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Mesmer
MARIA SIQUEIRA SANTOS∗
Mesmer sequer falava o nome da aviltada ciência; tinha receio de que alguém ouvisse,
de que alguém o lesse em seu Relato sobre a descoberta do magnetismo animal [Mémoire sur
la découverte du magnétisme animal, 1779], de que por isso fosse condenado ao
esquecimento na história da cura das doenças nervosas. Ou pior que isso, de que fosse
ridicularizado pelos sábios da época justamente por seu nome estar vinculado a ela, à
alquimia.
O caso é que ele não precisava admitir a influência dos conhecimentos alquímicos,
qualquer um logo notava. Henri Ellenberger disse que em 1784 um certo Thouret escreveu um
artigo analisando as vinte e sete proposições apresentadas por Mesmer nesse Relato. Ele
afirmou que tais proposições não passavam de releituras de Paracelso, Van Helmont,
Goclenius, Mead e Maxwell, embora Mesmer dissesse nunca ter lido qualquer um desses
autores. A teoria do magnetismo animal, para Thouret, longe de ser uma novidade, era um
resquício de um sistema antigo que há quase um século havia sido abandonado.
(ELLENBERGER, 1970: p. 66) Robert Darnton também sugeriu uma estreita relação entre
Mesmer e Paracelso. Disse o historiador em uma das páginas de O lado oculto da revolução:
Mesmer e o final do Iluminismo na França, livro publicado em 1968:
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Mestre em História Social pela UEL. Trabalho dissertativo parcialmente financiado pela Capes.
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toda e qualquer matéria terrestre. Vindo de Iznang, região do lago de Constança, de formação
jesuítica, Mesmer chegou a Viena no final da década de 1750 para estudar Direito. No
entanto, logo enveredou para a Medicina, exercendo a arte da cura de um ponto de vista
paracélsico, observando as manifestações de saúde e doença e relacionado o equilíbrio
orgânico com os fenômenos da Natureza, supondo que tais manifestações estavam ligadas às
trocas energéticas interestelares e terrestres. Aprendiz de Maximilian Hell, astrônomo
responsável pelo Observatório Real da Áustria e professor na Universidade de Viena, Mesmer
disse ter estabelecido uma “relação de sociedade” com esse pesquisador durante cerca de doze
anos. Durante esse tempo, ele teria exercido a medicina na capital do Império. Todavia, seus
biógrafos afirmam que ele já praticava a arte da cura em sua terra natal, na fronteira entre
Prússia, Áustria e Suíça, pois na época em que chegara à capital já trazia a fama de ser bom
curador dos “males da alma”.
Em 1768, ao desposar uma nobre e rica viúva, mudou-se para uma grande propriedade,
localizada nos arredores de Viena. Foi nesse local onde mais experimentou sua técnica de
cura, era ali que ‘internava’ os pacientes mais graves, como a organista Maria Teresa Paradis,
o conde de Pellegrini, a senhorita Offine, foi lá que observou e tratou casos de cegueira,
paralisias súbitas, hemiplegias, apoplexias, cólicas e convulsões. Foi também no quintal dessa
propriedade que recepcionou membros da sociedade vienense para assistir à peça Bastien und
Bastienne, do jovem músico Wolfgang Amadeus Mozart.
