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Copyright (C) 1998, 2001, 2002 Elvira Souza Lima

Editora Sobradinho 107

capa: Gabriel Lima

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S ]rt7
DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
NA ESCOLA: ASPECTOS CULTURAIS,
NEUROLÓGICOS E PSICOLÓGICOS

Elvira Souza Lima

O ser humano realiza aprendizagens de nature­


zas diversas durante toda a sua vida. O que o ser hu­
mano aprende está, primeiramente, ligado à sua sobre­
vivência e à da espécie, o que inclui tanto o desenvolvi­
mento biológico como as conquistas culturais. Há vá­
rias realizações de ordem primordialmente biológica que
ocorrem nos primeiros anos de vida, envolvendo, prin­
cipalmente, o movimento e a percepção. Outras dizem
respeito ao desenvolvimento dos sistemas simbólicos,
sendo o desenvolvimento da linguagem a de maior re­
levância neste período inicial da vida humana. A apren­
dizagem dos símbolos provoca modificações estrutu­
rais importantes no funcionamento psíquico, possibili­
tando o desenvolvimento das funções psicológicas su­
periores.
O ser humano desenvolve, em seus primeiros
anos de vida, os sistemas simbólicos e expressivos que
estarão na base de suas aprendizagens posteriores. A
todo sistema corresponde um substrato orgânico: o de­
senvolvimento de representações, a formação e o uso
de símbolos têm uma base orgânica para sua realiza­
ção, mas a efetivação do sistema é função da vida so­
cial e da cultura.
O desenvolvimento do ser humano prossegue pela
contínua transformação resultante de sua interação com
o meio. Sendo dotado de um sistema nervoso de gran­
de plasticidade, o ser humano tem potencialmente uma
multiplicidade de caminhos de desenvolvimento. A di­
reção que tomará seu desenvolvimento é função do meio
em que ele nasce, das práticas culturais, das institui­

5
ções de que participa e das possibilidades de acesso a
informações existentes em seu contexto.
Estas colocações iniciais têm duas im plicações
im portantes para a educação na escola: uma é que a
experiência escolar insere-se em um processo contí­
nuo de desenvolvim ento do sujeito que se iniciou antes
de sua entrada na instituição. Todas as experiências
vividas na escola ganharão significado quando articu­
ladas ao processo global de desenvolvim ento do indiví­
duo e não quando concebidas como um aglom erado de
experiências independentes, vividas exclusivam ente no
âmbito escolar. Outra, decorrente desta, é que a esco­
la não é um espaço independente de socialização e
aprendizagem , mas um espaço que vem se som ar aos
outros nos quais o ser humano transita, os quais de
uma forma ou de outra, já im primiram certas marcas
nas formas de atividade que o indivíduo realiza e no uso
que ele faz tanto dos sistemas expressivos, como sim ­
bólicos. Esta experiência acumulada será trazida para
a escola, irá influenciar a inserção do aluno no contex­
to escolar e terá um papel im portante no processo de
escolarização.
A experiência anterior à experiência escolar é, por­
tanto, relevante para o desenvolvim ento de todo edu­
cando, independentem ente de sua idade. A escola é,
por sua vez, uma das possibilidades de desenvolvim en­
to para o ser humano. Como ela se diferencia das opor­
tunidades de desenvolvim ento encontradas na vida co­
tidiana, se o indivíduo não fo r escolarizado, deixará de
construir determ inadas práticas ou conceitos, mas não
deixará de se desenvolver. E videntem ente, quando
acontece de o indivíduo entrar tardiam ente na escola
ou de freqüentar uma série em defasagem com sua ida­
de, o processo de desenvolvim ento seguiu seu curso.
Este fato tem im plicações im portantes para a form ula­
ção e desenvolvim ento do currículo e o planejam ento
6
das ações pedagógicas. Alguns processos essenciais
em um determ inado período de form ação estarão su­
perados em um outro período ou estarão m odificados
pela dinâmica entre a maturação orgânica e a vivência
sócio-cultural. Por exemplo, uma criança de 10 anos
trabalha informações de maneira distinta de uma crian­
ça de 7 anos, uma vez que a transm issão interna de
inform ações no cérebro é mais complexa na criança
de 10 anos do que na de 7 devido à maturação de de­
term inadas partes do cérebro. Isto implica que a a tivi­
dade de estabelecer relações entre áreas do conheci­
mento e em relacionar experiências e informações, tan­
to lingüísticas quanto imagéticas, vai ocorrer mais “flu ­
entem ente” na criança mais velha.
A ação pedagógica que não tem como base as
possibilidades de aprendizagem e desenvolvim ento do
período de form ação, nem se utiliza dos instrum entos
culturais possíveis segundo o período de form ação e,
além disso, não se apóia nas formas de pensam ento
presentes do educando será sempre uma ação peda­
gógica com pouca probabilidade de sucesso. Os pro­
cedim entos pedagógicos terão que, necessariamente,
ser distintos conform e a idade de form ação e o contex­
to de desenvolvim ento.
Por outro lado, enquanto meio de desenvolvim en­
to humano, a escola tem sua especificidade. O proces­
so de escolarização (independentem ente de ser consi­
derado um sucesso ou um fracasso) transform a as
experiências concom itantes vividas na comunidade, no
local de trabalho, na fam ília, etc. Há, desta forma, uma
relação dialética entre a vida na escola e fora da esco­
la, mas elas diferem entre si em vários aspectos. En­
tre eles, um dos mais im portantes é o fato de que, en­
quanto as aprendizagens na vida cotidiana trazem ine­
rentes a si mesmas seus significados, uma vez que
decorrem das práticas sociais e culturais, das condi­

