimento da unidade nacional”. As
gógicas. Antipoff, que foi recepcionada por
pressões exercidas junto ao governo pelo
Lourenço Filho ao chegar ao Brasil e comun-
grupo católico deram a este grupo uma im-
gava com ele das fontes da Psicologia Mo-
portante vitória, na Constituição de 1934 ao
derna, teve a chance de implementar em Belo
recolocar o ensino religioso na legislação bra-
Horizonte a prática da pesquisa experimen-
sileira, ainda que de forma facultativa. Em-
tal, através dos métodos de inquéritos e tes-
bora não fosse a vitória esperada, não se
tes, desde 1929, ou seja, antes mesmo do
pode desconsiderar esse avanço significati-
Lourenço Filho fazê-lo no Instituto de Educa-
vo para a Igreja. Além disso, este fato aponta
ção do Distrito Federal.
a proximidade existente entre a Igreja e o
Ë notório o avanço das práticas peda-
governo através dos seus representantes in-
gógicas modernas de ensino em Minas Ge-
telectuais e revela o prestígio de tal grupo no
rais, apesar daquele não ter retirado o ensi-
campo político-educacional.
no religioso das suas escolas. A escola mi-
A remodelação da escola foi ponto cen-
neira era, sem dúvida, uma escola católica, o
tral na reforma de Francisco Campos que
que não constituiu empecilho para a moder-
convocou o professorado, elemento funda-
nização do ensino. Os novos métodos e as
mental nessa obra, para remodelar o ensino
novas técnicas experimentais foram introdu-
primário. Com isso, um conjunto de medidas
zidas no currículo da escola de
foi introduzido para a formação dos profes-
sores nos novos métodos pedagógicos como
braços dados com a tradição
católica. A proposta dos reformadores
a remodelação da Escola Normal, a mineiros não estava baseada em
criação da Escola de

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 49


uma ruptura com a tradição, o que que os demais pioneiros se apropriaram das
dava lugar a uma leitura muito mais idéias escolanovistas na íntegra? Eles não as
indulgente da escola antiga do que depuraram em nenhum momento? Como pro-
aquela de Fernando de Azevedo.
duziram a sua própria matriz interpretativa? O
(FARIA FILHO; VIDAL, 2005, p. 8).
que justifica Fernando de Azevedo nas suas
propostas educacionais enfatizar a Sociologia
Segundo Hilsdorf
educacional, enquanto Anísio Teixeira preferiu
a Filosofia, secundarizando a Psicologia Ex-
São características da reforma
perimental de Lourenço Filho? O próprio dis-
mineira: a escola encarada como
curso dos renovadores reflete as diferentes
ação social; atenta aos interesses e
motivos da criança e não à lógica das apropriações internas que ocorreram no inte-
disciplinas; o predomínio da atividade rior de um grupo em relação ao qual se produ-
no lugar da passividade, fazendo da ziu a imagem de coesão.
lição um trabalho comum, uma As disputas que ocorreram no interior
‘cooperaçào das inteligências’; a da Associação Brasileira de Educação são
melhoria da Escola Normal de
reveladoras das contradições políticas que
Professores com a introdução de
embasavam as discussões de forma muito
uma nova disciplina, a Psicologia
Educacional, que ofereceria as mais contundente do que as questões técni-
bases científicas do desenvolvimento cas referentes ao ensino. Estas apareciam
infantil a partir do uso de testes e para ilustrar ou representar o eixo de uma
projetos experimentais.(2003, p. 81) disputa que se travava em relação ao cam-
po político. Tanto os renovadores quanto os
Em face ao sucesso da reforma mineira católicos apresentavam projetos de remo-
não se pode negar que o projeto político pe- delação da sociedade em face das novas
dagógico do movimento escolanovista não só necessidades da vida moderna, que exigia
deu certo no Brasil como para a história é da educação um novo tipo de sujeito a ser
revelador das apropriações e da circularida- formado. A metodologia da Escola Nova foi
de das idéias. As Reformas refletiram nos aceita por ambos os grupos por ser consi-
diferentes Estados as apropriações que fo- derada, segundo Hilsdorf “um mecanismo
ram feitas do movimento seja em face do in- eficiente de controle social, para constituir
centivo a adesão ampla ao novo, seja em fun- de cima para baixo o povo adequado à na-
ção das razões que mantiveram o espírito da ção” (2003, p. 83). Nesse sentido, a Escola
tradição. A clareza diante dessa questão é Nova é movimento não de despolitização,
importante para que se compreenda que não mas de repolitização.
há uma única apropriação. As idéias que es- A representação construída por Fernan-
tão postas circulam entre os grupos e esses do de Azevedo é a de que 1930 é um marco
as incorporam de acordo com as suas ne- na História da Educação Brasileira e os pio-
cessidades em determinado momento ou cir- neiros da Educação são os responsáveis pela
cunstância. introdução das idéias escolanovistas no país,
A representação produzida pela historio- associando o ensino brasileiro ao que havia
grafia brasileira assume uma postura segun- de mais moderno na Pedagogia, sobretudo
do a qual os católicos teriam utilizado apenas na Pedagogia norte-americana, através das
parte dos princípios escolanovistas, depuran- discussões realizadas na Associação Brasi-
do-os daquilo que feria aos seus princípios leira de Educação, considerada por ele, se-
mais caros. Nesse sentido é possível afirmar gundo Marta Carvalho

50 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


Um dos instrumentos mais eficazes a difusão do ativismo provocou
de difusão do pensamento também a assimilação de alguns de
pedagógico europeu e norte- seus elementos fundamentais por
americano, e um dos mais parte de ideologias educativas bem
importantes, se não o maior centro distantes de seus pressupostos
de coordenação e de debates para o psicológicos e sociais, como pa
estudo e solução de problemas pedagogia católica que, ao lado de
educacionais, ventilados por todas as uma polêmica às vezes acesa sobre
formas, em inquéritos, em a concepção do homem e da
comunicados à imprensa, em cursos sociedade em que o ativismo se
de férias e nos congressos que inspirava, dedicaram uma
promoveu nas capitais dos Estados progressiva atenção, muitas vezes
(1998, p. 31). genuína e sensível, para as soluções
didáticas que o movimento da ‘escola
ativa’ vinha propondo (1999, p. 526)
Essa matriz interpretativa dá voz a esse
grupo e silencia outros, como os católicos
que se fizeram presentes tanto nas discus- A eficiência do método ativo atendia bem
sões políticas quanto técnicas durante as Con- a necessidade de se introduzir na alma da cri-
ferências realizadas pela Associação Brasi- ança os preceitos morais e cristãos e os cató-
leira de Educação e se constituíram no grupo licos não se abstiveram de usar essa nova
mais forte da associação até a década de metodologia como importante ferramenta que
30, quando o chamado grupo da esquerda vinha sendo experimentada e atestada nas
assumiu o controle da referida instituição. escolas. As novas técnicas educacionais, os
Essa matriz interpretativa silencia também a novos dispositivos de circulação das idéias
presença de intelectuais católicos ligados não passaram ao largo da intelectualidade
diretamente ao clero que adotaram princípi- católica que de uma forma geral, mantém a
os escolanovistas para melhor difundir as prática de atualizar o seu discurso e se reno-
idéias religiosas, como é o caso do Padre var diante das necessidades sociais buscan-
Álvaro Negromonte, “um dos arautos da re- do satisfazê-las sem perder de vista os alicer-
novação pedagógica do catecismo” (VILELA, ces doutrinários e morais que a legitimam
1998, p. 312). Intelectual importante no cato- como instituição sagrada. A preservação dos
licismo brasileiro que movimentou esse bra- dogmas não impede que à estes sejam da-
ço da Igreja através de suas críticas, seus dos uma nova roupagem que permite torná-
ensinamentos, seus conselhos e diretrizes. los condizentes com determinada época e
Conquistou espaço nos meios impressos, sociedade. De acordo com Cambi, nesse in-
nas emissoras de rádio cariocas e assumiu fluxo, muitas comunidades cristãs, no interior
postos de direção que lhe renderam maior da própria Igreja, assumiram um comporta-
visibilidade como o cargo de diretor de Ensi- mento em relação ao mundo moderno carac-
no Religioso na Arquidiocese do Rio de Ja- terizado pela preocupação com os problemas
neiro. Suas idéias circularam por todo o Bra- sociais atuais e uma necessidade precisa de
sil através das suas obras, da sua contribui- dialogar com essa sociedade “pós-cristã”.
ção à imprensa do país, das semanas de Nesse sentido, a leitura que os católicos fize-
estudos que promoveu em quase todo o Bra- ram do movimento da Escola Nova objetivou
sil e das suas concorridas conferências. uma remodelação do ensino religioso a fim de
Segundo Cambi, ampliar o seu campo de atuação e, ao mes-
mo tempo, garantir uma formação religiosa

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 51


mais segura e mais sólida. Com isso, “foi se tisfeitas e sejam organizados processos de
afirmando, gradativamente uma rica e articu- aprendizagem individualizados baseados em
lada presença de orientações de matriz cris- suas motivações e interesses pessoais.
tã” no pensamento pedagógico do século XX O discurso da Irmã Olga, professora de
(CAMBI, 1999, p. 564). metodologia da Escola Normal de Araguary,
A apropriação que a Igreja fez da Peda- proferido na Semana Pedagógica de Minas
gogia ativa encontrou na Europa as suas ma- Gerais e publicado na Revista do Ensino de
trizes teóricas. Pestalozzi, Decroly, Claparède, Minas Gerais é representativa dessa apro-
Ferrière foram os expoentes da modernidade priação católica dos novos métodos educa-
que permitiram a Igreja circular em meio as cionais. Sua concepção de Escola Nova co-
suas teorias. Segundo Meylan na Introdução incide com a definição de Decrolly “escola da
da Educação Funcional de Claparède desen- vida para a vida”. Para ela, os princípios da
volvido na coletânea A Escola sob Medida Escola Nova são profundamente entrelaça-
(1973), a concepção funcional desenvolvida dos com os princípios cristãos, já preconiza-
por este tem origem em Pestalozzi, o qual con- dos pela Igreja desde S. Thomáz de Aquino.
cebe a educação elementar como a liberação Este teria formulado a Escola Nova, definin-
na criança do elemento divino que o criador do o ensino como
colocou no coração de todo o ser humano. A
força que está no homem, portanto, é a força a arte de conversar a ciência em
divina, motivo pelo qual estava convencido de outrem, ajudando-o a se servir da
que bastava desenvolver as forças interiores sua razão natural. Para S. Thomaz
do homem para fazê-lo sentir-se filho de Deus. o papel do mestre não é o de
dogmatizar o aluno não é o de
A educação era para Pestalozzi um serviço
recolher passivamente o ensino.
racional que consiste na vocação de todo ser Não, ele quer para o aluno uma
humano. Esta seria a base da funcionalidade atitude ativa, ele deve servir-se da
defendida por Claparède. A Psicologia Expe- razão, isto é, exercer sua atividade
rimental de Claparède sobretudo, e as suas intelectual. A missão do mestre
noções de “educação funcional” e “escola sob consiste em ajudar o aluno no seu
medida” foram no Brasil, o elo de ligação en- trabalho (AQUINO apud Ir. OLGA,
1934, p.74)
tre a Igreja e a corrente escolanovista européia.
Tais teorias corroboraram com a ação educa-
tiva da Igreja, que possui suas matrizes funda-
das sobre o reconhecimento do caráter sagra- Citando Everardo Backeuzer, “ilustre ca-
do na pessoa humana, articulando o ensino tólico brasileiro, pioneiro da escola nova” (Ir.
da fé através do exercício da razão, por se OLGA, 1934, p. 66) ainda reitera
entender ser este o método de maior eficácia
para o processo de ensino-aprendizagem. A
educação para Claparède, deve ser mantida A Igreja Católica, em acordo aliás, com
por uma necessidade e deve ter uma função todos os pedagogos criteriosos, não
é contra os princípios da Escola Nova,
específica motivada pelo interesse, o que tor-
que são sim os seus próprios
na necessário uma revisão nos programas de princípios. E, porém contra adeptos
estudos e nos métodos de ensino. Por conse- vermelhos, demasias que geram
guinte, a escola deve se organizar sob medi- unilateralismos prejudiciais. Assim,
da para a criança, a fim de propiciar as condi- a Igreja Católica: permite a classe à
ções para que suas necessidades sejam sa- liberdade de ação, mas impede a

52 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


indisciplina. Estimula a atividade do assumir a vice-presidência da Sociedade
aluno, mas não lhe dá plena Pestalozzi, colocando-o em contato com as
autonomia. Encaminha os alunos idéias acerca da Pedagogia Moderna que
para os empreendimentos de caráter
estavam circulando na Europa. O método ati-
social, sem lhes consumir, porém em
clubes e diversões o tempo vo tornou-se seu aliado e contribuiu significa-
necessário ao estudo. Ministra-lhes tivamente para a renovação catequética bra-
noções econômicas – úteis à vida sileira. A aproximação do padre Negromonte
quotidiana, mas incute-lhes noções com o funcionalismo da educação de Clapa-
Moraes, indispensáveis a esta e a rède articulou a natureza e a sociedade como
outra vida. Garante a influência da intermediários para o verdadeiro fim educa-
escola na educação, mas não
tivo: a elevação do espírito, a sabedoria e a
esquece o ascendente da família.
Estimula a iniciativa da criança, mas humildade que o aproximam de Deus. Essa
deixa intacta a autoridade do mestre orientação funcional que utiliza os interesses
(BACKEUZER apud Ir. OLGA, 1934, naturais do educando não deve impedir, a
p. 73) formação da força de vontade, da energia de
caráter e do espírito de sacrifício sem os
A aplicação prática desses preceitos es- quais o processo educativo seria mutilado
colanovistas pelos católicos no âmbito do en- naquilo que para a Igreja ele possui de es-
sino religioso, ganhou realce a partir da intro- sencial.
dução dos testes e inquéritos nas escolas de Dessa forma, as propostas
Belo Horizonte, a fim de medir o nível intelec- escolanovistas foram apropriadas não só
tual das crianças para um melhor ajustamen- pelos profissionais da educação, mas tam-
to das classes, permitiu à professora Helena bém pelos intelectuais católicos no interior
Antipoff realizar uma pesquisa intitulada “Ide- da Igreja nas aulas de catecismo e se alas-
aes e Interesses das crianças de Belo Hori- traram para as escolas através da publica-
zonte”, na qual diagnosticou o ensino religio- ção de uma coleção didática de catecismos
so como aquele que despertava o menor grau que circulou em todo o Brasil, difundindo os
de interesse das crianças. A publicação do ideais católicos através do método ativo e
resultado dessa pesquisa desencadeou uma integral. Segundo Orlando,
forte reação da Igreja Católica que, através
do Padre Álvaro Negromonte, a contestou e A Coleção Monsenhor Negromonte
a combateu fortemente nos jornais em rela- é composta de onze títulos
ção a sua posição diante do ensino religioso destinados ao corpo discente das
nas escolas. A nacionalidade russa da pro- escolas desde a 1ª serie primária até
o curso normal, além de três GUIAS
fessora Helena Antipoff suscitava desconfian-
DO CATEQUISTA. O 1º referente à
ça e acusações de comunismo à educadora orientação do ensino de catecismo
por parte da Igreja. Entretanto, a professora do 1º e 2º ano primário; o 2º referente
de Psicologia esclareceu a questão associ- ao 3º ano primário; e, o 3º orientava
ando os resultados da pesquisa a uma críti- o 4º ano primário” (2006, p. 48).
ca fundada na “forma como o ensino religio-
so era ensinado”. Segundo ela mesma, “de Essa aproximação da Igreja com os ide-
maneira enfadonha e erudita assim como os ais escolanovistas não só por parte dos pro-
livros de religião eram redigidos” (ANTIPO- fissionais da Educação, mas do próprio clero,
FF, 1996, p. 131). Antipoff convidou, estrate-
gicamente, o padre Álvaro Negromonte a acabou beneficiando a própria Igreja

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 53


Católica em Minas Gerais com o educacional, aponta para uma certa flexibi-
recolhimento de livros mal escritos lidade e para um movimento de renovação
e introdução de uma literatura mais dentro da própria Igreja que revelam a plas-
atualizada para ensinar o catecismo.
ticidade do catolicismo e sua capacidade
(ANTIPOFF, 1996, p. 133).
de se atualizar para assegurar a sua per-
manência no campo.
No campo da História da Educação, tam-
bém é possível sentir a inserção e a contri-
Considerações Finais
buição de intelectuais católicos que se puse-
ram a produzir manuais e compêndios acer-
A despeito do silêncio que se fez na his-
ca dessa temática como o da vertente histo-
toriografia acerca da presença dos católicos
riográfica que se instaurou com a obra de
na cultura e na educação brasileira, alguns
Afrânio Peixoto e que, de acordo com Clari-
autores têm revisto essas posições e pesqui-
ce Nunes, se caracterizava por “deixar de
sas vêm sendo realizadas no intuito de recon-
lado a pesquisa em fontes primárias e ele-
figurar o papel coadjuvante reservado ao ca-
ger a compilação comentada como forma de
tolicismo brasileiro.
trabalho” (apud FARIA FILHO; VIDAL, 2003,
A ação dos renovadores mineiros é re-
p. 9). Seguindo o rastro desta escrita histori-
levante e revela a participação do Estado de
ográfica, as madres Peeters e Cooman se
Minas Gerais no movimento, bem como o seu
dispuseram a produzir e publicar em 1936 a
sucesso em relação às práticas pedagógi-
Pequena História da Educação.
cas e a preservação da tradição católica. O
Ruy de Ayres Bello, outro importante in-
projeto de substituição da escola antiga pela
telectual católico, professor da Universida-
escola moderna em Minas não ocorreu na
de Católica do Recife, do Instituto de Edu-
íntegra. A atualização se deu em uma espé-
cação e catedrático da Universidade Fe-
cie de continnum, onde o passado e o pre-
deral de Pernambuco, segundo o Dicioná-
sente se integraram renovando com base em
rio Folclorista Brasileiro, publicou vários li-
“uma visão católica da realidade social” (FA-
vros: Introdução à Pedagogia (1941), Es-
RIA FILHO, 2005, p. 39).
boço de História da Educação (1945) e
A produção de uma memória nacional
Pequena História da Educação (1970), en-
que se fez representativa nos estudos de His-
tre outros. Exerceu também as funções de
tória da Educação tem apagado a presença
diretor do Instituto de Educação, membro
católica das discussões que ocorreram nas
do Conselho Universitário e do Conselho
décadas de 20 e 30, assim como também
Estadual de Educação pernambucano. Foi
tem apagado as importantes contribuições
ainda deputado estadual e membro da Aca-
que intelectuais católicos deram às questões
demia Pernambucana de Letras. Em suas
educacionais do país. A necessidade que se
contribuições valorizou a reforma de Fran-
faz premente é a de revelar esses posiciona-
cisco Campos de 1931 e a liberdade de
mentos e indicar as diferentes leituras que
ensino religioso por ela implantada. O tra-
foram feitas em relação ao movimento esco-
balho das madres Peeters e Cooman apa-
lanovista, suas apropriações e práticas. Não
rece em suas referências bibliográficas ao
em busca de uma verdade (afinal, o que vem
lado de Afrânio Peixoto, Rocha Pombo, Pri-
a ser esta?), mas buscando a compreensão
mitvo Moacyr e Bento de Andrade Filho, in-
de um recorte da história, prática já aponta-
dicando o diálogo com a produção da épo-
da por Marc Bloch como parte do ofício do
ca. Toda essa sintonia com o movimento
historiador.

54 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 55


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56 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


O PROCESSO DE REFORMULAÇÃO TEXTUAL*¹

Maria Vilani Soares²

Resumo Abstract

Esta pesquisa propõe um estudo do processo de This research proposes a study of the process of
reformulação textual de alunos da 8ª série, do ensino students' of the 8th series textual reformulation of the
fundamental, de uma escola pública na cidade de Pi- fundamental teaching, of a public school in the city of
cos-PI, a partir da análise das operações lingüísticas Pick-pi, starting from the analysis of the linguistic
observadas nos textos reformulados, verificando as operations observed in the reformulated texts, verifying
contribuições dessa atividade para o processo de en- the contributions of that activity for the process of
sino/aprendizagem de produção textual. Para tanto, teaching learning of textual production. For so much,
seguiram-se algumas das teorias sobre escritura e some of the theories were followed on deed in your
reescritura, em suas bases cognitivas. Os alunos pro- cognitive bases. The students produced the first version,
duziram a primeira versão, e, em seguida, em três gru- and, soon after, in three different groups, the
pos distintos, a reformulação de texto (individualmen- reformulation text (individually, with the friend and with
te, com o colega e com o professor). Verificou-se que, the teacher). it was Verified that, of the three
das três modalidades de reformulação, resultaram reformulation modalities, they resulted improvements
melhorias nos textos e situações de aprendizagem, in the texts and learning situations, because,
pois, independentemente de quem fossem os parcei- independently of who root the partners, the subjects
ros, os sujeitos manifestaram a capacidade de refletir manifested the capacity to contemplate on the language
sobre a linguagem e perceber a necessidade de ajus- and to notice the need of adjustments.
tamentos.

Palavras-chave: Reformulação textual. Reescrita. Keywords: Textual reformulation. Deed. Linguistic


Operações lingüísticas. operations.

A grande importância atribuída ao desen- ta e metodologias mais apropriadas para o


volvimento das atividades de produção tex- tratamento da escritura nesse contexto.
tual, levando em conta questões sobre como Alguns estudiosos como Zamel (1982) e
os alunos escrevem, o que escrevem e com Raimes (1987) direcionaram suas críticas à
que objetivos escrevem, tem sido responsá- concepção da escrita dos textos como um
vel por inúmeras investigações sobre o pro- produto acabado. Segundo Zamel (1982),
cesso da escrita, propondo explicações para essa perspectiva cria no aluno uma noção li-
os fracassos dos alunos na linguagem escri- mitada sobre o ato de escrever, uma vez que

* Artigo recebido em: agosto de 2006.


* Aceito em: outubro de 2006.
¹ O presente texto é uma versão resumida da Dissertação de Mestrado em Lingüística (UFC) da autora, defendida
em dez./2003, sob avaliação das Professoras. Dras. Maria Elias Soares (orientadora – UFC); Leonor Scliar
Cabral (UFSC); e Ana Célia Clementino Moura (UFC).
² Doutoranda e Mestre em Lingüística (UFC), Especialista em Língua Portuguesa (UFPI) e Professora do
Departamento de Letras da UFPI – Campus do Junco/ Picos-PI.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 57-74, jul./dez. 2006 57
o texto é visto como um produto fixo e acaba- de uma escola pública de Picos-PI, individu-
do, que deve ser julgado e avaliado, levando almente e de forma colaborativa (professor,
em consideração aspectos formais colegas), quanto aos tipos de reformulações
lingüísticos e características superficiais. textuais (supressão, substituição, inserção e
Para Raimes (1987), esta concepção só vai deslocamento). Suas contribuições são no
conduzir o professor a trabalhar a escrita com sentido de se buscar uma melhor compreen-
o propósito de reforçar, treinar e imitar pa- são e caracterização do processo de
drões gramaticais eleitos como corretos, se- reformulação, especialmente em situações
gundo normas gramaticais. Ao aluno é nega- interativas, e de sua relação com o desem-
da, pois, a possibilidade de reformular o seu penho dos alunos na produção de textos.
texto. Para a teoria da aquisição da escrita e
Outros estudiosos, como Pica (1986); para o ensino, esta proposta está associa-
Fiad e Mayrink-Sabinson (1991), privilegia- da, principalmente, à questão da tomada de
ram a concepção da escrita como processo. decisões que os alunos julgarem necessári-
Nesta perspectiva, o alvo não é o texto como as para a resolução dos problemas do texto.
produto final, mas o escritor, que deve estar Isto requer que eles sejam capazes de utili-
consciente de seus objetivos, da sua audiên- zar as reformulações textuais, ampliando a
cia e da necessidade de comunicar signifi- capacidade de julgar seus próprios textos,
cados. De acordo com Pica (1986), esta con- uma vez que, no processo de reformulação
cepção enfatiza a importância da revisão e textual, o aluno insere, suprime, substitui e
investe no potencial do escritor e no sucesso desloca palavras ou enunciados, reorgani-
da reescritura. Fiad e Mayrink-Sabinson zando elementos em seu texto que eles ava-
(1991, p. 55) afirmam ser a escrita uma cons- liem como inadequados e podem pensar em
trução que se processa na interação, e a re- uma boa maneira de mudá-los.
visão um momento que demonstra a vitalida- Partindo dessas observações, pressupos-
de desse processo construtivo. Concebem, tos teóricos foram considerados (HAYES et al.,
portanto, essas autoras, a produção textual 1987; SERAFINI, 1992; WHITE; ARNDT,
como um trabalho, propondo o seu ensino- 1995), a fim de que pudessem orientar a pre-
aprendizagem, através do trabalho da rees- sente pesquisa. Constatou-se, nesses pressu-
crita. Para elas, o texto original e os textos postos, que grande parte dos estudos sobre
dele decorrentes podem nos dar uma dimen- reformulação foram efetuados no sentido de
são do que é a linguagem e suas possibili- descrever as estruturas locais ou globais con-
dades. sideradas por revisores de diferentes níveis
Apesar das valiosas contribuições des- (redatores experientes e inexperientes) em
ses estudos, muitos aspectos da atividade de situações de trabalho individual. Apesar da
reescrita não foram ainda suficientemente grande importância dessas contribuições, é
problematizados. Essa realidade exige, pois, preciso considerar que o professor necessita
considerações com relação às dificuldades não somente de categorias descritivas de um
dos envolvidos no processo de reformulação produto, mas também de descrições da pró-
de textos no meio escolar. pria atividade para saber lidar, permanente-
Com esta pesquisa pretende-se ofere- mente, com as dificuldades e bloqueios dos
cer subsídios de relevância teórica e prática alunos envolvidos nessa tarefa.
que possam vir a preencher parte dessa la- Dessas constatações derivaram os pro-
cuna (reescrita), investigando o processo da blemas a serem pesquisados, os quais po-
reformulação de textos de alunos da 8ª série dem ser assim enunciados: Há evidências de

