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Consultoria Legislativa

NOTA INFORMATIVA Nº 4.216, DE 2019

Referente à STC nº 2019-10257, do Senador


Alessandro Vieira, que solicita estudo sobre
questões relacionadas à possível indicação do
Deputado Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente
da República, para exercer o cargo de Chefe de
Missão Diplomática Permanente.

Nos termos da solicitação, devem ser mencionados os pontos


jurídicos que validariam a indicação, bem como aqueles que caracterizariam
o caso como prática de nepotismo. Já de início, antecipamos que, havendo –
como a nosso ver há – fundamentos para impugnar a indicação como caso
de nepotismo constitucionalmente vedado, não há que se falar em outros
aspectos jurídicos capazes de validá-la. Para que um ato jurídico seja válido,
todos os requisitos essenciais à sua validade devem ter sido preenchidos. O
fato de alguns deles haverem sido observados não torna hígido o ato, se
qualquer outro requisito essencial deixou de ser atendido.

Já produzimos estudos anteriores sobre esse tema, de sorte que,


até mesmo em razão da urgência no atendimento da demanda, as
considerações seguintes são as mesmas de trabalhos anteriores.

Seção I - apresentaremos algumas considerações de cunho


metodológico a respeito da identificação de casos de nomeação,
pelo Chefe de Estado, de filho seu para o cargo de Embaixador,
na história brasileira e mundial.

Seção II - apresenta como o ordenamento jurídico de alguns países


trata a seleção de agentes diplomáticos, em especial a nomeação
dos chefes de missão diplomática.

Senado Federal – Praça dos Três Poderes – CEP 70165-900 – Brasília DF


Telefone: +55 (61) 3303-4141 – alosenado@senado.gov.br
2

Seção III - são apresentados alguns casos de nomeação de


parentes do Chefe de Estado para o cargo de Embaixador. O
exame dos aspectos jurídicos, no Direito Brasileiro, da
nomeação, como embaixador, de pessoas externas ao serviço
diplomático, bem como de filho do próprio Presidente da
República.

Seção IV - se dedica à análise de circunstâncias peculiares do caso


concreto ora em discussão, como a necessidade ou não de
renúncia ao mandato parlamentar antes da manifestação do
Senado Federal sobre a indicação.

Seção V - condensa as conclusões extraíveis a partir do exame


empreendido nas seções anteriores da Nota.

I. Considerações preliminares de cunho metodológico

Antes de qualquer outra consideração, cabe atentar para a


impossibilidade de conclusão, no prazo estabelecido, de uma pesquisa
exaustiva sobre eventuais casos de nomeação de filhos de presidentes da
república para o cargo de embaixador. Em verdade, ainda que o prazo fosse
mais dilatado, é certo que não haveria fontes de pesquisa disponíveis em
todos os países. E, mesmo que houvesse, o exame envolveria milhares de
indicações.

Se limitarmos o universo pesquisado aos casos em que o chefe


de Estado e autoridade nomeante é o Presidente da República, serão
eliminados da contagem os países que adotam (ou adotaram em determinado
período) a forma monárquica de governo. No plano histórico, o exame se
restringirá ao período iniciado em 1789, ano em que teve início o primeiro
mandato presidencial de uma forma republicana de governo, com as feições
que hoje a identificam1. Outrossim, se limitarmos a pesquisa aos “países
democráticos”, serão excluídas as autocracias em países organizados sob a
forma republicana. A qualificação de um país como democrático, no entanto,
pode variar conforme os critérios utilizados. Nas estimativas de Robert Dahl,
em 1900, de um total de 43 países independentes, apenas 6 podiam ser
considerados democráticos. Em 1950, de um total de 75, apenas 25 países

1
Ano em que tomou posse, como primeiro Presidente dos Estados Unidos da América, George Washington.
3

eram democracias. Em 1990, 65 dos 192 países existentes eram


democráticos2.

Estiveram presentes na Conferência de São Francisco, em 1945,


como membros fundadores da Organização das Nações Unidas, apenas 51
países; hoje os membros da ONU são 193. Destes, em torno de uma centena
e meia apresentam a figura do Presidente da República em sua organização
política. Isso não significa, porém, que em todos eles caiba a essa autoridade
a prerrogativa de indicar chefes de missões diplomáticas. Portugal, por
exemplo, é uma república semipresidencialista. A nomeação de chefes de
missões diplomáticas naquele país é feita pelo Presidente da República, mas
por proposta do Governo, liderado pelo Primeiro Ministro (arts. 135, 183 e
201 da Constituição Portuguesa).

Levando-se em conta apenas as nomeações para o cargo de


Embaixador, serão excluídos os chefes de repartição consular e
representantes permanentes perante organizações internacionais, o que
também reduz o universo a ser pesquisado, considerando-se que os países
não possuem missões diplomáticas em todos Estados com os quais mantêm
relações diplomáticas. Além disso, a indicação de um chefe de missão
diplomática é regida pelo princípio do consentimento mútuo. Não basta um
Estado indicar; o outro Estado, que recebe o indicado, deve concordar com
a indicação (o agrément). Seria sobremaneira difícil averiguar se houve
alguma indicação de filho de presidente de país democrático que foi
rejeitada, pois muitas vezes isso é realizado por sondagens secretas.

Mesmo promovendo todos os cortes anteriormente


mencionados, o número de indicações feitas pelos presidentes em todos os
países republicanos e democráticos seria gigantesco, inviabilizando qualquer
pesquisa com pretensão de fazer afirmações universais. Quando muito,
podemos enumerar casos particulares. Diante da impossibilidade de analisar
todas as indicações havidas, ainda que não lográssemos identificar, na
amostra examinada, um único exemplo de nomeação de filho de Presidente
da República para o cargo de Embaixador, disso não poderia resultar
conclusão no sentido de que nunca teria ocorrido nomeação desse tipo3.

Especificamente em relação ao Brasil, tendo em vista que a


forma republicana foi adotada apenas em 1889 e que, nos períodos de 1937
a 1945 e de 1964 a 1985 o país viveu sob ditadura, é possível uma pesquisa
mais exata sobre a existência de casos de nomeação, pelo Presidente da
2
Sobre a democracia. Brasília: Editora UnB, 2001, p. 18, 217 e ss.
3
Ou, como observou Carl Sagan, ausência de evidência não significa evidência de ausência (The Demon-
Haunted World: Science as a Candle in the Dark. New York: Ballantine. p. 213).
4

República, de filho seu para o cargo de Embaixador. Ainda assim,


afirmações peremptórias a respeito disso dependeriam de informações que
nem sempre estão acessíveis, sobretudo dados biográficos dos filhos dos
presidentes no período da chamada República Velha (1889-1930). Em
alguns casos, é possível descartar a ocorrência de nepotismo envolvendo
filhos dos ex-mandatários. Deodoro da Fonseca, por exemplo, não teve
filhos. Outros, como Floriano Peixoto, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros,
João Goulart e Fernando Collor, exerceram mandato quando seus filhos
ainda eram menores de idade.

Feitas essas observações, cumpre discorrer sobre as diferentes


formas de organização do serviço diplomático e de recrutamento de seus
agentes.

II. A seleção de agentes diplomáticos em outros países

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 19614,


tratado que rege a matéria, não proíbe a indicação, como Chefe da Missão
diplomática, de alguém que seja filho de Presidente ou fora de uma carreira
de Estado. Na realidade, o Estado acreditante (o que indica) deve apenas se
certificar de que a pessoa que pretende nomear obteve a anuência do referido
Estado. A recusa desse agrément ou, após tê-lo concedido, a consideração
de um chefe de missão como persona non grata, não requer nenhuma razão
ou motivação explícita. Pode ser um “não" puro e simples.

Nos Estados Unidos da América e nos países em geral, a função


de Chefe de Missão Diplomática Permanente pode ser exercida por pessoas
externas à carreira diplomática, o que varia é o índice das nomeações
meramente políticas. As chamadas indicações políticas totalizaram, nos dois
mandatos do Presidente Barack Obama, 35% do total. Já nos mandatos do
Presidente George W. Bush, chegaram a 36%5.

Embora mais de um terço das indicações para o cargo de


embaixador não seja de integrantes da carreira diplomática, nem por isso se
pode dizer que a lei interna permita a designação de parentes do Chefe do
Poder Executivo. Com efeito, a Public Law 90-206, de 16 de dezembro de
1967, introduziu no Título 5 do United States Code a Seção 3110,
estabelecendo vedações à nomeação de parentes de agentes públicos. De
acordo com a norma, agentes públicos, incluído o Presidente da República,

4
Promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 56.435, de 8 de julho de 1965.
5
Cf.: https://abcnews.go.com/Politics/career-diplomats-worried-influx-political-appointees-state-
department/story?id=26605856 Acessado em 12 de agosto de 2019.
5

não podem indicar, nomear, contratar, promover, ou mesmo recomendar a


nomeação, contratação ou promoção de parentes seus, até o quarto grau civil,
para funções do serviço público em órgãos ou entidades nos quais eles
sirvam ou sobre os quais exerçam controle ou jurisdição.

Recentemente, diante de rumores de que Ivanka Trump, filha do


Presidente Donald Trump, seria indicada como embaixadora dos Estados
Unidos na ONU, instalou-se controvérsia quanto à aplicabilidade da lei
antinepotismo ao caso, havendo quem defendesse ser possível a nomeação,
pelo fato de a ONU não constituir órgão do governo norte-americano, e quem
entendesse que a vedação alcançava também tal hipótese.6 Esse tipo de
discussão, no entanto, não parece possível no caso das embaixadas, cuja
caracterização como órgãos do Departamento de Estado resta inequívoca.

Na Argentina, o serviço exterior é exercido por funcionários de


carreira. A chefia de missões diplomáticas incumbe aos servidores que se
encontrem no grau mais elevado da carreira diplomática (embaixador
extraordinário e plenipotenciário). Apenas em caráter excepcional poderá ser
designado embaixador extraordinário e plenipotenciário quem não pertença
ao serviço exterior, desde que possua aptidões relevantes (arts. 5º, 8º, 81 e
82 da Lei 20.957, de 5 de junho de 1975), como foi o caso do último
Embaixador da Argentina no Brasil, que deixou o cargo em julho passado.
Além disso, quem quer que exerça função pública (inclusive o Presidente da
República) deve, entre outras condutas, abster-se de intervir em todo assunto
em relação ao qual lhe sejam aplicáveis as causas de impedimento da lei
processual civil (art. 2º, i, da Lei nº 25.188, de 26 de outubro de 1999). Uma
de tais causas é o parentesco por consaguinidade até o quarto grau, ou por
afinidade até o segundo grau (art. 17, n. 1, do Código Processual Civil e
Comercial argentino). No que toca especificamente ao Presidente da
República e aos Ministros de Estado, o Decreto nº 93, de 31 de janeiro de
2018, proíbe que parentes, até o segundo grau civil, dessas autoridades sejam
nomeados, sob qualquer modalidade, salvo por aprovação em concurso
público, para cargos integrantes do serviço público nacional.

Na França, a função de Chefe de Missão Diplomática é


considerada uma daquelas de grau superior, cujos exercentes podem ser, à
discrição do Governo, recrutados fora do quadro de servidores do quadro
permanente (art. 1º do Decreto nº 779, de 24 de julho de 1985). Sem
embargo, o país conta com um serviço diplomático organizado em carreira,
no qual o ingresso se dá por concurso público ou formação na conceituada

6
Cf: https://www.businessinsider.com/trump-might-nominate-ivanka-for-un-ambassador-2018-10.
Acessado em 12 de agosto de 2019.
6

École National d’Administration, e grande parte dos postos de Chefe de


Missão Diplomática são entregues aos integrantes da carreira.

Em Portugal, a chefia de missões diplomáticas é confiada a


embaixadores e ministros plenipotenciários, que são os cargos finais da
carreira diplomática, acessível somente por concurso público, consoante
dispõem os arts. 3º e 10 e 40 do Decreto-Lei nº 40-A, de 27 de fevereiro de
1998. Conforme o art. 42, n. 1, do mesmo Decreto-Lei, a título excepcional,
e por resolução do Conselho de Ministros, a chefia de uma missão
diplomática ou de uma representação permanente pode ser confiada a
individualidades não pertencentes ao quadro diplomático cujas
qualificações as recomendem de forma especial para o exercício de funções
em determinado posto.

Na Itália, a praxe desde 1953 é de reservar a indicação de chefe


de missão diplomática aos integrantes da respectiva carreira, admitidos por
concurso público7, ainda que a legislação de regência admita a designação
de pessoas estranhas ao Ministério de Relações Exteriores para a função de
chefe de representação diplomática (art. 203 c/c o art. 36 do Decreto nº 18,
de 5 de janeiro de 1967).