Dez anos depois, ao ver sua teoria silenciada e sua prática censurada em Viena, partiu
para Leste, para a França. No Relato, ele disse que essa deveria ter sido uma viagem curta, de
descanso, porém, que os ânimos franceses, tão curiosos por conhecer os princípios do
magnetismo animal, fizeram com que ele retomasse sua prática em Paris. “As circunstâncias”,
ele disse, “forçaram-me também a escrever esse Relato”. As circunstâncias eram os
questionamentos feitos pelos sábios franceses acerca de tão revolucionária “descoberta”:
Mas, dizem atualmente: em que consiste essa descoberta? Como o senhor chegou a
ela? Quais ideias podem se valer dessas vantagens? E por que o senhor não
enriqueceu os seus concidadãos com tal feito? Tais são as perguntas que me são
feitas, desde minha chegada a Paris, pelas pessoas mais capazes de se aprofundar
numa nova questão. Para respondê-las de uma maneira satisfatória e dar uma ideia
geral do sistema proposto, para desembaraçá-lo dos erros a que foi envolvido e
fazer conhecer as contrariedades que se opõem à sua publicidade, publico esse
Relato. Apenas mais adiante, no decorrer da teoria que apresentarei, é que as
circunstâncias me permitirão indicar as regras práticas do método que anuncio. É
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sob esse ponto de vista que peço ao leitor para considerar essa pequena obra, estou
ciente de que ela oferecerá muitas dificuldades; e é necessário saber que tais
dificuldades não são suscetíveis de aplainamento por nenhum tipo de raciocínio sem
que se faça uso da experiência. O Relato apenas dissipará as nuvens e colocará em
seu lugar essa importante verdade: que A NATUREZA OFERECE UM MEIO
UNIVERSAL DE CURA E DE PRESERVAÇÃO DOS HOMENS. (MESMER, 1779:
p. IV-VI)
Quando o texto veio a público Mesmer vivia a cerca de um ano em Paris. Durante esse
tempo, ele conheceu médicos e filósofos da corte francesa, contou a eles sobre sua prática
médica, sobre os casos que ele havia observado e tratado, sobre seus métodos de cura. Ele
afirmava, nessas ocasiões, que o corpo humano era preenchido por líquidos regulatórios, os
humores. Desde o tempo de Hipócrates, os médicos apontavam a existência de quatro
humores corporais: o sangue, a bílis amarela, a fleuma e a bílis negra, também chamada de
melancolia. Para Mesmer havia ainda um quinto humor, que ele chamou de magnetismo
animal. Esse líquido, assim como os demais, deveria percorrer todo o corpo humano para que
se mantivesse o equilíbrio orgânico. Assim, um corpo saudável seria aquele em que o
movimento dos fluidos ocorria sem interrupção ou concentração. As doenças, por sua vez,
seriam causadas pela concentração do fluido em áreas do corpo.
A terapia de Mesmer consistia, dessa maneira, em fazer fluir novamente o magnetismo
animal. Não havia a ingestão de remédios, a aplicação de sangrias ou banhos frios, tampouco
a aplicação de choques. O médico sentava-se em frente ao paciente e ia tocando em seus
joelhos, mãos e hipocôndrio, olhando fixamente dentro de seus olhos. Nas sessões coletivas
realizadas em Paris, ele utilizava uma “cuba magnética”, aparato inspirado na recém
descoberta garrafa de Leyden, que consistia em uma espécie de banheira redonda onde ficava
contida a água magnetizada. Nas bordas desse tanque havia uma porção de hastes de ferro,
utilizadas pelos pacientes para tocar a região do corpo onde o magnetismo animal estava
concentrado, ou seja, a parte que doía. Depois os pacientes davam as mãos, fechava-se o
círculo e, com isso, o magnetismo circulava entre todos os presentes. O próprio Mesmer, ao
final de cada sessão, tocava um instrumento chamado harmônica de vidro, cujo som etéreo,
semelhante à vibração de taças de vidro, facilitava a comunicação e propagação do
magnetismo. Não havia conversação durante as sessões. Os passes, as músicas, o ambiente
terapêutico repleto de espelhos eram os meios usados por Mesmer para aos poucos promover
suas curas. Havia ainda um elemento fundamental para que o processo terapêutico se
efetivasse: a crise. Geralmente essa crise era uma intensificação do problema que vinha
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Por cerca de seis anos, Mesmer realizou sessões de cura em Paris e divulgou sua prática
entre os membros da Sociedade da Harmonia Universal, uma espécie de sociedade secreta
composta por importantes personagens da história revolucionária francesa, como Adrien
Duport, Nicolas Bergasse, Jacques-Pierre Brissot e o marquês de Lafayette. Conta-se que
naquela época sua clínica fervilhava de gente. Barões e burgueses, damas da corte e donzelas
cegas se revezavam ‘eletricamente’ no consultório do Dr. Mesmer. Ainda assim, seu objetivo
não foi realizado, o que o deixou muito contrariado. Ele queria que Luís XVI lhe permitisse
promover sua terapêutica nos hospitais, especialmente naqueles onde estavam internados os
pacientes que sofriam de doenças dos nervos. Ele acreditava que os métodos comumente
utilizados pelos médicos, além de não promoverem a cura esperada, pioravam a já frágil
saúde dos enfermos.
