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Manual de Conservação e Transformação de Produtos de Origem Animal

Book · May 2012

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Carlos D. Pereira David Gomes


Instituto Politécnico de Coimbra Instituto Politécnico de Coimbra
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Manual de
Conservação
e Transformação
curso de
Auxiliar de
de Produtos de
origem Animal
Pecuária

Ministério da Agricultura
do Desenvolvimento
Rural e das Pescas
Manual de
Conservação
e Transformação
curso de
Auxiliar de de Produtos de
Pecuária
origem Animal
Ficha Técnica

Título:
Manual de Conservação e Transformação de Produtos de Origem Animal

autores:
Ana Brites, André Oliveira e Silva, Carlos Dias Pereira, David Gomes,
João Noronha, Jorge Viegas, Liliana Costa, Maria Antónia Conceição,
Renato Alves, Sara Carvalheiro, Susana Dias, Vanessa Patrício.

Diagramas:
Erika de Souza

Fotografias:
Ana Brites, Carlos Dias Pereira, Liliana Costa, Vanessa Patrício

Gestão de projecto:
SINFIC, SA.
Rua Kwame Nkrumah, nº10 - 3º, Maianga, Luanda - Angola
ESAC - Escola Superior Agrária de Coimbra
Bencanta, Coimbra - Portugal

Editor:
Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

Execução Gráfica:
OMLET DESIGN

revisão:
SINFIC, SA.

data:
Maio 2012

4 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal


Índice
1. Princípios de Conservação de Alimentos 10
1.1 Introdução 10

1.2 Principais factores de alteração dos alimentos 10

1.3 Bases da Conservação dos alimentos 14


1.3.1 Factores que afectam o crescimento microbiano em alimentos 14
1.3.2 Composição da atmosfera 15
1.3.3 Temperatura 15
1.3.4 Actividade da água 17
1.3.5 pH/acidez 18
1.3.6 Sais de cura 20
1.3.7 Ácidos orgânicos 21
1.3.8 Potencial de oxidação redução (Eh) 21
1.3.9 Culturas de arranque 22
1.3.10 Fumo 22
1.3.11 Combinação de factores – tecnologia de barreiras 23

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções 24


2.1 Introdução 24

2.2 Principais agentes patogénicos associados à água 25


2.2.1 Bactérias 26
2.2.2 Protozoários 27
2.2.3 Vírus 28
2.2.4 Recomendações e tratamentos 28

2.3 Principais agentes patogénicos associados a alimentos 29


2.3.1 Bactérias 30
2.3.1.1 Salmonelose 30
2.3.1.2 Campilobacteriose 31
2.3.1.3 Colite hemorrágica 32

Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5


2.3.1.4 Yersiniose 33
2.3.1.5 Listeriose 33
2.3.1.6 Leptospirose 34
2.3.1.7 Tuberculose 34
2.3.1.8 Brucelose 35
2.3.1.9 Intoxicação estafilocócica 35
2.3.1.10 Botulismo 35
2.3.2 Intoxicações devidas a fungos (micotoxicoses) 36
2.3.3 Parasitas 37
2.3.3.1 Cryptosporidium spp. 39
2.3.3.2 Giardia lamblia 40
2.3.3.3 Entamoeba histolytica 41
2.3.3.4 Toxoplasma gondii 42
2.3.3.5 Toxocara canis 44
2.3.3.6 Trichinella spp. 45
2.3.3.7 Echinococcus granulosus 46
2.3.3.8 Taenia saginata, Taenia solium 48
2.3.3.9 Diphyllobothrium latum 49
2.3.3.10 Anisakídeos 49
2.3.3.11 Tremátodos veiculados pelo pescado 50

2.4 Prevenção e controlo das parasitoses de origem alimentar 51

3. Leite e Produtos Lácteos 52


3.1 Leite: definição, características e composição 52

3.2 Microbiologia do Leite 66

3.3 Classificação do leite 68

3.4 Produção de leite a nível mundial 71

3.5 Processamento térmico do leite 72


3.5.1 Refrigeração 73
3.5.2 Pasteurização 74
3.5.3 Esterilização 78
3.5.3.1 Processo de esterilização convencional 79
3.5.3.2 Processo contínuo e embalagem asséptica (UHT) 80

6 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal


3.6. Produtos lácteos 83
3.6.1 Natas e manteiga 83
3.6.2 Queijo 92
3.6.3 Iogurte e outros leites fermentados 113
3.6.3.1 Conceito e tipos de iogurte 114
3.6.3.2 Outros produtos lácteos fermentados 122
3.6.3.2.1. Leite acidófilo 122
3.6.3.2.2. Kefir 122
3.6.3.2.3. Outros produtos lácteos tradicionais 122
3.6.4 Leites concentrados 124
3.6.4.1 Leite evaporado 124
3.6.4.2 Leite condensado 126
3.6.5 Leite em pó 127

4. Carne e produtos cárnicos 130


4.1. Composição da carne 130
4.1.1 Classificação dos músculos 130
4.1.2 Caracterização da fibra muscular 132
4.1.3 Tecido conjuntivo 135
4.1.3.1 Colagéneo 135
4.1.3.2 Elastina 136

4.2 Composição e factores de qualidade da carne 136

4.3 Transformação do músculo em carne 138

4.4 Produção de carne a nível mundial 141

4.5 Operações de abate e desmancha de carcaças 142


4.5.1 Matadouro 142
4.5.2 Avaliação dos perigos associados às linhas de abate 144
4.5.3 Processos de abate 154
4.5.4 Abate e características da carne de bovinos 159
4.5.4.1 Processo de abate 159
4.5.4.2 Classificação de carcaças de bovino 161
4.5.4.3 Desmancha da carcaça 168
4.5.4.4 Peças de talho e sua aptidão culinária 168

Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7


4.5.5 Abate e características da carne de suínos 170
4.5.5.1 Processo de abate 170
4.5.5.2 Classificação de carcaças de suíno 175
4.5.6 Processo de abate de aves 177

4.6 Produtos cárnicos crus/curados 186

4.7 Produtos cárnicos cozidos 198


4.7.1 Enchidos cozidos 200
4.7.2 Emulsões cárnicas 200
4.7.3 Geís cárnicos 203

4.8 Tecnologias de processamento simplificadas 206

4.9 Outros produtos da indústria das carnes 217


4.9.1 Subprodutos 217
4.9.2 Couros/peles 223

5. Pescado 236
5.1 Os produtos da pesca 236

5.2 Composição do pescado 236

5.3 Capturas e produção em aquacultura 237

5.4 Conservação do pescado 241


5.4.1 Pescado fresco 242
5.4.2 Pescado congelado 242
5.4.3 Conservas de peixe 244

5.5 Tecnologias simplificadas para o processamento de pescado 253

8 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal


6. Ovos e ovoprodutos 259
6.1 Características e informação nutricional do ovo 259

6.2 Classificação comercial 260

6.3 Métodos de conservação de ovos 264


6.3.1 Refrigeração 264
6.3.2 Pasteurização de ovos 264
6.3.3 Congelação de ovos 265
6.3.4 Métodos tradicionais para armazenar ovos 266
6.3.5 Métodos tradicionais para conservação de ovos 267
6.3.6 Verificação da frescura dos ovos 268

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos 269


7.1 Programa de higiene do pessoal 269

7.2 Concepção de infra-estruturas 279

7.3 Programa de higienização de instalações e equipamentos 283

7.4 Programa de manuseamento de resíduos 285

7.5 Programa de controlo de pragas 288

7.6 Programa de controlo do ar 291

8. bibliografia 292

Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 9


1. Princípios de Conservação
de Alimentos
1.1 Introdução
Este capítulo pretende fornecer informação geral sobre as principais causas de
alteração da qualidade e da segurança dos alimentos. Isto é, abordam-se facto-
res que afectam não apenas aspectos de qualidade dos mesmos (responsáveis
pela sua degradação) mas também, factores capazes de provocar doenças de
origem alimentar causadas sobretudo por diversos microrganismos patogénicos
(agentes de doenças ou de intoxicações – globalmente designadas toxinfecções).

Assim, serão referidos os principais agentes causadores de deterioração de ali-


mentos e de doenças de origem alimentar. Será também dada especial atenção
aos factores de processamento que, podendo ser controlados, permitem impe-
dir o desenvolvimento desses microrganismos.

Nos capítulos destinados ao processamento específico de produtos de origem


animal (carne, pescado, leite e ovos) serão feitas referências aos princípios que
estão na base da eficácia de cada processo.

1.2. Principais factores de alteração dos alimentos


Devido às suas características e composição química, todos os alimentos estão,
em maior ou menor grau, sujeitos a alterações que podem influenciar a sua qua-

10 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 1. Princípios de Conservação de Alimentos


lidade. Essas alterações são muito variadas e, se nada for feito no sentido de os
preservar, na maioria dos casos, eles vão deteriorar-se ao longo do tempo.

Alguns processos de degradação apenas afectam as características nutricionais e sensoriais do produto (sabor, aroma,
cor, textura, características nutritivas) enquanto outros, afectando ou não aquelas características, poderão beneficiar o
desenvolvimento de microrganismos patogénicos ou a produção de toxinas, transformando-os em produtos perigosos
para a saúde. Também, a presença de resíduos químicos (p. ex. pesticidas ou resíduos medicamentosos) ou de materiais
físicos (p. ex. restos de metal) poderão colocar em causa a saúde dos consumidores.

A principal causa de alteração dos alimentos resulta do desenvolvimento de mi-


crorganismos (bactérias, leveduras e bolores) que, dispondo de condições favorá-
veis, se multiplicam muito rapidamente e, por acção das suas enzimas, provocam
reacções que levam à sua degradação. Alguns microrganismos são também capa-
zes de produzir compostos tóxicos ou são eles próprios agentes directos de doen-
ças. Estes são denominados como patogénicos. Como exemplos podem citar-se,
vírus responsáveis por gastroenterites, os agentes da tuberculose, da salmonelose
Tabela 1.1
entre muitos outros. Principais características de
alteração dos alimentos

característica defeito característica defeito


perda de solubilidade diminuição do tamanho de partículas
perda de capacidade de retenção de água APARÊNCIA aumento do tamanho de partículas
TEXTURA
endurecimento aparecimento de grânulos
amolecimento perda ou degradação de:
rancificação vitaminas
AROMA E SABOR desenvolvimento de cheiros anormais VALOR NUTRITIVO minerais
desenvolvimento de sabores anormais proteínas
escurecimento lípidos
COR descoloração
desenvolvimento de cores anormais

1. Princípios de Conservação de Alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 11


São diversos os géneros microbianos que aparecem nos alimentos. Apresentam diferentes necessidades nutricionais
e são influenciados pelo ambiente que os envolve.
As principais origens destes microrganismos são: solo, ar/poeiras, água, utensílios e equipamentos, animais (a sua
pele, penas e pêlos), plantas e o Homem.
As plantas podem ser contaminadas pelo solo e pela água, por exemplo se a rega for efectuada com água contendo
material fecal, ou a lavagem de produtos hortícolas for realizada com água de má qualidade microbiológica.
Os utensílios, nomeadamente as superfícies de corte como facas e tábuas mal higienizadas, são muitas vezes a ori-
gem de contaminação dos alimentos com que entram em contacto.
As rações são outra fonte importante de microrganismos, estando por exemplo associadas à propagação de Salmo-
nella spp. As forragens podem ser a origem da contaminação dos animais produtores de leite e carne, com Listeria
monocytogenes.
A pele dos animais é muitas vezes a origem da contaminação quer do leite e utensílios, quer das mãos dos orde-
nhadores. Inclusive a maior parte dos microrganismos do leite resultam da microflora do úbere, quando a ordenha
é efectuada em más condições de higiene.
A contaminação dos ovos pode também ocorrer no momento imediato à postura por fezes das aves e poeiras exis-
tentes nos aviários.
O ar e as poeiras são a principal fonte de leveduras e bolores.
O Homem também é responsável, enquanto manipulador dos alimentos, pela disseminação de microrganismos,
estando associado sobretudo, à propagação de Staphylococcus spp. Esta contaminação pode ser feita pelas mãos, a
partir da cavidade nasal, boca, tracto gastrointestinal e pele.

As bactérias apresentam-se sob muitas formas: esféricas, em bastonete ou em


espiral. As bactérias esféricas (cocos) podem encontrar-se associadas entre si em
cadeias simples (diplococos), alongadas (estreptococos), em cacho (estafiloco-
cos), associadas quatro a quatro (tétradas), ou em grumos (sarcinas).

Em condições desfavoráveis no meio circundante, os bastonetes podem produ-


zir formas resistentes (esporos) capazes de sobreviverem em estado dormente
(letárgico) para poderem dar origem a células activas quando as condições do
meio o proporcionarem. Este é o caso do Clostridium botulinum, agente patogé-
nico capaz de produzir uma das toxinas mais perigosas, responsável pelo botu-
lismo, uma intoxicação que origina muitas mortes por paralisia dos músculos
cardíacos e respiratórios.

A multiplicação dos microrganismos é muito condicionada pelo meio em que


se encontram e a grande maioria dos processos de conservação dos alimentos
faz uso desses factores para controlar o seu desenvolvimento. Note-se que nem
todos os microrganismos são prejudiciais e muitos deles são até responsáveis
pela produção e conservação dos alimentos, como acontece nos produtos fer-
mentados (p.ex.: leite azedo, iogurte, cerveja, vinagre).

12 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 1. Princípios de Conservação de Alimentos


coco diplococo
sarcina
vibrião

ESTREPTOCOCO

ESPIROQUETA

bacilos
espirilo

Figura 1.1
Diferentes formas
apresentadas por
bactérias

Os produtos alimentares possuem um conjunto de factores de natureza intrín-


seca (isto é do próprio produto) e extrínseca (relacionados com o meio onde se
encontra o alimento) que poderão ser propícios ao desenvolvimento microbiano
e, a reacções químicas que podem afectar a sua qualidade e/ou a sua segurança.
Entre os principais factores intrínsecos destacam-se:

pH/acidez Potencial de oxidação redução


Disponibilidade em água (aw) Constituintes anti-microbianos
Nutrientes disponíveis Estruturas biológicas

Quando os valores destes parâmetros se encontram dentro da gama óptima ao


desenvolvimento microbiano podem proporcionar aos microrganismos patogé-
nicos as condições óptimas para o seu desenvolvimento.

No que respeita aos factores extrínsecos destacam-se:

Temperatura Humidade do ar ambiente Composição da atmosfera

Estes factores extrínsecos condicionam muito o crescimento de microrganismos


e, como se verá de seguida, o seu controlo permite, em muitos casos, aumentar
a vida útil dos alimentos e garantir também a sua segurança.

1. Princípios de Conservação de Alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 13


1.3 Bases da conservação dos alimentos

A conservação de alimentos depende de acções ou metodologias definidas que visam a manuten-


ção de níveis adequados de qualidade e de segurança. As tecnologias envolvidas no processamento,
conservação e armazenagem dos alimentos são vitais para o abastecimento contínuo de produtos
alimentares.
Um aspecto muito importante que distingue a actividade agrícola de outros processos de produção
industrial é a sua natureza sazonal. Isto é, a produção ocorre em determinadas épocas do ano, sendo
necessário conservar e armazenar os produtos agrícolas de forma a garantir-se o abastecimento ao
longo de todo o ano.
Assim, as razões mais importantes para o processamento e conservação de alimentos têm que ver
com a natureza sazonal das produções agrárias, com o interesse em acrescentar valor aos produtos
e, com a necessidade de garantir a variedade da dieta.
A segurança alimentar é também um aspecto fundamental que deve ser considerado e, os méto-
dos de conservação dos alimentos, quando correctamente aplicados, são um factor decisivo para
garantir este objectivo.
O conhecimento dos factores que afectam o desenvolvimento dos microrganismos é pois crucial na
aplicação das tecnologias de conservação.

1.3.1 Factores que afectam o crescimento microbiano em alimentos


Como já foi dito, diversos factores ambientais podem afectar o crescimento de
microrganismos nos alimentos: uns são de natureza intrínseca, isto é, estão di-
rectamente relacionados com a própria composição do alimento, como sejam a
quantidade de água disponível ou actividade da água (aw), a acidez do alimento,
o potencial de oxidação-redução, o seu conteúdo em nutrientes ou, a presença
no próprio alimento de componentes com actividade anti-microbiana. Outros
são de natureza externa ou extrínseca como sejam: a temperatura, a humidade
relativa e a composição dos gases na atmosfera que envolve o alimento ou a
presença de conservantes no alimento (p. ex. ácidos orgânicos ou sais de cura)
(ICSMF, 1980).

Ao longo dos tempos, o Homem aprendeu de forma empírica a controlar esses


factores com o objectivo de garantir a conservação dos alimentos.

No que se refere à utilização da temperatura, o Homem aprendeu que as baixas


temperaturas retardam a degradação dos alimentos e que os alimentos conge-

14 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 1. Princípios de Conservação de Alimentos


GRUPOS EXEMPLOS
AERÓBIOS ESTRITOS Pseudomonas aeruginosa *
AERÓBIOS Sacharomyces cerevisae
ANAERÓBIOS FACULTATIVOS Escherichia coli *
ANAERÓBIOS ESTRITOS Clostridium botulinum *
*: microrganismos patogénicos

Tabela 1.2
Grupos fisiológicos de
lados mantêm as suas características por longos períodos de tempo. Também microrganismos em função
das condições óptimas de
percebeu que o aquecimento elimina os microrganismos e que, embalando os atmosfera de crescimento

alimentos tratados pelo calor eles se degradam mais lentamente. Verificou tam-
bém que, alguns alimentos quando são mantidos à temperatura ambiente modi-
ficam as suas características organolépticas (relacionadas com o seu sabor) mas
mantém-se estáveis e, inclusivamente, melhoram a sua capacidade de conserva-
ção e o seu sabor. Esta observação deu origem a diversos alimentos e bebidas
fermentadas, a maioria de origem étnica e característicos de algumas regiões
(p.ex.: leite azedo, cerveja de massambala). Uma grande variedade de produtos
fermentados é, hoje em dia, encontrada nos mercados e se, nalguns casos, es-
ses produtos beneficiaram com a aplicação dos princípios científicos actuais, na
maioria dos casos permanecem idênticos aos produtos originais. Este é o caso de
bebidas alcoólicas como o vinho e a cerveja, variados queijos e leites fermentados
ou mesmo produtos cárnicos, como algumas salsichas.

Apesar da história humana ter já milhares de anos, só depois do século dezanove


se começaram a aplicar sistematicamente os princípios científicos da conservação
de alimentos.

1.3.2 Composição da atmosfera


Os diferentes grupos de bactérias também necessitam de condições específicas
de composição do ar para o seu crescimento. Alguns apenas se desenvolvem
em presença de oxigénio (aeróbios), enquanto outros exigem a ausência deste
elemento para o seu crescimento (anaeróbios). A tabela 1.2 apresenta diferentes
grupos de microrganismos de acordo com a composição da atmosfera de cresci-
mento que necessitam.

1.3.3 Temperatura
A temperatura é provavelmente o mais importante factor ambiental que afecta
o crescimento e a viabilidade dos microrganismos. Embora algumas espécies de
microrganismos possam crescer a temperaturas de -8 ºC ou a +90 ºC, a gama de
temperaturas que permite o crescimento de microrganismos, incluindo os pa-

1. Princípios de Conservação de Alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 15


Adaptado de ICMSF (1980)
GRUPOS Mínimo Óptimo máximo
THERMÓFILOS 40 55-75 90
MESÓFILOS 5 30-45 47
PSICROTRÓFICOS -5 25-30 35
PSICRÓFILOS -5 12-15 20

Tabela 1.3
Limites de temperatura (ºC)
de crescimento de quatro
grupos fisiológicos de bactérias

Adaptado de ICMSF (1980)


Q10 PROCESSOS

e de Stumbo (1973)
1,8-4,0 Reacções Químicas
8,0-12,0 Inactivação de Esporos Bacterianos
10,0-20,0 Inactivação de Microrganismos
10,0-100,0 Desnaturção de Proteínas

Tabela 1.4
Valores de Q10
de diversas reacções
togénicos, raramente ultrapassa os +35 ºC. A tabela 1.3 apresenta os limites de
crescimento de quatro grupos fisiológicos de bactérias.

As reacções químicas bem como a inactivação dos microrganismos são afec-


tadas pela temperatura. Normalmente, um aumento da temperatura de 10 ºC
(Q10) origina um aumento da velocidade das reacções químicas de 2 a 4 vezes. O
mesmo aumento da temperatura tem um efeito muito mais pronunciado sobre
a velocidade de inactivação dos microrganismos (entre 8 a 20 vezes). A tabela 1.4
apresenta os valores de Q10 de diversos processos. Uma reacção que tenha um
valor de Q10 igual a 1 é independente da temperatura.

Esta situação ocorre no processo de oxidação da gordura pois esta reacção é


pouco influenciada pela temperatura.
A resistência ao calor de um dado microrganismo, a uma determinada tempera-
tura, é medida como o tempo necessário para inactivar 90% da população desse
microrganismo (uma redução decimal) e, é conhecida como o valor D (tempo de
redução decimal).

Os processos de tratamento térmico de alimentos são normalmente definidos


com o objectivo de se obterem 12 reduções decimais para uma população de
microrganismos patogénicos específicos (12D). Isto significa uma redução de
99,9999999999% na população desses microrganismos ou, dito de outra ma-
neira, se existisse um bilião (1.000.000.000.000) de microrganismos numa de-
terminada quantidade de produto, apenas sobreviveria 1. No caso dos produtos

16 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 1. Princípios de Conservação de Alimentos


Adaptado de ICMSF (1980)
MICRORGANISMOS Temperatura (ºC) Valor D (minutos)
Brucella spp. * (agente da brucelose) 65,5 0,2
Salmonella spp. * (agente da salmonelose) 65,5 0,25
Mycobacterium tuberculosis * (agente da tuberculose) 65,5 0,30
Listeria monocytogenes * (agente da listeriose) 71,7 0,6
Staphylococcus aureus * (intoxicação estafilocócica) 65,5 0,2 - 2,0
Leveduras, bolores e microrganismos responsáveis
65,5 0,5 - 3,0
pela deterioração dos alimentos
Lactococcus lactis (bactéria láctica não patogénica) 65 0,01
Escherichia coli * 65 0,10
* : microrganismos responsáveis por perigos alimentares

Tabela 1.5
Tempos de redução decimal
(valores D) para alguns
enlatados esterilizados, o microrganismo de referência é o agente do botulismo microrganismos
(Clostridium botulinum) que é produtor de uma das mais perigosas toxinas co-
nhecidas. No caso dos produtos pasteurizados (p. ex. leite) o microrganismo de
referência é o agente da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis).

As Tabelas 1.5 e 1.6 apresentam os valores da resistência térmica de diversos mi-


crorganismos, a diferentes temperaturas. A título de exemplo, se o valor D do
Mycobacterium tuberculosis a 65,5  ºC é de 30 segundos, um tratamento de 6 mi-
nutos a esta temperatura originaria 12 reduções decimais na população presente
(30*12=360 segundos). Nestas condições, um processo de tratamento de leite a
65 ºC durante 30 minutos, é mais do que suficiente para eliminar este microrga-
nismo patogénico. Note-se também (Tabela 1.6) que os microrganismos capazes
de produzir formas resistentes (esporos) obrigam ao uso de tratamentos térmicos
mais drásticos.

1.3.4 Actividade da água


A actividade da água (aw) é uma medida da quantidade de água disponível que
existe num alimento. Poderá ser comparada ao valor da humidade relativa. Quan-
to maior for a actividade da água de um alimento maiores serão as possibilidades
para o crescimento de microrganismos. Assim, alimentos com elevada actividade
da água (p. ex. leite, carne) serão facilmente sujeitos a degradação por acção dos
agentes microbianos enquanto os alimentos mais secos, com baixa actividade da
água (p. ex. cereais) têm um período de conservação maior. A actividade da água
é definida como a razão entre a pressão de vapor de água do produto (p) e a da
água pura (p0) à mesma temperatura.

aw= p/po

1. Princípios de Conservação de Alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 17


Adaptado de ICMSF (1980)
MICRORGANISMOS Temperatura (ºC) VALOR D (minutos)
Esporos aeróbios mesófilicos 100 5,0
Bacillus cereus * 100 11,0
Bacillus subtilis 100 0,5
Bacillus polymyxa
Esporos anaeróbios mesófilicos 100 0,5
Clostridium butyricum 100 0,3-20
Clostridium perfringens * 100 50,0
Clostridium botulinum A e B *
esporos anaeróbios termofílicos 120 4,0
Clostridium thermosaccharolyticum 120 3,0
Clostridium nigrificans 65 0,1
* : microrganismos responsáveis por perigos alimentares

Tabela 1.6
Tempos de redução decimal
(valores D) para alguns esporos
a determinadas temperaturas

A actividade da água está pois relacionada com diversas propriedades dos ali-
mentos como sejam, a sua pressão osmótica, os seus pontos de ebulição e de
congelação e a sua humidade relativa de equilíbrio (HRE).

HRE % = aw x 100

A tabela 1.7 apresenta os valores mínimos de actividade da água necessários para


o crescimento de alguns microrganismos, em condições óptimas de temperatura.
Nela poderá ser observado que a espécie Staphylococcus aureus é, do grupo dos
microrganismos patogénicos, a única que tolera valores inferiores a 0,90.

A tabela 1.8 apresenta os limites de actividade da água de alguns grupos de


alimentos. Nela se poderá verificar que os alimentos mais perecíveis, isto é, que
se degradam mais rapidamente, apresentam valores de actividade da água en-
tre 0,98 e 1,00 seguindo-se um segundo grupo com valores de aw inferiores
(até 0,93) e que apresentam já maiores períodos de conservação. Note-se que,
abaixo de um valor de cerca de 0,85, já não se torna possível o crescimento de
microrganismos patogénicos. Nestas condições, só por si, este factor garante a
segurança desses produtos.

1.3.5 pH/acidez
Há milhares de anos que o aumento da acidez dos alimentos, quer de forma
natural, através de um processo de fermentação (p. ex. iogurte, leites fermenta-

18 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 1. Princípios de Conservação de Alimentos


Adaptado de ICMSF(1980)
MICRORGANISMO aw mínima MICRORGANISMO aw mínima
BACTERIAS BOLORES
Clostridium botulinum * 0,94 Alternaria citri 0,84
Bacillus cereus * 0,95 Aspergillus niger * 0,77
Clostridium perfringens * 0,95 Aspergillus flavus * 0,78
Escherichia coli * 0,95 Botrytis cinerea 0,93
Salmonella spp. * 0,95 Rhizopus nigricans 0,93
Staphylococcus aureus * 0,86 * : microrganismos responsáveis por perigos alimentares

LEVEDURAS
Debaryomyces hansenii 0,83
Tabela 1.7
Saccharomyces bailii 0,80 Valores mínimos de actividade da
água que permitem o crescimento
Saccharomyces cerevisiae 0,90
de microrganismos

aw
Adaptado de ICMSF (1980) e de Jay, (1992)

ALIMENTOS aw ALIMENTOS

CARNE E PEIXE FRESCOS 1,0 - 0,98 FUBA 0,85 - 0,60


LEITE E BEBIDAS CEREAIS
IOGURTE E QUEIJO FRESCO DOCES E GELEIAS
FRUTOS E VEGETAIS FRESCOS QUEIJOS EXTRA DUROS
BACALHAU SALGADO
CARNE LIGEIRAMENTE SALGADA 0,98 - 0,93
CAJÚ
SALSICHAS FERMENTADAS
GINGUBA
LEITE EVAPORADO
CARNES CURADAS ENLATADAS MEL < 0,60
QUEIJO SEMI DURO BOLACHAS
LEITE EM PÓ
CARNE E PEIXE SECOS 0,93 - 0,85
QUEIJOS DUROS
LEITE CONDENSADO
Tabela 1.8
PRESUNTO Valores aproximados
de aw de cinco grupos
MANTEIGA de alimentos
FRUTA SECA

dos ou pickles) quer artificialmente, através da adição de ácidos fracos, tem sido
usada para aumentar a estabilidade microbiológica dos alimentos e para garantir
a sua conservação.
A acidez é o principal factor que garante a conservação dos alimentos fermen-
tados e este factor pode ser combinado com outros que também promovam a
sua conservação, como sejam, o calor, a adição de conservantes e, a redução da
actividade da água.
O grau de acidez de um alimento pode ser medido por titulação química ou, mais
vulgarmente, por determinação do seu pH. O pH é medido numa escala entre 0 e
14, sendo o valor de 7 o indicador da neutralidade. Valores superiores a 7 indicam

1. Princípios de Conservação de Alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 19


Adaptado de ICMSF 1980 e de Jay, 1992
ALIMENTOS pH MICRORGANISMOs pH mínimo

Adaptado de ICMSF 1980


NEUTROS 7,0-6,5 Salmonella paratyphy * 4,0
CARNE LOGO APÓS O ABATE Escherichia coli * 4,4
LEITE Vibrio parahaemolyticus * 4,8
PEIXE Bacillus cereus * 4,9
OVOS Clostridium botulinum * 4,7
POUCO ÁCIDOS 6,5-5,3 Staphylococcus aureus * 4,0
CARNE FRESCA Enterococcus spp. 4,8
TOUCINHO FUMADO Lactobacillus spp. 3,8
VEGETAIS ENLATADOS Saccharomyces cerevisiae 2,3
ACIDEZ MÉDIA 5,3-4,5
Aspergillus oryzae 1,6
VEGETAIS FERMENTADOS
Penicillium italicum 1,9
QUEIJOS
ÁCIDOS 4,5-3,7 * : microrganismos responsáveis por perigos alimentares
FRUTOS
Tabela 1.10
SUMOS DE FRUTA
Limites mínimos de pH que
REFRIGERANTES permitem o crescimento de
alguns microrganismos
TOMATE
VEGETAIS FERMENTADOS
IOGURTE
MUITO ÁCIDOS <3,7
PICKLES
CITRINOS

Tabela 1.9
Classes de alimentos condições básicas e, inferiores a esse valor indicam condições ácidas.
em função do seu pH
Em termos práticos, os alimentos que são submetidos a tratamentos térmicos
para a sua conservação são normalmente divididos em dois grupos, consoante o
seu pH: alimentos pouco ácidos, com um valor de pH superior a 4,5 e, alimentos
ácidos, com valores de pH mais baixos.
A tabela 1.10 apresenta os valores de pH mínimos que permitem o crescimento
de vários microrganismos. As bactérias que não produzem esporos são as mais
comuns entre os responsáveis pela deterioração dos alimentos em todos os va-
lores de pH. Felizmente as bactérias patogénicas são sensíveis à acidez.

1.3.6 Sais de cura


A adição de sal conduz à redução da actividade da água, criando condições ad-
versas para a multiplicação da maior parte dos microrganismos.

O processo de cura para a preservação de alimentos teve origem com o proces-


so de salga. O sal (cloreto de sódio) contém nitrato de sódio (NaNO3) juntamente
com outras impurezas.

20 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 1. Princípios de Conservação de Alimentos


Verificou-se que este composto era responsável pelo desenvolvimento de uma
cor rosada em produtos cárnicos salgados (p.ex.: bacon, fiambre). Verificou-se
também que, por acção das bactérias redutoras, o nitrato é transformado em
nitrito (NO2) e óxido nítrico (NO) que são de facto os agentes responsáveis pela
cor rosada desses alimentos. O mecanismo exacto da inactivação de bactérias
por acção dos nitratos e dos nitritos não é completamente conhecido. A presença
destes compostos não impede a formação de esporos bacterianos mas previne
que os esporos possam dar origem a bactérias capazes de se multiplicarem e de
produzirem compostos tóxicos. Com concentrações de cerca de 0,13g/kg é usado
como um agente bacteriostático.

O ácido ascórbico é usado como um agente que acelera o desenvolvimento da


cor rosada da carne e, adicionalmente, aumenta a actividade anti-bacteriana dos
nitratos e nitritos em carnes curadas. Este agente reduz o potencial redox e au-
menta a produção de óxido nítrico a partir do nitrito.

1.3.7 Ácidos orgânicos


Os ácidos orgânicos formam-se nos frutos, como por exemplo, o ácido cítrico nos
limões e o ácido benzóico nas amoras. O ácido láctico ocorre nos tecidos animais
e no leite e, vários outros ácidos orgânicos estão presentes nas especiarias.

Os ácidos orgânicos (acético, benzóico, cítrico, propiónico e sórbico) são vulgar-


mente usados em alimentos como conservantes ou acidificantes. É a forma não
dissociada do ácido que possui acção anti-microbiana. Esta forma é facilmente
solúvel na membrana celular dos microrganismos e interfere com a sua perme-
abilidade afectando a actividade dos microrganismos. Se o pH do alimento for
baixo (acidez elevada) a actividade dos ácidos orgânicos como conservantes é
mais eficaz.

1.3.8 Potencial de oxidação redução (Eh)


O potencial redox é um importante factor selectivo na conservação de alimentos
visto que influencia os tipos de microrganismos que aí se desenvolvem. Embora
não seja um factor que se manipule directamente durante o processamento de
alimentos, este parâmetro interage com outros, como sejam o pH e a atmosfera
gasosa, determinando qual o tipo de flora microbiana que se desenvolve. Valores
baixos de Eh (+10 a -130 mV) previnem o crescimento de microrganismos aeró-

1. Princípios de Conservação de Alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 21


Adaptado de ICMSF (1980)
ÁCIDO Concentração (g/kg) Exemplos
ÁCIDO ACÉTICO Sem limites pickles
ÁCIDO CÍTRICO Sem limites refrigerantes
ÁCIDO SÓRBICO 0,1 - 2 queijo fresco, doces e geleias
ÁCIDO BENZÓICO 0,1 - 2 pickles, refrigerantes e sumos
ÁCIDO PROPIÓNICO 0,1 - 3 pão e bolos

Tabela 1.11
Ácidos orgânicos de uso mais
comum em alimentos e exemplos
de aplicações
bios mas podem encorajar o crescimento de microrganismos anaeróbios (Ente-
robactérias e Clostrídios). Os vegetais têm elevados valores de Eh (+300 a +400
mV) que previnem o crescimento de microrganismos anaeróbios, daí que sejam
normalmente deteriorados por bactérias aeróbias.

1.3.9 Culturas de arranque


As culturas de arranque, vulgarmente conhecidas como fermentos, são usados
em variados tipos de alimentos fermentados no sentido de garantirem uma fer-
mentação (diminuição do pH) mais rápida, mais completa e, sobretudo, mais
controlada do que aquela que ocorreria com a flora indígena do alimento. Nos
países mais desenvolvidos as culturas de arranque são muito usadas na indústria
de lacticínios e na de carnes, na produção de produtos como sejam queijos,
iogurtes, leites fermentados e salsichas. A sua utilização será abordada posterior-
mente quando for abordada a elaboração de produtos específicos como sejam
o iogurte ou o queijo.

1.3.10 Fumo
O fumo é um componente importante dos processos de conservação de muitos
produtos à base de carne e de pescado. Hoje em dia é apenas fundamental para
a conservação de alguns, sendo sobretudo usado para melhorar o seu aroma e
cor. Contudo, em países pouco desenvolvidos e em sociedades rurais ainda tem
um papel muito importante como elemento chave para a conservação de ali-
mentos. Pode também ser usado como agente desinfectante como seja o caso
da sua utilização para desinfectar cabaças destinadas à produção de leite azedo.
O fumo contém uma grande variedade de compostos orgânicos, alguns deles
com acção antimicrobiana comprovada, como sejam compostos fenólicos e o
formaldeído.

22 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 1. Princípios de Conservação de Alimentos


1.3.11 Combinação de factores – tecnologia de barreiras
A tecnologia de barreiras (Hurdle Technology) é usada em muitos países no sen-
tido de garantir uma efectiva conservação de alimentos usando processos pou-
co severos. Inicialmente esta tecnologia era usada empiricamente sem que se
conhecessem com detalhe os princípios de base do processo de conservação.
Nos últimos 20 anos, esta tecnologia tornou-se mais comum pelo facto de se ter
adquirido maior conhecimento sobre os principais factores que condicionam a
conservação dos alimentos (temperatura, pH, aw, Eh, flora microbiana competiti-
va) (Leistner 2000). As respostas fisiológicas dos microrganismos durante o pro-
cesso de conservação de alimentos (isto é as suas reacções ao meio, a exaustão
metabólica e o stress a que são submetidos durante os processos) são as bases
para a aplicação desta tecnologia. O distúrbio das condições óptimas para o cres-
cimento de microrganismos é pois a sua base. As barreiras mais importantes são:
a actividade da água (aw), a acidez (pH), o potencial redox (Eh), a presença de
conservantes (p. ex. nitrito) e a presença de flora competitiva (p. ex. bactérias
lácticas). Contudo, mais de sessenta outras barreiras potenciais que melhoram
a estabilidade ou a qualidade dos produtos foram já descritas (Leistner, 2000).
Na prática, a tecnologia poderá ser descrita como uma corrida de obstáculos. As
bactérias patogénicas e os agentes de deterioração dos alimentos são capazes
de ultrapassar um ou dois obstáculos mas não a totalidade dos mesmos. Assim,
o pH a actividade da água ou a dose de conservante usada, individualmente
não inibem o desenvolvimento de microrganismos mas, se uma ligeira redução
do pH for associada a uma ligeira redução da humidade, associados a uma pe-
quena dose de conservante, o produto alimentar mantém-se seguro e estável.
Nos países em vias de desenvolvimento, a aplicação da combinação dos factores
anteriormente descritos em produtos que se mantêm estáveis e seguros sem se-
rem refrigerados, é de facto um factor muito importante para a garantia da dieta
alimentar das populações.

No final deste capítulo o aluno deverá


Conhecer quais as principais causas de alteração dos alimentos
Enumerar os factores intrínsecos e extrínsecos que afectam o desenvolvimento dos microrganismos
Enumerar os principais microrganismos patogénicos que podem ocorrer em alimentos
Distinguir diferentes grupos de alimentos em função das suas características intrínsecas
Avaliar os efeitos das características dos alimentos e do meio envolvente sobre o crescimento de microrganismos
Relacionar os factores intrínsecos e extrínsecos que condicionam o desenvolvimento microbiano, com
os principais processos de conservação de alimentos

1. Princípios de Conservação de Alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 23


2. Água e alimentos como
fontes de toxi-infecções
2.1 Introdução
A definição da Organização Mundial de Saúde define doença de origem alimen-
tar como sendo uma doença de natureza infecciosa, parasitária ou tóxica, causa-
da por agentes que entram no organismo pela ingestão de alimentos. Qualquer
pessoa está em risco de adquirir uma toxinfecção alimentar.
Na maioria dos países, a informação disponível sobre a incidência e severida-
de das toxinfecções alimentares é reduzida, pois os casos não são declarados,
não se procura o tratamento ou quando tratadas, não se faz a identificação do
agente etiológico. Também certos agentes patogénicos que se transmitem por
via alimentar são disseminados através da água ou por contacto directo “pessoa-
-a-pessoa” (via fecal-oral) o que torna difícil evidenciar o papel dos alimentos
como veículos de transmissão, ainda que a contaminação de objectos e mãos,
esteja na base da contaminação dos alimentos durante a sua manipulação e
preparação (Figura 2.1).

24 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
ambiente
alimentos
irrigação
água
fertilização

perdas
oceanos • rios ruminantes • aves
ribeiros pescado • suínos

água de consumo

saúde humana
esgotos manuseamento
transformação
consumo
IMUNOCOMPROMETIDOS
idosos • crianças

Figura 2.1
Relação entre a saúde
humana e as infecções
2.2 Principais agentes patogénicos associados à água alimentares com origem
na água e nos alimentos
A água é um factor indispensável à sobrevivência dos seres vivos, essencial na
produção agrícola e na indústria de transformação alimentar.

As necessidades diárias do Homem em relação à água cifram-se em dois ou três


litros fornecidos sob a forma de água e outros líquidos, ou contidas nos alimentos
ingeridos.

A água encontra-se naturalmente contaminada por numerosos e diversos micror-


ganismos. Muitos não representam em geral, risco para o Homem, mas outros
podem ser causadores ou transmissores de doença.

As origens de água bruta deverão ser protegidas criando, se necessário, períme-


tros de protecção onde se possam controlar as fontes de contaminação directas
ou indirectas.

A população microbiológica de uma água é variável e dificilmente conhecida.


Pode conter microrganismos patogénicos, ou não, e é sujeita a alterações causa-
das por factores ambientais.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 25
A principal origem dos microrganismos patogénicos presentes na água é a fecal.

A qualidade da água de consumo tem vindo a sofrer um decréscimo constante,


com repercussões ao nível da saúde pública. A ocorrência de desastres naturais,
como cheias, secas e desertificação, leva a que haja uma forte contaminação das
águas por bactérias e vírus.

2.2.1 Bactérias

Escherichia coli
É um organismo de origem fecal, capaz de fermentar a lactose com produção de ácido e gás a 35 - 37 ºC e 44 ºC, em menos
de 48 horas
Pode estar associada a infecções urinárias, genitais, meningites de recém nascidos e septicemias
Os serotipos O - 55, O - 111 e O - 127 são frequentemente associados à diarreia infantil. Esta espécie é susceptível de produzir
toxinas, que estão na base da ocorrência de diarreias
A estirpe O157:H7 causa diarreias sanguinolentas severas acompanhadas de fortes dores abdominais. É um dos agentes
responsáveis pela denominada diarreia dos viajantes
A ocorrência destas situações está ligada a práticas de higiene deficientes, uso de água poluída na preparação de alimentos
ou rega com águas contaminadas e posterior lavagem ou preparação deficiente dos alimentos

Vibrião colérico (Vibrio cholerae)


Agente causal da cólera, bactéria Gram-negativa, pertencente à família Vibrionaceae. Células em forma de bastonete curvo
com flagelos polares. A maioria são oxidase-positivos, usando a glucose como fonte de carbono e de energia

Enterococos (Enterococcus faecalis)


Bactéria Gram-positiva cresce a 45 ºC. É resistente em soluções salinas (6,5% de NaCl)
A espécie Enterococcus faecalis é um organismo patogénico oportunista que pode estar associado a infecções do tracto
urinário e a endocardites

Pseudomonas aeruginosa
Incluída no grupo das bactérias aeróbias Gram-negativas em forma de bastonete. A sua mobilidade é assegurada por um
ou vários flagelos polares
É responsável por um elevado número de infecções no Homem, nomeadamente nos olhos, nos ouvidos, e nos tractos uriná-
rio ou digestivo. Pode desenvolver-se em feridas ou queimaduras

26 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
Figura 2.2 Figura 2.3 Figura 2.4
Vibrio cholerae Pseudomonas aeruginosa Clostridium perfringens

Salmonella spp.
Pertence à família Enterobacteriaceae, bastonete Gram-negativo, anaeróbio facultativo. Faz parte do grupo de microrganis-
mos patogénicos capazes de se desenvolver na água
As espécies S. tythi e S. paratyphy e respectivos serótipos são responsáveis pela ocorrência de febre tifóide
Estas bactérias estão associadas ainda a toxi-infecções alimentares, e a infecções mais raras tais como meningites, problemas
osteoarticulares, hepatites ou alterações pulmonares

Clostridium perfringens
Bactéria anaeróbia e formadora de esporos. É de origem fecal podendo encontrar-se também em lamas e no solo, em
contacto com águas residuais ou estrume. A sua transmissão faz-se através de alimentos contaminados com águas onde a
bactéria se encontra, produzindo toxinas que dão lugar ao aparecimento de gastroenterites. O tipo A é responsável pela
gangrena gasosa do Homem e o tipo C provoca formas graves de enterite necrótica no Homem e em alguns animais

2.2.2 Protozoários

Giardia lamblia
Protozoário flagelado associado à giardíase, que é uma doença intestinal muito comum, também denominada “doença dos
viajantes”. A principal causa de contaminação humana é através da água contaminada por material fecal

Criptosporidium parvum
Este protozoário provoca enterocolites agudas especialmente em pacientes imunocomprometidos

Amibas
Constituem um grupo menos desenvolvido morfologicamente dos protozoários, conhecendo-se duas espécies que afectam
o Homem: a Entamoeba díspar, que não é patogénica e a disentérica, muito abundante em zonas quentes e/ou onde as con-
dições sanitárias são deficientes. É responsável pela amibiase disentérica
A E. hystolitica pode provocar lesões no fígado. Pode conduzir a diarreias sanguinolentas, apendicites e abcessos no fígado,
pulmões e cérebro

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 27
2.2.3. Vírus

Bacteriófagos fecais
São vírus específicos das bactérias. Os bacteriófagos fecais estão presentes na
generalidade das matérias fecais, humanas ou de animais de sangue quen-
te, podendo constituir indicadores da presença destas substâncias na água.
Os bacteriófagos específicos de determinadas bactérias patogénicas, podem
constituir um índice de contaminação das águas pelas bactérias corresponden-
tes. A sua presença pode ser tomada como significativa de uma contaminação
antiga ou intermitente, por essas bactérias patogénicas.

Enterovirus
No conjunto de vírus que podem ser detectados nas águas de consumo, po-
dem ser referidos os responsáveis por miocardites, meningites, erupções cutâ-
neas, infecções respiratórias, e ainda polivirus responsáveis pela poliemielite.

2.2.4 Recomendações e tratamentos


Para evitar os problemas causados por estes microrganismos patogénicos de-
ve-se seguir um conjunto de medidas em termos comunitários, ou particulares,
nomeadamente melhoria das condições sanitárias das populações, incluindo
redes de esgotos, ou pelo menos criar formas para evitar a contaminação da
água de poços ou represas com material fecal.
Na impossibilidade de ter água devidamente tratada, ferver a água de consu-
mo, ou a utilizada na lavagem directa de alimentos, ou de materiais e utensílios
usados na confecção e transformação dos alimentos.
O controlo dos protozoários pode ser conseguido com recurso à desinfecção
das águas. As formas vegetativas são facilmente destruídas por esse meio, mas

28 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
as de reprodução (cistos) são muito resistentes, pelo que a sua eliminação pode
obrigar a tratamentos complementares, nomeadamente por filtração, através
de filtros de areia, eventualmente complementada recorrendo a outros mate-
riais mais eficientes (por exemplo carvão activado).
A eliminação de vermes e ovos de vermes, que não são destruídos pela desin-
fecção, pode ser facilmente conseguida por processos de filtração.

2.3 Principais agentes patogénicos associados a alimentos


Existem vários tipos de infecções ou intoxicações associadas ao consumo de
alimentos. As infecções alimentares são caracterizadas por um quadro clínico
agudo do foro gastro intestinal e resultam da ingestão de alimentos que con-
têm vírus patogénicos, bactérias patogénicas ou as toxinas por elas produzidas.
As intoxicações alimentares são provocadas pela ingestão de toxinas produzi-
das pelas bactérias enquanto se desenvolveram no alimento, ou seja, não são as
bactérias o agente directo da doença mas sim as suas toxinas. Este é o caso do
botulismo, da enterotoxémia e da intoxicação devida a estafilococos.

Estima-se que os agentes causadores de doenças de origem alimentar responsáveis pela maior frequência de casos sejam, por ordem decrescen-
te: Norovirus, Salmonella spp., Clostridium perfringens, Campylobacter spp. e Staphylococcus aureus.
Os norovirus, pertencentes à família Calciviridae são responsáveis por 95% dos surtos de origem viral e por cerca de 50% da totalidade dos surtos
de doenças de origem alimentar.
Uma higiene insuficiente durante a colheita ou o abate, o armazenamento e principalmente a preparação dos alimentos, aumenta a carga bacte-
riana e a diversidade das espécies, tal como o risco acrescido de neles se encontrarem estirpes patogénicas. É o caso dos alimentos contaminados
por matérias fecais humanas ou animais. Este tipo de contaminação é a causa mais frequente da presença de agentes patogénicos.
A permanência dos alimentos em condições propícias ao desenvolvimento de microrganismos patogénicos provoca uma proliferação por vezes
explosiva da sua população e, consequentemente, atinge-se o patamar de intolerância para o organismo humano. Vários alimentos mostram
uma elevação muito rápida da sua carga microbiana contaminante durante uma permanência de algum tempo à temperatura ambiente.
Uma cocção insuficiente ou medidas de saneamento inadequadas permitem a sobrevivência de um determinado número de microrganismos
patogénicos ou de parasitas presentes nos alimentos. Note-se que a grande maioria deles são facilmente destruídos durante a cocção completa
de um alimento ou após a aplicação de medidas de saneamento, tal como a pasteurização.
Relativamente aos alimentos em causa verifica-se que a grande percentagem dos casos de doenças de origem alimentar deve-se aos alimentos
de origem animal, tal como carne, ovos e produtos lácteos.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 29
2.3.1 Bactérias

2.3.1.1 Salmonelose
As salmoneloses são toxinfecções muito frequentes e de gravidade elevada. São
causadas por bactérias do género Salmonella, que se adquirem sobretudo atra-
vés do consumo de alimentos de origem animal contaminados. A salmonelose
constitui um dos mais comuns problemas de saúde pública. Milhões de casos
humanos são reportados anualmente no mundo, originando milhares de mor-
tos. Entre os alimentos mais relacionados com o aparecimento de surtos de sal-
monelose destacam-se as carnes de vaca, de aves e de porco logo seguidas por
produtos lácteos e ovos ou derivados.

A incidência desta infecção é muitas vezes cíclica, isto porque é máxima durante
os meses quentes. Isto pode ser explicado por uma temperatura ambiente mais
propícia à multiplicação de bactérias nos alimentos. Embora a maioria dos doen-
tes infectados por esta bactéria recuperem após alguns dias de diarreia e febre,
existem outras pessoas que necessitam de tratamento médico, podendo até os
indivíduos mais vulneráveis falecer. A infecção declara-se após a ingestão de um
grande número de bactérias vivas que varia conforme a virulência da estirpe de
Salmonella e o grau de resistência do indivíduo hospedeiro. A dose infecciosa
mínima capaz de desencadear a doença poderá variar de alguns milhares a vá-
rios milhões de bactérias por grama de alimento contaminado.

Os primeiros sintomas aparecem subitamente entre 12 e 24 horas após a refei-


ção contaminante, e caracterizam-se sobretudo por diarreia e dores abdominais,
acompanhadas na maioria dos casos por febre, podendo mais raramente surgir
a presença de sangue nas fezes. Trata-se de uma gastroenterite severa cuja fase
aguda dura habitualmente dois ou três dias, com uma recuperação progressiva
que se pode estender por mais de uma semana. Nas pessoas mais vulneráveis,
como crianças, pessoas idosas ou doentes crónicos, a salmonelose pode atin-
gir proporções mais graves e então disseminar-se por via linfática e sanguínea,
provocando uma septicemia e uma infecção generalizada, muitas vezes mortal.
As salmonelas são bactérias que invadem os intestinos e cuja acção patogénica
está associada à sua capacidade de penetrar na mucosa intestinal e nela se mul-

30 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
tiplicarem, criando assim lesões e focos inflamatórios. São as endotoxinas liberta-
das que estão na origem dos sintomas.

Após a convalescença, a excreção das salmonelas nas fezes prossegue frequente-


mente durante algumas semanas, por vezes durante vários meses. A terapia com
antibióticos é no entanto raramente recomendada, a não ser nos casos graves,
porque as estirpes são frequentemente resistentes aos antibióticos comuns e o
tratamento favorece o estado de portador crónico.

Estão identificados cerca de 2.200 serotipos diferentes de Salmonella spp. Contu-


do, apenas 35 contribuem para cerca de 80 a 90% dos isolados em seres humanos
e em animais.

A diminuição do risco de contaminação por salmonela passa por linhas de actu-


ação preventiva, entre elas:

Controlo de salmonelas nos alimentos para animais


Aumento da higiene durante o abate e posteriormente no processamento da carne ou do leite e dos ovos
Na preparação final do alimento e com educação da indústria e do consumidor na implementação de medidas de higiene

2.3.1.2 Campilobacteriose
Trata-se de uma zoonose com distribuição mundial, existindo várias espécies pa-
togénicas para os seres humanos, sendo o Campylobacter jejuni e o Campylobac-
ter coli as espécies mais frequentes. Encontram-se disseminadas na natureza e no
tracto gastrointestinal de animas domésticos e selvagens.

As campilobacterioses apresentam semelhanças com as salmoneloses pois, tal


como estas são infecções invasivas, febris, relativamente severas. A infecção por
esta bactéria origina gastroenterite em humanos e animais. Os humanos infec-
tam-se por contacto directo com animais portadores ou através da ingestão de
carne crua ou mal processada ou ainda, pela ingestão de leite não pasteurizado e
água contaminada. Uma das formas de transmissão passiva do agente através da
carne para outros alimentos poderá ocorrer durante a descongelação e o proces-
samento desta em locais comuns.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 31
Os mecanismos da infecção iniciam-se com a fixação da bactéria à mucosa in-
testinal. Esta invade depois a mucosa e provoca danos, inflamação e por vezes
ulcerações.

Os primeiros sintomas aparecem habitualmente dois a cinco dias depois da in-


gestão de alimentos contaminados. A doença dura habitualmente dois a três
dias mas pode estender-se até três semanas nos casos mais severos. Os conva-
lescentes continuam a emitir a bactéria nas fezes durante dois meses ou mais
após a cura. Podem surgir complicações mais graves, por vezes mortais, no caso
de indivíduos mais frágeis.

2.3.1.3 Colite hemorrágica


Esta doença está associada à bactéria Escherichia coli. Esta bactéria é, relativa-
mente banal na flora intestinal dos seres humanos e de vários animais, sendo
normalmente inofensiva. Existem no entanto, algumas espécies patogénicas
que podem provocar gastroenterites e que, por isso, são designadas por ente-
ropatogénicas. As estirpes responsáveis por esta doença pertencem geralmente
ao serotipo O157:H7.
Em 2011, uma nova estirpe de elevada virulência causou mais de 4.000 casos na
Europa (sobretudo na Alemanha) dos quais resultaram 50 mortes. A infecção foi
associada ao consumo de pepinos.

Os veículos de transmissão desta doença são os alimentos ou água contamina-


dos, podendo também a infecção transmitir-se por contacto directo com pesso-
as ou animais. Os ruminantes são reservatórios destas estirpes, pelo que muitas
das infecções humanas têm sido associadas à ingestão de carne destas espécies
animais.

Os sintomas desta doença surgem dois a quatro dias após a ingestão de um


grande número de células vivas desta estirpe de E. coli. Esta doença caracteriza-
-se principalmente pela presença de uma grande quantidade de sangue nas fe-
zes, daí o seu nome de colite hemorrágica. Os sintomas persistem durante dois a
dez dias e, o doente infectado pode mesmo necessitar de tratamento hospitalar.
A virulência do serótipo O157:H7 de E. coli está associado à produção abundante
de diversas toxinas com actividade citotóxica.

32 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
2.3.1.4 Yersiniose
O agente zoonótico da yersiniose transmitido pelos alimentos é a Yersinia entero-
colitica. Estas bactérias podem-se encontrar na natureza, na carne (sendo o suíno
o veiculo mais habitual). A yersiniose é uma gastroenterite cuja sintomatologia
pode sugerir uma crise de apendicite, razão pela qual não é de fácil identificação.
É uma doença grave que pode levar a complicações, devendo ser tratada com
antibióticos, contrariamente à maioria das outras infecções alimentares.

Os sintomas aparecem geralmente 24 a 36 horas após a ingestão do alimento


contaminado por uma estirpe patogénica. Nos indivíduos mais frágeis, a doença
pode prolongar-se por vários meses como consequência de complicações. Os
convalescentes podem continuar a emitir o germe nas fezes durante várias sema-
nas. As estirpes patogénicas são bactérias invasivas que, após adesão à mucosa
intestinal, alcançam as camadas profundas e multiplicam-se nos gânglios linfáti-
cos mesentéricos. A infecção generalizada é, no entanto, excepcional.

2.3.1.5 Listeriose
Esta doença é originada por bactérias do género Listeria. Dados os intervalos de
tempo significativos entre a ingestão do alimento e o aparecimento dos primei-
ros sintomas da doença, é muito difícil encontrar a pista do veículo do germe. A
ingestão de Listeria monocytogenes com os alimentos não suscita manifestações
clínicas na maioria dos indivíduos de boa saúde. Estes tornam-se no máximo por-
tadores transitórios do germe – estima-se que cerca de 1% das pessoas pode
excretar esta bactéria nas fezes, sem ter sinais de infecção. Nas faixas etárias mais
sensíveis (crianças e idosos), tal como os doentes crónicos, a bactéria pode gerar
uma infecção grave, muitas vezes mortal.

Os casos de listeriose em humanos são raros, mas a severidade da infecção é ele-


vada. Quando a infecção for por via oral (podendo também esta bactéria utilizar
outras portas de entrada como os olhos ou a pele) coloniza rapidamente o tubo
digestivo provocando diarreia suave, antes de se disseminar pelo organismo por
via circulatória. O tempo de incubação é de uma a várias semanas. A doença co-
meça habitualmente por sintomas de tipo gripal (febre, dores de cabeça, dores de
garganta). O tratamento é feito com antibióticos.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 33
2.3.1.6 Leptospirose
A leptospirose é uma doença infecciosa febril, aguda, de carácter sistémico, po-
tencialmente grave, causada por uma bactéria – Leptospira spp. – normalmente
transmitida pela urina dos ratos. Em seres humanos, atinge pessoas de todas as
idades, mas em 90% dos casos o desenvolvimento da leptospirose é benigno.
Esta doença atinge roedores, mamíferos silvestres, animais domésticos (cães
e gatos) e animais ligados à pecuária (bovinos, suínos, caprinos e ovinos). Es-
tes animais podem tornar-se portadores assintomáticos e eliminar a Leptospira
através da urina, sendo portanto responsabilizados pela difusão da doença.

A infecção humana na maioria das vezes está associada ao contacto com água,
alimentos ou solo contaminados pela urina de animais portadores de Leptos-
pira spp.. A doença é classicamente descrita como sendo dividida em duas
fases distintas. Após um período médio de 2 semanas desde a contamina-
ção surgem os primeiros sintomas (incubação) e, quando se parecem verificar
melhoras, piora a disseminação da doença, desta vez com envolvimento de
vários órgãos e do sistema vascular. Surgem novos e importantes sintomas e
hemorragia que dão nome à própria bactéria. A morte dá-se frequentemente
por insuficiência renal.

2.3.1.7 Tuberculose
A tuberculose é causada pelo agente Mycobacterium tuberculosis. Conhecem-
-se três tipos de micobactérias (humano, bovino e avícola). As micobactérias
são bastante resistentes às condições do ambiente. Os alimentos que mais fre-
quentemente estão contaminados são a carne e o leite e representam pois
o maior risco. Os meios de luta mais eficazes consistem em diagnosticar os
animais doentes e impedir o seu consumo ou o consumo dos seus produtos
(leite). O tratamento térmico do leite (pasteurização) garante a eliminação des-
ta bactéria.

34 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
2.3.1.8 Brucelose
A brucelose é uma doença causada pelo agente Brucella spp. Conhecem-se três
espécies: Brucella abortus, Brucella melitensis e Brucella suis sendo a espécie B. meli-
tensis a mais perigosa para o Homem. Estes agentes sobrevivem no leite cru e nos
lacticínios frescos por algumas semanas sendo estes os alimentos de maior risco.
O controlo da doença passa pela vigilância dos animais e eliminação dos afecta-
dos. O tratamento térmico do leite (pasteurização) e a fermentação eliminam este
perigo. A congelação da carne também contribui para a sua eliminação.

2.3.1.9 Intoxicação estafilocócica


Os estafilococos enterotóxicos (Staphylococcus aureus) encontram-se muito di-
fundidos na natureza encontrando-se muitas vezes na pele e nas primeiras vias
respiratórias dos homens e dos animais. São muito resistentes na natureza e são
capazes de produzir toxina mesmo em presença de baixo teor de humidade ou
elevada concentração de sal. Esta bactéria produz uma toxina termo-resistente e
pode inclusive provocar doença sem estar presente. Isto é, poderá ter sido elimi-
nada por algum tratamento mas, a toxina permanece no alimento. Encontra-se
sobretudo em alimentos que sofreram muitas manipulações (carne, peixe, queijo).

2.3.1.10 Botulismo
O botulismo é causado pelo agente Clostridium botulinum que é um microrganis-
mo esporolado anaeróbio que se encontra no solo e na água. O microrganismo,
salvo raras excepções, não é patogénico por si próprio. Produz contudo uma das
toxinas mais mortais que se conhecem. Os esporos suportam bem baixas tem-
peraturas e são muito resistentes à acção do calor (são necessários pelo menos 3
minutos a 121 ºC para os eliminar, isto é, para se garantirem 12 reduções decimais
na população presente no alimento). Este microrganismo pode ser encontrado na
carne, no peixe e nos crustáceos. As conservas caseiras mal esterilizadas e alguns
pratos pré confeccionados são os meios mais comuns de infecção.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 35
2.3.2 Intoxicações devidas a fungos (micotoxicoses)
Chamam-se micotoxinas aos metabolitos tóxicos elaborados por determinados
fungos durante a sua multiplicação nos alimentos. A composição química das
micotoxinas varia consideravelmente, mas a maioria é termoestável e não volátil,
não sendo fácil a sua destruição pelos vulgares tratamentos culinários. Uma vez
absorvidas pelo organismo, é difícil eliminar as micotoxinas podendo haver um
efeito cumulativo, pelo que a ingestão repetida de pequenas doses pode ter
repercussões dramáticas a médio e longo prazo.

Os principais géneros de bolores produtores de micotoxinas são Aspergillus, Pe-


nicillium e Fusarium.

Aflatoxinas

São produzidas pelos bolores Aspergillus flavus, Aspergillus parasiticus e Aspergillus nomius

Em fortes doses constituem venenos mortais. Temperatura não inferior a 15 ºC e uma humidade relativa acima de 75% são condições
mais propícias à sua síntese. Têm elevado poder carcinogénico para o fígado e elevada toxicidade que é agravada por dietas pobres em
proteína

Animais alimentados com forragem ou grão contaminado podem apresentar sintomas de toxicidade aguda ou crónica, podendo a sua
carne ou leite conter aflatoxina

O principal veículo de disseminação dos esporos dos bolores produtores desta toxina é o ar, ocasionando frequentemente a contami-
nação dos alimentos

Os cereais (milho especialmente), os grãos de oleaginosas (amendoins e nozes) e as leguminosas (grãos de soja) são substratos favoráveis
quando armazenados alguns dias a temperaturas próximas dos 25 ºC e com uma humidade relativa superior a 70%

Estas toxinas embora não sejam passíveis de destruição pelos tratamentos térmicos de cozedura são muito sensíveis às radiações ultra-
violetas

Citrinina

É uma micotoxina segregada por Penicillium citrinum. O desenvolvimento do bolor no arroz armazenado é acompanhado pela formação
de um pigmento amarelo. A citrinina provoca danos renais graves

Fumonisinas
Produzidas por Fusarium moniliforme e Fusarium proliferatum. Estão associadas ao cancro do esófago no Homem

Zearalenona
Produzida pela Fusarium graminearum, origina efeitos de infertilidade e abortos e, tem sido detectada no milho e em produtos à base
de milho

36 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
Ocratoxina A
Segregada por Penicillium verrucosum. Considerada nefrotóxica e carcinogénica (associada a tumores do tracto urinário). Pode ser en-
contrada nos cereais (milho e cevada) e frutos secos como amendoins, grãos de café e leguminosas. Foi também, detectada em bebidas
como café, vinho e cerveja

Patulina
Micotoxina produzida por bolores que pertencem aos géneros Penicillium, Aspergillus e Byssochlamys, encontram-se sobretudo nos
cereais (trigo), batatas e frutos, sobretudo na maçã e derivados. Pode assim, aparecer nos sumos de maçã, caso não sejam eliminadas as
peças de fruta podres

Os efeitos agudos que ocasiona são de natureza gastrointestinal como náuseas, vómitos e problemas renais. Os crónicos situam-se ao
nível da actividade mutagénica e cancerígena

Existe um conjunto de medidas que devem ser tidas em consideração de for-


ma a evitar o desenvolvimento de fungos filamentosos (bolores), nos alimentos
prevenindo assim a produção destas micotoxinas. Por exemplo, aquando da ar-
mazenagem dos produtos alimentares as condições de temperatura e humidade
propícias aos bolores devem ser evitadas. A vigilância dos animais (sobretudo os
produtores de leite), no sentido de detectar sintomas de micotoxicoses é decisiva
e necessária. Por outro lado, o consumo de alimentos rançosos e com bolores
deve ser evitado.

2.3.3 Parasitas
Os alimentos podem veicular formas parasitárias com diferentes origens, de acor-
do com o tipo de ciclo de vida e adaptação entre parasita, meio ambiente e
hospedeiro(s).

O que se aceita, em medicina veterinária como parasita, e que tem importância


no contexto das infecções alimentares, inclui espécies pertencentes aos filos Pro-
tozoa e Helminta.

Os produtos de origem animal (carne ou vísceras) podem veicular formas para-


sitárias porque o animal que lhes deu origem albergava, enquanto vivo, parte
do ciclo desse parasita, sendo que a forma parasitária fica “retida” nos tecidos
edíveis do hospedeiro ou, porque os animais em vida libertam nas fezes formas

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 37
Grupo Forma Localização da forma Fonte
Parasita
taxonómico parasitária parasitária infectante de infecção
ÁGUA, ALIMENTOS e utensílios
Cryptosporidium spp. Protozoários Ooquisto Fezes contaminados com fezes via
fecal-oral
ÁGUA, ALIMENTOS e utensílios
Protozoário
Entamoeba histolytica Fezes contaminados com fezes via
(ameba)
fecal-oral
Ooquisto Músculo de bovino,
carne crua ou mal
(fezes do gato) ovino, porco, aves
cozinhada
Toxoplasma gondii Protozoário Bradizoíto Rato
carne de caça selvagem
(quisto tecidular) Músculo de
no músculo fezes de gato
herbívoros selvagens
contaminação ambiental
ingestão de hospedeiros
Toxocara canis Nemátodo Larva (L1) Fezes de cão
paraténicos (coelho)
via fecal-oral
carne de porco, javali,
suínos selvagens
Trichinella spp. Nemátodo Larva Músculo
enchidos
carne de cavalo
contaminação ambiental
Echinococcus granulosus Céstodo Ovo Fezes de cão
via fecal-oral
Fezes de carnívoros contaminação ambiental
Echinococcus multilocularis Céstodo Ovo
selvagens via fecal-oral
Larva carne crua ou mal
Taenia saginata Céstodo Músculo de bovino
Cysticercus bovis cozinhada

carne crua ou mal cozinhada


Larva
Taenia solium Céstodo Músculo de porco enchidos
Cysticercus cellulosae
(chouriços, presuntos, etc)

Agriões selvagens,
Fasciola hepatica Tremátodo Metacercária arroz e outras plantas em salada
plantas
Vísceras e músculo peixe cru ou mal
Anisakis spp. Nemátodo Larva (L3/L4)
do peixe cozinhado
Salmonídeos e outros
Diphyllobothrium latum Céstodo Larva músculo e fígado
peixes
Carne
Clonorchis spp.; Opistorchis spp. Tremátodos Metacercária músculo
Peixe

tabela 2.1
Parasitas de origem alimentar que
podem afectar o Homem (infecção por via oral).