III. Casuística

Um exemplo recente de indicação, pelo Chefe de Estado, de


filho seu para o cargo de embaixador é a de Khalid bin Salman, filho do Rei
Salman da Arábia Saudita, para representar o país em Washington, ocorrida
em 20178. A Arábia Saudita, contudo, é uma monarquia absolutista.

Outro exemplo é a nomeação, em 2017, como embaixador do


Chade nos Emirados Árabes Unidos, de Zakaria Idriss Déby, filho do
Presidente Idriss Déby, que governa o país africano desde 19909. O país, no
entanto, dificilmente poderia ser qualificado como uma democracia10. O caso
encontra similaridade com o de Gulnara Karimova, filha do ditador do

7
GIALDINO, Carlo Curti. Lineamenti di Diritto Diplomatico e Consolare. Torino: G. Giappichelli Editore,
2015, p. 87.
8
Cf.: https://www.newsweek.com/who-prince-khalid-bin-salman-saudi-arabia-1173246. Acessado em 12
de agosto de 2019.
9
Cf.: https://www.lemonde.fr/afrique/article/2019/07/23/au-tchad-la-survie-politique-d-idriss-deby-
depend-de-plus-en-plus-de-ses-allies-du-golfe_5492599_3212.html. Acessado em 12 de agosto de 2019.
10
Para uma comparação com outros países, cf. os Global State of Democracy Indices, disponíveis em
https://www.idea.int/gsod-indices/#/indices/countries-regions-profile. Acessado em 12 de agosto de 2019.
7

Uzbequistão, nomeada embaixadora do país nas Nações Unidas e na


Espanha, em 2008 e 2010, respectivamente11.

Há diversos exemplos de filhos e parentes próximos de ex-


presidentes nomeados embaixadores, mesmo em países democráticos, mas
em período posterior aos mandatos de seus pais. Eis alguns deles: (i) John
Eisenhower, filho do ex-Presidente dos Estados Unidos da América (EUA)
Dwight Eisenhower, nomeado embaixador na Bélgica em 1969, pelo
Presidente Richard Nixon; (ii) Robert Lincoln, filho do ex-Presidente
Abraham Lincoln, nomeado embaixador no Reino Unido em 1889, pelo
Presidente Benjamin Harrison; (iii) Caroline Kennedy, filha do ex-
Presidente John Kennedy, nomeada embaixadora no Japão em 2013, pelo
Presidente Barack Obama. No Brasil, pode ser citada a nomeação, pelo
Presidente Juscelino Kubitschek, do genro de Getúlio Vargas, Ernani Amaral
Peixoto, como embaixador nos Estados Unidos em 1956.

Há também alguns casos de nomeação, por Presidente da


República, de filhos seus ou parentes próximos como embaixadores. Nos
EUA, podemos citar John Quincy Adams, filho do Presidente John Adams,
nomeado em 1797 embaixador na Prússia. Ele já havia, porém, servido como
embaixador na Holanda e em Portugal, durante a presidência de George
Washington. Posteriormente, foi eleito Senador, Deputado Federal e
Presidente da República.

O exemplo de Quincy Adams deve ser visto à luz de seu


contexto histórico. No início do séc. XIX, os EUA eram um país que havia
recentemente conquistado a independência, com uma população pequena
(5,3 milhões de habitantes, sendo a população urbana de apenas 322 mil
pessoas). Mesmo assumindo que a taxa de alfabetização na Nova Inglaterra
fosse elevada para os padrões da época, o acesso ao ensino superior
constituía exceção. Quincy Adams estudou nas Universidades de Leiden
(Holanda) e Harvard, habilitando-se ao exercício da advocacia. Além disso,
acompanhou seu pai em diversas missões diplomáticas na Europa, no
período de 1778 a 1784, adquirindo fluência em francês, holandês, alemão e
italiano, e se dedicando ao estudo das línguas clássicas e da diplomacia.12

Outro exemplo norte-americano de parente próximo do


Presidente da República nomeado embaixador é o de Silas Houston, primo

11
Cf.: https://elpais.com/elpais/2010/01/21/actualidad/1264065426_850215.html. Acessado em 12 de
agosto de 2019.
12
QUINCY, Josiah. Memoir of the life of John Quincy Adams, Boston: Phillips, Sampson and Company,
1858.
8

de Ulysses Grant, designado para servir na Guatemala, também no séc.


XIX.13

Mais recentemente, temos o caso de Pablo Piñera, indicado em


2018, por seu irmão Sebastián Piñera, Presidente do Chile, para servir como
embaixador na Argentina.14 As reações negativas ao anúncio da designação
fizeram com que o Presidente sobrestasse a nomeação e, ao fim, desistisse dela.

No Brasil, tendo sempre presentes as limitações de fontes de


pesquisa mencionadas na Seção I desta Nota, não identificamos ocorrências
de indicação, pelo Presidente da República, de filho seu para o cargo de
embaixador, o que está longe de significar a inexistência de casos de
nepotismo envolvendo filhos do Chefe do Poder Executivo.15

IV. Aspectos jurídicos do presente caso

O Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, manifestou


recentemente sua intenção de nomear seu filho e Deputado Federal, Eduardo
Nantes Bolsonaro, como Embaixador do Brasil em Washington16. Desde
então, discute-se a viabilidade jurídica de tal indicação.

1) Requisitos legais para o exercício do cargo de Embaixador

O regime jurídico dos servidores do Serviço Exterior


Brasileiro é definido pela Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006, cujo
art. 1º dispõe:

Art. 1º O Serviço Exterior Brasileiro, essencial à execução da


política exterior da República Federativa do Brasil, constitui-se do
corpo de servidores, ocupantes de cargos de provimento efetivo,
capacitados profissionalmente como agentes do Ministério das
Relações Exteriores, no País e no exterior, organizados em carreiras
definidas e hierarquizadas, ressalvadas as nomeações para cargos

13
Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/nepotism-in-the-white-house-its-all-
relative_b_58eb5edce4b0acd784ca5a11. Acessado em 12 de agosto de 2019.
14
Cf.: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-43900293. Acessado em 12 de agosto de 2019.
15
Para citar apenas três exemplos, Rodrigues Alves Filho exerceu, durante o mandato presidencial de seu
pai, o cargo de Secretário da Presidência. Artur Bernardes Filho foi secretário de seu pai, no período em
que este esteve à frente do Poder Executivo Federal. E Luciana Cardoso foi nomeada para exercer cargo
em comissão na Secretaria-Geral da Presidência da República durante o mandato de seu pai, Fernando
Henrique Cardoso. Informações extraídas de: https://www.conjur.com.br/2009-mai-19/stj-nao-analisa-
nomeacao-filha-govermo-fhc-foi-regular, https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/ALVES%20FILHO,%20Rodrigues.pdf e http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/artur-da-silva-bernardes-filho. Acessado em 12 de agosto de 2019.
16
Cf.: https://tvuol.uol.com.br/video/bolsonaro-diz-que-pretende-beneficiar-o-filho-com-embaixada-nos-
eua-04028D98376ADCB16326 Acessado em 12 de agosto de 2019.
9

em comissão e para funções de chefia, incluídas as atribuições


correspondentes, nos termos de ato do Poder Executivo.
Parágrafo único. Aplica-se aos integrantes do Serviço
Exterior Brasileiro o disposto nesta Lei, na Lei nº 8.829, de 22 de
dezembro de 1993, e na legislação relativa aos servidores públicos
civis da União.

A parte que grifamos do caput do art. 1º foi introduzida pela Lei


nº 13.844, de 18 de junho de 2019, oriunda da Medida Provisória nº 870, de
1º de janeiro de 2019, que reorganizou a estrutura do Poder Executivo
Federal e foi editada pelo Presidente Jair Bolsonaro.

O Ministério das Relações Exteriores possui uma das


burocracias mais antigas e sólidas no serviço público brasileiro, constituída
a partir de concursos públicos e organizada em carreiras17. O sistema
meritocrático de seleção de quadros no Itamaraty tradicionalmente se
estende às mais altas funções do Ministério. Mesmo o cargo de Ministro de
Estado das Relações Exteriores foi ocupado, na maior parte dos trinta anos
de vigência da Constituição de 1988, por integrantes da carreira diplomática.

O cargo comissionado de Chefe de Missão Diplomática


Permanente, ao qual se dá o título de Embaixador, é provido por diplomatas

17
O Instituto Rio Branco, fundado em 1945 e responsável pela formação dos aprovados no concurso público
para a carreira diplomática, é a terceira academia desse tipo mais antiga do mundo, perdendo para a
Academia de Viena e Pontifícia Academia Eclesiástica do Vaticano. Sobre o processo de racionalização e
profissionalização da carreira diplomática no Brasil e a adoção do modelo meritocrático de seleção de
quadros do Ministério das Relações Exteriores, cf.: CHEIBUB, Zairo Borges. A carreira diplomática no
Brasil: o processo de burocratização do Itamaraty. In: Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro,
vol. 23, n. 2, abr. 1989, p. 97-128. Do mesmo autor: Diplomacia e construção institucional: o Itamaraty em
uma perspectiva histórica. In: Dados, Rio de Janeiro, vol. 28, n. 1, 1985, p. 113-131. Neste último artigo,
Cheibub traça uma história do Ministério das Relações Exteriores segundo os tipos ideais weberianos,
dividindo-a nos períodos: patrimonial (da independência até o fim do séc. XIX), carismático (durante o
período em que esteve à frente o Barão do Rio Branco) e burocrático-racional (a partir da década de 1910).
Sobre a primeira fase, atenta para a livre seleção, pelo soberano, do pessoal diplomático. Acrescenta: o
patrimonialismo desse período, porém, não se limita a essa política de recrutamento em que está presente
a noção do tratamento da administração pública como propriedade senhorial. Outra característica é a
distinção pouco clara entre os interesses pessoais do administrador e os interesses públicos ligados ao
cargo que ele ocupava. Os cargos eram tratados quase como uma espécie de prebenda que cabia ao Estado
distribuir. E conclui: predominaram, durante todo o período, os traços patrimoniais, o baixo grau de
profissionalização do serviço exterior, o filhotismo e o empreguismo. O segundo período é marcado pela
figura do Barão do Rio Branco, que logra conferir maior prestígio ao Ministério e desenvolver o esprit de
corps dos integrantes do serviço diplomático, mas não promove ruptura nos métodos de recrutamento do
pessoal. Cheibub menciona trecho das memórias de um diplomata que serviu à época, no qual este
registrava que o critério de admissão obedecia, sobretudo, às condições sociais dos candidatos, muitos dos
quais descendentes das velhas famílias do Império, filhos, netos ou bisnetos de antigos Ministros, ou
Presidentes do Conselho da Monarquia. Por fim, no terceiro período são implantadas reformas no sentido
da maior profissionalização e seleção meritocrática dos quadros do serviço diplomático. Essas são
mudanças que também ocorrem em outros setores do Estado, com a adoção do concurso público na
admissão de pessoal e a criação do DASP. O modelo atinge sua maturidade com a criação, em 1945, do
Instituto Rio Branco.
10

que se encontrem no grau mais elevado da carreira – o Ministro de Primeira


Classe – e, excepcionalmente, por Ministros de Segunda Classe, nomeados,
em qualquer caso, pelo Presidente da República, após aprovação, pelo
Senado Federal, da indicação feita por aquela mesma autoridade (arts. 39, 41
e 46 da Lei nº 11.440, de 2006, e art. 52, IV, da Constituição Federal). Dispõe
o art. 41 da Lei nº 11.440, de 2006:

Art. 41. Os Chefes de Missão Diplomática Permanente serão


escolhidos dentre os Ministros de Primeira Classe ou, nos termos do
art. 46 desta Lei, dentre os Ministros de Segunda Classe.
Parágrafo único. Excepcionalmente, poderá ser designado
para exercer a função de Chefe de Missão Diplomática
Permanente brasileiro nato, não pertencente aos quadros do
Ministério das Relações Exteriores, maior de 35 (trinta e cinco)
anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados
ao País.

Como visto, a Lei abre uma exceção, permitindo o provimento


do cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente por pessoas externas
à carreira diplomática, desde que preenchidos os seguintes requisitos: (i)
condição de brasileiro nato; (ii) idade de 35 anos ou superior; (iii) com
reconhecido mérito; (iv) com relevantes serviços prestados ao País. A
condição de brasileiro nato é, inclusive, uma imposição feita pela própria
Carta Magna a todos os integrantes da carreira diplomática (art. 12, § 3º, V).