58 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


que o trabalho com reformulação de textos, tura do professor diante das atividades de pro-
individualmente e de forma colaborativa (pro- dução de texto dos seus alunos partem do prin-
fessor e colegas), produza alterações positi- cípio de que a forma como o docente respon-
vas nos textos (quanto ao significado do tex- de à escrita do aluno influencia substancial-
to), enquanto produto e processo? É possí- mente o processo de ensino/aprendizagem.
vel prever que os alunos da 8ª série de uma Considerações a esse respeito já se
escola pública de Picos-PI usam mais os ti- encontram no trabalho de Zamel (1982),
pos de reformulações (supressão, inserção, quando afirma que a forma como os profes-
supressão e deslocamento) quando traba- sores geralmente respondem à produção
lham com parceiros do que quando trabalham escrita dos seus alunos demonstra uma for-
individualmente? ma restritiva de ver a escrita. O crucial é que
Considerando-se as questões pertinen- as respostas em forma de meras correções
tes a este estudo, formularam-se as seguin- frustram, também, o professor por não iden-
tes hipóteses: (1) a atividade de reformulação tificar aprimoramento na aprendizagem da
é vista pelos alunos como uma oportunidade escrita. Visualizar o texto somente como pro-
de alterar problemas locais do texto (acentu- duto é atentar para aspectos superficiais da
ação, ortografia das palavras, pontuação, fal- escrita, o que gera uma resposta à escrita
ta de concordância e regência inadequada); que enfoca problemas meramente gramati-
(2) as atividades de reformulação cais. Segundo Zamel (1982), responder a
colaborativa de textos (professor, alunos) po- escrita dessa forma, restringindo-se aos
dem proporcionar ao aluno a consideração aspectos locais, cria no aprendiz uma noção
dos problemas globais do texto, como em- restrita da escrita e reforça a compreensão
prego inadequado de palavras, pouca de que os acertos locais devem ser perse-
informatividade (insuficiência de dados, guidos a qualquer custo, até mesmo em de-
irrelevância da informação), coesão trimento dos erros globais.
(inadequação de conectores) e coerência De acordo com Zamel (1982), a escrita
(falta de clareza das idéias, ambigüidades); como processo que faz sentido perpassa a
(3) das tarefas de reformulação (individual- consideração do propósito da escrita - para
mente, com o professor ou com os colegas) quem se escreve, e do próprio processo da
resultam melhorias nos textos e nas situações escrita - como se escreve. Na relação pro-
de aprendizado, independentemente de fessor/aprendiz no processo da escrita, as
quem sejam os parceiros; (d) os tipos de perguntas porque e para quem o aluno es-
reformulações empregados pelos alunos, a creve são extremamente relevantes.
supressão e a substituição são as que mais A autora destaca que antes de sabermos
se destacam. como ensinar a escrita, é preciso entender
como se dá o processo da escrita. Assim, não
2 Pressupostos teóricos só o professor, como também o aprendiz, deve
estar a par das estratégias da escrita. É atra-
2.1 A escrita como produto e processo vés desse ato reflexivo que a aprendizagem
se dá. Perceber a escrita como processo é
A atitude do professor de compreender a condição essencial para essa perspectiva.
escrita como produto e/ou processo relacio- Zamel afirma que o ensino da escrita
na-se diretamente com a tradição de ensino como um processo de descoberta do signifi-
da escrita e com sua postura pedagógica as- cado implica num direcionamento em que a
sumida em sala de aula. Estudos sobre a pos- revisão torne-se foco principal do curso e que

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 59


o professor intervenha para guiar os aprendi- pares de forma que um aluno bom em gra-
zes através do processo, e ao mesmo tem- mática fique junto com um que tem menos
po, a relação professor/aluno precisa ser con- conhecimento. Uma vez que a técnica com
tida de forma que os alunos aprendam en- toda a classe tenha terminado, o instrutor
quanto estão criando e percebam que áreas deverá partir para a escrita em grupos me-
precisam ser trabalhadas. nores. Os grupos irão produzir textos peque-
Seguindo essa perspectiva, Russo nos, e poderão trocar suas composições en-
(1988) apresenta uma experiência tre os grupos a fim de efetuarem os ajustes
interacionista do ensino da escrita. Para a finais e as avaliações gramaticais. As reda-
autora, a escrita não deve ser uma atividade ções poderão, então, serem lidas em voz alta,
solitária do escrevente, mas um complexo e se a turma decidir, pode-se identificar as
interativo que envolve o instrutor, outros apren- categorias em que os textos serão destaca-
dizes, e a atuação individual do aprendiz que dos. Ao encerrar os trabalhos em grupo, o
transcende a sala de aula. instrutor partirá para a escrita individual. O
Russo (1988) sugere que uma aula de instrutor poderá sugerir uma lista de palavras
escrita inicie a partir de uma frase produzida como sugestão para que os aprendizes pro-
pelo instrutor ou por um aprendiz e colocada duzam um texto a partir delas.
no quadro-negro. Os aprendizes interpretam A perspectiva da escrita como produto
a frase e direcionam as implicações dessa centraliza a “forma lingüística”, direcionando
frase de acordo com o momento. Mesmo que a prática pedagógica nas descrições e as
se utilize a mesma frase, não haverá uma práticas de ensino a tarefa da avaliação
mesma estória sobre aquela frase. Os alu- (ZAMEL, 1985). Esse foco conduz o profes-
nos apresentam as suas contribuições para sor a utilizar a escrita com o propósito de re-
a estória e conforme for o tamanho da turma, forçar, treinar e imitar padrões gramaticais
será o tamanho da estória. O processo da eleitos como “corretos”, segundo uma “nor-
criação não pode inibir o prazer da ma gramatical” (RAIMES, 1987). Quanto à
criatividade na escrita. Inicialmente, os apren- avaliação, a forma de o professor responder
dizes ou mesmo o instrutor efetuam as corre- à escrita dos aprendizes enfatiza somente
ções oralmente na medida em que o aluno aspectos locais do texto, além de não forne-
escreve no quadro. Somente nos níveis mais cer comentários seguros que levem à revisão
adiantados os próprios alunos comentam o do texto.
trabalho do outros destacando os pontos gra- Na escrita como processo, a produção
maticais e estilísticos. lingüística é resultante de um trabalho em que
O instrutor pode utilizar diferentes abor- os sujeitos realizam com a língua. Essa con-
dagens para responder à escrita dos apren- cepção de escrita evidencia o caráter
dizes. Após a criação da estória, por exem- dialógico da escrita e o trabalho cooperativo
plo, o instrutor pode sublinhar os erros de que se pode desenvolver na escola, integran-
morfologia ou sintaxe e pedir aos outros alu- do os parceiros professor e aluno na tarefa
nos para corrigirem. Ou mesmo sem marcar de construir os textos.
qualquer erro, o instrutor pode pedir aos alu- Vale ressaltar que uma visão
nos para decidirem o que está gramaticalmen- interacionista da escrita deve conceber que
te ou estilisticamente apropriado. O trabalho alguém escreve para ser lido. E como já se
em pares é sempre recomendável, além de destacou anteriormente, a escrita deve ser
trazer resultados mais rápidos e mais preci- vista como um meio de comunicar idéias. Por
sos, principalmente, se o instrutor montar os isso, o trabalho de produção textual dos alu-

60 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


nos deve ser lido não só na sala de aula pelo o que o sujeito estima que sabe do domínio
professor, como também pelos outros alunos, de referência que ele deve evocar; a organi-
ou fora dela, no caso de divulgação. zação desses conhecimentos, decidindo
Considerando os estudos sobre a pro- quais serão os conhecimentos que surgirão
dução textual, Soares (1991) apresenta uma em primeiro lugar e, enfim, agrupá-los em
discussão que parte da hipótese de que o subconjuntos temáticos; e o confronto do de-
texto é resultado da integração de proces- senvolvimento projetado à imagem que a
sos mentais em que a expressão lingüística pessoa que escreve tem do objeto, da
serve como pista para o leitor reconstruir par- destinação do texto e do público visado. Por
cialmente as estratégias usadas pelo autor, isso, a planificação supõe o emprego de ca-
compartilhando, assim, das intenções e ob- pacidades cognitivas gerais e variadas, ao
jetivos comunicativos desse falante. Segun- redor de dois pólos: o da seleção e o da or-
do a autora, a noção básica para a produ- ganização das idéias.
ção de texto é a de um planejamento, que A textualização depende diretamente da
pode ser entendido tanto no sentido funcio- atividade de redação. É uma reestruturação
nal como operacional. Soares enfatiza o das idéias, é quando o texto surge na forma
sentido funcional onde, num esquema coo- de pensamento. O autor divide as operações
perativo, metas e intenções dos participan- de textualização em dois grandes conjuntos:
tes são levados em conta na interação co- as operações predicativas e as operações
municativa, compartilhando conhecimentos enunciativas. As predicativas mobilizam duas
de mundo; experiências semelhantes; for- capacidades gerais na pessoa que escreve:
mas de organização do texto em gêneros e a seleção de designação, ou seja, a escolha
tipos; expectativas e conhecimentos de um termo do léxico a ser relacionado às
lingüísticos. Mas, numa abordagem dos mo- noções produzidas na fase de planificação e
delos de compreensão/produção de textos, a inserção dessas designações em estrutu-
Soares (1991, p. 39) afirma ser a questão ras proposicionais, supondo a escolha das
do planejamento somente um dos tópicos do designações que constituirão o termo de par-
modelo como um todo. tida de cada enunciado, e a escolha das
Outra perspectiva de processo de pro- construções sintáticas que comporão as sig-
dução de textos enfoca o papel cognitivo tex- nificações deste. As operações enunciativas
tual (DAHLET, 1994). Este autor defende uma consistem, para a pessoa que escreve, em
melhor compreensão do professor não so- determinar, de forma referencial, a relação
mente das categorias estruturais da escrita, predicativa precedente limitando-a em rela-
mas principalmente, das descrições da pró- ção às condições situacionais da troca, im-
pria atividade de produção e do comporta- plicando que a pessoa garanta dois tipos de
mento dos sujeitos assumindo uma tarefa de validação de seu enunciado: com um exteri-
redação. Para o autor, o processo de opera- or que o torne verossímil e com o que ela su-
ção da escrita é dividido em planificação, põe serem as disposições e as crenças de
textualização e revisão. seu interlocutor.
A planificação é responsável pela articu- A revisão agrupa as operações de revi-
lação do relacionamento entre conhecimen- são do texto. Subdividem-se em duas opera-
tos, uma situação e a forma que ele vai lhe ções: operações de retorno crítico ao texto,
fornecer. Esse estágio é subdividido na através das quais a pessoa que escreve pro-
mobilização e busca de conhecimentos atra- cura detectar e diagnosticar incorreções ou
vés da extração da memória de longo prazo violações da norma e avaliar as conseqüên-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 61


cias destas em termos de uma possível por três grandes etapas: o planejamento, a
incompreensão por outrem; e por outro lado, execução e a revisão. Foram concebidos
operações de adequação definitiva, durante modelos teóricos de base cognitiva, criados
as quais a pessoa tenta reduzir, senão supri- apenas com fins ilustrativos e como apoio
mir, as falhas constatadas, para entregar à didático, uma vez que o processamento
leitura, uma vez efetuado esse controle, a ver- cognitivo não obedece rigidamente às eta-
são de seu escrito que ela julgar satisfatória. pas sistematicamente propostas.
Dahlet (1994) encerra sua discussão res- Esta pesquisa, entre os modelos teóricos
saltando que todos os escritos não se asse- existentes, adota os modelos cognitivos do pro-
melham, mas têm a escritura em comum, e que, cesso da escrita propostos por Hayes e Flower
numa perspectiva cognitivo-lingüística, a escri- (1980), Collins e Gentner (1980), Serafini (1992)
tura pode ser concebida como um conjunto de e White e Arndt (1995), e os modelos de
operações globais e locais, construídas por um processamento da revisão propostos por
sujeito escritor para produzir textos, interagindo Bartlett (1982) e Hayes et al. (1987).
assim com as representações de seus leitores. Esse embasamento teórico serve como
A proposta cognitivo-textual pode ajudar tanto suporte para a compreensão das alterações
o professor quanto o aluno, permitindo ao pri- existentes nas reformulações de textos dos
meiro sistematizar as suas intervenções sobre sujeitos envolvidos na pesquisa, realizadas
os preconceitos de produção do segundo, e ao por meio de supressão, inserção, substitui-
segundo entender as tarefas definidas pelo pri- ção e deslocamento, e para a compreensão
meiro, à luz de uma representação explícita do da tarefa de reformulação como processo.
seu saber escrever. Dessa forma, a apropria-
ção das operações da redação teria de incluir 2.2.1 Modelos de processamento de
a capacidade de ultrapassar o quadro que as escritura
regula, chegar às lógicas de produção da es-
crita para poder experimentar, se for o caso, a Atualmente, as pesquisas sobre a escri-
modificação, combinando assim o domínio da ta mostram essa atividade não mais como
posição sócio-cognitiva do escritor, com o pra- uma sucessão linear de estágios fixos, e sim
zer da escritura. como um conjunto de subprocessos que fun-
Considerando a produção de texto e seu cionam tanto simultâneamente quanto
produto final como um processo que se com- recursivamente em padrões até mesmo irre-
põe de etapas interligadas e recursivas e não gulares e imprevisíveis.
como um mero ato de escrita, é que se fez Numa visão mais aprofundada, resulta-
objeto desta pesquisa analisar a do de um estudo comparativo dos modelos
reformulação no processo de construção do teóricos de processamento da escrita,
texto. Para a compreensão desta visão pro- Menegassi (1998) os classifica em dois gru-
cessual, conceberam-se modelos teóricos de pos: um de caráter mais teórico e de bases
base cognitiva, que serão comentados nas cognitivas, postulados por Hayes e Flower
subseções seguintes. (1980) e Collins e Gentner (1980); outro de
caráter mais didático, onde é marcante a pre-
2.2 O processo de construção de um texto ocupação com o aluno, postulado por Serafini
(1992) e White e Arndt (1995).
Partindo de experiências em laboratóri- No modelo de Hayes e Flower, desen-
os de produção de textos, demonstrou-se que volveu-se uma proposta para a identificação
o processo de construção de um texto passa do processo da escritura, evidenciando três

62 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


subprocessos centrais – planejamento, tradu- tempo disponível para a realização da pro-
ção e revisão - que podem ocorrer tanto dução de texto, características não
concomitante quanto recursivamente. Já no especificadas pelo grupo anterior.
modelo de Collins e Gentner evidenciaram- O modelo de Serafini destaca quatro eta-
se apenas dois subprocessos – produção de pas: plano, produção de idéias, produção do
idéias e produção do texto. É notório que a texto e revisão, sendo que as duas primeiras
diferença entre eles está na etapa de revisão, etapas pertencem ao planejamento. Já no de
que explicitamente não é proposto por Collins White e Arndt são propostas seis etapas: ge-
e Gentner, contudo suas idéias permitem en- ração de idéias, focalização, estruturação, es-
quadrar tal etapa na produção de texto. boço, avaliação e re-vendo (revisão), sendo
O estudo do planejamento textual, em am- que as três primeiras etapas pertencem ao
bos os modelos, é o subprocesso em que os planejamento.
autores mais se detêm, explicando cada aspec- Percebe-se também, neste grupo, uma
to e, muitas vezes, exemplificando com estra- preocupação marcada com o planejamento
tégias que facilitam a realização dessa fase. do texto, no entanto não é considerada como
A etapa de execução, por outro lado, é etapa primordial do processo. Neste caso a
bem pouco desenvolvida nos dois modelos. revisão acaba por tornar-se até mais
Hayes e Flower limitam-se a afirmar que ela significante que o planejamento, tomando
transforma as orientações do planejamento em aspectos mais amplos do que no grupo ante-
“sentenças escritas aceitáveis” (1980, p.15). rior, uma vez que é enfocada sob os aspec-
Aliás, segundo os autores, essa dificuldade de tos do conteúdo e da forma.
tomar material da memória de longo termo, Os dois modelos se apresentam, quan-
sob o controle do planejamento, e transformá- to à etapa da execução, mais específicos do
lo em sentenças escritas aceitáveis pode pro- que os anteriores, persistindo, todavia, na
duzir inúmeras frustrações para os escritores, mesma forma de apresentação.
fazendo com que, muitas vezes, interrompam O modelo de processo de escritura de
o processo. Collins e Gentner (1980) tecem Hayes e Flower (1980) foi construído a partir
comentários sobre o momento que denomi- dos resultados da análise de protocolos ver-
nam produção de texto, apresentando listas de bais de redatores e, por ser um modelo
itens que devem ser observados ao se escre- centrado não no produto, mas no processo,
ver o texto. Essas listas apresentam uma sé- parece ser adequado para dar uma visão
rie de considerações formais, enquadradas mais precisa das etapas nas quais os alunos
nos níveis da oração, da sentença e do texto. podem ter problemas no complexo
A revisão é comentada apenas por envolvimento com a reformulação de texto.
Hayes e Flower (1980), que a apresentam
com aspectos mais relacionados à forma do 2.2.2 Modelo de processamento da
texto produzido do que ao seu conteúdo. revisão segundo Hayes et al
O outro grupo de caráter mais didático,
formado pelos modelos de Serafini (1992) Ao considerar-se a revisão não como um
e de White e Arndt (1995), conforme a de- processo isolado, mas como um dos compo-
monstração de Menegassi (1998), apresenta nentes do processo de escrita, admite-se a
os mesmos subprocessos do grupo anteri- interdependência daquela com todos os as-
or. Nestes modelos, considera-se a produ- pectos relacionados aos componentes desta.
ção de texto em situação de ensino de sala Sob a mesma orientação cognitivista do
de aula, preocupando-se, também, com o modelo da escritura, estes autores desenvol-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 63


veram um modelo de revisão (Figura 1) divi- fazer escolhas, o revisor pode manipular a defi-
dido em dois segmentos principais: os pro- nição da tarefa, mudando, por exemplo, de um
cessos nos quais o revisor engaja-se (à es- objetivo para outro. Isso faz com que essa eta-
querda) e as categorias de conhecimento que pa seja periodicamente atualizada durante o
influenciam estes processos ou resultam de curso da revisão. Como uma construção dinâ-
suas ações (à direita). mica, a definição da tarefa depende, em parte,
de concepções armazenadas (na memória de
longo termo) do que significa revisar e de quais
informações são acrescentadas continuamen-
te pelo ambiente da tarefa4.
Pelo fato de controlar as decisões de to-
dos os outros subprocessos, a definição da ta-
refa tem o poder de limitá-los de alguma forma.
Ao comparar o desempenho dos reviso-
res experientes com o dos inexperientes durante
essa etapa, Hayes e seus colaboradores (1987,
p.193) observaram os seguintes pontos:

Figura 1 - Modelo Cognitivo de Revisão proposto 1. Revisores experientes têm mais co-
por Hayes et al (1987, p.185). nhecimento sobre como fazer planos
para guiar a performance da tarefa de
O primeiro subprocesso ilustrado no es- revisão do que os inexperientes;
quema é a Definição da Tarefa. Esse 2. Revisores experientes criam um inven-
subprocesso é a base de todas as habilida- tário de problemas antes de realizar a ta-
des de revisão, porque reflete as concepções refa de revisão, como forma de gerenciar
subjacentes do escritor do que significa revi- sua atenção, enquanto os inexperientes
sar, isto é, de quais atividades estão envolvi- não o fazem;
das na revisão, além de como esses 3. A definição da tarefa de escritores ex-
subprocessos são gerenciados. Essa etapa perientes inclui objetivos globais para re-
envolve conhecimento metacognitivo, já que visão que levam em conta o propósito do
implica consciência, por parte do revisor, de texto na situação comunicativa, enquan-
seus próprios processos cognitivos. Os au- to a dos inexperientes não inclui essas
tores fornecem o seguinte exemplo concreto: metas.
“se me derem um texto para revisar, eu devo Essas constatações levaram os autores
saber que posso ler todo esse texto antes de a concluir que revisores inexperientes devem
modificá-lo ou ler pequenos trechos de cada aprender a não só perceber aspectos que
vez e ir fazendo as modificações” (HAYES et necessitem de revisão, mas, também, a es-
al., 1987, p. 190-191). tabelecer objetivos e a fazer planos para a
A Definição da Tarefa controla as decisões tarefa, além de como monitorar sua capaci-
sobre objetivos gerais para o texto, as restri- dade de atenção ao executar o trabalho.
ções que podem limitar esses objetivos e os A dificuldade de muitos revisores nesse
critérios de avaliação que serão aplicados. Ao ponto pode ser explicada pelo fato de que a

4
Por ambiente da tarefa, os autores compreendem toda informação externa ao revisor, inclusive o texto do escritor
com as mudanças efetuadas até então.

64 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


fase inicial da definição da tarefa é afetada dem ocorrer em qualquer ordem e cooperam
por vários fatores que podem provocar uma entre si no esforço de produzir uma represen-
sobrecarga de informação. Para iniciar o pro- tação satisfatória do texto.
cesso de revisão, o sujeito necessita, entre Por exemplo, a possibilidade de encon-
outras coisas, atentar para: (a) os propósi- trar a estrutura gramatical de frases ambíguas
tos, extensão e gênero do texto; (b) as exi- pode depender de identificar alguma idéia
gências ou instruções apresentadas por um principal. Todas as decisões sobre significa-
motivador; (c) o contexto da situação; (d) o dos de palavras, estruturas gramaticais e
interlocutor; (e) as concepções sobre o pro- sobre objetivos e planos do escritor são fei-
cesso de revisão e o conhecimento textual tas de modo a produzir uma representação
armazenado na memória de longo termo; (f) integrada do texto e das intenções do autor.
as mudanças introduzidas no texto à medida Obviamente, quando as pessoas estão
que desenvolve a tarefa e (g) o número e a lendo com o objetivo de compreender, elas
complexidade dos problemas do texto. não são tão sensíveis a problemas do texto
Os métodos de controle dos revisores como são quando estão lendo com o objeti-
experientes, como a criação de inventários vo de revisar. Contudo, mesmo ao ler para
informais ou estabelecimento de planos, pa- compreender, os leitores podem perceber
recem, conforme os autores, ter o poder de alguns tipos de problemas. Até mesmo, por-
reduzir essa “sobrecarga cognitiva” e, assim, que alguns problemas do texto oferecem difi-
tornar a revisão mais eficiente. culdades de compreensão, podendo pertur-
Na etapa seguinte, a Avaliação, o revi- bar ou impedir a continuidade da leitura.
sor aplica os objetivos e critérios determina- Conforme os autores, as pessoas podem
dos pela definição da tarefa. Para Hayes e ler para compreender e/ou avaliar e/ou revi-
seus colaboradores (1987, p. 202), a avalia- sar. Quando lêem um texto para revisá-lo, as
ção é vista mais adequadamente como uma pessoas também lêem para compreendê-lo,
extensão do processo familiar da leitura para mas adotam outros objetivos adicionais.
compreensão. Em primeiro lugar, ao ler para revisar, as
Como mostra a figura 1, a fase de avali- pessoas procuram detectar e caracterizar os
ação consiste em ler para compreender, ava- problemas do texto. Esses objetivos tornam
liar e definir problemas. os leitores mais sensíveis a uma variedade
‘Ler para compreender’ é um processo no muito maior de problemas do texto. Em se-
qual os leitores tentam construir uma represen- gundo lugar, esses leitores adotam o objeti-
tação interna do significado do texto. Essa re- vo de solucionar os problemas encontrados,
presentação envolve a interação de habilida- o que os leva a tomar uma atitude mais ativa
des em vários níveis. Ao construir essa repre- em relação ao texto. Além disso, a busca por
sentação, o leitor decodifica palavras, identifi- possibilidades de melhoria pode levar a des-
cando-as e recuperando seu significado da cobertas associadas com vários níveis do
memória; identifica a estrutura gramatical das processo de compreensão.
sentenças; aplica regras semânticas para in- Por fim, se o revisor é habilidoso, adota
terpretar as sentenças; faz inferências para o objetivo de moldar o texto às necessida-
resgatar significados implícitos; aplica esque- des do público ou destinatário. Esse objetivo
mas conceituais e ativa conhecimentos de provoca efeitos profundos no desempenho do
mundo; aplica convenções de gênero; identifi- revisor em todos os níveis.
ca a essência do texto e infere as intenções e As três atividades que fazem parte da
o ponto de vista do autor. Tais habilidades po- avaliação - ler para compreender, ler para

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 65


avaliar e ler para definir problemas - apresen- sentenças. Problemas globais, como desor-
tam distinções principalmente porque: (1) pro- ganização ou incoerência, são, por natureza,
duzem diferentes resultados, que vão desde menos bem definidos, já que seu efeito atin-
simples detecções automáticas até a cons- ge o texto como um todo, não havendo uma
trução de diagnoses elaboradas do proble- forma única de resolvê-los.
ma; (2) exigem, freqüentemente, quantidade Analisando a representação do problema
de tempo diferente, pois definir o problema, de revisores experientes e inexperientes, os
por exemplo, requer um esforço considerá- autores distinguiram três tipos de diagnósti-
vel além daquele exigido na leitura com pro- cos: (1) aqueles menos bem-definidos, deno-
pósito de avaliar ou compreender; (3) estão minados “intencionais”, que acontecem quan-
associadas com as diferenças entre leitores do o revisor compara sua representação do
experientes e inexperientes, já que definir o texto ou as intenções do autor com o que está
problema é uma habilidade raramente mani- escrito e, então, decide como mudar o texto
festada pelos inexperientes. ou o plano, (2) aqueles mais bem-definidos,
O resultado da leitura efetuada é uma “baseados em regras”, que ocorrem quando
Representação do Problema, a qual manifes- um revisor já possui uma representação ade-
ta-se através de dois subprodutos: detecção quada do problema, baseado no seu conhe-
(percepção dos problemas) e diagnose (re- cimento prévio de violação das regras grama-
presentação do problema baseada em co- ticais e (3) aqueles que ficam entre esses dois
nhecimentos mais profundos sobre ele). Isso extremos, “baseados em máximas”, que acon-
quer dizer que as representações de proble- tecem quando o revisor segue algumas dire-
mas variam desde aquelas isoladas - que trizes estabelecidas, mas nenhuma regra es-
contêm pouca informação sobre o problema pecífica para basear seu diagnóstico.
- até aquelas que exigem diagnósticos ela- O diagnóstico intencional, segundo os
borados - que contêm informações autores, é o que oferece as maiores dificulda-
conceituais relativas, inclusive, procedimen- des, porque é baseado na análise do texto
tos necessários para resolvê-los. escrito em relação aos seus propósitos, a
Embora dependam de conceitos e clas- seus interlocutores ou ao foco principal. Para
sificações, as diagnoses não dependem do tanto, o revisor, sem dispor de regras pré
conhecimento de termos técnicos. Elas de- estabelecidas, precisa fazer inferências e ex-
pendem dos conhecimentos armazenados trair a essência do texto. Além disso, ao apon-
pelo revisor acerca de textos e planos. tar problemas mais complexos, que necessi-
A detecção, embora não garanta a reso- tam de conjuntos de métodos para resolvê-los,
lução do problema, constitui-se na pré-con- os diagnósticos intencionais, muitas vezes,
dição para que a revisão aconteça. O pro- indicam a necessidade de retorno ao plano
cesso da revisão simplesmente não pode para que novo texto seja gerado.
prosseguir até que o revisor perceba que o A pesquisa de Hayes e seus colabora-
plano ou o texto tem algum problema. dores (1987) sobre a representação do pro-
Para Flower e Hayes (1986), a represen- blema de revisores experientes e
tação do problema situa-se em um inexperientes indicou, no entanto, que a
“continuum” marcado por diferentes objetivos diagnose não é um passo obrigatório, pois
e restrições. A representação bem definida certos problemas são mais facilmente resol-
de problemas nesse “continuum” é mais apli- vidos, ou de forma mais eficaz, pela estraté-
cável para os casos de violação da ortogra- gia de detecção/reescritura do que pela de
fia ou das regras gramaticais relativas às diagnose/revisão.

