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ARTE-

EDUCAÇÃO

1
A CONTRIBUIÇÃO DA PROPOSTA DE ENSINO-
APRENDIZAGEM DO DESENHO DE OBSERVAÇÃO
DESENVOLVIDO POR BETTY EDWARDS PARA A
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE

Autoria: Luiz Roberto Gonçalves,


Acadêmico do curso de Licenciatura em Artes Visuais da
Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-PR
Orientadora: Dra. Zeloi Aparecida Martins dos Santos

Palavras-chave: Desenho de observação, Betty


Edwards, Formação do professor de Arte.

2. OBJETIVOS

O objetivo do trabalho de pesquisa é investigar e


apresentar o método de ensino-aprendizagem de desenho de
observação desenvolvido pela pesquisadora norte-americana
Dra. Betty Edwards a um grupo de professores de arte da
Faculdade de Artes do Paraná – FAP, relacionando o conteúdo
do livro Desenhando com o lado direito do cérebro (1984)
com as teorias contemporâneas de ensino de arte.
A habilidade de representar o que se vê através de

2
imagens utilizando lápis e papel, conhecida como desenho de
observação, é algo tão simples de se adquirir quanto as
habilidades de ler e escrever, dirigir um automóvel, andar de
bicicleta ou mesmo usar os recursos de um micro-computador.
No âmbito da educação não se trata de adquirir essa
habilidade para se tornar artista profissional, nem de utilizar o
desenho de observação como passatempo ou terapia
ocupacional. E, muito menos, registrar as idéias e a vida
privada de um indivíduo para que outrem analise os desenhos.
Betty Edwards desenvolveu um método de ensino-
aprendizagem de desenho de observação que permite a
qualquer estudante de qualquer disciplina aprender essa
habilidade: representar o que vê à sua frente através de lápis e
papel, de maneira rápida e eficaz.
Seu livro Drawing on the right side of the brain (1979)
foi traduzido para várias línguas e tornou-se best-seller1 na
área do desenho. No Brasil foi publicado em 1984, com
tradução de Roberto Raposo, num contexto cultural marcado
pelo final do regime militar (1964 a 1985). A busca por
mudanças estava presente em todos os setores da sociedade.
As diversas áreas do conhecimento trabalhavam para recuperar

1 Considera-se best-seller o livro que é grande êxito de


vendas em livraria. (Ferreira, 1988)
3
o déficit deixando pela ditadura. A área da educação pode ser
tomada como um exemplo na busca de mudanças: a adaptação
e criação de novos conceitos, revisão e criação de teorias para
tomada de novos direcionamentos. Questionando e refutando o
período de ditadura militar, para romper definitivamente com
o quadro caótico que apresentava a influência norte-americana
e o tecnicismo na educação.
A obra de Betty Edwards não se vincula à escola
tecnicista, entretanto alguns educadores associam-na a essa
concepção de ensino. O enfoque da autora é uma possível
explicação teórico-prática do processo do desenho de
observação, partindo das pesquisas do neurocientista Dr.
Roger Wolcott Sperry sobre a bilateralização dos hemisférios
direito e esquerdo do cérebro humano. E a apropriação dessa
habilidade, pelos estudantes, visando sua autoexpressão. O
método de Betty Edwards não se caracteriza como um manual2
técnico e sim como um método3 de ensino-aprendizagem.
O livro Desenhando com o lado direito do cérebro foi
o resultado da pesquisa da autora para obtenção do titulo de
doutor. Mas, as suas investigações não se limitam a essa obra.

2 Considera-se manual um pequeno livro que contém noções


essenciais acerca de uma técnica. (Ferreira, 1988).
3 Considera-se método um caminho pelo qual se atinge um
objetivo. (Ferreira, 1988).
4
Também escreveu outros livros sendo que o último, com o
título Color: a course in mastering the art of mixing colors,
ainda não foi traduzido para a língua portuguesa.
Entendemos que, após 25 anos de sua publicação, faz-
se necessário realizar uma releitura do livro Desenhando com
o lado direito do cérebro. A própria escola tecnicista e a
ênfase no uso de recursos didáticos e objetivos instrumentais
está sendo discutida e reinterpretada.
A abordagem triangular, proposta por Barbosa (1991),
evidencia a relação produzir-apreciar-contextualizar e o
método de Betty Edwards nos parece adequar-se a essa
proposta. A teoria apresentada pela autora baseia-se nas
pesquisas sobre o funcionamento e processamento de
informações do cérebro humano (Springer e Deutsch, 1998) e
seu valor prático já foi aprovado, como se pode observar nos
trabalhos de pesquisa de Titton que afirma que "Betty Edwards
(...) proporciona às pessoas um desenvolvimento pessoal que
excede as buscas de expressão por intermédio do desenho"
(2000, p.120) e Carneiro que conclui: "o mais bonito é ver nos
olhos de cada aluno o brilho de alegria ao saber-se capaz de
realizar coisas que até então julgavam impossível" (2000).
A proposta de Betty Edwards pode ser trabalhada em
um contexto interdisciplinar: a história da influência cultural

5
norte-americana sobre a cultura brasileira; com a história da
educação no Brasil e a diferença entre método e manual; com
a psicologia da educação, sobre a Gestalt e a bilateralização
dos hemisférios cerebrais humanos; com a filosofia, sobre a
mudança de paradigma; com a representação gráfica, sobre o
que os olhos vêem e o que achamos que vemos,
principalmente em desenho de perspectiva. Entre tantas outras.
Contudo, entende-se que a falta de conhecimento a
respeito da eficácia da proposta de Betty Edwards deve-se
muito à falta de uma abordagem e discussão da obra nos
cursos de graduação para formação de professores de arte.
Se o método desenvolvido pela pesquisadora Betty
Edwards propicia a apreensão dos códigos artísticos e o
ensino-aprendizagem em arte, por que esse método continua
sendo ignorado? Por que o livro Desenhando com o lado
direito do cérebro é pouco utilizado em sala de aula, e nos
cursos de formação de professores de arte? Qual o motivo de
não se incluir as pesquisas de Betty Edwards nas investigações
sobre ensino e aprendizagem em arte?
Apesar de ainda não haver comprovação científica, por
parte de neurocientistas, o método permite, em pouco tempo,
com apenas alguns exercícios, desenvolver a habilidade do
desenho de observação dos alunos, partindo do pressuposto de

6
que os dois hemisférios cerebrais do ser humano processam as
informações visuais percebidas através do aparelho da visão,
de modos diferentes. O estímulo do processamento das
informações visuais pelo hemisfério direito seria o responsável
pela eficácia do método de Betty Edwards.
Justifica-se este trabalho de pesquisa porque ainda
existem professores e pesquisadores do ensino de arte que
desconhecem ou conhecem parcialmente a obra de Betty
Edwards, sua aplicabilidade, importância e contribuição para o
ensino de arte.

3. MÉTODOS

Este trabalho tem caráter exploratório com


delineamento de levantamento de informações. Inicialmente
será realizada a revisão bibliográfica, tanto da obra de Betty
Edwards, como de diversos teóricos da educação e do ensino
de arte de modo a clarificar as concepções de ensino e
aprendizagem. Serão considerados os livros de Betty Edwards,
tanto os originais, em inglês (1986, 1999, 2002 e 2004)4, como
as quatro traduções para o português (1984, 2000, 2002 e

4 O primeiro livro de Betty Edwards, de 1979, saiu de


catálogo nos Estados Unidos.
7
2003). Também o livro sobre desenho de observação de Philip
Hallawell (1999) que propõe um curso de desenho a partir do
livro Desenhando com o lado direito do cérebro e dissertações
e artigos sobre o ensino-aprendizagem do desenho de
observação publicados pela Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP, e nas diversas
Universidades brasileiras, nos últimos anos. Serão também
consideradas as publicações dos teóricos da educação e da
pesquisa: Silvio Zamboni (1998), Ana Mae Barbosa (1991 e
2002), Fayga Ostrower (1987) e Fernando Hernandez (2000).
Serão aplicados alguns exercícios propostos por Betty
Edwards para um grupo de professores de ensino de arte da
Faculdade de Artes do Paraná – FAP, por meio da organização
de uma oficina. Serão apresentadas as características principais
das cinco obras de Betty Edwards e proposto a discussão e a
análise do método de ensino aprendizagem de desenho de
observação proposto pela autora sob a óptica das teorias
contemporâneas de ensino de arte.
A coleta de dados será efetuada por questionários
iniciais e finais, que deverão ser elaborados antecipadamente
seguindo metodologia apropriada, pela coleta dos desenhos
realizados pelos participantes na oficina, pela gravação de
depoimentos dos participantes e transcrição dos dados para

8
texto escrito e pela gravação de imagens da aplicação do
método na oficina proposta.
A análise dos dados terá caráter qualitativo. Serão
analisados os questionários, os desenhos e os depoimentos dos
participantes da oficina buscando correlações, comparações e
distinções obtendo, assim, informações para a formulação da
conclusão final.
4. RESULTADOS PARCIAIS

No trabalho de pesquisa realizado para o Programa


Institucional de Iniciação Científica (2007/2008) foram
realizadas leituras sistematizadas dos quatro livros de Betty
Edwards traduzidos para o português, além de autores
contemporâneos que tratam de assuntos correlatos como
Gardner (1999) e Springer e Deutsch (1998), e levantadas as
questões que envolvem a habilidade do desenho de observação
e sua relação com o processamento de informações pelo
hemisfério direito do cérebro humano.
O levantamento a respeito do assunto apontou uma
quantidade significativa de pesquisas e de artigos publicados
em diversas instituições brasileiras de ensino superior:
Universidade Federal do Paraná – UFPR, Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, Pontifícia Universidade

9
Católica do Rio Grande do Sul e Universidade Estadual
Paulista – UNESP e por diversos pesquisadores da arte-
educação: DORFMAN, CARNEIRO, ANDRADE, GARCIA-
CAIRASCO, RIGHETTO e TITTON.
Hallawell diz que a primeira coisa que o motivou a
escrever seu livro A mão livre (1999) “foi o desejo de valorizar
o desenho e resgatá-lo de um emaranhado de noções
equivocadas”. Ele diz ter percebido “que havia uma crescente
tendência de confundir o academicismo com o exercício do
desenho de observação e o desenho realista”. Afirma ainda que
"esta confusão fez com que se estabelecesse o conceito de que
o desenho de observação inibe a criatividade” (1999, p. 09). O
livro de Hallawell utiliza como base os exercícios propostos
por Betty Edwards assim como Harary e Weintraub utilizam
em seu livro Aprendizado com o lado direito do cérebro em 30
dias (1993) um desses exercícios mais famosos: o desenho
com a referência virada de cabeça para baixo. Este exercício,
que serviu de base para a tese de doutorado de Betty Edwards
já vinha sendo proposto pelo professor de design Jay Doblin,
em 1956, mas, como afirma o artista e professor Maurício
Porto, no prefácio da primeira tradução brasileira, "o grande
mérito da Dra. Betty Edwards é ter dado um fundamento
científico a todo esse conhecimento intuitivo" (Edwards, 1984,

10
p.7)
Autores americanos como Tony Schwartz (1995) e
Daniel Pink (2007), incluíram em seus livros suas experiências
pessoais fazendo os exercícios de Betty Edwards e associando
a autora a uma nova era. Pink explica que, graças à Betty
Edwards, as pesquisas pioneiras de Sperry foram difundidas
para vários países e prevê que, no futuro, as mentes criativas
terão mais chances de trabalho.
De acordo com o artigo de Righetto (2001), o método
de Betty Edwards está sendo utilizado na disciplina “Desenho
A” do curso de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas – PUC, visando uma nova filosofia no
ensino de desenho. Esta utilização, conforme os dados
estatísticos apresentados diminuiu o índice de desistentes da
disciplina.
Titton, em sua dissertação de mestrado, em 2000, fez
uma pertinente associação entre as idéias expostas por Betty
Edwards com a teoria filosófica de Merleau-Ponty além de
verificar o resultado da aplicação dos exercícios com alunos da
escola de arte Pro-Criar.
O livro Desenhando com o lado direito do cérebro é
referenciado em pesquisas e trabalhos de autores respeitáveis
como Gardner (1999).

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O trabalho de pesquisa revelou que, o método de Betty
Edwards é associado, pelo senso comum, à neurociência, à
psicologia, à técnica e à auto-ajuda. E, realmente, sua
aplicação nessas áreas é pertinente. Porém, verificamos em
estudos preliminares a respeito do método, que é na área da
educação que Betty Edwards tem desenvolvido toda a sua
pesquisa. Portanto, é nessa área que pretendemos desenvolver
nossas investigações.
Partindo dessa constatação, optou-se, nesta pesquisa,
por apresentar o método de ensino-aprendizagem de desenho
de observação proposto pela autora e aplicar alguns exercícios
do livro Desenhando com o lado direito do cérebro, com um
grupo de professores de arte da Faculdade de Artes do Paraná
– FAP visando obter um material de análise significativo
acerca do método e dos resultados da aplicação dos exercícios
do método em questão.

5. CONCLUSÃO PARCIAL

Há evidência de que a falta de conhecimento a respeito


do conteúdo do livro Desenhando com o lado direito do
cérebro, por parte de alguns professores de arte, no contexto

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brasileiro, está associada à falta de oportunidade de conhecê-lo
durante sua formação acadêmica.
Os resultados da aplicação dos exercícios com o grupo
de professores de arte, além de seus depoimentos, permitirão
um levantamento de dados significativo para uma melhor
compreensão do porquê do livro Desenhando com o lado
direito do cérebro permanece desconhecido para alguns
professores de arte.

6. REFERÊNCIAS

ANDRADE, Andréia Faria; ARSIE, Keilla Cristina; CIONEK,


Odete Mariza e RUTES, Vanessa Pedro Bom. A contribuição
do desenho de observação no processo de ensino
aprendizagem. Curitiba: UFPR, 2007. disponível em
<http://www.degraf.ufpr.br/
artigos_graphica/ACONTRIBUICAODODESENHO.pdf>
Acesso em: 09 abr. 2009.

BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. A imagem no ensino de


arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo ; Porto Alegre :
Perspectiva : Fundação IOCHPE, 1991.

13
_____. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. 5 rev. aumen.
São Paulo : Cortez, 2002.

CARNEIRO, Celeste. A arte e o cérebro no processo da


aprendizagem. Disponível em
<http://www.cerebromente.org.br/n12/opiniao/criatividade2.ht
ml> em 26.ago.2006.

DORFMAN, Beatriz Regina. Pensar sem palavras ou a


biologia do desenho. Porto Alegre: PUC-RS – Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2007. Disponível
em: <http://ciec.org.br/Artigos/Revista_3/joselaine.pdf>
Acesso em: 09 abr. 2009.

EDWARDS, Betty. Color: a course in mastering the art of


mixing colors. New York: Jeremy P. Tarcher/Penguin, 2004.

_____. Desenhando com o artista interior. Tradução de Maria


Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Claridade, 2002.

_____. Desenhando com o lado direito do cérebro. 2a edição.


Tradução de Ricardo Silveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

14
_____. Desenhando com o lado direito do cérebro. Tradução
de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, 1984.

_____. Drawing on the artist within. New York: Simon &


Schuster, Inc., 1986.

_____. Exercícios para desenhar com o lado direito do


cérebro. Tradução de Heitor Pitombo. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2003.

_____. The new drawing on the right side of the brain. New
York: Jeremy P. Tarcher / Putnam, 1999.

_____. The new drawing on the right side of the brain


woorkbook: guide practice in the five basic skills of drawing.
New York: Jeremy P. Tarcher / Putnam, 2002.

GARDNER, Howard. Arte, mente e cérebro. Tradução de


Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

_____. Mentes que criam: uma anatomia da criatividade


observada através das vidas de Freud, Einstein, Picasso,
Stravinsky, Eliot, Grahan e Gandhi. Tradução de Maria

15
Adriana Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1996.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio


básico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1988.

GARCIA-CAIRASCO, Norberto. Cérebro Fisiológico, revista


Cérebro & mente. Núcleo de Informática Biomédica
Universidade Estadual de Campinas. Publicado em:
15.jan.2000. disponível em:
<http://www.cerebromente.org.br/n10/opiniao/
cairasco/art.html> em 26.ago.2006.

HALLAWELL, Phillip Charles. A mão livre: a linguagem do


desenho. 11 ed. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1999.

HARARY, Keith e WEINTRAUB, Pamela. Aprendizado com


o lado direito do cérebro em 30 dias: o programa da mente
integral. Tradução de Maria Clara de B. W. Fernandes. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1993.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual: mudança educativa


e projeto de trabalho. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues.

16
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

NICOLAIDES, Kimon. The natural way to draw: a working


plan for art study. Boston: Houghton Mifflin, 1969.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Ed.


20. Petrópolis: Vozes, 1987.

PINK, Daniel H. O cérebro do futuro: a revolução do lado


direito do cérebro. Tradução de Alexandre Feitosa Rosas. Rio
de Janeiro: Elsevier / Campus, 2007.

RIGHETTO, Adriana Volpon Diogo. Percepções visuais e


suas representações. Disponível em:
<http://www.pp.ufu.br/Cobenge2001/trabalhos/MTE012.pdf>,
pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Acesso em
30 de agosto de 2008. Campinas: Pontifícia Universidade
Católica, 2001.

SCHWARTZ, Tony. What Really Matters: searching for


wisdom in America. New York: Batam Books, 1995.

SPRINGER, Sally P. e DEUTSCH, Georg. Cérebro esquerdo,

17
cérebro direito. Tradução de Thomaz Yoshiura. 3. ed. São
Paulo: Summus, 1998.

TITTON, Elizabeth. Ensinando desenho através do olhar:


método inovador de ensino de Betty Edwards. Curitiba: 2000.
UFPR. Biblioteca de Educação.

ZAMBONI, Sílvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte


e ciência. Campinas: Autores Associados, 1998.

18
A Ordem do olhar: percepções claras e confusas

Autoria: Angelo José Sangiovanni,


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-PR.

1- Objetivos:

O objetivo principal do trabalho é, por um lado,


analisar a mudança que ocorreu na percepção a partir da
ruptura que a filosofia recém criada por Platão, impôs a
educação grega. Platão separou e baniu da objetividade do
conhecimento qualquer percepção que trate da subjetividade e
emoções. Por outro lado, apontamos a solução proposta por
Kant para dar conta da subjetividade das percepções estéticas
por meio da comunicabilidade entre os emissores dos juízos.

2- Métodos e Resultados

Nos primórdios da Grécia antiga o conhecimento era


obtido pela tradição oral. A poesia e a epopéia eram os meios
orais de transmissão da tradição. A ordem do mundo era
estabelecida na relação de culto. A tragédia apresentada no
espaço da polis grega possibilitava ao cidadão grego se ver

19
refletido. A obra Édipo Rei de Sófocles não era uma ficção,
Édipo não era somente um personagem, era a própria essência
da condição Grega. O mundo era percebido pela ação de seus
heróis.
A tradição oral de conhecimento é atacada por Platão
principalmente no livro X da República. Para Platão é
fundamental excluir da cidade a poesia de caráter mimético,
pois destrói a inteligência dos ouvintes.
No livro VII da República Platão apresenta a alegoria
da caverna, bem conhecida na pedagogia. Platão supõe que
desde o nascimento seres são aprisionados dentro de uma
caverna, com o rosto voltado para o fundo, no qual são
projetadas sombras dos objetos ou seres que passam do lado de
fora. A realidade para os prisioneiros são as sombras, as cópias
da realidade exterior. A alegoria ilustra o ponto central da
teoria do conhecimento de Platão: que para atingirmos o
mundo cognoscível é necessário fazer um grande esforço para
voltar nossa alma em direção do que é justo e belo. A correta
direção do olhar neste caso impõe romper as correntes e voltar
a cabeça e o pescoço para a entrada da caverna.
O conhecimento para Platão encontra-se em um
mundo superior afastado da confusão das percepções mutáveis
dos sentidos. Platão inaugura a crença na verdade justificada

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por argumentos da razão, o dialogo substitui o mito. A
filosofia e a ciência surgem com Platão para evitar o mal
entendido. A verdade para o velho filósofo, não está separada
de um agir correto: o ser deve direcionar o olhar em direção ao
justo e ao belo.
Mas, o que devemos evitar para olharmos
corretamente? A subjetividade. Os sentimentos são os
descaminhos, afastam do caminho da verdade. Retomando a
crítica de Platão à poesia encontramos o pilar da distinção
entre o conhecimento que é claro, luz, inteligível por um lado,
e a ignorância que é escura, confusa, sombras.
Podemos criticar a concepção ontológica de Platão
onde o verdadeiro confunde-se com o que é a essência.
Todavia, a recusa desta concepção não evita a distinção
surgida entre um tipo de percepção clara e outro tipo que é
confusa e deve, por isso, ser banida do cognoscível. A crítica
que Platão fez em relação à poesia parte do pressuposto ético
que os poetas faltam com a verdade ao falarem de coisas que
não sabem.
Felizmente, ou infelizmente, de tempos em tempos é
necessário discutir com os primeiros representantes do
conhecimento ocidental, neste caso Platão. A discussão

21
reaparece porque em algum aspecto eles ainda causam
incômodos.
A crítica que Platão fez em relação à poesia parte do
pressuposto ético que os poetas faltam com a verdade ao
falarem de coisas que não sabem.
Kant na Crítica da razão Pura pretende encontrar os
limites do conhecimento humano. O espaço e o tempo são
condições necessárias para o conhecimento de um objeto. Não
é possível para Kant determinarmos um objeto se não tivermos
previamente o espaço. O senso comum poderia afirmar que ao
retirarmos um copo de cima de uma mesa encontramos o
espaço, seria pela ausência do objeto que obteríamos o espaço.
Deste modo, temos o espaço como palco de nossas
percepções e ao determinarmos um objeto temos claro o que o
distingue dos outros. Por exemplo, em uma sala repleta de
cadeiras e mesas é fácil distinguir as mesas das cadeiras. Kant
afirmaria que neste múltiplo de percepções temos o conceito
da mesa que distingue e objetiva o objeto mesa. É uma
percepção clara, pois temos o conceito e a intuição do objeto.
Os juízos lógicos do conhecimento são determinados, claros
Todavia, o problema de determinar um juízo ou
julgamento que não se submete aos moldes tradicionais
lógicos do conhecimento é reconhecido por Kant. Na Crítica

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do Juízo Kant pretende resolver o problema dos juízos que não
se submetem as regras lógicas tradicionais, a saber, os
estéticos:

Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a


representação, não pelo entendimento do objeto, para o
conhecimento, mas pela imaginação (talvez vinculada com o
entendimento) ao sujeito e ao sentimento de prazer ou
desprazer. O juízo –de- gosto não é, pois, um juízo de
conhecimento, portanto não é lógico, mas estético, pelo que se
entende aquele cujo fundamento-de-determinação não pode
ser outro do que subjetivo. (KANT p. 209. 1984)

Para Kant o julgamento estético é subjetivo e


reflexivo, pois trata do sentimento do sujeito que faz o juízo. O
olhar do sujeito é único, mas não é a pretensão de comunicar
este olhar quando suponho esta capacidade nos outros.

Considerações Parciais:
Dois pólos antagônicos na tradição filosófica são
referencia a discussão sobre a clareza das percepções
estéticas. Platão no século IV AC, notou a falta de objetividade
nos julgamentos que tinham como conteúdo os sentimentos, e

23
por isso, os achou perigosos ao serem tomados como
conhecimento. O olhar poderia ser desviado do caminho da
verdade e ser confundido por mímesis, simulacros, da
realidade.
Kant admite que seja possível universalizar a
capacidade de percebemos subjetivamente sensações iniciando
a estética como uma ciência que pretende classificar as
proposições subjetivas em relação ao sentimento de prazer e
desprazer.
A questão da obscuridade das percepções relativas aos
sentimentos continua. Alguns autores apontam à necessidade
de uma justificação que vai além do estético, e procuram uma
instância exterior como a ética para tornar justificável o
fenômeno estético.

24
REFERÊNCIAS:

HAVELOCK , E. Prefácio a Platão. Campinas: Papirus,


1996.

JAEGER, W. PAIDÉIA: a formação do homem grego. São


Paulo: Martins Fontes, 1995.

KANT, I. Textos selecionados. 2.ed. São Paulo: Abril


Cultural, 1984.

PLATÃO. A República. 3ed. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 1980.

ROSENFIELD, D. et al. Ética e Estética. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar 2001.

25
A PRESENÇA DE CONTEÚDOS DE ARTE NOS
COMPÊNDIOS OU MANUAIS DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES ADOTADOS NO ESTADO DO
PARANÁ NO PERÍODO DE 1834 A 1900.

Autoria: Daniele Cristina Mendes - Faculdade de Artes


do Paraná, Curitiba - PR.
Co-autora: Marlete dos Anjos Silva Schaffrath-
Orientadora

Apresentação

A pesquisa investiga os processos de formação


de docentes no Estado do Paraná, bem como os
elementos do ensino de artes nos primórdios desta
formação, fatores estes importantes para a ampliação
dos conhecimentos e aprimoramento da formação do
acadêmico de licenciatura.
Este projeto se vincula à linha de pesquisa
“Educação e Historiografia” do Grupo de Pesquisa
Fap/CNPq “Artes e Interdisciplinaridade”. Nossa
intenção aqui é investigar alguns aspectos do processo

26
da formação docente no Paraná (1834 - 1900) no que se
refere aos conteúdos de Artes contidos nos Manuais ou
Compêndios utilizados por professores paranaenses no
período em questão. Essa pesquisa constitui pelo
levantamento e análise fontes tanto documentais quanto
bibliográficas, com a intenção de revelar aspectos do
conhecimento cultural e histórico da formação docente
paranaense para o ensino das Artes e a educação em
geral.
Julgamos importante a pesquisa de iniciação
científica para os acadêmicos de cursos de graduação
por que ela pode subsidiar o trabalho de desvendamento
científico da realidade, na medida em que as análises e
reflexões nos ajudam a compreendê-la. Discutir
aspectos da formação cultural brasileira pelo estudo da
história da educação e do ensino de arte nas escolas é
um modo de estabelecer significados para a
compreensão do estado da arte da educação artística no
Brasil, o que para os cursos de licenciatura em artes é de
fundamental importância.
Alguns estudos realizados até o momento
apontam o seguinte: a Instrução brasileira ganha
incentivo após a vinda da família Real portuguesa para o

27
Brasil em 1808, de acordo com Aranha (1996). Até este
período, os professores não tinham apoio pedagógico
para subsidiar seus trabalhos no magistério. Eles
ensinavam basicamente o que aprendiam com seus
mestres, segundo Tanuri (1969).
A partir de 1869, os compêndios ou manuais de
pedagogia começaram a ser trazidos da Europa a fim de
preparar os professores para o exercício de suas funções.
Segunda Schaffrath (1999) estes compêndios traziam
conteúdos diversificados. Tais conteúdos variavam de
conhecimento geral das ciências á formação moral para
os alunos.
Com isso o objetivo do projeto se encaminhara
em investigar a presença de conteúdos de arte nos
compêndios e manuais de formação de professores
adotados no Estado do Paraná no período de 1834 a
1900. Pretendemos primeiramente levantar dados sobre
a utilização dos compêndios adotados no Estado do
Paraná no período de 1834 a 1900. E a partir daí
investigar a presença de conteúdos relacionados às artes
nestes compêndios, e ainda analisar o teor dos
conteúdos de arte presentes nos compêndios adotados.

28
Métodos
A pesquisa está sendo baseada no levantamento
e catalogação de fontes primárias e secundárias do
período compreendido entre os anos de 1834 e 1900. Os
dados levantados serão analisados a partir de
referenciais teóricos e bibliográficos previamente
selecionados pelo professor orientador. Após a análise
destes dados será elaborado um texto expondo os
conhecimentos revelados pela pesquisa e, por fim, será
feita a socialização destes conhecimentos através de
publicações.
O material de pesquisa será buscado no acervo
das Bibliotecas das Universidades Federais de Santa
Catarina e do Paraná, biblioteca da Faculdade de Artes
do Paraná e Arquivo Público do Estado do Paraná. Este
material compreende os documentos oficiais da
Instrução Publica da Província Paranaense, como os
relatórios dos Presidentes da Província, os documentos
oficiais e os manuais adotados aqui, além da literatura
específica sobre este tema.

29
Resultados
O período regencial no Brasil foi um dos mais
agitados da história política do país. Período este
marcado por confrontos relativos a territórios, á
organização da sociedade e do Estado, também por uma
serie de rebeliões regionais. Lembrando que o Brasil
antes de se tornar independente e entrar nesse período
regencial, recebeu em 1808 a corte portuguesa, ou seja,
sua metrópole. A corte trouxe consigo novos padrões
culturais: a biblioteca real, o primeiro jornal, utensílios,
roupas, modo de se vestir, falar e comer, além de
mudança no perfil político e econômico.
No final do século XIX, a sociedade brasileira
vive um período de transformação em diversos âmbitos.
Na economia, por exemplo, o Brasil tem como base o
café que contribuiu para a solução da crise econômica e
para o desenvolvimento dos setores urbanos, como
indústria e as ferrovias, o latifúndio, a monocultura e a
mão de obra escrava, essas que foram sendo substituídas
pelos imigrantes, também se destacam. Já na sociedade
ocorria uma divisão de setores de classes. A primeira era
composta pelos homens brancos, pertencentes ás “boas

30
famílias”, a segunda era o povo, que incluía brancos,
mestiços e negros libertos. E o terceiro setor social era o
das camadas médias urbanas, integrado por profissionais
mais qualificados e que viviam do rendimento do seu
trabalho. Assim o Brasil do século XIX foi
conquistando uma nova identidade, a modernização
nessa época foi intensa. Centenas de indústrias, alguns
bancos, companhias de seguros, navegação, transporte
urbano (antigas carruagens foram substituídas pelos
bondes puxados a burros) e de gás (MOTA, 1998).
No que se refere à educação e mais
especificamente à formação de professores, Heloisa
VILELLA (1992) argumenta que a Escola Normal
pública e laica se prolifera na Europa no século XIX,
mas a idéia, ou seja, seu nascimento ocorre durante a
Revolução Industrial. Foi a primeira instituição
especializada em formar o professor, seu objetivo inicial
era instruir o povo.
Esse objetivo tratava-se de derrubar o
monopólio que a Igreja tinha sobre todo o sistema de
educação. Quem contribuiu para o nascimento dessa
instituição que trabalharia com a formação dos
professores leigos foi o movimento humanista, o

31
pensamento iluminista e a organização dos modernos
sistemas estatais de ensino. Porém a Escola Normal não
teve uma longa existência, diz Villela, por causa do
período conturbado que a sociedade vivia na época
ocorreu sua extinção, que acabou no inicio do século
XIX, pelo fato da escola ser vista como uma instituição
capaz de garantir a unidade nacional, por ter como
ferramenta a transmissão de conteúdos e os valores
culturais e morais, prometendo assim a formação do
cidadão a e dos futuros dirigentes do Estado.
A autora destaca ainda, como esse modelo da
Escola Normal européia influenciou no Brasil e como é
fácil identificar a história do Brasil como um reflexo da
história européia na educação.
Foi na província do Rio de Janeiro em 1834
após o Ato Adicional, que o partido conservador
representado por Joaquim José Rodrigues Torres, teve a
idéia de organizar uma Escola Normal onde formariam
os professores da Província.
Percebemos então, como e com quais
objetivos foram criadas as escolas normais. Mas o que
precisava como requisito, para ingressar nessas escolas?

32
Que conhecimentos eram passados para ocorrer a
formação do professor no período regencial?
Vilella (1992) responde essas inquietações
colocando um documento criado pela Escola Normal de
Niterói. O documento exigiu boas condições morais do
indivíduo do que a própria formação intelectual.
Constava o seguinte no documento: o
indivíduo deveria ser cidadão brasileiro, maior de
dezoito anos, com boa morigeração e saber ler e
escrever. A “boa morigeração” descrita no documento,
quer dizer que o indivíduo será avaliado pela sua moral,
bons costumes, boa educação. Isso porque o governo
não pretendia oferecer ao futuro professor da escola
primaria uma formação aprofundada em conteúdos mais
sim uma formação moral e religiosa, pois os dirigentes
da província estavam preocupados em ordenar, controlar
e disciplinar do que instruir. Assim eles usavam o
método lancasteriano, tendo a garantia que a ordem e a
vigilância ocorreriam.
Com esses requisitos a autora mostra quem
eram os candidatos excluídos na Escola Normal. Os
escravos, não eram considerados pessoas; os homens
livres e pobres, pois não tinham direito a voto; os negros

33
e as mulheres, no caso das mulheres a seleção não era
tão rigorosa. A primeira Escola Normal recebeu
mulheres como alunas, mas elas teriam que ter
basicamente o domínio das “prendas domesticas” e dos
ensinamentos religiosos. Recordando que essa
“classificação” de indivíduos para serem futuros
professores era feita com o objetivo de formar docentes
como um agente disseminador de uma mentalidade
moralizante do que um difusor de conhecimentos, pois
na educação e na política em geral o que deve se
legitimar é a supremacia do partido conservador da
província.
No artigo de Claudia Maria ALVES (1992),
encontramos também os requisitos para ingressar na
Escola Normal, e como era feita a formação do docente
de instrução primaria. A formação docente, que além de
ter uma “classificação”, o docente se formaria para
exercer um papel domesticador, freiando os instintos e
estabelecendo o domínio de valores superiores. Sua
formação se baseava em estudar a gramática da língua
nacional; aritmética; álgebra e geometria elementar; o
catecismo; a religião do Estado e didática; o Francês, a
música e o canto. O futuro professor recebia conteúdos e

34
valores voltados a moral e a religião, que se fortalece a
unidade social.
O século XIX no Brasil, com suas mudanças
no quadro político, econômico e social, a escola era
vista como uma ferramenta que podia “moldar” os
indivíduos para eles se adaptarem e encaixarem nesse
sistema. Por isso a necessidade de formar professores
começa a ser encarada de forma delicada, pois são esses
que iram “moldar” o indivíduo para o Estado. Logo
ganha mais atenção as Escolas Normais, sendo essas
vistas neste século como uma ação mais eficiente.
Na província de São Paulo o modelo da Escola
Normal, não foi diferente da província do Rio de Janeiro
que teve a primeira Escola Normal de Niterói.
A alemã Ina Von Binzer, que viveu no Brasil
entre 1881 e 1883, conta em uma carta para uma amiga
na Europa sua opinião sobre a cultura brasileira da
época.

“S. Paulo, 5 de abril de 1882. Minha Gente do coração.


É verdade mesmo: São Paulo é o melhor lugar do Brasil
para educadoras, tanto a capital, como toda a
província, porque os moços da nova geração namoram

35
a ciência e dão-se ares de erudição e de filosofia.
Somos uma cidade universitária! Mas não pense em
Bonn ou Heigelberg, pois a academia daqui não é senão
uma Faculdade de Direito. No interior da província há
um seminário onde se preparam padres (esqueci o nome
do lugar), aqui formam-se advogados e no Rio de
Janeiro os discípulos de Esculápio, os doutores ´par
excelence`. Os brasileiros dão ótimos advogados,
podendo dessa forma aproveitar seu talento
declamatório. Dão a vida por falar, mesmo quando é
para não dizer nada. Com a eloqüência que esbanjam
num único discurso, poder-se-iam compor facilmente
dez em nossa terra; embora não possuam verdadeira
eloqüência nem marcada personalidade, falando todos
com a mesma cadência tradicional usada em toda e
qualquer circunstancia. Tudo é exterior, tudo é
gesticulação e meia cultura. O fraseado pomposo, a
eloqüência enfática já são por si falsos e teatrais; mas
se você tirar a prova real, se indagar sobre qualquer
assunto , não se revelam capazes de fornecerem a
informação desejada. Há pessoas na alta direção do
Partido Republicano que não conhecem a história nem
a constituição do país nem muito menos as das outras

36
nações. Há outros que se dizem partidários do sistema
filosófico do espiritual Comte, mais não compreendem
os seus mais elementares ensinamentos. Alguns dão
opinião sobre línguas estrangeiras, mas não sabem
explicar nenhuma regra da sua própria. Querem
possuir sem demora todas as novidades no terreno da
técnica, mas os engenheiros para a montagem vêm da
Europa, quando estes se retiram, se por acaso se parte
umas das peças das maquinas, nenhum nacional sabe
consertá-las...” (BINZER, 1956, p.388 )

A carta da alemã sobre a cultura brasileira na


época regencial entra de acordo com o artigo
“Modernidade Pedagógica e Modelos de Formação
Docente” de Marta Maria Chagas de Carvalho (2000).
O artigo trata da deficiência existente no
modelo pedagógico, gerando uma banalização na escola
do Brasil. Essa deficiência existe desde o século XIX e
para falar dela Carvalho (2000) utiliza a escola paulista.
Logo proclamada a Republica, os governantes
do estado de São Paulo, representantes do setor
oligárquico modernizador, investem na organização de
um sistema de ensino modelar. Esse sistema, Escola

37
Modelo anexa à Escola Normal, é entendido como a
“arte de ensinar” da pedagogia moderna, que se baseava
em ver e imitar o docente. A Escola Nova paulistana,
com modernos materiais escolares importados e um
prédio apropriado, aderiu esse sistema cuja função era a
criação de bons moldes de ensino. Nela, os futuros
mestres podiam aprender a arte de ensinar, aprender na
visibilidade e na imitabilidade, ver como as crianças
eram manejadas e instruídas e imitar.
O diretor da Escola Normal, Gabriel Prestes,
em 1896 relata sobre as praticas de sala de aula que se
organiza e se dispõem: crença na eficiência dos
processos de ensino intuitivo; concepção acerca da
natureza infantil formuladas nos marcos de uma
psicologia das faculdades mentais; a pedagogia moderna
,ou seja, a arte de ensinar como corpus de saberes e de
instrumentos metodológicos capazes de viabilizar as
escolas de massas e simultaneamente o ensino em
classes numerosas e como base dessas praticas os
exercícios escolares que contribuem na estrutura do
ensino.
Esses exercícios tem como função: estabelecer
uma rotina escolar; organizar o tempo como horário;

38
estabelecer uma disciplina de estudos e de currículo;
adquirem um perfil das classes de alunos e sua maior
função, é instruir e desenvolver as faculdades mentais
da criança.
Essas práticas fazem parte das Escolas
Modelos, anexas às Escolas Normais, no século XIX.
Os exercícios escolares, assim como a arte de ensinar,
estruturam-se como caixas de utensílios para o uso de
professores. Maria diz também, que as praticas que se
formalizam nos usos desses materiais guardam forte
relação com uma pedagogia em que tal arte é prescrita
como boa imitação de um modelo. No âmbito dessa
pedagogia, ensinar a ensinar é fornecer esses modelos,
seja na forma de roteiros de lições, seja na forma de ver
e imitar.

Resultados Parciais:
Essa dimensão Histórica da educação
leva a pensar na formação do professor assim como os
conteúdos que ele trabalha na escola é intencional, ou
seja, seu objetivo é moldar o indivíduo a partir de
determinados valores sociais. Ainda que não tenhamos
nos aproximado diretamente dos currículos das escolas

39
de formação de professores e precisamente, do
conteúdos de Artes contido neles, o trabalho ate
aqui tem sido importante para a compreensão da
estrutura educacional brasileira no Século XIX e
sobretudo, para a compreensão dos determinantes
do tipo de professor que era interessante formar
para educar o povo brasileiro

Referências bibliográficas
ARANHA, M. L. A. História da Educação. 2
ed. São Paulo: Moderna, 1996.
MOTA, M.B. História das Cavernas ao terceiro
Milênio. 2 ed.São Paulo: Moderna, 1998.
CARVALHO, M. M. C. Modernidade
Pedagógica e Modelos de Formação Docente,
2000, São Paulo: Perspectiva, pág. 111 á 120.
NUNES, Clarice. (Orgs.). O passado sempre
presente. Heloísa Vilela, Claudia Maria Costa
Alvez, Armando Martins de Barros. Questões da
nossa época: v.4. Ed Cortez. São Paulo. 1992
SCHAFFRATH, M. A. S. A Escola Normal
Catharinense de 1892: Profissão e ornamento.

40
Florianópolis: 1999. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal de santa Catarina, 1999.
TANURI, L.M. Contribuição para o estudo da
Escola Normal no Brasil. São Paulo: CRPE, n.
13, 1970.

41
COMPÊNDIOS DE PEDAGOGIA: MODELOS
PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
PARANÁ (1834 - 1900)

Autoria: Leonardo Moita Bertoletti, Faculdade de Artes


do Paraná, Curitiba-PR
Co-autoria: Marlete dos Anjos Silva Schaffrath

Apresentação
Este projeto está ligado à linha de pesquisa
“Educação e Historiografia” do Grupo de Pesquisa
Fap/CNPq “Artes e Interdisciplinaridade”, grupo de
pesquisa ao qual a orientadora do projeto pertence.
Nossa intenção aqui é investigar alguns aspectos do
processo da formação docente no Paraná (1834 - 1900)
a fim de buscar um melhor entendimento do percurso
histórico de formação docente no Brasil e no Paraná,
além da socialização do registro da historiografia da
época com a comunidade acadêmica. A viabilidade
metodológica da pesquisa que se pretende se fará pelas
fontes de pesquisa tanto documentais quanto
bibliográficas, no intuito de compor um corpo teórico de

42
fatos e análises que dêem conta de revelar aspectos do
conhecimento cultural e histórico da formação docente
paranaense.
A escolha do período histórico se deve ao fato
de que, em 1834, o Império Brasileiro delegou a cada
Província que cuidasse da sua instrução pública, ou seja,
a partir desta data cada Provìncia estabeleceu os
critérios e os manuais adotados para reger seu sistema
de ensino, de acordo com Schaffrath (1999). E o ano de
1900, como marco final, se deve a proximidade com a
Proclamação da República, cujos Estados Federados
passaram a organizar seus sistemas de ensino a partir de
poder central, mas ainda guardavam aspectos culturais
do Império.

Objetivos
O objetivo central deste trabalho de pesquisa é
de investigar a adoção de compêndios de pedagogia
como modelos para a formação docente no Paraná no
período de 1834 a 1900. A partir daí, pretende-se
levantar dados sobre os mesmos e também escrever e
analisar seus conteúdos propostos.

43
Métodos e Resultados
A partir do levantamento de fontes, da leitura e
análise de textos que tratam deste tema, nosso trabalho
pode oferecer algumas reflexões acerca do objeto de
estudo, conforme segue.
O trabalho de pesquisa realizado até aqui
revelou que no Século XIX se consolidava o poder
burguês na Europa e isto influenciou o pensamento
pedagógico que passou a considerar novas propostas
educacionais e de acesso ás escolas, de acordo com
Cunha (1979). No Brasil, a partir da instalação da Corte
Portuguesa em 1808, nossa sociedade colonial foi palco
de muitas mudanças, mas ainda não havia um projeto
pedagógico para a educação brasileira, segundo Aranha
(1996). Até este momento, não havia circulação de
material de apoio aos poucos professores que
ministravam aulas nas Províncias. Os professores
adquiriam conhecimentos nas próprias escolas onde
estudavam as “primeiras letras”, ou seja, reproduziam
seu mestre, conforme descreve Tanuri (1969). Somente
a partir 1869, os manuais ou compêndios de pedagogia

44
que já circulavam na Europa começaram a ser adotados
pela instrução pública brasileira. E as Províncias que
desde 1834 já cuidavam de seus sistemas de ensino, se
interessaram em adotar estes Manuais já que não tinham
uma escola específica para formar professores. E é
exatamente neste momento histórico que vamos
centralizar nossos estudos. Que compêndios foram
trazidos para o Brasil, quem são os autores, quais foram
os adotados no Paraná e que projetos de formação
docente e educação pública eles encerravam em seus
conteúdos.
Para Valdemarin (2000), os manuais que
circulavam aqui, embora diferentes entre si, estavam
todos vinculados ao projeto modernizador da sociedade
do Século XIX. Segundo a autora, muito embora cada
uma deles apresentasse uma visão distinta do que fosse
o progresso, ambos estavam vinculados ao mesmo
projeto de sociedade burguesa e do modo de produção
capitalista.
Marta Carvalho (2001) aborda a questão da
produção, circulação e utilização de modelos
pedagógicos no Brasil e na França a partir e meados do

45
século XIX. Neste trabalho, a autora destaca que nos
manuais impressos que circulavam era patente o
deslocamento dos conteúdos relacionados aos saberes
necessários à prática de professores, para conteúdos de
caráter disciplinador e moralizante. A autora aponta o
perfil generalista de uma formação que pretendia dar ao
professor meios e métodos para forjar nos alunos o
espírito cientificista que movia as sociedades daquele
período histórico.
A autora estudando os manuais de pedagogia
defende que eles organizavam um discurso pedagógico
que encerrava em si as ferramentas para a organização
da escola nos moldes da Pedagogia Moderna que
pretendia, dentre outras, afirmar a educação como
ciência. Os processos educativos prescritos, as
concepções acerca da Psicologia infantil (mais voltada
para as faculdades mentais), os instrumentos didáticos
selecionados e toda a rotina de organização da escola e
da sala de aula, sob a forma de material impresso
constroem o arcabouço de uma engenharia escolar
traçada nos Manuais de Pedagogia adotados pelas
escolas para uso de professores.

46
Carlota Boto (1998) analisando a cultura escolar
em Portugal (182-1850) descreve a influência do
pensamento intelectual que concebia a educação
escolar, e, sobretudo a escola primária, como vetor de
sociabilidade seguindo padrões iluministas, que
sustentavam o ideário da escola pública, laica e
universal. Segundo a autora, se entre os anos de 1820 e
1850 as discussões sobre o papel social da escola, como
produtora de novos padrões de sociabilidade era
predominante na sociedade portuguesa; foi a partir de
1850 que as questões do método começaram a fazer
parte do itinerário dos processos de formação docente.
Entre 1850 e 1870 nota-se neste país a proliferação de
materiais didáticos, favorecendo questões
metodológicas e ao mesmo tempo indicando que a
escola não estaria dando conta do ensino de habilidades
elementares como a leitura, a escrita e o cálculo,
conhecimentos básicos, delimitados para o âmbito da
escola primária. A autora destaca ainda que a partir de
1870 intensificaram-se os debates em torno do
estabelecimento da Pedagogia como uma “ciência da
educação” baseados no pensamento positivista. Agora

47
as questões trazidas pela Pedagogia, como o
desenvolvimento infantil, eram analisadas sob o ponto
de vista científico. Ainda mais que em meados de 1870
o aprimoramento de técnicas tipográficas e o
incremento dos meios de transporte faziam circular por
toda a Europa os escritos científicos de todas as áreas.
De acordo com Carvalho, no final do séc. XIX,
nestes estavam presentes convicções a respeito das
faculdades da alma, tanto quanto a metodologia do
ensino objetivo, caracterizando outro tipo de
organização do corpus dos saberes pedagógicos,
herança do pensamento cientificista da época. “Esse
civismo partilhado, essa preocupação moral e política,
aliada à formação filosófica dos professores e à inserção
da disciplina nos padrões do ensino universitário
francês, conferiu à pedagogia ministrada um altíssimo
grau de generalidade”5.

“Os manuais de autoria de Gabriel Compayré tiveram


larga circulação no Brasil, propondo-se como modelo

5
NUNES, Clarice. O passado sempre presente. São Paulo:
Cortez, 1992.

48
de articulação discursiva dos saberes pedagógicos, por
décadas a fio”.(Carvalho, 2006 p.05)

Compreender a construção histórica e social


destes manuais, identificando o perfil generalista de
uma formação docente que pretendia forjar nos alunos o
“espírito da época”, certamente nos faz entender melhor
a situação em que vieram para o Brasil. Juntamente com
estes manuais vieram, implícita e/ou explicitamente
disputas políticas e religiosas, filosofias acerca do
homem e do mundo, revoluções pessoais, vontades e
desejos de uma Europa pos revolução francesa e pos
revolução industrial, para um Brasil rural que acabava
de conquistar a maioridade. Desde modo a
obrigatoriedade de uma organização interna em todos os
seus setores: político, econômico e o objeto de nosso
estudo, educacional. Neste campo a elite dirigente
importa o modelo de educação europeu. “Assim o Brasil
é visto como um espelho de má qualidade refletindo
uma imagem distorcida do original”.6 Com isto
compreendemos que o modelo adotado não era

6
Idem 1.

49
adequado a realidade da época, que vivia numa
conturbação política. Liberais e Conservadores
disputavam na província carioca a administração, que
coube aos conservadores em primeiro momento logo
após o ato adicional em 1834 que concedia autonomia
administrativa às províncias, de acordo com Nunes.

“A supremacia deste grupo se explica por vários


fatores, dentre eles o fato de que muitos de seus
integrantes se originavam das principais famílias
produtoras de café, principal produto de exportação da
época e graças ao qual o país começava a se levantar
da grave crise financeira que vinha atravessando”.
(NUNES, 1992 p.25)

Neste âmbito de ampliar e garantir a hegemonia


do ideal conservador, nasce a necessidade da criação de
um espaço para a transmissão dessa ideologia e num
segundo momento a sua difusão, garantindo a sua
perpetuação, fazendo a identificação dos objetivos do
partido com cada individuo. Surge, então paralelamente,
a necessidade de formar o professor como um agente

50
capaz de reproduzir o tipo de conhecimento que
desejavam difundir, de acordo com Nunes (1992),
porém, que não fugisse a ordem e a conservasse como
tal.
Para a formação do professor na Escola Normal,
de acordo com a lei de criação da mesma, o individuo
deveria ter boa morigeração, no que se refere a moral,
ou seja, na época, homem branco maior de dezoito anos.
Negros e mulheres não pertenciam a esta classificação.
O marquês de Caravelas esclarece a medida: “as
meninas não têm desenvolvimento de raciocínio tão
grande como os meninos”.7
A preocupação com a moral dava-se pelo
período conturbado que se vivia. “É evidente que ligada
ao aspecto moral houvesse subjacente à preocupação
com a posição ideológica dos futuros professores”
(Nunes). Certamente o motivo para utilização do
método lancasteriano que agradava em seus ideais
políticos boa parte do grupo conservador. O método
pode assim ser entendido:

7
NUNES, Clarice. O passado sempre presente. São Paulo:
Cortez, 1992 Annaes do Senado Federal, 1827, vol II, sessão
de 30 de agosto de 1827 (pp.270-280), p 278.

51
“(...) Lancaster amparou seu método no ensino oral, no
uso refinado e constante da repetição e, principalmente,
na memorização, porque acreditava que esta inibia a
preguiça, a ociosidade, e aumentava o desejo pela
quietude. Em face desta opção metodológica ele não
esperava que os alunos tivessem “originalidade ou
elucubração intelectual” na atividade pedagógica mas
disciplinarização mental e física. Em Lancaster, o
principal encargo do monitor não estava na tarefa de
ensinar ou de corrigir os erros, mas sim na de
coordenar para que os alunos se corrigissem entre si
(...)”.8

Conclusões parciais
Com o trabalho realizado até o presente
momento podemos fazer algumas considerações sobre
os Manuais e sua importância para a formação do

8
NEVES, Fátima Maria. Departamento de Fundamentos da
Educação da UEM/PR Disponível
em:<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario
/verb_c_metodo_lancaster.htm> Acesso em:10 maio. 2009.

52
professor brasileiro. Os materiais impressos que
circularam no Brasil no Século XIX, via de regra,
ofereciam este tipo de aporte de conhecimentos para
professar o magistério. Uns enfatizavam grandes
fundamentos pedagógicos, outros questões práticas da
“arte de ensinar”, mas todos eles certamente
interferiram na construção de uma cultura escolar.
Compreender a formação docente sob o uso
destes manuais, que muitas vezes traziam consigo certo
caráter generalista e com conteúdos previamente
selecionados e moldados ao homem da época, nos
instiga correlacionar educação e política, revelar a
formação do cidadão de uma determinada época e mais
especificamente seus conteúdos pedagógicos. De todo
modo, a compreensão desta fase do projeto educacional
brasileiro torna-se fundamental para a compreensão da
história da nossa formação de professores.

Referências
ARANHA, Maria Lima. História da Educação. 2 ed.
São Paulo: Moderna, 1996.

53
BOTO, Carlota. Ler, escrever e se comportar: a
escola primária como rito do Século XIX português.
In: SOUSA, C. P.; CATANI, D. B. (Orgs.) Práticas
educativas, culturas escolares, profissão docente. São
Paulo: Escrituras Editora, 1998.

CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A caixa de


utensílios e o Tratado: modelos pedagógicos, Manuais
de Pedagogia e práticas de leitura de professores. In: IV
Congresso Brasileiro de História da Educação, 2006,
Goiânia. A educação e seus sujeitos na história.
Goiânia: Editora da UCG/Ed. vieira, v. 1. p. 81-82.
2006

CUNHA, L. A. Educação e desenvolvimento social no


Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.

NEVES, Fátima Maria. Departamento de Fundamentos


da Educação da UEM/PR Disponível
em:<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glo
ssario/verb_c_metodo_lancaster.htm> Acesso em:10
maio. 2009.

54
NUNES, Clarice. (Orgs.). O passado sempre presente.
Heloísa Vilela, Claudia Maria Costa Alvez, Armando
Martins de Barros. Questões da nossa época: v.4. Ed
Cortez. São Paulo. 1992

SCHAFFRATH, Marlete dos Anjos Silva. A Escola


Normal Catharinense de 1892: Profissão e ornamento.
Florianópolis: 1999. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal de santa Catarina, 1999.

TANURI, Leonor Maria. Contribuição para o estudo


da Escola Normal no Brasil. São Paulo: CRPE, n. 13,
1970.

VALDEMARIN, Vera Tereza. Lições de coisas:


Concepção científica e projeto modernizador para a
sociedade. Cad. CEDES v.20 n.52 Campinas nov.
2000.

55
MEDIAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO:
CONTEXTOS EDUCATIVOS NA LEITURA,
INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO DAS
ARTES E VISUALIDADES

Autoria: ¹Ana Cláudia Bastiani, Universidade Estadual


de Ponta Grossa,Ponta Grossa/PR.
²Ana Luiza Ruschel Nunes, Universidade Estadual de
Ponta Grossa,Ponta Grossa/PR.

