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verve
Revista Semestral do Nu-Sol — Núcleo de Sociabilidade Libertária
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, PUC-SP
35
2019
VERVE: Revista Semestral do NU-SOL - Núcleo de Sociabilidade Libertária/
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, PUC-SP.
Nº35 (Maio 2019). São Paulo: o Programa, 2019 - semestral
ISSN 1676-9090
Editoria
Nu-Sol
Conselho Editorial
Conselho Consultivo
ISSN 1676-9090
verve
verve
Um caso menor
A minor case
64 [página única 1]
Nu-Sol
daniel barret
3. O 68 uruguaio
Jorge Pacheco Areco, desde sua favorável e casual
ascensão presidencial em dezembro de 1967, mostrou
suas orientações repressivas mediante a ilegalidade de seis
grupos da esquerda radical — um dos quais, como acabamos
de dizer, foi precisamente a FAU. A partir de 1968, a
aplicação das chamadas “medidas imediatas de segurança”
era um lugar comum nas políticas governamentais, embora
o decorativo Parlamento as tenha suspendido em mais de
uma ocasião10. As “medidas imediatas” permitiram uma
e outra vez, entre tantas “belezas” de teor semelhante, a
prisão arbitrária de militantes sindicais, integrantes das
associações de bairro e estudantis, bem como ofereceram
o quadro normativo para a aplicação de um regime militar
de trabalho a certos setores do funcionalismo público. Esse
foi, sem dúvida, um dos vetores da radicalização social e da
4. A luta continua
Os anos sucessivos foram uma continuação do que
1968 permitiu encenar, mas agora dentro de marcos
organizacionais mais rígidos e sem a criatividade
espontânea proporcionada por essas lutas de rua;
uma criatividade facilitada pela incorporação rápida
e comprometida de milhares de novos militantes que
5. A presença anarquista
Nesse marco de convulsões sociais e políticas, os
anarquistas uruguaios saíram à sua própria batalha, apesar
de seus enfraquecimentos, suas dúvidas e suas buscas não
resolvidas. E assim o fizeram tanto aqueles agrupados
na FAU, quanto os que definiram para si um caminho
diferente desde 1963.
A FAU continuou a concentrar suas ações marcando
presença no movimento sindical, porém, também se
mostrou resolutamente decidida a constituir um “centro
político” a partir do qual estabeleceu um papel de direção
em diferentes frentes de atividade. No plano sindical,
a partir de 1968, deu vida à Resistência Operário-
Estudante (ROE), projetada para servir como um provável
receptáculo do que, no âmbito da CNT, era conhecida
como Tendência Combativa — uma ampla confluência
de grupos orientados por organizações da esquerda
6. Os militares à vontade
Alguns meses depois, no final de outubro, a universidade
foi alvo de intervenção e, com isso, encerrava-se qualquer
possibilidade de atuação pública ou legalmente admitida.
Os militares tinham o país inteiro sob suas botas; eles
7. A “abertura democrática”
No final da década de 1980, as forças armadas haviam
planejado fazer uma jogada de mestre: um plebiscito
constitucional que institucionalizaria a presença das esferas
governamentais com vistas à eternidade. Relativamente
desgastados, não desprovidos de contradições internas
e requeridos de uma legitimação mais ampla do que até
então, optaram por gerar espaços de discussão pública com
figuras políticas de segunda e terceira ordem, convencidas
de que uma combinação maquiavélica de vigilância e medo
levaria as maiorias eleitorais a escolher pelo “mal menor”;
referendaram com seu voto um projeto que, de todos os
modos, seria preferido de acordo com seu ponto de vista
míope, ante o vazio, a incerteza e a indefinida perpetuação
da mesma situação. No calor das discussões estabelecidas
por esse plebiscito, até mesmo anarquistas anônimos
puderam dar a conhecer suas opiniões modestas, e um
comunicado encarregou-se de difundir em seu círculo de
“amizades” a importância de levantar uma recusa radical a
tudo o que procedesse de fontes militares28.