Há, de fato, casos de nomeações, como Embaixador, de pessoas


estranhas aos quadros da carreira diplomática. A título de exemplos, e sem
pretensão de esgotar a lista, poderíamos citar as nomeações:

a) do banqueiro (e posteriormente Ministro da Fazenda) Walther Moreira


Salles como Embaixador do Brasil em Washington, nos governos
Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek;

b) do ex-Deputado Federal e ex-Governador do Rio de Janeiro Amaral


Peixoto como Embaixador do Brasil em Washington, no governo
Juscelino Kubitschek18;

c) do empresário e ex-Senador Assis Chateaubriand como Embaixador


do Brasil em Londres, no governo Juscelino Kubitschek;

18
Ernani do Amaral Peixoto era genro do ex-Presidente Getúlio Vargas. Sua nomeação como Embaixador,
no entanto, se deu, como mencionado, no Governo Juscelino Kubitschek, após o suicídio de Vargas.
11

d) do ex-Ministro das Relações Exteriores Negrão de Lima como


Embaixador do Brasil em Lisboa, no governo Juscelino Kubitschek
(tendo sido confirmado no posto durante os governos Jânio Quadros e
João Goulart);

e) do ex-Deputado Federal Lutero Vargas como Embaixador do Brasil


em Tegucigalpa, no governo João Goulart;19

f) do ex-Deputado Federal, ex-Senador e ex-Governador Juraci


Magalhães como Embaixador do Brasil em Washington, no governo
Castelo Branco;

g) do jurista e ex-Deputado Federal (posteriormente Ministro do STF)


Bilac Pinto como Embaixador do Brasil em Paris, no Governo Castelo
Branco (tendo permanecido no posto durante o governo Costa e
Silva);

h) do general Lira Tavares como Embaixador do Brasil em Paris, no


governo Médici;

i) do ex-Ministro da Fazenda Delfim Neto como Embaixador do Brasil


em Paris, no governo Geisel;

j) do ex-Governador do Distrito Federal José Aparecido de Oliveira


como Embaixador do Brasil em Lisboa, no governo Itamar Franco;

k) do ex-Presidente da República Itamar Franco como Embaixador do


Brasil na Organização dos Estados Americanos, no governo Fernando
Henrique Cardoso, e em Roma, no governo Lula;

l) do ex-Presidente da Câmara dos Deputados Paes de Andrade como


Embaixador do Brasil em Lisboa, no governo Lula;

m) do ex-Deputado Federal Tilden Santiago como Embaixador do Brasil


em Havana, no governo Lula.

Os mesmos requisitos da Lei nº 11.440, de 2006, e o caráter


excepcional da indicação de pessoas externas ao Itamaraty para exercer o
cargo de embaixador já constavam da legislação anterior. O art. 44 da Lei nº
7.501, de 27 de junho de 1986, era substancialmente idêntico ao art. 41 da
19
Lutero Vargas era filho do ex-Presidente Getúlio Vargas. Assim como a de Amaral Peixoto, sua
nomeação se deu quando seu pai já havia falecido.
12

Lei nº 11.440, de 2006. Mais remotamente, a matéria era regulada pelo art.
23, § 1º, da Lei nº 3.917, de 14 de julho de 1961, que também considerava
excepcional a nomeação, como Embaixador, de pessoa estranha à carreira
diplomática, além de exigir que fosse brasileiro, maior de 35 anos, com
reconhecido mérito e relevantes serviços prestados ao Brasil.

Os requisitos de reconhecido mérito e relevantes serviços


prestados ao Brasil comportam algum grau de subjetividade em sua aferição,
que, de qualquer sorte, não pode ser feita com desconsideração ao termo
exordial (“excepcionalmente”) do parágrafo único do art. 41 da Lei. A
nomeação de pessoas externas à carreira diplomática é feita em caráter
excepcional. O juízo a respeito do mérito do indicado e de seus serviços
prestados ao País, que devem ser relevantes, tem de levar em conta a
excepcionalidade desse tipo de nomeação.

Note-se que, no ponto, a Lei nº 11.440, de 2006, foi mesmo além


do grau mínimo de exigência imposto pela Constituição para provimento de
cargos em comissão. Diz o art. 37, V, do Texto Magno que os cargos
comissionados serão preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei. A Constituição determina
que a lei assegure um percentual mínimo de preenchimento desses cargos
por servidores de carreira, mas nada impede que o legislador vá além desse
mínimo constitucional e torne residual a ocupação de determinados cargos
comissionados por não integrantes de carreiras do funcionalismo. Foi o que
fez o art. 41 da Lei nº 11.440, de 2006.

A despeito do maior espaço para avaliação subjetiva, os


requisitos de reconhecido mérito e serviços relevantes prestados ao País não
se traduzem, obviamente, em expressões vazias, às quais se possa atribuir
qualquer conteúdo. Quanto ao reconhecido mérito, podemos dizer que o
reconhecimento não é algo que incumba tão somente à autoridade
(Presidente da República) e ao órgão (Senado Federal) que participam do
processo de escolha, embora lhes caiba identificar o atendimento do
requisito. De outro modo, o “reconhecido mérito” seria inócuo como
exigência, pelo caráter tautológico que assumiria (é detentor de mérito
aquele que o Presidente da República e o Senado Federal dizem ser, e o é
simplesmente porque o dizem ser). Um consenso intersubjetivo mínimo e
exterior aos participantes do processo de escolha deve haver para caracterizar
13

a existência do mérito, em especial da parte de atores e instituições sociais


mais proximamente vinculados ao âmbito material do mérito avaliado20.

Ainda quanto ao requisito do mérito, em se assumindo a


concepção tradicional a respeito do assunto e sem ingressar em discussões
filosóficas sobre os elementos arbitrários que envolvem a definição de mérito
moral21, não há como negar o vínculo entre a ideia de mérito e a de
capacidades ou talentos que se traduzem, por esforço e diligência, em feitos
e obras dignos de estima e consideração. Mesmo em uma concepção
tradicional que não o contesta ou relativiza, o mérito se circunscreve a dotes
e aptidões da pessoa, bem como às suas condutas. Origem, condições de
nascimento, riqueza herdada, nada disso seria referível ao mérito. Aliás, o
princípio meritocrático se afirma em contraposição aos privilégios
hereditários, de casta, ou outros que não digam respeito às virtudes e talentos
da pessoa ou ao uso que delas faz.

O requisito dos relevantes serviços prestados ao País não deixa


de estar associado ao anterior, já que tais serviços constituiriam realizações
indicativas do mérito da pessoa. A locução, no entanto, é mais restritiva, já
que os feitos do indivíduo devem ter resultado em benefício ao Brasil.

Se a lei estabelece requisitos para que não integrantes da carreira


diplomática sejam nomeados embaixadores, ela vincula, na exata medida de
suas imposições, tanto o Presidente da República, na escolha que faz, quanto
o Senado Federal, ao apreciar a indicação. Assim, se o indicado na hipótese
do art. 41 da Lei possui menos de 35 anos de idade, sua nomeação estará
eivada de ilegalidade e poderá vir a ser anulada pelo Poder Judiciário. Como
ela constitui o que se chama “ato administrativo complexo”22, que envolve a
conjugação de vontade de dois órgãos ou autoridades, também a decisão do
Senado Federal no caso estará viciada, por dar aquiescência a indicação que
não poderia ser feita.

A decisão do Senado Federal nas indicações de autoridades não


é, portanto, de todo discricionária. Havendo requisitos constitucionais e
legais a serem preenchidos pelo indicado, é dever do Senado Federal
verificar se foram atendidos. Em não o sendo, a indicação deve ser rejeitada.

20
Se, por exemplo, o Senado Federal fosse chamado a aprovar uma indicação para determinado cargo com
base no exame do mérito científico do indicado, avaliação que ignorasse solenemente as posições da
comunidade científica a respeito do trabalho do avaliado tornaria vazio de sentido o critério.
21
Para uma discussão do assunto, cf.: RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Saraiva, 2000, p.
344-5. DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 460-3.
22
Cf.: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014,
p. 132.
14

Se não é inteiramente livre para aprovar a indicação23, o Senado


o é para rejeitá-la, já que pode recusar o nome ainda que ele atenda a todas
as exigências para exercer o cargo. O aspecto político da participação do
Senado Federal no processo reside nisso, não na viabilidade de aquiescer a
uma indicação feita sem observância dos requisitos constitucionais e legais.

2) Sobre a configuração de nepotismo vedado constitucionalmente

O nepotismo pode ser definido genericamente como o


favorecimento indevido de parentes por parte do agente público. A
Controladoria-Geral da União o conceitua como a prática pela qual um agente
público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um
ou mais parentes, sejam por vínculo da consanguinidade ou da afinidade, em
violação às garantias constitucionais de impessoalidade administrativa24.

O nepotismo e o filhotismo, como manifestações do


patrimonialismo, são fenômenos observáveis desde os primeiros tempos da
colonização do Brasil e que se estendem aos dias atuais25. O nepotismo –
observa Paulo Modesto – sempre se traduziu numa forma de
autopreservação e autoproteção das elites. Prossegue o jurista26:

Ao longo da nossa história o nepotismo favoreceu o


estabelecimento de uma política de favores e lealdades recíprocas de
caráter pessoal destinada à formação de maiorias políticas ocasionais
sem a participação ou à revelia das agremiações políticas e permitiu
a formação de clãs familiares em determinadas regiões do Brasil.
Neste contexto, o nepotismo não é apenas uma conduta moralmente
reprovável na gestão da coisa pública; é obstáculo à maturidade
democrática do país. Não é apenas uma utilização desviada do poder,
mas verdadeira usurpação dele, ou sua perversão, pois o governante
converte em propriedade sua poder que lhe foi cedido
transitoriamente, como função, para o fiel e objetivo atendimento a
finalidades sociais obrigatórias.

23
E a vinculação, nesse caso, deve ser entendida simplesmente a partir da possibilidade de ser anulada a
nomeação, no caso de não serem atendidos os requisitos, assim como qualquer ato administrativo pode ser
anulado pelo Poder Judiciário, no caso de ilegalidade, ou como as leis aprovadas pelo Poder Legislativo
podem ser declaradas inválidas, se contrariarem a Constituição.
24
Disponível em.: http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/setor-publico/nepotismo/perguntas-
e-respostas#nepo1. Acessado em 12 de agosto de 2019.
25
Sobre o assunto, confiram-se os clássicos Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal, Raízes do
Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Os donos do poder, de Raimundo Faoro.
26
Nepotismo em cargos político-administrativos. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE),
Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 32, out/dez 2012, p. 7, 15. Disponível em
http://www.direitodoestado.com.br/artigo/paulo-modesto/nepotismo-em-cargos-politico-administrativos.
Acessado em 12 de agosto de 2019.
15

Nesse contexto, aponta Modesto, a proteção de privilégios de


origem familiar na intimidade do Estado é a antítese do regime republicano.

Em 2008, após decisões nas quais considerou a prática do


nepotismo incompatível com a ordem constitucional vigente, o STF editou a
Súmula Vinculante nº 13, que estabelece:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha


reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o
exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função
gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações
recíprocas, viola a Constituição Federal.

Consoante o Excelso Pretório, a vedação ao nepotismo decorre


diretamente dos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência,
inscritos no caput do art. 37 da Carta Magna27.

No âmbito do Poder Executivo e posteriormente à Súmula, foi


editado o Decreto nº 7.203, de 4 de junho de 2010, o qual, em seu art. 3º, §
2º, dispõe aplicar-se o interdito à nomeação de parentes também aos
familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República, abrangendo,
nessa hipótese, todo o Poder Executivo Federal.

Na perspectiva do caso vertente, temos que:

a) o Presidente da República é, a teor do art. 84, XXV, da Constituição,


c/c o art. 39 da Lei nº 11.440, de 2006, a autoridade nomeante do
Chefe de Missão Diplomática Permanente;

b) o mencionado cargo possui todas as características que permitem


classificá-lo como comissionado: (i) é de livre nomeação, ainda que a
lei estabeleça, em favor dos integrantes da carreira diplomática, uma

27
A análise a seguir empreendida passa ao largo da discussão que pode ser feita quanto ao adequado uso,
pelo STF, da competência que lhe foi atribuída pelo art. 103-A da Constituição, ao editar a Súmula
Vinculante nº 13. Em outras palavras, utiliza como parâmetro para avaliar a higidez da indicação do
Deputado Federal Eduardo Bolsonaro para o cargo de Embaixador do Brasil em Washington a interpretação
dada ao caput do art. 37 da Constituição pelo STF e plasmada na referida Súmula, bem como em julgados
posteriores. Sobre o assunto, cf.: RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial – parâmetros dogmáticos. São
Paulo: Saraiva, 2010, Cap. II, n. 26.
16

reserva quase absoluta para seu provimento28; (ii) possui atribuições


de chefia e direção, tal como exigido pelo art. 37, V, da Carta Magna;
(iii) a própria Lei nº 11.440, de 2006, fala em “comissionamento”, ao
tratar da investidura no cargo de Chefe de Missão Diplomática (art.
46, caput e § 1º), aludindo ainda à retribuição básica do cargo
comissionado e respectiva indenização de representação (art. 46, § 7º);

c) a proibição do nepotismo, nos termos da Súmula, se estende a parentes


até o terceiro grau, o que, obviamente, inclui filhos da autoridade
nomeante, cujo vínculo de parentesco é o mais próximo possível.