OBJETIVO

O objetivo foi investigar, analisar e compreender como


acontece a mediação entre a obra do artista em galerias,
museus ou outros espaços de exposições de arte, tendo o
mediador (as pesquisadoras) à função de intermediar o
plano de expressão e de conteúdo da obra de forma mais
contextualizada, aos receptores. O conhecimento e a

56
prática da Mediação devem ser vistos como um
importante papel que é difundir e intermediar as
relações de diálogo e integração entre Arte e o público
na compreensão da obra de arte em espaços de
exposições. A tarefa do mediador é a de aproximar o
público em todas as suas determinações e
complexidades com a comunidade mais ampla, escolar e
não escolar no contato com a leitura e compreensão
crítica da produção em Artes Visuais, intermediando
este conhecimento, tornando mais próximo ao público e
criando uma cultura. A abordagem da pesquisa é
qualitativa através da pesquisa-ação. Este estudo tem
como um dos espaços de pesquisa a sala de exposições -
Galeria de Arte da Pró-Reitoria de Extensão - PROEX.
Os instrumentos de análise são: observação, entrevista
individual e com grupos focais, diário de campo com
registro do mediador, do processo da mediação, análise
documental, e as obras de arte expostas na galeria. Tem-
se como resultados a construção de uma Metodologia
para Mediação que envolve procedimentos das etapas
dos processos necessários para uma mediação em
exposição em espaços artístico/culturais. A contribuição

57
da pesquisa será disponibilizar para a Galeria de arte da
PROEX-UEPG, a metodologia criada para dar
continuidade a este processo de mediação que têm
pontuando resultados no que se refere à mediação entre
as obras de arte e o público nas exposições visitadas.
Ainda pode-se tecer que o mediador é aquele que recebe
o publico nas instituições de arte e têm por função
tornar a visitação a mais significativa possível,
esclarecendo ao público - receptor da arte, através da
mediação para a compreensão crítica da obra de arte, o
que caracteriza além da pesquisa, possibilidade de
extensão de forma indissociada no desenvolvimento de
contextos artísticos e educativos mais amplos.

_____________________

1
Acadêmica do Curso de Licenciatura em Artes Visuais
- UEPG, Bolsista PROVIC-UEPG,participante do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Artes Visuais,

58
Educação e Cultura – GEPAVEC-CNPq/UEPG/PR,
ana_bastiani@hotmail.com
²Graduada em Licenciatura em Artes Plásticas e
Doutora em Educação, Professora e pesquisadora do
Departamento de Artes e atua no Curso de Licenciatura
em Artes Visuais e Música, Coordenadora do Grupo
de Pesquisa em Artes Visuais, Educação e Cultura-
GEPAVEC-CNPq/UEPG,analuiza@uepg.br

INTRODUÇÃO

Este estudo faz parte da Linha de Pesquisa


Artes Visuais, Educação e Cultura vinculada ao Grupo
de Estudos e Pesquisa em Artes Visuais, Educação e
Cultura GEPAVEC - CNPq/UEPG/PR. Observar
imagens sem que se compreenda o seu sentido e o seu
valor, acaba tornando a atividade um ato mecânico e
sem significado para quem observa. Esta pesquisa teve
inicio pela preocupação em relação à qualidade da
mediação e do mediador frente à apreciação de obras de
arte no contexto de socialização em espaços de
exposições/mostras, inclusive em museus, e outros

59
espaços abertos e públicos, que contribuem
significativamente para a formação artística e intelectual
de acessibilidade a todos, provocando a socialização da
cultura artística. Estes espaços carecem de mediadores
que tem por função estabelecer a mediação entre a obra
de arte, e o receptor para uma compreensão crítica da
arte. A mediação faz com que este contato entre a obra,
o artista e o apreciador, se torne mais amplo e que o
diálogo entre eles seja mais qualitativo, reflexivo e
crítico, transformando estes ambientes em espaços
educativos ampliados, com agendas de visitação
abrangendo as escolas da rede municipal, estadual e
particular, tornando esta atividade mais habitual no
cotidiano cultural, criando assim uma nova cultura e
conhecimentos da Arte.
Nesta direção o objetivo da pesquisa é
Investigar, analisar e compreender como se dá o
processo de mediação entre a obra de artistas e o
receptor/ observador, na compreensão e interpretação da
arte no espaço da Galeria de Arte da Pró-Reitoria de
Extensão- PROEX- UEPG.Tornar habitual a
participação da comunidade local, bem como a

60
participação de professores e alunos de escolas públicas
e particulares e do meio acadêmico, na participação em
mostras artísticas e exposições culturais; Promover
diálogos do artista e o público em relação as vivências,
experiências e produção; Tornar o espaço da Galeria de
Artes PROEX, mais freqüentado e procurado para a
construção de conhecimento, formação e vivência da
comunidade em geral e também a comunidade escolar,
para a compreensão da cultura artística. Construir e
aplicar uma metodologia para Mediação, como
mediador do processo e diálogo entre a obra de arte e o
público.
A partir dos objetivos elencou-se algumas
questões de pesquisa, tais como: é possível construir
uma Metodologia para Mediação? Como se dá o
processo de Mediação no espaço de exposição
Artística? Qual o caminho que o professor deve seguir
para trabalhar a Mediação em outros ambientes? Como
a criança, o jovem e o adulto analisam as obras de arte e
a partir desta análise podem transformar o seu
conhecimento?

61
MEDIAÇÃO, MEDIADOR, METODOLOGIA PARA
A MEDIAÇÃO

Pensar e desenvolver uma pesquisa tendo como


temática e foco de investigação a Mediação, a função de
mediador, e ainda buscar a construção de uma
metodologia para a mediação exige bases teórica e
estudos mais aprofundados em relação a estas
categorias. Para isso algumas concepções, ainda que
com pouca produção científica nessa temática, nos
permite trazer alguns conceitos norteadores que
fundamentam esta investigação.

Assim, segundo MARTINS mediação é:

Provocação, não é imposição de idéias, mas leva o


aluno (publico em geral) a perceber ângulos inusitados
com diferentes perspectivas de seu próprio pensamento.
Ampliação de conhecimento, tem que fazer sentido e
relacionar com experiências para desenvolver o estético

62
estimulando e ressignificando o conhecimento
(MARTINS,2007,p.76)

Percebe-se que a Mediação Artística e


Cultural necessita de mediadores que para
MARTINS(2007), e COUTINHO(2004), ainda que
com concepções aproximadas, destacam que o mediador
têm o seu papel importante e sério para uma mediação
significativa e de qualidade ,sendo que Martins explicita
que o papel do mediador é o de “...Tornar
compreensível a mediação como um importante papel
que é o de difundir e intermediar as possibilidades e
relações de integração entre Arte e o receptor,na
compreensão da obra de arte.” (MARTINS,2007,p.76)

Conforme o exposto acima pode-se dizer que,


para tornar compreensível a mediação, é preciso o
mediador estar embasado em alguns referenciais em
relação à Leitura de imagem, e sendo assim,dotou - se
base teórica e prática em FELDMAN(1970),
HÉRNÁNDEZ (2000), PILLAR(1996),
FURNARI(2009) e SCHLICHTA(2006).

63
Mas é em FURNARI (2009) que buscou-se a concepção
de leitura de imagem:

Uma maneira importante, que traz informação, troca,


que alarga horizontes e permite a constante ampliação
dos níveis de consciência humana. Em um sentido
menos comum, significando leitura visual. Essa é outra
maneira de ler o mundo, não decifrando letras, mas
decifrando imagens. É como se houvesse uma leitura
silenciosa, às vezes vaga, outras vezes precisa, feita não
por nosso lado racional, mas por nossas sensações e
emoções. (FURNARI, 2009,s.p)

Entretanto, a Metodologia para mediação, sendo


construída pelos pesquisadores, engendra
procedimentos que são exigidos do mediador, e para tal
baseou-se nos procedimento de FRANZ(2008),
LISBOA(2004), MIRANDA;RESENDE(2006), para
construir uma Metodologia para a Mediação ainda em
processo de observação/construção da ação

64
metodológica da mesma para contextos de exposições
em Artes Visuais,daí o significado e contribuição desta
investigação - ação em espaços culturais e artísticos.

METODOLOGIA DA PESQUISA: MATERIAS E


MÉTODOS

A abordagem é qualitativa através da pesquisa


- ação. E, sendo assim, a “... pesquisa-ação requer uma
intervenção na realidade pesquisada e seu entorno, e “...
representa um veio privilegiado para a discussão de um
dos maiores impasses enfrentados [...] a relação entre
teoria e prática.” MIRANDA;RESENDE(2006).
Também se elencou vários Instrumentos de coleta de
dados, tais como a entrevista individual com o artista
expositor e com grupos focais como, os professores,
alunos acadêmicos da universidade, alunos das escolas
estaduais, municipais e particulares, bem como alunos
de ateliê da cidade e público em geral; Encontros pré-
exposição com o artista expositor e levantamento do

65
currículo artístico e release das séries expostas; Diário
de campo com registro do processo do exercício da
mediação; Observação;Análise documental; Portfólio
das obras de arte expostas na galeria; Visitas
Monitoradas; Fotografia como registro.

RESULTADOS

Alguns resultados já são visíveis, e dentre tantos


temos grande aceitação do público, como comunidade
em geral, professores e alunos das escolas da cidade,
artistas de ateliê, e acadêmicos da Universidade
Estadual de Ponta Grossa envolvidos e participantes da
pesquisa, no que diz respeito a colaboração e
compreensão da proposta e de seu papel fundamental
para o conhecimento. A realização de encontros com o
Artista expositor e os acadêmicos do Curso de Artes
Visuais, professores e alunos das escolas da rede
pública. Realizou-se mais de três mediações por
exposição, sendo realizada um total de quatro
exposições iniciadas uma em março,uma em abril e

66
duas em maio de 2009, totalizando doze mediações na
galeria da PROEX, resultando em um total de mais de
seiscentos e cinqüenta participantes entre o público em
geral.
A procura e o interesse das escolas pelas visitas
Monitoradas confirmam o reconhecimento da atividade
do Mediador com o público ao orientar, esclarecer e
levar variados recursos para a compreensão critica da
obra de arte, como pode-se observar nas imagens
abaixo, alguns dos processos de mediação pelo
mediador (pesquisadora) na Galeria de Arte da Pró-
reitoria de Extensão da Universidade Estadual de Ponta
Grossa - UEPG/PR.

67
Figura 1- Mediação com os Figura 2- Aluno do
alunos da 7° série do Colégio Colégio Estadual
Estadual Professor Amálio Professor Amálio Pinheiro
Pinheiro na Exposição “Na Terra, fazendo indagações
no Vento” da artista Plástica Tânia sobre as
Machado, de Maringá -PR.Galeria obras.Galeria de Arte –
de Arte- PROEX- PROEX-UEPG/PR.
UEPG/PR.Fotografia Nelci Martins Fotografia de Ana
Fonte:Portfólio das Cláudia Bastiani
pesquisadoras. Fonte:Portfólio das
pesquisadoras.

Figura 3 - Acadêmicos do curso Figura 4 – Alunos do Atelier


de Licenciatura em Artes Visuais Cristina Sá de Ponta Grossa em
da UEPG com a Artista expositora conversa e observação dos
Tânia Machado, na Galeria de quadros da exposição “Cata -
Arte- PROEX-UEPG/PR. Vento e outras cores” do artista
Fotografia de Ana Cláudia expositor Manoel Fernando
Bastiani Fonte:Portfólio das Croskey, de Curitiba,PR.
pesquisadoras. Fotografia de Ana Cláudia
Bastiani Fonte:Portfólio das
pesquisadoras.

68
Figura 6 e 7-Mediação com crianças e adultos,
na exposição “Diferenças” de Erenilda e Celso
Parubocz, na Galeria de Arte-. PROEX-
UEPG/PR. Fotografia de Maria Beatriz Cordega.
Fonte:Portfólio das pesquisadoras.

Figura 8 e 9 – Mediação com acadêmicos do Curso


de Artes Visuais -UEPG-PR, na Galeria de Arte –
PROEX -UEPG/PR.Fotografia de Maria Beatriz
Cordega. Fonte:Portfólio das pesquisadoras.

CONCLUSÕES

69
Conclui-se que, exercer a mediação não se
trata apenas de uma função de apoio, mas de instrução e
incentivo de educar o olhar descobridor, curioso e
indagante.
A prática da atividade de Mediador, não é uma
tarefa simples, mas é possível de ser realizada. Fazer
com que o observador interaja e compreenda as imagens
de uma forma diferente a que está habituado; essa
prática o torna mais interessado, reflexivo e
freqüentador de espaços destinados a Arte, como está
acontecendo com um dos espaços da pesquisa que é o
espaço da Galeria de Arte da Pró - Reitoria de Extensão
- PROEX-UEPG/PR.
Construiu-se uma metodologia que envolve a
participação do mediador em todos os processos que
antecedem a exposição, como entrevistas com o artista,
estudos da obra e biografia dos expositores, leituras
prévias, e posteriores a realização das mediações com o
público em geral e também com os grupos focais de
alunos, professores que agendam a visitação e que o
mediador recebe e concretiza a mediação como um
espaço educativo do olhar desse público para uma

70
compreensão crítica das obras em Artes Visuais. A
função de intermediar o plano de expressão e de
conteúdo da obra de forma mais contextualizada, aos
receptores foi o que engendrou uma reflexão crítica
entre o mediador - a obra e o público. O Mediador por
meio do diálogo torna amplo o olhar do observador a
respeito da Arte e suas Visualidades, e também dos
ambientes em que ela pode ser apreciada e observada.

REFERÊNCIAS

‘COUTINHO, Rejane (etall). Estratégia de mediação


para a exposição Morte das Casas – Nuno Ramos.
In: Arte em Pesquisa: especifidades. Anais da
ANPAP: Brasilia,2004.
‘FELDMAN, Edmund Bruke. Becoming human
trough art. New Jersey: Prentice-hall, 1970.
FRANZ, Teresinha Sueli. Mediação cultural, Artes
Visuais e Educação. Biblioteca on-line. Santa
Catarina, 2008. Disponível em: http://www.rede-
educacaoartistica.org/docs/m_red/Teresinha%20Sueli%

71
20Franz_Mediacao%20cultural%20Artes%20Visuais%
20e%20Educacao.pdf. Acesso em: 7 de Março. 2009.
FURNARI,Eva. Leitura e Formação. Trazemos um
texto para pensar. Disponível em:
<http://picpedagogia.blogspot.com/2009/02/trazemos-
um-texto-para-pensar-que.html. Acesso em :06 de
maio.2009.
‘HERNANDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança
educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
LISBOA, Ana. Construção de uma metodologia para
mediação: uma experiência no Instituto de Artes
Contemporânea da UFPE. In: Arte em Pesquisa:
especifidades.(ANPAP). Brasilia,2004.
MARTINS,Miriam Celeste. Mediação:estudos iniciais
de um conceito. Blogspot.com. 27 de Junho. 2007,pag
76. Disponível em:
http://equipearte.blogspot.com/2007/06/mediaoestudos-
iniciais-de-um-conceito.html. Acesso em: 20 de
abril.2009.
MIRANDA,Marilia Gouvea de; RESENDE, Anita C.
Azevedo. Sobre a pesquisa-ação na educação e as

72
armadilhas do praticismo. Revista Brasileira de
Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n33/a11v1133.pdf.
Acesso em 13 de Março, 2009.
SCHLICHTA, Consuelo A. B.D. Leitura de Imagens:
uma outra maneira de praticar cultura.
In:NUNES,Ana Luiza Ruschel(Org) Dossiê de Artes
Visuais. Revista Educação – Santa Maria (UFSM). V.
31 – n. 02, pg. 353-366. 2006.

73
O ENSINO DO TEATRO PARA ALUNOS
SURDOS DE 3ª E 4ª SÉRIE
DO ENSINO FUNDAMENTAL

Autoria: Mônica Stroparo, Faculdade de Artes do


Paraná, Curitiba/PR.

1- INTRODUÇÃO

O presente artigo traz o relato de uma


experiência prática de aplicação de Jogos Teatrais e
exercícios de expressão corporal para alunos surdos de
3ª e 4ª séries do ensino fundamental. É resultado de uma
experiência de estágio com alunos surdos do ensino
médio e, também motivada pelo interesse pessoal da
pesquisadora em estudar a metodologia de aplicação dos
conteúdos teóricos e práticos da área de teatro para
alunos com deficiência auditiva. Busca-se dessa forma,
o estudo da capacidade de desenvolvimento desses
alunos na prática teatral, a convivência com a
comunidade surda tendo em vista o aperfeiçoamento

74
pessoal na língua brasileira dos sinais (LIBRAS) e a
capacitação pessoal no ensino de teatro para alunos com
surdez, em virtude da carência existente no universo de
trabalho de professores e intérpretes da LIBRAS.
Apesar de existirem muitos autores que
abordem metodologias de ensino do teatro, poucas são
as fontes que trazem uma metodologia específica para
surdos. Tendo em vista a pertinência desse
aprofundamento em função da importância da
comunidade surda na sociedade, sobretudo em tempos
de valorização da diversidade cultural, estabelece-se
aqui a relevância dessa pesquisa.

2- A COMUNIDADE E A CULTURA SURDA

Em nossa sociedade existem grupos de pessoas


com limitações físicas, sendo um deles (que possui uma
identidade cultural própria) o dos Surdos. A língua
materna desse grupo é a Língua Brasileira dos Sinais
(LIBRAS). É necessário fazer a distinção entre os
conceitos de indivíduo Deficiente Auditivo e de
indivíduo Surdo. O Deficiente auditivo (D.A.) é aquele

75
indivíduo que, por algum motivo (má formação
congênita, patologias durante o período fetal, patologias
que afetem o sistema auditivo, trauma físico ou
psicológico) perde total ou parcialmente a habilidade
normal para a detecção sonora de acordo com padrões
estabelecidos pela American National Standars Institute
(ANSI – 1989). O individuo Surdo é aquele que nasceu
surdo e, diferente do D.A., assume uma identidade surda
e se reconhece como surdo perante a sociedade tendo
um bom convívio com a comunidade surda. A sua
língua materna é a Língua Brasileira dos Sinais
(LIBRAS), esse indivíduo geralmente pensa na forma
de conceitos e utiliza uma forma imagética de
comunicação.
Uma característica peculiar desse grupo social é
a formação de uma cultura própria, pois de acordo com
Sá (2006) a linguagem é responsável pela expressão da
cultura, sendo a cultura a formadora de códigos dentro
de uma sociedade, como juízo de valor, a arte, a forma
de organização, etc. Nenhuma outra limitação física
ocasiona esse processo de formação cultural como
ocorre com os indivíduos surdos.

76
Portanto a limitação auditiva faz com que a
compreensão de mundo pelos surdos se dê de forma
diferenciada em relação aos ouvintes. A estrutura do
pensamento também é diferente, pois ela é construída à
medida que as informações que chegam até o indivíduo
e são processadas por ele. Devido a essa relação
cultura/linguagem, se fazem indispensáveis o
entendimento e a identificação da cultura surda para que
se parta para a elaboração e análise de metodologias de
ensino para surdos. No caso do Teatro, tendo em vista
as metodologias de ensino já existentes, faz-se
necessário um estudo para verificar a necessidade ou
não de adaptações das mesmas para aplicação com
alunos surdos.
Rinaldi (1997) em seu artigo Metodologias
específicas ao ensino de surdos discute as três principais
correntes metodológicas, o Oralismo, a Comunicação
Total e o Bilingüismo. O Oralismo é baseado em
treinamento auditivo, desenvolvimento da fala e leitura
labial, ele só tem seu aproveitamento máximo quando
associado à prótese que amplifica o resíduo auditivo,
procurando reeducar auditivamente a criança surda,

77
através da amplificação dos sons juntamente com
técnicas específicas de oralidade. A Comunicação Total
trata-se de uma proposta flexível no uso de meios de
comunicação oral e gestual, não está em oposição à
utilização da língua oral, mas apresenta-se como um
sistema de comunicação complementar. Porém devido
às diferenças entre a gramática da língua de sinais e do
português, a comunicação total apresentou-se mais útil
para os ouvintes do que para os surdos. Devido a essa
divergência surgiu a orientação educacional que
considera a língua de sinais, na sua forma genuína,
chamada Bilingüismo. Para Ferreira Brito9 (1993) apud
Rinaldi (1997):

[...] numa linha bilíngüe, o ensino do português deve ser


ministrado para os surdos da mesma forma como são
tratadas as línguas estrangeiras, ou seja, em primeiro
lugar devem ser proporcionadas todas as experiências
lingüísticas na primeira língua dos surdos (língua de
sinais) e depois, sedimentada a linguagem nas crianças,

9
FERREIRA BRITO, Lucinda. Integração social &
educação de surdos. 1. Ed. Rio de Janeiro, Babel Editora,
1993.

78
ensina-se a língua majoritária, (a Língua Portuguesa)
como segunda língua.

Segundo Rinaldi (1997) A escolha pela


utilização do método do bilingüismo é o
reconhecimento de que a Educação interfere no meio
social e político da comunidade a qual pertence, e por
isso deve ser respeitada. Sendo assim a utilização da
LIBRAS para o ensino aos surdos é fundamental, pois
se trata da primeira língua, ou seja a língua da
comunidade a qual eles pertencem, possibilitando o
melhor entendimento e conseqüentemente uma melhor
aprendizagem.
Sendo a questão do ensino de pessoas surdas
algo tão relevante e ainda em construção pelos
pesquisadores, o teatro como forma de conhecimento
também deve ser acessível à população com deficiência
auditiva. Porém, para que tal conhecimento seja
transmitido de maneira satisfatória é necessária uma
análise de metodologias que possam suprir as

79
exigências de comunicação inerentes ao indivíduo com
deficiência auditiva.

3- MATERIAIS E METODOS

O Jogo Teatral é uma maneira didática de fazer


com que os alunos se esforcem para encontrar, através
de improvisações de cena, uma solução de conflito que
é uma situação problemática proposta. Koudela (1991)
afirma que no individual pode-se perceber a própria
consciência e no grupal tem-se a dinâmica de todos os
movimentos no espaço através da relação eu-espaço-
outro.
Para Spolin (2000, p.3) “todas as pessoas são
capazes de improvisar. As pessoas que desejarem são
capazes de jogar e aprender a ter valor no palco.” Um
dos aspectos do Jogo Teatral é a Instrução10 que é a
metodologia utilizada para que os jogadores mantenham
a sua atenção no foco do jogo. A instrução é a

10
Tradução do termo original “side-coaching” que de acordo
com Spolin (2000) provém da terminologia esportiva, sendo o
técnico (coach) aquele que instrui o time sobre as mudanças
que deseja, porém sem interromper o jogo.

80
orientação simples e direta dada pelo professor-diretor
através da voz sempre que o jogador desvia a atenção do
foco. Segundo Spolin (2000) quando o aluno ouve a
instrução pela primeira vez ele só necessitada ser
orientado a apenas ouvi-la e continuar o exercício, sem
interromper a cena. Ao receber a instrução, o aluno
retoma a atenção para o que esta fazendo no palco e de
acordo com Spolin (2000) desperta a espontaneidade.
Os Jogos Teatrais são complementados com
atividades de expressão espontâneas que de acordo com
Reverbel (1989) tem o objetivo de desenvolver a auto-
expressão do aluno, oferecendo-lhe oportunidades de
atuar efetivamente no mundo: opinar, criticar e sugerir.
É uma maneira lúdica, pedagógica e sutil de fazer com
que os alunos, no seu primeiro contato com teatro,
consigam realmente fazer teatro usando o que
aprenderam com o exercício de solucionar os conflitos
ou problemas de uma maneira cênica e com a
descoberta de si mesmo e do outro.
A experiência aqui descrita consistiu na
aplicação prática de Jogos Teatrais e exercícios de
expressão corporal para crianças surdas e foi

81
desenvolvida durante as atividades do período de
estágio supervisionado contando com a participação de
seis alunos surdos, sendo uma menina e cinco meninos,
de faixa etária entre nove e dez anos de idade, da 3ª e 4ª
série do ensino fundamental, estudantes da Escola
Municipal Especial para Surdos Professora Ilze de
Souza Santos situada na Rua Joiville, 2024 no bairro
Vila Braga no município de São José dos Pinhais/PR. A
escola funciona em período integral, sendo que no
período da manhã os alunos têm as disciplinas
curriculares e no período da tarde participam de
atividades educativas, jogos infantis, assistem filmes e
também aprendem a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS). As atividades foram desenvolvidas no
período vespertino durante duas horas semanais nos
meses de Setembro e Outubro de 2008, utilizando as
seguintes estruturas do espaço escolar (ver anexo 1):
sala de aula pequena, sala de vídeo e saguão coberto.
As aulas foram ministradas utilizando o
bilingüismo (LIBRAS e Português), pois esta é a
maneira atualmente utilizada para o ensino de surdos e é
também a metodologia adotada pela escola. A

82
metodologia utilizada para aplicação dos exercícios foi
a dos Jogos Teatrais de Viola Spolin e teve como
objetivo principal o desenvolvimento da expressão
corporal dos alunos. A série de exercícios evoluiu em
complexidade de maneira gradativa durante o período
do desenvolvimento das atividades. A seguir são
descritos alguns exercícios e jogos aplicados aos alunos.
O primeiro exercício foi uma dinâmica de
apresentação aliada à movimentação corporal que
consistiu em formar um círculo com os alunos, e na
primeira fase, um aluno de cada vez fazia o seu sinal de
identificação11 e logo em seguida criava um movimento.
Na segunda fase o primeiro aluno fazia o seu sinal de
identificação pessoal e logo após criava um movimento
ligado ao seu sinal. Em seguida o aluno seguinte
copiava o sinal e o movimento feito pelo colega e fazia
o seu sinal e movimento e assim sucessivamente até
completar o círculo.

11
Característica específica da cultura surda na qual cada
pessoa recebe um sinal gestual para sua identificação, fazendo
uma analogia com a linguagem verbal, o sinal de
identificação teria o mesmo funcionamento de um apelido
dentro de um grupo de conhecidos.

83
Foram aplicados aos alunos os Jogos Teatrais
“Quem começou o movimento”12, o “Exercício do
Espelho n.1”13, o “Jogo do Onde”14 que, no caso dessa
experimentação foi feito da seguinte forma: o aluno ia
até o palco e mostrava um lugar através de expressão
corporal, os colegas, que formavam uma platéia
deveriam tentar adivinhar em que lugar o colega estava.
Um exercício para desenvolver a consciência
corporal aplicado aos alunos foi o de imitação de
imagens de revistas (ver anexo 2), a atividade consistia
em mostrar imagens de revista que continham pessoas
para que eles observassem e copiassem a posição e a
expressão facial, sendo que as formas foram analisadas
e corrigidas pelos próprios alunos. Foram aplicados
também exercícios de imitação de objetos, de letras do
alfabeto e de sílabas com o corpo.
A expressão facial também foi trabalhada
através de um exercício utilizando uma caixa de sapato.
O exercício consistiu em passar uma caixa de sapato

12
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo:
Perspectiva, 2000 p. 61.
13
Idem. p. 55.
14
Idem, p. 91.

84
vazia, a qual cada aluno abria e imaginava ver algo e
fazia uma expressão facial de acordo com o que via.
Depois de um tempo fazendo o exercício com a caixa,
ela foi deixada de lado e o que foi passado de mão em
mão foi uma caixa imaginária, e o exercício das
expressões faciais foi repetido, porém com a invisível.
A última atividade desenvolvida pelos alunos
foi que se unissem para contar a história da
Chapeuzinho Vermelho, conhecida por eles (ver anexo
3). Essa atividade foi dividida em duas partes, na
primeira parte eles poderiam contar a história utilizando
a LIBRAS e expressão corporal, na segunda parte eles
deveriam contar a mesma história utilizando apenas a
expressão corporal, sem a LIBRAS. Durante um dos
encontros foram exibidos aos alunos vídeos com
imagens de mímica de Marcel Marceau e clowns do
Cirque Du Soleil, para que os alunos vissem a expressão
através do corpo.

4- RESULTADOS
Durante todo o período da pesquisa foi
estabelecida a convivência com os alunos e professores

85
surdos da escola onde foram desenvolvidas as
atividades. Através desse convívio pode-se perceber que
a linguagem interfere diretamente na constituição do
aspecto cultural e, conseqüentemente, no processo
cognitivo. O ambiente em que estão indivíduos surdos é
um ambiente imagético e a LIBRAS é a forma
predominante de comunicação. Considerando a
importância da LIBRAS na educação dos surdos é
relevante relatar que essa experiência de convívio
demonstrou que o fato de conhecer somente alguns
sinais pertencentes a LIBRAS não se faz suficiente para
a relação professor/aluno surdo seja estabelecida sem
interferências. Essa constatação pode ser observada no
período inicial das atividades, quando foi necessária a
intervenção da professora da turma diversas vezes para
que os alunos entendessem o que deveria ser feito na
atividade, com o passar do tempo as interferências da
professora da turma forma ficando cada vez menos
freqüentes e desnecessárias, e então a relação professor
pesquisador/aluno surdo se tornou mais clara e objetiva,
melhorando, assim a capacidade de entendimento dos
alunos sobre as atividades propostas. Isso demonstra

86
que a convivência com o grupo específico de surdos e a
habilidade (fluência) na LIBRAS são aspectos
fundamentais para uma comunicação sem ruídos com os
surdos.
Esta experiência permitiu constatar que a
expressão corporal é algo inerente em indivíduos surdos
que se comunicam através da LIBRAS, pois no
processo de aprendizagem dessa língua é exigida a
atenção para aspectos como consciência corporal,
direção e formas de movimento. Essa exigência existe
devido aos aspectos gramaticais pertencentes a LIBRAS
como a “Configuração da(s) mão(s), o Movimento e o
Ponto de Articulação; Região de Contato, Orientação
da(s) mão(s) e Disposição da(s) mão(s)” FERREIRA
BRITO15 (1995) apud Strobel e Fernandes. Porém, por
ser algo natural nos indivíduos surdos, passa a ser um
aspecto para o qual não é despendida atenção, essa
constatação se deve ao fato de que durante as aplicações
dos exercícios de expressão corporal, foi preciso chamar
a atenção dos alunos e mostrar a eles que era necessário

15
BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática de língua de
sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1995.

87
o desenvolvimento da consciência corporal para que o
movimento não perdesse o seu significado original. Os
alunos também apresentaram dificuldades em tarefas
como imitar os movimentos feitos pelos colegas, criar
movimentos que não fossem do cotidiano e fazer os
movimentos de forma lenta e precisa, ou seja, limitações
de repertório corporal.
Com relação ao ensino do teatro, alguns
aspectos relacionados à metodologia dos Jogos Teatrais
observados durante as atividades e exercícios aplicados
para crianças surdas trouxeram algumas reflexões.
Primeiramente é preciso ficar atento a todas as
exigências dessa metodologia, como, por exemplo, a
imposição de regras para o jogo, a avaliação dos alunos,
a formação de uma platéia de observadores, etc., pois
quando alguma dessas exigências não era cumprida o
Jogo Teatral acabava se tornando apenas uma
brincadeira como outra qualquer, perdendo a sua função
pedagógica. Nesta experiência participaram tanto alunos
com perfil de liderança quanto alunos de personalidade
passiva, sendo assim a aplicação das regras para
execução dos Jogos teatrais além de permitir o

88
desenvolvimento funcional dos jogos, permitiu igualar a
condição entre os alunos quanto à inibição dos colegas,
comentários fora de hora, menosprezo de idéias, etc.
Alunos com personalidade de liderança percebiam que
nos exercícios eram as regras que mandavam e não eles,
com isso respeitavam mais os colegas e participavam
das atividades de igual forma. Alunos muito agitados,
cada vez que atrapalhavam o desenvolvimento do jogo
faziam com que o professor interrompesse a atividade
até que ele decidisse respeitar as regras, com isso os
próprios colegas, alvos da atenção do aluno agitado,
passavam a criticar a atitude do colega que os impedia
de continuar a brincadeira, então o mesmo acabava
percebendo que as atitudes não estavam sendo
aprovadas pelo grupo e acabava parando, deixando com
que o jogo prosseguisse.
A aplicação da metodologia dos Jogos Teatrais
para alunos surdos mostrou uma peculiaridade com
relação à Instrução. Nessa experiência prática, essa
técnica precisou ser adaptada, pois os alunos que eram
surdos profundos, ou seja, sem nenhum resíduo
auditivo, não respondiam a estímulos sonoros. A

89
instrução tinha que ser dada utilizando a LIBRAS e o
professor tinha que parar a cena, entrar no campo visual
do aluno e orientá-lo para que a cena prosseguisse
resultando na perda de concentração por parte do aluno.
Esse método diferenciado de instrução pode ter causado
uma diferenciação com relação à aprendizagem dos
alunos e na eficácia da metodologia, uma vez que o
conceito Foco não foi trabalhado da maneira que a
metodologia exigia.
Através da aplicação de alguns exercícios
constatou-se que a forma imagética de linguagem
utilizada pelos surdos, no caso a LIBRAS, interfere
diretamente na maneira de entendimento do mundo,
apreensão de conceitos e aprendizagem. Nos exercícios
como o “Jogo do Onde” e nas histórias contadas pelos
alunos através de cenas que utilizaram, ambos, apenas a
imaginação do próprio aluno como subsídio para a
criação, o resultado da expressão corporal obtido dos
alunos foi menos satisfatório com relação à clareza de
idéias, qualidade de movimento, interesse dos alunos
para execução da atividade e interesse dos alunos que
formavam a platéia, quando comparados aos exercícios

90
que utilizavam algum objeto ou imagem como subsidio
de criação, como por exemplo, a imitação de letras do
alfabeto com o corpo, imitação de imagens de revista, o
exercício de expressão facial utilizando a caixa de
sapato e o “Jogo do Espelho n.1”.
Sendo assim, constatou-se que a necessidade de
adaptações em metodologias de ensino antes de aplicá-
las a alunos surdos é essencial, porém ela deve passar
pelo estudo da linguagem que é a responsável pela
formação cultural do indivíduo e conseqüentemente o
seu processo de aprendizagem.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados observados nessa
pesquisa constatam-se algumas particularidades no
ensino do teatro para surdos. Sendo os surdos um grupo
social participante da sociedade é relevante preocupar-
se com as condições necessárias para que o ensino
chegue até eles de maneira eficaz. Apesar dos surdos
utilizarem aspectos de expressão corporal que estão
relacionados a conceitos de teatro quando se
comunicam através da LIBRAS, eles não estão

91
utilizando os conceitos relacionando-os de forma
consciente ao teatro.
Tendo em vista os resultados dessa pesquisa e a
falta de referências teóricas sobre o tema, constatou-se a
real importância e necessidade do desenvolvimento de
estudos e pesquisas destinados a promover a criação de
novas metodologias do ensino do teatro que sejam
específicas para surdos. Uma vez que esses indivíduos
constituem um grupo social com diferenças culturais e
de linguagem que regem a sua maneira de aprendizagem
e o seu processo cognitivo, sugere-se que novas
pesquisas sejam feitas para que num futuro próximo a
equiparação da qualidade de ensino entre alunos surdos
e ouvintes seja, efetivamente, conquistada.

6- REFERÊNCIAS

DAVIS, H. & SILVERMAN, S.R. Auditory Test


Hearing Aids. In: DAVIS, H.; SILVERMAN, S.R.
Hearing and Deafness., Holt: Rinehart and Winston,
1970.

92
FERNANDES, Eulália. - Problemas lingüísticos e
Cognitivos do Surdo - Agir – 1990

FERREIRA BRITO, Lucinda. Integração social &


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Editora, 1993.

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Janeiro: Tempo Brasileiro,
1995.

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2.ed. Campinas, SP: Papirus, 2001.

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aprendizagem. São Paulo: Perspectiva. Editora da USP;
1991.

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93
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cerebral, in S. Limongi, Paralisia cerebral: processo
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abrangência. Carapicuíba (SP), Pró-Fono, 2000.

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(org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Editora
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Disponível em>
http://sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=1
347&codtipo=2&subcat=34&canal=cientifico< Acesso
em 06 de Set de 2008.

94
REDONDO, Maria Cristina da Fonseca. Deficiência
auditiva. Brasília: MEC. Secretaria de Educação a
Distância, 2001.64 p.: il. (Cadernos da TV Escola 1.
ISSN 1518-4706)

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http://www.ines.gov.br/ines_livros/13/13_PRINCIPAL.
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surdos. 2008. Disponível em: >
http://www.webartigos.com/articles/3639/1/historico-
da-educacao-dos-surdos/pagina1.html < acesso em 18
de Set de 2008.

95
SÁ, Nídia de. Cultura, poder e educação de surdos.
Manaus : Ed. UFA, 2002. 388 p.

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Teoria e Pesquisa. vol. 19. n.2 Brasília Mai/Ago. 2003.
Disponível em:>
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
37722003000200010&script=sci_arttext < Acesso em
15 de Nov de 2008.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo:


Perspectiva, 2000. 349 p.

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Aspectos lingüísticos da língua brasileira de sinais.
Secretaria do Estado de Educação. Superintendência de
Educação. Departamento de Educação Especial.
Curitiba: SEED/SUED/DEE, 1998.
ANEXO 1
O ESPAÇO FÍSICO ESCOLAR
Figura 1: Sala de aula

96
Figura 2: Saguão coberto

97
Figura 3: Sala de vídeo

Figura 4: Fachada externa da escola

ANEXO 2
ATIVIDADE DE IMITAÇÃO DE IMAGENS DE
REVISTA

98
Figura 1:

Figura 2:

99
Figura 3:

Figura 4:

Figura 5:

100
Figura 6:

ANEXO 3
EXERCÍCIO DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
Figura 1:

101
Figura 2:

Figura 3:

102
Figura 4:

Figura 5:

103
104
PASTA ARTE-BR E A FORMAÇÃO DE
LEITORES VISUAIS

Dulcinéia Galliano Pizza, Faculdade de Artes do


Paraná, Curitiba - Paraná

Objetivos
Promover o contato de professores com a leitura
de imagens contextualizadas e posteriormente, recolher
e analisar a impressões sobre o material pedagógico
Pasta arte br do Instituto Arte na Escola, na formação
e ampliação do seu repertório para a leitura e análise da
imagem.

Métodos e resultados
O ensino e a apreciação da arte requerem do
professor a capacidade de compreensão das
transformações da sociedade e em conseqüência, a
compreensão da resposta que é dada pelo artista aos
estímulos que recebe.
As novas mídias transformam o padrão de
observação da sociedade e em conseqüência da

105
realidade da arte e do artista, esta reflexão impulsionou
o Instituto Arte na Escola a procurar na Arte Brasileira
uma forma de aproximar o arte-educador, de imagens
que estimulem e transformem o “olhar” de seus alunos
agregando à simples observação à capacidade de
reflexão do que é visto, às múltiplas possibilidades de
atribuição de sentido que imprimem a marca do receptor
na construção do discurso da obra, de cada imagem que
passa a ser compreendida também enquanto instrumento
de intercessão entre o sujeito e o mundo, trazendo à
imagem características metalingüísticas e ampliando
ainda mais sua capacidade de comunicação.
A imagem pode ser definida enquanto
representação, a representação de algo no pensamento,
daquilo que guarda em si possibilidades de
interpretação.
Quando questionamos a imagem enquanto
representação da visualidade de algo, estamos
atribuindo a ela propriedades específicas do que
denominamos forma – limites exteriores da matéria,
feitio, configuração, aspecto particular que permite a
distinção de uma coisa da outra.

106
Segundo a filosofia e particularmente a
metafísica, a matéria é àquilo que da origem a algo e a
forma aquilo que determina a matéria. Para a lógica, a
forma é aquilo que permanece inalterável já para a
estética, a forma corresponde ao estilo à linguagem
utilizada.
Consultando o dicionário Aurélio entendemos
que: “A forma pode ser definida como a figura ou a
imagem visível do conteúdo. De um modo mais prático,
ela nos informa sobre a natureza da aparência externa de
alguma coisa. Tudo o que se vê possui forma.”
(FERREIRA, 1988: p 304)
A forma-imagem então pode ser considerada
um “sistema” possuidor de propriedades passíveis de
análise e interpretação de acordo com os critérios de
organização que apresenta podendo ser qualificada e
julgada de acordo com a sensibilidade e o repertório do
observador.
Quando reconhecemos e atribuímos sentido a
uma imagem, o fazemos a partir de representações
anteriores que surgem de um universo interior como

107
pré-requisito para a atribuição de sentido ao que
percebe.
Ao descrever questões específicas da “imagem
visual”, estamos atribuindo valores a um código
específico e conhecido pela relativa simplicidade de
interpretação, através das evidentes semelhanças entre o
que vemos e o que realmente está lá.
Em contrapartida, se a imagem é a
representação de algo, de alguma coisa, seria uma
ingenuidade atribuir a ela apenas valores enquanto
“imagem visual”. A imagem pode ser construída
mentalmente a partir de qualquer código-linguagem que
tenhamos capacidade de compreender, de interpretar, de
perceber.
É necessário citar Fayga Ostrower quando
relaciona a capacidade de criação do ser humano
enquanto um formador não apenas da matéria, mas da
sua capacidade de atribuição de sentido ao que vê e as
construções imagéticas que é capaz de fazer. “Criar é,
basicamente formar. É poder dar forma a algo novo. Em
qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse
“novo”, de novas coerências que se estabelecem para a

108
mente humana, fenômenos relacionados de modo novo
e compreendidos em termos novos. O ato criador
abrange, portanto, a capacidade de compreender; esta,
por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar,
significar ... o homem é um ser formador. Ele é capaz de
estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos
que ocorrem ao redor e dentro dele. Relacionando os
eventos, ele os configura em sua experiência do viver e
lhes dá um significado. Nas perguntas que o homem faz
ou nas soluções que encontra, ao agir, ao imaginar, ao
sonhar, sempre o homem relaciona e
forma.”(OSTROWER, 1994: p9)
Então podemos considerar que transitamos por
diversos sistemas de linguagem, por diversos códigos
atribuindo a eles valores que segundo possibilidades
individuais, permitem a construção imagética e a
tradução da imagem construída de um código para
outro.
A metodologia proposta inicialmente para a
aplicação do material pedagógico arte br contempla
várias destas possibilidades – leitura com base na
percepção; relações entre contextos procurando

109
construir uma rede de significados; construção de
“histórias”, relações individuais para a imagem;
elaboração de objetos, o fazer artístico; troca de
impressões com outros professores; diálogo
interdisciplinar entre diversas áreas do conhecimento;
transito em museus para realização de um trabalho de
identificação e compreensão das diferenças entre obras
originais; re-elaboração de conteúdos simbólicos do que
é visto ou construído; contextualização e abordagem
histórica; identificação e utilização de vários meios e
mídias para o estudo e a expressão prática do que é
percebido. (Pasta arte br, 2003)
Além destas atividades, para o desenvolvimento
do projeto, são feitos encontros com alguns professores,
nos quais além das diferentes formas de leitura de
imagem são propostas discussões de caráter reflexivo
com base na pesquisa bibliográfica, essencial para o
andamento dos trabalhos.
Descrição do material Pasta arte br: pasta
tamanho A3 contendo: 12 cadernos com sugestões e
orientações metodológicas e de pesquisa; 24
reproduções em pranchas A3; 12 reproduções A5;

110
material para orientação histórica, e de pesquisa – linha
do tempo histórica de 1870 a 2002 e linha do tempo
Arte de 1874 a 2001.; Mapa do Brasil com a localização
dos museus que mantém as obras – Museu de Arte de
Belém, Museu de Arte Contemporânea do Ceará,
Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães – Recife,
Museu Nacional de Belas – Artes e Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, Pinacoteca do Estado de
São Paulo e Museu de Arte de São Paulo, Museu de
Arte de Santa Catarina, Museu de Arte do Rio Grande
do Sul Ado Malagoli, Museu de Arte Contemporânea de
Goiás, Museu de Arte de Brasília, Museu Alfredo
Andersen em Curitiba e ainda Museu da Imagem e do
Som em Curitiba que não consta no Mapa de
distribuição. Obras que compõe a pasta:
- Alfredo Volpi, “Pássaro de Papelão”
- Iberê Camargo, “Carretel azul”
- Miguel Rio Branco, “Amaú turn around”
- Eugênio Sigaud, “Acidente de trabalho”
- Djanira da Motta e Silva, “Olaria”
- Sebastião Salgado, sem título

111
- Vicente do Rego Monteiro, “Ceia
eucarística”
- Rubem Valentim, “Logotipos poéticos da
cultura afro-brasileira”
- Claudia Andujar, sem título
- Cido Meireles, “Zero cruzeiro”
- Jac Leirner, “Little pillow”
- Rubem Grilo, “Malabarismo”
- Hélio Oiticica, “B33 Bólide Caixa 18”
- Raimundo Cela, “Retirantes
- “Vik Muniz, “Sócrates”
- Tarsila do Amaral, “O Touro”
- Nelson Leirner, “A-doração”
- Lívio Abramo, “Rio”
- Cristiano Mascaro, “Viaduto do Chá”
- Cândido Portinari, “Festa de Iemanjá”
- Francisco Brennard, “Oficina Cerâmica
Francisco Brennand”
(detalhe do templo)
- Lasar Segall, “Navio de emigrantes”
- Alfredo Andersen, “Duas raças”
- Mário Cravo Neto, “Fábio”

112
- Eliseu Visconti, “A Providência guia
Cabral”
- Alberto da Veiga Guignard, “Noite de São
João”
- João Câmara, “Retrato silencioso”
- Lúcio Costa, “Plano Piloto de Brasília”
- Rodolfo Chambelland, “Baile à fantasia”
- Jean Manzon, “Calçada/Manaus”
- Frans Krajcberg, sem título
- Siron Franco, “Salvai nossas almas 1”
- Roberto Burle Marx, “Obra paisagística de
Burle Marx”
(fragmento)
- Oswaldo Goeldi, “Noturno”
- Hugo Denizart, “Regiões dos desejos”
- Luis Braga, “Miriti bonecos dançando”
Muito do que se aprende é através daquilo que
conseguimos captar do mundo, e o mundo se apresenta
a nós através de nossos sentidos, é através da percepção
dos saberes sensíveis que nos apropriamos do mundo e
concebemos significações. Vivemos uma constante
separação entre o mundo do inteligível e o mundo do

113
sensível, o que pode se transformar em um obstáculo da
percepção influenciada pelos apelos da modernidade de
nossa sociedade ocidental que traz sensações imediatas,
instantâneas e dificulta interpretações e a reaproximação
do que traduz o homem.
“A beleza, ou o sentimento, origina-se nos
domínios do sensível, esse vasto reino sobre o qual se
assenta a existência de todos nós, humanos. Reino,
contudo, desprezado e até negado pela forma
reducionista de atuação da razão, segundo os preceitos
do conhecimento moderno. O inteligível e o sensível
vieram, pois, sendo progressivamente apartadas entre si
e mesmo considerados setores incomunicáveis da vida,
com toda a ênfase recaindo sobre os modos –
conceituais de se conceber as significações. ... Movemo-
nos entre as qualidades do mundo, constituídas por
cores, odores, gostos e formas, interpretando-as e delas
nos valendo para nossas ações, ainda que não
cheguemos a pensar sobre isto. (DUARTE-JR, 2001:
p163)
Então a leitura da imagem é precedida por
uma percepção artística - estética e pode ser estimulada,

114
transformando assim o observador em um “leitor
significativo”, alguém que é também responsável pela
autoria das relações significativas que são estabelecidas
com a imagem, em um processo gerador de sentido.

Resultados Parciais
Durante os meses da pesquisa foram feitos
encontros com professores (alunos egressos da FAP),
com o objetivo de aplicação da metodologia para a
utilização da pasta e a leitura de imagens e obras de arte.
Foi dada ênfase ao desenvolvimento da percepção e dos
sentidos partindo do pressuposto de que o
desenvolvimento do repertório imagético dos
professores é fundamental para a interpretação e
atribuição de sentido às imagens. O que foi feito a partir
dos cadernos “Agora eu era” (tema infância) com obras
de Alfredo Volpi, Iberê Camargo e Miguel Rio Branco;
“Colher o pão de cada dia” (tema trabalho) com obras
de Eugênio Sigaud, Djanira da Motta e Silva e de
Sebastião Salgado; “Além do jardim” (tema religião)
com obras de Vicente do Rego Monteiro, Rubem
Valentim e Claudia Andujar.

115
Entendendo assim que para um efetivo
desenvolvimento da capacidade de criação,
interpretação e significação de imagens, é necessário
que este tenha o desenvolvimento também do seu
repertório visual, de suas referências, o que pode se dar
através da ampliação dos seus sentidos e de sua
capacidade de percepção, levando ao aperfeiçoamento
de uma “alfabetização visual” - conhecimentos visuais
fundamentais ao desenvolvimento da proposta.

Referências

arte br / Instituto Arte na Escola – São Paulo – Instituto


Arte na Escola, 2003
AGUIAR, Vera Teixera de. O verbal e o não verbal.
São Paulo: UNESP, 2004.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte.
São Paulo: Perspectiva, 1996.
BARROS, Ana. A arte da percepção: um namoro
entre a luz e o espaço. São Paulo: Annablume:
FAPESP, 1999.

116
BODEI, Remo. As formas da beleza. Bauru, SP:
EDUSC, 2005.
BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam: a
leitura da imagem e o ensino de arte. São Paulo:
Educ, Fapesp, Cortez, 2003.
CHALMERS, F. Graeme. Arte, educación y
diversidad cultural. Barcelona: Piados, 2003.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
DUARTE JR. João-Francisco. O sentido dos sentidos a
educação (do) sensível. Curitiba: Criar, 2001.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário
Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1995.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem.
Campinas: Papirus, 1996.
ORTIZ, Constanza. Aprender desde el arte: uma
experiência transformadora. Buenos Aires: Papers
Editores, 2005.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de
criação. Petrópolis: Vozes, 1994.

117
PIETROFORTE, Antonio Vicente. Semiótica Visual:
os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2004.
WARNIER, Jean-Pierre. A mundialização da
Cultura. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

118
POÉTICAS EM ARTE DIGITAL: UM OLHAR
CONTEMPORÂNEO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES

Autoria: Ana Luiza Ruschel Nunes -Universidade


Estadual de Ponta Grossa- Paraná.
Thaisa Justus - Universidade Estadual de Ponta Grossa-
.Paraná

OBJETIVOS
Os objetivos da pesquisa consiste em investigar, e
analisar o percurso criativo das poéticas visuais digitais
em construção com alunos em Formação Inicial do
Curso de Artes Visuais da UEPG/PR, e com a formação
continuada de professores de artes visuais de escolas
pública de Ponta Grossa/PR, proporcionando tempo e
espaço para a experienciAÇÃO poética digital,na
interação com a educação (do)sensível
Neste sentido a preparação dos professores e
acadêmicos no uso da tecnologia como mais uma
alternativa na ação educacional, foi outro propósito que

119
possibilitou a construção expressiva da Arte Digital
frente a experienciAÇÃO poética.

INTRODUÇÃO

Neste momento delineado pela chegada dos


computadores às escolas, os professores e acadêmicos
em formação encontram-se cientes da necessidade de
utilizar a tecnologia como mais uma possibilidade no
processo de produção em Arte. A dimensão poética em
arte digital na educação, foi o foco desta pesquisa que
objetivou a construção de experienciAÇÃO poética, a
metamorfose do processo criativo e o desenvolvimento
da educação do sensível, na formação de professores.
A dimensão poética na educação em arte,e a
poiésis,é o foco desta pesquisa em relação a construção
expressiva da arte digital,investigando o tempo e espaço
de experienciAÇÃO poética, a metamorfose do
processo criativo..Por poiésis entende-se uma vontade
autoral,constituída no instante poético,ou seja a poesia
desvelando a produção, a ação, a práxis em arte através
de técnicas , procedimentos e elementos da linguagem
visual no espaço virtual tendo o computador como ateliê

120
na produção em arte digital num percurso e repertório
pessoal. Por poiésis entende-se uma vontade
autoral,constituída no instante poético,ou seja a poesia
desvelando a produção, a ação, a práxis em arte através
de técnicas , procedimentos e elementos da linguagem
visual no espaço virtual tendo o computador como ateliê
na produção em arte digital num percurso e repertório
pessoal.

Nesta direção o problema de pesquisa nos


remete a seguinte indagação: A tecnologia e as artes
digitais estão presentes na escola? Como se dá o
processo de formação continuada inicial e continuada
dos professores de artes visuais das escolas na criação
das poéticas digitais em artes visuais?

Desta forma os fundamentos da investigação e


análise da pesquisa estão balizados no pensamento de
BACHELAR(1970;1989ª,1989b,1990,2004,2006);DO
MINGUES;VENTURELLI(2005);VENTURELLI(2004
);ZAMBONI(2001);FRAGOSO(2005);GIANETTI(200
6);MEDEIROS(2002);BASBAUM(2007);DUARTE(20
01);;NUNE(2006);MERCADO(1999);SHORES;GRAC
E(2001);COUCHOT(2003);DEMAILLY(1992);PLAZ

121
A;TAVARES(1998),ainda que nem todos citados nesse
texto,mas essenciais na pesquisa.

A Introdução de tecnologias nas escolas


provoca mudanças na forma de construção do
conhecimento, na produção, armazenamento e
disseminação das informações, no processo de ensino-
aprendizagem, com conseqüente questionamento dos
métodos didáticos tradicionais e a redefinição do papel
do professor e de sua interação com os alunos.
Mostrando-se, dessa maneira, adequados para a
aprendizagem, facilitando o trabalho do educador, mas
exigindo tempo para compreender e explorar
corretamente essas ferramentas, procedendo às
alterações necessárias.

Uma formação inicial e continuada em relação a


arte e tecnológica, abrindo possibilidades iniciais de
pensar e propiciar a experienciAÇÃO do professor
diante desse novo modo de produção é justificada pois
tem o propósito de melhorar a interpretação e
concepção da Arte e tecnologia digital na formação
dos professores, englobando a aprendizagem de uma
nova alternativa de trabalho ou seja o computador como

122
ferramenta e hiperferramenta, apoiada no processo
ensino-aprendizagem e na atualização reflexiva em sala
de aula. A reflexão sobre aspectos didáticos, relativos ao
modo de integrar a tecnologia no processo educativo,
através de programas e cursos que assegurem que o
professor seja capaz de estabelecer conexões e de
navegar pelo sistema informático de forma autônoma.

METODOLOGIA DA PESQUISA: MATERIAIS E


MÉTODOS

A pesquisa esta fundamentada por uma abordagem


qualitativa, através da investigação-ação, num processo
de observação,planejamento,ação e replanejamento em
colaboração entre pesquisados e pesquisadores
compartilhando o percurso de criação poética digital em
arte.

Para isso acontecer primeiramente foi elaborado


um roteiro de entrevistas com grupos focais com alunos
em formação inicial e professores em formação
continuada. O espaço da pesquisa foi no laboratório do
Setor de Ciências Sociais Aplicadas – SECISA/UEPG,

123
com alunos em formação inicial na disciplina de
Pesquisa em Arte I, e no Laboratório de Informática da
Escola Estadual de Ponta Grossa (Imagem 1), com
professores em formação continuada, onde houve
encontros e um acompanhamento e observação
participante do processo de criação em poéticas digitais
com a utilização de softwares (programas gráficos)
como: Gimp (Linux) programa único para produzir arte
nos computadores da escola, bem como para os
acadêmicos na Universidade que utilizaram o Paint
(Windows), e ainda Photoshop e Corel Draw, com
registro do processo, no portfólio e processofólio
(SHORES;GRACE,2001) virtual dos pesquisados e das
pesquisadoras.