38 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
parasitárias – ovos, ooquistos ou larvas que, por contaminação ambiental (água,
ar, poeiras), a designada via indirecta de transmissão, podem chegar ao Homem,
veiculadas pelos alimentos. Sobretudo alimentos crus, mal lavados, como saladas
ou, através do uso da água nas suas diferentes aplicações ligadas aos alimentos.

A água de bebida também pode estar implicada como veículo de infecção para-
sitária potencial, sobretudo para protozoários, tais como Toxoplasma gondii, En-
tamoeba spp., Giardia lamblia e, ainda Cryptosporidium spp. Esta contaminação
ocorre, na maior parte das vezes, por efluentes, quer de origem humana quer de
origem animal.

Os parasitas podem ter ciclos de vida directos ou indirectos. Um ciclo de vida


directo ou monoxeno é aquele em que o parasita necessita apenas de um hospe-
deiro animal para sobreviver, sendo que, parte da sua vida, pode desenvolver-se
no solo, água ou pastagens, ou seja, o que se diz uma fase de vida livre. Um ciclo
de vida indirecto ou heteroxeno refere-se a um ciclo em que o parasita necessita
obrigatoriamente de dois hospedeiros distintos para completar o seu ciclo, como
por exemplo é o caso do Echinococcus granulosus, em que um hospedeiro alber-
ga a forma adulta do parasita (hospedeiro definitivo) e o outro alberga a forma
larvar (hospedeiro intermediário), sendo que esta se pode localizar em diferentes
tecidos – vísceras ou músculos.

No que respeita ao risco de infecção por parasitas e como a prevenir, deve ter-
-se em consideração que, muitos deles estão dependentes de práticas de risco
que se prendem com condições de vida dos animais e do Homem, tais como
saneamento básico, maus hábitos de higiene das populações e, ainda deficientes
práticas agrícolas.

2.3.3.1 Cryptosporidium spp.

Ciclo de vida - Cryptosporidium spp.


Os ooquistos esporulados, contendo 4 esporozoítos são excretados para o exterior com as fezes do hospedeiro infectado. Após ingestão, os esporozo-
ítos são libertados e parasitam as células do aparelho gastro-intestinal. Nestas, o parasita sofre uma fase de multiplicação assexuada (esquizogonia ou
merogonia) e uma fase de multiplicação sexuada – gametogonia com produção de microgâmetas (masculinos) e macrogâmetas (femininos).
Após fertilização do macrogâmeta pelo microgâmeta, desenvolve-se o ooquisto que esporula no hospedeiro infectado. São produzidos dois tipos de
ooquistos, um de parede espessa que é excretado para o exterior e outro, de parede fina que perpetua a auto infecção. Uma vez que os ooquistos saem
para o exterior já esporulados, são imediatamente infectantes e muito resistentes às condições exteriores, tais como calor, frio, e químicos, podendo
viver durante vários meses em solos húmidos e na água. Resiste à cloragem das águas. As fezes humanas e animais contendo os quistos viáveis podem
contaminar água e solo e, em consequência alimentos, quer por rega dos terrenos quer por contacto directo.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 39
c d e a ooquisto
j a b
b esporozoíto
c trofozoíto

auto infecção ciclo assexuado d meronte tipo I


e merozoíto
k
f meronte tipo II

f g macrogâmeta
h microgâmeta

g i zigoto

j ooquisto esporulado
ciclo sexuado de cabeça espessa
h k ooquisto esporulado
i de cabeça fina

Figura 2.5
Cryptosporidium spp.
Ciclo de vida
O Cryptosporidium é um protozoário unicelular, parasita obrigatório, que infecta
as células epiteliais do intestino e/ou do aparelho respiratório dos vertebrados
– Homem, mamíferos, aves, peixes e répteis. Até há algum tempo atrás conside-
rava-se que desenvolvia doença apenas em indivíduos imunocomprometidos
(especialmente SIDA), contudo hoje aceita-se como patogénico para os huma-
nos imunocompetentes.

Conhecem-se 13 espécies, sendo que duas são reconhecidas como as mais fre-
quentes em surtos no Homem – C. homini e C. parvum, ainda que C. meleagridis,
C. felis, C. canis, C. suis e C. muris tenham sido identificadas como tal.

Criptosporidiose
A criptosporidiose caracteriza-se por diarreia que é persistente em pessoas com
imunodeficiência. A transmissão fecal-oral pode ocorrer directamente pessoa-
-pessoa e animal-pessoa ou indirectamente, através de veículos, que incluem a
água e os alimentos. É uma infecção importante a nível dos animais, sendo os
bovinos e as aves as espécies animais de maior importância como reservatório
para o Homem.

2.3.3.2 Giardia lamblia


Giardia intestinalis (syn. Giardia lamblia) é um protozoário flagelado. Os quistos
eliminados nas fezes são a forma mais resistente e, portanto, responsável pela
transmissão, podendo sobreviver vários meses na água.

40 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
Adaptado de CDC (Centers for Disease Control and Prevention)
1 trofozoíto e quisto nas fezes

2 quistos ingeridos na
água e nos alimentos

i estádio infectivo

d estádio de diagnóstico

contaminação da água, alimentos


e mãos/fomitos com cistos infectivos

trofozoítos são eliminados nas fezes


mas não sobrevivem no ambiente

trofozoítos

cisto

Figura 2.6
Giardia lamblia
ciclo de vida

Ciclo de vida — Giardia lamblia

A infecção ocorre pela ingestão de quistos em água e alimentos contaminados, ou por infecção fecal-oral (mãos e fómitos). Estes quistos podem
sobreviver vários meses na água, ainda que não sejam tão resistentes como os de Cryptosporidium spp. No intestino delgado, cada quisto liberta dois
trofozoítos que se multiplicam por divisão binária. Seguidamente, podem aderir à mucosa através da ventosa ventral ou transitarem para o intestino
grosso onde formam os quistos que vêm para o exterior com as fezes. Os animais podem ser reservatórios para o Homem.

Giardiose
Giardia duodenalis é o protozoário mais comum como causa de diarreia, causando
diarreia a mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo. A maior parte das
infecções por G. duodenalis são assintomáticas, tendo nos países industrializados
uma prevalência de 2 a 5%.

Giardia duodenalis está dividida em sete genótipos (assemblages): A, B, C, D, E, F e


G. Somente os assemblages A e B têm sido detectados em humanos mas ambos
infectam os animais. Os subgenótipos A2 e A3 foram encontrados em vitelos,
confirmando a importância destes animais como reservatórios para o Homem.

2.3.3.3 Entamoeba histolytica


Várias espécies do género Entamoeba colonizam o intestino do Homem, contudo
apenas a Entamoeba histolytica é reconhecida como patogénica associada com

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 41
infecção intestinal e extra intestinal. Pode afectar qualquer pessoa, embora seja
mais comum nas populações que vivem em zonas tropicais com pobres condi-
ções sanitárias.

Ciclo de vida — Entamoeba histolytica

O Homem elimina o parasita nas fezes quer sob a forma de trofozoíto quer sob a forma de ooquisto, sendo que a primeira forma aparece nas fezes
diarreicas e a segunda nas fezes normais. A infecção por Entamoeba histolytica ocorre através da contaminação da água, mãos e alimentos por ooquis-
tos maduros. Os trofozoítos são libertados a partir do ooquisto a nível do intestino delgado e por multiplicação binária originam ooquistos e ambas
as formas eliminam-se nas fezes. Os quistos são muito resistentes e podem permanecer livres e viáveis, durante semanas no ambiente. A forma não
invasiva significa que os trofozoítos (E. dispar) passam para as fezes e permanecem apenas no lúmen intestinal. Em alguns pacientes os trofozoítos inva-
dem a mucosa intestinal (doença intestinal) e, noutros casos, invadem a corrente sanguínea (E. histolytica) e localizam-se no fígado, cérebro e pulmões
(doença extra intestinal) com sintomatologia variada.

Amebiase
A amebiase, de acordo com a espécie de Entamoeba tem sintomatologia variável,
sendo que a forma invasiva intestinal conduz a sintomas de disenteria, colite ou
apendicite. A forma extra intestinal (Entamoeba histolytica) apresenta abcessos
no fígado, peritonite, abcessos pleuropulmonares e lesões cutâneas e genitais.

A disenteria por ameba ocorre em todo o mundo com maior incidência nas regi-
ões tropicais e subtropicais mas também nas temperadas, sendo que para cima
de 500 milhões de pessoas estão infectadas com aproximadamente 100.000
mortes por ano. A encefalite amebiana parece ser rara.

2.3.3.4 Toxoplasma gondii


O Toxoplasma gondii é um protozoário de ciclo de vida indirecto que tem como
hospedeiro definitivo o gato doméstico da família Felidae. Os ooquistos não
esporolados são eliminados nas fezes do gato em grande número, ainda que
apenas durante uma ou duas semanas. Os ooquistos esporulam no ambiente
(água, solo, pastagens) ficando infectantes em 1 a 5 dias, para os hospedeiros
intermediários: ruminantes, porco e Homem. Estes infectam-se por ingestão de
alimentos contaminados por estes ooquistos: solo, água, saladas, outros alimen-
tos. Após a ingestão, os ooquistos transformam-se em taquizoítos. Estes, no te-
cido nervoso (cérebro) e muscular esquelético e cardíaco, desenvolvem quistos
(bradizoítos). Os gatos infectam-se quer pela ingestão dos quistos no músculo
dos hospedeiros intermediários (carnivorismo) quer directamente pela ingestão
dos quistos esporolados livres.

42 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
Adaptado de CDC (Centers for Disease Control and Prevention)
1a 1b

2
2

ooquistos fecais
alimentos
5

3 tranquizoitos
6b
4 4

6a
cistos nos tecidos

8
7

transmissão
transplacentária 9
transfusões

Figura 2.7
Esquema do ciclo de
vida do protozoário
O Homem pode infectar-se por várias vias, sendo a mais comum a ingestão de Toxoplasma gondii

carne mal cozinhada ou crua (onde se albergam os bradizoítos) ou consumindo


alimentos ou água contaminada com fezes de gato ou através de amostras am-
bientais contaminadas, tal como o solo. De referir que mexer na terra e, após isso,
manusear alimentos ou meter as mãos na boca pode conduzir à ingestão de oo-
quistos. Estes ooquistos são microscópicos (ovalados com um diâmetro variável
entre 5 a 50μm). A transfusão de sangue ou o transplante de órgãos pode veicular
o parasita. O parasita pode atravessar a placenta e infectar o feto, provocando o
que se designa por toxoplasmose congénita. Os animais de caça podem infectar-
-se pela presença de ooquistos na natureza.

No Homem, o parasita forma quistos preferencialmente no cérebro, olho, múscu-


lo esquelético e músculo cardíaco.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 43
Toxoplasmose
A toxoplasmose é provocada pelo T. gondii. Sabe-se que um grande número de
pessoas já contactaram com o parasita mas que não demonstraram sintomas
ou estes confundiram-se com uma gripe normal, ou apresentaram linfadenite
passageira, dos gânglios linfáticos cervicais.

A maior gravidade da toxoplasmose manifesta-se nos indivíduos imunocompro-


metidos, como é o caso dos doentes com SIDA. Assume ainda grande gravidade
no caso da toxoplasmose congénita, em que o parasita se transmite da mãe para
o feto, durante a gestação, por passagem através da placenta. Lesões cerebrais e
oculares no feto são as principais consequências.

A infecção aguda por T. gondii nos pequenos ruminantes, durante a gestação,


conduz a abortos ou a nados mortos.

As medidas de prevenção passam por:

Lavar as mãos com água e sabão após contacto com fezes de gato ou após jardinagem
Se estiver grávida ou imunocomprometido não deve fazer a limpeza da caixa de areia do gato e não deixar os gatos saírem à rua
Não comer carne mal cozinhada
Não dar a comer carne mal cozinhada aos gatos

2.3.3.5 Toxocara canis

Ciclo de vida — Toxocara canis


Os ovos não embrionados são libertados para o exterior com as fezes do cão. Tornam-se infectantes no exterior. Estes ovos quando ingeridos pelo
cão embrionam no intestino deste animal, saindo uma larva que penetra a parede do intestino. Em cães jovens, estas larvas entram na circulação e
migram pelos pulmões, árvore brônquica e esófago. Evolucionam para adulto e permanecem no intestino do cão onde fazem a ovoposição. Muitas
destas larvas, no cão adulto, permanecem enquistadas nos tecidos e, quando as fêmeas ficam gestantes, evoluem, entram em circulação, atravessam
a placenta e infectam os fetos. Os cachorros albergam a foram adulta deste parasita no intestino, eliminando ovos para o exterior; são pois eles os
maiores contaminadores do ambiente. Os ovos podem ainda ser ingeridos por outros hospedeiros – hospedeiros paraténicos, tal como o coelho e
outros pequenos mamíferos, onde as larvas saídas dos ovos penetram a parede do intestino e migram para vários tecidos onde enquistam. O ciclo
completa-se também quando o cão come estes hospedeiros e se origina um verme adulto no seu intestino.

O Homem, particularmente as crianças, podem ingerir ovos embrionados pelo contacto com o solo ou contaminação alimentar ou, pela ingestão
do hospedeiro paraténico. Após ingestão os ovos eclodem e as larvas penetram a parede do intestino e, pela circulação sanguínea atingem vários
tecidos – fígado, coração, pulmão, cérebro, músculo, olhos. Apesar de as larvas não evoluírem para parasita adulto, provocam nos tecidos reacções
inflamatórias locais que estão na base da toxocarose – larva migrans visceralis e larva migrans ocular. O diagnóstico é feito por serologia, ou seja, pela
pesquisa de anticorpos específicos circulantes.

44 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
Adaptado de CDC (Centers for Disease Control and Prevention)
1 larvas enquistadas nos tecidos

2 larvas no intestino delgado


carne de porco
ingestão mal cozinhada
3 nemátodo adulto no intestino

4 a fêmea produz larvas que larva enquistada


migram para o músculo estriado no músculo
onde enquistam. Ratos e roedores porco
mantêm a endemicidade
da parasitose

i estádio infectivo

d estádio de diagnóstico

carnivorismo

larvas libertadas
no intestino

roedores
larvas enquistadas
no músculo estriado

adultos no intestino
circulação
delgado

larvas depositadas
na mucosa

Figura 2.8
Trichinella spp.
2.3.3.6. Trichinella spp. ciclo de vida

O nemátodo Trichinella inclui várias espécies que infectam uma larga gama de
hospedeiros, desde mamíferos, aves e répteis e está distribuído mundialmente.
Hoje em dia, estão reconhecidos oito genótipos de Trichinella. Para além da es-
pécie T. spiralis, mais comum em muitos carnívoros e omnívoros, conhece-se pre-
sentemente a T. pseuspiralis, em mamíferos e aves, a T. nativa, do urso do Ártico, a
T. nelsoni, dos predadores africanos e necrófagos e a T. britovi, dos carnívoros da
Europa e do Oeste Asiático.

Ciclo de vida — Trichinella spp.

A Trichinella spp. estabelece o seu ciclo de vida quer em animais selvagens (javali, porco selvagem, raposa, urso, coiote e outros) quer em animais
domésticos em que o porco é o principal hospedeiro, quer em cavalo.

A triquinelose é adquirida pelo consumo de carne mal passada com larvas enquistadas ou alimentos contaminados com esta carne. Os músculos
de predilecção são os másseteres, a língua e o diafragma, em quase todas as espécies animais. As larvas ao serem ingeridas desenvolvem o parasita
adulto no intestino e, após uma semana as larvas atravessam a parede intestinal e migram para o músculo estriado onde enquistam (excepção para a
T. pseudospiralis que não enquista), permanecendo viáveis por vários anos. Os ratos e os roedores são reservatórios da doença para os outros animais
que se infectam por carnivorismo.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 45
Triquinelose
A aparente emergência de triquinelose em humanos, com a declaração de vários
focos a nível mundial, deve-se provavelmente a um melhor diagnóstico, uma vez
que a triquinelose não apresenta sintomas característicos. Os pacientes apresen-
tam febre, fadiga e mialgia e, ainda edema facial (alergia medicamentosa). Os
sintomas específicos são a eosinofilia, juntamente com um aumento dos enzi-
mas musculares no sangue. Em alguns focos têm surgido casos mortais.

Os factores de risco associados à triquinelose têm a ver com novos hábitos culi-
nários de carne menos cozinhada e com o consumo de enchidos, nomeadamen-
te enchidos de caça.

Tendo os países da Europa, por directiva comunitária, estabelecido a pesquisa


obrigatória de larvas deste parasita na carne de porco, em todos os matadouros,
sabe-se que nestes países, os animais que chegam ao matadouro são produzi-
dos em sistemas intensivos fechados, com boas condições de maneio e higiene,
o que não tem conduzido a notificações. Sabe-se contudo, que a criação de
suínos em sistemas extensivos, com acesso ao exterior e mesmo com pastoreio
em áreas menos arroteadas, ou a criação do porco familiar em sistemas tradicio-
nais, constitui um risco acrescido. A aproximação de javalis e porcos selvagens
às explorações extensivas bem como a falta de higiene, que proporciona a apro-
ximação de ratos, são condições para o estabelecimento do ciclo em habitats
domésticos. A falta de inspecção veterinária pode, segundo alguns autores, con-
tribuir para o aparecimento de casos humanos em alguns países.

2.3.3.7. Echinococcus granulosus


O Echinococcus granulosus é um céstodo da família Taeniidae. Equinococose/hi-
datidose é uma infecção parasitária zoonótica em que o Homem se infecta pela
contaminação de alimentos crus mal lavados, tais como saladas e, ainda água
contaminada por fezes do cão. Contudo, deve realçar-se a importância do con-
tacto directo entre o Homem e o cão.

46 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
Adaptado de CDC (Centers for Disease Control and Prevention)
escólex adere
1 forma adulta no
ao intestino
duodeno do cão

2 ovo

3 oncosfera

4 quisto hidático
no hospedeiro adulto no intestino delgado
intermediário protoscólice HD
5 protoscólice

6 escólice desevaginado
que se fixa ao intestino ingestão de quistos nos orgãos
do cão

i estádio infectivo
Ovo embrionário
ingestão de ovos nas fezes nas fezes
d estádio de diagnóstico

HD hospedeiro
definitivo HI
(ovelha, porco)
HI hospedeiro
intermediário
oncosfera penetra a
parede do intestino
quisto hidático no fígado,
pulmões, etc.

O cão alberga no duodeno, a forma adulta do E. granulosus (Figura 2.9) sendo Figura 2.9
Echinococcus granulosus
que os ovos são eliminados para o exterior com as fezes deste animal. O hospe- ciclo de vida

deiro definitivo pode ainda ser o lobo, a raposa e outros canídeos selvagens. Os
ovos são muito resistentes no exterior, têm pequenas dimensões e facilmente
são transportados pela água e poeiras, contaminando as pastagens do gado e
outros alimentos, dos animais e do Homem. Ao serem ingeridos, os ovos libertam
o embrião no intestino dos ruminantes, porco e Homem, atravessam a parede do
intestino, entram na grande circulação e na pequena circulação podendo instalar-
-se no fígado, pulmão, rim ou ainda, em outros órgãos e tecidos.

Hidatidose
O E. granulosus apresenta 10 genótipos que se traduzem em características feno-
típicas e epidemiológicas distintas, com especificidades de hospedeiro distintas.
Assim, o genótipo G1 é o mais infectante para o Homem, estando adaptado aos
pequenos ruminantes, por isso, a hidatidose humana é mais coincidente com
zonas geográficas em que estes animais são mais numerosos. O G7 adaptado
ao porco já foi encontrado no Homem. Na hidatidose humana, a ocorrência de
quistos (hidátides) no fígado e pulmão perfazem mais de oitenta por cento dos
casos (WHO, 2001).

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 47
Adaptado de CDC (Centers for Disease Control and Prevention)
oncosferas originam
1 ovo de T. solium e T. saginata
oncosferas incubadas cisticercos no músculo
e respectivos anéis ovígeros
penetram parede ingestão de carne
intestinal e circulam mal cozinhada 2 HI (porco e vaca)
para os músculos
escólex fixa-se 3 oncosfera
ao intestino
4 ingestão de Cysticercus
T. saginata T. solium no músculo

5 escólices de T. saginata (inerme)


e T. solium (armada)
6 forma adulta
adultos no intestino

i estádio infectivo
T. saginata T. solium d estádio de diagnóstico

ovos e proglótides
eliminados pelas fezes

Figura 2.10
Taenia solium e Taenia saginata As medidas profiláticas incluem a desparasitação do cão, com queima das fezes,
ciclos de vida
o reforço das medidas de higiene em crianças sempre que há contacto com o
cão; não deixar o cão ter acesso à horta (vedar a horta); lavagem eficaz das frutas
e legumes; destruição das vísceras com quistos.

2.3.3.8 Taenia solium e Taenia saginata


A T. solium e T. saginata são as conhecidas ténias do Homem, uma vez que este
funciona como hospedeiro definitivo, albergando a forma adulta no intestino
delgado. Ambas pertencem à família Taeniidae, atingindo vários metros de com-
primento, no seu estado adulto.

Ciclo de vida — Taenia saginata | Taenia solium


O ciclo de vida destas duas ténias é um ciclo de vida indirecto, uma vez que a T. saginata tem os bovinos como hospedeiro intermediário e a T. solium
o porco, em cuja musculatura, se albergam as formas larvares, que se designam por Cysticercus bovis e Cysticercus celullosae, respectivamente.

O Homem infecta-se ingerindo carne de vaca com quistos (Cysticercus bovis) ou comendo carne de porco com quistos (Cysticercus celullosae), quando a
carne não está bem cozida ou, no caso do porco, pelo consumo de produtos cárnicos fumados. As formas neste último caso aparentam bagos de arroz
entre as fibras musculares e mantém viabilidade por 2 anos, sendo destruídas a baixas temperaturas, pela cozedura, 15 a 20 minutos a 45 - 50 ºC, pela
salmoura a 5%, mas não pelo fumeiro.

Téniase e cisticercose humanas


Por téniase entende-se a situação clínica resultante da localização das ténias no
intestino do Homem. Os sintomas são ligeiros e traduzem-se por dor abdominal,
diarreia, cólicas e náuseas. O diagnóstico pode ser feito pelo próprio, pela ob-
servação das fezes, uma vez que saem para o exterior, com as fezes vários anéis,
sobretudo na infecção por T. saginata.

48 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
A chamada cisticercose humana refere-se à formação de cisticercos no Homem,
no cérebro (neurocisticercose) e globo ocular, maioritariamente, devido à inges-
tão de ovos de T. solium. Segundo alguns autores, a presença de T. solium no
intestino dos pacientes relaciona-se positivamente com a presença de cisticercos
no cérebro, o que indicia uma auto-infecção, na maioria dos casos. Este complexo
teniase/cisticercose deve-se pois, a contaminação fecal-oral (alimentos) e a infec-
ção cruzada pelo vento, água e moscas.

A profilaxia baseia-se na existência de adequadas redes de saneamento básico e


de água de abeberamento, evitar a estrumação das terras com lamas provenien-
tes de fossas domésticas, bem como a lavagem conveniente dos alimentos e a
inspecção veterinária adequada a nível do abate dos animais no matadouro.

2.3.3.9 Diphyllobothrium latum


Este céstodo é conhecido como o grande céstodo humano de origem íctica. Na
forma adulta, parasita o intestino do Homem e de outros mamíferos marinhos,
tal como urso e cães. Ainda que seja um parasita cosmopolita, parece ser mais
frequente no hemisfério norte. O parasita adulto põe ovos que saem com as fezes
do hospedeiro e, que atingindo a água vão desenvolver uma forma larvar em
crustáceos. Quando os peixes de água doce – perca, salmão, lúcio e truta ingerem
os crustáceos infectados a forma larvar atinge o intestino, atravessa a parede e
enquista no músculo do peixe. O mamífero hospedeiro definitivo infecta-se pela
ingestão de peixe com a larva plerocercóide enquistada.

2.3.3.10 Anisakídeos
Os nemátodos da família Anisakidae ocorrem em centenas de espécies de peixe,
sendo de realçar o Anisakis simplex e o Pseudoterranova decipiens como os de
maior importância em saúde pública.

Ciclo de vida — Anisakídeos


Estas espécies zoonóticas têm como hospedeiro definitivo os mamíferos marinhos, tais como a baleia, a foca e o urso, sendo que estes ao alimentarem-
-se de peixe ingerem as formas larvares (L3 ou L4) enquistadas no músculo ou nas serosas viscerais, à superfície das vísceras dos peixes (fígado, ovas)
e na cavidade abdominal. No peixe, e devido a sinais de autólise, as larvas que se encontram no intestino saem e procuram o músculo onde podem
permanecer viáveis por vários anos. As larvas são resistentes a vários processos de cura, nomeadamente a salga e o fumeiro. Morrem se se mantiverem
pelo menos 5 dias a -20 ºC, sendo o congelamento do peixe o meio mais aconselhado de preservação, antes da sua utilização em pratos em que seja
consumido cru.

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 49
Anisakiase
No Homem, aquando da ingestão de formas larvares pelo consumo de peixe
cru, o ciclo dos parasitas Anisakidae não se completa, sendo que as larvas L3
provocam ulcerações na mucosa do aparelho gastro-intestinal, onde se fixam,
originam lesão e morrem, conduzindo à manifestação de dor e cólica abdominal
e, eventualmente vómito.

2.3.3.11. Tremátodos veiculados pelo pescado


Clonorchis spp. e Opistorchis spp. são tremátodos digenéticos em que o Homem
é o hospedeiro definitivo adequado, infectando-se pela ingestão de peixe cru.
As metacercárias encontram-se no tecido subcutâneo e músculo do peixe e, ao
serem ingeridas, migram para os canais biliares do fígado, onde se estabelecem
como parasita adulto, fazendo ovoposição 3 a 4 semanas após infecção. As me-
tacercárias são muito resistentes à salga, refrigeração e conservas de peixe.

A maioria das pessoas são portadoras assintomáticas, podendo contudo, mani-


festar febre, dor epigástrica e eosinófilia. A infecção por estes parasitas parece
estar associada à incidência de colangiocarcinoma nas áreas endémicas.

Prevenção e controlo das parasitoses de origem alimentar


A prevenção e controlo das infecções parasitárias é um assunto complexo que
deve envolver as autoridades sanitárias dos países, implementando medidas ofi-
ciais e, em muitos casos, por exemplo no caso das teníases e dos protozoários,
dando prioridade ao saneamento básico e à melhoria da qualidade das águas de
abastecimento às populações. Os efluentes humanos e animais constituem um
assunto muito importante.

A aplicação de técnicas de diagnóstico e pesquisa parasitária no ambiente e nos


alimentos terão que ser melhoradas, uma vez que se aceita que estas infecções
estão subdiagnosticadas/avaliadas. A declaração/notificação obrigatória, mesmo

50 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções
em alguns países onde oficialmente está legislada, em muitos casos, não é efec-
tiva nem a nível humano nem a nível veterinário e tem impacto reduzido em
termos epidemiológicos.

A melhoria das condições de abate e uma conveniente inspecção nos matadou-


ros, a par com a redução dos abates domésticos sem inspecção veterinária, dimi-
nuem a ocorrência das parasitoses animais e humanas.

A nível dos animais produtores de alimentos, são importantes as condições de


alojamento, maneio, higiene e controlo de pragas e roedores e, em algumas situ-
ações a vigilância destes face a eventuais contactos com animais selvagens, que
funcionam como reservatórios (p. ex. Trichinella spp.).

Outro aspecto relevante neste contexto e não menos importante, prende-se com
a informação da população para aspectos básicos de higiene pessoal e higiene
em geral, quer na relação com o cão (hidatidose), na forma como cuida deste ani-
mal e na forma como manipula alimentos. Essa educação passa pela informação
às populações, sobretudo aos mais jovens e crianças, que estão mais despertos,
dispostos a aprender e com a capacidade de introduzir mudanças nas famílias
onde se inserem.

No final deste capítulo o aluno deverá


Reconhecer e explicar a necessidade de garantir a qualidade microbiológica da água
Indicar fontes de contaminação microbiana da água e citar formas de prevenção
Enunciar os principais microrganismos associados a águas contaminadas
Relacionar os microrganismos patogénicos potencialmente presentes numa água inquinada com as doenças que podem causar
Conhecer quais os principais microrganismos responsáveis por doenças relacionadas com o consumo de alimentos
Conhecer as principais bactérias que podem transmitir doenças através do consumo de alimentos
Conhecer as principais fungos responsáveis por micotoxicoses associadas ao consumo de alimentos
Conhecer os principais parasitas que podem transmitir doenças através do consumo de alimentos

2. Água e alimentos como fontes de toxi-infecções Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 51
3. Leite e Produtos Lácteos
3.1 Leite: definição, características e composição
Desde o momento da domesticação de animais e do início da prática da pas-
torícia que o leite de diversas espécies animais se transformou num importante
alimento para o Homem. É também a mais versátil matéria-prima de origem ani-
mal e, apresenta-se como um componente da dieta em diferentes formas físicas;
líquida para o leite em natureza e semi-sólida ou sólida para diversos produtos
derivados como sejam o iogurte, a manteiga, e diversos tipos de queijo.

Ao longo da evolução do processo de produção e industrialização do leite, a


integração da tecnologia, da química e da microbiologia permitiu uma enorme
melhoria das condições de obtenção e da qualidade e segurança dos produtos
lácteos.

Do ponto de vista fisiológico o leite é a secreção das glândulas mamárias. Do


ponto de vista legal define-se como o produto da ordenha integral de uma ou
mais fêmeas leiteiras saudáveis. Esta definição não deverá englobar o colostro,
produzido nos primeiros dias de lactação e que deverá apenas servir para ali-
mentar a cria. Normalmente, quando se usa o termo “leite” refere-se ao produto

52 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Adaptado de Luquet, 1985
Composição química média g/L
água 907
lactose 49
gordura 35
proteína 32
minerais 9

Propriedades Físicas
densidade relativa 1,032 -1,036
pH 6,5-6,7
acidez 15-18 *
ponto de congelação -0,510 a -0,550 **
* graus Dornic ** graus Celsius

(1): os valores referem-se a um leite com uma densidade relativa de 1,032.


(1L=1032 g).
(2): ver técnica de determinação da acidez na pag. 54.

Tabela 3.1
Algumas características
físico-químicas do leite de vaca

procedente de vacas. Quando se refere o leite produzido por outras espécies, a


seguir ao termo leite acrescenta-se o nome da espécie produtora (p. ex. leite de
ovelha ou leite de cabra).

A composição do leite, seja qual for a espécie de onde provém é caracterizada


pela sua extrema complexidade, que deriva da circunstância de se tratar do ali-
mento funcional (único) do recém-nascido.

O leite deve ser produzido de uma forma adequada isento de substâncias es-
tranhas e não conter colostro. A composição do leite varia com a raça, o peso, a
alimentação e a idade, entre outros factores. Os vários constituintes sólidos do
leite são: proteínas, lactose, gordura, sais minerais, vitaminas (hidrossolúveis e li-
possolúveis), enzimas, oligoelementos e outros compostos em doses vestigiais.

A tabela 3.2 apresenta o intervalo de valores para a composição do leite de vaca


e compara-os com os valores médios do leite humano. São referidas também as
necessidades nutricionais diárias de crianças e de adultos relativamente a alguns
dos componentes presentes no leite. De notar a importância do leite de vaca
como fonte de cálcio e de fósforo.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 53


Adaptado de Walstra & Jenness, 1981
Conteúdo por 100g Necessidades diárias
Unidade Leite de vaca Leite humano Crianças Adultos
Energia (kJ) 250 - 300 300 5.400 11.000
Água (g) 85,5 - 88,7 87,1
Gordura (g) 2,4 - 5,5 4,5
Proteína (g) 2,3 - 4,4 0,9 23 56
Lactose (g) 3,8 - 5,3 7,1
Cálcio (mg) 60 - 200 31 800 800
Fósforo (mg) 50 - 150 15 800 800
Potássio (mg) 100 - 200 52 550 - 1.650 1.875 - 5.625
Sódio (mg) 20 - 90 15 325 - 975 1.100-3.300
Tabela 3.2
Cloro (mg) 60 - 180 41 500 - 1.500 1.700 - 5.100 Comparação da composição
dos leites de vaca e humano
Magnésio (mg) 5 - 24 4 150 350 e valores nutricionais de ambos

* Nota: Um leite normal apresenta uma reacção ligeiramente ácida. A acidez natural dos leites deve-se em parti-
cular à sua composição em fosfatos ácidos, citratos e substâncias proteicas. O aumento da acidez do leite após a
ordenha deve-se à transformação progressiva da lactose em ácido láctico.
Os valores normais variam de 15 a 18 °D para leites de vaca, de 12 a 18 °D para leites de cabra e de 18 a 22 °D para
leites de ovelha.
Entende-se por acidez dum leite o volume gasto de uma solução alcalina normal, expresso em mililitros para neu-
tralizar um decímetro cúbico de leite. No entanto existem várias unidades para apresentar os valores da acidez de
um leite (% de ácido láctico, ° Dornic, ° Soxhlet, º Thorner), todos eles convertíveis entre si.
Princípio: NaOH (P.M. 40 Da); ácido láctico (P.M. 90 D); 1 litro de solução normal de soda cáustica (40g NaOH/L)
neutraliza 1L de solução normal de ácido láctico (90 g/L). Com solução decinormal (0,1N) de soda tem-se: 4g de soda
em 1.000 mL que neutralizam 9 g de ácido donde, X mL de soda (= X g NaOH) neutralizam Y g de ácido contidos em
10mL de leite. Em 100 mL de leite estarão 10* Y g de ácido (= % ácido láctico p/p).
Técnica: Medem-se 10 mL da amostra para um copo de precipitação ou um tubo de ensaio, na qual se juntam 6
gotas do indicador (fenolftaleína) e titula-se com hidróxido de sódio, contido na bureta de precisão até a viragem
do indicador. A viragem do indicador é observada pelo aparecimento de uma cor rosada no leite durante a titulação.
Resultados: Sendo o volume de hidróxido de sódio 0,1 N gasto na titulação, segundo a técnica o resultado é 10 x V
mL de NaOH por dm3 de leite (° Thorner). É frequente utilizarem-se graus Dornic pela facilidade de conversão destes
em % de ácido láctico (basta dividir o resultado por 100). Para o efeito a solução de NaOH em vez de ser decinormal
(0,1N - 4g NaOH/L), será noninormal (0,11 N - 4.4 g NaOH/L).

Proteínas
As proteínas do leite são as substâncias mais representativas da chamada fracção
azotada do leite. Esta fracção é constituída por dois grupos, do qual o principal
é o das proteínas sendo o outro formado por matéria azotada não proteica. As
proteínas representam (95%), quase a totalidade desta matéria azotada, repre-
sentando as substâncias azotadas não proteicas menos de 5%.
As proteínas do leite são constituídas pelas proteínas insolúveis (caseínas) que
representam cerca de 27 g/L e pelas proteínas solúveis (5 g/L) que se encon-
tram no lactosoro e se dividem em albuminas, globulinas e enzimas. As maté-
rias azotadas não proteicas (ANP), constituem um conjunto de substâncias sem
efeito tecnológico e cujo teor em azoto não deve ser tomado em conta para a
determinação do teor proteico do leite. É de notar que a grande diferença exis-

54 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Adaptado de Luquet, 1985
COmPONENTE SIGLA VACA OVELHA CABRA
BUTÍRICO C4 2,9-5,3 3,1-6,1 1,0-4,9
CAPRÓICO C6 1,8-3,2 2,1-5,0 1,5-4,3
CAPRÍLICO C8 1,0-1,7 1,5-5,2 2,0-5,2
CÁPRICO C10 2,1-3,6 3,3-13,3 7,1-16,1
LÁURICO C12 2,3-4,2 2,8-8,0 3,3-9,8
MIRÍSTICO C14 8,5-13,0 5,3-14,4 6,9-15,4
PALMÍTICO C16 24,5-31,6 17,0-28,6 16,7-39,4
PALMITOLEICO C16:1 1,4-2,5 1,0-2,8 0,7-3,5
ESTEÁRICO C18 7,4-12,5 5,6-16,1 4,4-17,3
OLEICO C18:1 19,9-28,6 13,7-36,0 13,5-33,3
LINOLEICO C18:2 1,3-4,5 1,0-3,2 0,5-4,7
LINOLÉNICO C18:3 0,3-1,2 0,5-4,8 0,2-2,5

Tabela 3.3
Principais ácidos gordos
componentes da gordura dos
leites de vaca, ovelha e cabra
tente entre a fracção da caseína e as proteínas solúveis (ou proteínas do soro), é
o facto da primeira coagular pelo coalho animal ou pelas enzimas coagulantes,
não coagulando pelo calor, enquanto as segundas coagulam pelo calor e não
coagulam por acção do coalho. Refira-se no entanto que a coagulação das pro-
teínas solúveis provocada pelo calor só é completa quando estas se encontram
em desequilíbrio ou seja, quando deixam de estar protegidas pela caseína após a
precipitação enzimática ou ácida destas.

As proteínas lácteas possuem todos os elementos indispensáveis à primeira fase


de vida dos mamíferos. Industrialmente o valor da caseína é importantíssimo,
pois é a parte principal da constituição do queijo.

Gordura
A gordura ou, mais correctamente, a chamada fracção lipídica do leite é de cons-
tituição muito complexa. A gordura encontra-se no leite sob a forma de uma
emulsão de pequenos glóbulos esféricos ou ligeiramente ovóides, cujo diâmetro
varia entre 2 a 10μm (0,002 a 0,01mm) consoante a raça da espécie.

A matéria gorda é constituída por cerca de 99,5% de compostos lipídicos e 0,5%


de compostos lipossolúveis. Os compostos lipídicos dividem-se em lípidos simples
(glicerídios, colesterídios), lípidos complexos e ácidos gordos livres. Os compostos
lipossolúveis são constituídos por colesterol, vários hidrocarbonetos, o grupo das
vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K e F) e alguns álcoois. Os principais ácidos gordos
constituintes da matéria gorda do leite de vaca são o ácido oleico (± 20-30%) e o
ácido palmítico (± 25-32%). A tabela 3.3 apresenta os valores médios do teor dos
diferentes ácidos gordos nos leites de vaca, ovelha e cabra.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 55


Lactose
Os glícidos ou açúcares do leite são essencialmente constituídos pela lactose,
cujo teor médio é de 45 a 53g/L e à qual se deve o seu sabor adocicado. En-
contram-se ainda outros açúcares mas em quantidades vestigiais. A lactose é
um glícido redutor formado pela união de uma molécula de α (alfa) ou ß (beta)
glucose e de uma molécula de ß galactose.

Fisiologicamente a lactose é hidrolisada por via enzimática, pela lactase intes-


tinal em glucose e galactose. Uma proporção muito significativa (mais de 70%)
da população mundial não é capaz de digerir a lactose apresentando diversos
níveis de intolerância ao leite.

A transformação da lactose em ácido láctico pelas bactérias lácticas durante


o processo fermentativo é a base para a produção de variadíssimos e impor-
tantes produtos lácteos: iogurtes, leites acidificados, alguns queijos frescos e
queijos curados.

Sais minerais
No leite encontram-se vários sais minerais em dissolução (moléculas ou iões)
ou no estado coloidal. O cálcio e o fósforo (Ca e P) são dois elementos funda-
mentais da estrutura da micela das caseínas, condicionam a estabilidade da
fase coloidal, sendo também de grande importância no plano biológico. O
magnésio (Mg) é um elemento também muito importante. O potássio (K), só-
dio (Na) e o cloro (Cl) permitem realizar, juntamente com a lactose, o equilíbrio
de pressão osmótica do leite na glândula mamária com a pressão osmótica do
sangue.

Para além destes macro elementos existem muitos oligoelementos mas que
estão presentes em quantidades vestigiais sendo eles: zinco, ferro, cobre, iodo,
flúor, cobalto, manganésio. Fisiologicamente servem para a formação e manu-
tenção do esqueleto, bem como para o equilíbrio de muitas funções orgânicas.

56 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Biocatalisadores
Encontra-se no leite um grupo importante de constituintes em quantidades ín-
fimas, mas que apesar disso têm um papel fundamental devido à sua actividade
sobre o metabolismo, e daí o nome de biocatalisadores do leite.

Esta fracção compreende as enzimas, as vitaminas e as hormonas. Estas subs-


tâncias encontram-se quer na fase aquosa em estado solúvel quer ligadas a
proteínas (em particular as caseínas) ou na fase lipídica, em especial ao nível da
membrana do glóbulo de gordura.

As enzimas mais importantes do leite pertencem especialmente aos grupos


óxido-redutases e hidrolases. Destacam-se assim as sulfidriloxidases, xantina
oxidase, catalase, lipase, fosfatase e lizosima.

Quanto às vitaminas são micronutrientes necessários ao funcionamento normal


do organismo e deverão ser-lhe fornecidas diariamente uma vez que não se
podem sintetizar. Estas dividem-se em dois grupos: as lipossolúveis e as hidros-
solúveis.

As acções por elas desempenhadas são complexas mas, a maior parte delas
têm uma acção preponderante sobre determinados aspectos do metabolismo.
O teor do leite em vitaminas lipossolúveis está directamente relacionado com
a quantidade de gordura. O leite inteiro pode conter quantidades significativas
destas vitaminas, enquanto o leite desnatado pode apenas conter vestígios.

As hormonas são substâncias químicas específicas produzidas por glândulas


endócrinas, que desempenham funções essenciais e muito específicas no or-
ganismo.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 57


Biosíntese e secreção do leite
As células secretoras da glândula mamária encontram-se organizadas em torno
dos alvéolos. Os componentes dos constituintes do leite (precursores) entram
na célula através do sangue pela sua extremidade basal e o leite é expelido pela
extremidade apical para o lúmen do alvéolo. Células mioepiteliais circundam o
alvéolo e, a ocitocina ao estimular estas células, empurra o leite para os canais
(denominados ductos), que o transportam até à cisterna onde se acumula entre
ordenhas.

Precursores dos constituintes do leite


A maior parte dos constituintes do leite é sintetizada na glândula mamária em-
bora alguns sejam transferidos do sangue.

A lactose e as principais proteínas do leite são específicas da glândula mamária


não sendo sintetizadas em qualquer outro tecido.

As proteínas do leite são também específicas da espécie.

A gordura do leite é específica em relação ao órgão e à espécie animal, sobretu-


do no que respeita à sua composição em ácidos gordos.

Os precursores originais dos componentes do leite são a celulose, o amido, pro-


teínas, gordura, minerais e vitaminas dos alimentos consumidos. A água é tam-
bém essencial para a produção de leite.

Os principais locais onde os componentes da dieta alimentar são modificados


são o rúmen, o intestino delgado e o fígado.

A microflora do rúmen hidrolisa os polissacarídeos, proteínas e lípidos ingeridos


e, durante o processo fermentativo, os microrganismos produzem grandes quan-
tidades de acetato, propionato e hidroxibutirato que são absorvidos pela corren-
te sanguínea. Os microrganismos fazem a saturação (hidrogenação) dos ácidos
gordos insaturados da gordura veiculada pela alimentação. Eles sintetizam tam-

58 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


bém aminoácidos (incluindo os essenciais), proteínas, consideráveis quantidades
de vitaminas do grupo B, bem como Vitamina K. Os próprios microrganismos são
digeridos no intestino e os seus componentes utilizados pelo animal:

As proteínas são hidrolisadas no intestino delgado e os seus aminoácidos constituintes absorvidos


As gorduras são também hidrolisadas no intestino delgado, sendo os ácidos gordos resultantes transferidos para o sangue
Nos ruminantes, pouca glucose é absorvida a nível intestinal. Normalmente, a glucose é produzida no fígado; a glucose é o único
precursor da lactose e do citrato presentes no leite
O acetato, o hidroxibutirato e os triglicerídeos absorvidos, são as fontes dos ácidos gordos componentes da matéria gorda do leite
Os aminoácidos essenciais e não essenciais das proteínas do leite provêem de aminoácidos presentes na circulação sanguínea

Normalmente são necessários 500 volumes de sangue para fornecer os precursores de 1 volume de leite.
A glândula mamária pode secretar cerca de 2g de leite por 1g de tecido, por dia. Um grama de tecido
mamário contêm cerca de duzentos milhões de células.

Síntese dos componentes do leite

Proteínas
As diversas proteínas do leite são sintetizadas na glândula mamária. Apenas a
albumina do soro (ASB) é transferida directamente da circulação sanguínea. As
proteínas podem ser divididas em dois grandes grupos: as caseínas, que repre-
sentam cerca de 82% da totalidade das matérias azotadas do leite e as proteínas
do soro, que representam cerca de 13,5 %. A fracção não considerada como pro-
teína verdadeira, representada pela proteose peptona e pelo azoto não proteico
representa os restantes 4 a 5%.

As caseínas são proteínas insolúveis, sensíveis ao cálcio e que coagulam a pH 4,6.


Encontram-se no leite sob a forma de micelas em suspensão coloidal.

Este grupo de proteínas é composto pelas caseínas alfa (α) (15-19 g/L), beta (β)
(9-11 g/L), gama (γ) (1-2 g/L) e, kapa (k) (3-4g/L). Na sua totalidade as caseínas
representam cerca de 27-28 g por litro de leite.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 59


Adaptado de Walstra e Jenness, 1984
Os círculos representam submicelas; as cadeias externas
representam a caseína k com a sua porção hidrofóbica
ligada às submicelas e, a azul, a sua porção hidrofílica
em contacto com o meio aquoso envolvente; os traços
vermelhos representam pontes de fosfato de cálcio.

Figura 3.1
ESTRUTURA BIDIMENSIONAL
DA micela de caseína

O grupo das proteínas do soro é composto pela β lactoglobulina (2-4 g/L); α


lactalbumina (1-1,5 g/L); albumina sérica bovina (ASB) (0,1-0,4 g/L) e pelas imu-
noglobulinas (IgG) (0,6-1 g/L).

A figura 3.1 apresenta um esquema simplificado da estrutura da micela de caseí-


na. Note-se que cerca de 1/3 do cálcio presente no leite se encontra intimamen-
te ligado às caseínas na micela e, contribui para a sua estrutura.

Para se ter uma ideia das dimensões das partículas do leite, um glóbulo de gordura de dimensão média
é cerca de 30 a 40 vezes maior que uma micela de caseína, cerca de 1.000 vezes maior que uma prote-
ína do soro e, cerca de 100.000 vezes maior que uma molécula de lactose. Por seu lado, uma micela de
caseína é cerca de 30 a 60 vezes maior que uma proteína do soro.

Encontram-se ainda no leite, embora em quantidades bastante baixas, cerca de


vinte e cinco outras proteínas que cumprem diversas funções metabólicas (p. ex.
enzimas).

Em termos de balanço, poucos mais aminoácidos são absorvidos pela glândula


mamária do que os que são secretados na proteína do leite. Todas as evidências
indicam que as proteínas nativas do leite, caseínas, α lactalbumina e ß lactoglobu-
lina, são sintetizadas em ribossomas, no retículo endoplasmático da célula mamá-
ria, sendo o mecanismo de síntese o mesmo que o da síntese proteica em geral.

60 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


caseína κ
caseína γ
caseína β
caseína αS2
caseína αS1

IgG
ASB
α lactalbumina
β lactalbumina

0 2 4 6 8 10 12 14

figura 3.2
Percentagem individual
dos principais componentes
azotados do leite

Após síntese, as proteínas sofrem algumas modificações que são fundamentais


para a sua estrutura e propriedades:

Adição de um glícido à caseína k (fundamental para Formação de pontes dissulfídicas (responsáveis,


Formação de pontes de fosfato
a estabilidade e capacidade de hidratação da micela em grande parte, pela estrutura e propriedades
de cálcio na estrutura da micela
de caseína) da α lactalbumina e da ß lactoglobulina)

O teor de proteína do leite aumenta (mas as proporções entre os componentes proteicos mantêm-se cons-
tantes) quando os animais são submetidos a dietas ricas em concentrados. O excesso de proteína na alimen-
tação do animal, não altera o teor ou a proporção relativa de proteínas do leite, mas origina um aumento do
teor de azoto não proteico no mesmo.

Lípidos
Os ácidos gordos do leite podem ser originários de 3 fontes:

Ácidos gordos pré formados da gordura alimentar, transferidos para a glândula mamária via sangue e linfa, na forma de triglicerídeos
1 e ácidos gordos livres. Na sua maior parte são ácidos com 16 ou mais átomos de carbono
Ácidos gordos sintetizados pela glândula mamária a partir do acetato e hidroxibutirato produzidos pelas bactérias do rúmen
2 Os ácidos gordos produzidos por esta via têm cadeias curtas e médias (C4-C14 e parte do C16)

3 Ácidos gordos sintetizados a partir da glucose por via glicolítica. Esta não é uma fonte de ácidos gordos com significado nos ruminantes

Dietas pobres em forragens diminuem a produção de acetato e incrementam a produção de propionato como resultado das fermentações do rú-
men. O leite produzido por animais nestas condições contém um teor de matéria gorda significativamente mais baixo (p. ex. até cerca de metade
em vacas) do que o de animais submetidos a dietas ricas em forragens.
Note-se que a flora intestinal satura os ácidos gordos ingeridos e, consequentemente, os lípidos de depósito e na circulação sanguínea são alta-
mente saturados. A célula mamária dos ruminantes tem uma elevada capacidade de insaturar o ácido esteárico (C18:0) para ácido oleico (C18:1).

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 61


Lactose
A síntese da lactose envolve a ligação de uma unidade de galactose com uma
de glucose por meio de uma ligação glicosídica de tipo ß 1,4. A α lactalbumina
permite a ligação dos grupos galactosil com a glucose dando origem à formação
de lactose. Esta síntese ocorre nas membranas das vesículas de Golgi.

A lactose, atrai água osmóticamente e, consequentemente, a síntese de lactose


regula largamente o volume de leite secretado.

Citrato
O citrato, produzido ao nível das mitocôndrias, é importante na química do leite,
porque forma um complexo solúvel com o cálcio reduzindo assim a actividade
do ião Ca2+, sendo por outro lado o precursor de componentes aromáticos pro-
duzidos por algumas bactérias.

Processos de transporte dos componentes do leite


No tecido mamário normal, não existe passagem de material entre as células e,
consequentemente, as substâncias transferidas do sangue para o leite têm de
passar através das células.

Uma importante particularidade da célula mamária é a formação de vesículas de


Golgi, nas quais, a lactose é sintetizada, as proteínas se acumulam e são “proces-
sadas”, e onde são formadas as micelas de caseína. Estas vesículas migram para a
membrana apical, fundem-se com ela, abrindo-se depois para o lúmen alveolar
onde descarregam o seu conteúdo (exocitose).

Os glóbulos de gordura migram através da célula separados das vesículas de Golgi.

Os triglicerídeos são formados no retículo endoplásmico. A distribuição de ta-


manhos dos glóbulos de gordura indica a presença de duas populações (±2%
da gordura em glóbulos de dimensão aproximada de 1μm e, 98% em glóbulos
de dimensões que variam entre 2 e 10 μm). Os glóbulos vão crescendo à medida
que progridem na célula. Finalmente os glóbulos são envolvidos pela membrana
apical, que os protege, antes de serem libertados no lúmen alveolar.

62 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


evolução da composição do leite nos primeiros 10 dias de lactação

10
9
Proteínas do soro 8

% do componente
7
Lactose
6
Caseína 5
4
Gordura 3
Minerais 2
1
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
dias de lactação

figura 3.3
Evolução da composição
do leite no início da lactação

Limitações à composição do leite

O leite é isotónico com o sangue (isto é, tem a mesma pressão osmótica). Os componentes que mais contribuem para a pressão osmótica
do sangue são iões Na+ e Cl-, enquanto no leite, a lactose, K+, Na+, e Cl- contribuem em conjunto. As variações da concentração de lactose
1 são pequenas, e as que ocorrem, são directamente correlacionadas com as do K+ e inversamente com as de Na+ e Cl-. A osmolaridade
(e, por consequência, o ponto de congelação: -0.570 ºC para o leite de ovelha e -0,540 ºC para o leite de vaca) é mantida entre limites
muito estreitos
A segunda limitação na composição do leite é a solubilidade do fosfato e do citrato de cálcio. O cálcio e o fosfato, de grande valor nutri-
2 tivo para o lactente, são veiculados sob a forma de complexo coloidal juntamente com a caseína. No caso do cálcio, 2/3 encontram-se
em solução enquanto o restante 1/3 se encontra intimamente associado às caseínas na micela
O ponto de fusão da gordura do leite não deverá ser superior à temperatura do corpo, uma vez que as gorduras líquidas a essa tempera-
3 tura são mais facilmente digeridas. Os ruminantes controlam o ponto de fusão da gordura do leite sintetizando ácidos gordos de cadeia
curta, e insaturando o ácido esteárico (C18:0), transformando-o em ácido oleico (C18:1)

Modificações do leite nos ductos e cisterna

1 Reorientação, perdas e ganhos de materiais pela membrana do glóbulo

2 Hidrólise de moléculas de ß caseína pela plasmina, e consequente formação de γ caseína e fragmentos peptídicos

3 Eventual lipólise da gordura do leite embora a probabilidade seja baixa, já que a membrana do glóbulo protege

4 Glóbulos de gordura retidos nos ductos, o que implica que o teor de gordura aumente ao longo da ordenha

5 Coalescência de glóbulos de gordura

6 Contaminação bacteriana

Variação da composição ao longo da lactação


A figura 3.3 representa a evolução da composição de leite nos primeiros dez dias
de lactação. Note-se o decréscimo do teor de proteínas do soro nos primeiros
cinco dias. Esta alteração refere-se à transição da fase de produção de colostro
para a fase de lactação normal. Na fase colostral grande parte da proteína do leite

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 63


18
16
Litros/dia; % do componente

14
12
10
8
6
4
2
0
1 30 60 90 120 150 180 210 240 270
Dias de lactação

Litros/dia Proteína Lactose Gordura Minerais

figura 3.4
Curva de lactação típica para é constituída por imunoglobulinas (anticorpos) que garantem a transferência de
vaca com um volume de lactação
de cerca de 4.000L em 270 dias resistências para a cria. O leite nos primeiros dias de lactação deverá ser utilizado
apenas para amamentação da cria e, só após esta fase, a fêmea produtora pode-
rá ser submetida a ordenha.

A composição do leite evolui também no decurso do período de lactação, sendo


esta evolução influenciada pela raça, alimentação, condições climáticas e ma-
neio do rebanho.

O pico da lactação (volume máximo produzido) é, no caso da vaca, atingido no


segundo mês após o parto. Após o início da lactação, o teor de lactose mantém-
-se quase constante, apresentando um ligeiro decréscimo no final da mesma.

Os teores de proteína e gordura tendem por outro lado a ser mais elevados no
final da lactação, de forma indirectamente proporcional ao volume de leite pro-
duzido. Assim, para um dado animal, a composição do leite não é constante ao
longo de toda a lactação.

Pela observação da figura 3.5 pode inferir-se que as duas componentes queijeiras principais do leite, a gordura (G) e a proteína
(P) evidenciam uma progressão que não é constante. Como a evolução de cada um destes grupos não é paralela, a relação
gordura/proteína (G/P) varia ao longo do período de lactação, o que implica uma variabilidade importante nas características
da matéria-prima utilizada no fabrico de queijo.

Variação da composição entre espécies


A tabela 3.4. apresenta a composição média do leite de diferentes espécies pro-
dutoras. Será de realçar que a lactose é o componente que mais contribui para o
teor de sólidos do leite. O teor de proteína total engloba as caseínas que se en-

64 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


evolução dos teores de lactose, gordura e proteína
ao longo das 48 semanas de lactação (%)
evolução dos rácios proteína/gordura
e proteína/lactose
5,00
1,00
0,90
4,50 0,80
0,70
4,00 0,60
1 6 12 18 24 30 36 42 48
3,50 Semanas de lactação

3,00
P/g p/l
1 6 12 18 24 30 36 42 48
Semanas de lactação

P mg L
figura 3.5
Evolução dos principais componentes sólidos do
leite ao longo da lactação; variação dos rácios
proteína/gordura e proteína/lactose

água EXTRACTO gordura proteína caseína proteínas lactose cinza


seco total do soro
Adaptado de Walstra et al., 2001

Burra 89,3 10,7 1,5 2,0 1,0 1,0 6,7 0,5

Égua 89,3 10,7 1,7 2,5 1,3 1,2 6,0 0,5

Camela 86,6 13,4 4,5 3,6 2,7 0,9 4,5 0,8

Vaca 87,5 12,5 3,6 3,2 2,6 0,6 4,9 0,8

Búfala 86,5 13,5 3,6 4,3 3,6 0,7 4,8 0,8

Cabra 86,8 13,2 4,5 3,6 3,0 0,6 4,3 0,8

Ovelha 81,3 18,7 7,5 5,6 4,6 1,0 4,6 1,0

tabela 3.4
Composição do leite
de diferentes espécies
produtoras (% m/v)
contram em suspensão coloidal no leite e, as proteínas do soro, que se encontram
em solução. De notar os baixos teores de proteína e elevados teores de lactose
dos leites de burra e de égua. A composição do leite destas duas espécies é muito
semelhante à do leite de mulher. A figura 3.6 representa graficamente as diferen-
ças na composição do leite das diferentes espécies. De notar o elevado extracto
seco do leite de ovelha quando comparado com o das restantes espécies. Devido
aos elevados teores de proteína e gordura do leite de ovelha, os rendimentos
queijeiros desta espécie são naturalmente superiores.

A figura 3.7 representa a percentagem dos componentes do leite das diferentes


espécies em relação à sua matéria seca. Nesta figura pode observar-se que, com

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 65


componentes sólidos do leite de diferentes espécies (%)

%
20,0
18,0 1,0
16,0 4,6
14,0
0,8 0,8 0,8 1,0
12,0 0,8
0,5 0,5 4,5 4,8 4,3
10,0 4,9 4,6
8,0 0,9 0,7 0,6
6,7 6,0 0,6
6,0 2,7 3,6 3,0
figura 3.6
2,6
4,0 1,2 7,5 Componentes sólidos
1,0
2,0 1,0 1,3 4,5 3,6 3,6 4,5 do leite. Comparação
1,5 1,7 entre espécies
0,0
Burra Égua Camela Vaca Búfala Cabra Ovelha

Gordura Caseína Proteínas do Soro Lactose Minerais

100,0 6,7 4,8 5,2 4,5 5,3


9,3 11,2
9,3 20,1 20,8 22,7
80,0 12,1 26,7 24,6
4,7
4,7
% da matéria seca

6,0 6,4 6,1


5,9 5,3
60,0
33,6 32,6 24,6
39,2
62,6 56,1 35,6
40,0
figura 3.7
Componentes sólidos do
20,0 33,6 34,1 40,1 leite em percentagem da
28,8 26,7 matéria seca. Comparação
14,0 15,9
0,0 entre espécies

Burra Égua Camela Vaca Búfala Cabra Ovelha

Gordura Lactose Minerais Caseína Proteínas do soro

excepção dos leites de ovelha e cabra, a lactose é o componente que predo-


mina. Tenha-se em atenção que os valores apresentados são os que mais cor-
rentemente se encontram. Existem contudo grandes variações entre raças da
mesma espécie e, em algumas raças, a composição poderá ultrapassar os valores
apresentados.

3.2 Microbiologia do leite


O leite, mesmo que obtido de animais saudáveis e em boas condições de higie-
ne, contém microrganismos que resultam da contaminação durante o processo
de ordenha. Um leite obtido em excelentes condições de higiene deverá conter
entre 5.000 e 10.000 microrganismos por mililitro (mL). Mais vulgarmente, um
leite considerado de boa qualidade higiénica contém entre 50.000 e 100.000
bactérias por mL. Uma boa limpeza e desinfecção dos materiais em contacto
com o leite é essencial para a produção de leite de elevada qualidade higiéni-

66 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


ca mas, infelizmente, poucos dos pequenos produtores podem por em prática
adequados métodos de limpeza e desinfecção. Nestas condições o leite poderá
conter, após a ordenha, mais de 500.000 ou mesmo vários milhões de micror-
ganismos por mililitro. Se o leite não for refrigerado após a ordenha ou se não
lhe forem adicionados conservantes* (quando a sua utilização for permitida) os
microrganismos presentes irão multiplicar-se e, em poucas horas, o seu número
pode atingir valores muito elevados.

Quando o leite não é refrigerado a flora dominante é composta por bactérias lác-
ticas (lactococos e lactobacilos) que, ao transformarem a lactose em ácido láctico,
originam a sua coagulação por acidificação. Em muitos casos, uma acidificação
controlada do leite é, ela própria, um meio de o conservar e de garantir a sua
segurança. Se as condições de higiene na ordenha não forem boas há sempre
contaminação do leite por microrganismos de origem fecal e, muitas vezes, com
microrganismos patogénicos.

Quando o leite é refrigerado imediatamente após a ordenha o desenvolvimento


de bactérias lácticas é retardado, podendo contudo multiplicar-se microrganis-
mos que toleram baixas temperaturas. Assim, num leite não refrigerado predomi-
nam bactérias lácticas fermentadoras da lactose como sejam Lactococcus lactis e
Lactococcus cremoris bem como diversas espécies de Lactobacillus enquanto, no
leite refrigerado, haverá tendência para o desenvolvimento de microrganismos
psicrotróficos do género Pseudomonas. Em ambos os casos poderão também es-
tar presentes bactérias patogénicas resultantes de contaminação fecal ou intro-
duzidas pelo próprio ordenhador.

*A utilização de água oxigenada, também designada por peróxido de hidrogénio (H2O2) poderá ser autorizada, sobretudo em países tropicais e,
nos quais não existe um sistema de recolha de leite em condições de refrigeração. A FAO recomenda a utilização deste produto em concentrações
da ordem de 8,5 mg/L calculado com base em H2O2 (a água oxigenada disponível para este fim tem concentrações que oscilam entre 35 e 40%). A
quantidade a adicionar ao leite depende de vários factores tais como o tempo de transporte antes do tratamento final ou a temperatura do leite.
Quando se trate de garantir o não desenvolvimento de microrganismos durante a recolha e o transporte, sendo o leite submetido a um tratamento
térmico posterior, a concentração a usar deverá ser o mais baixa possível. À chegada á fábrica o leite deve ser tratado com catalase, um enzima
que elimina o peróxido. Este processo permite que o leite cru não se altere durante um período de 7 a 8 horas a temperaturas de 30 ºC (FAO, 2005).

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 67


Naturalmente que, quanto mais higiénica for a ordenha, e se os animais forem
saudáveis, mais baixa será a carga microbiana do leite e, menores serão as pro-
babilidades de ocorrência de bactérias patogénicas. Apesar desta constatação,
por razões de segurança, deverá sempre procurar-se submeter o leite a um tra-
tamento que destrua os microrganismos patogénicos.
O padrão higiénico do leite nos países em vias de desenvolvimento é, geralmen-
te baixo e, por consequência, a qualidade higiénica do leite é também baixa.
Ao longo dos tempos o leite tem, por diversas vezes, sido identificado como
o veículo para alguns surtos de doença. Os surtos de infecção alimentar que
ocorrem geralmente envolvem o consumo de leite cru. Casos de doença como
a tuberculose (Mycobacterium tuberculosis), a brucelose (Brucella abortus, Brucella
melitensis), a campilobacteriose (Campilobacter jejuni), surtos de salmonelose
(Salmonella spp.) e de listeriose (Listeria monocytogenes) têm muitas vezes sido
relacionados directamente com o consumo de leite.

Como regra, o leite usado para consumo directo deverá ser sempre sujeito a um tratamento térmico capaz de inactivar os microrganismos causa-
dores de doenças. Nas indústrias lácteas, o leite é normalmente submetido a um tratamento de 72 ºC por, pelo menos, 15 segundos usando per-
mutadores de calor. Em pequenas indústrias e fazendas, o leite é normalmente aquecido em tanques a 65 ºC por 30 minutos. Nos casos em que se
torne difícil controlar a temperatura, uma boa prática a usar deverá ser deixar que o leite levante fervura, desligando de imediato a fonte de calor.
O uso de leite cru deverá apenas ser tolerado para a produção de produtos lácteos fermentados como sejam queijos curados ou iogurtes, nos
quais, outros factores (acidez/pH, aw, flora microbiana), isoladamente ou em conjunto, inibem o crescimento de bactérias patogénicas.

3.3 Classificação do leite


O leite deverá ser classificado em função de critérios tecnológicos e higiénicos.
Os critérios tecnológicos dizem respeito à sua composição química e, natural-
mente, deverão valorizar mais os leites que possuam mais estrato seco (sobre-
tudo proteína e gordura), pois são estes os componentes que mais contribuem
para o rendimento dos produtos (p. ex. rendimento em queijo); já os critérios hi-
giénicos deverão valorizar os leites que tenham sido obtidos em boas condições
de higiene e que estejam pouco contaminados com microrganismos.
Por outro lado, a presença de agentes químicos como sejam resíduos de medi-
camentos ou a presença de desinfectantes são aspectos que desvalorizam seve-
ramente o leite.

