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Houve uma época em que os teóricos de cinema se interessavam de maneira expressiva pelo
problema da compreensão. O apogeu da semiologia fílmica, grosso modo ocorrido entre meados da
década de 1960 e o fim da década seguinte, trouxe vigorosas reflexões em relação à forma pela qual
entendemos as imagens e damos sentido às histórias.
Uma das hipóteses mais ousadas era a ideia de que essa compreensão dependeria de códigos –
relações regidas por regras entre significante (um objeto material como uma imagem) e significado
(um conceito). Dito de outra maneira, um plano de um gato não somente exibia um gato específico,
mas carregava o significado de “gato”. Da mesma forma, compreenderíamos uma cena de
perseguição por conhecer o código cinematográfico para esta ideia. Em Cidade Nua (1948), vemos
planos alternados em que dois homens correm e decodificamos a cena toda como um perseguidor
em busca de um perseguido.
Para alguns pensadores, o conceito de códigos prometia dar substância à velha metáfora da
“gramática cinematográfica”. Apesar de diferenças cruciais, quem sabe os filmes não fossem de
fato um tipo de linguagem audiovisual dotada de sintaxe própria. E como a linguagem verbal sofre
enorme variação entre sociedades, por que o mesmo não poderia acontecer com os códigos da
imagem e das narrativas. Assim como qualquer língua, talvez os códigos do cinema precisassem ser
aprendidos.
A pesquisa semiológica nos lembra sempre que o que parece natural não raro revela-se artificial e
relativo em termos sociais. Em outra cultura, o código das luzes de trânsito pode não empregar o
vermelho, o amarelo e o verde, mas quaisquer outras cores. A noção de códigos, além disso,
também se concatenava à visão emergente daquilo que um influente livro da época denominava de
“a construção social da realidade”[2].
Membros de culturas sem cinema e televisão seriam capazes de reconhecer aqueles borrões na tela
como pessoas e ambientes? Os códigos estariam enraizados nos lugares mais profundos de nossa
percepção?
Evidentemente, em algum momento, alguém teria que aparecer com a afirmação de que esquimós
têm seis ou 30 palavras diferentes para aquilo que os americanos comuns chamam simplesmente de
“neve”.[3] Semiólogos ortodoxos são raros hoje em dia nos estudos de cinema. É difícil ver um
pesquisador falando de códigos ou levantando questões relacionadas ao entendimento dos filmes.
Não obstante, segue pairando no ar a ideia de que a expressão por meio de filmes seja um processo
relativo, socialmente construído e dependente de aprendizagem. Os estudiosos dos filmes, junto
com a maior parte das humanidades, parecem assumir que, à exceção de alguns aspectos pouco
interessantes da criatura humana – geralmente resumidos na palavra “fisiologia” –, a cultura explica
tudo. Para além da divisão celular e da digestão, por assim dizer, tudo é cultural. A busca de
qualquer outro tipo de explicação está sujeita a rejeição.
A pesquisa da percepção nos anos 1970 foi dominada por uma escola de pensamento derivada, em
última instância, do grande psicofísico Helmholtz. A escola do “Novo Olhar” de psicólogos da
percepção, como Jerome Bruner e Richard Gregory, defendia a ideia de que os estímulos se
apresentam a nossos órgãos sensoriais carregados de ruído, incompletos e ambivalentes. Para
decifrá-los, seriam necessárias faculdades de nível mais elevado.
Conhecidas ilusões como a do coelho e do pato (Figura 4) demonstravam que, quando não
conseguimos decidir entre duas configurações visuais, resulta interminável ambiguidade. O olho,
como se dizia então, é parte da mente. Ver, em sentido pleno, seria uma espécie de inferência da
melhor explicação: o que pode haver no mundo exterior que produza este padrão específico na
retina?