66 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


Mesmo não sendo um procedimento 1. decide priorizar algumas atividades de
obrigatório para a atividade de revisão, a revisão;
diagnose demonstrou ser uma estratégia 2. precisa reler o texto para avaliar a in-
poderosa que os escritores mais experien- tensidade dos problemas e, então, deci-
tes possuem para lidar com problemas mais dir sobre a ordem de atuação;
complexos. O diagnóstico dos escritores ex- 3. não visualiza, no momento, um procedi-
perientes não é uma mera lista de problemas, mento exato para solucionar o problema;
mas uma representação dos problemas 4. percebe que é preciso adicionar in-
estruturados hierarquicamente. formações ao texto, mas, para isso, pre-
Depois de representar o problema, o re- cisa avaliá-lo criticamente antes de des-
visor precisa tomar decisões estratégicas para cobrir a melhor maneira de proceder;
mudar o texto. Essas decisões são apresen- 5. necessita revisar uma determinada
tadas no modelo da figura 1 pelo componente parte do texto para, posteriormente, en-
Seleção de Estratégia, o qual inclui as estra- contrar a solução para outras partes.
tégias para gerenciar o processo (ignorar o
problema, adiar o esforço ou buscar mais in- Ao adiar a ação, os escritores,
formação a fim de resolvê-lo) e as estratégias freqüentemente, precisam voltar aos planos,
para mudar o texto (reescrever ou revisar). reavaliar e reformular objetivos. Esse proce-
A decisão de ignorar o problema ocorre dimento requer muita atenção do escritor, já
quando o escritor detecta problemas que que ele terá de retornar, posteriormente, ao
acredita não serem merecedores de atenção. problema cuja solução resolveu retardar.
Escritores experientes usam essa estratégia Os autores relacionaram as seguintes
quando detectam problemas relativos a nor- hipóteses que poderiam explicar as falhas
mas opcionais de construção gramatical ou dos revisores ao retardar a ação:
de estilo, as quais são influenciadas pelo
gosto pessoal. 1. Falta de estratégias e procedimentos
Os autores perceberam, ainda, que os adequados que lhes permitam atuar de
escritores usam dois critérios para decidir acordo com seus objetivos.
ignorar um problema: o problema não cria 2. Falta de habilidade gerencial para co-
confusão para o leitor e/ou a busca de uma ordenar várias revisões.
solução é tão difícil que não vale o esforço. 3. Falta de condições para julgar a vali-
De qualquer forma, a aplicação desses crité- dade de uma solução proposta.
rios depende da habilidade do escritor em 4. Sobrecarga de memória e, conse-
discriminar problemas, fator este que diferen- qüentemente, esquecimento dos proble-
cia experientes de inexperientes. mas detectados;
A segunda ação constante no modelo da 5. Desconsideração dos problemas de-
revisão é adiar, que indica a decisão conscien- tectados anteriormente (cuja solução o
te do escritor de dividir o processo de revisão revisor resolveu retardar) influenciada
em partes. Essa ação permite ao escritor foca- pelo sentimento de satisfação com as
lizar sua atenção de maneira seletiva, detendo- revisões efetuadas posteriormente
se, a cada momento, em partes da tarefa. 6. Sentimento de que o esforço neces-
Os autores constataram que a decisão sário para fazer a revisão é grande de-
de utilizar essa estratégia pode ocorrer nos mais em relação ao impacto que essa
casos em que o escritor: revisão terá no texto.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 67


A última ação apresentada no modelo, lizada quando o objetivo do revisor é salvar
cujo objetivo, também, é gerenciar o proces- o significado do texto, utilizando uma estru-
so, é buscar estratégia usada para refinar a tura de superfície diferente. Assim como a
representação do problema mais explicita- estratégia de re-rascunhar, a estratégia de
mente. Utilizando essa estratégia, os escri- parafrasear requer pouca ou nenhuma infor-
tores tentam transformar sua representação mação de diagnóstico específico, basean-
mal-definida de um problema em bem-defi- do-se, principalmente, na identificação da
nida para, então, resolvê-lo. essência do texto.
Ao representar o problema novamente, o Conforme os autores, há muitas razões
escritor busca, na memória, conhecimento e pelas quais as pessoas escolhem reescre-
experiência relevantes e/ou vasculha o texto, ver o texto ao invés de consertá-lo. Entre elas,
a fim de entender melhor o problema. Segun- apontam o fato de sentirem-se mais livres das
do os autores, a busca, para muitos escrito- influências do texto para produzirem novas
res, é uma estratégia poderosa para promo- idéias ou apresentá-las de outras maneiras
ver descobertas importantes que influenciam e, ainda, a possibilidade de não possuírem
a seqüência do processo de revisão. Ao uma estratégia adequada para resolver o pro-
reavaliar o texto, o leitor assume um papel blema através da revisão.
bastante ativo, já que é estimulado a pensar A reescritura, embora seja uma podero-
em melhores maneiras de expressar idéias. sa estratégia, pode criar inúmeros problemas
No modelo da figura 1, constam, tam- pelos seguintes fatores:
bém, duas estratégias que são usadas
para modificar o texto: reescrever e revi- 1. Em primeiro lugar, escritores
sar. Os autores descrevem a estratégia de inexperientes, muitas vezes, não têm cri-
reescrever, como aquela utilizada pelos térios suficientes para julgar sua
revisores quando não estão preocupados reescritura e não sabem quando devem
em manter o significado e/ou a estrutura parar de gerar novas versões. Além dis-
superficial do texto original ou de parte so, a reescritura requer mais tentativa, o
dele. Em geral, a reescritura é efetuada que, geralmente, exige mais tempo que
através de dois caminhos: reelaboração uma solução focalizada em um ponto;
de rascunho ou paráfrase. 2. Em segundo lugar, a atividade de
Quando fazem um novo rascunho, os reescritura, muitas vezes, é frustrante.
escritores, geralmente, extraem o objetivo do Escritores inexperientes, quando ficam
texto e o abandonam para construí-lo nova- muito presos a uma parte específica do
mente. A ação de re-rascunhar não prevê a texto, têm dificuldade de perceber o con-
transformação de sentenças, mas a texto no qual a sentença ou o parágrafo
reestruturação até mesmo dos propósitos e estão inseridos, o que ocasiona muitos
do plano do texto. Esse procedimento pos- problemas;
sui a vantagem de oferecer economia do es- 3. Por último, escritores inexperientes, na
forço necessário para diagnosticar cada pro- tentativa de parafrasear, focalizam sua
blema, possibilitando, assim, um diagnósti- atenção no texto já escrito, o que limita
co mais geral, como aqueles referentes à suas alternativas para reescrevê-lo. Além
inadequação do que está escrito em relação disso, eles têm dificuldade em decidir se
aos propósitos do texto. a nova construção se encaixa melhor no
Já a paráfrase, segunda estratégia de contexto que a antiga.
reescritura identificada pelos autores, é uti-

68 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


Entre os escritores dos dois tipos, os au- objetivos, utilizando o mínimo de esforço. Essa
tores identificaram, ainda, aqueles que funci- escolha depende, principalmente, da percep-
onam como “apagadores”. Da mesma forma ção do revisor sobre a qualidade do texto (tipo,
como reescritores, os apagadores mudam a número e amplitude dos problemas) e de sua
estrutura superficial do texto, removendo os competência para resolver os problemas.
problemas. Embora o apagamento seja uma Concluindo, Hayes e seus colaborado-
boa estratégia para modificar o texto, se efe- res (1987) sugerem que o processo de revi-
tuada sem claros objetivos, ela pode tornar o são de escritores inexperientes poderia so-
texto pior, pois pode ocorrer eliminação de frer um grande impacto se fossem encontra-
uma idéia fundamental para a compreensão. das as maneiras de fornecer a eles um re-
A segunda estratégia utilizada para mo- pertório maior de opções, o que lhes permiti-
dificar o texto (conforme o modelo da Figura ria serem mais flexíveis e, assim, melhoraria
1) é revisar. Quando utilizam essa estratégia, seu poder de resolução de problemas.
os escritores, depois de diagnosticarem o Pelas observações acima, percebe-se
problema, selecionam um procedimento de que a revisão tem um caráter diferenciador
reparação. Os autores apontam diferenças entre os escritores experientes e os
entre escritores experientes e inexperientes inexperientes. Hayes e seus colaboradores
em relação aos tipos de problemas que eles (1987) demonstram que, no próprio texto, o
conseguem identificar e aos procedimentos escritor tem mais dificuldades de revisão do
que eles utilizam para melhorar o texto. que no texto de outros. Na presente pesqui-
Para Hayes e seus colaboradores sa, tal consideração é considerada relevante
(1987) o resultado da revisão pode ser visto no sentido de justificar o aumento ou não das
como uma matriz de problemas e soluções. alterações utilizadas pelos alunos nas tare-
Assim, cada revisor pode ser representado fas de reformulação colaborativa (com o co-
através de uma “tabela de meios-fins”, na qual lega e com o professor) e individuais.
os meios representam os problemas a serem
solucionados (globais ou locais) e, os fins, os 3 A Pesquisa
procedimentos utilizados para solucioná-los.
Ao comparar as “tabelas de meios-fins” 3.1 Coletando os dados
dos escritores experientes com a dos
inexperientes, os autores constataram as se- Os dados foram coletados por meio de
guintes diferenças: os escritores experientes dois questionários, constituídos de perguntas
detectaram uma gama maior de problemas sobre dados pessoais e, também, relativas
globais e utilizaram um número maior de es- aos temas de interesse e aos hábitos de leitu-
tratégias para resolvê-los; os meios utilizados ra e escritura dos alunos, e dos quinze textos
pelos experientes para solucionar os proble- e suas respectivas versões reformuladas. No
mas foram mais elaborados e mais concen- final dos encontros contou-se, para análise,
trados nos parágrafos do que nas frases; os com quinze (15) produções textuais em primei-
experientes detectaram mais problemas lo- ra versão, e quinze (15) versões reformuladas,
cais e, para resolvê-los, utilizaram procedi- sendo cinco (05) em situação individual, seis
mentos bastante específicos. Os autores ob- (06) com ajuda do colega e quatro (04) com a
servaram, além disso, que a escolha da estra- ajuda do professor, perfazendo um total de trin-
tégia de revisão é baseada na economia. ta (30) textos para análise.
Dessa forma, o escritor escolhe o procedimen- As redações em primeira versão foram
to que considera adequado para atingir seus produzidas sempre em função de uma deter-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 69


minada situação comunicativa, seguindo as textos a fim de aprimorá-los em todos os as-
etapas de ‘geração de idéias’ e ‘produção’. pectos que julgassem necessários. Para isso,
No momento da ‘geração de idéias’, fo- liam, novamente, o texto, antes de efetuar as
ram utilizados diferentes métodos de estímu- alterações. Os sujeitos eram deixados livres
lo à produção textual (leituras de textos para alterarem seus textos. Não lhes foi
coletados pelos alunos, discussão, debates, fornecida nenhuma orientação técnica para que
palestras, apresentação de vídeos), procuran- realizassem as atividades. As alterações
do-se instaurar uma situação comunicativa o efetuadas durante a fase de produção do texto
menos artificial possível. não puderam constituir o corpus deste estudo.
Imediatamente após cada etapa de ge- Embora essa seja uma limitação da presente
ração de idéias, os alunos foram solicitados pesquisa, isso não se constituiu em obstáculo
a escrever textos dissertativos sobre os te- para a realização deste estudo, dados os seus
mas discutidos na geração de idéias (O pro- principais objetivos. Exigir que os alunos não
grama Fome Zero no Brasil). A opção por fizessem alterações durante a fase da produ-
esse tipo de texto deveu-se ao fato de ser o ção significaria desconsiderar a existência de
mais trabalhado na faixa etária e nível esco- diferentes estilos cognitivos individuais de es-
lar dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Além crita. E, ainda, isso significaria impor uma vi-
disso, considerou-se a possibilidade de são distorcida do processo de escritura como
emergência de diferentes estratégias de re- sendo constituído de estágios fixos e lineares.
visão conforme o tipo de texto produzido, o Na reformulação com a ajuda do colega,
que mereceria outro estudo. os alunos do grupo 2 reavaliavam seus tex-
Após produzirem os textos, estes eram tos com a ajuda de outro leitor. Nessa situa-
lidos pelos alunos para a turma e, em segui- ção de reformulação em pares, os avaliado-
da, entregues à pesquisadora. Os textos pro- res liam o texto, individualmente, e faziam
duzidos, em todas as suas versões, eram fo- anotações que considerassem necessárias
tocopiados pela pesquisadora e devolvidos para a indicação de problemas ao autor. Em
aos alunos no encontro seguinte. Essas pro- seguida, os avaliadores discutiam, com o
duções escritas, bem como o material gráfi- autor, os problemas levantados no texto, sem
co utilizado nas etapas de geração de idéias que nenhuma das partes efetuasse qualquer
eram depositados, pelos alunos, em uma alteração ou utilizasse qualquer recurso para
pasta personalizada que haviam recebido no marcar o problema. Após a discussão, cada
início das atividades propostas. aluno reavaliava seu texto, individualmente,
Na tarefa de reformulação, dividiu-se a observando as questões apontadas e fazia
turma em três grupos distintos. A cada grupo ou não as modificações, o que dependia de
foi atribuída uma tarefa diferente: grupo (1), seu julgamento. Esse procedimento visou
composto de cinco alunos, reformulação in- garantir a liberdade do autor para alterar ou
dividual; grupo (2), composto de seis alunos, não o texto sem qualquer forma de pressão.
reformulação com a ajuda do colega e grupo Nesta etapa de avaliação, os alunos foram
(3), composto de quatro alunos, reformulação instruídos a não abordarem questões diver-
com a ajuda do professor. gentes, relativas à opinião pessoal, a menos
Na reformulação individual, os alunos do que observassem incoerências no texto e,
grupo 1, após a produção dos textos, eram ins- ainda, a não negociarem os significados ape-
truídos para a necessidade de alternar os pa- nas oralmente, deixando de ajustar a escrita
péis de produtor e leitor do texto, verificavam, pelo fato de terem compreendido os aspec-
por sua iniciativa, a necessidade de ajustar os tos obscuros através do diálogo.

70 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


Nas atividades de reformulação dos tex- números apresentados servem apenas para
tos em conjunto com a professora, os alunos possibilitar uma visão panorâmica das alte-
do grupo 3 foram alertados para a necessi- rações utilizadas pelo aluno, apurada no
dade de discussão dos aspectos levantados, corpus e representam o ponto de partida para
já que a leitura desse avaliador poderia não a análise qualitativa.
estar adequada às intenções dos autores do Os textos produzidos pelos alunos foram
texto. Além disso, procurou-se conduzir o di- analisados, inicialmente, através da compa-
álogo de forma a fazer emergir soluções sem ração entre a primeira versão e a versão
apontá-las. Para tanto, forneciam-se, aos alu- reformulada. Para isso criou-se para cada
nos, pistas que pudessem conduzir à solução texto um quadro (1) com quatro colunas, co-
dos problemas. Em último caso, quando de- locando-se na primeira a numeração dos pa-
monstravam desconhecimento de algum as- rágrafos; na segunda, a primeira versão; na
pecto indispensável para o encontro da solu- terceira, a versão reformulada, com indica-
ção, as possíveis formas de solucionar o pro- ção das alterações ocorridas, e na última
blema eram apontadas. Cabe observar ain- coluna os resultados das alterações: RP (re-
da que, na maioria das situações de aponta- sultado positivo); RN (resultado negativo) e
mento de problemas por parte da professo- RI (resultado indiferente).
ra, nem todas as falhas foram indicadas, pro- Nesta investigação, analisaram-se as
cedimento que se considerou adequado para quatro alterações que um escritor pode reali-
evitar a sobrecarga de informação e, em con- zar no seu texto: suprimir, inserir, substituir e
seqüência, a baixa atuação do sujeito na re- deslocar um segmento. Um segmento pode
visão de seu texto. Além disso, com o propó- ser um parágrafo, uma frase, parte de uma fra-
sito de garantir a motivação do aluno, procu- se, uma palavra e mesmo parte de uma pala-
rou-se, sempre que possível, elogiar os as- vra. Optou-se pela utilização de alguns proce-
pectos positivos do trabalho produzido. dimentos, a fim de representar, na escrita, os
diferentes tipos de alterações utilizadas pelo
3.2 Levantamento e análise de dados escritor nas duas versões produzidas: (1) su-
pressão (texto tachado); (2) inserção (texto
O objetivo deste estudo não é apenas a em negrito); substituição (texto sublinhado);
apresentação de uma análise quantitativa. Os (3) deslocamento (texto em itálico).

Quadro 1 - Demonstração das alterações efetuadas e dos resultados entre a versão inicial e a versão
reformulada individualmente

PARÁGRAFO VERSÃO INICIAL VERSÃO REFORMULADA RESULTADO

Acredito que a culpa da INS.- RP


1º Não vou me referir tanto fome não é tanto do governo SUBST.- RN
a governo mas sim a mais sim da população, SUPRES.-RN
população. Hoje em dia quanto alimento jogado fora,
se fizermos tudo no mercado, quantas frutas
controlado não estragadas, ... (linhas 1-2)
precisaríamos estar
desperdiçando alimentos.
(linhas 1-2)

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 71


Posteriormente, efetuou-se a computa- reformulação de seus próprios textos. Os
ção geral desses dados, em cada uma das quadros não dão conta de todos os proble-
modalidades de reformulação (individual- mas encontrados nas atividades de
mente, com o professor e com a ajuda do reformulação, mas apenas daqueles que
colega) com o propósito de evidenciar o de- desencadearam alguma mudança no texto,
sempenho dos sujeitos nas tarefas de seja ela positiva ou negativa.

Quadro 2 - Total das alterações úteis (+) e prejudiciais (-) efetuadas em cada modalidade de
reformulação

TIPOS DE REFORMULAÇÃO REFORMULAÇÃO REFORMULAÇÃO RESULTADO


REFORMULAÇÃO INDIVIDUAL COM O COLEGA COM O PROFESSOR GERAL

(+) (–) T (+) (–) T (+) (–) T

supressão 03 11 14 10 20 30 11 07 18 34%

inserção 10 01 11 16 03 19 10 03 13 24%

substituição 12 07 19 16 12 28 12 05 17 35%

deslocamento 01 01 02 04 02 06 01 03 04 7%

alterações % 57% 43% 25% 55% 45% 46% 65% 35% 29% ____

Para proceder a essa quantificação, tor- os casos relacionados ao emprego do léxico


nou-se necessário tomar cada ocorrência, na (inadequação vocabular), à informatividade (in-
qual o aluno efetuou alguma alteração, e suficiência de dados, irrelevância da informa-
classificá-la segundo os critérios estabeleci- ção), à coesão (emprego inadequado de
dos neste trabalho. Essa classificação não conectores) e à coerência (falta de clareza das
foi tarefa fácil, visto que o significado de um idéias, ambigüidade).
elemento, tomado isoladamente, pode não Imediatamente após a apresentação dos
coincidir com aquele que assume em relação dados quantitativos obtidos da análise de
ao todo. Sendo assim, procurou-se, sempre cada aluno, procedeu-se ao exame das
que possível, julgar cada ocorrência, verifican- reformulações efetuadas, primeiramente nas
do-se seu maior efeito na realização, ou lo- etapas individuais e, em seguida, nas
cal, ou global do texto. colaborativas (com a ajuda do aluno e com a
Baseando-se, então, na observação sis- ajuda do professor).
temática dos textos analisados neste estudo,
para quantificar-se os dados, dividiram-se as 4 Considerações finais
reformulações efetuadas nos textos em dois
grupos: aquelas que incidiram sobre os pro- Considerando-se que, a maioria das
blemas locais e aquelas que incidiram sobre reformulações efetuadas por esses alunos pro-
os problemas globais. Foram considerados vocaram melhorias nos textos, e que, princi-
problemas locais os relativos à acentuação, à palmente, serviram para desmistificar a idéia
ortografia das palavras e à pontuação. Quan- do texto como sendo produto de um esforço
to aos problemas globais foram considerados inicial, único e suficiente, é possível conside-

72 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


Quadro 3 - Resultado geral dos aspectos locais e globais reformulados

MODALIDADES DE ASPECTOS ASPECTOS


REFORMULAÇÃO LOCAIS GLOBAIS

(+) (-) % (+) (-) %

INDIVIDUAL 16 11 27 23 38 61

COM O COLEGA 11 07 18 61 40 101

COM O PROFESSOR 09 17 26 55 36 91

RESULTADO (%) 21% 23% 22% 79% 77% 78

rar a experiência como positiva para seu cres- Aliás, cabe ressaltar as contribuições das
cimento, o que só vem confirmar a hipótese tarefas de reformulação de forma colaborativa
de que, das tarefas de reformulação (individu- para o professor, que, passando a participar
almente, com o professor ou com o colega), do processo de construção da escrita de seus
independentemente de quem sejam os parcei- alunos, tem a oportunidade de conhecer esti-
ros, resultam melhorias nos textos e nas situ- los individuais de escritura. Essa mudança de
ações de aprendizado. A tarefa de paradigma do produto para o processo pode-
reformulação deve ser utilizada constantemen- rá auxiliá-lo na construção de metodologias
te na escola, com a mesma importância que mais eficientes para o ensino, porque estão
está sendo empregada nas etapas de plane- baseadas no reconhecimento das reais difi-
jamento e execução das produções textuais, culdades e, principalmente, das formas de
criando um automatismo benéfico nos alunos. aprendizado de seus alunos.
A análise dos resultados desta pesquisa Esta pesquisa, sem a pretensão de ofe-
mostrou que, inicialmente, os alunos possuíam recer resultados definitivos, revelou que a ta-
um conhecimento rudimentar sobre a necessi- refa de reformulação pode ser uma alternati-
dade de regulação da linguagem. Quando va para que os alunos percebam a escrita, já
reformulavam os textos, os sujeitos alteravam no âmbito da instrução, como uma atividade
apenas poucos aspectos que não provocavam relevante para a vida. Como afirma
mudanças significativas no texto. A falta de ha- Figueiredo (1994, p.157), ”Escrever não é um
bilidade para se distanciarem de seu produto dom, nem um privilégio inato dos gênios, mas
e realizarem a auto-avaliação foi identificada, um trabalho aturado e orgânico, um trabalho
principalmente, na atuação individual. que envolve o fazer e o refazer”.

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74 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES:
MODELOS CLÁSSICO E CONTEMPORÂNEO*

José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho

Resumo Abstract

Neste artigo apresento, de forma sucinta, o estado da In this article I present, in a brief way, the state of the
arte das investigações sobre a formação continuada investigation art about the continued formation of
de professores. Caracterizamos os modelos clássico teachers. We characterized the classic models trod
calcado na racionalidade técnica, com suas diferen- upon in the technical rationality, with their different
tes terminologias (treinamento, capacitação, terminologies (training, qualification, recycling) and
reciclagem) e contemporâneo alicerçado na ação-re- contemporary consolidation on the action –reflection-
flexão-ação, onde o educador é o sujeito de sua práti- action, where the educator is the subject of its practice
ca que deve ser permeada por um contínuo processo that must be permeated by a continuous process of
de formação, sistematizada e capaz de formation, systematized and able to orchestrate it, in
instrumentalizá-lo, para que ele crie e recrie a sua order to create and re-create its practice through the
prática através da reflexão sobre o seu cotidiano. Uti- reflection about its daily. I use as references Freire
lizo como referências Carvalho e Gil-Perez (1993), (1996), Carvalho and Gil-Perez (1993), Nóvoa (1995),
Freire (1996), Nóvoa (1995), Marin (1995), Schön (2000), Marin (1995), Schön (2000), Menezes (2001), Pimen-
Menezes (2001), Pimenta e Ghedin (2002), dentre ta e Ghedin (2002), among others. The study aims to
outros. O estudo aponta para a necessidade de elabo- the necessity of elaboration of an educational practice
ração de uma prática educacional que trate a forma- that treats the formation and actuation in a more
ção e atuação de forma mais rigorosa, competente e rigorous, competent and interdependent way making
interdependentes possibilitando a interpretação e re- possible the interpretation and reflection, own of the
flexão, próprias da atividade do professor. teacher activities.