7
ções de vida e da organização de cada coletivo hum a­
no, as aprendizagens na escola encontram seu sign ifi­
cado na história das idéias e no complexo processo de
desenvolvimento da consciência humana, aspectos bem
menos evidentes que os citados no prim eiro caso.
Não há im ediaticidade no conhecim ento organiza­
do, ele tem como pressuposto o desenvolvim ento do
pensamento através da aquisição de processos de tra ­
balho e da construção de conceitos. A im portância do
c o n h e c im e n to , na v e rd a d e , não se g uia p o r sua
a p lic a b ilid a d e im ediata à vida co tid ia n a , mas pela
pertinência dos conceitos e dos processos de constru­
ção dos conceitos ao processo global de desenvolvi­
mento. É por esta via, a do desenvolvim ento do sujeito,
que o conhecim ento adquirido na escola atinge a práti­
ca do cotidiano, na medida em que a forma pela qual o
indivíduo percebe o cotidiano é afetado pelo desenvol­
vimento provocado pelas aprendizagens na escola.
Pedagogicamente temos, então, um fato inegável:
cabe sempre ao professor introduzir elem entos novos
para seus educandos. Ele tem a função social e p o líti­
ca de expandir os campos possíveis de conhecim ento.
Isto é feito com base na experiência cultural, no desen­
volvim ento biológico e na experiência da historicidade
da instituição escolar, pilares do processo de desen­
volvim ento do indivíduo na instituição escolar.
Em seguida tratarem os destes aspectos com os
limites impostos pela natureza deste artigo. São temas
complexos e que constituem aspectos de uma to ta lida ­
de, porém neste texto serão tratados separadam ente
para efeito da exposição de idéias. É im portante que
não se perca de vista que o indivíduo é único e que sua
experiência na escola não deve ser considerada como
isolada de sua personalidade, de sua ação de ser soci­
al inserido em um contexto cultural específico. Im por­
tante, portanto, estar atento à historicidade tanto do in­
8
divíduo quanto do meio em que ele se desenvolve.

Que conceito de aprendizagem ?

Com o conhecim ento acumulado nas últimas dé­


cadas em várias áreas do conhecim ento que estudam
o ser humano, é possível hoje encarar o processo de
aprender sob novas perspectivas. Este conhecim ento
também nos obriga a ser mais cuidadosos com afirm a­
ções categóricas sobre a “forma correta” de ensinar. A
história recente da pedagogia é pautada pela adoção
de uma teoria ou uma metodologia que traria a solução
para o problema da não aprendizagem na escola, que
aflige hoje basicamente os sistem as educacionais de
todos os cantos do globo. Em geral esta teoria ou
metodologia é considerada como “verdade única” e se
transform a em ingerência na ação pedagógica do pro­
fessor (cujo saber é, em geral, descartado), durante um
determ inado tempo, para depois ser ela mesma des­
cartada em função de outra teoria que a substitui e que
terá o mesmo destino mais tarde.
Se p ro cura rm o s o lh a r o ato de a p re n d e r sob
enfoque interdisciplinar, veremos que tal postura é in­
gênua (por vezes arrogante), pois, em realidade, o pro­
cesso de aprendizagem humana envolve ao menos três
com ponentes dos quais sabemos ainda pouco: a m e­
mória, a consciência e a emoção. A estes somam-se
outros que são os próprios mediadores da ação hum a­
na, o desenvolvim ento e a utilização dos sistemas sim ­
bólicos, principalm ente a linguagem, e o papel da cul­
tura no processo de desenvolvim ento humano.
Em v is ta d is to p o d e m o s d iz e r que o e ix o
epistem ológico do processo de escolarização deve ser
(necessariam ente) reformulado, uma vez que tal pro­
cesso ocorre como resultante da articulação entre de­
senvolvim ento, aprendizagem, socialização e form ação
9
da personalidade (1). Esta articulação, na verdade as­
pectos do processo global de form ação do indivíduo, é
o desafio que a educação escolarizada enfrenta em todo
o mundo.
Se p e rs is te m in ú m e ra s q u e s tõ e s a s e re m
pesquisadas, é verdade que as áreas de conhecim ento
que se ocupam do ser humano têm produzido neste
século conhecimentos que, em sua grande maioria, ain­
da não chegaram a ser utilizados pela instituição esco­
lar. Sistemas educacionais dos países economicamente
desenvolvidos têm sido criticados por ignorarem, sis­
tem aticam ente, a produção científica sobre aprendiza­
gem e desenvolvim ento em áreas como a da biologia,
das neurociências, da antropologia e da lingüística, as­
sim como por não incluírem como um dos eixos do de­
senvolvim ento o conhecim ento estético.
É claro e crescentem ente aceito em vários paí­
ses que os conceitos de aprendizagem e desenvolvi­
mento que orientam a ação pedagógica e a estrutura
da escola precisam ser revistos.
Sempre que pensamos em aprendizagem e de­
senvolvimento, pensamos em psicologia. Neste sécu­
lo a psicologia foi a área de conhecim ento que mais
influenciou a prática pedagógica, a avaliação e o de­
senvolvim ento de currículo, bem como norteou a defi­
nição dos perfis ideais de aluno e de professor. Desta
forma conceitos da psicologia fazem parte hoje da pró­
pria cultura da escola.
No entanto, usada muitas vezes como argum ento
de autoridade, a aplicação da psicologia na escola tem
servido em muitos casos mais à produção da exclusão
do que ao d e s e n v o lv im e n to e a p re n d iz a g e m dos
educandos. A psicologia tem, no entanto, uma série de
contribuições im portantes para o processo educativo
na escola que não foram ainda exploradas. Este tópico
será retomado mais adiante.
10
Outras áreas do conhecim ento nos trazem cola­
borações im prescindíveis para a com preensão do pro­
cesso ensino-aprendizagem e desenvolvim ento do in­
divíduo na instituição, conform e já destacamos. Dentre
elas, o conjunto das neurociências e a antropologia,
áreas fundam entais ainda muito pouco discutidas pe­
los teóricos e especialistas em educação, serão apre­
sentadas a seguir.