A presença dos elementos destacados supra seria suficiente para


ensejar conclusão no sentido de que a nomeação do Deputado Eduardo
Bolsonaro como Embaixador em Washington constituiria caso de
nepotismo, vedado nos termos da Súmula Vinculante nº 13. No entanto, a
aplicação desse enunciado não tem ocorrido de forma literal. O próprio STF
tem entendimento de que a Súmula, em princípio, não alcança os casos de
nomeação para cargos políticos, o que chegou, inclusive, a ser destacado em
um dos precedentes do verbete (Recurso Extraordinário nº 579.951, julgado
em 20 de agosto de 2008). Por isso, é necessário analisar se a nomeação para
o cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente seria uma das exceções
à aplicação do disposto na Súmula Vinculante.

A compreensão do que sejam cargos políticos, para fins de não


aplicação da Súmula Vinculante nº 13, passa necessariamente pelo exame
das manifestações do STF a respeito do assunto. No RE nº 579.951, no qual
a Corte considerou válida a nomeação, para o cargo de Secretário Municipal,
do irmão de um vereador do mesmo Município, observou o Ministro Ayres
Britto:

Senhor Presidente, quando introduzi essa discussão, a partir do


voto do Ministro Marco Aurélio, sobre a distinção entre cargo em
comissão e função de confiança, de um lado, e, do outro, cargo de
Secretário Municipal, Secretário de Estado, Ministro de Estado,
portanto, cargos de natureza política, claro que eu não quis dizer
que esses princípios do artigo 37 - legalidade e moralidade - não
se aplicam aos dirigentes superiores de toda a Administração
Pública. Agora, os cargos aqui referidos no inciso V do artigo 37
são singelamente administrativos; são cargos criados por lei, não
são nominados pela Constituição. Os cargos de Secretário de
Estado, Secretário Municipal têm por êmulo ou paradigma
federal os cargos de Ministro de Estado cuja natureza é política,

28
O que, de resto, não suprime, dentro daquele universo de servidores públicos, a liberdade de escolha do
Presidente da República.
17

e não singelamente administrativa. Diz a Constituição Federal


sobre o Poder Executivo: o Poder Executivo é exercido pelo
Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado (art.
76). Ou seja, os Ministros de Estado são ocupantes de cargos de
existência necessária, política, porque componentes do governo.
Aonde eu quero chegar? O Chefe do Poder Executivo é livre para
escolher seus quadros de governo, mas não o é para escolher seus
quadros administrativos, porque dentre os quadros
administrativos estão os cargos em comissão, os cargos de
provimento efetivo e as funções de confiança. A própria
Constituição, sentando praça desse caráter constitucional,
eminentemente político, dos Ministros de Estado - e isso vale no
plano dos Estados-membros e no plano dos municípios -, além de
dizer os requisitos deles - 'os Ministros de Estado serão escolhidos
dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos
direitos políticos' -, diz o que basicamente lhes compete. Então, o
assento, o locus jurídico dos auxiliares de governo é diretamente
constitucional. A Constituição Federal a atestar o caráter político do
cargo e do agente.
Por isso, o que decidimos no plano da ADC nº 12, e agora
servindo de fundamento para a nova decisão, a proibição do
nepotismo arranca, decola, deriva diretamente dos princípios do
artigo 37, que são princípios extensíveis a toda a Administração
Pública de qualquer dos Poderes, de qualquer das pessoas
federadas. Tudo isso na vertente, na perspectiva de cargos em
comissão e funções de confiança, que têm caráter apenas
administrativo, e não caráter político.

Como visto, foram considerados cargos políticos, naquele


julgamento, os de Ministro de Estado e de Secretário Estadual e Municipal,
ou seja, os auxiliares diretos do Chefe do Poder Executivo. Essa
interpretação foi reafirmada em arestos posteriores, como no Agravo
Regimental na Medida Cautelar na Reclamação nº 6.650 (julgado em 16 de
outubro de 2008), quando se discutiu a nomeação de irmão de Governador
de Estado para o cargo de Secretário Estadual, cumulativamente com o de
dirigente de autarquia. Na ocasião, o Tribunal negou o pedido cautelar de
afastamento do irmão do Governador. Especificamente quanto à nomeação
para o cargo de Secretário, entendeu-se que ela não era vedada pela Súmula.
Já quanto ao exercício do cargo de dirigente da autarquia (do qual o irmão
do Governador já se encontrava afastado), o STF entendeu que a questão
deveria ser examinada quando do julgamento do mérito da Reclamação (o
que não veio a ocorrer, por perda posterior de objeto). Sustentou, então, o
Ministro Ayres Britto:

Também entendo, nos termos do voto da Ministra-Relatora,


que só quando julgarmos o mérito da reclamação é que apreciaremos
a natureza dessa nomeação para superintendente de autarquia.
18

Apenas quero adiantar que também me reservo para essa


oportunidade do julgamento do mérito da reclamação com o
aprofundamento dessa discussão, mas não posso deixar de adiantar
o seguinte: de fato, a autarquia não se confunde com secretaria de
Estado. Autarquia não faz parte da estrutura de governo, da formação
do governo; faz parte da administração pública. O cargo de
superintendente de autarquia é simplesmente administrativo, não é
cargo de governo, porque não é de existência necessária, só é cargo
de governo todo aquele nominado pela Constituição e, como tal, de
existência necessária. Daí por que o próprio artigo 76 da Lei Magna
é claríssimo ao dizer que:
Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente
da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.
Fora do cargo de Presidente da República e do Ministro de
Estado, não se tem cargo de Governo.

Nesse voto, portanto, o Ministro deixou clara sua posição


restritiva quanto ao que deveria ser considerado cargo político. No âmbito
do Poder Executivo, apenas o Chefe do Poder Executivo e os Ministros de
Estado ou Secretários Estaduais ou Municipais.

No mesmo julgamento, o Ministro Ricardo Lewandowski


assinalou:

Eu me permitiria fazer uma pequena observação. Por ocasião


do julgamento do leading case que levou à edição da Súmula 13
estabeleceu-se que o fato de a nomeação ser para um cargo político
nem sempre, pelo menos a meu ver, descaracteriza o nepotismo. É
preciso examinar caso a caso para verificar se houve fraude à lei ou
nepotismo cruzado, que poderia ensejar a anulação do ato.

De fato, no RE nº 579.951, o próprio Ministro Lewandowski,


relator do recurso, havia afastado a hipótese de nepotismo na nomeação do
irmão de Vereador como Secretário Municipal por, conforme suas próprias
palavras, não ter ficado evidenciada a prática do nepotismo cruzado.

Mais recentemente, essa orientação foi reiterada no julgamento


da Reclamação nº 7.590 (julgada em 30 de setembro de 2014), cujo aresto
foi assim ementado:

Reclamação – Constitucional e administrativo – Nepotismo


– Súmula vinculante nº 13 – Distinção entre cargos políticos e
administrativos – Procedência.
19

1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem


de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também
por seus titulares serem detentores de um munus governamental
decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes
enquadrados na classificação de agentes administrativos.
2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a
configuração do nepotismo deve ser analisada caso a caso, a fim de
se verificar eventual “troca de favores” ou fraude a lei. [...]

No voto condutor do acórdão, o Ministro Dias Toffoli trouxe à


colação lições de Hely Lopes Meirelles, a respeito dos agentes
administrativos, e de Celso Antônio Bandeira de Mello, a respeito dos
agentes políticos. Para Meirelles, os agentes administrativos não seriam
membros de Poder nem o representariam, tampouco exerceriam atribuições
políticas ou governamentais, a despeito de receberem parcela da autoridade
pública e poderem desempenhar atribuições de chefia e planejamento, entre
outras. Já para Bandeira de Mello, os agentes políticos seriam os formadores
da vontade superior do Estado, ocupantes de cargos que integrariam o
esquema fundamental do Poder. Nessa classificação se incluiriam tão-
somente os Chefes do Poder Executivo, seus Vices, os Ministros de Estado
e Secretários Estaduais e Municipais, os Senadores, os Deputados Federais,
Estaduais e os Vereadores. Aqui, uma vez mais, a categoria dos cargos
políticos foi entendida como não incluindo, no Poder Executivo, autoridades
de hierarquia inferior à de Ministro ou Secretário. E voltou-se a afirmar a
possibilidade de verificação de nepotismo mesmo na nomeação para cargos
políticos, nas hipóteses de troca de favores ou de fraude à lei.

O que poderia constituir fraude à lei foi explicitado em outros


julgados do STF. No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº
825.682 (julgado em 10 de fevereiro de 2015), o Ministro Relator Teori
Zavascki, a despeito de recusar a ocorrência de nepotismo
constitucionalmente vedado na nomeação, como Secretários Municipais, da
esposa e do genro do Prefeito, advertiu que o afastamento da Súmula
Vinculante quando se tratar de cargos políticos não tem lugar se a nomeação
do parente para o cargo político tem o manifesto desiderato de fraudar a lei,
como, v.g., em casos em que a nomeação decorre de comprovada troca de
favores ou de evidente inaptidão do nomeado para o seu exercício.

Em decisão monocrática na Reclamação nº 18.644 (exarada em


22 de outubro de 2014), o Ministro Roberto Barroso assentou, na mesma
linha, que o Supremo Tribunal Federal tem afirmado a inaplicabilidade do
referido verbete ao provimento de cargos políticos, ressalvados os casos de
20

inequívoca falta de razoabilidade, por ausência de manifesta qualificação


técnica ou inidoneidade moral.

Em decisão monocrática anterior, na Reclamação nº 12.478


(exarada em 3 de novembro de 2011), o Ministro Joaquim Barbosa havia
concedido liminar para determinar o afastamento de irmão de Prefeito do
cargo de Secretário Municipal de Educação. Ao discorrer sobre a Súmula
Vinculante nº 13 e sobre a sua aplicação aos cargos políticos, o Ministro
salientara:

Bem vistas as coisas, o fato é que a redação do verbete não


prevê a exceção mencionada [nomeação para cargos políticos] e esta,
se vier a ser reconhecida, dependerá da avaliação colegiada da
situação concreta descrita nos autos, não cabendo ao relator
antecipar-se em conclusão contrária ao previsto na redação da
súmula, ainda mais quando baseada em julgamento proferido em
medida liminar.
Registro, ainda, que a apreciação indiciária dos fatos
relatados, própria do juízo cautelar, leva a conclusão
desfavorável ao reclamado. É que não há, em passagem alguma
das informações prestadas pelo município, qualquer justificativa
de natureza profissional, curricular ou técnica para a nomeação
do parente ao cargo de secretário municipal de educação. Tudo
indica, portanto, que a nomeação impugnada não recaiu sobre
reconhecido profissional da área da educação que, por acaso, era
parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente
do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para
integrar o secretariado municipal.

Cabe registrar que os últimos julgados do STF envolvendo o


nepotismo têm dado relevo a aspectos substanciais dos casos e menor
importância à forma como foi redigida a Súmula ou à construção
jurisprudencial que, nos primeiros tempos de vigência do verbete,
aparentemente excepcionava de maneira ampla os cargos políticos29. Por isso
mesmo, o Tribunal vem sinalizando que, de um lado, a Súmula Vinculante
nº 13 não pretendeu esgotar as possibilidades de configuração de nepotismo
e, de outro, situações que, na exegese literal da Súmula, estariam abrangidas
pela proibição, podem, no caso concreto, não configurar nepotismo. A esse
respeito, leia-se a ementa do Agravo Regimental no RE nº 896.762 (julgado
em 4 de junho de 2018)30:

29
A rigor, como assinalado, desde as primeiras decisões que excepcionaram os cargos políticos, colhiam-
se, nos votos de alguns Ministros, manifestações no sentido de temperar esse posicionamento.
30
No mesmo sentido: Agravo Regimental na Reclamação nº 19.529 (julgada em 15 de março de 2016) e
Reclamação nº 18.564 (julgada em 23 de fevereiro de 2016).
21

Agravo regimental no recurso extraordinário. Súmula


Vinculante nº 13. Ausência de configuração objetiva de
nepotismo. Inexistência de influência ou subordinação
hierárquica. Fatos e provas. reexame. Impossibilidade.
Precedentes. 1. Ao editar a Súmula Vinculante nº 13, embora não
se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração
de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios
objetivos de conformação, a saber: i) ajuste mediante designações
recíprocas quando inexistente a relação de parentesco entre a
autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em
comissão ou da função comissionada; ii) relação de parentesco entre
a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; iii) relação de parentesco
entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou
assessoramento a quem estiver subordinada e iv) relação de
parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce
ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.
2. A incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante
nº 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da
existência de relação de parentesco entre a pessoa designada e o
agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão
ou de função comissionada, mas da presunção de que a escolha para
ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido
direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que
tenha potencial de interferir no processo de seleção.