RESULTADOS

Após a análise dos dados, estes apontaram


resultados surpreendentes do processo de criação em
Arte digital, pois no início da pesquisa e através dos
depoimentos dos acadêmicos, de um total de dezesseis,
apenas três tinham produzido arte digital, sendo que
após seis meses de estudos e produção pode-se afirmar

124
que na atualidade todos os acadêmicos criam e
produzem poéticas digitais de forma autoral com um
processo de criação, sem ajuda de elementos externos
do computador, sendo este não apenas uma ferramenta e
sim uma hiperferramenta da produção, via
tecnologia.Os professores em formação continuada na
escola,de um total de cinco nenhum tinha até então
experienciAÇÃO em poéticas digitais em arte.Estes
tiveram dificuldades maior em seu processo
criativo,pois não haviam e nem sabiam do software para
desenho e produção artística disponibilizado pelo Linux
( na escola) em seus computadores, denominado de
GIMP. Assim o processo criativo digital causou um
impacto entre a concepção tradicional de produção em
arte e a concepção de produção digital em arte na
contemporaneidade.Para alguns isto era inimaginável
até a presente pesquisa.

Quanto aos estudos no início da investigação


realizados nos encontros com os colaboradores, os
estudos foram debatidos em relação à temática da
pesquisa como: Artes Visuais e sua trajetória: da antiga
tecnologia a tecnologia digital; a Formação Inicial e

125
Continuada de professores e as tecnologias digitais;
Poéticas digitais em Artes Visuais e a educação do
sensível.

No pensamento dos colaboradores, no início da


criação,destacavam que na arte digital tudo era
mecânico e sem significado,mas ao construir as
poéticas,entenderam que a sensibilidade está presente na
criação da arte digital e que somos nós humanos, que
humanizamos o computador a serviço de uma
humanidade mais humanizada.

Assim, podem-se perceber algumas poéticas


tanto de acadêmicos em formação inicial como de
professores de escola que de um total de 200 produções
poéticas digitais (ver nas poéticas1,2,3,4 e 5)esta
pequena amostra dão visibilidade das criações
realizadas pelos colaboradores da pesquisa, e que
anterior a esta pesquisa estas poéticas eram
inimagináveis, pois as mesmas não têm nenhum suporte
técnico externo ao computador,e assim estão carregados
de poesias expressivas reveladas por um processo de

126
criação digital,em que subjetividade e objetividade
estavam presentes, movidas de sensações digitais.

Poética 1: Abstrato Poética 2: Imagem 1: Professores


II Gisele Mugnaine. Paisagem Gisele de Artes-Laboratório de
informática da Escola
(CAV) Mugnaine. (CAV)
Estadual.
Portfólio virtual da Portfólio virtual da Foto de Ana Luiza
autora. Paint autora. R.Nunes.
(Windows). Paint (Windows). Portfólio virtual dos
pesquisadores.

Poética 3: Retrato. Poética 4: Sem Poética 5: Sem


Rafael Chrestani Título. título. Dudison A.
(CAV) Neuci M. R. Stremez (CAV)
Portfólio virtual do Barbosa (PFC) Portfólio virtual do
autor. Paint Portfólio virtual da autor. Paint
(Windows). autora. (Windows).
Gimp (Linux).

É por estas produções que temos


BACHELARD(1970,p.115) que nos subsidia
enfatizando que ”na poética, a reprodução é

127
ultrapassada pelo onirismo da imaginação criadora,cuja
função é produzir imagens que metamorfoseiam o
real”.Diz ainda Bachelard “... a metamorfose torna-se,
assim, a função específica da imaginação, a imaginação
só compreende uma forma quando a transforma,quando
lhe dinamiza o devir”(BACHELAR,1970.p.153).Assim
é que percebemos o processo poético dos colaboradores
e a metamorfose expressiva com as poéticas digitais.

CONCLUSÃO

Concluiu-se que as tecnologias digitais em Artes


Visuais não estavam presentes na escola. Contudo pode-
se afirmar que a produção poética digital é possível a
partir de um processo de criação, transformando as
ferramentas e o modo de produzir Arte na
contemporaneidade e que diante da formação inicial a
arte digital foi surpreendente.

Pode-se concluir que na formação continuada,


os laboratórios de informática das escolas estão
aparelhados com equipamentos mais atualizados, e,
lamentavelmente no laboratório da universidadade os

128
computadores estão ultrapassados, o que tornou o
processo de criação mais lento exigindo maior tempo
para a produção poética digital.Entretanto para a
continuidade do projeto de pesquisa a partir de agosto
do corrente ano,teremos um laboratório no
Departamento de Artes com computadores de primeira
geração,que acreditamos engendrará novas perspectivas
para a pesquisa em poéticas digitais.

REFERÊNCIAS
BACHELARD, G. A Poética do devaneio. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
___________.
Lautréamont.6ªed.réimpression.Paris:José Corti,1970.
DEMAILLY, L. C. Modelos de Formação
Continuada e Estratégias de Mudança. In: NÓVOA,
A. Os Professores e sua Formação. Lisboa: Don
Quixote, 1992.
DOMINGUES, D.; VENTURELLI, S. (Org.). Criação
e Poéticas Digitais. Caxias do Sul: EDUCS. 2005.
DUARTE JR, J. F. O Sentido dos sentidos e a
educação do sensível Curitiba/Paraná: Criar Edições,
2001.

129
MERCADO, L. P. L. Formação Continuada de
professores e novas Tecnologias. Maceió: EDUFAL,
1999.
NUNES, A. L. R. Trabalho, Arte e Educação:
formação humana e pratica pedagógica. Santa
Maria.Editora UFSM.2004.
PLAZA, J; TAVARES, M. Processos criativos com
meios eletrônicos: poéticas digitais. São
Paulo:Hucitec.1998.
SHORES, E. ; GRACE, C. Portfólio e
processofólio.Porto Alegre: ARTMED Editora. 2001.

130
PROJETO CORPO E MOVIMENTO: RELATO
DE UMA EXPERIÊNCIA.

Autoria: Michelle dos Santos Lomba16


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba.

Este artigo tem por objetivo relatar o primeiro


ano da experiência vivenciada do Projeto “Corpo e
Movimento - Interdependência entre identidade do
adolescente e arte contemporânea”, ofertado pelo
Programa “Universidade sem Fronteiras - Apoio as
Licenciaturas” promovido pela Secretaria de Estado da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) do
Governo do Estado do Paraná em parceria com a
Faculdade de Artes do Paraná (FAP).
O artigo apresentado justifica-se a partir de dois
pontos fundamentais: a necessidade de registrar o

16
A autora é graduanda do curso de Licenciatura em Teatro,
bolsista do Projeto Corpo e Movimento e voluntária do
Programa de Iniciação Cientifica da FAP. E-mail:
michelle.lomba@gmail.com

131
Projeto Corpo e Movimento, bem como, relatar e refletir
sobre sua aplicação e objetivos atingidos.
A temática abordada no projeto é a busca pela
percepção e a possibilidade de desenvolvimento da
identidade do adolescente e da inserção delas no âmbito
da diversidade. Em síntese, as questões priorizadas
dizem respeito a reflexões e vivências das Artes
Visuais, da Dança, da Música e do Teatro, conectadas à
cultura local em diálogo com a diversidade implícita na
arte contemporânea.
O projeto em questão dialoga com a perspectiva
do sociólogo alemão Norbert Elias na obra A Sociedade
dos Indivíduos, ao compreender que o eu não existe
dissociado do nós, ou seja, a relação entre indivíduo e
sociedade não é dissociada uma da outra, indivíduo e
sociedade convivem numa rede permanente de
interdependência. Esta dinâmica permite trabalhar na
direção de perceber identidades singulares em relação à
sociedade de modo geral, procurando assim, perceber
como uma condição interage sobre a outra e vice-versa.
Compreender os mecanismos de organização da
própria cultura, aquela na qual o sujeito está inserido e

132
conhecer a diversidade cultural, implica em apropriar-se
da possibilidade de interagir com a sociedade. É preciso
conhecer para poder escolher. Desta maneira, o projeto
teve a pretensão de introduzir novas questões acerca da
arte contemporânea sempre em parceria com o universo
local, no sentido de oportunizar uma ampliação sobre a
representação do mundo, permitindo-lhe expandir suas
perspectivas.
No que diz respeito ao trabalho com o Teatro, e
sua inserção nesta perspectiva de diversidade cultural,
foi tomado por base os estudos de Eugênio Barba,
especificamente sua preocupação em relação à
pluralidade de se pensar, sentir e fazer Teatro,
caracterizado por ele como Antropologia Teatral; e
também os estudos do Augusto Boal acerca das relações
políticas entre espetáculo e platéia, cabendo ressaltar o
sistema do “curinga” elaborado por ele, que procura
demonstrar a liberdade do indivíduo dentro das linhas
estritas da análise social.
No âmbito da Música contemporânea foram
contempladas as abordagens de Murray Schafer e José
Miguel Wisnik, especificamente para refletir as

133
possibilidades de vivenciar o som. Questões
envolvendo: como perceber o meu som e os sons do
meu ambiente e suas relações? O que é necessário para
a inter-relação corpo – movimento – som?. Foram
reflexões que direcionaram o olhar para essa área, para a
necessidade da escuta. É preciso escutar os sons. É
necessária uma “escuta que pensa”.
Na Dança, a contemporaneidade assume o
questionamento do corpo incluindo noções de
corporalidade na perspectiva do diálogo entre natureza e
cultura. Esta visão sistêmica da dança permite o
estabelecimento de uma rede de relações entre uno e
diverso (COHEN, 2004; KATZ, 2005) entre a
identidade de corpo e de movimento elaborado a partir
das impressões do meio no qual está inserido e de novas
propostas de dança e modelos corporais, que podem ser
construídos com a expansão da percepção, no exercício
prático reflexivo de processos colaborativos de ensino-
aprendizagem em artes (ASSMAN, 1998; GREINER,
2005).
Em relação às Artes Visuais, o foco foi a
percepção do olhar, bem como, a apreciação artística

134
através das obras de artistas contemporâneos.
Se uma das reflexões que a arte contemporânea
tem trazido é, justamente, sobre o posicionamento do
indivíduo frente ao subjetivo e o intersubjetivo em
forma de movimento e som, o que facilita a expansão do
auto-conhecimento para a formação da identidade do
sujeito, este projeto privilegiou a observação destas
considerações no contexto do adolescente.
O Projeto Corpo e Movimento tem como
objetivos: oportunizar o diálogo entre graduandos das
Licenciaturas de Artes Visuais, Dança, Música e Teatro
da FAP, junto à comunidade escolar do Município de
Matinhos – PR; enfatizar o intercâmbio de
conhecimentos sobre arte contemporânea, assim como
as especificidades de cada linguagem artística abordada;
relacionar a diversidade e identidade pessoal do
adolescente à arte contemporânea; propiciar a
valorização da cultura artística local; identificar nas
escolas participantes a compreensão do ensino das artes;
facilitar o desenvolvimento das identidades dos
adolescentes envolvidos relacionados a conceitos de
corpo e movimento no meio onde estão inseridos;

135
relacionar os movimentos corporais e sonoros do
ambiente e dos adolescentes; despertar a sensibilização
e comunicação corporal relacionada às artes;
desenvolver os canais de comunicação do corpo em
forma de movimento e expressão sonora, baseados na
diversidade da arte contemporânea.

Métodos e Resultados no primeiro ano de


aplicabilidade do projeto

O projeto foi desenvolvido através da aplicação


de nove oficinas práticas envolvendo os conteúdos
específicos das licenciaturas já citadas, de maneira
integrada a 80 adolescentes do Ensino Fundamental do
terceiro e quarto ciclos de cinco escolas estaduais17 do
município de Matinhos (região litorânea).
As vivências foram ministradas por cinco
graduandos e um egresso da instituição, sob a
orientação de três professores18. O projeto iniciou em

17
Escolas Estaduais Abigail dos S. Correa, Gabriel de Lara,
Mustafá Salomão, Sertãozinho e Tereza da S. Ramos.
18
) Coordenadora: Profª. Andréa Lúcia Sério Bertoldi
(Dança). Orientadores: Prof. Caio Manoel Nocko (Música) e

136
outubro de 2007 e a sua aplicação se deu de junho á
outubro de 2008 através de oficinas de 1h30 aos
sábados.
Após a seleção dos graduandos e egresso,
iniciaram-se as reuniões semanais a fim de compreender
o projeto. Os orientadores sugeriram palavras – chaves
como “arte contemporânea, corpo, adolescência,
globalização, mídia, cultura, identidade, diversidade,
paisagem sonora”, e o grupo apresentou textos teóricos
referente às palavras e a compreensão sobre as mesmas.
Em seguida, os textos foram lidos e discutidos,
esclarecendo as questões pertinentes ao projeto. Após a
explanação das referências bibliográficas, o grupo partiu
para vivências práticas.
Cada graduando sob a orientação do professor
referente à sua linguagem artística, criou e ministrou
uma oficina para toda a equipe de trabalho. Assim, foi
possível vivenciar e compartilhar as especificidades das

Profª. Cristiane dos Santos Souza (Teatro). Aluno egresso:


Cláudio Aparecido Fernandes (Música). Graduandos dos
cursos de Licenciaturas: Aline Vallim de Melo (Dança),
Gabriel Peletti Bueno (Dança), Isabela Swab (Dança),
Michelle dos Santos Lomba (Teatro) e Thalita Alves Sejanes
(Artes Visuais).

137
diferentes linguagens trabalhadas, para então, integrar
conteúdos, expor métodos de ensino-aprendizagem e
ampliar conceitos sobre a arte contemporânea.
A próxima etapa foi à elaboração dos planos de
aulas que se deu da seguinte forma: primeiro surgiram
os temas para as oficinas, depois cada graduando
escolheu um dos temas e apresentou idéias, estratégias e
conteúdos referentes a ele. Em seguida, todos
acrescentaram sugestões e depois de muitas reflexões e
discussões, o plano era experimentado e aplicado. Ao
longo das oficinas, o grupo notou a necessidade de
mudar a metodologia para a criação dos planos de aulas
e experimentou criar o plano em conjunto, a partir dos
resultados da última oficina aplicada. Resultando da
construção de um diálogo colaborativo no qual se
estabeleceu a integração dos conteúdos no mesmo grau
de importância, de maneira integrada.

A primeira oficina aplicada referiu-se à


percepção e re-significações de ações do cotidiano
através do movimento corporal, sendo assim, os
participantes experimentaram o fluxo do movimento em
ações cotidianas apresentadas através de imagens

138
visuais e registraram os movimentos em papel, a fim de
notar a diferença dos registros que variava conforme o
fluxo experimentado.

No segundo encontro o objetivo foi refletir


sobre a diversidade cultural brasileira através de
fotografias e sotaques brasileiros que os participantes
observaram, selecionaram, criaram cenas teatrais e
apresentaram para o grupo. No bate-papo de
encerramento, foi levantado pelos participantes questões
como “Nem todo baiano é preguiçoso”, “As pessoas
acham que só porque a gente mora na praia tem que
gostar de praia. Eu não gosto.” e “Só porque é loiro tem
que ser gaúcho?!”. Questões estas que refletem
estereótipos culturais.

O terceiro encontro se realizou com a


construção de instrumentos com materiais alternativos
(canos, tampas de garrafa, pote de filmes, pote de
iogurte, fio de naylon) e a experimentação dos sons
produzidos pelos os mesmos resultando em comentários
dos adolescentes como: “Nossa que legal fazer
instrumentos com isso (tampas de garrafa)”.
Na quarta oficina, a partir dos instrumentos

139
construídos na oficina anterior, foram propostas
diversas formas de tocá-los com diferentes partes do
corpo, em seguida, os adolescentes foram estimulados a
criarem personagens para as partes do corpo escolhidas
e histórias para serem apresentadas ao grupo todo.
O quinto encontro se deu a partir da observação
do espaço através de um quadrado que remetia uma
moldura e um cone para percepção sonora. Em seguida,
os participantes selecionaram uma imagem visualizada
através do quadrado, reproduziram e apresentaram para
o grupo.

Já na sexta oficina o foco foi direcionado para a


sensibilização corporal com o objetivo de estimular,
perceber e explorar os cinco sentidos do corpo (visão,
olfato, paladar, tato e audição). Os participantes tocaram
partes do seu corpo e do colega de olhos vendados,
sentiram cheiros e sons do ambiente. Nesta oficina o
grupo mostrou-se muito concentrado durante toda a
experimentação, chegando a permanecer 20 minutos de
olhos vendados.

O reconhecimento e o respeito pela diversidade


cultural permearam o projeto e foi explicitamente

140
trabalhado na sétima oficina referente às “tribos” na
adolescência onde os participantes levantaram
características (músicas, “gírias”, comportamento,
personalidades, postura corporal, vestimenta) e
relataram situações vivenciadas e observadas de
preconceitos e fatores necessários para integrar
determinadas “tribos” na prática de Teatro – Fórum19. O
objetivo foi estimular a discussão sobre tribo na
adolescência, conhecer a realidade local do adolescente,
refletir e conscientizar sobre a diversidade na
adolescência.

No oitavo encontro questões sobre o processo


criativo do artista foram levantadas, assim, os
adolescentes criaram obras artísticas com elementos do
espaço ocupado, apresentaram e contextualizaram a
obra criada, via processo criativo.

19
Teatro – Fórum: técnica do Teatro do Oprimido que busca
solucionar a cena de opressor e oprimido a partir da
interferência do público proposta pelo “curinga”. Foi criada
pelo dramaturgo, ensaísta, autor, diretor e teórico brasileiro
Augusto Boal (1931).

141
A última oficina ocorreu como um jogo de
“caça ao tesouro”, onde a partir das pistas fornecidas
aos educandos, eles vivenciaram e experimentaram a
arte contemporânea resgatando todos os conteúdos
trabalhados nas oficinas anteriores.
Em todas as oficinas foram apresentados vídeos
e obras artísticas contemporâneas a fim de
contextualizar a oficina vivenciada. E ao término das
oficinas, em roda, eram colocadas questões, dúvidas,
sugestões e reflexões sobre a proposta artística
experimentada.
Por fim, a equipe de trabalho organizou um
passeio cultural á Curitiba com os adolescentes,
professores, coordenadores e diretores das escolas
envolvidas. Foi possível visitar o Museu Oscar
Niemayer, o Centro de Criatividade no parque São
Lourenço, o Jardim Botânico, o Teatro Paiol, a FAP, e
assistir apresentações artísticas dos alunos da
instituição.
A concepção de som e corpo foi alterada ao
longo das oficinas e isso foi notado através de
colocações dos alunos/as do projeto como “O som está

142
em tudo”, “Nunca imaginei fazer som desse jeito (com o
corpo)”, “É possível fazer som com isso (vareta)?”,
entre outras. E a percepção corporal e sonora foi
assimilada a partir de comentários como “Escutei meu
coração!”, “Ouvi e senti meus dedos estralarem
enquanto tocava meu rosto”, “Quando a gente fica em
silêncio dá para escutar alguma coisa lá dentro (do
corpo)”.
Nos protocolos de encerramento das oficinas, os
participantes demonstraram satisfação em participar do
projeto solicitando a permanência do mesmo.

Conclusão

Após a vivência do projeto, concluo que a


maioria dos objetivos iniciais foram atingidos, assim
como, surgiram outras questões no desenrolar do
processo que o projeto não previa.
Ainda que não citada nos objetivos do projeto, a
formação de platéia esteve implícita ao longo das
oficinas, pois através de apresentação de vídeos e
trabalhos artísticos tanto dos integrantes da equipe de

143
trabalho como de artistas nomeados, houve o aumento
de repertório artístico dos adolescentes.
Ao término das oficinas, foi possível identificar
uma mudança qualitativa na vivência corporal e sonora
dos participantes e o aumento da capacidade de criação
artística, assim como, a compreensão sobre arte
contemporânea e diversidade cultural, em todo o grupo
envolvido. Verificou-se também o crescente
envolvimento com o projeto, bem como, possíveis
influências e relações entre as linguagens artísticas
trabalhadas.
Em relação aos graduandos, foi ampliada a
compreensão sobre a importância do desenvolvimento
de processos colaborativos no ensino-aprendizagem, a
reflexão sobre o papel do ensino interdisciplinar das
artes nas escolas e o conhecimento das especificidades
das linguagens artísticas trabalhadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSMAN, H. Reencantar a educação: rumo à


sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.

144
BARBA, Eugênio. A Canoa de Papel – Tratado de
Antropologia Teatral. Campinas: Hucitec, 1994.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido. 1974
COHEN, R. Performance como linguagem. São Paulo:
Perspectiva, 2004.
ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1993.
GREINER, C. O corpo: pistas para estudos
interdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
HAYWOOD, K. M. Desenvolvimento motor ao longo
da vida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
KATZ, H. Um, dois, três. A dança é o pensamento do
corpo. Belo Horizonte: FID Editorial, 2005.
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma
explanação pioneira pela história passada e pelo atual
estado do mais negligenciado aspecto do nosso
ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora
UNESP, 2001.
WISNIK, José Miguel Soares. O som e o sentido: uma
outra história das músicas. São Paulo: Cia. Das Letras,
1999.

145
SENSIBILIZAÇÃO SONORA: UMA PRÁTICA DA
ARTE-EDUCAÇÃO

Autoria: Evelyn Forquim Buco Gandra


UNICENTRO, Guarapuava - PR
Ms. Daiane S. Stoeberl da Cunha
UNICENTRO, Guarapuava - PR

A arte, vista pela perspectiva educacional,


insere-se nos âmbitos da educação formal, informal e
não-formal. Em todos estes espaços educativos a
intervenção educativa instigadora, libertadora e crítica, é
determinante no processo ensino-aprendizagem.
Sabe-se que a escola, ou seja, a educação formal, tem a
função de ensinar o que foi historicamente construído e
contribuir para uma atuação emancipatória na
construção artística contemporânea. Desta maneira,
mais do que repassar informações é função da escola
sensibilizar o educando, contribuindo para uma
formação mais humana. Nessa perspectiva está inserido

146
o desafio do Arte-educador na formação de sujeitos
sensíveis, conscientes e críticos.
A prática docente frente à realidade educacional
hodierna, torna-se responsável pela formação
humanizadora do educando. Assim, se faz necessário
pesquisar as possibilidades de ações educativas que
proporcionam a sensibilização. Neste estudo focaliza-se
a prática docente do arte-educador e/ou educador
musical no trabalho de sensibilização sonora a partir de
ações educativas que envolvem a paisagem sonora
cotidiana. Portanto, situa-se este estudo no âmbito da
educação musical, buscando através da pesquisa-ação
possíveis práticas docentes envolvendo as idéias
pedagógicas de Hans-Joachim Koellreutter e os estudos
de R. Murray Schafer sobre paisagem sonora.

A EDUCAÇÃO MUSICAL E A PRÁTICA


DOCENTE

A educação brasileira há muito tempo vem


enfrentando dificuldades e conflitos, pois, a educação,

147
há muito, apresenta características de alienação e é
deixada nas mãos de alguns especialistas, que
formalizam a educação pelo viés de seus pontos de
vista, impondo projetos, programas e propostas.

A educação musical tradicional, à qual se refere Gainza


“...concebia os seres humanos como máquinas
decodificadoras de uma linguagem escrita e dedicava a
maior quantidade de energia ensinando a decifrar as
notas para que fosse possível transferi-las aos
instrumentos” (GAINZA, 1988, p. 116). Tratava-se da
pura e mera transmissão de saberes que não levam em
consideração o educando como um ser humano, o
conhecimento era entendido como algo mecânico,
pronto e acabado.

Dentro desse cenário localiza-se o compromisso


de cada educador com o processo educacional, o qual
por meio da práxis pode contribuir para que as práticas
reprodutoras e alienantes se transformem em atitudes
sensibilizadoras e emancipatórias.

148
É relevante citar Freire quando relata que o
educador deve saber desde o princípio de sua formação
“...que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção” (FREIRE, 1996, p.25). Tal afirmação, não
poderá ser esquecida na prática docente de um arte-
educador bem fundamentado. Na Educação Musical, o
educador deve ser um mediador para que os educandos
participem na construção dos seus conhecimentos
musicais.

O ensino de música exige o posicionamento do


educador para fazer um trabalho que esteja apoiado em
fundamentos concretos, sempre procurando aprofundar
suas propostas educacionais, suas qualidades e seus
saberes, que visam o crescimento do educando. Paulo
Freire faz-nos refletir ao discorrer sobre saberes
necessários para uma prática educativa com autonomia
e nos instiga a estar em constante aprendizagem. Em seu
livro pedagogia da autonomia declara: “Como professor
devo saber que sem a curiosidade que me move, que me
inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem
ensino” (FREIRE, 1996, p.95).

149
Pode-se afirmar que o ensino da música, por si
só, é um desafio que contribui para que o educador
esteja em constante aprendizado e não se contente
somente com o que o sistema impõe ou com a música
veiculada pela indústria cultural. Procura-se fazer um
ensino diferenciado, buscando a superação de práticas
que visam a descoberta e afirmação de talentos e de
músicos, onde se acreditava que a música seria
privilégio apenas daqueles dotados musicalmente. Desta
forma é papel do arte-educador apresentar a música para
todas as pessoas como uma possibilidade real e
acessível à todos. Sendo assim, verifica-se nas palavras
de Gainza que: “Somos nós, os educadores musicais,
que devemos lutar para inculcar nas pessoas que a
música não é um mito, mas sim uma realidade ao
alcance de todo ser humano.” (GAINZA, 1988, p.98)

SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL

Segundo Gainza “O objetivo específico da


educação musical é musicalizar, ou seja, tornar um
indivíduo sensível e receptivo ao fenômeno sonoro,

150
promovendo nele, ao mesmo tempo, respostas de índole
musical” (GAINZA, 1988, p. 101). Percebe-se que a
educação musical tem como um de seus objetivos a
sensibilização, considerando os interesses e iniciativas
do educando a partir da ampliação do universo sonoro,
da expressão e experimentação musical através da sua
vivência.
Para a efetivação da educação musical visando,
primeiramente, a sensibilização sonora é necessário
humanizar o processo de ensino-aprendizagem, para que
se entenda o seu real sentido e, conseqüentemente,
torne-se uma prática comum no meio educacional. De
acordo com Koellreutter (1999), para que o ensino
musical se torne mais humano é necessário respeitar o
universo cultural, os conhecimentos prévios, as
necessidades e os interesses dos educados. Para que o
ensino seja significativo é preciso que os educadores
verifiquem junto aos seus educandos o que ensinar,
sempre os instigando a questionar o que estão
aprendendo.
A educação musical que leva em consideração o ser
humano é aquela que além da sensibilização, trabalha

151
com conscientização, onde, acima de qualquer
conhecimento pré definido, o saber se concretiza por
meio de diálogos e debates, visando a formação de
sujeitos críticos. Koellreutter defende que não se deve
trabalhar com currículos fechados, que visam à mera
transmissão de saberes, mas, com a ampliação das
atividades de ensino, propondo a utilização de
atividades lúdicas que estimulam o ser criativo.
É através da consciência que se consegue atingir a
sensibilidade, por isso práticas que possibilitam o real
desenvolvimento do educando, em todas as dimensões
da vida. Muito se fala da importância da utilização de
jogos e atividades lúdicas no processo de ensino-
aprendizagem, segundo Vygotsky é através do jogo que
a criança aprende a agir, sua curiosidade é estimulada,
adquire iniciativa e autoconfiança, proporciona o
desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da
concentração, características, que de fato, tem grande
importância no processo de sensibilização musical.

A PAISAGEM SONORA NA PRÁTICA


EDUCACIONAL

152
O conceito “paisagem sonora” é a tradução do
termo “soundscape” que foi criado por Murray Schafer,
tendo seu princípio na palavra “landscape” que significa
paisagens. O termo foi utilizado por Schafer na busca de
melhor expressar o universo sonoro, que se apresenta
por meio do som vinculado à cada paisagem. Segundo
Schafer o termo “paisagem sonora” diz respeito a todo
ambiente acústico, seja qual for sua natureza, e deste
modo tem-se que paisagem sonora é “Tecnicamente,
qualquer porção do ambiente sonoro vista como um
campo de estudos. O termo pode referir-se a ambientes
reais ou a construções abstratas, como composições
musicais e montagens de fitas, em particular quando
consideradas como um ambiente.” (SCHAFER, 2001, p.
366)
O ser humano vive em constante
relacionamento com os sons, de modo que em todos os
espaços existe uma paisagem sonora, sendo assim, é
necessário que se entenda e aprenda a ouvir esses
ambientes sonoros. Santos referindo-se a importância da
paisagem sonora afirma que “O fato de vivermos em um

153
mundo ‘visivelmente’ sonoro e sermos os responsáveis
por essa ‘composição’ leva-nos a inferir que a
experiência auditiva de paisagens sonoras é
fundamental, pois pode implicar uma nova concepção
de música e de escuta.” (SANTOS, 2002, p. 41,42)
Nota-se que, os ruídos demasiados interferem
na qualidade da escuta, desta forma, com o passar do
tempo, as pessoas perderam a capacidade de ouvir os
detalhes da paisagem sonora. Também percebe-se
ambientes sonoros onde não se pode escutar com nitidez
cada som, ocasionando uma paisagem sonora sem
perspectiva, no qual a densidade sonora obscurece os
sons individuais, por isso o trabalho insistente de
percepção sonora.
Visto que, o principal objetivo deste trabalho encontra-
se na busca de práticas docentes que possibilitem a
sensibilização do educando por meio do trabalho com
paisagem sonora, foram propostas atividades que
desenvolvem o aprendizado por meio da experiência,
num período de cinco encontros, com um grupo de
educandos (fig. 1) de sétima série, do Colégio Estadual
Santa Clara, no município de Candói. De início, a

154
proposta foi ouvir a paisagem sonora do espaço. Todos
ficaram quietos, muito atentos aos sons que estavam
ouvindo. Depois de algum tempo voltou-se a conversar
e cada um relatou para o grupo os sons que conseguiu
escutar. Neste momento pode-se verificar que todos os
sons escutados eram os que mais se destacavam e desta
forma os sons mais fracos não foram percebidos.
Segundo Joly “Ouvir os sons da sala de aula, do pátio,
da rua, de casa, das lojas e dos diferentes espaços desses
lugares pode ser um exercício importante para o aluno
estar atento a tudo que acontece à sua volta e
desenvolver o senso crítico para aquilo que lhe diz
respeito ou não.” ( DEL BEM, 2003, p. 118)

155
Figura 1: Grupo de educandos realizando escuta de
paisagem sonora.

Seguiu-se com a atividade do reconhecimento


do som, onde as crianças estavam de costas e alguns
sons foram produzidos para que eles tentassem
reconhecer qual era a fonte emissora daquele som.
Houve poucos acertos, mesmo que os sons produzidos
foram de objetos que estão presentes no cotidiano do
grupo, como exemplo clips, lata, veucro de mochila,
grampeador, escova de cabelo, entre outros.
Na seqüência, os educandos realizaram uma atividade
de pesquisa de sons, onde o objeto de estudos era o
próprio corpo, guiados basicamente pela exploração de
sons nas diversas partes, o problema lançado para a
turma era encontrar sons diferentes e interessantes. De
acordo com Becker cabe ao educador “...oportunizar
atitudes que favoreçam a exploração e identificação dos
sons do corpo, do ambiente, dos objetos e dos
instrumentos.” (BECKER, 1989, p. 42).
Nas palavras de França verifica-se que “Certamente é
possível contemplarmos conteúdos, ampliando

156
gradativamente o conhecimento, a capacidade analítica,
a técnica e os horizontes dos alunos e, ao mesmo tempo,
mantermo-nos fiéis ao estatuto interno da música como
forma de discurso simbólico. Desde as primeiras
experiências é fundamental percebê-la e vivê-la com
toda sua inteireza, seu movimento, fluidez, surpresas e
sensações.” (DEL BEM, 2003, p. 54), desta forma,
guiou-se por práticas que provocam e instigam o
educando para a pesquisa e, conseqüentemente,
identificou-se que as experimentações são fundamentais
para que crescimentos e avanços se efetuem,
trabalhando com propostas que vão além de práticas
tradicionais e obsoletas.
Dentro de uma proposta que visa a sensibilização do
indivíduo, se fez necessário trabalhar com práticas que
exercitem a atitude criadora e criativa dos educandos,
desta maneira propôs-se a criação de uma história que
seria estruturada através de sons, sem a utilização da
linguagem formal (a fala). Este tipo de atividade abre
caminhos que oportunizam ao educando trabalhar nas
diversas esferas da sua própria vida, possibilitando
assim a concretização de ações criadoras. Ainda em

157
Becker verifica-se que “O processo criador exige a
ativação ampla e abrangente do sentir, pensar, agir e
criar de forma integrativa.” (BECKER, 1989, p. 34).
Quando se deseja que o ato criador seja parte integrante
num processo, é de fundamental importância que o
educador seja um propositor, que faz a apresentação do
problema ao grupo. Depois disso poderá participar com
a turma das pesquisas e descobertas, mas, não como
aquele que já sabe a solução para tal problema.
(SCHAFER, 1991).
A cada encontro trabalhou-se, inicialmente, com
a percepção do ambiente sonoro onde estavam. Esse
exercício de percepção possibilitou a aproximação dos
educandos com a paisagem sonora, sendo esta a base
das experiências e experimentações realizadas em busca
da sensibilização. Numa das atividades o grupo
classificou os sons escutados em agudo, grave, curto e
longo.
A pesquisa de sons teve papel primordial no
trabalho com os educandos. Cada um escolheu alguns
materiais (latas, pedaços de madeira, pedrinhas, sacolas
plásticas, potes plásticos, garrafas, entre outros) e

158
experimentou as possibilidades sonoras (fig. 2), guiados
pela proposta de buscar a maior quantidade de sons
interessantes e diferentes, explorando o mesmo material.
Os sons foram gravados para posterior avaliação e
reflexão do grupo a respeito do que haviam produzido.

Figura 2: Grupo explorando materiais na pesquisa de


sons.

Fez-se necessário gravar uma paisagem sonora para


poder trabalhar a partir dos seus elementos. Houve
conversa e discussão, então o grupo decidiu que
gravaria a paisagem sonora começando dentro da
escola, saindo em direção ao pátio até chegar na rua.
Depois que a paisagem sonora estava gravada, ouviram
algumas vezes. Num outro momento, conversou-se
sobre a quantidade de sons ouvidos na casa de cada um,
chegou-se a compreensão de que na maioria das vezes
os sons não são ouvidos conscientemente e
conseqüentemente eles acabam passando despercebidos.
Falou-se da importância de estar sempre sensível aos

159
sons, ouvindo desde os sons que se destacam até aqueles
“menores”, quase imperceptíveis, de forma que estes
apresentam grande contribuição para a vida e para a
música. Para Schafer “Os ouvidos de uma pessoa
verdadeiramente sensível estão sempre abertos. Não
existem pálpebras nos ouvidos” (SCHAFER, 1991, p.
288).
Trabalhou-se com a gravação da paisagem
sonora, que havia sido feita, a qual foi ouvida algumas
vezes. A proposta era que cada um identificasse e
anotasse os sons que estava ouvindo na gravação, cada
um fez seu trabalho individualmente. O passo seguinte
foi a discussão sobre o que cada um conseguiu perceber.
A partir daí puderam transformar a relação de sons que
haviam feito em um único registro gráfico.
O grupo utilizou-se da escrita alfabética para
fazer o registro dos sons ouvidos. Na seqüência pediu-se
para que eles pensassem em formas diferentes para
registrar aquela paisagem sonora. A solução que
encontraram foi a utilização de desenhos e símbolos
(fig. 3) que eles relacionaram com os sons.

160
Figura 3: Registro
da paisagem sonora.

Depois de ouvir, identificar e registrar os sons,


chegou o momento de pesquisar sons que se
assemelhavam com aqueles da paisagem sonora em
questão. O trabalho teve como base a improvisação para
recriar a paisagem sonora. Pois, por meio do trabalho
com improvisação verifica-se um universo de trabalho
muito amplo, improvisar demanda muito trabalho, não
significa a desqualificação de uma determinada
produção. Conforme Koellreutter, improvisar é um
exercício que precisa de planejamento e objetivos claros
(BRITO, 2001, p. 46).
Como fariam o som da água da torneira caindo
na pia, as vozes fracas que se mostravam de longe, as
crianças brincando, o vento às vezes fraco e outras
forte? Improvisar foi o que fizeram! Várias alternativas
para cada som, cada um apresentava uma possibilidade
e juntos decidiram o que seria utilizado.

161
Depois de feitas as escolhas, seguindo o roteiro
montado pelo grupo, ensaios e avaliações referentes a
forma em que o trabalho se apresentava. Gravaram a
paisagem sonora criada pelo grupo, ouviram algumas
vezes, uma nova avaliação foi feita, a partir daí novas
experimentações e ensaios. A última versão foi gravada,
depois de algumas avaliações a gravação permaneceu.

RESULTADOS

A partir da análise dos questionários que foram


respondidos, no primeiro e no último encontro,
juntamente com o acompanhamento das atividades
executadas foi possível de forma concreta avaliar o
desenvolvimento do grupo de educandos.

A percepção sonora, de todo o grupo, avançou


de forma significativa. Eles conseguiram durante o
processo ouvir melhor a paisagem sonora que os

162
acompanha diariamente. Mais elementos sonoros foram
identificados, sendo que alguns desses são sons que não
se apresentam em primeiro plano, mas, quase são
sufocados pelos sons mais fortes. Uma educanda
relatando, no questionário final, os sons cotidianos que
ouve declarou “Eu ouço o barulho da energia dos
postes...”, isso significou o aumento da sensibilidade
sonora, pois em meio a gama de sons nas ruas a maioria
das pessoas não consegue ouvir este som. Gohn afirma
que “Quando há um aprendizado mais amplo, em que o
aprendiz não se preocupa apenas na reprodução da
experiência, mas é capacitado a gerar suas próprias
experiências, o aprendizado é qualitativo.” (GOHN,
2003, p. 35)

De maneira clara este trabalho possibilitou um


avanço na forma, individual e coletiva, de entender e
pensar o entorno sonoro e conseqüentemente construir
um entendimento a respeito de paisagem sonora, não
apenas como mais um conjunto de elementos presentes
no cotidiano, mas, como possibilidades de criação
artística.

163
Além disso, os educandos estabeleceram
maneiras de se relacionar uns com os outros na busca de
repostas e soluções para as propostas que foram feitas, o
que possibilitou o crescimento coletivo do grupo, nas
relações humanas. Verificou-se, então, um trabalho
voltado para a humanização do processo de construção
do conhecimento.
As atividades de percepção do ambiente sonoro tiveram
grande crescimento desde o primeiro encontro, visto que
inicialmente o que eles ouviam eram os sons que se
destacavam. No decorrer do trabalho eles atingiram um
nível maior de sensibilidade, com os ouvidos mais
perceptivos, eles já escutavam sons que, geralmente,
não são ouvidos conscientemente, por exemplo a caneta
escrevendo no papel, a respiração, o movimento da
mão.
Visto que a sensibilização é uma necessidade
evidente na arte-educação, pode-se afirmar, partindo
deste contexto de pesquisa, que as práticas pedagógicas
de improvisação com paisagem sonora apresentam uma
real possibilidade de sensibilização sonora.

164
Por meio desta pesquisa-ação também percebe-
se a possibilidade de desenvolvimento da escuta para
um nível consciente. Durante todo o processo verificou-
se a formação de pensamentos críticos em relação ao
que estavam realizando e atitudes humanizadoras, com
respeito a diversidade, as opiniões do grupo, discutindo,
debatendo e definindo cada ação realizada.

Referências

BECKER, Rosane Nunes. Musicalização:da descoberta


à consciência rítmica e sonora.Ijuí: UNIJUÍ,1989.

BERNARDO, Adriano; VOROBOW, Carlos. A


revolução de Koellreutter. FOLHA MAIS: São Paulo,
Domingo, 07 de Novembro de 1999.

BRITO, Teca Alencar. Koellreutter educador: O


humano como objetivo da educação Musical. São Paulo:
Peirópolis, 2001.

165
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
22ª ed, 1996.

GAINZA, Violeta Hemsy. Estudos de psicopedagogia


musical. Trad. Beatriz A. Cannabrava. São Paulo:
Summus, 1988.

GOHN, Daniel. Auto-aprendizagem musical:


alternativas tecnológicas. São Paulo: Annablume /
Fapesp, 2003.

HENTSCHKE, Liane; DEL BEN, Luciana,


organizadoras. Ensino de música: propostas para pensar
e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, 2003.

166
KOELLREUTTER, Hans-Joachim. Terminologia de
uma nova estética da música. Porto Alegre: Movimento,
1990.

SANTOS, Fátima Carneiro. Por uma escuta nômade: a


musica dos sons da rua. São Paulo: EDUC, 2002.

SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Trad.


Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da
Silva, Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1991.

______________. A afinação do mundo: uma


exploração pioneira pela história passada e pelo atual
estado do mais negligenciado aspecto do nosso
ambiente: a paisagem sonora. Trad. Marisa Trench
Fonterrada. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São


Paulo: Martins Fontes, 1989.

167
TEATRO E EDUCAÇÃO: DIFICULDADES DE
CONQUISTAR ESSA RELAÇÃO NA ESCOLA
PÚBLICA PARANAENSE

Autoria: Everton Ribeiro (Eevee)


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba – PR20

A categoria de Teatro-Educação é muito recente


no Brasil, mas sua reivindicação já era projetada desde a
década de 1950 – na verdade, mais precisamente em
1948, quando foi criado o Movimento Escolinha de
Artes pelo pernambucano Augusto Rodrigues. Se
pensarmos que o próprio termo arte-educação só passou
a ser empregado com a proposta da Lei 5.692/71, o
firmamento da relação do Teatro – como área de
conhecimento – e a educação ainda levou certo tempo21.

20
É Bacharel em Artes Cênicas e Licenciando em Teatro pela
Faculdade de Artes do Paraná. Atua como professor de Arte
na Rede Estadual de Ensino desde 2007. Este trabalho iniciou
como pesquisa na disciplina Fundamentos do Ensino do
Teatro no ano de 2008, no curso de Licenciatura em Teatro,
sob orientação da Professora Ms. Juliana Cavassin.
21
A nomenclatura Pedagogia no Teatro, por exemplo,
utilizada num GT na ABRACE, tenta ampliar as
possibilidades de pesquisa do Teatro como área de

168
Com a articulação, principalmente, de Ana Mae
Barbosa, Noemia Varela e Ingrid Koudela, as
reivindicações pelo Teatro-Educação combatiam o
“ensino de arte modernista” e apontavam para uma
necessidade de discussão estética e filosófica que
fundamentasse a Arte-Educação como uma categoria de
ensino. A abordagem pedagógica estética (ou
essencialista) do teatro na educação transpõe a arte ao
currículo das escolas pela relevância de seu conteúdo
para a formação cultural do aluno, combatendo uma
abordagem instrumental em que o teatro serviria para
pensar outras disciplinas com base em encenações para
a assimilação de conteúdos diversos (JAPIASSU, 2005,
p. 29-30).

conhecimento. Para Koudela, esta perspectiva dá maior


amplitude à epistemologia do teatro acreditando que “a
relação entre o teatro e a educação tem um largo potencial,
podendo ser desenvolvida em diferentes contextos”
(KOUDELA, 2006, p. 125). É importante ressaltar que o
próprio firmamento de uma área de conhecimento depende da
reunião de terminologias que a compõem, conforme enfatiza
Koudela, em sua pesquisa, ao citar o dicionário alemão
Wörtebuch der Theaterpädagogik, publicado em 2003, o que
evidencia quão a relação teatro e educação ainda é muito
recente enquanto área de conhecimento.

169
A partir do histórico dessas reivindicações, o
presente artigo pretende fazer uma reflexão de como o
ensino do teatro na escola tem acontecido atualmente e,
para isso, tomará como objeto de análise dois colégios
públicos do estado do Paraná, situados no município de
Colombo22, Região Metropolitana de Curitiba, nos quais
o pesquisador desenvolveu atividades práticas no que se
refere ao ensino do Teatro.
A categorização da Arte nas quatro áreas (Artes
Visuais, Dança, Música e Teatro) culminou numa
formação de professor com habilitação específica em
uma destas áreas para não incorrer na superficialidade
construída nas antigas formações em Educação Artística
em que o professor acabava sempre se sentindo mais à
vontade em trabalhar com as Artes Plásticas. Essa visão
de que Arte é desenhar e colorir, por exemplo, ainda
está impregnada no ambiente escolar e, ao que parece,
ainda serão precisos alguns anos de trabalho para que o
corpo docente e os alunos consigam perceber a arte em
suas quatro áreas de conhecimento.

22
Os nomes dos colégios são: Colégio Estadual Dom João
Bosco (Jardim Guadalajara) e Colégio Estadual Helena
Kolody (Jardim Monza), ambos em Colombo.

170
Até a criação da Lei 9.394/96, a inclusão da arte
no currículo escolar, com o título de Educação Artística,
era tida como “atividade educativa” e não como uma
disciplina. Isso acabou balizando as aulas em uma
aprendizagem reprodutiva, cuja qualidade dos saberes
inerentes à arte se esvaiu. Somente com a nova Lei que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional é
que o ensino da arte se tornou obrigatório e deixou, em
partes, de ser visto como uma atividade, um mero “fazer
por fazer”.
Mesmo com toda a luta pela conquista da Arte
(em suas quatro linguagens) como área do
conhecimento, o professor ainda enfrenta dificuldades
para desenvolver seu ensino de forma concentrada na
área de formação. No caso do Teatro, por exemplo, um
espaço apropriado para o desenvolvimento de atividades
práticas é ainda algo muito distante das possibilidades
de uma escola pública. “Desconfigurar” a sala de aula é,
quase sempre, a única possibilidade de realizar as
experimentações práticas. Isso já foi incorporado pelo
professor de tal forma que não há nenhum esforço em
reivindicar na escola um outro espaço para a condução

171
das aulas. “Perder” uma sala de aula para transformá-la
em um espaço próprio para a prática teatral é superlotar
outras turmas. Dessa forma, são necessárias novas
medidas públicas que pensem o espaço físico da escola,
pois esta discussão envolve questões burocráticas que
muitas vezes fogem ao controle do diretor da
instituição. Alcançar a concepção de espaço trazida
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte
(Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental) em
que o ambiente deve trazer a “marca pessoal do
professor (...) incluindo a participação dos alunos nessa
proposta” (PCN, p. 97), fica quase improvável. O Livro
Didático Público de Arte do estado do Paraná possui um
capítulo intitulado Afastem as carteiras, o teatro chegou
– autoria de Marcelo Cabarrão Santos23 – que explicita
essa dificuldade de certa forma instaurada.
É claro que não se pode deixar de fazer Teatro
na escola por não se ter um espaço apropriado. Dentro
das possibilidades da sala de aula o professor deve
continuar fazendo o teatro conforme os objetivos

23
Secretaria de Estado da Educação (SEED). Arte: ensino
médio. Curitiba, p. 288-301, 2006.

172
estudados ao longo da faculdade. Será? A surpresa
ainda um tanto quanto infundada das Diretrizes
Curriculares de Arte para a Educação Básica (2007) é
que o professor, mesmo trabalhando os conhecimentos
de sua área de formação, deve fazer relações com as
outras áreas artísticas para que o aluno perceba “o
conhecimento em arte produzido historicamente pela
humanidade” (DCN, p. 19, 2007). Não se pretende aqui
desmerecer a proposta da Diretriz Curricular, mas, neste
aspecto, sua visualização só parece realmente atraente
no papel. Infelizmente, para realizar todos esses
desdobramentos o professor deve ter um contato
mínimo com cada uma das quatro áreas para não
retornar ao trabalho “mais ou menos” ou do “fazer pelo
fazer” como na época da Educação Artística. Há várias
hipóteses de como conseguir dialogar entre todas as
linguagens, mas não há uma maneira em que este
diálogo não seja imaturo ou primário.
A preocupação descrita no presente artigo no
que concerne esse diálogo entre as áreas artísticas é
globalizar as atividades propostas em sala de aula, não
numa instância interdisciplinar, mas polivalente. É o

173
que Ana Mae expõe a Olga Reverbel ao escrever o
prefácio de Um caminho do teatro na escola: “Você não
pretende dar tudo, nem sequer o essencial que o aluno
precisa para aprender artes plásticas, dança, música etc.,
mas somente aquilo de que ele necessita em cada uma
dessas áreas para aprender teatro. Esse ‘aprender’
poderia até ser definido como disposição para conhecer
e fazer” (REVERBEL, 1989, p. 10). O instrumental e a
forma interdisciplinar de encarar esse diálogo entre as
áreas não parecem claros nas Diretrizes Curriculares de
Arte para a Educação Básica.
Com todas essas dificuldades para que haja um
ensino do teatro sólido na escola pública paranaense, há
ainda um aspecto crucial para que as aulas não sejam
conduzidas num modelo estável: o espaço da Arte na
matriz curricular. Conforme as Instruções nº 04/2005 e
15/2006 SUED/SEED, a distribuição de aulas tanto no
Ensino Fundamental quanto no Médio deverão
contemplar de duas a quatro horas-aula semanais
referente às disciplinas da matriz curricular. As
instruções, ainda, deixam claro que essa distribuição
“deverá obedecer ao princípio da eqüidade, uma vez que

174
não há fundamento legal ou científico que sustente a
prevalência de uma disciplina sobre a outra”
(PARANÁ, 2006, p. 2). Essa distribuição, porém, ainda
não acontece de forma equilibrada quando se trata da
disciplina de Arte: o mínimo de duas horas-aula sempre
recai no ideal, independente da série. Da mesma forma
que sempre foi uma hora-aula na época da Educação
Artística. São raros os estabelecimentos que percebem a
importância de igualar a distribuição na matriz
curricular. Escolas com três aulas de Arte por semana
são raríssimas, com quatro, então, nunca se ouviu falar.
Esse espaço cada vez mais distante da Arte na grade
curricular pode estar justamente atrelado ao perigo a que
ela expõe a formatação dos estabelecimentos de ensino
públicos. Esse perigo já havia sido previsto por
Duborgel quando este reflete que a imaginação no
âmbito escolar pode denotar transgressão de regras, de
desvirtuamento dos imperativos previstos pelo ato
pedagógico. “Dever-se-á, portanto, quer contradizê-la,
substituindo-a por tipos de actividades baseados na
atenção, na vontade, no real e no raciocínio, quer
exercê-la, alimentando-a de uma substância expurgada

175
de ‘perigosidade’” (DUBORGEL, 1992, p. 241). Como
a Arte incita a imaginação do educando, pode estar aí
uma possível leitura de seu espaço no ambiente escolar
ainda ser tão limitado.
Com este relato de experiência aliado a
documentos e legislações importantes, pode-se perceber
que o caminho do ensino da arte na escola pública
necessita de que os novos arte-educadores estejam
também bastante sintonizados nestas questões antes de
adentrarem as salas de aula da escola pública. A única
forma de modificarmos esta realidade é existindo uma
sustentação de profissionais de uma área com muitas
vitórias, mas que ainda precisa de muitas lutas para
alcançar um modelo de qualidade de ensino. A relação
com o teatro e a educação já existe sim na escola
pública: timidamente, mas existe. Há, por parte da
iniciativa pública, interesse em ampliar a construção de
conhecimento em Arte, com a implementação de
programas como o Viva a Escola24. O que não se pode,

24
O Programa Viva a Escola, criado e implementado pela
Secretaria de Estado da Educação, em 2008, visa a expansão
de atividades pedagógicas realizadas na escola como
complementação curricular, vinculadas ao Projeto Político

176
no entanto, é contentar-se com o que é imposto de
forma velada, para não tornar os profissionais da área
condizentes com a idéia de Arte como uma disciplina
“menos séria”.

REFERÊNCIAS

BIANCHINI, Marcos Daniel. Um certo olhar sobre o


teatro-educação. Curitiba: [s.n.], 2001.

BRASIL. Lei n. 5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa


diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus, e dá
outras providências. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 ago. 1971.
Disponível em: <www.jusbrasil.com.br>. Acesso em:
14/04/2009.

Pedagógico, a fim de atender às especificidades da formação


do aluno e de sua realidade. Um dos quatro núcleos de
conhecimento contemplados neste programa é o Expressivo-
Corporal que engloba, além de teatro, dança, esporte, luta,
brincadeiras e jogos.

177
BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14/04/2009.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. 2. ed. Brasília:
DP & A, 2000.

DUARTE JUNIOR, João-Francisco. Por que arte-


educação?. Campinas, SP: Papirus, 1983.

DUBORGEL, Bruno. Imaginário e Pedagogia. Trad.


Maria João Batalha Reis. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino de teatro.


4. ed. Campinas: Papirus, 2005.

KOUDELA, Ingrid. Pedagogia do Teatro. In:


CONGRESSO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
EM ARTES CÊNICAS, 4., 2006, Rio de Janeiro. Anais

178
do IV Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em
Artes Cênicas (Memória ABRACE X). Rio de
Janeiro: UNIRIO, 2006, p. 124-125.

PARANÁ. Instrução n. 04, de 08 de novembro de 2005.


Instrui os estabelecimentos de ensino da Rede Pública
Estadual a elaborar nova Matriz Curricular para o
Ensino Fundamental e Médio (regular), com
implantação a partir do ano letivo de 2006, de forma
simultânea. Superintendência da Educação, Curitiba,
PR, 08 nov. 2005. Disponível em:
<http://www.diaadia.pr.gov.br>. Acesso em:
20/04/2009.

PARANÁ. Instrução n. 15, de 28 de novembro de 2006.


Instrui os estabelecimentos da Rede Pública Estadual de
Ensino, que ofertam Ensino Médio e Ensino Médio
Integrado à Educação Profissional, sobre a elaboração
de nova Matriz Curricular, com implantação a partir do
ano letivo de 2007, de forma simultânea.
Superintendência da Educação, Curitiba, PR, 28 nov.

179
2006. Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br>.
Acesso em: 20/04/2009.

REVERBEL, Olga. Um caminho do teatro na escola.


São Paulo: Scipione, 1989.

Secretaria de Estado da Educação (SEED). Arte: ensino


médio. Curitiba, 2006. (Livro didático público do
Paraná)

Secretaria de Estado da Educação (SEED). Diretrizes


Curriculares do Estado do Paraná. Curitiba, 2007.

180
UMA ANÁLISE DO CURRÍCULO DO CURSO DE
LICENCIATURA EM TEATRO DA FACULDADE
DE ARTES DO PARANÁ: ENTRE A FORMAÇÃO
ACADÊMICA E A PRÁTICA PROFISSIONAL DE
ALUNOS EGRESSOS.