Incrivelmente e contra todos os prognósticos, a reforma
constitucional proposta pelas forças armadas foi rejeitada
no correspondente plebiscito, e isso obrigou aos fardados
formular um cronograma de diálogo e “abertura”— algo que
inicialmente contemplava apenas a oposição dos partidos
“tradicionais” Nacional e Colorado. Além dessas intenções
mínimas, os militares também precisavam oferecer algum
8. A reorganização anarquista
Do ponto de vista que optei no presente trabalho,
o é essencial destacar a reorganização anarquista que
ocorreu nesse contexto. Nos anos de 1983 e 1984, o
movimento popular uruguaio não apenas se rearticulou
pontualmente e de ponta a ponta, mas entrou em uma
Notas
1
A tradução foi realizada a partir do texto original datado de 4 de julho
de 2008 e postado pelo autor em: https://www.nodo50.org/ellibertario/
danielbarret.html. Foi publicado por primeira vez em Tierra y Tempestad.
Ano 1, Número 2. Inverno 2008. Montevidéu, Uruguai. Disponível em:
https://laturbaediciones.files.wordpress.com/2010/03/numero-2.pdf (N.
T.).
2
Em 25 de outubro de 1928 um grupo de anarquistas expropriou a casa de
câmbio chamada Messina no centro de Montevidéu (N.T.).
3
Ditador uruguaio da década de 1930. Estabeleceu relações com Mussolini
e Hitler, dos quais recebeu empréstimos para construir uma barragem
hidrelétrica (N.T.).
4
Os grifos marcados no decorrer do texto seguem o original do autor (N.T.).
5
Falar sobre os anos 60 não implica desconhecer que, em grande parte, as
sementes que mais tarde germinariam foram plantadas na década de 50: a
organização dos trabalhadores rurais realizada por Raúl Sendic que depois
daria lugar à formação do Movimento de Libertação Nacional (MLN), a
liderança de Rodney Arismendi e sua equipe no Partido Comunista (PC), as
primeiras fraturas dentro dos partidos Colorado e Nacional, a aprovação da
lei orgânica universitária e até a formação da Federação Anarquista Uruguaia
(FAU) são fatos históricos próprios daquela década. Há também consenso
de que a crise econômica que atuou como pano de fundo foi substanciada
em meados dos anos 50, e é perfeitamente demonstrável que as figuras mais
relevantes do período iniciado em 1968 foram formadas ou consolidadas nas lutas
sociais e políticas da década anterior, sem dar muitos protagonismos aos elementos
mais jovens. Enfatizar isso responde à necessidade de explicar, em nossos
efeitos atuais, os motivos pelos quais não chegaram a adquirir uma excessiva
autonomia de voo as expressões orgânicas geracionais próprias da ascensão
da mobilização do final da década de 1960.
6
O ponto ao qual o autor refere-se é o que separa as letras da sigla F.A.U.
(N.T.).
7
A sigla correspondente é ALU (N.T.).
8
Há versões documentais coincidentes em torno deste assunto da supressão
dos pontos e seu significado por dois dos protagonistas mais relevantes
dessa organização: Juan Carlos Mechoso e Hugo Cores — apesar de ambos
seguirem caminhos divergentes. Ver: María Eugenia Jung e Universindo
Rodríguez. Juan Carlos Mechoso anarquista. Montevidéu, Edições Trilce,
2006, p. 64; e Hugo Cores. Memórias da resistência. Montevidéu, Ediciones
de la Banda Oriental, 2002, p. 112. Cabe assinalar, embora seja muito menos
importante, que essas versões também coincidem com as memórias deste
articulista.
9
Pode-se dizer, em um sentido restrito, que a apresentação da revista Rojo
y Negro contém um certo resumo deste programa de trabalho. Ver: Rojo y
25
A posição dos sindicatos “opositores” dentro da CNT foi profusamente
difundida depois, e é conhecida como o “Documento dos 3 Fs” (FUNSA,
FUS, FOEB). Cabe assinalar que o sindicato de FUNSA foi um dos bastiões
da FAU, enquanto que as diretrizes básicas em Belas Artes seguiram àqueles
que, em algum momento, haviam integrado a ALU: por ironia da história,
novamente estavam identificados na mesma posição de combate os que dez
anos antes tinham se separado de maneira definitiva.
26
A atrocidade militar era tal que alguns dos protagonistas fardados o
rememoram e o divulgam com “orgulho” ainda hoje, mais de 30 anos
depois. Ver, de José Gavazzo, sua litania tragicômica em www.envozalta.
org/CREACION_DEL_PVP.pdf, uma ladainha em que seu autor mantém
erros e confusões geradas naqueles anos dos quais ele só pode reter as
referências policialescas, mas não as minúcias político-ideológicas. [O link
indicado pelo autor já não se encontra disponível. Embora seja possível
acessar a página inicial do portal En Voz Alta, que serve à propagação da
ladainha saudosista militar, o conteúdo ali apresentado indica que a página
está fora de atividade desde 2012 (N. T.)].