68 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Características do leite padrão (vaca)
Matéria gorda (% m/v) 3,7
Proteína (% m/v) 3,2
Resíduo seco isento de matéria gorda (RSIG) (% m/v) ≥ 8,7
Índice crioscópico; valor máximo ≤ 0,520 ºC
Prova de azul-de-metileno 4h30m
Teor de germes a 30 ºC/mL ≤ 100.000
Teor de células somáticas/mL ≤ 400.000
Pesquisa de inibidores ≤ 0,01 U.I. penicilina G
Pesquisa de microrganismos butíricos Negativa
Número de microrganismos psicrotróficos/mL ≤ 30.000
Número de bactérias termorresistentes/mL ≤ 10.000
Pesquisa de germes esporulados anaeróbios negativa em 10 cm3
UI: Unidades Internacionais

Tabela 3.5
Exemplo de critérios usados
para classificação de leite

Normalmente, para a classificação do leite, definem-se critérios padrão e estabe-


lece-se um preço por litro para o leite que cumpra esses critérios. Após a análise
do leite recebido pela indústria, ele é valorizado ou desvalorizado de acordo com
critérios definidos por lei e/ou acordados entre os produtores e a indústria.

Na tabela 3.5 poderá observar-se um exemplo da aplicação de critérios de classi-


ficação estabelecidos na Europa.

A título de exemplo, no que diz respeito aos critérios tecnológicos, normalmente


o leite é valorizado em função das características do leite padrão, sendo atribu-
ído um determinado valor a esse produto. Se a análise revelar um extracto seco
isento de matéria gorda ou um teor de proteína superiores ao definido, é atri-
buída uma valorização monetária por cada décima acima do valor padrão. Caso
os valores sejam inferiores ao padrão, da mesma forma, é deduzido um valor ao
preço do leite.

No que respeita à valorização higiénica, ao leite padrão é atribuído o valor de


referência sendo penalizados os leites com valores acima do desejável, isto é, que
contenham cargas microbianas mais elevadas. Da mesma forma, os leites de qua-
lidade higiénica superior à do leite padrão serão mais valorizados. Por exemplo,
se um leite tiver uma carga microbiana de 100.000 microrganismos por mililitro
encontra-se dentro do valor padrão. Abaixo desse valor, o leite será beneficiado
em 20 pontos. Se a carga microbiana se situar entre 100 e 200 mil, o leite é penali-
zado em 10 pontos. Se estiver entre 200 e 500 mil, será penalizado em 20 pontos.
Acima de 500 mil será penalizado em 40 pontos.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 69


LEITE PADRÃO PADRÃO LEITE ANALISADO PONTUAÇÃO

CRITÉRIOS TECNOLÓGICOS

RSIG 8,7 8,9 + 20 pontos

Proteína 3,2 3,3 + 10 pontos

Gordura 3,5 3,5 -


CRITÉRIOS HIGIÉNICOS

Microrganismos a 30 ºC 100.000 350.000 - 20 pontos

Células somáticas 400.000 385.000

Inibidores 0,01 UI ausente

TOTAL DA PONTUAÇÃO 100 100+20+10-20=110

Tabela 3.6
Exemplo de aplicação de critérios
de classificação do leite

Caso apresente um teor de células somáticas superior ao padrão, serão descon-


tados 10 pontos por cada intervalo de 100.000, entre o valor padrão de 400.000
e até 1.000.000. Acima de 1.000.000 seriam descontados 80 pontos.

A tabela 3.6 apresenta a valorização de um leite tendo em atenção as caracte-


rísticas definidas para um determinado leite padrão. Ao leite padrão é atribuída
uma valoração de 100 pontos, a que corresponderão um preço determinado (p.
ex. 100 kz/por litro). No exemplo da tabela, o leite ganharia mais 30 pontos (+30
Kz) em termos de avaliação dos critérios tecnológicos, mas perderia 20 pontos
(-20 Kz) devido à sua qualidade higiénica inferior ao padrão. Assim, seria valori-
zado em 110 Kz por litro.

A presença de resíduos de medicamentos (p. ex. antibióticos usados para o tra-


tamento de mamites) é um risco elevado se não houver sensibilização dos pro-
dutores para uma correcta utilização dos mesmos. A sua presença é, hoje em
dia, facilmente detectável e caso ocorra acima de determinados limites, o leite
deverá ser rejeitado.

Uma fraude comum é a adição de água ao leite com o objectivo de aumentar o


seu volume. Esta prática é detectada pela determinação do seu ponto de con-
gelação. Desde que o leite seja pago em função do seu teor de sólidos os pro-
dutores perceberão que esta prática os prejudica. Contudo, nos casos em que
esta fraude for detectada, os produtores deverão ser severamente penalizados.

Naturalmente que os critérios de classificação do leite estabelecidos deverão sempre ter em conta a realidade da produção
numa determinada região ou país. O objectivo será sempre, por via da maior valorização do leite de melhor qualidade, estimular
os produtores a produzirem um produto melhor.

70 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


produção por espécie (% do total) efectivos e produções

121

95,3

80
75

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 43,5
38
31
vaca búfala cabra ovelha 22
18,3
10

figura 3.8
Produção de leite por américa europa américa ásia áfrica
espécie e percentagem do do norte do sul
total do leite produzido
efectivo (milhões de cabeças)
produção (milhões de toneladas)

figura 3.9
Efectivos bovinos e
produções leiteiras por
continente
3.4 Produção de leite a nível mundial
A produção de leite a nível mundial encontra-se representada na figura 3.8. A pro-
dução de leite de vaca representa mais de 87% da produção mundial. Seguem-se
os valores das produções de leite de búfala, cabra e ovelha. Outras fêmeas (p. ex.
camelas) são também utilizadas pelo Homem para a produção de leite. Contudo,
a produção destas espécies representa uma fracção muito pequena (menos de
0,25%) da produção global de leite.
Na figura 3.9 poderá observar-se a distribuição dos efectivos e das produções de
leite de vaca por continente. Serão de realçar as diferenças significativas observa-
das nos efectivos e nas produções dos diferentes continentes.

Os dados referentes a 2010 indicam uma produção global de leite de vaca na ordem dos 600 milhões de toneladas, destacando-se a Europa
com mais de 200 milhões, seguindo-se a Ásia com cerca de 150 milhões, a América do Norte com 96 milhões e a América do Sul com cerca
de 80 milhões. A produção atingida em África situou-se em cerca de 32 milhões.

Notem-se as elevadas produções e os relativamente baixos efectivos encontra-


dos na América do Norte e na Europa. Este facto resulta da utilização, nesses
continentes, de animais com maior aptidão para a produção de leite, de raças
mais seleccionadas e, naturalmente, de condições de maneio e alimentação que
permitem alcançar elevadas produções individuais. A figura 3.10 representa os
valores das produções individuais nos diferentes continentes e permite destacar

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 71


produção individual (kg/lactação)

8.000

7.000

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
américa europa américa ásia áfrica
do norte do sul

figura 3.10
Produção individual
de leite por continente claramente as diferenças atrás mencionadas. Note-se que as produções individu-
ais na Europa e na América são superiores em mais de dez vezes às produções
observadas em África.

No Sul e Sudoeste de Angola o leite tem uma importância fundamental na ali-


mentação das populações rurais agro-pastoras e pastoras. Consumido maiori-
tariamente acidificado (omahine) representa uma importante fonte de proteína
e de gordura que contrabalança a carência desses nutrientes fundamentais, na
base de alimentação das populações rurais (pirão de milho ou massango). A
importância é tal que toda a zona que faz parte da bacia hidrográfica do rio
Cunene (e não só) foi classificada como complexo de ordenha. Nos agregados
urbanos e periurbanos, não obstante a população ser altamente apreciadora de
leite é o factor económico que determina a possibilidade da sua aquisição (nor-
malmente na forma de leite em pó importado).

3.5 Processamento térmico do leite


Os diversos processos aplicados ao leite visam a sua conservação, ou a sua
transformação em diferentes produtos lácteos e, são aplicados também com o
objectivo de garantir a segurança alimentar. Os processos que não implicam a
transformação do leite noutros produtos lácteos visam sobretudo aumentar o
seu prazo de vida e impedir o desenvolvimento ou mesmo, garantir a eliminação
de microrganismos patogénicos que eventualmente estejam presentes. Os tra-
tamentos térmicos são pois considerados um primeiro passo no processamento
do leite, dos quais, em muitos casos, depende a qualidade e a segurança dos
produtos.

72 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


3.5.1 Refrigeração
O processo de aplicação mais simples é a refrigeração. Este tratamento visa im-
pedir que, após a ordenha, os microrganismos normalmente presentes no leite
se possam desenvolver, evitando assim a acidificação do produto. É pois uma
tecnologia que visa evitar que o leite se deteriore antes de ser processado por
outros métodos.

Imediatamente após a ordenha o leite deve ser refrigerado a uma temperatura


inferior a 6 ºC. Quando os volumes de leite são pequenos bastará colocar os re-
cipientes de recolha num frigorífico para que o produto vá arrefecendo gradual-
mente. Mais vulgarmente, quando os volumes de leite ordenhado são maiores, o
produto é colocado directamente num tanque de refrigeração, sendo posterior-
mente transportado em cisternas isotérmicas para os locais de processamento.

O arrefecimento imediato do leite permite espaçar as recolhas por períodos que


podem ir até 48 horas. Isto permite que, numa fazenda, se façam até 4 ordenhas
antes de o leite ser transportado para a fábrica. Naturalmente que, o uso da re-
frigeração permite poupar em custos de transporte mas obriga a consumos de
energia para manter o leite refrigerado. Esta tecnologia é utilizada na maioria
dos países desenvolvidos e permite que, à chegada da fábrica, o leite apresente
valores de contagens de microrganismos bastante baixos, desde que a ordenha
tenha decorrido nas melhores condições higiénicas e que o material em contacto
com o leite tenha sido bem lavado e desinfectado.

Nos países menos desenvolvidos torna-se por vezes muito difícil garantir as con-
dições para a refrigeração imediata do leite, quer por falta de energia eléctrica
nas fazendas, quer por os equipamentos de refrigeração serem bastante caros.
Por outro lado, em muitos casos, as condições de transporte não são as melhores
(más vias de comunicação, longas distâncias a percorrer e veículos pouco pró-
prios para o transporte de leite) e, na maioria dos casos, o leite é transportado
em bilhas sem ser refrigerado. Nestas condições é fundamental garantir uma boa
higienização das bilhas e, fazer uso de conservantes como seja a água oxigenada.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 73


Fonte: Tetra Laval Dairy Processing Handbook, 2003
A b c

A representação de um
permutador de placas

b aspecto de um pasteurizador de 3 secções


associado a uma desnatadeira

c aspecto geral de diferentes placas

Figura 3.11
IMAGEM E DIAGRAMAS
DE UM PASTEURIZADOR
DE PLACAS

Por outro lado, muitas explorações afastadas de zonas urbanas, têm dificuldades
de acesso a água potável, o que mais dificulta as condições de recolha. Assim,
em muitos casos, a qualidade higiénica do leite é bastante baixa e, o número de
microrganismos presentes pode ultrapassar os vários milhões por mililitro.

Em muitos países africanos e em muitas comunidades rurais, é praticamente


impossível fazer-se a recolha do leite em boas condições higiénicas, razão pela
qual os produtores optam por fermentar o leite de imediato, no sentido de ga-
rantir a sua conservação e segurança. Este é o processo básico utilizado pelas
comunidades de pastores no Sul e Sudoeste de Angola (omahine) e na Namíbia.

3.5.2 Pasteurização
A pasteurização é um tratamento térmico que visa destruir os microrganismos
patogénicos não esporolados e reduzir a flora microbiana presente no leite, com
o objectivo de aumentar a sua vida útil e garantir a sua segurança. Note-se que
o leite pasteurizado terá de ser mantido em condições de refrigeração de for-
ma a manter a sua vida útil. Isto é, a pasteurização destrói os microrganismos
patogénicos não esporolados (p.ex.: Mycobacterium tuberculosis, Brucella spp.,
Salmonella spp., Staphylococcus aureos, Listeria monocytogenes), mas não elimina
microrganismos esporolados (p.ex.: Bacillus cereus, Clostridium botulinum, Clos-

74 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


tridium butyricum), nem a totalidade dos microrganismos não patogénicos pre-
sentes no leite. Assim, imediatamente após a pasteurização, o leite deverá ser
refrigerado a 4 ºC e, mantido nessas condições até ao momento do consumo. O
prazo de validade deste produto depende da contaminação inicial do leite e das
condições de pasteurização, embalamento e refrigeração a que é submetido. Se
produzido a partir de leite de razoável qualidade higiénica e, se for embalado em
boas condições, o leite pasteurizado não deverá conter mais de 20.000 microrga-
nismos por mililitro. Quando produzido com leite de boa qualidade higiénica e
mantido em condições ideais poderá manter a sua qualidade por mais de 5 dias.

O processo de pasteurização mais simples consiste em aquecer o leite a uma tem-


peratura de 65 ºC durante meia hora. Naturalmente que este processo só é viável
quando aplicado a pequenos volumes de leite (menos de 1.000 L). São utilizadas
cubas providas de agitação, com uma parede dupla, no interior da qual circula
água quente. O leite demora bastante tempo a aquecer pois a área de transfe-
rência de calor é bastante limitada. Além disso, este é um processo que consome
bastante energia.

Quando se verifique ser difícil controlar a temperatura de pasteurização é prefe-


rível deixar o leite iniciar a fervura e, depois disso, desligar a fonte de calor. Este
processo garante a eliminação dos microrganismos patogénicos não esporolados
presentes no leite. Contudo, há que ter muito cuidado no sentido de evitar que
haja contaminações do leite pasteurizado. O leite tratado deve ser imediatamente
refrigerado ou então, deve ser imediatamente utilizado no fabrico de produtos
fermentados como sejam o iogurte ou o queijo.

Quando as quantidades de leite a tratar são maiores, ou quando se trate de ins-


talações industriais modernas, são utilizados pasteurizadores de placas como o
que se pode observar na figura 3.11. Nestes permutadores de calor, o leite circu-
la, em camadas muito finas (2-5 mm), através de canais formados pelas placas.
A circulação é feita alternadamente; isto é, num canal circula leite e no canal
adjacente circula água quente ou fria. O desenho destes permutadores permite
aumentar muito a área de transferência de calor, tornando o aquecimento muito
mais rápido. Nestes equipamentos, o leite é pasteurizado a uma temperatura mí-
nima de 72 ºC por, pelo menos 15 segundos. Normalmente são usados binómios
temperatura/tempo mais elevados (p. ex. 75 ºC por 30 segundos). Note-se que
após ser aquecido à temperatura de pasteurização e mantido a essa temperatura
pelo tempo que for determinado, o leite tem de ser arrefecido e refrigerado de
imediato.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 75


B2

74 ºC 78 ºC 85 ºC vapor


4 ºC 11 ºC

67 ºC 74 ºC
arrefe- regeneração aqueci-
cimento 4 ºC mento

0 ºC 6 ºC

B3 B1

tanque de água gelada tanque de leite

Figura 3.12
Diagrama de um permutador
de placas com 3 secções

Uma das grandes vantagens deste tipo de equipamentos é que se pode usar o
calor do leite pasteurizado para aquecer o leite cru que entra no pasteurizador
o que permite poupar até 95% da energia que se gasta num processo de aque-
cimento em tanque. Naturalmente que as placas têm que ser estanques para
evitar a mistura dos dois produtos.

Um pasteurizador de placas é normalmente constituído por 3 secções. Primeiro,


o leite cru entra na secção de regeneração, na qual é aquecido pelo leite pasteu-
rizado que se pretende arrefecer. No final desta secção o leite entra na zona de
aquecimento onde é aquecido por água quente até á temperatura pretendida.
Após o aquecimento e manutenção pelo tempo requerido, o leite pasteurizado
entra na secção de regeneração onde perde calor para o leite cru e, finalmente
entra na secção de água fria onde é arrefecido por água gelada. A figura 3.12
apresenta um esquema simplificado de um permutador de placas, no qual se
indica a evolução das temperaturas do produto durante o processamento.

Neste tipo de equipamentos, o leite não tarda mais que dois minutos entre o
momento da entrada do leite cru e o momento da sua saída, já pasteurizado e
refrigerado.

Na figura 3.13 apresenta-se um diagrama da evolução da temperatura do leite


durante o processo de pasteurização. O leite cru refrigerado a 4 ºC entra na zona
de regeneração e é aquecido até 67 ºC pelo leite pasteurizado que arrefece de

76 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


tempo (s)
perfil de aquecimento do leite durante a pasteurização binómios tempo/ temperatura mínimos
para o processo de pasteurização de leite
80
74 74
70 100
67
60
temperatura (ºC)

50
40 10
30
20
10 11 1
4 4
0
0 15 30 45 60 75
tempo (s) 0,1

Figura 3.13
Evolução da temperatura do
leite durante o processo de 0,01
pasteurização 70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 90 92 94 96 98

temperatura (ºC)
Nota: a seta indica o valor mínimo de referência (72 ºC por 15 s)

Figura 3.14
Binómios tempo/temperatura
equivalentes ao mínimo para
garantia de uma destruição
satisfatória de microrganismos
durante o processo de
pasteurização (Kessler, 1981)
74 ºC para 11 ºC. Após a etapa de regeneração o leite é aquecido a 74 ºC por água
quente que arrefece de 85 ºC para 78 ºC. O leite é mantido a 74 ºC por, pelo menos,
15 segundos antes de voltar a entrar na zona de regeneração para arrefecer até 11 ºC
perdendo calor para o leite cru que está a entrar. Finalmente o leite pasteurizado a
11 ºC é arrefecido até 4 ºC por água gelada que entra a 0 ºC e sai a 6 ºC. Neste mo-
mento, o leite pasteurizado poderá ser embalado e enviado para uma câmara de
refrigeração até ao momento do consumo.

Diversos binómios tempo/temperatura podem ser usados para pasteurizar o leite.


Como se viu no primeiro capítulo, ao aumentar a temperatura de um processo de
tratamento térmico, a velocidade de inactivação de microrganismos aumenta. De
acordo com Kessler (1981), um acréscimo de 8º C origina uma aceleração de 10 vezes
na velocidade de inactivação. Nestas condições, aumentando a temperatura pode
reduzir-se o tempo de tratamento.

A figura 3.14 indica a linha de valores que poderão ser usados como mínimo. A título
de exemplo, se a 72 ºC são necessários pelo menos 15 segundos para pasteurizar o
leite, a 80 ºC obtêm-se o mesmo efeito em apenas 1,5 segundos. Para a pasteuriza-
ção do leite, por forma a ter-se uma margem de segurança, normalmente são usados
valores entre 74 e 76 ºC por 30 ou mais segundos.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 77


esterilização

115 ºC

80 ºC

20 ºC

enchimento e selagem
de embalagens
arrefecimento

Figura 3.15
Diagrama de uma torre
hidrostática para
esterilização de leite
Para a pasteurização de natas são usadas temperaturas da ordem de 80-100 ºC
por 30 segundos a 2 minutos.

No caso da pasteurização de leite para ser usado no fabrico de iogurte, são


usados valores de 90-95 ºC por mais de 1 minuto. Este tratamento bastante ele-
vado, tem como objectivo criar melhores condições para o desenvolvimento dos
microrganismos responsáveis pela fermentação ao mesmo tempo que afecta as
proteínas solúveis (proteínas do soro), o que origina que elas coagulem junta-
mente com as caseínas quando o pH do leite atinge o valor de 4,6. Assim, as pro-
teínas do soro ficam integradas na rede tridimensional de proteína do iogurte,
melhorando a sua consistência e reduzindo o dessoramento.

3.5.3 Esterilização
O processo de esterilização visa eliminar todos os microrganismos não esporo-
lados e esporolados. Isto é, para além dos microrganismos que são eliminados
no processo de pasteurização, este tratamento elimina também esporos termor-
resistentes. Um leite submetido a este tratamento não necessita de refrigeração
e conserva-se por mais de 3 meses desde que a embalagem não seja aberta.
Note-se que, desde que seja mantida a inviolabilidade da embalagem, os facto-
res que determinam o prazo de validade não se relacionam com o crescimento
de microrganismos, mas sim com reacções químicas que reduzem a qualidade
do produto (p. ex. rancificação da gordura). Para o fabrico deste produto, o leite

78 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


tem de ser homogeneizado de forma a reduzir a dimensão dos glóbulos de gor-
dura e impedir que, ao longo do tempo de armazenamento, a gordura se separe
e forme uma película seca na parte superior da embalagem. A esterilização do
leite pode ser feita de dois modos: pelo processo convencional, em que o leite
é embalado no recipiente final (p. ex. garrafa ou lata) e, depois de embalado, o
produto é submetido a um aquecimento de 115-120 ºC durante meia hora ou,
pelo processo contínuo no qual o leite é submetido (num permutador de placas)
a um tratamento de 131 a 150 ºC por alguns segundos, sendo depois embalado
em condições assépticas.

3.5.3.1 Processo de esterilização convencional


Como se disse, no processo de esterilização convencional o produto é homoge-
neizado e embalado, sendo esterilizado já dentro da embalagem a temperaturas
superiores a 110 ºC por um período de tempo bastante longo (30 minutos). Para
que se atinjam essas temperaturas são utilizadas autoclaves ou torres hidrostáti-
cas. Uma autoclave é um recipiente estanque que permite ter água sobre pressão
(± 3 bar) o que permite que a temperatura do produto atinja valores superiores a
100ºC sem que este entre em ebulição. Na prática este equipamento não é mais
do que uma panela de pressão que dispõe de meios para controlar a pressão
e, consequentemente, a temperatura, fazendo também o registo do processo.
Os operadores deste tipo de equipamentos deverão estar bem treinados com
o método de operação no sentido de evitar acidentes e o risco de se fazer um
tratamento térmico ineficaz que possa por em causa a segurança do produto.

Outro método para produzir leite esterilizado faz uso de torres hidrostáticas, nas
quais uma coluna de água de vários metros garante as condições de pressão
suficientes para se manter uma câmara com vapor a mais de 115 ºC. O produto
a tratar, embalado em garrafas entra pelo topo da coluna de água começando a
aquecer gradualmente. A pressão da água garante que, na câmara interna da tor-
re, as temperaturas atinjam valores elevados sem que a água evapore. O produto
circula no interior desta câmara e sai pela segunda coluna de água, arrefecendo
gradualmente. A grande vantagem deste método é que o modo de operação é
contínuo e, portanto, a cadência de processamento é bastante superior à que se
obtém com uma autoclave que tem de ser carregada, tendo que se esperar que o
produto aqueça e seja mantido pelo tempo estipulado, seguido de arrefecimento
gradual antes de se proceder à sua descarga para que se inicie a produção de
outro lote. Na figura 3.15, poderá observar-se um diagrama deste equipamento.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 79


2ª válvula

saída

1ª válvula
entrada

Figura 3.16
Corte esquemático de um
homogeneizador (Rannie™)
e representação esquemática
do processo

3.5.3.2 Processo contínuo e embalagem asséptica (UHT)


No processo de esterilização em contínuo, vulgarmente conhecido por UHT (Ul-
tra High Temperature), o leite é esterilizado a temperaturas bastante elevadas por
poucos segundos. São normalmente utilizadas temperaturas superiores a 130 ºC
e, tempos que variam entre 20 e 5 segundos. Os equipamentos para o processo
de aquecimento são muito semelhantes aos que se utilizam na pasteurização
com permutadores de placas. A grande diferença reside no facto de terem de
ser usadas pressões superiores à pressão atmosférica para garantir que o leite
aqueça a essas temperaturas sem entrar em ebulição.

Outra diferença relevante relativamente ao processo de pasteurização reside no


facto de o leite ter de ser homogeneizado para impedir que, durante o armaze-
namento, a gordura se separe dos restantes constituintes do leite formando uma
camada no topo da embalagem. O processo de homogeneização baseia-se em
reduzir a dimensão dos glóbulos de gordura a partículas muito pequenas (1μm)
o que irá reduzir a sua velocidade de ascensão no leite. Esta alteração é conse-
guida submetendo o leite quente (65 ºC) a uma pressão muito elevada (200 bar)
e fazendo com que o mesmo choque com a válvula do homogeneizador (cujo
aperto pode ser variado alterando a pressão). Ao chocar contra a válvula, os gló-
bulos desintegram-se em pequenas partículas.

A figura 3.16 apresenta um esquema de um homogeneizador e, um diagrama do


processo de homogeneização.

80 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Um outro aspecto de particular importância é o facto de, como se trata de um
processo de esterilização do leite, todo o equipamento ter de ser esterilizado e o
produto tratado ter de ser embalado em condições de esterilidade. O processo
mais comum para este tipo de embalagem é baseado no sistema da Tetra Pak™.
Note-se que o material de embalagem é formado na própria máquina de embalar
onde também ocorre a esterilização do mesmo.

A esterilização da embalagem é feita com peróxido de hidrogénio a 130 volumes


e com calor. O material de embalagem é imerso num banho com peróxido e,
em seguida, por acção de calor proveniente de resistências aquecidas a 400ºC, o
peróxido é evaporado. É no momento da evaporação do peróxido que se liberta
oxigénio em grandes quantidades cuja capacidade oxidante elimina os microrga-
nismos. Em seguida dá-se a soldadura vertical da embalagem sendo o leite depo-
sitado no tubo que se forma. A soldadura transversal da embalagem é feita por
mandíbulas que aquecem o material no sentido de soldar o polietileno. Note-se
que como a soldadura é feita abaixo da superfície do líquido, a embalagem fica
sem ar. Este aspecto protege o leite da oxidação da gordura que poderia ocorrer
ao longo do armazenamento.

Este é hoje o processo mais comum para produção de leite de longa duração e,
o seu sucesso está relacionado com a grande vantagem de não ser necessário
manter o leite no frigorífico enquanto a embalagem não for aberta. É contudo
um processo bastante caro e, os custos de embalagem são muito significativos
em relação ao valor do produto. Naturalmente que estes processos apenas são
usados em grandes indústrias que processam muitos milhares de litros por dia.
Para se ter uma ideia, o equipamento de embalagem de menor capacidade co-
mercializado pela Tetra Pak™, embala 6.000 litros por hora (Bylund, 2003).

Inicialmente, para este processo de tratamento térmico usaram-se permutadores


de placas que permitiam o aquecimento nos mesmos moldes em que ocorre na
pasteurização. Em determinada altura foi comercializado um equipamento que
permitia o aquecimento directo do leite. Isto é, o aquecimento era produzido por
injecção directa de vapor no leite. Este processo tinha a vantagem de provocar
um aquecimento quase instantâneo do leite ao mesmo tempo que permitia eli-
minar eventuais odores estranhos presentes no leite ou resultantes do processo
de aquecimento. Note-se que ao injectar vapor a 140 ºC no leite, o vapor con-

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 81


160

140
Temperatura (ºC)

120

100

80

60

40

20

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110
Tempo (s)

uht directo uht indirecto pasteurizado

Figura 3.17 densa fazendo subir a temperatura de imediato. Porém ao condensar no leite, o
Exemplo de perfis de evolução
da temperatura do leite em processos vapor acaba por diluí-lo numa proporção relativamente elevada (cerca de 8%).
UHT directo e indirecto, comparados
com o do processo de pasteurização Nestas condições essa água terá de ser retirada. Para o fazer, o leite é colocado
numa câmara de vácuo onde entra em ebulição, o que permite que a água adi-
cionada evapore ao mesmo tempo que se eliminam também os odores indese-
jáveis. Assim, o leite aquece num permutador de placas até uma temperatura de
cerca de 86 ºC sendo em seguida injectado o vapor que faz subir a temperatura
para 135 - 145 ºC. Após 5 a 10 segundos, o leite quente é enviado para a câmara
de vácuo onde evapora e arrefece até cerca de 88 ºC. Posteriormente, este leite
poderá ser usado como fluído de aquecimento na zona do permutador onde o
leite aquece ao entrar, o que permite recuperar algum calor.

Embora tenha a grande vantagem de eliminar eventuais odores presentes no


leite, este processo é bastante caro, não apenas devido ao custo do equipamen-
to, mas sobretudo pelo facto de consumir muita energia já que as hipóteses de
regeneração de calor são baixas. Isto é, tem de se consumir energia para aquecer
o leite de 88 ºC para 140 ºC bem como para o arrefecer de 140 ºC para 88 ºC.

Hoje em dia voltaram a usar-se equipamentos de aquecimento indirecto que,


para além de serem mais baratos, permitem poupar muito mais energia e, po-
dem ser operados por tempos mais longos antes de serem lavados e esteriliza-
dos. Para além disso, estão equipados com uma câmara de vácuo, na qual os
odores indesejáveis são eliminados. A figura 3.17 apresenta um diagrama que

82 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


100

10

Tempo (s)
1

0,1

0,01
120 130 140 150 160

Temperatura (ºC)

Figura 3.18
Binómios tempo/temperatura
mínimos para o processo de
produção de leite UHT
exemplifica os perfis de aquecimento e de arrefecimento dos dois processos de
esterilização UHT e, compara-os com o perfil do processo de pasteurização.

Na figura 3.18, de acordo com Kessler (1981), são apresentados os binómios tem-
peratura/tempo considerados mínimos para garantir uma destruição satisfatória
de esporos no leite.

3.6 Produtos lácteos


3.6.1 Natas e manteiga
Entende-se como nata de leite o produto lácteo relativamente rico em gordura
retirado do leite por procedimentos tecnologicamente adequados e que, apre-
senta a forma de uma emulsão de gordura em água.

No fabrico da manteiga, obtêm-se primeiramente a nata, por meio da desnata-


gem do leite. A nata, que é formada de uma parte de leite desnatado e de toda a
matéria gorda, será tanto mais rica em matéria gorda quanto mais rico for o leite.

O rendimento do leite em nata é de 8 a 12%, sendo de 10% o rendimento mais


comum (dependendo da percentagem de gordura do leite de origem e, da per-
centagem da gordura a alcançar na nata). Normalmente, a partir de 100 litros de
leite com 3,5% de gordura, obtêm-se cerca de 10 kg de nata com cerca de 34%
de gordura.

A título de exemplo, se a partir de 1.000 kg de leite com 12,5% de sólidos totais


(3,2% de proteína; 3,5% de gordura; 4,9 % de lactose e 0,9% de sais minerais) se
obtiverem 103 kg de nata, esta terá cerca de 33% de gordura e a composição

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 83


a % dos componentes da nata b % dos sólidos da nata

60,93
sais 1,54

proteína 5,48
33,04
lactose 8,40
3,28 2,14 0,60
gordura 84,57
Água gordura lactose proteína sais

c % dos componentes do leite magro d % dos sólidos do leite magro

90,55

gordura 1,18

sais 9,88

proteína 35,15
5,09 3,32 0,93 0,11
lactose 53,82
Água lactose proteína sais gordura

a b Composição da nata

c d Composição do leite magro


apresentada na figura 3.19. Na figura (A) apresenta-se a composição global da
nata enquanto na figura (B) se apresenta a composição da mesma nata, tendo em
Figura 3.19
conta apenas os seus componentes sólidos. Nas figuras (C) e (D) apresenta-se a
Composição da nata (a;b) composição dos 897 kg de leite magro resultante do processo de desnatação. As
e do correspondente leite
magro (c;d), resultantes natas obtidas darão origem a cerca de 41 kg de manteiga com 82% de gordura.
do desnate de 1.000kg de leite
com um rendimento de cerca
de 103 kg de nata Com o nome da manteiga entende-se o produto gorduroso obtido exclusiva-
mente pela batedura e malaxagem da nata, com ou sem modificação biológica,
por processos tecnologicamente adequados. A matéria gorda deverá estar com-
posta exclusivamente por gordura láctea.

Obtenção e tratamento da nata


A desnatagem é a operação pela qual a matéria gorda é separada dos demais
elementos componentes do leite. É quase sempre, usado um tratamento me-
cânico (força centrífuga). A desnatagem natural/espontânea além de morosa,
origina baixo rendimento (perda de 1%), e obtêm-se natas de pior qualidade hi-
giénica, estando hoje em desuso graças às desnatadeira centrífuga - com perda
de 0,1% no máximo.

84 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


PORMENORES DE UMA DESNATADEIRA

menos natas
densos leite magro

b disco da centrífuga
mais
densos

leite gordo

d centrífuga DESNATADORA

c separação dos componentes


a do leite nos discos da centrífuga

Fonte: Tetra Laval Dairy Processing Handbook, 2003

Figura 3.20
a) aspecto de uma
desnatadeira em
funcionamento;
A desnatadeira é composta por uma turbina de aço inoxidável, com a frequência b) pormenor de um
de 6.000 a 8.000 rotações por minuto. No seu interior, existem uma série de dis- disco de centrifuga;
c) separação dos
cos cónicos. componentes;
d) corte transversal de
Como o leite é formado por vários elementos, resulta que, quando em camadas uma desnatadeira

delgadas, sob acção da força centrífuga, se decompõe em nata e leite desnata-


do. Sendo o leite desnatado mais pesado, é impelido pelo movimento giratório
contra as paredes da periferia da turbina, razão pela qual é forçado a subir e,
consequentemente, a sair por um orifício que continua em uma bica; a nata, mais
leve, sobe também, porém pelo centro da turbina, onde vai alcançar outro orifício
que, da mesma forma, continua em uma bica. Por estas duas bicas, recolhem-se
respectivamente a nata e o leite desnatado, como se pode observar na imagem.
O leite desnatado contém normalmente alguma gordura numa proporção de cer-
ca de 0,1%.

O processo de desnatagem visa separar a nata do leite inteiro. Normalmente, após a recepção do leite, o produto é imediatamente
desnatado sendo armazenados o leite magro e as natas em tanques separados. De acordo com as necessidades de produção, o
leite é depois normalizado, ajustando-se o seu teor de gordura com adição de quantidades diferentes de nata, consoante o teor de
gordura pretendido. Para calcular as quantidades de leite e de nata a misturar para o acerto do teor de gordura, usa-se um processo
bastante comum e de fácil aplicação.
O método denomina-se quadrado de Pearson. Nos ângulos superior e inferior esquerdos colocam-se respectivamente, os teores
de gordura do leite magro e da nata existentes. No centro do quadrado coloca-se o teor de gordura desejado. Subtraem-se, na
diagonal, os valores dos ângulos ao valor central. Os valores obtidos correspondem às proporções de leite magro e de nata a uti-
lizar. Tendo em atenção o volume de leite normalizado pretendido bastará juntar ambos os ingredientes nas proporções obtidas.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 85


Exemplo de aplicação do quadrado de Pearson:

Problema:
pretende obter-se 1.000 kg
de leite com 3,0% de matéria
gorda a partir de natas com
20,0% de gordura e de leite
magro com 0,1% de gordura.
Solução:
Leite magro (0,1%) (0,1%) 17,0 partes os 1.000 kg representam
19,9 partes; o leite magro
Leite normalizado (3,0%) representará 17 partes
e a nata, 2,9 partes.
Nata (20,0%) 2,9 partes Assim, para obter 1.000 kg
de leite normalizado deverão
TOTAL ser usados 145,72 kg de nata
19,9 partes (2,9*1.000)/19,9) e 845,27 kg
de leite magro (17*1.000)/19,9).

NOTA: em qualquer circunstância, o valor intermédio (neste caso 3,0)


coloca-se sempre no centro do quadrado.

Os tratamentos da nata destinada ao fabrico de manteiga poderão ser


divididos em várias acções:

Tratamento térmico
A manteiga é um produto de consumo em fresco e como tal obriga ao trata-
mento térmico da nata (pasteurização). De um modo geral as temperaturas de
pasteurização da nata oscilam entre 85-105 ºC. Tratamentos mais brandos como,
por exemplo, 87 ºC por 15 segundos podem ser empregados mas, a pasteuriza-
ção é mais eficiente quando realizada a temperaturas que variam entre 95-105 ºC
por 15 segundos. Estes tratamentos térmicos, mais elevados do que os que são
aplicados ao leite, justificam-se porque o teor de gordura da nata protege os
microrganismos em relação à acção do calor.

Os resultados obtidos com tratamentos mais intensos originam: maior preven-


ção dos defeitos microbiológicos; libertação de grupos sulfidrílicos reduzindo a
tendência de oxidação da gordura e o aparecimento de sabor a ranço; alto grau
de destruição de lipases microbianas responsáveis pala rancificação da mantei-
ga; destruição de sistemas inibidores naturais tais como aglutininas e peroxida-
ses bem como bacteriófagos, melhorando as condições de maturação da nata.

86 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Tratamento físico
De um modo geral recomenda-se que o arrefecimento seja efectuado imediata-
mente após a pasteurização a temperaturas iguais ou inferiores a 8 ºC, de modo
a atender aos seguintes objectivos:

inibir o desenvolvimento de bactérias termorresistentes sobreviventes


controlar a maturação
diminuir as perdas de gordura
melhorar a consistência da manteiga

Entretanto considerando-se a importância dos dois últimos pontos acima, a es-


colha de um ciclo térmico a ser aplicado não é aleatória. Na verdade envolve
conhecer e, obviamente, levar em consideração alguns aspectos importantes na
refrigeração, tais como:

Cristalização da gordura
A cristalização constitui a passagem de uma substância da fase líquida para a fase
sólida como, por exemplo, a transformação de água em gelo ou neve e, no caso
da nata, a solidificação da matéria gorda.

A formação de cristais, de uma forma geral, é espontânea, mas pode ser induzida
pelo arrefecimento e pela agitação. A sua importância na produção de manteiga
reside no facto de que o processo de cristalização interfere significativamente no
rendimento de fabricação e na consistência da manteiga.

A experiência mostra que um arrefecimento da nata a uma temperatura inferior


ou igual a 8 ºC por cerca de 2 horas é indispensável para que se inicie um bom
processo de cristalização em todos os glóbulos de gordura.

A diminuição da perda de gordura é atribuída à presença de gordura sob o esta-


do sólido ou cristalino antes do início da batedura. Como a refrigeração é direc-
tamente responsável pela cristalização, ela pode ser determinante na melhoria
do rendimento da fabricação. Resultados obtidos demonstram que a refrigeração
da nata imediatamente após a pasteurização pode reduzir perda de gordura em
cerca de 20% comparativamente a uma nata não refrigerada.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 87


O efeito da refrigeração na textura da manteiga está associado à sua influência
na determinação do tamanho e da composição da fase contínua da gordura.

Uma refrigeração rápida tem como resultado uma rápida cristalização, com forma-
ção de muitos cristais de tamanho pequeno e com uma área de superfície grande;
por outro lado, uma refrigeração mais lenta e com temperaturas mais elevadas
origina a formação de cristais grandes e com menor área de superfície.

Este facto conduz a escolha de métodos de trabalho distintos em função de


época do ano.

Escolha dos métodos de tratamento térmico

Neste período, o ciclo térmico normalmente empregado respeita sequência de temperatura de 8 - 19 - 16 ºC. Neste esquema,
imediatamente após a pasteurização, a nata é rapidamente refrigerada a 8 ºC e mantida a esta temperatura por cerca de 2 horas
Ciclo para para que ocorra a cristalização rápida com formação de pequenos cristais. Em seguida a nata deve ser aquecida a 19 - 21 ºC e,
após estabilização da temperatura, adicionada de culturas lácticas. Nesta etapa, um cuidado especial deve ser tomado para não
o inverno exceder os 21 ºC, temperatura considerada limite para evitar o aparecimento de textura arenosa e uma consistência oleosa no
produto final. Após incubação por um período de 6 a 8 horas ou obtenção de um pH de aproximadamente 5,10 – 5,20 a nata
é refrigerada a 16 ºC. A obtenção de cristais pequenos contraria assim a tendência para que a textura da manteiga seja dura.

Neste período, exactamente ao contrário do período invernal, o objectivo é diminuir ao máximo o tamanho da fase contínua
com o propósito de produzir uma manteiga de consistência firme. O ciclo normalmente aplicado obedece a sequência de
temperatura de 19 - 16 -8 ºC. Da mesma forma, após a temperatura de pasteurização, refrigera-se a nata a 19 ºC de modo a que
Ciclo para ocorra a formação de cristais grandes. Estabilizada a temperatura, adiciona-se a cultura láctica para a maturação biológica cuja
o verão duração varia entre 5-8 horas ou até que a nata atinja um pH de 5,10 - 5,20. Terminada a maturação, a nata é refrigerada a 16 ºC,
sendo mantida a esta temperatura por mais ou menos 5 horas ou até atingir o pH de 4,80. De seguida, é novamente arrefecida
à temperatura de 6 - 9 ºC. Obtém-se assim uma cristalização, com formação de vários cristais de maior tamanho, com uma área
superficial pequena.

Índice de iodo Temperaturas do tratamento (ºC)


abaixo de 30 6 - 2 - 15
entre 30 e 33 8 - 20 - 14 tabela 3.7
Exemplo de temperaturas
entre 33 e 35 10 - 20 -11 de tratamento da nata de
acordo com o índice de
acima de 35 20 - 13 - 7
iodo* (ver nota)

88 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Estas temperaturas podem sofrer pequenas variações. Muitas fábricas regulam-
-nas em função do índice de iodo na nata. A regulação das temperaturas de tra-
tamento de acordo com o índice de iodo pode também trazer vantagens durante
os períodos intermediários como a Primavera e o Outono. A tabela seguinte ilus-
tra alguns exemplos de tratamento térmicos que podem ser aplicados em função
das variações do índice de iodo na nata.

Tratamento biológico (maturação)


Os objectivos primordiais da maturação biológica são a formação e a preservação
de sabor. A operação deve ser realizada sempre em conexão com os tratamentos
térmicos e pode ser controlada através da percentagem de adição de cultura,
da temperatura e do tempo de incubação. As doses de fermento normalmente
empregadas variam de 3 a 5%.
As culturas normalmente usadas são aquelas conhecidas como culturas aromati-
zantes ou culturas “LD”, compostas por Lactococcus lactis ssp. lactis, Lactococcus
lactis ssp. cremoris, Lactococcus lactis var. diacetylactis e Leuconostoc mesenteroides.
O balanço entre as espécies deve ser controlado de forma a proporcionar um teor
de diacetil na manteiga da ordem de 1 a 1,5 mg/kg.
Nas natas com baixo teor de sólidos não gordos, a dose de fermento é menor
assim como no ciclo de inverno, onde o período de incubação é feito a tempera-
turas mais elevadas.
No verão, ao contrário, como os tempos de tratamento físico são mais curtos e
as temperaturas de tratamento durante a incubação mais baixas, as doses de
fermento são maiores. Independentemente destes factores, a maneira mais re-
comendada para o controle da maturação é monitorizar o pH da nata. Tradicio-
nalmente, o pH desejado no final da maturação varia entre 4,5 e 4,7. Entretanto,
devido às quantidades cada vez maiores de leitelho nas fábricas e às dificuldades
Nota: o índice de iodo é um indicador do grau
de tratamento deste leitelho ácido (concentração-secagem), algumas tecnologias de insaturação dos ácidos gordos presentes
mais modernas preconizam faixas de pH de 5,4 - 5,6. Muitas fábricas fazem opção numa gordura. Faz-se reagir iodo com a gordu-
ra e, quanto maior o número de ácidos gordos
pelos valores tradicionais de pH e promovem uma refrigeração da nata a 8 ºC insaturados mais iodo será retido na reacção.
O resultado é expresso em gramas de iodo por
quando este atinge valores de 5,10 - 5,20 com a finalidade de parar a acidificação. 100 g de amostra.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 89


bolha de ar

glóbulo de gordura
com gordura cristalizada

glóbulo de gordura
com gordura líquida

micela de caseína

gordura líquida livre

Figura 3.21
Sequência de fenómenos
físico-químicos que ocorrem
durante a batedura da nata
e produção de manteiga

Fabrico de manteiga

Batedura das natas


Existem basicamente dois métodos de batedura. A escolha depende, sobretudo
da capacidade de produção de cada fábrica. Nas unidades de alta capacidade, os
fabricantes optam pelo método contínuo. A batedeira descontínua fica restrita
à tecnologia tradicional. Em ambos, o princípio de batedura é semelhante e tem
como objectivo a formação de grãos de manteiga através de acção mecânica.

A nata é uma emulsão de óleo em água (O/A). De uma forma simplificada poderá considerar-se que a nata tem a mesma composi-
ção que o leite, exceptuando o facto de ter cerca de 10 vezes mais gordura. Durante a batedura da nata ocorre uma sequência de
processos físico químicos que se encontra esquematizada na figura 3.21. Inicialmente, o processo de batedura origina a incorpo-
ração de grandes quantidades de ar na nata. Os glóbulos de gordura e a água colocam-se na periferia das bolhas de ar. Durante
o processo de batedura as membranas dos glóbulos de gordura vão-se rompendo permitindo a saída de alguma gordura que
se encontra na fase líquida (não cristalizada). Esta gordura vai-se espalhando pela superfície das bolhas de ar o que origina, em
determinada altura e de forma repentina, o colapso das mesmas. Este colapso origina a agregação dos grânulos de gordura, que é
facilitada pela presença da gordura líquida. Ocorre também a separação da fase líquida da nata, denominada leitelho.

O processo continua com a separação do leitelho e com a compressão dos grânulos durante a malaxagem, de forma a criar a fase
contínua da manteiga. Nesta fase a emulsão inverte-se. A gordura forma a fase contínua e a água encontra-se dispersa em peque-
nas gotículas de dimensões de cerca de 0,001mm. Trata-se pois de uma emulsão de água em óleo (A/O). É esta inversão que origina
a estabilidade microbiológica da manteiga. Como a água se encontra dispersa na fase gorda, a actividade da água da manteiga é
baixa (entre 0,85 e 0,92).

90 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


A operação de batedura pode ser dividida nas seguintes fases

Independente do método, o primeiro passo é o ajuste da temperatura de batedura. Essa é uma etapa importante que
interfere na vazão de equipamentos contínuos, na perda de gordura no leitelho, na consistência, na cor e no gosto da
Ajuste da temperatura
manteiga. A temperatura de batedura deve ser ajustada através de uma relação de períodos de inverno e verão e com
da nata
o teor de gordura na nata. Na prática, enquanto no período de verão as temperaturas mais apropriadas de batedura
variam entre 6 e 10 ºC, recomenda-se no inverno o uso de temperaturas mais elevadas, com variação entre 10 e 14 ºC.

A função mais relevante da lavagem é remoção dos resíduos de leitelho da superfície dos grãos. Este facto tem como
efeito a melhoria directa da qualidade do produto final, uma vez que diminui a quantidade de nutrientes capazes de
promover o desenvolvimento de bactérias. A operação contribui ainda para a redução de 15-25% da actividade de
lipases, para o controle do teor de humidade e, para a regulação da firmeza da manteiga.
O volume de água normalmente empregado corresponde à quantidade de leitelho retirada e a lavagem pode ser
Lavagem dos grânulos
realizada de uma só ou por várias vezes. Entretanto, é importante saber que a água de lavagem arrasta consigo sólidos
não gordos e diacetil, diminuindo o rendimento e reduzindo o sabor da manteiga.
No que diz respeito à água propriamente dita, além de ser exigida uma excelente qualidade microbiológica, os seus
teores em ferro e manganês não devem ultrapassar a 0,5 e 0,02 mg/L respectivamente, uma vez que estes metais são
catalisadoras de vários processos de oxidação.

A malaxagem pode ser definida como um tratamento da manteiga com a finalidade de cumprir os seguintes objec-
tivos:

• reagrupamento dos grãos de gordura para formarem uma massa homogénea


Malaxagem • expulsão complementar do leitelho e da água excedente (a humidade deverá ser inferior a 16% no produto
final)
• regulação da consistência da manteiga conferindo-lhe a estrutura física definitiva
• melhoria da conservação através do fraccionamento das gotículas da fase aquosa

De entre as finalidades da salga podemos citar:

• dar sabor particular à manteiga


Salga
• melhorar a conservação
• auxiliar a eliminação de água
• acentuar a coloração amarela

A manteiga produzida pode ser embalada em blocos ou fraccionada, com peso variável. O material de embalagem
é bastante variado, mas de um modo geral, para blocos emprega-se filme de polietileno, caixas de papelão e latas
galvanizadas. Para a manteiga fraccionada, usa-se o complexo alumínio/cera/papel ou potes plásticos termoformados,
Embalamento à base de PVC, poliestireno ou polipropileno.
e Armazenagem Independentemente da obrigatoriedade de um armazenamento mais longo, logo após a embalagem, manteiga deve
ser mantida a 5 ºC por 2 ou 3 dias. Neste período ocorrerá uma pós-cristalização da gordura com formação de uma
estrutura de cristais capaz de melhorar ainda mais a qualidade geral da manteiga e, em particular, a sua aparência e
consistência. Se a comercialização não ocorrer de imediato, o armazenamento prolongado pode ser realizado a tem-
peraturas de congelação (-18 ºC), mantendo a manteiga a sua qualidade por mais de 6 meses.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 91


leite cru

recepção

leite desnatado
filtração

pré-aquecimento

desnatagem

nata
fermento

Figura 3.23
Aspecto geral
pasteurização de uma batedeira
de natas

tratamento físico
e biológico
leitelho

água
batedura

lavagem água Figura 3.24


Aspecto do visor da batedeira no
embalagens

início da batedura e na fase de


formação do grão de manteiga
malaxagem
sal

salga

embalamento
Para que a manteiga dure por mais tempo deve-se evitar o uso de vasilhas, co-
refrigeração lheres ou facas de ferro ou cobre. A quantidade de sal a ser usada depende do
gosto pessoal. Por lei não pode ultrapassar os 2% (para cada quilo de manteiga
manteiga maturada menos de 20 gramas de sal comum fino). A manteiga deve ser bem misturada
com o sal, usando uma colher ou a batedeira.

Figura 3.22
Diagrama do processo
de fabrico de manteiga
3.6.2 Queijo
O queijo é o mais complexo dos produtos lácteos e, a sua produção envolve
processos químicos, bioquímicos e microbiológicos. Os passos do processo de
produção de queijo envolvem a coagulação do leite, a remoção do soro, a
maturação (que pode ser opcional) a embalagem e o armazenamento. O con-
trolo gradual destas etapas foi fundamental para a transformação do processo
de produção de uma arte ou de um processo artesanal para uma operação
tecnológica em larga escala, que depende de um controlo apertado de todos
os parâmetros de fabrico e que, acomoda pequenas alterações no sentido de
acompanhar as variações que a matéria-prima apresenta. Por outro lado, este
controlo tecnológico permitiu aumentar a variedade de queijos produzidos.

92 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


Figura 3.25
aspectos da evolução
da nata durante a batedura
e malaxagem

Existem mais de 400 variedades de queijo produzidas em todo o mundo, criadas


a partir das diferenças na origem do leite (de natureza geográfica ou da espécie
produtora), do processo de fermentação e de maturação, bem como de dife-
renças no processo de prensagem ou no tamanho e na forma do produto final.
A maioria dos queijos produzidos actualmente tiveram a sua origem há muitos
séculos em pequenas comunidades locais. Em muitos casos o próprio nome do
queijo indica a região onde inicialmente foi produzido (p. ex. Camembert e Brie
em França, Gouda e Edam na Holanda, Cheddar e Chesire na Inglaterra, Emmen-
taler e Gruyére na Suíça, Parmesão e Gorgonzola na Itália, Serra da Estrela, Castelo
Branco, Serpa e São Jorge em Portugal).
Figura 3.26
Exemplos da variedade de
Se bem que a maioria dos queijos deve as suas características à actividade me- queijos encontrada na
tabólica das bactérias lácticas, as características particulares de diversos queijos Europa

devem-se à acção de outros microrganismos (p.ex.: bolores em queijos como o


Camembert ou o Roquefort).

Os princípios básicos do fabrico de queijo são quase os mesmos para a quase


totalidade das variedades. O processo de manufactura envolve a remoção de
água do leite com o consequente aumento (de seis a dez vezes) da concentração
de proteína, gordura, minerais e vitaminas, como resultado da formação de um
coágulo que, ao encolher, expele o soro.

Etapas do processo de fabrico de queijo


Por definição, queijo é o produto obtido pela coagulação do leite seguida de uma
desidratação da coalhada, podendo ser fresco ou maturado (curado).

O processo envolve diversas etapas: acidificação do leite (opcional), coagulação,


corte da coalhada, cozedura (opcional), salga (opcional), desidratação ou sinérese,
moldagem, prensagem e maturação.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 93


a a micelas de caseína intactas

b micelas de caseína em agregação após


a separação da porção terminal da caseína k
c imagem da estrutura interna do queijo
obtida por microscopia electrónica

A coagulação é obtida pelo uso de coagulantes apropriados como seja o coalho


obtido do estômago de ruminantes. Em alguns países podem ser usados coagu-
lantes de origem vegetal como seja a flor de cardo (Cynara cardunculus). Este é o
caso dos populares queijos de leite de ovelha produzidos em Portugal. O agente
Figura 3.27 coagulante corta a caseína k num local específico originando que a sua porção
Representação esquemática
do processo de coagulação terminal hidrofílica se separe.
do leite por acção do coalho

Nestas condições, as micelas deixam de estar estabilizadas e, como não têm


afinidade para a água tendem a agregar-se entre si formando uma rede tridi-
mensional que engloba a gordura, alguns sais, lactose e água. Note-se que esta
ligação entre as micelas depende da presença de cálcio e, a resistência da estru-
tura da rede depende da existência desse elemento. Por isso, e devido ao facto
de que, quando o leite é tratado termicamente se perde algum cálcio, é normal
adicionar cloreto de cálcio ao leite antes do início processo de fabrico.

Durante o trabalho da coalhada a massa coagulada é espremida, expulsando


uma grande quantidade de água. A figura 3.27 representa esquematicamente o
processo de coagulação. Pode observar-se também uma imagem da estrutura
do queijo obtida por microscopia electrónica.

O período de maturação dos queijos produzidos a partir de leite cru é o factor


mais importante a ter em atenção no sentido de garantir as modificações da
coalhada que são responsáveis pela segurança do produto. Estas alterações in-
cluem redução do pH, da actividade da água, do potencial redox e, aumento da
acidez.

Para a produção de queijos frescos e de baixa acidez, a pasteurização do leite é


altamente recomendável. Aliás, em alguns países está proibida a venda de quei-
jos frescos feitos com leite cru.

94 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


a % dos componentes no leite b % do componente nos sólidos do leite

7,2%
3,5% 3,2%
4,9% 0,9% 25,6% 39,2%

87,5%

28,0%

Água gordura lactose proteína sais gordura lactose proteína sais

c % dos componentes do queijo d % dos componentes nos sólidos do queijo

2,9%
24,3% 40,0% 4,8% 3,9%
40,5%

50,8%

2,4%
30,5%

Água gordura lactose proteína sais gordura lactose proteína sais

Comparação entre os teores de componentes do leite com os teores dos mesmos componentes num queijo com 60% de sólidos.

a Base húmida b Base seca c Base húmida d Base seca

Em alguns países (p.ex.: Itália, Espanha, Portugal) o soro resultante do fabrico de Figura 3.28
Comparação entre os
queijo é processado termicamente (90 - 100 ºC por 15-30 minutos) no sentido de teores de componentes
do leite E DO QUEIJO
permitir a obtenção de um coágulo de proteínas do soro. Este produto tem a
designação de Ricotta em Itália e de Requeijão em Portugal.

Na figura 3.28 pretende-se comparar a evolução da composição do leite antes e


após a sua transformação em queijo. Os valores referem-se a um leite de compo-
sição média e, tendo em atenção as taxas médias de retenção dos componentes
sólidos do leite na massa do queijo, poderá verificar-se que existe uma variação
substancial entre a composição do leite (a e b) e do queijo (c e d). Neste caso
específico apresenta-se um exemplo para um queijo curado, com 40% de humi-
dade e 60% de sólidos. Para obter 1 kg deste queijo, serão necessários cerca de
9,7 L de leite.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 95


Pela análise das figuras pode verificar-se que a proteína e a gordura passam a
ser os componentes predominantes no queijo e que o teor de lactose diminui
substancialmente. Note-se também que, tendo em conta as taxas de retenção
dos diversos componentes no queijo, com 100 L de leite obtêm-se cerca de 10,3
kg de queijo. De notar também que no processo se obtêm cerca de 90 L de soro.
Este soro contém cerca de 5,5% de sólidos constituídos principalmente pela lac-
tose eliminada com a água e, pelas proteínas solúveis que não são retidas no
queijo. Daí designarem-se por proteínas do soro.
O valor nutritivo do queijo coloca-o entre os alimentos mais completos e reco-
mendáveis para a dieta, apresentando alta concentração de proteínas, gordura,
sais minerais e vitaminas. O seu valor nutritivo é semelhante ao da carne. Ele
também favorece o fortalecimento dos dentes e ossos devido ao alto teor de
cálcio e fósforo.
Existem centenas de variedades de queijo, podendo estes ser distinguidos pelo
tipo de leite utilizado (vaca, cabra, ovelha, égua ou búfala), pelo tratamento do
leite (pasteurizado ou cru; inteiro, desnatado ou enriquecido) e pelos variados
tempos de maturação e métodos de transformação utilizados. Por este facto
existem diversas maneiras de se classificar um queijo.

Quanto à forma de obtenção da massa (coalhada)

Massa obtida por acção do coalho (coagulação enzimática): são queijos em


que a precipitação da massa é obtida pela coagulação enzimática do leite;

Massa obtida por fermentação ácida (coagulação láctica): a precipitação do


leite é obtida pela sua fermentação ácida, reduzindo-lhe o pH até ao ponto iso-
eléctrico das caseínas (4,6), ocorrendo então a precipitação;

Massa obtida por fusão: obtida pela acção do calor com os sais fundentes,
como os queijos fundidos;

Massa obtida a partir do soro: a precipitação da massa é obtida pela aplica-


ção do calor, ajudado (ou não) pela adição de uma solução ácida (p. ex. queijo
ricotta).

Quanto ao tratamento da massa


Massa crua: são os queijos cuja massa não sofre nenhum aquecimento, além
daquele do leite, para que se processe a coagulação;

96 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


humidade no queijo Gordura no
isento de gordura (1) estrato seco (2)
QUEIJO EXTRADURO < 51 % QUEIJO EXTRAGORDO ≥ 60 %
QUEIJO DE PASTA DURA > 49 % < 56 % QUEIJO GORDO < 60 % ≥ 45 %
QUEIJO DE PASTA SEMIDURA > 54 % < 63 % QUEIJO MEIO GORDO < 45 % ≥ 25 %
QUEIJO DE PASTA SEMIMOLE > 61 % < 69 % QUEIJO POUCO GORDO < 25 % ≥ 10 %
QUEIJO DE PASTA MOLE > 67 % QUEIJO MAGRO < 10 %
(1) Humidade no queijo isento de gordura (H.I.G.%): é o valor da humidade (2) Gordura no estrato seco (G.E.S.%): é o valor da gordura do queijo ex-
do queijo expresso em termos de queijo sem gordura; % H.I.G.=(%H*100)/ presso em termos de queijo sem humidade; %G.E.S.=(%G*100)/(100-%H);
(100-%G); Isto é, se um queijo tiver 30% de humidade e 20% de gordura o Isto é, se um queijo tiver 30% de humidade e 20% de gordura o seu teor de
seu teor de humidade no queijo isento de gordura será igual a: (30*100)/ gordura no estrato seco será igual a: (20*100)/(100-30) = 28,57%.
(100-20) = 37,5%.

tabela 3.8 tabela 3.9


Classificação dos queijos Classificação dos queijos
quanto à consistência da quanto ao teor de
massa gordura

Massa semi-cozida: são os queijos cuja massa sofre um aquecimento até uma
temperatura máxima de 45 ºC;

Massa cozida: são aqueles queijos cuja massa sofre um aquecimento superior
a 55 ºC.

Quanto ao teor de humidade


Na tabela 3.8 poderá ser observada a classificação dos queijos quanto ao seu
teor de humidade. Este parâmetro permite distinguir claramente os queijos re-
lativamente à sua textura.

Quanto ao teor de gordura


Produzem-se desde queijos ditos extra gordos, com altos teores de gordura a
queijos magros, com baixos teores de gordura normalmente referidos ao estra-
to seco (G.E.S). A tabela 3.9 apresenta os critérios de classificação dos queijos em
função do seu teor em gordura no estrato seco.
O leite usado no fabrico de queijos ditos “frescos” será obrigatoriamente pas-
teurizado ou com um tratamento térmico equivalente ou superior a uma pas-
teurização excluindo-se assim qualquer possibilidade de eventuais problemas
microbiológicos e higiénicos oriundos do leite. O resultado final de um bom
queijo, pode ir do mais curado ao mais fresco, do mais salgado ao mais suave,
do mais duro ao mais amanteigado dependendo da forma de confecção e do
resultado que se pretende atingir.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 97


Processo de fabrico de queijo
Os queijos na actualidade são predominantemente fabricados a partir de leite
pasteurizado com o objectivo de eliminar a presença de microrganismos preju-
diciais à saúde. No entanto existe a possibilidade de produzir queijos com leite
cru (sem tratamento térmico) se estes forem sujeitos a um período de maturação.

Preparação do leite
O leite é colocado no recipiente próprio (p. ex. cuba) e enquanto se processa o
enchimento ou após este, pode-se adicionar uma série de coadjuvantes, espe-
cíficos para cada tipo de queijo. A seguir descrevem-se os mais usuais. Note-se
porém que, em muitos casos, o seu uso é opcional.

Adição de fermentos lácticos


O primeiro ingrediente adicionado ao leite no tanque de coagulação, consta de
microrganismos seleccionados de acordo com o tipo de queijo. Os fermentos
lácteos (ou starters) são culturas de bactérias. Geralmente, são utilizados mais de
um tipo de microrganismo visando somar acções características de cada um, e
também porque misturas de estirpes diferentes são mais resistentes a ataques
por fagos (vírus que inactivam as bactérias dos fermentos).
Antigamente, o leite era fermentado pela flora microbiana natural (formadora de
ácido láctico) mas, com a generalização da pasteurização na produção industrial,
a adição das culturas lácteas procura:

Conferir ao leite uma flora bacteriana acidificante que irá desempenhar uma acção importante na maturação do queijo, bem como também irá contri-
buir com as suas características sensoriais
Produzir ácido de uma maneira eficiente e controlada, elevando a acidez do leite, a fim de proporcionar uma melhor actuação do coalho, tornando a
coagulação rápida e perfeita
Dificultar o crescimento de microrganismos prejudiciais; o leite pasteurizado tem uma flora bacteriana reduzida; assim, com a adição de fermento
láctico, haverá predominância de bactérias que integram o fermento, e promove-se o aumento da acidez que torna o meio impróprio para os demais
microrganismos
Diminuir o tempo de acidificação do queijo, evitando que outros microrganismos decomponham a lactose, formando CO2 e H2

Facilitar o dessoramento, uma vez que o ácido láctico produzido facilita a expulsão do soro da massa, fazendo com que essa se contraia

98 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos


As bactérias lácticas que utilizam como substrato a lactose originam a produ-
ção de ácido láctico, acidificando o leite, facilitando ou promovendo a sua co-
agulação. Por outro lado, a produção de exoenzimas (lipases; proteases) auxilia
a maturação.

Normalmente adicionam-se 0,5% a 2% de fermento em relação ao leite, no


modo de fermento preparado (fermento-mãe). No entanto hoje em dia o mais
usual é o uso de fermentos congelados ou liofilizados (DVS: Direct Vat Set ou
directos na cuba), pela vantagem de facilidade de uso com menores riscos de
contaminação (microbiana ou de bacteriófagos).

Adição de cloreto de cálcio (CaCl2)


A adição do CaCl2, embora não obrigatória, será tecnologicamente importante
no caso de leite que tenha sofrido previamente um tratamento térmico igual
ou superior à pasteurização. O tratamento térmico promove a insolubilização
dos sais de cálcio e a perda de cálcio por parte da micela de caseína. Os sais
de cálcio são muito importantes para estabelecer o equilíbrio fosfato/caseinato
de cálcio auxiliando assim na formação da coalhada e para que o processo de
coagulação ocorra.

Pode acontecer a necessidade de adição de CaCl2 mesmo em leites não pas-


teurizados, mas que tenham deficiência de cálcio (leites vindos de regiões po-
bres em cálcio, ou de dietas desequilibradas ou com problemas na sua síntese).
Deficientes quantidades de cálcio diminuem o rendimento na coagulação, cau-
sando uma coalhada mole.

A quantidade a adicionar, 20 a 30g para 100 litros de leite (0,02 a 0,03%) deverá
ser incorporada antes da adição do coagulante. Comercialmente existe em so-
lução aquosa a 50%. Nesta solução, 1 litro contém 500g de cálcio. Assim, para

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 99


100l de leite, deverão ser usados cerca de 50 mL, previamente diluídos em cerca
de meio litro de água.

Adição de sal: cloreto de sódio (NaCl)


O sal é um dos coadjuvantes mais usuais na produção dos diferentes tipos de
queijo, cuja adição, não sendo obrigatória, pode não acontecer em alguns quei-
jos (sobretudo frescos). O seu principal interesse é o de melhorar ou apurar o
sabor da pasta, embora tenha influência no crescimento bacteriano indesejável
e contribui para as mudanças físico-químicas da massa.

A etapa de salga, na produção industrial de queijo curado fica na, maioria dos
casos, reduzida ao uso de salmoura após a operação de prensagem (etapa des-
crita mais à frente). A dosagem de sal no queijo não tem limites legais, assistin-
do-se a queijos com percentagens superiores a 3% de NaCl (m/m). As mais usuais
variam entre 1 e 2,5%.

Lizosima
A lisozima é uma enzima utilizada na tecnologia de queijo com o intuito de inibir
o crescimento do Clostridium tyrobutiricum. Esta enzima é específica no combate
desta bactéria que origina o chamado “inchaço tardio” (formação de grandes
orifícios com formação de CO2). O Clostridium tyrobutiricum é um microrganismo
esporolado, resistente ao tratamento térmico e que surge fundamentalmente
em leite de vaca oriundo de animais alimentados com silagem. A dosagem desta
enzima deverá ser de 20 a 25g de pó por 1.000 litros de leite, 20 a 30 minutos
antes da adição do coalho.

