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2 – REFORMATA – Agosto 2019
NESTA EDIÇÃO...
Editorial
Coluna Teologia em Versos: Você acredita em
Deus?
Cláudio da Chaga Soares Ecumenismo pra quê? Ou melhor, pra começo de
conversa, pra quê falar de ecumenismo? A palavra
OIKOUMENE: o lar dos lares que se aquecem Ecumenismo virou "senso comum", todo mundo
juntos sabe do que se trata.
Pedro Lísias Moraes e Silva
Outro dia, questionando uma pessoa sobre práticas
ENTREVISTA: Comunhão Mundial de Igrejas carismáticas no ambiente reformado esta pessoa me
Reformadas retrucou "mas você não é ecumênico?", como se ser
Raíssa Vieira Brasil ecumenico me obrigasse a adotar quaisquer práticas
cristãs. Este, ao meu ver, é o principal equívoco. O
BILLY GAMMON: por um avivamento da ecumenismo não defende a uniformização do
memória cristianismo e nem que todos tenham as mesmas
Guilherme de Freitas Silva práticas. O pensamento ecumênico nos possibilita
ver o agir de Deus em meio a diversidade, sem
PASTORAL: Unidos pelo amor (1Co 1,10-13; 3,4-7) precisar demonizar a crença do outro e sem
Jorge Diniz abrirmos mão da nossa identidade histórica,
reconhecendo que se a graça de Deus se manifesta
As fontes da FENIP/IPU e sua contribuição ao no meio reformado apesar dos nossos pecados e
movimento ecumênico incoerências, ela também pode se manifestar nas
Isaque de Góes Costa igrejas católicas, nas igrejas pentecostais, etc.
O esforço pela unidade na diversidade não é Como a inculturação da mensagem tem êxito
reservado à era cristã. É uma constante tentativa através da unidade na diversidade, a Igreja foi
universal dos indivíduos, das famílias, dos clãs e alcançando os confins daquele mundo antigo:
povos espalhados pelo planeta. Qualquer pesquisa entre os africanos do Egito (coptas) à Eritréia,
arqueológica ou mergulho literário que enfrente a entre os celtas nas ilhas britânicas, no oriente (da
compreensão das ruínas, vasos e textos com suas Síria à China) com destaque para o sul da Índia,
diversas fissuras e remendos, nos mostrará onde Tomé teria iniciado comunidades cristãs. São
sempre um evidente dilema entre conflito e as fronteiras marginais do Império Romano.
reconciliação clamando pela união dos Culturas diversas, com suas particularidades,
contraditórios para a geração de uma realidade celebrando as Boas Novas.
plena de justiça, de liberdade e de paz. Tudo
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(1) daqueles cujas cascas e caroços não são permanente, no qual a unidade é destino do
comestíveis, como abacate e manga; (2) cascas e diálogo. Na Qahal de Jesus, a congregação de todos
caroços comestíveis, como morango e figo; (3) os povos, cabe o “pentecostal” caju?
cascas não comestíveis e caroços comestíveis,
como a banana e o abacaxi; (4) cascas comestíveis -----
e caroços não comestíveis, como ameixa e maçã.
Mas, e o caju? Encontramos no fruto “caju” a REFERÊNCIAS
expressão da alternativa e do desafio daquilo que
não se encaixa (caroço exposto, desprotegido da ALMEIDA, Joãozinho Thomaz de. Guia de
casca – tudo é saboroso), entretanto, está definido Patrística: as marcas de Cristo na história dos
a fazer parte da unidade na diversidade: primeiros séculos. São Paulo. Fonte Editorial,
2012.