A princípio, essa linha de pesquisa se encaixava com perfeição à emergente disciplina da ciência
cognitiva. No começo dos anos 1980, os cientistas cognitivos se concentravam sobretudo nas
questões da linguagem, do raciocínio, da aplicação de categorias e da tomada de decisão para a
ação.[5]
Como o pensamento do “Novo Olhar”, a ciência cognitiva encarava a atividade mental como uma
interação quase kantiana entre estímulos e estruturas conceituais, por vezes chamadas de
“esquemas”, responsáveis pela interpretação dos dados. Essas estruturas poderiam ser genéricas ou
especializadas, difusas (como, por exemplo, a habilidade para resolver problemas) ou voltadas a um
propósito único (como a habilidade para reconhecer rostos).
Uma vez mais, a inferência era o modelo, ainda que determinadas inferências mentais, como
aquelas relacionadas à visão, fossem entendidas como rápidas, automáticas e “encapsuladas em
termos informacionais” – por ignorarem tudo que não diz respeito a seu domínio[6]. Com o tempo,
a visão inferencial se tornaria a base de uma abordagem computacional para a percepção e a
cognição que segue predominante até hoje na pesquisa psicológica. Em que medida a teoria da
percepção do “Novo Olhar” e a mecânica mental da ciência cognitiva se adequavam para explicar
nosso pensamento cotidiano?
Filmes são construídos para fazerem uso do pensamento, sobretudo o tipo de pensamento que
vai “além da informação dada”. [7] Narrativas fílmicas, como narrativas em qualquer mídia,
abstraem e simplificam seus componentes do mundo real para uma percepção sem ruído e nos
convidam a completar a história com o que não é dito ou mostrado. Narrativas são para a mente o
que figuras em contorno são para os olhos.
NiFF portanto afirmava que um filme pode ser analisado como um conjunto de sinalizações que
incitam extrapolações inferenciais em diversos níveis – de percepção, de compreensão e de
interpretação. Em outras palavras, os filmes nos levam a aplicar esquemas, ou estruturas de
conhecimento, àquilo que vemos momento a momento na tela. Esses esquemas podem se embasar
em conhecimento do mundo real ou em convenções fílmicas. Os dois tipos, entretanto,
problematizam a ideia de códigos.
As estruturas baseadas em conhecimento do mundo real não são necessariamente tão coesas quanto
o conceito de código sugere. Esses esquemas são também menos rígidos que o conceito tradicional
de código – podem fugir a alternativas binárias ou a escolhas regidas por regras. Certos esquemas
são imprecisos, seus membros concebidos como protótipos ou estruturas de tipo centro-periferia.
Para nós, portanto, um pardal é um pássaro prototípico, enquanto um pinguim ou um avestruz não o
são. Esses dois últimos podem representar protótipos para membros de outras culturas, o que
todavia não invalida a afirmação de que determinadas categorias se organizam por critérios de
proximidade, sem limites rígidos e precisos.
Certas convenções cinematográficas são definidas com mais exatidão. Uma cena pode se encerrar
com um corte, um fade, uma fusão, um efeito de wipe ou um chicote. Não há outras
possibilidades. Portanto, em algumas circunstâncias encontramos, sobretudo no interior de certas
tradições cinematográficas, uma espécie de menu de opções que poderia ser chamado de código.
Muitas convenções, entretanto, como aquelas que indicam o espaço geral de ação de uma cena, por
exemplo, são menos rígidas. Não há regra que determine que um plano geral deva ser seguido por
um close, como se fosse uma preposição que, na linguagem falada ou escrita, demanda um objeto.
Nenhum código determina que uma cena sensual deva ser feita em tons rubros ou acompanhada do
som meloso de um saxofone. Não obstante, confrontados com esses sinais, inferimos por
probabilidade que a sedução está no ar.
Mais além, em NiFF, sugeri que as convenções que orientam nossas extrapolações inferenciais não
flutuam soltas no espaço. Há formas preferidas e recorrentes de articular escolhas para apresentar
causalidade, temporalidade e espacialidade. Esses “modos” incluem a narração “clássica” e a
narração do “cinema de arte”, entre outras. Tal esboço histórico ainda me parece válido e
aparentemente tem sido útil para outros pesquisadores.
Em termos teóricos, todavia, há problemas em NiFF relacionados ao papel ali atribuído à inferência.