Adição de nitrato de potássio (KNO3) ou de sódio (NaNO3); salitre


Tal como o coadjuvante anterior os nitratos, conhecidos como “salitre” ou tam-
bém como “anti-butíricos” uma vez que inibem o Clostridium tyrobutiricum, têm

100 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
na sua utilização duplo interesse, uma vez que controlam também os micror-
ganismos coliaerógenos (coliformes); ou seja evitam não só o “inchaço tardio”
como também inibem o “inchaço precoce”. Este último deve-se ao aparecimen-
to de pequenos orifícios promovidos pelos microrganismos coliformes na decom-
posição da lactose através da fermentação. Embora o seu uso seja condicionado
legalmente, devido ao seu preço muito menor que a lisozima, os nitratos são um
coadjuvante de recurso frequente na indústria queijeira.

Este coadjuvante é mais procurado e usado quando se duvida da qualidade do


leite, colmatando-se assim a falta de cuidados higiénicos no processamento, mes-
mo após a pasteurização. É usado principalmente na época de chuvas porque há
maior contaminação do leite e temperaturas mais elevadas (principalmente em
leites de cabra e ovelha). As dosagens máximas vão até aos 50 mg/kg queijo (20
a 30 g por 100 kg de leite). Os sais em excesso causam sabor amargo e manchas
avermelhadas no queijo.

Adição de corantes e descorantes


A utilização destes produtos visa transmitir ao queijo uma tonalidade mais ama-
rela ou mais branca conforme o que está convencionado para esse produto. Há
queijos com uma pasta mais amarela que poderá expressar leite oriundo de gado
em pastoreio, já que, a maior riqueza em caroteno no leite desse gado origina
uma cor mais amarela no queijo. O mesmo se poderá obter com a adição de co-
rantes naturais tal como o anatto ou urucum (Bixa orellana) em forma de extracto
alcoólico alcalino, com concentração padronizada (2 a 12 mL de corante para
cada 100 litros de leite - 2 a 12 mg/L).

Os descorantes visam tornar a pasta do queijo mais branca (queijos frescos ou


em queijos com bolores com o intuito de se evidenciar o contraste), utilizando-
-se para o efeito a clorofilina ou peróxido de benzoílo (7 a 12 g/100L leite). A sua
utilização deverá de preferência ser líquida ou em pastilhas e colocados antes do
coalho para não manchar a massa.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 101
Adição de lipase
Durante a maturação existem alterações dos constituintes do leite/massa que
vêm a originar outros compostos de grande importância no desenvolvimento
do aroma e do sabor do queijo. As lipases são, enzimas de origem animal, que
catalisam a hidrólise da matéria gorda libertando ácidos gordos livres, que por
transformação posterior em metil-cetonas e outros componentes fortemente
aromáticos, originam o aparecimento de odores característicos. Estas degrada-
ções são aceleradas com a inclusão de lipases, originando, em períodos meno-
res, o que aconteceria só ao fim de longos períodos de maturação.

Estas enzimas podem ser retiradas das glândulas da epiglote de diferentes es-
pécies: cabrito – sabores mais picantes; bezerro – sabores mais doces; cordeiro
- sabores intermédios. A dose recomendada varia de 2 a 15g por 100 litros leite,
e deve ser dissolvida em 10 partes de água fria deixando-se repousar 10 a 30
minutos, sendo adicionada antes, ou em conjunto com o coalho.

Adição de proteínas do leite


Embora exista a possibilidade de adicionar ao leite para produção de queijo,
caseína (proteína insolúvel do leite) o mais frequente é a adição de leite em pó
ou de proteínas do soro para a produção de queijo fresco.

O uso de concentrados de proteínas do soro (CPS) ou de caseinatos solúveis


desidratados, pelas unidades industriais tem como objectivo o aumento do ren-
dimento no produto final e a melhoria da sua estabilidade (manutenção da es-
trutura, evitando o dessoramento acentuado; diminuição da sinérese). Os níveis
de incorporação poderão ser superiores a 10%, embora nas maiores dosagens
possa ocorrer uma mais rápida oxidação da cor do queijo com o aparecimento
de tonalidades amareladas. Os CPS são previamente diluídos no leite aquecido
antes da incorporação do coagulante.

Adição de coalho
Após a adição de todos os demais ingredientes, adiciona-se o coalho, nas devi-
das proporções, em função de sua actividade e do tempo de coagulação preten-

102 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
dido. Este deverá ser diluído em água destilada para evitar formação de coágulos
no primeiro contacto com o leite. Aconselha-se adicionar 1 a 2% de sal na água
de diluição quando se utilizar coalho em pó numa diluição de (1:50 a 1:100). Adi-
ciona-se aos poucos com agitação do leite, porém não mais do que 2 a 3 minutos.
Depois, deixa-se em repouso absoluto para evitar a redução na consistência e
elasticidade do coágulo. Controla-se a temperatura durante todo o processo de
coagulação. Actualmente são encontrados no comércio coalhos de várias origens,
sendo os mais usuais:
• animais (estômago de bezerro recém-nascido a bovino adulto ou de outra
espécie);
• microbianos (Endothia parasitica, Mucor pusillus, Mucor miehei);
• genéticos (quimosina genética);
• vegetais (flor de cardo - Cynara cardunculos).

O coalho é encontrado no comércio sob três tipos


• Limpidez ou ligeira opalescência; ausência de depósitos
líquido
• Cheiro característico que não denuncie fermentação
• Aspecto homogéneo; desagregação fácil na água; cor branca ou mesclada e ligeiramente amarelada
pastilhas
• Ausência de conservantes
pó • Aspecto homogéneo; cor branca, ligeiramente amarelada; odor característico que não denuncie fermentação

Outros coadjuvantes
Existem mais coadjuvantes permitidos e possíveis de se adicionar ao leite com
vista à produção de queijo, o que o torna, também por isso, num produto de
grande variabilidade (p.ex.: leite em pó; leite concentrado; condimentos e espe-
ciarias; sais fundentes; ácidos orgânicos de grau alimentício - láctico, cítrico, acé-
tico ou tartárico; proteases; frutas em forma de pedaços, polpa, suco e outros
preparados à base de frutas; outras substâncias alimentícias como: mel, cereais,
vegetais, frutas secas, chocolate, especiarias, vegetais e legumes; açúcares; gelati-
na; estabilizantes; edulcorantes; espessantes).

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 103
Processo de coagulação
Depois de adicionados os ingredientes, o leite é agitado no tanque de coagula-
ção durante dois ou três minutos, para perfeita distribuição dos mesmos, obser-
vando a temperatura de coagulação, que varia para cada categoria de queijo e,
de acordo com a consistência que se pretende para a massa.

A temperatura
Se a temperatura de coagulação for baixa, dará tendencialmente (já que não é a
única condição) origem a um queijo mole ou macio, ao passo que se a mesma
for alta, resultará, tendencialmente, em queijo semi-duro ou duro. As tempera-
turas adoptadas mais comuns variam entre os 29 ºC e os 34 ºC. Como a tempera-
tura ambiente influi nas características da coalhada e nos processos de fermen-
tação, é importante manter a temperatura pretendida durante todo o tempo
de coagulação, sobretudo na superfície do leite que estará mais exposta a estas
alterações.

O tempo de coagulação
Varia em função do tipo de queijo, sendo inversamente proporcional à tempera-
tura (com temperaturas elevadas o tempo de coagulação é menor).

Os queijos duros resultam de uma coagulação rápida (30 a 50 minutos), os semi-


-duros de uma coagulação média (aproximadamente 60 minutos) e os macios
resultam de uma coagulação lenta (60 a 90 minutos). A caseína coagula e o leite
separa-se numa parte sólida, a coalhada, e uma parte líquida, o soro. Esta é a fase
mais importante na produção do queijo.

O ponto da coalhada
O corte da massa (ou coalhada) deve ser feito no momento exacto. Um corte
antes da altura certa (chamado “ponto”) origina perdas de gordura e de caseína

104 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
no soro (visível por transmitir ao soro que deverá ser translúcido e esverdeado,
uma maior opacidade e uma cor mais esbranquiçada ou leitosa). O corte depois
do ponto promove queijo mais seco e excessivamente duro, com consistência de
borracha.

Existem algumas formas de determinar a altura certa do corte da coalhada, pela


avaliação da consistência do coágulo:

• Introduzindo a mão ou um dedo na coalhada e puxando-a para cima e para diante, de modo a rompê-la. O coágulo deve
ter aspecto de gel e contornos nítidos. A mão ou dedo deve sair livre de fragmentos

• Introduzindo uma espátula, na superfície do coágulo, no sentido inclinado e, forçá-la para cima. O rompimento do gel
deverá ocorrer com uma única fenda rectilínea, sem fragmentação do coágulo; se isso ocorrer, este será o ponto de corte,
caso contrario, se é quebradiço, desfragmentando, se rompe em várias direcções, o ponto de corte ainda não foi atingido

• Pressionando a coalhada nas proximidades do tanque com as costas da mão. No ponto, a coalhada estará não aderente
às paredes do tanque e no espaço haverá soro de cor esverdeada, exsudado da massa

Corte e trabalho da coalhada

Corte
O objectivo é aumentar a superfície da mesma, acelerando a eliminação do soro.
Esta operação torna mais fácil a contracção dos grânulos.

O corte é feito com liras metálicas com fios ou lâminas paralelas e equidistantes,
horizontais e verticais ou, artesanalmente, com uma espátula ou com a própria
mão. As liras são horizontais e verticais com o objectivo de cortar a massa em
cubos. O corte deve ser vagaroso, aumentando de intensidade à medida que a
granulação se vai tornando mais firme. Do corte dependerá o tamanho dos grãos,
os quais devem ser bem homogéneos desde o início.

Dependendo do grau corte da coalhada – pedaços maiores ou mais pequenos


– o queijo assume características finais diferentes, já que, quanto mais soro for
retirado da coalhada, mais dura e mais seca será a pasta do queijo.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 105
Agitação
Antes da agitação, após a obtenção dos grãos pelo corte, a massa deve repousar
de 3 a 5 minutos. Após este repouso, em que massa fica a decantar no fundo do
tanque, submersa no soro, procede-se à agitação.
O tempo de agitação varia em função do queijo e esta operação pode ser inter-
rompida para outras acções com outros fins.

Dessoramento da massa/queijos de pasta lavada:


Nos processos industriais de fabrico é usual retirar-se uma quantidade de soro
(dessoramento) que vai dos 15% a 50% mediante escoamento ou sifão, subs-
tituindo-se este volume por água (entre 28 ºC e 85 °C). Pretende-se com esta
operação diluir os compostos solúveis, fundamentalmente a lactose, originando
uma diminuição da acidez na coalhada e do queijo (queijo com características
organolépticas mais suaves) e melhorar a formação do grão, originando uma
pasta mais macia e com aparência mais gordurosa.

Aquecimento da massa
Uma segunda agitação inicia-se com o aquecimento de 1 °C por minuto e pode
durar até 50 minutos. O aquecimento intensifica o dessoramento porque au-
menta a acidez e a temperatura, determinando a contracção dos grânulos.
O aquecimento violento causa a formação de uma película impermeável na par-
te externa dos grãos, retendo soro no seu interior, tornando os queijos com
excesso de soro, manchados e com maturação pouco uniforme.
Nos chamados queijos de pasta cozida o aquecimento da massa (quer por intro-
dução de água quente, quer por aquecimento das paredes da cuba) pode atingir
valores acima dos 55 – 60 ºC.

Ponto da massa
Após a agitação inicial deve-se verificar o ponto da coalhada, ou seja a determi-
nação da consistência ideal para cada queijo. Para isso apanha-se um punhado
de massa e comprime-se entre os dedos. Deverá verificar-se também a acidez
do soro. Nos queijos mais comuns estará entre 17 e 18 ºThorner. Estando a massa
no ponto, cessa-se a agitação e deixa-se a mesma em descanso 1 a 2 minutos.

106 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
Eliminação do soro
A eliminação do soro ou o chamado 2º dessoramento, pode ser feita por vários
processos:
retirar o soro e deixar a massa no tanque. O soro é extraído ou pela torneira ou
por sifão;
retirar a massa deixando o soro no tanque. Nesse caso, a massa pode ser retirada
em formas e colocada em mesas inox para o escoamento do soro;
retirar o soro e a massa (por gravidade ou por sifão) para o chamado tanque de
pré-prensagem; neste, o soro é separado por uma ou várias redes permanecendo
apenas a massa que se concentra num dos lados.

Pré-prensagem
A pré-prensagem (no próprio tanque ou na tina de pré-prensagem) permite que
a massa se agregue e que posteriormente seja cortada em blocos, sendo colo-
cada em formas para posterior prensagem. Esta prensagem da massa no tanque
tem duração de 10 a 15 minutos, usando-se grelhas metálicas permitem agregar
e pressionar a massa originando uma maior expulsão de soro.

Moldagem
Nesta fase são utilizados moldes onde é colocada a coalhada. O formato do quei-
jo depende da forma do molde. A massa é dividida em tamanhos variáveis, sendo
acomodada em formas compatíveis com o queijo que se deseja obter, recebendo
prensagem ou não. Essa operação deve ser rápida para que a massa não esfrie,
caso tenha sido aquecida.
Quanto ao formato as formas podem ser cilíndricas, cúbicas, esféricas paralelepi-
pédicas, e feitas com diversos materiais, sendo mais comum o plástico.
O uso de panos empregados na prensagem de queijos tem como finalidades, aju-
dar a manter a temperatura, facilitar a saída do soro, ajudar na formação de uma
casca lisa e completamente fechada. Os panos podem ser de algodão ou nylon.
Os panos de nylon tem tido grande aceitação por diminuir o tempo de prensa-
gem e não saturarem com o soro, mas apresentam a desvantagem de poderem
cortar o queijo.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 107
Prensagem
Com esta operação pretende-se finalizar o dessoramento da massa e obter a
forma final do queijo. A textura do queijo está também dependente desta fase;
quanto mais intensa for a prensagem, tendencialmente mais dura será a pasta
do queijo. Esta fase pode ser suprimida em alguns queijos. Para além de promo-
ver a união dos grãos, tornando a massa mais homogénea, também contribui
para iniciar a formação da casca (crosta).
Sempre que possível a prensagem deverá ser inicialmente menos forte a fim de
evitar uma pseudo casca na periferia do queijo que dificultará a dessoragem. Os
queijos devem ser virados durante a prensagem para posteriormente haver ma-
turação homogénea e para não haver retenção localizada de soro. O tempo e a
intensidade (pressão) da prensagem variam com o tipo de queijo e pode ser de 3
a 40 horas. É feita com prensas individuais ou colectivas, horizontais ou verticais,
pneumáticas ou gravíticas.

Salga
Varia de acordo com o tipo de queijo. Esta etapa, como já foi referido anterior-
mente, não é obrigatória (queijos frescos muitas vezes são produzidos sem sal).
No queijo ela melhora o sabor, aumenta a conservação, concorre para a forma-
ção da casca, controla o crescimento de alguns microrganismos e propicia a
dessoragem. Pode ser feita de diversos modos:

Feita antes da adição do coalho. É mais comum em queijos artesanais ou em pequenas produções. Utilizada também em
produção industrial complementada por outro qualquer dos processos referidos a seguir. Diminui a acidez causando um
Salga no leite
tempo maior na coagulação. Vantajosa por facilidade de doseamento, mas com os inconvenientes de se perder parte do
sal no soro.

Também denominada superficial. Consiste em cobrir o queijo com uma camada de sal, em ambos os lados. É feita logo
após a prensagem, sendo mais aconselhável para os queijos macios. Para esse tipo de salga usa-se sal de granulação
Salga a seco
média, por ser menos solúvel que o sal fino, perdendo-se menor quantidade com a exsudação do soro. Os queijos nesse
tipo de salga devem ser virados ao fim de 24 horas, cobrindo-se de novo a parte que ficar em contacto com a prateleira.

É o tipo de salga é a mais usada em fábricas porque é mais económica, homogénea e regular. Consiste em mergulhar os
queijos numa solução de 17 a 22% de sal, com acidez entre 20 e 50 °T e temperatura de 5  a 12 °C. Os queijos devem ficar
totalmente submersos, podendo aplicar-se sobre eles placas de metal perfuradas, a fim de forçá-los a submergir. Pode
Salga em salmoura
também recircular-se a salmoura aspergindo-a sobre os queijos, como se pode observar na figura 3.36. O tempo de per-
manência dos queijos na salmoura depende da percentagem de sal pretendida nestes, do tamanho, forma dos queijos
e, da concentração da salmoura.

Geralmente é feita nos grãos antes destes se unirem ou quando a massa já foi cortada e se encontra em blocos, após
Salga na massa
serem cortados.

108 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
Maturação
Após a salga, os queijos vão para câmaras de maturação, onde permanecem
a temperaturas e com teor de humidade e ventilação adequados, até atingir o
ponto ideal, que varia conforme cada queijo. A maturação é muito importante
na definição da aparência, da textura e do sabor do queijo.

A maturação visa dar oportunidade à ocorrência de combinações e transformações nos componentes do produto,
resultando numa melhoria de sabor, palatabilidade e, capacidade de conservação. Em queijos, poder-se-ia dizer que
qualquer actividade microbiológica do fermento láctico adicionado, ocorrida durante as etapas de fabricação, seria já
uma cura. Entretanto em termos práticos, um queijo só é tido como curado quando é armazenado por algum tempo
após a salga, visando promover alterações no sabor, textura, consistência, cor, tornando-se diferente do queijo fresco
(que não sofre a maturação). A cura pode variar de 15 dias a 15 meses, dependendo do tipo de queijo.

Factores importantes para a maturação:

As enzimas catalisam as reacções de decomposição dos três principais componentes do leite que ficam retidos no queijo,
Enzimas que são: lactose, proteína e gordura. Dessa decomposição resultam as diferentes variedades de queijos. Para ela contribuem
também as enzimas naturalmente presentes no leite cru, e o coalho ou renina com a sua acção proteolítica.

A temperatura também influencia primordialmente a cura, pois controla a velocidade com que os microrganismos envolvidos
se vão multiplicar. Temperaturas próximas a 0 ºC retardam ou até paralisam a cura. Temperaturas elevadas aceleram excessi-
Temperatura
vamente as actividades, provocando sabores fortes e desagradáveis nos queijos. A temperatura normalmente utilizada está
entre 10 a 15 ºC.

O controlo de HR visa evitar perda de peso dos queijos devido à evaporação, quando curados sem invólucros plásticos. Por
Humidade relativa outro lado, a humidade relativa irá também condicionar a actividade dos microrganismos responsáveis pela alterações ao
longo da maturação.

Geralmente ocorrem metabolizações secundárias, onde o ácido láctico, peptí-


deos e ácidos gordos são transformados na mais variada gama de produtos que
contribuem para o refinamento do sabor, aroma e características típicas de um
determinado tipo de queijo. Essa complexidade do mecanismo de cura de um
queijo aumenta com o tempo de cura, resultando em queijos finos de longa
maturação. Durante a cura os queijos devem ser virados periodicamente com
o objectivo de evitar que a superfície em contacto com a prateleira apresente
cura heterogénea.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 109
leite cru

filtração do leite

pré-aquecimento

desnatagem nata
coadjuvantes

mistura / normalização a desnatagem
visa apenas
acertar o teor
de gordura
pasteurização do leite

normalização da temperatura

coagulação
Armazenamento
corte da coalhada
Seja qual for o tipo de queijo, logo após o término da cura deve-se proceder
repouso
ao armazenamento em câmaras frias com temperaturas ao redor de 0 a 5 ºC,
sendo mantidos nessas câmaras até o momento do consumo. Estas exigências
podem ser menores se os queijos forem duros.
soro

agitação
água

1º dessoramento
Embalagem
aquecimento As embalagens visam proteger a crosta contra ataque de bolores e reduzir as
soro, água

perdas de humidade por evaporação. Ao sofrerem ataques de bolores indese-


2º dessoramento
jáveis na sua superfície externa, recomenda-se uma raspagem e lavagem com
água com 2 a 3 % de sal à temperatura de 40 a 45 ºC. Em seguida são deixados
pré-prensagem
em local próprio para secagem e posteriormente retornam à câmara de cura.
Além desses problemas, deve-se ter cuidado para que não haja infestação da
moldagem
câmara com insectos, ácaros e até invasão de roedores.
sal

prensagem

Soro de queijaria
salga
A porção aquosa do leite que se separa do coágulo ou da caseína durante a
maturação fabricação de queijos é o chamado soro de queijo, que é um fluido opaco e de
cor amarelo-esverdeada.
queijo curado
Aproximadamente 85 a 95% do volume do leite usado em fabricação dos quei-
Figura 3.29
jos resulta em soro, que contém cerca de metade dos sólidos totais do leite
Diagrama geral processo representados por proteínas hidrossolúveis, principalmente albuminas, globu-
de fabrico de queijo
de pasta lavada linas, sais, gorduras e lactose.

110 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
Figura 3.30 Figura 3.31
Avaliação do ponto de corte da coalhada Corte da coalhada com liras verticais

Figura 3.32
Corte da coalhada
com liras horizontais
e trabalho da massa

Figura 3.33 Figura 3.34


Pré-prensagem Enchimento dos moldes

Figura 3.35 Figura 3.36


Prensagem Salga em salmoura. Note-se o pormenor
da distribuição superficial da salmoura

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 111
Fonte: Tetra Laval Dairy Processing Handbook, 2003
2

1
1 cuba de coagulação
3

2 filtro de dessoramento
4
6
3 bomba de soro
5 7
4 grelha de pré-prensagem

5 AGITADORES

6 liras verticais e horizontais

7 faca de corte da coalhada

3.37
Equipamentos utilizados
durante o processo
de coagulação e corte
da coalhada

O soro lácteo é um subproduto da indústria queijeira, que constitui um grave


problema ambiental quando descarregado nos cursos de água, obrigando a
que os efluentes desta indústria sejam submetidos a tratamentos onerosos e
por vezes ineficazes. Sendo, por outro lado, passível de aproveitamento e valori-
zação como fonte de lactose, de proteínas e de outros derivados, com potencial
de utilização na alimentação humana e animal, é cada vez mais utilizado para
esses fins.

O soro é conhecido há décadas como um produto de alto valor nutritivo. Nos


dias de hoje, o desenvolvimento de mercados utilizando o soro do leite em pó
ou fracções de soro em diversos géneros alimentícios transformaram o soro
num produto de extrema importância para a indústria dos lacticínios e queijos,
constituindo assim uma forma racional de aproveitamento deste subproduto
que apresenta um excelente valor nutritivo.

O soro concentrado ou seco pode ser usado como aditivo em vários géneros
alimentícios destinados ao consumo humano.

112 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
Figura 3.38
câmaras de
maturação de queijo

Utilizações do soro
Produção de requeijão; incorporação nas rações para animais (soro líquido); pro-
dução de soro lácteo em pó; utilização na alimentação humana e animal; produ-
ção de produtos químicos, farmacêuticos e cosméticos.

3.6.3 Iogurte e outros leites fermentados


Como já foi mencionado, a fermentação é um dos processos mais antigos utiliza-
dos pelo Homem para a transformação do leite em produtos com um prazo de
vida mais prolongado. O iogurte é provavelmente originário do Médio Oriente e
a expansão deste produto pode atribuir-se às tribos nómadas que viviam nessa
zona do globo. Estas tribos desenvolveram um processo de fermentação que ori-
ginou a acidificação do leite em condições controladas. De acordo com Tamime
& Robinson (1999) este longo processo poderá ter incluído:

Uso continuado dos mesmos recipientes ou a adição de leite fresco a uma fermentação em curso, baseada sobretudo na flora
indígena do leite

Aquecimento do leite sobre o fogo para o concentrar ligeiramente para que o coágulo final adquirisse uma viscosidade adequada

Inoculação do leite aquecido com leite ácido de um fabrico anterior, permitindo assim que as bactérias lácticas se tornassem
predominantes

Selecção gradual de bactérias lácticas capazes de tolerarem temperaturas relativamente altas e elevados níveis de ácido láctico
bem como de conferirem ao produto o aroma e sabor adequado

Em termos físico-químicos, a acidificação provocada pelos microrganismos, au-


menta a solubilidade do cálcio que se separa da micela. Ao mesmo tempo a mice-
la perde a sua estrutura e começa a formar-se um rede que resulta da agregação
de submicelas desorganizadas (figura 3.38). As proteínas do soro desnaturadas
pelo calor, também contribuem para a rede tridimensional que se forma, e que
engloba todos os outros constituintes do leite incluindo a água.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 113
a b c

Figura 3.39
A) micelas de caseína intactas
B) rede tridimensional com micelas
descalcificadas
C) imagem da estrutura interna do gel
do iogurte obtida por microscopia
electrónica

3.6.3.1 Conceito e tipos de iogurte


Leite fermentado é o produto resultante de fermentação láctica do leite adicio-
nado ou não de frutas, açúcar e outros ingredientes que melhorem a sua apre-
sentação e modifiquem seu sabor. O leite ácido (fermentado) mais importante
economicamente é o iogurte, obtido pela coagulação do leite pela acção de
culturas simbióticas de Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophillus.

A proporção de cocos para bacilos normalmente usada é de 1:1. Podem ser usa-
das também as proporções 1:2, 1:3 ou 2:3. É importante que a cultura contenha
um número maior de cocos do que de bacilos. Esta proporção na cultura é fun-
damental na produção de sabor e outras características no produto final.

Entre os principais componentes do sabor do iogurte encontram-se o ácido lác-


tico, o acetaldeído e o diacetilo em baixas concentrações. O acetaldeído é o
composto mais importante para o sabor e aroma do iogurte.

O Lactobacillus bulgaricus parece ser o principal responsável pela produção de


acetaldeído acetaldeído no iogurte. Quando na proporção de 1:1 no iogurte, a
produção do aceltaldeído é maior do que quando os lactobacilos crescem sozi-
nhos.

Nesta última década, houve uma expansão muito grande na produção de iogur-
te líquido e de bebidas lácteas, as quais são produzidas a custo baixo, a partir
do aproveitamento do soro que apresenta alto valor nutricional. A tendência de
consumo para os próximos anos é de crescimento, devido à sua imagem positiva
de alimento saudável e nutritivo e também às variações que ele vem apresen-
tando, tais como iogurte congelado tipo sorvete, ou em forma de bebidas com
os mais diversos sabores.

114 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
Existem hoje no mercado vários tipos de iogurte classificados de acordo com
o processo de elaboração, adição de ingredientes, composição, consistência e
textura:

De acordo com a natureza físico-química do coágulo


O processo de fermentação ocorre dentro da própria embalagem, e o resultado é um produto firme, mais ou menos
iogurte sólido
consistente; tem a textura firme com a consistência de pudim.
O processo de fermentação ocorre no tanque de fermentação ou incubadoras com posterior quebra do coágulo; se a
iogurte batido massa for rompida após o arrefecimento a textura fica mais cremosa, mais viscosa do que quando quebrada a quente;
quanto maior o teor de sólidos totais, mais cremoso será o iogurte.
O processo de fermentação é realizado em tanques; é comercializado em embalagens plásticas tipo garrafa; tem con-
iogurte líquido
sistência líquida.

De acordo com a adição de ingredientes


• Iogurte natural
• Iogurte com frutas
• Iogurte com aromas

Composição da mistura básica


O leite pode ser integral, desnatado, parcialmente desnatado, fortificado (com
adições de leite em pó ou soro em pó) ou modificado (deslactosado).

Os sólidos totais têm efeito marcante na firmeza do gel do iogurte. Em geral,


quanto maior a percentagem de sólidos, mais firme é o produto.

No iogurte batido, a percentagem de sólidos não gordurosos deve estar na faixa


de 8,5% a 10%. O produto tradicional que é mais firme, deve ter 12% de sólidos
não gordos.

Quando o iogurte é feito com leite integral ou parcialmente desnatado deverá


ser homogeneizado (200 bar) que, para além da dispersão (por ruptura) dos gló-
bulos de gordura (contrariando assim a ascensão da gordura e sua separação dos
restantes componentes) contribui para o aumento da viscosidade do produto
melhorando a sua cremosidade e textura na boca.

O açúcar adicionado ao leite na mistura básica não deve ultrapassar os 10% pois
prejudica o desenvolvimento dos microrganismos da cultura devido à pressão
osmótica.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 115
Técnica de fabrico do iogurte

Preparação da matéria-prima
O leite utilizado para o fabrico de iogurte deve apresentar boa qualidade físico-
-química a fim de evitar defeitos na textura do produto.

Para se obter um produto mais consistente (sólido), deve-se aumentar a matéria


seca do leite pela adição de 2 a 4% de leite em pó.

No caso de se utilizar açúcar, este deve ser adicionado ao leite antes do aqueci-
mento, normalmente entre 6 a 10%.

Tratamento térmico da matéria-prima (mistura)


Como em todos os tratamentos térmicos aplicados aos alimentos durante o pro-
cessamento, o tratamento da mistura do iogurte tem também a finalidade de
eliminar bactérias patogénicas e outros microrganismos contaminantes indese-
jáveis que possam competir com o fermento do iogurte. Por outro lado este
aquecimento promove a desnaturação das proteínas do soro que são de grande
importância na estabilidade do gel ao mesmo tempo que favorece o crescimen-
to das bactérias do iogurte.

Se o leite for tratado a mais de 85 ºC por mais de 10 minutos, as proteínas do soro irão coagular juntamente com as caseínas du-
rante o processo de acidificação. Ao coagularem junto com as caseínas irão contribuir para a rede tridimensional de proteína que
aprisiona todos os outros componentes do leite e garante a estabilidade do gel. Este aspecto melhora a textura do iogurte e reduz
o seu dessoramento.

No aquecimento devem ser rigorosamente observados a temperatura e o tempo


a que o leite deve permanecer. As condições recomendadas são: 95 °C por um
minuto; 90 °C por cinco minutos; 85 °C por dez minutos ou 80 °C por 30 minutos.

O processo de gelificação envolve dois passos principais. No primeiro, como re-


sultado da acidificação, o cálcio que existe na micela solubiliza-se e passa para
o soro; como resultado, a cadeia proteica desdobra-se e a micela modifica a

116 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
sua estrutura. No segundo passo, as cadeias de proteína ligam-se por pontes de
hidrogénio e por interacções hidrofóbicas criando uma rede tridimensional que
engloba os restantes componentes do leite. Para evitar o dessoramento, deve-se
evitar quebrar esta rede. No caso do iogurte sólido não se pode agitar a massa
inoculada após o início da formação desta rede tridimensional (30 minutos após
a inoculação).

Redução da temperatura
Após o tratamento térmico do leite, deve-se baixar a temperatura para 42-43 °C.
Em sistemas artesanais de processamento isso pode ser feito pela substituição da
água quente do banho-maria por água fria. Para não haver contaminação nessa
fase, o recipiente do leite deve estar sempre fechado, abrindo apenas para con-
trolar a temperatura.

Inoculação do fermento
Após o leite ser arrefecido (42 - 43 °C) adiciona-se entre 1 a 2% de fermento lácti-
co preparado previamente. O fermento deve ser homogeneizado, de forma que
todos os grumos sejam quebrados. Hoje em dia é preferível o uso dos chamados
DVS (Direct Vat Set – uso directo no tanque), pela facilidade de utilização e de
menor possibilidade de contaminação. Após a adição do fermento ao leite, o
conjunto deve ser novamente agitado por cerca de 2 minutos.

Fermentação (incubação)
Após a adição do fermento, o leite deve permanecer em completo repouso por
aproximadamente 3 a 4 horas, a uma temperatura de 41 a 45 °C. No final da fer-
mentação, o coágulo deve apresentar pH ente 4,5 e 4,7 ou acidez de 70° a 72°D;
o gel deve ser liso, brilhante, sem desprendimento de soro ou gases.

No caso de iogurte sólido a incubação processa-se na embalagem, resultando


num produto mais firme, tipo pudim.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 117
No iogurte batido, em que a massa é quebrada após o arrefecimento, a incu-
bação é realizada no tanque de fermentação. Devido à necessidade de quebra
do gel (massa) para embalar, o produto terá uma textura menos firme que o
anterior. Poderá ou não conter pedaços de frutas.

No caso de iogurtes líquidos a incubação é parcialmente realizada no tanque


de fermentação e na embalagem. A mistura é incubada até uma determinada
acidez, e então a massa é quebrada ainda quente. Adiciona-se polpa e a incu-
bação prossegue até ser atingida a acidez adequada. Como a quebra é com o
produto ainda quente, o iogurte pode ficar com textura mais fina, mais líquida,
mas a pectina da fruta adicionada pode aumentar a viscosidade do produto.

Arrefecimento
Após a incubação, segue-se o arrefecimento que é um dos pontos críticos na
produção do iogurte. A sua função é reduzir a actividade metabólica da cultu-
ra inicial, controlando assim a acidez do produto. É recomendado que se faça
em duas etapas para evitar o choque térmico que provoca uma contracção da
massa que provocaria dessoramento. O arrefecimento deve ocorrer no prazo
de uma hora.

A primeira etapa consiste em baixar a temperatura para 18 - 20 °C em, no má-


ximo, 30 minutos, o que pode ser feito com água à temperatura ambiente. No
caso do iogurte batido, pode-se fazer, nesse momento, a adição de ingredien-
tes tais como: frutas, corantes, cereais, mel, que devem ser homogeneizados
na massa.

Na segunda etapa, a redução da temperatura da massa deve atingir a tempera-


tura de 10 °C. O aparecimento do sabor característico do iogurte ocorre duran-
te as 12 horas posteriores ao arrefecimento, proporcionando as características
finais de um bom produto.

Nos sistemas mais modernos, utilizados em indústrias com produção em larga


escala, são utilizados permutadores de calor de placas ou tubulares, que são

118 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
mais rápidos e eficientes. No entanto, convencionalmente, são dois os métodos
de arrefecimento:

a Através de circulação de água refrigerada (IOGURTES BATIDOS E LÍQUIDOS)

• Circula-se água refrigerada até aproximadamente 20 ºC


• O material pode ser transportado para câmara fria com temperatura entre 5 ºC e 10 ºC

b Através de circulação de ar refrigerado (IOGURTES SÓLIDOS)

• O produto numa câmara é submetido a uma corrente de ar frio até que a temperatura caia para
aproximadamente 20 ºC
• Finalmente, o produto é deslocado para câmara de refrigeração com temperatura entre 5 ºC e 10 ºC; este
processo é mais demorado do que o processo que utiliza água fria

O abaixamento da temperatura de 42 º/45 ºC para 10 ºC praticamente faz cessar


a produção de acidez, mas esta queda não pode ser brusca.

Quebra do gel na produção de iogurte batido


O processo de quebra do gel modifica a estrutura coloidal da massa, libertando
soro que deverá ser completamente redistribuído no coloide, de maneira uni-
forme.

No iogurte batido o gel só deverá ser quebrado após a massa ter sido arrefecida
em torno de 10 ºC. Quando se adicionam aroma, sabores e pedaços de frutas,
este é o momento ideal para adição. O produto final deverá ter uma aparência
lisa, sem grumos, e a quebra da massa a frio permite que as micelas de caseína
reabsorvam o soro, evitando a sinérese.

Quando se deseja um produto com consistência mais líquida, pode-se iniciar a


quebra logo que a massa atinja 35 ºC. Esta temperatura facilita o bombeamento
para um permutador de calor, onde o produto continuará a ser refrigerado e,
posteriormente, serão adicionados aromas ou pedaços de frutas.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 119
leite cru

recepção
coadjuvantes

filtração

pré-aquecimento

mistura/normalização

homogeneização
fermento

pasteurização

 normalização da temperatura

INOCULAÇÃO
Embalamento e armazenamento
embalamento
No caso do iogurte batido, a fermentação é feita num tanque com posterior
embalamento, sendo depois de arrefecido, mantido sob refrigeração por um
embalagens

incubação
período superior a 24 horas antes de ser comercializado.
arrefecimento
A embalagem deve seguir alguns critérios como: ser impermeável aos sabores,
corantes, odores do ambiente, oxigénio e contaminações externas; resistir à aci-
refrigeração
dez do iogurte, e à humidade, e não permitir exposição do produto à luz. Uma
boa opção para produção em pequena escala é a embalagem de polietileno
iogurte sólido
que apresenta também facilidade para a selagem térmica. Poderão também ser
Figura 3.40
Diagrama de fluxo utilizadas embalagens de vidro com tampas de rosca.
da produção
de iogurte sólido
A temperatura de armazenamento deve ser de 2 º a 5 °C para conservar e me-
lhorar a consistência do iogurte, que deve ser consumido à temperatura de 10
a 12 °C.

O transporte da fábrica até ao ponto de comércio deve ser o mais rápido possí-
vel, principalmente no verão e deve ser feito em veículos refrigerados.

Um método muito simples para a produção de iogurte pode ser baseado em leite adicionado, ou não, de leite em pó (40g por litro de
leite). Esta mistura é aquecida num banho de água a ferver durante 30 minutos. De seguida deixa-se o leite arrefecer à temperatura de
45ºC e, neste momento, adiciona-se um iogurte de uma fabricação anterior, ou um iogurte adquirido no comércio, por cada litro de
leite misturando-se bem durante dois minutos. Posteriormente a mistura é colocada em frascos bem lavados e com tampa. Quando a
temperatura ambiente é elevada o produto deverá coagular entre 3 e 10 horas. Se a temperatura ambiente for baixa, os copos devem
ser colocados junto de uma fonte de calor, para que a temperatura seja de cerca de 42ºC. Após a coagulação o produto deve ser refri-
gerado e, um dos copos deverá ser conservado no frigorífico para ser usado noutro fabrico.

120 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
Figura 3.41 Figura 3.42
Adição de fermentos liofilizados Enchimento de embalagens de
(DVS) à mistura destinada ao iogurte antes da incubação
fabrico de iogurte

Aditivos empregados na fabricação do iogurte

a Edulcorantes
O edulcorante mais utilizado é o açúcar, que pode ser refinado ou em cristal, isento de impurezas. Para produtos dietéticos,
são utilizados outros edulcorantes como a sacarina e o aspartame.

b Aromas e corantes

Existem aromas naturais e artificiais que permitem obter o sabor desejado e devem ser adicionados ao leite após a pasteuri-
zação. O corante tem a finalidade de lembrar o sabor escolhido, relacionando-o com a fruta.
Os corantes naturais mais utilizados são originados da beterraba, carmim de cochonilha, carotenóides e urucum e, os artifi-
ciais, são o amarelo crepúsculo, bordeaux, laranja GGN e vermelho 40. Devem ser utilizados, na proporção de 0,02 a 0,15%.

c Polpas de frutas

Devem possuir pH e viscosidade próximos ao do iogurte, e ser usados na proporção de 0,5 a 5,0%. Podem ser aproveitadas
também as geleias de frutas, tomando-se cuidado, pois estas já possuem açúcar.

d Conservantes

O seu uso não é, normalmente, permitido pela legislação, restringindo-se à preparação de polpas, e de pastas de frutas em-
pregados como ingredientes na elaboração do iogurte, num limite máximo de 0,1% de ácido sórbico.

e Espessantes

Têm o objectivo de melhorar a consistência, viscosidade e aparência do produto final, além de prevenir a sinérese, que é a
separação do soro. Como exemplo de espessantes temos o amido modificado, carragenato, agar, alginatos, goma xantana,
entre outros e devem ter sabor neutro, fácil solubilidade em água e leite, estabilidade em pH ácido e não apresentar cor. A
sua adição pode ser feita ao leite frio ou morno antes da pasteurização, ao leite quente logo após a pasteurização ou, no leite
inoculado antes da incubação.

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 121
Figura 3.44
aspecto geral de
grãos de Kefir

Figura 3.43
ASPEcTO GERAL E DO INTERIOR
DE uma câmara de incubação
de iogurtes

3.6.3.2 Outros produtos lácteos fermentados

3.6.3.2.1 Leite acidófilo

O leite acidófilo resulta da fermentação natural do leite feita com Lactobacillus


acidophilus (LA). Este microrganismo tem sido referido como tendo efeitos te-
rapêuticos sobre o tracto gastro intestinal. Para a fermentação pode ser usado
leite inteiro ou desnatado. O leite é aquecido a 95 ºC por 30 minutos e, após
arrefecimento a 37 ºC é inoculado com 2 a 5% de LA e incubado até que coagule.

3.6.3.2.2 Kefir

A fermentação do leite pela acção de bactérias lácticas e de leveduras é muito


comum nos países do Leste da Europa e na Rússia. Nalguns países denomina-
-se Kefir e, noutros toma a designação de Koumiss. Hoje em dia, muitas pessoas
fazem também “leite azedo” em suas casas usando grãos de kefir que por vezes
também se designam por flor de iogurte. Este tipo de fermentação origina a
produção de ácido láctico, etanol, dióxido de carbono e outros compostos aro-
máticos (Tamime & Robinson, 1999).

A produção de Kefir é uma boa forma de eliminar a lactose presente no leite.


Para se produzir o Kefir, o leite é fermentado por 24 horas, à temperatura am-
biente. Se a fermentação se prolongar por mais tempo (2-3 dias) a lactose será
quase completamente eliminada.

122 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
Figura 3.45
Mulher Himba agitando cabaça
com leite fermentado para
3.6.3.2.3 Outros produtos lácteos tradicionais produzir manteiga

Os produtos lácteos tradicionais são produzidos a partir de leite de várias espé-


cies. O papel das diferentes espécies animais varia muito de região para região e
entre países de uma mesma região do globo.

As tecnologias relacionadas com produtos lácteos tradicionais baseiam-se sobre-


tudo em: fermentação de leite, produção de manteiga ou de óleo de manteiga
(ghee), produção de queijo e de outros produtos à base de leite. A fermentação
do leite efectuada para controlar o crescimento de bactérias saprófitas e de al-
guns microrganismos patogénicos é a tecnologia mais utilizada para a prepara-
ção de produtos lácteos tradicionais.

Tradicionalmente o leite é consumido cru ou é deixado a fermentar naturalmen-


te, mas raramente é aquecido. De facto, em algumas comunidades Africanas o
aquecimento do leite é considerado um tabu. A fermentação do leite reduz o
pH para níveis incompatíveis com o crescimento de microrganismos patogénicos
e reduz também o teor de lactose evitando assim problemas para pessoas com
intolerância a este componente.

Algumas práticas utilizadas para limitar a degradação do leite incluem a fervura


imediata após a ordenha, a fermentação láctica com o objectivo de produzir leite
azedo e métodos de desinfecção que podem incluir a fumagem dos utensílios
usados para leite e produtos lácteos. Esta prática comum em países Africanos
aparentemente tem algum efeito na desinfecção dos utensílios, ao mesmo tempo
que contribui para um sabor a fumado interessante em alguns produtos.

O processo de fermentação láctica afecta não apenas o prazo de vida útil dos
produtos mas contribui também para a sua qualidade, segurança e características
organolépticas.

O processo geral para a produção de produtos lácteos fermentados tradicionais


nos países africanos inclui a filtração do leite para um recipiente que foi inicial-

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 123
mente fumado colocando-se de seguida este recipiente numa zona aquecida
até que o leite acidifique e coagule. Novas quantidades de leite recém ordenha-
do podem ser adicionadas diariamente com ou sem remoção prévia do soro
resultante da coalhada anterior. O produto pode ser consumido como tal ou,
na maioria dos casos, é batido numa cabaça para a produção de manteiga. O
leitelho resultante da produção da manteiga pode ser consumido directamente
ou vendido.

3.6.4 Leites concentrados


O processo de fabrico de leites concentrados visa aumentar a concentração de
sólidos do leite, com o objectivo de reduzir o volume de leite a transportar, ao
mesmo tempo que deverá garantir a sua conservação. Basicamente dois pro-
dutos são obtidos: o leite evaporado (com um teor aproximado de 27 - 29% de
sólidos totais) e o leite condensado (com um teor aproximado de 74% de sóli-
dos totais). No primeiro caso trata-se de uma concentração, por evaporação, de
todos os componentes do leite, enquanto, no segundo caso, para além da con-
centração dos sólidos, existe uma adição de açúcar (sacarose) que visa reduzir a
actividade da água e, garantir a conservabilidade do produto.

Normalmente estes processos são utilizados em países que têm excesso de pro-
dução de leite em relação às suas necessidades de consumo.

3.6.4.1 Leite evaporado


O leite evaporado resulta da concentração dos sólidos do leite por evaporação.
O teor de sólidos aumenta entre 2 a 4 vezes (para 25 a 45% de sólidos totais).
Normalmente, a evaporação faz-se a temperaturas inferiores a 80 ºC de forma
a não degradar os componentes do leite. Para que tal aconteça será necessário
criar condições para que o leite entre em ebulição a temperaturas inferiores a
100 ºC. Assim, o processo é feito em condições de pressão inferiores às da pres-
são atmosférica, originando que o leite entre em ebulição a essas temperaturas.
Normalmente são usados evaporadores semelhantes ao diagrama apresentado
na figura 3.46. Os equipamentos usados são bastante dispendiosos e, os seus

124 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
água fria

vapor

água do leite
eliminada
VÁCUO

leite evaporado

Figura 3.46
Diagrama de um evaporador
de duplo efeito
custos variam de acordo com a sua eficiência energética. Normalmente são usa-
dos evaporadores de duplo ou triplo efeito e de filme descendente. Isto é, são
usados permutadores de calor tubulares, nos quais o leite é introduzido em con-
dições de vácuo e submetido ao processo de ebulição.

O vapor de água libertado do leite é utilizado no permutador seguinte, de forma


a aproveitar a sua energia. Ou seja, o próprio vapor retirado do produto é usado
como fonte de energia. Parte do vapor libertado do leite é também misturado
com o vapor proveniente da caldeira permitindo maior poupança de energia.
Este processo denomina-se por recompressão térmica de vapor.

Depois de atingido o teor de sólidos desejado o leite evaporado é normalmente


embalado em latas e sujeito a um processo de esterilização em autoclave a uma
temperatura de 115 ºC durante meia hora. Note-se que, apesar de se ter aumen-
tado a concentração de sólidos do leite, a actividade da água deste produto é
praticamente igual à do leite original pelo que o mesmo terá de ser esterilizado.

Para evitar que o leite coagule durante o processo de esterilização é submetido


a um pré-aquecimento a 90 ºC durante 10 minutos. Durante este tratamento pre-
cipita algum cálcio e as proteínas do soro desnaturam-se. Estas transformações
impedem que o leite concentrado coagule durante a esterilização.

A título de exemplo apresenta-se o balanço de massas relativo à produção de


leite evaporado com 27% de sólidos totais (ST). Assim, partindo de 1.000 kg de
leite com 12,5% de sólidos totais, obtêm-se cerca de 463 kg de leite evaporado

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 125
composição do leite evaporado composição do leite evaporado
com 27% de sólidos totais com 45% de sólidos totais

Água gordura lactose proteína sais Água gordura lactose proteína sais

Figura 3.47 Figura 3.48


Composição do leite evaporado Composição do leite evaporado
com 27% de sólidos com 45% de sólidos

com 27 % de sólidos totais. Isto é, no processo retiram-se 537 kg de água, o que


corresponde a cerca de 61% da água do produto original. Naturalmente que
todos os elementos sólidos presentes no leite aumentam a sua concentração na
exacta proporção em que se reduz o teor de água.

m1 * ST1 = m2 * ST2

1.000 * 12,5 = m2 * 27

m2 = 462,96

Note-se que o processo de evaporação de leite também é utilizado como um


passo para a produção de leite em pó. Normalmente, para este efeito, o teor de
sólidos a atingir situa-se entre 40 e 45%. Depois de atingido este valor o leite é
encaminhado para uma torre de secagem onde é retirada praticamente toda a
água existente no produto.

3.6.4.2 Leite condensado


O leite condensado difere do leite evaporado pelo facto de, neste caso, para
além da evaporação da água do leite, lhe ser adicionado açúcar (sacarose) o que
faz subir o teor de sólidos para cerca de 75%. Como grande parte dos sólidos
correspondem a açúcar (a lactose original do leite e a sacarose adicionada que,
em conjunto, representam cerca de 55% da composição do produto), a activi-
dade da água deste leite decresce para valores inferiores a 0,60, o que o torna
estável sem necessidade de lhe ser efectuado um tratamento térmico.

126 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
composição do leite condensado

Água sacarose gordura lactose proteína sais

Figura 3.49
Composição do leite
condensado

O processo utilizado é basicamente o mesmo do que ocorre com o leite evapo-


rado. Contudo, neste caso, na fase final da evaporação é adicionada ao leite já
concentrado, uma solução concentrada com sacarose (a 65%) e, completa-se a
evaporação até ao teor de sólidos desejado. Como a mistura contém elevados
teores da açúcar grande parte da lactose cristaliza. Assim é necessário impedir
que se formem grandes cristais de lactose devendo o produto ser arrefecido ra-
pidamente e sob forte agitação. Normalmente, nesta fase, adicionam-se também
pequeníssimos cristais de lactose em pó, para que estes dirijam o processo de
cristalização.

O produto é de seguida enlatado, havendo a preocupação de evitar que exista


ar dentro da lata o que poderia permitir o desenvolvimento de bolores na sua
superfície. Após o enchimento, as latas são cravadas e colocadas em paletes. Ao
fim de três dias as paletes são voltadas no sentido de garantir que alguns bolores
que eventualmente tenham iniciado o seu crescimento, fiquem no fundo da lata
onde, sem oxigénio, cessarão o seu desenvolvimento.

3.6.5 Leite em pó
A produção de leite em pó é o processo que garante maior prazo de vida útil ao
leite. Normalmente o leite em pó gordo tem um prazo de validade de 6 meses,
enquanto o leite em pó magro tem um prazo de validade de cerca de 2 anos.
O processo de desidratação consiste em retirar praticamente toda a água pre-
sente no leite transformando-o num pó com cerca de 97% de sólidos totais e
3% de humidade. A actividade da água deste produto é tão baixa que não é

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 127
ar seco
(200ºC) entrada de leite
filtro
aquecimento
do ar
atomizador ciclones ar húmido
(95ºC)
filtro câmara
de secagem
entrada de ar

recuperação de
particulas de pó
leito
fluidizado

80 ºC 60 ºC 20 ºC leite em pó
ar seco

Figura 3.50
Diagrama geral de um atomizador
equipado com secador de leito
fluidizado para aglomeração
de partículas

necessário qualquer processo para garantir a sua conservação. Como se referiu


anteriormente, o leite é primeiramente pasteurizado e evaporado até ter um
teor de sólidos de cerca de 45%. Em seguida, este produto é desidratado numa
torre de atomização onde, sob acção do ar quente, a restante água é evaporada.
A figura 3.50 apresenta o esquema geral de uma torre de secagem equipada
também com um secador de leito fluidizado que permite agregar as partículas
do pó, melhorando a sua solubilidade e rapidez de dissolução. Existem vários
métodos para desidratar o leite mas a utilização de torres de atomização é o
processo mais utilizado hoje em dia. Note-se que se tratam de equipamentos
bastante caros e que o seu consumo em energia é bastante elevado. Para se ter
uma ideia dos custos de operação destes equipamentos, bastará referir que se
considerarmos o processo de evaporação do leite até um teor de sólidos totais
de 45% (o que corresponde à eliminação de cerca de 82% da água presente no
leite original), e se compararmos os consumos de energia deste processo com os
da secagem (onde se elimina o restante da água até que o pó tenha apenas um
teor de humidade de 3%) verificar-se-á que para eliminar esta fracção da água se
consome maior quantidade de energia.

Podem encontrar-se no mercado leite em pó gordo e magro. Este último é pro-


duzido a partir de leite totalmente desnatado e, como tem um teor de gordura
inferior a 1%, não é afectado pelo processo de oxidação da gordura, podendo
ser armazenado por mais de um ano.

128 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 3. Leite e Produtos Lácteos
a Entrada de produto a

b Dispersão de ar seco b

c atomizador rotativo
c
f
d tubagem de ligação
d g
e controlo de entrada de ar

f ciclone de recuperação de pó h

g recolha de produto desidratado i


e
h painel de controlo
j
i exaustão de ar húmido
j controlo de temperatura k
do ar húmido
k aquecedor de ar

Figura 3.51
Aspecto geral e diagrama de um secador de escala
laboratorial (Niro Atomizer™)

As figuras 3.52 e 3.53 apresentam as composições do leite em pó gordo e magro.

composição do leite em pó gordo composição do leite em pó magro


com 97% de sólidos totais com 97% de sólidos totais

Água gordura lactose proteína sais Água gordura lactose proteína sais

Figura 3.52 Figura 3.53


Composição do leite em pó gordo Composição do leite em pó magro

NO FINAL DESTE CAPÍTULO O ALUNO DEVERÁ


Conhecer a composição do leite e perceber as causas da sua variabilidade
Ter noção da importância fundamental das boas práticas higiénicas na manipulação de leite e de produtos lácteos
Ter conhecimento da importância dos tratamentos térmicos do leite na garantia da sua segurança
Reconhecer os parâmetros tecnológicos mais importantes para a transformação do leite em produtos lácteos
Perceber os diagramas de fabricação dos diferentes produtos
Perceber a importância dos microrganismos na produção de produtos lácteos fermentados

3. Leite e Produtos Lácteos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 129
4. Carne e produtos cárnicos
4.1 Composição da carne
4.1.1 Classificação dos músculos
A carne resulta do processo de transformação do músculo que ocorre após o
abate. Os músculos, responsáveis pelo movimento (músculo estriado), podem
ser classificados de várias maneiras, sendo a mais simples aquela que os divide
entre vermelho ou branco. Esta divisão é feita com base no seu conteúdo em
mioglobina. A mioglobina é uma molécula complexa que contém ferro e que
tem como principal função efectuar o transporte do oxigénio. Exerce ao nível do
músculo a mesma função que é exercida pela hemoglobina ao nível da circula-
ção em geral.

Os músculos vermelhos têm um elevado conteúdo em mioglobina e são muito


vascularizados, isto é, são irrigados por muitos vasos sanguíneos. O funciona-
mento deste tipo de músculos depende fundamentalmente do aporte de oxigé-
nio. O seu metabolismo é oxidativo e são músculos que exercem uma actividade
contínua e repetitiva. Ao contrário, os músculos brancos são pouco vasculariza-
dos, têm um baixo teor de mioglobina e, a sua actividade depende pouco da
presença de oxigénio. A sua contracção pode inclusive ocorrer sem a presença
de oxigénio sendo a energia obtida por via glicolítica, isto é, baseada na transfor-

130 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
mação da glucose em ácido láctico em condições de anaerobiose. São músculos
adaptados para exercerem uma actividade esporádica e intensa.

O melhor exemplo para diferenciar estes dois tipos de músculo é a comparação


entre as características dos músculos do peito e da coxa das aves. Os músculos
do peito (brancos) são utilizados poucas vezes e quando exercem a sua activida-
de fazem-no de forma muito intensa e por breves períodos de tempo (p. ex. no
acto de levantar voo). Seria impossível garantir que a energia necessária para esta
actividade dependesse exclusivamente do oxigénio transportado pelo sangue.
Ao contrário, os músculos da coxa (vermelhos) são sujeitos a uma actividade con-
tínua mas pouco intensa.

Note-se que, para além do músculo estriado cuja actividade depende da vontade,
existem outros dois tipos de músculo cujo funcionamento é regulado de forma
autónoma: o músculo liso que se encontra predominantemente ao nível da pare-
de intestinal e que é responsável pelos movimentos peristálticos desse órgão e,
o músculo cardíaco.

No caso do músculo estriado, que é a base da carne, existem outras classificações


mais complexas para além da diferenciação entre vermelho e branco. Contudo,
e tendo em atenção os objectivos deste capítulo, esta classificação simplificada
é suficiente.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 131
4.1.2 Caracterização da fibra muscular
Na figura 4.1 pode observar-se a organização de um músculo estriado esquelé-
tico. Cada músculo é rodeado por uma película de tecido conjuntivo (epimísio)
que se encontra ligada aos tendões que, por sua vez, se encontram ligados a
ossos. O músculo é dividido em feixes de fibras recobertas também por tecido
conjuntivo (perimísio). Este tecido é ainda subdividido por camadas mais finas
de tecido conjuntivo que recobrem feixes de fibras musculares com cerca de 1
mm de diâmetro. As fibras musculares individualizadas têm diâmetros entre 0,01
e 0,1 mm e um comprimento que pode variar entre alguns milímetros e 30 cm.
Dentro de cada feixe as fibras musculares estão também separadas por tecido
conjuntivo (endomísio). Os capilares sanguíneos e as fibras nervosas, necessários
para o funcionamento do músculo, estão englobados no endomísio. A superfície
das fibras musculares é denominada sarcolema.

O sarcolema é composto por três camadas. Uma rede de colagéneo externa, uma
camada intermédia amorfa e uma membrana plasmática interna. Esta membra-
na garante a transmissão dos impulsos nervosos ao interior da célula muscular.

As fibras musculares são compostas por miofibrilhas que formam feixes com-
pactos. Estas miofibrilhas correspondem a cerca de 80% do volume da célula. As
miofibrilhas, constituídas por diversas proteínas, são de facto o sistema contráctil
do músculo. São estruturas com cerca de 0,001 a 0,002 mm de diâmetro.

As fibras musculares têm uma aparência estriada quando observadas ao micros-


cópio. A zona central mais densa forma a banda A. No centro da banda A pode
observar-se uma zona mais clara (zona H). As zonas menos densas são deno-
minadas como bandas I, sendo cada uma delas dividida em duas partes pelo
disco Z. A unidade contráctil da fibra muscular é conhecida como o sarcómero
(espaço entre duas linhas Z). Cada sarcómero partilha a banda I com o sarcómero
adjacente. A estrutura estriada da fibra deve-se à presença de dois tipos de fila-
mentos. Os filamentos grossos e os filamentos finos. Em torno de cada filamento
grosso, dispõem-se seis filamentos finos num arranjo hexagonal.

132 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Cada filamento grosso, com cerca de 1,6 μm de comprimento, é composto por
cerca de 300 moléculas de miosina. A molécula de miosina é composta por duas
sub-unidades com um peso molecular elevado (cadeias pesadas) e por quatro
sub-unidades com um peso molecular cerca de 10 vezes inferior. As cadeias pesa-
das organizam-se em hélice e, a sua porção terminal liga-se a duas sub-unidades
leves. Desta forma as cabeças da miosina são capazes de se ligar a outras proteí-
nas que formam os filamentos finos.

Os filamentos finos são essencialmente constituídos por actina, uma proteína glo-
bular (actina G) que forma feixes constituídos pela agregação de cerca de 400
moléculas (actina F). Estes feixes dispõem-se de forma helicoidal, e em determi-
nados locais, estas hélices são capazes de se ligar às cabeças da miosina.

Os filamentos de actina F são afectados pelo cálcio que, ao modificar o posiciona-


mento de outras duas proteínas, a tropomiosina e a troponina que se encontram
ligadas à actina, permite que os feixes de actina deslizem sobre as cabeças pesa-
das da miosina e, a ela se liguem em diferentes posições.

De modo muito simplista poderá dizer-se que o músculo resulta da organização de feixes de proteína que se
dispõem de forma muito complexa e organizada formando filamentos grossos e finos. Estes feixes são capazes
de deslizar entre si, permitindo a contracção e distensão do músculo.

A energia necessária para a contracção do músculo resulta da hidrólise de ATP


(adenosina trifosfato) para ADP (adenosina difosfato) e AMP (adenosina mono-
fosfato). A reposição dos níveis de ATP depende do aporte de oxigénio, no caso
dos músculos vermelhos, ou da degradação da glucose, no caso dos músculos
brancos.

O retículo sarcoplasmático (RS) da célula muscular desempenha um papel fun-


damental no funcionamento do músculo. Consiste numa série de vesículas lon-
gitudinais e transversais que formam um complexo membranoso em torno de

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 133
periósteo relaxado
a c
1/2 banda I banda A 1/2 banda I
tendão
filamento de miosina
m
fáscia profunda
músculo estriado
perimísio filamento de
actina
epimísio z banda h z

feixe muscular

endomísio
fibra muscular (célula)
miofibrilha contraído

mitocôndria b
sarcolema MIOFILAMENTOS a Organização do músculo estriado

b Fibra muscular
c Sarcómero relaxado e contraído

linha z linha z
MIOFI- banda a
FRILHAS banda i banda i

retículo sarcoplasmático SARCÓMERO


fibra túbulos t
núcleo
filamento grosso
filamento fino

figura 4.1
Representação esquemática
da organização do músculo
cada miofibrilha. O RS liberta o cálcio necessário para o processo de contracção
muscular em função de um estímulo nervoso e, reabsorve-o após a contracção,
permitindo o relaxamento. Os elementos transversos do RS são paralelos à linha
Z e cobrem grande parte da banda I.

O processo de contracção inicia-se com a libertação de iões de cálcio por parte


do retículo sarcoplasmático da célula muscular como resposta a um estímulo
nervoso. Os iões de cálcio ligam-se ao filamento fino, alterando-lhe a sua con-
formação, o que permite que se forme uma ligação entre filamentos finos e
grossos. Durante a contracção muscular os filamentos finos e grossos deslizam
entre si sobrepondo-se quase completamente, reduzindo o comprimento das
miofibrilhas (Fig.4.1 C). No processo de distensão muscular, o cálcio é removido
para o retículo sarcoplasmático e os filamentos deslizam em sentido inverso,
aumentando o comprimento da miofibrilha. A contracção máxima de um sarcó-
mero situa-se entre 20 e 50% do comprimento do sarcómero relaxado que é de
cerca de 3,6 μm.

134 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
4.1.3 O tecido conjuntivo

4.13.1 Colagéneo
O tecido conjuntivo engloba e suporta o músculo ligando-o aos tendões através
do epimísio, perimísio e endomísio. Existe pois uma íntima relação entre o tecido
conjuntivo e as células musculares. O tecido conjuntivo consiste em várias fibras
envolvidas numa estrutura amorfa. Vários tipos de células estão também incluí-
das no tecido conjuntivo (fibroblastos, macrófagos e células gordas). A estabilida-
de da estrutura pela qual o tecido conjuntivo é responsável, depende em grande
parte das propriedades das fibras de colagénio, embora outra proteína, a elastina,
contribua também.

O colagéneo representa cerca de um terço da proteína presente nos mamíferos e,


trata-se não apenas de uma substância mas de um grupo de moléculas similares.
A sua estrutura básica consiste em três cadeias proteicas helicoidais ligadas que
formam uma hélice tripla (tropocolagéneo). As moléculas de colagéneo estão inti-
mamente ligadas formando fibrilhas paralelas. As fibrilhas de colagéneo ligam-se
também entre si através de ligações cruzadas fortes. Estas ligações visam garantir
maior resistência da estrutura em relação a forças de tracção externas exercidas
sobre os tendões. O número destas ligações aumenta com a idade o que origina
um aumento da resistência à tensão.

O colagéneo desempenha pois um papel fundamental como um forte elemento


de ligação entre as fibras musculares contrácteis e a estrutura óssea, cujo posicio-
namento dependerá da acção do músculo sobre ela.

O colagéneo é um elemento determinante na textura da carne e, mais do que a sua quantidade, a sua qualidade, isto
é, a quantidade de ligações cruzadas entre as fibras de colagéneo é o factor determinante. Normalmente, a quantidade
de colagéneo decresce ao longo da vida mas, devido ao aumento do número de ligações cruzadas entre fibras, tende
a dar origem a uma carne mais dura.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 135
a composição da carne em várias espécies

Adaptado de Varnan e Sutherland (1995)


80
70
60
% do componente

50
40
30
20
10
0
água proteína lípidos minerais

carne de vaca carne de porco


carne de ovelha carne de frango

composição do extracto seco


b a Base húmida
da carne em várias espécies
% do componente no extracto seco

90 b Base seca
80
70
60
50
40
30
20
10
0
carne de vaca carne de porco carne de ovelha carne de frango

proteína lípidos minerais

figura 4.2
Composição da carne
em várias espécies
4.1.3.2 Elastina
A elastina é um componente do tecido conjuntivo que representa menos de 5%
do teor de colagéneo. Normalmente está associada ao sistema de vasos capila-
res responsáveis pelo transporte de oxigénio para o músculo. Contudo, alguns
músculos (p.ex.: Longissimus dorsi) contêm maiores quantidades de elastina (até
30% do teor de colagéneo) e, muito provavelmente, nestes casos, é um fac-
tor determinante da textura (Varnan & Sutherland, 1995). A elastina tem uma
composição muito semelhante à do colagéneo embora apresente uma estrutura
mais amorfa.

4.2 Composição e factores de qualidade da carne


Existem três factores que são determinantes para a avaliação da qualidade da
carne pelos consumidores. A cor, a suculência e a tenrura.

136 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
principais ácidos gordos da carne (%)

Adaptado de Varnan e Sutherland (1995)


50
45
40

% do ácido gordo
35
30
25
20
15
10
5
0
C14:0 C16:0 C18:0 C18:1 C18:2 C18:3 C20:0 C20:1

carne de vaca carne de porco


carne de ovelha carne de frango

figura 4.3
Percentagem dos principais
ácidos gordos da carne
de diferentes espécies
A cor é determinante na selecção inicial da carne. Nas carnes vermelhas, uma cor
vermelho brilhante associada à presença de oximioglobina é um factor positivo.
Pelo contrário, a presença de metamioglobina cujo teor aumenta ao longo do
tempo de conservação da carne, origina uma coloração acastanhada que tende
a depreciar o produto.

A suculência, embora dependa muito do processo de preparação da carne, em


muitos casos depende também da forma como se distribui a gordura no seu
interior. Algumas raças bovinas foram seleccionadas no sentido de terem uma
distribuição fina da gordura no interior das fibras musculares (marmoreado) o que
garante maior suculência ao produto. É o caso da raça bovina Aberdeen Angus.

A tenrura é, obviamente, outro factor muito importante e, embora esteja intima-


mente ligada ao teor e tipo de colagéneo presente, dependendo muito da idade
do animal, está também dependente de uma série de outros factores ante e post
mortem como sejam os músculos que dão origem à peça de carne ou, os cuida-
dos nas operações de abate e desmancha da carcaça.

Nas figuras 4.1 e 4.2 é apresentada a composição média da carne de várias es-
pécies. Como se pode verificar, a água é o componente principal. Dos compo-
nentes sólidos, destaca-se naturalmente a proteína que representa cerca de 20%
da carne. O teor de lípidos apresenta variações significativas entre as diferentes
espécies destacando-se a carne de porco em relação ao seu valor total.