Pois bem, apresentei até agora aspectos da terapêutica de Mesmer misturados a alguns
fatos de sua vida. Convém, no momento, nos aprofundarmos em sua teoria. A princípio, é
importante ressaltar que para Mesmer a condição para percepção do magnetismo animal era a
experiência. Nenhum raciocínio, afirmava o mestre, poderia substituir a observação dos
fenômenos relativos ao fluido animal e à experimentação de seus métodos de cura. A razão
jamais poderia ‘sentir’ a sua descoberta. A percepção do magnetismo animal passava
necessariamente pelo corpo. Pelas sensações. E isso era uma ação tão natural à matéria que
passava despercebida pelas pessoas, a menos que ocorressem acúmulos de magnetismo em
regiões específicas do corpo. Apesar dessa constatação de ordem prática, talvez rendendo-se à
pressão dos acontecimentos, ele se ocupou com a sistematização de sua terapêutica. Em 1779,
nas cidades de Genebra e Paris, veio a público seu Relato sobre a descoberta do magnetismo
animal.
A teoria magnética era explicada a partir de um princípio comum de atração universal
da matéria. Mesmer defendia essa hipótese dizendo existir uma influência mútua entre os
Corpos Celestes, a Terra e os Corpos Animados (Cf. MESMER – 1ª Proposição, 1779: p. 74).
Observando o fluxo e refluxo das marés, ele inferiu a influência do Sol e da Lua nesse
movimento, bem como no movimento da atmosfera terrestre. Partindo do princípio de
correspondência, concluiu que se os astros atuavam no movimento de consideráveis entidades
terrestres, eles também afetavam os demais corpos. Atuavam, portanto, também sobre o corpo
humano, especialmente sobre os nervos.
Portanto, a afetação mútua dos astros celestes, chamada por Mesmer de agente geral,
fazia movimentar um fluido muito sutil, universal, que agia diretamente nas propriedades da
matéria. Sendo o corpo humano constituído de matéria, o fluido também nele agia, passando,
sobretudo, pelos nervos, “os principais agentes das sensações e do movimento.” (MESMER,
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1779: p. 9) Mesmer supunha que esse líquido sutil fosse um vetor de correspondência entre
Astros Celestes, Terra e Corpos Animados. Os Corpos Animados, por sua vez, funcionariam
como ímãs e, assim, seriam “suscetíveis à comunicação do princípio magnético” e teriam a
distinção de “pólos igualmente diversos e opostos”. (MESMER, 1779: p. 20; 76) Os Corpos
Animados funcionariam como uma agulha imantada que,
Nunca escondi minha maneira de pensar a esse respeito, nem posso, com efeito, me
persuadir que fizemos na arte da cura o progresso a que somos lisonjeados. Creio,
ao contrário, que conforme avançamos no conhecimento do mecanismo e da
economia do corpo animal, mais somos forçados a reconhecer nossa insuficiência.