Autoria: Cléber Pereira Borges25,


Cristiane dos Santos Souza26

Palavras-chave: Educação. Docência. Polivalência.

O presente artigo é o resultado de estudos do


atual currículo do curso de Licenciatura em Teatro da
Faculdade de Artes do Paraná (FAP), em Curitiba.
Relata os resultados de uma pesquisa pedagógica por
meio de comparações e entrevistas. Visa contribuir nas
discussões que envolvem as questões de currículo
dentro da FAP e refletir a importância de se pensar na

25
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis-
SC
26
Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-PR

181
organização de novos modelos para o curso. Criar um
material escrito sobre a atuação profissional de alunos
egressos, procurando diminuir a distância existente
entre os profissionais da cultura acadêmica e os demais
que estão dentro das escolas educando pessoas.
O trabalho aconteceu de três modos: estudo
teórico de currículo, análise de matrizes curriculares
diversas e os questionários encaminhados por correio
eletrônico aos alunos já licenciados pela FAP (os
egressos). Foi recebido cerca de 24% dos questionários
respondidos de um total de 43 encaminhados. Os
entrevistados foram designados por letras de A a J a fim
de manter suas identidades preservadas.
O resultado mais importante consolida-se na
redação de um artigo científico interessado em apurar o
quão o atual modelo do Projeto Pedagógico do curso em
questão atende à formação docente de seus graduandos.
Assim sendo, restou-me claro que o atual modelo
adotado pela FAP necessita de reformulação para
atender a uma melhoria educacional.
Alguns relatos de egressos apontam para um
formato extracurricular do ensino do teatro dentro da

182
escola e a sua necessária atuação polivalente. Há muito
por se fazer nesse aspecto, mas espero, com esse artigo,
contribuir um pouco com essa discussão fundamental
para os estudantes e profissionais do ensino do teatro,
pois é de suma importância uma mudança de paradigma
pedagógico nas escolas e entender que professor de
teatro não é professor de educação artística como se
entendia num passado recente.

183
POSSÍVEIS CAMINHOS: UMA ANÁLISE DO
TRABALHO COM TEATRO NA REDE
MUNICIPAL DE ENSINO DE CURITIBA.

Autoria: Francieli Benedetti


Faculdade de artes do Paraná Curitiba, PR.

O tecer deste texto vem se fazendo com o


objetivo de efetivar o projeto do PIC na linha de
Pesquisa Arte e Ensino; porém é impreterível lembrar
que esta pesquisa e, portanto, o texto se encontra em
processo. O estudo a ser desenvolvido parte da análise
do ensino do Teatro na educação dentro da Rede
Municipal de Ensino de Curitiba - RMEC27, no Estado
do Paraná. Portanto busca responder certas indagações
que ainda repercutem nos ouvidos de quem pensa o
ensino do teatro como linguagem especifica e busca
efetivar as linguagens artísticas como instrumento de
uma política educacional eficaz.

27
RMEC o mesmo que Rede Municipal de Ensino de Curitiba

184
A autora a desenvolver o estudo, sendo
professora do Município de Curitiba e também aluna do
curso de Licenciatura em Teatro da FAP, sentiu a
necessidade de registrar e pesquisar como as professoras
que participam de um curso de formação continuada,
Estudos em Teatro e Dança, o qual acontece há três
anos, reelaboram e articulam as experiências e
discussões que são vivenciadas neste com a prática
pedagógica.
Levando em consideração que muitas
abordagens pedagógicas já foram registradas vindo a
fortalecer o teatro-educação28; e de que um dos
objetivos da formação continuada oferecida pela
Secretaria de Educação de Curitiba é levar essas
metodologias do ensino teatral, discutidas e analisadas
nas instituições acadêmicas; o presente estudo vem
tentar perceber se a formação dada aos professores
municipais vem contribuir para o entendimento do
teatro como uma linguagem artística singular para o
desenvolvimento cultural e crescimento pessoal do ser

28
JAPIASSU. Ricardo Ottoni Vaz. Metodologia do Ensino do
Teatro.Campinas: Papirus, 2001.

185
humano, deixando de lado a visão contextualista e
instrumental do teatro. 29
Trata-se de tentar compartilhar as experiências
pedagógicas e analisar se estas se efetivam no âmbito da
educação escolar; dessa forma se tentará descrever
apreciar e discutir as práticas ligadas ao ensino do
teatro.
Sabemos que o percurso do teatro, na educação,
no Brasil é de longo tempo, desde que os jesuítas, no
século XVI, utilizavam o teatro como meio educacional.
Porém o termo teatro-educação e um novo olhar do
teatro inserido no ambiente escolar é bem recentes:

A partir da segunda
metade do século XX, com o
fortalecimento de uma
educação através da arte
(READ 1977), o teatro e a sua
dimensão pedagógica
começaram a ser pensados na
educação escolar de um ponto
de vista que ambicionava
superar as limitações de seu
uso exclusivamente
instrumental, isto é, como

29
Idem 2.

186
“ferramenta”, “instrumento”
ou “método” para o ensino dos
conteúdos extrateatrais. 30

Esta nova concepção de teatro na educação se


inicia na década de 60 e envolve um grupo de
educadores da cidade de São Paulo, que influenciados
pela abertura ao ensino da arte, propiciado pelo
movimento Escola Nova no Brasil, da década de 30,
surgiram com novas propostas metodológicas que se
opunham a maneira tradicional de se fazer teatro na
escola, ou seja, aquele teatro ligado a comemorações e
festividades Esses educadores faziam parte da chamada
Escolinha de arte do Brasil e grande foi a contribuição a
divulgação de seu ideário para o ensino da arte no país.
31

Mas é com o advento da lei 5692/71 que o


teatro começa a fazer parte do currículo oficial, assim,

30
Idem 2
31
MARTINS, F.N.M. Teatro-educação no Brasil:uma
contribuição historiográfica. São Paulo, 2004
Dissertação de Mestrado (mestrado em Educação) –
Área de Linguagem e Educação. P.84,85.

187
passa a ser uma das atividades da disciplina de
Educação Artística. Com a necessidade de habilitar
professores a escolinha de Arte do Brasil e outras
instituições pioneiras, juntamente com a secretaria de
estado, passam a habilitar professores para dar aulas de
teatro nas escolas:

Com a promulgação
da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei
4024/61) apresentou-se a
carência de pessoal para
ministrar as práticas
educativas, dentre elas as
Artes Cênicas. Surgiu o
primeiro curso de formação do
professor, ofertado pelo
conservatório de Teatro... 32

Surge, portanto, a necessidade do currículo dos


cursos de formação do professor de Teatro ser pensado.
A partir desse ponto muito já se foi refletido,
pensado, avaliado e mudado, porém não é objeto desta

32
SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e Formação
de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.p.81

188
pesquisa a descrição esmiuçada do currículo pertencente
aos cursos de formação do professor que leciona teatro,
mas se faz essencial entender o quanto a estrutura
curricular dos cursos de formação do profissional em
questão – o professor de teatro – e também, o como é
implantado o ensino da arte vem delinear ainda hoje, os
desenhos da realidade do ensino do teatro nas
instituições escolares.
No que tange a formação do professor o ensino
da arte vem caminhando a passos lentos, pois quando o
foco é este, as políticas públicas apresentam, como
coloca Arão Paranaguá Santana, certa timidez. No
entanto, é necessário dizer que um certo renascimento
no ensino da arte vem acontecendo a partir da década de
90:
Após três décadas
construindo sua história a
duras penas, já é possível
consolidar uma outra
narrativa sobre o ensino do
teatro, da dança, das Artes
Visuais ou da Musica; sobre
as possibilidades geradas
pelas experiências integradas
desenvolvidas em algumas
universidades; sobre os

189
processos teóricos e
metodológicos propiciados
pela pesquisa especializada;
sobre avaliação e
readaptação de planos ou
projetos pedagógicos em
artes; enfim, sobre todo o
cenário que, embora longe de
ser uma regra nas escolas
brasileiras, dá sinais
alvissareiros em meio à crise
da educação. 33

Podemos dizer que a o ensino da arte na Rede


Municipal de Ensino de Curitiba se inclui dentro do
pensamento apresentado no parágrafo anterior. Pois
vem tentando viabilizar, dentro de uma realidade de
percalços e obstáculos um efetivo ensino da arte e, por
conseguinte, inserir a linguagem do Teatro.
A RMEC assegura o ensino da arte como
componente curricular obrigatório de forma a promover
o desenvolvimento do aluno dentro da disciplina de
Educação Artística34 .

33
SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e Formação
de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.p.8
34
Instrução nº. 14/2004 do DIE/CDE/SEED. (DIE -
departamento de Infra- Estrutura: CDE - Coordenação de

190
Com a mudança que vem acontecendo no
ensino da Arte e com as propostas dos Parâmetros
Curriculares Nacionais/ PCN, as instituições e os órgãos
de poder publico tiveram de repensar e apontar os
caminhos e diretrizes, Nos fundamentos teóricos e
metodológicos para o ensino da Arte, dentro das
diretrizes Curriculares para Educação Municipal de
Curitiba temos:
...è necessário
repensar um ensino da arte
que propicie ao estudante o
desenvolvimento do
pensamento estético voltado a
essa diversidade, de forma a
promover o pensamento
reflexivo, não só em relação
às formas artísticas, mas
também no sentido de
compreender as relações de
produção artística e cultural
como produto das relações

Documentação Escolar: SEED – Secretaria de Estado da


Educação) com código especifico na disciplina de nº0701
cadastrado no SERE( Sistema Estadual de Registro Escolar).
In:DIRETRIZES CURRICULARES para a Educação
Municipal de Curitiba.Secretaria Municipal de Educação,
v.3.In:Ensino da Arte

191
sociais e da individualidade
do artista. 35

As diretrizes dizem que o ensino da arte deve


contemplar o estudo das artes visuais, da dança da
musica e do teatro, assim como propõe os PCN’s. A
concepção de que o ensino da arte deve trabalhar as
quatro linguagens já referidas levanta uma das questões
ainda bastante discutidas: a formação do professor.
O fato é que a equipe pedagógica da maioria das
escolas, seguindo o que é apresentado nas diretrizes
curriculares, exige que o professor trabalhe todas as
linguagens, motivo de grande confusão e queixas de
professores da rede Municipal de Ensino de Curitiba,
pois a maior parte dos professores que trabalham com o
ensino da arte, não tem formação em arte, são formados
em pedagogia ou outras áreas - e aqueles que têm
formação, na maioria são habilitados em uma única
linguagem sendo a de maior incidência, na rede, a de
Artes Visuais.

35
DIRETRIZES CURRICULARES para a Educação
Municipal de Curitiba.Secretaria Municipal de Educação,
v.3.In:Ensino da Arte, 2006.p.87

192
A partir deste contexto percebe-se que a grande
primeira dificuldade da RMEC, no que se refere ao
ensino da Arte, está relacionada com a formação de
professores. É pensando nisso que a equipe que
coordena o ensino de Arte dentro da Rede Municipal de
Ensino procura oferecer a formação continuada em
todas as linguagens artísticas.
Foi percebido, pela equipe de Artes da
secretaria de Educação de Curitiba, que pouquíssimos
professores trabalhavam com a dança a música e o
teatro, sendo assim, vários cursos foram criados para dar
subsídios para que os professores pudessem desenvolver
essas outras linguagens artísticas para que o ensino da
arte não ficasse delimitado apenas as artes visuais.
Tratando-se do teatro foi criado pela
coordenadora da equipe, responsável pelo ensino do
teatro e da dança, um curso intitulado Estudos em
Teatro e Dança, este acontece quinzenalmente à noite.
Participam deste grupo todos os professores que tem
interesse em trabalhar o teatro na sala de aula, o grupo
acontece há três anos e tem como ministrantes, até o
presente momento, professores da FAP – Faculdade de

193
artes do Paraná. Além de dar formação aos professores
da Rede Municipal de Ensino de Curitiba o curso
apresenta um elo entre o espaço da faculdade, única
instituição no Estado do Paraná que apresenta o curso
de Licenciatura em Teatro, com uma das realidades do
ensino do teatro na escola.
Na trajetória construtiva de uma linguagem
própria o ensino do teatro foi se edificando a partir de
pesquisas que buscam metodologias que foram testadas
no âmbito da educação, podemos lembrar aqui a
Terapêutica psicodramática de Moreno;A teoria da peça
didática de Brecht, baseada no modelo de ação;A
abordagem Anglo-saxônica do drama de Peter Slade e o
sistema de jogos de Viola Spolin, dentre outros. Arão
Paranaguá Santana já nos diz:

O ensino do Teatro na
educação escolarizada conta
hoje em dia com propostas
assentadas em teorias e
metodologias amplamente
testadas, possuindo múltiplas
vertentes, matizes e focos,
pessoas e centros de pesquisa
divulgando os saberes

194
construídos, bem como
segmentos organizados e
representativos de suas
potencialidades produtivas,
podendo, enfim firmar-se em
esteio próprio, sem que
precise amparar-se em
campos alheios. 36

Tendo consciência do que nos apresenta a


citação acima, a equipe de Artes da Rede Municipal de
Ensino de Curitiba, busca com a formação continuadas
dos professores tentarem contribuir para efetivas
intervenções pedagógicas no que tange o ensino do
teatro.
Portanto neste texto tentaremos mapear e
refletir as características da prática teatral nas escolas
municipais de Curitiba, levando em consideração o
campo de possibilidades do professor de teatro de escola
pública, e analisar as metodologias que esse espaço
resguarda e como as metodologias vivenciadas pelas

36
SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e Formação
de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.p.11.

195
professoras podem ser transformadas ou incorporadas
na realidade de sua escola contribuindo para criar um
espaço de aprendizagem dando continuidade ou não ao
firmamento das praticas teatrais na escola.
Por ora, a titulo de considerações parciais, foi
possível observar no decorrer do presente estudo, que a
concepção de ensino da arte da rede de ensino do
município de Curitiba tem uma preocupação de fazer
um trabalho efetivo com o ensino do teatro, dando
subsídios, através das propostas pedagógicas que até
então se firmaram no teatro-educação; porém que existe
um percalço no ensino da Arte que a não formação
especifica do professor que trabalha com o teatro.
A partir da continuidade do processo de
pesquisa tentaremos perceber através de estudo de
campo, participando do curso de como as professoras
vem articulando as vivências experenciadas na
formação e se elas contribuem para a prática de ensino
de teatro, além de buscar perceber como isso vem a
contribuir ou não para o trabalho com teatro no espaço
escolar.

196
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIRETRIZES CURRICULARES para a


Educação Municipal de Curitiba. Secretaria Municipal
de Educação, v.3. In: Ensino da Arte, 2006.

JAPIASSU. Ricardo Ottoni Vaz. Metodologia


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Dissertação de Mestrado (mestrado em Educação) –
Área de Linguagem e Educação.

SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e


Formação de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.

197
DANÇA

198
APRENDER INVESTIGANDO: A EDUCAÇÃO
EM DANÇA É CRIAÇÃO COMPARTILHADA

Autoria: Gladis Tripadalli


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba/PR.

Objetivos:
Refletir sobre os modos de aprendizado em dança.
Aproximar a educação e a criação em dança,
apresentando, desse modo, a experiência da
investigação como estratégia operacional do
aprendizado na produção de diferenciados modos de
operar em dança. Formular a investigação em dança a
partir da aproximação com as ideias de Charles Peirce
no que se refere ao seu entendimento da dúvida,
abdução e mudança de hábitos. Apresentar a educação
em dança como acordos compartilhados de
criação/investigação.

Métodos e Resultados:

199
Quando um corpo se move em dança, há todo um
mundo que se move em torno e com ele. Antes que se
possa pensar em uma visão romântica e alienada (oh, o
mundo se move quando um corpo dança!), o que se quer
dizer aqui é que o corpo que dança não se move
sozinho. Para que um corpo crie movimento, um mundo
de relações se estabelece. São acordos múltiplos,
plurais, que se tecem entre o corpo (que por si só já é
um conjunto plural) e o ambiente que também se dobra
e desdobra em contextos que orbitam em torno de
danças sígnicas e participam dela. Quando se fala em
dobra e desdobra, podemos ainda recuperar a ideia da
plique (dobra) grega. Dobrar e desdobrar, a partir daí,
significa complicar, complexificar e explicar relações
que o corpo e o ambiente estabelecem. Estamos falando
de um corpo que problematiza os seus relacionamentos
com o ambiente e busca soluções no próprio mover-se.
Assim, aprender dança precisa ir além da transmissão,
recepção e reprodução de movimentos prontos.
Transmitir, receber e reproduzir seria apenas assimilar
um problema criado a priori, com uma solução já
pronta. Qual seria o sentido de dançar se fosse apenas
para replicar problemas ulteriores e resolvidos?
Deslocar um problema e sua solução de um tempo e

200
espaço determinados a outro tempo e espaço que já
foram modificados pela ventania do tempo nada mais
seria do que transpor fórmulas que não podem mais dar
conta de “complicar” e “explicar” um ambiente que já é
outro. A problemática desse estudo situa-se na
percepção de que os processos educacionais se
encontram separados dos processos criativos. O corpo,
quando está aprendendo algum movimento, não poderia,
supostamente, estar criando de modo simultâneo. Dessa
forma, o que move esta pesquisa também parte da
constatação de que os estudos sobre a investigação em
dança reproduziam a noção de que a mesma ocorria
como um artifício para se criar dança, completamente
distante do entendimento de um modo de operar do
corpo. Mas a investigação é da natureza do corpo. Ficou
claro que os entendimentos equivocados não tratavam a
investigação em dança como uma ação cognitiva do
corpo, uma operacionalidade como modo de raciocínio
lógico desse corpo, segundo Peirce (2005), mas como
um recurso utilizado pelo corpo, uma espécie de
acionamento que ocorre a partir de um ponto zero, como
se o corpo pudesse se reiniciar. Dentro dessa
perspectiva, os procedimentos metodológicos utilizados
na dança apresentam-se distorcidos, dentro de um vício

201
que se alastra em uníssono quando o assunto é aprender
a dançar. Trata-se de um entendimento estabilizado ao
longo do tempo e fundamentado na separação entre
corpo e mente, teoria e prática. Um discurso produtor de
informações continuamente replicadas e gerador de
impropriedades no ensino da dança quando reforça a
noção de que o corpo é um recipiente onde as
informações entram e saem e, que, no caso da dança
como informações “mágicas”, que fazem o corpo
dançar. Na contramão dessas ideias, esse estudo,
constrói o entendimento de que a educação é processo
de criação compartilhada e resulta da experiência da
investigação, que se apresenta como um procedimento
operacional do aprendizado. Como o corpo pode
problematizar e produzir soluções (com o saber e o
sabor da provisoriedade delas) para suas questões no
momento em que elas emergem pode ser considerado
uma das molas propulsoras desse trabalho, cuja intenção
é mover o pensamento (e isso inclui, evidentemente,
considerar que o movimento é pensamento) em direção
a uma reflexão sobre acordos como processos de
aprendizados coletivos, partilhados. Mover e comover:
eis os propósitos. Antes que se pense novamente na
acepção romântica da palavra “comover”, usada muitas

202
vezes no sentido de emocionar, a “comoção” nada mais
é do que um convite a “mover com”. Porque o corpo
não se move sozinho; tampouco a história do
pensamento. Sim se trata de movimento em dança, mas
esse movimento não é estanque e separado de seu
ambiente; por isso, é preciso também comover, mover
com outras leituras, experimentando outros modos, a
roda viva, tecendo juntas a teoria e a prática sem a
menor possibilidade de separação: é a dança. A dança
ocorre por acordos que emergem das relações entre
informações, negociações e contaminações entre corpo
e ambiente e que resultam de produção coletiva de
dança. A educação como processo de criação
compartilhada produz modos particulares de se fazer
dança. A educação que é criação/investigação exerce
sua aplicabilidade no entendimento de que “ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para
a sua própria produção ou construção” (FREIRE, 2007,
p. 47). É na possibilidade de elaborar informação que
criar e educar se conectam e se tornam indissociáveis.
Elaborar informação implica uma construção
processual, porque o conhecimento não está pronto,
uma vez que a investigação ocorre em simultaneidade à
construção e ambas se dão na experiência. Para

203
construir a ideia de educação como acordos
compartilhados de criação, o estudo se organiza em
duas partes: na primeira, o processo educacional será
formulado como acordos compartilhados, na segunda, a
criação emerge da experiência de investigação. Na
primeira parte, a ideia de acordo é elaborada junto à
noção de educação problematizadora defendida por
Paulo Freire. A educação que acontece como práxis,
como intervenção crítica e criativa: “a práxis, porém, é
reflexão e ação dos homens sobre o mundo para
transformá-lo” (FREIRE, 2005, p.42). Os acordos são
definidos também a partir da noção de aprendizagem,
rebatizada por Hugo Assmann como um estado de
aprendência: o estado de estar em processo permanente
de aprender é inerente ao processo co-evolutivo entre
corpo e ambiente; por isso, indissociável da dinâmica do
vivo. Os acordos de dança não são diferentes, emergem
das tentativas e adaptações do corpo, que, em estado
permanente de investigação, estabelece relações com o
ambiente, produzindo e comunicando
ideias/movimentos. E para tentar resolver a questão do
compartilhamento, como característica da investigação-
criação, o estudo se articula com a ideia de semiose
entendida por Charles Peirce. É na compreensão do

204
movimento como signo e da dança como semiose que a
criação pode ser compartilhada e na qual o corpo
aprende por contaminação e partilha de informações. A
concepção de acordo como compartilhamento é também
formulada a partir da aproximação com a visão
sistêmica, principalmente no entendimento das
propriedades partilhadas/emergentes e também de
alguns parâmetros sistêmicos como permanência,
organização, discutidos mais especificamente por Mário
Bunge, Jorge de Albuquerque Vieira. As ações de
aprender e ensinar – portanto, de investigar – podem
alcançar uma configuração auto-organizativa, e por isso
móvel, em constante mudança e não regida por regras
rigidamente definidas. O compartilhamento aparece
como propriedades globais que estão situadas tanto
como lógica de organização particular dos corpos como
lógica de organização do processo educacional. Na
segunda parte, a investigação em dança como
possibilidade de estratégia de operação do processo
educacional é abordada como raciocínio lógico do corpo
que emerge da dúvida e constrói
conhecimento/movimento a partir do incessante e
contínuo estado de questionamento do corpo. O mover
interrogando, como estado de abdução, se apresenta

205
como possibilidade de construção de discursos em
dança, porque o ato de levantar hipóteses é do corpo, é
raciocínio lógico do pensamento/movimento. O corpo
cria porque é da sua natureza fazer
perguntas/movimentos, e, assim, promove questões,
constrói procedimentos experimentais particulares para
resolver suas perguntas. O corpo aprende a solucionar.
O ato de aprender dança é resultado das tentativas,
adaptações e descobertas do corpo. Por isso, que a
investigação é discutida a partir da aproximação com as
ideias de investigação desenvolvidas por Charles Peirce,
principalmente as que se referem ao estado de dúvida,
da possibilidade de mudanças de hábitos, da
relação/produção com a novidade a partir da abdução. A
investigação é da natureza do corpo e resulta da
experiência contínua desse corpo em mover-se
adivinhando, interrogando, reconhecer problemas,
formular questões/movimentos, testar hipóteses e
elaborar sínteses como soluções provisórias, como
argumentos. A investigação em dança, desse modo é
compreendida como um processo cognitivo do corpo: o
corpo está em processo permanente de investigar; por
isso aprende dança. Um aprendizado como um
exercício da produção da dança como argumentos e

206
reflexão das relações entre corpo e o ambiente/mundo.
A investigação ocorre no corpo que está atento para
questionar sua ação, que se move em condição de
permanente reflexão, observando suas possibilidades e
também restrições enquanto dança. O corpo que
investiga é um corpo em prontidão para resolver
problemas e adaptar-se ao ambiente. Trata-se de um
corpo que aprende percebendo, incluído e intervindo no
seu contexto de ação. Dessa forma, a concepção de
corpo não poderia, por exemplo, estar apoiada na
concepção do corpo máquina, um corpo que é entendido
como separado da mente, como algo pronto e apartado
das realidades do mundo. O corpo que investiga é
olhado como um corpomídia, aberto as trocas com o
ambiente e por isso produtor contínuo de significados.
Um corpo que é resultado dos processos co-evolutivos
entre a natureza e cultura. Um corpo que não está pronto
e sim em constante transformação, pois o processo co-
evolutivo não cessou. Um corpo sujeito encarnado, em
diálogo experimental com a natureza, produto e
produtor da experiência. Para refletir sobre o corpo e
sua relação com o ambiente e a produção da dança
como um processo cognitivo situado no movimento do
corpo, essa pesquisa se aproximou do conceito/estudo

207
do corpomídia elaborado por Helena Katz (2005) e
Christine Greiner (2005).

Conclusões

A proposta de investigação, apresentada como


raciocínio lógico do corpo e permanente problematizar
do corpo que dança, instaura na educação, a
possibilidade de mudanças nas relações e nos modos
dos aprendizados, promovendo dessa forma, condições
para o exercício da autonomia e também da produção de
diferenciados modos de organizar dança. Torna-se
evidente que a educação que emerge da investigação, ao
contrário de se instituir como roteiro a ser seguido, se
faz no entender de como os corpos constroem
argumentos particulares e como essas particularidades,
porque realizadas na forma de acordo, num ambiente de
troca, contaminam e se conectam das mais diversas
formas e emergem como produção coletiva. É o corpo
propositor que altera e promove as desestabilizações das
relações por vezes enrijecidas entre professor e aluno e
o modo narrativo implicado na educação “bancária”
apontada por Paulo Freire. O problematizar do corpo

208
que produz dança se amplia e se torna o problematizar
do próprio ato de aprender; por isso, está implicado em
acordos coletivos, produzindo ações conjuntas e
flexibilizando hierarquias. Sem dúvida, a proposta de
investigação é um modo de subverter os modos
habituais de aprendizados em dança. A educação –
quando experimentada com investigação que se
apresenta como inevitável processo de reflexão,
reconhecimento de hábitos e da construção de outros
hábitos – injeta a mudança, a instabilidade, o risco, o
“não saber como fazer” como ingredientes do aprender.
Mudar, estranhar e produzir na incerteza, são situações
nem sempre bem vindas em métodos de ensino que
lidam com o conhecimento como porto seguro e que
acontecem pela rotinização e reprodução de
conteúdos/passos. A pesquisa, quando propõe uma
investigação sempre processual, passa a arejar as
leituras por vezes distorcidas na dança, que ainda se
fazem presentes no senso comum. Há uma crença de
que o corpo que dança produz algum tipo de diferença
ou novidade porque é um corpo “talentoso”,
“inspirado”, especial e que a novidade que pode vir a
aparecer nele é uma espécie de magia. Sabemos que,
para comunicar com dança, a trilha é processual e

209
demanda tempo de construção. Essa pesquisa de
mestrado, à medida que elabora a investigação como
processo, aponta para a ideia de que a criação não se dá
apenas com base em “ideias boas”, descoladas de
contínuas experimentações. Criação é processo que
depende do modo como ele ocorre e isso implica em
aprender como fazer. Trata-se de aprender uma dança
que testa, experimenta inúmeras vezes, cria estratégias;
é o corpo que pode produzir outros e novos arranjos de
movimento como diferenciadas e, por que não,
inovadoras informações no ambiente. Como nos lembra
Christine Greiner (2005), é o corpo do artista que
promove o aparecimento de novas metáforas no mundo.
A proposta de investigação se interessa pela produção
de novas metáforas, pela novidade que amplia os
olhares sobre as mesmas coisas, que instaura também
um repensar e um refazer. A investigação que até aqui
se formulou produz o novo. E esse novo foi sempre
entendido nesse estudo como resultado de um processo
de experimentação que não cria nada completamente
espontâneo, inusitado e nem puro, mas aparece, sim,
como possibilidade do corpo inventar outros modos de
conectar, articular e reorganizar ideias/movimentos.

210
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215
CORPO, GESTO E FIGURINO EM HABLE CON
ELLA

Autoria: Alessandra Torres Bittencourt, Gisele Onuki


UTP, Curitiba-PR.

“Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o


que as move”
Pina Bausch

Objetivos: O presente artigo pretende estabelecer


relações de semelhança entre a linguagem corporal da
coreógrafa Pina Bausch em Cafe Müller e as
personagens Alicia e Lydia, do filme Hable con Ella de
Pedro Almodóvar.

Métodos e Resultados: O recorte escolhido para


análise foi a cena inicial do filme Hable com Ella, do
cineasta Pedro Almodóvar, em dois tempos diferentes: a
primeira parte acontece em um teatro, durante a
apresentação de Cafe Müller assistida por dois homens,
Benigno (enfermeiro) e Marco (escritor). A segunda
parte acontece em um quarto do hospital onde Benigno

216
trabalha. Enquanto o enfermeiro cuida de uma jovem
bailarina, narra a cena do teatro para a personagem que
está desacordada na cama.
A observação dos corpos distintos: os corpos do
teatro e os corpos do hospital deverão surtir mais
conexões de semelhança do que aparentam, numa
relação que parte dos conceitos de Raymond Bellour
(1997) do corpo representado e do corpo
desrepresentado expandindo-se ao entre-imagens e
estudos da linguagem dança-teatro de Pina Bausch
apresentados por Ciane Fernandes (2000), Fábio
Cypriano (2005) e Thereza Rocha (2000) e a observação
do contexto fílmico de Hable com Ella.

CORPOS
Entre as observações feitas no restaurante dos
pais, enquanto menina, “Bausch estabeleceu uma forma
de comunicação com o mundo através do olhar"
(CYPRIANO, 2005, p.24), de um olhar “demorado e
peculiar sobre o movimento” (ROCHA, 2000, p.170) e
parece "importar-se não com a expressão de
experiências presentes, mas sim com a tradução das
experiências passadas para a linguagem simbólica"
(FERNANDES, 2000, p.45). Assim sendo, "o corpo em

217
cena carrega uma longa história. E é de dentro dessa
história que o corpo bauschiano vai surgir com sua
novidade expressiva" (ROCHA, 2000, p. 161).
As observações de Pina Bausch fizeram com
que ela criasse seu próprio método de produção. Desde
1973, quando assumiu a direção do então Wuppertal
Ballet, Bausch tem se destacado como líder de uma
corrente artística de notável importância nas artes
cênicas de nosso século: o tanztheater, ou dança - teatro.

As peças compostas por Bausch possuem a


participação dos dançarinos que, induzidos a uma
contribuição criativa, respondem a uma questão, tema,
palavra, som ou frase com improvisações em qualquer
meio desejado: “movimento, palavras, sons, uma
combinação de elementos” (FERNANDES, 2000, p.43).
Após a cena de Café Müller, Benigno mostra
uma surpresa para Alicia. Tira de sua bolsa um
autógrafo de Pina para a bailarina, aproxima-se do rosto
dela e o espectador consegue ler: “Desejo que supere
seus obstáculos e volte a dançar em breve. Pina”. Os
dizeres de Pina conectam os corpos do hospital e do
teatro, aonde ambos devem superar obstáculos. O corpo
em Cafe Müller possui como obstáculos: as cadeiras, as

218
mesas, a parede e as portas de entrada e de saída do
restaurante representado no palco. Alicia tem um
suporte no pescoço que está ligado a aparelhos fora da
cama. Ao receber o banho dos enfermeiros, outro tubo
aparece como mais um obstáculo comparado àqueles do
palco.
O silêncio pode significar tanto um obstáculo de
comunicação quanto a própria comunicação. Ao
impedir a relação auditiva entre pessoas, uma parte da
comunicação é cortada. Mas existe a comunicação
visual, tátil e olfativa que apesar do silêncio, pode-se
atribuir inúmeros significados. De acordo com
CAMINADA (1999), o silêncio aparece como uma
forma de comunicação, nos trabalhos de Bausch.
O olhar comunicativo, tão desenvolto em
Bausch, completa-se com o olhar do espectador durante
a recepção da informação, como ocorreu com Benigno e
Marco ao contemplar o espetáculo.
O lugar múltiplo do corpo em cena está entre a
representação e a realidade. Pina Bausch enquanto atua,
representa seu próprio corpo quando criança em suas
lembranças ao mesmo tempo em que este corpo, no
filme, faz referencia àquelas personagens na cama do
hospital. Os corpos do hospital também estão de

219
passagem entre um lugar físico (o hospital) e um lugar
mental (o coma), conjugando num mesmo espaço, o
corpo representado e o desrepresentado (Bellour, 1997).
O corpo representado é aquele que na visão
mais se aproxima da percepção natural, no caso do
filme, a fisicalidade dos corpos em coma no hospital.
Logo, o desrepresentado “é tudo o que o perturba,
provocando no espectador seja a mais profunda emoção,
uma verdadeira sedução, seja a hilaridade, o embaraço
ou o ridículo, tão violento é o que atinge a integridade
do corpo humano e do mundo material que o cerca”
(idem, p.195), identificado como o estado psíquico do
coma das personagens e percebido nos corpos atuantes
em Café Müller, como sendo a projeção materializada
do inconsciente em coma.
Estabelecendo conexões entre os corpos das
personagens do filme e as dançarinas, notamos que os
quatro corpos:
 Atuam com os olhos fechados, num estado de
inconsciente consciente;
 São corpos passivos à manipulação externa:
 Tanto Alicia como Lydia são manipuladas por
enfermeiros em momentos de higiene, troca de
vestuário, no ato de receber medicação, etc.

220
 Em Café Müller, os corpos estão passíveis à
gravidade, ao choque, ao esforço e aos obstáculos em
cena.
 Possuem movimento corporal interno:
 É visível que mesmo em aparente não-
movimento, Alicia e Lydia possuem uma intenção e
movimentação interna, representada pelos gráficos de
monitoramento vital, situado ao lado do leito, o que lhes
confere vida - movimento.
 Na atuação bauschiana, nota-se que o
movimento corporal parte do interno para o externo, na
qual a aparência de pouco esforço externo é indício de
um grande esforço interno.
 Enfrentam obstáculos e possuem olhos
externos:
 Na luta interior para retornar à consciência, os
obstáculos externos, no caso de Alicia, são transpostos
por Benigno, que atua como protetor e interlocutor.
 A dançarina em primeiro plano também possui
um protetor, que livra os obstáculos (cadeiras e mesas)
de seu caminho.
 Lydia e Pina não possuem um protetor como
Alicia e a dançarina, mas conferem em si uma

221
sensibilidade que lhes permitem enfrentar seus próprios
obstáculos pelos outros sentidos.

O palco de Cafe Müller aparece com mesas e


cadeiras escuras que atrapalham os personagens que
entram para relacionar-se neste espaço. Há um homem
que tenta ajudar aquelas pessoas que se movem com
dificuldade batendo-se nos móveis. Mesmo assim, não
há relação entre pessoas ou de pessoas com objetos.
Neste espaço os móveis representam impedimentos
comunicacionais com qualquer pessoa ou coisa que ali
possa existir.
A cena da cama do hospital é clara,
provavelmente, para contrastar a escuridão que permeia
o corpo de Alicia. A menina está em coma, ligada a
alguns fios, que são seus obstáculos. Este corpo não
consegue relacionar-se com as pessoas que estão ao seu
redor, mesmo tendo um enfermeiro para ajudá-la. Assim
como no palco de Pina Bausch, as relações interpessoais
no quarto de hospital onde está Alicia, estão cortadas

GESTOS

222
Para evitar uma longa discussão neste artigo, o
gesto será entendido como um movimento corporal. Há
diferenças para gestos, gesticulações e movimentos, mas
isto não vem ao caso neste texto. Por isso, sem
comprometer o conteúdo do mesmo, todo gesto será
entendido como movimento.
Ao tratar de gesto nas citações e referências nos
trabalhos de Pina Bausch, entenda-se que o gesto é o
movimento do cotidiano que pode ser culturalmente
decodificado. Como exemplo tem-se: correr, andar,
saltar, rir, chorar, apertar a mão, piscar e outros.
Pina Bausch ao criar seu novo método denominado
dança-teatro, incluiu gestos do cotidiano, alterando a
forma de atuação dos seus bailarinos. (CYPRIANO,
2005, p.28).
O enfermeiro Benigno, na cena em que dá banho em
Alicia, faz movimentos lentos e pausados, indicando
cuidados àquele corpo deitado. Os movimentos de Pina
Bausch no fundo do palco em Cafe Müller, apesar de
serem muito abstratos, são igualmente lentos e
pausados, muitas vezes repetidos, o que exprime a
semelhança entre as duas cenas.
Como dito anteriormente, entender-se-á, para efeito
deste texto, o gesto como movimento corporal realizado

223
na vida diária ou no palco. No cotidiano, o gesto faz
parte de uma linguagem do dia-a-dia associado à
determinada atividade ou função. No palco, gestos
ganham uma função estética; eles tornam-se estilizados
e tecnicamente estruturados, dentro de vocabulários
específicos, tanto no balé como na dança pós-moderna
alemã. Bausch utiliza ambos os tipos de gestos:
cotidiano e técnico. Em muitos casos, porém, gestos
cotidianos são trazidos ao palco e, através da repetição,
tornam-se abstratos, não necessariamente conectados
com suas funções diárias.
Quando um gesto é feito pela primeira vez no
palco, ele pode ser (mal) interpretado como uma
expressão espontânea. Mas quando o mesmo gesto é
repetido várias vezes, ele é claramente exposto como
um elemento estético. Nas primeiras repetições, o gesto
gradualmente se mostra dissociado de uma fonte
emocional espontânea. Eventualmente, as exaustivas
repetições provocam sentimentos e experiências em
ambos: dançarino e platéia.
Significados são transitórios, emergindo,
dissolvendo, e sofrendo mutações em meio a repetições.
Estas provocam uma constante transformação da dança
- teatro dentro da linguagem simbólica de Pina Bausch.

224
Pina Bausch concede ao gesto e ao movimento
o estatuto de palavra, utilizando-os com o seu potencial
de comunicação, conferindo às imagens sensoriais
diversas a capacidade de gerar significados. Se a
percepção nos oferece elementos diversos que adquirem
unidade a partir da sua ligação com as representações -
palavra, a estrutura cênica fragmentada construída por
Pina Bausch tem o potencial de despertar a percepção,
evocando em cada espectador o seu repertório
associativo.
Em Hable con Ella, notamos que o gesto e a
intenção do gesto são muito marcantes. Pode-se
verificar que a intenção do gesto de Alicia e Lydia é
exteriorizada pelos corpos das dançarinas de Café
Müller, entretanto estes gestos são representados por
corpos que, em seu alargamento, constroem e
desconstroem as unidades representativas do gesto
entendido como linguagem universal. O gesto em
ambos os personagens em coma, são traduzidos por seus
protetores ao manipularem seus corpos e pelas
lembranças de suas atividades pré-coma.
O gesto e a intenção do gesto ocorrem
simultaneamente, assim como a relação do corpo
representado e do desrepresentado. Enquanto os corpos

225
em coma representam e emanam suas intenções de gesto
e movimento, os corpos das dançarinas desrepresentam
aqueles do hospital e produzem gestos recodificados e
re-significados, levando o espectador a refletir sobre as
informações que recebe. “Do mesmo modo que a foto se
anima burlando sua aparência de imobilidade, o cinema
se interrompe e se congela para refletir as alterações de
sua condição” (BELLOUR, 1997, p.105)
Dentre as semelhanças observadas nos gestos
das dançarinas em Café Müller e as personagens de
Hable con Ella, encontramos:
 Movimentos repetitivos:
 Mesmo em aparente imobilidade, os corpos de
Lydia e Alicia passam pelo mesmo ritual no hospital,
nos momentos de medicação, de higiene corporal, etc.
 As dançarinas também possuem movimento
repetitivos, remetendo logo ao processo de repetição e
transformação proposto por Pina Bausch.
 Pausa: nos corpos observados neste artigo, a
pausa tem por objetivo não a parada do movimento no
tempo e no espaço, mas a assimilação e retomada de
consciência, podendo ser uma pausa longa, como em
Alicia e Lygia, ou curta como nas dançarinas.

226
 Lentidão do gesto: o tempo é o fator
determinante em Hable con Ella, predominando o tempo
lento.
 Alicia e Lydia possuem seus tempos de vida
alterados pelo coma, produzindo uma lentidão de seus
gestos e movimentos, aparentemente em inatividade.

Em Café Müller, a lentidão do gesto vem como


forma de catalise interior para provocar a mudança do
movimento condicionado exterior. Podemos definir
estes movimentos como “Pré – expressividades de
tempo”, conforme Ciane Fernandes (2002).
Esta decisão de tempo tomada no filme é
notável por possuir dois espetáculos de dança, na
abertura e no encerramento. Consideravelmente, sendo
os dois espetáculos de Pina Bausch.

FIGURINOS
O figurino é um prolongamento do corpo. Como
definiu McLuhan (1964) sobre as extensões do homem,
“a simulação tecnológica da consciência, pela qual o
processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva
e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como
já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através

227
dos diversos meios e veículos” (p. 17). Segundo Vânia
Polly (2002), “Quando definimos o corpo como o novo
figurino, estamos falando do objeto de desejo da moda
que sofreu um desvio da roupa se veste para o suporte
que a veste” (p.203).
Em Hable con Ella, notamos nitidamente este
desvio da moda. Raramente a concepção é cumprida
com rigor absoluto e um figurino chega a uma estréia tal
como foi desenhado. Há sempre um longo processo de
adaptabilidade ao corpo do ator e ao todo que é o
espetáculo. Todavia, em entrevista cedida ao making off
do filme, a figurinista esclarece que as roupas não foram
criadas para que os corpos dos atores se moldassem a
ela, mas que o figurino se adequasse aos corpos que as
vestiam. O interesse maior estava em evidenciar o corpo
como ele sempre, ao natural.
E assim também foram concebidos os figurinos
das dançarinas de Café Müller. Mais que mostrar
exuberantes figurinos como ocorre nas danças clássicas,
o propósito maior da dança-teatro é evidenciar os corpos
em cena. Quanto mais remeter à origem do movimento,
mais natural e exposto torna-se o corpo.
A camisola branca, com a pele à mostra e sem
maquiagem, conectam diretamente as personagens às

228
dançarinas, sendo o aspecto mais marcante e de fácil
assimilação da semelhança e conexão do espetáculo
com o filme.
Corpos à mostra, que falam por si mesmos, sem
a necessidade de verbalizar sua intenção. Não denota
sexualidade, mas a beleza do contexto que as envolvem.
O figurino traduz e complementa a complexidade dos
corpos e gestos dos das dançarinas e das personagens
que, mesmo emudecidas, expressam mais que os
personagens que falam.
O corpo, gesto e figurino, tanto na cena do
teatro como na cena fílmica, vão continuamente
sensibilizando o espectador, captando sua percepção
para além do discurso, para além da representação. E
como finaliza Hable con Ella, o espectador (do e no
filme), agora, labuta na platéia, e em silêncio

Conclusão:
Enquanto Pina Bausch atua em Cafe Muller
representando seu corpo na infância, (por meio de suas
lembranças), ao mesmo tempo faz referência à Alicia,
personagem na cama do hospital. Pina está entre sua
fase da infância e sua fase adulta, entre a ficção e a
realidade, entre a dança e o teatro, representando sua

229
própria realidade no palco. Mostra-se quase nua, não
apenas no sentido literal da palavra, mas buscando seus
mais íntimos sentimentos de menina, e mostrando-os ao
mundo, sua maneira de olhar e perceber as coisas.
As obras de Bausch, segundo Ciane Fernandes
(2000), não apenas utilizam-se da repetição como um
método ou artifício coreográfico, mas a incorporam
como um tema a ser criticamente retalhado e
decomposto, até gerar o inesperado e supostamente
oposto: a diferença e a transformação. Entretanto, para
Thereza Rocha (2000), o processo bauschiano (de
repetição) leva a tal transformação, através da exaustão
e da destruição, onde um corpo é obrigado a construir-se
como um todo, como uma figura que é legível porque
significa.
Percebe-se, com este estudo, que a linguagem
corporal de Pina Bausch em Cafe Müller consegue
expressar o contexto de Almodóvar, em Hable con Ella.
E é neste lugar, entre que se situam os corpos
que se propõe a análise e a comunicação do filme.
Bausch, antes do encontro com Almodóvar, já
tinha se encantado com a linguagem cinematográfica e
chegou a produzir seu primeiro e único filme chamado
O Lamento da Imperatriz. Este filme aproxima-se muito

230
dos contextos analisados neste artigo, tanto em Cafe
Muller quanto no filme de Almodóvar. “São encontros
entre pessoas que estão próximas fisicamente, mas onde
não há relação, comunicação, cada um fala do seu fluxo
de memória tão imenso que não é capaz de comunicar
com o outro” (CALDEIRA, 2007).
A não comunicação em ambos os casos - tanto
na cena de Cafe Müller quanto na cena da personagem
inconsciente – remete ao espectador um lugar entre-
imagens, entre realidade e ficção, entre silêncio e
palavras, entre a tela do cinema e a tela da vida, “o
espaço em que é preciso decidir quais são as imagens
verdadeiras. Ou seja, uma realidade do mundo, por mais
virtual e abstrata que seja, uma realidade da imagem
como mundo possível” (BELLOUR, 19990, p.15).
Assim, a parceria de Pina e Almodóvar não poderia ser
diferente, senão uma relação entre personalidades tão
distintas e semelhantes ao mesmo tempo que
comunicam através de seus gestos, corpos e figurinos.
As obras analisadas, Cafe Müller e Hable com
Ella, não trazem respostas para o espectador, apenas
reflexões para a vida.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

231
AZEVEDO, Sonia Machado de. O Papel do Corpo no
Corpo do Ator. Perspectiva: São Paulo, 2004.

BELLOUR, Raymond. Entre - imagens: Foto, cinema,


vídeo. Campinas, SP: Papirus, 1997.

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da


Impetratriz: Um filme de Pina Bausch. Fênix-Revista de
História e Estudos Sociais. v.4, n.3, set.2007.

CAMINADA, Eliana. História da Dança. Evolução


Cultural. Rio de Janeiro : Sprint, 1999.

CYPRIANO, Fabio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac


Naif, 2005.

FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal


Dança-Teatro: Repetição e Transformação. São Paulo:
Editora Hucitec, 2000.

____________. O corpo em Movimento: O sistema


Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes
cênicas. São Paulo: Annablume, 2002.

232
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como
extensões do homem. Trad: Décio Pignatari. São Paulo:
Cutrix, 1964.

RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. São Paulo:


Annablume, 2003.

ROCHA, Thereza. O corpo na cena de Pina Bausch. IN:


ANTUNES, A. Lições de Dança 2. Rio de Janeiro:
UniverCidade Editora, 2000.

POLY, VÂNIA. O corpo como figurino. IN:


BUSTAMANTE, R.; LESSA, F.; THEML, N. (orgs.)
Olhares do Corpo. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, PP.
197-207.

Filme:
HABLE COM ELLA. Pedro Almodóvar. Espanha: El
Deseo S.A., 2002: Warner Sogefilms A.I.E. 1 DVD
(112 min.): son., color.

Sites:

233
Clubcultura.com - Página Oficial de Pedro Almodóvar.
Disponível em:
<http://www.clubcultura.com/clubcine/clubcineastas/al
modovar/hableconella/sinopsis.htm>Acesso em 15 de
junho de 2008.

234
O CINEMA E A DANÇA: LINGUAGENS QUE
DIALOGAM POR MEIO DO MOVIMENTO

Autoria: Cristiane Wosniak


(Faculdade de Artes do Paraná – Curitiba-PR – membro
do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes: linha
de pesquisa Arte, Sociedade e Imbricações
Tecnológicas)

Resumo
A dança, apropriando-se dos recursos da indústria
cultural, da fotografia, do cinema, do vídeo e no século
XXI, da tecnologia digital, acabou por criar uma nova
abordagem estética no tratamento de sua linguagem.
Quando mediada por um veículo de comunicação – a
tela do cinema – tema dessa investigação – torna-se um
gênero artístico independente, com sua construção
sintática, com sua signagem específica. Neste artigo,
serão apresentadas algumas considerações, mapeadas
num dos capítulos da dissertação de mestrado da autora:
Dança, Tecnologia e Comunicação. O objetivo,

235
portanto, do artigo, é discutir de que forma as interfaces
(especificamente a linguagem do cine-dança) vêm, há
mais de um século, modificando, através de suas
extensões tecnológicas, a própria noção de corpo e de
dança, alterando significativamente o meio, fazendo
dialogar natureza e cultura, provocando o trânsito fluido
entre as mensagens, entre os discursos e as fronteiras
artísticas.

Introdução

Ao propor uma nova linguagem, uma nova


signagem1 para a dança, o cine-dança amplia o
repertório deste fazer artístico pela introdução de um
signo novo: uma nova relação entre a dança e a sua
própria imagem, capturada pelo ‘olho da câmera’.
Como lembra Regina Miranda, no artigo Dança e
Tecnologia (2000, p. 115), a relação entre a dança e a
captura de sua imagem, remonta ao século XIX, por
volta de 1840, quando a fotografia se desenvolvia
rapidamente: “esta relação teve início quando alguns

236
fotógrafos ingleses e franceses começaram a fotografar
bailarinos para ilustrar programas de balé. Crônicas da
época comentam que estes programas faziam tanto
sucesso, que eram praticamente devorados pelo
público.”
A fotografia e mais tarde o cinema, no século
XIX, modificaram profundamente - causando uma
‘crise sistêmica’ - a relação do homem com sua
realidade, com seu corpo, com a imagem deste corpo,
com a noção do espaço e do tempo, de sua memória e
dos fatos registrados.

Atualmente interagimos de tal forma com as tecnologias


que, certamente, estes elementos terão um lugar de
destaque na dança do nosso tempo. Cada tecnologia se
impõe sobre o corpo de diferentes maneiras e estamos
acostumados a nos comportar de maneiras apropriadas
a ela. Assim, quando a tecnologia muda, efetuamos as
mudanças necessárias a ela: nosso corpo e nossos
sentidos mudam em sintonia com as mudanças de nosso
meio (MIRANDA, 2000, p. 141).

Cine-dança: a dança se faz pretexto

237
A convergência entre o cinema e a dança, sem
dúvida é o movimento. “O cinema foi inventado para
registrar o mundo em movimento” (ARMES, 1999, p.
41). No final do século XIX, Georges Méliès, Louis
Lumière e Thomas Edison, desenvolviam aquilo que
concebiam como o aperfeiçoamento de quadros ou
fotogramas2 em movimento.

Sabe-se que um filme é constituído por um enorme


número de imagens fixas chamadas fotogramas,
dispostas em seqüência em uma película transparente;
passando de acordo com um certo ritmo em um
projetor, essa película dá origem a uma imagem muito
aumentada e que se move. Evidentemente, existem
grandes diferenças entre o fotograma e a imagem na
tela – começando pela impressão de movimento que a
última dá; mas ambos apresentam-se a nós sob a forma
de uma imagem plana e delimitada por um quadro
(AUMONT at al., 1995, p. 19).

Pode-se afirmar, entretanto, que apesar de a


imagem fílmica apresentar uma limitação imposta pelo
quadro (recorte de campo) e pela ausência da terceira

238
dimensão, ela causa uma impressão de realidade,
específica do cinema, que se manifesta principalmente
na ilusão de movimento e na ilusão de profundidade’.
Mas, qual seria é o discurso desta ‘imagem em
movimento’?
Como afirma Roy Armes (1999, p. 41-42),
nenhum dos criadores do cinema o concebia (ainda)
como um meio de ‘contar histórias’, ou seja, um
discurso a serviço de uma narrativa ficcional. Segundo
Ismail Xavier (1984, p. 10) “aqui é assumido que o
cinema, como discurso composto de imagens e sons, é,
a rigor, sempre ficcional, em qualquer de suas
modalidades; sempre um fato de linguagem, um
discurso produzido e controlado de diferentes formas,
por uma fonte produtora.”
Ao se consultar as teorias de cinema,
desenvolvidas por Christian Metz, é possível observar,
uma classificação que difere das concepções de Philippe
Dubois, em relação às linguagens e discursos do vídeo e
do cinema: no campo de análise que Metz denomina
‘audiovisual’, composto de um grupo de linguagens
próximas, inclui-se tanto o cinema quanto a televisão
(vídeo). Em sua obra Linguagem e Cinema, encontra-se

239
a seguinte argumentação para aproximar estes dois
discursos:

A iconicidade, a duplicação mecânica e a


seqüencialização não são os únicos traços pertinentes
da matéria da expressão própria da imagem de cinema;
esta, além disso, é móvel. Por esta razão, o cinema
pertence a um quarto grupo de linguagens, formado
justamente de todas as que se apóiam na imagem
móvel: televisão, desenho animado, cinema (METZ,
1980. p. 274).

De fato, o fator da iconicidade e mobilidade da


imagem é uma característica que une vídeo, televisão e
cinema. Mas, e quanto aos códigos?

A linguagem do cinema e seus códigos


Antes de avançar especificamente sobre a
questão da dança no cinema, ou seja, da linguagem dos
musicais, onde a dança se faz pretexto, torna-se
necessário examinar, alguns de seus códigos. A idéia de
‘código’ irá permitir identificar e diferenciar os traços

240
que definem esta linguagem específica. Assim, ressalta-
se a seguinte citação:

Entre os traços especificamente cinematográficos,


encontram-se entre outras coisas, figuras que são os
movimentos de câmera (travellings,3 panorâmicas,4
trajetórias realizadas com grua, etc.), as variações na
espessura do plano5 (isto é, a ‘escala dos planos’: plano
de conjunto, de semiconjunto, plano médio, ‘plano
americano’,6 etc.), as mudanças no ângulo de filmagem
(denominadas variações de incidência angular:
enquadramento frontal, enquadramentos inclinados,
plongée, contre-plongée7), os ‘efeitos ópticos’ (quer se
trate de artifícios ou de processos de pontuação: fusões,
‘janelas’, ‘panorâmicas enfileiradas, etc.), acelerado, a
câmera lenta, a reversão da fita (=seqüência passada
em contrário), o desfocamento, a íris, a
superimposição, as imagens simultâneas (= tela
dividida em vários ‘quadros’ distintos) e muitas outras
intervenções do mesmo tipo (METZ, 1980, p. 159).