Estudo do cérebro e do sistema nervoso. Implica­


ções para a educação

O e s tu d o do c é r e b ro : p e r s p e c t iv a s a tu a is (2)

Uma das áreas de estudo do ser humano que apre­


senta maior desenvolvim ento nas últimas décadas é,
sem dúvida alguma, a das chamadas neurociências.
Grande parte dos estudos na área das neurociências
havia sido realizada a partir da patologia (cérebro com
le s õ e s , p e s s o a s que s o fre m v á rio s tip o s de
tra u m a tis m o , e tc ). Com o d e s e n v o lv im e n to da
tecnologia e da inform ática tornou-se possível estudar
o cérebro humano em funcionam ento no indivíduo são.
Através do PET, um aparelho que mostra na tela do
c o m p u ta d o r em co re s que á re a s do c é re b ro são
ativadas quando o indivíduo está realizando algum tipo
de atividade, é possível localizar e caracterizar proces­
sos cerebrais quando uma pessoa está pensando, len­
do, escrevendo etc. Em conseqüência destas novas
tecnologias aprendeu-se mais sobre o cérebro hum a­
no nas últimas duas décadas do que nos 200 anos que
as precederam (Reztak, 1995).
Um grupo considerável de neurocientistas tem se
dedicado ao estudo das relações entre cérebro e lin­
guagem, com certa ênfase no estudo do funcionam en­
to cerebral durante o processo de leitura e de aprendi­
11
zagem da língua escrita. Outro grupo tem se dedicado
ao estudo da memória, principalm ente das relações en­
tre memória e aprendizagem. Entre estes, muitos tam ­
bém se ocupam da consciência. Contrariam ente ao que
poderia se supor, não se trata aqui de um corpo de pes­
quisa na área estritam ente biológica ou médica. Vários
neurocientistas têm apontado para o fato de que o de­
senvolvimento do cérebro e seu funcionam ento são fun­
ção de fatores de ordem cultural e da organização so­
cial, do trabalho e das atividades de lazer. Segundo al­
guns neurocientistas, o cérebro se forma na dinâm ica
cotidiana das reações do indivíduo ao meio, idéia de­
fendida décadas atrás por Wallon, para quem o processo
de desenvolvim ento humano é função do contexto.
Deste conjunto de trabalhos nós podemos tira r
uma série de elem entos im portantes para a prática
educativa. Estes elem entos nos informam das ques­
tões importantes do tempo e do espaço relacionadas à
aprendizagem . Eles nos informam que certas práticas
são necessárias no processo de construir o conheci­
mento da língua escrita, independentem ente da idade
de formação do indivíduo, enquanto que outras são es­
pecíficas de cada idade de formação. Por exemplo, em
qualquer idade a alfabetização envolve sempre a cons­
trução sonora da palavra escrita, de onde se infere que
a leitura em voz baixa e em voz alta são com ponentes
do processo de aprendizagem da escrita. Eles nos in­
formam também que a memória é aspecto central do
processo de aprendizagem e que seu funcionam ento é
bastante complexo. Alguns estudiosos sugerem que o
tempo de exposição a um determ inado assunto é o eie-
mento-chave para que este assunto seja ou “trabalha­
do” pela memória imediata (o que provocará seu rápi­
do esquecim ento) ou pela memória a longo prazo. Pro­
cede daí a hipótese de que não basta somente planejar
situações de aprendizagem para uma aula, mas de que
12
este planejam ento deve incluir também a projeção tem ­
poral. O planejam ento do tempo deve incluir não so­
mente a realização da ação, mas também a reflexão
sobre ela.
Um aspecto interessante que surge com constân­
cia na bibliografia nesta área de neurociências, e que é
corroborado por muitos estudos etnográficos da antro­
pologia, é o pensamento como uma forma de ação ne­
cessária dentro do quadro de realização da ação, não
posterior a ela. Uma ação é com posta de uma série de
atos encadeados, os quais incluem muitas vezes a ava­
liação do percurso parcial realizado e a reform ulação
do que ainda será feito. Em outras palavras, cada eta­
pa percorrida e a reflexão que a acompanha influem na
elaboração da etapa seguinte. Alocar tempo para “ pen­
sar” , neste caso, seria tão im portante como definir o
conteúdo e o método.
Na escola, muitas vezes um assunto é ensinado
com a pressuposição de que o educando deverá pen­
sar sobre ele posteriormente, em casa, na lição de casa,
ou retom á-lo antes das provas. Ora, a ausência do tem ­
po para elaboração pela memória de longa duração (que
envolve a atividade reflexiva) acarreta a perda da ela­
boração (possível), pois, se a informação não estiver
“situada organicam ente” na memória de longa duração,
o indivíduo não tem condições de reativá-la por ação
de sua vontade
Fatos como este nos permitem sugerir que os co­
nhecimentos produzidos pelas neurociências são fu n ­
dam entais para a educação e não podem estar ausen­
tes na concepção teórica de aprendizagem e na form u­
lação de práticas educativas que visem à construção
de conhecimento.