No caso examinado, tinha-se a nomeação, para cargo em


comissão, de irmã de servidora efetiva e também exercente de cargo em
comissão, ambas atuando no Poder Judiciário Estadual, mas em comarcas
diversas. Pelo teor literal da Súmula, seria possível impugnar a nomeação.
Entretanto, no caso concreto, não se vislumbrava qualquer influência de uma
na nomeação da outra. Se, por um lado, a Corte deixou de aplicar a Súmula
em sua literalidade, por outro consignou que o nepotismo pode se configurar
mesmo em situações que não encaixem perfeitamente nos termos do verbete.
Aliás, nos próprios debates sobre a proposta que veio a dar origem à Súmula
Vinculante nº 13, isso foi reconhecido. Como observou o Ministro
Lewandowski à época, a redação nunca encontrará todas as hipóteses da
realidade fática.

Feita essa explanação, retornamos ao caso concreto: a eventual


nomeação do Deputado Federal Eduardo Bolsonaro como Embaixador
encontraria amparo na exceção admitida para os cargos políticos? Nossa
resposta é negativa, pelas razões a seguir apresentadas.

Quando se fala em cargo político, o que se tem em mente é


aquele ocupado pelo assim chamado agente político. A visão da doutrina a
respeito do que sejam os agentes políticos não é uniforme. E a principal
22

divergência existente nas classificações doutrinárias se refere ao


enquadramento dos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e
dos Tribunais de Contas como agentes políticos.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello31:

Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais a


organização política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o
arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do
Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do
Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os
Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos
dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas
Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os
Vereadores.
O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de
natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus
público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das
correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão
técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto,
candidatos possíveis a condução dos destinos da Sociedade.

Esse também é o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di


Pietro, que recusa a qualificação de agente político a membros da magistratura
e do Parquet, e a quaisquer agentes não eletivos além dos auxiliares diretos do
Chefe do Executivo (Ministros e Secretários). Assinala ainda32:

Não basta o exercício de atribuições constitucionais para que


se considere agente político aquele que as exerce, a menos que se
inclua nessa categoria todos os servidores integrados em instituições
com competência constitucional, como a Advocacia-Geral da União,
as Procuradorias dos Estados, a Defensoria Pública, os militares e as
Forças Armadas. Quando muito, poderiam ser considerados agentes
políticos os chefes dessas instituições que, por estarem ligados
diretamente ao Chefe do Executivo, podem influir em suas decisões,
no desempeno das atribuições de assessoria, de consultoria e de
controle.

Não é, portanto, a circunstância de o cargo haver sido


mencionado no próprio Texto Constitucional que lhe confere feições de
cargo político. É importante dizer isso, porque o cargo de Chefe de Missão
Diplomática Permanente é expressamente citado na Constituição (arts. 52,
IV, e 102, I, c), como também o são diversos outros que a ninguém ocorreu
31
Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 251-2.
32
Tratado de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, vol. 2, p. 334.
23

qualificar como políticos: delegados de polícia (art. 144, § 4º), diretores do


Banco Central (art. 52, III, d), os advogados públicos (arts. 131, § 2º, e 132)
e os defensores públicos (arts. 134, § 1º).

A exemplo de Bandeira de Mello, também adotam uma


definição restritiva do que sejam agentes políticos, para englobar apenas os
titulares de cargos eletivos dos Poderes Legislativo e Executivo, além dos
auxiliares diretos do Chefe deste último Poder: Diógenes Gasparini33, Odete
Medauar34, Adilson Abreu Dallari35, Edimur Ferreira de Faria36, José dos
Santos Carvalho Filho37. Segundo esse último autor, os agentes políticos:

[D]esenham os destinos fundamentais do Estado e que criam


as estratégias políticas por eles consideradas necessárias e
convenientes para que o Estado atinja os seus fins.
Caracterizam-se por terem funções de direção e orientação
estabelecidas na Constituição e por ser normalmente transitório o
exercício de tais funções. Como regra, sua investidura se dá através
de eleição, que lhes confere o direito a um mandato, e os mandatos
eletivos caracterizam-se pela transitoriedade do exercício das
funções, como deflui dos postulados básicos das teorias democrática
e republicana. Por outro lado, não se sujeitam às regras comuns
aplicáveis aos servidores públicos em geral; a eles são aplicáveis
normalmente as regras constantes da Constituição, sobretudo as
que dizem respeito às prerrogativas e à responsabilidade
política. São eles os Chefes do Executivo (Presidente, Governadores
e Prefeitos), seus auxiliares (Ministros e Secretários Estaduais e
Municipais) e os membros do Poder Legislativo (Senadores,
Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores).

Diferentemente do que ocorre com os Ministros de Estado,


cujas competências, requisitos de investidura no cargo, regime
remuneratório, normas de responsabilidade estão detalhadamente previstos
na Constituição (arts. 39, § 4º, 50, 51, I, 52, I, 58, § 2º, III, 76, 84, II e
parágrafo único, 87, 102, I, c, 105, I, b e c), os Chefes de Missão Diplomática
Permanente são mencionados pelo Texto Magno apenas para sujeitar o seu
processo de escolha ao beneplácito do Senado Federal e atribuir ao STF a
competência para julgar processos criminais contra eles. Afora isso, eles se
sujeitam às regras legais estabelecidas para os integrantes do Serviço
Exterior Brasileiro e para os servidores públicos federais em geral. Não lhes
incumbe determinar, com independência, a vontade superior do Estado, até

33
Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 208.
34
Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 280.
35
Regime constitucional dos servidores públicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 14.
36
Curso de Direito Administrativo Positivo. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 114-5.
37
Op. cit., p. 594-5.
24

mesmo porque sequer integram órgãos de cúpula dos Poderes. Isso é


facilmente identificável na leitura das normas de organização administrativa,
como veremos a seguir.

A direção superior da Administração Federal é exercida pelo


Presidente da República, com o auxílio dos Ministros de Estado (art. 84, II,
da Constituição). A estes últimos compete, entre outras atribuições, exercer
a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da
administração federal na área de sua competência e referendar os atos e
decretos assinados pelo Presidente da República (art. 87, parágrafo único, I,
da Constituição). Assim, submetem-se ao Ministro das Relações Exteriores
todos os órgãos integrantes da estrutura de sua pasta.

Nos termos do Anexo I do Decreto nº 9.683, de 9 de janeiro de


2019, a Secretaria-Geral das Relações Exteriores é o órgão central de direção
do Ministério, diretamente vinculado ao Ministro de Estado, com
competência para assessorar o Ministro de Estado na direção e na execução
da política externa do Brasil, na supervisão dos serviços diplomático e
consular e na gestão dos demais negócios afetos ao Ministério, bem como
para orientar, coordenar e supervisionar os órgãos do Ministério no
exterior (arts. 2º, II, e 8º, I e II). As missões diplomáticas permanentes
classificam-se como órgãos no exterior (art. 2º, V, a). Ademais, na estrutura
da Secretaria-Geral de Relações Exteriores, há órgãos de assessoramento,
cujas competências são definidas em razão de áreas geográficas, entre as
quais o Departamento de Estados Unidos da América, ao qual compete
propor diretrizes para a política externa do Brasil com os Estados Unidos da
América, coordenar e acompanhar as relações bilaterais e as iniciativas de
cooperação com aquele país (art. 11). As competências das embaixadas
restringem-se a assegurar a manutenção das relações do Brasil com os
governos dos Estados junto aos quais estão acreditadas, cabendo-lhes, dentre
outras, as funções de representação, de negociação, de informação e de
proteção dos interesses brasileiros (art. 51). Não é demais lembrar que a
manutenção de relações com Estados estrangeiros é competência atribuída
pela Constituição ao próprio Presidente da República (art. 84, VII).

Ora, de todas as normas acima referidas, podemos concluir que


os embaixadores, sobre não titularizarem órgãos de cúpula do Estado, sequer
se subordinam diretamente ao próprio Ministro de Estado das Relações
Exteriores, já que as tarefas de orientar, coordenar e supervisionar os órgãos
do Ministério no exterior cabem à Secretaria de Relações Exteriores. Mais
que isso, as diretrizes para a política externa do Brasil com os Estados Unidos
da América são propostas por um órgão de assessoria daquela mesma
Secretaria, não pelo Embaixador em Washington. Esse mesmo órgão de
25

assessoria coordena e acompanha as relações bilaterais com os Estados


Unidos. Por mais importante que seja a missão do Embaixador brasileiro,
não há espaço para se cogitar de uma atuação sua independente na condução
das relações com aquele País, muito menos na formulação de diretrizes
políticas ou da vontade estatal superior em seu âmbito de competência. A
partir desses elementos, se nos afigura inconcebível qualificar o cargo de
Embaixador como político38. Conforme acentua Marçal Justen Filho39:

Como regra, os agentes políticos não se encontram em situação


de subordinação hierárquica em face de qualquer outro agente estatal
(ressalvada a hipótese dos auxiliares do Chefe do Executivo, que
devem respeitar as orientações dele), uma vez que são considerados
representantes do povo. Muito mais do que isso, o regime jurídico
inerente ao órgão político caracteriza-se pela impositividade das
decisões. Os agentes políticos formulam as decisões que norteiam
a atividade do aparato administrativo estatal.

Hely Lopes Meirelles propunha um conceito mais amplo de


agente político, para incluir na categoria os membros da magistratura, do
Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Eis a sua definição40:

Agentes políticos: são os componentes do Governo nos seus


primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou
comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o
exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com
plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com
prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na
Constituição e em leis especiais. Têm normas específicas para sua

38
Até mesmo do ponto de vista etimológico, o termo embaixador está longe de se vincular à ideia de um
agente autônomo ou independente. A palavra em português vai buscar origem no francês ambassadeur,
que, por sua vez, provém do italiano ambasciatore, o qual radica no latim tardio ambactus, que está
associado à noção de servidor ou escravo. Sobre o assunto, bem como interpretações alternativas do sentido
originário da palavra, cf.: POUMARÈDE, Géraud. Ambassade et Ambassadeur dans les dictionnaires
français et italiens (XVIe-XIXe siècle). In: Mélanges de l'école française de Rome, tomo 119, n. 1, 2007, p.
7-16.
39
Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, item 14.8.1, ebook. Esse autor
tem uma visão ainda mais restritiva do que a doutrina majoritária, quanto ao universo dos agentes políticos.
Para Justen Filho, no âmbito do Poder Executivo, somente o Chefe do Poder e seu Vice deveriam, a rigor,
ser considerados agentes políticos. A inclusão dos seus auxiliares diretos naquele rol, na visão do autor, é
fruto de influência estrangeira, mais precisamente dos regimes parlamentaristas europeus. Apenas como
concessão à “forte tradição pátria” nessa matéria, o jurista admite, em sua classificação, o enquadramento
de Ministros e Secretários entre os agentes políticos. Filia-se, portanto, em termos práticos, à corrente
capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello. E acrescenta, quanto aos agentes administrativos: É
inquestionável que os agentes não políticos exercem uma função que também apresenta alguma natureza
política, no sentido de que todo sujeito que atua como órgão estatal, sob vínculo de direito público, é um
representante do povo. Mas a natureza das atribuições desses agentes é mais acentuadamente vinculada à
aplicação do direito e à promoção de atividades necessárias à satisfação dos direitos fundamentais. Sua
função essencial não consiste em identificar e traduzir a vontade do povo, nem em formular as decisões
fundamentais inerentes à soberania.
40
Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 79-80.
26

escolha, investidura, conduta, processo por crimes funcionais e de


responsabilidade, que lhe são privativos.
Os agentes políticos exercem funções governamentais,
judiciais e quase judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os
negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos
assuntos de sua competência. São as autoridades públicas
supremas do Governo e da Administração na área de sua
atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos
graus e limites constitucionais e legais de jurisdição. Em
doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional,
equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para
tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais
erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira,
má-fé ou abuso de poder.