Palavras-Chave: Formação docente. Formação con- Keywords: Teaching formation. Continued formation.
tinuada. Modelos de formação. Models formation.

1 Introdução to e controle da profissão docente. Por qua-


se um século foram o lócus formal e obriga-
A formação de professores na socieda- tório como instituição de formação de profes-
de brasileira similarmente a Portugal sores para atuar no ensino Fundamental.
(NÓVOA, 1995) e França, ocorre inicialmen- Conforme apresentado por Mendes So-
te nas escolas normais que foram as primei- brinho (1998), a implantação das escolas nor-
ras instituições criadas pelo poder público mais no Brasil, a partir do século XIX esteve
como espaço privilegiado para o delineamen- vinculada ao modelo francês de preparação

* Artigo recebido em: abril de 2006.


* Aceito em: setembro de 2006.
¹ Doutor em Educação (UFSC). Professor Adjunto da UFPI/CCE/ Programa de Pós-Graduação em Educação.
Coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre Formação de Professores e Vice-Diretor do Centro de Ciência da
Educação (UFPI). Membro do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Piauí.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 75-92, jul./dez. 2006 75
de docentes, com algumas alterações, e re- são apresentados alguns problemas relativos
presentou um ponto de partida para a a esta formação, como: predomínio de cur-
escolarização das massas e da criação de um sos de licenciaturas oferecidos por institui-
ambiente especifico para a afirmação profis- ções privadas e que funcionam em situação
sional que somar-se-ia a partir da década de precárias; desconsideração da experiência
30, do século XX, às faculdades de filosofia, e do conhecimento que os professores pos-
ciências e letras e às universidades, embora suem a partir de suas práticas; currículos en-
tardiamente, como responsáveis pela forma- ciclopédicos, elitistas e idealistas. Segundo
ção inicial dos docentes brasileiros. esta pesquisadora,
Neste contexto, a formação de professo- Complementando a situação apresenta-
res para o ensino Fundamental tem sido as- da nos parágrafos anteriores, Gatti (1996,
sociada, ao longo dos tempos, a apostolado 1997) deixa explicito o que já é de domínio
ou sacerdócio - a ser exercido com a humil- de grande parcela da população brasileira,
dade e a obediências - e utilizada para legiti- sobretudo professores e professorandos, -
mar o saber produzido no exterior da profis- que na universidade brasileira, a formação de
são docente através da vinculação de uma professores ocupa um lugar bastante secun-
concepção de professores centrada na difu- dário. Prioriza-se a pesquisa - considerada
são e na transmissão do conhecimento. importante na avaliação institucional - e a ela-
Dispomos, atualmente, de um número sig- boração do conhecimento cientifico.
nificativo de pesquisas sobre a formação de Para Gatti, a questão da formação de
professores em diferentes níveis e modalida- professores, tanto a inicial como a continua-
des de ensino. Um amplo estado da arte sobre da, necessita ser redirecionada e envolver
este assunto foi desenvolvido por Silva et al todos os participes do processo educativo.
(1991) e que abrange o período de 1950 a Entretanto, a problemática da formação
1986. Ludke (1994) explicita os resultados de dos professores não limita-se apenas aos
uma pesquisa sobre formação de docentes aspectos anteriormente explicitados. Klein
para o ensino fundamental e médio (as licenci- (1992), após analisar a produção de alguns
aturas) sob a chancela do Conselho de Reito- autores identifica que os mesmos são unâni-
res das Universidades Brasileiras - CRUB. Por mes quanto à existência de: “uma incompe-
outro lado, Gatti (1996) apresenta análises com tência técnica, ou seja, um despreparo do
vistas a um referencial para políticas de forma- professor para ensinar um aluno que apresen-
ção de professores para o ensino básico. ta característica socioculturais decorrentes
A pesquisa coordenada por Silva et al de sua condição de classe - a classe traba-
(1991) indica que a formação de professo- lhadora - e, mais do que isso, de segmentos
res não tem sido assumida como dimensão acentuadamente pobres dessa classe”
institucional de primeira linha, apesar de a (KLEIN apud PESSANHA, 1994, p.9).
universidade manter inúmeros cursos cuja Os problemas que permeiam a formação
maioria dos egressos terá como destino o de professores não são privilegio apenas da
ensino. O professor continua a ser tratado de sociedade brasileira. Para o educador portu-
modo genérico e abstrato, não se levando em guês Rodrigues-Lopes (1991) as grandes in-
conta as circunstâncias reais que delimitam terrogações na formação docente estão:
sua esfera de vida e profissão.
Gatti (1992) também analisa a situação 1. Na inadequação da integração da
da formação docente no Brasil - tanto a pré- relação teoria e prática; 2. Na
serviço como a continuada -. Nesse estudo insuficiência do processo de

76 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


formação, em matéria de duração, a planejar e selecionar os conteúdos
conteúdos e ações; 3. Na e metodologia destas propostas; o
massificação do processo de clima de confrontação entre os
formação que não permite a sistemas e o magistério, dada a
personalização e o desenvolvimento negação de salários justos e
de uma ética de profissionalismo; 4. condições de vida e trabalho
Na precária rentabilidade dos custos satisfatórios; a visão da formação
da formação (e do investimento na como uma obrigação, dada a sua
educação, em geral.; e 5. Na organização e implementação de
disfuncionalidade dos modelos e forma desarticulada da prática
tipos de formação, relativamente à escolar; e a desconfiança por parte
especificades dos níveis de ensino das autoridades com relação aos
(diplomas e certificados) (p. 45-46). conhecimentos produzidos
pelos(as) professores(as). (grifos
meus, p. 227).
Para suprir as lacunas provenientes des-
sa má formação proliferam diversas cursos
de ‘atualização’, ‘aperfeiçoamento’ e/ou ‘es- O que aponta para a necessidade de
pecialização’, que em geral, priorizam o de- suplantar-se o modelo clássico de formação
senvolvimento institucional - de quem ofere- de professores, calcada na racionalidade téc-
ce - e não o desenvolvimento pessoal - que nica, ainda influência do positivismo e que fez
deve permear a formação continuada -. emergir uma concepção de realidade sob o
Nascimento (1997) considera as atuais controle dos burocratas e tecnocratas privan-
propostas de formações de professores (as) do o professor de refletir sobre sua prática e
em serviço insuficientes para provocarem modificá-la por iniciativa pessoal.
mudanças nas práticas educativas e nas ins- Esta situação que vem sendo
tituições. Contribuem para esta situação as- diagnosticada e têm fomentado a multiplica-
pectos como: ção de pesquisas e a disseminação de pro-
postas para a formação de professores, seja
A descontinuidade das ações que
no que diz respeito à formação inicial como
têm sido implementadas; a a continuada. Essas propostas apontam ca-
perspectiva fragmentada entre teoria minhos para a introdução de mudanças que
e prática e entre estas e os promovam uma formação constante destes
sentimentos, os valores etc; a atitude profissionais, capaz de trabalhar de modo
normativa e prescritiva em relação mais integrado as dimensões político-social,
aos professores e às professoras;
ética, científica e didática do magistério, as-
o custo oneroso dos cursos,
seminários, etc.; a realização destas
sim como de promover melhores condições
ações fora do local e do horário de de trabalho e fortalecer a profissão.
trabalho; a desarticulação com
projetos coletivos e/ou institucionais; 2 Os Professores em Serviço e a sua
a concepção de formação como Formação
reciclagem e atualização de
professores e não como
2.1 Modelos Clássicos: críticas aos
oportunidade de desenvolvimento
profissional em suas múltiplas
padrões dominantes
dimensões; a distância entre os que
concebem as propostas e a prática De acordo com o modismo de cada épo-
escolar. Os professores e ca, a formação em serviço tem assumido di-
professoras não são chamados(as) ferentes denominações: reciclagem, treina-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 77


mento, capacitação, aperfeiçoamento e mais fessores” (p. 226)
recentemente formação continuada. Indepen- A utilização do termo reciclagem e a sua
dentemente das denominações essa forma- própria concepção como modelo de forma-
ção, tradicionalmente, é imposta de cima ção em serviço, também é criticada por Marin
para baixo, não considera o professor (sua (1995), que assim se posiciona:
prática, suas aspirações) como profissional,
os anseios da escola e da comunidade, a [...] a adoção desse termo e sua
historicidade e o coletivo. concepção em nosso meio
Conforme abordarei, sucintamente neste educacional levaram à proposição
item, tais termos carregam consigo distintas e a implementação de cursos
rápidos e descontextualizados,
compreensões epistemológicas e pedagógi-
somados a palestras e encontros
cas, da atuação docente, e consequentemente esporádicos que tomam parcelas
do papel do professor quer durante a forma- muito reduzidas do amplo universo
ção profissional, quer no processo educativo que envolve o ensino, abordando-o
que desempenha na escola. superficialmente (p. 14).

2.1.1 A reciclagem O termo reciclagem também é bastante


utilizada/apropriada para a área industrial e
Termo bastante utilizado na área educa- pelos ecologistas/ambientalistas, para indi-
cional, na década de 80, do século XX, trans- car os processos de transformações de ma-
mite a impressão que se quer reaproveitar o térias: orgânicas - como do lixo em adubos -
conhecimento. Consultando Ferreira (1995, ou inorgânicas - vidro, alumínio e plásticos -
p.554) verifiquei que nesta área o termo sig- com fins de (re)aproveitamento.
nifica: atualização pedagógica e cultural para Seria possível então reaproveitar ou
se obterem melhores resultados. Desta for- reciclar o conhecimento e a prática pedagó-
ma, sua utilização é criticada pois, para ha- gica do professor? Um curso de 30, 40 ou 60
ver a “reciclagem” é necessário considerar o horas com fins de simples atualização (?) de
professor uma tábula rasa e substituir toda conteúdos específicos em alguma área do
uma formação e prática anterior por algo que conhecimento pode ser considerado como
foi transformado através de uma manipula- formação contínua? É, no mínimo temeroso,
ção. Além disto, salvo algumas exceções, as reduzir o processo de formação a apenas
ações planejadas para as denominadas este tipo de iniciativas!
reciclagens - não consideravam as necessi-
dades do professor e sua prática anterior - 2.1.2 O treinamento
limitavam-se à atualização de conteúdos es-
pecíficos. O que redundou em atuações inó- Muito utilizado na área de recursos hu-
cuas e desmotivantes. mano. Pressupõe uma relação de instrução
Nóvoa (1997), crítica a utilização des- versus aprendizagem. Para Chiavenato
ta terminologia na área educacional. Prin- (1981) o treinamento tem por finalidade “[...]
cipalmente, durante a implantação de refor- adaptar o homem para o exercício de uma
mas e/ou novos métodos de ensino. Além determinada função ou para a execução de
disto, “a vulgarização da expressão tarefa específica” (p.155), ou seja, modificar
reciclagem, de grande pobreza conceitual, o comportamento do treinando com objetivos
ilustra bem a prevalência de uma atitude restritos, imediatos e de acordo com as ne-
normativa e prescritiva em relação aos pro- cessidades da organização. Para este autor,

78 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


o treinamento envolve a transmissão de co- ações de “capacitação” visando à
nhecimentos específicos relativos ao traba- “venda” de pacotes educacionais ou
lho, atitudes frente a aspectos da organiza- propostas fechadas aceitas
acriticamente em nome da inovação
ção, da tarefa e do ambiente.
e da suposta melhoria, No entanto, o
Ao termo treinamento associam-se que temos visto são conseqüências
ações que envolvem automatismo e relegam desastrosas durante e após o uso de
a reflexão ao segundo plano. Embora esteja tais materiais e processos, pois há
cada vez mais distante dos meios educacio- todo tipo de desvio, de
nais formais o mesmo tem sido bastante uti- desorganização internas das escolas
lizado, nos anos noventa, no denominado pro- que eliminam certas formas de
trabalho sem ter correspondentes
cesso de “educação para a qualidade”: cuja
alternativas adequadas para ocupar
ênfase é a ação com vistas o alcance dos tais funções (p. 17).
resultados organizacionais. No seu planeja-
mento define-se o Que? Quem? Quando?
Corroborando com estas críticas
Onde? E como? Assim, na área industrial/
Barbieri et al (1995) afirmam que, no desen-
empresarial treina-se ou adestra-se profissi-
volvimento das ações dos cursos de
onais que desenvolverão atividades lineares/
capacitação pretendia-se preservar os prin-
mecânicas como o torneiro, o digitador e o
cípios da racionalização, neutralidade, efici-
fresador. Há uma interação individuo-organi-
ência e eficácia, reforçando a dicotomia en-
zação na perspectiva da satisfação de de-
tre os que concebem o trabalho pedagógico
mandas.
e os que executam.
Entretanto, é embaraçoso e carece de
Ficam assim, explicitados alguns aspec-
significado treinar/adestrar professores. O
tos relativos às diferentes terminologias utili-
que é inconcebível visto que o mesmo desen-
zadas para denominar programas de forma-
volve uma atividade intelectual que deve ser
ções de professores em serviço. Encontram-
autônoma - e não mecânica - e que envolve
se na literatura da área, que inúmeros estu-
uma interação entre pessoas (professores x
dos criticam programas de formação que se
alunos) e não com máquinas.
alinham a estas perspectivas, tanto no que
diz respeito às suas concepções quanto às
2.1.3 A capacitação
execuções. Algumas delas são a seguir con-
sideradas.
Possui dupla significação – “tornar ca-
Nesta perspectiva, a formação em ser-
paz, habilitar ou convencer, persuadir”
viço, tradicionalmente é concebida por ór-
(FERREIRA, 1995, p.125). São significações
gãos centrais que tendem a não considerar
pouco compatíveis com a docência. Inúme-
os docentes, suas práticas e necessidades.
ras críticas têm contribuído para minimização
Segundo Viviani (1993) esta situação é pro-
do uso deste termo nos meios educacionais.
blemática, visto que as atividades
Marin (1995) apresenta críticas à utilização
deste termo visto que houve um desvirtua-
mento dos cursos e a imposição de mode-
São planejadas a partir de um ponto
los/ materiais que fugiam à realidade do pro-
de vista externo aos problemas
fessor e do aluno. Neste contexto, concretos do professor, como se
este tivesse muito que aprender e
A adoção dessa concepção pouco com que contribuir em termos
desencadeou, entre nós, inúmeras de experiência prática, levando a

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 79


uma perspectiva fragmentada do tema estabelecido e que tinham por finalida-
conhecimento. Os órgãos centrais de a manutenção do poder hegemônico e da
burocráticos do poder público ordem social estabelecida. O professor era
planejam tais treinamentos para um
tratado como uma tabula rasa que deveria
professor e uma escola idealizada,
geralmente de forma centralizada receber mecanicamente os conhecimentos a
(grifo meu, p.137). serem repassados pelos ‘treinadores’.
Esta situação não pode ser caracteriza-
O resultado destas imposições de políti- da como uma atividade que contribua para a
cas de formações de professores em servi- formação do professor. Além do mais, não se
ços através de treinamentos, capacitações e/ concebe uma formação que desconsidere a
ou aperfeiçoamentos, quando atreladas à im- instituição escolar, o social, a questão cultu-
plantação de reformas do ensino, tanto na es- ral e o papel político da educação. Tradicio-
fera federal como estaduais é que as mesmas, nalmente, os denominados programas de for-
nem sempre, atingem o sucesso esperado. mação de professores não extrapolam, com
Corroborando com isto, Chantraine- raríssimas exceções, o mero procedimento
Demailly (1995), afirma que parcela conside- técnico e pretensamente neutro, que
rável dos denominados cursos de formação priorizam - quando muito - a transmissão de
em serviço - independentemente da denomi- algum tipo de conteúdo específico, com a fi-
nação - caracteriza-se, como: nalidade de suprir alguma lacuna originária
na formação inicial.
Sintetizando posicionamentos que refle-
Programa muito pouco negociável,
definido por uma instância de tem as posições contemporâneas e em
legitimidade superior aos sintonia com a construção de uma educação
formadores e aos formandos, que progressista, Fusari e Rios (1995) caracteri-
uns e outros deveriam ‘seguir, e que zam a formação em serviço como um “pro-
serve para aferir ou julgar os cesso de desenvolvimento da competência
resultados obtidos. Formações
dos educadores, aqueles que têm como ofi-
enfim, que são obrigatórias ou quase
cio transmitir - criando e reproduzindo - o co-
obrigatórias, que têm como instância
legitima de impulsão os nhecimento histórica e socialmente
departamentos ministeriais ou os construído por uma sociedade” (p.38). Nesta
seus prolongamentos regionais ou formação deve-se considerar o educador
locais (p, 146). como cidadão concreto; as deficiências da
educação formal sem pretender superar to-
Além da questão de quem planeja e/ou das as deficiências e lacunas; considerá-la
executa e das terminologias: treinamentos ou como um processo intra e extra-escolar; a
reciclagens, outros problemas são participação efetiva dos educadores e que
explicitados. Barbieri et al (1995) crítica a identifica suas necessidades de capacitação
duração e as ações dos mesmos que “conti- e estar calcado na ação-reflexão.
nham determinações detalhadas das ações Em acordo com estas características
dos professores. Cursos de 30 h, com con- para a formação em serviço Stroili e Gonçal-
teúdos previamente estabelecidos, sob a re- ves (1995), sugerem que ela deve: a) supe-
gência de um só professor, geralmente do- rar a dicotomia teoria-prática; b) desenvolver
cente de uma universidade” (p.30). Eram a criticidade, a autonomia e a criatividade dos
prescrições receitadas aos professores por educadores alicerçada na ação-reflexão-
equipes centrais e/ou representantes do sis- ação; c) instrumentalizar o educador para o

80 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


exercício da cidadania e de um trabalho pro- se da prática dos professores, tentando com-
fissional competente; d) ter caráter duradou- preender como utilizam o conhecimento
ro e permanente; e) promover diferentes mo- cientifico, como enfrentam as situações com-
mentos e formas de reflexão apoiados no plexas, singulares, imediatistas, conflituosas da
conhecimento historicamente construído. sala de aula (CALDEIRA; AZZI, 1998).
Estas considerações sugerem um deslo- Caldeira e Azzi (1998) concordam com
camento relativo do papel a ser desempenha- Schön e vão além, ao demonstrarem uma
do pelos processos de formação em serviço, preocupação com aspectos relativos ao re-
advindo de uma mudança de concepção que lacionamento entre professor, aluno e conhe-
na seqüência procurarei caracterizar. cimento:

2.2 Mudança de concepção - a formação [...] nossa perspectiva é a do trabalho


continuada docente como práxis, em que a
unidade teoria-prática se caracteriza
Verifica-se que a literatura atual sobre a pela ação-reflexão-ação. E, também,
porque só com a práxis o professor
formação do professor tem enfatizado, com um
apreende, compreende e transforma
certo grau de intensidade, a necessidade de a situação do ensino, ao mesmo
formarem docentes enquanto práticos reflexi- tempo em que é transformado por
vos. São distinguidos três conceitos que inte- ela. Contudo, a práxis não acontece
gram o pensamento prático: a) conhecimen- espontaneamente. Ela é construída,
to-na-ação, saber fazer e saber explicar o que e dessa construção participa a
se faz; b) reflexão-na-ação, quando pensamos formação acadêmica do professor
(grifo meu, p.107).
sobre o que fazemos; e c) reflexão sobre a
ação e sobre a reflexão na ação, analise so-
bre sua ação. (SCHÖN,1995, 2000). No entanto, concebem uma formação
Schön oferece interessante contribuição de professores reflexivos que, segundo suas
para se repensar a concepção de formação afirmativas:
de professores. Ele analisa dois modelos de
formação de profissionais. Para o modelo da [...] pretende superar o modelo de
racionalidade técnica, herdado do reflexão na e sobre a ação de Schön,
buscando referenciais que
positivismo, a teoria consiste num conjunto de
possibilitem uma concepção do
princípios gerais e conhecimentos científicos, professor como profissional crítico,
e a prática, na aplicação rigorosa de teorias capaz, por um lado, de identificar os
e técnicas científicas. Nessa perspectiva, a determinantes sociais mais amplos
teoria vem em primeiro lugar. Primeiro os pro- que condicionam sua prática
fessores adquirem os conhecimento dos prin- docente, bem como as condições
cípios, das leis e das teorias que explicam o materiais da escola que estabelecem
os limites para seu trabalho, e, por
processo de ensino-aprendizagem. Só num
outro lado, como sujeito histórico do
segundo momento aplicam esses princípios, processo de ensino-aprendizagem,
leis e teorias na prática escolar. de criticar e transformar cotidiano
Outro modelo analisado por Schön, é o da escolar, em razão de um determinado
racionalidade prática, representa uma tentati- projeto educativo (p. 106).
va de superar a relação linear mecânica entre
o conhecimento cientifico-técnico e a prática Independente da terminologia utilizada,
escolar. Nessa perspectiva, parte-se da análi- às vezes imprópria para a área educacional,

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 81


a formação contínua do professor deve su- ta entre as dimensões pessoal e profissio-
perar o tradicional individualismo e aconte- nal. Assim, deve-se oportunizá-lo a apropri-
cer num ambiente coletivo e em busca da ar-se de seus processos de formação e dar-
autonomia profissional. lhe um sentido no quadro de suas história
Com a finalidade de instituir novas rela- de vida. O desenvolvimento de uma nova
ções dos professores com o saber pedagó- cultura profissional dos professores passa
gico e científico, Nóvoa (1995), advoga a ne- pela produção de saberes e de valores que
cessidade da diversificação dos modelos e dêem corpo a um exercício autônomo da
práticas de formação, instituindo novas rela- profissão docente, como elementos que tam-
ções dos professores com o saber pedagó- bém subsidiem, o que Nóvoa denomina de
gico e científico. A formação passa pela ex- ‘produzir a profissão docente’.
perimentação, pela inovação, pelo ensaio de
novos modos de trabalho e por uma reflexão b) desenvolvimento profissional (produzir a
crítica sobre a sua utilização. A formação pas- profissão docente)
sa por processos de investigação, diretamen-
te articulados com as práticas educativas. Nóvoa (1995) defende a formação
A defesa da formação do professor criti- alicerçada em paradigmas que valorizem a
co-reflexivo é assumida por Nóvoa (1995), ao práticas coletivas e reflexivas. O que pode
valorizar a prática docente e sua contribuir para a emancipação/autonomia e
historicidade, ao questionar a formação que consolidação profissional, visto que os pro-
dentre outras coisas: tem confundido “formar” fessores assumem a responsabilidade do seu
e “formar-se” e não valoriza sua a articulação próprio desenvolvimento profissional e parti-
com os projetos escolares. Nesta perspecti- cipam como protagonistas da
va, uma das grandes contribuições que o implementação das políticas educativas.
mesmo oferece é considerar três processos Para este educador,
na formação de professores:
No fundo, o que está em causa é a
a) desenvolvimento pessoal (produzir a vida possibilidade de um desenvolvimento
de professor) profissional (individual ou coletivo),
que crie as condições para que cada
um defina os ritmos e os percursos
Parte do pressuposto que precisamos
da sua carreira e para que o conjunto
dar voz ao professor, conhecer sobre a sua dos professores projete o futuro desta
vida e suas prioridades. Durante a formação profissão, que parece reconquistar,
deve-se valorizar, como conteúdos, seu tra- neste final de século, novas energias
balho crítico-reflexivo sobre as práticas e ex- e fontes de prestígio (NÓVOA, 1991,
periências vivenciadas. p. 28).
Nóvoa (1995) explicita a necessidade de
uma formação contínua que ocorra através da Nesta perspectiva, Nóvoa desloca o de-
reflexividade crítica sobre as práticas docen- bate sobre a formação dos docentes, de
tes, visando a re(construção) ininterrupta de uma perspectiva predominantemente
uma identidade pessoal. “Por isto é tão im- curricular para o campo profissional. Ele pro-
portante investir na pessoa e dar um estatuto põe a diversificação dos modelos e práti-
ao saber da experiência” (p. 25). cas de formação, em busca de novas rela-
O que está em jogo, acima de tudo, é o ções dos professores com o saber pedagó-
professor como um ser humano, que transi- gico e cientifico. Para isto, a escola precisa

82 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


ser produzida como espaço de trabalho e menta e Ghedin (2002), Barbosa (2004) e
de formação. Nadal (2005) - alguns dos quais merecem
maior destaque no presente estudo -.
c) desenvolvimento organizacional (produzir Chantraine-Demailly (1995), considera
a escola) que o processo de formação continuada de
professores em serviço ocorre por meios de
Nóvoa (1995) acredita que a mudança “modos de socialização comportando uma
educacional não está limitada aos aspectos função consciente de transmissão de sabe-
relacionados aos professores e à sua for- res e de saber-fazer”, compreendendo como
mação. Um elemento complementar a estes, modos de socialização “os conjuntos de pro-
diz respeito à necessidade de transforma- cedimentos através dos quais o homem se
ção das práticas pedagógicas na sala de torna um ser social” (p.142). Neste contexto,
aula. Transformação que, inevitavelmente, ela se posiciona a favor das formações do
está associada a mudanças ao nível das or- tipo interativo-reflexivo por serem as mais efi-
ganizações escolares e do seu funciona- cazes e ligadas à resolução de problemas
mento - os projetos escolares -. reais. O formador e formando são colabora-
Assim, torna-se necessária a criação de dores e os saberes devem ser produzidos em
espaços coletivos para que a formação ocor- cooperação. Há uma negociação coletiva e
ra de forma contínua e no dia-dia da escola, a permanente dos conteúdos.
valorização de trocas de experiências peda- Numa perspectiva mais ampla e que con-
gógicas e a necessidade da criação de uma templa aspectos sociológicos, Perrenoud
nova cultura de formação de professores são (1997) defende que:
questões levantadas por este educador. Ou
seja: a gestão da escola deve ser democráti- [...] só é possível pensar a formação
ca e as práticas curriculares participativas, de professores pensando e
com o objetivo de viabilizar a constituição de repensando constantemente, à luz
redes de formação contínua, considerando-se das ciências humanas - de todas as
ciências humanas - as práticas
uma formação inicial já existente.
pedagógicas e o funcionamento dos
Trata-se de assumir uma formação con- estabelecimentos de ensino e dos
tínua alicerçada na “‘reflexão na prática e so- sistemas educativos (p.15).
bre a prática’, através de dinâmicas de inves-
tigação-ação e de investigação-formação, Para esse autor a profissionalização sig-
valorizando os saberes de que os professo- nifica processo que permite o acesso à ca-
res são portadores” (p.30). pacidade de resolver problemas complexos
Norteados por esta concepção de forma- e variados por seus próprios meios, no qua-
ção continuada, inúmeros trabalhos têm sido dro de objetivos gerais e de uma ética que
publicados e enfatizam o “pensamento do exige autonomia e responsabilidade.
professor” e a necessidade levá-lo a refletir Perrenoud (1997) defende "uma forma-
acerca do processo de ensino e de aprendi- ção de professores prático-reflexivo, capaz
zagem. Dentre estes trabalhos cito de auto-observação, auto-avaliação e auto-
Chantraine-Demailly (1995), Nóvoa (1992, regulação" (p.201) e de condenar a ineficá-
1995), Garcia (1988, 1992, 1995), Schön cia do modelo que prepara docente para ser
(1995, 2000), Gomez (1995), Zeichner (1995), um executante dócil de propostas
Perrenoud (1997, 2001), Azcarate (1995), centralizadoras.
Candau (1996, 1998), Pimenta (1998), Pi- A utilização do termo inacabada indica