13
Estudo do cérebro aplicado à educação

Evidentemente não se trata de transposição me­


c â n ic a da p ro d u ç ã o de c o n h e c im e n to s das
neurociências para a educação, usando-se o argumento
de autoridade, tal como ocorreu com a psicologia, nem
de medicalização daquilo que se convencionou cham ar
de problemas de aprendizagem. O que sabemos hoje
nos leva, na realidade, a questionar esta noção tão di­
fundida de problem as de aprendizagem, uma vez que
os conhecim entos trazidos recentem ente na área nos
revelam que o que se considerava como deficiência do
indivíduo ou incapacidade de aprender podem ser, na
re a lid a d e , p ro c e s s o s m u ito c o m p le x o s de
processamento de informações pelo sistema nervoso
que extrapolam a dinâmica de ensino-aprendizagem em
sala de aula. Um dos exemplos mais m arcantes é a
contribuição recente trazida pelos trabalhos de Paula
Ta11aI: um dos problem as com uns e n c o n tra d o s na
aprendizagem da leitura e escrita, a troca de letras, pode
ser causado pelo tempo entre a emissão do som e a
recepção pelo cérebro da criança. Por fração de m ilé­
simos de segundo o som da letra p e da letra b chegam
ao cérebro como que “atrasados” ; em conseqüência, o
cérebro não distingue a mensagem recebida de forma
a d ife re n c ia r o p do b. A lte ra n d o -se a duração da
enunciação da palavra, o que pode ser feito com o uso
do computador, o problema de trocas desaparece. Te­
mos, assim, que um problema de aprendizagem da lei­
tura e escrita, já associado tanto à deficiência do aluno
quanto a falhas do professor, é, na realidade, um pro­
blema de natureza totalm ente distinta, ou seja, da es­
fera do desenvolvim ento do sistema nervoso. O sim ­
ples fato de possibilitar a retirada da culpa pelo fracas­
so tanto do professor quanto do aluno por si só já v a li­
da a aplicação deste conhecimento da neurofisiologia
14
à educação.
O corpo caloso, feixe de nervos situado entre os
dois hem isférios cerebrais, é responsável pela trans­
missão de informações entre eles. O corpo caloso leva
aproxim adam ente uma década para amadurecer, o que
significa que, quanto menor a criança, menos fluente
será o fluxo de inform ações entre os hem isférios. O
corpo caloso também está ligado à memória, e seu pro­
cesso de am adurecim ento é parcialm ente responsável
pelo fato de que nós temos poucas lem branças dos
prim eiros dois anos de nossa vida e de que as lem ­
branças vão ficando mais vividas e mais elaboradas à
medida que os fatos ocorram em idades mais avança­
das da infância (Restak 1995). Este fato tem im plica­
ções importantes para a educação: ensinar um mesmo
assunto para uma criança de 7 anos e para uma de 10
vai im plicar procedim entos m etodológicos distintos,
uma vez que as funções psicológicas estarão em d ife ­
rentes níveis de desenvolvim ento, como, por exemplo,
no caso da memória.
Outro aspecto importante para a aprendizagem na
escola é o do desenvolvim ento da consciência. A pren­
der implica estar consciente do conteúdo, ou seja, ter
a possibilidade de utilizá-lo em outros contextos, para
solução de problemas, através de analogias, aplicações
diretas, etc.
O processo de tornar-se consciente de algo é com ­
plexo e função de vários fatores que interagem sim ul­
taneam ente, como atenção, percepção, emoção. De
acordo com pesquisas recentes com novas tecnologias
da imagem, a consciência tem seu equivalente orgâni­
co na formação de uma saliência no cérebro, provocada
pela elaboração suficientem ente consistente de uma
rede neuronal, rede esta que se constitui em função do
tem po e forma de exposição do indivíduo a determ ina­
do conteúdo. Damasio (1995) sugere que “ relem brar”
15
(m emória) depende também da biografia. Se o conteú­
do estiver consistentem ente ligado a algum evento da
biografia do indivíduo, este terá mais probabilidade de
recordá-lo. Esta afirm ação de Damasio tem uma im pli­
cação fundam ental para a discussão das relações en­
tre pedagogia e cultura. Ela sugere que é im portante
que o conteúdo se relacione com a história de vida do
indivíduo, mas o conteúdo não necessita ser parte da
experiência imediata do sujeito.
O problema da cultura no processo de aprendiza­
gem e desenvolvim ento é, desta forma, recolocado a
partir de uma perspectiva distinta das que têm sido ge­
ralmente adotadas até agora na discussão sobre o pa­
pel da cultura no processo de ensino e aprendizagem
na instituição escolar. Uma pedagogia culturalm ente
relevante não é, então, aquela que restringe o conheci­
mento formal a ser trabalhado pelo aluno àquele direta­
mente relacionado à experiência cultural do educando.
Ao contrário, o que ela propõe é o alargam ento do co­
nhecimento formal do indivíduo, apoiando-se na experi­
ência cultural para a elaboração do currículo e da pro­
posta pedagógica.

A colocação de Damasio também nos remete à


discussão realizada por Vygotsky sobre a cultura como
elemento m ediador no desenvolvim ento humano. A te ­
oria histórico-cultural elaborada por Vygotsky é, em par­
te, responsável pela atenção que o tema da cultura na
escola vem recebendo atualm ente. Em seguida levan­
taremos alguns pontos acerca deste tema da cultura
no desenvolvim ento humano e de sua inserção na prá­
tica pedagógica.

16
Estudo da cultura. Im plicações para a educação

O estudo da cultura é objeto principal da antropo­


logia, embora a questão cultural esteja presente em
outras áreas do conhecim ento, e a necessidade de se
incluir a cultura como elemento integrante de proces­
sos biológicos e psicológicos venha se evidenciando
nos últimos tempos em áreas como a medicina, a psi­
cologia e a lingüística.
Pela antropologia sabemos que todo ser humano
constrói conhecim ento através do domínio das práticas
culturais existentes em seu meio e que este tipo de
aprendizagem obedece a certas leis gerais. Tempo e
espaço determinam as form as e qualidades da apren­
dizagem. Os processos inform ais de avaliação das
pessoas que convivem com o aprendiz tem um papel
im portante no processo de aprendizagem do indivíduo,
pois contribuem para direcionar o desenvolvim ento e
para estabelecer a relação de cada indivíduo com o pró­
prio ato de aprender.
Na vida cotidiana, o ser humano se vale de estra­
tégias, como a im itação, que são transform adas na
espécie humana pela introdução de símbolos e da lin­
guagem. Por exemplo, o ser humano aprende obser­
vando e imitando o outro, constituindo suas ações pas­
so a passo à medida que se apropria da forma de atua­
ção do outro na vida cotidiana. Esta ação não é ape­
nas motora, ela desencadeia processos neurológicos
da memória, o que permite que estas ações por im ita­
ção se tornem cada vez mais complexas, fato que não
o co rre com o u tra s e sp é cie s a n im a is que tam bém
aprendem observando e imitando os outros seres da
espécie.
Por ter a possibilidade de inscrever em seu cére­
bro a ação realizada com seu resultado e, além disso,
representá-la por meio de símbolos, o ser humano tem