Reconhecer o outro e também as nuances no
comportamento humano [é] promover um BONDER, Nilton. O judaísmo e o não judeu na
ser humano melhor, com maior família. In: BONDER, N.; SORJ, B. Judaísmo para o
compreensão de si e de seu semelhante. O século XXI: o rabino e o sociólogo. Rio de Janeiro:
caju pode, sem dúvida, levar esse processo Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 35-
um passo à frente. O verdadeiro ‘outro’ é o 45.
que não está no diálogo e que, de certa
forma, questiona tanto tese como antítese. É BONDER, Nilton. Tolerância e o outro. In: BONDER,
aquele que não se encaixa na síntese e, N.; SORJ, B. Judaísmo para o século XXI: o rabino e
portanto, a ‘desprova’. Por um lado o caju é o sociólogo. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de
‘ameaça’, por outro é ‘desafio’. Mas todos Pesquisas Sociais, 2010. p. 23-39.
sabemos que ignorar a existência desse
‘quinto fruto’ não salva a síntese, muito pelo NUNES, Antônio Vidal (Org.). O que eles pensam
contrário, acelera seu processo de de Rubem Alves: e de seu humanismo na religião,
desintegração. Não há outra forma de na educação e na poesia – São Paulo : Paulus, 2007.
honrar o esforço intelectual e espiritual do
passado sem conduzir a ameaça à categoria
de desafio. (2010, p. 37) Pedro Lísias Moraes e Silva é pastor da Igreja Presbiteriana Unida
de Campo Grande, e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana do
Ibes, ambas no Espírito Santo. Vice-moderador do Presbitério de
Portanto, ecumenismo é superar o rótulo “ameaça” Vitória (PVTR), teólogo pelo Centro de Formação Teológica
que impomos ao outro, às outras expressões de fé, Richard Shaull e Designer Gráfico pela UFES.
para estabelecer um encontro desafiador,
Penso que viver em comunhão é um chamado de Há uma dimensão que penso ser fundamental aqui.
Deus para sua Igreja, como em João 17:10. O O ecumenismo precisa ser entendido como um
chamado para comunhão uns com os outros, não vínculo profundo de paz que promova a vida. Isto
se restringe à igreja local, mas deve ser aplicado de quer dizer que o engajamento no diálogo é
forma tão abrangente quanto é a Igreja de Cristo primordial para levar a um testemunho cristão
espalhada pela Terra. Viver em comunhão é sincero. Em 2017, consagrou-se o processo da
fundamental nos tempos modernos, marcados Declaração Conjunta da Doutrina da Justificação
pela individualidade inclusive da fé. É na assinado pela Igreja Católica Romana, pela
comunhão que a igreja amadurece, pois aprende a Federação Mundial Luterana, pelo Conselho
conviver na diversidade e, mais, é desafiada a Mundial Metodista, pela Comunhão Anglicana e
promover a vida plena de cada ser que dela faz pela CMIR, concordando na salvação em e por
parte. Obviamente isto nem sempre é algo fácil ou Jesus Cristo. Isto é algo tremendo! É um sinal de
sem desafios (rs), mas é a comunhão entre igrejas reconciliação e de paz entre os herdeiros da
reformadas é o que desafia seu processo contínuo Reforma e a Igreja Católica Romana após 500 anos.
de reformação, pois é na comunhão que se
manifestam as muitas vozes do povo de Deus e Para mim, este vínculo de paz entre diferentes
nela Deus faz discernir sua vontade para a Igreja. tradições cristãs precisa ser manifesto na busca
Entendo que a relação de Deus com seu povo tem por um mundo mais justo. Neste sentido, as igrejas
sempre uma dimensão coletiva, comunitária e isto, cristãs precisam juntar forças para superar e
obviamente, não se restringe à comunhão dentro resistir toda força e sistema que diminua a
de cada denominação. dignidade de qualquer criatura, humana ou não.
"Foi Billy, juntamente com Dr. Richard Shaull, cercada de muitas pessoas, livros, musicas e artes
quem estruturou e expandiu para todo o Brasil o em geral.1
trabalho de reflexão bíblica e teológica com a
juventude presbiteriana e com estudantes cristãos. Após completar os estudos superiores nos Estados
Ela e Dr. Shaull ensinaram-nos a ler e interpretar a Unidos, Billy volta para a cidade natal e se dedica
Bíblia. Aprendemos uma outra forma de exegese ao ensino de inglês, música e sapateado no colégio
bíblica e uma metodologia de trabalho reflexivo e Gammon. Era uma mulher a frente do seu tempo!
participativo."