27
Ver Hugo Cores, op. cit., 2002, p.14.
28
No plebiscito acima mencionado, as opções foram reduzidas a um “sim” e
um “não”: o “sim” implicava a aprovação da reforma constitucional, enquanto
o “não” era a sua reprovação lógica. O comunicado do qual falamos não
convocava expressamente a votar contra a reforma constitucional que os
militares submetiam à consideração “cidadã”, mas solicitava uma negação
militante que ia além da proposta militar.
29
Reivindicar a “liberdade dos presos políticos” era, na época, praticamente
uma “transgressão ultra esquerdista”, já que o lema oficial do ato se
concentrava no pedido de uma “anistia”, isto é, uma amnésia e um perdão
decididamente alheio a uma sensibilidade libertária.
30
O nome daquele grupo de libertários cerrences recordou, irreverente e
orgulhosamente, a memória de um anarquista catalão, militante do sindicato
do vidro em Barcelona, participante da expropriação do Câmbio Messina,
preso durante mais de 20 anos em prisões uruguaias e morto como um
humilde “Canillita” nas ruas de seu bairro de adoção, o Cerro. Cabe informar
aos leitores não uruguaios que “canillita” é a expressão popular que designa
os vendedores ambulantes de jornais e revistas.
Resumo
O ensaio analisa as práticas anarquistas no final da década
de 1960 e início dos 1970, no Uruguai; a repressão decorrente
da ditadura militar e, por fim, a irrupção de resistências
libertárias em meados dos anos 1980 com a chamada “abertura
política”.
Palavras-chave: Anarquismo, América do Sul, resistências.
Abstract
This essay analyzes the anarchist practices in the late 1960s
and early 1970s in Uruguay; the repression resulting from the
military dictatorship; and, finally, the libertarian resistance
burst in the mid-1980s, following the so-called “political
openness”.
Keywords: Anarchism, South America, resistences.
christian ferrer
Resumo
O texto narra a defesa do anarquista Juan Mandrini, acusado
de atentado, em 1916, contra o presidente da Argentina.
Palavras-chave: Anarquismo, América do Sul, tribunal.
Abstract
The text describes the defense of the anarchist Juan Mandrini,
accused of carrying out the attack, in 1916, against the
Argentine President.
Keywords: Anarchism, South America, Court.
salete oliveira
Resumo
O texto acompanha os percursos ético e estético da abolicionista
penal Heleusa Câmara.
Palavras-chave: resistências, abolicionismo penal.
Abstract
The article follows the ethics and esthetics paths of the Penal
System’s abolitionist Heleusa Câmara.
Keywords: Resistences, Penal System Abolitionism
entrevista com
josé maria carvalho ferreira
a repercussão da mangueira
“Meu nego, deixa eu te contar/ a história que
a história não conta/ o avesso do mesmo lugar/
na luta é que a gente se encontra”, cantou
a Estação Primeira de Mangueira, campeã do
carnaval do Rio de Janeiro em 2019. Sob efeito
do enredo “Histórias para ninar gente grande”,
depois do título, não faltaram reportagens,
nas mais variadas mídias, sobre as pouco
conhecidas existências das mulheres e homens
cantados pela escola na Marquês de Sapucaí.
Pouco se comentou acerca da própria história
de lutas da qual irrompeu a Mangueira, em
1929, na zona norte carioca.
nas quebradas
“Eu conto as histórias das quebradas do
mundaréu. Lá de onde o vento encosta o lixo
e as pragas botam os ovos. Falo da gente que
sempre pega o pior, que come da banda podre,
que mora na beira do rio e quase se afoga toda
vez que chove, que só berra da geral sem nunca
influir no resultado (…) E é nesse embalo que
eu vou. Vou contar do samba da Paulicéia e de
sua gente, que é do tamanho do mundo, porque
não se acanha em contar as histórias do seu
pedaço de terra firme (…) vamos de samba”. É
assim que Plínio Marcos abre o Nas quebradas
do mundaréu, disco sobre o samba de São Paulo,
gravado com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde
e Toniquinho Batuqueiro.