17
a possibilidade de superar esta molécula de ação para
realizar outras, utilizando o conhecim ento adquirido. É
esta a base do processo humano de aprender.
Várias das práticas sociais que o indivíduo cons­
trói requerem o desenvolvim ento de habilidades, as
quais, por sua vez, estão relacionadas com o desen­
volvim ento das funções psicológicas superiores. Per­
cepção, atenção, memória, imaginação são, portanto,
funções presentes na vida cotidiana, e a com preensão
dos mecanismos de aprendizagem na vida cotidiana
informa a ação educativa na escola. A antropologia tam ­
bém nos ensina que situações cotidianas são com ple­
xas, envolvendo tomada de decisões, reações afetivo-
emocionais e a formação de padrões de comportamento
individual e social que orientam a atuação do indivíduo
no meio. Embora a antropologia tenha se ocupado mais
dos períodos da adolescência e vida adulta, estudos
etnográficos revelam o lado da infância em muitas cul­
turas. No relato etnográfico da vida cotidiana, é possí­
vel detectar as formas de ação humana, usos de lin­
guagem (verbal e não-verbal), relação criança-adulto,
existentes em um determ inado grupo, e as variações
existentes entre um grupo e outro.
É neste aspecto que a antropologia interessa ao
educador porque ela revela o contexto de desenvolvi­
mento e as práticas correntes na comunidade para en­
sinar as crianças. Ela indica, igualmente, a concepção
de infância vigente. O que o indivíduo aprende no seu
contexto cultural convencionou-se cham ar de conheci­
mento informal, por contraposição à aprendizagem es­
colar, referida como aquisição de conhecim ento formal.
A relação entre estas duas form as de construção de
c o n h e c im e n to é um dos p o n to s p rin c ip a is de
intersecção da antropologia e da pedagogia, de interes­
se particular para os educadores.

18
Estudo da cultura aplicado à educação

Uma das contribuições mais relevantes que a an­


tro p o lo g ia traz à educação é o e sta belecim ento de
parâm etros para a definição do conhecim ento a ser
abordado na escola. Outra diz respeito às form as de
ação e ao uso dos sistemas sim bólicos e expressivos
presentes em determ inado grupo.
As aprendizagens categorizadas como form al e
informal guardam entre si relações que nos permitem
dizer que elas não deveriam, na verdade, ser conside­
radas como duas formas de aprendizagem distintas e
antagônicas, como ora acontece. Há uma forte tendên­
cia na literatura psicológica e pedagógica a dicotom izar
estas formas de aprendizagem ou, mais recentem en­
te, de procurar subordinar a aprendizagem form al es­
colar às form as de aprendizagem fora da escola. O
conhecim ento a ser aprendido é que se organiza de
maneira distinta, sendo o chamado conhecim ento fo r­
mal organizado em um sistema complexo pré-estabe-
lecido, que é o conhecim ento da área, enquanto que o
informal diz respeito a uma série de conhecim entos ar­
ticulados de maneira a constituir uma forma de ação,
com conceitos que se organizam em complexos de sig ­
nificado definidos pelas práticas culturais. Evidentemen­
te que, do ponto de vista metodológico, não podemos
separar o conhecim ento de área de uma prática social.
Desta form a não há dicotom ia entre conhecim en­
to form al e informal, uma vez que os processos, tanto
de um como de outro, se apóiam mutuamente ou são
continuidade da estruturação do outro. A aprendizagem
informal envolve elem entos comuns à aprendizagem
escolar, pois ambas exercitam as mesmas funções do
ponto de vista orgânico e psicológico.
Para a educação escolar esta afirm ativa tem im­
plicações im portantes. Evitando contrapor a aprendi­
19
zagem que se dá na escola com a que ocorre fora da
escola como mutuamente excludentes, temos a possi­
bilidade de pensar a ação pedagógica em dimensões
pouco exploradas até o presente momento. Ou seja, a
da form ulação de uma pedagogia que seja ao mesmo
tempo culturalm ente relevante e que não se afaste do
conhecim ento formal.
Para tanto é preciso, prim eiram ente, desconstruir
a idéia de que o conhecim ento escolar é superior ao
conhecimento chamado do cotidiano. Gostaríam os de
propor que esta divisão serve mais a questões de o r­
dem político-sociológica do que a questões de ordem
pedagógica. Do ponto de vista do ser humano que se
desenvolve e aprende, os processos im plicados são
complexos, quer se trate de aprendizagens da vida co­
tidiana, quer se trate de aprendizagens que acontecem
na escola.
Em segundo lugar, a aprendizagem formaI, o b je ti­
vo central da ação educativa na escola, não se refere
somente ao domínio de conteúdos das áreas do conhe­
cimento, mas à'apropriação das form as de construção
de conhecimento, tal como acontece com o conheci­
mento cotidiano. Ou seja, as form as de atividade que o
ser humano precisa realizar para construir conhecim en­
tos organizados em sistemas constituem objeto de es­
tudo, também, pois elas não se constituem espontane­
amente na espécie. Portanto, são os procedim entos de
aprendizagem na vida cotidiana e na vida escolar que
vão diferir consideravelm ente.
Em ambos os casos o ser humano aprende na
relação com o outro: a natureza da aprendizagem hu­
mana é sempre social. E, em ambos os casos, a apren­
dizagem está diretam ente relacionada ao contexto. No
entanto, para aprender as práticas sociais e culturais,
para constituir os com portam entos ligados à sua so­
brevivência e a de seu grupo, o ser humano se vale de
20
algum as e stra té g ia s esp ecífica s à natureza destas
aprendizagens, estratégias estas que vão ser distintas
daquelas em pregadas para adquirir conhecim entos fo r­
mais. Uma distinção básica entre elas é que, no pri­
meiro caso, o indivíduo domina as estratégias no pro­
cesso mesmo de aprendizagem, enquanto que no se­
gundo o indivíduo depende da intervenção intencional
do outro para que a estratégia seja revelada a ele. Por
exemplo, o com portam ento chamado de estudar não se
constitui espontaneamente porque o aluno entrou na es­
cola. Na verdade ele pode passar aí anos sem saber
estudar, sem saber trabalhar com um texto, sem saber
organizar uma pesquisa, etc. O processo de adquirir
conhecim ento form al não vem acom panhado do dom í­
nio (autom ático) da ação de estudar.