(Paulina Steffen1) Ora, como pode uma jovem protestante
ensinar dança para crianças e jovens, em
"O nome de Billy Gammon não pode ser esquecido uma instituição da igreja? Dançar era
como uma das grandes líderes de nossa mocidade" considerado pecado, segundo os preceitos
(João Dias de Araújo2) de muitas igrejas protestantes. Pela
primeira vez, no Brasil, uma escola
presbiteriana ensinava dança aos seus
alunos. A atuação de Billy era vista como
uma afronta por alguns líderes
conservadores. Contudo, Billy tinha o apoio
dos pais e de outros membros da direção do
Instituto Gammon. Seu trabalho passou a ser
valorizado por outras lideranças da igreja,
principalmente pelos jovens. Por meio do
ensino da música e do sapateado, Billy criou
oportunidades para crianças e jovens
entrarem em contato com outras formas de
cultura, de arte, trabalhando com o corpo.
Dessa forma, muitos jovens que se
tornariam líderes do protestantismo
aprenderam a ser menos repressivos em
relação ao corpo e a superar certos
preconceitos. Até mesmo foi possível refletir
Na edição anterior da REFORMATA, o Rev. Felipe sobre a (falsa) dicotomia corpo versus alma.
Cavalcante da Costa citou brevemente em seu (Miller, 2006, p. 26)
texto o exemplo de luta da presbiteriana Billy
Gammon. Neste texto iremos aprofundar sobre a Trabalho com a juventude
vida e o legado desta saudosa personagem,
lamentavelmente "esquecida" pelos anais oficiais, Em 1938, a Igreja Presbiteriana do Brasil
e que muito contribuiu para a reflexão teológica, organizou o Departamento da Mocidade da Igreja.
ecumênica e social da Igreja brasileira. Em 1944 a mocidade fundou o seu próprio jornal,
Mocidade, o qual serviu como instrumento
Introdução relativamente independente para as suas ideias.3
Willie Humphreys Gammon, a Billy, nasceu em Neste tempo, Billy Gammon atuava como
Lavras, Minas Gerais, em 1º de julho de 1916. Era missionária no Brasil pela Igreja Presbiteriana do
filha de Samuel Rhea Gammon e Clara Gennet Sul dos Estados Unidos e trabalhava com os jovens,
Moore Gammon, missionários de origem norte- trabalho este que foi se firmando e se tornando
americana que dedicaram suas vidas ao Brasil. Seu conhecido. Em 1946, a pedido do Supremo
pai foi fundador do Instituto Presbiteriano Concilio da IPB, a Missão Leste do Brasil (da Igreja
Gammon, em Lavras, um importante colégio que se Presbiteriana do Sul) cedeu Billy Gammon, para
destacava pela valorização da cultura, da vida ser Secretária da Mocidade em tempo integral. Era
comunitária e da convivência entre discentes e inédito o fato de uma jovem assumir um cargo de
docentes. Os pais de Billy moravam no próprio nível nacional na Igreja e Billy era muito
colégio, e foi neste contexto em que ela cresceu, competente e bem preparada, tornando-se figura
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admirada e respeitada pelos jovens cristãos e não- Foi quando "forças ocultas" começaram a minar o
cristãos.1 Conforme Elinete Miller atesta: trabalho de Billy na liderança da juventude, –
conforme afirma Paulina Steffen1: "Ela fazia
Billy foi uma líder cristã que contribuiu para relatório de seus trabalhos, mas eles não
que ocorressem mudanças e avanços em aprovavam seus relatórios. Ela trabalhou muito" –
muitas esferas do protestantismo brasileiro culminando na exoneração de Billy da Secretaria
na década de 1940, 1950 e 1960. Billy era Nacional de Mocidade pelo Supremo Concílio, e
mulher de espiritualidade marcante, vida de posteriores censura e encerramento do jornal
fé, com ideias, convicções e atitudes firmes e Mocidade e “reestruturação” da Confederação da
ações consistentes. Era uma força Mocidade Presbiteriana em 1960, que veio a ser
renovadora tanto do pensamento teológico extinta em 1962.
e ecumênico da Igreja Presbiteriana, bem
como da prática cristã. Ela abriu caminhos “Nós tínhamos um arquivo da mocidade com todos
para o ecumenismo no Brasil. Billy levou a os jornais encadernados, documentos e atas. Tudo
juventude e também a igreja a se aproximar foi destruído.” disse Paulina Steffen.1
do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).