eliane carvalho
emma goldman
I
Quanto uma filosofia pessoal é uma questão de
temperamento ou resultado de experiências é um assunto
para debate. Naturalmente, chegamos a conclusões à luz
de nossas experiências por um processo que chamamos
de raciocínio sobre os fatos observados nos eventos em
nossas vidas. A criança é suscetível à fantasia. Ao mesmo
tempo, ela enxerga a vida de forma mais verdadeira do
que os mais velhos à medida em que se atenta ao seu
entorno. A criança ainda não foi impregnada pelos
costumes e preconceitos que constituem a maior parte do
pensamento. Cada criança responde de uma maneira ao
seu ambiente. Algumas se tornam rebeldes, recusando o
deslumbramento com as superstições sociais. Revoltam-
se com cada injustiça cometida contra elas ou contra os
outros. Crescem cada vez mais sensíveis ao sofrimento que
as circunda e às restrições que marcam cada convenção e
tabu impostos sobre elas.
Eu, evidentemente, pertenço à primeira categoria.
Desde as primeiras lembranças de minha juventude na
Rússia, tenho me rebelado contra a ortodoxia em todas
II
Ainda assim, não me desespero com a vida americana.
Ao contrário, sinto que o frescor da perspectiva americana
e as inexploradas provisões de energia intelectual e
emocional que existem no país são uma grande promessa
para o futuro. A guerra deixou em seu rescaldo uma geração
confusa. A loucura e brutalidade presenciadas, a crueldade
e o desperdício desnecessários que quase o destruíram
o mundo, fizeram com que essa geração duvidasse dos
valores transmitidos por seus antecessores. Alguns, sem
nada saber do passado, tentaram criar novas formas de
vida e arte do nada; outros vivenciaram a decadência e
o desespero; muitos, mesmo na revolta, foram patéticos.
Recuaram para a submissão e a futilidade porque lhes
faltava um ideal e estavam atravancados por um senso de
pecado e pelo peso de ideias mortas em que não poderiam
mais acreditar.
Nos últimos tempos, um novo espírito tem se
manifestado na juventude que tem crescido com a
depressão. Este espírito tem um propósito, ainda que
confuso. Quer criar um mundo novo, mas ainda não é
claro como quer alcançá-lo. Por esta razão, a geração mais
jovem pede por salvadores. Tende a acreditar em ditadores
e saudar cada novo aspirante como um messias. Busca
um sistema inequívoco de salvação com uma minoria
sábia para dirigir a sociedade em uma via única para a
utopia. Ainda não notou que deve salvar a si mesma. A
jovem geração ainda não aprendeu que os problemas que
enfrenta só podem ser resolvidos por ela mesma, com base
na liberdade econômica e social em cooperação com as
massas trabalhadoras por seu direito à mesa e aos prazeres
da vida.
III
Hoje, não afirmo que o triunfo das minhas ideias
eliminaria todos os problemas possíveis da vida do
homem para sempre. Acredito que a erradicação dos
atuais obstáculos artificiais ao progresso abriria caminho
para novas conquistas e prazeres da vida. A natureza e
nossos próprios sistemas são aptos a continuar nos
proporcionando dores e lutas suficientes. Por que então
manter o sofrimento desnecessário imposto por nossa atual
estrutura social, com base no mito de que isso fortaleceria
nosso caráter, quando corações e vidas partidas sobre nós,
todos os dias, desmentem tal noção?
Grande parte da preocupação sobre o abrandamento
do caráter humano sob a liberdade vem de pessoas
prósperas. Seria difícil convencer alguém faminto de
que muita comida arruinaria o seu caráter. Quanto ao
desenvolvimento individual na sociedade que anseio,
me parece que com liberdade e abundância saltos
inimagináveis de iniciativa individual seriam liberados.
A curiosidade humana e o seu interesse no mundo são
Notas
1
Publicado originalmente em Harper’s Monthly Magazine, Vol. CLXX,
dezembro 1934. Disponível em: https://theanarchistlibrary.org/library/
emma-goldman-was-my-life-worth-living. Apesar de não ser uma revista
anarquista, a Harper’s Magazine, fundada em 1890 em Nova York, tem como
tradição publicar novas perspectivas relativas à política, sociedade, arte e
cultura (N.T.).
2
O termo original em inglês, hundred-percenter, refere-se aos
ultranacionalistas estadunidenses (N.T.).
3
A Lei Seca, nos Estados Unidos, que proibia a produção, importação,
transporte e venda de bebidas alcoólicas no país, estendeu-se entre os anos
de 1920 e 1933, quando foi revogada pelo presidente Franklin Roosevelt
(N.T.).