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Gostaria agora de fazer uma pausa nesse relato acerca de F. A. Mesmer e o percurso de
divulgação e tentativa de reconhecimento de sua “descoberta”. Gostaria de apresentar meus
argumentos a respeito da relação entre o magnetismo animal e a alquimia paracélsica. Farei,
para tanto, uma breve apresentação dos princípios do médico renascentista. Gostaria também
de sublinhar alguns pontos de distanciamento entre essas duas vertentes do conhecimento
acerca da arte da cura. Distanciamentos que não fazem com que elas se oponham, mas com
que se diferenciem. Veremos que Mesmer, de fato, não fez nenhuma découverte, o que ele fez
foi uma leitura dos princípios de Paracelso e de outros médicos renascentistas adaptando-os
ao seu contexto linguístico. Essa releitura, por certo, parte de uma perspectiva que não é mais
a do Renascimento; por esse motivo, ela procura se adequar ao seu momento histórico. Afinal,
seu objetivo era encontrar respaldo para sua terapêutica nos meios médicos e acadêmicos da
época. E não podemos esquecer que estamos falando do século XVIII, o século das Luzes.
Ainda que seja possível, portanto, visualizar pontos em comum entre a alquimia renascentista
e o magnetismo animal, também se pode perceber as diferenças entre essas duas terapêuticas,
separadas no tempo por quase trezentos anos.
Jung, dissidente do método psicanalítico que elaborou uma nova hermenêutica para a leitura
da alma humana, sublinhou a influência da alquimia nos escritos de Paracelso. Diz Jung no
artigo intitulado Paracelso, um fenômeno espiritual:
A influência de tal conhecimento secreto, esse saber antigo miscigenado com elementos
pagãos – chineses, egípcios, gregos, romanos e árabes – fazia de Paracelso um cristão
diferente para a sua época. Ele era um cristão que afirmava a existência de duas poderosas
forças de ação sobre a vida: a Igreja e Natureza. E assim ele afirmava: “[Eu] reconheço que
escrevo como um pagão, mesmo sendo cristão.” (PARACELSO apud JUNG, 2011: p. 121)
Para o referido médico renascentista, “pagão” era o conhecimento da natureza das doenças
que provêm da “luz da natureza” e não da “revelação sagrada”. Assim, ele estabeleceu uma
separação entre as “doenças divinas”, aquelas que eram enviadas por Deus e que só poderiam
ser curadas por meio da teologia, e as “doenças naturais”, que seriam mais bem
compreendidas e tratadas se fossem olhadas pelo viés pagão, do conhecimento hermético,
ocultista ou da medicina popular. (JUNG, 2011: p. 121)
Partindo do conhecimento pagão, Paracelso então determinou que a “luz da natureza”,
essa força que estaria relacionada às doenças naturais, provinha dos astros celestes. Dizia ele:
“[...] Nada pode existir no homem que não lhe seja dado pela luz da natureza e tudo o que
existe na luz da natureza é feito dos astros.” (PARACELSO apud JUNG, 2011: p. 123) Ora,
se a luz da natureza é quem tudo dá ao homem, saúde e doença, onde estaria o poder da Igreja
na concepção de Paracelso? Pois a resposta, talvez trivial para nós, era a seguinte: A luz da
natureza, comandada pelos astros, foi criada exatamente dessa maneira por Deus. “[...] [Ela] é
a quintessência extraída pelo próprio Deus dos quatro elementos e habita em “nosso coração”.
Ela é acessa pelo Espírito Santo. A luz natural é uma percepção intuitiva das circunstâncias,
uma espécie de iluminação.” (JUNG, 2011: p. 123) Paracelso unia, então, princípios que eram
tomados como antagônicos, e, a partir daí, dava início a revoluções profundas que
modificariam a lógica do pensamento médico nos séculos seguintes.