Na linguagem cinematográfica, deve-se atentar


para o fato de que o plano é não só a unidade básica (ao
lado da montagem), como também “metonimicamente,

241
a encarnação mesma daquilo que funda o filme como
um todo” (DUBOIS, 2004, p. 75). Para enfatizar a
importância do plano como uma espécie de ‘pilar’ da
linguagem cinematográfica, o autor prossegue: “o plano
é o ‘corte móvel’, isto é a ‘consciência (Deleuze), é o
bloco de espaço e tempo, necessariamente unitário e
homogêneo, indivisível, incontestável, que funciona
como núcleo de Todo o filme.” (idem, p. 75).
Outro aspecto que se pode ressaltar sobre a
linguagem do cinema, além de sua generalidade de
‘traços cinematográficos’, é a especificidade (ou sub-
códigos?) de acordo com estilos diferentes de filmes.
Este artigo investiga prioritariamente o cine-
dança, ou seja, o discurso dos musicais de Hollywood,
que se apresenta como um gênero fortemente marcado
por uma estética específica, particular, onde a dança,
faz-se de forma pretextual. Esta hipótese aqui proposta,
encontra subsídios na própria narratividade existente
nos musicais, no modo como a narrativa, nas
concepções de Bordwell, em sua obra Narration in the
Fiction Film (1985), passa a ser visualizada, aplicando-
se um código de inter-relações, esquemas de
referências, baseados no conhecimento prévio de
determinadas situações, como por exemplo, dos

242
personagens de um musical que ‘de uma hora para a
outra’ passam a cantar e dançar para expressar as ações
e sentimentos de seus personagens, sem que se altere a
‘verossimilhança’ de suas atitudes e comportamentos
anteriormente demonstrados ao longo da película. “Em
um nível mais consciente, ao assistir a um filme ou à
fita narrativa, fazemos as mesmas e constantes
premissas da vida real” (BORDWELL, 1985, p. 38-39).
A partir do conhecimento prévio do gênero a
que se propõe o desenrolar do texto cinematográfico – o
musical – neste caso, a platéia traz consigo um certo
tipo de expectativa quanto aos personagens e história a
serem desenvolvidos naquele contexto extremamente
‘interrompido’ em seu fluxo narrativo, para dar lugar às
motivações e ações dançantes, sincronizando
movimento e trilha sonora. A elaboração de um ‘sentido
ou leitura diegética’ de um musical chega ao espectador
de duas formas distintas, segundo Bordwell: “o enredo
(o arranjo real dos fatos dentro de uma ficção, com
todos os recursos de estrutura, alteração de tempo,
agrupamentos dramáticos e suspense, necessários para
se contar uma história capaz de prender a atenção); em
segundo o estilo (o padrão da filmagem, dos sons, da

243
montagem e da atuação dos atores)” (BORDWELL,
1985, p. 51-52).
A operação de ‘agenciamento e encadeamento’
dos planos, numa seqüência que obedece a uma suposta
lógica de ‘narratividade’, é o que se costuma chamar de
‘montagem’.
Os musicais, narrativos por natureza, terão
papel preponderante no desenvolvimento das interfaces
comunicacionais que aliam a dança e a tecnologia: Em
sua obra Cinema e Performance (1996), João Luiz
Vieira lembra um aspecto curioso e paradoxal do
musical, como uma espécie de ‘fórmula ou receita’ para
um fazer artístico, que irá se repetir dezenas de vezes
nos ‘anos dourados dos musicais de Hollywood’:

No musical acontece um movimento duplo de


naturalização/incorporação da platéia de espectadores
da sala de cinema através de dois momentos separados
por um corte. Primeiro os personagens/atores dirigem-
se à platéia interna da narrativa. Em seguida essa
platéia visível tende a desaparecer através de um novo
enquadramento que a substitui pela platéia de verdade,
ou seja, aquela que está ali, assistindo ao filme na sala
de cinema (VIEIRA, 1996, p. 343).

244
E, afinal, que padrão é este gerado pelo cine-
dança? E de que forma a dança se impõe sobre a tela do
cinema?
No artigo O Cinema e a Dança (1987), o autor
Wagner Corrêa de Araújo, parece encontrar uma
resposta satisfatória: “a dança se impunha, dependendo
da maior ou menor expressividade da coreografia,
havendo apenas o difícil problema da sincronização do
som e da imagem no cinema silencioso” (ARAÚJO,
1987, p.14). Segundo Spanghero (2003, p.33), “os
primeiros filmes de dança datam de 1894 a 1912 e eram
todos mudos, na verdade, um mero registro de uma
dança de entretenimento, daí a dificuldade em se
sincronizar movimento (dança) e som.” O regente teria
que conhecer perfeitamente o filme, para saber em que
exato momento deveria mudar o tempo ou o
movimento. Até sinais foram colocados em
determinadas películas, para orientação dos músicos.
A partir de Maya Deren8, ocorre uma mudança
radical ao se propor uma interface tecnológica entre
duas linguagens - o cinema e a dança - que não fosse
apenas documentação, registro ou simples

245
entretenimento. “Um dos recursos de edição
experimentados por Maya Deren, a dupla exposição
(que formata noções de temporalidade), deu origem à
idéia da montagem como composição, o que
supostamente transformaria os filmmakers em
verdadeiros coreógrafos” (SPANGHERO, 2003, p. 34).
O caminho proposto por Maya Deren - a recriação do
corpo na tela - influenciou cineastas, coreógrafos e
bailarinos que passaram a trabalhar em regime de
interdisciplinaridade, o que resultou não só em variados
tipos de musicais, criando ídolos como Fred Astaire e
Gene Kelly, mas lançando novas propostas de se pensar
e utilizar o espaço bidimensional da tela e o tempo. “A
câmera muda o olhar do coreógrafo, o corpo do
cinegrafista, o olhar do cineasta, o corpo que dança e a
sua reprodução” (idem, p. 35).

A era de ouro dos musicais


Nos Estados Unidos, ao final da década de 20,
apesar de intensa crise econômica, as novas tecnologias
propiciam uma grande novidade para o cinema: a
possibilidade da inserção de ruídos e diálogos nos
filmes que, até então, eram ‘mudos’, tendo como

246
suporte, apenas uma trilha sonora separada e nem
sempre feita especialmente para o filme.
Em 1927, pode-se afirmar, que junto das
experiências com o som no cinema, surge também o
gênero musical: The Jazz Singer (O Cantor de Jazz),
além de ser o primeiro filme falado, era também o
primeiro musical. Enquanto linguagem ou gênero
específico, o musical ajustou-se a uma elaboração muito
simples, para depois ir ganhando efeito de
espetacularização e sofisticação.
Na década de trinta, a Warner Brothers decidiu
realizar uma série de musicais baseados em argumentos
do ‘show-bussines’, números e encenações de bailes e
para isso, contrata o diretor Busby Berkeley,
diretamente da Broadway, que iria revolucionar o
tratamento da filmagem do movimento. Berkeley inova
na concepção de cenários panorâmicos e nos variados
movimentos da câmera, que antes de sua intervenção, se
detinham apenas em tomadas fixas da coreografia em
planos gerais, como se estivesse propondo-se apenas o
registro documental da dança. Segundo Portinari (1989,
p. 256-257), Busby Berkeley “inventou o pas-de-mille,
ou seja, uma dança para uma multidão de figurantes.
Impossível ver algo assim no teatro. Tudo, de A a Z, era

247
estruturado para o olho da câmera. Túneis de pernas,
conchas humanas, gigantescos leques de cabelos louros.
Divertia-se em sugestões eróticas numa época em que
Hollywood não sucumbira de todo ao código puritano.”
Utilizando-se de variados close-ups nos rostos das
bailarinas, diferentes lentes e enquadramentos, e
‘usando e abusando’ das tomadas em plongées (de cima
para baixo), Berkeley conseguia captar desenhos
coreográficos geométricos e precisos; imagens
‘caleidoscópicas’ que causavam entusiasmo e
admiração na platéia.
Também na década de trinta, a RKO contrata
outro artista oriundo da Broadway: Fred Astaire, que
levou para os musicais um estilo completamente
diferente de Berkeley. “Dança asséptica, filmada em
dois ou três takes contínuos, sem ângulos fantasiosos e
quase sempre em cenário singelo. Levíssimo, deslizando
e sapateando, Astaire virou ídolo através do corpo [...]
formou dupla histórica com Ginger Rogers”
(PORTINARI, 1989, p. 257). Outras parceiras foram
também importantes na trajetória de Astaire, que
atravessou décadas e estúdios, trabalhando com
diferentes diretores, mas preferindo sempre, coreografar
seus próprios solos e duetos. Destacam-se: Jane Powel

248
em ‘The Royal Wedding’ (Núpcias Reais), Cyd Charisse
em ‘The Band Wagon ’ (A Roda da Fortuna), além de
Rita Hayworth, Judy Garland, Eleanor Powel e Leslie
Caron. Com Ginger Rogers, Fred Astaire atuou e
dançou em dez filmes, sendo que depois, ambos,
continuaram suas carreiras de forma independente.
Na década de cinqüenta, os musicais de Metro
atingiram o apogeu, ou seja, ‘a idade de ouro do musical
hollywoodiano’. Requinte e sofisticação, aliados ao
sistema technicolor, gerando os primeiros filmes
coloridos e ao sucesso de público, consagraram os
musicais como gênero específico da linguagem
cinematográfica. Segundo Portinari (1989), a tendência
se delineava desde os anos quarenta.
Figura de destaque neste meio, o produtor
Arthur Freed consegue aglutinar diretores como
Vincente Minelli, Stanley Donen, Charles Walters e
Rouben Mamoulian, entre outros, que produziram
verdadeiras obras-primas no gênero. Duas obras
merecem destaque, ao apresentarem o talento de um
novo ídolo dos musicais, ao lado de Astaire: Gene
Kelly. Os filmes ‘Singin’in the Rain’ (Cantando na
Chuva) com direção de Stanley Donen e Gene Kelly e
também ‘An American in Paris’ (Sinfonia de Paris), do

249
diretor Vincente Minelli, ambos de 1951, foram
inscritos nas enciclopédias cinematográficas, como
marcos revolucionários na abordagem do movimento
coreografado e mediado por uma interface
comunicacional.
A era moderna dos musicais no cinema foi
inaugurada segundo o site da webcine (2005), com o
filme ‘West Side Story’ (Amor, Sublime Amor), de 1961
do diretor Robert Wise e com coreografia de Jerome
Robbins – adaptação de um espetáculo da Broadway,
que por sua vez, adaptava a história de Romeu e Julieta,
ambientando-a em uma luta de gangues rivais, tendo
como cenário a cidade de Nova Iorque dos anos 50.
Na década de sessenta, os musicais foram
escasseando em Hollywood. Merece destaque,
entretanto, a obra do diretor e coreógrafo Bob Fosse
com ‘Cabaret’ (1973) e ‘All That Jazz’ (1979), onde a
coreografia é a base da trama fílmica.
A aproximação da dança e o cinema,
resultou em ‘obras imortais’, ainda hoje reverenciadas
pelos cinéfilos de todo o mundo. Entretanto, o excesso
de trucagens efeitos especiais e outros recursos,
inferiorizou o discurso do corpo e da dança, tornando os

250
bailarinos meros ‘joguetes’ ou complementos dos
movimentos das câmeras.
A dança é vista como puro pretexto para o tipo
de narração de histórias elaboradas para terem uma
duração aproximada de noventa minutos. O tempo da
dança ou da coreografia é proporcionalmente
equilibrado em relação à sucessão de fatos narrativos, e,
o espaço, semelhante ao real, torna-se uma locação para
a ação.
Segundo Roy Armes (1999, p. 117), “embora as
descontinuidades sejam disfarçadas pelos recursos da
edição, o ponto de vista oferecido ao espectador está
constantemente mudando. Ainda que se assemelhe
muito pouco à percepção real, tal perspectiva preenche
o suficiente as condições de percepção para nos
satisfazer.”

Considerações finais

Pode-se perceber que, o problema básico que o


cine-dança ou musical enfrenta em sua estrutura
narrativa, consiste em inventar variados pretextos ou
cenas dançantes fragmentadas, para oportunizar a
exibição dos personagens, criar pretensos

251
relacionamentos por meio do ‘contato corporal’
provocado pela ação dançante e justificar a dança como
forma compatível e equilibrada no desenrolar da
narrativa. Esta modalidade de organização espaço-
temporal é evidentemente específica do cine-dança.
A dança mediada pela tela do cinema torna-se
um novo discurso (esfera artística e midiática) com
código e linguagem específicos – uma signagem –
decorrentes das possibilidades de interação e de diálogo
com as interfaces das novas tecnologias de
comunicação.

___________________________________
Notas

1
Signagem é o neologismo criado por Décio Pignatari –
orientador da autora em sua dissertação de mestrado
“Dança, tecnologia e comunicação”, para evitar usar o
termo ‘linguagem’ ao se referir a fenômenos não-
verbais, como por exemplo, a fotografia, a televisão, o
teatro e, neste caso, a dança, ou especificamente o cine-
dança.

252
2
Cabe salientar aqui um fenômeno perceptivo de
movimento na projeção cinematográfica, que consiste
no desenrolar da película, ou nas próprias palavras de
Philippe Dubois (2004, p. 62-63) “a imagem que o
espectador crê ver consiste não apenas num reflexo,
como também numa ilusão perceptiva produzida pelo
desenrolar da película a 24 imagens por segundo (grifo
nosso). O movimento representado (de um corpo, de um
objeto etc.), tal como o vemos na tela, não existe
efetivamente em nenhuma imagem real. A imagem-
movimento (grifo nosso) é uma espécie de ficção que só
existe para nossos olhos e em nosso cérebro.”

3
O travelling, também conhecido por ‘carrinho’, é um
movimento de câmera, durante a filmagem. Consiste no
movimento da câmera, para frente ou para trás, para
cima ou para baixo, ou ainda para os lados.

4
A panorâmica consiste num movimento giratório da
câmera sobre si mesma, seguindo quatro coordenadas:
da direita para a esquerda ou ainda de cima para baixo.
É comum a utilização destes dois tipos de movimentos
de câmera combinados, no mesmo filme.

253
5
Geralmente as Teorias de Cinema propõem três
definições para o termo plano: 1) a imagem fílmica é
impressa e projetada em uma superfície plana,
designando, portanto, o ‘plano da imagem’; 2) num
outro sentido, a palavra ‘plano’ é usada como sinônimo
de quadro ou enquadramento, e, neste caso, pessoas e
objetos, são filmados de acordo com as leis de
perspectiva - em 1º plano, estão pessoas e objetos mais
próximos do espectador, em 2º plano, aqueles dispostos
atrás etc...; 3) o ‘plano’, também pode ser compreendido
como a porção de um filme compreendida entre dois
cortes – no 1º plano, estão as cenas do início até o 1º
corte e, assim, sucessivamente.

6
Ismail Xavier em sua obra O Discurso
Cinematográfico: a opacidade e a transparência, (1984,
p. 19), apresenta o ‘plano americano’ como o
“correspondente ao ponto de vista em que as figuras
humanas são mostradas até a cintura aproximadamente,
em função da maior proximidade da câmera em relação
a elas.”

7
Além do tamanho do plano e do deslocamento, o
comportamento da câmera, é também caracterizado pelo

254
‘ângulo’ que adota em relação ao objeto filmado. Ela
está numa posição que podemos qualificar de horizontal
quando se situa aproximadamente à altura dos olhos de
um ser humano adulto em pé. Se estiver filmando de
cima para baixo, isto é numa posição elevada em
relação ao objeto, falaremos em câmera alta ( plongée ),
ou em câmera baixa ( contre-plongée ) se estiver
filmando de baixo para cima.

8
Eleanora Derenkovskaya, ou Maya Deren, nascida em
Kiev (1917), e, tendo migrado para os Estados Unidos
na década de vinte, é considerada pioneira na interação
da dança com o cinema. Embora existam filmes de
dança mais antigos, Maya Deren era hábil na
manipulação da iluminação, explorava os elementos de
espaço e tempo, assim como variadas técnicas de
edição. Segundo Spanghero (2003, p. 34), “foi Maya
Deren quem liderou a revolução ocasionada pelo
surgimento do equipamento 16 mm, que trouxe o
nascimento do filme como uma expressão artística
pessoal.” O filme de Maya Deren mais conhecido é
Meshes of the Afternoon (1943). Faleceu em 1961, em
Nova York, aos 44 anos de idade.

255
REFERÊNCIAS

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Dançar. São Paulo, 1987- ano V, nº 21, p. 14-15.

ARMES, Roy. On video: o significado do vídeo nos


meios de comunicação. Trad: George Schlesinger. São
Paulo: Summus, 1999.

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Marina Appenzeller. Campinas-SP: Papirus, 1995.

BORDWELL, David. Narration in the fiction film.


Londres: Methuen, 1985.

DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. Trad:


Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

GODOY, Hélio. Documentário, realidade e semiose: os


sistemas áudio-visuais como fontes de conhecimento.
São Paulo: Annablume, 2001.

256
METZ, Christian. Linguagem e cinema. São Paulo:
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Rio de Janeiro: UniverCidade, 2002. (p. 112-142).

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contemporânea. In: PEREIRA, Roberto. e SOTER,
Silvia. (orgs.). Lições de dança 3. Rio de Janeiro:
UniverCidade, 2002. (p. 53-76).

SPANGHERO, Maira. A dança dos encéfalos acesos.


São Paulo: Itaú Cultural, 2003.

VIEIRA, João. Luis. Cinema e performance. In:


XAVIER, Ismail. (org.). O cinema no século XX. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.

XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico, a


opacidade e a transparência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1984.

Sites:

257
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2005.

Gravações em videocassete

AN AMERICAN IN PARIS. Direção de Vincente


Minelli. Los Angeles: Metro Goldwyn-Mayer, 1951. 1
filme (120 min.): son.; color.; 16mm.

SINGIN’IN THE RAIN. Direção de Gene Kelly. Los


Angeles: Metro Goldwyn-Mayer, 1951. 1 filme (120
min.): son.; color.; 16mm.

THE BAND WAGON. Direção de Vincente Minelli. Los


Angeles: Metro Goldwyn-Mayer, 1952. 1 filme (120
min.): son.; color.; 16mm.

THE ROYAL WEDDING. Direção de Stanley Donen..


Los Angeles: Metro Goldwyn-Mayer, 1951. 1 filme
(120 min.) son.; color.; 16mm.

TOP HAT. Direção de Mark Sandrich. Los Angeles:


RKO Radio Pictures, 1935. 1 filme (120 min.): son.;
p&b.; 16 mm.

258
MÚSICA
E
MUSICOTERAPIA

259
UM ESTUDO SOBRE AS FUNÇÕES SOCIAIS
DA MÚSICA NA ADOLESCÊNCIA

Autoria: Priscila Pereira


Universidade Federal do Paraná

OBJETIVOS

É sabido que a música é uma das experiências


humanas mais admiráveis e inesquecíveis e se faz
presente nas sociedades mais distintas, podendo ser
ouvida tanto em rituais e festividades quanto nos
modernos players de áudio digital. Mas qual é o motivo
da música ser tão importante e muitas vezes
indispensável na vida das pessoas? Muitos estudiosos
acreditam que a música é uma habilidade primitiva e
essencial para as interações sociais e para a existência
de uma comunidade, visto que era utilizada em lutas,
caça, na criação de crianças e em outros rituais de
cooperação (JOURDAIN, 1998, p.388).
Para o ser humano, participar de uma
comunidade sempre foi imprescindível, pois significa
fazer parte de um grupo não só como um indivíduo, mas
também se constituir como pessoa. Lima (1978)

260
discorre sobre o que uma sociedade exige para que seja
considerada como tal, e não apenas como um grupo de
indivíduos: “O ‘social’ exige uma dinâmica e uma
circulação internas dentro do grupo que se associa,
produzindo um campo de forças que modifica
inteiramente a suposta individualidade” (p.17). Ou seja,
para que exista uma sociedade, é preciso que os
membros de um grupo interajam uns com os outros e
sigam os códigos existentes nesse grupo. É plausível
afirmar que este conjunto de códigos abrange também a
música. Segundo Merriam (apud HUMMES, 2004,
p.19), uma das funções sociais da música é validar as
instituições sociais como uma espécie de código, visto
que a música promove um ponto comum de
solidariedade no qual os indivíduos podem se congregar
em grupos sociais. Nesse sentido, Merriam (ibid, p.19)
considera que a música pode contribuir para a
integração de uma sociedade por promover este ponto
de solidariedade no qual os membros de uma
comunidade se reúnem para participar de atividades em
conjunto, as quais são necessárias para manter a unidade
em um grupo social.
Além do comportamento musical envolver
grupos de indivíduos e colaborar para a estabilidade de

261
uma sociedade, pode-se considerar que a música é
essencial como um meio de expressar emoções,
resolvendo conflitos e favorecendo a manifestação de
criatividade (ibid, p.19). Do mesmo modo, Jourdain
(1998) acredita que isso pode ser uma forte evidência de
que as funções sociais da música estão enraizadas às
funções emocionais do ser humano. Ele ressalta que:

Se a música surgiu para fortalecer laços sociais e


resolver conflitos, ela deve sua existência às emoções.
Porque é exercitando ou aplacando emoções que
estabelecemos relações com outros seres humanos. De
alguma forma, a música corporifica emoção (p.389).

No caso dos adolescentes, as funções sociais da


música podem ser percebidas como mais intensas do
que em adultos, tendo em vista que a adolescência é
marcada pela construção da identidade social. Além
disso, a gama de transformações físicas favorece a
instabilidade emocional que contribuirá para o
adolescente conquistar seu espaço na sociedade. A
adolescência então pode ser considerada como “[...] um
período que abrange transformações significativas –
época do surgimento do exercício da sexualidade e da

262
auto-afirmação, em contraposição a uma instabilidade
emocional - por meio das quais vemos surgir um espaço
próprio [...]” (GRINSPUN, 2007, p.34). Nesse sentido,
é plausível afirmar que a música tem como função
instituir relações sociais na adolescência por estar
vinculada aos estados emocionais, visto que “as funções
sociais da música podem ser manifestadas na regulação
dos estados emocionais, e no desenvolvimento da
identidade e das relações interpessoais” (PALHEIROS,
2007, p.304).
Nesta fase, pode-se afirmar que o grupo de
amigos exerce uma função extremamente importante,
integrando o adolescente na sociedade em que vive e
fazendo com que ele se sinta seguro emocionalmente,
considerando que é necessário que o adolescente se
sinta inserido em um grupo de amizades, o qual
mantenha a segurança de seus desejos (GEWHER,
2007, p.8). É também por meio deste que o adolescente
constrói seus valores e princípios. Grinspun (2007), em
seu artigo sobre as relações afetivas na adolescência,
ressalta a importância da amizade para os adolescentes:

A noção de pertencimento é fundamental na maturação


do jovem. As amizades são relações mais igualitárias

263
que as estabelecidas com os pais e envolvem escolhas e
comprometimento. O sentimento de confiança voltado
para um amigo ajuda o adolescente a conhecer a si
mesmo, explorar e reconhecer os próprios valores
(p.36).

A música é componente indispensável nesses


grupos de amizade, pois está inclusa no conjunto de
códigos ou ideais que caracterizam um grupo social.
Hall (2000) afirma que a identificação “[...] é construída
a partir do reconhecimento de alguma origem comum,
ou de características que são partilhadas por outros
grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo
ideal” (p.104). Com isso, a música subdivide os
adolescentes em grupos específicos, auxiliando-os a se
integrar na sociedade e a encontrar sua identidade
social, como observa Ilari (2007), ao declarar que a
música “[...] serve como uma espécie de ‘distintivo’ que
o adolescente carrega para criar ou fomentar
determinada imagem de si e apresentá-la aos outros,
para parecer ‘legal’ e ser aceito em um grupo
específico” (p.74). Hall (1998) também discorre sobre a
importância do exterior na construção da identidade do
sujeito:

264
A identidade surge não tanto da plenitude da identidade
que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma
falta de inteireza que é ‘preenchida’ a partir de nosso
exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos
ser vistos pelos outros (p.39).

Além disso, é bem visível a influência que a


música exerce sobre as emoções, as atitudes e o
comportamento dos adolescentes, pois mais do que
qualquer outra arte, a música é para eles a representação
de seus problemas e desejos, servindo como uma
poderosa referência. Alguns pesquisadores têm se
dedicado a estudar a importância da música na vida do
adolescente, como Eco (1993) que, referindo-se à
música como elemento simbólico para os adolescentes
ressalta: “Na sociedade em que vivem, esses
adolescentes não encontram nenhuma outra fonte de
modelos; ou pelo menos nenhuma tão enérgica e
imperativa” (p.309).
Do mesmo modo, é nesta fase de angústias e
crises existenciais que a audição musical terá também
funções importantes centradas na própria pessoa,

265
servindo como um meio singular de entretenimento e
relaxamento, como afirma Ilari (2007):

A audição musical na adolescência serve a múltiplos


propósitos centrados na própria pessoa: entretenimento,
relaxamento e alívio de tensões, aumento dos graus de
excitação e combate à solidão, bem como a regulação
do humor, que é bastante flutuante (p.72).

Considerando ainda o desenvolvimento de


tecnologias, a música tornou-se facilmente acessível aos
adolescentes tornando a atividade musical presente na
adolescência em qualquer contexto, seja
individualmente ou com o grupo de amizades, em casa
ou na escola, como considera Palheiros (2007): “Eles
ouvem música em lugares públicos e por meio dos
media, sozinhos ou na companhia da família e dos
amigos [...]. Criam a sua própria música em grupos de
amigos, imitam os seus cantores preferidos e discutem
música com os seus pares” (p.305). Esse quadro revela
o quanto a música tem ocupado um lugar significativo
na vida dos adolescentes e, consequentemente, a
importância crescente das funções sociais da música na
adolescência.

266
Nesse sentido, pode-se afirmar que a presente
pesquisa tem como principal objetivo investigar as
funções sociais da música na adolescência. Para isso,
será necessário investigar as funções sociais da música
na sociedade, a relação adolescente versus música e a
influência da música na formação de grupos sociais por
meio do ponto de vista dos próprios adolescentes. Por
meio desta investigação, será possível traçar o papel da
música na integração do adolescente na sociedade e suas
funções sociais em diferentes situações de audição.

MÉTODO E RESULTADOS PARCIAIS

Este estudo está sendo desenvolvido a partir de


uma pesquisa bibliográfica, a qual tem possibilitado o
levantamento de dados referentes ao assunto tratado.
Além disso, a pesquisa bibliográfica se faz necessária,
pois permite “[...] ao investigador a cobertura de uma
gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela
que poderia pesquisar diretamente” (GIL, 1999, p.65).
Por meio desta, tem sido possível investigar a recente
expansão da reflexão teórica na psicologia social e
musical, realçando a importância da música na

267
sociedade, principalmente no que diz respeito à
formação de grupos sociais na adolescência.
Em seguida, será feito um estudo de campo,
sendo que este “[...] tende a utilizar muito mais técnicas
de observação do que de interrogação” (ibid., p.72).
Desta forma, o estudo de campo não objetiva somente a
precisão estatística, mas também um “[...]
aprofundamento das questões propostas” (ibid, p.72).
Considerando as vantagens apresentadas, este método
pode ser considerado o mais coeso com os objetivos da
pesquisa.

CONCLUSÃO

Neste trabalho, foi abordada a importância da


música na sociedade e como esta pode integrar os
indivíduos em uma comunidade, transformando-os em
pessoas. Além disso, foi possível traçar um breve
esboço do papel social que a música exerce na
adolescência, servindo como um distintivo entre os
grupos de amizades. A função social da música na
adolescência é um objeto de estudo que cresceu
admiravelmente nos últimos anos, e abrange alguns
campos de interesse como antropologia musical,

268
desenvolvimento humano e educação musical. No
entanto, é importante salientar que ainda há várias
questões a serem levantadas e discutidas sobre o
assunto. Deste modo, esta pesquisa ainda pretende
abordar questões relevantes sobre as diversas funções
sociais da música na adolescência, considerando não só
o papel preponderante que a música exerce na vida
pessoal do adolescente, mas também a importância da
audição musical nas relações deste com seus pares.
Assim, a presente pesquisa poderá trazer contribuições
ao estudo da sociologia e antropologia musical e à área
musical acadêmica, por fornecer um material científico
sobre a cognição musical de adolescentes e identidade
social, além de servir como um subsídio para
educadores musicais.

269
REFERÊNCIAS

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Paulo, Editora Brasiliense, 1987, 97p.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 5. ed. São


Paulo, Editora Perspectiva, 1993, p.290-330.

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tirania da mídia televisiva no mundo adolescente.
http://www.unoescjba.rct-sc.br. Acesso em: 24 mar.
2007, 34p.

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social. 5. ed. São Paulo, Atlas, 1999, p.64-75.

GRINSPUN, Mirian Paura S. Zippin. A razão dos


afetos. Revista O olhar adolescente, São Paulo, v.4,
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modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro, DP&A editora,
1998, 102p.

270
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da música? Considerações sobre as funções da música
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ILARI, Beatriz. Em sintonia com o mundo. Revista O


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JOURDAIN, Robert. Música, cérebro e êxtase: Como a


música captura nossa imaginação. Rio de Janeiro,
Objetiva, 1998, p. 342-418.

LIMA, Lauro de Oliveira. Conflitos no lar e na escola:


A teoria e a prática da dinâmica de grupo segundo
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PALHEIROS, Graça Boal. Funções e modos de ouvir


música de crianças e adolescentes, em diferentes

271
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mente musical: Ensaios sobre os processos cognitivos
em música – da percepção à produção. Curitiba: Editora
da UFPR, p.303-352.

PRIORE, Mary Del. Adolescentes de ontem. Revista O


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ZAGURY, Tânia. O adolescente por ele mesmo. 5. ed.


Rio de Janeiro, Editora Record, 1996, 277p.

272
AVALIAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO
TEMPORAL DE PACIENTES NEUROLÓGICOS
AFÁSICOS, CANTORES EM ESPAÇO DE
CONVIVÊNCIA

Autoria: Sandra Maria Pela;


Liliane Desgualdo Pereira;
Alessandra Rezende

Instituição: UNIFESP/EPM (Universidade Federal de


São Paulo – Escola Paulista de Medicina), São Paulo/SP

Objetivos: A hipótese levantada neste estudo é de que


exista uma melhor percepção auditiva em indivíduos
expostos à prática de canto-coral do que em indivíduos
sem essa experiência. O principal grupo estudado foi
formado por indivíduos que perderam a capacidade
parcial de comunicar-se, ou seja, com afasia, por
alteração no Sistema Nervoso Central, expostos à
prática de canto-coral. Como meio de comparação,
formaram-se dois outros grupos com faixa etária
semelhante, um deles com indivíduos com afasia e o
outro grupo com indivíduos sem lesão cerebral, ambos
sem exposição a esse tipo de prática. Dessa forma, o

273
objetivo principal deste estudo foi verificar o
processamento auditivo temporal de indivíduos com
afasia expostos e não-expostos à prática de canto-coral.

Métodos e Resultados: Foram avaliados 18 indivíduos:


seis com afasia expostos à prática de canto-coral, seis
indivíduos com afasia não expostos à essa prática e seis
indivíduos sem lesão cerebral também não expostos à
essa prática. Foram aplicados três testes com estímulos
musicais elaborados por Ríos (2005) entitulados “Teste
de Reconhecimento de Padrão Harmônico em Escuta
Dicótica com Dígitos, Teste de Reconhecimento de
Padrão Rítmico em Escuta Dicótica e Teste de
Reconhecimento de Padrão Melódico em Escuta
Biaural” e um teste padrão (Santos, Pereira, 1996) para
avaliação do processamento auditivo, entitulado “Teste
Dicótico de Dígitos”. Quanto aos resultados obtidos,
observaram-se diferenças estatisticamente significantes
na comparação entre os dois grupos de indivíduos com
afasia e o grupo sem lesão cerebral nos testes dicóticos
com e sem estímulos musicais em algumas etapas.
Quando comparados os resultados de todos os
indivíduos entre os testes com e sem estímulos
musicais, observou-se que houve facilitação após o uso

274
dos estímulos musicais em algumas etapas. Nos testes
de padrões rítmicos e melódicos não foram observadas
diferenças estatisticamente significantes entre os
resultados dos três grupos estudados.
Conclusões: Neste caso, a exposição à atividade de
canto-coral especificamente neste grupo com afasia não
melhorou o processamento auditivo temporal; a
presença de lesão cerebral piorou o comportamento
auditivo dos indivíduos estudados; o estímulo sonoro
verbal sofreu influência positiva da pista da música, ou
seja, seu reconhecimento foi melhor tanto nos
indivíduos sem lesão quanto com lesão cerebral. Os
testes de ritmo e melódicos devem ser melhor estudados
para este tipo de população. Os testes verbais com e sem
estímulos musicais mostraram-se eficientes para este
tipo de população.

275
CLASSIFICAÇÃO DOS DIMINUTOS E
TRÍTONOS

Fabrício Ferreira do Amaral


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba - PR

RESUMO: Dialogando com teóricos da


harmonia tradicional e funcional, este artigo investiga os
conceitos e relações entre diminutos e trítonos, escalas e
acordes diminutos, escalas diminutas aplicadas à
acordes dominantes e dominantes com nona menor, e as
resoluções de trítono através de uma Classificação de
Diminutos e Trítonos proposta pelo autor deste artigo.

PALAVRAS-CHAVES: trítonos; escala e acordes


diminutos; dominantes e dominantes com nona menor.

INTRODUÇÃO

A Classificação dos Diminutos e Trítonos


surgiu da necessidade de compreender os acordes
diminutos e as relações que estes apresentam com a
função dominante.

276
Esta classificação é fruto de um processo
experimental que, dialogando com o referencial teórico
existente, tem o intuito de auxiliar a compreensão desta
parte do universo musical.
Após o entendimento dos diminutos e dos
trítonos por teóricos da harmonia funcional como Guest
e Chediak, e da harmonia tradicional como Hindemith,
Schoenberg, Piston, Zamacois e Koellreutter, os acordes
diminutos e os trítonos foram classificados em grupos
buscando estabelecer relações entre estes e sua
ocorrência dentro da função dominante. Ou seja, a partir
da classificação dos diminutos e trítonos em grupos,
surgiram várias relações que propiciaram desde um
entendimento acerca da construção e da aplicação de
escalas diminutas em acordes dominantes e dominantes
com nona menor até as resoluções dos trítonos por
grupos.
Essas relações visam auxiliar não somente a
prática da composição, improvisação e do arranjo, mas
também da análise musical, por isso a importância deste
assunto para músicos em geral.
1. ACORDES DIMINUTOS

277
O entendimento sobre acordes diminutos, que
resultou no primeiro passo para a classificação dos
trítonos, foi adquirido através do livro Harmonia e
Improvisação37 de Chediak juntamente com aulas de
harmonia ministradas pelo professor Maurílio Ribeiro
no Conservatório de Música Popular Brasileira de
Curitiba.
Segundo Chediak (199-), o acorde de sétima
diminuta é o acorde construído diatônicamente sobre o
VIIº da escala menor harmônica, contém dois trítonos e
divide a oitava em quatro partes iguais. Por esse motivo,
as inversões desse acorde geram acordes que mantém o
som e são equivalentes ao primeiro.
Exemplo: Acorde de G#o, VII o
da tonalidade de Am
harmônico:

Ja para Piston (1998), acordes de sétima


diminuta são acordes dominantes com sétima (V7), com

37
Primeiro livro editado no Brasil sobre harmonia e
improvisação, segundo a Editora Lumiar.

278
a nona menor adicionada (b9), porém com a
fundamental omitida, e esta é a explicação de Piston
para que a sonoridade de acordes diminutos seja sempre
a mesma quando invertidos.

O ciclo dos diminutos proposto por Chediak


inspirou a primeira classificação dos trítonos pela ordem
dos acordes B, C e C#. Cada um destes acordes gerou
um grupo de acordes diminutos:
Grupo dos Diminutos 1: B
D F Ab
Grupo dos Diminutos 2: C
Eb Gb A
Grupo dos Diminutos 3:
C# E G Bb
Para visualizarmos esses grupos, a escala
cromática foi separada pela ordem dos grupos de
diminutos 1,2 e 3.
B C C#/D D D#/E E F F#/G G G#/A A A#/B
b b # b b
1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3

7. ESCALAS DIMINUTAS

279
Escalas diminutas são escalas simétricas de oito
notas dispostas em intervalos de tom-semitom, ou
semitom-tom. Existem duas possibilidades para montar
uma escala diminuta a partir de uma mesma
fundamental. A primeira é a escala diminuta
própriamente dita, e a segunda é a escala dominante-
diminuta, também chamada de diminuta-dominante por
Guest (200-).
A diferença entre essas duas escalas dá-se
apenas pelo fato das escalas diminutas começarem com
o intervalo de tom a partir da fundamental, enquanto as
dominantes-diminutas começam com o intervalo de
semitom.

A classificação dos grupos de diminutos


auxiliou o entendimento sobre as escalas diminutas
através da sobreposiçao de acordes. Ou seja , elas são o
resultado da soma de dois acordes, ou grupos de
dimutos sobrepostos.

280
Por exemplo, somando o acorde diminuto de B
(grupo 1) mais o acorde de C# diminuto(grupo 3),
iremos obter a escala diminuta de B.

B D F Ab
C# E G Bb

Então, para se obter as escalas diminutas de


qualquer uma das notas do grupo 1, basta somar, ou
sobrepor ao grupo 1 o grupo 3.
Esta fórmula de sobreposição vale também para
obter as escalas diminutas das outras notas que pertecem
aos outros grupos.
As tabelas a seguir mostram como são obtidas
todas as escalas diminutas pela sobreposição de acordes:

As escalas diminutas das notas do grupo 1 são o


resultado da soma dos grupos 1 e 3.
grupo 1 3 1 3 1 3 1 3 1

escala B C# D E F G Ab Bb B

281
As escalas diminutas das notas do grupo 2 são o
resultado da soma dos grupos 2 e 1.
grupo 2 1 2 1 2 1 2 1 2

escala C D Eb F Gb Ab A B C

As escalas diminutas das notas do grupo 3 são o


resultado da soma dos grupos 3 e 2.
grupo 3 2 3 2 3 2 3 2 3
escala C# D# E F# G A Bb B# C#

É de consenso entre autores como Guest e


Chediak que as escalas diminutas são usadas para
improvização em cima de acordes dominantes a partir
das notas: b9, 3ª maior, 5ª justa e 7ª menor.
Seguindo este raciocínio, se o acorde de função
dominante for G7, usaremos as escalas diminutas
partindo das notas Ab, B, D e F, que correspondem
neste caso ao grupo 1.
Com relação às escalas dominantes-diminutas,
também podemos compreendê-las pela sobreposição de
grupos ou acordes diminutos. Abaixo seguem as tabelas
para obtenção das escalas dominantes-diminutas.
As escalas dominantes-diminutas das notas do
grupo 1 são o resultado da soma dos grupos 1 e 2.

282
grupo 1 2 1 2 1 2 1 2 1
escala B C D Eb F Gb Ab A B

As escalas dominantes-diminutas das notas do


grupo 2 são o resultado da soma dos grupos 2 e 3.
grupo 2 3 2 3 2 3 2 3 2
escala C Db Eb E F# G A Bb C

As escalas dominantes-diminutas das notas do


grupo 3 são o resultado da soma dos grupos 3 e 1.
gr 3 1 3 1 3 1 3 1 3
up
o

esc C# D E F G Ab Bb B C#
ala

Usam-se escalas dominantes-diminutas para


improvisação em cima de acordes dominantes a partir
da fundamental do acorde.
Dessa forma, se o acorde de função dominante
for G7, usaremos a escala dominante-diminuta partindo
da nota G.

283
Fica claro para o improvisador que não
importa qual escala ele escolha, se a diminuta ou a
dominante-diminuta, pois como podemos perceber
através dos exemplos em G7, as duas escalas contém as
mesmas notas, portanto trata-se da mesma escala
partindo de fundamentais diferentes.
A sobreposição de acordes não diminutos como
técnica de improvisação é conhecida pelos músicos que
estudam técnicas de improviso. Essa técnica consiste em
sobrepor dois acordes que encerram todas as notas de
umas escala afim de que se possa tocar todas as notas de
uma escala não por graus conjuntos, mas por outros
intervalos. Se arpejarmos o acorde de C7M (que contém
as notas C, E, G e B) mais o acorde de Dm7 ( D, F, A e
C ) obtemos todas as notas da escala e do tom de C.

C E G B
D F A C

A sobreposição de dois acordes diminutos é


muito interessante e gera várias possibilidades de
combinações melódicas. Exemplificando, se na
harmonia estiver soando um acorde de Bº podemos
tocar um acorde de C#º e a sonoridade será a da escala

284
diminuta de B, já que a escala de B é igual à soma dos
acordes Bº mais o C#º.

8. CLASSIFICAÇÃO DOS TRÍTONOS.

O trítono é o intervalo entre duas notas


composto de três tons (metade da oitava), sendo
denominado de quarta aumentada ou quinta diminuta.
A inversão de um intervalo de trítono resulta no mesmo
intervalo de trítono. Sendo assim, existem apenas seis
possibilidades de ocorrência deste mesmo intervalo já
que o sistema temperado é delimitado por doze notas.
Os trítonos foram extraídos e classificados a
partir da classificação dos acordes diminutos em grupos
1, 2 e 3. Cada acorde diminuto possui dois trítonos, o
primeiro entre a primeira e a terceira nota e o segundo
entre a segunda e quarta nota. Segue tabela para ilustrar
essa classificação:

Trítonos pertencentes ao grupo 1:


Grupo 1
Trítono 1A Trítono 1B
BF D Ab

285
Trítonos pertencentes ao grupo 2:
Grupo 2
Trítono 2A Trítono 2B
C Gb Eb A

Trítonos pertencentes ao grupo 3:


Grupo 3
Trítono 3A Trítono 3B
C# G E Bb

4. RESOLUÇÕES DE TRÍTONO

A harmonia tradicional através de teóricos como


Hindemith (199?) e Rimsky-Korsakov (1997),
estabelece que o intervalo de trítono, formado entre a
terça e a sétima do acorde do V° resolve da seguinte
maneira: a terça do acorde V7 sobe até alcançar a
fundamental do acorde I, e a sétima do acorde V7 desce
até chegar na terça do acorde I.
Já a classificação dos trítonos por sua vez
possibilitou estabelecer uma relação entre os trítonos
com as fundamentais dos acordes do Iº de forma que:

286
O trítono 1A resolve nas fundamentais do trítono 2A
O trítono 1B resolve nas fundamentais do trítono 2B
O trítono 2A resolve nas fundamentais do trítono 3A
O trítono 2B resolve nas fundamentais do trítono 3B
O trítono 3A resolve nas fundamentais do trítono 1B
O trítono 3B resolve nas fundamentais do trítono 1A

Para entender este raciocínio partiremos do


exemplo do acorde de função dominante G7. Este
acorde contém o trítono 1A (B e F), que resolve no
acorde de C ou Cm se for V7 grau, e também resolve no
acorde de F# ou F#m se sua função for a de substituto
do V7 (bII7).
As duas possibilidades de resolução, C e F#,
representam o trítono 2A. Portanto o tritono 1A (B e F)
resolve nas fundamentais do trítono 2A (C e F#).
Outra relação que a classificação dos trítonos
permitiu foi entre os trítonos e as fundamentais dos
acordes dominantes de forma que:

287
O trítono 1A está contido nas fundamentais do trítono 3A
O trítono 1B está contido nas fundamentais do trítono 3B
O trítono 2A está contido nas fundamentais do trítono 1B
O trítono 2B está contido nas fundamentais do trítono 1A
O trítono 3A está contido nas fundamentais do trítono 2B
O trítono 3B está contido nas fundamentais do trítono 2A

Para esclarecer essa relação recorreremos


novamente ao acorde de função dominante G7. Ao
afirmar que o trítono 1A pertence ao 3A estamos
dizendo que 1A (B e F), está contido no acorde de G7
ou C#7 que são notas do grupo 3A.
Abaixo segue uma tabela contendo todo o
raciocínio dessas relações matemáticas combinando
acordes de função dominante com seus trítonos e suas
respectivas resoluções.

Tabela Geral dos Acordes Dominantes


Dominantes/notas Diminuto Trítono Resolução
C7 C E G Bb 3 3B FeB
C#7 C# E# G# B 1 1A F# e B#
D7 D F# A C 2 2A G E C#
Eb7 Eb G Bb Db 3 3A Ab e D
E7 E G# B D 1 1B A e D#
F7 F A C Eb 2 2B Bb e E

288
F# F# A# C# E 3 3B B e E#
G7 GBDF 1 1A C e F#
Ab7 Ab C Eb Gb 2 2A Db e G
A7 A C# E G 3 3A D e Gb
Bb7 Bb D F Ab 1 1B Eb e A
B7 B D# F# A 2 2B E e Ab

5. ACORDES DOMINANTES COM NONA MENOR

Lembrando que para Piston, acordes V7(b9) são


acordes dominantes de sétima com a nona menor
adicionada. Exemplo em G7(b9)

T 3ª 5ª 7ª (b9)

G B D F Ab

É possível visualizar através do exemplo acima


que o grupo 1, ou o acorde B°, esta contido neste
acorde.
Ainda segundo Píston, um acorde diminuto
possui uma fundamental omitida uma terça maior
abaixo da sensível do acorde diminuto (trata-se da nota
mais grave do acorde diminuto). Então, adicionando a
cada nota do grupo 1, as fundamentais omitidas
chegamos aos seguintes acordes V7(b9):

289
B° → G7(b9)
D° → Bb7(b9)
F° → Db7(9)
Ab° → E7(b9)
As fundamentais dos V7(b9) obtidas do grupo
1, representam exatamente o grupo de diminutos 3.
Assim o grupo 1 de diminutos (B D F Ab), gera
os acordes V7(b9) cujas fundamentais pertencem ao
grupo 3 ( C# E G Bb), e ambos os grupos resolvem nas
fundamentais do grupo 2 ( C Eb Gb A).

Exemplo:
os acordes diminutos Bº, Dº, Fº,
Abº
mais os acordes V7(b9)
G7(b9), Bb(b9), Db7(b9), E7(b9)
resolvem nos acordes de
fundamentais C,Eb, Gb, e A

Nesse exemplo, os diminutos resolvem nos


acordes C, Eb, Gb e A por conterem os trítonos que
resolvem nesses acordes. Já os V7(b9) resolvem por
serem acordes de função V7 ou bII7 com exceção de
que neste mesmo exemplo o acorde E7(b9) resolvendo

290
em C não é V7, nem bII7 de C, mas contem o trítono B
e F que resolve em C. O mesmo se aplica ao acorde
Bb7(b9) resolvendo em Gb, Db7(b9) resolvendo em A,
e G7(b9) resolvendo em Eb. Todos esses casos
caracterizam o III7(b9) resolvendo em I por possuírem o
mesmo trítono do V7.
A tabela abaixo contém todos os doze acordes
V7(b9) relacionados com os acordes diminutos, trítonos
e suas resoluções.

Tabela Geral dos Acordes Dominantes com (b9)


Dominantes/notas Diminuto Trítono Resolução
C7 C E G Bb Db 3 3B 3A F B Ab D
C#7 C# E# G# B D 1 1A 1B F# B# A D#
D7 D F# A C Eb 2 2A 2B G C# Bb E
Eb7 Eb G Bb Db 3 3A 3B Ab D F B
Fb
E7 E G# B D F 1 1B 1A A D# F# C
F7 F A C Eb Gb 2 2B 2A Bb E G C#
F# F# A# C# E G 3 3B 3A B F G# D
G7 G B D F Ab 1 1A 1B C F# A D#
Ab7 Ab C 2 2A 2B Db G Ab E
EbGbBbb
A7 A C# E G Bb 3 3A 3B D Gb
Bb7 Bb D F Ab Cb 1 1B 2B Eb e A
B7 B D# F# A C 2 2B 2A E e Ab

291
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por compreender que, o conhecimento das


relações de diminutos, trítonos e função dominante é
indispensável para compositores, arranjadores e
improvisadores, espera-se que a Classificação dos
Diminutos e Trítonos possa – somada ao referencial
teórico já disponível – contribuir para um melhor
entendimento desse assunto.
Combinando os conhecimentos da harmonia
tradicional e da harmonia funcional à Classificação dos
Diminutos e Trítonos pode-se afirmar que:

1) Existem apenas três acordes diminutos.

2) As inversões de um acorde diminuto geram


outros três acordes diminutos equivalentes, podendo
ser agrupados em:
Grupo 1: B D F Ab
Grupo 2: C Eb Gb A
Grupo 3: C# E G Bb

3) A escala diminuta de uma nota é formada por:


Escala do grupo 1 = Grupo 1 + Grupo 3

292
Escala do grupo 2 = Grupo 2 + Grupo 1
Escala do grupo 3 = Grupo 3 + Grupo 2

4) A escala dominante-diminuta de uma nota é


formada por:
Escala do grupo 1 = Grupo 1 + Grupo 2
Escala do grupo 2 = Grupo 2 + Grupo 3
Escala do grupo 3 = Grupo 3 + Grupo 1

5) Existem apenas seis trítonos, dois para cada


grupo de acordes diminutos. Assim conclui-se que
com apenas seis acordes V7 ou apenas três acordes
diminutos ou ainda três acordes V7(b9) pode-se
estabelecer função dominantes para qualquer
acorde.

6) Existe um trítono para cada duas tonalidades.

7) Cada nota de um acorde diminuto gera um


acorde V7(b9) que se encontra uma terça maior
abaixo

8) Se o dominante pertence ao Grupo 1 o diminuto


contido nele pertencerá ao Grupo 2.

293
Se o dominante pertence ao Grupo 2 o diminuto
contido nele pertencerá ao Grupo 3.
Se o dominante pertence ao Grupo 3 o diminuto
contido nele pertencerá ao Grupo 1.

9) O Grupo de dominantes cujas fundamentais


pertencem ao Grupo 1 resolvem nas fundamentais
do Grupo 3.
O Grupo de dominantes cujas fundamentais
pertencem ao Grupo 2 resolvem nas fundamentais
do Grupo 1.
O Grupo de dominantes cujas fundamentais
pertencem ao Grupo 3 resolvem nas fundamentais
do Grupo 2.

10) O grupo dos Diminutos 1 resolve nas


fundamentais do Grupo 2
O grupo dos Diminutos 2 resolve nas fundamentais
do Grupo 3.
O grupo dos Diminutos 3 resolve nas fundamentais
do Grupo 1.

294
11) A somatória dos Grupos 1 e 3 gera as escalas
diminutas que resolvem nas fundamentais do Grupo
2.
A somatória dos Grupos 2 e 1 gera as escalas
diminutas que resolvem nas fundamentais do Grupo
3.
A somatória dos Grupos 3 e 2 gera as escalas
diminutas que resolvem nas fundamentais do Grupo
1.

REFERÊNCIAS:

CHEDIAK, Almir. Harmonia & Improvisação. 8. ed.,


Rio de Janeiro: Lumiar Editora, [199-], 1v.

GUEST, Ian. Harmonia: Método Prático. Rio de


janeiro: Lumiar Editora, [200-], 2v.

GUIMARÃES, Mário Catão. Harmonia Teórica e


Prática Pela Teoria dos Conjuntos. 1. ed., Belo
Horizonte: Oficina de Livros, 1990.

295
HINDEMITH, Paul. Curso Condensado de Harmonia
Tradicional. Tradução de Souza Lima. 12. ed., São
Paulo: Irmãos Vitale, [199?].

KOELLREUTTER. Hans-Joachim. Harmonia


Funcional: Introdução a Teoria das Funções
Harmonicas. São Paulo: Ricordi, [entre 1980 e 2000].

MED, Bohumil. Teoria da Música. 3. ed., Brasília:


MusiMed, {199?].

PISTON, Walter. Armonía. Espanha: SpanPress


Universitária, 1998.

RIMSKY-KORSAKOV, Nikolai Andreyevich. Tratado


Práctico de Armonía. Tradução para o espanhol de
Jacoboy Miguel Ficher. Buenos Aires: Ricordi, 1997.

SEKEFF, Maria de Lourdes. Curso e Discurso do


Sistema Musical (Tonal). São Paulo: Anna Blume,
1997.

ZAMACOIS, Joaquín. Tratado de Armonía: Libro I.


Espanha: Spanpress Universitária, 1997.

296
PAULINO, Conrado. Harmonia Funcional: curso-
oficina ministrado por Conrado Paulino no 8° Festival
de Música de Itajaí, 03-09 set.. 2005. 53 f. Notas de
aula. Digitado.

SANTOS, Rafael dos. Composição e Arranjo


ministrado por Rafael dos Santos: curso-oficina
ministrado por Rafael dos Santos no 9° Festival de
Música de Itajaí, 01-09 set.. 2006. 30 f. Notas de aula.
Digitado.

FREITAS, Sérgio Paulo Ribeiro de. Artifícios de


Rearmonização, entre manter e se afastar ministrado
por Sérgio Freitas: curso-oficina ministrado por Sérgio
Freitas no IIº Simpósio de Música da FAP, 23-27 out.
2006. 3 f. Arquivo Digital.

297
Confecção de uma escala de avaliação (ADATA)
para facilitação no diagnóstico do Transtorno
Autístico

Autoria: Fernando Maciel e Nicolli Scotti de Melo –


Faculdade de Artes do Paraná
Prof. Ms. Carlos Mosquera – Orientador – Faculdade de
Artes do Paraná

INTRODUÇÃO

Nosso grupo de estudos da Faculdade de Artes


do Paraná (FAP), formado por alunos do curso de
bacharelado em Musicoterapia, tem se dedicado há
tempo ao estudo do autismo. Para a proposta desta
pesquisa fizemos uma breve revisão literária sobre
definições e vertentes do autismo, só assim poderíamos
compreender um pouco mais sobre o assunto, antes
mesmo de pesquisar sobre o tema desejado.
Seguir alguns caminhos para esclarecer, estudar
ou mesmo diagnosticar o autismo é uma tarefa árdua

298
para qualquer cientista ou pesquisador. É um fenômeno
que produz um cataclismo evolutivo que ainda não pode
ser superado (RIVIÉRE, 2001, p. 23). Essa superação
exige inicialmente definições e esclarecimentos.
Leo Kanner em 1943 foi o primeiro a observar e
descrever características sobre o autismo, essas
observações foram divulgadas em Alterações autistas
do contato afetivo (LOPÉZ; GRANADOS; VÁZQUEZ,
2007, p. 303). Kanner observou também o que hoje é
chamado de tríade de prejuízos, que inclui: prejuízo à
interação social; prejuízo a comunicação verbal e não-
verbal; comportamento, atividades e interesses restritos
e repetitivos. (Ibidem, p. 303). Uma outra definição
sobre autismo é do manual de Diagnóstico e Estatístico
(DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria
(AAP) que classifica autismo como Transtorno Autista
(TA), e o incluí na subcategoria dos Transtornos
Invasivos do Desenvolvimento (TID). (COSTA;
NUNESMAIA, 1998, p. 24).
Posteriormente a observação de Kanner,
diversas abordagens buscaram entender a gênese do
autismo, entre elas: a psicanalítica; as teorias afetivas; a
teoria da mente; teorias neuropsicológicas e de
processamento da informação; a função executiva; e a

299
coerência central. Estas abordagens são citadas por Bosa
(2000) em seu artigo de Revisão Sobre Diferentes
Abordagens do Autismo. Na conclusão de seu artigo, ela
destaca a importância de estudos acerca destas
compreensões de modo a integrá-las para que se possa
formar o perfil comportamental que caracteriza o
autismo. Cabe ressaltar que apesar do grande número de
abordagens que buscam justificar a gênese do autismo,
não há dados concretos que expliquem sua causa.
Atualmente há um consenso na literatura cientifica de
que o TA tem origem biológica. Por outro lado a
classificação psiquiátrica defende outra teoria, esta
depende da presença de alterações comportamentais
especificas. (BARON-COHEN, 1990, p. 19).
O diagnóstico do TA se dá por meio de
observação clínica dos aspectos autistas, pelos critérios
do DSM IV, não havendo, portanto, um exame
laboratorial específico para os casos de autismo
(GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004, p. s86). Mas
exames laboratoriais são de grande importância para
identificar patologias potencialmente associadas ao
autismo, possibilitando um tratamento adequado as
mesmas, que podem ser de origem congênita

300
(adquiridas antes ou depois do nascimento) ou de
origens genéticas/ metabólicas inatas. (Ibidem, p. s86).
A identificação precoce do TA é de
fundamental importância para que crianças portadoras
do transtorno possam ampliar suas possibilidades de
desenvolvimento, refletindo em melhoras significativas
em seu bem-estar e em qualidade de vida, como discorre
Elias e Assumpção:

(...) partimos da premissa de que, quando portadora de


melhores níveis de desenvolvimento, essas crianças
poderão se adaptar ao ambiente e desenvolver melhor
índice de QV, entendida aqui, quanto ao bem-estar
referente ao grau de satisfação em vários domínios das
suas vidas. (ELIAS, ASSUMPÇÃO, 2006, p.295).