4
O termo em inglês, Rugged Individualism, foi utilizado publicamente pela
primeira vez nos Estados Unidos durante o discurso de posse do presidente
republicano Herbert Hoover, em 1928, um ano antes do início da chamada
Grande Depressão. O termo reproduz a posição liberal do individualismo
e a crença na oportunidade estadunidense, diante da crescente interferência
estatal nos governos da Europa (N.T.).
Resumo
Aos 65 anos Emma Goldman, faz uma breve análise do
contexto político e do movimento anarquista no momento em
que escreve. Apesar da ascenção de regimes fascistas na Europa
e da ditadura soviética na URSS, Goldman continua atenta,
contudente, sem se deixar iludir ou desesperar.
Palavras-chave: Emma Goldman, totalitarismo, movimento
anarquista.
Abstract
At the age of 65, Emma Goldman gives a short analysis of the
political context and the anarchist movement from the time
she writes. In spite of the rise of fascist regimes in Europe, and
the soviets dictatorship in USSR, Goldman stays attentive
and forceful, with no illusions or despair.
Keywords: Emma Goldman, Totalitarianism, Anarchist
Movement.
Was My Life Worth Living?, Emma Goldman.
Recebido em 4 de fevereiro de 2019. Confirmado para
publicação em 15 de abril de 2019.
luíza uehara
Notas
1
Fundada por Toshihiko Sakai e Shusui Kôtoku. Debatia a abertura
dos portos japoneses, a guerra, e trazia escritos anarquistas e socialistas.
Era disponível a qualquer interessado, por isso, sua formação mudava
constantemente. Ali também era editado o jornal Heimin Shinbun ( Jornal
da Plebe), um dos principais periódicos do período e que contava com
traduções e artigos dos integrantes da associação.
2
Sakae Ôsugi. Memórias de um anarquista japonês. Tradução de Ludimila
Hahimoto Barros. São Paulo, Conrad, 2002.
3
Ocorrido em 1910, quando um grupo de anarquistas e socialistas foram
acusados de planejar o assassinato do Imperador. 25 homens e uma mulher
foram presos. 12 foram condenados à forca, outros 12 à prisão perpétua e
os dois restantes a 8 e 11 anos de prisão, respectivamente. Anarquistas nos
EUA manifestaram-se contra a decisão do tribunal com ameaças de morte
ao Imperador estampadas no Consulado japonês, e a revista Mother Earth,
editada por Emma Goldman, engajou-se em uma campanha para evitar o
assassinato dos militantes. Entre os executados estavam Shusui Kôtoku, o
monge zen e anarquista Gudo Uchiyama, e a anarquista Sugako Kanno.
4
A Revolta do Arroz foi o ápice de uma série de manifestações que ocorreram
desde 1905. Diante da miséria no campo e na cidade, não houve negociação
possível. Os enfrentamentos tiveram como força motriz o aumento do grão.
Não havia reivindicações por maior presença do Estado ou algo similiar.
Segundo a leitura de Ôsugi, a revolta tomou contornos de uma tentativa de
destruição do governo. Estima-se que 10 milhões de pessoas, em um Japão
de 56 milhões, tomaram parte nas manifestações, greves e enfretamentos.
As perseguições intensificaram-se e, após meses, milhares foram capturados,
sendo 7000 condenados à prisão perpetua. Ôsugi estava entre os presos, mas
seria solto meses depois.
5
Sakae Ôsugi apud Hikaru Tanaka.“Bakunin and Japanese Anarchism”. 2012.
Disponível em: http://kansaianarchismstudies.blogspot.com/2014/07/
bakunin-and-japanese-anarchist.html. Acesso em 02/05/2019.
6
Cf. Sakae Ôsugi. My escapes from Japan. Tradução de Michael Schauerte.
Tokyo, Doyosha, 2014.
7
Cf. Sakae Ôsugi. Ôsugi Sakae zenshu. Vol. 1-6. Tokyo, Gendai shichô, 2014.
I
Não há muito o que se dizer acerca do fato de que a
raiz do pensamento moderno reside no indivíduo. E, como
se autorizado por este indivíduo, rapidamente Nietzsche
relatou ao Japão acerca do ego. No entanto, ao falarmos
de Nietzsche, dizem que ele plagiou seu pensamento de
um estudioso pioneiro, Max Stirner, uma vez que não há
quase nada de sua autoria.