Quando o escrevi (1985), eu tinha conhecimento dos trabalhos de J. J. Gibson e de sua insistência no
fato de que nossa percepção evoluíra em ambientes muitos distintos das informações imprecisas que,
para os teóricos do “Novo Olhar”, disparavam a percepção.
No mundo tridimensional em que criaturas como nós vivem, os estímulos típicos não são parciais
nem rarefeitos. Na verdade, são quase sempre relativamente ricos e mesmo redundantes. Quando
nos movemos pelo espaço, registramos um fluxo ótico que indica o desenho das superfícies de
forma bastante precisa, por exemplo.[8]
Em NiFF, tentei passar ao largo desse problema dizendo que, mesmo que a visão de Gibson em
relação à percepção cotidiana estivesse correta, os filmes não carregavam o mesmo arsenal de
informação do mundo real. As imagens fílmicas – bidimensionais, não raro em preto e branco –
possuiriam, a princípio, o mesmo tipo de ambiguidade contida na imagem coelho/pato. Em minha
defesa, eu citava a incrível Sala de Ames como evidência de que, por seu aspecto monocular, as
imagens dos filmes seriam inerentemente ambíguas. [9]
Essa visão me parece hoje equivocada. Filmes, como o próprio Gibson apontara, eliminam a
ambiguidade de suas imagens, em larga medida, pela simples qualidade de seu movimento. Seria
necessário, por exemplo, um esforço mental hercúleo para conceber uma maneira alternativa de
construir um plano normal de três sujeitos em uma sala.
Cometi o mesmo erro dos teóricos do Novo Olhar: escolhi o protótipo errado. Da mesma forma que
uma ilusão de ótica não reproduz e não faz justiça à percepção num ambiente selvagem, a Sala de
Ames é um exemplo fora do comum de artifício cinematográfico, e não algo típico. Meus velhos
amigos Barb e Joe Anderson tinham razão: Gibson detém o melhor argumento[10] (o que, entretanto,
não resolve a disputa entre as abordagens computacional/inferencial e ecológica como melhor
explicação da visão natural; nesse terreno, recolho-me a meu ceticismo de amador).
Eu me encontrava em terreno mais firme, penso, ao tratar a compreensão da narrativa como um tipo
de processo inferencial. NiFF, entretanto, leva o problema para uma direção problemática. Tomar a
compreensão narrativa como inferencial me levou a lançar mão da distinção formalista russa entre
fábula e syuzhet. Esses dois termos já foram usados de diferentes maneiras, mas o caminho mais
sensato, parecia-me à época e ainda hoje, é entender a fábula como a sequência cronológica e causal
de eventos que podem ser apresentados pelo syuzhet, isto é, a configuração de eventos no texto
narrativo tal como a vemos.
A distinção é evidentemente uma ferramenta analítica útil para estudarmos como uma narrativa
pode “deformar” a história subjacente para fins estéticos. Em NiFF, entretanto, tratei-a como mais
que uma mera ferramenta de análise. Defendi que a diferença era real em termos psicológicos,
entendendo que, à medida em que encontramos eventos no syuzhet, tacitamente construímos
também a fábula. O processo seria paralelo e simultâneo: o espectador acompanharia não apenas o
que acontece a cada momento na tela, como também encaixaria esses estímulos num padrão
cronológico de eventos da fábula. Parecia um claro exemplo da combinação de estímulos vindos de
baixo com a cognição chegando de cima.
Infelizmente, apontaram algumas pessoas, um processo assim é implausível. No fim das contas, tive
que concordar. Uma primeira razão é a de que não temos consciência da construção de uma fábula
em nossas cabeças da forma como podemos ter consciência, ao menos parcial, quando resolvemos
palavras cruzadas. Mais ainda, não é fácil ter acesso à fábula. Experimente parar um filme e tentar
lembrar-se de toda a cadeia de eventos que leva a seu momento presente. Ou, pior ainda, tente, ao
final de um filme, pensar na fábula completa que supostamente acabou de construir mentalmente. É
quase certo que não conseguirá.