Pela importância do diagnóstico, buscamos


compreender como este se dá em casos de TA. Um dos
fatores que dificultam o reconhecimento precoce do
autismo é o atraso da manifestação de suas principais
características (tríade de prejuízos). “Classicamente, as
crianças com o transtorno parecem desenvolver-se
normalmente até os 15 ou 18 meses de idade, quando
ocorre uma mudança distinta e dramática na sua

301
capacidade de relacionamento e linguagem” (PLISZKA,
2004, p. 188).
Devido à dificuldade de delimitar
comportamentos característicos do autismo, são
utilizadas escalas de avaliação objetivas, para auxiliar o
diagnóstico. Escalas de avaliação são instrumentos
complementares ao diagnóstico autístico, e não permite
a dispensa do diagnóstico clínico. (ASSUMPÇÃO et al,
1999, p. 29). Estas escalas devem ser aplicadas por
equipes multidisciplinares, para uma avaliação
comportamental das crianças (atenção conjunta, contato
visual, expressão facial do afeto). (GADIA;
TUCHMAN; ROTTA, 2004, p. s86).
Umas das escalas de auxílio, reconhecida e
aceita para este tipo de diagnóstico é a Escala de Traços
Autísticos (ATA). A ATA foi elaborada por Ballabriga
e colaboradores, a partir da discussão das características
e aspectos mais significativos do transtorno.
(ASSUMPÇÃO et al, 1999, p. 24). O objetivo desta
escala é mensurar as condutas apresentadas pelo
transtorno, de maneira que possa se estabelecer um
diagnóstico de maior confiabilidade e que possa “ser
utilizada por pessoal não especializado com a finalidade
de triar casos suspeitos de autismo”. (Ibidem, p. 24). A

302
pesquisa realizada por Assumpção tinha por objetivo a
tradução e validação da confiabilidade da ATA perante
os atuais critérios do DSM IV.
A ATA continua sendo uma escala de grande
referência para o acompanhamento de crianças com TA
e outras síndromes, assim mesmo, o tempo para
preenchê-la é demasiado longo. Em média este
instrumento é aplicado, segundo Assumpção de 20 a 30
minutos (Ibidem, p. 24). Pensando nisso, na alternativa
de acelerar o acompanhamento de um instrumento de
observação de um aluno com TA e manter a
confiabilidade nas respostas do instrumento de coleta de
informações, resolvemos pesquisar a confecção de uma
adaptação do ATA, um instrumento mais ágil, com
menor tempo de preenchimento do instrumento.

OBJETIVO

Tema:
Identificar o autismo
Delimitação do tema:

303
Identificar o autismo em escolas e instituições,
através de uma pesquisa na validação de uma escala de
avaliação.

Objetivo Geral:
Validar um instrumento adaptado de avaliação
(ADATA) do Transtorno Autístico.

Objetivos Específicos:
9. Utilizar o instrumento de avaliação para
acompanhamento do aluno com Transtorno Autístico na
escola especializada e/ou outros centros.
10. Utilização do instrumento para descartar a
existência de outras síndromes
11. Facilitar o processo de avaliação executado pelo
professor e/ou reabilitador
12. Reconhecer os principais déficits dos avaliados
que necessitam maior atenção num processo terapêutico
13. Reconhecer as potencialidades das crianças com
Transtorno Autístico.

METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa qualitativa,
exploratória e de observação. O instrumento adaptado é

304
composto de 23 escalas (anexo 1), tendo entre elas uma
breve explicação do que é solicitado na pergunta. Em
cada uma das escalas é atribuído um escore que varia de
0 a 3, sendo o escore 0 o indicativo que o avaliado não
apresenta características atribuídas (negativo) e escore
3, quando o avaliador classifica o avaliado como
apresentando as características do TA (positivo). Os
escores 1 e 2 são referente as manifestações
intermediárias. No escore 1 o avaliado mostra-se com
algumas características da escala proposta. No escore 2
as características apresentadas pelo aluno não são
acentuadas como o escore 3. Essas são as diferenças
apresentadas em cada escore do instrumento analisado.
Nestas escalas, a tríade de comportamentos encontrada
em TA está contemplada. A escala ATA, bem como o
nosso instrumento adaptado ADATA, usam critérios
diagnósticos do DSM-IV. Este instrumento foi aplicado
em 40 alunos que apresentavam alguma característica
de TA, mas em todos os casos, o diagnóstico do aluno
não foi apresentado durante a realização da pesquisa.
Isso foi necessário para que o instrumento de pesquisa
não sofresse nenhum ruído. Só depois do
encaminhamento ao trato estatístico é que foi
confirmado o diagnóstico de cada aluno. A idade dos

305
alunos avaliados compreendia entre os 10 e 35 anos.
Todos os alunos acompanhados e observados foram
avaliados duas vezes por equipes distintas, este
procedimento foi necessário para saber se o instrumento
era consenso na hora das observações.
A sintomatologia autística foi revisada pelos
avaliadores da pesquisa, pelas referências bibliográficas
à disposição em internet, livros e artigos científicos.
Depois destes encontros os avaliadores e participantes
da pesquisa foram treinados em encontros de
capacitação na Faculdade de Artes do Paraná (FAP),
Curitiba, PR.

Procedimentos metodológicos:
As observações e preenchimento do instrumento
de avaliação dos alunos da Escola Especial Alternativa,
foram realizadas durante seis meses, duas vezes por
semana, durante 40 min. por aluno, acompanhados por
dois avaliadores. Os alunos eram escolhidos
aleatoriamente, sendo que, a grande maioria apresentava
diagnóstico de TA, o que em muitas vezes o
comportamento observado não coincidia com o
diagnóstico. Para o preenchimento do instrumento e
para facilitar a observação do aluno avaliado, usamos a

306
sala de musicoterapia da Escola. Deixamos para
exploração do aluno diversos instrumentos musicais,
bem como papel, caneta, bolas e outros materiais de
fácil manipulação. Estes materiais foram explorados por
conta de cada aluno, sem interferência dos avaliadores.
As exceções eram os alunos mais comprometidos que
não exploravam os materiais, estes eram orientados a
buscar alguma forma de relacionamento com o
ambiente. Desta forma, todos os alunos eram
observados e com isso era possível o preenchimento do
instrumento de coleta de respostas dos alunos.

RESULTADOS

Análise dos dados:


Os dados foram agrupados em dois grupo (0-
não autista e 1- autista) e obteve-se os seguintes
resultados:

307
DESVIO MÁ COEF.DE
GRUPO MÉDIA MÍN
PADRÃO X VARIAÇÃO
NÃO
22,12 17,42 56 52,5 78,77%
AUTISTA
AUTISTA 35,70 12,39 0 11 34,70

Através do teste de diferença de médias


(estatística t=-3,23, P-valor=0,002) constatou-se, ao
nível de 5% de significância, há diferença entre as
médias dos dois grupos.
O intervalo de confiança com 95% obtido para
os dois grupos foi:
Não-Autista = [14,78;29,46]
Autista = [30,80;40,60]
Através da técnica estatística multivariada
chamada análise discriminante obteve-se os itens que
mais influenciaram na separação dos dois grupos que
foram: 2, 4, 7, 13, 14, 17, 18 e19.
Pode-se concluir através dos dados que se o
total no questionário for maior que 30 provavelmente se
refere ao grupo de autista, porém esta inferência deve-se
limitar a população de origem das amostras. Por
exemplo, se a pesquisa foi feita no Hospital X da

308
Cidade Y os resultados encontrados nesta análise só
serão válidos para este Hospital desta Cidade. Portanto,
não se deve concluir que este limitante (>30) poderá
servir para outras populações.

Análises obtidas no software Statigraphics:

Conclusão parcial da pesquisa:


Muitos centros de atendimento e escolas
especializadas no Brasil ainda atendem crianças e
jovens com diagnóstico de TA que são muitas vezes
confundidos com deficiência mental. Por isso, o
reconhecimento precoce dos TA é de fundamental
importância para uma perfeita reabilitação desta
população.
Portanto, o objetivo final deste estudo está
sendo o reconhecimento e validação de um instrumento
de avaliação, ADATA, que facilite o diagnóstico do TA
e, colabore com os professores e especialistas no
atendimento dos portadores do TA.
Entre outros achados, até o presente momento,
podemos afirmar que o instrumento de avaliação
pesquisado, para esta população estudada, mostra-se
confiável e agil no preenchimento do material. Além

309
disso, o instrumento provou, como o ATA também já
havia provado que, as observações permitem colaborar
com o diagnóstico clínico, bem como favorecer na
triagem dos avaliados com TA. O ADATA, também
pode ser aplicado como um instrumento de avaliação
permanente, colaborando assim com a evolução do
trabalho planejado.
Os escores acima de 30 em cada avaliação
realizada determinam que o avaliado apresenta as
características do TA, quanto mais baixa a nota, mais
longe do diagnóstico de TA. Essas notas finais, ou seja,
a soma de todos os escores na avaliação de cada aluno é
que determinou se o aluno possui ou não TA.
Já sabendo que este material pesquisado não
substitui os atuais sistemas classificatórios, nem mesmo
propor que este instrumento possa ser definitivo nas
avaliações do TA, acreditamos que sua utilização possa
colaborar com os professores, terapeutas e outros
profissionais da área, na elaboração de um planejamento
mais consciente e ajustado para cada realidade.

310
FACULDADE DE ARTES DO PARANÁ

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE AUTISMO

Escala de avaliação de traços autísticos

Observador:
Data: Hora:

Nome:
Idade:
Diagnóstico:

TRAÇOS AUTÍSTICOS 0 1 2 3
1 Dificuldade de interação social

2 Dificuldade na manipulação do ambiente

3 Utilização das pessoas ao redor

4 Resistência à mudanças

5 Busca de ordem rígida

6 Falta de contato visual / Olhar indefinido

7 Mímica inexpressiva

8 Distúrbio do sono

9 Alteração da alimentação

10 Dificuldade de controle dos esfíncteres

11 Dificuldade de exploração de objetos

12 Uso inapropriado de objetos

13 Falta de atenção

14 Ausência de interesse pela aprendizagem

15 Falta de iniciativa

16 Alteração da linguagem e comunicação

17 Não manifesta habilidade e conhecimento

18 Reações inapropriadas ante a frustração

19 Não assume responsabilidades

20 Hiperatividade

21 Hipoatividade

22 Movimentos estereotipados e repetidos

23 Ignora o perigo

24 Aparecimento das características antes dos 36 meses

311
Anexo 1

REFERÊNCIAS
ASSUMPÇÃO JR., Francisco. et al . Escala de
avaliação de traços autísticos (ATA): validade e
confiabilidade de uma escala para a detecção de
condutas autísticas. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São
Paulo, v. 57, n. 1, p. 23-29, 1999. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0004-282X1999000100005&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em 20 abr. 2009.

BARON-COHEN. Autismo: un transtorno cognitivo


especifico de “ceguera de La mente”. Traduzido por
Maria Eugenia Alonso.
Disponível em:<
http://www.aetapi.org/congresos/salamanca_93/sindrom
e_02.pdf>. Acesso em 22 abr. 2009.

312
BOSA, Cleonice Alves; CALLIAS, Maria. Autismo:
breve revisão de diferentes abordagens. Psicologia:
Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 13, n. 1, 2000.
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
S0102-79722000000100017&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 20 abr. 2009.

BOSA, Cleonice Alves. As Relações entre Autismo,


Comportamento Social e Função Executiva. Psicologia:
Reflexão e Critica, Porto Alegre, v. 14, n. 2, 2001 .
Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0102-79722001000200004&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em 20 abr. 2009.

COSTA, Maria Ione Ferreira; NUNESMAIA, Henrique


Gil da Silva. Diagnóstico genético e clínico do autismo
infantil. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v.
56, n. 1, 1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0004-282X1998000100004&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em20 abr. 2009.

313
ELIAS, Alexsandra; ASSUMPCAO JR, Francisco.
Qualidade de vida e autismo. Arquivos de Neuro-
Psiquiatria, São Paulo, v. 64, n. 2a, p. 295-299. 2006.
Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0004-282X2006000200022&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em 20 abr. 2009.

GADIA, Carlos; TUCHMAN, Roberto; ROTTA,


Newra. Autismo e doenças invasivas de
desenvolvimento. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v.
80, n. 2, abr. 2004 .
Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0021-75572004000300011&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em 20 abr. 2009.

LOPEZ, Yolanda Sanz; GRANADOS, Teresa Guijarro;


VÁZQUEZ, Vicente Sanchez. Inventario de Desarrollo
Battelle como instrumento de ayuda diagnóstica en el
autismo. Rev. Asoc. Esp. Neuropsiq., Madrid, v. 27,
n. 2, 2007.
Disponível em:
<http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid

314
=S0211-57352007000200004&lng=es&nrm=iso>.
Acesso em: 20 Abr 2009.

PLISZKA, Steven. Neurociência para o clínico de


saúde mental. Porto Alegre: artmed, 2004.

RIVIÉRE, A. El tratamiento del autismo, nuevas


perspectivas. “El tratamiento del autismo como
trastorno del desarrollo: princípios generales.
ARTEGRAF, Madrid, ES, 2001, p. 23.

SCHWARTZMAN, José. Salomão. Autismo Infantil.


São Paulo: Memnon, 2003.

315
ESTUDO DOS PONTEADOS NOS 50 PONTEIOS
DE CAMARGO GUARNIERI

Profa. Dra. Aci Taveria Meyer


Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP
Luís Giovelli
Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP

Objetivos:

O objetivo da pesquisa foi analisar e destrinchar


a influência da viola caipira na música de Camargo
Guarnieri, em especial a música para piano solo. Como
campo de pesquisa, os 50 Ponteios para piano foram o
material de análise e comparação ideal, dada a sua
grande taxa amostral e o extenso período na vida do
compositor em que eles foram escritos (5 cadernos com
10 Ponteios cada, escritos ao longo de quase 30 anos).
Também por serem peças em sua maioria curtas e
monotemáticas, o que facilitou o apontamento da
influência da viola caipira de forma mais acentuada.

316
O livro Viola Instrumental Brasileira, de
Andréia Carneiro de Souza38 – junto com a palestra e
entrevistas com o Prof. Dr. Ivan Vilela Pinto – serviu
como fonte principal dos procedimentos usados pelos
violeiros, como aspectos contrapontísticos e texturais,
que se mostraram importantíssimos na caracterização da
viola caipira no piano.

Métodos e Resultados:

Após selecionar e ler a bibliografia, destacamos


os principais procedimentos – que a partir de agora
chamaremos de ponteados – usados pelos violeiros no
livro Viola Instrumental Brasileira e os localizamos nos
50 Ponteios. Sendo estes:
• Oitavas de Viola: Em grande parte de suas
diversas afinações, as três cordas mais graves da viola
(bordões) são oitavadas, Camargo Guarnieri usa desse
ponteado diversas vezes; como para dar mais brilho ao
tema na reexposição nos Ponteios 2, 4, 34 e 39; em

38
SOUZA, Andréa Carneiro de. Viola instrumental
brasileira. 1ª edição Rio de Janeiro: ARTVIVA Editora,
2005.

317
pequenos trechos quando são adicionadas novas texturas
aos acompanhamentos nos Ponteios 7, 9 e 10; e em
trechos de melodia solo, ou com uma das vozes em
terças, resultando numa caracterização muito forte da
viola caipira, nos Ponteios 6, 17, 20, 30, 39 e 45. Não
raramente, o compositor abre essas oitavas em décima-
quintas, em busca de um timbre mais leve para o piano.
• Terças caipiras: é um termo genérico que
usamos para designar uma série de processos que o
compositor usa: podem aparecer tanto em terças como
em sua inversão, a sexta. É muito comum também
aparecerem associadas às oitavas de viola, sendo que a
voz oitavada pode ser tanto a primeira como a segunda
voz, para o agudo ou para o grave. Nos Ponteios, elas
aparecem na sua maioria na melodia principal (Ponteios
3, 17, 29, 34, 37 e 45), mas também podem aparecer no
acompanhamento como nos Ponteios 8 e 46 ou para
adicionar mais textura à melodia (partes centrais dos
Ponteios 3 e 7).
• Melodia Solo: Várias vezes, o violeiro toca
apenas a melodia da música, sem acompanhamento
algum. Na entrevista, Ivan Vilela não considera esse
procedimento como um recurso da viola caipira, na
verdade, está mais para uma “falta de recurso” da viola

318
caipira. Camargo Guarnieri se vale da melodia solo no
Ponteio 20 para dar uma sonoridade muito característica
da viola, mais ressaltada ainda pelo uso de oitavas de
viola. No Ponteio 29, há apenas acordes soando ao
fundo enquanto a melodia corre sozinha. Na maioria dos
casos, entretanto, a melodia solo é usada como cadência
(Ponteios 6, 14, 27, 30) ou para quebrar a textura da
peça, como nos Ponteios 42 e 46.
• Baixo Pedal: Enquanto na música nordestina
encontramos o pedal na tônica como principal ponteado,
na música caipira do interior do estado de São Paulo é o
pedal na dominante o principal ponteado. Os Ponteios
que melhores caracterizam o lado caipira de Camargo
Guarnieri são justamente os que apresentam esse pedal
na dominante, sendo eles os de número 3, 17, 29 e 45.
Os Ponteios que apresentam pedal na tônica são os de
número 5, 24, 31 e 39. O uso do baixo pedal permite ao
compositor grandes liberdades harmônicas, como vemos
nos Ponteios 5, 18, 24, 25, 31, 41 e 43.
• Melodia no Baixo e Ritmo Ostinato: Um
ponteado muito usado pelos violeiros, mas que não foi
incorporado por Camargo Guarnieri em seus Ponteios,
aparecendo apenas nos de número 23 e 34 e em uma
subfrase do Ponteio 2. Na viola caipira, consiste em

319
tocar a melodia com os bordões e algum ostinato na
região médio/aguda.
• Baixos e Acordes Intercalados: Prática muito
comum na viola caipira, o ritmo de alguns Ponteios
nasce da interação entre o baixo e o ritmo da harmonia.
Camargo Guarnieri usa esse ponteado como suporte
para criar grandes liberdades harmônicas nos Ponteios
5, 13, 24 e 31 e em trecho do Ponteio 43. Em vários
Ponteios do primeiro caderno – mais especificamente
nos de número 2, 3, 4 e 9 – baixo e harmonia se fundem,
criando uma textura contínua.
• Toques de Viola: Quando a viola caipira é
usada mais como instrumento de acompanhamento do
que solista, os violeiros fazem o “rasqueado” ou
“rasgueado”, que aqui chamamos de “toque de viola”.
No caso de Camargo Guarnieri, são Ponteios de ritmo
constante, sendo constituídos por grupos de 2 ou 3
colcheias ou semicolcheias. Mais especificamente, os
Ponteios 15 e 32. No Ponteio 32 aparece também o
ritmo de quintinas, refletindo a “liberdade rítmica” dos
violeiros. Os Ponteios 21 e 49 não estão incluídos aqui
por não terem característica do nosso universo de
pesquisa (o Ponteio 49 tem o baixo muito inspirado no
choro urbano, por exemplo).

320
Com os ponteados já devidamente coletados e
situados, partimos para a análise dos Ponteios que
melhor apresentassem as características da viola caipira
– ou seja, os que apresentassem o maior número dos
ponteados apontados acima. A saber, os Ponteios 2, 3,
17, 20, 24,29, 34, 37, 39, 45 e 46. Como a análise desses
Ponteios todos se mostraria muito extensa para um
artigo, escolhemos os mais abrangentes, que
permitiriam falar de todos os ponteados. Sendo estes os
Ponteios 3, 20, 34, e 45; mais o 39 por sua característica
mais nordestina. Mesmo a análise desses poucos
Ponteios permite demonstrar todas as características que
queremos demonstrar.
• Ponteio 3
O Ponteio 3 é o que melhor apresenta
características da música caipira. Nele, podemos
observar intenso uso das terças caipiras, baixo pedal na
dominante e caráter brejeiro. Como também é muito
comum em outros Ponteios, este está na forma AA’.
Como acontece em vários Ponteios, os dois
primeiros compassos apresentam o ostinato de
acompanhamento da peça. Esse ostinato se constitui em
duas vozes que se fundem em uma só, resultando em
um pedal na dominante (sol). A melodia é de caráter

321
muito doce, sempre em terças caipiras. Em alguns
momentos, ela se desloca brevemente do
acompanhamento, como é muito comum na música de
viola, tocada sem a preocupação com a métrica dos
compassos. No começo da parte A’, uma terceira voz
entra junto com as terças caipiras, em movimento
oblíquo, recurso pouco usado, mas muito marcante na
viola caipira, mais tarde essa voz será usada como
oitavas de viola. Também no começo da parte A’, é
adicionado um baixo pedal da subdominante Fá, que
mais tarde irá descer até a tônica, Dó. No coda, a
melodia volta a funcionar em duas vozes, brincando
com o Dó Mixolídio.
• Ponteio 20
Girando em torno do modo Lá Nordestino (lídio
com 7ª menor), esse Ponteio apresenta duas partes
contrastantes: A (vagaroso) e B (più mosso). A forma
geral da peça é ABA’B’A’’. O caráter nordestino é
notado pelas melodias arpejadas e pelo pedal na tônica.
As partes A, A’ e A” são caracterizadas pelo
uso da melodia solo em oitavas(na verdade, décimas-
quintas) e andamento lento. As partes B e B’ são
caracterizadas pelas terças caipiras, baixo pedal na
tônica e andamento mais movido. As terças caipiras

322
usadas na parte B também são jogadas uma oitava
abaixo, em 10as, mais o pedal na tônica. Muito
desenvolvidas, é possível notar movimentos paralelos e
oblíquos entre as vozes. Na parte B’, as terças são
dissolvidas em arpejos no baixo, criando uma voz muito
movida que conversa com a melodia. A melodia está em
tempo binário enquanto o acompanhamento é ternário.
• Ponteio 34
Um dos poucos Ponteios com melodia no baixo,
esse Ponteio apresenta grande ambigüidade harmônica
causada pelas constantes alterações na voz inferior. A
terça mi-sol, constante na mão direita, é identificada por
Marion Verhallen como a “terça do cuco”.
• Ponteio 45
Constituído de duas partes A e B que se
alternam, esse ponteio está em Lá Mixolídio com o
pedal na dominante – mi – e faz uso intenso das terças
caipiras, das oitavas de viola e da articulação caipira.
Entre as partes As e Bs nota-se o contraste entre os
andamentos, os registros e o ritmo, que tende mais para
o binário nas partes As e para o composto nas partes Bs.
A articulação caipira consiste em articular as
frases musicais de modo que os tempos fracos estejam

323
ligados ao tempo forte. Aparece também em vários
trechos dos outros Ponteios, como o 3, por exemplo.
• Ponteio 39
O ponteio de caráter mais nordestinos dos aqui
analisados. O pedal na tônica em Lá Mixolídio, a
melodia arpejada e o ritmo sincopado do baião dão esse
caráter à peça. A textura de acompanhamento é formada
pelo pedal mais uma melodia secundária que se
contrapõe à principal de modo cada vez mais
independente e antifonal. A partir do compasso 14, o
baixo abandona a função de pedal, tornando-se mais
movido e ritmado.

Conclusão:

Nas obras para piano de Mozart Camargo


Guarnieri como um todo, e em seus cinco cadernos de
Ponteios em especial, destaca-se, dentre diversos outros
aspectos da música brasileira que o compositor encarna
em suas peças para piano, o uso de recursos que
procuram imitar o timbre e os acompanhamentos da
viola caipira, tanto da música caipira do interior de São
Paulo quanto dos repentes e disputas da música

324
nordestina. Camargo Guarnieri aumenta assim a
linguagem do piano na música brasileira, abrindo uma
nova gama de oportunidades tanto para o compositor
quanto para o arranjador.

Bibliografia Básica:

• Teses
FREIRE, Priscila Gambary. Dança Brasileira e Dança
Negra para piano solo de Camargo Guarnieri.
Dissertação de Mestrado. Brasil: Universidade Estadual
de Campinas , 2007.

• Livros
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música
brasileira. 3ª edição. São Paulo: Martins, 1972.

SILVA, Flávio (org.). Camargo Guarnieri: o tempo e a


música. 1ª edição. Rio de Janeiro: Funarte, 2001.
SOUZA, Andréa Carneiro de. Viola instrumental
brasileira. 1ª edição Rio de Janeiro: ARTVIVA Editora,
2005.

325
VERHAALEN, Marion. Camargo Guarnieri –
expressões de uma vida. 1ª edição. São Paulo: EDUSP,
2001.

• Artigos
LAMAS, Dulce Martins. A cantoria tradicional no
nordeste brasileiro: suas características poético-
musicais. Revista Brasileira de Música, v. 16,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1986.

TARQUINIO, Daniel Junqueira. 1º Caderno de


Ponteios para piano de Camargo Guarnieri, uma
concepção da totalidade da obra. Ictus, v. 7,
Universidade Federal da Bahia, 2006

326
NACIONALISMO E INDIANISMO NA ÓPERA
‘IL GUARANY’ DE ANTÔNIO CARLOS GOMES

Autoria: Olga Sofia Sousa Santos Freitas,


Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR

OBJETIVOS:
A seguinte pesquisa é um projeto em andamento para a
realização do curso de Mestrado em Música pela
Universidade Federal do Paraná. Nela pretendo analisar
a ópera ‘Il Guarany’ do compositor brasileiro Antônio
Carlos Gomes (1836-1896), percebendo as imagens e as
idéias evocativas de Brasil ali representadas, que
afirmam a idéia romântica do Brasil “indianista”, bem
como sua estreita relação com o contexto artístico
romântico brasileiro do século XIX e o discurso
nacionalista do Segundo Império.

MÉTODOS:
Nesta pesquisa, para fins metodológicos e teóricos,
seguirei a linha da História Cultural na sua vertente
mais recente representada por Roger Chartier, Lynn
Hunt, Robert Darnton, entre outros. Deve-se fazer, aqui,
a distinção desta “nova” história cultural em contrapo-

327
sição a outra vertente mais antiga, a dos historiadores da
cultura do século XIX (tomada, então, na sua concepção
francesa de “alta cultura” – ou cultura com “C”
maiúsculo). “Estudava-se, então, a cultura renascentista,
as obras de arte dos vários períodos, os grandes textos
literários, os tratados filosóficos (domínio que é também
ocasionalmente chamado de História das Idéias)”39. Na
produção historiográfica atual, o conceito de cultura foi
grandemente alargado, extrapolando a cultura letrada, a
ponto de que qualquer manifestação, produto ou ato de
produção de cultura pode se constituir em objeto de
estudo da História. A nova história das idéias não se
preocupa apenas com as obras dos “grandes luminares”
da cultura universal, mas também com as produções
independentes, alternativas, dissidentes. As obras
consagradas, por sua vez, não são abandonadas, mas
vistas sob novo olhar, enfatizando-se não somente às
idéias dos “grandes” pensadores, mas as várias
releituras e ressignificações dessas idéias em diferentes
contextos. Esta visão “remete a textos bem mais
abrangentes, uma vez que ela inclui as crenças não
articuladas, as opiniões amorfas, suposições não-ditas,

39
Barros, 2004: 60.

328
além, é claro, das idéias formalizadas”40. Segundo
Robert Darnton, a História Cultural se assemelha a uma
“antropologia histórica”, pois “trata da nossa própria
civilização da mesma maneira como os antropólogos
estudam as culturas exóticas”41; ao mesmo tempo tem
dimensões de crítica e análise literária, pois ao
pesquisador cabe “descobrir a dimensão social do
pensamento e extrair a significação de documentos,
passando do texto ao contexto e voltando ao
primeiro”42.
Uma das principais razões para a realização desta
pesquisa é a tentativa de estabelecer uma ligação entre a
musicologia histórica e a História Cultural. O diálogo
entre a história e a música, no meio acadêmico
brasileiro, tem produzido trabalhos interessantíssimos;
no entanto, este diálogo privilegia sobremaneira a
música brasileira dita “popular” (samba, choro, bossa
nova, etc.). Não há muitas pesquisas no campo da
História que se atenham à música erudita. Carlos Gomes
é brevemente citado por vários historiadores, associado
ao cenário artístico do Segundo Império, mas ninguém

40
Falcon, 2001.
41
Darnton, 2006: 13.
42
Idem: 17.

329
fala exclusivamente dele. Entre os musicólogos, Carlos
Gomes sempre foi vastamente estudado; no entanto, as
discussões mais tradicionais explicitam uma visão
predominantemente factual da história, sem muitas
problematizações temáticas, atendo-se a questões
estilísticas da música e sua “evolução” no tempo
(reflexo da visão mais tradicional da história cultural).
A fonte primária desta pesquisa se constitui,
obviamente, na partitura da ópera ‘Il Guarany’
(publicada pela editora Ricordi do Brasil) de Antônio
Carlos Gomes, e no libreto da mesma, escrito por Carlo
D’Ormeville e Antonio Scalvini. Não havendo
encontrado uma edição brasileira deste libreto, disponho
por enquanto de uma cópia digital do mesmo,
disponível no website “Libretti D’Opera”
(http://www.librettidopera.it/). Farei uma breve análise
estilística da partitura, em alguns trechos-chave, apenas
constatando a sua parentela com as óperas de Giuseppe
Verdi, mas, também, com a grand-opéra em voga na
Itália na década de 1870 (à qual as temáticas exóticas
eram caras), além de apontar alguns elementos
dramáticos de transição entre o romantismo e o verismo.
Como fonte de informação histórica e biográfica, farei
uso de publicações de referência sobre história da

330
música brasileira (Mariz, Kiefer, etc.) e sobre o próprio
Carlos Gomes, (Coelho, Nogueira, etc.) – ainda não tive
acesso às cartas de Carlos Gomes, e gostaria bastante de
encontrá-las, pois acredito que estas serão fonte
inestimável para esta pesquisa. Como subsídio para a
análise crítica do discurso da obra, estabelecerei um
diálogo com autores da História Cultural (Chartier,
Hunt, Darnton, Falcon, Prado, entre outros), sobretudo
com a obra de Lilia Moritz Schwarcz “As barbas do
imperador: D Pedro II, um monarca nos trópicos”,
embasando minha constatação de que “Il Guarany” é
uma ópera de indianista, participante do projeto
romântico artístico e político de cunho nacionalista do
Segundo Império.

RESULTADOS:
Na noite de 19 de março de 1870, o campineiro Antônio
Carlos Gomes (1836-1896) consagrou-se como o
primeiro compositor brasileiro a entrar para o cenário
musical internacional, com a apresentação da ópera ‘Il
Guarany’ no famoso Teatro alla Scala, em Milão. A
regência foi de Eugênio Terziani; Francesco Villani e
Maria Sass interpretavam o índio Pery e a jovem
portuguesa Ceci; Enrico Storti era o aventureiro

331
González, e o famoso barítono Victor Maurel, futuro
criador de Iago e Falstaff de Verdi, estreava como o
cacique dos aymorés43. O cenário e o figurino, segundo
aquarelas da época, eram exuberantes, bem ao estilo em
voga na grand-opéra. Esta foi a estréia do Brasil no
mundo da grande ópera – e a primeira vez em que o
público italiano assistia a uma ópera (ou qualquer coisa)
sobre o Brasil, que expunha uma visão, uma
representação do Brasil. Mas que Brasil era esse? Um
Brasil selvagem, de matas cerradas e índios canibais?
Ou o Brasil civilizado da corte de D. Pedro II? Que
visão do Brasil estava sendo “exportada” para o glorioso
mundo da ópera italiana? Com que imagem o Brasil foi
apresentado para o mundo da música da européia?
O libretto, escrito por Antonio Scalvini e Carlo
D’Ormeville, teve como base o romance “O Guarani”
de José de Alencar, que, quase 20 anos após sua
publicação, era conhecidíssimo no Brasil e já havia sido
traduzido para o italiano. A escolha é por demais
significativa para ser apenas casual. Alencar, que então
já se estabelecera como escritor “indianista” com os
romances “Iracema” e “Ubirajara”, acreditava que o

43
Coelho, 2002; Kobbé, 1997.

332
conhecimento da língua e da cultura indígenas eram o
melhor critério para a “nacionalidade” da literatura. A
descrição densa da paisagem tropical e dos costumes
dos indígenas (elementos “realistas”), o heroísmo e
idealização dos personagens atenuavam os limites entre
a história e a literatura românticas; “a história estava a
serviço de uma literatura mítica que, junto com ela,
‘selecionava origens’ para a nova nação”.44 A temática
indianista, aliada à idéia de nação, estendera-se para a
música, na tentativa de criação de uma ópera nacional
por excelência? Carlos Gomes, conhecido e admirador
de D. Pedro II, viveu boa parte da sua vida na Itália,
sustentado por uma pensão saída dos cofres do Império
– “Il Guarany” foi a sua primeira ópera composta no
exterior. Segundo Coelho, numa carta de maio de 1865
ao também compositor Francisco Manuel, Carlos
Gomes lamentava o fechamento da Ópera Nacional do
Rio de Janeiro, que o tinha feito “perder a coragem de
escrever a ópera nacional O Guarani”. Vasco Mariz
também menciona que o contrato da bolsa de estudos de
Gomes previa a elaboração de uma “obra importante”,
que ele deveria mandar para o Brasil como

44
Schwarcz, 2006: 136.

333
demonstração do resultado de seus estudos45. Supõe-se
que “Il Guarany” fosse esta obra. Aparentemente o
próprio Gomes havia comprado uma tradução italiana
do romance de Alencar e a havia entregado ao libretista
(não havendo Scalvini conseguido terminar o libretto, o
mesmo foi passado a Carlo D’Ormeville, que o
concluiu).
Notável é que o primeiro herói brasileiro a subir aos
palcos tenha sido... um índio! Pery, embora
representado por Villani, um bigodudo tenor europeu,
era reconhecido como índio. Claro, em 1870 estavam
em voga as óperas de temas “exóticos” (La Juive,
L’Africaine, Lakmé), sobretudo as de Halévy e
Meyerbeer, no estilo glorioso da grand-opéra francesa.
Uma ópera sobre os “selvagens” do Brasil, desta forma,
não estaria fora de contexto. Mas por que usar um índio
para evocar a idéia de Brasil? A pergunta pode parecer
boba ou óbvia, mas tem um desdobramento interessante.
Lilia Moritz Schwarcz identifica o indígena como
símbolo nacional, muito além dos limites da literatura,
da pintura e da ópera, mas também na iconografia
política, na indumentária imperial e até em cinzeiros e

45
Mariz, 2000: 77.

334
nos rótulos de xarope. O índio, enquanto símbolo
nacional, evocava não só o Brasil, mas o Império de
D.Pedro II. O indígena dos épicos românticos, este bom
selvagem rousseauniano, encarnava uma “nobreza”
autóctone, um imperador da selva cuja fortaleza era a
exuberante mata tropical. É no romance “O Guarani”
que Alencar apresenta Peri como “um cavalheiro
português no corpo de um selvagem”, e mais tarde
reafirma a nobreza de seu personagem que, “embora
ignorante, filho das florestas, era um rei; tinha a realeza
da força”46.
Nesta pesquisa, gostaria de me distanciar da discussão
sobre a existência ou não de um nativismo musical em
Carlos Gomes, para me ater ao que há de mais visível e
mais óbvio, que é o seu nativismo temático. Em minha
leitura da produção bibliográfica sobre Carlos Gomes,
até então, não encontrei nenhum trabalho que se
detivesse sobre o fato de que a primeira ópera brasileira
a ser apresentada no cenário europeu (e a única de
grande porte a constar no repertório das grandes casas
de ópera atualmente) é uma obra “indianista”. Creio que
isto diz muita coisa sobre a imagem do Brasil nascida

46
Alencar, 1984.

335
do Império de D. Pedro II – sobre o nacionalismo
nascente e as idéias “indianistas” que se organizam em
torno dele nos primeiros grandes relatos da história do
Brasil (IHGB), na pintura (Academia Imperial de Belas-
Artes), na literatura (Magalhães, Gonçalves Dias,
Alencar), e na música (Carlos Gomes), pois “o
romantismo no Brasil não foi apenas um projeto
estético, mas um movimento cultural e político,
profundamente ligado ao nacionalismo”.47

CONCLUSÃO:
Ao contrário de outras manifestações artísticas da
segunda metade do século XIX (sobretudo a literatura),
a ópera não se pretende realista – é, muito
explicitamente, uma leitura da realidade, um recorte
temático esteticamente organizado. A ópera é escrita,
composta e encenada para o grande público, com o
objetivo de agradá-lo. Desta forma, podemos dizer que a
ópera do grande público, além de um objetivo artístico,
tem um objetivo “comercial”. É sob esta ótica que
enxergo ‘Il Guarany’, composta por Antônio Carlos
Gomes, ao que tudo indica, por exigência do próprio

47
Schwarcz, 2006: 139.

336
imperador, tornando-se a obra de estréia do Brasil no
mundo da grande ópera européia. Esta ópera apresenta
através de seu herói, o índio Peri, uma representação
estética de um Brasil mítico, de natureza exuberante,
povoado de bons-selvagens rousseaunianos ou
cavaleiros de Walter Scott vestidos de penas – uma
alteridade paradoxal, pensando o nascimento da pátria
através de uma estética estrangeira, afirmando a um só
tempo a sua originalidade (porque “exótico”) e a sua
universalidade (porque reflete os padrões estéticos
europeus e comprova a sua “civilização”). Ela mostra
um conjunto de imagens ou idéias de um discurso
vigente que buscava afirmação – idéias de legitimação
nacional. Desta forma, pretendo comprovar a minha
constatação de que ‘Il Guarany’ é uma obra indianista,
intimamente relacionada com o contexto artístico
romântico do Segundo Império, que reflete o ideal de
nacionalismo próprio deste período.

REFERÊNCIAS:
- ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Ática,
1984.

337
- BARROS, José D’Assunção. O campo da história:
especialidades e abordagens.
Petrópolis: Vozes, 2004.
- COELHO, Lauro Machado. A ópera italiana após
1870. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
- DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos, e
outros episódios da história cultural francesa. São
Paulo: Edições Graal Ltda, 2006.
- D’ORMEVILLE, Carlo. Il Guarany: opera-ballo in
quattro atti. Disponível em:
<http://www.librettidopera.it/>. Acesso em: 20 abr
2008.
- FALCON, Francisco. História das Idéias. In:
VAINFAS, Ronaldo (org.). “Domínios da História”.
São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
- MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
- SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador:
D Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.

338
NÃO SÓ DE BOSSA VIVE UM PRESIDENTE: A
RELAÇÃO ENTRE DILERMANDO REIS E
JUSCELINO KUBITSCHEK.

Autoria: Alan Rafael de Medeiros


Universidade Federal do Paraná
Orientador: Álvaro Carlini
Universidade Federal do Paraná

Resumo: O presente artigo analisa sob a ótica da


história social a relação vivenciada pelo violonista e
compositor Dilermando Reis (1916-1977), com o então
presidente da República Juscelino Kubitschek (1902-
1976), avaliando os antecedentes e consequentes desta
interação nos campos da música e da política.
Palavras-chave: Dilermando Reis; Juscelino
Kubitschek; História social;

Métodos
Este trabalho está embasado na escassa pesquisa
bibliográfica referente ao tema em questão, uma vez que
o assunto foi pouco abordado academicamente. A
entrevista do violonista Dilermando Reis ao Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 22 de

339
novembro de 1972 foi tratada como complemento
referencial, uma vez que apresenta um dos agentes
constitutivos desta interação, elemento central do
trabalho.

Introdução
As pesquisas musicológicas no Brasil
encontram-se em um estágio diferenciado em relação à
concepção de pesquisa em musicologia da década de
1960 (focada em compositores e suas obras), e esta
“nova musicologia” está caracterizada pela “maior
amplitude na seleção de objetos, métodos, interesses,
interrelações, responsabilidades, abordagens, períodos
históricos e regiões geográficas, consequentemente
acompanhada de maior amplitude nos resultados
obtidos” (CASTAGNA, 2008, p.52). A partir desse
pensamento, têm-se novos focos e possibilidades de
pesquisa ao alcance do musicólogo, mas ao mesmo
tempo esta amplitude é proporcional ao
comprometimento do pesquisador frente às fontes e aos
objetos por ele estudados. No campo da História social,
estas escolhas do pesquisador serão orientadas pelo
problema histórico a ser definido e investigado
(BARROS, 2004, p.124).

340
Através do contato direto com as fontes durante
a realização da monografia de conclusão de curso, foi
possível verificar uma imprecisão no que diz respeito ao
tema em questão deste trabalho: a relação direta entre o
violonista e compositor Dilermando Reis e o então
presidente da República Juscelino Kubitschek. Desta
maneira, a entrevista do músico concedida ao Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro (22.11.1972) foi
utilizada como fonte primária na elaboração deste
trabalho, no intuito de oferecer a versão de um dos
agentes históricos analisados.
O título escolhido para este artigo está
embasado na canção de Juca Chaves (1938) intitulada
Presidente Bossa Nova, composta em 1958/59:

Também poder ser um bom artista exclusivista


Tomando com Dilermando umas aulinhas de violão
Isto é viver como se aprova,
É ser um presidente bossa nova.

Ainda que a letra não apresente um fato


verdadeiro (uma vez que Dilermando não tenha dado
aulas de violão a Juscelino), ilustra a relação entre os
dois personagens analisados neste artigo.

341
O trabalho foi dividido visando à uma melhor
compreensão histórica da relação dos personagens em
questão. Portanto, fez-se uma breve abordagem sobre o
meio de comunicação que possibilitou ao violonista
Dilermando Reis tornar-se o músico de maior prestígio
de seu tempo, e em seguida, realizou-se um enfoque
sobre outra atividade fundamental para o primeiro
contato do violonista com o então presidente da
República: o ensino do violão. Tais fatores, análogos
entre si, tornam-se imprescindíveis na compreensão do
status alcançado por Dilermando no momento em que
conhece o presidente Juscelino, justificando assim esta
interação.

A supremacia do Rádio no cenário musical.


A primeira questão relevante para análise do
desenvolvimento do rádio brasileiro vem a ser a da
"liberação dos microfones à publicidade" (BARBOSA;
DEVOS, 1984, p.33) dada em 1932, em adição às
iniciativas desbravadoras de pioneiros que levaram o
trabalho nas emissoras a um novo padrão de
profissionalismo.
O rádio tornou-se um "(...) poderoso veículo da
difusão de música, cultura e mensagens comerciais"

342
(BARBOSA; DEVOS, 1984, p.33), e tal liberação foi
também adquirida, quando da percepção por parte do
governo do "(...) potencial político e econômico"
(PETERS, 2004)48 deste meio de comunicação.
Em consequência desta evolução do rádio como
meio difusor, frente ao desenvolvimento dos processos
de gravação que se aperfeiçoavam, gerou-se vasto
campo de trabalho nesse importante e cobiçado meio de
atuação que teve como principais beneficiados "(...)
compositores, cantores, instrumentistas e arranjadores,
gerando uma demanda na formação de artistas
talentosos, colocando o rádio como principal veículo de
divulgação e profissionalização dos músicos populares"
(PETERS, 2004)49, dentre os quais figurou Dilermando
Reis.

48
PETERS, Ana Paula. O regional, o rádio e os programas
de auditório: nas ondas sonoras do Choro. In: Revista
eletrônica de Musicologia volume VIII, dezembro de
2004. Disponível em:
<http://www.rem.ufpr.br/REMv8/regional.html> Acesso
em 22.abr.2009.
49
PETERS, Ana Paula. O regional, o rádio e os programas
de auditório: nas ondas sonoras do Choro. In: Revista
eletrônica de Musicologia volume VIII, dezembro de
2004. Disponível em:
<http://www.rem.ufpr.br/REMv8/regional.html> Acesso
em 22.abr.2009.

343
Dilermando Reis e o rádio
Dilermando Reis encontrou no rádio o espaço
fundamental na divulgação de sua obra. Trabalhou em
algumas emissoras cariocas, e a partir disso passou a ser
conhecido da grande massa do povo, sabendo-se que as
atenções da população brasileira estavam voltadas para
o rádio, contribuindo assim para a aceitação do
violonista como intérprete em caráter nacional junto ao
público ouvinte.
Em 1936, um período de efervescência das
rádios na busca por bons músicos, Dilermando Reis foi
apresentado a Renato Murce50, então diretor musical na
Rádio Transmissora. Segundo Nogueira (2000, p.38),
quando Renato ouviu o violonista executar a valsa
Gotas de Lágrimas de Mozart Bicalho51, convidou-o

50
Apresentador (1900-1987) e pioneiro do rádio brasileiro,
criou vários programas como "Papel carbono", "Ontem,
hoje e sempre", trabalhando mais de trinta anos na Rádio
Nacional."Foi o primeiro grande protetor de Dilermando
Reis", e este em sua homenagem dedicou a valsa
Sinházinha (NOGUEIRA, 2000, p.180).
51
Violonista e compositor mineiro (1901-1986), antecessor
de Dilermando, que com sua valsa Gotas de Lágrimas o
influenciou de tal modo que se tem uma grande
semelhança entre esta e a primeira música do gênero
gravada de Dilermando Reis (Noite de Lua).

344
para integrar dois de seus novos programas, Alma do
Sertão e Antigamente.
Foi a partir desta interação com Murce que
Dilermando iniciou seu caminho de êxitos radiofônicos
e consequentemente o reconhecimento no meio musical.
Atuou posteriormente em programas como Variedades
Esso e também no Programa Casé, que ia ao ar aos
domingos, passando a ser "(...) o violonista mais bem
pago do meio musical do Rio de Janeiro" (NOGUEIRA,
2000, p.38).
Antes de iniciar sua extensa carreira
discográfica como compositor em 1941, Dilermando
Reis já atuava em diversos programas de rádio, além de
ser freqüentemente chamado para acompanhar os
principais cartazes52 da época
O violonista permaneceu na Rádio
Transmissora e até 1940. Ao citar a importância das
personalidades que conhecera na emissora, Renato
Murce (1976, p.53) afirma: “Não posso encerrar o
capítulo da minha passagem pela Transmissora, sem
dizer que ali conheci diversos grandes artistas: o grande
violonista Dilermando Reis (...)”.

52
Cantores de maior fama das emissoras de rádio.

345
Dilermando transferiu-se para a Rádio Clube do
Brasil em 1940, atuando em um programa de violão-
solo e a acompanhando os cantores. A partir de 1941, o
violonista iniciou a gravação de suas composições nos
estúdios da Continental (até 1943 chamada Colúmbia),
e esta atividade tornou-se central na sua carreira,
ganhando ainda mais notoriedade, embora tenha
concomitantemente mantido seu trabalho no rádio.
Continuou o trabalho na Rádio Clube do Brasil até
1953, assinando contrato posteriormente com a Rádio
Nacional, em 1956. Nesta emissora ganhou um
programa de violão intitulado Sua Majestade, o Violão,
apelido pelo qual era conhecido. "A exposição que um
programa solo no rádio dava nessa época, era
comparável a um programa na tv aberta hoje em dia"53.
A Nacional era a mais ambicionada pelos
artistas, com o quadro mais notável de músicos
incluindo “(...) os seguintes solistas: Chiquinho
(acordeão), Abel Ferreira (clarinete e saxofone),
Luperce Miranda (bandolim), Jacob Bittencourt

53
ZANON, Fábio. Violão com Fábio Zanon, programa
Dilermando Reis. In: Rádio Cultura FM. Disponível
em:
<http://vcfz.blogspot.com/2006_04_01_archive.html>
Acesso em: 11.set.2006.

346
(bandolim), Luiz Americano (clarinete e saxofone),
Dilermando Reis (violão) (...)” (CABRAL apud
BARBOSA; DEVOS, 1984, p.60).
Dilermando Reis atuou mais de trinta anos no
meio radiofônico (1936-1969), e sua trajetória
atravessou todas as fases desse meio de comunicação.
Alcançou tamanho êxito e projeção ao longo deste
período que foi considerado “(...) o maior violonista da
América Latina” (DREYFUS, 1999, p.11). Esta posição
possibilitou o contato com a elite social e política do
Rio de Janeiro, facilitando assim o posterior contato
com Juscelino.

Dilermando Reis professor


Dentre todas as atividades desempenhadas pelo
violonista Dilermando Reis, três foram cruciais para o
seu reconhecimento como instrumentista: suas
gravações em discos, seu sucesso no meio radiofônico e
seu trabalho como professor, lecionando entre 1934 e
1960.

347
Dilermando atuou como professor de violão
principalmente nas lojas de instrumentos musicais54 Ao
Bandolim de Ouro e A guitarra de Prata, nesta última
por vinte anos.
Ao chegar no Rio de Janeiro em 1933,
Dilermando tentou se manter como professor de violão,
mas segundo Jerome (2005, p.6) “(...) muitos de seus
alunos eram marinheiros que iam e vinham com os
navios, deixando o professor Dilermando esperando”55.
Tais condições resultaram em um período instável na
vida do violonista nos nesse período. Somente a partir
de 1936 conseguiu estabilizar a situação financeira,
quando passou a atuar no meio radiofônico, ampliando
seus rendimentos. Sua musicalidade e versatilidade
começaram a lhe render outros trabalhos nas emissoras,
melhorando sua condição financeira.
Ao longo da década de 1940 o violonista
ganhou prestígio e novos alunos, devido à ascensão da
carreira. Segundo Nogueira (2000, p.58) “(...) ser aluno

54
As lojas de instrumento contratavam professores para
aumentar a procura e o interesse dos clientes, visando à
ampliação das vendas
55
(…) Many of his students were saylors who came and went
with the ships, leaving professor Dilermando waiting”.
(Tradução do autor).

348
do professor Dilermando era orgulho para qualquer
pessoa, independente da condição social, econômica ou
cultural”. Tal frase enfatiza a realidade que passou a
acompanhar o professor de violão: teve como alunos
desde os mais diversos indivíduos da população do Rio
de Janeiro que freqüentavam as lojas de instrumentos,
até a considerada “elite carioca”.
Estudaram com Dilermando a atriz Bibi Ferreira
(1922) e o ministro da Fazenda do Governo de Juscelino
Kubitschek, Sebastião Paes de Almeida (1912-1975).
Maristela Kubitschek (1942), filha do então presidente,
ao estudar com Dilermando, marcaria um período
positivo na carreira do violonista. Através desta
interação, Dilermando e Juscelino iniciariam longo
período de amizade, o que beneficiou a trajetória do
violonista até o fim de sua vida.
A afirmação de Cazes (1998, p.50) ao citar o
presidente como aluno de Dilermando é equivocada. O
próprio violonista esclarece, em entrevista concedida ao
Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro
(22.nov.1972): “– Me disseram que Juscelino
Kubitschek foi seu aluno, não é verdade? (...) – Não, ele
não. – Ele não aprendeu violão com você? – Foi a filha
dele que estudou, a Maristela”.

349
Dilermando deixou de lecionar em 1960,
quando a ampliação de seus compromissos como
intérprete e compositor na Continental, seu trabalho na
Rádio Nacional, e o novo cargo de Delegado Fiscal da
Receita (oferecido pelo então presidente Juscelino
Kubitschek), tomaram por completo seu tempo.

Dilermando Reis e Juscelino Kubitschek


Conforme apresentado anteriormente, foi a
partir de 1956 que teve início o relacionamento de
Dilermando e Juscelino. Três fatos importantes
marcaram a relação entre o músico de Guaratinguetá e o
político mineiro: as aulas ministradas à filha do
presidente, a nomeação de Dilermando Reis para um
cargo público e a participação do violonista na história
da construção de Brasília.
Em 1956 Dilermando passa a dar aulas a
Maristela Kubitschek, e perguntado sobre seu potencial
afirmou ser ela uma “(...) boa aluna, tem uma facilidade
para o instrumento que é uma coisa” (Museu da Imagem
e do Som do Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1972).
Sobre as inexistentes aulas dadas ao presidente da
República, Dilermando desmistifica:

350
(...) [Juscelino] apenas cantava e fez algumas posições
(Lá menor), , mas não estudou (...) cantava as coisas de
Diamantina, era um grande seresteiro. E gosta de
música de Seresta56, enfim, ele gosta muito de música.
(...) Fizemos muitas serestas em Diamantina, Montes
Claros, em Brasília (Museu da Imagem e do Som, 22 de
novembro de 1972).

Graças a seu trabalho como professor de violão,


Dilermando iniciou um novo período de possibilidades
através desta interação com o presidente.
Outro momento importante desta relação foi a
nomeação de Dilermando para o cargo de Fiscal de
rendas do Estado da Guanabara em 1960, visando a
possibilitar maior estabilidade financeira. Dilermando
freqüentou um curso no Ministério da Fazenda antes de
assumir o cargo.
Esta prática, ainda que associada ao nepotismo,
era frequente e beneficiou artistas no Brasil. Catulo da
Paixão Cearense (1883-1946) foi nomeado datilógrafo

56 Gênero musical associado ao canto com acompanhamento


(comumente o violão). Conforme Luciano Gallet (apud
Pires, 1995, p.8) “(...) a seresta era o choro enquanto
evento, com formação instrumental igual ou diversa
acompanhando um cantor solista popular”.