Cultura e educação: da importância de se definir o


que é contexto

Aos educadores em todo o mundo coloca-se hoje


a questão fundam ental de ressignificar a prática peda­
gógica segundo as profundas mudanças ocorridas nas
últimas décadas, principalm ente no que se refere às
características do meio em que o ser humano se de­
senvolve.
Nas várias disciplinas que se ocupam do desen­
volvim ento humano, sem dúvida alguma uma questão
central tem sido a de definir o que é contexto. Embora
presente nas teorias mais recentes sobre educação, a
noção de meio m antém -se ainda como um conceito
bastante vago. O mesmo acontece com a noção de cul­
tura, um dos elem entos que constituem o meio hum a­
no. Apesar da freqüência crescente no discurso peda­
gógico e psicológico, a utilização do conceito de cultu­
ra na prática pedagógica encontra uma barreira im por­
tante originária da pouca clareza do que seja cultura;
21
em primeiro lugar, do papel que a cultura exerce no com­
plexo processo de desenvolvim ento e aprendizagem do
ser humano e de como ela ajuda a definir o tecido soci­
al que vai constituir o meio de desenvolvim ento dos in­
divíduos.
Um dos aspectos fundam entais da inter-relação
entre cultura e aprendizagem na escola provém do cha­
mado conhecim ento cultural.
O conceito de conhecim ento cultural, usado em
várias áreas do conhecimento (lingüística, neurociência
e antropologia, por exemplo) refere-se ao conjunto (di­
nâmico) de conhecim entos que o ser humano acumula
a partir do grupo a que pertence e a partir de suas ex­
periências pessoais, principalm ente no que diz respei­
to ao uso de sistem as sim bólicos em sua vida cotidia­
na.
O conhecim ento cultural está na origem das rea­
ções que a pessoa apresenta e na interpretação que
faz das informações que recebe. Ele está na base dos
processos interacionais e nas form as de ação espon­
taneamente elaboradas ou assumidas pelo indivíduo em
sua vida cotidiana. Poderíamos dizer que o conhecimen­
to cultural é o acervo disponível ao sujeito para a elabo­
ração de suas ações e pensam entos e para constru­
ção de significados.
Um exemplo interessante para ilustrar esta noção
de conhecim ento cultural nos é oferecido pela lingüísti­
ca: na conversa entre duas pessoas que se conhecem
há certo tempo, há uma área de consonância de signi­
ficado que lhes permite elaborar um diálogo que, para
o observador externo, pode parecer carente de lógica e
de o bjetividade. Isto porque a seqüência de frases
trocadas entre um sujeito e outro em uma conversação
tem como base de significação o conhecim ento cultu­
ral e não somente a informação lingüística contida em
cada frase. Nestes casos, uma resposta a uma ques­
22
tão nem sempre é a resposta lógica conversacional que
se espera. A lógica se encontra na confluência das pa­
lavras ditas, no tecido social no qual elas são produzi­
das e na experiência comum anterior dos dois (ou mais)
interlocutores. A elaboração lingüística parece totalm en­
te truncada se isolada deste contexto, sendo o conhe­
cimento cultural que fornece os elem entos para a re­
construção lingüisticam ente lógica do diálogo.
As im plicações para a educação são significati­
vas: o campo de significação comum do conhecim ento
cultural entre professor e educando está condicionado
a dois tipos im portantes de variáveis: classe econôm i­
ca e contexto de desenvolvim ento. Os professores de
hoje foram educados em um contexto de característi­
cas muito distintas das atuais no que se refere aos
instrumentos culturais disponíveis e aos elementos m e­
diadores do desenvolvim ento mental. Um exemplo: en­
quanto hoje a imagem predomina no contexto de de­
senvolvim ento, muitos educadores se desenvolveram
em um mundo em que a presença destas imagens era
m uito menor. Como resultante, tem os que o acervo
im aginário do professor e do educando são muito d is­
tintos, e a distância surge entre eles nas trocas lingüís­
ticas, nas form as de trabalhar a informação e na pró­
pria concepção de conhecimento.
Outra contribuição importante da antropologia re­
fere-se aos com ponentes não-verbais das interações
humanas, que são culturalm ente constituídos. Gestos,
inflexões, postura corporal são partes integrantes da
relação ensino-aprendizagem na escola, podendo as­
sum ir às vezes um papel controlador das reações en­
tre alunos e professores. Aspectos muito sutis, como a
linguagem facial utilizada em situação de interação, são
complexos e dificilm ente identificáveis, embora exer­
çam um papel im portante nas trocas entre professor e
alunos em sala de aula. Experiências culturais d istin ­

23
tas podem, assim, significar o uso de conjuntos dife­
rentes de expressão não-verbal, causando conflitos
entre adultos e crianças, entre as crianças e/ou entre
adultos convivendo na instituição.
A compreensão destas dinâm icas no processo de
form ação humana na escola nos remete à pesquisa psi­
cológica e à aplicabilidade dos conhecim entos psicoló­
gicos em educação.