Trouxe para a comunidade presbiteriana a De 1958 a 1960, Billy ainda trabalhou no
agenda do CMI, com os assuntos que Departamento da Mocidade da Confederação
estavam em pauta na época, principalmente Evangélica do Brasil (CEB), onde exerceu atividade
o ecumenismo e compromisso social da similar à exercida na Confederação da Mocidade
Igreja com os desfavorecidos [...] O Presbiteriana, porém em âmbito intereclesiástico e
ecumenismo passou a ser um dos centros ecumênico.3
dos debates nas reuniões da mocidade
presbiteriana. (Miller, 2006, p. 28) Brasília
Billy viajou por quase todo o país, estimulando e Após exoneração, Billy foi para os Estados Unidos
organizando as atividades da juventude dar sequencia aos estudos de Teologia e Ciências
presbiteriana. Inevitavelmente, o trabalho de Sociais. Retorna ao Brasil e vai lecionar na
grande envergadura realizado por uma jovem que Universidade Nacional de Brasília (UnB). Lá se
enfatizava a beleza e o chamado de Jesus para a envolveu com a Associação Bíblica Universitária
realização de ações concretas na sociedade, (ABU), mas encontrou resistência por parte de
desestabilizava o poder patriarcal tanto de jovens evangélicos que se opuseram à participação
lideranças conservadoras, quanto de lideranças de jovens católicos e membros da UNE nas
fundamentalistas. Eles achavam que a mocidade reuniões de estudo bíblico.1
sob a liderança de Billy estava indo muito
depressa, criando muita estrutura com seu próprio Desenvolveu então um projeto de alfabetização de
jornal e confederação nacional.1 3 adultos, ideia que outrora havia sido debatida pela
Mocidade Presbiteriana, sob sua liderança. Billy
orientava os professores (jovens de diversas
igrejas) com a pedagogia de Paulo Freire. Sem
espaço na Igreja Presbiteriana do Brasil - que não
admitia mais nenhuma atuação de Billy - ela
desenvolve o projeto em Paróquias Católicas e
outras comunidades cristãs. Porém, o clima em
Brasília não era nada amigável.1 4
Por ser a igreja presbiteriana no Brasil que tem o contribuição da reforma para o Brasil. A
ecumenismo como uma de suas fontes importância de João Calvino na teologia e no
constitutivas, a FENIP/IPU lançou suas águas pensamento cristão. In: LEMBO, Cláudio; COSTA,
sobre novas áreas, produzindo vigor e fertilidade. Hermistein Maia P; GOUVÊA, Ricardo Q. O
Muitos presbiterianos unidos estiveram como pensamento de João Calvino. São Paulo:
fundadores, participantes ou apoiadores Mackenzie, 2000. (Série Colóquios), v.2, p. 134.
comprometidos de diversos organismos: como o 5 SOUZA, Silas Luiz de. Pensamento Social e
(AIPRAL); Conselho Latino-americano de Igrejas uma Igreja. Revista Logos, Vitória, ano 1, v. 1,
(CLAI); o Conselho Mundial de Igrejas (CMI); a 2012.
Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas (CMIR).
Conclusão: para não deixar secar! Isaque de Góes Costa é pastor da Igreja Presbiteriana Unida de
Brasília, licenciado em História (FIBRA/PA), especialista em
A IPU não pode perder o discernimento profético e História e Cultura do Brasil (Unicoimbra/DF) e Mestre em Ciências
das Religiões (FUV).
se tornar cúmplice da estrutura política, social e
econômica que mata, legitima a violência e