Como nossas memórias são reconstrutivas, e não fotográficas, criar uma fábula acurada é
extremamente difícil. De forma mais teórica, Julian Hochberg e Virginia Brooks propõem algumas
razões pelas quais a representação mental do espectador, na maior parte dos casos, não tem como
refletir a estrutura subjacente de um filme.[11]
Acho que NiFF tocou num ponto válido: nossa compreensão das narrativas é com frequência
inferencial e nós de fato elaboramos em cima daquilo que nos é dado. Hoje, entretanto, acho que a
construção de inferências ocorre numa janela relativamente estreita de tempo, deixando poucos rastros
atrás de si. À medida que avançamos em um filme, o que se constrói em nossa memória é algo mais
precário, mais idiossincrático, distorcido por momentos mais intensos e mais sujeito a erros do que a
fábula que um analista poderia desenhar. Na verdade, são as limitações bastante reais de nossa memória
que tornam possíveis narrativas que levam o público propositalmente a fazer inferências equivocadas,
como em Mildred Pierce (1945) e outros filmes.[12]
Não obstante, creio que o erro tenha sido produtivo. Por atribuir ao espectador a tarefa contínua da
construção da fabula, NiFF está em sintonia com uma premissa que me parece central: um sentido
holístico da forma. Mesmo que olhemos a narrativa com lupa de analista ou teórico, é importante
considerar o desenho mais amplo da obra, os princípios mais ou menos coerentes que governam o
desdobramento da história.
Quando digo isso, tenho em vista questões como a progressão sutil dos objetivos dos personagens,
motivos psicológicos e mudanças de personalidade, tomada gradual de consciência, mudanças de ponto
de vista, temas variados e repetidos, e padrões mais nuançados de apresentação visual e sonora. Tentei
mostrar a criação de considerável riqueza formal a partir da operação dessas características em muitas
escalas numa análise de Jerry Maguire (1996), por exemplo.[13]
Essas características no desenho dos filmes precisam ser explicadas, especialmente quando surgem em
filmes populares relativamente inócuos. Por que tantos filmes são organizados de forma mais coesa que
necessária, tendo em vista as drásticas limitações na atenção e memória dos espectadores?
Evidentemente, objetivos, temas e tudo o mais são elementos que buscam moldar, de alguma forma, a
experiência de quem assiste ao filme. Nós de fato os registramos em determinados níveis de
consciência.
NiFF trabalhava com a ideia de um espectador demasiado consciente. Mesmo assim, entretanto, ao
menos em termos metodológicos, parece melhor apontar muito aspectos dos filmes aos quais um
espectador pode responder, ainda que nenhum espectador real capte ou se recorde de todos eles
Sem dúvida, determinadas tradições parecem tentar construir narrativas mais densas, de forma que
leitores ou espectadores possam retornar ao filme ou livro e notar elementos que lhes escaparam de
uma primeira vez.
Aqui, como em outros lugares, meu desejo em NiFF de mesclar a análise formal a uma análise da
resposta do espectador deixou algumas lacunas na teoria. Em certos aspectos, entretanto, é melhor ter
mais a explicar (sobre a arquitetura e detalhe dos filmes) do que menos. Essa é uma dinâmica que,
tantos anos depois, ainda venho tentando refinar.
Em larga medida, NiFF explicitamente deixa de lado as dimensões emocionais da narração. Essa
opção se devia à suposição de que a compreensão das histórias se daria de forma relativamente isolada
da resposta emocional a elas. Seria possível acompanhar uma história, eu afirmava, sem se deixar afetar
sentimentalmente.
Tal ênfase era, uma vez mais, consistente com a ciência cognitiva dominante nos anos 1970 e 1980. O
índice, por exemplo, de The Mind’s New Science, manual de Martin Gardner, publicado em 1985, não
traz um verbete para “emoção”. Ainda assim considerei aquilo que a que poderíamos chamar de
“emoções cognitivas”: curiosidade, suspense e surpresa – todas elas invocadas pelo processo de
narração.
Desde que o livro foi escrito, entretanto, a relação entre emoção e cognição tornou-se central para a
ciência cognitiva e foi explorada por diversos estudiosos dos filmes que trabalham num paradigma
cognitivista[14]. Não é algo a que tenha me dedicado pessoalmente, mas trata-se com certeza de um
caminho de muita importância.