Na figura 4.3 apresentam-se os principais ácidos gordos componentes da gordura


da carne de diferentes espécies. Deverão ser de notar os teores mais elevados de
ácidos gordos insaturados na gordura da carne de porco e de frango, aspecto
realçado na figura 4.4.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 137
a b
ácidos gordos INSATURADOS/ valor do índice de iodo da gordura
SATURADOS da carne de diferentes espécies

0,8

índice de iodo
100
0,6
50
I/S

0,4
0
0,2 carne carne carne carne
de vaca de porco de ovelha de frango
0
carne carne carne carne
de vaca de porco de ovelha de frango

figura 4.4
Rácio de ácidos gordos
insaturados/ácidos
gordos saturados (a)
e índice de iodo (b)
da gordura da carne
de diferentes espécies

4.3 Transformação do músculo em carne


O músculo num animal vivo tem a função específica de garantir a postura e a
locomoção. Entre o momento do abate e o momento óptimo para consumo da
carne ocorrem uma série de transformações físico-químicas e microbiológicas
que, por um lado tendem a melhorar a qualidade da carne mas que, a partir de
determinado momento, poderão determinar a sua inaptidão para o consumo.

No momento do abate ocorrem uma série de fenómenos que estão na base da


transformação do músculo em carne. A temperatura aumenta cerca de 1 - 2 ºC
em relação à temperatura do animal em vida. Com a sangria ocorre a cessação
de aporte de oxigénio aos músculos. Após o abate, a temperatura da carcaça vai
descendo gradualmente, sendo esta descida muito influenciada pelas condições
de refrigeração. Normalmente, após o abate, as carcaças são colocadas num tú-
nel de refrigeração. Porém, nas situações em que não há possibilidades de ga-
rantir a refrigeração da carcaça a mesma é mantida à temperatura ambiente. Na-
turalmente que esta situação origina uma aceleração de todos fenómenos que
ocorrem após o abate e uma redução do seu prazo de vida útil. Na maioria dos
casos, estas carnes são sujeitas a processos de conservação tradicionais como
sejam a salga ou a secagem. Caso contrário, terão de ser consumidas muito ra-
pidamente. Mais adiante será dada atenção a estes processos de conservação.

Durante o abate, os músculos são sujeitos a contracções (estado palpitante) sem


que exista fornecimento de oxigénio uma vez que cessou a circulação. Nestas
condições, a energia necessária para estas contracções é fornecida pela reser-
va de adenosina trifosfato (ATP) existente que se vai esgotando gradualmen-
te, embora seja reposta pela transformação de adenosina monofosfato (AMP)

138 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
evolução do pH

7,2
7
6,8
6,6
6,4

pH
6,2
6
5,8
5,6
5,4
Figura 4.5
0 2 4 6 8 10
Evolução do pH da carne
durante a instalação do Horas após o abate
rigor mortis

e adenosina difosfato (ADP) em ATP pela via glicolítica. Esta situação origina a
utilização de glucose, proveniente do glicogénio, em condições de anaerobiose o
que origina a formação de ácido láctico e a consequente descida do pH. Na figura
4.5 pode observar-se a evolução do pH da carne após o abate.

Quando se esgota o ATP o músculo deixa de se poder contrair e os filamentos de


actina encontram-se irreversivelmente ligados às cabeças de miosina. O músculo
entra em estado de rigor mortis entre 4 e 6 horas após o abate.

A extensibilidade do músculo é mínima ao fim desse tempo e mantém-se em va-


lores de cerca de 20% dos valores originais após a instalação do rigor (figura 4.6).

Se os músculos forem separados dos ossos antes da instalação do rigor ou se, por
acção térmica se tiver aumentado o seu grau de contracção (p. ex. frio intenso)
irão entrar em rigor muito contraídos o que irá afectar negativamente a tenrura
da carne. Isto é, tanto quanto possível, deverá esperar-se que a entrada em rigor
ocorra de forma gradual sem que o músculo se contraia para além do normal, e
que o abaixamento do pH seja também pouco brusco, acompanhando a descida
gradual da temperatura da carcaça.

Ao mesmo tempo que se instala o rigor, a capacidade de retenção da água da


carne vai diminuindo até atingir o valor mínimo 48 horas após o abate.

Depois deste período pode dizer-se que a carne entra em estado de maturação.
A partir deste momento a carne estará em condições de ser consumida. Ao longo
do tempo, por acção das enzimas presentes na carne, irão ocorrer transformações
químicas que tendem a melhorar a sua tenrura e sabor.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 139
extensibilidade do músculo

100

80
extensibilidade (%)

60

40

20

0
Figura 4.6
0 2 4 6 8 10
Evolução da extensibilidade
Horas após o abate do músculo durante
o rigor mortis

capacidade de retenção de água (cra)


90
85
80
75
70
cra (%)

65
60
55
50
45
40 Figura 4.7
0 2 4 6 8 10 12 Evolução da capacidade
de retenção de água
Dias após o abate da carne durante
a maturação

O músculo de animais saudáveis não tem microrganismos. No momento do aba-


te existem grandes possibilidades de contaminação da carcaça através dos uten-
sílios usados, do ar e do próprio conteúdo intestinal dos animais. Essa contami-
nação deverá ser tão baixa quanto possível de forma a garantir-lhe um prazo de
vida útil aceitável. Durante as operações de abate deverá haver um cuidado es-
pecial na remoção das vísceras de modo a evitar contaminação de origem fecal.

Note-se também que os microrganismos irão também multiplicar-se, tanto mais


depressa quanto mais elevada for a temperatura da carcaça.

Assim, o momento óptimo para o consumo da carne resulta do compromisso


entre as alterações químicas desejáveis que lhe melhoram o sabor e a tenrura, e
as alterações resultantes do desenvolvimento dos microrganismos que lhe vão
afectando negativamente as características organolépticas, podendo inclusive

140 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
evolução do pH

normal dfd pse


7,2
7
6,8
6,6

pH
6,4
6,2
6
5,8
5,6
5,4
0 2 4 6 8 10
Horas após o abate

Figura 4.8
Evolução do pH da carne
durante a instalação do
rigor mortis em carnes
provocar a sua putrefacção. Há que ter em conta que, no momento do abate, normais, DFD e PSE

poderá também ter ocorrido contaminação com microrganismos patogénicos e


que, caso tenham condições para se desenvolverem, poderão atingir números
que podem transformar a carne num alimento perigoso.

Existem duas situações de tipo metabólico que frequentemente afectam a qualidade da carne. A primeira resulta de situações de fadiga ou de
deficiente alimentação dos animais e, nestes casos, não existem reservas de glicogénio a nível sanguíneo. Não havendo glucose disponível, não
existe reposição da reserva de ATP por via glicolítica. Nestas condições, não há produção de ácido láctico e o pH da carne mantém-se elevado.
Esta situação favorece o desenvolvimento de microrganismos. A carne apresenta uma cor escura ao corte, tem uma elevada capacidade de
retenção de água e, poderá entrar em putrefacção rapidamente. Esta situação é frequente em carnes de bovino designadas por carnes DFD
(dark firm dry - escuras, firmes e secas). Na figura 4.8 pode observar-se que o pH destas carnes ao fim de 10 horas é praticamente igual ao pH
no momento do abate.

Outra situação, bastante frequente em carnes de suíno, resulta do stress a que os animais são sujeitos durante o transporte até ao matadouro
e, no momento do abate. Nestes casos existe uma queda brusca do pH enquanto a carcaça se encontra a temperaturas elevadas. O pH atinge
o valor final cerca de 1 hora após o abate. Nestas condições, as proteínas solúveis perdem a sua capacidade de retenção de água. A carne fica
pálida, mole e não retém água. Estas carnes são denominadas PSE (pale soft and exsudative - pálidas, moles e exsudativas). A ocorrência
deste tipo de carnes é muito comum em raças de suínos seleccionadas e com elevada capacidade de crescimento. Estas carnes apresentam
um aspecto pouco agradável e originam muitos problemas na fabricação de enchidos nos quais a capacidade de retenção de água é um factor
importante (enchidos cozidos).

4.4 Produção de carne a nível mundial


A produção mundial de carne de todas as espécies produtoras ascende a cerca de
250 milhões de toneladas por ano. A figura 4.9 apresenta os valores da produção
de carne por regiões. A Ásia apresenta-se como o maior produtor sendo a China
responsável por cerca de 50% da produção deste sub-continente. Na mesma fi-
gura apresentam-se também os valores da produção dos dez maiores países pro-
dutores. De notar a posição destacada do Brasil como terceiro produtor mundial.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 141
produção mundial de carne (milhões de toneladas)

120
100
80
60
40
20
0
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MAIORES PRODUTORES DE CARNE (milhões de toneladas)

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Figura 4.9
Produção mundial de carne
4.5 Operações de abate e desmancha de carcaças
4.5.1 Matadouro

Descrição genérica das instalações de um matadouro


As instalações são constituídas por diferentes zonas, devendo haver uma sepa-
ração evidente entre a zona suja e a zona limpa. A zona suja é constituída pelo
local onde são recepcionados os animais, designada de abegoaria, sendo a zona
limpa, constituída pelos locais onde são manipuladas as carcaças e correspon-
dentes vísceras, merecendo esta zona um cuidado acrescido.

Abegoaria
A recepção dos animais é efectuada na abegoaria, tendo acesso pelo exterior
através do denominado circuito sujo. A abegoaria é constituída por parques in-
dividuais e cercas para bovinos, cercas para as espécies ovina, caprina e suína,
tendo os animais acesso a água potável.

142 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Sala de abate
A sala de abate dispõe de linhas de abate, uma por cada espécie animal. Esta pos-
sui zonas de insensibilização e de sangria diferenciadas e câmaras de refrigeração
para carcaças suspeitas e para carcaças rejeitadas. Em anexo à sala de abate exis-
tem alguns sectores de apoio, tal como a triparia, câmaras de refrigeração para as
vísceras e sala de tratamento de sangue.

Triparia
A triparia é o sector do matadouro anexo à nave de abate, onde são preparados
os estômagos, intestinos e patas. Consideram-se duas zonas de laboração distin-
tas, a zona de recepção, separação e esvaziamento – zona suja e, a zona de lava-
gem e acabamento – zona limpa. Os estômagos e intestinos ao chegarem à zona
de recepção são separados, sendo que dos intestinos, apenas são aproveitados
para consumo os dos suínos (produção de tripa natural para enchidos), pois os in-
testinos das restantes espécies animais são retirados do consumo e aproveitados
como subprodutos (p. ex. farinha de carne). Neste sector, as patas são preparadas
em máquinas rotativas e com água quente.

Cadeia de frio
No seguimento das linhas de abate, após as carcaças deixarem a sala de abate,
segue-se a zona de frio. Esta poderá ser constituída por câmaras de duplo regime
(para refrigeração rápida e para conservação) e uma zona refrigerada destinada à
expedição do produto final.

Sala de desmancha
No final das instalações, e após o corredor das câmaras de refrigeração encontra-
-se a sala de desmancha. Esta sala dispõe também de câmaras para a armazena-
gem separada da carne embalada e da carne exposta, existindo ainda no corredor
de frio uma câmara de apoio à desmancha, onde é armazenada a carne enquanto
aguarda a entrada na sala de desmancha, à medida que vai sendo necessária.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 143
Estruturas de apoio
No exterior do edifício deverão existir várias infra-estruturas de apoio às activi-
dades que aqui são efectuadas tais como:

Equipamentos para a lavagem das viaturas de transporte de animais vivos


Equipamentos para a lavagem das viaturas de transporte de carne
Uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) que promove o tratamento dos resíduos líquidos produzidos,
que são posteriormente lançados no depósito de água tratada, sendo usada para rega, na própria ETAR e na lava-
gem de pavimentos circundantes às instalações do matadouro
Locais para a armazenagem dos resíduos sólidos que são depois encaminhados ao seu destino final

O matadouro é definido com sendo um estabelecimento para abate e preparação de


animais cuja carne se destina ao consumo humano. Como tal, este necessita de condições
e regras específicas para o decorrer das actividades ali efectuadas.

4.5.2 Avaliação dos perigos associados às linhas de abate


A carne é um alimento no qual podem ser identificados uma série de perigos
físicos, químicos e biológicos. No entanto, são considerados de maior risco os
perigos biológicos. Nas carnes frescas podem-se desenvolver uma grande va-
riedade de microrganismos, quando as condições do meio assim o permitirem,
em especial germes indesejáveis de alteração e, alguns patogénicos. Os micror-
ganismos da flora intestinal são a principal fonte de contaminação da carne.
O intestino contém frequentemente além dos germes de alteração (enterobac-
térias, enterococos, lactobacilos, germes anaeróbios), espécies potencialmente
patogénicas.

A carne fresca possui um conjunto de factores intrínsecos propícios ao desenvol-


vimento microbiano. Entre eles destacam-se:

pH
disponibilidade em água (aw)
nutrientes disponíveis

144 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Estes factores conseguem proporcionar aos microrganismos patogénicos as con-
dições óptimas para o seu desenvolvimento, uma vez que, na carne, os valores
dos seus parâmetros encontram-se dentro da gama óptima ao desenvolvimento
microbiano. No caso concreto do pH, na carne, ele pode variar entre 5,1 e 6,4
estando o pH óptimo de desenvolvimento da grande generalidade dos micror-
ganismos situado entre 4 e 7,5. No caso da actividade da água, este parâmetro na
carne ronda os 0,98 - 0,99 sendo o valor mínimo para o desenvolvimento micro-
biano cerca de 0,75. Logo o valor do aw da carne é favorável ao desenvolvimento
de microrganismos. Relativamente aos nutrientes disponíveis, a carne é rica em
proteínas e lípidos e pobre em glícidos, sendo em primeiro lugar um terreno
propício ao desenvolvimento das espécies proteolíticas (capazes de hidrolisar as
proteínas em aminoácidos).

Por outro lado, os principais factores extrínsecos favoráveis ao desenvolvimento


microbiano são:

temperatura
humidade do ar ambiente
composição da atmosfera

Teoricamente, existe possibilidade de alteração nos alimentos (por consequência


do desenvolvimento de floras microbianas indesejáveis), quando estes se encon-
tram a temperaturas compreendidas entre - 5 ºC e 60 ºC se as restantes condições
forem favoráveis, uma vez que existem microrganismos com diferentes preferên-
cias térmicas:
Psicrófilos (- 5 ºC a 15 ºC), mesófilos (10 ºC a 40 ºC) e termófilos (43 ºC a 66 ºC). O
factor temperatura merece pois especial atenção.
Uma humidade ambiente elevada favorece também a proliferação dos micror-
ganismos, especialmente à superfície dos alimentos. No entanto, no caso de
produtos frescos, como a carne, o fenómeno mais comum é a desidratação da
superfície que conduz frequentemente a uma deterioração física do produto
(endurecimento), sendo portanto necessário manter uma humidade elevada no
ar ambiente (aproximadamente 80% H.R.), mesmo que para isso seja necessário
intervir sobre outros factores (temperatura, gases da atmosfera) para retardar o
desenvolvimento microbiano.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 145
Desenvolvimento de perigos durante o processo de produção e abate
Os músculos de um animal vivo, em bom estado de saúde, são normalmente
isentos de microrganismos. Apesar de, no animal vivo e de boa saúde, existi-
rem mecanismos de defesa que impedem a propagação destes microrganismos
nos tecidos internos, de forma que a carne seja originalmente estéril, podem-se
verificar casos em que os tecidos sofram de doenças infecciosas e contenham
germes patogénicos, podendo desta forma transmitir zoonoses, ou seja a sua
doença aos seres humanos, sendo a carne consumida o veiculo transmissor. As-
sim, a inspecção veterinária levada a cabo por pessoal treinado é essencial para
a garantia da segurança.

A contaminação da carne faz-se principalmente durante o abate e a preparação


das carcaças. Durante o abate, evisceração e corte das carcaças, os microrganis-
mos podem alcançar a superfície e o interior do músculo. O stress e os traumatis-
mos no momento do abate, tal como uma evisceração tardia (as vísceras devem
ser removidas nos trinta a quarenta e cinco minutos que se seguem ao abate)
amplificam a passagem de germes intestinais para a carne.

A contaminação superficial mais significativa da carne ocorre no momento em


que se retira a pele, na evisceração e no corte. Os germes provêm principal-
mente do próprio animal (flora da pele, dos intestinos), do material utilizado, da
água que serve para a limpeza das carcaças, do ar ambiente e das pessoas que
manipulam estes produtos.

O nível de higiene em todas etapas da preparação das carnes terá uma influên-
cia primordial sobre a carga microbiana final. Embora a carne constitua um bom
meio de cultura para os microrganismos, determinadas características retardam
a invasão das carcaças pelos microrganismos, tais como a presença de numero-
sas barreiras físicas (tecido conjuntivo, camadas de gordura), a dessecação das
zonas superficiais (abaixamento da aw à superfície) e o abaixamento do pH da
massa muscular durante a armazenagem.

No decorrer do processo de abate podem surgir diversos perigos, que podem


contribuir para uma segurança e qualidade inaceitáveis perante o consumidor.

146 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Perigos biológicos Bactérias, fungos, priões, vírus e parasitas

Perigos químicos Pesticidas, medicamentos (antibióticos, promotores de crescimento), agentes de limpeza/desinfecção, metais pesados

Perigos físicos Vestígios de ossos, cerdas, vidros, metais, objectos de uso pessoal

A carne possui um conjunto de factores propícios ao desenvolvimento microbiano, sendo por isso um produto facilmente
Perigos biológicos
atacado por diversos microrganismos patogénicos.

Entre eles destacam-se principalmente:

Bactérias
Entre os microrganismos responsáveis por doenças alimentares, as bactérias es-
tão de longe mais frequentemente em causa. Entre as características óptimas de
desenvolvimento destes microrganismos, destacam-se uma aw óptima de desen-
volvimento entre 0,75 e 1, pH óptimo de 7 e a temperatura que varia consoante
as preferências térmicas (descritas anteriormente). Algumas bactérias estão a ter
uma incidência cada vez menos frequente, e outras estão a emergir rapidamente.
Mudanças nos métodos de criação, nos modos de preparação e de conservação
dos alimentos, assim como nos hábitos alimentares podem explicar este fenóme-
no, tal como as modificações nas próprias estirpes bacterianas ou das técnicas
de detecção microbiológica. Das principais bactérias que afectam, contaminam e
alteram a carne, destacam-se as apresentadas na tabela 4.1.

Características óptimas de desenvolvimento


Bactéria Reservatório
pH aw Temperatura (ºC)
Staphylococcus aureus 6–7 0,98 7 - 47 Aberturas do corpo e superfícies da pele
Shigella spp. 4,9 – 9,3 0,97 37 Tracto intestinal
Clostridium perfringens 5,5 – 8 0,92 – 0,99 37 – 45 Tracto intestinal
Salmonella spp. 6,6 – 8,2 0,94 – 0,99 37 – 45 Tracto intestinal
Campylobacter spp. 6,5 – 7,5 0,99 37 – 42 Tracto intestinal
Escherichia coli 6–7 0,99 35 – 40 Tracto intestinal
Yersinia enterocolitica 7,2 0,97 28 – 30 Tracto intestinal
Listeria monocytogenes 7 0,92 30 – 37 Tracto intestinal
Leptospira spp. 7 0,92 30 – 37 Estrutura tubular de rins de mamíferos

tabela 4.1
Flora patogénica bacteriana
mais relevante na carne

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 147
Fungos
Alguns fungos são agentes de intoxicação alimentar devido às micotoxinas que
produzem. As micotoxinas são os metabolitos tóxicos elaborados por determi-
nados fungos durante o seu crescimento sobre os alimentos. Algumas são mu-
tagénicas e cancerígenas, outras danificam órgãos específicos, principalmente
o fígado, os rins e o sistema nervoso, outras ainda agem sobre a reprodução
(aborto, esterilidade). Entre as características óptimas de desenvolvimento des-
tes microrganismos, destacam-se uma aw óptima de desenvolvimento entre 0,61
e 0,95, temperaturas entre os 12 ºC e os 38 ºC e um pH que varia entre 5,6 e 7,
bem como, a presença de oxigénio.

Neste grupo, os produtores de aflatoxinas são consideradas como os mais rele-


vantes (ver capítulo 2).

Priões
O prião é um agente infeccioso proteico. É portanto, uma proteína com capaci-
dade de modificar outras proteínas tornando-as cópias de si própria. Os priões
não possuem ácidos nucleicos (DNA ou RNA). São conhecidas treze espécies de
priões, das quais três atacam fungos e dez afectam mamíferos. A sua prolifera-
ção é extremamente rápida e causa as denominadas Encefalopatias Espongifor-
mes Transmissíveis (EET), doenças cujo sintoma mais comum é a demência. Os
priões são os agentes patogénicos de menor dimensão conhecidos, podendo
apenas ser observados recorrendo aos mais potentes microscópios electrónicos.

Os priões são formas alteradas de proteínas normais, as quais estão presentes


no cérebro de mamíferos. Sabe-se que este agente etiológico é diferente dos
demais agentes infecciosos (fungos, bactérias e vírus), uma vez que se verificou
que a propagação das doenças em cirurgias ocorria mesmo com a utilização de
métodos comuns de assepsia sobre os instrumentos, embora fosse interrom-
pida quando se utilizavam métodos de desnaturação ou degradação proteica,
sugerindo que o agente transmissor seria constituído basicamente por proteína.

148 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Os priões foram identificados como causadores de várias doenças neurológicas
letais, geralmente com períodos de incubação prolongados, que antes eram atri-
buídas a vírus de lenta proliferação.

A infecção pelas proteínas patogénicas pode ocorrer essencialmente, por três for-
mas: hereditariedade, uso de material cirúrgico contaminado ou por consumo
de carne de animais infectados. Deve-se destacar o perigo que as infecções por
priões representam, já que estes agentes são mais resistentes à destruição que
qualquer outro agente patogénico conhecido. Estes são duradouros e estáveis e
não podem ser neutralizados por radiação e, para além disso, não existem proce-
dimentos de rotina que visem detectá-los.

BSE – A doença das vacas loucas

Os priões são responsáveis pelas doenças classificadas como encefalopatias espongiformes transmissíveis, que re-
cebem este nome devido ao aspecto de esponja adquirido pelo tecido nervoso cerebral atingido pelas doenças. Nos
humanos, a doença que se suspeita ser de origem alimentar é a variante da doença de Creutzfeld-Jacobs. Esta variante
assim como a doença dos bovinos BSE: Bovine Spongiform Encephalopathy (Encefalopatia Espongiforme Bovina), também
conhecida por “doença das vacas loucas”, parecem ser causadas pelo mesmo agente. Após um período de incubação de
alguns anos, esta doença resulta numa neurodegenerescência irreversível que se torna na causa da morte.

Os meios mais fiáveis para diagnosticar a encefalopatia espongiforme transmis-


sível são os exames microscópicos do tecido cerebral sendo este procedimento
efectuado post-mortem. A ingestão dos tecidos considerados de alto risco (cére-
bro e espinal medula) parece ser a fonte da doença humana. No entanto a carne
e o leite, se estiverem livres dos tecidos do sistema nervoso central não mostram
ser infecciosos.

A alimentação de animais com produtos de origem animal (farinhas de carne) in-


fectados com esta doença causaram a encefalopatia espongiforme bovina epidé-
mica. Estas práticas foram proibidas, de forma a minimizar a sua proliferação.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 149
Vírus
Determinadas infecções virais podem ser transmitidas pela água e pelos alimen-
tos como sejam os casos da hepatite infecciosa (hepatite A), da poliomielite e
vários tipos de gastroenterites viróticas. Os vírus, ao contrário das bactérias e
dos fungos, não podem multiplicar-se nos alimentos, apenas os usam como
transporte. O número de partículas virais infecciosas tem tendência a diminuir
durante a armazenagem ou durante o tratamento da água e dos alimentos. Em
contrapartida, a dose necessária para provocar doença é frequentemente muito
mais baixa do que no caso das bactérias.

A incidência de infecções virais transmitidas pela água e pelos alimentos é difi-


cilmente avaliada com precisão, já que os vírus não podem ser cultivados nos
meios utilizados rotineiramente em microbiologia. A observação ao microscó-
pio electrónico das fezes dos doentes e determinados testes serológicos são as
únicas ferramentas eficazes para confirmar o diagnóstico. Uma vez que estes
testes são pouco comuns, as pesquisas epidemiológicas raramente permitem
confirmar a etiologia, daí a incerteza quanto à incidência real das infecções virais
transmitidas pelos alimentos.

Para provocar uma infecção alimentar, o vírus deve ser relativamente estável em
relação às condições ambientais, resistir à acidez do estômago e às enzimas di-
gestivas. É por isso que os tipos de vírus em causa são em número relativamente
restrito. Os vírus entéricos propagam-se por via oral e fecal pois as pessoas infec-
tadas emitem grandes quantidades de partículas virais nas fezes.

A água contaminada por matérias fecais parece ser um veículo extremamente


importante para os vírus entéricos pois estes podem nela permanecer durante
várias semanas. A contaminação pode ocorrer no momento da lavagem com
uma água contaminada ou durante as manipulações por uma pessoa infectada.
A falta de higiene pessoal aumenta a frequência de transmissão pelos portadores.

Parasitas
Parasita é todo o ser que vive à custa de outro, prejudicando-o. O hospedeiro é
o locus ecológico imediato do parasita. Relativamente à localização do parasita,
podem-se considerar dois tipos de parasitas: ectoparasita e endoparasita.

150 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
• Ectoparasita é um parasita exterior, sobretudo da pele, de que são exem-
plo as pulgas e a carraças;
• Endoparasita é um parasita que se localiza interiormente no hospedei-
ro. Dentro desta classificação existem os parasitas intestinais, que como o
nome indica se instalam no intestino do hospedeiro, os parasitas do san-
gue que vivem no sangue como os hematozoários e, os parasitas dos ór-
gãos e tecidos que têm localizações específicas e podem ser encontrados
em quase todo o organismo.

Os parasitas podem ter acesso ao organismo de várias formas. Por via bucal, cutâ-
nea, aérea, auditiva, ocular, rectal e por via genital. Os parasitas potencialmente
perigosos para o Homem, são de três grupos de organismos: protozoários, os
vermes redondos (nematelmintes) e os vermes chatos (platelmintes). Tal como
os vírus, os parasitas presentes nos alimentos não podem multiplicar-se neles,
contudo a dose infecciosa é extremamente reduzida podendo uma única larva
provocar uma parasitose. O efeito sobre a saúde varia consideravelmente confor-
me o tipo e o número de parasitas ingeridos.

Vários parasitas, especialmente no caso dos protozoários, transmitem-se por via


fecal-oral. A contaminação da água e dos alimentos por matérias fecais permite
a propagação das infecções parasitárias. Outros parasitas, sobretudo no caso dos
vermes, podem estar presentes sob a forma de quistos nos músculos dos animais
que nos servem de alimento. Caso o alimento seja ingerido cru ou se a cocção for
incompleta, o parasita permanece vivo e pode prosseguir o seu ciclo dentro do
organismo humano, ocasionando uma parasitose.

Neste caso específico, consideraram-se como mais relevantes os seguintes para-


sitas:

Trichinella spiralis Echinococcus granulosus

Taenia saginata Fasciola hepatica

Taenia solium Sarcocystis spp.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 151
Os perigos químicos são responsáveis por problemas de saúde. No entanto, estes não apresentam um risco tão elevado
como os perigos biológicos. Nesta categoria de perigos inclui-se um vasto conjunto de perigos de origens diversas, des-
de perigos associados directamente às características das próprias matérias-primas, até perigos introduzidos durante os
Perigos químicos
processos. Destacam-se pesticidas químicos, medicamentos veterinários (antibióticos, promotores de crescimento), metais
pesados e agentes de limpeza/desinfecção. Estas substâncias, quando ingeridas pelo consumidor podem provocar doenças
de gravidade variável, consoante a substância em questão, e a quantidade presente no alimento.

Pesticidas químicos
Este parâmetro, tal como qualquer outro que possa acarretar perigos para o
consumidor, deve ser controlado. Os pesticidas químicos utilizados podem ser
classificados de acordo com a praga que se pretende que o mesmo destrua.
Existem portanto, acaricidas (ácaros), bactericidas (bactérias), fungicidas (fungos),
herbicidas (ervas daninhas), insecticidas (insectos), nematicidas (nematelmintes),
raticidas (ratos e outros roedores).

O uso destes produtos obedece à observância de limites relativamente às con-


dições de aplicação, assim como concentrações máximas e intervalos de segu-
rança para que o alimento não contenha resíduos e consequentemente, não
apresente risco inaceitável para o consumidor.

Medicamentos veterinários
A presença destes produtos nos alimentos pode causar diversos problemas para
a saúde do consumidor, tais como desenvolvimento de reacções alérgicas vio-
lentas, redução da eficácia dos antibióticos no tratamento de infecções, ou até
desenvolvimento de doenças associadas à toxicidade do produto e mutações
que podem ocorrer, conduzindo eventualmente a doenças de natureza cance-
rígena.
Relativamente aos antibióticos, a longo prazo, o consumo de carne com resíduos
destas substâncias, mesmo em concentrações baixas, pode prejudicar a saúde
humana, com a possibilidade de desenvolvimento de reacções tóxicas ou alérgi-
cas em indivíduos susceptíveis. Para além do risco toxicológico, a exposição do
consumidor aos resíduos de antibióticos pode gerar um aumento da resistência
das bactérias, daí a importância dos registos dos medicamentos aplicados e do
respeito pelos intervalos de segurança dos fármacos em causa.
Os promotores de crescimento tiveram durante muito tempo grande importân-
cia na produção de proteína animal, devido às inúmeras vantagens que ofe-
reciam. Destacam-se os anabolizantes, que são produtos à base de hormonas

152 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
(naturais ou sintéticas), que actuam directamente nas células musculares, provo-
cando um maior aproveitamento das proteínas dos alimentos através da reten-
ção de nitrogénio e eliminação de gordura. Este processo acaba por favorecer o
crescimento dos músculos. O uso destes produtos está, actualmente, proibido.

Entre os perigos físicos mais frequentes é possível enumerar materiais de natureza diversa. No caso concreto do matadouro
os perigos mais relevantes são cerdas, esquírolas ósseas, pedras, metal e objectos vários de uso pessoal. A contaminação com
Perigos físicos
objectos estranhos é introduzida no decurso das actividades exercidas. No entanto, o risco que advém destes perigos não é,
normalmente, considerado como muito relevante apesar de ter de ser considerado para avaliação do processo.

Metais pesados
A contaminação por metais pesados pode constituir um grave risco para a saúde
do consumidor, na medida em que o organismo humano tem dificuldade em
eliminar estes elementos, que tendem a acumular-se em determinados órgãos do
corpo. Alguns dos metais pesados para os quais os teores máximos admissíveis
estão definidos são: chumbo, cádmio e o mercúrio.
Esta contaminação era anteriormente mais frequente devido ao contacto dos
alimentos com materiais do equipamento como o cobre, com o chumbo de ca-
nalizações, com os materiais de embalagem e ainda por utilização de água con-
taminada por metais pesados. No entanto, a evolução do conhecimento técnico-
-científico e as alterações ao nível da legislação conduziram a uma redução de
contaminações por metais pesados.

Agentes de limpeza/desinfecção
A limpeza e desinfecção são etapas muito importantes, sendo para isso necessá-
rio que todas as instalações, equipamentos e utensílios sejam devidamente higie-
nizados, utilizando os meios de limpeza e desinfecção que permitam assegurar
a conservação, preparação e confecção em condições adequadas de higiene. No
entanto resíduos destes produtos nos alimentos podem originar problemas para
a saúde do consumidor. Daí a importância de elaborar planos de higienização
adequados aos processos e equipamentos e de os respeitar.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 153
É de grande relevância um conhecimento detalhado das linhas de abate, assim como de todas as tarefas efectuadas em cada ope-
ração, de forma a analisar e avaliar os perigos que daí decorrem.
Seguidamente são explicadas todas as operações que fazem parte de linhas de abate de bovinos, de suínos e de aves, fazendo-se
a descrição de todas as tarefas efectuadas nessas operações.

4.5.3 Processos de abate


As operações que se descrevem seguidamente visam descrever as situações que
ocorrem em diferentes espécies. Note-se que algumas delas apenas são aplicá-
veis a algumas delas (p.ex. o escaldão e o chamusco nos suínos).

Recepção
A recepção dos animais dos vivos é efectuada na abegoaria, tendo os animais
obrigatoriamente em todas, acesso a água potável em livre arbítrio. Deve existir
também local para estabulação de ovinos/caprinos, suínos e bovinos suspeitos.

Atordoamento
Nesta fase, o animal é conduzido da abegoaria para o local de atordoamento,
através de uma manga compartimentada. O atordoamento ao provocar no ani-
mal um estado de inconsciência e ausência de dor, facilita o manuseamento
por parte dos operadores, salvaguarda a qualidade da carne e permite a morte
do animal sem dor nem sofrimento. Consoante a espécie, utilizam-se diferentes
processos de atordoamento:
• o tiro na cabeça, aplicado nos bovinos, onde é usada uma pistola de êm-
bolo perfurante e retráctil, aplicado num ponto especifico na região fron-
tal, de modo a destruir parte do córtex cerebral;
• a electronarcose, nos suínos e pequenos ruminantes (por vezes também
em bovinos de pequeno porte), que consiste na aplicação de uma corren-
te eléctrica alterna, através de equipamentos adequados, aplicados em
dois pontos específicos do crânio do animal.

154 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
• no caso dos suínos, usa-se também a insensibilização com dióxido de car-
bono (CO2). As vantagens invocadas pelos utilizadores deste método rela-
cionam-se com menores probabilidades de lesões dos animais durante o
processo e, na menor incidência de carnes PSE.

Sangria
É nesta operação que o animal efectivamente morre, por esgotamento sanguí-
neo, após o corte dos vasos do pescoço, nomeadamente a veia cava anterior.
Existem duas técnicas para efectuar esta tarefa, podendo ser vertical ou horizon-
tal, onde respectivamente o animal está suspenso na via aérea ou deitado sobre
uma superfície. Em todas as espécies, idealmente, efectua-se a sangria vertical. O
sangue proveniente desta operação cai no sangradouro, a partir do qual é con-
duzido para um depósito de recolha, sendo posteriormente encaminhado para
subprodutos.
No caso do sangue para consumo humano, é feito o golpe com a faca vampiro,
sendo o sangue sugado por um sistema de bomba pneumática para dois depó-
sitos. São feitos lotes de um determinado número de animais e, após aprovação
da totalidade dos animais pertencentes ao lote, o lote de sangue é aprovado para
consumo. Em seguida e após aprovação, o sangue é transferido para recipientes
devidamente lavados e desinfectados aprovados para uso alimentar.

Lavagem pós sangria


Os suínos depois de sangrados, entram num túnel de lavagem vertical, onde são
aplicados jactos de água fria para eliminar resíduos de sangue e sujidade.

Escaldão
Depois de o suíno ser adequadamente lavado, é submetido ao escaldão, sendo
efectuado num túnel de escaldão com água quente a uma temperatura de 62 ºC.
Esta operação tem como objectivos facilitar a remoção dos pêlos e da primeira
camada da pele, contribuindo também para inibir a proliferação microbiana.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 155
Depilação
Logo de seguida o suíno entra na depiladora, composta por pás de borracha.
No seu batimento, as pás de borracha retiram do corpo do animal a camada
superficial da pele, bem como os pêlos (cerdas). Após esta operação, o suíno
é lançado para cima de uma superfície (mesa de recepção), onde o operador
efectua a remoção das unhas e aplica o gancho de suspensão.

Secagem
Após a depilação, o animal é submetido a um processo de secagem, para re-
moção da água, a fim de facilitar o chamusco.

Chamusco
Esta operação é feita pela acção de bicos de gás, que atingem entre 450 ºC a
700 ºC, sendo estes activados através de uma célula sensível à passagem do
animal. A superfície do corpo do suíno é chamejada, para eliminar as cerdas
restantes, promover a assepsia e valorizar o aspecto comercial da carcaça. O
processo de chamusco também pode ser efectuado com o auxílio de uma
botija de gás e de um maçarico (processo manual).

Lavagem
Após as operações anteriores e antes da evisceração, o suíno é submetido a
uma última lavagem, num túnel de lavagem com água a cerca de 40 - 50 ºC,
com o objectivo de minimizar contaminações.

Esfola
Esta operação consiste na remoção completa da pele do animal, por processos
mecânicos e é efectuada nas espécies bovina, ovina e caprina. Processa-se em
plataformas estrategicamente colocadas ao longo das linhas e inicia-se após o
corte dos cornos, extremidades podais anteriores e cabeça, sendo esta manipu-
lada separadamente e evitando qualquer contaminação da carne. O corpo do
animal está suspenso, ou seja trata-se de um processo de esfola vertical. Duran-
te a esfola são também retirados os órgãos uro-genitais externos e o úbere, que
são posteriormente enviados para os materiais rejeitados. Em matadouros de
pequenas dimensões pode ser efectuada em plataformas horizontais (figura
4.13).

156 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Evisceração
É o processo de remoção das vísceras das cavidades pélvica, abdominal e toráci-
ca. Inicia-se com a incisão abdominal ao longo da linha branca (corte longitudinal
ao longo da barriga) e exteriorização da bexiga e útero (no caso das fêmeas),
intestinos, pâncreas, estômago, fígado e baço, seguida da sua separação do cor-
po do animal. No caso dos suínos a evisceração inicia-se com o isolamento do
ânus por corte circular dos tecidos vizinhos; nos machos, são retirados os órgãos
sexuais externos, por incisão das bolsas e remoção dos testículos, assim como do
pénis, sendo depois efectuado o mesmo procedimento de incisão abdominal.
Numa operação posterior é realizada e evisceração torácica, por exteriorização e
separação do corpo do animal dos pulmões, coração, traqueia e esófago.
As vísceras abdominais (estômago, pâncreas e intestinos) são conduzidas ao local
de inspecção, através de equipamentos com um movimento sincronizado, com o
movimento da cadeia que transporta as carcaças. As vísceras torácicas (pulmões,
esófago e traqueia) bem como algumas miudezas (coração, língua, baço e fígado)
são suspensas numa plataforma acompanhando a carcaça e as vísceras abdomi-
nais correspondentes para posterior inspecção (figura 4.35).
Consoante o resultado da inspecção, as carcaças, os dois tipos de vísceras e as
miudezas seguem diferentes circuitos e destinos.

Corte da carcaça
Nos suínos (adultos) e bovinos é feita a divisão longitudinal da carcaça com o
auxílio de uma serra mecânica, sendo posteriormente feita a sua lavagem para
remover resíduos de sangue e esquírolas ósseas. No caso dos suínos esta divisão
inclui também a cabeça.

Acabamento
Esta operação consiste num conjunto de tarefas, cujos objectivos passam por
melhorar a higiene da carcaça e valorizar o aspecto comercial da mesma. Existem
dois processos de limpeza efectuada nesta fase:

É retirada a rilada e feita a separação do rim e gordura adjacente; o rim é enca-


Limpeza alta
minhado para consumo e a gordura adjacente à rilada é considerada subproduto
Remoção da gordura do dianteiro, retirada da gordura superficial do peito, uma
Limpeza baixa
vez que esta zona contacta com as plataformas ao longo da linha

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 157
No caso dos suínos é feita a limpeza da ferida de sangria, onde são removidos
partes de tecido que apresentem um aspecto demasiado dilacerado. Nesta
operação é tido em conta além do aspecto visual da carcaça, a extensão da
possível contaminação provocada pela operação de sangria.

Refrigeração
Após a preparação da carcaça, a temperatura no interior das suas massas mus-
culares é de cerca de 38 °C (35 °C a 40 °C), dependendo da espécie animal. As
carcaças aprovadas para consumo, são conduzidas imediatamente para as câ-
maras frigoríficas, onde a temperatura é reduzida, para limitar o desenvolvi-
mento microbiano.

Para que as carcaças atinjam a temperatura de expedição, ou seja, a tempera-


tura a que deve estar o interior das suas massas musculares no momento em
que deixam o matadouro, estas são sujeitas numa primeira fase a um arrefe-
cimento superficial brusco – arrefecimento rápido à superfície. Posteriormen-
te passa-se a uma fase de arrefecimento seguinte – fase de equalização ou
de estabilização, que ocorre quando o interior das massas musculares atinge
a temperatura de 7 °C durante a refrigeração. Estas fases de refrigeração das
carcaças podem processar-se na mesma câmara frigorífica (câmara de duplo
regime) ou em duas câmaras distintas.

Expedição
Esta operação consiste na distribuição das carcaças/vísceras pelos pontos de
destino correspondentes. As carcaças são encaminhadas para a zona de expe-
dição, onde são cortadas e posteriormente colocadas em veículos com caixa
de transporte fechada e refrigerada (carros frigoríficos) para serem distribuídas
pelos vários pontos de destino.

158 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
bovino vivo

recepção

atordoamento

sangria sangue

esfola couro

vísceras vermelhas evisceração vísceras brancas


cabeça patas
corte da carcaça

medula acabamento rilada

refrigeração

expedição

carne de bovino
refrigerada

figura 4.10
Fluxograma do processo de
abate de bovinos

Inspecção veterinária

A inspecção veterinária dos animais em vida e durante as operações de abate é um processo fundamental para a garantia da segurança da
carne. A inspecção veterinária permite detectar a presença de doenças infecciosas de origem bacteriana e parasitária, garantindo um controlo
efectivo antes de a carne abandonar o matadouro. Esta operação deverá ser efectuada por veterinários com experiência, auxiliados por pesso-
al ligado à linha de abate que tenha recebido treino específico. Nos casos em que não é possível dispor de um veterinário para a efectuar (p. ex.
abates caseiros em zonas rurais) deverá haver um cuidado especial em observar o estado de saúde do animal em vida e, observar atentamente
se aparece algum indicador de doença na carcaça (p. ex. gânglios linfáticos inflamados ou com pus - ver localização na figura 4.16).

4.5.4 Abate e características da carne de bovinos

4.5.4.1 Processo de abate


Durante o processo de abate de bovinos são executadas as operações acima re-
feridas (com excepção daquelas que são exclusivas do abate de suínos). No dia-
grama de fluxo apresentado na figura 4.10 pode ser observada a sequência de
operações efectuadas no decorrer do processo de abate.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 159
figura 4.11 figura 4.12
Zona contenção de animais (abegoaria) Zona de abate: electronarcose e sangria horizontal

figura 4.13 figura 4.14


Esfola e evisceração horizontal Corte de carcaças suspensas figura 4.16
Pormenor do modo
de suspensão
de carcaças
e localização
dos gânglios
linfáticos que devem
ser inspeccionados

isquiático

inguinal
superficial
sagrados
ilíaco externo
ilíaco interno
figura 4.15 lombares
Meias carcaças de bovino e vísceras separadas
renal

intercostais

esternal
pré-peitoral

cervicais

figura 4.17
Sangria e esfola verticais

160 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
figura 4.18
Abertura do peito e evisceração vertical

figura 4.19
Corte de carcaças com serra eléctrica e
entrada para o túnel de refrigeração

Identificação dos perigos e medidas preventivas associados a cada etapa.


Na tabela 4.2 são descritos os perigos considerados em cada etapa, tal como as
suas origens. Para tal é feita uma análise detalhada dos problemas que ocorrem
com mais frequência e, qual o motivo da sua ocorrência.

Após a análise anterior, determinam-se medidas preventivas que visam a elimi-


nação ou a diminuição da ocorrência dos perigos em questão. Estas medidas
encontram-se descritas na tabela 4.3.

4.5.4.2 Classificação de carcaças de bovino


Os sistemas actuais de classificação de carcaças baseiam-se sobretudo em de-
cisões subjectivas, embora comece a ser comum o uso de medidas objectivas
como seja a determinação automática da espessura do toucinho dorsal no caso
dos suínos.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 161
etapa

Nº Descrição Perigo Origem


Biológico • Contaminações cruzadas
1 Recepção
Químico • Presença de antibióticos, promotores de crescimento e resíduos de medicamentos
2 Atordoamento • Nenhum perigo identificado
• Contaminação do exterior para o interior da carcaça pelo orifício da sangria
3 Sangria Biológico • Má sangria (resíduos de sangue na carcaça)
• Deficiente processo de esterilização da faca de sangria
• Contaminação da carcaça pela superfície exterior da pele
4 Esfola Biológico
• Esterilização inadequada das facas
• Ruptura das vísceras e consequente conspurcação da carcaça
5 Evisceração Biológico
• Não obliteração do ânus e esófago
• Contaminação da carcaça pela serra de corte
Biológico
6 Corte da carcaça • Esterilização inadequada da serra
Físico • Lavagem insuficiente das esquírolas ósseas que possam existir na carcaça após o corte
• Contaminação da carcaça
7 Acabamento Biológico • Extracção inadequada da medula
• Encaminhamento demorado para a refrigeração
• Temperatura das câmaras inadequada
Biológico • Contaminações entre carcaças
8 Refrigeração
• Higienização inadequada das câmaras
Químico • Resíduos de agentes de limpeza/desinfecção
9 Expedição Biológico • Temperatura das viaturas de transporte inadequada

tabela 4.2
Identificação dos perigos
e suas origens

O uso de instrumentos com sensores que permitem fazer determinações ob-


jectivas como sejam a profundidade de gordura e do músculo são, cada vez
mais, um auxílio importante para os inspectores. Estes instrumentos podem
basear-se em sensores fotoeléctricos, análises de ultrassons, análises de ima-
gens de vídeo ou determinações de propriedades eléctricas da carcaça. Quan-
do os animais são muito jovens têm uma maior proporção de peso em osso e
vísceras e, portanto, o rendimento da carcaça é mais baixo. Ao crescer, incorpo-
ram mais massa muscular e o rendimento em carne aumenta.

A classificação explícita de rendimentos baseia-se num princípio simples es-


tabelecido por Callow em 1948, segundo o qual, o rendimento em carne é
directamente proporcional ao peso da carcaça e, inversamente proporcional
ao teor de gordura da mesma (Swatland, 1995). As figuras seguintes, baseadas
neste princípio, apresentam valores aproximados da relação músculo/gordura
e osso/gordura em carcaças.

As avaliações subjectivas do grau de musculação (maneira como o músculo


sobressai do perfil da carcaça) são bastante úteis para a classificação.

162 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Etapa Medidas preventivas
• Separação dos animais considerados suspeitos ou que apresentem sintomas de doença
• Formação dos operadores no cumprimento das tarefas
Recepção
• Registos sanitários do animal
• Cumprimento do disposto nos pré-requisitos (pré-requisitos relativos à produção primária)
• Formação dos operadores
Sangria • Existência de esterilizadores de facas bem localizados
• Esterilização adequada das facas entre cada sangria
• Formação dos operadores
• Utilização de equipamentos adequados
Esfola
• Esterilização das facas entre cada animal
• Existência de esterilizadores de utensílios bem localizados
• Execução adequada da tarefa
Evisceração • Remoção das vísceras de forma adequada, evitando que ocorra a ruptura destas e consequentemente
a conspurcação da carcaça
• Esterilização da serra de corte antes de cada utilização
Corte da carcaça
• Lavagem adequada da carcaça removendo as esquírolas ósseas
• Formação dos operadores
• Refrigeração imediata da carcaça
Acabamento
• Limpeza da conspurcação que exista na carcaça
• Retirada da gordura da base do peito que tem contacto com as plataformas
• Medições diárias das temperaturas das câmaras
• Calibração periódica dos termómetros
Refrigeração • Câmaras específicas para cada espécie
• Cumprimento do plano de higienização
• Lavagem adequada das câmaras, removendo todos os resíduos de agentes de limpeza/desinfecção
tabela 4.3
Medidas
• Controlo das temperaturas do transporte
preventivas Expedição • Manter as portas das caixas transportadoras abertas durante o tempo estritamente necessário
aplicáveis a
cada perigo
• Cumprimento do plano de higienização

relação aproximada entre músculo e gordura em carcaças


bovino e suíno

70
60
% dos componentes

50
40
30
20
10
0
% de músculo % de gordura

figura 4.20
Relação músculo/gordura
em carcaças

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 163
relação aproximada entre osso e gordura em carcaças
bovino e suíno

50

40
% do componente

30
> 25% 21% 18%
20

10

0
% de osso % de gordura
15% 7.5% 5%

figura 4.21 figura 4.22


Relação osso/gordura Padrões de marmoreado
em carcaças

Em teoria, os três factores principais usados actualmente para determinar o


valor de uma carcaça são, o seu peso, o seu rendimento em carne e, a própria
qualidade organoléptica da carne.

Em alguns países utilizam-se três factores determinantes para a classificação


das carcaças:

1 O sexo ou o tipo de animal

2 A sua idade ou maturidade

3 O grau de marmoreado da carne, ou seja, a quantidade de gordura intramuscular nos principais músculos

No que diz respeito aos primeiros factores, embora as classificações variem de


local para local, a divisão entre carne de novilho, touro e vitela ou vaca tende
a ser a mais usada.

No que se refere ao terceiro factor, nos Estados Unidos, ele é determinado, de


forma subjectiva, procurando avaliar a percentagem da área de corte da car-
ne que contém gordura intramuscular: muito abundante (> 25%); abundante
(21%); moderadamente abundante (18%); ligeiramente abundante (15%) mo-
derada (11%); modesta (7,5%); baixa (2,5%); ligeira (1,5%); vestigial (0,5%) (Swa-
tland, 1995). A figura 4.22 apresenta o aspecto de padrões dos diferentes graus
de marmoreado definidos pelo departamento de agricultura dos EUA.

Nos bovinos adultos, os fascículos musculares que formam o grão da carne


agrupam-se em grandes unidades facilmente detectadas. No caso dos animais
mais jovens os fascículos são mais pequenos dando origem a um granulado

164 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
menor que dá um aspecto mais firme à carne. Normalmente, este tipo de gra-
nulado é sinónimo de carne mais tenra.

Sistemas de classificação adoptados

União Europeia (EUROP)


Actualmente o regulamento Europeu permite a tipificação de carcaças somen-
te por avaliações subjectivas feitas por técnicos treinados e licenciados. Desde
1990, os europeus vêm desenvolvendo trabalhos de pesquisa e investindo se-
riamente no desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar o sistema de
classificação utilizado.

O sistema europeu de classificação, chamado EUROP é composto por avalia-


ções de maturidade, grupo sexual, musculatura e acabamento de gordura. Os
animais são separados em cinco grupos diferentes de maturidade, de 1 (mais
novo) a 5 (mais velho), através da avaliação da ossificação dos ossos e carti-
lagens da carcaça. Existem cinco grupos sexuais, porque o desenvolvimento
corporal também influencia esta classificação. Também há cinco categorias de
acabamento.

Categoria Observações
Presença de cartilagem na parte dorsal do processo espinhoso, vasos sanguíneos claramente
1 reconhecíveis
Início do processo de ossificação com a presença de depósitos punctiformes; os vasos sanguíneos ainda perma-
2 nencem visíveis
3 Processo de ossificação em desenvolvimento
tabela 4.4
Grupos de 4 Processo de ossificação em estágio avançado
maturidade, conforme a
ossificação da carcaça 5 Completa ossificação da cartilagem da parte dorsal do processo espinhoso

Categoria Observações
JR Macho ou fêmea ainda em fase de crescimento, com carcaças pesando mais de 150 kg
Macho inteiro com desenvolvimento completo, onde já pode ser observado o começo
A da ossificação dos processos espinhosos nas quatro primeiras vértebras torácicas,
e já é claro o processo de ossificação entre a 5ª e a 9ª vértebra torácica
B Macho inteiro com desenvolvimento completo – touro
C Macho castrado com desenvolvimento completo – novilho

tabela 4.5 D Fêmea parida com desenvolvimento completo – vaca


Grupos sexuais do
sistema EUROP E Fêmea com desenvolvimento completo – novilha

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 165
Categoria Descrição Observações
1 Deficiente Nenhuma ou pouca gordura; sem depósito de gordura dentro da cavidade torácica
2 Abaixo da média Gordura escassa; musculatura visível na carcaça inteira; os músculos intercostais estão visíveis
Somente os músculos da perna e da paleta visíveis; carcaça coberta com gordura; pouca gordura interna;
3 Média
os músculos intercostais permanecem visíveis
Maior cobertura de gordura; alguns depósitos de gordura interna; faixa de gordura cobre a perna; os mús-
4 Acima da média
culos intercostais podem estar cobertos por faixas de gordura
Total cobertura com gordura; grandes depósitos de gordura interna; perna coberta com fina camada de
5 Excessivo
gordura, músculos intercostais cobertos de gordura

tabela 4.6
Categorias de acabamento
do sistema EUROP

Categoria Descrição Observações


E Primeira Perfil variando de convexo a muito convexo; extraordinária musculatura
U Alta Perfil totalmente convexo; musculatura muito boa
R Boa Perfil totalmente recto; boa musculatura
O Média Perfil variando de recto a côncavo; média musculatura
P Baixa Perfil variando de côncavo a muito côncavo; pouca musculatura

tabela 4.7
Padrões de qualidade
do sistema EUROP
Finalmente, as carcaças bovinas são classificadas de acordo com a conforma-
ção utilizando as letras da palavra EUROP, como apresentado na Tabela 4.7.

Estados Unidos (USDA)


Os padrões de classificação do USDA resumem-se em yield grades (categorias
de rendimento) e quality grades (categorias de qualidade). O yield grade está
relacionado negativamente com o rendimento de carne na desossa, e é ex-
presso em números que vão de 1 a 5 (de melhor para pior respectivamente).
Para fazer esta classificação, a carcaça é cortada longitudinalmente, separando
o lado esquerdo e o direito. Depois é feito outro corte transversal entre a 12ª e
a 13ª costela, para permitir a estimativa visual da área do olho do lombo e da
espessura da gordura de cobertura. Finalmente, estima-se o peso da gordura
renal, pélvica e torácica, expressas como uma percentagem do peso da carcaça.
Com estas medições, e com o peso quente da carcaça, obtêm-se o yield grade:

0,984 x gordura 0,20 x % de gordura 0,0084 x peso da 0,0496 x área de


YG (5) 2,5 subcutânea renal, pélvica carcaça quente olho de lombo
(em cm) e torácica (em kg) (em cm2)

166 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
yield grade % de carne dos cortes principais
1 52,6-54,6
2 50,3-52,3
3 48,0-50,0
4 45,7-47,7
5 43,3-45,4
Fêmea com desenvolvimento
E completo – novilha

tabela 4.8
Relação entre yield grade e
rendimento em carne dos cortes principais:
(traseiro, lombo, costela e paleta)

A relação entre o yield grade e o rendimento de carne nos cortes principais (tra-
seiro, lombo, costela e paleta) está apresentada na tabela 4.8.

Apesar destes cortes representarem apenas 80% da carne da carcaça, eles re-
presentam 95% do seu valor, portanto são utilizados como índice do rendimen-
to económico da mesma.

Para definir o quality grade, a classificação da qualidade, são avaliados diferentes


graus de maturidade e de marmorização. O sexo também é incluído, já que as
carcaças de machos inteiros não podem ser classificadas para as melhores cate-
gorias. Na classificação por diferenças sexuais, os machos podem ser classifica-
dos como novilhos castrados, novilhos inteiros ou touros, enquanto as fêmeas
se distinguem em novilhas ou vacas. As categorias de maturidade são:

A 9 a 30 meses
b 30 a 42 meses
c 42 a 72 meses
d 72 a 96 meses
e acima de 96 meses

Esta classificação é feita pela avaliação do tamanho, forma e grau de ossificação


dos ossos e das cartilagens da carcaça; não é observada a dentição do animal.

Como já se viu, a marmorização (marmoreio, ou marbling) é o depósito de gor-


dura intramuscular e, nos EUA, é um dos factores determinantes para a classifi-
cação da qualidade. Esta avaliação da quantidade e da distribuição da gordura
intramuscular é feita visualmente no músculo Longissimus dorsi, entre a 12ª e a
13ª costela. Para a classificação de marmoreio, usam-se cartões padrão como
o que é apresentado na figura 4.22 para assegurar maior rigor nas avaliações.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 167
Adaptado de Boggs & Merkel,1990
GRAU DE MATURIDADE  a b c d e


GRAU DE MARMOREADO
ABUNDANTE
MODERADAMENTE ABUNDANTE
LIGEIRAMENTE ABUNDANTE PRIME
MODERADO COMMERCIAL
MODESTO
BAIXO CHOICE
LIGEIRO SELECT
TRAÇOS UTILITY
AUSENTE STANDARD CUTTER
Nota: as carcaças que se situem nas células cinzentas poderão ser classificadas na classe superior ou inferior,
dependendo do seu grau de marmoreado.

figura 4.23
Matriz de classificação
de carcaças adoptado nos EUA

De acordo com o seu grau de maturidade e de marmoreado, as carcaças são


classificadas em várias classes (prime; choice; select; standard; commercial; utility;
cutter) tal como se pode observar na figura 4.23.

Para animais até 30 meses (grau de maturidade A) e sem defeitos visíveis na


carne (p.ex.: descolorações ou textura grosseira) é o grau de marmoreado que
define o grau de qualidade. As carcaças com maior maturidade (até 42 meses)
necessitam atingir graus de marmoreado maior para serem classificadas como
prime).

4.5.4.3 Desmancha da carcaça


Após o abate e refrigeração as carcaças são normalmente desmanchadas, em
quartos no caso dos bovinos e, em meias carcaças no caso dos suínos. Este
processo facilita o transporte das carcaças do matadouro para os locais de
venda ao público. Os quartos ou meias carcaças são desmanchados nos talhos
dando origem às peças de talho. É contudo cada vez mais frequente as car-
caças serem totalmente desmanchadas no matadouro e, as diferentes peças,
serem distribuídas já embaladas nos supermercados.

4.5.4.4 Peças de talho e sua aptidão culinária


Naturalmente que, em função das características dos músculos que as com-
põem, as peças terão diferente valor comercial. Estas diferenças resultam da
maior ou menor quantidade de tecido conjuntivo e de gordura nas diferentes
peças de talho. As peças que resultam da separação dos músculos lombares

168 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Bos taurus Bos indicus (zebú)

2 8 12 21 5
1 9 2
13 15 13 1
8 3 4 20
3 10 15
14 7 9 11
4 11 16 10
5
17 18
6 6
6
19 12 14 19
7

1 cachaço 6 chambão 11 aba 1 picanha 6 rabo 11 peito 16 aba do filé


2 acém 7 mão 12 alcatra 2 contrafilé 7 alcatra 12 coxão mole 17 fraldinha
3 pá 8 lombo 13 chá de fora 3 filé da costela 8 filé mignon 13 coxão duro 18 ponta da agulha
4 maçã do peito 9 vazia 14 rabadilha 4 capa do filé 9 acém 14 maminha 19 músculo
5 peito alto 10 prego do peito 15 pojadouro 5 cupim 10 braço 15 patinho 20 pescoço
21 lagarto

Figura 4.24
Denominações comuns em
língua portuguesa das peças de
talho de origem bovina

são normalmente as mais valorizadas, seguindo-se as que resultam da desman-


cha dos membros posteriores.

Na figura 4.24 pode observar-se a designação das diferentes peças de talho. As


nomenclaturas utilizadas variam de país para país e com o tipo de animal. As
denominações apresentadas são as mais vulgares em países de língua portu-
guesa. Por vezes, até dentro do mesmo país, as denominações podem variar de
região para região.

As peças que são constituídas essencialmente por músculo (p.ex.: lombo, vazia,
contrafilé, filé mignon, alcatra, pojadouro, lagarto) são normalmente utilizadas
para grelhar, fritar ou assar. Isto é, são peças cozinhadas com calor seco. Nes-
tas peças são muito importantes factores de apreciação organoléptica como a
tenrura e a suculência. Estas características serão tanto melhores quanto mais
jovem for o animal e quanto maior for o teor de gordura intramuscular (marmo-
reado). As peças que têm maiores quantidades de tendão e tecido conjuntivo
(colagéneo) (p.ex.: peito, chambão ou músculo) são normalmente cozinhadas
em presença de água (cozidas ou estufadas). Em muitos casos, as peças deste
tipo que contenham quantidades de gordura elevadas, podem também ser as-
sadas. Assim, independentemente do seu valor comercial original, as diferentes
peças apresentam diferentes aptidões culinárias e, da adequada confecção das
mesmas, depende, em última análise, a sua qualidade organoléptica.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 169
4.5.5 Abate e características da carne de suínos

4.5.5.1 Processo de abate


Identificação dos perigos e medidas preventivas associados a cada etapa.
suíno vivo
Perante a análise dos perigos identificados, são apresentadas medidas preven-
tivas para eliminar ou diminuir a ocorrência dos perigos.
recepção
sangue

atordoamento

sangria

lavagem pós sangria


cerdas
unhas

escaldão

depilação

secagem Figura 4.26


Zona contenção de suínos (abegoaria)
vermelhas

chamusco
brancas
visceras

vísceras

a b
gorduras

lavagem

evisceração

corte da carcaça

refrigeração
a manual b mecânica

carne de suíno Figura 4.27


refrigerada Manga de acesso à insensibilização

Figura 4.25
Fluxograma do processo
de abate de suínos

170 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
a b

Figura 4.28 Figura 4.29


INSENSIBILIZAÇÃO DE SUÍNOS : Elevador para sangria
(A) POR ELECTRONARCOSE; (B) EM CÂMARA DE CO2

Figura 4.30 Figura 4.31


Sangria vertical Escaldão

a b

Figura 4.32 Figura 4.33


a) túnel de chamusco; Depiladora e pormenor dos
b) chamusco com maçarico dedos depiladores

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 171
Figura 4.36
Transportadores de vísceras
(vísceras brancas)

Figura 4.34 Figura 4.35


Aspecto geral de sala de manipulação Transportadores de vísceras
de carcaças e de transportadores (vísceras vermelhas)
individuais de vísceras

Figura 4.37 Figura 4.38


Serra mecânica para Acabamento
corte da carcaça

Figura 4.39 Figura 4.40


Meias carcaças suspensas pelo tendão de aquiles Aspecto da câmara de refrigeração

172 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Figura 4.41 Figura 4.42
Pernas Vãos e lombadas

Figura 4.43
Toucinho e entremeada

continua

nº Descrição Perigo Origem


• Contaminações cruzadas
Biológico
1 Recepção • Contaminação por falta de higiene
Químico • Presença de antibióticos, promotores de crescimento e resíduos de medicamentos
2 Atordoamento • Nenhum perigo identificado
• Contaminação do exterior para o interior da carcaça pelo orifício da sangria
3 Sangria Biológico • Má sangria (resíduos de sangue na carcaça)
• Deficiente processo de esterilização da faca de sangria
4 Lavagem pós Sangria Biológico • Contaminação da carcaça por arrastamento de microrganismos para a zona de sangria
• Contaminação da pele
5 Escaldão Biológico • Temperatura da água inferior a 62 ºC
• Contaminação do orifício da sangria com água do escaldão
Biológico • Contaminação da pele
6 Depilação
Físico • Presença de cerdas na pele
7 Secagem Biológico • Contaminação da pele pelas pás de borracha
8 Chamusco Biológico • Temperatura e tempo do chamusco insuficientes
9 Lavagem Biológico • Lavagem inadequada da carcaça
10 Evisceração Biológico • Ruptura das vísceras e consequente conspurcação da carcaça
• Contaminação da carcaça pela serra de corte
Biológico
11 Corte da carcaça • Esterilização inadequada da serra
Físico • Lavagem insuficiente das esquírolas ósseas que possam existir na carcaça após o corte

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 173
nº Descrição Perigo Origem
• Contaminação da carcaça
12 Acabamento Biológico • Contaminação da carcaça pela pistola de classificação
• Encaminhamento demorado para a refrigeração
• temperatura inadequada das câmaras
Biológico • Contaminações entre carcaças
13 Refrigeração
• Higienização inadequada das câmaras
Químico • Resíduos de agentes de limpeza/desinfecção
14 Expedição Biológico • Temperatura das viaturas de transporte inadequada

tabela 4.9
Identificação dos perigos
e suas origens

continua

Etapa Medidas preventivas


• Separação dos animais considerados suspeitos ou que apresentem sintomas de doença
• Manter as abegoarias limpas
Recepção • Formação dos operadores no cumprimento das tarefas
• Registos sanitários do animal
• Cumprimento dos pré-requisitos relativos à produção primária
• Formação dos operadores
Sangria • Existência de esterilizadores de facas bem localizados
• Esterilização adequada das facas entre cada sangria
Lavagem pós Sangria • Análises periódicas à qualidade da água
• Medições diárias da temperatura da água do escaldão
Escaldão
• Controlo do binómio tempo/temperatura 
Depilação
• Utilização de equipamentos adequados
• Esterilização das pás raspadoras
• Formação dos operadores
• Utilização de equipamento adequado
Secagem
• Limpeza das pás de borracha
Chamusco • Controlo do binómio tempo/temperatura
• Análises periódicas à água
Lavagem
• Formação dos operadores
• Execução adequada da tarefa
Evisceração • Remoção das vísceras de forma adequada, evitando que ocorra a ruptura destas e consequentemente
a conspurcação da carcaça

• Esterilização da serra de corte antes de cada utilização


Corte da carcaça
• Lavagem adequada da carcaça removendo as esquírolas ósseas

174 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Etapa Medidas preventivas
• Esterilização diária da pistola de classificação
• Formação dos operadores
Acabamento
• Refrigeração imediata da carcaça
• Limpeza da conspurcação que exista na carcaça
• Medições diárias das temperaturas das câmaras
• Calibração periódica dos termómetros
Refrigeração • Câmaras específicas para cada espécie
• Cumprimento do plano de higienização
• Lavagem adequada das câmaras, removendo todos os resíduos de agentes de limpeza/desinfecção
• Controlo das temperaturas do transporte
Expedição • Manter as portas das caixas transportadoras abertas durante o tempo estritamente necessário
• Cumprimento do plano de higienização
tabela 4.10
Medidas preventivas
aplicáveis a cada perigo

4.5.5.2 Classificação de carcaças de suíno figura 4.44


Equipamento automático
Existem diferentes sistemas para a classificação de carcaças de suíno. Em gran- para avaliação da qualidade
de carcaças
de medida, estes sistemas baseiam-se em análises subjectivas efectuadas por
técnicos treinados. Contudo, cada vez mais se faz uso de métodos objectivos
para determinação do rendimento e da qualidade da carne suína. Um exemplo
desse tipo de equipamentos é o Hennessy Grading System™ que, por intermédio
de um sensor fotoeléctrico pode fazer uma série de determinações relacionadas
com a qualidade da carne (espessura do toucinho e do músculo, percentagem
de carne magra, cor do músculo, detecção de carnes PSE).