A psicologia em educação: perspectivas atuais

Tendo em vista a produção de conhecim ento das


últimas décadas e a própria evolução da história das
idéias, somos levados a rever o papel da psicologia no
complexo processo de escolarização nas sociedades
contem porâneas.
É claro que temos que redefinir a psicologia em
sua relação com a educação (3), porque a própria psi­
cologia hoje se redefine como área do conhecim ento,
assim como se encaminha para o diálogo com outras
áreas do conhecimento.
É importante lembrar, também, que a psicologia
tem uma série de sub-áreas, muitas das quais raram en­
te foram ou são levadas em consideração na educa­
ção. Sem dúvida a psicologia da aprendizagem , a psi­
cologia do desenvolvim ento e a psicom etria têm sido
as áreas mais populares entre educadores. Em decor­
rê ncia do p ró prio e n cam in h am e n to em d ire çã o da
interdisciplinaridade e das m udanças m etodológicas
verificadas na área de pesquisa psicológica nas ú lti­
mas décadas, temos uma situação em que se torna
necessário pensar a psicologia como uma rede de co­
nhecim entos articulados, produzidos por sub-áreas
autônomas, que encontram seu significado na com ple­
xidade da realidade bio-cultural da natureza humana.
24
Da área da psicologia temos, assim, ao menos
duas contribuições fundam entais que não virão de ou­
tras áreas: a compreensão do papel da emoção no de­
senvolvim ento humano e a form ação da consciência.
Ao entender que a emoção é constituinte do de­
senvolvim ento humano, a psicologia propõe um m ode­
lo de desenvolvim ento que extrapola a noção difundida
de que o indivíduo que aprende na escola é um sujeito
“cognitivo” . Na verdade o indivíduo que aprende na es­
cola está se desenvolvendo enquanto personalidade e
enquanto membro do grupo cultural a que pertence. O
conhecim ento que ele elabora, as informações que ele
recebe e a forma como trabalha com elas são elem en­
tos de um todo que se caracteriza pelas formas de ação,
reação e inserção de cada educando no complexo te ci­
do social da escola e fora dela. Wallon elaborou a tese
de que a inteligência humana se desenvolve a partir do
sistema emocional, tese hoje corroborada pelas des­
cobertas recentes das neurociências.
Se o conjunto das neurociências nos informa hoje
sobre o funcionam ento cerebral que mobiliza em toda
ação cognitiva as áreas cerebrais da emoção, cabe ain­
da com preender os processos pelos quais passa o in­
divíduo nesta perspectiva de desenvolvim ento.
A consciência, considerada por Vygotsky como
objeto de estudo por excelência da psicologia, tem m o­
bilizado o interesse de muitos cientistas neste século.
B ió lo g o s , m a te m á tic o s e fís ic o s têm se o c u p a d o
crescentem ente com a questão da consciência e, se
existem divergências nas várias teorias elaboradas por
estes estudiosos, há com certeza um certo consenso
de que a base da “humanidade” no ser humano é a cons­
ciência, estando esta profundam ente relacionada com
a atividade sim bólica, a memória e a emoção. O co­
nhecim ento é, desta forma, função da atividade cons­
ciente do indivíduo.
25
A d in â m ica dos pro cesso s de s o c ia liz a ç ã o e
individuação só podem ser entendidos por análises de
cunho psicológico, pois tanto a cultura como a biolo­
gia, por si só, não explicam a dialética da constituição
da individualidade.
Para a educação, uma das contribuições da psi­
cologia seria exatam ente a explicitação dos processos
de form ação humana que ocorrem na instituição, con­
siderados em suas m últiplas dimensões: histórica, bi­
ológica, cultural. Para tanto é im portante considerar o
processo de aprender em todos os seus com ponentes
que incluem funções hoje um tanto esquecidas no dis­
curso psico-pedagógico, como, por exemplo, a memó­
ria, a atenção, a imaginação, a percepção, todas elas
consideradas por Vygotsky como funções centrais no
processo de desenvolvim ento humano.

A escola como espaço pedagógico de desenvolvi­


mento e aprendizagem.