Por fim, alguém poderia perguntar por que contrastar aqui a abordagem cognitiva de NiFF com a
semiologia, que saía de moda quando o livro foi escrito?
Todos sabemos que as abordagens dominantes que emergiam nos anos 1980 eram o Neomarxismo, a
Psicanálise, os Estudos Culturais e estudos da modernidade e pós-modernidade. Eis minha resposta:
essas perspectivas não têm nenhum papel em NiFF, ou neste ensaio, porque seus proponentes não
estavam interessados no processo de compreensão dos filmes.
Esses estudiosos focavam questões como a representação nos filmes de processos sociais, culturais e
psicodinâmicos. Tipicamente, suas perguntas eram respondidas por meio da interpretação de filmes
individuais, procurando neles sinais de processos mais amplos evidenciados pela teoria em tela[15].
Minha preocupação era explicar, e não teorizar. Eu buscava uma análise funcional e histórico-causal do
porquê de certas regularidades nas estratégias narrativas de várias tradições cinematográficas – e essa
me parecia uma meta bastante pertinente para a linha semiológica de análise.
Doravante, gostaria de esboçar algumas ideias que desenvolveria em uma nova e melhorada versão de
NiFF. Elas se embasam em nossa percepção das imagens, em psicologia intuitiva e inteligência social.
Todas foram ao menos parcialmente abordadas em trabalhos meus de anos recentes.
Usamos cotidianamente a expressão “ler uma imagem”. Mas será verdade que certas imagens –
aquelas que o senso comum declara como “realistas” – demandam de fato o mesmo tipo de decifração
que a linguagem escrita? Quanto dependemos de convenções aprendidas de representação para
entender uma imagem?
Num artigo intitulado: "Senso comum + teoria fílmica = teoria fílmica do senso comum?" o filósofo
David Bordwell estabelece "... a fábula como a sequência cronológica e causal
de eventos que podem ser apresentados pelo syuzhet, isto é, a configuração de eventos no texto
narrativo tal como a vemos."
Partindo de tal distinção diríamos que a sinopse da obra em questão seria a fábula, geralmente
publicada nesses termos: A história de Maria, uma jovem que se refugia em uma casa abandonada no
sul do Chile depois de escapar de uma colônia alemã. Talvez pudéssemos acrescentar que trata-se de
uma moça sensível, castigada com 100 dias e 100 noites de isolamento por deixar fugir porquinhos,
animais que ela amava, e com os quais resolveu construir uma vivência isolada na floresta, até
finalmente ser resgatada em meio à grandes tormentos físicos e psicológicos.
O syuzhet, por outro lado, seria a forma como essa estória desenvolve-se, notadamente sua
característica central: o stop motion de camadas de pinturas formando lugares, personagens e
movimentos em 2D, acrescido, eventualmente, de elementos 3D. A atmosfera de apreensão psicológica
conecta-se perfeitamente à esse formato que mantém uma incessante ação do tempo: tudo está sempre
se decompondo, como corpos orgânicos em processo de decomposição. A morte e o tempo manifestam-
se nesse elementos produzindo um clima quase esquizofrênico para o desenvolvimento da protagonista.
Há momentos de terror nesse filme, como por exemplo, quando um incêndio fere os porquinhos e eles
se esvaem através dos próprios olhos, num negrume que escurece a tela. Os gemidos, os sussurros, dão
ao filme uma espécie de ponto de escuta que potencializa essa apreensão do enfrentamento.
A título de mera divagação pensei no documentário O Homem Urso , de Herzog, cujo tema central é
um homem que foge na natureza para viver entre ursos e acaba devorado por eles. Além disso, a
sonoridade, o trombone que, por vezes, parecia tenebrosamente desafinado, me fez pensar em cenas de
Cidade dos Sonhos, de David Lynch, notadamente aquelas do clube silêncio.
Este artigo está em construção, mas vou deixar aqui um link para quem quiser baixar e assistir ao
maravilhoso filme de Cristóbal León e Joaquín Cociña.