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 83


a necessidade de uma formação contínua não to, pressupõe, certamente, uma mudança nos
só na perspectiva de completar ou suplantar papeis que normalmente são desempenhados
lacunas originárias da formação inicial. Tra- pelos professores e professoras, pelos órgãos
ta-se de um momento de reflexão individual centrais dos sistemas de ensino e pelos pes-
e coletiva sobre a docência e as construções quisadores (NASCIMENTO, 1997).
realizadas em sala de aula, uma oportunida- Nesta perspectiva, porém de maneira
de para buscar a valorização profissional e a mais abrangente Pimenta (1998), entende que:
cidadania.
Os programas de formação continuada [...] a formação de professores na
de professores são relevantes, na medida em tendência reflexiva configura-se
que suplantam a simples perspectiva de com- como uma política de valorização do
pensar e/ou suplantar lacunas advindas da desenvolvimento pessoal-profissional
dos professores e das instituições
formação inicial. A formação continuada deve
escolares, uma vez que supõe
alicerçar-se pela busca permanente de no- condições de trabalho propiciadoras
vos paradigmas. Eles devem contemplar a da formação como contínua dos
reflexão sobre seu saber e seu saber fazer; professores, no local de trabalho, em
bem como, diante da nova aprendizagem, redes de autoformação, e em
refletir sobre esta e sua utilização. parceria com outras instituições de
Por outro lado, uma inovação bastante formação (p. 55).
significativa que tem sido contemplada em
diversos trabalho, e conforme já anunciei, é Esta perspectiva de formação crítica-re-
considerar a formação continuada como um flexiva rompe com a tradicional relação line-
processo de desenvolvimento profissional e ar e mecânica existente entre o conhecimen-
que, segundo Nóvoa (1995) “tem de estar to cientifico e a prática na sala de aula. Pi-
articulada com as instituições escolares e menta (2002) critica a utilização inadequada
seus projetos” (p. 28). A formação contínua do termo reflexão no contexto das reformas
de professores deve ser concebida como um educacionais.
dos componentes de transformação da es- Candau (1997) compartilha da necessi-
cola e estar articulada com a gestão escolar, dade da adoção de programas de formação
práticas curriculares e as necessidades continuada que valorizam os conhecimento e
identificadas dos professores. É uma opor- a experiência que o professor adquire no
tunidade histórica e coletiva para a aprendi- desempenho das atividades docentes pois
zagem em comum e para catalisar experiên- “os saberes da experiência fundam-se no tra-
cias inovadoras que impliquem mudanças balho cotidiano e no conhecimento de seu
nos professores e nas escolas - é um projeto meio. São saberes que brotam da experiên-
de ação e de transformação. cia e são por ela validados. Incorporam-se à
A formação continuada precisa estar vol- vivência individual e coletiva sob a forma de
tada para o desenvolvimento pessoal e pro- habitus e de habilidades, de saber
fissional dos(as) professores(as), em suas fazer”(p.83).
múltiplas dimensões. É em sua ação pedagó- Quanto à questão da instituição respon-
gica que o(a) professor(a), competente como sável pela formação contínua de professores,
pessoa, cidadã e profissional, pode concreti- Pombo (1993) defende que a mesma deve
zar esta desejada multidimensionalidade. Uma ser oferecida pela universidade e estar
experiência de formação continuada de pro- alicerçada numa componente denominada
fessores, centrada na escola e em seu proje- reflexiva e fundada em três níveis:

84 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


estatuto da profissão e do profissional, à cul-
1) o de uma reflexão educativa que tura do grupo de pertença profissional e ao
interrogue e tematize as grandes contexto sóciopolítico em que se desenrola. É
finalidades da educação, que uma construção que tem marcas de experiên-
deslinde e dê conta do emaranhado cias feitas, das opções tomadas, das práticas
de problemas e antinomias que se
desenvolvidas, da continuidade e
colocam a quem queira pensar
seriamente as questões educativas; descontinuidades, quer ao nível das represen-
2) o de uma reflexão política e tações quer ao nível do trabalho concreto.
institucional que interrogue o Suplantar as tradicionais práticas de for-
significado e funções da instituição mação - de cunho positivista - centradas na
escolar; 3) o de uma reflexão transmissão de conhecimento que prepara o
epistemológica e interdisciplinar que professor para a execução de tarefas é o que
suscite a consciência crítica do
se busca por meio de uma formação em ser-
professor relativamente ao seu
próprio saber e lhe permita
viço comprometida com o desenvolvimento
equacioná-la na complexa situação profissional do professor. Sacristán (1991, p.
atual de saberes (p.41). 67) entende que é “importante repensar os
programas de formação de professores, que
Esta proposta de formação contínua de têm uma incidência mais forte nos aspectos
professores oferecida pela universidade rom- técnicos da profissão do que nas dimensões
pe com as situações que estão em sintonia pessoais e culturais”. Esta perspectiva vem
com o que afirma Candau (1997): da premissa de que “educar e ensinar é, so-
bretudo, permitir um contato com a cultura, na
Quanto às atividades de formação acepção mais geral do termo; trata-se de um
continuada oferecidas pela processo em que a própria experiência cul-
universidade ou outras agências, tural do professor é determinante”.
nelas os professores muitas vezes Nesse contexto Nóvoa (1992) atribui às
são tratados como se não escolas de formação um espaço privilegia-
tivessem um saber, têm que partir do para a aquisição de conhecimentos, onde
do zero, como se não tivessem ao
os professores são preparados para a difu-
longo de sua profissão construído
um saber, principalmente um são dos conhecimentos historicamente
saber da experiência, que tem de construídos, como também “um lugar de re-
entrar em confronto e interlocução flexão sobre as práticas, o que permite vis-
com os saberes academicamente lumbrar uma perspectiva dos professores
produzidos (p.84). como profissionais produtores de saber e de
saber fazer”(p.16). Nesta perspectiva a for-
Contrapondo-se a prática tradicional e mação docente está centrada no terreno pro-
numa perspectiva reflexiva, Moita (1992) as- fissional contrapondo-se à tradicional
socia “o processo de formação à dinâmica em curricular e disciplinares.
que vai construindo a identidade de uma pes- Zeichner (1995) analisa aspectos das ino-
soa. Processo em que cada pessoa, perma- vações na formação de professores do Reino
necendo ela própria e reconhecendo-se a Unido, Estados Unidos, Canadá e Austrália e
mesma ao longo da sua história, se forma, se defende a formação de professores “ligadas
transforma, em interação” (p.115-116). O pro- a uma perspectiva reconstrucionista social de
cesso de construção da identidade profissio- prática reflexiva” (p.120). Ele rejeita uma visão
nal está alicerçado no social da profissão, ao de abordagens de cima para baixo das refor-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 85


mas educativas, nas quais os professores tica reflexiva, formação de professores orien-
aplicam passivamente planos desenvolvidos tada para a indagação, reflexão-na-ação, o
por outros atores sociais, institucionais e/ou professor como controlador de si mesmo,
políticos. Com ampla experiência na área e professores reflexivos, professores
atualmente investigando a formação de pro- adaptativos, o professor como investigador
fessores na sociedade norte-americana na ação, professores como pedagogos radi-
Zeichner reconhece, nessa tendência de for- cais (GIROUX, 1997) e professores como
mação reflexiva, uma estratégia para melho- artesões políticos. Há uma dispersão semân-
rar a formação de professores, uma vez que tica bem como uma diversidade das propos-
pode aumentar sua capacidade de enfrentar tas metodológicas.
a complexidade, as incertezas e as injustiças Neste contexto alguns estudos indicam
na escola e na sociedade. princípios e objetivos norteadores da forma-
Entrar no mundo da formação contínua de ção em serviço. Rodrigues Alves (1991) apre-
professores implica acreditar na importância senta como objetivos fundamentais da forma-
da reflexão que realizamos a partir das expe- ção contínua - enquanto formação de recurso:
riências vivenciadas. Para Galvão (1993)
1. Melhorar as competências de
refletir sobre as nossas próprias cada professor e do seu conjunto,
experiências obriga-nos a encontrar como profissionais;
o valor das aprendizagens que 2. perspectivar a sua carreira
fazemos e permite-nos criar de uma profissional;
forma mais consciente os nossos 3. Desenvolver o nível dos seus
percursos pessoais e profissionais. conhecimentos gerais e específicos;
(p.56). 4. Promover a sua formação pessoal
e integral. (p.48).

Significa tratar sobre e com pessoas,


Este autor atribui grande importância ao
instituições e práticas. Para Franchi (1995)
desenvolvimento do professor que deve ser
“É necessário pois, articular a formação con-
considerado tanto no nível profissional, como
tínua dos professores com a gestão escolar,
pessoal (p.53). Entretanto, esse autor indica
com as práticas curriculares e com a recom-
que há falta de consenso quanto à duração
posição da estabilidade da equipe docente
do processo de formação contínua, a qual
nos estabelecimentos de ensino”. (p.83).
deve situar-se após a inicial.
Compartilho com os que concebem a
Para Alves (1991), a formação contínua
educação como um ato político onde a esco-
"atualiza a inicial e processa-se ao longo da
la, alunos e professores têm um papel rele-
carreira e é indissociável da atividade profis-
vante na sociedade na qual estão inseridos.
sional” (p. 25). Ela contribui para o professor
Para Garcia (1995, p. 59),
estar permanentemente sintonizado com as
exigências decorrentes do progresso
a reflexão é, na atualidade, o conceito
cientifico e tecnológico, das transformações
mais utilizado por investigadores,
formadores de professores e sociais e da vida cultural e objetivamente: a)
educadores diversos, para se satisfazer as necessidades do professor en-
referirem às novas tendências da quanto indivíduo; b) possibilitar a participa-
formação de professores. ção do professor na organização dos proces-
sos de formação; c) alargar o campo das ex-
Utiliza-se vários termos, tais como, prá- periências profissionais do professor; d) pre-

86 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


parar o professor para a mudança e eficácia. professores desenvolvem uma
Alves vai além, e também mostra-se preo- consulta progressiva e meios de
comunicação inteiramente pessoais;
cupada com a vida do professor, com sua ba-
9) cada fase do programa:
gagem cultural e suas aspirações tão
planejamento, implementação e
secundarizada pelos tradicionais treinamentos avaliação incluiria uma série de
e reciclagens: componentes de formação; 10) as
tarefas do coordenador do programa
O professor traz para o processo de são ajudar cada participante a
formação profissional, a sua desenvolver a clarificação dos
experiência passada, o seu problemas e a gestão das problemas
conhecimento, as obrigações atuais [...] (apud ALVES, 1991, p. 38),
e as aspirações para o futuro, que
influenciarão decisivamente a sua Estas linhas mestras contrapõem-se em
aprendizagem. Negar isto significa geral, aos habituais programas de formação
negar a instrução dada na formação
em serviço, que são atreladas às políticas pú-
inicial e os esforços dos educadores
quando um curriculum foi preparado blicas e que tendem a desconsiderar o pro-
para formar professores (1991, p. 37). fessor enquanto sujeito. Seus mentores julgam
deter o conhecimento “novo” a ser transmitido
Logan apresenta como linhas mestras de ao professor, desprofissionalizando-o e/ou
um programa de formação continuada de pro- desconsiderando-o. Tal situação deixa
fessores: subjacente, segundo Cunha (1996), que “qual-
quer um que seja capaz de ler a cartilha possa
exercer a profissão” (p. 6). Cunha defende a
1) o planejamento e condução das
atividades é de responsabilidade dos necessidade de inverter a relação entre for-
participantes; 2) os participantes têm mação profissional inicial e formação contínua.
conhecimento e habilitações válidas No contexto brasileiro, nos últimos anos
para trabalhar com os colegas; 3) as tem emergido algumas propostas. Geraldi
diferenças individuais existem para (1995) apresenta como princípios para a for-
que cada um dos participantes
mação inicial e continuada dos professores:
exerça controle sobre o que e como,
a formação do professor pesquisador ou do
o quando e o onde ele aprende; 4) a
reflexão crítica sobre a prática é profissional reflexivo e autônomo; valorizar o
realçada pela teoria e esta que o conhecimento que o professor detém;
enriquecida ao ser testada na prática; considerar a escola como centro do proces-
5) os problemas identificados e as so pedagógico; fechamento de escolas de
soluções desenvolvidas estão formação de professores de fim de semana;
diretamente relacionadas com o
maior investimento na educação.
contexto atual do ensino de cada
Menezes (2001) advoga que "a forma-
participante; 6) o acesso a uma
pluralidade de meios é essencial a ção dos professores das várias Ciências
cada participante; 7) um dos mais deve constituir um processo permanente, no
valiosos recursos são as pessoas qual cada professor seja um participe ativo e
nas escolas, seguidas pelo pessoal reflexivo, dispondo de tempo e condições
dos centros de professores, adequadas para isso" (p.3). Para isto, apre-
educação terciária, repartições
senta um elenco de necessidades formativas
centrais, regionais e comunidade; 8)
dos professores de Ciências em serviço e
através do contato com um conjunto
de pessoas disponíveis, os programa de formação continuada decorren-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 87


te: a) conhecer a matéria a ensinar, b) questi- flexão sobre o seu cotidiano; a prática peda-
onar as concepções prévias dos professores gógica requer a compreensão da própria
sobre o ensino e aprendizagem das ciênci- gênese do conhecimento; o programa de
as; c) apropriar-se do corpo de conhecimen- formação de educadores é condição para o
tos específicos em torno dos problemas de processo de reorientação curricular. Um pro-
ensino/ aprendizagem das ciências, d) saber grama de formação deverá ter como eixos
preparar atividades cuja realização permita condutores básicos:
aos estudantes construir conhecimento; e)
saber orientar os trabalhados dos estudan- a fisionomia da escola que se quer,
tes; f) saber avaliar; g) adquirir a formação enquanto horizonte da nova proposta
necessária para associar ensino e pesquisa pedagógica; a necessidade de suprir
à inovação; h) quais poderiam ser os conteú- elementos de formação básica aos
educadores nas diferentes áreas do
dos de um programa de formação continua-
conhecimento humano; a apropriação,
da de professores. pelos educadores, de avanços
Na mesma linha de raciocínio, nas Reco- científicos do conhecimento humano
mendações do Encontro sobre Formação que possam contribuir para a qualidade
Continuada no Contexto Ibero-Americano, da escola que se quer (FREIRE, 1995,
Delizoicov et al (2001), apontam para a ne- p. 80).
cessidade do desenvolvimento de políticas
educacionais capazes de favorecer a forma- Freire privilegia a formação dos educa-
ção permanente dos professores dores críticos ou progressistas, no ambiente
consubstanciada nos seguintes princípios: a) escolar, alicerçada na ação-reflexão-ação dos
a formação deve ser parte integrante do tra- mesmos. Nessa perspectiva,
balho docente; b) promover a autoformação e
o trabalho coletivo; c) envolver organicamente Acreditamos, assim, na formação
as instituições formadoras de professores, as continuada de professores através da
administrações públicas dos sistemas esco- reflexão ou investigação sobre a ação
lares e as escolas nos programas de forma- como forma de o professor construir
saberes sobre seu fazer, tomar
ção; d) envolver os professores nas definições
decisões conscientes no trabalho,
das necessidades de formação; e) gerar me- tornando-se sujeitos autônomos em
canismos para garantir a continuidade dos sua prática e em sua formação.
programas de formação permanente; e f) es- Defendemos que tal processo pode
tabelecer mecanismos para a avaliação dos acontecer através da pesquisa na
processos de formação permanente. própria prática, através de ações
Freire (1987, 1995), defende a formação organizadas e sistematizadas
capazes de instrumentalizar o
permanente de professores alicerçada numa
professor na caminhada (NADAL,
prática político-pedagógica competente e 2005, p. 156).
comprometida com a construção de uma es-
cola que atenda aos anseios da população.
O que significa análise e reanálise de
Esta formação deve ser norteada pelos se-
suas práticas pedagógicas, quanto aos as-
guintes princípios, segundo argumenta
pectos teóricos e práticos e a apreensão crí-
Freire: o educador é o sujeito de sua prática
tica do conhecimento relevante e significati-
e sua formação deve ser constante, sistema-
vo - através da dialogicidade. Esta apreen-
tizada e capaz de instrumentalizá-lo para que
são crítica pressupõe o rompimento com con-
ele crie e recrie a sua prática através da re-
cepções e práticas tradicionais de educação

88 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


e provoca-os a assumirem enquanto sujeitos vés das licenciaturas especificas - não tem
sócio-históricos-culturais do ato de conhecer. correspondido plenamente a uma forma-
ção geral satisfatória, nem a uma forma-
3 Considerações Finais ção pedagógica consistente. Há um
descompasso entre a teorização na forma-
Devo deixar claro que neste texto defen- ção do professor e sua atuação pedagó-
do a importância e a necessidade da forma- gica. Este quadro aponta para a necessi-
ção continuada em serviço para o professor. dade de implementação de uma prática
Tenho convicção de que esta formação conti- educacional que trate a formação e atua-
nuada é necessária e deve considerar a reali- ção de forma mais rigorosa, competente
dade concreta do professor, os problemas que e interdependentes possibilitando a inter-
ele se depara na sua prática. Esta formação pretação e reflexão, próprias da atividade
deve balizar-se no que Delizoicov (1991) de- do professor.
nomina de ação-reflexão-ação e que pres- Alguns avanços têm ocorrido após a
supõe a análise da ação dos sujeitos-alunos, implementação da Lei de Diretrizes e Bases
professores e suas circunstâncias no momen- da Educação Nacional (LDBEN/96), das di-
to e local em que ela (ação) está acontecen- retrizes curriculares para as diferentes licen-
do. É a tentativa de articular ação-pensamen- ciaturas e com a elevação do nível de forma-
to, pensamento-ação. ção dos professores.
A formação do futuro professor - atra-

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92 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


A DIALÉTICA DA SUBJETIVIDADE VERSUS OBJETIVIDADE
DESVELANDO O MOVIMENTO DE SE TORNAR
PROFESSOR*

Terezinha Gomes da Silva¹


Maria Vilani Cosme de Carvalho²

Resumo Abstract

O presente artigo tem como objetivo refletir sobre o pro- The present article has as objective to reflect on the
cesso de constituição do ser e fazer-se professor. Nes- process of constituition of being and becoming a
se sentido, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica, teacher. In this sense, we have developed bibliographical
buscando apoio especialmente nas contribuições de reserarch looking for support specially in the
Vigostski (1996, 1999, 2000), Leontiev (1978), Wallon contributions of Vigotski (1996, 1999, 2000), Leontiev
(1979) e Lane (1995, 2002), entre outros, para concluir- (1978), Wallon (1979) and Lane (1995,2002), among
mos que o homem é resultado de uma articulação others, to conclude that the man is thi result of a
dialética entre o social e o individual. Essa compreen- dialectic articulation between the social and the indivi-
são de homem nos permite entender a identidade do- dual. This understanding of man allows us to understand
cente como também uma construção social, ou seja, o the teaching identity as a social construction, in other
movimento de se tornar professor envolve múltiplas de- words, the movement of becoming a teacher involves
terminações. Isto significa que o professor vai constru- multiple determinations. It means that the teacher
indo e reconstruindo, significando e ressignificando a keeps on building and rebuilding, meaning and re/
sua profissionalidade por meio das interações que de- meanimg its professionality through the interactions
senvolve no decurso de sua história de vida e no desen- that develop in the trajectory of its history of life and in
volvimento de sua ação profissional. the development of its professional action.

Palavras-chave: Profissionalidade docente. Identida- Keywords: teacher education, teaching identity e


de docente. Subjetividade. subjectivity

Cruzando Olhares rece alternativas para compreendermos es-


ses fenômenos, especialmente por explicar
A compreensão do homem como ser ati- como ocorre a interação homem/mundo e,
vo, agente de mudanças históricas, sociais e nesse contexto, a relação entre sujeitos e
culturais, síntese de uma singularidade e de entre sujeito e objeto na construção do co-
uma universalidade, redirecionou o olhar so- nhecimento.
bre os fenômenos sociais, notadamente, os De acordo com Freitas (2002), a perspec-
educativos. Estudos como os de Freitas tiva sócio-histórica, ao propor a superação dos
(2002) e de Bock, Gonçalves e Furtado reducionismos de concepções que privilegi-
(2002), entre outros, apontam a perspectiva am ora a mente e os aspectos internos (idea-
sócio-histórica como um referencial que ofe- lismo), ora o comportamento externo

* Artigo recebido em agosto de 2006.


* Aceito em novembro de 2006.
¹ Mestranda em Educação da UFPI.
² Doutora em Educação (PUC-SP) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 93-104, jul./dez. 2006 93
(empirismo), cria uma nova psicologia que educativa, nem como participantes da produ-
possibilita refletir sobre o indivíduo em sua to- ção do seu próprio fazer. Contribuiu também
talidade, compreendendo-o como articulação para a construção de uma imagem distorcida
dialética dos aspectos externos com os inter- do professor, na qual os professores não se
nos e considerando a relação do sujeito com reconheciam, configurando, assim, uma cri-
a sociedade a qual pertence. O diferencial se de identidade.
dessa abordagem está, assim, em converter- Pesquisas como as de Gatti (1996),
se num método que possibilita estudar o ho- Gonçalves (1996), Basso (1998), Moura
mem como unidade de corpo e mente, ser bi- (2003), Marin (2003) e Carvalho (2004a), fun-
ológico e ser social, membro da espécie hu- damentadas no referencial sócio-histórico e
mana e participante do processo histórico. cultural, redirecionam o foco do olhar sobre a
Adotar esse referencial para os estudos prática docente, rompendo com os modelos
de uma categoria profissional como a dos que lidam de forma objetal ou abstrata com
professores, por exemplo, implica, portanto, os professores, e abordam em suas pesqui-
reconhecê-los como sujeitos históricos, da- sas esses profissionais como seres sociais,
tados, concretos, marcados por uma cultura, concretos e plurais, que se fazem histórica e
criadores de idéias e consciência e que, ao socialmente. Isso implica reconhecer a com-
produzirem e reproduzirem a realidade soci- plexidade existente no ser e fazer-se profes-
al são, ao mesmo tempo, produzidos por ela. sor, em direcionar o olhar para a prática pe-
Entretanto, historicamente, este não tem sido dagógica como contexto de aprofundamento
o olhar direcionado aos professores e à prá- teórico-metodológico, orientador da ativida-
tica docente. De acordo com Gonçalves de docente e constituidor de identidade para
(1996), a literatura relativa à prática docente os professores.
mostra a influência dos reducionismos, ante- É essa compreensão que nos move na
riormente referidos, também nesta área. direção de querer compreender o movimen-
Assim é que ora a prática docente é vista to dialético de se fazer professor e suscita os
sob o olhar empirista, e a ênfase é dada a fa- seguintes questionamentos: Como o sujeito
tores externos ao professor, condições estru- que construiu a qualidade de ser professor
turais, como instituição escolar, políticas de evolui nessa qualidade de ser professor? O
estado, condições salariais, contexto em que que move o sujeito de um ponto a outro de
as escolas se situam e outros; ora o que pre- sua formação? Como internalizamos os sig-
domina é o olhar idealista, com os aspectos nificados produzidos socialmente e construí-
internos como determinantes na construção da mos os sentidos pessoais no transcurso de
realidade educativa, enfocando, principalmen- nossa atividade prática?
te, questões referentes à carreira docente, a Responder ao desafio de compreender
partir de uma visão idealizada de professor. o movimento de se tornar professor exige
Estas reflexões centram-se mais na análise entendimento do trabalho docente na pers-
das características que deveria reunir o “bom pectiva de “unidade”, proposta por Basso
professor”, do que na análise do movimento (1998, p. 21), quando afirma que o trabalho
cotidiano em que os professores produzem docente “[...] concebido como unidade é con-
sua prática e são produzidos por ela. siderado em sua totalidade que não se reduz
Esse olhar dicotômico colocou os pro- à soma das partes, mas sim em suas rela-
fessores em segundo plano nas políticas edu- ções essenciais, em seus elementos articu-
cacionais, não sendo considerados como lados, responsáveis pela sua natureza, sua
personagens determinantes da dinâmica produção e seu desenvolvimento.”