Não acredito que Nietzsche tenha sido plagiador
de Stirner. Também não penso que Nietzsche tenha
aprendido diretamente dos escritos de Stirner. Nietzsche
era, em suas próprias palavras, uma pessoa que “vivia
em seu próprio mundo”. Mas não há dúvida de que o
trabalho de Stirner tenha exercido grande influência sobre
Nietzsche, ainda que indiretamente. Na verdade, existe
bastante afinidade entre as obras literárias dos dois.
II
Stirner era um pseudônimo. Ele se chamava Johann
Kaspar Schmidt. Nasceu em 25 de outubro de 1806,
em Bayreuth, cidade que pertencia à região da Prússia e,
hoje pertence à Baviera1. Seu pai era fabricante de flautas
e morreu pouco depois de seu nascimento. Três anos
depois, sua mãe casou-se com o farmacêutico (Heinrich)
Ballerstedt, e mudaram-se para a pequena cidade de
Kulm, no oeste prussiano. Ali ele ainda era Schmidt.
III
Para dar o devido valor ao Único de Stirner, é preciso
voltar a Hegel e a alguns de seus sucessores. Hegel era de
uma escola de pensamento restauradora. Por essa razão,
o pensamento que pregava em Berlim era conservador e
reacionário. Assim, a maioria de seus seguidores correram
para o autoritarismo. Apesar disso, seu pensamento
filosófico era bastante revolucionário. Desta forma, para
o resto dos estudantes, a dialética, que pode ser chamada
de uma espada de dois gumes, forçou uma batalha de
pensamentos pelo domínio do autoritarismo.
O primeiro exercício foi tirar as fundações da vida
social da Teologia. A origem das religiões foi considerada
histórica. Houve uma crítica filosófica da própria base da
IV
“Há um fantasma em sua cabeça... Há uma fissura
dentro do seu cérebro! Você tem uma ideia fixa. Assim
como dizem sobre a autoridade das pessoas inertes, assim
como dizem das autoridades morais que não movem um
único dedo. Sendo possuído por essa ideia fixa, confinado
em um hospício, você, um lunático de dar dó”.
Esta ideia fixa, essa ideia fantasma, mais especificamente
algo chamado sociedade, moralidade ou religião, nas
palavras de Stirner, são como um vampiro que sugam
V
O individualismo de Stirner é radicalmente extremo,
assim, ele não desaprovava o chamado coração altruísta.
Ele se recusava a enlaçar este conceito à natureza (humana)
de maneira obrigatória ou compulsória.
“Eu amo as pessoas. No entanto, este é um amor
consciente e que parte do egoísmo. Porque faz com que
me sinta bem. Porque me faz feliz. Desta maneira, eu não
penso (me preocupo) em absoluto se estou sacrificando uma
pessoa. É mais fácil conquistar o coração das pessoas com
gentileza do que cometendo crueldades”.“Eu simpatizo
com cada sentimento. A agonia (do outro) dói igualmente
em mim. O prazer (do outro) me faz igualmente feliz.
Eu poderia matar estes sentimentos em um segundo, mas
não sou capaz de fazer coisas como ignorar uma agressão
VI
Por quarenta anos, esta obra-prima de Stirner ficou
esquecida num canto da prateleira, coberta em poeira.
Mas seu pensamento avançou. Finalmente, este autor
a verdade da conquista
a expansão da vida
I
Na edição de “A verdade da conquista”, discorri a respeito
da conquista como “verdade fundamental da sociedade
humana durante alguns ou vários milhares de anos entre
o passado, o presente e o futuro próximo”. Concluí que
“enquanto não se tiver uma certa compreensão, não se
pode compreender corretamente seus fenômenos”.
Assim, estendi esse pensamento ao mundo da arte,
observando que “nesta Verdade da Conquista e até onde
ela não encontra resistência, vossas obras são brincadeira e
diversão”. Pode ser só uma resignação que nos faz esquecer
a pesada realidade que nos impele para a rotina diária. É
um elemento fundamental de uma fuga sistemática.
E, no final, chegamos à seguinte conclusão:
“Permanecer na beleza estática do transe em que
estamos é uma questão de escolha. Quero admirar a beleza
dinâmica que nos trará êxtase e entusiasmo. A literatura
II
Não é preciso dizer que, ao se falar do eu, a expansão da
vida tem sido a tônica do pensamento moderno. É o alfa e
o ômega do pensamento moderno. Porém, para entender
o que é o eu ou a expansão do eu, há um primeiro ponto
em que devo tocar.