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Hippolythe Bernheim, que no início do século XIX foi um importante médico da Escola
de Nancy, tendo influenciado o jovem médico Sigmund Freud acerca dos métodos sugestivos
da hipnose, em seu livro de referência intitulado Hypnotisme et suggestion, diz o seguinte
acerca de Paracelso:
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[...] Ele estudou a ação real de muitos medicamentos, mas admitiu em outros casos
a existência de propriedades ocultas, dos arcanos; ele acreditava nas assinaturas
cabalísticas. Tudo derivaria do homem, do mundo e do divino; o princípio de
conservação dos seres sublunares derivaria dos astros; o homem seria dotado de
um duplo magnetismo; a imantação das pessoas sãs ativaria a imantação
descarregada das doentes. (BERNHEIM, 1910: p. 14)
Pois todas essas referências acerca de Paracelso permitem estabelecer uma relação
bastante próxima entre a concepção do médico renascentista e a de Mesmer sobre a influência
dos astros na produção e cura das doenças. Nessa afirmação de Bernheim, bem como nos
trechos apresentados por Jung, Zalbidea e Goldfarb reconhecemos rapidamente a influência
do pensamento astrológico da alquimia, especialmente de Paracelso, sobre a concepção
mesmérica de cura. Eis, todavia, uma ‘terapêutica alquímica’ no reino da Razão.
O fato de ambos, Paracelso e Mesmer, serem considerados filhos de sua época indica
algumas semelhanças entre eles e entre eles e suas épocas. Uma semelhança é a diferença do
modo de cada um deles pensar a arte da cura e o da maioria dos intelectuais de suas épocas.
Logo no início do Relato, talvez devido à sua ‘inocência’ germânica, Mesmer deixou
indícios dessas divergências que, em menos de um ano, ele já colecionava nos meios
acadêmicos de Paris:
Aos filósofos, reclamava Mesmer, não se restringia a detenção dos conhecimentos sobre
a natureza. Tais conhecimentos eram frutos de observação, e a tendência a observar é natural
ao homem. Ele escreveu que “O homem é naturalmente observador. Desde seu nascimento
sua ocupação solitária é observar, e assim aprender a fazer uso de seus órgãos.” (MESMER,
1779: p. 1). Porém, muitos, entre todos, devido ao interesse geral, seriam “indivíduos
observadores”, detentores dos conhecimentos práticos da vida, do cotidiano. Por conta dos
filósofos terem voltado suas costas ao saber desses “indivíduos observadores”, suas
especulações andavam há muito apartadas da experiência e, assim, não chegariam jamais à
verdade acerca do magnetismo animal.
Paracelso também arranjou problemas com os intelectuais que lhe eram
contemporâneos, médicos e escolásticos renascentistas. (ALFONSO-GOLDFARB, 2005: p.
147) Esses sujeitos o acusavam de exercer uma prática de cura que estava vinculada à magia,
à feitiçaria. Acusavam-no de paganismo, de heresia. Jung disse que ele, no entanto, não
apresentava qualquer receio em utilizar os conhecimentos “pagãos” para promover a saúde de
um corpo doente.
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[...] [Paracelso] atrai a magia para sua órbita como todas as coisas dignas de
serem conhecidas e tenta utilizá-las em sua profissão médica para o bem dos
doentes, sem importar-se com o que pudesse lhe advir ou com o que a ocupação
com tais artes poderia significar do ponto de vista religioso. Afinal de contas, para
ele, a magia e a sapientia da natureza encontravam-se dentro da ordem desejada
por Deus, como um mysterium et magnale Dei (mistério da grandiosidade de Deus)
e assim não era difícil para ele transpor o abismo no qual meio mundo se
precipitava.” (JUNG, 2011, p. 128-9)
Sendo cada um filho de sua época, e sendo suas épocas tempos diferentes, é certo que
existiram divergências entre a concepção de Paracelso e a de Mesmer sobre uma porção de
coisas. São também essas divergências que fazem com que cada um esteja relacionado ao seu
próprio momento histórico. Ou como diria Jung: “[...] Quer se saiba ou não, existe uma
tremenda oposição entre o homem que serve a Deus e o homem que dá ordens a Deus.”
(JUNG, 2011: p. 126) O mundo de Paracelso é um mundo que serve às vontades divinas e que
vê ações divinas concretizarem-se no cotidiano, o mundo que está a emergir na época de
Mesmer cria sistemas para explicar a vida. A verdade das coisas estaria, portanto, na
explicação do homem, não na vontade de Deus.