94 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


O trabalho docente compreendido des- lentes da dialética, especialmente nas con-
sa forma pressupõe, portanto, que na análi- tribuições de teóricos como Vigotski (1996,
se da atividade docente sejam examinadas 2000), Leontiev (1978), Wallon (1979),
as relações entre as condições subjetivas (a Ciampa (1994), Lane (1995, 2002), Basso
identidade do professor, por exemplo) e as (1998) e Marin (2003) para desvelar a práti-
condições objetivas (entendidas como as ca pedagógica como rede móvel e
condições históricas, sociais e materiais da- multifacetada de interações sociais que for-
das) para o desenvolvimento deste trabalho. maliza modos de sociabilidade, constrói iden-
Entendemos com Nóvoa (1995a, 1995b) tidades e que, portanto, nos possibilita com-
que existe uma articulação entre a dinâmica preender como nos tornamos professores.
da vida do professor, a vida da escola e as
condições externas, como contexto Do Social do Individual: o movimento de
sociocultural, e que isso resulta em implica- se tornar humano
ções na prática do professor. Nesse sentido,
pode-se afirmar que “[...] o ensino é uma prá- Tomar como base a compreensão de
tica social, não só porque se concretiza na homem como unidade de corpo e mente, ser
interação entre professores e alunos, mas biológico e ser social, construção histórica e
também porque estes atores refletem a cul- cultural, significa entender que o homem se
tura e os contextos sociais a que pertencem.” torna humano ao mesmo tempo em que se
(SACRISTÁN, 1996, p. 66). socializa e se individualiza em um processo
Isso nos permite entender a identidade interativo com sua realidade social, histórica
como a síntese das mediações sociais que e cultural. O seu psiquismo é, assim, a totali-
o indivíduo desenvolve ao longo de sua exis- dade dos processos psíquicos superiores e
tência, que se reflete no modo de ser e estar do comportamento social; portanto, objetivi-
no mundo e se manifesta no pensar (consci- dade e subjetividade. Esse psiquismo tem,
ência), no sentir (afeto) e no agir (atividade). nesse sentido, uma gênese social, posto que
Assim, a identidade tem relação direta com se originou, se desenvolveu e se transformou
o desenvolvimento profissional dos professo- no decorrer da história da sociedade huma-
res, na medida em que afeta suas perspecti- na e conforme as relações sociais, históricas
vas perante sua formação e suas formas de e culturais.
atuação profissional. De acordo com a psicologia de Vigotski,
Considerando que, conforme Ciampa o homem é resultado de dois processos di-
(1994), a compreensão de identidade ferentes do desenvolvimento psíquico, o pro-
corresponde ao próprio processo de identifi- cesso de evolução biológica das espécies de
cação, aquela não pode ser vista como algo animais, que levou ao surgimento do Homo
imutável, pois evolui e muda em processos Sapiens; e o processo de desenvolvimento
de continuidade e rupturas numa relação histórico, por meio do qual este Homo
dialética, o que nos permite entender que Sapiens se realiza como ser social. O homem
estamos constantemente ressignificando nos- constitui-se, assim, na dinâmica do biológi-
sas identidades. co e do social.
Nosso exercício neste artigo será o de Essa compreensão do desenvolvimento
voltar o olhar ao movimento cotidiano em que psíquico nos possibilita entender o processo
os professores produzem sua prática e são de construção do homem numa dupla evolu-
também produzidos por ela. Para ampliar o ção: no plano filogenético, a história da es-
nosso foco de visão, buscaremos o auxílio nas pécie humana; no plano ontogenético, a his-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 95


tória pessoal e, nesse caso, a evolução da qualquer função psicológica superior foi ex-
sociedade. É nesse sentido que Vigotski terna, significa que ela foi social; antes de se
(2000b, p. 23) afirma ser o homem constituí- tornar função, ela foi uma relação social en-
do a partir de “dois sentidos da história”. As- tre duas pessoas”.
sim, “[...] toda peculiaridade do psiquismo do Na mesma direção, Wallon (1979, p.
homem está em que nele estão unidas (sín- 156) destaca que o meio social é uma cir-
tese) uma e outra história (evolução + histó- cunstância necessária para a constituição do
ria)”. É, portanto, da articulação de dois pro- indivíduo. Com isso, defende que existe es-
cessos históricos que compreendemos o pro- treita relação entre as interações humanas e
cesso de constituição do homem. a constituição da pessoa. Para ele, o meio –
A história do homem é, assim, a história físico e social – é um par essencial do orgâ-
do processo de transformação que vai da or- nico, isto é, “o socius ou o outro é um parcei-
dem da natureza à ordem da cultura. Entretan- ro perpétuo na vida do eu”. Entendemos com
to, esclarece Sirgado (2000), esse processo isso que as funções psicológicas têm um ca-
evolutivo não ocorre na perspectiva da justa- ráter de construção contínua num processo
posição, mas, da superação. Isto quer dizer dinâmico e interativo. Nesse processo, o ho-
que é na articulação interativa que emergem mem vai se apropriando do meio e este pas-
as funções culturais, não significando que as sa a fazer parte de sua constituição.
funções biológicas desapareçam, mas que Vigotski (1996, p. 74) denominou
adquirem uma nova qualidade de existência. “internalização” o processo de reconstrução
Daí entendermos que não existe uma interna de uma operação externa. Esse pro-
humanidade a priori, existe, sim, predisposi- cesso consiste numa série de transformações
ções biológicas que, associadas a uma em que o indivíduo apreende para si aquilo
multiplicidade de determinações históricas, que se encontra no mundo externo em forma
sociais e culturais, possibilitam ao homem as de produções histórico-sociais e culturais.
condições para construir sua própria nature- Assim, “[...] uma atividade externa é
za e tornar-se humano. Isso resulta de um lon- reconstruída e começa a ocorrer internamen-
go processo de transformação que o homem te. Um processo interpessoal é transforma-
opera na natureza e nele mesmo, como par- do num processo intrapessoal.”
te dessa natureza, o que faz do homem o “ar- É por meio da internalização que ocorre
tífice de si mesmo”. (SIRGADO, 2000. p. 51). a conversão do nível social ao nível individu-
Depreendemos, então, que o homem al. As funções superiores são, então, relações
não nasce humano, mas torna-se humano por internalizadas de uma ordem social
meio da interação dialética que se dá, des- transferidas à ordem individual, estruturando,
de o nascimento, entre o ser humano e o meio assim, a base da subjetividade. Ou seja, o
social, histórico e cultural no qual está inseri- indivíduo incorpora em seu mundo interior as
do. Ou seja, as funções psicológicas superi- produções históricas, sociais e culturais que
ores são resultado de determinações soci- estão exteriorizadas no mundo real. Do que
ais construídas na interação homem-meio; podemos depreender que o homem é resul-
percorrem, assim, o caminho do mundo ex- tado do processo interativo com o meio. Meio
terno ao interno. este compreendido como contexto físico, so-
Para Vigotski (2000b, p. 24), existe a cial, histórico e cultural em que se inter-rela-
predominância do social em relação ao bio- cionam os homens. Carvalho (2004b) escla-
lógico, e falar sobre processo externo signifi- rece que o psiquismo humano é resultado
ca falar sobre o social. Ou seja, dizer que “[...] também dos modos variados e complexos de

96 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


interação social que ocorrem nesse contex- homens para promover a comunicação entre
to, como a linguagem e a atividade, dentre eles e entre as gerações, permitindo o regis-
outros. tro e a transmissão da produção cultural his-
Assim, ao analisarmos o processo de toricamente acumulada; de outro, exerce a
construção do ser humano – a gênese do seu função de mediação simbólica que permite
psiquismo –, não podemos deixar de consi- ao homem desenvolver modos peculiares de
derar os outros com os quais este homem se pensamento só a ele possíveis.
relaciona, as experiências vividas por ele e Isto nos permite entender que a linguagem
também as suas várias formas de agir no converte-se em instrumento de transformação
mundo. Pois é por meio destas interações do próprio homem ou, dito de outra forma, de
que o homem incorpora a experiência histó- constituição das formas caracteristicamente
rico-social e, com isso, dá curso ao seu de- humanas. De acordo com Vigotski (1996), a
senvolvimento ontogenético. linguagem tem importância fundamental no
Esclarecendo melhor esta temática, Car- processo de constituição do sujeito, existindo
valho (2004b) ressalta que “[...] o homem é uma indissociabilidade entre linguagem e
constituído não apenas pelos outros, mas tam- consciência. A linguagem é entendida, assim,
bém pelas experiências vividas e as suas como veículo de constituição da consciência
várias formas de ação que levam à apropria- a partir do contexto das relações sociais.
ção de significados e produção de sentidos”. A consciência, em seu âmbito particular,
Isso quer significar que existem vários mo- é constituída no contexto das relações de sig-
dos de o homem interagir com o meio, e é nificação com o outro, tendo a linguagem como
nessa interação que ele vai se constituindo. instrumento mediador. Ou seja, o processo de
apropriação da significação é construído na
Modos de Interagir, Meios de se Construir relação com o outro. Nesse processo, o indi-
víduo transforma as funções interpsicológicas
A interação homem-mundo social não em funções intrapsíquicas. Vigotski (1996, p.
ocorre de forma simples, passiva, nem dire- 37) descreve assim esse processo:
ta; ao contrário, ela é complexa, interativa e
mediada. Portanto, ao tratarmos dos modos No momento em que as crianças
de interação social, é preciso termos claro desenvolvem um método de
essas características. comportamento para guiarem a si
Para Vigotski (1996), a mediação mesmas, o qual tinha sido usado
previamente em relação a outra
semiótica constitui, tanto na história da es-
pessoa, e quando elas organizam
pécie quanto na história pessoal de cada in- sua própria atividade de acordo com
divíduo, o ponto de passagem do plano natu- uma forma social de comportamento,
ral ao plano cultural. Nesse sentido, as fun- conseguem, com sucesso, impor a
ções psicológicas superiores caracterizam- si mesmas uma atitude social. A
se por serem operações indiretas que neces- história do processo de internalização
sitam de um signo mediador. da fala social é também a história da
socialização do intelecto prático da
Dentre os elementos mediadores da
criança.
constituição do individuo, exerce papel de
destaque a linguagem. Entendida com base
A apropriação da linguagem ocorre num
em suas propriedades de comunicação e sig-
movimento que vai do social ao individual.
nificação possui dupla função: de um lado,
Assim, se, a princípio, a fala do outro organi-
exerce o papel de instrumento criado pelos

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 97


za a atividade da criança, posteriormente, humanização; ou seja, a atividade produtiva
essa apropriação configura um plano interno possibilita ao homem formar e transformar
da fala, predominando nesse plano a opera- qualitativamente sua atividade psíquica.
ção com significados próprios. É a lingua- Vigotski (1996) considera o trabalho uma
gem interna dirigindo-se para o próprio su- forma de interação social. Para ele, o uso de
jeito, constituindo a capacidade de auto- instrumentos materiais possibilita ao homem
regulação da conduta. A linguagem constitui a interação com os outros indivíduos e a apro-
um meio de interação social entre as pesso- priação da experiência histórico-social. É
as, ocorrendo, nesse processo, o desenvol- também por meio do trabalho que o homem
vimento das funções superiores, caracteri- transforma a cultura e a si mesmo.
zando, assim, uma forma especificamente Essas contribuições levam-nos a enten-
humana de ser. der que, no processo de constituição dos su-
A atividade consiste em um outro modo jeitos, o uso de instrumentos e da linguagem
de interação social. Pode ser entendida como tem importante contribuição. Essa relação
a forma do homem agir no mundo, referindo- pode ser mais bem explicitada nas palavras
se às ações concretas dos seres humanos na de Sirgado (2000, p. 58):
realidade objetiva (por exemplo, o trabalho e,
por que não dizer, a atividade docente). É, pois, [...] com efeito a história do homem
um modo de interação social essencial na é a história de uma dupla
construção do psiquismo humano. transformação da natureza e do
Para Ciampa (1994, p. 64), a atividade homem. Uma não ocorre sem a
outra. Isto só é possível porque opera
é a própria identidade, visto que “[...] é pelo
uma dupla mediação: a técnica e a
agir, pelo fazer, que alguém se torna algo [...]”, semiótica. A mediação técnica
o que significa que “[...] nós somos nossas permite ao homem dar nova forma
ações, nós nos fazemos pela prática.” Daí a à natureza da qual ele é parte
importância de se compreender como ocor- integrante, é a mediação semiótica
rem essas mediações no processo de cons- que lhe permite conferir a essa
tituição de humanidade. ‘forma nova’ uma significação.
Segundo Carvalho (2004b, p. 34), a “[...]
atividade e a linguagem são os modos es- Dessas contribuições podemos concluir
senciais do homem interagir no mundo e, por que é na dinâmica interacional mediatizada
conseguinte, construir, reconstruir, manifestar pelos instrumentos materiais e pela lingua-
e explicar o seu psiquismo”. É, portanto, por gem, como instrumento psicológico, que se
meio da linguagem (como um dos instrumen- concretiza o processo de constituição do
tos psicológicos) e dos instrumentos (sociais psiquismo humano. Ou seja, estes instrumen-
de trabalho) que o homem adquire a capaci- tos articulados numa unidade dialética ope-
dade de criar o mundo da cultura e, nesse ram no movimento de socialização do indiví-
processo, transformar o meio e a si mesmo. duo e da constituição de sua individualidade,
De acordo com Leontiev (1978), a cons- sendo, portanto, responsáveis pela
trução do psiquismo ocorre no processo concretização da humanidade do homem.
interativo com o meio e sob a ação media- Na constituição do psiquismo humano, a
dora dos instrumentos e dos signos. Para interação social ocupa posição central, o que
esse autor, é por meio do desenvolvimento nos confirma que o homem em sua base soci-
do trabalho social que o homem se desen- al envolve sempre o outro, ou seja, as relações
volve, concretiza seu processo de que os indivíduos mantêm uns com os outros,

98 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006


sobretudo os outros significativos, são respon- Não podemos esquecer que o homem
sáveis pela mediação e apropriação das sig- como totalidade envolve não só o pensar, o
nificações socialmente produzidas. falar e o agir, ele é também sentimento. Por-
De acordo com Vigotski (1996), as ex- tanto, compreendê-lo como ser psicológico
pressões da vida da criança adquirem signi- completo implica considerar a sua base
ficado para ela a partir da significação que afetivo-volitiva. Wallon (1979) destaca o pa-
os outros atribuem a essas expressões. Nes- pel e o lugar da afetividade no processo de
se processo, a linguagem é o mecanismo constituição do psiquismo e dá demonstra-
mediador que possibilita a conversão das ção da contribuição das emoções no desen-
relações interpessoais em função volvimento humano. Na perspectiva defendi-
intrapessoal. da por esse teórico, a vida emocional está
Embora o indivíduo seja constituído no conectada a outros processos psicológicos
social, o que ocorre no plano pessoal não é e ao desenvolvimento da consciência, esta-
uma simples imitação do que ocorre no pla- belecendo entre eles uma conexão dialética
no social; se assim fosse, teríamos uma so- que constitui o psiquismo.
ciedade homogênea, indivíduos idênticos. No Para Wallon (1979), afetividade e inteli-
entanto, o que temos é uma sociedade hete- gência constituem um par inseparável na evo-
rogênea, composta de pessoas singulares. lução psíquica, pois, embora tenham funções
Isto ocorre, segundo Sirgado (2000), porque, bem diferenciadas entre si, são
ao interiorizar a significação do outro da re- interdependentes em seu desenvolvimento.
lação, o indivíduo está dando entrada na sua Assim é que, em sua teoria, defende a
esfera íntima a esse outro. afetividade como possibilitadora à criança de
Dentro da proposta de análise genética atingir níveis de evolução cada vez mais ele-
da psicologia sócio-histórica, este homem vados. Para ele, as emoções são uma im-
deve ser compreendido não só no plano portante forma de exteriorização da
filogenético, ontogenético e sociogenético, afetividade, que se constitui e evolui sob o
mas, também, microgenético. A microgênese impacto das condições sociais e das rela-
refere-se à história relativamente de curto pra- ções interpessoais.
zo da formação de cada processo psicológi- Lane (1995) considera que as emoções
co específico; é também a configuração úni- estão para a afetividade, assim como na psi-
ca que cada indivíduo dá às suas experiênci- cologia de Vigotski, a linguagem está para o
as vividas. Os processos microgenéticos ca- pensamento. Enfatiza assim, o papel relevan-
racterizam, assim, a emergência do te da afetividade na constituição do nosso
psiquismo individual, numa articulação do bi- modo de ser social. Na perspectiva defendi-
ológico, do histórico e do cultural. da por essa autora, o homem se identifica por
Dessas contribuições podemos meio da sua forma de pensar, pelo seu agir e
depreender que é por meio da cultura e da também pelo seu modo de sentir: ”Somos as
interação social que aprendemos a pensar, atividades que desenvolvemos, somos a
ou seja, nos tornamos dotados de consciên- consciência que reflete o mundo e somos
cia; consciência que nos permite agir signifi- afetividade que ama e odeia este mundo, e
cativamente e também sentir. Construímos, com esta bagagem nos identificamos e so-
assim, nossa especificidade humana. Esse mos identificados.” (LANE, 1995, p. 62).
processo ocorre continuamente numa dimen- O homem é uma integralidade, faz-se
são interativa mediada especialmente pelo necessário, portanto, contemplar a esfera
outro, tendo como mecanismo a linguagem. afetiva na composição do seu psiquismo.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 99


Este homem se constitui na mediação com tos e as manifestações afetivas não são da-
os outros, o que significa que construímos, das, mas emergem do próprio processo de
também nas interações, nossa forma de sen- individuação, construídas pelo sentido pesso-
tir. Em outras palavras, apreendemos nas al. Para Wallon (1979), as emoções, assim
interações sociais a pensar e a sentir, não só como as demais manifestações afetivas evo-
como homem, mas também como masculi- luem sob o impacto das condições sociais.
no, como feminino, como aluno, como profes- Logo, é sob influência do meio social que o
sor. Com isso, podemos entender que a indivíduo aprende a sentir de uma determina-
afetividade é um processo social na medida da forma, ou seja, quem dá uma conotação
em que é mediada pelos significados consti- valorativa às situações é o meio social, a cul-
tuídos no contexto cultural em que o sujeito tura em que o indivíduo se insere.
se insere. Isso, no entanto, não nos concreti- Do que vimos tratando até aqui, pode-
za de forma homogênea, conformando sujei- mos depreender que a individualidade emer-
tos idênticos, pois, cada sujeito reage, ela- ge na imbricação dos diferentes modos de
bora e lida de modo singular com as mes- interação, o que significa dizer que os mo-
mas determinações e influências sociais. dos de interagir não ocorrem de forma isola-
Leite (2005, p.14), tendo por base a teo- da, mas simultânea e interdependente, um
ria leontieviana, explicita melhor o caráter age em função do outro. Assim, linguagem,
mediador das emoções no processo de cons- atividade, relações interpessoais e emoções
tituição do homem. Para essa autora, é do estão se articulando constantemente na tare-
enlace entre a esfera afetiva e a esfera fa de construção da individualidade humana.
cognitiva que se dá a composição da cons-
ciência. Compreendendo esta “[...] como a Do Significado Ao Sentido: O Movimento
forma transformada das significações sócio- De Se Tornar Professor
históricas em significados, que são
reinterpretados pelo sentido pessoal no pro- Na perspectiva da construção social, his-
cesso de apropriação”, a autora defende que tórica e cultural do psiquismo humano, com-
por trás da relação entre as significações e preendemos a identidade conforme o pro-
os sentidos pessoais está o problema da posto por Ciampa (1994), isto é, como uma
unidade das esferas intelectuais e afetivo- categoria da psicologia social que, aliada a
emocionais. outras como atividade e consciência, nos aju-
A estrutura social objetiva, determinada dam a entender quem somos, ou melhor,
historicamente, é responsável pela transmis- como nos tornamos quem somos.
são da realidade, mas o indivíduo, ao reco- De acordo com essa perspectiva teóri-
nhecer essa realidade, sistematiza-a e ca, a identidade se constitui no agir, isto é,
ressignifica-a para si no curso de sua vida, le- no fazer (atividade) e no dizer (consciência)
vando em consideração os interesses pesso- do indivíduo em relação com os outros. Com-
ais, que são resultado de suas motivações preendida dessa forma, a identidade nos
afetivas, ou seja, “[...] as significações indivi- possibilita desvelar o movimento de se tor-
dualizam-se e se subjetivam através das me- nar professor, pois, como afirma Carvalho
diações emocionais.” (LEITE, 2005, p. 47). (2004a, p.56),
Não podemos deixar de esclarecer o ca-
ráter histórico-social da constituição da esfe- [...] se nós somos nossas ações,
ra afetiva do homem. Nessa perspectiva, com- nós nos fazemos pelo agir (fazer e
preendemos que as emoções, os sentimen- dizer) e a prática, por exemplo, a

100 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
docente envolve uma pessoa (o uma vez que, conforme a abordagem
professor) em seu fazer (atividade) leontieviana, a consciência corresponde à
e dizer (consciência), então desvelar forma transformada das significações histó-
a identidade de uma pessoa,
rico-sociais em significados, significados que
pressupõe estudá-la em sua
totalidade, mas em especial na sua são reinterpretados pelo sentido pessoal. De
atividade e consciência; não como acordo com essa abordagem, é o processo
coisas justapostas, mas como uma de apropriação das significações que gera
unidade que constitui a pessoa. movimento, mudança.
Esclarecendo melhor esse processo,
Isto significa que estudar a identidade Leontiev (1978) destaca que a atividade hu-
como forma de desvelar o movimento de se mana constitui-se de um conjunto de ações.
tornar professor implica em compreendê-lo Entretanto, para que o homem se encarre-
na sua dimensão de totalidade, que envolve gue de sua função é necessário que suas
o pensar, o agir e também o sentir. A identi- ações estejam numa correlação para ele, é
dade do professor é compreendida como preciso que ele tenha consciência do senti-
produto de sucessivas socializações na do de suas ações.
interconexão entre fatores externos e internos, Convém esclarecer que os significados
objetivos e subjetivos nos contextos específi- são construções histórico-sociais, isto é, a
cos de suas histórias de vida. significação é o reflexo da realidade que o
Tendo como norte a compreensão da homem já a encontra pronta, elaborada his-
articulação dialética entre fatores objetivos e toricamente, e se apropria dela; enquanto os
condições subjetivas na constituição da sentidos são subjetivos e pessoais, forman-
profissionalidade docente, Basso (1998, p. do-se pela conexão entre motivo e objeto da
23), ressalta a importância das condições atividade.
subjetivas como provocadoras de mudança No caso do professor, o significado de
na prática dos professores e esclarece que, seu trabalho é formado pela finalidade da
“[...] as condições subjetivas referem-se, fun- ação de ensinar, ou seja, o objeto do profes-
damentalmente, à formação do professor que sor tem por finalidade fazer a mediação do
inclui a compreensão do significado de sua processo de apropriação do conhecimento
atividade”. Isto significa que a mudança na pelo aluno. Este objeto encontra-se carrega-
profissionalidade docente depende em gran- do de historicidade e impregnado de conhe-
de parte de uma formação adequada do pro- cimentos de outros sujeitos que, ao longo da
fessor e do entendimento claro do significa- história, emprestaram os seus valores apre-
do e do sentido do seu trabalho. endidos no meio cultural. Assim, o objeto do
Entendendo como Ciampa (1994, p. 74) professor já está iniciado e em movimento.
que a identificação é processo que gera mu- Considerando que, para Leontiev (1978,
dança, transformação ou, em suas palavras, p. 94), “[...] o reflexo consciente é psicologi-
“metamorfose”, construir a identidade docen- camente caracterizado pela presença de uma
te implica colocar-se no movimento contínuo relação interna específica, a relação entre
de construção da compreensão da atividade sentido subjetivo e significação [...]”, é preci-
de educador. so descobrir o que motiva, o que incita o pro-
Essa perspectiva leva-nos a entender fessor a realizar sua atividade; em outras
que o processo de identificação do profes- palavras, qual o sentido desta atividade para
sor com a sua profissão tem uma relação di- o professor, já que, segundo Basso (1998, p.
reta com o desenvolvimento da consciência, 27), “[...] o trabalho do professor será aliena-

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 101
do quando seu sentido não corresponder ao ção como meio de desenvolver nos futuros
significado dado pelo conteúdo efetivo des- professores a compreensão do significado da
sa atividade previsto socialmente, isto é, profissão e a construção de saberes especí-
quando o sentido pessoal do trabalho sepa- ficos da profissão seria uma forma objetiva
rar-se de sua significação.” de investimento em políticas de identificação.
A atividade pedagógica é, portanto, um Lembrando que o sentido é pessoal, o
conjunto de ações intencionais, conscientes, que confere uma singularidade ao indivíduo,
dirigidas para um fim específico. Essas traduzida nas suas crenças, nos seus valo-
ações precisam estar relacionadas entre si res, intenções, sentimentos, enfim, na sua
através do motivo que as direcionam, ou identidade. São estes componentes que con-
seja, o professor deve articular o sentido ferem ao professor um modo próprio de exer-
pessoal no desenvolvimento da responsabi- cer a profissão, pois, conforme Nóvoa
lidade de ensinar, como contribuição ao pro- (1995b, p. 17), o processo identitário passa,
cesso de humanização dos alunos historica- também, pela capacidade de exercermos
mente situados. com autonomia a nossa atividade, pelo sen-
Isto nos leva a compreender que no mo- timento que controlamos o nosso trabalho. “A
vimento de se tornar professor estão articu- maneira como cada um de nós ensina está
lados componentes tanto de ordem objetiva diretamente dependente daquilo que somos
como de ordem subjetiva. Esta articulação é como pessoa quando exercemos o ensino.
que determinará o modo de construir a sua [...] É impossível separar o eu profissional do
profissionalidade, ou seja, a sua identidade. eu pessoal.”
Basso (1998) esclarece as bases obje- Na perspectiva da indissociabilidade do
tivas da constituição da profissionalidade eu pessoal e do eu profissional, a formação
docente. Para essa autora, o motivo do pro- deve estimular a reflexão crítica e fornecer aos
fessor não é totalmente subjetivo, ao contrá- professores os meios de desenvolverem um
rio, tem suas bases ligadas às condições pensamento autônomo e que facilite as dinâ-
materiais ou objetivas, dependendo também micas de autoformação. Isto significa que
das circunstancias ou condições efetivas em está em formação implica um investimento
que a atividade se desenvolve. Essas condi- pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os
ções referem-se aos recursos físicos das percursos e os projetos próprios, com vistas
escolas, aos materiais didáticos, trocas de a construção de uma identidade que é tam-
experiências e jornada de trabalho. bém uma identidade profissional.
As condições de formação do professor Portanto, para compreendermos o pro-
são, portanto, dadas pelas condições objeti- cesso de construção do professor exige de
vas da escola que o forma: o quadro docen- nós um olhar para este profissional na sua
te, as condições materiais, a organização do multidimensionalidade, o que envolve os pro-
currículo e o projeto pedagógico. O que nos cessos identificativos-formativos, os contex-
permite compreender que as mudanças nes- tos históricos e culturais e as singularidades
ses componentes, qualificando a instituição que envolvem cada professor em particular
formadora, provocam mudança na qualidade nos contextos das suas histórias de vida.
do profissional que ela forma.
Entendemos, assim, que o movimento de Considerações Finais
se tornar professor depende das condições
dos contextos em que essa formação se de- Podemos concluir que, assim como o
senvolve. Logo, investir nos cursos de forma- homem é resultado de uma construção soci-

102 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
al, também o é o professor. Ou seja, não exis- do significado social de sua profissão. A com-
te uma condição de ser professor inata ao preensão efetiva deste significado se conver-
indivíduo, o sujeito vai se fazendo professor terá em sentido para a atividade docente e é
a partir das ações que são desenvolvidas esse sentido que impulsiona, que dá movi-
nesse sentido. Assim, os cursos de formação mento, que faz com que este profissional se
de professores e as escolas como espaço desloque de um ponto de menor qualidade
de práticas formativas têm grande responsa- para um de maior qualidade, em busca da
bilidade para com o futuro professor e/ou pro- melhoria do seu ofício, isto é, de uma identi-
fessor no desenvolvimento da compreensão dade autônoma.