Em relação ao eu, existe o senso amplo e o estrito. Neste
momento, vou considerar a moral do indivíduo no senso
mais estrito possível. O verdadeiro sentido desta vida é o
eu. E o eu é, em essência, uma espécie de força. É o tipo
de força que segue a lei das forças dinâmicas.
A força deve imediatamente aparecer em forma de
ação. Qualquer que seja o poder, sua existência e sua ação
são sinônimos. Assim sendo, a ação do poder é inevitável.
A ação, por si só, é completamente força. A ação é o único
aspecto do poder.
Portanto, a lógica inevitável de nossas vidas é
determinar ações para nós mesmos. Mais do que isso,
determinar nossa expansão. Qualquer que seja a ação, ela
representa o desenvolvimento de uma existência no espaço.
No entanto, a expansão da vida deve vir acompanhada de
sua realização. É a realização da vida do eu que força sua
expansão. Portanto, realização e expansão devem ser a
mesma coisa.
III
A expansão da vida é uma propriedade fundamental
da vida por si só. Desde os tempos primitivos, o homem
vem lutando com o ambiente a seu redor e usando este
ambiente para expandir o eu. Ademais, mesmo entre
companheiros humanos, viemos continuamente lutando
e usando uns aos outros de forma a expandir a vida. E
estes conflitos e o uso dos seres humanos não são ainda
realizados à luz do conhecimento desenvolvido, de modo
que o caminho para o eu encontra-se perdido.
Os conflitos entre os homens, em vez de expandir a
vida uns dos outros, acabou por se tornar um obstáculo.
Em outras palavras, como resultado de métodos errados
de lutas e usos, entre os homens existiram ambos os polos
de conquistadores e conquistados. Este assunto já foi
discutido em detalhes em “A Verdade da Conquista”.
A expansão da vida das pessoas conquistadas foi
amplamente destruída. Elas praticamente perderam
seu eu. Elas ficaram à mercê da vontade e do comando
de seus conquistadores; tornaram-se escravas do
trabalho, tornaram-se instrumentos. A vida pessoal e
o autodesenvolvimento dos povos conquistados não
puderam fazer nada que não estagnar e apodrecer.
IV
Sempre que pensamos que os danos ao eu dessas
polaridades estão para acabar, uma invasão ou revolução
acontece aqui. Uma classe média com um eu relativamente
saudável toma a iniciativa, a título de salvar o povo
conquistado, e usa sua assistência para se elevar. Ou
ocorre uma revolta desesperada da classe conquistada, sob
influência da classe média. E, obviamente, sempre termina
com a classe média se tornando um novo mestre. A história
da humanidade é, em suma, este ciclo de repetição. Cada
ciclo é uma repetição que passou por alguma revolução.
No entanto, a humanidade não conseguiu retornar
ao primitivo, afinal. A humanidade não conseguiu voltar
ao primitivo, onde não havia a divisão entre mestres e
escravos. Não soube regressar à era livre primitiva, onde
não havia autoconsciência, com a consciência mais que
suficiente que lhe fora dada. Não sabia que estava a repetir
uma história de enorme significado.
Seres humanos mergulhados em uma sociedade de
senhores e escravos por um longo tempo não são capazes
de imaginar uma sociedade em que não haja senhor ou
escravo. Não conseguem pensar em uma maneira melhor
de expandir suas vidas, com exceção da autoridade
exercida por alguém superior sobre ele, ainda que esteja
em controle de si próprio.
Eles simplesmente escolhem os senhores. O nome
dos senhores muda. E, finalmente, não ousam tocar no
machado que é a conquista fundamental por si só. Este é
o maior erro da história da humanidade.
Nós precisamos acabar com esta repetição da história.
Esta peregrinação de milhares e milhares de anos já
nos mostrou sua estupidez. Para acabar com este ciclo,
precisamos realizar uma última imensa repetição. Para
uma verdadeira expansão de vida como indivíduos, para
uma verdadeira expansão de vida como seres humanos.
V
A verdade da conquista na sociedade moderna
praticamente já alcançou seu ápice. Nem as classes de
conquistadores, nem as classes médias, nem mesmo as
classes conquistadas podem mais suportar o peso desta
realidade. A classe conquistadora vem sofrendo com o
desenvolvimento desta vida cheia de excessos ou anormal.