As partes destacadas da explanação do autor são relevantes


numa avaliação sobre o eventual caráter político do cargo de Embaixador.
Como visto anteriormente, o Chefe de Missão Diplomática Permanente não
se encontra no primeiro escalão do Poder Executivo. Não atua com plena
independência e liberdade funcional. Ao contrário, age de acordo com as
instruções e diretrizes que recebe dos órgãos superiores do Ministério das
Relações Exteriores. A despeito disso, Meirelles, ao identificar os agentes
políticos, mencionava41:

Nesta categoria encontram-se os Chefes de Executivo


(Presidente da República, Governadores e Prefeitos) e seus
auxiliares imediatos (Ministros e Secretários de Estado e de
Município); os membros das Corporações Legislativas (Senadores,
Deputados e Vereadores); os membros do Poder Judiciário
(Magistrados em geral); os membros do Ministério Público
(Procuradores da República e da Justiça, Promotores e Curadores
Públicos); os membros dos Tribunais de Contas (Ministros e
Conselheiros); os representantes diplomáticos e demais
autoridades que atuem com independência funcional no
desempenho de atribuições governamentais, judiciais ou quase
judiciais, estranhas ao quadro do serviço público.

Arrolava, entre os agentes políticos, não apenas os membros da


magistratura, do Parquet e dos tribunais de contas, mas também os
41
Op. cit., p. 81. Hely Lopes Meirelles faleceu em 1990, a tempo de adaptar sua clássica obra aos ditames
da nova Constituição. Desde então, ela vem sendo atualizada por José Emmanuel Burle Filho, Carla Rosado
Burle e Luís Gustavo Casillo Ghideti. A Constituição de 1988 sofreu, ao longo de trinta anos, inúmeras
alterações na parte que disciplina a administração pública. Comentários relativos às novas normas não
podem, portanto, ser considerados como um reflexo do pensamento do autor original. Entretanto, as partes
que interessam para fins da discussão conceitual aqui realizada, como a definição de órgãos independentes
e autônomos, agentes políticos e a própria inclusão dos representantes diplomáticos no rol desses agentes
já constavam de edições da obra anteriores a 1990.
27

representantes diplomáticos. Não explicava especificamente por que estes


últimos poderiam ser enquadrados na categoria. Se tiver sido em razão da
independência funcional no exercício de suas atribuições, o autor partiu de
premissa falsa. O raciocínio quanto à independência funcional – se se
entender que essa característica basta para definir o agente como político –
pode ser acolhido relativamente a juízes, membros do Ministério Público e
dos Tribunais de Contas, mas não quanto a embaixadores.

Na doutrina, há quem concorde com Meirelles a respeito da


inclusão de juízes, promotores e membros dos tribunais de contas na
categoria dos agentes políticos. É o que faz Lucas Rocha Furtado42:

A ideia básica que justifica a existência dessa categoria


especial de agente público está relacionada ao exercício das
atribuições básicas do Estado e à não sujeição a regras de
hierarquia. Vale dizer, o agente político atua por convicção
própria e não em cumprimento de ordens ou determinações
emanadas de autoridades superiores. Nesse sentido, além dos
titulares de cargos eletivos, são também agentes políticos os
magistrados e os membros do Ministério Público e dos Tribunais de
Contas.

Furtado, porém, não vai ao ponto de considerar agentes políticos


os embaixadores. Nem seria compatível fazê-lo à luz dos próprios elementos
que considera relevantes para tal qualificação: a não-sujeição a regras de
hierarquia e a atuação por convicção própria, não em cumprimento de ordens
superiores.

Ao enfrentar a questão, especificamente quanto aos


magistrados, o STF entendeu que eles são, sim, agentes políticos (RE nº
228.977, julgado em 5 de março de 2002). Noutro aresto, contudo,
envolvendo conselheiro de tribunal de contas, quando se discutia a prática
de nepotismo, a conclusão foi diferente. Segundo a Corte Suprema, o cargo
reveste-se, à primeira vista, de natureza administrativa, uma vez que exerce
a função de auxiliar do Legislativo no controle da Administração Pública
(Agravo Regimental na medida cautelar na Reclamação nº 6.702, julgado em
4 de março de 2009). A decisão é interessante não apenas sob esse aspecto,
mas também porque vislumbrou nepotismo na escolha, feita pela Assembleia
Legislativa, de irmão do Governador de Estado para exercer o cargo vitalício
de Conselheiro do Tribunal de Contas. Oficialmente, o Governador não era
o responsável pela indicação. Além disso, a Súmula Vinculante não cuida da

42
Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 748.
28

nomeação de parentes para cargos vitalícios, apenas para cargos em


comissão ou funções de confiança.

Em favor da tese de que membros da magistratura, do


Ministério Público e dos tribunais de contas seriam agentes políticos pode
ser citada a redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, de 19 de
dezembro de 2003, ao inciso XI do art. 37 da Constituição, que sujeita ao
teto remuneratório a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos,
funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e
fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e
dos demais agentes políticos. Os termos em que é vazado o inciso admitem
exegese no sentido de que os membros do Poder Judiciário seriam agentes
políticos. Ademais, o § 4º, incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 4
de junho de 1998, no art. 39 da Constituição, ao submeter ao mesmo regime
remuneratório de subsídio o membro de Poder, o detentor de mandato
eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais, tem
sido interpretado pelo STF como norma que se reporta aos agentes políticos
(RE nº 650.898, julgado em 1º de fevereiro de 2017). Curiosamente, os
atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles, ao tratarem da remuneração
paga na forma de subsídio, deixam de arrolar como agentes políticos os
representantes diplomáticos. Definem o subsídio como43:

[U]ma modalidade de remuneração, fixada em parcela única,


paga obrigatoriamente aos detentores de mandato eletivo
(Senadores, Deputados Federais e Estaduais, Vereadores, Presidente
e Vice-Presidente, Governador e Vice-Governador e Prefeito e Vice-
Prefeito) e aos demais agentes políticos, assim compreendidos os
Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais, os
membros da Magistratura e do Ministério Público e os Ministros
e Conselheiros dos Tribunais de Contas (CF, arts. 39, § 4º, 49, VII
e VIII, e 73, § 3º, c/c os arts. 75, 95, III, e 128, § 5º, I, “c”).
Dessa forma, para os que a Carta Magna considera agentes
políticos – os membros de Poder, os detentores de mandato
eletivo, os Ministros de Estado, os Secretários Estaduais e
Municipais, os Ministros dos Tribunais de Contas e os membros
do Ministério Público - o subsídio é a única modalidade de
remuneração cabível.

43
MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 618-9.
29

Em verdade, o próprio conceito dado por Meirelles a órgãos


independentes e autônomos colide com a sua proposta de incluir os
representantes diplomáticos no rol de agentes políticos. Em suas palavras44:

Órgãos independentes são os originários da Constituição e


representativos dos Poderes de Estado – Legislativo, Executivo e
Judiciário –, colocados no ápice da pirâmide governamental, sem
qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos
controles constitucionais de um Poder pelo outro. Por isso, são
também chamados órgãos primários do Estado. Esses órgãos detêm
a exercem precipuamente as funções políticas, judiciais e quase
judiciais outorgadas diretamente pela Constituição, para serem
desempenhadas pessoalmente por seus membros (agentes políticos,
distintos de seus servidores, que são agentes administrativos),
segundo normas especiais e regimentais.
Nessa categoria encontram-se as Corporações Legislativas
(Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Senado Federal,
Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores), as Chefias do
Executivo (Presidência da República, Governadorias dos Estados e
do Distrito Federal, Prefeituras Municipais), os Tribunais Judiciários
e os Juízos singulares (Supremo Tribunal Federal, Tribunais
Superiores Federais, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de
Justiça e de Alçada dos Estados-membros, Tribunais do Júri e Varas
das Justiças Comum e Especial). De se incluir, ainda, nesta classe o
Ministério Público federal e estadual, as defensorias públicas e os
Tribunais de Contas da União, dos Estados-membros e Municípios,
os quais são órgãos funcionalmente independentes e seus membros
integram a categoria dos agentes políticos, inconfundíveis com os
servidores das respectivas instituições.
Órgãos autônomos são os localizados na cúpula da
Administração, imediatamente abaixo dos órgãos independentes e
diretamente subordinados a seus chefes. Têm ampla autonomia
administrativa, financeira e técnica, caracterizando-se como órgãos
diretivos, com funções precípuas de planejamento, supervisão,
coordenação e controle das atividades que constituem sua
competência. Participam das decisões governamentais e executam
com autonomia as suas funções específicas, mas segundo diretrizes
dos órgãos independentes, que expressam as opções políticas do
Governo.
São órgãos autônomos os Ministérios, as Secretarias de Estado
e de Município, a Advocacia-Geral da União e todos os demais
órgãos subordinados diretamente aos Chefes de Poderes, aos quais
prestam assistência e auxílio imediato. Seus dirigentes, em regra, não

44
Op. cit., p. 73-4.
30

são funcionários, mas sim agentes políticos nomeados em


comissão45.

Isso apenas reforça a ideia de que a menção a representantes


diplomáticos, feitas em trecho anteriormente citado da obra, foi lançada sem
maior cuidado, e de forma mesmo contraditória com os elementos que o
autor apresentava para caracterizar um agente como político.

Paulo Modesto tem uma visão crítica tanto da classificação de


Meirelles quanto da formulada por Bandeira de Mello e outros autores.
Entende que o conceito de agente político de Meirelles é por demais amplo
e o de Bandeira de Mello restritivo46:

Não é suficiente que se exercite função pública com ausência


de subordinação direta para que se tenha agente político; é necessário
que a atividade possua dimensão política, no sentido radical e
original do termo, é dizer, refira-se diretamente aos destinos da
polis e ao poder soberano do Estado. Funções administrativas
exercidas com independência, sem subordinação hierárquica, mas
que não expressam qualquer poder soberano do Estado e não
possuam existência necessária, não devem arrastar seus titulares para
o conceito de agentes políticos (v.g., os dirigentes de Agências
Reguladoras, os reitores e os integrantes de colegiados consultivos
etc.). Por outro lado, parece também excessiva restrição afastar os
membros da magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais de
Contas do conceito de agentes políticos, pois cada um deles, de
diferentes formas, exercitam função de soberania, com
independência, regime jurídico peculiar e regime de
responsabilidade igualmente diferenciado em relação aos demais
agentes administrativos.

E dá diversos exemplos de normas constitucionais que apontam


para um regime diferenciado dos agentes políticos em termos de
prerrogativas, autonomia, responsabilização, processo de investidura no
cargo e caráter político de suas funções. Diante disso, define agentes
políticos como todos os agentes públicos que exprimam prerrogativas de
soberania, a partir de vínculo profissional ou político, investidos por
eleição, nomeação ou delegação, e sujeitos a restrições, deveres e
responsabilidades especiais enumeradas e disciplinas na Constituição
Federal. Assim, inclui na categoria magistrados, membros do Parquet e dos

45
Nas edições posteriores ao falecimento do autor, houve pequena adaptação dos exemplos citados de
órgãos autônomos. Em versões anteriores, o jurista mencionava os Ministérios, as Secretarias de Estado e
de Município, o Departamento de Administração do Serviço Público - DASP, a Secretaria de Planejamento,
o Serviço Nacional de Informações - SNI, a Consultoria-Geral da República, mas não as embaixadas.
46
Op. cit., p. 12.
31

tribunais de contas. Recusa o elemento da plena independência funcional


como requisito necessário para a qualificação como agente político, sob o
argumento de que isso excluiria do conceito os auxiliares diretos do Chefe
do Poder Executivo. Em nenhum momento, no entanto, menciona os
representantes diplomáticos como exemplos de agentes políticos, até mesmo
em virtude de sua posição hierárquica.

Modesto também faz uma diferenciação entre cargos político-


administrativos e cargos político-representativos, para concluir que, em
relação aos primeiros, a vedação ao nepotismo deveria sempre incidir. Os
cargos político-administrativos seriam aqueles de provimento livre e
precário, mais precisamente os ocupados pelos auxiliares diretos do Chefe
do Poder Executivo (Ministros e Secretários). Já os político-representativos
seriam cargos cujo provimento seria condicionado (membros de Tribunais e
Procuradores-Gerais, por exemplo), feito por concurso público (magistrados
e membros do Ministério Público) ou em decorrência de eleições (Chefes do
Poder Executivo e membros do Poder Legislativo). No caso de provimento
por concurso público ou eleições, não haveria que se cogitar de nepotismo,
por razões lógicas. Já no caso dos cargos de provimento condicionado, ainda
que a discricionariedade da autoridade responsável pela indicação/nomeação
fosse menor (veja-se, por exemplo, o caso das listas tríplices no Poder
Judiciário), ainda seria possível a configuração de nepotismo na escolha.