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104 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
ANTÔNIA ROSA DIAS DE FREITAS: EXEMPLO DE UMA
PROFESSORA INDISCIPLINADA*

Maria Alveni Barros Vieira¹

Resumo Abstract

O presente texto faz parte de estudos que vêm sendo The present text it is part of studies that come being
desenvolvidos referentes aos processos de exonera- developed referring to the processes of exoneration of
ção de professores no Piauí do século XIX. O tema em professor in the piauiense teaching of century XIX. The
questão, será aqui apresentado através das experiên- subject in question, here it will be presented through
cias vivenciadas pela professora de primeiras letras the experiences lived deeply for the teacher of first
da Vila de Jaicós (PI), Antônia Rosa Dias de Freitas, letters of the Village of Jaicós (PI), Antônia Rosa Dias
que tem suas atividades docentes interrompidas na de Freitas, that it after has its interrupted teaching
década de 1860, após acusações acerca do seu com- activities in the decade of 1860, accusations concerning
portamento, então considerado inadequado para aque- its behavior, then considered inadequate for that public
las funções públicas. No transcurso do texto, buscar- office. In the course of the text, one will search to not
se-á apresentar algumas análises, não só dos aspec- only present some analyses concerning the aspects
tos políticos do tema, mas também das suas interfaces politicians of the subject but, also, of its cultural
culturais. interfaces.

Palavras-chave: Magistério. Política. Exoneração. Keywords: Magistery. Politics. Exoneration.

Introdução características que irão conformar sua per-


sonalidade. Como indica Levi (1994), mes-
A relevância de apresentar alguns indí- mo que dentro desses grupos, as histórias
cios dos mecanismos de exoneração de pro- individuais das pessoas não sejam idênticas,
fessores no Piauí do século XIX, através da o fato de se tomar uma história em especial
trajetória de vida da professora Antônia Rosa é válido, uma vez que exemplifica uma situa-
Dias de Freitas, apóia-se nos pressupostos ção que poderá ter sido vivenciada por ou-
teóricos de Elias (1994), quando ele afirma tras pessoas.
que ao se estudar o indivíduo estuda-se tam- Assim, embora as lentes das análises
bém a sua configuração social, posto que, desse trabalho estejam apontadas para a
todo indivíduo nasce em meio a grupos de professora Antônia Rosa, não se dará ênfa-
pessoas que já existiam antes dele e é so- se a sua pessoa em particular, mas a pres-
mente na relação com outros seres humanos são exercida pela teia humana na qual a mes-
que o indivíduo vai adquirindo o conjunto de ma encontrava-se inserida, e isso nos obriga

* Artigo Recebido em: agosto de 2006.


* Aceito em : novembro de 2006.
¹ Mestre em Educação e Docente da Universidade Federal do Piauí / Campus Senador Helvídio Nunes de Barros –
Picos (PI).

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, p. 105-113, jul./dez. 2006 105
a direcionar os olhares para as famílias de gado. Não estudaram as primeiras
elite do Piauí Provincial de maneira geral e letras nas escolas particulares
em especial para a família Dias de Freitas. dirigidas por padres e não foram
enviadas a São Luís, para o curso
médio, nem a Recife ou Bahia, como
A Professora e as Tramas Familiares ocorria com os rapazes de sua
categoria social. Raramente
De acordo com os dados coletados por aprenderam a ler e, quando o fizeram,
Queiroz (1998), os Dias de Freitas foram uma foi com professores particulares,
família de grande expressão política e social contratados pelos pais para ministrar
no Piauí da segunda metade do século XIX. aulas em casa. Muitas apenas
conheceram as primeiras letras e
Vários foram os representantes dessa famí-
aprenderam a assinar o nome.
lia na magistratura, na burocracia urbana, nas Enquanto seus irmãos e primos do
Assembléias Provincial e Geral, na Presidên- sexo masculino liam Cícero, em
cia da Província, na vida eclesiástica e mili- latim, ou Virgílio, recebiam noções de
tar, na imprensa, na literatura e na educação grego e do pensamento de Platão e
escolar. Era uma família formada por repre- Aristóteles, aprendiam as ciências
sentantes do Partido Liberal no Piauí e teve naturais, filosofia, geografia e francês,
elas aprendiam a arte de bordar em
na figura de José Manoel de Freitas² uma das
branco, o crochê, o matiz, a costura
expressões máximas do patriciado local e e a música.
mesmo regional.
As mulheres da família Dias de Freitas
Além de alfabetizadas, muitas das se-
eram, quase na totalidade, alfabetizadas.
nhoras da família Dias de Freitas, exerceram
Essa era uma situação incomum nos sertões
o cargo de professora das cadeiras de pri-
piauienses do século XIX, mesmo para aque-
meiras letras tanto na sede da Província como
las mulheres de elite, filhas de famílias pode-
nas vilas espalhadas pelos sertões do Piauí,
rosas. No período em estudo, a Província do
enquanto outras alcançavam patamares mais
Piauí possuía uma população total de 202.222
elevados tanto nos estudos quanto nas artes,
habitantes, e destes, apenas 27.776 eram
a exemplo da romancista e redatora de re-
alfabetizados, incluídas aí, pouco mais de 10
vistas literárias, Amélia Carolina de Freitas
mil mulheres que de alguma forma tiveram
Beviláqua³ que chegou a pleitear uma cadei-
acesso às letras, confirmando-se, desta ma-
ra na Academia Brasileira de Letras.
neira, um dos diferenciais do meio familiar
Antônia Rosa, segundo os indícios apon-
no qual a referida professora convivia, pois
tados nos estudos realizados até o presente
segundo o relato de Falci (2002, p. 251),
momento, não escreveu obras literárias de
gênero algum, tão pouco se dedicou ao jor-
Muitas filhas de famílias poderosas nalismo. Assim como a maioria das mulhe-
nasceram, cresceram, casaram e
res que exerceram o magistério no Brasil
em geral, morreram nas fazendas de

² Segundo Queiroz (1998), José Manoel de Freitas (1832-1887) destacou-se na política regional, chegando a
ocupar o cargo de governador das províncias do Maranhão, Pernambuco e do Piauí, além de exercer a função de
desembargador em várias províncias do Brasil, dentre elas, Goiás e Rio Grande do Norte.
³ Amélia Carolina de Freitas Beviláqüa, era filha de José Manoel de Freitas e Teresa Carolina da Silva, segundo
informações de Mendes (2004), era interlocutora de Clóvis Beviláqua, seu marido, com quem foi casada por 63
anos. Tendo nascido em Jerumenha, sertão do Piauí, em 1861, residiu em várias províncias, inclusive na capital
federal, onde faleceu em 1946.

106 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
oitocentista, ela desempenhou suas ativida- Simplício de Sousa Mendes. Começava um
des de ensino concomitante às funções de período de perseguições aos políticos do
esposa e mãe, sem preocupar-se em regis- Partido Liberal, dentre eles os membros da
trar seus tempos de professora. Um perfil família Dias de Freitas. É que, ao assumir o
comum que não a coloca em posição de des- governo da Província, Simplício Mendes faz
taque em relação às demais professoras da uma operação no funcionalismo público pro-
Província. Por que, então, tomar sua trajetó- vincial, chamada por Clodoaldo Freitas (1998)
ria de vida como objeto de estudo? de “tábua rasa”, através da qual toda paren-
Casada com o Coronel da Guarda Naci- tela de José Manoel de Freitas que se en-
onal, Belisário José da Silva Conrado, mãe contrava no exercício dos cargos públicos,
de Clodoaldo Freitas4, Antônia Rosa, a exem- fora demitida ou removida sob acusações
plo de qualquer outro membro da família Dias graves que agrediam a honra e a moral da-
de Freitas e como candidata a uma vaga nos quele grupo familiar.
serviços públicos do Estado Imperial, viu-se Um bom exemplo dessas acusações
envolvida no curso das lutas pelo poder e nas pode ser observado através do caso ocorri-
tensões geradas pelos expoentes de ideais do com Deolindo Mendes da Silva Moura5,
contrários que ali, naqueles sertões, adquire que teve seu afastamento das funções de Ins-
a importância adicional de símbolos culturais petor do Tesouro Provincial, justificado pelas
revestidos de caráter político partidarista. A acusações de desvio de verbas. Assim se
história de vida da professora Antônia Rosa pronunciou publicamente, Deolindo Mendes,
apresenta, portanto, várias interfaces da his- diante de tais denúncias:
tória da sociedade piauiense além do magis-
tério: modos de vida, relações de parentes- Longe de mim pôr em dúvida a
co, normas de conduta, teatro do poder, en- probidade de qualquer funcionário
tre outros. público; por experiência própria agora
sei quanto doloroso e pungente é o
dissabor que provém da imputação
Conflitos Políticos no Piauí: quem não
infamante atirada sobre o
tem rabo de palha, prega-se! serventuário que sempre esforçou-se
para bem cumprir seus deveres, que
Em 3 de maio de 1868, José Manoel de foi sempre dedicado ao trabalho,
Freitas assume pela terceira vez o governo obediente às ordens superiores e que
da Província do Piauí. Sua administração, no a única riqueza que saiu possuindo
entanto, estende-se por apenas três meses quando deixou o cargo, é a reputação.
Mas eu sou trazido a juízo, submetido
tendo que repassar o cargo ao conservador

4
As pesquisas até agora realizadas, ainda, não conseguiram encontrar nomes dos outros prováveis filhos da professora
Antônia Rosa e a citação de Clodoaldo Freitas (1855-1924) deve-se a posição de destaque por ele adquirida na
sociedade piauiense como intelectual, poeta, ensaísta, jornalista combativo, político, polígrafo e romancista. Tendo
bacharelado-se na Faculdade de Direito do Recife no ano de 1880, ao retornar a sua terra natal exerceu o cargo de
juiz e o de professor. Este, apenas nas ocasiões em que passava a sentir os efeitos da perseguição e da marginalização,
dos cargos de juiz, comum ao grupo político derrotado nas eleições (COELHO, 1997).
5
Deolindo Mendes da Silva Moura, natural de Oeiras, filho do Capitão Cirurgião- mor do Exército, José Luís da Silva
e D. Raimunda Ferreira do Nascimento, porém foi criado pelo comendador José Mendes Vieira, seu tio materno
e por D. Lubela Maria da Silva, sua irmã paterna. Era advogado e jornalista, militante do Partido Liberal. Casou-se
em 1861 com D. Maria Henriqueta Viana Noronha, com quem teve cinco filhos. (CARVALHO, 1988)

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 107
a processo e, portanto, sujeito aos ter consciência dos costumes sociais vigen-
desares da prevenção; sou vitimado tes e praticá-los corretamente, para não cor-
a vinganças mesquinhas de rer o risco de proporcionar munição aos ad-
indivíduos a quem nunca fiz mal [...],
versários na corrida pelo poder.
inimigos gratuitos constituídos tais
unicamente pela discordância de Esses usos e costumes de agredir mo-
idéias políticas. (apud FREITAS, ralmente os inimigos, ou rivais políticos, ao que
1998, p.81). parece era uma prática antiga. Segundo aná-
lises feitas por Elias (2001), nas sociedades
A busca pelas vagas no serviço público dinásticas, em que as relações entre interes-
não transcorria em meio à calmaria. Ao con- ses pessoais e oficiais fazem parte da vida
trário, desde o período da estruturação das social, as alianças e rivalidades familiares,
facções políticas no Brasil, fazer parte do qua- amizades e inimizades pessoais configuravam
dro de funcionários públicos do Império, sig- como qualquer outro assunto oficial no trata-
nificava ser arrastado nas esteiras ideológi- mento das questões do governo. Não havia,
cas das manifestações de causas políticas, portanto, nenhum constrangimento por parte
econômicas e sociais. A disputa por um car- dos funcionários do rei e depois do Império,
go engendrava lutas, agressões morais e em agredir moralmente seus adversários em
depreciações, principalmente por parte da- público na luta por melhores posições no ce-
queles que encontrando-se no exercício do nário político. Era comum, até mesmo banal,
poder, sonhavam serem capazes de condu- incluir na pauta oficial das decisões reais as-
zir os rumos da sociedade piauiense, com suntos que hoje seriam considerados de fórum
tranqüilidade, coesão política e harmonia, íntimo, entretanto ali se tornavam questões a
sem a desenvoltura de opiniões contrárias ao serem analisadas como qualquer outro assun-
pensamento oficial. to da burocracia oficial.
Na concepção de Nunes (1981), não era Mas qual o tratamento dispensado aos
fácil a vida naquela sociedade, em outros desafetos políticos quando estes eram do
termos, não era uma vida pacífica. As pesso- sexo feminino? Qual o teor das acusações
as, principalmente aquelas que faziam parte feitas às mulheres? Que argumentos justifi-
do círculo restrito da elite, se pressionavam cariam suas demissões do serviço público?
mutuamente, lutando entre si por chances de Essas são as questões que tentar-se-á res-
prestígio, por sua inserção e de seus familia- ponder através de breve análise feita acerca
res na hierarquia do poder. Desta feita, não da experiência de afastamento das funções
cessavam os escândalos, as intrigas, os con- públicas do magistério vivenciada pela pro-
flitos por posições e favorecimentos, época fessora Antônia Rosa Dias de Freitas.
em que cada membro do grupo podia preju-
dicar o outro em benefício próprio. Insultos, Injúrias e Calúnias (?)
Era, também, uma vida sem estabilida-
de, acrescenta o autor (op.cit), se fazendo Desde o advento das oligarquias rurais,
necessário escolher “bem” as amizades e que articula o poder local, a declaração de
evitar as inimizades gratuitas, procurando moral idônea dos candidatos a uma vaga no
sempre se comportar do modo mais exato, magistério público fica sob a responsabili-
de acordo com a posição ocupada, pois para dade dos chefes políticos locais. Revestidos
a sociedade de então, ter um comportamen- pelo poder que os cargos de inspetores e
to moral adequado às funções públicas que diretores da instrução pública lhes confere,
o indivíduo desempenha era, acima de tudo, estes senhores passam a exercer o controle

108 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
do comportamento dos professores, determi- do professor, então considerado um elemen-
nam os aspectos morais e imorais de suas to fundamental na transmissão dos valores
condutas, classificando-os, muitas vezes, vigentes de determinado campo social.
com base em critérios políticos partidaristas. Desta feita, é possível afirmar que, sen-
Acredita-se que, a importância então atri- do a professora Antônia Rosa, um sujeito cuja
buída ao comportamento moral do professor existência encontra-se vinculada à história e
como um dos critérios estabelecidos para o a cultura do meio em que vive e desempenha
exercício do magistério corresponde, neces- suas funções, não está alheio às determina-
sariamente, às circunstâncias culturais e as ções morais dessa sociedade, seu trabalho
pressões políticas do período. Carneiro não é livre, mas encontra-se submetido a uma
(2000) observa que, a moralidade é uma es- autoridade6 que controla seus atos e suas fa-
pécie de sistema que regula a vida coletiva las dentro e fora da escola, que fixa e
através dos costumes e dos valores de uma normatiza sua ação e sua conduta através do
sociedade numa época determinada. Portan- detalhamento das habilidades, dos conheci-
to, as exigências e as denúncias feitas em mentos e dos comportamentos que o Estado
relação ao comportamento dos professores considera apropriado para aquele momento.
nos sertões do Piauí no século XIX, não se É justamente com o objetivo de exercer
realizam indiferentes às condições históricas, o controle sobre as atividades docentes da
geográficas, políticas, econômicas e culturais professora Antônia Rosa que, no início do mês
daquele grupo social, ao contrário, aquela de agosto, precisamente no dia 8 de agosto
sociedade, assim como outras comunidades, de 1869, o Cel.Raimundo José de Carvalho
institui uma moral, isto é, valores e Sousa7, revestido pelo poder que lhe con-
concernentes ao permitido, ao proibido, ao fere o cargo de inspetor paroquial da Vila de
que pode ser feito e ao que não deve ser fei- Jaicós, envia ao Diretor Geral da Instrução
to, ou seja, a conduta correta, válida para to- Pública da Província, uma representação con-
dos os seus membros. tra a pessoa da referida professora pública
Mas de que maneira a criação e a ma- da cadeira de primeiras letras da Vila. Na
nutenção desses sistemas morais afetam o representação, alguns chefes de família da
exercício do magistério naquela província localidade, declaravam que Antônia Rosa
brasileira? não possui a precisa moralidade para exer-
Segundo Catani (2000), como a educa- cer aquela função pública, motivo pelo qual
ção não ocorre de forma isolada, mas estrei- as aulas públicas de primeiras letras para o
tamente relacionada com a sociedade e a sexo feminino daquela Vila encontravam-se
cultura de cada época, ela irá reproduzir as em total descrédito.
crenças, os valores e os costumes defendi- Dentre o elenco de acusações feitas,
dos pela sociedade na qual se encontra acerca do comportamento da professora em
inserida e isso se processará através dos questão foram relacionadas as seguintes
conteúdos das disciplinas mas, principalmen- observações:
te, através do comportamento e da postura

6
Foucault (1979) define o poder como disciplina. Um mecanismo que permite o controle minucioso dos corpos,
manipulando seus elementos, produzindo o comportamento necessário ao funcionamento e manutenção da
sociedade industrial, capitalista.
7
Coronel Raimundo José de Carvalho e Sousa era membro do Partido Conservador (Mundico para os íntimos),
casado com sua prima Ricardina Francisca de Carvalho e foi deputado provincial. (CARVALHO, 1988)

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 109
• defender publicamente aviltações con- bém se fazia acontecer noutras províncias.
sideradas inconvenientes a um funcioná- Como observou Villela (2005), no Brasil do
rio público do Estado Imperial; século XIX, o provimento de cargos no ma-
• ter suas aulas freqüentadas apenas por gistério mobilizava um complexo sistema de
alcobanas, ou seja, filhas de pessoas intermediação de favores. Relações
que sempre trabalham a favor da desor- clientelísticas encharcavam o sistema políti-
dem e da imoralidade. co e social do País definindo redes de leal-
• ensinar determinados conteúdos que dade, baseadas em laços de família, ami-
uma moça jamais deveria aprender; zade e proteção. Era o apadrinhamento que
• manter um relacionamento ilícito com o transformava o magistério, assim como
padre daquela paróquia8. qualquer emprego público, em um dos prin-
cipais instrumentos de trocas materiais e
Reiteradas e freqüentes passam a ser as simbólicas, num jogo de interesses que nem
acusações feitas à conduta considerada imo- a escola escapava.
ral da referida professora tanto por parte de Por que os argumentos utilizados pelo
pessoas da comunidade, como pelo inspetor inspetor paroquial da Vila de Jaicós para
paroquial e até mesmo pelo diretor interino da exonerar a professora Antônia Rosa de suas
instrução pública no Piauí, que afirma em do- funções magisteriais apoiavam-se, principal-
cumentos enviados ao presidente da Provín- mente, nas acusações de adultério?
cia em exercício, serem verdadeiras todas as Buscando referências nas bases teóri-
acusações feitas à professora. Diante dos cas de Bourdieu (1999) torna-se possível
escândalos envolvendo o padre e a mestre, compreender alguns aspectos dos mecanis-
cujo marido, Coronel da Guarda Nacional, que mos de exoneração postos em prática no
no momento se encontrava a serviço da pátria Piauí oitocentista. As bases morais das acu-
na guerra do Paraguai (1865-1870), o presi- sações feitas à referida professora refletem
dente da Província em exercício decide trans- os princípios que perpetuaram a relação de
ferir Antônia Rosa para a cadeira de primei- dominação do universo masculino sobre o
ras letras da Vila de Picos. feminino naqueles sertões. De acordo com o
A cadeira de primeiras letras do sexo autor (op.cit.), esses princípios não residirem
feminino da Vila de Picos também encontra- apenas dentro da unidade doméstica, eles
va-se vaga por conta do processo de exone- extrapolam os muros das casas e invadem
ração sofrido pela professora Antônia Maria outras instâncias sociais como a escola, lu-
da Conceição, que foi afastada do cargo no gar considerado privilegiado para a elabora-
mesmo período, agosto de 1869, que a pro- ção e imposição desses princípios de domi-
fessora Antônia Rosa e sob a mesma acusa- nação e manutenção de uma ordem social
ção de comportamento moral inadequado às que se alicerça na divisão social do trabalho,
funções do magistério público, com direito a na distribuição das atividades atribuídas a
denúncias de adultério e de falta total de ha- cada um dos sexos. Inscrita nas coisas da
bilidades para o exercício do magistério. ordem masculina, também se encontra o es-
Essa situação vivenciada pelos mem- tabelecimento das condutas morais seja atra-
bros da família Dias de Freitas no Piauí, tam- vés de infunções tácitas, implícitas nas roti-

8
A partir de alguns levantamentos biográficos, é possível afirmar que o suposto amante da professora Antônia Rosa
Dias de Freitas, era o seu parente e filiado do Partido Liberal, Cônego Claro Mendes de Carvalho que foi vigário da
paróquia da vila de Jaicós durante um longo período, estando por lá na época das acusações.

110 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
nas da divisão do trabalho, seja nos rituais tarem reação contra seus adversários, é pos-
coletivos ou privados nos quais os compor- sível supor que qualquer mecanismo político
tamentos se inscrevem. de interferência nas atividades docentes traz
No modelo de sociedade aqui exposto, no seu bojo condicionantes culturais da épo-
a escola representa um dos instrumentos de ca e do lugar em que são praticados.
manutenção da ordem social vigentes, desta Pressões morais, ameaças, denúncias,
forma, a contratação e a demissão dos pro- essas foram as principais formas de controle
fessores vêm carregadas de signos hierár- do funcionalismo público utilizadas pela corte
quicos, bem como de manifestações visíveis portuguesa no Brasil, e ao que parece indica-
das diferenças sociais estabelecidas entre os rem as fontes continuaram sendo utilizadas
sexos, evidenciados naqueles detalhes dos pelo governo imperial. Desta feita, observa-se
comportamentos exigidos, aparentemente que as condições do exercício do magistério
tão insignificantes, mas que encerram inúme- no período oitocentista pouco se alteram, prin-
ros apelos à ordem. cipalmente no que concerne às interferências
Ao escrever sobre a dominação do mas- do poder político na atuação docente, através
culino nas sociedades, Bourdieu (op.cit) ar- das perseguições feitas pelos inspetores lite-
gumenta ainda que, a escola não tem outra rários, agora atuando dentro das
opção a não ser funcionar e transmitir os pres- municipalidades e assumindo parte da res-
supostos da representação patriarcal, até ponsabilidade pela criação de mecanismos
porque esta instituição nas suas estruturas mais centralizadores e de maior eficácia no
mais peculiares já se encontra impregnada controle das atividades dos professores.
de uma moral familiarista determinada pelos Não restam dúvidas de que, embora na-
mesmos valores patriarcais presentes na fa- quele contexto, a maioria das nomeações,
mília, na Igreja e no Estado, instituições em transferências e exonerações dos docentes,
que a mulher é avaliada pela sua sexualida- viessem impregnadas de intenções políti-
de e o homem pela sua força de trabalho. cas, estas fazem parte do conjunto de práti-
cas culturais 9 da sociedade piauiense
Algumas Consderações Finais oitocentista, que refletem as normas de con-
vivência daquele grupo e as análises feitas
Acredita-se que as alusões e os suben- acerca da trajetória de vida da professora
tendidos no magistério piauiense de meados Antônia Rosa Dias de Freitas, apontam
do século XIX aqui expostos, podem ser ana- para essas questões.
lisados não só com base nas interferências Diante do pouco que aqui foi narrado,
políticas no magistério mas, também, através pode-se dizer que, foi a mulher e não a pro-
dos modos de vida relacionados àquele gru- fessora que esteve em julgamento. Era ela,
po social e das bases culturais dos sistemas a mulher exposta às intempéries do univer-
normativos que regulam e constrangem os in- so masculino por ocupar um cargo público.
divíduos. Até porque, embora o magistério Ela, a mulher, considerada o elemento mais
possa ser considerado, naquele período, um frágil daquela teia humana que em momen-
campo privilegiado para as pessoas que se tos de conflitos políticos utilizava qualquer
encontravam no exercício do poder manifes- estratégia para lançar seus desafetos em

9
Tomando como base as noções de “práticas” elaboradas por Chartier (2004), define como práticas culturais não
apenas as instâncias e as técnicas oficiais de produção cultural mas, também, os modos como em uma dada
sociedade, as pessoas conversam, solidarizam-se, hostilizam-se, discriminam e apadrinham outros.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 111
descrédito. E assim, mesmo que fossem então maculada pelas depreciações morais
falsas as acusações de adultério feitas a que geram desconfianças entre as pessoas
professora Antônia Rosa, e caso, algum dia, e considerando a cultura da época, deve ter
ela tenha conseguido reaver o seu cargo, o provocado um efeito avassalador naquela
mesmo não aconteceria com a sua honra, estrutura familiar.