União Europeia
Na União Europeia os animais são classificados, no momento da pesagem, por
inspectores treinados, de acordo com análises subjectivas que visam estimar o
rendimento em carne magra. Na tabela 4.11 são apresentadas as classes defini-
das em função do rendimento em carne magra. Para este efeito, são medidos o
grau de musculatura ao nível dos músculos lombares e é determinada a espes-
sura da gordura dorsal.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 175
CLASSE % DE CARNE MAGRA 1 2 3 4
S > 60
E 55-60
U 50-55
R 45-50 figura 4.45
Padrões de espessura da cobertura
O 40-45 de gordura adoptados pela USDA
P < 40

tabela 4.11
Classes do sistema europeu
de classificação de suínos

CATEGORIA % DE RENDIMENTO
1 > 60,4
2 57,4-60,3
3 54,4-57,3
4 < 54,4

tabela 4.12
Classes de rendimento
do peso da carcaça fria
usados pelo USDA
Estados Unidos
A cobertura de gordura é classificada de 1 a 4 de acordo com padrões (figura
4.45), sendo mais valorizada aquela que tiver menor proporção de gordura/
carne. A musculatura é também avaliada de 1 a 3 (fina, média e grossa). Para
o cálculo da categoria usa-se uma equação que usa o valor da espessura (em
cm) da gordura na última costela (EGUC) e a avaliação da musculatura (AM):

Categoria = (1,576 * EGUC) - AM

Para cada categoria existe uma expectativa de rendimento que pode ser ob-
servada na tabela 4.12. Ainda nos EUA é também usado um outro sistema, mais
moderno, que utiliza instrumentos para a determinação do rendimento e que,
também usa métodos instrumentais para a avaliação da cor da carne e padrões
para avaliação do grau de marmoreado.

4.5.5.3 Desmancha de carcaças de suíno


As carcaças de suíno são normalmente divididas em meias carcaças para trans-
porte. A divisão em peças de talho orienta-se normalmente pelos cortes apre-
sentados na figura 4.46. Para além desta divisão primária podem ser separadas
outras peças com diferentes valores económicos (p.ex.: lombinhos, cahaço, fa-
ceira, chispe, rabo, orelhas).

176 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
3
2

4
5
6 1

1 cabeça 3 costeletas do lombo 5 entremeada


2 costeletas com osso 4 perna 6 pá

figura 4.46
Principais peças de corte de
carcaças de suíno

4.5.6 Processo de abate de aves


Do aviário à preparação das carcaças no matadouro deverão ser seguidas várias
etapas importantes para que todo o processo seja realizado de maneira eficien-
te e higiénica.

Captura
Esta operação é feita, geralmente, no período nocturno, por equipas especiali-
zadas, utilizando uma luz azul que as aves não conseguem ver. Nesta primeira
operação visa-se minimizar o número de aves feridas, pois as contusões ocasio-
nam um mau aspecto dos cortes, principalmente com evidência de coágulos.
É uma etapa importante e interfere directamente na qualidade da carcaça e no
valor final do frango. A captura manual prevalece como forma de apanha e é a
mais utilizada na produção de frango de carne. As aves devem estar em jejum
de 6 a 10 horas antes do abate e deve existir uma preocupação com a lotação
das gaiolas (10 a 12 aves/gaiola) para se evitar stress (embora em jejum, é fun-
damental garantir o acesso das aves à água).

Transporte
Após o carregamento, adopta-se uma prática fundamental, com o objectivo
de reduzir os efeitos do stress nas aves, que é a pulverização com água no

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 177
momento da saída do veículo para o matadouro. Isso causa não só o aumento
do conforto das aves, mas também a redução das perdas por mortalidade e
melhorias na qualidade da carne, com diminuição do stress pré-abate.

Na fase de transporte, deverão ser tomados cuidados especiais, principalmente


no que diz respeito às condições de bem-estar das aves durante o percurso da
viagem. Deverão ser levados em conta o tempo de viagem, tempo de restrição
alimentar e água, o período do dia (cedo, à tarde ou à noite), condições clima-
téricas (temperatura, humidade relativa do ar), densidade de aves nas caixas
de transporte, tempo de espera no carregamento e no descarregamento e
até as condições das estradas deverão ser consideradas, visto que isso implica
trepidação e solavancos nas caixas de transporte o que poderá causar lesões
e stress nas aves.

O transporte é realizado, preferencialmente nas primeiras horas do dia, em


camiões, utilizando-se caixas plásticas para o efeito.

Recepção
Ao chegar, a carga é pesada, recebe um duche com água à temperatura am-
biente por aproximadamente dez minutos em período de clima quente e, em
seguida, é descarregada manualmente ou mecanicamente na plataforma de
recepção dotada de ventilação natural ou artificial.

No hangar de espera, um inspector deve verificar a temperatura ambiente e


inspeccionar as condições das aves. Os camiões com as aves vivas são mantidos
nos hangares ventilados enquanto aguardam o descarregamento. A boa ven-
tilação é necessária para evitar que as aves morram, devido ao calor excessivo.
As condições climáticas influenciam na intensidade do stress a que o animal
é submetido durante o transporte. Temperaturas acima de 18 ºC aumentam
as perdas ocasionadas durante o transporte dos animais. Esse facto torna-se
agravante quando predomina o calor húmido, pois o animal apresenta maior
dificuldade de eliminar o calor corporal, aumentando assim sua temperatura
interna e consequentemente prejudicando o seu bem-estar.

As gaiolas deverão ser descarregadas em plataforma dimensionada para facili-


tar esta operação e, higienizadas com água clorada (3 a 5 mg/L).

178 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
figura 4.47
Insensibilizador para
utilização a seco

figura 4.48
Exemplo de cone de sangria
e mesa de sangria manual
Insensibilização
Para pequenos matadouros, em que é realizado o abate de 500 a 1.000 aves/
dia é utilizada a electronarcose a seco (figura 4.47). Neste método os eléctrodos
são aplicados na cabeça, por isso é usado geralmente para atordoar as aves de
capoeira nas quintas e, como recurso, em matadouros industriais que utilizam
sistemas de atordoamento eléctricos em tanques de água. O atordoamento
eléctrico é realizado em aves que estão contidas nos cones (figura 4.48).

Os sinais que indicam um correcto atordoamento são:

início imediato de contracções tónicas


Os olhos abertos (sem piscar quando tocados)
Apneia
Ausência de batimento de asas durante a sangria
Reflexo ocular ausente quando entram no tanque de escaldão

Este método tem como vantagem a aplicação da corrente eléctrica na cabeça o


que melhora a eficácia do atordoamento. A desvantagem reside no facto de não
ser adequado para operações de abate em grande escala.

A insensibilização é essencial para que a sangria e a depena sejam satisfatórias.


O tempo máximo de espera entre a insensibilização e a sangria deverá ser de 20
segundos.

Sangria
Se o atordoamento foi realizado adequadamente, as aves chegam quietas ao lo-
cal de sangria, assegurando um melhor corte. A operação de sangria consiste
basicamente no corte dos grandes vasos de circulação de sangue (artéria carótida
e veia jugular). O corte deve ser realizado através de movimento rápido e ininter-
rupto, e deverá ser iniciado logo após a operação de insensibilização dos animais,
de modo a provocar um rápido e completo escoamento do sangue, antes que o
animal recupere a consciência.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 179
figura 4.49
Pequeno tanque A sangria deve ser realizada durante o intervalo de tempo suficiente para que
de escaldão
as aves fiquem bem sangradas antes de entrarem no tanque de escaldão, para
evitar a conspurcação da água do escaldão com sangue e a entrada da água
para os pulmões.

O tempo recomendado de sangramento varia de 55 a 100 segundos, dependen-


do dos efeitos do atordoamento, do tempo de atordoamento até à sangria e, do
tipo de corte efectuado. A secção dos vasos pode ser feita manualmente ou por
meio de uma faca automática.

As aves deverão ser colocadas nos cones de sangria (que evitam que se deba-
tam) (figura 4.48) e é realizado um corte manual na artéria carótida e veia jugular,
deixando-as sangrar por um período de 3 minutos, muito embora se reconheça
que nos primeiros 40 segundos, 80% do sangue é libertado e, no intervalo, entre
1 a 2 minutos e meio, o sangramento estará completo.

Escaldão
O escaldão consiste na imersão num tanque (figura 4.49) de água quente agi-
tada e tem como finalidade facilitar a etapa de remoção das penas. Quando se
deseja uma ave com uma pigmentação de pele mais amarelada, o escaldão é
feito de forma branda (52 ºC durante 2,5 minutos).

A água arrasta as sujidades fecais externas das aves e os microrganismos vão-


-se concentrando com o passar do tempo. Calcula-se que cada ave transfira mil
milhões de microrganismos viáveis para a água do escaldão.

Nesta fase podem ocorrer perdas da qualidade da carcaça. Se a temperatura da


água for muito alta ou o tempo de permanência for exagerado, podem ocorrer
queimaduras do peito, coxas e asas, causando uma coloração branca e endure-
cimento da carne.

180 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
figura 4.50
Depenadora
de pequena dimensão
Os tanques de escaldão devem estar localizados numa divisão própria, junta-
mente com as máquinas de depena, completamente separados por paredes das
demais áreas operacionais.

Os tanques devem possuir um sistema automático de alimentação de água, com


um sistema de borbulho através de bicos de ar, com a função de movimentar
todo o volume de água de cada tanque, para que a água se mantenha com a
mesma temperatura e uniformemente distribuída.

A temperatura da água, por razões de apresentação dos frangos, deve ser man-
tida abaixo dos 55 ºC, uma vez que temperaturas mais elevadas ocasionam um
ligeiro cozimento superficial dos músculos peitorais que conduz à rejeição total
das carcaças. Além disso, temperaturas elevadas, provocam o desprendimento
da epiderme durante a depena e a inutilização da gordura subcutânea, o que
origina a adesão entre a pele e o músculo subjacente durante a refrigeração em
ar, conferindo à carcaça um aspecto manchado ou esfolado.

O uso de temperaturas altas (± 56 ºC/1,5 minutos), além de gerar frangos com


coloração de pele mais clara acelera a linha de produção. No entanto causa pro-
blemas já que evidencia hematomas nas áreas em que existam contusões.

Depena
O processo de depena é feito pela acção mecânica de “dedos” de borracha que
são presos a tambores rotativos (figura 4.50). Nesta etapa deve-se evitar a quebra
de ossos e o rompimento da pele da ave (que ocorre principalmente quando a
temperatura de escaldão for muito alta). No caso de aproveitamento de pés para
comercialização com a carcaça limpa são realizados o escaldão e a limpeza dos
pés. A depenadora retira, além das penas, a película amarela dos pés das aves.
Esta operação deverá ser executada com muito cuidado para diminuir os riscos
de introdução de microflora externa na musculatura.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 181
figura 4.51
Mesa de evisceração Apesar das preocupações higiénicas, as contagens microbianas geralmente au-
manual
mentam nesta fase, como resultado da contaminação cruzada sendo este um
facto inevitável, mesmo usando uma tecnologia mais moderna.

Os depenadores devem estar posicionados próximos aos escaldadores, de ma-


neira que a temperatura da pele não diminua muito entre uma operação e
outra. O ajuste dos dedos deve ser feito de modo a evitar a abrasão da pele ou
mesmo a quebra das asas. Todas as máquinas de depena possuem aspersores
de alta pressão de água, com função de lavar a carcaça do animal e ajudar na
retirada das penas. Esta etapa delimita a área suja do matadouro.

Evisceração
A evisceração é constituída por uma série de etapas:
• corte e remoção da traqueia;
• extracção da cloaca e evacuação do intestino grosso;
• abertura do abdómen e exposição de vísceras para inspecção veterinária.

A evisceração pode ser feita manualmente numa mesa específica para a fina-
lidade (figura 4.51), que contém torneiras para facilitar as lavagens. A primeira
operadora faz o corte da traqueia, retira a cloaca e o abdómen. A segunda
retira a traqueia e as vísceras. Em seguida encaminha-se a carcaça para o lado
oposto da mesa e as vísceras para a terceira operadora, que separa os miúdos.
Neste ponto, deve-se impedir que a carcaça entre novamente em contacto
com as vísceras, evitando a contaminação cruzada.

Em matadouros industriais de grande dimensão são normalmente usadas evis-


ceradoras automáticas com uma elevada cadência de trabalho figura 4.63. Este
tipo de equipamentos exige que os lotes frango de um abate sejam muito uni-
formes em termos de peso. De outro modo, poderão ocorrer muitas lacerações
nas carcaças.

182 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
O coração, o fígado e a moela removidos são separados e sofrem processos de
limpeza, refrigeração e embalagem para posterior reincorporação à carcaça, ou
são embalados para comercialização em separado. Seguindo a linha de evisce-
ração, removem-se os pulmões, papo, esófago e traqueia, que são remetidos
para a secção de tratamento de resíduos. Estes últimos, poderão ser recolhidos e
enviados a empresas que promovam o seu tratamento e comercialização (p. ex.
farinhas), ou incinerados em crematório próprio para a finalidade.

Inspecção
A inspecção post mortem é efectuada, em todas as carcaças e vísceras das aves
e tem como objectivo retirar da linha os casos anormais e/ou suspeitos. O mé-
todo de exame é visual, feito por meio de palpação e cortes.
Com as vísceras fora da carcaça, é feita a inspecção. Durante a inspecção são
eliminadas as aves condenadas por doenças e, é efectuada a remoção de partes
com injúrias e ossos partidos.

Lavagem
A lavagem deve ser efectuada por meio de equipamento destinado a lavar efi-
cazmente as superfícies internas e externas. As carcaças são lavadas interna-
mente com equipamento de jacto manual, ou similar, com pressão de água
adequada. A localização do equipamento para lavagem das carcaças deverá
ser após a evisceração e imediatamente antes do sistema de refrigeração, não
se permitindo qualquer manipulação das carcaças após o procedimento de la-
vagem.

A finalidade é reduzir os microrganismos e melhorar a apresentação, pelo ar-


rasto com a água dos restos de sangue e outras sujidades. A lavagem quando
praticada correctamente durante e depois da evisceração tem a capacidade de
reduzir 10 vezes a contaminação microbiana das carcaças. Nesta etapa é tam-
bém separada a cabeça do corpo.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 183
Refrigeração
Terminadas as operações de abate, as carcaças de ave e as miudezas comes-
tíveis devem ser submetidas sem demora à acção do frio, até que seja alcan-
çada a temperatura de 4 ºC no centro térmico da carne. Após a inspecção e
a evisceração, os animais abatidos devem ser refrigerados até atingirem uma
temperatura não superior a 4 ºC assim que possível.

O arrefecimento pode ser feito por duas técnicas, água fria ou ar frio. A técnica
que utiliza água fria pode ser feita por imersão ou pulverização. Nos Estados
Unidos da América o arrefecimento por imersão em água fria é utilizado tanto
para carcaças de frango que vão ser refrigeradas como para as que vão ser
congeladas. Pelo contrário, na Europa é mais comum as carcaças com destino à
refrigeração serem arrefecidas em ar frio, enquanto as que vão ser congeladas
serem arrefecidas por imersão em água fria.

O arrefecimento em ar frio é o mais utilizado na Europa, sendo feito em túneis


de arrefecimento. Existem diversas modalidades quanto à temperatura do pro-
cesso, velocidade de circulação do ar e humidade relativa. Este processo tem
contudo o inconveniente de originar uma ligeira dessecação superficial das
carcaças, embora isso seja um factor que limita a proliferação microbiana.

A refrigeração pode então ser feita, basicamente, em duas etapas:

As carcaças são mergulhadas manualmente nos tanques com água tratada e refrigerada, cuja tem-
peratura se encontra entre 10 e 18 ºC para se evitar o encolhimento do músculo (endurecimento do
Pré-refrigeração músculo peitoral), e também uma redução (lavagem) da contaminação superficial das carcaças. Para se
evitar o risco de contaminação das carcaças a água deve ser hipoclorada em torno de 2 a 5 mg/L e re-
novada ao longo do processo. É recomendada uma quantidade de água de cerca de 1,5 L por carcaça.
Após serem pré-refrigeradas, as carcaças são encaminhadas para a câmara de refrigeração com uma
Refrigeração temperatura de aproximadamente 0 ºC e uma velocidade do ar de cerca de 1-2 m/s. Após esta etapa
as carcaças saem com temperatura de cerca de 4 ºC.

Pendura
As aves são suspensas, permanecendo penduradas por um tempo de 2,5 a 4
minutos, o que visa reduzir o excesso de água absorvida na etapa de refrigera-

184 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
ção, para um máximo de 8% de absorção de água. Este escorrimento pode ser
realizado fora da área de abate. Esta etapa aplica-se apenas no caso da refrige-
ração por imersão.

Congelação
A congelação é feita por meio de congelamento rápido, o que evita a formação
de grandes cristais de gelo nos produtos. É utilizada uma câmara com tempera-
tura de -35 ° a -40 °C. O tempo de retenção da maioria dos produtos é de quatro
horas, para que o produto atinja a temperatura de -18 °C.

Armazenamento
O armazenamento das carnes de ave refrigeradas é feito em refrigeradores in-
dustriais e o de carne congelada é feito em câmaras de congelados. A armaze-
nagem de aves congeladas deverá ser feita em câmaras próprias, com tempera-
tura nunca superior a -18 °C.

Uma câmara de armazenagem, tanto no local de produção quanto na distri-


buição, consiste essencialmente num espaço devidamente isolado. Um ponto
crítico é a transferência do produto da câmara até o sistema de transporte e
vice-versa. Isto deve ser organizado de tal modo que seja efectuado o mais
rapidamente possível, evitando-se variações de temperatura. Outro ponto a
ser considerado é o equilíbrio da temperatura a um valor correspondente à de
conservação do produto no interior do transporte. É necessário que, antes de
carregado, o equipamento frigorífico do sistema de transporte opere durante
certo tempo, levando a temperatura interna até o valor desejado.

Expedição
O transporte deve ser compatível com a natureza dos produtos, de modo a
preservar sempre suas condições tecnológicas e, consequentemente, a manu-
tenção da qualidade.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 185
água clorada
ave viva

captura

transporte

recepção

sangue
cabeça
água a 52 ºc

insensibilização
Os veículos utilizados no transporte de carcaças e miúdos deverão possuir car-
corte/sangria roçarias construídas com materiais adequados, a par do isolamento apropriado
e revestimento interno de material inoxidável, impermeável e de fácil higie-
penas

escaldão nização e dotados de unidade de refrigeração. Deverá ser assegurada uma


vísceras

temperatura de -18 ºC para o transporte de frango congelado.


patas

depena
De acordo com o processamento descrito é apresentado na figura 4.52 um
água

evisceração fluxograma do processo.


água
suja

lavagem
água

pré-refrigeração
água gelada

pendura

refrigeração

embalamento
sacos de plástico
caixas de pvc

carne de ave
refrigerada
Figura 4.53 Figura 4.54
Cais de recepção de frango vivo Pormenor de ganchos de pendura e insensibili-
zador por choque eléctrico

Figura 4.52
Fluxograma do processo
de abate de aves

Figura 4.55 Figura 4.56


Escaldão de média dimensão Depenadora e pormenor dos motores eléctricos

186 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Figura 4.57 Figura 4.58
Depenadora (pormenor elementos de Pormenores dos ganchos de suspensão, e vista
depena em movimento) parcial de refrigerador por água gelada

Figura 4.59 Figura 4.60


Escorredor de frango refrigerado Carcaças de frango em túnel
em banho de água gelada de refrigeração por ar frio

Figura 4.61 Figura 4.62


Aspectos da linha de abate Mesa de evisceração manual
em linha de abate contínuo

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 187
Figura 4.63 Figura 4.64
Evisceração mecânica Embalagem

4.6 Produtos cárnicos crus/curados


Os produtos cárnicos os enchidos curados tradicionais são muito apreciados na
Europa. Os países produtores com consumos mais elevados são a Alemanha a
França a Itália e a Espanha. A produção na União Europeia situa-se em cerca de
750.000 toneladas por ano (Lücke,1998).

Os produtos cárnicos crus/curados, não sofrem qualquer tratamento térmico e,


a sua estabilidade depende do grau de desidratação que sofrem e/ou da acidez
que adquirem. Normalmente, neste tipo de produtos, são também adicionados
conservantes, como o nitrato ou o nitrito de sódio.

Em muitos casos estes produtos sofrem também um processo de fermentação.


Na prática, o principal objectivo é conseguir a conservação do produto quer por
redução da actividade da água quer por redução do pH ou de ambos.

Embora grande parte dos produtos sofram um processo de fermentação, em


alguns países do Sul da Europa apenas sofrem um processo de fumagem o que
lhes reduz apenas a actividade da água. Este é o caso do tradicional chouriço
de carne. Noutros casos, como seja o do presunto, apenas a adição de sal e de
conservantes, associada a um processo de cura durante o qual a actividade da
água do produto diminui, lhe conferem estabilidade.

Na tabela 4.13 apresenta-se uma classificação de produtos cárnicos por catego-


rias de acordo com a sua conservabilidade. Os produtos com elevados valores
de actividade da água e de pH, tal como a carne fresca são, naturalmente, muito
perecíveis, quando comparados com produtos que sofreram uma redução da
actividade da água ou do pH, ou de ambos.

188 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Adaptado de Norman & Corte,
1985 e de FAO 1990
Categoria Actividade da água/pH Temperatura Exemplos
de armazenamento
carne fresca
MUITO PERECÍVEIS aw > 0,95 ou pH > 5,2 + 5  ºC
fiambre cozido
salsichas semi secas
PERECÍVEIS aw < 0,95 ou pH < 5,2 + 10  ºC
carne de sol
carne seca
ESTÁVEIS aw < 0,95 e pH < 5,2 ou apenas aw < 0,91 Não requerem refrigeração presunto
charque

tabela 4.13
Categorias de produtos
cárnicos de acordo com a
sua estabilidade

As culturas microbianas são usadas em muitos tipos de alimentos, permitindo uma


acidificação mais rápida e completa do que aquela que poderia ocorrer apenas
com a flora indígena. Muitas salsichas fermentadas são produzidas em diversos pa-
íses e, as culturas microbianas utilizadas (starters) incluem bactérias lácticas (p.ex.:
Lactobacillus plantarum; Lactobacillus pentosus) cocos gram positivos (Staphylococ-
cus carnosus; S. xylosus), leveduras (p. ex. Debaryomyces hansenii), fungos (p. ex.
Penicillium chrysogenum).

Os produtos podem ser secos (aw < 0,90), meio-secos (aw < 0,95) ou frescos (aw
> 0,95). O uso de sais de cura (nitratos e nitritos) é comum nos produtos secos e
semi-secos. O mais famoso destes produtos é o salame italiano.

No caso dos enchidos que sofrem um processo de fermentação, normalmente


são adicionados açucares à carne, no sentido de promoverem o processo de aci-
dificação. Na tabela 4.14 apresentam-se algumas variantes de produtos cárnicos
fermentados.

Ingredientes dos produtos cárnicos crus/curados

Carne magra
A mistura contém entre 50 e 70% de carne magra de porco, vaca ou por vezes de
peru. Na Alemanha os enchidos contêm normalmente carne de porco ou de vaca,
enquanto na maioria dos outros países Europeus apenas é utilizada a carne de por-
co. Mais recentemente encontram-se vários enchidos com base em carne de aves.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 189
Adaptado de Lücke, 1998
Categoria Tempo de maturação aw final Fumo Exemplos
Seca com bolores > 4 semanas < 0,90 não salame Italiano
Seca com bolores > 4 semanas < 0,90 sim salame Húngaro
dauerwurst
Seca sem bolores > 4 semanas < 0,90 sim ou não
chouriço de carne
variadas salsichas
Meio seca com bolores < 4 semanas 0,90 – 0,95 não
França/Espanha
maioria das salsichas
Meio seca sem bolores < 4 semanas 0,90 – 0,95 sim
fermentadas (USA)
Não seca < 2 semanas 0,94 – 0,96 sim ou não sobrasada

tabela 4.14
Classificação de enchidos
fermentados

Gordura
É desejável que a gordura adicionada à mistura, em proporções superiores a
20% tenha um ponto de fusão elevado. Usa-se normalmente toucinho dorsal
de porco.

Açúcares
Para a maioria dos enchidos fermentados meio secos e fumados, o pH depois
da fermentação deverá situar-se entre 4,8 e 5,0 de forma a garantir a estabili-
dade microbiológica e um rápido incremento na firmeza do produto. Para tal
usam-se 0,4 a 0,8% de açúcares rapidamente fermentáveis. Valores mais bai-
xos (0.2-0.3%) são recomendados quando se usam nitratos em vez de nitritos
como agente de cura e, quando o pH desejado seja de 5,3 como no caso do
salame. Em alguns países (p. ex. EUA) usa-se até 2% de açúcares baixando o
pH até 4,5.
Se são usadas grandes quantidades de açúcares rapidamente fermentáveis, a
descida do pH da mistura pode ser muito rápida o que poderá provocar que
algumas propriedades resultantes da actividade metabólica da flora não lácti-
ca sejam suprimidas o que não é desejável. Por outro lado, um baixo conteúdo
de açúcar pode dar origem ao crescimento de microrganismos indesejáveis.

Agentes de cura
Normalmente adicionam-se 2,4 a 3% de sal (NaCl) à mistura para que a aw
inicial se situe em torno de 0,965-0,955. Este valor da actividade da água inibe

190 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
o crescimento de microrganismos indesejáveis e facilita o desenvolvimento de
lactobacilos, estafilococos e micrococos. Para além disso, o sal solubiliza as pro-
teínas e, naturalmente, contribui de forma significativa para o gosto.

O nitrito (NO2) (80-150 mg/kg) desempenha três funções


É a base do desenvolvimento da cor
Inibe a oxidação dos lípidos
Contribui para a estabilização da flora desejável (p.ex.: lactobacilos e cocos catalase positiva)

O nitrato (NO3) é usado no fabrico de enchidos secos de longo período de ma-


turação, os de melhor qualidade.

O ácido ascórbico (300-500 mg/kg) é normalmente adicionado para facilitar o


desenvolvimento da cor. Para além disso potencia a acção dos sais de cura.

Especiarias e outros aditivos


Pimenta moída, colorau, alho e pimento, entre outras especiarias são usados. O
tipo e as quantidades usadas dependem do produto e dos hábitos de fabrico.

Até 0,5% de glucono-delta-lactona pode ser usada na manufactura de alguns


enchidos fermentados. Actua como um acidulante, uma vez que é transforma-
da em ácido glucónico em poucas horas, contribuindo assim para o controlo de
microrganismos indesejáveis durante os primeiros dias após o fabrico. Contudo
é convertida em ácido láctico e acético e, este último interfere com a actividade
de bactérias redutoras do nitrato ou envolvidas na produção de compostos
aromáticos. Assim, o seu uso limita-se à manufactura de salsichas frescas ou
meio secas.

Processo de fabrico
Podem distinguir-se três fases claramente diferenciadas no fabrico de enchidos:

1 selecção de ingredientes e formulação da mistura


2 preparação da massa do enchido
3 período de fermentação-desidratação

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 191
O processo de elaboração começa com a picagem das principais matérias-
-primas (carne e gordura). A obtenção de um corte limpo é essencial para evi-
tar a aparição de empastamento resultante do facto de a gordura poder criar
uma película sobre a carne magra e reduzir a perda de humidade. Além disso,
o corte deve permitir uma clara distinção entre as partículas de carne e de
gordura. A carne deve picar-se fria (0-2 ºC) e a gordura congelada (-6 a -8 ºC).
Posteriormente, a carne e a gordura misturam-se com os restantes ingredien-
tes numa misturadora.

O enchimento da massa pode fazer-se em tripas naturais ou artificiais que de-


vem permitir a evaporação de água ou a penetração do fumo, no caso dos
enchidos fumados.

Seguidamente os enchidos sofrem a fase de fermentação. A temperatura e a


duração do período fermentativo variam amplamente para cada tipo de pro-
duto. À medida que se aumenta a temperatura, mais rápida é a fermentação,
mas também maior é o risco de aumento de microrganismos indesejáveis, se o
processo não for estritamente controlado. Idealmente a humidade relativa da
câmara deve ser 5% inferior à existente no interior do produto e, a velocidade
do ar de cerca de 0,4 m/s. Durante o processo de fermentação e cura desenvol-
vem-se uma série de barreiras protectoras (Leistner, 1995).

De uma forma geral (Jessen, 1995) os enchidos fermentados podem dividir-se


em três tipos em função das condições de fermentação:

Pepperoni e as salsichas de Verão nos EUA são representativos deste tipo; a temperatura de fer-
1 Fermentação a alta temperatura
mentação é de 40 ºC por 15-20 horas seguida de um tratamento térmico até 60 ºC
Os limites de temperaturas usadas situam-se em torno de 20-24 ºC, seguindo-se um período de
secagem entre 15 e 18 ºC; para estes produtos, os starters usados são culturas mistas de bactérias
2 Fermentação Europeia tradicional lácticas (Lactobacillus e Pediococcus) e Micrococcaceae (Staphylococcus ou Micrococcus); a maioria
das estirpes pertencem ao grupo mesofílico mas nos últimos anos começaram a comercializar-se
culturas psicrotróficas
Na Europa de Leste e do Sul, na maioria dos casos a fermentação faz-se em condições naturais a
3 Fermentação a baixas temperaturas
baixas temperaturas (10-15 ºC); neste caso podem ser usadas culturas psicrotróficas

192 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Grupo microbiano Espécies disponíveis Actividades metabólicas desejadas Benefícios na maturação
Bactérias lácticas Lactobacillus plantarum • formação de ácido láctico • inibição de microrganismos patogénicos
Lactobacillus pentosus • aceleração da formação da cor e da secagem
Lactobacillus sake
Lactobacillus curvatus
Pediococcus pentosaceus
Pediococcus acidilactis
Micrococos Staphylococcus carnosus • redução de nitratos • inibição de microrganismos patogénicos
Staphylococcus xylosus • consumo de oxigénio • aceleração da formação da cor e da secagem
Micrococcus varians • destruição de peróxidos
• formação de carbonilos e ésteres
Leveduras Debaryomyces hansenii • consumo de oxigénio • retardam a oxidação
Candida famata • Aroma e sabor
• estabilização da cor
Fungos Penicillium nalgiovense • crescimento superficial • suprimem fungos indesejáveis
Penicillium chrysogenum • consumo de oxigénio • retardam a oxidação
• oxidação de lactato • aroma e sabor
• degradação de proteínas • estabilização da cor
tabela 4.15
Culturas microbianas usadas para
fermentação de enchidos
Adaptado de Cortecero s.d.

Característica BACTÉRIAS
Modo de acção MICROCOCOS LEVEDURAS FUNGOS
de qualidade LÁCTICAS

redução de nitrato (NO3) a nitrito (NO2) - +++ - -


redução do pH +++ - - -
Cor
redução do potencial redox - ++ ++ -
redução de H2O2 - ++ + +
produção de ácido +++ - - -
degradação proteica - + + ++
Aroma
degradação de gordura - ++ ++ ++
redução da rancidez - ++ + ++
Consistência redução do pH +++ - - -
redução do pH +++ - - -
Conservabilidade redução de nitrato (NO3) a nitrito (NO2) - ++ - -
redução de microrganismos indesejáveis + - - +++
melhoria do aspecto - - + +++

Estado proteção na secagem - - - +++


da superfície protecção do O2 e da luz - - + +++
redução de nitrito (NO2) a (NO) + ++ - -
Resíduos redução de micotoxinas - - - +++

+++ importância fundamental ++ importante + acção apreciável - sem acção

tabela 4.16
Finalidade dos fermentos
nos enchidos secos

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 193
Adaptado de Lücke, 1998
Medidas Preventivas
Tipo de Enchido
Aditivos
Fluxo MEIO SECO SECO COM BOLORES SECO TRADICIONAL etapa
Ingredientes
temperatura < 7 ºC Idem Idem 1
Recepção
pH < 5,8 Idem Idem 2
de carcaças
fornecedor certificado idem idem 3
temperatura < 7 ºC Idem Idem 4
Corte da carne
magra e da sem contaminação Idem Idem 5
gordura
limpeza e desinfecção idem idem 6
Refrigeração temperatura < 2 ºC idem idem 7

sal aw alvo (0,955-0,965) idem idem 8


agentes de cura 100-125 mg/kg NaNO2 50-70 mg/kg < 300 mg/kg de KNO3 9
Picagem e mistura açúcares 0,5-0,8% de starter 0,3-0,5% 0,3% não requeridos 10
11
starter (bactérias lácticas e idem
micrococos e estafilococos)
especiarias

limpeza e preparação
Enchimento tripas idem idem 12
de tripas

Inoculação
cultura
superficial 13
certificada
(opcional)

20 - 25 ºC 22 ºC 18 ºC 14


Fermentação 2 - 3 dias 3 dias 2 dias 15
pH < 5,3 pH < 5,3 16
Fumagem
17
(opcional)

< 15 º C 15 ºC < 10 ºC 18


Cura 70 - 80% HR 70 - 80% HR 70 - 80% HR 19
aw 0,93 aw 0,90 aw 0,90 20
Armazenamento < 15 ºC < 25 ºC < 25 ºC 21

Tabela 4.17
Medidas preventivas para controlar
o desenvolvimento de Salmonella spp.,
Staphylococcus aureus e Listeria monocytogenes
durante a manufactura de enchidos fermentados

194 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Transformações físico-químicas e bioquímicas durante a maturação.

Durante a fase de fermentação ocorrem, simultaneamente, duas reacções distintas, ambas resultantes da acção
dos microrganismos:

1 A redução dos nitratos e dos nitritos da qual resulta a formação de 2 A fermentação dos açúcares e a formação de ácido láctico que
nitrosomioglobina que é o pigmento responsável pela cor caracte- origina o abaixamento do pH. Esta acidificação é de grande im-
rística destes produtos. Esta redução deve-se aos sistemas enzimá- portância nestes produtos pois governa o desenvolvimento da
ticos das Microccoccaceae. flora microbiana presente e reduz a capacidade de retenção de
água por parte da carne. Este aspecto favorece a desidratação que
ocorre durante a fase de maturação.

Durante a maturação ocorre a degradação de lípidos e de proteínas originando a produção de diversos compostos que são responsáveis pelo aroma
e pelo sabor típicos destes produtos. Adaptado de Leistner, 1994

aw
pH
f.c.
eh
NO3

NO3 presença de nitratos usados Eh diminuição do f.c. presença de flora


como conservantes potencial redox competitiva

pH diminuição do pH aw diminuição da actividade


da água

figura 4.65
Sequência de barreiras
ao desenvolvimento de
Exemplo de produção de produto cru curado. Chouriço fumado. microrganismos patogéni-
cos que ocorrem durante
a produção de produtos
Como exemplo de produção de um produto cru/curado de elevada aceitação em cárnicos fermentados
Angola, apresenta-se de seguida o diagrama do processo de fabrico de chouriço
de carne fumado enlatado. A produção deste produto é, em tudo, semelhante
à dos produtos crus/curados por acção do fumo, com a única excepção de que,
após a fumagem, os chouriços são embalados em latas e cobertos com banha de
porco fundida ou com outro óleo alimentar. A vantagem deste processo reside
na protecção que a embalagem e que a banha conferem ao produto. A baixa
actividade da água da banha garante a estabilidade de um produto que, não
sendo estéril, tem um prazo de validade bastante alargado. Por outro lado, a
cobertura do chouriço com banha quente cria, durante a cravação da lata, con-
dições de vácuo que inibem processos de oxidação.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 195
carne de suíno
sal/alho/louro
colorau/vinho

selecção da carne
e da gordura
tinto

corte

condimentação
tripas

maturação
5 dias a 5 ºC figura 4.67
Aspecto geral e diagrama
banha fundida

de uma picadora de carne


enchimento
latas

defumação
fumo

enlatamento

rotulagem

chouriço fumado
enlatado

figura 4.66
Diagrama de produção
de chouriço fumado enlatado

figura 4.68
Mistura para enchido em carro
de transporte e tipos de especiarias usados

figura 4.69
Misturadora de carne
e respectivo diagrama

196 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
figura 4.70
Enchedora de chouriços e
respectivo diagrama

figura 4.71
Preparação de enchidos para o fumeiro

A orelha b presunto fumado

figura 4.72 figura 4.73 figura 4.74


Pormenor de suporte para fumeiro e Exemplos de produtos fumados Exemplos de produtos crus/curados,
respectivo diagrama incluindo presuntos

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 197
4.7 Produtos cárnicos cozidos
No caso dos produtos cárnicos cozidos, a sua estabilidade depende sobretudo
dos tratamentos térmicos aplicados. Embora em alguns casos sejam também
usados conservantes como o nitrito de sódio, os produtos sofrem um trata-
mento térmico de pasteurização (p. ex. fiambre) ou de esterilização (p. ex. sal-
sichas tipo Frankfurt).

De forma genérica podem dividir-se estes produtos em nove tipos


Produtos preparados com peças de carne identificáveis correspondentes às peças obtidas no processo de desmancha (p.
1 ex. fiambre da perna ou fiambre da pá)
Produtos fabricados com carne e tripas picadas enchidos em tripa natural ou artificial podendo ser removida a tripa
2 depois da cozedura e com um calibre máximo de 45 mm (p. ex. salsichas tipo Frankfurt)
3 Produtos preparados com porções de carne não identificáveis (p. ex. corned beef)

4 Produtos preparados com peças essencialmente gordas e outras porções comestíveis

5 Produtos à base de carne e gordura picados ou em pedaços (p. ex. mortadela)

6 Produtos feitos com base em enchidos crus/curados que se submetem a cozedura (p. ex. chouriço cozido)

7 Produtos fabricados com fígado como componente caracterizador (p. ex. pasta ou patê de fígado)

8 Produtos fabricados com sangue como elemento caracterizador (p. ex. morcela)

9 Produtos fabricados com vísceras, patas, orelhas como elementos caracterizadores (p. ex. orelha cozida)

4.7.1 Enchidos cozidos


Muitos dos enchidos cozidos são originários da Europa. Do ponto de vista téc-
nico, esta designação abarca desde os picados grossos nos quais a estrutura se
estabiliza por ligação da carne até aos enchidos contendo fígado e similares,
classificados neste contexto como produtos para barrar.

Existem muitos tipos de enchidos baseados numa emulsão e pode haver uma
considerável variação no seu tamanho e aparência. Grande parte deles carac-
terizam-se por um intenso grau de picagem que determina que, na maioria
dos casos, a gordura se encontre livre sendo a emulsão estabilizada pela mis-
tura intensa entre a carne magra e o sal.

Os enchidos baseados numa emulsão, como é o caso de salsichas cozidas tipo


Frankfurt, têm um recheio homogéneo. Outros enchidos são constituídos por
uma emulsão que contém pequenos pedaços de carne (Bratwurst). Noutros, a

198 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
quantidade de gordura é bastante elevada e, parte dela, separa-se formando
uma capa de gordura sobre a sua superfície (Plockwurst). Porém, na maioria dos
casos, a separação da gordura é um defeito a evitar.

Ingredientes
A carne de porco é a mais habitualmente usada nos enchidos que se baseiam
numa emulsão. Nos últimos anos, também a carne de peru tem vindo a ser
usada em salsichas tipo Frankfurt.

Em alguns casos, como aditivos para melhorar a ligação da emulsão, podem


usar-se polifosfatos. Contudo, não são permitidos em muitos países. O citrato de
sódio e o lactato de sódio também podem ser usados com o mesmo objectivo,
com a vantagem de não conferirem um sabor demasiado salgado à carne. Com
o mesmo propósito também se poderá adicionar leite em pó ou proteínas do
soro de leite.

O nitrito de sódio utiliza-se como conservante na maioria, mas não em todos os


enchidos. No caso de muitos enchidos tradicionais Europeus não são utilizados.
Em alguns países são também permitidos antioxidantes.

Processamento
1 Elaboração da mistura e picagem
Os procedimentos tradicionais incluem uma pré-salga da carne submetendo-a a um corte grosso com sal e mantendo-a pelo menos 2 dias a
2-4 ºC. Depois disso a carne é picada de forma mais intensa sendo adicionada água ou gelo, gordura e outros ingredientes, continuando-se a
picagem até que se forme uma massa pastosa.
2 Enchimento
Depois da picagem, a massa é enchida em tripas naturais ou sintéticas. Nas salsichas tipo Frankfurt, usam-se tripas não comestíveis de celulose que
se retiram mecanicamente depois da cozedura. Na maioria dos casos, as tripas permanecem no enchido até ao momento do consumo.
3 Cocção
Os banhos de água quente são pouco usados para a cozedura pois, neste caso, será necessário usar tripas plásticas. A cozedura com ar húmido é
mais comum e, pode ser combinada com a fumagem. Os enchidos devem ser cozidos de modo a que a temperatura no interior da peça atinja os
80 ºC. Por vezes utilizam-se temperaturas mais baixas (69 - 77 ºC).
4 Arrefecimento
Depois da cozedura, os enchidos devem refrigerar-se o mais rapidamente possível.
5 Embalagem
A embalagem de enchidos pequenos em vácuo ou em atmosfera modificada é, hoje em dia, uma prática comum. Em muitos casos, a embalagem
é efectuada antes da cozedura de forma a evitar contaminações durante o processo de embalamento.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 199
4.7.1 Produtos cárnicos cozidos para barrar
Os principais são enchidos de fígado, os patês e alguns tipos de pastas de
carne. Um requisito comum é o conteúdo mínimo de carne de 50% para os
enchidos com base em fígado, e 70% noutros.

No caso dos enchidos de fígado, este representa cerca de 50% do total usan-
do-se também papadas, couratos e outros ingredientes com uma grande
quantidade de tecido conjuntivo. Estes ingredientes proporcionam gelatina ao
produto final o que contribui para a sua textura. No caso dos patês, na grande
maioria dos casos, o conteúdo em fígado não ultrapassa os 25%.

Processamento
O procedimento habitual para a preparação destes produtos baseia-se em co-
zer completamente os couratos e ligeiramente os outros componentes cárni-
cos, incluindo o fígado. Depois de cozida a carne é submetida a uma picagem
fina. O fígado também pode ser picado até que se incorpore algum ar, adqui-
rindo uma textura espumosa. De seguida misturam-se a carne, a gordura e os
restantes ingredientes, excepto o sal e outras substâncias que contribuem para
a ligação, que são adicionados na fase final.

4.7.2 Emulsões cárnicas


Uma emulsão cárnica pode considerar-se como uma mistura na qual os consti-
tuintes da carne finamente divididos se dispersam como se se tratasse de uma
emulsão de gordura em água. A fase descontínua é a gordura e a fase contínua
é constituída por uma solução aquosa de sais e proteínas que tem em suspen-
são proteínas insolúveis, porções de fibra muscular intactas e restos de tecido
conjuntivo. A fase contínua é, na realidade, um fluído viscoso (Rust,1994).

Os principais agentes emulsionantes são as proteínas miofibrilhares solúveis.


A miosina devido ao seu carácter polar actua como ponte de união entre a
gordura e a água. Esta proteína tende a colocar-se na interface entre a água e
a gordura com a sua porção hidrofóbica ligada à gordura e a porção hidrofílica
em contacto com a água. Forma assim uma membrana viscoelástica cuja re-

200 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
sistência está relacionada com a concentração de proteína por unidade de área
(Ordoñez et al.,1998). A água envolvente fica englobada na estrutura ou fica
ligada às cargas negativas da proteína.

A área superficial crítica é a área limite para que exista resistência da película
proteica.

A eficácia emulsionante das proteínas e, por consequência, a estabilidade da


emulsão, dependem tanto do pH da carne como da quantidade de sal usada
na formulação. Se o pH se situa acima de 5,7 e o conteúdo de sal ultrapassa os
4%, separadamente ou em conjunto, melhora-se a eficácia emulsionante das
proteínas.

Para preparar as emulsões cárnicas picam-se em conjunto as carnes, gelo ou


água gelada, o sal, os agentes de cura e as especiarias.

A água e o sal formam uma salmoura que contribui para a dissolução das pro-
teínas. A quantidade de proteína extraída depende do tempo de picagem e da
temperatura.

Factores de que depende a estabilidade da emulsão

Temperatura
A temperatura à qual se prepara a emulsão é extremamente importante. Se a
temperatura for superior a 15-20 ºC é fácil que se produza a rotura da mistura
porque: diminui a viscosidade da mesma; a gordura funde-se e tende a aumen-
tar a área superficial das gotas, exigindo-se mais proteína para as estabilizar; a
reagregação das gotículas de gordura fica favorecida.

Estado e tratamento da carne depois do abate


Antes de se instalar o rigor mortis a carne tem maior capacidade emulsionante
que em pós rigor. Isto deve-se ao facto de que a quantidade de proteína em
solução é maior, para além de que, a proteína nesta fase tem maior capacidade
de emulsificação da gordura e de ligação de água. Esta capacidade pode ainda

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 201
ser aumentada em cerca de 50% se for adicionado sal antes da instalação do
rigor (Rust, 1994). Esta maior capacidade emulsionante deve-se ao facto de a
actina e da miosina se encontrarem livres.

Pré-mistura
A pré-mistura dos ingredientes (sal, agentes de cura e especiarias) tem tam-
bém um efeito positivo porque facilita a sua dissolução.

Viscosidade
A viscosidade das emulsões cárnicas reduz-se ao aumentar a quantidade de
agua adicionada. A adição de sal aumenta a viscosidade enquanto, o abaixa-
mento do pH a reduz.

Tamanho das gotículas de gordura


Durante a emulsificação a gordura deve dividir-se em partículas cada vez me-
nores. Não obstante, à medida que diminui o tamanho das gotículas, a sua área
superficial aumenta proporcionalmente pelo que, se necessita maior quantida-
de de proteína para as recobrir. O excesso de picagem pode originar uma área
superficial tão grande que leve a que a proteína presente possa não estabilizar
adequadamente a emulsão.

pH
O valor do pH afecta a emulsificação devido ao seu efeito sobre as proteí-
nas. As proteínas miofibrilhares têm a sua máxima capacidade emulsionante
a valores de pH perto da neutralidade (7,0). Com os valores de pH normais
nos produtos cárnicos (5,8-6,0), embora a capacidade emulsionante seja mais
reduzida, pode ser aumentada com a adição de sal.

202 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
figura 4.75
Aspecto de uma picadora de carne
tipo “cutter” e de uma pasta resultan-
te de uma picagem correcta

4.7.3 Geís cárnicos


As emulsões cárnicas permanecem estáveis por apenas algumas horas. A esta-
bilidade das emulsões por mais tempo depende da formação de ligações fortes
entre os seus componentes, o que se consegue desnaturando as proteínas por
aplicação de um tratamento térmico (produtos cárnicos cozidos) ou mediante o
abaixamento do pH (produtos cárnicos fermentados). A cozedura ou a acidifica-
ção facilitam as ligações intermoleculares que originam a criação de uma rede
tridimensional de proteínas.

As interacções proteína-proteína que originam a formação de uma rede tridi-


mensional produzem-se através de pontes de hidrogénio, de forças electrostá-
ticas, de pontes dissulfureto, de interacções hidrofóbicas e de forças de Van der
Waals.

A desnaturação da miosina produz-se a 45 ºC, com concentrações salinas entre


3 e 4% de sal e pH 6, habitualmente usados na indústria cárnica (Ordoñez et al.,
1998).

Tratamento térmico
Com o tratamento térmico conseguem-se uma série de efeitos tecnológicos
como sejam:

A ligação da massa por estabelecimento de um gel com a textura desejada (65-70 ºC)


O desenvolvimento das características sensoriais desejadas: sabor, textura e cor (p. ex. fiambre)
A inactivação de enzimas cárnicas que poderiam causar alterações posteriores no produto
A destruição das formas vegetativas de microrganismos patogénicos

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 203
A aplicação do calor realiza-se mediante a imersão das peças em banhos de
água quente ou por acção de ar húmido, dependendo os tempos de cozedura
da dimensão da peça. Em todos os casos, o tratamento deve garantir que no
interior da peça seja atingida, pelo menos, uma temperatura de 72 ºC.

Exemplo de produção de produto cozido. Fiambre.

O fiambre da perna ou da pá é um produto cárnico cozido muito comum. O


processo de fabrico engloba a selecção da carne, que pode ser da perna ou da
pá, a salmoura e massagem, a enformagem e cozimento e, o arrefecimento e
embalagem do produto final.

A carne deverá ser de boa qualidade e, uma vez que as características deste
produto dependem muito da capacidade de retenção de água da carne, é muito
importante evitar o uso de carnes pálidas moles e exsudativas (PSE). Para o caso
do fiambre da perna pode também ser usada uma fatia fina de courato que re-
cobrirá uma das superfícies do produto. As peças a usar deverão ser desprovidas
de gordura, tendões e coágulos de sangue.

Depois de escolhida, a carne é mantida em salmoura em condições de refrige-


ração, de forma a adquirir as características ideais. A salmoura é constituída por
sal, nitritos (essenciais para a formação do pigmento que dá a cor ao fiambre e
para a inibição do desenvolvimento de agentes patogénicos), ácido ascórbico e
outros aditivos autorizados que promovam a retenção de água (p. ex.: fosfatos e
carragenina). O processo de salmoura tradicional pode ser feito em tanques mas,
mais vulgarmente, a salmoura é injectada na carne por equipamentos dotados
de agulhas finas (figura 4.76).

Depois de injectada a carne é submetida a um processo denominado tenderi-


zação. Neste processo a carne sofre pequenos cortes que permitirão a absorção
da salmoura.

Em seguida, a carne é colocada num bombo de massagem (idealmente equipa-


do com vácuo) onde é submetida a um processo de batedura suave (10 rotações
por minuto) que visa promover a incorporação da salmoura e a solubilização da
proteína (figura 4.77). Este processo dura cerca de 20 horas devendo os bombos
estar em câmaras de refrigeração a uma temperatura de cerca de 3 ºC.

204 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
fosfatos/carragenina

carne de suíno
sal/nitrito de sódio
ácido ascórbico

selecção da carne

corte

injecção de salmoura
de polietileno

tenderização
Figura 4.77
Injecção de salmoura e tenderização da carne destinada ao fabrico de fiambre
sacos

massagem

ensacamento a vácuo

enchimento dos moldes


moldes

cozedura
vapor ou
banho

arrefecimento

desmoldagem

fiambre cozido

Figura 4.76 Figura 4.78


Diagrama de produção Aspectos, e diagramas, de bombos de massagem de carne
de fiambre

Figura 4.79
Enchimento de formas de prensagem para cozedura de fiambre

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 205
a b

Figura 4.81
Aspecto do fiambre da per-
a estufa na após desenformagem
b de imersão

Figura 4.80
Cozedores de fiambre

Após esta fase, a carne é colocada em sacos de polietileno fechados a vácuo.


Os sacos são colocados em formas que permitem a prensagem da mistura de
modo a adquirir o formato final.

As formas são colocadas numa estufa de vapor e cozidas, devendo ser garan-
tida a temperatura necessária. A temperatura interna da estufa deve rondar os
76 ºC. O cozimento poderá ser terminado dez a quinze minutos depois de o
centro térmico da carne atingir 68 ºC. Se a carne atingir apenas 65 ºC deve, ser
mantida a essa temperatura por, pelo menos, 30 minutos. A temperatura da
carne não deverá exceder os 71 ºC de modo a não afectar a cor do produto.

Após o arrefecimento (inicialmente com um duche da água fria) o produto é re-


tirado da forma, sendo refrigerado de imediato a temperaturas inferiores a 4 ºC.

4.8 Tecnologias de processamento simplificadas


Transformação da carne sem refrigeração

A qualidade da carne e a vida útil dos produtos cárnicos conservados depende


das condições microbiológicas e bioquímicas da carcaça usada para o pro-
cessamento. A carcaça, que deverá ser de animais saudáveis e com razoável
condição corporal, deverá ser obtida da forma mais higiénica que for possível.

206 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Embora as condições de manuseamento, armazenagem e consumo da carne pos-
sam diferir entre locais, os factores que limitam a sua vida útil são os mesmos.

Há factores endógenos como o valor do pH, ou grau de acidez do produto, a


actividade da água e, factores exógenos como a presença de oxigénio do ar,
microrganismos, temperatura, luz, evaporação ou dessecação, que têm influência
sobre as características de conservação da carne.

Como já se disse, de forma genérica, a vida útil da carne e dos produtos cár-
nicos será tanto mais longa quanto mais baixos forem o pH e, ou, a actividade
da água. Ambos os factores têm uma influência decisiva sobre o crescimento
de microrganismos. Contudo, para a maioria dos produtos cárnicos, por razões
organolépticas, existem limites relativamente à redução destes dois parâmetros.
Com excepção de alguns produtos em especial, os consumidores não apreciam
produtos cárnicos muito secos ou ácidos.

Ingredientes importantes usados no processamento artesanal de carnes


O sal é um ingrediente importante para a preparação de produtos cárnicos por
duas razões: melhora o sabor e contribui para a conservação dos produtos. O
conteúdo em sal da maioria dos produtos cárnicos situa-se entre 2,5 e 5,0 %.

Para que, isoladamente, pudesse funcionar como conservante, seria necessário


usar concentrações de sal da ordem de 17%. Este teor é demasiado elevado para
que o produto possa ser consumido directamente.

A cura é um processo que, inicialmente dependia apenas da adição de sal. Há


muito tempo que se verificou que o nitrato de sódio (NaNO3), uma impureza
normalmente presente no sal marinho era responsável pelo desenvolvimento de
uma cor rosada nos produtos cárnicos. Mais tarde verificou-se que era o nitrito
(NO2), formado por redução do nitrato pelas bactérias, o composto responsável
pela alteração da cor. O nitrito adicionado à carne converte-se rapidamente numa
mistura em equilíbrio de NO3, NO2 e óxido nitroso (NO). O nitrato eventualmente
desaparece como resultado de reacções químicas com componentes da carne ou,
pela acção dos microrganismos.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 207
Figura 4.82
Exemplos de especiarias
em pó

Os nitratos e nitritos afectam também o sabor dos produtos pois actuam como
anti-oxidantes e, para além disso, têm propriedades bacteriostáticas. Usam-se
normalmente em concentrações inferiores a 150 mg por kg de produto. Nor-
malmente é aconselhada a sua dissolução em água antes da adição ao produto.

O termo tempero é usado para uma série de ingredientes que melhoram o sabor
e o aroma dos produtos cárnicos. O sal e a pimenta são normalmente a base
para todos os temperos. Outros ingredientes como sejam uma série de especia-
rias (p. ex.: colorau, caril, canela, mostarda), ervas aromáticas e outros agentes ve-
getais são também usados e conferem aos produtos o seu gosto característico.

Todas as especiarias e condimentos deverão ser armazenados em locais secos e,


se possível, em contentores fechados. Não deverão ser expostos à acção directa
da luz solar e, de preferência, deverão ser moídos no dia em que forem usados.

Abate caseiro
As operações de abate caseiro de animais pequenos podem ser efectuadas com
o animal pendurado. No caso dos animais de grande porte, a sangria, o corte das
patas e a abertura da pele pode ser executada no chão. Contudo, é altamente
recomendado que a carcaça seja suspensa em estruturas simples (que podem
ser de madeira) para que se completem as operações de esfola e evisceração.

Manuseamento da carcaça

A refrigeração da carne é fundamental para o seu processamento. Contudo, em áreas rurais de países em desenvolvimento, o acesso a
unidades de refrigeração é escasso e, as distâncias das zonas rurais para as zonas onde elas existem são, normalmente, bastante grandes.
Tal situação obriga a que a carne seja processada sem refrigeração. Nestas circunstâncias, a carne é normalmente submetida a um processo
de secagem ou é utilizada para consumo imediato.

208 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Figura 4.83
Venda de carne fresca
não refrigerada

Quando se trabalha com carcaças não refrigeradas as suas peças deverão ser consumidas ou secas no dia do abate. Nestas condições a
higiene durante o abate e as operações de corte é fundamental para a qualidade do produto final. Quanto maior for a contaminação inicial
mais rápida será a deterioração da carne. É muito importante também ter em atenção a qualidade da água usada nas operações de abate
e de desmancha.

Um outro processo de conservação deste tipo de carnes é a utilização de ácidos orgânicos. A superfície da carne pode ser tratada com ácido
acético, cítrico, láctico ou ascórbico. O sorbato de sódio também poderá ser empregue como conservante. Estes compostos podem ser
usados isoladamente ou em combinação, em spray ou mergulhando as peças na solução conservante. O tratamento das carcaças com estes
produtos tem dado bons resultados nas condições em que a cadeia de refrigeração é quase inexistente, como acontece nas áreas rurais de
países em vias de desenvolvimento. Soluções aquosas de sorbato de sódio (20%) ou a 5% de acetato ou de cloreto de sódio pulverizadas
sobre carcaças quentes, permitem duplicar o tempo de conservação da carne a temperaturas entre 25 e 35 ºC (FAO,1990)

Produção de carne seca

Princípios da secagem de carne


A secagem em condições naturais de temperatura, humidade e circulação do
ar, é o mais antigo método de preservação da carne. Este processo baseia-se na
desidratação gradual das peças de carne cortada de modo uniforme, no sentido
de permitir um grau de desidratação semelhante em todas elas.
A secagem da carne é um processo complexo que envolve o abate do animal, a
desmancha da carcaça, a selecção das peças para secar, o seu corte adequado,
o pré-tratamento das peças, o adequado arranjo das instalações de secagem,
e o controlo das condições de secagem. A ocorrência de condições meteoro-
lógicas desfavoráveis (p. ex. chuva) tem também de ser considerada para que
se evitem problemas e perdas durante o processo. O segredo de uma correcta
secagem da carne resulta da manutenção de um balanço adequado entre a
evaporação de água da superfície da carne e da migração de água das camadas
mais profundas da carne para a sua superfície.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 209
Ar quente e seco, isto é, com baixa humidade relativa (entre 40 e 60 %) e peque-
nas variações de temperatura entre o dia e a noite são condições ideais para a
secagem da carne. A secagem será tanto mais rápida quanto mais elevada for a
temperatura, mais baixa a humidade do ar e, mais intensa a sua circulação.
A evaporação de água da carne é relativamente elevada durante o primeiro dia
de secagem decrescendo depois de modo gradual. Após um período de seca-
gem de três a quatro dias a carne perde entre 60 e 70% do seu peso.
A perda de peso durante a secagem causa alterações da forma da carne devido
ao encurtamento do músculo e do tecido conjuntivo. As peças de carne tornam-
-se mais pequenas mais finas enrugadas. Naturalmente que a sua consistência
aumenta consideravelmente.
Para além destas alterações físicas, ocorrem também reacções bioquímicas espe-
cíficas com um forte impacto sobre as características organolépticas do produto.
Em carnes resultantes de carcaças não refrigeradas, as reacções que caracteri-
zam a maturação ocorrem muito rapidamente pelo facto de a temperatura da
carne se manter elevada. Isto dá origem a claras diferenças no aroma e sabor
da carne seca. A carne seca tem um sabor ligeiramente rançoso, que resulta da
rápida oxidação da gordura.
Algumas alterações indesejáveis podem resultar quando a carne tem um teor re-
lativamente elevado de gordura. Em carnes gordas o desenvolvimento do sabor
e cheiro a ranço podem ser muito rápidos.
Deverá haver um cuidado especial para que a superfície de carne não fique de-
masiado seca enquanto houver uma quantidade de humidade elevada no seu
interior. Se a superfície estiver demasiado seca, a eliminação de água das zonas
mais profundas será dificultada e, deste facto poderão resultar carnes secas de
modo não uniforme, iniciando-se a deterioração nas zonas onde o teor de humi-
dade se mantém muito elevado.
Seguidamente, descreve-se a tecnologia básica da secagem de carne na qual
se inclui uma operação de pré-salga antes da desidratação. Esta pré-salga não
é absolutamente necessária mas tem algumas vantagens sobretudo quando se
pretende salgar peças de carne relativamente grandes.

210 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Selecção da carne para a secagem
Como regra geral, apenas a carne magra deverá ser seleccionada para secagem.
A gordura visível aderente às peças de carne deverá ser removida uma vez que
tem um efeito negativo sobre a qualidade do produto final.

As carcaças deverão ser correctamente desmanchadas e cortadas. Em ausência


de condições de refrigeração as carcaças deverão ser cortadas e desossadas ime-
diatamente após o abate.

As peças separadas da carcaça deverão ser suspensas e os músculos individuais


deverão ser cuidadosamente cortados. Em seguida, o tecido muscular deverá ser
cortado em tiras, sendo a qualidade deste corte essencial para a aparência e qua-
lidade do produto final. Deverá haver o cuidado de obter um tamanho uniforme
para as tiras cortadas.

As tiras de músculo podem ser cortadas sobre uma mesa limpa ou mantendo o
músculo em suspensão. Em ambos os casos, o corte das tiras deverá ser feito ao
longo das fibras musculares. A espessura das tiras deverá ser tão uniforme quanto
possível. O comprimento das tiras também deverá ser uniforme, não inferior a 20
cm nem superior a 70 cm (FAO, 1990).

Uma vez que a carne é sempre consumida ligeiramente salgada, é conveniente


salgar a matéria-prima antes da secagem. Este procedimento contribui para a
obtenção de um produto mais saboroso mas é também interessante do ponto
de vista tecnológico e higiénico. O sal pode ser usado em seco ou em solução
aquosa a 15-20% (150-200g de sal por litro de água).

Mergulhar a carne na solução salina inibe o crescimento microbiano na sua super-


fície. Por esta razão as tiras deverão ser mergulhadas na salmoura nas primeiras
cinco horas após o abate. Depois desse período ocorre uma multiplicação muito
elevada de microrganismos e a salga torna-se pouco eficaz. A pré-salga protege
também contra ataques de insectos durante a secagem. A carne não salgada é
muito atractiva para os insectos que, para além de aumentarem a contaminação
microbiana, podem depositar ovos na sua superfície.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 211
Uma camada fina de sal cristalizado forma-se na superfície da carne durante a
secagem. Os cristais de sal são higroscópicos e absorvem parte da água liberta-
da da carne mantendo a sua superfície seca. Para além de inibir as bactérias, esta
camada de sal impede o ataque de bolores.

As tiras de carne deverão ser mergulhadas na salmoura por cinco a dez minutos
sendo de seguida escorridas. A salmoura poderá também conter ácido acético
(vinagre) numa proporção de 50%, ou seja, metade salmoura e metade vinagre.

Instalação para a secagem da carne


Não é recomendável secar as peças sobre arames ou em ramos de árvore. Para
além de eventuais diferenças na velocidade de circulação do ar sob as árvores,
algumas peças podem ficar directamente expostas ao sol enquanto outras ficam
recobertas pela folhagem o que origina diferenças no grau de desidratação das
tiras. Por outro lado, o vento pode arrastar poeira ou folhas e, a presença de
insectos pode ser maior. Para além disso, se acontecer chover, é muito difícil
proteger as tiras penduradas nestas condições.

É por isso recomendável que se construam instalações simples que permitam


evitar estes problemas. Na figura 4.84 apresenta-se um esquema de uma instala-
ção simplificada para secagem. Estas instalações podem ser construídas com di-
versos materiais (madeira, metal ou postes de cimento), podem ser fixas ou mó-
veis e podem ou não ser cobertas. No caso de serem cobertas podem também
ser protegidas dos ataques dos insectos, envolvendo-as com rede mosquiteira.

Este tipo de secador consiste em quatro forquilhas de madeira ou de metal en-


terradas no solo e ligadas entre si por duas travessas longitudinais de 3-4 metros.
Ripas de madeira ou de metal são colocadas transversalmente a uma distância
de 20 cm entre si. Poderão também ser usados cabos metálicos ou de plástico
com capacidade para suportar o peso da carne. Dependendo da altura do su-
porte, poderá haver vários níveis para secagem da carne. Deverá haver o cuida-
do de garantir que o nível mais baixo esteja a uma altura do chão superior a 1

212 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
1-2 m

1,80 m

3,80 m

Figura 4.84 Figura 4.85


exemplo de secador de Aspecto geral de suspensão de
carne simplificado tiras de carne em laços

metro. Poderão ainda ser colocadas coberturas simples e a estrutura poderá ser
envolvida com rede mosquiteira para impedir o acesso a insectos. Deverá haver
particular cuidado no sentido de impedir o acesso de animais de maior porte
(p. ex. cães) à carne pendurada. Quer o tecto quer as protecções laterais, pode-
rão ser feitas com chapas de zinco ou alumínio. As chapas laterais deverão ter
uma altura de 1,20 m e deve haver o cuidado de haver uma adequada abertura
superior para a circulação do ar.

Deverão ter-se em conta os seguintes pormenores relativamente à suspensão


das tiras de carne:

O número de peças suspensas por ripa deverá ser sempre o mesmo (p. ex. 30) para se garantir uma boa circulação do ar
A distância entre as tiras também deve ser igual e deve permitir a boa circulação do ar
As tiras mais longas e mais pesadas deverão ser colocadas nas extremidades das ripas enquanto as mais pequenas deverão ficar no
meio, de forma a permitir o contacto das peças maiores com maior massa de ar que circula na zona externa do secador

Qualidade do produto final


A secagem da carne em peças com as dimensões referidas deverá demorar
entre 4 e 5 dias. Após este período a carne está pronta para consumo e pode
ser embalada, armazenada ou transportada. Nesta fase, o produto deverá obe-
decer às seguintes características:

A aparência deverá ser tão uniforme quanto possível;

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 213
A cor da superfície bem como a cor dos pedaços cortados, deverá ser uniforme
e vermelho acastanhada escura. Uma zona escura externa e uma cor vermelha
brilhante no interior, indicam uma secagem deficiente. Isto é, indica que ocor-
reu uma desidratação superficial muito intensa que impediu a evaporação de
água das zonas mais profundas da carne. Esta zona central fica com mais hu-
midade, sendo por isso mais brilhante e é mais sensível à deterioração quando
embalada e armazenada. Estas peças deverão ser mantidas a secar até se obter
uma cor uniforme;

A consistência de uma carne bem seca deverá ser semelhante à da carne con-
gelada;

O sabor e o aroma da carne seca são importantes critérios de qualidade. A carne


deverá possuir um sabor medianamente salgado, característico da carne seca.