351
da Imprensa Nacional, oferecido pelo presidente
Hermes da Fonseca (1855-1923), Pixinguinha57 foi
nomeado em 1961 para o cargo de Conselheiro no
Conselho Nacional da Cultura, pelo então presidente
Jânio Quadros (1917-1992), citando apenas dois
exemplos.
Dilermando, ao citar o exemplo de Catulo,
considerava que esta nomeação seria “(...) uma maneira
de o governo manter a vida de um artista que vivia com
dificuldades e precisava continuar vivendo e produzindo
(...)” (Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro,
22 de novembro de 1972).

(...) o ex-presidente Juscelino Kubitschek me prestigiou


me nomeando Delegado Fiscal do Estado da Guanabara,
num ato público, (...) valorizando o artista brasileiro.
(...) o presidente Juscelino Kubitschek fez essa
nomeação, tenho certeza, com muito prazer, porque não

57
Alfredo da Rocha Vianna Jr, Flautista e compositor
brasileiro (1897-1973) consagrado através de suas obras.
Integrou a formação dos Oito Batutas, tendo
excursionado pela França e Argentina. Dentre suas
composições, destaca-se sua parceria na música
Carinhoso, que atingiu prestígio nacional. Após seu
falecimento, Dilermando declarou: “(...) – A música
brasileira perdeu metade de sua história” (NOGUEIRA,
2000, p.184).

352
só ele gostava de mim como gostava do violão. Então
ele valorizou o violão através da minha pessoa. (Museu
da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, 22 de
novembro de 1972).

Em 1956 Dilermando passa a acompanhar as


viagens do presidente à Brasília, durante a construção
da nova Capital Federal do Brasil, sugerindo o nome
dado ao Catetinho inaugurado a 10 de novembro
daquele ano. O violonista compôs na data a primeira
música dedicada à nova capital, Exaltação à Brasília,
lançando em 1960 o LP Melodias da Alvorada.
Dilermando integrou o grupo de personalidades
que ficaram conhecidas como Os dez pioneiros58 de
Brasília, homenageados com uma placa de bronze
instalada próxima ao Catetinho.
Após a construção do Catetinho, os dois
viajaram diversas vezes até Brasília. Freqüentemente
Dilermando acompanhava o presidente nas noites de
serenatas na nova capital.

58
Dilermando Reis, Carlos Prates, João Milton Prates, Oscar
Niemeyer, José Ferreira (Juca) Chaves, Roberto Pena,
Emídio Rocha, Vivaldo Lírio, Osório Reis e Agostinho
Montandon (Jornal Última Hora, 1960 apud PIRES,
1995, p.33).

353
Na minha vida há uma fase, para mim importantíssima,
que poucos conhecem. Assisti ao nascimento de Brasília
e acompanhei durante muito tempo sua construção.
Sendo amigo particular do presidente Juscelino, era por
ele sempre convidado para acompanhá-lo ao Planalto
Central, ainda um lugar ermo e sem conforto, a não ser
pelo modesto “Catetinho”, onde se acordava cedo para o
trabalho, mas onde as noites intermináveis, escuras
como breu, eram amenizadas pelo meu violão. Um
verdadeiro lenitivo para aquele período de lutas e
sacrifícios, que viria se tornar a belíssima realidade que
hoje podemos admirar e usufruir. Orgulho-me desta
modesta colaboração que a minha música pôde
proporcionar àqueles intrépidos pioneiros (MURCE
apud NOGUEIRA, 2000, p.128).

Esta interação entre o músico e o político


favoreceu ao violonista. Dilermando, que a este período
já era conhecido através de seu programa de rádio na
Rádio Nacional, ganhou ainda mais notoriedade após
seu contato com o presidente da república. Neste
mesmo ano de 1956, Dilermando lançaria o primeiro de
seus 24 LP’s, o que contribuiu ainda mais para o
desenvolvimento de sua carreira.

354
Eu devo a minha vida artística, violonística à Levino da
Conceição59 e ao ex-presidente Juscelino Kubitschek,
que me prestigiou, levando o violão para o palácio. Eu
tocava, ele sempre me prestigiou quando eu toquei para
Sukarno60 (...), a visita do Craveiro Lopes61 de Portugal.
(...) o presidente Juscelino procurou valorizar o violão
por meu intermédio. Como meu grande amigo, eu devo
muito a ele. Minha popularidade como violonista ele
procurou prestigiar.

Intervenções e justificativas políticas no ramo da


música
Durante a década de 1930 um fator favoreceu a
expansão da prática e aceitação da música popular no

59
Violonista e compositor mato-grossense, professor de
Dilermando Reis. Era cego.e estudou na única entidade
especializada na educação dos portadores de necessidades
especiais visuais de seu tempo, o Instituto Benjamin
Constant, no Rio de Janeiro. Aos 22 anos passou a
excursionar pelo Brasil realizando recitais, cuja renda
destinava-se à fundação de escolas especiais para os
deficientes visuais.
60
Primeiro ministro da Indonésia durante a gestão de
Juscelino Kubitschek.
61
Presidente de Portugal durante a gestão de Juscelino
Kubitschek.

355
Brasil: a política econômica criada durante o governo de
Getúlio Vargas (1937-1945, 1950-1954), que Incentivou
a criação musical e incentivou sua reprodução.
A estratégia do governo Vargas de motivar o
crescimento interno no Brasil se deu em diversos
campos, visando à sua efetiva justificação e aceitação
através da chamada Nova Política Econômica.
Incentivado pela iniciativa de motivação econômica
através “(...) do aproveitamento potencialidades
brasileiras” (TINHORÃO, 1998, p.295), esse
movimento encontrou na música popular o material
ideal de produção para consumo.
Nesse contexto de valorização do potencial
nacional associado ao desenvolvimento do sistema de
gravação de discos (iniciado em 1929, desenvolvido ao
longo da década de 1930), Dilermando ganhou espaço
para a construção de sua carreira violonística, pois sua
obra de características brasileiras confirmou a
expectativa de um período em que o gosto da população
voltava-se para a matéria-prima do País. O êxito
discográfico do violonista confirma esta expectativa.
Este papel da música na representação política e
auto-afirmação do Brasil esteve presente na política de
Juscelino Kubitschek, que assumiu a presidência logo

356
após o suicídio de Getúlio Vargas (1954). Entretanto, o
desenvolvimento ambicionado pela industrialização
crescente ao longo da política juscelinista, trouxe nova
ideologia ao nacionalismo, através do novo modelo de
desenvolvimento capitalista para o Brasil (autonomia
em relação aos Estados Unidos no incentivo à
industrialização, estruturação econômica sedutora ao
investimento de capital estrangeiro). “Um nacionalismo
diferente do nacionalismo getulista pela ênfase
considerada ao capital estrangeiro e que se confundia
com desenvolvimentismo em termos de mobilização de
recursos e de apoio” (BENEVIDES apud BORGES,
2007, p.33-34).
Na música, o estilo que projetou o Brasil nesse
ideário de modernidade foi a Bossa Nova62. Segundo
Borges (2007, p.48) a Bossa Nova foi internamente “(...)
um forte instrumento propagador de um país moderno,
que se pretende enquanto um modelo, um padrão”, e

62
Gênero musical surgido em meados da década de 1950 que
tinha por características principais a incorporação da
linguagem jazzística americana e estilização rítmica do
samba. Movimento idealizado pela elite carioca,
representando esta mesma elite, no intuito de reconstruir
a identidade brasileira lançando mão do passado.

357
assim foi incorporada pelas aspirações e tendências
políticas no governo de Juscelino Kubitschek.
Dilermando tinha ressalvas para o novo gênero,
em entrevista concedida em 1972 ao Jornal O Globo
(apud NOGUEIRA, 2000, p.90) afirmou que
A maneira moderna de tocar o popular descaracterizou a
nossa música. E é preciso lutar contra isso. Nós temos
uma maneira própria de tocar e cantar que está
ameaçada de desaparecer, porque nossos músicos estão
muito influenciados com o que vem de fora. Um
profissional é obrigado a tocar segundo a onda, para não
ser preterido ou fica à margem da corrente principal. Por
isso gravei Pixinguinha, para chamar a atenção sobre o
que nós temos de base.

Este novo processo de nacionalismo


ambicionado pelo governo de Juscelino Kubitschek
encontrou na música popular um ponto comum com
seus ideais políticos: a criação de uma nova visão do
Brasil e a projeção internacional deste modelo.

Considerações finais
Conclui-se, através deste trabalho, que a
interação entre Dilermando Reis e Juscelino Kubitschek

358
foi polivalente e, de certa maneira, foi benéfica para
ambas as partes.
No caso do violonista, esta relação foi objetiva:
apesar da fama através de suas gravações e de seu
trabalho nas emissoras, atingiu maior notoriedade ainda
após a interação com o presidente, disseminada entre as
diversas camadas da sociedade brasileira. Logrou um
cargo público por intermédio de Juscelino, ampliando
assim seus rendimentos financeiros. No tocante ao
presidente, esta interação favoreceu os ideais de seu
modelo de governo, uma vez que a música serviu aos
propósitos de sua política nacionalista.
A Bossa Nova, conforme o exposto, serviu de
modelo musical ao novo Brasil emergente. Dilermando
Reis, violonista associado à corrente popular tradicional
da música brasileira, pode ter funcionado como uma
espécie de contrapeso ao radicalismo da Bossa (que
nega tendências tradicionais, de instrumentação e de
temática das letras). Juscelino Kubitschek, ao mesmo
tempo em que apoiava as investidas da mais nova
corrente musical, estava amparado pela companhia de
um dos maiores representantes ativos da música popular
brasileira tradicional e com ele realizava serestas, em
uma espécie de anacronismo na adoção do novo sem

359
perder as heranças do passado, abrangendo assim uma
gama maior de adeptos, e agradando não mais a gregos
e troianos, mas sim a brasileiros e brasileiros.

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362
O FAZ-DE-CONTA NO PROCESSO
MUSICOTERAPÊUTICO: ATIVIDADES
MUSICAIS COM CRIANÇAS DE UM CENTRO
DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE CURITIBA

Autoria: Priscila Machado da Costa

Faculdade de Artes do Paraná

Orientadora: Rosemyrian Cunha

Faculdade de Artes do Paraná

Introdução
A presente pesquisa tem por objetivo analisar as
contribuições da atividade de faz-de-conta na dinâmica
de 14 atendimentos, realizados com um grupo de sete
crianças cuja idade variava entre 5 e 6 anos. O processo
em análise foi desenvolvido em um Centro de Educação
Infantil na cidade de Curitiba, no decorrer do estágio
supervisionado do 3º ano do curso de Musicoterapia da
Faculdade de Artes do Paraná, no primeiro semestre de
2008. A pesquisa será desenvolvida dentro da
abordagem qualitativa. Para tanto, estão sendo
analisados os relatórios de quatorze sessões já

363
concretizadas. Pretende-se construir dados, a partir
dessa análise, que informem os fatores que suscitaram a
construção do faz-de-conta e a influência destes sobre o
desenvolvimento do processo realizado.
Para a construção dos dados, serão estudadas as
anotações nos relatórios. A partir dos dados encontrados
no conjunto dos relatórios serão descritas as categorias
com base nos fenômenos recorrentes nas anotações.
Após a reunião das informações em categorias, na
análise dos dados, estas serão articuladas de forma a se
reconstruir os passos traçados no decorrer do processo
musicoterapêutico em estudo e os eventos que
desencadearam o processo imaginativo do faz-de-conta.
No decorrer dos encontros musicoterapêuticos
semanais com este grupo de crianças, o primeiro
objetivo estabelecido foi o de formar um vinculo afetivo
com as crianças na forma de que elas pudessem agir em
um contexto de confiança e autenticidade. Nessa fase do
trabalho pôde-se notar que as crianças expressavam uma
necessidade de brincar, “de serem crianças”. A partir
dessa percepção, nossa proposta foi a de proporcionar
um ambiente acolhedor no qual, através da música,
fosse possível vivenciar momentos de descontração e
diversão. Para isso foram utilizadas técnicas específicas

364
da musicoterapia como a audição, execução,
improvisação e recriação de canções. Durante os
encontros havia o momento de exploração dos
instrumentos musicais, em que cada criança tinha a
oportunidade de experimentar um instrumento musical
de cada vez. Dessa forma, foi preciso também,
estabelecer combinados que solicitaram o respeito e
espera pelo tempo do outro, principalmente nos
momentos de tocar os instrumentos musicais e nas
vivências de atividades lúdico-musicais.
A partir dessas propostas, no decorrer do
processo, esse grupo passou a se manifestar por meio de
brincadeiras. As crianças criaram uma história
sonorizada, na qual cada instrumento musical
representava um personagem. Para incentivar o
desenvolvimento da história que a cada encontro era
acrescida de novos elementos, foi acrescentado aos
objetos e instrumentos já disponibilizados, um urso de
pelúcia. Esse brinquedo adquiriu importância para o
grupo que, tendo por base a presença do urso chamado
Tedy, compôs outras histórias. Os contos que
inventaram desencadearam a atividade criadora do
grupo e por meio deles, um mundo de faz-de-conta se
concretizou nos encontros de musicoterapia.

365
A percepção do processo de imaginação e
emoção que se concretizava nas interações musicais
com as crianças demandou um entendimento
aprofundado sobre o brincar e o processo do faz-de-
conta nessa faixa etária. Numa investigação sobre esse
assunto, no contexto da arte e mais especificamente da
musicoterapia, notou-se que é escassa de literatura que
aborda especificamente o tema. Foram encontradas
monografias que discorriam sobre a importância da
atividade lúdica no processo musicoterapêutico, como
Casavequia (2006) e Almeida (2003), ambas obras da
FAP, trabalham o uso da arte e seus aspectos lúdicos na
pré-escola, bem como os benefícios que o lúdico
proporciona ao desenvolvimento infantil. Artigos como
de Pinho (2007) afirmam sobre a relevância do jogo e
da brincadeira na educação infantil. Entre os autores do
desenvolvimento infantil, Paul Harris (1996) contribuiu
com sua pesquisa desenvolvida na Holanda. Nesse
estudo ele relatou diferentes maneiras de como as
crianças lidam com suas emoções e sentimentos nas
diversas faixas etárias. Em relação à musicoterapia,
Sampaio (2005) tratou do brincar nômade, fazendo uma
analogia com a musicoterapia e a necessidade que as

366
crianças mostram de brincar no ambiente
musicoterapêutico.
Por meio dessa revisão de literatura pôde-se
entrar em contato com aspectos teóricos que mostraram
que a importância do brincar para o aprendizado, o
desenvolvimento das relações sócio-afetivas e da
criatividade das crianças da faixa etária aqui em estudo.
Acredita-se que o entendimento do processo do faz-de-
conta pode dar subsídios aos educadores, aos
profissionais envolvidos no atendimento global das
crianças e aos pais para o convívio e interação com essa
criança que brinca, experimenta a realidade e aprende
brincando. Para tanto, torna-se necessário entender a
importância do brincar, conhecer as fases do
desenvolvimento infantil, do pensamento e da
imaginação da criança.
O presente trabalho pretende colaborar para a
construção desse conhecimento por meio de aportes
fundamentados na perspectiva histórico-social.
Pretende-se disponibilizar à comunidade dos
musicoterapeutas, educadores e profissionais que se
interessam pelo assunto, elementos que contribuam para
o entendimento das interações entre a atividade criadora

367
musical e a brincadeira de faz-de-conta no processo
musicoterapêutico.

A arte no social e na vida


“A arte é antes uma organização do nosso
comportamento visando ao futuro, uma orientação para
o futuro, uma exigência que talvez nunca venha a
concretizar-se, mas que nos leva a aspirar acima da
nossa vida o que está por trás dela.” (Vygotsky, 1999.p.)
Partindo desse conceito, pode-se afirmar que a arte no
decorrer da história foi um fator significativo para o
desenvolvimento humano, e o pensamento de Vygotsky
continua sendo notavelmente atual.
De acordo com Vygotsky (1999), a arte é um
fator social, que se processa isoladamente em cada
individuo, porém é coletiva em si. Por esse motivo,
quando a arte [a música], provoca alguma reação
“catártica”, o seu efeito é um fenômeno social.

Desenvolvimento Infantil
Existem teorias do desenvolvimento infantil que
categorizam as aquisições de habilidades conforme a
faixa etária. São teorias que contribuíram para o
entendimento dos processos cognitivos, motores e

368
emocionais da infância em etapas definidas. Neste
estudo pretende-se adotar uma visão de
desenvolvimento menos generalizante, por se acreditar
que cada criança possui um ritmo de aquisição e
apropriação da cultura e dos elementos do meio
circundante próprio. Por esta via de pensamento, parte-
se do pressuposto de que existem aspectos do
desenvolvimento que se aproximam de cada faixa etária,
conforme indicaram Harris (1996) e Freitas, 2000.
De acordo com Harris (1996), cada fase do
desenvolvimento possui sua especificidade e
complexidade frente às suas emoções. No inicio da
infância, a criança pode reconhecer, através da
expressão facial das pessoas que com ela interage, ainda
que de forma rudimentar, algum tipo de sentimento.
Com o passar do tempo, as vivências agregam
significados a essa interpretação, até o momento em que
a criança toma consciência de seus próprios
sentimentos, vontades e gostos. Com dois ou três anos
de idade, “as crianças são capazes de criar estados
psicológicos imaginários ou de faz-de-conta, tais como
desejos ou crenças, e projetá-los sobre suas bonecas e
soldadinhos de brinquedo” (p. 74).

369
A partir dos cinco ou seis anos
aproximadamente, a criança passa a desenvolver um
senso de empatia, frente aos sentimentos alheios.
Quando ouve uma história pode se colocar no lugar de
um dos personagens e simular o que lhe ocorreu, ao
mesmo tempo em que se aproxima desse sujeito,
relatando o seu provável sentimento. (HARRIS, 1996).
Flavell, Miller e Miller, estudando sobre o
desenvolvimento cognitivo afirmam que a atividade do
faz-de-conta é própria dessa faixa-etária. Afirmam que
“crianças com menos de 1 ano de idade não são capazes
de brincar de faz-de-conta; crianças com mais de 6 anos
ou por volta dessa idade já desistiram quase totalmente
dele em favor de outras formas de brinquedo” (p. 71). É
como se emergisse da criança primeiramente.
(FLAVELL, 1999). A brincadeira, assim considerada,
passa a ser o trabalho da criança e o faz-de-conta a
auxilia a entender como as coisas são, na realidade, e
como as fazemos parecer. O faz-de-conta permite que a
criança construa o entendimento dos estados mentais
das outras pessoas (FLAVELL, MILLER, MILLER,
1999).

370
Sampaio, Musicoterapeuta e Educador Musical,
ao escrever sobre o Brincar e a Musicoterapia, propõe:

“À medida que os brincantes passam pela experiência


de correr, fugir, procurar, se esconder (...), eles vão
perceber o mundo de outras formas, vão interagir com o
mundo de outros modos e, isto é extremamente
saudável, pois traz experiência, conhecimento,
desenvolvimento das habilidades motoras e cognitivas,
traz o trabalho em equipe, o relacionamento
interpessoal, ganho de complexidade, enfim, traz
crescimento em todos os níveis de alteração humana.”
(SAMPAIO, 2005.p.26)

Nessa fase o brincar passa a exercer uma


significativa influência no desenvolvimento infantil,
apesar de não ser o aspecto que mais predomine na
infância. Através do brinquedo a criança projeta-se na
atividade, e procura agir de forma coerente com os
papéis sociais assumidos naquele momento, sendo ela
mesma ou dirigindo esta função à um brinquedo, dando
assim personalidade ao objeto. O lúdico age como

371
reforço social. Vygotsky afirma que a brincadeira do
faz-de-conta é essencialmente humana, e a criança
segue padrões adultos na ação da brincadeira, tendo
como base modelos já existentes. (Flavell, 1999,
Vygotsky, 2001)
A criança, ao brincar, tem claro em sua mente a
diferenciação entre a fantasia, situação lúdica
imaginária e alucinação, ou seja, tem consciência do que
é fantasia e o que é realidade. O mesmo autor, Vygotsky
(2001) distinguiu a atividade do brincar em três tipos de
jogos: Jogos didáticos, de dramatização e de
improvisação. Nessa classificação, os jogos didáticos,
são aqueles que possuem um objetivo, que treinam o
desenvolvimento das operações cognitivas que se fazem
necessárias na idade escolar, porém não devem ser
considerados insubstituíveis. Já os jogos dramatizados,
podem ser considerados como “atividades pré-
estéticas”, pois no momento da dramatização, a criança,
além do brincar, se preocupa com a forma com que irá
representar o personagem. Por fim, o jogo de fantasia
foi caracterizado como o mais importante para o
desenvolvimento psíquico da criança, pois é no
momento do faz-de-conta que a criança evoca
sentimentos estimulantes, e constrói a brincadeira

372
revivendo suas experiências. “O motivo do jogo foi
transferido para seu produto; a brincadeira cessou e
nasceu o devaneio.” (p.141)

“Assim, para analisar a atividade lúdica concreta da


criança é necessário penetrar sua psicologia verdadeira,
no sentido que o jogo tem para a criança, e não,
simplesmente, arrolar os jogos a que ela se dedica. Só
assim o desenvolvimento do brinquedo surge para nós
em seu verdadeiro conteúdo interior.” (Vygotsky, 2001.
p.142.).

Brincando, as crianças podem se socializar da


maneira saudável, inteligente e democrática. Ambientes
como os centros de ensino pré-escolares podem
favorecer essa socialização. Além de favorecer a
interação social, a recreação é um meio dos indivíduos
exercerem o pensamento criativo e assim, na
convivência humana, criarem novas formas de ação, que
são renovadoras do meio social. A criação pode surgir,
portanto, de uma simples brincadeira. (RISCHBIETER,
2000, LIMA, 1995).
Até agora foi visto que a criança, ao brincar, cria
situações imaginárias a partir de objetos concretos, nos

373
processo do faz-de-conta. O pediatra e psicanalista
inglês, Winnicott, elaborou uma teoria do brinquedo, na
qual denominou de objeto transicional os objetos, os
brinquedos que a criança utiliza quando transita entre a
realidade e a fantasia. Embora este estudo não seja
fundamentado na abordagem psicanalítica, esse conceito
será aqui considerado por esclarecer o significado do
brinquedo concreto na dinâmica do brincar.
Winnicott (1975) definiu Fenômeno Transicional
para descrever o processo que ocorre à criança quando
esta passa a perceber que há um mundo exterior a ela. O
objeto transicional, portanto, pode ser o brinquedo,
fralda, ou a própria mãe, que facilita essa transição da
criança, promovendo assim um bom desenvolvimento.
De acordo com esse autor, o objeto transicional
proporciona um relacionamento de confiança por meio
da brincadeira. Há uma busca da identidade da criança
através do brincar, que proporciona a criatividade para a
mesma, através dessa experiência. Todo terapeuta deve
permitir ao paciente manifestar suas capacidades e
formas de brincar, ou seja, de ser criativo no processo
terapêutico, pois a criatividade do paciente pode até ser
frustrada por um terapeuta que ‘saiba demais’ e não
proporcione esse ambiente. Portanto a terapia aliada à

374
brincadeira pode auxiliar grandemente no processo
terapêutico. (Winnicott,1975.)

“Parece-me válido o princípio geral de que a


psicoterapia é efetuada na superposição de duas áreas
lúdicas, a do paciente e a do terapeuta. Se o terapeuta
não pode brincar, então ele não se adequa ao trabalho.
Se é o paciente que não pode, então algo precisa ser
feito para ajudá-lo a tornar-se capaz de brincar, após o
que a psicoterapia pode começar. O brincar é essencial
porque nele o paciente manifesta sua criatividade.”
(Winnicott, 1975. p. 80).

A criatividade pode ser expressa, na maioria das


vezes, através do lúdico, e o individuo precisa brincar.
Quando isso não é possível, como Winnicott afirmou
anteriormente, é necessário que a ajuda venha de fora, e
mais especificamente de um terapeuta, que possa
resgatar essa brincadeira que há dentro do individuo
não-brincante.
A partir dos dados encontrados no conjunto dos
relatórios serão descritas as categorias com base nos
fenômenos recorrentes nas anotações. Após a reunião
das informações em categorias, na análise dos dados,

375
estas serão articuladas de forma a se reconstruir os
passos traçados no decorrer do processo
musicoterapêutico em estudo e os eventos que
desencadearam o processo imaginativo do faz-de-conta.
Por esse veio teórico e mais os estudiosos do
campo da Musicoterapia, é que se passa a analisar a
produção da brincadeira do faz-de-conta no presente
estudo. Considerou-se que em processos
musicoterapêuticos, a música é o elemento de mediação
entre o terapeuta e as pessoas que participam dos
encontros e a criação, a ludicidade, a imaginação, enfim,
o brincar são elementos presentes nas atividades
musicais. Nos relatórios aqui investigados há o registro
de que, a partir do 3º mês do processo, ou seja, após seis
encontros, um novo membro foi integrado ao grupo: um
urso de pelúcia, que foi denominado Tedy. Ele foi
introduzido como um convidado que poderia voltar nos
encontros seguintes, se o grupo quisesse. As crianças
demonstraram entusiasmo com essa novidade, e no
inicio dos novos encontros sempre alguma criança
lembrava de chamá-lo de dentro da bolsa na qual se
encontrava dormindo. Tedy passou a fazer parte do
grupo, e quando se cantava alguma canção com o nome
de cada criança, elas solicitavam que se cantasse para o

376
Tedy também. As crianças criaram uma canção com seu
nome, e consistia em intervalos de terça menor
descendente, havendo um momento especifico para esta
canção.
Durante os encontros, as crianças queriam
abraçá-lo e receber carinho dele. Sempre se despediam
dele com um abraço coletivo. Tedy tornou-se como um
objeto de apego entre as crianças. Elas aguardavam
ansiosas pelo momento em que estariam com ele para
receber e dar carinho.
O grupo desenvolveu uma característica mais
afetiva, talvez por causa desse integrante que gerou um
ambiente mais solidário entre elas. Um exemplo foi o de
J., que ficou um mês sem ir para o CEI, deixando assim
de participar do processo que havia ocorrido. No
encontro no qual ele reapareceu, as crianças se
mostraram solidárias e preocupadas em contar o que
aconteceu. Elas contaram a história construída por eles e
falaram do novo integrante.

“É através das brincadeiras que a criança explora o


meio em que vive e aprende mais sobre os objetos da
cultura humana; também é pelas brincadeiras que a
criança internaliza regras e papéis sociais e passa a ser

377
apta a viver em sociedade. Mas, outro aspecto de grande
relevância refere-se ao fato de que as brincadeiras
possibilitam um salto qualitativo no desenvolvimento da
psique infantil, pois através das brincadeiras as crianças
têm a possibilidade de desenvolver as funções
psicológicas superiores como atenção, memória,
controle da conduta, entre os aspectos.” (PINHO, 2007.)
Musicoterapia
De acordo com RUUD (1990), a música possui
quatro funções principais: “ela atua no sentido de
melhorar a atenção, vinculada ao treinamento do
desenvolvimento motor e/ou cognitivo; estimular
habilidades sócio-comunicativas; favorecer a expressão
emocional e esclarecimento e estimular o pensamento e
a reflexão sobre a situação de vida da pessoa. 63“.
A musicoterapia utiliza os recursos da música
para estabelecer um diálogo musical e tem por objetivo
promover o bem-estar do individuo. A interação entre o
paciente e o musicoterapeuta se dá por meio da
linguagem musical, ou seja, utiliza-se a música como
ponto de partida para o desenvolvimento do processo
terapêutico. Procura-se que as pessoas se conscientizem

63
RUDD, 1990, p.87.

378
de sua dimensão musical. É a expressão musical do
indivíduo que propicia ao musicoterapeuta os subsídios
que tornam possível o processo musicoterapêutico.
“Para alcançar seus objetivos educacionais, a
pré-escola pode utilizar-se de estratégias variadas. A
mais poderosa delas é o emprego vivencial da arte.”
(ALMEIDA, 2003.) A arte é uma forma de organização
e um modo de transformar a experiência de vida em
objeto de conhecimento, através do sentimento. Dessa
forma, a musicoterapia preventiva atua na adequação
dos processos evolutivos da criança, bem como através
da estimulação, visando o desenvolvimento saudável da
mesma.

“Compreendendo a música como um território e não


como um objeto, o brincar musical favorece o contato
do paciente consigo mesmo e dele com o terapeuta. O
aprendizado que resulta desse brincar não é o
aprendizado de um determinado conteúdo e sim o
aprendizado do vivenciar a relação, do criar, do
manipular os elementos musicais, organizando-os a
cada instante. Para tanto, o musicoterapeuta deve estar
preparado e disponível musicalmente para estar inteiro
na relação com seu paciente.” (SAMPAIO, 2005. p.30)

379
A música é um elemento presente em todas as
culturas, que agrada às crianças e enriquece suas
experiências. A partir do momento que vivencia o faz-
de-conta através da música, o universo dessa criança se
expande, construindo conhecimentos e habilidades
muito importantes, ao mesmo tempo em que podem
resolver seus conflitos emocionais. Do mesmo modo, o
lúdico no processo musicoterapêutico faz com que as
crianças se mantenham atentas e interessadas às
atividades. No espaço terapêutico, a utilização da
brincadeira e do faz-de-conta tem o objetivo de
melhorar a qualidade de vida, ao proporcionar e facilitar
o desenvolvimento social, psicológico e emocional
daqueles que participam do processo. Através do lúdico
a criança se torna mais espontânea, aberta à interação e
disponível à mudanças. Os jogos musicais são meios
que fornecem sociabilização e são reveladores do
comportamento. Proporcionam prazer e equilíbrio
emocional, possibilitando assim, a criatividade.
(CASAVEQUIA, 2006. RISCHBIETER, 2000).

“Nos atendimentos musicoterápicos, esses recursos


[lúdicos] são utilizados também como estímulo e

380
motivação para a expressão dessas crianças, visando sua
satisfação diante de criações próprias. São recursos que
despertam o interesse delas e nas quais deixam a
criatividade mais espontânea, da mesma forma que se
torna mais participativa e realizada.” CASAVEQUIA,
2006.p.

_____________________________________________
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383
TEATRO

384
ARTUR AZEVEDO E A IDENTIDADE NACIONAL
BRASILEIRA NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O

XX

Autoria: Fernanda Cássia dos Santos,


Universidade Federal do Paraná, Curitiba/PR

Preocupação constante por parte dos nossos


artistas e intelectuais durante o século XIX, pensar a
nacionalidade brasileira se constituiu numa necessidade
real e da qual dependia a consolidação definitiva do
Estado brasileiro, pois uma unidade política, para
existir, precisa de uma justificativa afetiva, o que só é
conseguido através do estabelecimento de uma nação
que em última instância se constitui num conjunto de
tradições inventadas, e mais do que isso: a crença nelas
(HOBSBAWN; RANGER, 1984. p.1).
As primeiras formulações a respeito de nossa
identidade surgiram no contexto do movimento
romântico, que elegeu a figura do indígena como
representação ideal do povo brasileiro. Esta foi uma
primeira solução para o problema de encontrar uma
característica comum para um país com grandes

385
diferenças regionais e, além disso, foi também um modo
de manter o negro afastado dos temas literários num
momento em que ainda éramos fortemente dependentes
da escravidão. Resolveu-se assim, e apenas
temporariamente, o problema da origem brasileira que
não podia ser identificada com Portugal, nem com os
negros escravos, menos ainda com a figura de um povo
mestiço. Dentre as diferentes etnias formadoras do
brasileiro, elegeu-se aquela que representaria o menor
grau de ameaça à ordem constituída. O índio, pensado
apenas num passado mítico, e ignorado no presente,
tornou-se a figura ideal para pensar numa origem
idealizada da nação (NAXARA, 1998, p. 113).
Num segundo momento, a partir do
estabelecimento da República e com o problema do
mito fundador resolvido, passou-se a buscar uma
representação possível pra o homem brasileiro nas
produções intelectuais, artísticas e literárias. Pode-se
dizer que:

A partir da década de 1870, surge então um problema: a


nação deve conhecer seu povo, porque o próprio
princípio Republicano, que se espraiava pela sociedade,
procurava instalar um governo e em nome do povo.

386
Pensar a Identidade e a Nação significava também
pensar o povo. (SOUZA, 2002, p. 115)

A arte, de modo geral, era considerada naquele


momento um recurso pedagógico empenhado em
explicar o que era o povo e qual a natureza do momento
histórico em que esse povo vivia. Nesse contexto,
homens de letras, assim como o Artur Azevedo,
dedicaram-se a conhecer a nação e o próprio povo
brasileiro, a fim de poder desvendá-lo, diagnosticando e
projetando um futuro para a nação, que em si mesma,
era vista como algo que ainda estava por vir.
Artur Azevedo foi o principal autor vinculado
ao teatro nesse período. Nascido em São Luís, no
Maranhão em 1855, mudou-se para o Rio de Janeiro em
1875, depois de ter perdido o emprego de amanuense
(copista de textos à mão) por ter escrito uma série de
poemas satíricos sobre as pessoas de São Luis. Desde
sua chegada ao Rio de Janeiro, onde viveu até a sua
morte em 1908, dedicou-se ao teatro, inicialmente como
tradutor de peças estrangeiras para o português. Ao
longo de sua carreira, escreveu inúmeras peças
distribuídas dentre os mais diversos gêneros, alcançando
sucesso por suas comédias de costumes e revistas de

387
ano. Escreveu, ainda, para a imprensa, tendo diversas
crônicas e textos de crítica teatral publicados em
diferentes jornais especialmente no A Notícia, no qual
trabalhou por muitos anos. Na academia brasileira de
letras, ocupou a cadeira de número vinte e nove, que
tem como fundador Martins Pena.
Para falar a respeito de Artur Azevedo é preciso
compreender um pouco da situação das artes teatrais na
virada do século XIX para o XX. Se na visão da crítica
os autores vinculados à literatura foram capazes de
escrever algo significativo a respeito da identidade
nacional brasileira no período do Romantismo, uma vez
que se produziu uma primeira imagem do que seria o
brasileiro, o teatro não obteve o mesmo sucesso. Não
houve um movimento coeso que se pudesse intitular
romântico e tampouco que fosse capaz de conciliar a
estrutura estética desejável com uma temática de cunho
nacional (FARIA, 2001, p. 78). Em decorrência disto, a
crítica teatral em inúmeras oportunidades demonstrou o
seu desagrado diante da situação do teatro brasileiro de
então. Efetivamente, no entanto, apenas a comédia de
costumes mostrou-se capaz de trazer elementos de
brasilidade da forma como desejavam nossos críticos,

388
mas se tratava de um gênero menor, incapaz de atender
às expectativas estéticas da crítica teatral do período.
O desconforto dos críticos, portanto, não era
propriamente com o conteúdo das peças teatrais que
então eram produzidas, mas com o gênero cômico.
Mesmo dentre os comediógrafos do período, havia a
crença de que o termo “arte dramática” designava
apenas a alta dramaturgia, compreendida como a
tragédia neoclássica, de modo que a comédia e seus
congêneres populares estaria automaticamente excluída
dessa definição (BRAGA, 2003, p.29). Mesmo antes do
período republicano, a opinião da elite intelectual negou
constantemente a existência de um teatro de
características populares e no qual a maior parte da
população brasileira via expressos seus desejos e
vivências e que portanto, estava mais próximo daquilo
que se podia compreender como o povo brasileiro, para
o qual os autores do período voltavam os olhos em
função da necessidade de estabelecer uma definição da
nossa identidade.
Uma das principais queixas dos críticos teatrais
do período era a ausência de público nas produções de
dramas nacionais e outra, o excesso de subserviência
aos modelos do teatro estrangeiro. Neste sentido, é

389
importante a observação de Bárbara Heliodora (1972,
p.7):

[...] o teatro, é preciso que admitamos, não perdoa: ele


reflete o ambiente em que é escrito, quer queiramos,
quer não queiramos e não adianta ficarmos “falando
mal” do teatro brasileiro da época, dizendo que ele
imitava o estrangeiro, quando na realidade era ao
próprio Brasil que faltava essa brasilidade: o teatro
imitativo não fazia mais do que mostrar a força do
colonialismo cultural.

Bárbara Heliodora acerta no ponto, pois


estamos falando de uma época de busca pela definição
do que seria a nação Brasil, ao mesmo tempo em que
havia uma certa obsessão pelo progresso, pela superação
do atraso em que vivia o país. E esse progresso, viria
necessariamente das nações européias e não dos
trópicos. Daí a imitação de costumes, a ponto de usar
roupas inadequadas para o clima brasileiro unicamente
para seguir à moda francesa, como bem descreve Jeffrey
Needell, em seu livro Belle Epoque Tropical.
Para críticos teatrais do período, no entanto,
como a comédia em si mesma não era admitida, havia

390
uma sensação de ausência de peças nacionais nos palcos
e de invasão estrangeira. Disto decorre o desabafo de
Machado de Assis no seu ensaio Instinto de
Nacionalidade. Quando o autor se propõe a escrever
sobre o teatro (então visto como parte indissociável da
literatura), afirma:

Esta parte pode reduzir-se a uma linha de reticência.


Não há atualmente teatro brasileiro, nenhuma peça
nacional se escreve, raríssima peça nacional se
representa. As cenas teatrais deste país viveram sempre
de traduções, o que não quer dizer que não admitissem
alguma obra nacional quando aparecia. Hoje, que o
gosto público tocou o último grau da decadência e
perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse
com vocação para compor obras severas de arte.
(ASSIS, 1994).

Na visão do crítico, escritor e ensaísta, o teatro


se afastava nesse momento daquilo que se entendia
como literatura, aproximando-se cada vez mais do
espetáculo. A visão foi compartilhada pelos demais
autores da crítica de então a ponto de se imputar àquele

391
momento a pecha de “período de decadência” do teatro
brasileiro.
Ocorre que, o teatro, para além de atender às
expectativas dos intelectuais, precisava agradar também
ao público, que tinha expectativas muito distantes das
da crítica teatral do período. Artur Azevedo foi
reconhecido como o maior representante deste
movimento teatral em que prevaleceram gêneros
cômicos, tendo se tornado conhecido tanto pela sua
extensa produção voltada para o teatro popular, quanto
pela escrita de textos de crítica teatral publicados em
jornais. Homem de seu tempo, considerava a comédia
um gênero menor, mas era um pouco mais complacente
e acreditava numa convivência pacífica entre os gêneros
que mais agradavam ao público e aqueles que
interessavam aos literatos, tanto que se aventurou por
ambos os caminhos.
Minha pesquisa, nesse sentido, iniciou-se com a
proposta de realizar uma leitura de três peças de Artur
Azevedo, observando o modo como a discussão sobre a
identidade nacional brasileira está expressa nessa
produção. Essas peças foram selecionadas pelo seu

392
gênero (uma vez que são as únicas burletas64 escritas
pelo autor) e também pelo fato de que são textos que até
então não tinham sido analisados por historiadores. São
elas: A Capital Federal (1897), cujo texto se desenvolve
em torno da vinda de uma família do interior de Minas
para o Rio de Janeiro, trazendo uma reflexão a respeito
das diferenças entre a vida da cidade e a vida no campo,
O Mambembe (1904), na qual o autor discute a situação
do próprio teatro de sua época através da história de um
grupo de teatro itinerante que apresenta espetáculos no
interior do Brasil e O Cordão (1908), em que é colocada
a questão da repressão aos populares cordões
carnavalescos que ocorriam no Rio de Janeiro. Como
fontes auxiliares, necessárias para compreender a
relação entre a crítica teatral da época com a produção
do autor, selecionamos o ensaio Notícia da atual
literatura brasileira – Instinto de Nacionalidade, da
autoria de Machado de Assis e publicado em 1973 na
revista norte-americana O Novo Mundo; além de dois
textos do próprio Artur Azevedo, em que ele defende
suas opções estéticas.

64
Burleta é uma comédia de costumes acompanhada por
números musicais.

393
Diversas vezes, Artur Azevedo viu-se obrigado
a responder às críticas que recebia por sua produção
voltada para o teatro popular, explicando o motivo de
suas opções estéticas. O argumento que o autor
freqüentemente utilizava em sua defesa era o de que não
era ele o responsável pela decadência do teatro nacional,
mas o próprio público que preferia o gênero cômico.
Assim o autor afirmou em 1904 no jornal O País em
artigo intitulado Em defesa:

[...] todas as vezes que tentei fazer teatro sério, em paga


só recebi censuras, ápodos, injustiças e tudo isso a seco;
ao passo, que enveredando pela bombachata, não me
faltaram nunca elogios, festas, aplausos e proventos.
Relevem-me citar esta última fórmula de glória, mas –
que diabo! ela é essencial para um pai de família de vive
da pena!.

Ainda que aparentemente o autor tenha


acreditado na negação da qualidade de suas peças por
parte da crítica do período, observamos em suas
comédias uma produção tipicamente brasileira. Num
momento em que a crítica almejava um teatro com autor
e temática brasileira, suas comédias colocam em cena

394
homens humildes e homens letrados, negros, mulatos,
caipiras. Os cenários das peças do autor podem trazer a
cidade do Rio de Janeiro modernizada que seduz pelas
suas belezas, pequenas cidadelas interioranas e suas
festas populares, e ainda a periferia e o povo
marginalizado. A fala das personagens é antes de tudo,
o português brasileiro e marcado por diferenças
regionais, opondo-se assim, à preferência do uso do
léxico e da sintaxe lusitanas, presentes nas obras
literárias da época.
Acreditamos que a teoria do expressionismo65
produzida por Herder, filósofo alemão do final do
século XVIII, explica a relação entre o texto de Artur
Azevedo e o seu contexto social. Em linhas gerais, trata-
se de uma doutrina baseada na idéia de que as atividades
humanas em geral, e a arte em particular, expressam a
personalidade completa do indivíduo e do grupo social
em que foram produzidas. Isso quer dizer que toda e
qualquer obra humana está necessariamente vinculada a
seu criador e também a seu povo e assim sendo, através

65
Termo cunhado por Isaiah Berlin em seu livro: Vico e
Herder (1982).

395
da expressão artística, têm-se o acesso ao modo de
pensar de cada grupo social, seus desejos e
necessidades. É importante dizer que para Herder, o
processo ocorre de forma natural, ainda que não haja a
intenção do autor. É neste ponto que há uma relação
possível entre esse ideário e as comédias de Artur
Azevedo, pois nelas estão expressos os costumes, as
pessoas e o pensamento de seu tempo, ainda que não
possamos afirmar que tenha existido alguma intenção
do autor em fazê-lo. As idéias de Herder vêm sendo
retomadas atualmente por Stephen Greenblatt, que ao
investigar as complexas relações entre a obra literária e
seu autor, afirma que a arte é capaz de ressoar o seu
momento histórico, chamando a atenção para o fato de
que é preciso localizá-la no seu tempo, pois sua
viabilização não depende apenas da genialidade de seu
autor, mas de condições históricas.
Outra via de interpretação possível para a obra
de Artur Azevedo encontra respaldo nas afirmações de
Elias Thomé Saliba relacionadas ao humor, que segundo
o autor, participa ativamente do processo de criação da
imaginação nacional construindo tipos visuais e verbais
e criando estereótipos que confluem para a formação do
que se poderia compreender no momento como uma

396
imagem do homem brasileiro. A partir desse quadro
teórico, dividimos a leitura das peças em duas linhas de
análise, sendo que na primeira observamos o modo
como o autor discutiu nos textos dramáticos as
dicotomias representadas pelas cisões cidade X campo e
elite X povo; e na segunda estudamos os diversos tipos
utilizados pelo autor para caracterizar o povo brasileiro.
A respeito da relação entre cidade e campo, nas
peças que analisamos percebemos que no Brasil
retratado por Artur Azevedo, nos deparamos com a
grande diversidade de classes sociais, de origens, de cor
de pele, de modos de falar. Ao que nos parece, diferente
da maioria dos demais intelectuais de sua época, Artur
Azevedo demonstra uma simpatia por essa diversidade e
pela parcela da população que estava excluída do
projeto de modernização que estava posto. Em outros
escritores da passagem do século há uma tendência a
valorizar em suas obras o urbano, identificado com a
civilização. Quando eram feitas comparações entre
cidade e campo, o que mais agradava ao público leitor
eram as diferenciações que ironizavam o atraso do
homem rural. Era ridicularizado seu modo de falar, de
vestir, de se portar. O contraponto era realizado pelo
homem da cidade, que se vestia bem e falava

397
corretamente, agindo segundo os padrões europeus, ou
seja: de forma civilizada (NAXARA, 1998, p. 115-116).
Um leitor desatento de Artur Azevedo pode
acreditar que o autor agia em conformidade com essas
concepções aqui explicitadas. Percebemos, no entanto,
que o autor demonstra em diversos momentos maior
simpatia aos costumes populares e ao ambiente rural. A
ponto de em A Capital Federal a apoteose final ser
dedicada à vida no campo, quando convencidas de que o
ambiente da capital federal não é propício para a sua
vida familiar, as personagens concluem que é no campo
que o país encontraria de fato o progresso:

Eusébio — Quem não sabe é como quem não vê. (Alto.)


A vida da capitá não se fez para nós... E quem tem
isso?... É na roça, é no campo, é no sertão, é na lavoura
que está a vida e o progresso da nossa querida Pátria!
(Mutação.)
Quadro XII (Apoteose à vida rural.). (AZEVEDO,
1904, p. 94).

Em O Cordão, percebemos que o autor retrata a


população mais pobre que então vivia no Rio de Janeiro
como espontânea e alegre, ainda que iletrada e

398
indesejada pelas camadas sociais mais elevadas. Ainda
que o texto demonstre quais são as opiniões da elite, ele
realiza, da mesma forma que fez na finalização de A
Capital Federal, certa oposição ao ideal civilizador,
colocando em cena um texto que demonstra um
posicionamento avesso ao ideário preconceituoso da
elite letrada. Nisto, percebemos a ação do cômico, capaz
de construir estereótipos e ao mesmo tempo de os
destruir, como quem brinca com as concepções
vigentes.
No texto e na encenação concebidos por Artur
Azevedo as diferenciações entre as personagens são
dadas pelas várias formas de se falar. São apresentados
diversos tipos (o português, o carioca, o sábio, a mulher-
fatal, o malandro, o homem da cidade, o homem do
interior, a moça ingênua) que além de conferir
comicidade à obra, contribuem para o desejoso encontro
com o povo brasileiro de então. Aproximando-se das
classes populares, que foram suas personagens e seu
público, o autor deu voz a um português brasileiro,
carregado de diferenças como o próprio povo que
constituía essa nação que se queria criar e tornar, de
alguma forma: brasileira.

399
A análise das fontes em conjunto com a leitura
da bibliografia existente sobre o tema demonstrou que
falar a respeito do povo e de sua identidade nesse
período mostrava-se uma tarefa difícil diante do
crescente número de estrangeiros no país e do
sentimento de recalque por causa da presença maciça do
elemento negro, então visto como inferior ao branco.
Cada vez mais o Brasil se mostrava como o domínio do
diverso, das diferenças de classe, de regiões, de
costumes, de aparência e de falares. Artur Azevedo em
suas peças penetrou nessa diversidade e diante dessa
realidade escreveu sobre o deslumbramento da
modernização da cidade do Rio de Janeiro e sobre os
seus problemas sociais; sobre as diferenças cada vez
maiores entre cidade e campo; e sobre o abismo que
dividia a elite e o povo.
Através do humor, observamos em seu texto, a
crítica de alguns costumes voltados para a busca da
civilidade à maneira européia (tais como a fala
afrancesada que era vista como símbolo de status) numa
intenção clara de chamar a atenção para o interior do
país e para a necessidade de definição de uma
identidade nacional própria para o Brasil.

400
REFERÊNCIAS:

ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro:


Editora Nova Aguilar, 1994.

AZEVEDO, Artur. Em Defesa. In.: O País. Rio de


Janeiro, 16 de maio de 1904. Transcrito por FARIA,
João Roberto. Idéias Teatrais: o século XIX no
Brasil.São Paulo: Perspectiva, 2001.

_____________. A Capital Federal. In.: ARAÚJO,


Antônio Martins de (org).Teatro de Artur Azevedo. Rio
de Janeiro: Instituto Nacional de Artes Cênicas, 1983 -
1995. v.1.

BRAGA, Claudia. Em Busca da Brasilidade: teatro


brasileiro na primeira república.São Paulo: Perspectiva,
2003.

FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais: O século XIX


no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2001.

HELIODORA, Bárbara. Algumas Reflexões sobre o


teatro brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1972.

401
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção
das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

NAXARA, Márcia Regina Capelari. Estrangeiros em


sua própria terra: representações do brasileiro, 1870-
1920. São Paulo: Annablume, 1998.

SOUZA, Iara Lis Stto Carvalho. Sobre o tipo popular –


imagens do (s) brasileiro (s) na virada do século. In.:
SEIXAS, Jacy, BRESCIANI, Maria Stella; BREPOHL,
Marion (orgs). Razão e Paixão na Política. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2002.

402
DA ESTÉTICA DO PALCO TEOLÓGICO À
CENA EXPANDIDA

Autoria: Darlei Fernandes de Oliveira,


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-Pr

RESUMO: Este artigo está relacionado ao projeto de


pesquisa (PIC-voluntário)66 sobre a Cena Expandida e a
relação com o espaço, no teatro. O foco principal desta
reflexão é o espaço e a cena, abordados a partir da
origem do termo “cena” e dos elementos de sua
constituição.

Palavras-Chave: cena, espaço, cena expandida.

1. DO TÍTULO.

66
O Aluno Darlei Fernandes de Oliveira é orientado, no
Projeto de Iniciação Científica (PIC), pela Profa. Msta. Sueli
Araujo.

403
Tomo emprestado dois termos para a
composição do título deste artigo. O primeiro “Palco
Teológico”, de Derrida, do texto ”O Teatro da
Crueldade e o Fechamento da Representação”, do livro,
A Escritura e a Diferença. Derrida utiliza este termo
para falar do teatro que Artaud criticava, um teatro de
palco teológico. Teológico por ser regido por um autor
onipresente, que rege a criação à distância de atores e
diretor escravos. “Escravos interpretando, executando
fielmente os desígnios provenientes do senhor”
(DERRIDA, 1967, p.154). “Cena Expandida”, retiro de
Renato Cohen. No artigo, “Pós-Teatro: Performance,
Tecnologia e Novas Arenas de Representação”, Cohen
fala da cena expandida através de novas ferramentas
tecnológicas, como a WEB. Porém, neste trabalho, os
termos “palco teológico” e “cena expandida” servem
para a formulação desta pesquisa, cujo objetivo é
discutir possibilidades da expansão da cena através do
espaço.
Inicialmente a pesquisa se debruça sobre a
origem do termo “cena” e os elementos que a
constituem. Segundo Pavis, no Dicionário de Teatro, o
surgimento da cena se dá como um mecanismo físico do

404
teatro grego, o Skênê. Ao mesmo tempo o autor define
que a cena é constituída por três elementos
indissociáveis: o espaço, o tempo e a ação. A partir da
segunda definição de Pavis, o estudo da cena expandida,
focou-se na questão do espaço cênico e suas relações
com os demais elementos, tempo e ação.

2. A CENA E O ESPAÇO.

O Skênê era um elemento constituinte do espaço


teatral da antiga Grécia e funcionava como a área de
atuação dos deuses e heróis das tragédias gregas. Porém,
o termo “cena” ganhou novos significados ao longo da
história: “Cenário, depois local de ação, segmento
temporal no ato e, finalmente, o sentido metafísico de
acontecimento brutal e espetacular” (PAVIS, 2003,
p.42). É possível considerar então, que este sentido
“brutal e espetacular” a que se refere Pavis surge da
estrutura básica em que a cena é constituída. No livro, A
Análise dos Espetáculos, Pavis define esta estrutura na
relação entre três elementos indissociáveis.

405
Um não existe sem os três outros, pois o espaço/tempo
dramatúrgico, o trinômio espaço/tempo/ação, formam
um só corpo atraindo para si, como que por imantação,
o resto da representação. Ele se situa, além disso, na
intersecção do mundo concreto da cena (como
materialidade) e da ficção imaginada como mundo
possível. Constitui um mundo concreto e um mundo
possível no qual se mistura todos os elementos visuais,
sonoros e textuais da cena (PAVIS, 2005, p. 139)

Esta formulação diferencia-se do conceito criado


por Renato Cohen no livro, Performance Como
Linguagem, onde este determina a constituição da cena
como a relação ternária atuante/texto/público. Cohen
cria esta formulação para pensar na Performance como
linguagem de rompimento com uma forma tradicional
de teatro. Porém, tendo a formulação de Pavis como
base estruturante, podemos verificar que a relação
atuante/texto/público é complementar a estrutura inicial
da constituição cênica. A forma tradicional, a que
Cohen se refere, esta ligada a estruturação da cena no

406
espaço, que acontece por uma divisão clara entre palco e
platéia, costumeiramente na forma do palco à italiana.
Para Roubine este palco é “uma espécie de realização
plena” que perdurou durante um logo período.

(...) o palco italiano ocupa uma posição dominante em


toda a vida teatral do século XIX e, com algumas
exceções, na primeira metade do século XX. Com os
seus aperfeiçoamentos técnicos – sem esquecer o
conforto e os diversos requintes que proporciona aos
espectadores – ele aparece como supra-sumo da
arquitetura teatral. Ele é a solução que oferece as
melhores as melhores condições de visibilidade e
acústica. (ROUBINE, 1998, p. 81).

Desde o início do século XX, porém, muito foi


discutido e experimentado sobre esta forma de palco. Já
nos primeiros anos da década de vinte, Artaud

407
compreendeu que “a invenção de um novo teatro
implicava a transformação das relações entre platéia e
espetáculo” (ROUBINE, 1998, p. 87), encaminhando
se, assim, para a “explosão do palco”. Desta forma o
modelo de palco à italiana, no decorrer do século XX,
não é mais considerado como estrutura natural do teatro.

Quer dizer que ele não é mais considerado como


estrutura natural, inerente à própria essência da arte
teatral, e portanto inexcedível e incontornável, mas
como conseqüência histórica de uma evolução em
marcha, um sistema aberto suscetível de ser
transformado e aperfeiçoado (ROUBINE, 1998, p. 88).

Os anos subseqüentes são os anos de grandes


experimentações e mudanças na relação palco/platéia.
Porém aqui, esta pesquisa não pretende fazer um
levantamento histórico sobre os diferentes tipos de
palco e suas relações possíveis, mas refletir como o
espaço pode alterar a forma de se estruturar a cena de
maneira a expandi-la.