A construção teórica de Paulo Modesto tem por finalidade


demonstrar que a vedação ao nepotismo seria sempre aplicável às nomeações
de auxiliares diretos do Chefe do Poder Executivo. É, pois, uma crítica à
jurisprudência do STF que, em certa medida, excepcionou tais nomeações.
Em nenhum momento atribui a qualificação de agente político aos
embaixadores. E mesmo se o fizesse, dos argumentos por ele utilizados
resultaria a plena aplicação do interdito ao nepotismo às nomeações de
embaixadores.

Os Chefes de Missão Diplomática Permanente são, de fato,


mencionados pela Constituição, para condicionar a sua escolha à aprovação
do Senado Federal e para conferir competência ao STF no julgamento de
crimes de que sejam acusados. Isso, no entanto, não tem o condão de alçá-
los à categoria de agentes políticos, por todas as razões antes expostas.
Quanto à submissão de sua escolha ao Senado, cabe notar que outros agentes
também devem ter sua indicação referendada, como os diretores do Banco
Central e os titulares de outros cargos que a lei determinar (art. 52, III, d e f,
da Constituição). Ou seja, se entendêssemos que essa circunstância bastaria
para a qualificação como agente político, teríamos uma cláusula aberta que
permitiria a classificação, como agentes políticos, dos ocupantes dos cargos
32

que o legislador infraconstitucional entendesse deverem ter a sua indicação


chancelada pelo Senado (como se dá com os dirigentes das agências
reguladoras). Tal conclusão se revela incompatível com a ideia, sustentada
na doutrina, de que é a própria Constituição que identifica, nos órgãos de
cúpula dos Poderes, quem são os agentes políticos.

Igualmente o fato de os embaixadores serem julgados


originariamente pelo STF, nos crimes de que sejam acusados, não nos parece
razão suficiente para considerá-los agentes políticos. Também aos
Comandantes das Forças Armadas se aplica a regra e, nem por isso, há
qualquer consenso doutrinário no sentido de que eles sejam agentes políticos.
Aliás, no julgamento de ação em que se impugnava lei que havia conferido
status de Ministro de Estado ao Presidente do Banco Central, a questão do
foro por prerrogativa de função para determinados agentes foi examinada,
havendo referência expressa, no voto do Ministro Gilmar Mendes, aos
Chefes de Missão Diplomática e aos Comandantes da Forças (Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 3.289, julgada em 5 de maio de 2005). Nele, o
Relator enfatizou o aspecto de que tais autoridades são subordinadas aos
Ministros das Relações Exteriores e da Defesa. E, em momento algum,
qualificou-as como agentes políticos:

Outro exemplo interessante é o dos Comandantes Militares.


Não obstante os Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica estarem subordinados ao Ministério da Defesa, tais
autoridades remanescem com foro especial perante esta Corte. Note-
se que tais autoridades sequer possuem status de Ministro.
Por fim, estão abrangidos pela mesma disposição que confere
prerrogativa de foro aos Comandantes Militares os chefes de missão
diplomática de caráter permanente (CF, art. 102, I, c). Também aqui
temos um tratamento idêntico entre autoridades de diferente
hierarquia, tendo em vista que os chefes de missão diplomática estão
subordinados ao Ministro das Relações Exteriores.
Ou seja, ainda que estivesse o Presidente do Banco Central
subordinado ao Ministro da Fazenda, o que obviamente não ocorre
no caso, não poderíamos extrair da Constituição um argumento
normativo no sentido de que é incongruente conferir a autoridades
de hierarquia distinta um mesmo foro judicial, pois é a própria
Constituição que faz isso.

Como já referido, não é a simples menção no Texto


Constitucional ou a estipulação avulsa de algumas regras especiais para os
ocupantes de determinados cargos que os qualifica como agentes políticos,
mas todo um regime constitucionalmente fixado (note-se que as
competências dos Ministros de Estado são determinadas pelo próprio Texto
33

Constitucional). Tal regime inclui grande (ou total) margem de


independência em sua atuação e o caráter eminentemente político ou
traduzível em manifestação soberana do Estado que caracteriza as decisões
desses agentes, autonomamente tomadas. Nada disso se aplica aos
embaixadores, que cumprem instruções dos órgãos superiores do Ministério
das Relações Exteriores e são por eles supervisionados.

3) Sobre a renúncia prévia ao mandato parlamentar

A Constituição dispõe, em seu art. 56, I e § 1º, que o parlamentar


federal pode ser investido, sem perda do mandato, na função de Chefe de
Missão Diplomática temporária. No período em que exercer tal função, o
suplente deve ser convocado. Não há previsão semelhante com respeito à
função de Chefe de Missão Diplomática Permanente47. Bem ao contrário, em
relação a ela, como a outros cargos não relacionados no inciso I do art. 5648,
aplica-se o disposto no art. 54, I, b, e II, b, da Carta Magna:

Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:


I - desde a expedição do diploma:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito
público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista
ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o
contrato obedecer a cláusulas uniformes;
b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego
remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum",
nas entidades constantes da alínea anterior;
II - desde a posse:
.....................................................................
b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis "ad
nutum", nas entidades referidas no inciso I, "a";
.....................................................................

47
Sobre o que se deve entender por missões diplomáticas temporárias e permanentes, o Senado Federal se
manifestou, em resposta à Indicação nº 5, de 1951, no seguinte sentido: Não pode o senador, sem perder o
mandato, exercer, ainda que a título interino, missão ordinária ou permanente, isto é, missão que tenha
“por objeto manter relações normais e correntes entre os Estados. Pode, entretanto, com licença prévia
da respectiva Câmara, desempenhar missões transitórias, de caráter especial, com as que tenham por
objeto uma ou mais negociações determinadas ou a representação do País, quer em congressos ou
conferências internacionais, quer em certas cerimônias ou etiquetas, como a coroação de monarca, a posse
de chefe de Estado, comemorações etc”(cf.: FIGUEIREDO, Sara Ramos. Incompatibilidades. In: Revista
de Informação Legislativa, Brasília, v. 6, n. 23, jul/set 1969, p. 300).
48
São eles: Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de
Território, de Prefeitura de Capital e chefe de missão diplomática temporária.
34

O cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente integra a


estrutura de pessoa jurídica de direito público (a União) e é remunerado.
Assim, não pode o parlamentar, desde a expedição do diploma, aceitar ou
exercer tal cargo. O texto não esclarece o alcance do termo “aceitar”, mas a
distinção quanto ao segundo verbo da alínea b do inciso I nos parece clara,
já que a vedação quanto a exercer cargo pode se referir também àquele cargo
ocupado pelo parlamentar antes da expedição do diploma. Ademais, o verbo
“aceitar”, no contexto utilizado pelo constituinte, não parece implicar
necessariamente o exercício do cargo, pois, do contrário, o termo não teria
sentido útil. Se “aceitar” cargo importasse necessariamente o seu exercício,
as hipóteses possíveis de incidência da norma já estariam abarcadas no verbo
“exercer”. Assim, enquanto o verbo “exercer” pode abranger situações em
que o eleito já titularizava o cargo antes de o diploma ser expedido, o verbo
“aceitar” se refere a cargos nos quais o eleito ainda não foi investido. Se a
própria aceitação do cargo é proibida, também o é, como consectário lógico,
o seu exercício49.

A sanção para a inobservância das vedações do art. 54 é a perda


do mandato, conforme o art. 55, I, da Carta Política. Dizer que o Deputado
ou Senador não pode aceitar cargo integrante da estrutura dos órgãos da
União desde a expedição do diploma equivale, pois, a condicionar a
aceitação do cargo à renúncia ao mandato. Quem assim não agir se sujeita a
processo disciplinar conducente à perda do mandato. A decisão da Casa
legislativa nesse sentido acarreta a inelegibilidade do infrator nas eleições
que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual
foi eleito e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura (art. 1º, I, b,
da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990).

Mas o que seria “aceitar” para os fins do art. 54, I, b, da


Constituição? Normalmente, a aceitação de um cargo se manifesta na posse,
que outra coisa não é do que o ato formal no qual se dá tal aceitação e o
compromisso de bem exercer o cargo50. Há casos, no entanto, em que o
provimento e a investidura no cargo dependem da aquiescência de órgão ou
autoridade diversa da nomeante. Em tais situações, o ato formal da posse se
dá posteriormente à manifestação de vontade, tanto da autoridade nomeante
quanto do escolhido para o cargo, já que a indicação é submetida ao juízo de

49
Na vigência da Constituição de 1934, que continha preceitos semelhantes (art. 33, 2 e § 1º, 2), Pontes de
Miranda assinalava: “o art. 33, 2, fala de aceitar e exercer, e não de ocupar, como o art. 33, § 1º, 2. O que
não tem cargo, comissão ou emprego, remunerados, não pode, expedido o diploma, vir a tê-lo. Pode, a
contrario sensu, aceitar o cargo gratuito. O que já tem, ao ser expedido o diploma, não mais poderá exercê-
lo: ocupa-o, porém não o exerce”. (Comentários à Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1936, vol. I, p. 495).
50
MELLO, op. cit., p. 314.
35

um terceiro. Isso ocorre em todas as indicações para cargos que dependem


da chancela senatorial.

No caso dos Chefes de Missão Diplomática Permanente,


conquanto se possa cogitar, após a decisão do Senado, da desistência tanto
do Presidente da República em nomear o indicado quanto deste em assumir
o cargo, fato é que, em certo sentido, a sujeição do nome ao Senado e a
conduta do indicado de submeter-se à sabatina são indicativos tanto da
intenção do Presidente da República em nomear o indicado quanto da
vontade deste em assumir o posto. Nesse sentido, o comparecimento à
sabatina poderia ser entendido como um ato de aceitação da indicação, ainda
que a investidura esteja sob condição, dependente que é da concordância do
Senado Federal.

Conforme ressaltado doutrinariamente, a razão de ser das


incompatibilidades é a preservação da independência do Poder Legislativo e
da lisura da atividade do mandato: busca-se limitar o envolvimento
pernicioso do parlamentar com a troca de favores e com a corrupção, que
poderia surgir a partir de um maior contato com entidades públicas ou
privadas.51 A conclusão de que “aceitar” inclui também condutas prévias à
nomeação, sinalizadoras da disposição do indicado de assumir o cargo,
revela-se harmônica com uma exegese finalística do disposto no art. 54, I, b,
da Constituição, já que a promessa do cargo pode, em tese, ser vista como
uma tentativa do Chefe do Poder Executivo de influenciar em favor de seu
governo o comportamento parlamentar do indicado enquanto continue no
exercício do mandato, antes da posse no outro cargo. Considerando o tempo
necessário à conclusão do processo, que passa pela obtenção do agrément do
outro Estado, a indicação da autoridade e o seu exame pelo Senado Federal,
para só então chegar à nomeação e à posse no cargo de Embaixador, entender
que a aceitação do cargo coincidiria com o ato de posse, podendo o
congressista continuar no exercício de suas funções durante todo esse
processo, depõe contra a finalidade da proibição.

No caso concreto, no entanto, a ideia de que a indicação poderia


comprometer a independência do parlamentar seria muito pouco crível, já
que o possível indicado é filho do Presidente da República, integrante do
mesmo partido e compartilha das mesmas visões políticas de seu pai. É
risível sustentar que uma eventual indicação ao cargo de Embaixador fosse

51
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2014, Cap. XXIII,
item 23.5.3, ebook. Ou, como sustentava Pontes de Miranda, as incompatibilidades fundam-se em razões
de ordem moral, que libertem os representantes do povo dos tentáculos do Poder Executivo e das sugestões
subornantes (Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen Editor, 1947, vol. II,
p. 40).
36

necessária para assegurar comportamento parlamentar do Deputado Eduardo


Bolsonaro favorável ao Poder Executivo.