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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 113
Resumos
QUEIROZ, Marta Maria Azevedo. Projeto escola ativa: os desafios de ensinar
ciências naturais em classes multisseriadas da zona rural de Teresina – PI. 2006.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciências da Educação,
Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.

RESUMO
O objetivo deste trabalho é investigar as práticas pedagógicas dos professores, em Ciências Naturais,
que atuam em classes multisseriadas do Projeto Escola Ativa, de 1ª a 4ª série do ensino Fundamental,
da zona rural de Teresina, e suas contribuições na formação da cidadania. As escolas participantes
da pesquisa são atendidas pela Secretaria Municipal de Educação e ficam situadas na zona rural
de Teresina – Piauí, de acordo com o mapa rural do IBGE. O presente trabalho é de natureza descritiva
e de cunho qualitativo, na qual propomos analisar as práticas pedagógicas em Ciências Naturais
desenvolvidas no contexto das classes multisseriadas. A pesquisa envolveu cinco escolas de 1ª a 4ª
série do ensino Fundamental que adotam a metodologia do Projeto Escola Ativa – Gurupá de Baixo,
Gurupá de Cima, Angola, Dionísio Carvalho e Caminho Novo. Para tanto, constituíram sujeitos da
pesquisa treze professoras que desenvolvem seu trabalho nessas instituições. Na realização desta
pesquisa utilizamos para coleta de dados a observação sistemática e a entrevista semi-estruturada,
técnicas fundamentais para compreender as práticas desenvolvidas nesses contextos. Na
observação, buscamos perceber aspectos relacionados à postura do professor, levando em
consideração o planejamento, metodologia, recursos e avaliação; no sentido de contribuir para o
esclarecimento do discurso apresentado na entrevista. Na entrevista, a relação de interação recíproca
entre que pergunta e quem responde foi fundamental para esclarecer questões que envolvem a
compreensão dos professores acerca da proposta teórica apresentada pelo Projeto, as práticas
pedagógicas e sobre questões relativas à importância do ensino de Ciências nas séries iniciais do
ensino Fundamental. Concomitantemente à coleta de dados foram feitas as análises de acordo
com as categorias estudadas: Escola Ativa; Prática Pedagógica, Classes Multisseriadas e Ensino
de Ciências Naturais. Na elaboração de um estudo descritivo, dialogamos com diversos autores,
dentre eles John Dewer, que enfatiza a educação ativa; Paulo Freire, que traz contribuições relevantes
acerca do processo de ensino e aprendizagem numa concepção histórico-crítica, e Vygotsky, que
aborda a formação de conceitos científicos e suas influências na aprendizagem. Com base no
referencial teórico e na pesquisa empírica, foi possível analisar criticamente o ensino de Ciências no
Projeto e os seus desafios no ato de ensinar em classes de multisseriadas, de ultrapassar as práticas
individualizadas, descontextualizadas e sem significação para os alunos. Os resultados demonstram
que o ensino de Ciências Naturais em classes multisseriadas da zona rural de Teresina – Piauí é um
desafio em virtude de se ter como meta principal alfabetizar as crianças até o final da 4ª série do
ensino Fundamental, tendo como conhecimentos básicos Português e Matemática. Fica notória,
nesse contexto, a necessidade de uma reavaliação do ensino de Ciências Naturais nessas classes,
para possibilitar a essas crianças uma compreensão significativa do mundo, uma prática de mudança
da realidade vivida e um exercício pleno de sua cidadania.

Palavras-Chave: Práticas pedagógicas. Classes multisseriadas. Ensino de Ciências Naturais.


Escola Ativa. Educação Rural.

116 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
MOURA, José Adersino Alves de. A prática docente na academia de polícia
militar do Piauí: uma abordagem à luz do agir comunicativo. 2006. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Centro de Ciências da Educação, Universidade
Federal do Piauí, Teresina, 2006.

RESUMO

Esta dissertação é um relato de um estudo de caso realizado na Academia de Polícia Militar do


Piauí – APMPI, que tem como objetivo principal investigar, à luz do agir comunicativo, a prática
docente, a partir da perspectiva dos próprios professores, para nos certificarmos até que ponto ela
propicia a construção do conhecimento através de acordos comunicacionais intersubjetivos.
Especificamente, buscamos desvelar a formação profissional no campo policial militar, analisar o
trabalho docente na perspectiva da racionalidade comunicativa, caracterizar a prática dos docentes
vinculados à Universidade Estadual do Piauí e à Polícia Militar por força do convênio firmado entre
essas instituições e, ao mesmo tempo, identificar os saberes mobilizados por esses docentes no
cotidiano da Academia. Os sujeitos da pesquisa, assim, foram 20 (vinte) professores do corpo
docente da APMPI, amostra escolhida intencionalmente de uma população de 22 professores que
atuaram nos semestres 2004:2 e 2005:1, respectivamente, nos 2º, 3º, 4º e 5º períodos do Curso
Superior de Formação de Oficiais – CSFO. Os dados, coletados através de questionários, entrevistas,
documentos oficiais e de nossa própria observação, foram submetidos à análise de conteúdo, quanto-
qualitativamente, permitindo a realização de uma discussão analítica em torno da caracterização da
prática dos docentes pesquisados e identificação dos saberes que estes mobilizam no cotidiano.
As categorias centrais de análise foram construídas através da contribuição de vários autores e
organizadas em torno de dois eixos teóricos: 1) formação profissional no campo policial militar; 2)
trabalho docente e agir comunicativo. O primeiro eixo teórico adotado, formação profissional e campo
policial militar parte de autores como Bourdieu (1993, 2005), Bourdieu e Passeron (1992), Althusser
(2001), Foucoult (1998), Habermas (1992, 1989), Silva (2000) e Moreira (1997) dentre outros e
permite explicar que, através da reprodução educacional, dos aparelhos ideológicos de Estado e
do controle técnico do conhecimento por interesses diversos é construído um habitus tendente à
prática policial militar reativa. Permite apontar-se, também, o emergente paradigma interativo, foco
principal da polícia comunitária, enquanto filosofia e modalidade de policiamento realizado em
parceria com a comunidade. O segundo eixo teórico, trabalho docente e agir comunicativo propicia
uma ampla discussão sobre a epistemologia da prática e saberes que os professores mobilizam
em serviço a partir de autores como Tardif (2002), Tardif e Lessard (2005), Tradif e Gauthier (2001),
Tradif, Lessard e Gauthier (1998), Tardif, Lessard e Lahaye (1998), Nóvoa (1999, 1998, 1995),
Schön (1995), Giroux (1997), Pimenta (2002), Contreras (2002), Candau (1996, 2001), Sacristán
(1998, 1999), Therrien (1998), Freire (1998, 2002, 2003) e outros. Nesse eixo, com suporte na
racionalidade comunicativa (HABERMAS, 1989), foi analisada a possibilidade de um encontro entre
a reflexão e a interação durante a realização do trabalho docente. Desse modo, sob a iluminação
desse referencial a pesquisa empírica desenvolvida possibilitou a caracterização da prática docente
tradicional passiva, que, infelizmente, ainda resguarda a reprodução do conhecimento. Essa postura
não se coaduna com o objetivo de nossa abordagem, já que entendemos o conhecimento como
fruto de um consenso produtivo em uma comunidade política de discussão, capaz de formar
profissionais úteis à sociedade a partir de um trabalho docente que ressalte, principalmente, o
caráter ético-emancipatório de aspirações legítimas da comunidade.

Palavras-chave: Prática docente. Agir comunicativo. Formação profissional. Campo policial militar.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 117
LUSTOSA, G. Q. Trajetórias de vidas profissionais: histórias de professores
das séries iniciais do ensino fundamental. 2006. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências
da Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.

RESUMO
A formação docente e as práticas pedagógicas do professor avultam como instâncias
significativas no contexto das discussões acerca da docência como profissão. A preocupação
deste estudo funda-se na necessidade de pensarmos criticamente os processos formativos e
as práticas de ensinar a fim de compreendermos como se desenvolvem as trajetórias
profissionais de professores. A relevância de discutirmos a formação do professor, seus
investimentos pessoais no processo de desenvolvimento da trajetória profissional e na
ressignificação de suas práticas pedagógicas, constituem-se eixo teórico e prático importante
para que se construam novas referências na perspectiva de situar o ofício pedagógico como
uma atividade profissionalizada. Tomando por base essas considerações, o objetivo central do
nosso estudo é investigar os fatores da prática profissional que motivam professores das séries
iniciais do ensino fundamental a investirem no desenvolvimento de suas trajetórias profissionais,
analisando aspectos que contribuem para a ressignificação de suas práticas pedagógicas.
Neste sentido, definimos como questão central a seguinte indagação: que fatores da prática
profissional motivam os professores a investirem no desenvolvimento de suas trajetórias
profissionais, buscando ressignificar suas práticas pedagógicas? Comporta, pois, analisarmos
as produções sobre a prática pedagógica e a formação profissional docente por constituírem–
se fundamentais nos estudos acerca das trajetórias de professores. O estudo em foco
caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa. A opção por esta abordagem de caráter qualitativo
deu-se em decorrência da natureza do objeto de nosso estudo. Para desenvolver esta
investigação delimitamos como percurso metodológico o estudo de caso, denominado de história
de vida. Este tipo de estudo nos permitiu aprofundar a análise, ao focalizarmos as trajetórias
profissionais e de vida de oito professoras das séries iniciais do ensino fundamental de uma
escola pública da rede municipal de ensino, situada na zona norte da cidade de Teresina. Os
dados foram produzidos através de questionários, memoriais de formação e de entrevistas
autobiográficas. A opção pelas narrativas de professores é por acreditarmos em suas
possibilidades para a formação de sujeitos críticos e reflexivos. Quando narra sua história o
professor analisa, sistematiza suas idéias e reconstrói suas experiências, abrindo espaços
para uma auto-análise e criando bases para uma compreensão da sua própria prática docente
e de vida. Acreditamos que as narrativas das histórias de vida pessoal e profissional remetem
o sujeito para uma dimensão de auto-escuta de suas experiências e das aprendizagens
construídas ao longo de suas trajetórias. Os dados produzidos neste caminhar investigativo
trouxeram pistas a respeito de como as professoras das séries iniciais do ensino fundamental
vão construindo e consolidando o processo de tornarem-se professoras. Revelam, de modo
especial, que os professores ao articularem os saberes da formação inicial aos saberes
construídos no percurso formativo continuado, bem como às experiências vivenciadas no
exercício da prática docente, vão consolidando o seu mister profissional.

Palavras-chave: Trajetória profissional. Formação docente. Prática pedagógica.

118 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
PORTELA, M. T. de J. A. A construção do processo de torna-se professor:
um estudo focalizando o administrador. 2006. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências
da Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.

RESUMO
O presente trabalho, de cunho predominantemente qualitativo, tem como objetivo investigar
como o profissional de administração, na vivência do magistério, vai consolidando sua
aprendizagem profissional na perspectiva de tornar-se professor de profissão. Procuramos
analisar de que forma o professor-administrador vai consolidando sua aprendizagem profissional
docente na vivência da prática pedagógica. Em termos metodológicos, optamos pelo uso do
método autobiográfico, história de vida, através da aplicação de dois procedimentos para recolha
de dados: entrevistas semi-estruturadas e memoriais descritivos. As entrevistas foram realizadas
com cada professor, individualmente, e os memoriais foram elaborados por cada um dos sujeitos
investigados a partir de um modelo referencial. Foram sujeitos da nossa investigação onze
professores-administradores dos cursos de Administração da Universidade Federal do Piauí,
nos campi de Teresina e Parnaíba. Dos dados coletados, emergiram três categorias dando
cada uma delas origem a três subcategorias: a prática pedagógica do professor-administrador:
elementos para uma caracterização, com as subcategorias - o processo de tornar-se professor
no curso de administração, desvelando a prática pedagógica do professor-administrador e a
interface teoria–prática na ação do docente-administrador; a categoria os saberes que alicerçam
a aprendizagem docente do administrador, que deu origem as subcategorias - o saber da
experiência profissional como fundamento para a docência no curso de Administração, o saber
da formação profissional do administrador como eixo norteador da prática pedagógica e o
saber pedagógico na atividade do professor-administrador; e por último a categoria a
consolidação da aprendizagem profissional do professor-administrador que derivou as
subcategorias - os investimentos formativos do professor-administrador: a busca do
desenvolvimento, os caminhos trilhados pelo professor-administrador na consolidação da
aprendizagem profissional docente e aprendizagem da docência e a ressignificação do ser
professor. A análise dos dados evidenciou a necessidade de uma formação específica para
credenciar o Administrador para o exercício da atividade docente, a partir de investimentos em
sua formação continuada, fato que justificaria, inclusive, a inclusão de disciplinas do campo da
educação nas diretrizes curriculares do Curso de Administração. O estudo evidencia, também,
a necessidade e articulação entre a vivência prática do administrador com o exercício da atividade
docente, assim como revela a necessidade de ser repensada a condição de dedicação exclusiva
para o professor-administrador, haja vista que este necessita retraduzir o conhecimento
produzido na academia ao vivenciar ou analisar organizações empresariais no mercado e vice-
versa. As constatações deste estudo devem servir de reflexão para o ensino de Administração,
para um repensar da prática pedagógica do professor-administrador, dentro dos parâmetros
esperados pelos alunos e, principalmente, pela sociedade que absorverá o futuro profissional.
Pretendemos, pois, contribuir com essa discussão, seja em termos de formação acadêmica do
administrador, seja no que se refere à sua formação docente profissional e, se for o caso, sugerir
redirecionamento nesse processo, vislumbrando a formação de um administrador-professor.

Palavras-chave: Formação do Professor-administrador. Saberes Docentes. Práticas


Pedagógicas.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 119
SANTOS. D. C. M. Desvelando a pratica pedagógica de professores de
língua portuguesa do CEFET-PI: análise de dilemas emergentes. 2006.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal do Piauí,
Teresina, 2006.

RESUMO
Os estudos e reflexões sobre a prática pedagógica têm procurado, de forma recorrente, situá-
la como atividade docente de natureza complexa e multidimensional, haja vista que o ensino
configura-se como prática social que comporta uma diversidade de ações e de interações,
requerendo do professor um conhecimento amplo e consistente sobre as peculiaridades da
profissão docente. Considerando, pois, a natureza complexa das práticas de ensinar, o presente
estudo objetiva investigar os dilemas que emergem na prática pedagógica de professores de
Língua Portuguesa, analisando as estratégias por eles utilizadas na resolução de tais dilemas.
Para realizar o estudo, optamos pela pesquisa qualitativa contemplando a modalidade estudo
de caso. No processo de coleta de dados utilizamos o questionário, a entrevista, a observação
indireta e os diários da prática. A pesquisa desenvolveu-se tendo como sujeitos dez professores
de Língua Portuguesa do CEFET-PI. Do ponto de vista teórico, tomamos como referência os
estudos de Lampert (1985, 1997), Berlak e Berlak (1981), Zabalza (1994, 2004), Caetano (1997),
dentre outros. Nesta perspectiva, dentre as diversas concepções de dilemas, optamos pela
concepção de Lampert que postula ser o dilema um conflito simultaneamente cognitivo e prático,
cuja solução requer considerar tanto as situações concretas da sala de aula, quanto às idéias
do professor acerca do que é possível fazer diante dos dilemas da sua prática. No
desenvolvimento da pesquisa, identificamos dilemas relacionados aos alunos e dilemas
relacionados ao ensino. A análise empreendida permitiu conhecer a natureza desafiadora da
ação didática, explicitando os conflitos que os professores enfrentam no dia a dia das práticas
de ensinar. Constatamos, inclusive, que os professores têm condições privilegiadas de identificar
nas situações didáticas os dilemas da prática pedagógica, valendo-se de estratégias simples
para resolver tais dilemas, sempre voltadas para a manutenção do equilíbrio da aula. Além
disso, a análise dos dados revela que os professores percebem a prática como um contexto
marcado pela instabilidade e complexidade, compreendendo que as experiências vivenciadas
nas situações de ensino alicerçam a resolução dos dilemas inerentes a essas situações. Diante
do exposto, realçamos a importância deste estudo por possibilitar a compreensão de que ensinar
é uma tarefa formativa, bem como por explicitar as peculiaridades do trabalho docente,
realçando-o como atividade complexa e multifacetada que desafia o professor na ressignificação
de seus saberes e de suas práticas.

Palavras-chave: Prática pedagógica. Dilemas. Prática reflexiva.

120 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
MADEIRA, M. Z. de A. A prática pedagógica das professoras do curso de
enfermagem: revisitando a construção dos saberes docentes. 2006. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro
de Ciências da Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.

RESUMO
A formação, em geral representa um processo consignado ao sistema formal de escolarização,
cujo objetivo preliminar é habilitar pessoas para atuarem de forma competente no mercado de
trabalho e nos vários âmbitos que integram o meio social. Nesta perspectiva, comporta, diante
de um cenário educacional em constante transformação, analisar a complexidade de que se
reveste o fenômeno formação docente, o qual, por se caracterizar como um processo, não se
efetiva de uma só vez. É uma construção paulatina. Possui conotação e matizes particulares,
notadamente no que concerne às condições históricas. Nesse sentido, o presente trabalho, na
versão dissertação de mestrado, apresenta, dentre outros objetivos, investigar os saberes
docentes que alicerçam a prática pedagógica dos enfermeiros-professores, vislumbrando
entender o significado dessa prática social no que refere ao processo de tornar-se professor
de profissão, ao desenvolver a docência superior no curso de enfermagem da UFPI. Ou seja, o
propósito principal é discutir acerca dos saberes docentes produzidos, mobilizados pelo
enfermeiro-professor, no sentido de construção e reconstrução das competências necessárias
e indispensáveis para tornar-se professor, o que demanda, preliminarmente, a realização de
três procedimentos concomitantes, quais sejam: identificação dos saberes mobilizados pelas
professoras; descrição da prática pedagógica das professoras-interlocutoras; e análise das
possíveis contribuições que os saberes da docência conferem à prática pedagógica das
docentes do curso de enfermagem. Desse modo, na realização do presente estudo investigativo,
tomamos como referência teórico-conceptual contribuições de autores que discutem as
seguintes temáticas: Formação (Nóvoa, 1995, 1992; Flores, 2003; Lima, 2003; Pimenta, 2002);
Práticas pedagógicas (Pimenta, 2005, 2002; Perrenoud, 1993) Saberes ( Tardif, 2002, Tardif,
Lessard e Lahaye, 1991; Gauthier et al, 1998), dentre outros, que, no conjunto, subsidiaram a
construção da compreensão do objeto de estudo perspectivado, assim como instrumentalizaram
a análise interpretativa dos depoimentos das professoras-parceiras. O estudo caracteriza-se,
pois, como de natureza qualitativa, na modalidade descritivo-interpretativa, com ênfase
metodológica na História Oral (Alberti, 1989; Ferreira, 1994; Thompson, 1992). Como
instrumentos de recolha de dados empregamos entrevistas semi-estruturadas, sendo que a
análise de dados desenvolveu-se a partir de uma base categorial, orientada pela técnica da
análise de conteúdo proposta por Bardin (1994) outras constatações importantes reveladas
pelas análises empreendidas, evidencia-se que os saberes docentes e a prática pedagógica
incidem positivamente para a consolidação do processo de tornar-se professor de profissão
no âmbito da docência no curso de enfermagem da UFPI.

Palavras-chave: Formação docente. Saberes docentes. Práticas pedagógicas

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 121
CORTEZ, B. C. As práticas de formação de professores de 1ª a 4ª serie do
ensino fundamental: um estudo da formação do magistério leigo em Oeiras
(PI)-1970 a 2004. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação, Centro de Ciências da Educação, Universidade
Federal do Piauí, Teresina, 2006.

RESUMO
Este trabalho visou apresentar um estudo sobre a formação do magistério leigo em Oeiras-PI
entre os anos 1970 – 2004. A exposição em foco constitui uma temática rica e interessante
posto que, a pesquisa se propôs a analisar as práticas de formação dos professores de 1ª a 4ª
série do Ensino Fundamental no contexto rural oeirense, utilizando no plano metodológico a
pesquisa qualitativa que se valendo do método da história de vida, objetivou conhecer as práticas
de formação realizadas e as dúvidas e inquietações que afligem os docentes leigos. Os aportes
teóricos apontados nesta dissertação a partir das categorias habitus, saberes, práticas, prática
social e cultura e organização escolar e um profundo estudo realizado com professores, convidam
a uma ampliação do nosso olhar sobre quais as concepções de competências que estão por
trás das práticas de formação desses profissionais. Ao analisar as práticas de formação a que
os professores rurais estão submetidos, pôde-se levantar uma série de conjecturas sobre a
prevalência da concepção que vem orientando a realização de programas (Escola Lauro
Machado Torres, PROFORMAÇÃO, LOGOS I e II...) que não viabilizaram a prática docente
emancipatória, visto que não respeitaram os diferentes momentos de desenvolvimento
profissional e necessidades específicas da clientela em discussão. Os resultados colhidos são
oriundos de entrevistas e relatos de experiências dos sujeitos envolvidos, tendo como premissa
conclusiva a discussão sobre a necessidade de formar qualitativamente estes profissionais,
em virtude da educação contemporânea e contextual, suscitar docentes polivalentes e cônscios
da tarefa de educar. A partir das discussões, espera-se evidenciar não somente a existência de
programas de formação de professores leigos, mas sim, de políticas públicas que oportunizem
formar docentes portadores de uma postura reflexiva, investigativa e progressista, no entorno
rural, possibilitando a melhoria e o aperfeiçoamento para a escola do campo. Assim, sendo,
destaca-se como considerações finais as políticas de formação dos docentes leigos como
insuficientes no recorte cronológico em destaque para solução de tais dificuldades, deficiência
na estrutura curricular, distanciamento da teoria com a prática a partir dos cursos de formação
em nível de licenciaturas, práticas escolares e planejamentos pedagógicos da zona rural e urbana
não possuem nenhum diferencial, prevalência do professor urbano no entorno rural em decorrência
dos últimos concursos públicos realizados, criação das escolas-núcleo para minimizar salas
multisseriadas e reduzir distâncias percorridas pelos alunos às escolas mais distantes, dentre
outros aspectos observados e analisados neste trabalho investigativo.

Palavras-chave: Formação de professores. Saberes docentes. Formação continuada.

122 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
REVISTA SEMESTRAL DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFPI

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6 Os artigos devem ser encaminhados ao edi- a) Livro (um só autor):


tor, em três vias impressas e em disquete, em FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed.
versão recente do programa Word for Windo- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 123
MENDES SOBRINHO, J.A. de C. Ensino de i) Dissertações e teses:
ciências naturais na escola normal: as- BRITO, A. E. Saberes da prática docente
pectos históricos. Teresina: EDUFPI, 2002. alfabetizadora: os sentidos revelados e res-
significados no saber-fazer. 2003. Tese (Dou-
b) Livro (até três autores): torado em Educação) – Centro de Ciências
ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJ- Sociais Aplicadas, Universidade Federal do
DER, F. O método científico nas ciências Rio Grande do Norte, Natal, 2003.
naturais e sociais: pesquisa quantitativa e
qualitativa. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 2002. j) Trabalho publicado em eventos científicos.
ANDRÉ, M. E. D. A. de. Entre propostas ...
c) Livros (mais de três autores): uma proposta pra o ensino de didática. In: EN-
RICHARDSON, R. J. et al. Pesquisa social: CONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁ-
métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. TICA DE ENSINO, VIII, 1996, Florianópolis.
Anais .... Florianópolis: EDUFSC, 1998. p. 49.
d) Capítulo de livro:
CHARLOT, B. Formação de professores: a 10 A responsabilidade por erros gramaticais
pesquisa e a política educacional. In: PIMEN- é exclusivamente do(s) autor(es), constituin-
TA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.). Professor re- do-se em critério básico para a publicação.
flexivo no Brasil: gênese e crítica de um con-
ceito. São Paulo: Cortez, 2002. p. 89-108. 11 O conteúdo de cada texto é de inteira res-
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dade, Teresina - PI, n. 12, p. 26-38, 2005.
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Paulo, 22 jan. 2006. Cotidiano, caderno 3, p.
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Revista.htm. Acesso em: 20 dez. 2005. Centro de Ciências da Educação
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124 Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006
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Linguagens, Educação e Sociedade - Teresina, Ano 11, n. 15, jul./dez. 2006 125
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO “PROF. MARIANO DA SILVA NETO”
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FORMULÁRIO DE PERMUTA

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( ) Há necessidade institucional de continuar recebendo a Revista Linguagens, Educação, Socie-


dade como doação (sujeito a análise e confirmação).

( ) Há necessidade institucional de continuar recebendo a Revista Linguagens, Educação, Socie-


dade como permuta.

Em caso positivo, indicar, a seguir: título, área e peridiocidade da revista a ser permutada.
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Assinatura do Representante Institucional

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Encaminhar este formulário devidamente preeenchido para o endereço a seguir:
Universidade Federal do Piauí
Centro de Ciências da Educação “Prof. Mariano da Silva Neto”
Programa de Pós-Graduação em educação (PPGEd) - Sala 416
Campus Universitário “Ministro Petrônio Portella” - Ininga
TELEFAX: (86) 3237-1277
64.049-550
REVISTA: LINGUAGENS, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Universidade Federal do Piauí
Centro de Ciências Da Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Campus Min. Petrônio Portela - Ininga
64.040-730 Teresina – Piauí
Fone: (086) 3237-1234
e-mail: educmest@ufpi.br
web: <http:www.ufpi.br/>mesteduc/Revista.htm

Ficha de Assinatura

Nome: ........................................................................................................................................................
Instituição: .................................................................................................................................................
Endereço: ..................................................................................................................... ............................
Complemento: ............................................................................................................................................
Cidade: ................................................................................... CEP: .................. - ........... UF: ...............
Telefone: .................................. Fax: .............................. E-Mail: ...............................................................

Professor: ( ) Educação Básica ( ) Educação Superior ( ) Outros:.............................................

Assinatura para 2006 (2 números) – R$20,00 – Brasil Número avulso – R$ 10,00 – Brasil

Forma de Pagamento - manter contacto por e-mail educmest@ufpi.br


Imp. na Gráfica da UFPI

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