A classe conquistada está sofrendo ao ser sufocada por
uma vida de opressão. Até mesmo a classe média está
VI
Em minha própria vida, no meio desta revolta, estou
aproveitando a infinita beleza. E o significado daquilo que
chamam de minha arte está resumido aqui. A execução
é a ação direta do eu. E o desempenho da sofisticação
VII
Este enriquecimento da minha vida é, ao mesmo
tempo, a expansão da vida. E, ao mesmo tempo, a expansão
da humanidade. Entre as ações do meu eu, vejo as ações
da humanidade.
Além disso, não sou o único a tomar a direção de
um eu mais efetivo dessa forma. Ainda que hoje sejam
Notas
1
Atual Alemanha (N.T.).
2
Max Stirner. O único e sua propriedade. Tradução de João Barreto. São
Paulo, Martins Fontes, 2002 (N.T.).
3
No Japão, sul da Ásia (N.T.).
Bibliografia
Eurípedes. Hécuba. In A tragédia grega. Tradução de Mario da
Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, v. 4, 1992, pp.
151-219.
Sófocles, Electra. In A tragédia grega. Tradução de Mario da
Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, v. 4, 1992,
pp. 81-82.
verve
Resenhas
2013 que urge e ruge
FLÁVIA LUCCHESI*
NU-SOL
Publicações do Núcleo de Sociabilidade Libertária, do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP.
hypomnemata, boletim eletrônico mensal, desde 1999;
flecheira libertária, semanal, desde 2007;
observatório ecopolítica, quinzenal, desde 2015;
Aulas-teatro, no tucarena
Emma Goldman na Revolução Russa, maio e junho de 2007;
Eu, Émile Henry, outubro de 2007;
FOUCAULT, maio de 2008;
estamos todos presos, novembro de 2008 e fevereiro de 2009;
limiares da liberdade, junho de 2009;
FOUCAULT: intempéries, outubro de 2009 e fevereiro de 2010;
drogas-nocaute, maio de 2010;
terr@, outubro de 2010 e fevereiro de 2011;
eu, émile henry. resistências., maio de 2011;
LOUCURA, outubro de 2011;
saúde!, maio e outubro de 2012;
limiares da liberdade, maio e agosto de 2013;
anti-segurança, outubro/novembro de 2013 e fevereiro de 2014;
drogas-nocaute 2, maio de 2014;
a céu aberto. controles, direitos, seguranças, penalizações e liberdades,
novembro de 2014;
terr@ 2, maio de 2015;
libertárias, novembro de 2015;
LOUCURA, maio de 2016,
A Revolução Espanhola, novembro de 2016;
a segurança e o ingovernável, maio de 2017;
greve geral em são paulo, 1917, 21 e 22 de novembro de 2017, 6 e 7 de
dezembro (Teatro Ágora-SP);
estamos todos presos. estamos?, 11 e 12 de junho de 2018;
68: invenções e resistências, 16 e 17 de setembro de 2018;
hécuba, de eurípides, 6 e 7 de maio de 2019.
DVDs e exibições no Canal Universitário/TVPUC
ágora, agora, edição de 8 programas da série PUC ao vivo; 2007-2009.
os insurgentes, edição de 9 programas; 2008-2009.
ágora, agora 2, edição de 12 programas; 2008-2009.
ágora, agora 3, edição de 7 programas; 2010.
carmem junqueira-kamaiurá — a antropologia MENOR, 2010-2012.
ecopolítica-ecologia, 2012.
ecopolítica-segurança, 2012.
ecopolítica-direitos, 2013.
ecopolítica-céu aberto, 2015.
Canal do Nu-Sol no YouTube https://www.youtube.com/channel/
UCmrOPJTsO_Y5wYnHUSAQgDg.
Vídeos
Libertárias (1999); Foucault-Ficô (2000); Um incômodo (2003); Foucault, último
(2004); Manu-Lorca (2005); A guerra devorou a revolução. A guerra civil espanhola
(2006); Cage, poesia, anarquistas (2006); Bigode (2008); Vídeo-Fogo (2009).
CD-ROM
Um incômodo, 2003 (artigos e intervenções artísticas do Simpósio Um Incômodo).
Coleção Escritos Anarquistas, 1999-2004, 29 títulos.
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verve
r
recomendações para colaborar com verve
Identificação:
Notas explicativas:
177
35
2019
Citações:
I) Para livros:
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verve
Revista Verve
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Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Rua Ministro Godói,
969, 4º andar, sala 4E-20, Perdizes, CEP 05015-001,
São Paulo/SP.
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179
Observatório
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