Ainda em oposição à tese de que a aceitação do cargo se


materializaria em momento prévio à deliberação do Senado sobre a indicação
presidencial (por atos que manifestassem a disposição do indicado em
assumir o posto) está a própria prática parlamentar. O Deputado San Tiago
Dantas, por exemplo, foi indicado pelo Presidente Jânio Quadros para o
cargo de Embaixador do Brasil na ONU em 22 de agosto de 1961
(Mensagem nº 177, de 1961). Na sessão plenária do Senado Federal ocorrida
no mesmo dia, discutiu-se a indicação (Diário do Congresso Nacional de
23.08.1961, Seção II, p. 1773). E na sessão plenária da Câmara dos
Deputados de 24 de agosto, o Deputado San Tiago Dantas proferiu discurso
no qual oficializou sua renúncia ao mandato (Diário da Câmara dos
Deputados de 25.08.1961, p. 6133-6138)52. A renúncia se deu em momento
posterior à indicação e ao exame senatorial, ainda que muito pouco tempo
depois.

Anos antes, já havia ocorrido outra indicação de parlamentar


para a chefia de missão diplomática permanente, aprovada pelo Senado
Federal, não tendo sequer havido renúncia formal ao mandato. Em 1957, o
Senador Assis Chateaubriand foi indicado para o cargo de Embaixador do
Brasil em Londres. Teve seu nome aprovado e, na partida do país para
assumir o posto, remeteu à Mesa do Senado comunicação em que disse
considerar, na chancela dada pela Casa à indicação, compreendida uma
licença do exercício do mandato. A comunicação foi tratada como
requerimento de licença e encaminhada à CCJ, que, no Parecer nº 1.195, de
1957, concluiu ter incidido o Senador na incompatibilidade consistente em
aceitar nem exercer comissão ou emprego remunerado de pessoa jurídica
de direito público, punível com a sanção de perda do mandato (art. 48, II,
b, e § 1º, da Constituição de 1946). No entanto, na discussão travada em
plenário a respeito do parecer da CCJ, o relator da matéria na comissão,
Senador Gaspar Veloso, observou53:

Não se trata de cassar o mandato do ilustre Senador Assis


Chateaubriand: não se trata de impor punição a S. Exa. Trata-se
apenas do seguinte: Ao assumir o lugar de Embaixador junto à Corte
de Saint James, optou o Senador Assis Chateaubriand por esse cargo,
de vez que a vedação constitucional impedia que ocupasse,

52
A posse de San Tiago Dantas como representante brasileiro na ONU não se concretizou, tendo em vista
a renúncia do Presidente João Goulart, ocorrida em 25 de agosto de 1961. Tampouco pôde retornar ao
mandato parlamentar, uma vez que já havia renunciado a ele. Sem embargo, tomou posse como Ministro
das Relações Exteriores em 11 de setembro de 1961, quando já vigente o regime parlamentarista.
53
Cf: FIGUEIREDO, op. cit., p. 308-9.
37

cumulativamente, os dois cargos – o de Embaixador e o de Senador.


Aceitando aquele, recusou este: aceitando aquele, demitiu-se deste.

A conduta que visivelmente configurava uma infração punível,


por meio de processo disciplinar, com a perda do mandato, foi tratada como
uma espécie de renúncia tácita ao mandato de Senador, ocorrida no
momento da posse no cargo de Embaixador.

Um terceiro caso em que a renúncia ao mandato se deu


posteriormente à deliberação do Senado sobre indicação presidencial foi o
do Deputado eleito Henrique Meirelles, indicado para o cargo de Presidente
do Banco Central do Brasil em 13 de dezembro de 2002 (Mensagem nº 356,
de 2002). Sua sabatina se deu em 17 de dezembro de 2002 e a aprovação da
indicação pelo plenário do Senado aconteceu no dia seguinte54. Já a
diplomação do eleito e a renúncia ao mandato ocorreram, respectivamente,
em 19 e 26 de dezembro de 2002.55 Nesse caso, porém, a renúncia se
verificou antes mesmo que o eleito pudesse praticar qualquer ato como
parlamentar, uma vez que a posse dos Deputados eleitos se deu em 1º de
fevereiro de 2003.

Ademais, o elemento histórico pesa em favor da exegese de que


a aceitação do cargo se configuraria por ocasião da posse no cargo. Os textos
constitucionais brasileiros vêm, desde 1934, repetindo, com algumas
variações, o interdito à aceitação ou exercício de cargo público remunerado,
desde a diplomação do eleito. O texto originalmente discutido na
Constituinte de 1946 proibia ao parlamentar, desde a expedição do diploma,
exercer cargos públicos ou de autarquias, e aceitar nomeações para cargo
de que possa ser demitido ad nutum. Após alterações decorrentes da
aprovação de emendas, o texto que veio a constituir o art. 48, I, b, da Carta
de 1946 estabeleceu que Deputados e Senadores não poderiam aceitar nem
exercer comissão ou emprego remunerado, de pessoa jurídica de direito
público, entidade, autárquica, sociedade de economia mista ou empresa
concessionária de serviço público.

A discussão então travada girou em torno dos entes da


administração pública nos quais o eleito não poderia exercer ou aceitar cargo,
mantendo, no mais, a tradição do nosso direito constitucional.56 Pode-se

54
Cf.: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/53774 Acessado em 12 de
agosto de 2019.
55
Cf.: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD17JAN2003.pdf Acessado em 12 de agosto
de 2019.
56
Cf.: DUARTE, José. A Constituição de 1946 – exegese dos textos à luz dos trabalhos da Assembleia
Constituinte. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947, vol. 2, p. 60.
38

inferir, especificamente quanto à substituição da expressão “aceitar


nomeações” por “aceitar comissão ou emprego”, que não houve qualquer
propósito de modificar o sentido da vedação. Entendia-se, pois, que a
aceitação de comissão ou emprego equivalia à aceitação da nomeação para
o cargo em comissão ou emprego. Isso se coaduna com a ideia de que a
aceitação se daria num momento posterior à nomeação, ou seja, quando da
posse.

V. Conclusões

Por todo o exposto, podemos concluir que:

I. uma pesquisa histórica exaustiva a respeito de eventuais casos de


indicação de filhos de presidentes da república para o cargo de
Embaixador encontra óbices tanto no volume de informações que
deveriam ser examinadas, quanto na inexistência de dados em alguns
países e mesmo no Brasil;

II. as dificuldades mencionadas no item anterior subsistiriam ainda que


a pesquisa se limitasse aos países considerados democráticos;

III. o exercício do cargo de Embaixador exclusivamente por servidores


de carreira do serviço exterior não é uma realidade nos países em
geral, mas isso não significa que a maioria dos cargos de Chefe de
Missão Diplomática Permanente seja preenchida por pessoas
externas ao serviço diplomático;

IV. nos Estados Unidos da América, país onde são frequentes as


nomeações políticas para o cargo de Chefe de Missão Diplomática
Permanente, elas têm constituído pouco mais de um terço do total de
nomeações, sendo certo, igualmente, que o ordenamento jurídico
norte-americano veda a indicação de filhos do Presidente da
República para o cargo;

V. em diversos países, a própria legislação de regência trata como


excepcional a nomeação, para o cargo de Embaixador, de pessoa
estranha ao serviço diplomático, impondo condições para tais
designações, como ocorre em Portugal, Argentina e Brasil;

VI. na atualidade, há casos de nomeações de filhos do Chefe de Estado


para o cargo de embaixador em regimes monárquicos e republicanos
39

considerados não democráticos, como na Arábia Saudita, no Chade


e no Uzbequistão;

VII. historicamente, também pode ser citado o caso da nomeação de John


Quincy Adams para o cargo de Embaixador dos Estados Unidos da
América na Prússia, realizada pelo seu pai, o Presidente John Adams,
no fim do séc. XVIII, muito embora o caso se revista de diversas
peculiaridades, indicadas nesta Nota;

VIII. no Brasil, não logramos identificar caso de nomeação, pelo


Presidente da República, de filho seu como Embaixador;

IX. o exercício do cargo de Embaixador por pessoa externa ao serviço


exterior brasileiro é tratado normativamente como uma exceção
desde pelo menos 1961, tendo a lei fixado os seguintes requisitos
para que não integrante da carreira diplomática ocupe o cargo: ser
brasileiro (atualmente brasileiro nato), maior de 35 anos, com
reconhecido mérito e relevantes serviços prestados ao País;

X. a inclusão dos representantes diplomáticos na categoria dos agentes


políticos é rejeitada pela doutrina majoritária e não encontra eco na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal;

XI. os Chefes de Missão Diplomática não são titulares de órgãos de


cúpula do Estado, nem atuam com a independência funcional que
caracteriza os agentes políticos, antes seguem instruções e se
sujeitam à supervisão de órgãos superiores do Ministério das
Relações Exteriores, os quais, por sua vez, prestam assessoramento
ao Ministro de Estado;

XII. à luz do tratamento dado pelo Direito Positivo aos Chefes de Missão
Diplomática Permanente, a posição de Hely Lopes Meirelles, no
sentido de incluir os representantes diplomáticos entre os agentes
políticos é isolada e mesmo contraditória com a própria definição
dada pelo autor a agentes políticos, órgãos independentes e
autônomos, o que se reflete na omissão de referência aos
representantes diplomáticos, ao tratar dos agentes políticos em outro
trecho de sua mesma obra;

XIII. como os embaixadores não são agentes políticos, a construção


jurisprudencial que excepcionou essa categoria de agentes estatais da
vedação descrita na Súmula Vinculante nº 13 não se lhes aplica;
40

XIV. mesmo que se pudessem considerar agentes políticos os


embaixadores, a jurisprudência recente do STF se inclina na direção
de entender que: (a) as hipóteses mencionadas na Súmula Vinculante
nº 13 não esgotam os possíveis casos de nepotismo
constitucionalmente censuráveis; (b) é inválida a nomeação de
parente para cargo político quando configurado nepotismo cruzado
ou fraude à lei, compreendida esta, por exemplo, como evidente
inaptidão do nomeado para o exercício do cargo, por ausência
manifesta de qualificação técnica ou por inidoneidade moral;

XV. a invalidade de que trata a letra b do item anterior se aplica, pela


lógica utilizada nos precedentes, também às nomeações para cargos
como o de Ministro da Economia, das Relações Exteriores, ou de
outros auxiliares diretos do Presidente da República;

XVI. assim, mesmo que fosse correta a qualificação dos embaixadores


como agente políticos, os fatores indicados no item XIV deveriam
ser avaliados, quando da indicação, bem como no exame realizado
pelo Senado Federal, sendo a nomeação passível de anulação pelo
Poder Judiciário, se verificada fraude à lei ou nepotismo cruzado;

XVII. é função do Senado Federal, na apreciação feita no uso da


competência do art. 52, IV, da Carta Magna, não apenas verificar se
a indicação configura caso de nepotismo, mas também se foram
atendidos os requisitos constantes do art. 41 da Lei nº 11.440, de
2006, (mencionados no item IX), e o seu não atendimento pode dar
margem à anulação, pelo Poder Judiciário, da nomeação;

XVIII. no tocante à necessidade de renúncia prévia de parlamentar indicado


para o cargo de Embaixador, o Texto Constitucional de 1988 não é
muito claro quanto ao alcance da regra de seu art. 54, I, b, que veda
ao eleito Deputado ou Senador, desde a expedição do diploma,
aceitar cargo remunerado em pessoa jurídica de direito público;

XIX. embora se possa advogar que a finalidade subjacente à norma seja


invocável também quando o parlamentar já tiver sido indicado para
o cargo de Embaixador, mas ainda não tenha tomado posse, o ato que
normalmente traduz a aceitação de cargo é justamente a posse;

XX. ademais, o histórico de nomeações de parlamentares para o cargo de


Embaixador traz exemplos em que a renúncia ao mandato se deu em
momento posterior à manifestação do Senado Federal sobre a
41

indicação e, no caso ora discutido, a própria finalidade da norma –


impedir a cooptação de parlamentar pelo Poder Executivo – não
parece ter pertinência, ante a estreita relação de parentesco entre o
possível indicado e o Presidente da República, bem como sua visível
sintonia ideológica e político-partidária;

XXI. por fim, quanto à situação concreta colocada, considerando que (a)
embaixadores não são agentes políticos, (b) é comissionado o cargo
de Chefe de Missão Diplomática Permanente, (c) as indicações para
esse cargo (e as próprias nomeações) são feitas pelo Presidente da
República, (d) o Deputado Eduardo Bolsonaro é filho (parente em
primeiro grau) do Presidente da República, concluímos ser aplicável
ao caso a Súmula Vinculante nº 13, restando configurada, na
hipótese de a indicação vir a ser formalizada, a prática de
nepotismo.

Feitos esses esclarecimentos, permanecemos à disposição para


o atendimento de outras demandas relacionadas ao assunto.

Consultoria Legislativa, 13 de agosto de 2019.

Renato Monteiro de Rezende Tarciso Dal Maso Jardim


Consultor Legislativo Consultor Legislativo

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