Tendo em vista as idéias apresentadas até agora,


que teríamos a dizer de útil para a ação pedagógica atu­
al? Que im plicações têm estes conhecim entos te ó ri­
cos para um professor que entra em uma classe em
que a idade não corresponde à seriação? Em que os
alunos parecem com partilhar uma cultura estranha à
própria cultura da instituição? Em que, para os alunos,
muitas vezes parece haver um fosso entre as experi­
ências vividas fora e dentro da escola?
E ste s c o n h e c im e n to s c o lo c a m , ou m e lh o r,
recolocam a questão da m etodologia do trabalho na
escola, mas em uma perspectiva diferente: a da diver­
sidade e da m ultiplicidade.
O processo de aprender é múltiplo. Não há uma
única forma de resolver um problema ou de estudar uma
língua, ou form ar um conceito de história ou ciências.
26
A p re n d e m o s p e la re a liz a ç ã o de s is te m a s , c u ja
efetivação é função do contexto socio-cultural. Do pon­
to de vista biológico, a configuração de redes neuronais
se constituirá em função do conjunto de experiências
do indivíduo assumindo, portanto, uma configuração in­
dividual (4). As form as de atividade para a construção
de conhecim ento são gerais para todos os indivíduos,
mas em cada categoria há variações nas form as de
execução da ação. Por exemplo, a leitura envolve para
todo mundo um texto, um aparelho sensível, geralm en­
te a visão, e uma relação lingüística com o texto que
será definida também pelos com ponentes psicológicos
e sociológicos inerentes ao texto e/ou à função do tex­
to e a inserção cultural, tanto do texto como do ato de
ler, em um determ inado contexto sócio-político-cultu-
ral. A relação do leitor com o texto é resultado da con­
fluência destes vários fatores. A escolarização da lei­
tura traz outros aspectos a este com plexo. Nela está
inserida a avaliação, que estabelece a relação do apren­
diz, assim como do educador, com o texto. O texto pas­
sa a ser, assim, um produto cultural escolarizado (ou
seja, valorizado/avaliado pela instituição) e o ato de ler
adquire conotações próprias à instituição. C onsiderar
a avaliação como momento do processo de aprendiza­
gem implica igualm ente uma reform ulação do seu pa­
pel na aprendizagem.
Quando um professor propõe uma tarefa em sala
de aula, form ula um projeto, discute um assunto com
seus alunos, ele não está meramente dando uma aula,
cum prindo um currículo. Ele está intervindo nos pro­
cessos de desenvolvim ento que estão em progresso
em cada um de seus alunos. Desta form a, sua ação
tem inúmeras conseqüências que não são visíveis nem
imediatamente tangíveis, extrapolando a mera transm is­
são e recepção de informações.
Os processos de desenvolvim ento são função di­
27
reta do período de formação, envolvendo os aspectos
biológicos, psicológicos e culturais (Vygotsky, 1995).
Portanto, a introdução de um mesmo produto cultural
como a escrita, por exemplo, deverá ser feita de forma
diferente segundo a idade de form ação. As form as de
pensamento diferem entre um indivíduo de 7, 11, 18 ou
30 anos, de form a que, embora o objeto de conheci­
mento seja o mesmo (a linguagem escrita), os procedi­
mentos pedagógicos terão que ser diversificados para
cada idade de form ação (W allon,1947).
A im portância primeira dos conhecim entos recen­
tem ente produzidos é que eles contribuem para escla­
recer, sob um prisma novo, os elem entos im plicados
em aprender e se desenvolver como ser humano. Es­
tes elementos não são necessariamente novidade, uma
vez que muitos deles foram introduzidos ou discutidos
desde o final do século passado. A novidade está na
possibilidade de uma compreensão maior do processo
em um a p e rs p e c tiv a de não fra g m e n ta ç ã o .
Dialeticam ente, estes novos conhecim entos apontam
para a especificidade profissional do educador, deten­
tor de uma função cultural de socializador de conheci­
mento, introdutor de m ediações necessárias para a
construção de conhecim ento e desenvolvim ento dos
educandos e, ele próprio, ser humano em desenvolvi­
mento.

28
NOTAS

(1) Em vários países esta concepção mais ampla do


processo de escolarização vem sendo referida como
form ação humana, trazendo consigo a necessidade de
se reform ular a própria função social da escola e, con­
seqüentemente, a estrutura de fun-cionam ento da ins­
tituição. Não é possível tratar destas questões no âm ­
bito deste artigo, mas é importante salientar que os as­
pectos sobre desenvolvim ento humano que discutim os
aqui têm como objetivo último proporcionar elem entos
de reflexão para uma prática específica. No nosso caso,
para a prática de ensino na instituição escolar.

(2) São inúmeras as contribuições da neurofisiologia e


da neuropsicologia para a educação atualmente. Ex­
plorar em profundidade este assunto exigiria um texto
que ultrapassa em muito o escopo deste artigo. Por­
tanto, o que segue são apenas incursões rápidas nes­
ta área, profundamente significativa para todos que tra ­
balham com os processos de desenvolvim ento e apren­
dizagem humanos.

(3) Segundo Wallon e Vygotsky, a psicologia deve in­


form ar a educação e não gerenciar a prática educativa.
Wallon considerava que a educação não pode prescin­
dir das contribuições da psicologia, principalm ente da
psicologia do desenvolvim ento que permite ao profes­
sor com preender as formas de pensamento da criança
em cada idade de formação, bem como as atividades
próprias a cada período, conhecim ento este que per­
mite a elaboração de uma prática pedagógica voltada
para o desenvolvim ento global do indivíduo. Vygotsky
entendia que, sendo a escola uma possibilidade (histó­
rica) de desenvolvim ento, a pedagogia deve se valer
das contribuições tanto da psicologia do desenvolvimen­
29
to e da pedologia (educação especial) quanto da neu­
rologia e neuropsicologia, pois todas trazem inform a­
ções im prescindíveis para uma ação pedagógica que
propicie o desenvolvim ento humano pela introdução de
novos instrumentos culturais. A escolarização foi con­
siderada por Vygotsky como uma possibilidade única
de desenvolvim ento para o ser humano, uma vez que
as aprendizagens que nela acontecem teriam pouca ou
nenhuma possibilidade de ocorrer na vida cotidiana.

(4) Vários neurocientistas apontam para a individuali­


dade do desenvolvim ento dizendo que cada cérebro é
diferente do outro, ou seja, que há um desenho sináptico
para cada indivíduo, analogamente à im pressão digital,
que é única para cada um de nós. Ora, o mecanism o
mesmo deste desenvolvim ento é considerado por m ui­
tos neurocientistas como função do meio. Em outras
palavras, o desenvolvim ento é sim ultaneam ente orgâ­
nico e social.

30
BIBLIOGRAFIA

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Damasio, A.
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power: cultural contexts of political action in
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Reztak, R.M.
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Wallon, H.
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Vygotsky, L.S.
Obras escogidas, vol. III. Madrid:
Aprendizaje/Visor, 1995.

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