Enunciou Foucault sobre esse momento epistêmico: um momento em que “[...] a
representação comanda o modo de ser da linguagem, dos indivíduos, da natureza e da própria
necessidade.” É o tempo da crítica, da análise; delimitam-se as fronteiras do conhecimento:
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Mesmer, porém, apresenta uma nova concepção acerca do papel do ímã na cura das
doenças nervosas, um considerável distanciamento da maneira de Paracelso, e também de
Hell, entender a função do mineral nessas ocasiões. Para entender a diferença, todavia, é
preciso entender como os mestres de Mesmer utilizavam o objeto.
Paracelso reconhecia que o ímã continha o mesmo princípio do fluido emanado pelos
astros, fluido que colocava-se em comunicação com os diferentes corpos celestes e também
com os corpos terrestres, os seres sublunares. O minério poderia curar muitas doenças, como
as que atacavam os olhos, ouvidos e nariz, poderia atuar nas articulações, nas úlceras, fístulas,
convulsões e cólicas. (ZWEIG, 1930: p. 33)
Mesmer, por sua vez, criticava a ideia de que a cura era produzida pelo ímã. A partir das
observações realizadas com seus pacientes, ele constatou que o ímã era apenas um
instrumento de ativação do fluido. A cura mesmo era obra da energia advinda dos astros, o
agente geral que perpassava tanto o ímã como o corpo humano e restabelecia o equilíbrio
orgânico. O ímã, por ter propriedades análogas às do corpo animal, era uma substância
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privilegiada para fazer fluir os humores do corpo. Ele mesmo, no entanto, não era responsável
pela cura.
Mesmer era, por assim dizer, um curandeiro ilustrado. Como bom prático, observou não
apenas o sintoma a ser sanado, mas as motivações das doenças que acometiam seus pacientes.
Como Paracelso, não atuava diretamente na eliminação do sintoma, pois o sintoma era
justamente a maneira que o corpo havia encontrado para combater o desequilíbrio interno, a
doença. Possuidor de um conhecimento alquímico, ele relacionou as doenças com um
contexto mais amplo que somente o organismo enfermo. Ele relacionou com os astros
celestes, com o cosmo. O médico para Mesmer, inspirado na concepção de Paracelso, seria
um vetor de ligação entre os dois planos correspondentes, o macro e microcosmo, uma
espécie de “tomada magnética” capaz de fazer fluir os líquidos humanos. Com ou sem o uso
do ímã.
5. Referências Bibliográficas
ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria. Da alquimia à química: um estudo sobre a passagem
do pensamento mágico-vitalista ao mecanicismo. São Paulo: Landy Editora, 2005.
BERNHEIM, Hippolythe. Capítulo Um. In: Hypnotisme et suggestion. Paris: Octave Doin et
Fils, 1910, p. 1-23.
DARNTON, Robert. O lado oculto da revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na
França. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
ELLENBERGER, Henri F., The discovery of the Unconscious: the history and evolution of
Dynamic Psychiatry. USA: BasicBooks, 1970.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 9 ed.
Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
JUNG, Carl Gustave. Paracelso, um fenômeno espiritual. In: Estudos alquímicos. 2 ed. Trad.
Dora Mariana R. Ferreira da Silva, Maria Luiza Appy. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 118-204.
MESMER, Franz Anton. Mémoire sur la découverte du magnétisme animal. 1779.
Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k75421p/f2.image.langFR. Acessado em:
04/07/2011.
ZALBIDEA, Victor (org.). Alquimia e ocultismo. Trad. Maria Teresa Carrilho. Edições 70:
Lisboa, 1972.
ZWEIG, Stefan. A cura pelo espírito: Mesmer, Mary Baker-Eddy, Freud. Trad. Cândido de
Carvalho. Rio de Janeiro: Guanabara, s/d [1930].