Embalagem e armazenamento
Durante a armazenagem deverá ser prestada especial atenção à humidade do
armazém de forma a evitar que a carne humedeça o que iria permitir o rápido
crescimento de bactérias e de bolores. Em boas condições de armazenagem a
carne seca deverá durar mais de seis meses.

Preparação para o consumo


A carne seca pode ser consumida tal como está ou pode ser rehidratada, de
forma a assemelhar-se a carne fresca. Normalmente, a rehidratação ocorre
quando esta carne é cozinhada.

Tratamentos adicionais durante a secagem poderão ser a cura (com nitratos) a


fumagem e, mais vulgarmente, a adição de especiarias (p. ex.: alho, gindungo).

Nestes casos, a acção anti-bacteriana das especiarias, do nitrato ou da fuma-


gem podem permitir uma desidratação menos intensa da carne, permitindo o
seu consumo sem rehidratação.

214 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
a b c

d e f

a b corte e preparação das tiras c d salmoura e escorrimento e adição de especiarias f secagem

Figura 4.86
Etapas do processo de
produção de carne seca

Figura 4.87
Carne seca com especiarias
embalada em vácuo

Carne-de-sol
A carne de sol é ligeiramente salgada e parcialmente desidratada tendo uma vida
útil limitada a 3-4 dias. É um produto consumido em grandes quantidades no Nor-
deste Brasileiro. É tradicionalmente produzida a partir de carne de vaca ou de cabra.

A carne-de-sol é caracterizada pela sua forma, as denominadas mantas, e pela


sua cor castanho escura. É usada como substituto da carne em zonas onde não
existem sistemas de refrigeração e mantém a maioria das características da carne
original, quando é processada e cozinhada em boas condições.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 215
Figura 4.88
Carne-de-sol. Aspecto geral
das típicas mantas.
Note-se a presença de gordura
e de tendões nas peças de carne
O nome carne-de-sol não é exactamente correcto, uma vez que raramente esta
carne é seca directamente ao sol. A secagem é normalmente efectuada em zo-
nas cobertas e bem ventiladas o que permite uma dessecação gradual e contro-
lada dos tecidos superficiais. Em tempos usou-se o termo carne-de-vento o que,
na realidade, é uma descrição mais apropriada (Norman & Corte, 1985).

A carne-de-sol é normalmente preparada com carne de toda a carcaça. Os depósi-


tos de gordura subcutâneos e intramusculares variam consideravelmente de peça
para peça e, estas diferenças afectam a penetração do sal e a perda de água du-
rante a secagem. O produto tem teores de sal entre 5 e 6% e teores de água entre
64 e 70%. O pH reduz cerca de 0,4 unidades em relação ao da carne original e, a
actividade da água reduz-se para valores de cerca de 0,94 (Norman & Corte, 1985).

Charque
O charque é obtido através da salga de carne de vaca desossada em condições
que permitem a sua conservação à temperatura ambiente por períodos mais
longos.

Basicamente, a sua manufactura resulta da salga húmida e seca de peças de


carne cortadas com espessura uniforme. A carne é submetida a salga húmida
e seca, sendo depois lavada, submetida a secagem e, finalmente embalada. A
secagem é normalmente feita ao sol.

A secagem ao sol é controlada, de forma a evitar uma excessiva desidratação


superficial.

A perda de água e a secagem são muito mais pronunciadas do que no caso da


carne-de-sol e, a sua preparação demora mais tempo resultando num produto
com cerca de 45% de humidade e uma actividade da água que se situa entre
0,87 e 0,91. O conteúdo em sal é elevado (12-15%) e, o seu pH decresce 0,6 a

216 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Figura 4.89
Charque produzido industrialmente
embalado em vácuo (Jerked Beef)

0,8 unidades durante o processamento. Também ocorrem alterações enzimáticas


que conferem à carne o seu sabor característico.

Embora o processo seja muito afectado pela natureza da matéria-prima inicial, o


rendimento situa-se em cerca de 550g por quilo de carne utilizada. No processo
consomem-se também cerca de 100g de sal por kg de carne (Normam & Corte,
1985).

Actualmente o Brasil exporta um sucedâneo do charque produzido industrial-


mente. Este produto tem um teor de humidade mais elevado (até 55%) e são uti-
lizados nitratos e nitritos para aumentar o seu tempo de conservação. O produto
é embalado em vácuo e, apesar do elevado teor de humidade, tem um grande
tempo de conservação (Felício, 2002). Este produto adoptou a denominação de
Jerked Beef, derivada de Jerky, forma como os marinheiros ingleses no século XVIII
pronunciavam charque.

4.9 Outros produtos da indústria das carnes


4.9.1 Subprodutos
No que se refere aos subprodutos, estes são definidos como sendo tudo aquilo
com valor económico, com excepção da carne, que se pode obter de um animal
durante o abate. O aproveitamento integral dos subprodutos oriundos do abate
através do processamento e industrialização, reveste-se de grande importância
económica num estabelecimento de abate.

Os não-componentes da carcaça, são os constituintes do peso do corpo vazio,


exceptuando-se a carcaça, ou seja, conjunto de órgãos (pulmões e traqueia, co-
ração, fígado, pâncreas, timo, rins, baço, diafragma, testículos, pénis e bexiga),
vísceras (esófago, estômago e intestinos delgado e grosso) e outros subprodutos
(sangue, pele, cabeça, extremidades e depósitos adiposos: gordura omental, me-

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 217
sentérica, pélvica e renal) obtidos após o abate dos animais. Quando as carca-
ças são desmanchadas os ossos são também aproveitados. No caso das aves,
também as penas são aproveitadas para o fabrico de farinha de carne.

Os não-componentes da carcaça podem variar de 39,2 a 69,6 % do peso vivo


do animal, em função da raça, sexo, idade, peso vivo, condições nutricionais e
categoria animal.

Do ponto de vista biológico, a maior parte do material animal que não forma a
carne pode ser comestível depois de adequado tratamento de limpeza e pre-
paração. Sem dúvida, devido aos costumes, religião, palatabilidade e reputação
dos produtos, em alguns países, só se consideram comestíveis, o fígado, o co-
ração, a língua, os rins, o cérebro e as tripas usadas na confecção de enchidos.
Existem outros subprodutos que são comestíveis dependendo da cultura local.

A seguir são descritos os principais órgãos e suas implicações no consumo


humano, alimentação animal e industrialização.

Orgãos

Pulmões
Trata-se de um órgão muito procurado pelos laboratórios para extracção de
heparina, que é um possante anticoagulante empregado em numerosos casos
cirúrgicos. Há algum tempo era extraída do fígado, sendo actualmente retirada
do pulmão. Os pulmões têm sido utilizados na alimentação humana em alguns
países, quando obtidos de forma higiénica. No caso dos pulmões dos suínos,
como ficam conspurcados durante o escaldão, são destinados à alimentação
animal.

Coração
O coração é eviscerado na sala de abate, juntamente com o pulmão, e no acto
de sua inspecção é retirado do saco pericárdico. Este órgão é pouco utilizado
pelos laboratórios, apesar da sua riqueza em ferro e fósforo.

218 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Na alimentação humana, o coração tem sido utilizado na composição de patês,
assado no forno e/ou churrasqueira e na confecção de enchidos.

Fígado
É obtido no acto da evisceração, onde depois de inspeccionado é conduzido
por meios adequados à secção de miúdos. É constituído por vesícula biliar, va-
sos sanguíneos, canal biliar, canal colédoco, cístico e pancreático, além dos nó-
dulos linfáticos regionais.

Na alimentação humana, o fígado tem sido preparado através da fritura, assado


e como ingrediente de enchidos (base de muitos patês) e na alimentação ani-
mal, como ingrediente de rações para cães e gatos.

Nódulos linfáticos

A sua colheita é muito delicada e deve-se ter o cuidado de só aproveitar gân-


glios de animais perfeitamente sadios. Têm sido utilizados na formulação de
medicamentos, uma vez que seus extractos estimulam as funções linfáticas,
hematopoiéticas e fagocitárias em todas as infecções microbianas.

Pâncreas
Trata-se de um órgão muito procurado pelos laboratórios, sobretudo para a
preparação da insulina e pancreatina. É consumido pelo Homem em alguns
países.

O produto mais importante retirado do pâncreas é incontestavelmente a insuli-


na, hormona hipoglicemiante.

Ainda do pâncreas, pode ser isolada a tripsina, enzima proteolítica que é utiliza-
da para digerir tecidos necrosados.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 219
Timo
É um órgão glandular muito procurado por alguns consumidores para fins ali-
mentares. Raramente é empregado para uso farmacêutico. O pó de timo, a ti-
mosina, entra também em um pequeno número de preparações farmacêuticas
contra o bócio e para problemas de crescimento.

Rins
Os rins são isolados da gordura peri-renal e a cápsula renal é destacada na sala
de abate. Depois de inspeccionado é enviado à secção de miúdos.
É um órgão muito procurado para consumo humano, sendo normalmente pre-
parado cozido, frito, assado e utilizado na confecção de patês e enchidos.

Baço
A sua colheita e preparação são fáceis. É normalmente utilizado na alimentação
animal (cães e gatos) e na indústria farmacêutica.

Testículos
O testículo secreta várias hormonas, e entre as mais conhecidas estão a testos-
terona e a androsterona.
Os testículos têm sido utilizados na alimentação humana, sendo preparados
através da fritura e assados em forno.

Vísceras

Esófago
Depois de destacado e inspeccionado, é lançado para a secção de miúdos, onde
é então lavado, limpo e seco ao sol por 5 a 12 horas sendo posteriormente leva-
do à estufa por mais 12 horas.
Este órgão é destinado basicamente a alimentação animal (rações para cães e
gatos). No entanto, em alguns países também serve para a alimentação humana.

220 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Estômago

É enquadrado na categoria de miúdos. Este órgão é obtido na sala de matança,


onde juntamente com o rúmen, retículo e omaso são separados e suspensos em
ganchos. É feita então uma incisão à faca na porção inferior, resultando no esva-
ziamento de seu conteúdo. A seguir são lavados com água sob pressão e introdu-
zidos em máquinas rotativas apropriadas, onde é feita um raspagem mecânica e
lavagem com água quente.
Da raspagem mecânica é obtido o limo, que é destinado à fabricação de coalhos
de origem animal usados no fabrico de queijo. Também pode ser obtida a muci-
na, que é utilizada na preparação de medicamentos para tratamento de úlceras.
Em alguns países são usados directamente para consumo humano (p. ex. dobra-
da) ou como envoltório para enchidos.

Intestinos
O intestino delgado de ovinos é utilizado para fazer categute (linha cirúrgica),
usado em cirurgia. Do intestino delgado, especificamente do duodeno, extraem-
-se certos produtos que entram na composição de vários medicamentos empre-
gados contra as afecções intestinais.
Do intestino delgado de suínos são obtidas as tripas, que são normalmente utili-
zadas como envoltórios para enchidos.

Outros subprodutos
Os subprodutos a serem descritos neste item, referem-se basicamente ao sangue
e às gorduras.

As peles, que se enquadram neste tipo de subprodutos, serão abordadas separa-


damente, dado o seu valor económico.

Sangue
O sangue é composto por uma parte líquida, o plasma e de elementos celulares.
O plasma concentra a água, sais de sódio, gorduras, glicose, proteínas e diferentes

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 221
produtos do metabolismo. Os elementos celulares são representados pelos gló-
bulos vermelhos, glóbulos brancos e as globulinas ou plaquetas.

Do sangue, são extraídos diversos compostos destinados a fabricação de medi-


camentos, como a fibrina, a hemoglobina e a histidina.

A fibrina pode ser empregada para a preparação das peptonas, que são usadas
para convalescentes e debilitados.

A hemoglobina é utilizada no combate às anemias, aos convalescentes, em do-


enças infecciosas, e carências proteicas. A histidina é um hematopoiético pos-
sante que favorece a formação das globulinas.

Na alimentação humana o consumo de sangue de animais sadios, refere-se prin-


cipalmente à preparação de enchidos (p.ex.: morcela e linguiças) ou em patês.
Por vezes é usado directamente na confecção de alguns pratos (p. ex. cabidela).

Na alimentação animal, o sangue tem sido utilizado como ingrediente de rações.

Gorduras
Na maioria dos casos as gorduras são aproveitadas para o fabrico de farinhas de
carne, em conjunto com outros subprodutos. Contudo, no caso dos suínos, uma
parte substancial é aproveitada para o fabrico de banha que pode ser utilizada
como uma excelente gordura de origem animal. Noutras situações, as gorduras
de origem animal são também usadas no fabrico de margarinas. Finalmente,
podem ser utilizadas pela indústria química, para o fabrico de sabões e de outros
produtos de higiene.

222 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Figura 4.90
Processo artesanal de curtimenta
de peles e aspecto de pele curtida
de bovino da raça Nguni

4.5.1 Couros/peles
Curtir couros e peles é uma das actividades mais antigas da Humanidade. Os nos-
sos antecessores pré-históricos utilizavam os couros e as peles de grandes mamí-
feros para produzir roupas que os protegiam das condições climatéricas adversas.

Contudo, sem tratamento, a pele de um animal rapidamente se deteriora, apo-


drecendo. Assim, os nossos antepassados descobriram formas de deter este pro-
cesso natural de modo a que as suas roupas não ficassem inutilizadas. Quando
uma pele ficava ao sol durante alguns dias, tornava-se rígida e dura, mas o cheiro
repulsivo desaparecia.

Um importante desenvolvimento pré-histórico foi a curtimenta por fumo. Os cou-


ros e peles eram utilizados como materiais de construção para tendas e cabanas.
O fumo das fogueiras conservava (curtia) as peles e aumentava a sua resistência
aos elementos.

Outra invenção que teve muito sucesso foi a curtimenta vegetal. Esta começou
provavelmente quando as peles eram colocadas numa poça de água rodeada
por árvores. Bocados de madeira, casca e folhas flutuavam na poça, que continha
“agentes” naturais ou químicos que curtiam a pele. Este tipo de tratamento do-
minou a indústria de curtumes até ao século XIX, quando surgiu o processo de
curtimenta do couro com crómio.

Desde a Idade Média até aos finais do século XVII, não se verificaram grandes
alterações na indústria de curtumes. Mas, desenvolvimentos na área da química
no século XIX foram vitais para o desenvolvimento da indústria, particularmente
a curtimenta ao crómio, que utiliza sais de crómio para curtir as peles e couros de
animais, bem como a utilização de enzimas e muitas outras descobertas.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 223
2 1

flor 3

7
4 5 1 epiderme 6 veia
6 8

2 pêlo 7 músculo erector do pêlo

3 glândula sebácea 8 raiz do pêlo


corium
4 glândula sudorípara 9 gordura

5 artéria 10 membrana limitante

10
carnaz 9

Figura 4.91
Estrutura da pele

Inicialmente, as técnicas utilizadas na curtimenta do couro tinham sido desco-


bertas de forma acidental. Mais recentemente, estas práticas artesanais foram
estudadas e compreendidas, o que permitiu transformar o sector do couro
numa indústria moderna.

O couro é normalmente curtido com crómio: elemento químico utilizado para


revestir outros metais (cromagem) visando a obtenção de um acabamento espe-
lhado e resistente ao desgaste. Curtir peles com sais de crómio produz um couro
flexível e macio que pode ser tingido com uma grande variedade de cores.

Estrutura e características da pele


A pele dos animais possui uma estrutura básica semelhante, sendo composta
por inúmeros feixes de fibras e fibrilhas de colagénio, entrecruzadas tridimen-
sionalmente. Estas constituem três camadas distintas da derme: a flor ou grão, o
corium e o carnaz ou carnal.

Grande parte das propriedades estéticas e utilitárias deste material derivam des-
ta estrutura.

Cada espécie animal possui uma estrutura e um padrão de cruzamento das fi-
bras bastante próprio, o qual é influenciado pela idade, sexo, raça e alimentação,
bem como pelo meio onde o animal se movimenta.

Para cada espécie existem proporções características entre a flor e o corium, es-
pessuras diferentes, arranjos distintos dos poros, bem como disposições e den-
sidades típicas das fibras de colagénio que não são homogéneas na pele. Estes
factores influenciam o aspecto da superfície e as propriedades físicas dos cabe-

224 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
dais. As peles dos ovinos, por exemplo produzem cabedais mais macios, flexíveis
e menos densos que as peles dos bovinos. Estas últimas e as de caprinos são mais
rígidas e resistentes à abrasão.

A transformação da pele em cabedal resulta da sua combinação com certos pro-


dutos que possuem a capacidade de se ligarem quimicamente com a pele, es-
tabilizando a estrutura do colagénio. Após as operações de pré-curtimenta, nas
quais são removidos química e mecanicamente pêlos, carnal e outros subpro-
dutos indesejáveis, segue-se a curtimenta da pele, a qual pode ser de três tipos:
vegetal, mineral ou com óleos reactivos. As operações de acabamento conferem
ao cabedal o toque, a maciez e a aparência desejadas.

A curtimenta vegetal, praticada desde a antiguidade pré-clássica, permaneceu


inalterável até ao século XVIII. As peles eram mergulhadas em infusões de cascas,
folhas, frutos e raízes de plantas ricas em taninos. A maioria dos cabedais pro-
duzidos entre a Idade Média e o século XIX obedeciam a este processo, o qual
manteve o seu cariz artesanal, podendo durar entre 8 a 12 meses.

A revolução industrial introduziu a mecanização e a utilização de novas substân-


cias químicas, como os taninos concentrados e sintéticos, e as curtimentas mine-
rais com crómio, alumínio e titânio. Tal permitiu reduzir o tempo de produção do
cabedal. Actualmente, a curtimenta com crómio é a mais utilizada, demorando
cerca de 4 a 5 semanas.

Processo de fabrico do couro


O processo de curtimenta é dividido em três fases principais:

preparação por processos químicos e mecânicos da fase de curtimenta a que se segue a curtimenta pro-
Ribeira e curtume
priamente dita e que origina, quando utilizado o crómio, um produto de cor azulada
regularização mecânica da espessura, neutralização e recurtume, tingimento, engorduramento, seca-
Recurtume
gem, amaciamento
preparação final, essencialmente mecânica, que visa conferir as características pretendidas de aspecto,
Acabamento
elasticidade, toque e macieza

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 225
Os animais durante a sua vida sofrem diversas doenças, como qualquer ser de
estrutura biológica, muitas das quais têm influência na estrutura da pele. Dos
defeitos que aparecem ao curtidor, os mais comuns são a carraça e o verme.
Outros tipos de defeitos são os causados pelo clima e pelo meio onde o animal
é criado, nomeadamente estruturas de pele mais ou menos abertas, ou mais ou
menos compactas. A alimentação também pode afectar a qualidade da pele.

O meio onde o animal é criado origina defeitos do género de marcas de fogo,


arranhões de arame farpado e outros.

A idade do animal, o seu sexo e a sua raça, também nos dão estruturas de pele
diferentes; por tudo isto as peles, resíduo da indústria de carnes e matéria-prima
da indústria de curtumes, devem ser previamente seleccionadas.

Na figura 4.93 é apresentado um diagrama de fluxo com as principais operações


de curtimenta.

Selecção
normalmente após a esfola as peles são submetidas a um processo de salga com
aspersão de sal sobre a superfície interna (cerca de 30% do peso da pele), o que
garante a sua conservação por tempo limitado. Nesta fase os defeitos de flor são
difíceis de avaliar, mas para evitar muitos defeitos de produção, as peles devem
ser seleccionadas. Essa selecção pode ser feita segundo vários critérios.

Nas peles bovinas pode ser por pesos (tamanho/idade) animal novo (vitelas ou
novilhos), animais de peso intermédio (machos e fêmeas, e animais pesados)
vacas e bois ou touros ou ainda segundo a cor do pêlo. Nas peles de cabra e
ovelha os critérios de selecção poderão ser os mesmos apesar de existirem ou-
tros factores, como são a lã e a gordura natural desses animais. Após a selecção
as peles entram em produção.

Remolho e calagem
Esta fase da fabricação tem como objectivo principal devolver à pele o aspecto e
humidade semelhantes ao do momento após a esfola, o qual se perdeu durante
os processos de conservação por tempo limitado. Nesta fase são utilizadas gran-
des quantidades de água e de produtos humectantes, bactericidas e fungicidas.

226 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Figura 4.92
Aspectos da recolha e
armazenagem de peles

1 armazenagem e seleção

1 2 remolha e calagem
2 11
3 descarna
12
4 remoção de pêlos

2 7 5 desencalagem e lixo

6 escorrer

7 divisão e seleção
3 8 13
8 rebaixar

9 neutralização, recurtume e engorduramento

10 repouso e secagem
4 9 14
11 acamurçar

12 acabamento

13 controlo
5 10
14 seleção medição e empacotamento

Figura 4.93
Diagrama de fluxo das
operações de curtimenta

Descarna
Processo mecânico, feito na máquina de descarnar, que tem por objectivo elimi-
nar o excesso de carnes e gorduras que a pele contém (tecido subcutâneo) os
quais dificultariam as operações seguintes.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 227
Figura 4.94
Diferentes processos
de remolho e calagem

Serragem ou divisão
Processo mecânico, feito na máquina de serrar ou de dividir, que tem por objecti-
vo igualizar minimamente a pele em espessura, a qual deve ser adaptada ao fim
pretendido, tendo como subproduto o crute, o qual nesta fase será crute em tripa.

Desencalagem e lixo
Estas operações têm como finalidade eliminar o excesso de cal (desencalagem),
remover os restos de raízes de cabelo e epiderme bem como abrir a estrutura da
pele (lixo ou purga). Para tal utilizam-se produtos neutralizantes ácidos, chama-
dos desencalantes e enzimas para o chamado lixo.

Desengorduramento
Alguns tipos de pele, como as de ovinos e de suínos, contêm grandes quantida-
des de gordura natural, que causaria graves problemas, pelo que devem ser sub-
metidas a um tratamento especial para eliminar esse excesso de gordura, usan-
do-se para isso, produtos tensioactivos específicos, chamados desengordurantes.

Piquelagem
As peles são tratadas com ácidos, preparando-as para a curtimenta. Utiliza-se
sal para evitar e controlar os inchamentos da pele. Os ácidos mais usuais são o
sulfúrico e o fórmico, por serem mais económicos.

Curtimenta
Tem como finalidade estabilizar a fibra da pele, evitando a sua putrefacção. Exis-
tem diversos tipos de agentes curtientes e várias formas de curtimenta, depen-

228 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
dendo sempre do produto que se utiliza e a forma, assim como do artigo final
pretendido.

As curtimentas mais usuais, neste momento, são a curtimenta com crómio e a


curtimenta vegetal. As operações anteriores, tanto para uma como para a ou-
tra são idênticas, diferenciando-se apenas em pequenos pormenores de aspecto
técnico.

Ambas as curtimentas podem ser complementadas com outros produtos, tais


como gorduras, resinas, emascarantes e outros, com objectivos técnicos espe-
cíficos. A curtimenta é efectuada com meios semelhantes aos apresentados na
figura 4.94.

Como nos últimos anos tem aumentado a preocupação pelos problemas ecológi-
cos, hoje estão a ser desenvolvidas curtimentas alternativas ao crómio, baseadas
noutros minerais.

Após a curtimenta ter sido efectuada, as peles repousam e são submetidas a nova
selecção.

Escorrer, dividir e seleccionar


Antes de serem seleccionadas, as peles devem ser escorridas, retirando o excesso
de água, para mais fácil manuseamento e para que a operação de divisão seja
mais facilmente executada.

A divisão só é efectuada nesta fase, caso não tenha sido feito em tripa, após o
pelame e caleiro. Na curtimenta vegetal, a operação de divisão é sempre efectu-
ada em tripa.

A selecção das peles é realizada normalmente após o escorrido, tendo em conta


a qualidade da flor, o tamanho e a espessura pretendidos posteriormente, a qual
vai incidir na operação de divisão.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 229
Figura 4.95
Rebaixamento

Rebaixar
Como a operação de divisão não regulariza a espessura da pele de uma forma
completamente eficaz, nesta operação igualiza-se a espessura da pele, sendo
esta rebaixada à espessura que realmente pretendemos para trabalhar e que
equivale praticamente à espessura final da pele.

Por norma, nesta fase já está definido o artigo final que se pretende, de que vão
depender as operações posteriores.

Na indústria de curtumes, as espessuras da pele normalmente estão compre-


endidas entre 0,8 e 2,5 mm. Espessuras mais baixas que 0,8 mm somente são
utilizadas para encadernação ou outros fins muito particulares, enquanto espes-
suras superiores a 2,5 mm somente para sola e similares, no caso da curtimenta
vegetal, ou então para fins especiais no caso da curtimenta a crómio.

Peles para vestuário e forros têm espessuras baixas, para calçado de senhora e
criança as espessuras são médias-baixas (1,2 a 1,6 mm) e para calçado de homem
e calçado desportivo, as espessuras são médias-altas (1,8 a 2,3 mm).

Neutralização e recurtume
A neutralização tem como objectivo eliminar a acidez da pele, enquanto o re-
curtume tem como objectivo modificar as características da pele dadas pela
curtimenta, dependendo do artigo a fabricar.

Estes processos podem ser muito elaborados ou não, dependendo de vários fac-
tores, tais como a origem da pele, tipo de pele e qualidade desta, da espessura
de trabalho, do toque e macieza pretendidos e da compacidade desejada.

Na neutralização os produtos que se usam são os chamados neutralizantes, exis-


tindo nesta gama de produtos muitos tipos que são sempre usados com fins

230 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
técnicos muito específicos, sendo os mais usados os sais, por serem os mais
baratos e entre eles o bicarbonato de sódio e o formiato de sódio.

Engorduramento
Esta operação visa a incorporação de substâncias gordas na pele, (as quais são
diferentes da gordura natural da pele), lubrificando a flor e a estrutura interna
da pele, para que ao secar não fique dura, dando maleabilidade e flexibilidade,
assim como um toque determinado, ao mesmo tempo que lhe confere resis-
tência mecânica.

Os produtos utilizados são as chamadas gorduras e óleos, que podem ser de


origem animal, vegetal, mineral, ou sintéticas e que existem no mercado em
estado puro ou em misturas destes diferentes tipos.

As quantidades utilizadas dependem muito do artigo a obter, assim como das


operações anteriores, do tipo de pele, da sua espessura e das gorduras utilizadas.

Por norma, estas gorduras necessitam de ser fixadas à pele, o que é feito com
adição de ácidos, geralmente o ácido fórmico.

Repouso, escorrer e estirar


Terminadas as operações no fulão, a que vulgarmente se chama a fase húmida,
as peles devem repousar empilhadas algumas horas, o que pode ser feito em
cavalete, ou em paletes.

Esse repouso visa essencialmente aumentar a concentração de produtos na


pele, por escorrimento natural da água em excesso, melhorando desta forma
a sua fixação. Este repouso é fundamental para uma boa qualidade da pele. As
operações de escorrer e de estirar são realizadas numa máquina que se chama
de escorrer e estirar, ou então as duas operações podem ser feitas em separado,
em máquinas específicas para o efeito. O que se pretende é retirar o excesso
de água à pele, alisando-a também do lado da flor, preparando-a assim para a
secagem.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 231
Figura 4.96
Aspectos da secagem
de peles
Secagem
Esta operação serve, como o nome indica, para secar a pele preparando-a para
a chamada fase seca, onde são efectuados a cabo os acabamentos.

Hoje em dia, na maioria dos casos, inicia-se esta operação com uma pré-seca-
gem em vácuo, numa máquina chamada secador a vazio, no qual por meio de
temperatura e efeito de vácuo, se retira à pele a maior quantidade de água que
esta contém, após o que se segue a secagem aérea, na qual as peles são pendu-
radas em varas fixas ou móveis, deixando-as terminar de secar.

Por vezes para acelerar este processo, as peles são introduzidas em túneis de
secagem, em que por meio de ventilação e calor, se acelera o processo de se-
cagem.

Hoje em dia, todas as peles com espessuras superiores a 1,5 mm não são pre-
gadas, excepto nalguns casos de artigos muito particulares. Peles de espessura
inferior a 1,5 mm por vezes também não são pregadas, sobretudo se forem des-
tinadas a calçado. A operação de pregar dá mais rendimento em superfície, já
que as peles são esticadas, mas prejudica fortemente a pele no que diz respeito
a tacto e quebra da flor, pelo que esta operação é só para artigos específicos.

Desgarrar ou aparar, consiste em recortar as peles com tesoura, manual ou eléc-


trica, retirando as pontas à pele, restos de carne, etc. Com esta operação são
eliminadas todas as partes desnecessárias à pele, que iriam consumir produtos
sem que estas partes fossem depois aproveitadas, assim como poderiam preju-
dicar a fase de acabamentos, já que estas partes poderiam enrolar as peles nos
trabalhos mecânicos.

Normalmente e dependendo do critério do processo de trabalho, a pele é sujeita


à operação de desgarro três vezes: a primeira, após a operação de rebaixar, com
os mesmos objectivos acima descritos; a segunda, após a operação de amaciar

232 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
Figura 4.97
Acamurçar da pele

(acima descrito) e a terceira, quando as peles já estão prontas, com o único fim de
melhorar a apresentação das peles ao cliente.

Acamurçar
Operação em que as peles são passadas por uma máquina com o mesmo nome,
a qual possui um rolo com papel de lixa, sendo retirada a camada superficial da
flor da pele.

Os artigos que sofrem esta operação mecânica são: os nobuck e as camurças.

Acabamento
Após as operações anteriores, a pele entra na fase propriamente dita de acaba-
mento. Neste momento os lotes já vêm com um fim conhecido, ao qual se cha-
ma “artigo”. Os artigos mais usuais são: semi-anilina, anilina, corrigidos, nobuck,
pull-up, forro, napas, estofos, vestuário, etc. Todos estes artigos têm formas de
acabamento diferentes e específicas, apesar de cada artigo ter diversas variantes
parecidas.

Por norma, o acabamento inicia-se com um pré-fundo, ou com um fundo, seguin-


do-se diversas capas intermédias e por fim um top final. Entre estas aplicações,
a pele é levada diversas vezes a trabalhos mecânicos, principalmente chapas ou
rolos quentes que lhe conferem lisura, assim como fixam as sucessivas camadas.

O top final tem como finalidade a fixação de todo o sistema, onde se podem
incorporar diversos tactos e aspectos de maior ou menor brilho, que dá a carac-
terística específica do artigo à pele.

As aplicações dos acabamentos são feitas em máquinas próprias para o efeito,


sendo as mais utilizadas as de pistolar e as de rolos, sendo normalmente máqui-
nas contínuas.

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 233
Figura 4.98
Pormenor do acabamento
das peles

Nas soluções de acabamentos utilizam-se diversos produtos, nomeadamente


ceras, óleos, resinas de vários tipos, caseínas, produtos modificadores de tacto,
emulsões fixadoras, pigmentos, que podem ser transportadas por meio aquoso,
ou por meio de um solvente, consoante os casos.

Selecção, medição e empacotamento


Após o acabamento, as peles devem ser seleccionadas, o que é feito consoante
o critério de cada empresa, estabelecendo-se escolhas de qualidade para cada
tipo de artigo, consoante a qualidade/defeitos.

O empacotamento é a fase final, em que as peles são agrupadas em pacotes e


atadas, para mais fácil manuseamento e comercialização.

Solução de problemas ambientais causados pela indústria de curtumes


Através da redução da quantidade de sais de crómio para os níveis mínimos
necessários para garantir a qualidade que os consumidores esperam de um pro-
duto de couro, a descarga desse poluente nos efluentes resultantes do processa-
mento das peles foi reduzida em mais de 90%.

Apenas 20% da massa da pele de um animal é transformada em couro. Hoje


em dia, o excesso de gordura e de tecido que deriva do processo industrial de
curtumes é convertido em instalações de “biogás”, que utilizam um processo de
fermentação para transformar estes resíduos numa fonte de combustível alter-
nativa.

234 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 4. Carne e produtos cárnicos
As novas tecnologias também foram desenvolvidas para transformar retalhos de
couros e peles não curtidos em subprodutos orgânicos como gelatina, cola e
outros produtos proteicos.

Ao longo das últimas décadas, a ciência ajudou a indústria de curtumes a reduzir


os consumos de água em mais de 60 por cento. Isto foi possível com o desenvol-
vimento de novas técnicas de lavagem, da utilização de processos descontínuos
e de uma melhor gestão da água.

No fabrico do couro, um dos primeiros passos é a remoção do pêlo das peles


utilizando agentes químicos como o sulfureto de sódio. O resíduo orgânico re-
sultante da dissolução do pêlo acumula-se nas águas residuais enviadas para as
estações de tratamento locais. A ciência desenvolveu um novo processo que re-
duz os resíduos da remoção do pêlo em 50%. Em vez de dissolver os pêlos das
peles, estes são mantidos intactos para poderem ser utilizados como adubo pelos
agricultores, reduzindo assim a utilização de alternativas sintéticas para promover
o crescimento das culturas.

NO FINAL DESTE CAPÍTULO O ALUNO DEVERÁ


Conhecer a composição e da estrutura do músculo
Conhecer os fenómenos que estão na base da transformação do músculo em carne
Conhecer os principais factores de qualidade da carne
Ter noção da importância fundamental das boas práticas higiénicas na manipulação da carne e de produtos cárnicos
Conhecer as operações de abate e de desmancha de carcaças
Perceber os diagramas de fabricção dos diferentes produtos cárnicos

Ser capaz de aplicar tecnologias simplificadas para preservação da carne

Perceber a importância dos microrganismos na produção de produtos cárnicos fermentados

Conhecer os principais processos de tratamento de subprodutos da carne

4. Carne e produtos cárnicos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 235
5. Pescado
5.1 Os produtos da pesca
A pesca é uma actividade antiquíssima que, tal como a caça e a agricultura, é
praticada pelo Homem desde a pré-história tendo em vista conseguir obter os
meios necessários à sua subsistência a partir do meio aquático.

Entende-se por produto da pesca todos os animais ou partes de animais ma-


rinhos ou de água doce, incluindo as suas ovas e leitugas, com exclusão dos
mamíferos aquáticos, das rãs e de outros animais aquáticos.

5.2 Composição do pescado


A porção edível1 do peixe, embora tenha algumas variações na respectiva com-
posição ao longo da época do ano, varia entre 70-85% de água, 20-25% de pro-
teínas, 1-10% de gordura, 0,1-1,0% de açúcar e 1-1,5% de elementos minerais
(Lidon & Silvestre, 2007).

As proteínas do peixe têm uma composição em aminoácidos semelhante à do


músculo da carne.

O marisco e peixes marinhos também apresentam um elevado teor em iodo,


1
Porção edível diz respeito ao peso do alimento flúor, e cobalto. De um modo geral, os peixes possuem teores razoáveis de mag-
que é consumido depois de rejeitados todos os
desperdícios. nésio, fósforo e cobre.

236 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


0,8% 4,8% 3,8%
3,4%
87,2%

Figura 5.1 peixe de água doce peixe diádromo peixe marinho


Capturas de produtos crustáceos moluscos
da pesca em terra

9,0% 1,8%
6,7%
82,4%

Figura 5.2 peixe diádromo peixe marinho


Capturas de produtos crustáceos moluscos
da pesca em mar alto

Os teores de gordura do pescado são geralmente menores do que na carne.


Porém uma refeição composta por peixe gordo (p.ex.: sardinha, salmão ou cara-
pau), pode contribuir com cerca de 10% da dose diária recomendada (DDR) em
vitamina D. Uma refeição de peixe magro ou gordo fornece ainda diariamente
as seguintes percentagens da DDR de diversas vitaminas: 10% da tiamina, 15%
da riboflavina e 50% da niacina. O pescado também apresenta elevados níveis
de ácidos gordos polinsaturados, especialmente ómega-3 (cujos efeitos benéfi-
cos tendem a baixar o nível de colesterol sanguíneo).

5.3 Capturas e produção em aquacultura


Segundo dados da FAO, as capturas em 2005 ascenderam a 93,2 milhões de
toneladas resultantes da pesca comercial em pesqueiros naturais, acrescidos
de 48,1 milhões de toneladas de espécies produzidas em viveiro. Em 2007 as
capturas ascenderam a cerca de 90 milhões de toneladas sendo 80 milhões
capturados no mar e o restante em rios, lagos, mares interiores etc. As figuras
5.1 e 5.2 apresentam a distribuição das capturas em terra e em mar alto.

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 237


Fonte: FAO, 2009
(milhões de toneladas)
180 6,0
6,0
160
6,0
140 8,8 83,0
70,0
120 35,5 53,0
100
80
60 86,8 86,0 86,0 87,0
40
20
0
2000 2010 2020 2030

capturas marinhas aquacultura capturas em terra

Figura 5.3
Evolução previsível da
quantidade de produtos
da pesca usada pelo
homem

Na figura 5.3 são representados os valores das capturas e produção de pesca-


do em 2000 e 2010, bem como as previsões para os anos 2020 e 2030. De notar
a importância crescente da aquacultura no abastecimento de peixe. Em 2010,
82% do pescado foi usado directamente para a alimentação.

2
Peixes diádromos são peixes que vivem quer em Na figura 5.4 podem observar-se as espécies que mais contribuíram para as
água doce quer em água salgada; dividem-se em
anádromos, que vivem no mar mas reproduzem- capturas em 2005. As espécies de água doce estão representadas por barras
-se em água doce (p. ex. salmão); catádromos, que
vivem em água doce e se reproduzem no mar (p. azuis e, as de água salgada por barras castanhas. Note-se a grande importância
ex. enguia); anfídromos que durante a vida vivem
quer em água doce quer em água salgada mas
de espécies como a sardinha, a anchova e o arenque que, em conjunto, contri-
não por razões reprodutivas. buem com cerca de 22 milhões de toneladas.

A zona pelágica ou “mar aberto” é a região oceânica onde vivem normalmente seres vivos que não dependem dos fundos marinhos. O domínio
pelágico não abrange apenas o alto mar, mas também as águas que cobrem a plataforma continental.
Os organismos que vivem nesta região, também conhecidos como seres pelágicos, dependem apenas das características das massas de água
que são mais adequadas para o seu ciclo de vida. Fazem parte deste grupo as baleias, várias espécies de crustáceos (como o krill e os camarões),
muitos cefalópodes e espécies de peixes que vivem geralmente em cardumes, como as sardinhas, as anchovas, os atuns e muitos tubarões.
Pelo contrário, existem outros organismos aquáticos (demersais) que vivem a maior parte do tempo em associação com um substrato, quer
em fundos arenosos (p. ex. linguados) ou rochosos (p. ex.: garoupas e moreias). Os seres demersais têm capacidade de natação e, deverão ser
distinguidos dos bentónicos que não a têm, ou a têm muito reduzida.

238 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


Fonte: FAO, 2007
outros moluscos marinhos
lula/choco/polvo
ameijoa/berbigão
vieiras e outros bivalves
mexilhões
ostras
búzios
moluscos de água doce
outros crustáceos marinhos
krill
camarão/gamba
caranguejo rei
lagostas
caranguejo/aranha MARINHA
crustáceos de água doce
outras espécies marinhas
tubarão/raia
outros peixes pelágicos
atum/bonito/peixe-agulha
sardinha/anchova/arenque
outros peixes demersais
outras espécies costeiras
bacalhau/pescada/arenque
solhas/alabote
outros peixes migratórios
espécies usadas como isca
truta/salmão*
enguias*
esturjão/caviar
outras espécies de água doce
tilápia
Figura 5.4
carpa/barbo
Espécies de água doce e salgada que
mais contribuíram para as capturas
1 10 100 1.000 10.000 100.000
em 2005. Milhares de toneladas

5.4 Conservação do pescado


O pescado pode ser fresco, congelado, ultra-congelado, salgado, fumado, seco,
seco e salgado, em conserva e transformado.

Após a morte o pescado começa rapidamente a degradar-se. Os três factores que


mais contribuem para essa degradação são a alteração proteica, com formação
de compostos como a hipoxantina e a trimetilamina, a rancificação decorrente de
processos oxidativos e a acção microbiana.

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 239


Imediatamente após a morte do pescado e durante algumas horas persiste uma
textura elástica e mole (fase de pré-rigor). Porém, numa fase subsequente, as
enzimas catalisam uma série de reacções que levam à contracção dos músculos,
tornando-os duros e não flexíveis (fase de rigor mortis que pode durar horas ou
dias).

O grau de rigor mortis varia com a espécie e, é afectado pela temperatura, manu-
seamento, tamanho e condição física do peixe. Com a continuação da autólise,
os músculos do pescado tornam-se moles e sem elasticidade.

Na degradação proteica formam-se aminoácidos livres, cujo nível vai aumentan-


do ao longo do período de conservação. A descarboxilação bacteriana destes
aminoácidos origina aminas biogénicas, nomeadamente a cadaverina, a putres-
cina, e a histamina.

Após a morte ocorre um aumento do nível de bases de azoto voláteis (porém


este aumento depende do tempo e condições de armazenamento). O nível des-
tes compostos pode ser usado para aferir, através da análise ao azoto básico vo-
látil total (ABVT), a frescura do peixe. Naturalmente que, em condições correntes,
são usados critérios de inspecção subjectivos, como sejam a cor das guelras e a
limpidez dos olhos, para a aferir.

A autólise2 é um processo rápido, especialmente para pequenos peixes gordos


e cheios de alimentos, nos quais, as enzimas digestivas estão particularmente
activas. A refrigeração do pescado, acima do ponto de congelação, retarda a
degradação enzimática (mas não a impede).

Devido aos elevados teores em ácidos gordos polinsaturados nos lípidos do pei-
xe, estes são muito susceptíveis a reacções de auto-oxidação na presença de oxi-
3
Autólise: processo pelo qual uma célula se auto-
génio (inclusivamente a 0 ºC). Na primeira etapa desta oxidação química, após
-destrói espontaneamente. Ocorre normalmente a reacção do oxigénio com as duplas ligações, formam-se hidroperóxidos que,
em células danificadas ou tecido morto.

240 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


embora não induzam a ocorrência de sabores, causam uma descoloração ama-
rela/acastanhada nos tecidos do peixe. A degradação dos hidroperóxidos, gera
aldeídos e cetonas, produtos secundários, com odor forte e sabor desagradável a
ranço. A oxidação pode ser acelerada pela exposição ao calor, luz (particularmen-
te a radiação UV) e vários compostos orgânicos e inorgânicos. Os peixes gordos
são especialmente susceptíveis à oxidação, factor limitante no seu armazenamen-
to mesmo congelado. As gorduras subcutâneas, ou presentes na zona ventral em
contacto com o oxigénio do ar, estão particularmente sujeitas à oxidação.

5.4.1 Pescado fresco


Produto fresco é todo o produto da pesca, inteiro ou preparado, incluindo os pro-
dutos acondicionados sob vácuo ou atmosfera modificada que não tenham sofri-
do qualquer tratamento destinado à sua conservação, excepto a refrigeração.

A refrigeração (utilizando gelo ou câmaras frigoríficas) é o método corrente de


conservação do pescado produzido em aquacultura e capturado pela frota de
pesca costeira.

5.4.2 Pescado congelado


Entende-se por produto da pesca congelado todo o produto que sofreu uma
congelação que permite obter uma temperatura no seu centro térmico de, pelo
menos, -18 ºC, após estabilização térmica. Considera-se produto ultracongelado
todo o produto da pesca que foi submetido a um processo adequado de con-
gelação, dito ultracongelação, que permite ultrapassar tão rapidamente quanto
necessário a zona de cristalização máxima, fazendo que a temperatura do pro-
duto, em todos os seus pontos e após estabilização térmica, se mantenha sem
interrupções a níveis iguais ou inferiores a -18 ºC.

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 241


A congelação é outro método, bastante generalizado, de conservação do pesca-
do. Durante a congelação, a temperaturas entre -1 e -2 ºC e por um período de
tempo inferior a 2 horas, converte-se a maior parte da água do pescado (cerca
de 75% do peso) em gelo.

A congelação pode ser feita:


• Num congelador de placas (por contacto). O produto está em contacto
directo com placas metálicas ocas através das quais circula um fluido frio.
É utilizada na indústria da pesca tanto a bordo como em terra;
• Num congelador de ar-forçado (e de leito-fluidizado). Uma corrente con-
tínua de ar frio passa sobre o alimento. É bastante versátil e de utilização
corrente na indústria pesqueira;
• Num congelador de azoto líquido/dióxido de carbono (por pulverização
e/ou imersão). O produto entra em contacto com um fluído refrigerante
ou outro meio de congelação (p.ex. salmoura de tunídeos em cloreto de
sódio a temperaturas aproximadas de -15 ºC).

A congelação deve ser rápida, minimizando assim a formação de grandes cristais


de gelo responsáveis por danos físicos nos tecidos e na pele. Com temperaturas
inferiores a -10 ºC, o crescimento microbiano é anulado. A autólise permanece
activa a temperaturas superiores a -18 ºC.

Durante a congelação, o pescado passa por três fases. Na primeira fase de refri-
geração a temperatura diminui rapidamente até um pouco abaixo de 0 ºC, (pon-
to de congelação da água livre). Durante a segunda fase (com maior duração,
e associada à remoção de uma maior quantidade de calor do pescado), a tem-
peratura decresce um pouco, sendo este período conhecido como a etapa de
paragem térmica. Nesta fase, quando cerca de 55% da água for convertida em
gelo, a temperatura começa a descer rapidamente, iniciando-se então a terceira
fase (na qual a totalidade da água líquida é então congelada).

A velocidade de congelação deve ser rápida (tendo-se como referência o de-


créscimo da temperatura de 0 para -5 ºC, num intervalo de tempo inferior a duas

242 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


a b

c d

a corte b vidragem mecânica c congelação d embalamento em


película retráctil

Figura 5.5
Aspectos do processo de
produção de postas de pescado
horas) para evitar a perda de qualidade do pescado. De facto, velocidades lentas congelado higienizado

de congelação resultam na formação de grandes cristais de gelo que podem da-


nificar as paredes celulares, com a consequente perda de fluidos celulares.

Vidragem
Na preparação do pescado congelado pode recorrer-se à vidragem (manual ou
mecânica).

Consiste na aplicação, por imersão ou pulverização com água potável, contendo


ou não aditivos autorizados, (para minimizar fenómenos de plasmólise celular no
interior dos tecidos) de uma camada de gelo à superfície do produto congelado,
com o objectivo de impedir que este desidrate. A vidragem considera-se conclu-
ída quando toda a superfície do produto de peixe congelado está coberta por
uma camada protectora de gelo adequada e não apresente áreas expostas onde
possa ocorrer desidratação (queimadura de gelo).

Com uma vidragem deficiente, o pescado não fica bem protegido, podendo ser
também sinal de que esteve armazenado tempo demais ou que, sofreu variações
térmicas significativas durante o seu transporte até ao consumidor. Pelo contrá-

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 243


rio, em excesso, a vidragem confere ao pescado um aspecto pouco convidativo,
podendo esconder determinados defeitos. Apesar de tudo, a lei não fixa limites
para a água de vidragem.

No que respeita à rotulagem do produto, a informação sobre a quantidade ou


proporção da vidragem aplicada a um produto, deve ser mantida e utilizada
para a determinação do peso líquido escorrido, que não inclui o vidrado. Enten-
de-se por peso líquido a quantidade de produto contido na embalagem e por
peso líquido escorrido a quantidade de produto contido na embalagem isento
de água de vidragem.

A vidragem é uma das etapas de maior importância na transformação do pesca-


do congelado/ultracongelado.

A vidragem pode ser manual ou mecânica. Na vidragem manual os produtos são


colocados em cestos de plástico ou de aço inoxidável e, subsequentemente, mer-
gulhados rapidamente num tanque com água potável. Na vidragem mecânica
um tapete rolante encaminha o produto para um tanque com água refrigerada
onde são mergulhados em andamento e de seguida levados automaticamente
para outro tapete que os transporta para o túnel de congelação, onde a camada
de água superficial congela. É ainda de referir que a água das imersões utilizadas
para a vidragem deve ser substituída periodicamente para minimizar a carga
bacteriana e a acumulação de proteínas de peixe, que podem afectar a perfor-
mance da congelação. Na vidragem a espessura da camada deve ser uniforme.

5.4.3 Conservas de peixe


As conservas de peixe definem-se como géneros alimentícios acondicionados
em recipiente estanque à água, ao ar e aos microrganismos, de modo a asse-
gurar a estabilidade em condições normais de armazenamento durante o perí-
odo de validade estabelecido. Estes produtos são submetidos a um tratamento
térmico, capaz de reduzir a flora microbiana a um pequeno número de espo-
4
Quiescente significa em repouso, isto é, sem ca- ros quiescentes4 de microrganismos não patogénicos e não toxinogénicos, e de
pacidade de dar origem a células vegetativas.
inactivar enzimas.

244 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


A conservação de pescado em lata baseia-se na destruição térmica dos microrga-
nismos ou seja, na esterilização do conteúdo das latas (pescado mais salmoura ou
molho) através do calor (110 a 120 ºC) e sob pressão elevada (1,5 a 2 bar), usando
um autoclave.

Por definição, uma conserva deverá ser inócua e estável à temperatura ambiente.
Para que haja certeza quanto à sua inocuidade, é necessário que o tratamento
térmico de esterilização satisfaça um valor letal suficiente para que se verifique a
destruição de toda a flora patogénica que tenha a possibilidade de se desenvol-
ver na conserva.

Para conservas de peixe que apresentem um pH superior a 4,5 o valor letal míni-
mo a considerar, deve ser igual ou superior a 3 em termos de valor F0 (valor refe-
rido a 121,1 ºC). Isto é, independentemente da temperatura e do tempo utilizados
no processo de esterilização, o mesmo deverá ser equivalente a um tratamento
de, pelo menos 3 minutos, a partir do momento em que a temperatura no centro
térmico do produto atingir os 121,1 º C.

Para conservar a qualidade do peixe, este deve ser enlatado e esterilizado o mais
rapidamente possível depois de ser tirado do congelador ou da câmara frigorífica
ou, se for fresco, quando entra na linha de produção.

Os contentores onde é colocado o peixe devem ser construídos preferencialmen-


te de material de plástico ou metal resistente à corrosão. O equipamento fixo
deve estar instalado de maneira a permitir um fácil acesso e uma fácil limpeza e
desinfecção. Os tanques de lavagem do peixe devem permitir uma fácil mudança
de água sempre que necessário. Devem ter um bom escoamento de água e se-
rem de fácil limpeza.

Em geral, podem referir-se dois métodos de tratamento com calor para conservas
de peixe: por vapor saturado ou por uso de água quente a uma certa pressão de
modo a que esta fique no ponto de ebulição.

Ambos os métodos podem ser executados na autoclave vertical e horizontal. A


escolha do tipo de autoclave a usar depende do espaço disponível. Autoclaves
verticais ocupam menos espaço, enquanto as horizontais são geralmente usadas

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 245


para grandes produções de conservas. Em geral, estas têm duas portas (uma
de carga e outra de descarga) e por isso permitem uma clara separação entre
produtos que não tenham sido submetidos ao tratamento térmico e, produtos
já esterilizados.
Todas as autoclaves da indústria de conservas são submetidas a grandes pres-
sões, devendo por isso ser desenhadas, instaladas e mantidas de acordo com os
padrões estabelecidos de modo a não representarem perigo para os trabalhado-
res. Os padrões de segurança devem ser cumpridos, e os esterilizadores devem
ser inspeccionados periodicamente por pessoal especializado.
O tempo que é necessário para inactivar os microrganismos das latas de conser-
va depende da temperatura do processo. Esta deve ser pré definida e é impor-
tante que todos os pontos da autoclave registem essa temperatura durante todo
o processo de esterilização.
Para melhorar o processo de transferência de calor dentro da autoclave, as latas
devem ser colocadas a granel em cestos (figura 6.15). Isto é, se estiverem empi-
lhadas em grandes blocos, haverá maior dificuldade em garantir a penetração
do calor para as latas que estiverem no centro da pilha.
A temperatura da autoclave sobe com a entrada do vapor excluindo o ar do inte-
rior. Esta operação pode ser controlada por um regulador de pressão. Contudo,
há o perigo de haver bolsas de ar dentro das autoclaves, onde não se atinja a
temperatura pretendida. Isto pode ser devido a não estarem bem desenhadas,
equipadas, carregadas ou, por má condução da operação. Estes erros não são
detectados pelo termómetro ou pelos manómetros.
Quando as conservas são processadas em água sob pressão, a temperatura é
controlada por um processo mecânico descontínuo que regula o fornecimento
de vapor usado no aquecimento da água. A uniformidade da temperatura na
autoclave é mantida através da sua circulação.
Existem várias razões para cozer o peixe antes de o enlatar. Uma das razões para
o uso deste processo é retirar do peixe alguma água para que, no final, não apa-
reça na embalagem. Normalmente, neste processo elimina-se cerca de 20% da
água do peixe.

246 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


O cozimento pode ser feito com água quente ou salmoura, com vapor ou com
óleo quente, embora o método e o tipo de aquecimento a usar dependam do
produto e do fim ao qual se destina. A temperatura do cozimento situa-se em
100ºC e o tempo em cerca de 30 a 40 minutos.

No caso de o cozimento ser feito com água a ferver, a temperatura de cozimen-


to é muito fácil de controlar. Contudo apresenta sérias dificuldades mecânicas
quando se trata de grandes quantidades de peixe. Neste caso torna-se mais con-
veniente a utilização de vapor.

Pequenos peixes, como por exemplo as sardinhas, são muitas vezes cozidos em
óleo quente ou fumadas para lhes dar sabores e texturas diferentes. Nalguns ca-
sos o cozimento traz alguns problemas no manuseamento posterior do produto
para enlatar.

Estas embalagens devem ser quase completamente cheias. O volume que se


deve deixar de espaço de cabeça depende da natureza do produto e das carac-
terísticas das embalagens, assim como se a esterilização vai ser feita por vapor ou
com água sob pressão. Geralmente, não é conveniente que o espaço de cabeça
seja superior ao necessário, o que poderá permitir que haja movimentação do
conteúdo aumentando o risco da embalagem ficar deformada durante o pro-
cessamento. Note-se que deverá haver sempre algum espaço de cabeça para
evitar excesso de pressão no interior da lata no momento do aquecimento. Ao
ser aquecido a temperaturas elevadas, o conteúdo da lata dilata e, o espaço de
cabeça evita que esta dilatação pressione a cravação.

Também é importante que o formato da lata seja adequado à natureza do produ-


to. No caso dos peixes pequenos usam-se latas baixas e aberturas largas; para os
peixes grandes, salmão ou atum, usam-se latas cilíndricas. Deve-se assegurar que
as latas tenham o verniz apropriado para cada tipo de produto.

Geralmente o ar destas latas é logo excluído quando se faz a sua cravação. Assim
será difícil que estas latas se deformem em condições atmosféricas adversas. O
vácuo pode ser criado através de um pré-aquecimento do conteúdo antes da cra-

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 247


vação, adicionando o molho de cobertura ainda quente, ou fazendo a cravação
numa câmara de vácuo. Torna-se difícil criar o vácuo em latas pequenas já que
possuem um tampo com grande flexibilidade.

É importante que a esterilização seja feita correctamente. Para isso é neces-


sário que os operadores compreendam os princípios envolvidos assim como
sigam as instruções do processo sem enganos.

Deve haver cuidados especiais com os tempos, com as temperaturas e com as


pressões da esterilização fazendo-se os devidos registos.

O processamento térmico de latas grandes deverá ser mais longo do que o


de latas pequenas para se atingir a temperatura desejada no seu centro. Se
forem processadas latas de tamanho diferente ao mesmo tempo, o tempo de
esterilização que se vai utilizar é o das latas maiores para garantir um produto
final seguro. Assim, as latas mais pequenas serão submetidas a um tratamento
térmico mais severo podendo haver uma perda de qualidade no produto final.

Se as conservas de peixe não forem arrefecidas tão depressa quanto possível


após o processamento térmico, estas continuarão a ser cozidas prejudicando
a qualidade final do produto. Este defeito, chamado stackburn, ocorrerá certa-
mente sempre que o produto seja encaixotado ou empilhado enquanto quente.

O manuseamento das conservas de peixe enquanto quentes pode ser prejudi-


cial para a textura do produto e causar fugas nas cravações.

Se as latas de conserva de peixe não forem arrefecidas com água fria então de-
vem ser colocadas de modo a que haja uma boa circulação de ar e não deverão
ser rotuladas nem encaixotadas até estarem quase frias.

Dado que nas conservas de peixe pode existir Clostridium sporogenes, que não
sendo patogénico é mais termoresistente do que o Clostridium botulinum e

248 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


pode provocar alterações nas mesmas, deve utilizar-se um tratamento térmico
com um valor letal em termos F0 mais elevado do que 3 minutos.

Matéria-prima principal
Peixe (p. ex. Sardina pilchardus), ou outras legalmente definidas como do tipo,
inteiro ou preparado, que não tenha sofrido qualquer tratamento destinado à
sua conservação, excepto a refrigeração.

Matérias-primas subsidiárias

Meio de cobertura
Produto líquido, oleoso ou pastoso incorporado durante o fabrico de conservas
e semiconservas de pescado e presente no produto acabado, constituído por
azeite, outros óleos vegetais refinados, incluindo o óleo de bagaço de azeitona,
utilizados isoladamente ou misturados, molho de tomate, líquido de exsudação
do peixe aquando da cozedura, solução salina ou água, marinadas com ou sem
vinho ou qualquer outro produto do mesmo tipo dos precedentes e que deles
se distinga claramente, podendo ser misturados entre si, excepto no caso do
azeite com outros óleos.

Ingredientes vegetais
Cenoura, cebola, pepino, limão, salsa, ou outros, utilizados no fabrico.

Existem três “máximas” de segurança do produto enlatado


Integridade (da selagem) da embalagem
Processo térmico de letalidade adequada
Higiene escrupulosa nas etapas posteriores ao processo

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 249


pescado

captura

água suja
água

evisceração
latas

lavagem

enlatamento

vapor cozimento

óleo
adição de óleo excesso
azeite
de óleo

cravação
tampas

esterilização

Operações e equipamentos
vapor

arrefecimento
Operações prévias (todas as operações que não são de esterilização):
água
fria

armazenagem

1 Remoção da pele, caso seja necessário (p. ex. atum)


expedição
2 Filetagem

3 Salmoura (ou salga seca) ou, em alternativa escabeche ou defumação


conserva de pescado
4 Cocção prévia

Vácuo
Eliminação de gases das latas antes da selagem para prevenir o aumento da
Figura 5.6
Diagrama do processo pressão durante esterilização e para reduzir a oxidação do conteúdo e a corro-
de fabrico de conservas
de pescado são interna da lata.

1 Enchimento com salmoura ou molho

2 Selagem

3 Verificação da integridade da selagem

Esterilização
O modo mais frequente para o tratamento térmico dos produtos é usando
vapor saturado sob pressão, em autoclaves – por carga, horizontal ou vertical,
ou em contínuo.

250 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


Figura 5.7 Figura 5.8
Recepção do pescado em dornas de Pescado lavado no tanque de salmoura
plástico com água e gelo

Figura 5.9 Figura 5.10


Evisceração manual Lavagem do pescado eviscerado

Figura 5.11 Figura 5.12


Enlatamento Cozedura com vapor

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 251


Figura 5.13
Adição de azeite ou óleo alimentar

Figura 5.15
Sequência de operações durante
o processo de cravação de latas

Figura 5.14
Cravação

Figura 5.16 Figura 5.17


Autoclave vertical e modo de acondicionamento das latas Autoclaves horizontais

252 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


5.5 Tecnologias simplificadas para o processamento
de pescado
A actividade da pesca é muito importante quer para a dieta quer para a econo-
mia dos países em desenvolvimento. A prevenção ou a limitação do processo de
deterioração do peixe é pois de importância crucial.

Existem algumas tecnologias simplificadas para a conservação do peixe:

A salga em barril remove muita humidade do peixe e cria um ambiente desfavorável para o cres-
1 cimento de microrganismos (p. ex. anchovas)
A defumação do peixe em presença de fumo seco também remove a humidade do peixe limitando
2 o crescimento microbiano
A secagem ao sol, com ou sem adição de sal também reduz a actividade da água para valores que
3 permitem um aumento da vida útil do produto até vários meses
A salga a seco ou em salmoura, seguida da secagem com ar seco também permite conservar o
4 peixe por longos períodos. Neste caso, o produto final tem uma concentração de sal superior a 17%
e, naturalmente, tem de ser demolhado antes de ser cozinhado (p. ex. bacalhau salgado)

A secagem natural utiliza o movimento do ar (a temperatura elevada) sobre o


pescado para remover a humidade.

Em muitos casos, sobretudo quando o peixe é pequeno, imediatamente após a


captura, é eviscerado e lavado sendo colocado a secar directamente ao sol.

A secagem natural do peixe resulta bem se for conduzida ao ar livre, na sombra,


com peixe recém capturado. Enquanto o peixe está vivo, as guelras devem ser
removidas e o peixe colocado num balde para que a sangria seja completa. O
peixe pequeno deve ser imediatamente escamado e aberto.

A salga constitui uma alternativa para a redução da actividade da água do pesca-


do. Neste caso, a desidratação dos tecidos decorre do aumento da concentração
do meio interno induzida pela concentração excessiva de solutos (sal).

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 253


O peixe deverá ser processado tão depressa quanto possível. Sendo pequeno, as
cabeças deverão ser mantidas sendo as vísceras removidas o mais rapidamente
possível. Posteriormente, o peixe deverá ser lavado em água limpa, esfregando-
-se sal seco imediatamente. Depois, o peixe deverá ser colocado num contentor
com uma solução de sal com cerca de 300g por litro de água. O peixe deverá ser
mantido em solução por cerca de 30 minutos.

Posteriormente, pode ser de novo lavado com água limpa e, colocado noutra
salmoura com a mesma concentração de sal. A salmoura deverá ter uma con-
centração de sal que obrigue o peixe a flutuar. Esta salmoura deverá ser coberta
e o peixe aí deverá permanecer por mais seis horas. Finalmente, o peixe deverá
ser colocado a secar em secadores solares.

Outro método para conservar o peixe resulta da salga seca. Neste caso são usa-
dos cestos ou caixas de madeira. Depois da limpeza e lavagem, alguns peixes são
colocados no fundo do recipiente e cobertos com sal. Faz-se nova camada de
peixe e cobre-se com sal. Colocam-se camadas sucessivas de peixe e sal até que
o recipiente esteja cheio (figura 5.17). Deverá ser usada uma proporção de uma
parte de sal para três partes de peixe. O peixe pequeno poderá ser removido
após 7 a 10 dias. Depois, é lavado numa salmoura ligeira e colocado a secar ao sol.

O processo de salga a seco pode demorar entre 2 a 20 dias, dependendo da es-


pessura do pescado. Deverá ser usado sal de granulação média ou uma mistura
de sal grosso e fino. Na salga em seco o pescado é escalado e posteriormente
disposto em camadas intercaladas com capas de sal (os líquidos exsudados são
eliminados). Caso os exsudados não sejam eliminados a salga será mista. Esta é
a situação mais comum.

Os peixes grandes podem ser filetados sendo a pele removida. Todas as suas
superfícies poderão ser cobertas com sal (1 kg de sal por 2 kg de peixe). Poderão
ser colocadas até doze camadas de peixe (com a carne voltada para a superfí-
cie). Ao longo do processo de secagem, as pilhas de peixe deverão ser voltadas
(tombamento) de modo a garantir uma secagem uniforme de todas as camadas
(figura 5.18). Este processo permite equalizar a pressão das camadas, uniformizar
a distribuição do sal e evita o aparecimento da vermelhidão (rouge) causada por
bactérias halófilas (p. ex. Micrococcus roseus).

254 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


a
7 6

4
5

3 2

1
a salga húmida b salga seca

Figura 5.18 Figura 5.19


Disposição das camadas de Rotação de pilhas de produto no
peixe e de sal processo de salga seca (tombamento)

Os principais factores que interferem na salga são o teor de gordura e o tamanho


do peixe ou a espessura dos filetes de pescado. No processo de salga devem ide-
almente ser utilizados peixes magros (menos de 3% de gordura) ou semi-gordos
(3 a 8% de gordura). O pescado gordo tem tendência a rancificar muito rapi-
damente. Quanto maior a espessura do pescado mais lento será o processo de
penetração do sal.

Durante o processo de secagem em secadores ao ar livre deverá ser usada rede


mosquiteira para impedir a entrada de insectos.

O peixe deverá ser mantido a secar até que não seja possível marcá-lo por pres-
são do dedo. O processo pode demorar uma ou duas semanas. Depois desta fase,
o peixe pode ser embalado em plástico e armazenado num local fresco e seco. O
peixe produzido nestas condições deverá ser demolhado em água fria por cerca
de duas horas antes de ser cozinhado.

Os pescadores normalmente colocam o peixe a secar em esteiras horizontais


colocadas um metro acima do solo. Deverá ser evitado colocar o peixe a secar
directamente em contacto com o solo, tal como se observa na figura 5.20, pois
este processo dificulta a circulação do ar e pode causar defeitos na secagem, so-
bretudo se o peixe for grande.

Diversos materiais podem ser usados para o suporte e para o tabuleiro de seca-
gem (p. ex.: paus de bambú, folhas de palmeira, e rede de pesca de malha fina).

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 255


Figura 5.20
Secagem do peixe grande (escalado)
e pequeno (inteiro) em esteiras ou redes,
em contacto directo com o solo

Uma desvantagem do processo de secagem natural é que a sua lentidão pode


contribuir para alguma destruição da proteína por acção enzimática ou bacteria-
na. Por outro lado, nos dias de chuva, o peixe deverá ser colocado em locais co-
bertos para evitar que se instalem bolores devido à humidade. A contaminação
com poeira, os ataques dos insectos ou de outros animais, são problemas que
podem por em causa a qualidade do produto.

Secadores colectivos semelhantes a pequenas tendas com 3 m de comprimento


e 1,5 m de largura poderão ser usados no contexto africano (Braguy et al., n.d.).
Poderão ser usadas estruturas mais pequenas para pescadores individuais. O
peixe é colocado em tabuleiros feitos com um suporte de bambu e com rede
de pesca sendo a estrutura coberta com um plástico. Deverão ser efectuados
pequenos orifícios na base e no topo da estrutura para permitir a ventilação.
Caso sejam suficientemente grandes deverão ser revestidos com rede mosqui-
teira. Este tipo de secadores, se feitos com materiais recolhidos no local, podem
ser muito baratos, sendo apenas necessário adquirir a tela de plástico e a rede
mosquiteira.

Defumação
A defumação deverá ter surgido de forma acidental. Só mais tarde se reconhe-
ceram os efeitos bactericidas e antioxidantes do fumo. Antes disso, a defumação
era usada como processo de melhorar o sabor do pescado. Outra utilização des-
ta técnica, que é contestada por muitos, é a de recuperar pescado de deficiente
qualidade (que não se vende depois de ter sido exposto). A conservação (a mé-
dio ou longo prazo) é, todavia, o objectivo principal da defumação.

256 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


Figura 5.21
Diagrama de um secador solar
Figura 5.22
de pequenas dimensões
Peixe escalado, colocado em
suportes de bambu ou madeira

Figura 5.23 Figura 5.24


Peixe escalado Pescado salgado a seco
pendurado sob coberto

A fumagem origina: desidratação superficial e redução da aw para menos de 0,95;


deposição de substâncias anti microbianas como fenóis e formaldeído sobre a
superfície do pescado; deposição de substâncias antioxidantes fenólicas; inibição
da proliferação microbiana e retardamento da auto oxidação (e da rancidez) dos
lípidos.
A defumação é ideal para pescado gordo (> de 8% de gordura). Os processos
prévios à defumação, incluem a abertura e limpeza do pescado; a salga (imersão,
por um período que depende do tamanho e do conteúdo em gordura do pesca-
do, em salmoura concentrada); a colocação em estantes ou suportes apropriados
para o forno de secagem.

5. pescado Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 257


Figura 5.26
Fumagem ao ar livre efectuada
directamente sobre a chama

O fumo é parte importante do processo de defumação. É obtido pela queima


de madeira ou de serradura, a baixas temperaturas e sob atmosfera deficien-
te em oxigénio, produzindo-se um fumo com mais substâncias aromáticas e
conservantes. Para o processo de defumação não deverão ser usadas madeiras
resinosas (p. ex. pinheiro). Quando se usa serradura ela é normalmente queima-
Figura 5.25 da lentamente, sobre uma superfície bastante quente sem produzir chama. A
DIAGRAMA DE UM DEFUMADOR
DE TAMBOR
temperatura de combustão não deverá ser superior a 350 ºC pois, nestas condi-
ções, podem formar-se compostos cancerígenos. Idealmente a temperatura de
combustão deverá seituar-se entre 300 e 340 ºC. Quando, durante a fumagem, a
temperatura do pescado é superior a 55 ºC (a quente), o processo demora cerca
de 5 horas. A temperaturas inferiores a 40 ºC poderá demorar entre 1 a 4 dias,
dependendo da dimensão do pescado.

NO FINAL DESTE CAPÍTULO O ALUNO DEVERÁ


Reconhecer a importância do pescado na alimentação humana
Conhecer os principais factores de qualidade do pescado
Ter noção da importância fundamental das boas práticas higiénicas na manipulação do pescado
Conhecer as principais tecnologias de conservação do pescado
Ser capaz de aplicar tecnologias simplificadas para preservação do pescado

258 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 5. pescado


6. Ovos e ovoprodutos
6.1 Características e informação nutricional do ovo
Há muito tempo que foi confirmada a grande importância do ovo na alimen-
tação das pessoas. De fácil preparação e digestão, não foi difícil incorporar e
tornar habitual o consumo deste alimento em todo o mundo. O ovo contém
vários nutrientes importantes ao organismo.

Considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o alimento de


proteína padrão e de alto valor biológico, a sua composição é também fonte
de vitaminas A , D, E, K, complexo B e de minerais: ferro, fósforo, manganês,
potássio e sódio.

A tabela 6.1. apresenta a composição do ovo inteiro e dos seus componentes:


clara, gema e casca.

No ovo de galinha, a clara representa cerca de 58% do peso total, a gema 31%
e a casca 11.%. A clara deve ser límpida, translúcida, consistente, densa e isenta
de qualquer corpo estranho.

A gema contém cerca de 50% de sólidos. Deve ser lisa, redonda, consistente,
saliente e centrada no meio da clara. A gema bem amarela depende da alimen-
tação fornecida às galinhas. As gemas dos ovos velhos são achatadas, flácidas e
a membrana rompe-se com facilidade.

6. Ovos e ovoprodutos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 259


Componente % água proteína gordura cinzas
Ovo inteiro 100,0 65,5 11,8 11,0 11,7
Clara 58,0 88,0 11,0 0,2 0,8
Gema 31,0 48,0 17,5 32,5 2,0 tabela 6.1
Composição química
Casca 11,0 — 0,22 — 10,7 do ovo (%)

albumina membrana
calaza densa blastoderma gema exterior

câmara
casca de ar

membrana
interior

albumina
leve

figura 6.1
Representação dos
componentes do ovo

A casca é uma matriz cálcica, porosa, separada da clara por uma membrana. En-
tre os seus componentes minerais o cálcio é o mais importante. O cálcio presen-
te na casca (39%) encontra-se na forma de CaCO3 (carbonato de cálcio). Na su-
perfície exterior da casca existe uma camada protectora, a cutícula, que protege
os poros distribuídos ao longo da superfície, preservando o ovo e constituindo a
primeira barreira contra a contaminação bacteriana.

A casca deve ser vista como uma embalagem natural que envolve o conteúdo
do ovo e o protege contra perdas e agressões do meio. No entanto, como é
porosa significa que existe troca de substâncias entre este e o meio exterior. A
casca e cutícula devem estar limpas, intactas e isentas de cheiros. A casca dos
ovos frescos é opaca e, ao envelhecer, torna-se brilhante.

A câmara-de-ar pode ser vista colocando o ovo em contra luz. É pequena em


ovos frescos e muito grande em ovos velhos. A câmara de ar do ovo de categoria
A tem uma altura não superior a 6 mm. Com o passar dos dias a câmara vai au-
mentando. A figura 6.1 apresenta uma imagem da constituição do ovo.

260 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 6. Ovos e ovoprodutos


figura 6.2
aspecto de ovos
observados no
ovoscópio

A clara (albumina) é constituída por quatro camadas distintas: albumina leve


(exterior); albumina densa; albumina leve (interior) e; calaza. O maior constituin-
te das camadas de albumina é a água que decresce gradualmente do exterior
para o interior.

As principais proteínas existentes na clara são: ovalbumina que representa 54%


das proteínas da clara; ovotransferrina, que representa 12%; ovomucóide, que
representa 11%; ovomucina, que representa 3,5%; lizozima, que representa 3,4%;
globulina, que representa cerca de 4% e, outras 7 proteínas que representam os
restantes 12% da proteína da clara (Powrie & Nakai, 1985).

O teor de lípidos na albumina é muito diminuto quando comparado com o


seu teor na gema. O teor de carbohidratos da clara pode ascender a 1% da sua
composição.

A proteína e os lípidos são os maiores constituintes da gema. O teor de carbo-


hidratos poderá situar-se entre 0,2 e 1%. Os lípidos da gema estão constituídos
por: triglicérideos (66%); fosfolípidos (28%); colesterol (5%); outros lípidos (1%).

A gema pode ser considerada como uma dispersão contendo uma grande
variedade de partículas dispersas uniformemente numa solução de proteína
(plasma), que contém livetina (66%) e lipoproteínas (11%). Os grânulos são com-
postos pelas seguintes proteínas: lipovitelinas (70%), fosfovitina (16%) e lipopro-
teínas de baixa densidade (12%) (Powrie & Nakai, 1985).

6. Ovos e ovoprodutos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 261


Casca e cutícula Normais, limpas, intactas

Altura não superior a seis milímetros, imóvel; no entanto, no caso dos ovos comercializados com a menção “extra”,
Câmara de ar
a câmara-de-ar não deve exceder quatro milímetros

Clara Translúcida, límpida, de consistência gelatinosa, isenta de corpos estranhos de qualquer natureza

Visível à miragem somente sob a forma de sombra, sem contorno aparente, não se desviando sensivelmente da
Gema
posição central em caso de rotação do ovo; isenta de corpos estranhos de qualquer natureza

Cicatrícula Desenvolvimento imperceptível

Odor Ausência de cheiros estranhos

tabela 6.2
Características principais
dos ovos da categoria A

6.2 Classificação comercial


Durante a produção de ovos, independentemente do sistema de produção, de-
verão ser realizados diversos controlos com a periodicidade adequada para ga-
rantir um produto final com garantia de segurança alimentar e qualidade higio-
-sanitária.

Quando os ovos são recolhidos, é-lhes feita uma pré-classificação, ou seja, os


ovos fendidos e sujos são rejeitados. Os ovos restantes são encaminhados para
o centro de Inspecção e classificação de ovos. Já no centro de classificação,
os ovos, são novamente inspeccionados no ovoscópio, rejeitando-se aqueles
que,não apresentem garantias para o consumidor final.

O ovoscópio é um aparelho que permite detectar eventuais anomalias, na casca ou no interior do ovo. Trata-se de um
equipamento provido de uma luz forte que permite avaliar a estrutura interna do ovo.

No centro de classificação, tal como o nome indica, os ovos são classificados por
classes de peso. Depois de passarem no ovoscópio e depois de serem classifica-
dos por classe de peso, os ovos são acondicionados e embalados.

Características dos ovos da categoria A


1] Os ovos da categoria A devem apresentar pelo menos as características da
tabela 6.2.

262 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 6. Ovos e ovoprodutos


Adaptado de USDA, 1983
XL – gigante ≥ a 73 gramas aa

L – grande 63 a 72 gramas
M – médio 53 a 62 gramas
S – pequeno < de 53 gramas

tabela 6.3
a
Classes de peso
dos ovos da categoria A

figura 6.3
Padrões para ovos partidos

2] Os ovos da categoria A não devem ser lavados nem limpos por qualquer
processo, quer antes, quer depois da classificação.
3] Os ovos da categoria A não devem ser submetidos a qualquer tratamento
de conservação nem ser refrigerados em locais ou instalações onde a
temperatura seja mantida artificialmente abaixo de + 5 ºC.

Os ovos da categoria A são classificados de acordo com as classes de peso apre-


sentadas na tabela 6.3.

Pertencem à categoria B os ovos que não satisfaçam as exigências relativas aos


ovos da categoria A. Esses ovos só podem ser entregues a empresas da indús-
tria alimentar.

Nos EUA os ovos são classificados de acordo com os padrões do departamen-


to de agricultura (USDA). São definidos três grandes grupos de acordo com a
qualidade tendo em conta a análise do ovo partido, cujos padrões se podem
observar na figura 6.3.

aa Na classe AA os ovos deverão ser altos, a gema firme e a área coberta pela clara pequena. Existe uma proporção elevada de clara grossa
para clara fina;

a Na classe A, os ovos cobrem uma área relativamente pequena, a gema é redonda e proeminente e a área coberta pela clara grossa é
grande em relação à da clara fina contornando a gema;

b Na classe B, os ovos quando partidos ocupam uma área maior, a gema é baixa e a quantidade de clara grossa é semelhante à da clara fina.

6. Ovos e ovoprodutos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 263


6.3 Métodos de conservação de ovos
Os ovos são postos à temperatura ambiente e, quer por razões de segurança,
quer no sentido de preservar a sua qualidade, deverão ser refrigerados o mais
rapidamente possível. Se os poros da casca forem tapados, é possível manter
ovos em refrigeração a 0 ºC por cerca de seis meses.

6.3.1 Refrigeração
O departamento de agricultura dos EUA (USDA) recomenda o armazenamento
de ovos no frigorífico a cerca de 4,5 ºC, principalmente para reduzir as proba-
bilidades de que as bactérias na casca se multipliquem e possam causar risco
de doença. Quando produzidos e armazenados em boas condições estes ovos
poderão ser mantidos por 4 a 5 semanas.

No entanto, na Europa (e muitas outras partes do mundo) os ovos são vendidos


e armazenados sem refrigeração e a incidência de intoxicações alimentares ori-
ginadas pelo consumo de ovos não é muito maior.

6.3.2 Pasteurização de ovos


Durante muitos anos, os ovos mal classificados, que apresentassem defeitos
evidentes ou que estivessem partidos, eram destinados à indústria, nomeada-
mente ao sector da pastelaria. Esta prática acarretava bastantes riscos pois estes
produtos eram muitas vezes contaminados com Salmonella spp. ou com Sta-
phylococcus aureos sendo muitas vezes responsáveis por infecções e intoxicações
alimentares graves. Deste modo começou a ser obrigatório o uso pela indústria
alimentar, de ovos liquídos inteiros, gemas ou claras líquidas.

Entende-se por ovoprodutos, “os produtos obtidos a partir do ovo, dos seus diferentes componentes e
suas misturas, após eliminação da casca e das membranas, e que se destinam ao consumo humano ainda
que parcialmente completos com outros géneros alimentícios ou aditivos.”

264 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 6. Ovos e ovoprodutos


a b c d

a ovo inteiro b gema c clara d ovo inteiro em spray

figura 6.4
Ovoprodutos pasteurizados

O ovo líquido deverá ser pasteurizado a uma temperatura mínima de 60-62 ºC


por, pelo menos, 3,5 minutos. Para além disso, o tratamento térmico não deverá
afectar as propriedades do ovo. Isto é, deverá ser mantido liquido, e deverá poder
ser batido (p. ex. claras batidas em castela).

O ovo também poderá ser ultrapasteurizado e embalado em condições assépticas.


Esta é realizada em pasteurizadores tubulares a 70 °C durante 90 segundos para o
ovo inteiro; a 65°C durante 180 segundos para a gema; e a 57 °C durante 90 segun-
dos para a clara. À saída do pasteurizador procede-se á refrigeração a temperaturas
entre 1 °C e 4 °C. Após o arrefecimento os produtos são imediatamente embalados
em condições assépticas. O ovo líquido produzido nestas condições e armazenado
entre 1 e 4 ºC mantém a sua vida útil por mais de 2 meses (Vacklavik, 1998).

O ovo pasteurizado também poderá ser congelado, embora este processo alte-
re algumas das propriedades do produto original. Os ovos inteiros e as gemas
poderão ficar com uma consistência grumosa como resultado da agregação de
algumas proteínas.

O ovo pasteurizado poderá ainda ser desidratado, embora no caso das claras,
a glucose tenha de ser removida para evitar o seu acastanhamento. É também
aconselhável manter o ovo desidratado a temperaturas inferiores a 10 ºC.

6.3.3 Congelação de ovos


O congelamento de ovos ajuda a preservar os mesmos para uso futuro. Os ovos
inteiros não podem ser congelados porque podem rebentar dentro do conge-
lador, mas podemos partir o ovo e mexer (como se fosse para preparar ovos

6. Ovos e ovoprodutos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 265


mexidos) e, em seguida, armazená-lo num recipiente hermético, onde se poderá
manter durante cerca de um ano.

Os ovos também podem ser armazenados separadamente, mas para congelar


gemas por si só, deverá se adicionado um pouco de sal ou adoçante (dependen-
do da utilização que o ovo terá) para impedir que estes se tornem demasiado es-
pessos para serem usados. Adicionar 1/4 de uma colher de chá de sal por quatro
ovos ou 1/2 colher de sopa de mel ou açúcar por oito gemas ajuda a mantê-los
utilizáveis depois de serem descongelados.

A clara de ovo não se comporta da mesma maneira e pode ser congelada indivi-
dualmente, colocando-a, por exemplo, nas formas de cubos de gelo.

Para utilizar os ovos congelados, estes devem ser descongelados durante as 12


horas anteriores. Três colheres de sopa de um ovo inteiro descongelado é o equi-
valente a um grande ovo fresco.

6.3.4. Métodos tradicionais para armazenar ovos


Devido ao ciclo de postura de ovos, tradicionalmente os agricultores teriam ex-
cesso de ovos na primavera e falta no inverno. Este facto levou ao desenvol-
vimento de processos que permitissem armazenar os ovos para poderem ser
utilizados posteriormente. O silicato de sódio foi o método mais comummente
utilizado. O pó era misturado com água para a obtenção de uma solução que
posteriormente era utilizada para cobrir os ovos armazenados em potes de grés.
Os ovos poderiam ser mantidos frescos por dois anos. Em meados dos anos 40,
o departamento de agricultura dos EUA recomendou o uso de calcário para pre-
servar os ovos através de um processo semelhante. Por essa altura também era
sugerido que se esfregassem os ovos com óleo mineral de grau alimentar para
se manterem frescos durante seis a oito meses.

Os ovos podem ser conservados através do seu revestimento com banha de por-
co ou de qualquer outra gordura limpa, (óleo de coco, ou sebo) e, em seguida,
devem ser acondicionados em farelo.

266 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 6. Ovos e ovoprodutos


Existem também referências que afirmam que o melhor é não lavar os ovos para
manter a protecção gelatinosa natural do ovo. A lavagem, além de permitir que
os ovos se estraguem mais cedo, permite ainda que as bactérias presentes na
parte externa (casca) do ovo possam penetrar nos poros mais facilmente.

Para a preservação de ovos não lavados, é sugerida a refrigeração dos ovos fres-
cos em sacos de plástico até 2 meses. No entanto, se houver acesso à cave, fria e
húmida, os ovos podem ser armazenados em farinha de aveia ou serradura, com
a extremidade mais pequena para baixo, num recipiente de plástico ou de barro.

Como já foi referido, não se devem lavar os ovos. Os ovos têm uma barreira na-
tural (a cutícula), que protege a superfície porosa. A lavagem irá remover essa
rede de segurança. Cozinhar os ovos à temperatura correcta (pelo menos 71ºC)
protege o consumidor de bactérias nocivas.

6.3.5 Métodos tradicionais para conservação de ovos


Os chineses têm várias maneiras originais de conservação de ovos que foram
conhecidas ou aperfeiçoadas na Dinastia Ming. O mais antigo, e provavelmente
o mais famoso, de todos os ovos em conserva foi curado com sal, proveniente
de Zhejiang. Para produzi-los, os ovos crus são rachados, e depois colocados em
camadas entre sal e resíduos de vinho. São então fechados em frascos e mantidos
assim durante cinco ou seis meses. Hoje em dia, ovos de galinha, pato e codorniz
ainda são conservados desta forma.

Uma outra maneira de conservar é revestir os ovos inteiros com uma espessa
camada de sal, terra, cinza e folhas de chá. Estes são armazenados a uma tempe-
ratura de cerca de 18 a 20 ºC. Podem ser conservados durante trinta dias ou mais.
Na altura do consumo os revestimentos devem ser removidos e os ovos cozidos.

Outra maneira de preservar os ovos é imergi-los numa solução de salmoura du-


rante cerca de quarenta e cinco dias. Em seguida, devem ser lavados, secos e
cobertos com parafina ou lama, ou ambos. Existem algumas pessoas que fazem
ovos salgados com sabor a especiarias, incluindo cravo, anis e pimenta preta.
Outras acrescentam sumo de limão e/ou agulhas de pinheiro.

6. Ovos e ovoprodutos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 267


A conservação de ovos de pato baseia-se no uso de um revestimento exterior al-
calino. O revestimento é uma pasta de barro, com pH muito básico, a rondar 11.
Alguns dos revestimentos incluem lama e cinzas de madeira, com ou sem casca
de arroz. Outros apenas utilizam a casca de arroz como revestimento exterior.

Finalmente, outra técnica de conservação é fazer ovos de sabor azedo. Isto é


feito por imersão em vinagre e sal mantendo-os nesta solução até amolecerem
as cascas.

6.3.6 Verificação da frescura dos ovos


Se optarmos por um dos métodos tradicionais de armazenamento de ovos, po-
deremos querer saber se um ovo ainda está fresco. Podem ser realizadas duas
tarefas simples que podem ajudar a determinar se podemos ou não ingerir o ovo.

Dentro de cada ovo existe um espaço de ar que se expande quando o conteúdo começa a ficar mais velho e a secar. Esta é a chave
para determinar a frescura dos ovos. A maneira mais fácil de testar a frescura é colocar o ovo dentro de um recipiente com água
fria. Caso se mantenha deitado no fundo está bastante fresco; se ficar ao alto tem uma frescura intermédia; se flutuar, é porque
já não está fresco.
A iluminação do ovo é também um método alternativo para verificar a frescura. O ovo deve ser seguro pela parte mais pequena
colocando a outra extremidade contra a luz, deve-se então olhar para o espaço aéreo que não deve ser maior do que 6 mm. A
gema não deve ser claramente visível e o movimento não deve ser facilmente detectado quando se inverte rapidamente o ovo.
Num ovo que não esteja fresco o espaço aéreo será maior e a gema mover-se-á livremente quando o ovo é manipulado. Além
disso, quando abrimos o ovo, uma gema firme e alta é um bom sinal de frescura, ao contrário de uma gema achatada e pálida.

NO FINAL DESTE CAPÍTULO O ALUNO DEVERÁ


Reconhecer a importância dos ovos na alimentação humana
Conhecer a composição dos ovos
Conhecer os principais factores de qualidade dos ovos
Conhecer as principais tecnologias de conservação dos ovos
Ser capaz de aplicar tecnologias simplificadas para conservação dos ovos

268 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 6. Ovos e ovoprodutos


7. Boas práticas de fabrico
na produção de alimentos
7.1 Programa de higiene do pessoal
As doenças de origem alimentar são uma das principais preocupações ao nível
da saúde pública, quer pelas consequências que podem advir para as pessoas
afectadas, que podem ficar com sequelas graves ou até mesmo morrer, quer
pelas consequências económicas, directas e indirectas para as empresas.

Os colaboradores que de alguma forma contactam com os alimentos nas di-


versas actividades do processo, são portadores de microrganismos que podem
contaminar os alimentos e causar doenças a quem os consome. Estes microrga-
nismos estão presentes, vivem e desenvolvem-se em diversas partes do corpo,
como por exemplo, o cabelo, o nariz, boca, garganta, intestinos, pele, mãos e
unhas. Mesmo que o colaborador apresente um estado de saúde normal, sem
sintomas de qualquer doença pode transmitir microrganismos para os alimentos.
Os comportamentos assumidos pelos colaboradores durante a manipulação dos
alimentos, constituem uma preocupação fundamental (Baptista e Saraiva, 2003).

Desta forma, qualquer colaborador, deverá manter uma higiene cuidada, de acor-
do com as indicações que seguidamente se apresentam, para reduzir/evitar a
contaminação de alimentos, aumentando a segurança dos produtos alimentares.

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 269
Objectivo

Uma das principais responsabilidades dos responsáveis por unidades de pro-


dução de alimentos deverá ser supervisionar e garantir a manutenção de um
nível adequado de higiene pessoal, e de comportamentos apropriados por
parte dos seus colaboradores durante a manipulação de alimentos.

Consequências de uma higiene pessoal inadequada


Se uma pessoa que trabalha com alimentos mantiver uma higiene pessoal ina-
dequada durante a produção, como por exemplo não lavar as mãos depois de
ir à casa de banho ou tiver as unhas sujas, pode estar a transmitir microrga-
nismos aos alimentos. Os microrganismos encontrando condições adequadas
para se multiplicarem, podem vir a causar doenças graves aos consumidores.
Para além dos casos de má disposição, febre, vómitos e diarreias, podem ocor-
rer casos de morte. Os idosos, as crianças e pessoas debilitadas por doenças ou
por anomalias no sistema imunitário são particularmente sensíveis. O estado
de limpeza da roupa/uniforme é também muito importante, pois num vestu-
ário sujo os microrganismos encontram locais onde se podem multiplicar com
mais facilidade.

Estado de saúde e situações de doença


Como já foi referido, mesmo se os colaboradores que contactam com alimen-
tos durante a sua manipulação/preparação e venda apresentam um estado
de saúde normal, têm no seu corpo microrganismos que podem contaminar
os alimentos. Quando uma pessoa está doente, por exemplo com gripe ou
diarreia, no seu corpo existe um número muito elevado de microrganismos, o
que torna a possibilidade de contaminação de alimentos muito mais provável.
Assim, qualquer pessoa que manipule alimentos e que tenha contraído, ou
suspeite ter contraído, doença contagiosa, ou sofra de doença de pele, doença
do aparelho digestivo acompanhada de diarreia, vómito ou febre, inflamação

270 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
da garganta, do nariz, dos ouvidos ou dos olhos, não pode trabalhar e, deve
apresentar a situação ao seu responsável hierárquico.

Quando da admissão de um funcionário deverá ser realizado um exame médi-


co, sendo monitorizado o seu estado de saúde de dois em dois anos, salvo se
surgir alguma suspeita de surtos de doenças infecciosas transmissíveis.

Motivos de Alerta
Febre
Diarreia
Vómitos
Inflamação na garganta, do nariz e dos olhos
Doença de pele
Contacto com pessoas com doenças contagiosas

Cortes e queimaduras

Lesões
Os cortes e queimaduras constituem pontos de lesões da pele, onde os micror-
ganismos se desenvolvem com facilidade, pelo que devem ser encarados como
situações de particular perigosidade e de alerta para quem manipule alimentos.
Em caso de lesão, os colaboradores devem seguir o fluxograma de acção/comu-
nicação apresentado na Fig 7.1.

Boas práticas de higiene pessoal

Introdução
O conjunto de regras, condições e práticas que asseguram uma adequada hi-
giene pessoal constituem as boas práticas de higiene pessoal.

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 271
lesão

colaborador
queimadura corte
identificação
da causa
colaborador

colaborador
alertar alertar
imediatamente imediatamente
superior superior
hierárquico hierárquico

responsável responsável
de higiéne avaliação avaliação de higiéne
e segurança da situação da situação e segurança
no trabalho no trabalho

possibilidade
de continuar
a exercer a sua
actividade?
cobrir a ferida com
penso de cor e usar luvas sim não o lesado é imediatamente
descartáveis,
encaminhado para
estando permanentemente
tratamento médico
atento ao possível
agravamento da lesão

figura 7.1
Fluxograma de acção/comunicação
que o colaborador deve seguir em
caso de queimadura ou corte

A observância das regras e procedimentos constantes das boas práticas de hi-


giene pessoal é fundamental para garantir uma adequada segurança e higiene
dos alimentos. É de realçar a importância da consciencialização dos trabalha-
dores para a importância das boas práticas de higiene pessoal. Neste capítulo
indicamos as principais regras e procedimentos adoptados para garantir que os
manipuladores contribuem para a correcta segurança e higiene dos alimentos.
Assim, qualquer pessoa que manipule alimentos deve ser instruída a adoptar
comportamentos de higiene pessoal adequados às funções que desempenha,
tais como:

Manter um nível adequado de limpeza pessoal ao nível Comportar-se de modo apropriado, seguindo todas as
do corpo, uniforme, roupa e calçado regras de higiene adoptadas na empresa

272 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Higiene das mãos
As mãos dos trabalhadores, mesmo sem sinal de doença, são os principais trans-
missores de contaminações para os alimentos. Tal facto advém das mãos estarem
em contacto com o ar, serem utilizadas para usar os equipamentos e utensílios,
poderem contactar com partes do corpo ou superfícies que se encontrem sujas e
poderem assim ser facilmente contaminadas.

Os manipuladores de alimentos devem manter as mãos sem fissuras onde os


microrganismos se possam alojar e desenvolver. As unhas devem permanecer
curtas, limpas e sem verniz, sem a utilização de unhas postiças.

Lavagem das mãos


Sendo as mãos um foco de contaminação de alimentos, a sua adequada e fre-
quente lavagem adquire uma importância fundamental para garantir que não
contribuem para contaminar os alimentos. Devem ser igualmente higienizadas as
zonas dos braços que se encontrem expostas. Uma correcta lavagem das mãos
requer que sejam cumpridas as regras e cuidados elementares, mais importantes.
Também a frequência de lavagem das mãos e a necessidade de lavar as mãos após
situações, como por exemplo, depois de uma ida à casa de banho, são questões
para as quais se deve consciencializar em contínuo os trabalhadores.

Quando lavar as mãos?


As mãos devem ser lavadas:

Depois de vestir o uniforme, antes de iniciar o trabalho e após cada Após tocar no cabelo, olhos, boca, ouvidos ou nariz
intervalo
Sempre que se utilizar os sanitários Depois de manipular produtos químicos ou equipamentos de limpeza
Após manipular ou tocar em equipamentos sujos Depois de se assoar, tossir ou espirrar
Após manipular sacos e/ou caixotes de lixo, restos de produtos alimen- Depois de fumar, comer ou beber
tares, embalagens
Sempre que iniciar o manuseamento de alimentos ou se mude de tare- Depois de tocar no dinheiro ou cumprimentar o colaborador ou cliente
fa e/ou preparação ou categoria do produto
Antes de colocar ou mudar luvas Sempre que ocorra uma situação diferente das enunciadas acima, em
que o trabalhador não tenha a certeza se tem que lavar as mãos, adop-
tando o princípio da precaução, deve proceder à sua lavagem

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 273
figura 7.2
Lava mãos accionado
por pedal

Como lavar as mãos?

Molhar as mãos com água e remover os resíduos sólidos Secar as mãos com papel descartável
Ensaboar bem as mãos com sabão líquido Aplicar solução desinfectante
Lavar cuidadosamente os espaços interdigitais, costas das mãos, polegar e unhas. Deixar secar naturalmente e não limpar as mãos às batas
Deve utilizar-se uma escova própria de unhas para maior facilidade na remoção dos
detritos
Passar com água corrente para retirar todo o sabão

Meios para uma adequada lavagem das mãos


De forma a facilitar um adequado programa de higienização das mãos por parte
dos manipuladores de alimentos, a empresa deve assegurar:

A existência de lavatórios em número suficiente e localizados junto dos A disponibilidade de sabonete líquido desinfectante e de toalhetes de
locais onde é necessário que os operadores procedam frequentemente papel nos respectivos dispensadores
à higienização das mãos
A disponibilização de água quente quando necessário para uma ade- Uma adequada concentração do sabonete líquido com acção desinfec-
quada higienização das mãos tante/bactericida no dispensador
A manutenção em adequadas condições de uso dos lavatórios A monitorização da adequabilidade das práticas de higienização das
mãos por parte dos manipuladores e o desencadeamento de acções
correctivas quando se constate a existência de falhas e insuficiências no
cumprimento no programa de higienização de mãos

Luvas
Caso seja necessário usar luvas descartáveis, os trabalhadores devem lavar cor-
rectamente as mãos antes de calçarem as luvas. De seguida, devem desinfectar
as luvas com uma solução desinfectante alcoólica. As tarefas que necessitem de
luvas para serem realizadas devem ser efectuadas sem interrupção, caso contrá-
rio, as mãos devem ser novamente lavadas e usadas novas luvas desinfectadas
ou as mesmas devidamente higienizadas. Em determinadas situações e de acor-
do com os procedimentos, as luvas poderão ter uma frequência de mudança.

274 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
COMO LAVAR AS MÃOS?

Fonte: Organização Mundial de Saúde


A lavagem correcta das mãos deve durar mais de 20 segundos

0 1 2

molhe as mãos com água aplique sabão para cobrir esfregue as palmas das mãos,
todas as superfícies das mãos uma na outra

3 4 5

palma da mão direita no dorso palma com palma com os parte detrás dos dedos nas
da esquerda, com os dedos dedos entrelaçados palmas opostas com os dedos
entrelaçados e vice-versa entrelaçados

6 7 8

molhe as mãos com água


esfregue o polegar esquerdo
esfregue rotativamente para trás
em sentido rotativo,
e para a frente os dedos da mão direita
entrelaçado na palma direita e vice-
na palma da mão esquerda e vice-versa
versa

9 10 11

seque as mãos com utilize o toalhete para fechar agora as suas mãos estão
toalhete descartável a torneira, se esta for de comando manual limpas e seguras

figura 7.3
Procedimentos para lavagem correcta das mãos

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 275
Uniforme
A roupa e outro material usado fora do local de laboração deve ser deixada no
vestiário. Este deve ser mantido sempre devidamente limpo nos cacifos individu-
ais. No local de laboração todo o pessoal tem de usar uniforme adequado, que
é fornecido pela empresa, o qual deve ser mantido limpo, e como tal mudado
sempre que se apresente sujo.
O uniforme utilizado obedece às seguintes regras:

É de cor clara, confortável e adequado à tarefa a desempenhar Não possui bolsos exteriores ou botões
É de uso exclusivo ao local de laboração Os bolsos interiores estão posicionados abaixo da cintura para que, em caso
dos objectos saltarem dos bolsos, caiam directamente no pavimento
É constituído por touca/boné, calça, pólo, calçado apropriado e avental São de material resistente a lavagens frequentes
O boné/touca deve ser usado de modo a cobrir todo o cabelo, não dei- Se for necessário usar meias, estas são brancas e de algodão
xando pontas de fora. Para segurar o boné não se podem usar ganchos e
molas. Este deve ser preso com a ajuda do elástico que deve fazer parte da
sua estrutura

Todo o vestuário será trocado no final de cada turno e mais frequentemente se


a natureza das actividades o justificar. O vestuário sujo será recolhido para uma
área onde exista um contentor para a recepção do vestuário sujo, onde não
exista risco de contaminação, nomeadamente de outro vestuário limpo que se
encontre na lavandaria.

É importante evitar:

A utilização de avental plástico próximo a fontes de calor


Carregar no vestuário canetas, lápis, ferramentas, pentes, pinças, batons, cigarros, isqueiros, relógios, crachás
Usar adornos como brincos, anéis, pulseiras, relógios, alianças, piercings, colares, amuletos, fitas
Utilizar perfumes e desodorizantes muito intensos
Utilizar maquilhagem
Utilizar panos ou sacos plásticos para a protecção do uniforme

Calçado
O calçado é de uso exclusivo no local de laboração, de cor clara, antiderrapante,
confortável, fechado e com protecção contra queda de objectos. O colaborador
quando descalça o calçado que traz do exterior deve evitar o contacto com o

276 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
calçado da laboração. Esta barreira pode ser uma simples elevação onde o traba-
lhador se senta para se descalçar, roda o corpo para passar os pés para o outro
lado, onde calça o calçado de laboração. Deste modo, o calçado de laboração
nunca se encontrará do lado do local do calçado que o trabalhador traz de casa
e vice-versa.

Existe um local à entrada com equipamento adequado para a higienização deste


tipo de calçado.

Adornos pessoais
Não é permitida a utilização de qualquer tipo de adornos (p.ex.: jóias, relógios,
pulseiras, brincos), dada a possibilidade de poderem soltar-se e ir para os alimen-
tos. Pode ser permitido o uso de aliança se esta for lisa e não constituir perigo
para o trabalhador, como por exemplo, ficar presa em alguma máquina ou uten-
sílio. No caso de se usar aliança, esta deve ser lavada cada vez que se lavem as
mãos, pois constitui um local onde a sujidade se pode alojar, criando condições
para o desenvolvimento de microrganismos.

Poderá ser permitida a utilização de fios com placas com inscrições de alertas
médicos (p.ex.: grupo sanguíneo, indicação de diabetes), mas estes devem ser
resistentes, usados por dentro da roupa e lavados regularmente. A necessidade
de uso de fios nestas circunstâncias deve ser comunicada previamente ao res-
pectivo superior hierárquico ou ao departamento de recursos humanos.

Em caso de perda de qualquer destes objectos, o operador deve comunicar de


imediato ao seu superior hierárquico a sua ocorrência.

Cabelo, barba: uso de touca e de máscara


O cabelo cai de uma forma natural e, por este motivo, constitui uma potencial
fonte de contaminação de produtos alimentares. Mas o risco de contaminação
de produtos alimentares associados a cabelos não se reduz a perigos físicos. É
possível encontrar no couro cabeludo, microrganismos patogénicos, tais como
o Staphylococcus aureus. De forma a prevenir a contaminação dos alimentos a

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 277
partir desta fonte, os cabelos são lavados regularmente e devem ser utilizadas
toucas/bonés de modo a cobrir todo o cabelo, não deixando pontas de fora. Os
cabelos devem apresentar-se lavados e penteados. A colocação do boné ou o
rearranjo da sua posição deve ser exclusivamente efectuado nos vestiários.

Embora não seja aconselhável que os trabalhadores do sexo masculino usem


barba e/ou bigode, caso usem, o uniforme deve incluir protecção adequada para
a barba e bigode.

É obrigatória a utilização de máscaras naso-bocais, que devem ser colocadas tapando simultaneamente a boca
e o nariz dos colaboradores quando estes se encontram na área da cozinha e na preparação e manipulação de
produtos prontos-a-consumir.

Regras de boa conduta


Os manipuladores envolvidos no processamento de alimentos são formados,
treinados e consciencializados no que toca à importância das boas práticas de
higiene alimentar (através de instruções de trabalho, Informações de higiene,
formação profissional).

Os comportamentos que possam causar a contaminação dos alimentos são


proibidos nas instalações. Deverão ter-se em atenção os aspectos a seguir
enumerados:

Não tocar na boca, nariz, cabelo e no rosto durante a manipulação dos Avisar sempre o responsável do sector em caso de feridas ou doenças infec-
alimentos to-contagiosas (p.ex.: diarreia, hepatite, infecções)
Não fumar, comer (incluindo pastilhas, rebuçados e doces), beber nas áre- Os manipuladores de alimentos não devem carregar canetas ou qualquer ou-
as de manipulação de alimentos tro objecto, excepto em bolsos fechados abaixo da linha da cintura. Quem
usar óculos, deve ter o cuidado de os manter presos por um cordão atrás do
pescoço, de modo a que não caiam no produto alimentar
Não se deve espirrar ou tossir nas áreas de manipulação e armazenamen- Guardar alimentos nos cacifos dos vestiários deve ser evitado, para evitar a
to de alimentos. Antes de tossir ou espirrar, o manipulador deve afastar- atracção de insectos e roedores ao local. O uso dos cacifos deve ser exclusiva-
-se, cobrir a boca e o nariz com um lenço de papel e depois lavar as mãos mente para guardar roupas e objectos de uso pessoal
antes de voltar ao seu posto de trabalho
Não usar objectos pessoais como jóias, relógios, brincos e outros na área A colocação de avisos, tais como os de “proibido comer, beber, fumar”, “obri-
de manipulação dos alimentos. Estes pertences devem ficar guardados gatório o uso de uniforme adequado”, “obrigatório lavar as mãos”, bem como
em cacifos localizados nos vestiários de outros, nos locais em que se consiga relembrar os colaboradores

278 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Iniciar o trabalho sem antes lavar e desinfectar as mãos, ou após utiliza- É importante a identificação dos trabalhadores responsáveis/supervisores em
ção dos sanitários ou então após a manipulação de resíduos ou produtos cada linha/tarefa, para que possam rapidamente ser informados de qualquer
químicos, são comportamentos que podem causar contaminação dos situação que necessite da sua intervenção
alimentos e devem ser evitados. A lavagem das mãos deve ser feita regu-
larmente durante o dia, antes do início do trabalho ou antes do manuse-
amento de um outro alimento diferente daquele que estava a manipular
Deve-se manter sempre o vestuário limpo (incluindo as luvas, aventais e É importante a lavagem dos dentes após cada refeição
botas)
O uso do vestuário de trabalho fora da área fabril não é permitido, de É fundamental a disponibilização de caixas de primeiros socorros, em local
modo a evitar contaminações, sendo apenas permitido num raio de 2 bem visível para os trabalhadores. A caixa de primeiros socorros deve ser
metros da área circundante inspeccionada pelo responsável de higiene e segurança no trabalho, e deve
conter: algodão hidrófilo, água oxigenada, fita adesiva, álcool etílico, pensos
coloridos e impermeáveis, solução desinfectante, gaze, pomada para quei-
maduras, luvas descartáveis, máscaras.
Nunca esquecer de usar touca para proteger o cabelo Manipular alimentos com cortes ou feridas expostas no corpo do manipula-
dor não é permitido

Visitantes
Os visitantes e fornecedores só devem ter acesso às áreas de manipulação e ar-
mazenamento quando devidamente autorizados e equipados (fardados) e acom-
panhados. Os visitantes devem respeitar as mesmas regras de boa conduta esta-
belecidas para os colaboradores.

7.2 Concepção de infra-estruturas


Uma adequada conceptualização dos estabelecimentos industriais agro-alimen-
tares tem em conta não apenas aspectos de natureza operacional mas também
todos os outros que directa ou indirectamente tenham implicações na segurança
alimentar (Noronha e Baptista, 2003; Noronha et al., 2006).

As instalações devem ser construídas e mantidas de acordo com princípios de


desenho higiénico, que contém desenho das áreas, estruturas internas de cons-
trução (paredes, tectos e chão), áreas e layout´s, equipamento, ventilação, ilumi-
nação, água, tratamento de águas residuais e áreas de lavagem do equipamento,
W.C. e vestiário, separados por zonas, de forma que o fluxo do produto seja con-
tínuo assim como os circuitos do pessoal sejam lineares para evitar as contami-
nações cruzadas.

O edifício deve apresentar um só piso de forma a facilitar:

Movimentação de produtos, materiais, equipamentos e pessoas


Organização dos fluxos de acordo com a filosofia de “marcha-em-frente”, diminuindo o risco de contaminação cruzada
Melhor aplicação de boas práticas de higiene

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 279
Materiais
Os materiais de interiores (paredes, pavimentos, tectos, portas) deverão ser se-
leccionados e instalados tendo em consideração o uso pretendido e os princí-
pios de desenho higiénico.

Paredes
As paredes externas e as fundações das instalações são impermeáveis à água e constituem uma barreira eficaz a insectos
e roedores
No interior das instalações, as paredes e divisórias são construídas com materiais impermeáveis, não absorventes, lavá-
veis e não tóxicos, sendo lisas de forma a facilitar as operações de limpeza
São pintadas com tinta lavável, de cor clara de forma a facilitar a visualização da sujidade
Paredes exteriores revestidas de material cerâmico, liso
Todos os ângulos e cantos nas paredes, chão e tecto são convenientemente selados e arredondados para facilitar a
limpeza

Janelas
Constituídas de modo a evitar a acumulação de sujidade e deverão estar equipadas com redes de protecção contra
insectos (rede mosquiteira)
Durante a laboração as janelas são permanentemente fechadas e apenas estão abertas as que possuem rede de protec-
ção (rede mosquiteira)
Os caixilhos das janelas deverão ser resistentes à corrosão

Portas

Devem possuir largura suficiente de forma a permitir a passagem de pessoas e objectos


As que abrem para o exterior ou as que ligam áreas onde se encontram subprodutos com áreas alimentares são de fecho
automático e com mola retorno
Devem possuir superfícies lisas, de cor clara, e devem permitir uma limpeza adequada
As portas de comunicação serão concebidas de forma a limitar a entrada de pragas, sendo que as portas de comunica-
ção interior são equipadas com molas de retorno

280 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Tectos

Os tectos e outros equipamentos nele suspensos devem ser con- Os tectos possuem reboco liso e são pintados com tinta lavável
cebidos e construídos de modo a não acumular sujidade, reduzir
a condensação e o desenvolvimento de bolores indesejáveis

Pavimentos
Os pavimentos devem ser planeados e construídos de modo a possuírem deter-
minadas características:

Impermeabilidade a derrames de produtos Antiderrapantes e não absorventes


Durabilidade O pavimento da zona exterior deve ser construído em betão
Facilmente laváveis e desinfectáveis O pavimento da área técnica onde são manuseados e armazenados os produtos alimentares
refrigerados e congelados é construído numa base de betão com camada de resina epóxi

Lavatórios nas zonas de laboração

Nas zonas de laboração, existem lavatórios espalhados em nú- De forma a assegurar a segurança e salubridade dos géneros
mero suficiente para a lavagem das mãos, equipados com água alimentícios, os lavatórios deverão estar devidamente separados
corrente quente e fria, materiais para limpeza e dispositivos de dos que se destinam à lavagem de equipamentos e equipados
secagem higiénica (porta-rolos de papel descartável) com torneiras de comando não manual, doseador de produtos
de lavagem, toalhas descartáveis em papel para secagem das
mãos e escova de apoio à remoção de sujidades

Iluminação
Uma boa iluminação é fundamental para garantir boas condições de trabalho e
uma boa higiene do local.

A iluminação artificial existente nas instalações deve ser com- As lâmpadas devem estar instaladas de maneira a evitar a acu-
posta por lâmpadas fluorescentes anti-estilhaços de forma a evi- mulação de poeiras e o acesso a insectos, bem como devem
tar a contaminação dos alimentos ou equipamentos por vidros permitir uma fácil limpeza e manutenção
no caso de rebentamento

Sanitários

Os sanitários devem existir em número suficiente


Não existe comunicação directa entre as instalações sanitárias e os locais onde são manipulados os alimentos
As paredes são revestidas até uma dada altura com azulejo liso e de cor clara e impermeável
O tecto deve estar pintado com tinta clara e lavável
As torneiras são de comando não manual e os lavatórios devem ser abastecidos com água quente e fria em quantidade e pressão suficientes
com existência de meios higiénicos para secagem das mãos (p.ex. toalhas de papel descartáveis)

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 281
Vestiários

O tamanho dos vestiários deve ser planeado tendo em conta o As paredes devem ser revestidas com azulejos de cor clara e impermeável,
número de utilizadores enquanto o tecto deve ser pintado com cor clara e lavável
Deve existir cabine de banho com chuveiros fisicamente sepa- Os armários serão construídos em aço inoxidável e mantidos em boas con-
rados das instalações sanitárias com água quente e fria dições de higiene e conservação, existindo um espaço físico que reduz
contaminações cruzadas entre a roupa de trabalho e roupa proveniente do
meio externo

Instalações de frio

Câmaras de conservação de refrigerados

As instalações de refrigeração para a conservação dos alimentos são projectadas e construídas de forma a permitir a exposição/manutenção
da superfície ou do centro térmico do alimento, conforme o apropriado, para reduzir ou manter a temperatura adequada dos alimentos e do
processo de acordo com a categoria do produto, sendo de 0 ºC a 3 ºC para produtos frescos refrigerados
A temperatura das câmaras de refrigeração deve ser monitorizada através de equipamentos calibrados de registo automático de temperaturas
Os materiais do tecto, paredes devem ser construídos com painéis aptos, de fácil limpeza, sendo o chão revestido com resina epóxi, ou outro
material que impeça as contaminações e facilite a higiene

Câmaras de conservação de congelados

As câmaras de congelação deverão ser bem projectadas e cons- A temperatura das câmaras de congelação deve ser monitoriza-
truídas e a funcionar correctamente para que garantam que os da por equipamentos calibrados que, preferencialmente, permi-
alimentos congelados se mantenham a uma temperatura infe- tam o registo automático de temperaturas
rior a -18 ºC durante a sua armazenagem

Zona de preparação e confecção de alimentos

Em todas as zonas de preparação e confecção de alimentos deve haver circuitos limpos e circuitos semi-limpos, pelo que conceito
“marcha-em-frente” entre eles é sempre em paralelo e sem que ocorra cruzamento entre eles, impedindo assim que os alimentos
prontos a servir se cruzem com os alimentos que estão a chegar para serem lavados, preparados, etc

282 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Requisitos levados em consideração

As superfícies de trabalho que estão em contacto com os ali- Quando aplicável, os equipamentos estão dotados de meios de controlo e
mentos devem ser de materiais sólidos, lisos, não absorventes, monitorização (p.ex. sondas de temperatura nas câmaras)
não tóxicos, inertes aos alimentos e aos detergentes, duráveis,
de fácil limpeza, manutenção e desinfecção, geralmente em
inox
Os equipamentos e os recipientes a entrar em contacto com os Os contentores de resíduos alimentares devem estar identificados e ade-
alimentos devem ser projectados e construídos com material quadamente construídos com materiais impermeáveis e lisos, de forma a
não tóxico, duráveis, movíveis e/ou desmontáveis de modo a assegurar uma correcta limpeza e desinfecção
assegurar a limpeza e desinfecção adequadas

Todas as estruturas e equipamentos devem ser mantidos em boas condições, e


geridos por um programa de manutenção industrial/fabril, no qual são registadas
todas as manutenções preventivas a efectuar ao equipamento pelos técnicos de
manutenção fabril (Baptista, 2003).

A informação incluída no plano de manutenção deve ser a seguinte:

Equipamento
Frequência da actividade
Breve descrição da acção de manutenção
Responsáveis
Registo

7.3 Programa de higienização de instalações


e equipamentos
Objectivo
A higienização tem como objectivo remover os materiais indesejados (restos de
alimentos, corpos estranhos, resíduos de produtos químicos e microrganismos)
das superfícies a um nível tal que, os resíduos que persistirem, não apresentem
qualquer risco para a qualidade e segurança do produto. Para realizar um pro-
grama de higienização com sucesso, a empresa deve entender a importância de
compreender a natureza da sujidade que vai ser removida, saber escolher o mé-

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 283
todo mais adequado para a sua remoção, assim como o método mais indicado
para avaliar a eficácia do processo utilizado (Carvalheiro, 2009).

Dependendo das actividades do processo, do tipo de produto, do tipo de super-


fícies e do nível de higiene requerido, a higienização pode ser efectuada apenas
através de uma limpeza (L), ou de uma limpeza seguida de desinfecção (L+D).

Higienização Limpeza (L) ou Higienização Limpeza Desinfecção

(L+D)

O processo de limpeza consiste essencialmente na eliminação de resíduos só-


lidos e outras partículas que ficam sobre as superfícies. A desinfecção consiste
na destruição ou remoção dos microrganismos. Especialmente no caso da de-
sinfecção química, a limpeza deve, em grande parte das situações, preceder a
desinfecção para que esta seja eficaz, pois os restos dos alimentos interferem
com os agentes de desinfecção.

As indústrias devem estabelecer planos de higienização de diferentes activida-


des, de modo a garantir que as instalações, equipamentos e utensílios que en-
tram em contacto com os alimentos são mantidos em bom estado de higiene,
evitando a sua contaminação, e que os produtos de higienização são adequados
e utilizados de forma correcta, de modo a não contaminarem os alimentos.

A informação incluída nos planos de higienização deve ser a seguinte:

Área a limpar, equipamento ou local da viatura Tipo de produto de higienização a usar


Frequência da higienização Equipamento de limpeza utilizado
Identificação do responsável pela higienização Procedimentos de limpeza através de instruções com a breve descrição
das actividades de higienização a serem cumpridas

284 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Os métodos de higienização (p. ex.: tempo/temperatura/concentração dos pro-
dutos de higienização) terão de ser validados de forma a garantir a sua eficácia (p.
ex.: eliminação da carga microbiana numa superfície de trabalho, ou a ausência
de resíduos de produtos de higienização). Esta eficácia é verificada periodica-
mente através da recolha de amostras (para controlo analítico) em superfícies
de trabalho ou por inspecção visual, para determinar o grau de implementação
e adaptabilidade do método de higienização. Da análise dos resultados da veri-
ficação podem resultar, sempre que necessário, a alteração do processo ou do
produto de higienização ou a formação/sensibilização do pessoal.

Selecção do produto de limpeza e de desinfecção


A selecção do produto de limpeza deve ter em conta a sua utilização e depende:

Da autorização da utilização do produto para o uso pretendido Dos meios disponíveis para o enxaguamento das superfícies
Do tipo de contaminação/sujidade presente na superfície Do equipamento de limpeza utilizado nas operações de limpeza
Do nível da contaminação/sujidade presente na superfície Do tipo de superfície a ser limpa/desinfectada
Do tempo disponível para as operações de limpeza e desinfecção Da compatibilidade do agente de desinfecção com o agente de limpeza
Da natureza das superfícies a limpar Do efeito de corrosão do produto
Das características da água (pH, dureza) Do tipo de microrganismos potencialmente presentes

A selecção dos agentes de limpeza e desinfecção é feita de modo a evitar riscos


de contaminação dos alimentos e garantir a integridade das superfícies a limpar.
Estes são aprovados para a aplicação ao local a que se destinam e as suas fichas
técnicas/fichas de segurança devem ser mantidas em arquivo.

Os planos de higienização devem ser completos, isto é, com instruções de limpe-


za e desinfecção, com indicação dos produtos a utilizar, o seu modo de utilização
(p. ex.: temperatura/tempo de contacto), bem como o tipo de equipamento utili-
zado para que seja assegurada uma higienização total e eficaz.

Os manipuladores envolvidos nos processos de higienização são formados, trei-


nados e consciencializados no que toca às boas práticas de higienização nos es-

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 285
Carvalheiro, 2009
água potável
enxaguamentos
fria ou morna

pressão água,
remoção de sólidos
rodos, etc.

alcalinos
aplicação de espuma
cáusticos
clorada ou detergente
ou emulsionantes

pressão água,
enxaguamentos
rodos, etc.

quarternários
aplicação de substância
de amónio
desinfectante
e biocida clorado

verificação e análise
da eficácia

figura 7.4
Regras a implementar para
uma adequada higienização
dos estabelecimentos

tabelecimentos. Tendo em conta que determinados comportamentos podem


causar a contaminação dos alimentos, devem ter-se em conta determinados
factores tais como:

continua

Usar vestuário adequado e exclusivo sempre que se manipule detergentes Higienizar tectos, paredes, exaustores, extractores e tectos ventilados ape-
e/ou desinfectantes na realização de operações de limpeza e desinfecção nas quando estes não estiverem a ser manipulados
Nunca manipular alimentos do decorrer das operações de limpeza e/ou Assegurar sempre que os ralos de escoamento se apresentam limpos, sem
desinfecção gordura e desentupidos
Manter todos os produtos de limpeza e detsinfecção nas embalagens origi- Desmontar, lavar e desinfectar todos os equipamentos que contactem di-
nais e garantir que o rótulo não é danificado recta ou indirectamente com alimentos após cada utilização

Antes de utilizar qualquer detergente ou desinfectante, consultar sempre as Proteger devidamente os equipamentos sempre que estes não estejam a
respectivas fichas técnicas ou os rótulos ser utilizados
Caso não seja possível identificar o produto, os colaboradores devem infor- Durante a lavagem, colocar o conteúdo do equipamento de frio (câmaras
mar imediatamente o responsável de conservação de refrigerados ou de conservação de congelados) em
equipamento alternativo; caso não seja possível, o conteúdo das câmaras
deverá ser retirado devendo a sua higienização ser realizada o mais rápido
possível
Nunca misturar diferentes produtos de limpeza ou desinfecção, a não ser Na higienização do equipamento de frio deve dar-se especial atenção às
em situações devidamente indicadas borrachas de isolamento e puxadores das portas, prateleiras e paredes

286 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Todos os operadores/manipuladores de alimentos são responsáveis pela Lavar e desinfectar os recipientes de lixo sempre que se proceder ao seu
higienização das superfícies, equipamentos e utensílios por eles usados. despejo
Logo são obrigados a cumprir escrupulosamente os planos de higienização
pré-estabelecidos
Respeitar as indicações de dosagem (um desinfectante nunca deve ser usa- Remover todos os restos de alimentos antes de colocar a louça na maquina
do em excesso), de tempo de contacto e modo de aplicação do desinfec- de lavar
tante
Nunca utilizar vassouras para varrer a seco o pavimento das cozinhas e das No final de cada operação de higienização, assinar a folha de controlo de
salas de refeições operações sempre que isso seja exigido

7.4 Programa de manuseamento de resíduos


Os resíduos alimentares e outros não devem ser acumulados na zona de mani-
pulação e armazenamento dos alimentos.

Durante os processos de manipulação dos alimentos são recolhidos diferentes ti-


pos de resíduos, restos de alimentos, restos de embalagens, lixos de varreduras,
resíduos de manutenção e produto não conforme ou produto resultante de de-
voluções.

A empresa deve estabelecer um circuito destes resíduos, o local de armazena-


mento e identificação, a sua gestão incluindo métodos de recolha, destinos e
seus responsáveis.

O circuito e o destino dos resíduos devem encontrar-se definidos de forma a


evitar contaminações cruzadas.

Os locais de recolha de resíduos são concebidos e utilizados de forma a manter


as condições de limpeza e a impedir o acesso a pragas.

Exemplos
A embalagem secundária, cartonada ou plástica das embalagens deve ficar na área técnica e o material (p.ex. filme,
plásticos de carne), deve transitar apenas com a embalagem primária para as áreas de manipulação
As quebras de produtos cárneos obtidos durante a etapa da transformação são colocadas num contentor e, ao fim de
duas horas a três horas são despejadas no contentor de resíduos que diariamente é recolhido

Armazenamento e manuseamento de produtos alimentares


A empresa deve possuir um procedimento que estabelece regras e responsabili-
dades de forma evitar a deterioração de matérias-primas e produtos:

Devem estar identificadas as áreas de armazenamento


Deve haver áreas que previnem a contaminação de outros alimentos
Devem estar definidas regras de gestão de stocks, entradas e saídas
Devem estar definidas formas de identificação de forma a controlar as validades de produtos
Deve garantir-se o controlo de temperaturas

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 287
De modo a evitar contaminações cruzadas, provocadas pelos utensílios de corte, deve proceder-se à utilização
de códigos de cores, para as placas de corte, facas e outros utensílios.

Carvalheiro, 2009
Cor Tipo de Produto

Vermelho Carnes vermelhas (cruas)

Branco Carnes de aves (cruas)

Verde Legumes (crus)

Amarelo Carnes cozinhadas

Castanho Legumes cozinhados

tabela 7.1
Exemplos de códigos
de cor para facas

Categoria do Produto Temperatura de trabalho Temperatura


do equipamento de limite aceitável

Ultra-congelados -18 ºC -18 ºC


Congelados -12 ºC -12 ºC
Carnes frescas de suíno e bovino 0 ºC — 3 ºC +7 ºC
Carnes frescas de aves 0 ºC — 3 ºC +4 ºC
Carnes frescas de coelho 0 ºC — 6 ºC +4 ºC

tabela 7.2
Limites de temperatura de
trabalho para diversos
produtos
7.5 Programa de controlo de pragas
As pragas (roedores, insectos, rastejantes, etc.) são portadores de microrganis-
mos patogénicos que podem vir a colocar em risco a salubridade dos géne-
ros alimentícios e consequentemente a saúde do consumidor final (Carvalheiro,
2009).

Assim sendo, no âmbito da implementação do seu sistema de segurança ali-


mentar, a empresa deve definir um plano de controlo de pragas, de modo a
assegurar a prevenção, detecção e controlo de pragas, garantindo que:

São mantidas as condições de prevenção de infestações São efectuadas inspecções frequentes


A utilização de produtos de desinfestação não causa risco de contaminação nos alimentos São mantidos registos

288 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Prevenção de acesso

As infestações por pragas ocorrem em locais que possam servir como ninho Ao caminhar pelo exterior do estabelecimento, todos os responsáveis pela
e onde haja disponibilidade de alimento. As instalações devem ser man- qualidade e supervisão devem observar se as portas e as janelas estão fe-
tidas em boas condições de conservação para evitar o acesso de pragas chadas e vedadas de forma apropriada, ou se têm telas, que devem estar
e eliminar locais potenciais para sua procriação. Orifícios, drenos e outros intactas e ser de tamanho suficiente para prevenir a entrada das pragas.
lugares onde as pragas possam ter acesso devem ser mantidos fechados.
As redes de arame colocadas em janelas, portas e ventiladores, reduzem Deve garantir-se que os sistemas de drenagem estejam devidamente
a probabilidade de entrada. Os animais devem, sempre que possível, ser limpos e que não haja nenhum obstáculo que impeça o desaguamento
excluídos da área envolvente e devem ser tapados quaisquer buracos que apropriado ou permita o refúgio ou entrada de pragas. Os obstáculos do
possam vir a ser atravessados. desaguamento podem manter pragas como baratas ou moscas. Também é
importante garantir que as tampas de desaguamento estejam limpas e em
boas condições. Essas observações sobre desagues e tampas referem-se
tanto à parte externa como à interna do estabelecimento e, fazem parte do
plano de higienização da unidade.
Numa planta das instalações, ao se estabelecer e implementar o programa Os roedores e a maioria das outras pragas não exigem uma grande abertura
de controlo de pragas, existem várias áreas de preocupação, incluindo, mas para entrar. Qualquer abertura identificada deve ser vedada com material
não se limitando a: planta e terreno; estrutura e projecto; equipamentos e adequado, como fibra metálica ou preenchimento para evitar uma entrada
utensílios; manipulação; disposição de resíduos; uso de pesticidas; outras potencial. Às vezes, é útil procurar na parte interna do estabelecimento, sob
medidas de controlo. iluminação ténue, por áreas onde a luz do dia possa mostrar uma abertura
de tamanho que permita a entrada de pragas.
As inspecções e manutenções exteriores devem garantir que os terrenos Os dispositivos, insecto-coladores especializados são, geralmente, utiliza-
estejam limpos de arbustos altos, matagais e montes de resíduos que po- dos para controlar pragas nomeadamente aéreas. Deve-se ter cuidado para
dem estimular as pragas a aproximar-se e, possivelmente, entrar na área garantir que esses dispositivos sejam instalados e mantidos de acordo com
de processamento e armazenamento. Os roedores e a maioria das outras as recomendações do fabricante.
pragas não se sentem seguros em espaços abertos, preferindo a segurança
propiciada por agrupamentos de plantas ou vegetação mal cuidada.
As inspecções também devem incluir a identificação de locais potenciais As práticas eficientes de higiene podem reduzir significativamente o pro-
para repouso ou formação de ninhos de pássaros, que representam uma blema de pragas. Caso não se mantenham as normas de higiene implemen-
fonte comum de patogénicos. tadas, há um aumento de lixo, resíduos e desordem, atraindo roedores e
outras pragas, que podem entrar nas instalações. Quando isso ocorre, criam
um problema de difícil resolução.

Apesar de várias iniciativas para manter o terreno do estabelecimento, as


pragas inevitavelmente tentam entrar e, em muitos casos, obtêm êxito. É
importante avaliar a capacidade do estabelecimento para excluí-las. Essa
avaliação consiste numa observação do estabelecimento para determinar
sua capacidade física de exclusão de pragas.

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 289
Infestação e refúgios

A disponibilidade de comida e água incentiva a infestação e refúgio das pragas. As fontes de ali-
mentação potenciais devem ser hermeticamente armazenadas, em recipientes à prova de pragas
e/ou empilhadas acima do piso e longe das paredes. As partes internas e externas dos locais de-
vem ser mantidas limpas e, o lixo deve ser guardado em recipientes fechados e transportado para
o contentor de acordo com a especificidade dos resíduos e o plano de movimentação e recolha
de resíduos da unidade

Inspecção e monitorização

Os estabelecimentos e as áreas adjacentes são examinados regularmente e em contínuo


para verificar alguma evidência de infestação
Deverá ser abordado nas acções de formação o tema de controlo de forma a assegurar-se
que os funcionários estejam treinados para reconhecer indicadores da presença de pragas
e entender os procedimentos para informar qualquer observação detectada

Em vez de confiar somente no uso de pesticidas químicos para erradicar uma


infestação por pragas, deve-se fazer um controle preventivo, através de medidas
físicas e mecânicas, além daquelas químicas. A supervisão envolve uma inspecção
visual tanto para a presença de pragas (por exemplo, insectos e roedores), como
para evidência recente de sua presença, como excrementos e marcas de roedura.
A supervisão de rotina inclui observações nas áreas de processo e armazenamen-
to.

A frequência da supervisão encontra-se definida no plano de monitorização e é


esse mesmo que demonstra a necessidade de supervisão com maior ou menor
frequência.

Desinfestação de instalações e equipamentos


Devem ser estabelecidos determinados requisitos que servem de registos de
controlo de pragas como parte da documentação essencial para um programa
incluindo:

290 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos
Mapa com a localização das armadilhas para roedores, localização da isca e dos insecto-coladores
Programa de manutenção das armadilhas para roedores, das iscas, e dos insecto-coladores
Relação de todos os pesticidas usados no programa, inclusive uma cópia das informações técnicas sobre eles
Procedimentos operacionais padrão para aplicação de pesticida pelos funcionários do estabelecimento
Registar formação de técnicas de controlo de pragas dos trabalhadores que prestam serviço na unidade
Cópias de todos os relatórios emitidos por um operador externo de controlo de pragas, indicando todos os insectos e/ou roedores encontrados,
as áreas de actividade das pragas, a aplicação de qualquer pesticida (o nome da substância química e a quantidade aplicada)
Relatórios de auditorias de todas as inspecções internas para controlo de pragas, com as acções correctivas enumeradas
Relatórios de todos os problemas referentes à parte física do estabelecimento ou aos equipamentos que não estejam de acordo com o programa
de higienização das instalações, detalhando explicitamente as acções correctivas tomadas e quem as tomou

A eficiência de qualquer programa de controlo de pragas, incluindo o trabalho


subcontratado, é verificada em auditorias e documentado. A documentação
indica os problemas identificados e a devida acção.

7.6 Programa de controlo do ar


Ventilação

As instalações devem ser convenientemente ventiladas de modo a prevenir a acumulação de humidade e calor excessivo e para mini-
mizar a condensação no interior do edifício, no equipamento e no produto
Os sistemas de ventilação devem ser projectados e construídos de modo a minimizar a contaminação dos alimentos por via do ar
Esses sistemas têm como objectivo controlar a temperatura e humidade, por remoção de calor em excesso

Exaustão

Os sistemas de exaustão são capazes de assegurar a remoção de fumos e de vapor que se produzem nos processos, evitando assim
que estes retornem à unidade e se espalhem por esta, transmitindo odores estranhos e humidade a outros produtos
Os filtros fazem parte do plano de manutenção preventivo
Os sistemas de exaustão estão equipados com ventilação compensada para que em áreas onde exista entrada de ar, exista uma reti-
rada e uma entrada equilibrada

NO FINAL DESTE CAPÍTULO O ALUNO DEVERÁ


Estar familiarizado com as boas práticas de higiene pessoal
Conhecer as principais regras de construção e manutenção de infra estruturas destinadas ao processamento de alimentos
Conhecer os métodos de higienização das instalações
Perceber a importância da adequada gestão de resíduos

7. Boas práticas de fabrico na produção de alimentos Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal 291
292 Manual de Conservação e Transformação de Produtos de origem Animal
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