408
Pavis sugere duas maneiras diferentes de se
experimentar o espaço no teatro. O primeiro utilizando-
o como “espaço vazio que precisa ser preenchido”,
assim como o espaço sugerido por Artaud, a quem Pavis
se refere, para Artaud a cena “é um lugar físico e
concreto que exige que alguém o preencha, e que faça
falar sua linguagem concreta” (PAVIS, 2003, p. 141). O
segundo a de considerar o espaço como “invisível,
ilimitado e ligado a seus utilizadores, a partir de suas
coordenadas, de seus deslocamentos, de sua trajetória,
como uma substância não a ser preenchida, mas a ser
estendida” (PAVIS, 2003, p. 141). A partir destas
definições, Pavis divide a experiência do espaço teatral
em três formas objetivas: o lugar teatral, o espaço
cênico e o espaço liminar. O primeiro refere-se ao
edifício-teatro, sua arquitetura e sua inscrição na cidade;
o segundo, ao lugar da cena propriamente dita; e o
terceiro, o espaço liminar, é espaço que marca as
separações da cena dos demais espaços

Pavis ainda define outro tipo de espaço, o espaço


gestual. Este se refere ao corpo do atuante. “É o espaço
criado pela presença, a posição cênica e os

409
deslocamentos do ator (...), espaço suscetível de se
estender ou retrair” (PAVIS, 2003, p. 142). Neste
sentido a noção de espaço compreende o corpo do
atuante. Por sua vez corpo/espaço pode ser entendido
como uma relação que revela diferentes possibilidades
de experimentação no espaço. Desta forma o corpo
também pode ser visto como espaço de limite, liminar,
sendo o atuante o responsável por conduzir a cena e sua
relação no espaço, carregando consigo os dois outros
elementos constituintes da cena, ação e tempo. Através
do corpo é possível também pensar a expansão cênica
para fora dos espaços tradicionais do teatro. Seria o
corpo o determinante do espaço de atuação. Seu
posicionamento também traria consigo os elementos
referidos por Cohen, além do atuante, texto e público.
Quanto ao tempo várias possibilidades são
sugeridas por Pavis, entre elas, a relação espaço/tempo
tendo o texto como formulador do tempo. Mas neste
sentido, o mais significativo a esta pesquisa é a relação
tempo/espaço como combinação para definição cênica
no espaço. Pavis utiliza, para isto, um termo utilizado
por Bakthin, quando este se refere à relação
tempo/espaço na literatura, O cronotopo. Pavis sugere

410
uma tipologia para definir as combinações entre
tempo/espaço. Com a combinação do cronotopo é
possível experimentar uma “categorização do mundo”,
como por exemplo, tendo um espaço aberto e um tempo
infinito, podemos ter a sensação de um campo livre ou
planície infinita; com um espaço global e um tempo
limitado, uma ilha (PAVIS, 2003, p.152). Estas
combinações podem configurar espaços diferentes para
estéticas diferentes como, Megalomania (grande espaço
com tempo rápido); Mundo em Câmera Lenta (grande
espaço com tempo lento); Nervosíssimo (espaço
pequeno com tempo rápido) e; Minimalismo (espaço
pequeno com tempo lento).
Pensar então a cena expandida não diz respeito
apenas à questão espacial fechada em si mesma, mas na
relação do espaço com os demais elementos
formuladores da cena. A expansão cênica acontece na
abertura de um dos elementos, carregando consigo os
demais. Deste ponto é possível direcionar esta pesquisa
para diferentes abordagens e experimentação de novos
espaços de atuação.

411
Com a quebra do espaço liminar vimos que o corpo
do atuante é quem define o espaço de atuação dentro de
um local específico. Porém, é possível realizar a
expansão cênica trabalhando com outros elementos e
signos teatrais. Signos relativos ao próprio espaço, por
exemplo. Neste ponto da pesquisa novas possibilidades
surgem quanto à cena expandida, não estando ainda
definido qual, das inúmeras possibilidades, esta
pesquisa se direcionará em definitivo. Porém, neste
ponto já parece possível refletir sobre a utilização do
espaço urbano, o espaço cênico e seus limites para a
expansão cênica. Visto que, como aborda Cohen, no
artigo já citado, a instauração de um topos de cena
expandida acontece como

a cena das vertigens, dos paradoxos, na avolumação do


suporte e dos medidores, nas intervenções com o real
(...) a cena pós-teatral é a cena ampliada, uma
Gesamtkunstwerk onde cidades, as redes, os espaço

412
comunicantes são o cenário do trauerspiel
contemporâneo (COHEN, 2003, p.88).

São estes os novos limites da cena, de sua expansão,


onde, está pesquisa procura se debruçar para poder
estender o conceito de “cena expandida”. Passando da
fase inicial sobre origem do termo “cena”, para refletir a
cena como acontece no teatro contemporâneo.

3. A CENA EXPANDIDA NO ESPAÇO URBANO.

Dentre as várias experimentações da relação


palco/platéia feitas durante o século XX, como foi
citando anteriormente, muitas se direcionaram para a
criação teatral em diferentes espaços, entre eles, o
espaço urbano. Porém, não é neste período que esta
idéia surge. O teatro desde sua origem utiliza-se de

413
espaço abertos, como eram os rituais dionisíacos da
antiga Grécia ou os mistérios da idade-média. A partir
dos anos sessenta do século XX, com a redescoberta das
teorias de Artaud, uma explosão de acontecimentos
cênicos vieram invadir novos espaços, como o grupo
americano Living Theatre, que em seus trabalhos
criavam uma relação direta com o público; ou mesmo o
encenador polonês Grotowski que, também, procurava a
“integração total do público no espetáculo pela relação
do ator com o espaço” (ROUBINE, 1998, p. 103). Estes,
entre outros, procuravam arrancar o público de uma
relação rotineira em que o teatro se encontrava e, para
isto, provocaram a “libertação total do placo à italiana”
como confere Roubine. Estas novas relações com o
público aconteciam em espaços diferentes do
tradicional, em ambientes públicos, campos abertos,
cidades, etc. É neste ponto, onde o teatro redescobre
novos espaços para atuação que a cena expandida tende
a surgir. No espaço urbano, por exemplo, a cena pode
acontecer utilizando os mecanismos já existentes deste
espaço, trabalhando na segunda forma de
experimentação ao qual se referia Pavis, o espaço como
lugar de coordenadas próprias, com substância não a ser
preenchida, mais a ser estendida. Lehmann, no livro,

414
Teatro Pós-Dramático, ao abordar as questões do
espaço refere se ao “Teatro Específico ao Local”, que,
segundo o autor, é o teatro realizado fora do espaço
teatral.

Fora do espaço teatral usual há possibilidades que são


chamadas de “teatro de local específico”, mais uma vez
com uma expressão proveniente das artes plásticas (site
especific). O teatro procura uma arquitetura ou então
uma localidade não tanto porque o “local” corresponda
particularmente bem a um determinado texto, mas
sobretudo porque se visa que o próprio local seja trazido
a fala por meio do teatro (LEHMANN, 2007, p.281).

Com o exemplo de Lehmann, sobre um espaço


determinado, “O Teatro de Lugar Especifico”, a cena
tende a se desenvolver com a realidade do espaço, com
seus próprios mecanismos. No caso do espaço urbano,

415
um espaço com configurações definidas e significados
próprios. Ao inserir o teatro neste espaço tais
significados ganhariam uma re-configuração para a
transformação deste espaço em espaço cênico. Lehmann
fala de duas possibilidades nesta forma de abordagem
do espaço. Uma onde o espaço pode ser utilizado em
sua própria configuração; a outra é a de criar uma cena
com disposição de decoração e objetos no local. Esta
segunda possibilidade pode ser vista como mais
próxima daquilo que tradicionalmente entendemos por
“teatro de rua”.
Para a expansão da cena o primeiro modelo de
Lehmann parece oferecer mais possibilidades do que o
segundo, onde a cena é trazida pronta de outro local,
para acontecer em outro. O espaço Urbano, por suas
significações próprias ofereceria à cena a condição de
expansão. A arquitetura, por exemplo, se transformaria
em cenário ou ainda seria re-significada para a
transformação e anexação à peça. Isto também poderia
acontecer com os demais mecanismos do espaço
urbano, ruas, vias, limites, marcos, fronteiras, etc.. Com
isto surgiria uma terceira possibilidade, criando o jogo
no espaço real e o re-significado. Desta forma o local

416
“se mostra sob uma nova luz (...). O espaço se torna co-
participante, sem que lhe atribua uma significação
especifica, sem que lhe seja atribuída uma significação
definitiva” (LEHMANN, 2007, p.282).
Lehmann indica ainda, que “em tal situação os
espectadores se tornariam co-participantes”. Porém, este
ponto é onde a pesquisa procurará se desenvolver,
refletindo sobre a cena expandida, ampliado-a para a
relação com o público. Este como co-autor do
espetáculo.

Outras formas de expandir da cena poderão ser


levantadas a partir das questões sugeridas por Cohen,
em seu artigo (já citado). Nele mecanismos tecnológicos
são apresentados como possíveis ferramentas para
expansão da cena.

A cena expandida, neste trabalho, compreende a


expansão através do espaço a partir da articulação com
os elementos tempo e ação. O espaço urbano é
apresentado como só um exemplo possível de expansão
cênica. Trata-se de por ser um espaço de significação
própria que pode ser re-configurada como espaço
cênico. Desta forma podemos visualizar as inúmeras

417
possibilidades para a expansão da cena tendo como foco
o espaço, possibilidades estas que esta pesquisa começa
a trilhar.

BIBLIOGRAFIA:

COHEN, Renato, Performance Como Linguagem. 2°


Ed. – São Paulo: Perspectiva, 2004.
DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença. 3° Ed. –
São Paulo: Perspectiva: 2002.
LEHMANN, Hans – Thies, Teatro Pós-dramático.
Trad. Pedro Süssekind. 1° Ed. – São Paulo: Cosac
Naify, 2007.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro; trad. J.
Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 2° Ed. – São Paulo:
Perspectiva, 2005.
____________. A Análise dos Espetáculos: teatro,
mímica, dança, dança-teatro, cinema; trad. Sérgio
Sálvia Coelho. 1° Ed. – São Paulo: Perspectiva, 2005.

418
ROUBINE, Jean-Jacques , A Linguagem da Encenação
Teatral. 2°Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
ARTIGOS:
COHEN, Renato. “Pós-Teatro: Performance,
tecnologias e Novas Arenas de Representação” IN:
Anais do III Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação
em Artes (Memória ABRACE VII). Florianópolis,
2003.

419
DES-MEDÉIA E POLÍTICA ENTRE O
DRAMÁTICO E O PÓS-DRAMÁTICO

Autoria: Gilcimara Juliana Gabriel


Universidade Estadual do Centro-Oeste
Orientadora: Margarida Rauen

O objetivo deste artigo é considerar questões


políticas do monólogo Des-Medéia, de Denise Stoklos,
evidenciadas no discurso engajado da personagem, que
analiso da perspectiva do teatro pós-dramático. O
método utilizado foi o da pesquisa exploratória
bibliográfica. Os materiais consistem das fontes
primárias, como os textos Des-Medéia e Teatro
Essencial, e das fontes secundárias, destacando-se o
livro Teatro Pós-dramático, de Hans-Thies Lehmann.

Palavras-Chave: Dramaturgia, mulher, poética, teatro


pós-dramático.

Resultados
Denise Stoklos é uma das grandes artistas
brasileiras, com grande repercussão e
internacionalmente conhecida por suas peças,

420
interpretando-as nas línguas dos diferentes países onde
atua. O Teatro Essencial, sua forma de trabalho, é
engajado com a sociedade e os problemas corriqueiros,
tais como a morte de pessoas por afetos do mesmo
sangue: “Uma idéia surgida da própria organicidade da
resistência sul-americana, onde a Sociedade-mãe e o
Estado-pai abandonam o recém-nascido e só lhe
prometem carência” (Stoklos, 1993, p. 17) .
Para Stoklos, o Teatro Essencial é “Onde
apenas o vivo, a energia vital, a força de sobrevivência
do humano se estabelecem como base do teatro” (
Stoklos, 1993, p.17). Trata-se não somente do gesto e da
expressão corporal, mas da execução consciente da vida
que pulsa em seu corpo. Stoklos explicita que, para se
desenvolver algo artístico é necessário estar em
completa harmonia corporal e psíquica. Sua criação se
faz no encontro consigo mesma, no silêncio, na
clausura.
A peça Des-Medéia apresenta uma poética da mulher no
contexto da política pública do Brasil, utilizando
constantemente de metáforas para relacionar a
personagem Medéia, de Eurípides, com a Des-Medéia,
de Stoklos, colocando-nos a refletir sobre uma nova
mulher, plenamente politizada, representante de

421
mudanças na vida social e emocional. Ao abordar essa
temática, Stoklos provoca o público a pensar sobre a
vida pública brasileira e a mulher.
Des-Medéia é sobre a busca pela paridade sexual, na
relação de reciprocidade: “(...) e acima de tudo sobre a
relação prática de todos nós com a lealdade aos valores
humanos” (Stoklos, 1995, p. 4). A personagem da peça
reflete, também, sobre temas tais como direitos e
deveres iguais entre homens e mulheres, condições de
trabalho que não privilegiem somente uma parte e
igualdade de oportunidades. Sabe-se porém, que os
valores humanos nem sempre foram praticados pelas
mulheres. Badinter aborda a violência como processo
histórico, mostrando que as feministas (arianas) junto
com o nazismo “(...) fizeram voar em pedaços sua
irmandade com suas amigas e militantes
judias”(Badinter, 2005, p. 77). Essa violência da própria
morte é como uma metáfora real de uma sociedade
dominadora que Stoklos quer destruir em Des-Medéia,
com uma personagem ambígua, cujo valor básico é o
compromisso político perante a sociedade, mas não
negligencia o seu desejo.
O aspecto emocional emerge com o tema da paixão
heterossexual, a relação de profundo êxtase por um

422
homem que provoca tesão na personagem, lhe satisfaz
mais corporalmente do que amorosamente: “E Medéia,
escondida atrás da porta mas de olhos bem abertos, viu
o dote de Jasão, viu o ovo, viu a uva, viu tudo, já viu no
que deu: gamou pelo Jasão/ cagão/ tesão/ bundão”
(Stoklos, 1995, p. 07). Há, na construção da
personagem Des-Medéia uma mulher que não mais se
submete as decisões de uma sociedade machista para
sentir-se livre com seus desejos (amar e gozar),
estabelecendo uma relação de corpo orgástico,
mostrando aquela que aspira a uma igualdade sexual,
sem culpa de amar e gostar do prazer que a vida sexual
pode proporcionar, muito embora (fazendo das palavras
de Badinter as minhas): “O fato de uma mulher aspirar à
mesma liberdade sexual dos homens, isto é, fora de
qualquer sentimento, é sempre encarado como um vicio
ou uma anomalia” (Badinter, 2005 , p.116).
Des-Medéia fala da vida, do desejo sexual, do
sexo que a fazia chegar além dos orgasmos, iludindo-se
pela paixão por Jasão, expondo a sexualidade com uma
linguagem xula, expondo a psicose apaixonada de
Medéia: “O aval desse meu macho que me fura com a
pua do seu pau, raspa o meu tacho. Eu acho que é um
facho de lua, pois crescente me entucha o cassete (ele

423
minguante ou ele enchente)” (Stoklos,1995, p. 14). A
ressonância ressalta a vibração da paixão: “(...) viciados
e envoltos em vadios vórtices das vagas vazias de
vândalos e vicissitudes, à volta do veneno verdadeiro
que vacina de volúpia a verdade, ve” (Stoklos, 1995,
p.14)
Ela se lamenta posteriormente pela perda
afetiva, mas não revive o mito de matar os filhos como a
Medéia de Eurípides. Luta pela mudança, pela vida:
“Que aqui essa abordagem ao mito da paixão seja
subvertido em um grito de: Remedéie-se, alma
brasileira! Desmedéie-se!”( Stoklos, 1995, p. 09).
Mostra, portanto, a necessidade do não matar, seja no
sentido verdadeiro ou figurado. A personagem grita,
perguntando por que isso acontece tanto, pais matam
filhos, a política brasileira esquece de seus eleitores
como os pais se esquecem dos filhos? O monólogo
então retoma o caráter explicitamente político, numa
constante procura pela reflexão, fazendo pensar sobre
questões de nossa pátria, a terra mãe que está cansada
de ver seus filhos e suas filhas tão injustiçados.
Percebe-se que há a freqüente alusão aos
acontecimentos mitológicos da Medéia de Eurípides,
justapostos com fatos históricos da política brasileira,

424
denunciando a obscuridade do ser humano, o jeitinho
brasileiro de ser: “Como boa filha de presidente que era
ensinou pro Jasão umas politicagens, isto é, deu umas
rosaneadas: pistolão, sacas?” (STOKLOS, 1995, p. 07).
Parte, assim, para uma outra Medéia.
Medéia grita e esse grito, no começo da peça, anuncia o
conflito e uma ação que se intensifica conforme
preceitos dramáticos . Segundo Pallottini, “[...] ação
dramática é a que provém da execução de uma vontade
humana, com intenção e buscando cumprir essa
intenção [...]” (Pallottini, 1983, p. 15). Pallottini expõe,
ainda, que “Sem dúvida, falar é fazer, portanto, agir.
Falar dramaticamente (dialogar, modificar) é, sem
dúvida, agir dramaticamente” (Pallottini, 1983, p.25). O
grito provoca a quebra entre a exposição do coro e a
intensa fala de Medéia.
A peça contém, ao mesmo tempo, anseios privados e
públicos, afetivos e políticos que demandam o tom
dramático do começo ao fim, remetendo a um dos
conceitos da poética de Hegel, citado por Pallottini: “A
poesia dramática nasce da necessidade humana de ver a
ação representada; mas não pacificamente, e sim através
de um conflito de circunstâncias, paixões e caracteres,

425
que caminha até o desenlace final” (PALLOTTINI,
1983, p.16).
Mas Des-Medéia é uma mulher forte,
determinada a cumprir suas vontades. Lamenta a perda
de seu amado, mas não mata sua futura mulher, nem os
filhos, como a Medéia de Eurípides. A autora sugere
que a mulher submissa, comparada a um escravo, já não
tem medo das opressões, pensando e repensando muito
bem as suas ações para extinguir os seus medos e
também mostrar que houve mudança, sem matar os
próprios filhos. Essa dramaturgia provoca indagações
que vão além do teatro dramático.
Stoklos ataca, escancara a sua crítica política.
O monólogo, então, força uma pergunta mais complexa:
enquadra-se no drama triádico, no épico ou no pós-
dramático? Para Wirth, “a fala dirigida diretamente ao
público (afronta ao público) vale como um novo modelo
de teatro épico”(WIRTH, apud LEHMANN, 2007,
p.49). Mas seria mesmo um novo épico o teatro
Essencial? Segundo Lehmann, Artaud critica o teatro
tradicional por esse ter no ator a repetição dos escritos
do diretor.
Stoklos não está nesta posição. Ela própria
cria e se prova no palco absorvendo varias

426
características da cena contemporânea. Produz um texto
dramático, mas também relaciona-se ao contexto pós-
dramático, pois como diz Lehmann: “(...) no novo teatro
só se poderia falar de um discurso dos criadores teatrais
se se compreendesse dis-currere literalmente, como
correr para vários lados” (LEHMANN, 2007, p.50).
Ao discutir “Drama e Dialética”, Lehmann traz a
relação de drama e abstração: “[...] o drama se baseia no
exercício de abstração capaz de esboçar um mundo
modelar, no qual a plenitude que se explicita não é a da
realidade em geral, mas a da conduta humana em
situação” (LEHMANN, 2007, p. 62). A situação da
mulher traída, abandonada, assassina da Medéia de
Eurípedes, transforma-se em prazer na Des-Medéia, que
mesmo abandonada não assassina os filhos, lutando por
seus ideais, abstraindo a situação em questão,
mostrando uma nova e possível “realidade,” ou seja,
comportamento. Stoklos mostra uma mulher orgástica,
além de relacionar o corpo feminino como um local de
questionamento, revolta, e não submissão, livre para
provar sensações sejam quais forem, refletindo sobre
questões provocadoras: “A concepção cultural sobre o
que é o corpo está sujeita a flutuações dramáticas, e o
teatro articula e reflete essas concepções. Ele representa

427
corpos e ao mesmo tempo os tem como seu principal
material de significação” (LEHMANN, 2007, p.332).
Des-Medéia articula situações dramáticas e
pós-dramáticas: “Nesse sentido fala-se aqui
renovadamente de teatro pós-dramático e
definitivamente não de um teatro que se encontra além
do drama, sem relação alguma. Ele pode ser concebido
muito mais como desdobramento e florescimento de um
potencial de desagregação, de desmontagem, de
desconstrução no próprio drama” (LEHMANN, 2007, p.
69). Stoklos, de fato, reformula Medéia em Des-
Medéia, não saindo totalmente do drama conceitual,
pois sua peça contém elementos dramáticos como ações,
personagens e o enredo da base clássica, mas
extrapolando o aspecto ficcional em suas constantes
quebras e provocações ao público, lembrando também a
estratégia de distanciamento de Brecht.
O espaço cênico também tem suas diferenças
no drama e no pós-drama. No drama o palco é o mundo,
uma janela que se olha e “(...) isso tem uma importância
secundária diante do fato de que o espaço dramático é
sempre símbolo isolado de um mundo como totalidade,
por mais que ele seja mostrado de maneira
fragmentária” (LEHMANN,2007, p. 268). Além disso,

428
o drama constitui molduras, como se fosse a realidade
enquadrada e estagnada por um momento. No pós-
drama o espaço se torna mundo, é uma pequena
continuação da realidade que se transfere para o teatro.
Stoklos dispõe do espaço-tempo, que significa
a absorção de outros tempos longínquos (Medéia) e não
tão longínquos (dos cotidianos dela e do público)
formando no espaço pós-dramático um outro tempo:
“Os espaços temporais do teatro pós-dramático abrem
um tempo de várias camadas, que não é apenas o tempo
do que é representado, ou da representação, mas o
tempo dos artistas que fazem o teatro, a sua biografia”
(LEHMANN, 2007, p.278).
Lehmann enfatiza a morte e suas questões de dores e
medos, que trazem para o teatro discussões filosóficas
sobre a ligação “entre o teatro e o terror” (LEHMANN,
2007, p. 354). A mimese e a catarse integram esse
questionamento. A mimese “reproduz” a dor de outros
que já a sentiam, mas não é real. Stoklos usa da mimese
para mostrar a dor de uma mulher abandonada que
sofre, usufruindo desta como parte de sua atuação: “É
em função da mimese que nos apropriamos em um
determinado âmbito de experiências alheias e podemos
torná-las familiares” (LEHMANN, 2007, p. 354). Essa

429
familiaridade é retirada da vida real de sentimentos
passados, vivências que se transformam, no teatro, em
outras coisas.
Fernandes, discutindo Lehmann, usa o termo
“processos cênicos multifacetados” (FERNANDES,
2006, p. 07). Podemos entender que esses processos
fazem parte do teatro pós-dramático, deixando de lado a
convenção teatral para adentrar e se utilizar de todas as
artes e tecnologias para a construção cênica.
Denise Stoklos é um exemplo disto. Ela cria
uma forma diferente de atuar e a dramaturgia é
adequada a situações que ela própria escolhe em seu
trabalho. Fernandes deixa evidente que a tríade drama,
ação e imitação não caracteriza o teatro pós-dramático.
Stoklos não se enquadra nessa tríade, mesmo porque a
dramaticidade usada no texto, segundo Fernandes, não é
obrigatória para haver o teatro pós-dramático. Mesmo
que alguns aspectos do teatro de Stoklos estejam nas
bases descritas por Aristóteles, é possível, também,
encaixar o Teatro Essencial no panorama do teatro
energético, abordado por Fernandes quanto a não lógica
da representação. Encontramos no texto de Des-Medéia,
varias formas de estruturação rítmica, cuja enunciação
produz uma intensa expressão sonora. Lehmann trata do

430
teatro energético como uma forma de mostrar, por meio
de certas situações corporais profundas “(...) forças,
intensidades, afetos em sua presença” (LEHMANN,
2007, p. 58), não havendo a representação, mas a
energia de um gesto puro sem imitação. Stoklos usa
dessa energia em seu Teatro Essencial.
Conclui-se que Des-Medéia faz um grande
apelo a vida, não só a vida dos ditos filhos de Jasão e
Medéia, mas das condições do povo, dos filhos da
pátria, das causas humanas onde não houve, ainda
mudanças necessárias. A mulher assume lugar engajado
no texto, sendo o aspecto mais notável, pois a autora
propõe as mudanças partindo de seu engajamento.
Opera na fronteira entre a ficção e a biografia, como
aponta Lehmann.
Lehmann deixa claro que: “Muitas vezes, o
ator do teatro pós-dramático não é mais alguém que
representa um papel, mas um performer que oferece a
contemplação sua presença no palco” (LEHMANN,
2007, p. 224). Stoklos não representa somente papéis,
mas dispõe de sua energia como atriz e autora de suas
peças.
O estilo em geral se estabelece entre o
dramático e pós-dramático, independentemente de

431
Stoklos teorizar sua construção como artista pela via do
Teatro Essencial. Des-Medéia dialoga com a cena
contemporânea, com a busca de uma nova concepção
artística: “Mas sei que o Teatro Essencial altera
algumas bases do nosso teatro” (STOKLOS, 1992,
p.08). A afirmação é coerente com a identidade teatral e
biografia intelectual de Stoklos, dada a sua localização
na história das novas formas de teatro surgidas entre as
décadas de 70 a 90 do século XX: aí está ela.

Referências Bibliográficas

BADINTER, Elisabeth. Rumo equivocado. Trad. Vera


Ribeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

FERNANDES, Sílvia. Subversão no palco. IN Revista


Humanidades Especial: Teatro Pós-dramático. Brasília:
Editora UnB, nr. 52, Nov. 2006, p. 7-18.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Trad.


Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify, 2007 (1 ed.
1999).

432
PALLOTTINI, Renata. Introdução à Dramaturgia. São
Paulo: Brasiliense, 1983.
STOKLOS, Denise. Des-Medéia. São Paulo: Denise
Stoklos Produções, 1995.
___. Teatro Essencial. São Paulo: Denise Stoklos
Produções, 1993.

433
INTERVENÇÃO CÊNICA
PROCEDIMENTOS INTUITIVOS: DESCRIÇÃO
DE UM PERCURSO

Autoria: Aline Cristina da Silva,


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba-PR67

Resumo
Este artigo pretende descrever e analisar o processo
criativo desenvolvido pela artista, os caminhos
percorridos desde sua participação no Workshop
Laboratório Corpo/Cidade, de cujo conteúdo este
projeto se pretendia um desdobramento, e que se
transformou em uma pesquisa pessoal, na qual foi
levada a buscar e questionar diferentes campos de
conhecimento e a si mesma.

Palavras-Chaves: Percurso, Intervenção, Teatro

67 Aluna do curso de graduação em Artes Cênicas com


habilitação em Interpretação Teatral pela Faculdade de Artes
do Paraná. E-mail: negra.silva@yahoo.com.br

434
1. Introdução
O percurso inicialmente escolhido para o projeto O
Corpo em Cena Invadindo Curitiba era fruto de minha
participação no Workshop Laboratório Corpo/Cidade.
Ministrado pela arquiteta Paola Jacques Berenstein, foi
realizado no Centro de Estudos do Movimento - Casa
Hoffmann, em Curitiba, Paraná. O corpo, matéria
fundamental das discussões contemporâneas, era tema
central desta oficina. O debate girou em torno das
relações entre corpo e cidade, das possibilidades de
apreensão, através das experiências corporais, de
questões sócio-políticas que envolviam arquitetura,
urbanismo e arte.
As informações recebidas e as indagações suscitadas,
tanto estimularam a realização deste projeto como
apresentaram um labirinto, cujos caminhos intricados
me fizeram percorrer em círculos e entrar em becos sem
saída. No entanto, foi perdida que encontrei uma trilha
que não havia notado anteriormente: sua relação com
minha experiência pessoal, que está inscrita em minha
trajetória corporal. Revendo e analisando um evento
realizado em 2006 denominado: Intervenção Cênica
que frisa os Actantes (Sociedade de Consumo) e as
Entidades Figurativas (opressor/oprimido, alienado e

435
rebelde), foi possível verificar similitudes e relações
com os desejos e questionamentos que propulsionam a
investigação atual, assim decidi retomar o processo e
realizar novamente esta intervenção no espaço público
comercial de Curitiba. Este (re)surge num desabafo
materializado em ações físicas e gestos - Intervenção
Cênica: Ensaio Aberto Parte I. Os processos
desenvolvidos nesta intervenção agora fazem parte de
meu projeto de Iniciação Científica O corpo em Cena –
Invadindo Curitiba pelo Programa de Iniciação
Científica da FAP orientado pela professora Ana
Fabrício.
Mais que ser um manifesto para as artistas envolvidas,
se deseja poder dividir este olhar no espaço cênico, ou
melhor no espaço público, que está sendo buscado com
o desenvolvimento de ações físicas que comuniquem e
afetem o outro que vê. Mexer com o olhar do público e
com a arquitetura circundante é pensar em presença e
deslocamento, é intervir no cotidiano recriando
situações nos quais as colaboradoras se arriscam. E este
risco me faz acreditar que “o teatro tem função
preponderante de promover a comunhão social,
eliminando praticamente a distinção entre palco, platéia,
atores e espectadores.” (LIMA, 1999)

436
2. Problemática
Como relacionar Teatro, que é a minha referência, com
as possibilidades de intervenções urbanas indicadas por
Paola Berenstein Jacques, a fim de experimentar o
espaço público, construindo situações cênicas entre eu,
a atriz e o outro, o público?
Talvez, intuitivamente, os indícios desta pesquisa se
manifestaram na intervenção realizada em 2006 pela
disciplina de Improvisação, orientado pela professora
Ana Fabrício. Fruto de um exercício de criação de
roteiro através de improvisações de ações físicas o
grupo formado por mim e mais cinco colegas
desenvolveu uma partitura de movimentos a partir da
palavra “rasgo” que estruturou um tipo de “cena”. No
percurso da criação percebemos a necessidade de uma
transformação artístico-espacial, que não deveria ficar
restrita a sala de aula. Já que esta “cena” comunicava
fora das fronteiras da Faculdade, em espaços de grande
fluência de pessoas decidimos “apresentar” este
processo no calçadão da Rua XV de Novembro, região
centro-comercial de Curitiba, Paraná. Denominado de
Intervenção Cênica seu foco era eliminar o limite
arquitetônico, apropriar-se e deixar-se apropriar pelo

437
espaço aproximando público e artista. Por indicação de
Ana Fabrício, em abril de 2009 eu e o grupo68
retomamos este processo de pesquisa. Após encontros
decidimos executar o evento Intervenção Cênica:
Ensaio Aberto Parte I novamente no calçadão da Rua
XV de Novembro, agora trazendo definições teatrais por
Patrice Pavis69 para a estrutura elaborada.

3. Objetivo
O objetivo inicial da Intervenção Cênica: Ensaio
Aberto Parte I era resgatar a intervenção realizada em
2006 no mesmo local. O resgate incluía roteiro das
ações e definições de Actantes e Entidades figurativas,
bem como a experimentação destes corpos
transformados desde a primeira apresentação.
Agora com apropriação de definições teatrais retirados
do livro Dicionário de Teatro por Patrice Pavis pretendo
analisar e relacionar a proximidade entre Intervenção
Cênica: Ensaio Aberto Parte I e algumas definições
teatrais pertinentes.

68
Hoje formado por 68 Kelly Eshima, Patrícia Cipriano,
Vanessa Benke, Ligia Maggione e Rafaelin de Poli
69 PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Tradução por
J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. Editora Perspectiva. São
Paulo, 2005.

438
4. Metodologia
O evento Intervenção Cênica: Ensaio Aberto Parte I
será analisado a partir dos seguintes verbetes
apresentados por Pavis (2002): Ação, Ação Falada,
Gestos, Corpo, Ator, Representação, Espaço Cênico,
Dramaturgia e Figurino.

5. Analise
Numa proposta inicial se estará demonstrando, em
tópicos de análise do conteúdo dos verbetes
selecionados, as pertinências da linguagem teatral com o
evento realizado divido-os nos seguintes tópicos:

14. Ação
Ações: Conforme Pavis a ação na cena é visível e
invisível, ou seja, “ao mesmo tempo, concretamente, o
conjunto dos processos de transformações visíveis em
cena e, no nível das personagens, o que caracteriza suas
modificações psicológicas ou morais.”. (p.02) Na
Intervenção Cênica: Ensaio Aberto Parte I as ações
acontecem a partir de um padrão estabelecido e
coreografado pelas colaboradoras. No “plano do
visível” essas ações têm níveis diferentes de velocidade,

439
simetria e reprodução gestual metaforizando a palavra
uniforme. Já no “plano do invisível” não trabalhamos
personagens psicológicos, mas corpos carregados de
histórias que articulam um modelo actancial (Sociedade
de Consumo) e entidades figurativas, animadas e
genéricas (opressor, oprimido e rebelde).
A todo o momento as colaboradoras assumem novo
valor e posição dentro do espaço estabelecido no
roteiro, pois o impulso para novas ações pode passar de
uma para outra, modificando o espaço.

Ações Faladas: Pavis cita Sartre informando “que a


linguagem é ação, que há uma linguagem particular no
teatro e que esta linguagem jamais deve ser descritiva
[...] que a linguagem é um momento de ação, como na
vida, e que ela é feita unicamente para dar ordens,
proibir coisas, expor sob a forma de argumentações, os
sentimentos (logo, com um fim ativo), para convencer
ou defender ou acusar, para manifestar decisões, para
duelos verbais, recusas, confissões etc.; em suma,
sempre em ato”. (p.06) Concordo com Sartre quando diz
que linguagem é ação e não é descritiva, entretanto
discordo quando a limita em desígnios estabelecidos
como na vida cotidiana. Acredito que o ato de falar em

440
cena pode ir além, como pude perceber com o trabalho
Intervenção Cênica: Ensaio Aberto Parte I, quando as
colaboradoras passaram a utilizar a voz como recurso de
ocupação espacial. Onomatopéias foram utilizadas para
figuras animadas como animais (latidos, grunhidos,
miados) e para representar as possíveis sensações em
relação ao objeto observado (suspiros, assovios, vaias).

Quadro das ações:


Quadro baseado na referência de Pavis (p. 05) (Segundo
VAN DJIK,1976): Agente e sua intenção; o ato ou o
tipo de ato, a modalidade da ação (a maneira e os
meios), a disposição (temporal, espacial e
circunstancial) e a finalidade. Exemplo:

Roteiro de ações realizado em 04/04/2009:


Intervenção Cênica: Ensaio Aberto Parte I

MOMENTO I (Associação Comercial): Eu e as


colaboradoras nos dispusemos no calçadão da Rua XV
de Novembro em ema formação. Pausa longa. Num
sinal realizado por mim que estou na ponta do
“triângulo” começamos a movimentar os braços rente
ao corpo em velocidades diferentes e movimentar os

441
lábios numa metáfora ao animal peixe. Peço pra
Vanessa assumir o controle e formar uma linha
perpendicular ao calçadão. Todas estão com elásticos
presos do pulso ao tornozelo, menos Kelly que está com
um elástico solto. Ela sai descontrolada em reação a
“uniformidade” das ações das colaboradoras. Há uma
tentativa de representação de uma persona entre as
colaboradoras.

Agentes Intençã Modalidade da Disposição Finalidade


(Colabo o das Ação (maneira e (temporal,
radoras Agente meios) espacial e
) s circunstancial).
(Colab
orador
as)

Vanessa Dirigir Ações simétricas Velocidade lenta, Distribuir as


todas as com limitadores de disposição actantes e
ações movimentos espacial em entidades
muscular (elásticos formato de figurativas,
amarrados nos pulsos triângulo, logo visualizando
e tornozelos) após em linha como numa
vertical na frente introdução os
da Associação eventos e
Comercial do elementos que
Paraná. decorreram nesta
intervenção.
Ações simétricas Velocidade lenta, Distribuir as
line opiar e com limitadores de disposição actantes e
executa movimentos espacial em entidades
r as muscular (elásticos formato de figurativas,

442
ações amarrados nos pulsos triângulo, logo visualizando
e tornozelos) após em linha como numa
vertical na frente introdução os
da Associação eventos e
Comercial do elementos que
Paraná. decorreram nesta
intervenção.
Ações simétricas Velocidade lenta, Distribuir as
aty opiar e com limitadores de disposição actantes e
executa movimentos espacial em entidades
r as muscular (elásticos formato de figurativas,
ações amarrados nos pulsos triângulo, logo visualizando
e tornozelos) após em linha como numa
vertical na frente introdução os
da Associação eventos e
Comercial do elementos que
Paraná. decorreram nesta
intervenção.
Ações simétricas Velocidade lenta, Distribuir as
ígia opiar e com limitadores de disposição actantes e
executa movimentos espacial em entidades
r as muscular (elásticos formato de figurativas,
ações amarrados nos pulsos triângulo, logo visualizando
e tornozelos) após em linha como numa
vertical na frente introdução os
da Associação eventos e
Comercial do elementos que
Paraná. decorreram nesta
intervenção.
Ações assimétricas Velocidade em Diferenciar-se das
elly ão sem limitadores de níveis diferentes, actantes e
executa movimentos disposição estabelecer-se
r e fazer muscular (elásticos espacial como uma
outras amarrados apenas inicialmente em entidade
ações nos pulsos) formato de figurativa,
que não triângulo, logo visualizando
sejam após fora da linha como numa

443
as vertical formada introdução os
padroni na frente da eventos e
zadas Associação elementos que
por Comercial do decorreram nesta
Vaness Paraná. intervenção.
a.

2) Sobre Gestos
Para Pavis Gestos é “movimento corporal, na
maior parte dos casos voluntário e controlado pelo ator,
produzido com vista a uma significação mais ou menos
dependente do texto dito, ou completamente
autônomo.”. No momento da Intervenção Cênica:
Ensaio Aberto Parte I as colaboradoras executavam
gestos simultaneamente significando o actante
(Sociedade de Consumo) e a entidade representativa
(rebeldia). Em nenhum momento o gesto é uma
exteriorização de um “conteúdo psíquico interior e
anterior” (p. 184). A função gestual entra aqui para
expressar padrões sociais como (adorar, andar, beijar),
no entanto os corpos das colaboradoras reagem ao
ambiente. Aconteceu que cada uma das executantes
respondeu de maneiras diferentes ao meio (estímulos e
reações do público e arquitetura), conseqüentemente
modificando tônus e detalhes do próprio corpo. Muito
mais produtores de signos do que sentimentos, os gestos

444
aplicados nesta intervenção podem ser enquadrados
através das definições de Pavis como “gestos estéticos”,
ou gestos que são “trabalhados para produzir uma obra
de arte” (p.185). Acredito que tenhamos nos
aproximado do Gestus brechtiano em relação aos
comportamentos sociais abordados como servilismo,
consumismo, violência, entre outros, e que a partir desta
analise posso construir outras partituras de gestos para o
Roteiro de Ações.

 Corpos
Parafraseando um trecho de Pavis o corpo do
ator, neste caso, das colaboradoras, situa-se entre a
espontaneidade e o controle absoluto, entre um corpo
natural ou espontâneo. A utilização do corpo neste
projeto oscila entre representação dramática e ilustrativa
(gestos e ações programadas) com apresentação de um
corpo que remete a si mesmo (jovens mulheres vestidas
de vermelho). Cada colaboradora dispõe de um corpo
impregnado pela cultura do ambiente abordado.
Observando as ações realizadas em Intervenção Cênica:
Ensaio Aberto Parte I foi possível perceber que nossos
corpos. Trajados com vestidos vermelhos foram
espetacularizados devido à presença do olhar do outro

445
(público). Abriram-se portas para diversas
interpretações, pois estes corpos, no contexto cultural
inserido, possuíam agudos significados. No dia da
intervenção, as colaboradoras chamaram a atenção de
quem passava atingindo além da percepção visual, ou
seja, todos os outros campos perceptivos.

 Atores e Colaboradoras
A importância que Pavis dá para o Ator é a
mesma que foi dada para as Colaboradoras deste
trabalho. A diferença entre estabelecida aqui entre Atriz
e Colaboradora é a forma, ou melhor, o emprego
referenciado para os referidos termos. Acredita-se que o
ator “é um portador de signos” (p.31), entretanto é mais
que “cruzamento de informações sobre a história
contada (seu lugar no universo da ficção), sobre a
caracterização psicológica e gestual das personagens,
sobre a relação com o espaço cênico ou o desenrolar da
representação.” (p.31). O artista cênico, aqui chamado
de Ator, é mais do que a denominação de Pavis, é
agente modificador que não só funciona no palco, mas
no cotidiano. E por achar que o Ator é mais, prefiro
denominar as executantes das ações como
Colaboradoras, pois ficam menos vinculadas a uma

446
significação mais restrita do que seja “ser ator”. Tanto
quanto Pavis, crê-se que o ator é “artesão do espetáculo”
e que pode e deve quebrar barreiras já cristalizadas no
léxico Teatral.

 Representação / Reprodução
Existem várias designações para o termo
Representação em Pavis (2002), no entanto a base
escolhida refere apenas um tipo de representação, a
mais comum: representação de algo que existe, ou
melhor, “a repetição de um dado prévio e criação
temporal do acontecimento cênico [...] base de toda a
encenação.”. Normalmente este tipo de representação
está construída a partir de uma base textual, ao contrário
da Intervenção Cênica: Ensaio Aberto Parte I que
trabalha com roteiro de ações baseados nas
representações sociais que estão impregnadas nos
corpos das Colaboradoras. A intenção não é de se
reproduzir (imitar) o real, mas de uma releitura dos
acontecimentos produzidos entre os homens.

 Espaço Cênico / Arquitetura espacial


O Espaço Cênico, segundo Pavis, é o palco
onde os atores desenvolvem as ações dramáticas. No

447
caso de Intervenção Cênica: Ensaio Aberto Parte I este
espaço é o calçadão da Rua XV de Novembro, região
centro-comercial de Curitiba. Construído por arquitetos
de diversos períodos e (re)planejado por urbanistas com
finalidade de passagem e compras, a Rua XV ganha
outro significado com a apropriação cênica que as
colaboradoras propuseram. Além de abranger presença
e deslocamento, esta intervenção inclui o público
criando situações nas quais este interage em diferentes
níveis. É nestes locais que frisamos os actantes
(Sociedade de Consumo) e que se abre um novo olhar
do público para com o objeto olhado (as ações das
colaboradoras) e a arquitetura circundante.

 Espetacular
Pavis define Espetacular como “Tudo o que é
visto como que parte de um conjunto posto à vista de
um público. O espetacular é uma noção bastante fluida,
pois, como o insólito, o estranho e todas as categorias
definidas a partir da recepção do espectador, ela é
função tanto do sujeito que vê quando do objetivo
visto.” (p. 141). Intervenção Cênica: Ensaio Aberto

448
Parte I, pela definição acima, é uma obra que sublinha o
caráter e as possibilidades espetaculares do espaço
público.

 Dramaturgia
A Dramaturgia se baseia num Roteiro de
Ações estabelecido a partir dos temas Sociedade de
Consumo, Uniformização e Opressor/Oprimido. Para
Pavis a Dramaturgia deve se articular com o mundo e
com a cena, ou seja, basear-se na realidade humana,
porém entende-se aqui que não necessariamente deva
ser uma reprodução mimética desta realidade. A
Intervenção Cênica: Ensaio Aberto Parte I articula o
mundo com a cena, a partir da apresentação dos
históricos corporais das colaboradoras delineados pelos
temas informados acima, numa perspectiva que parte do
indivíduo.

 Figurino
O figurino utilizado não teve a finalidade de
vestir os corpos objetivando verossimilhança a uma
“condição ou situação” (p.169), não se vinculava a
personagens. As formas e a cor (vestido/saia e blusa
vermelha), no entanto, remeteram a códigos diferentes

449
para cada pessoa que via (feministas, comunistas,
consumistas, religiosas, etc.). Com o figurino não
quisemos trabalhar idade, profissão, classe social, ou
gênero, mas a discussão provocada sobre este último
tópico, foi gritante, pois éramos cinco mulheres de
vermelho reagindo a diversas sugestões do ambiente
(arquitetura, lojas, pessoas, produtos, entre outros). A
escolha do vermelho, entre outras razões se deve ao fato
de ser uma cor que destaca entre multidões, e por
remeter a diversos signos no imaginário do senso
comum. Desta forma o figurino está diretamente ligado
aos Actantes e as entidade figurativas “que o público
possa decifrá-lo em função de seu universo de
referência e que ele produza os sentidos que lhes
atribuímos ao contemplá-lo” (p. 170).

6. Resultados
Estes verbetes retirados do livro Dicionário de Teatro
de Patrice Pavis contribuiram significativamente para o
processo criativo ampliando meus conhecimentos na
área do Teatro.
Ao relacionar a experiência com as definições de Pavis,
puderam ser identificadas algumas semelhanças, no
entanto nem todos os termos se ajustam ao evento

450
realizado no dia 04/04/2009 no calçadão da Rua XV de
Novembro. Os padrões estabelecidos estão
contemplados nas pesquisas de Patrice Pavis, entretanto
não com a devida abrangência.
Os resultados foram analisados, sistematizados e
reformulados num novo Roteiro de Ações, que será
realizado em outro espaço público de Curitiba. As
reflexões a partir destes eventos e suas relações com os
elementos que constituem uma cena teatral servirão de
base para o artigo que finalizará o projeto O corpo em
Cena: Invadindo Curitiba. O conteúdo, atual, deste
artigo científico e mais os resultados visuais (vídeo e
imagem) dos eventos realizados estão publicados em
um blog70 onde abro espaço para discussões e sugestões,
esperando um retorno para prosseguir em minhas
pesquisas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

70
www.intervencoescenicas.blogspot.com

451
JACQUES, Paola Berenstein (Org.) . Apologia da
Deriva - escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2003. v. 1. 160 p.

______. Corpografias Urbanas. Net, São Paulo, 2008.


Seção Arquitextos 093. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq093/arq09
3_02.asp> Acesso em 11 ago.2008

______. Errâncias Urbanas - A arte de andar pela


Cidade. Net, Porto Alegre, 2005. Secão Arqtexto.
Disponível em
<http://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/P
DFs_revista_7/7_Paola%20Berenstein%20Jacques.pdf>
Acesso em 06 jan. 2009

JACQUES, Paola Berenstein ; BRITTO, Fabiana Dultra


. Corpografias Urbanas: relações entre o corpo e a
cidade. In: Evelyn Furquim Werneck Lima. (Org.).
Espaço e Teatro, do edifício teatral à cidade como
palco. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008, v. 1, p. 182-192.

452
LIMA, Evelyn Furquim Wernec. Concepções
espaciais: o teatro e a Bauhaus. Net, Rio de Janeiro,
1999. Ano VII, nº7, Percevejo On-line. Disponível em:
<http://www.unirio.br/opercevejoonline/7/artigos/3/artig
o3.htm > Acesso em: 06 fev. 2009

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo.


Editora Perspectiva, 2005.
PEIXOTO, Nelson Brissac. Intervenções Urbanas: Arte
Cidade. São Paulo. Editora Senac, 2002.

453
Poética e Estética na Pedagogia Teatral de Peter
Brook e Ariane Mnouchkine

Autoria: Gabriela P. Fregoneis,


Faculdade de Artes do Paraná, Curitiba – PR

1. Objetivos: O objetivo geral desta pesquisa é


propiciar um estudo comparativo entre as poéticas de
Peter Brook e Ariane Mnouchkine, sob a perspectiva da
interculturalidade, da transposição cênica de textos de
dramaturgia clássica (focando-se em Shakespeare), da
pedagogia teatral utilizada pelos diretores, na formação
de seus atores, e nos processos de criação de seus
espetáculos. Sabe-se que há poucos materiais de estudo
que descrevam o trabalho teatral realizado pelos dois
encenadores, em especial sobre Mnouchkine, sendo o
objetivo principal deste Projeto de Pesquisa a
disponibilização de artigo acadêmico que trace um
estudo comparativo entre os dois diretores europeus.

2. Métodos e Resultados: Na realização da pesquisa


estão sendo utilizados vários procedimentos
metodológicos a fim de obter o máximo possível de
dados sobre o objeto de estudo e de elementos que

454
possibilitem uma análise pertinente e aprofundada do
tema proposto. Logo, está sendo realizada leitura crítica
e comparada de material bibliográfico de e sobre Peter
Brook e Ariane Mnouchkine, (conforme listados nas
referências bibliográficas), visando à identificação dos
denominadores comuns a suas poéticas, bem como as
especificidades de trabalho de cada um no que tange à
pedagogia aplicada à direção dos atores, à
interculturalidade, aos processos de criação e à releitura
de dramaturgia clássica. Como resultado parcial desta
Pesquisa, foi escrito um artigo traçando uma analogia
entre o trabalho desenvolvido pelos dois encenadores,
bem como fichamentos de todos os materiais lidos no
andamento do projeto.

3. Resumo e Conclusão: Este é um Resultado Parcial


de proposta de trabalho de Iniciação Científica
desenvolvida junto à linha de pesquisa “Processos
Criativos” no Núcleo de Estudos: Artes e
Performance, orientado pela Profa. Dra. Luciana
Barone. O Trabalho de Iniciação Científica (iniciado em
agosto de 2008) se desenvolve com bolsa da Fundação
Araucária, vinculada ao Programa Institucional de
Iniciação Científica – PIC – FAP/UNESPAR.

455
Neste resumo será feita uma analogia entre o
trabalho desenvolvido pelo diretor inglês Peter Brook,
fundador do Centro Internacional de Pesquisa Teatral, e
a francesa Ariane Mnouchkine, diretora do Théâtre du
Soleil, ambos atualmente sediados em Paris.
O primeiro ponto a ser analisado é o porquê das
escolhas dos textos de Shakespeare para cada um dos
encenadores, e sua conseqüência nos processos
pedagógicos desenvolvidos pelos grupos. Para o diretor
inglês, a importância da dramaturgia shakesperiana
surge com o entrecruzamento de linguagem cotidiana e
culta, da poesia com a prosa, para alterar a distância
psicológica entre o espectador e o tema. Juntamente
com a dramaturgia, surgem abordagens como a análise
social, ritual de crueldade, introspecção, sempre
representados de maneira simples, sendo que todos eles
convivem contraditoriamente.
“Shakespeare parece sempre melhor do qualquer
outro autor, ao ser colocado em cena, porque
sempre nos dá mais, minuto a minuto, pela
preciosidade de sua entrada. Isto é conseqüência
de seu gênio, mas também de sua técnica. As
possibilidades de encenação dos versos livres
permitem eliminar os detalhes supérfluos e de

456
toda ação que é realisticamente irrelevante em
lugar de tudo isso pode somar sons e idéias,
imagens e pensamentos que fazem de cada
instante um fator de exuberante dinamismo”.
(BROOK, 1969, p.61).

Peter Brook destaca que a grande oportunidade


e desafio da companhia é tentar relacionar o trabalho
com Shakespeare e com peças modernas à pesquisa de
um novo estilo, não realista, mas sim puramente teatral.
Assim, ele explicita a importância das obras de
Shakespeare focando-se na sonoridade, pois mesmo sem
todos os atores saberem inglês, só pelo som das
palavras, era possível compreender o que o autor queria
com aquele texto. Essa idéia foi aplicada no primeiro
dia de trabalho no Centro Internacional de Pesquisas
Teatrais (CIPT), em 1968, com os atores de diversas
nacionalidades, já que não havia uma língua em comum
para que houvesse uma comunicação. Os atores
fecharam os olhos e descobriram o espaço e seus
amigos através do toque e emissão de sons que
retratassem a sensação que sentiam naquele momento,
até que se unissem em um só grupo. Um outro exercício
realizado foi a troca de injúrias, na qual cada ator dizia

457
palavrões na sua língua de origem, como aho (imbecil),
baka (cretino), cunt (idiota), etc, visando a expressão
através de uma pura matéria sonora. “Brook assinala
que as peças de Shakespeare possuem sua própria
energia, que surge quando são encenadas. A energia de
um texto de teatro provém da combinação de sentido e
som.” (OIDA, 1999, p.64). Logo, é a qualidade do texto
que impregna os atores, como na peça Orghast do inglês
Ted Hughes, que contava as histórias de Prometeu,
Hércules e Édipo.

“O texto já estava escrito em uma língua fictícia,


já destinada a uma companhia plurinacional, pois
misturava esperanto, grego arcaico, latim e avesta
como texto. A peça não contava com nenhum
cenário nem figurino, apenas com uma necrópole
em ruína.” (OIDA, 1999, p.94).

Nesta fase do trabalho, Brook direcionava suas


investigações para o sagrado, buscando trabalhar na
preparação dos atores principalmente a sonoridade e
intenção do texto e não o seu significado propriamente
dito. A investigação surge: “O que acontece quando

458
gesto e som tornam-se palavras...” (BROOK, 1969,
p.150).
Já para Ariane Mnouchkine, a importância de
Shakespeare está na abordagem social e política de seus
textos, sendo que estes dão grande margem para a
criação teatral abranja outras culturas (podendo citar o
ciclo de Shakespeare, em 1980). Outro ponto relevante
diz respeito às temáticas abordadas em suas obras, pois
são humanas e universais, a exemplo da montagem de
Ricardo II (pelo Théâtre de Soleil, 1981). A dramaturgia
de Shakespeare serviu de base para descobrir formas
dramatúrgicas que abordam relatos políticos e
históricos. A companhia estabeleceu relações entre o
texto Ricardo II e a história da Inglaterra para
posteriormente relacionar esse texto com a cultura
oriental, mais especificamente a japonesa. Assim surgiu
o ciclo de Shakespeare que contou com mais duas
peças: Noite de Reis (1982), que se apropriou de formas
teatrais da Índia e Pérsia e Henrique IV (1984), também
montado dentro das bases formais do teatro asiático
japonês. Ariane tratou este paralelo relacionando duas
formas em constante amadurecimento: os textos de
Shakespeare, que abordam temas inesgotáveis e tem
uma dramaturgia rica (unindo prosa e verso) e o teatro

459
asiático, pois conseguiu preservar a forma teatral,
dependendo de convenções, codificações e a
transformação da realidade dentro do não-realismo.
Partindo para os procedimentos pedagógicos
desenvolvidos pela encenadora, é importante ressaltar a
importância dos atores assistirem uns aos outros, pois
isso ajuda o artista a compreender e aprender sobre sua
arte, “é preciso mergulhar-se em si próprio, ou seja,
olhar além do mundo para conseguir maneiras de
totalizar a situação – o máximo de exteriorização com o
máximo de interiorização” (MNOUCHKINE, apud
KIENAUNDER, 2008, p.36). Não há uma preocupação
com o significado final das improvisações, mas sim com
o processo teatral, ou seja, o que levou os atores a
criarem as cenas e organizarem seus corpos e o espaço
para e espetacularização.
“Aqui, pede-se a um ator para ser criador dentro do
espetáculo. O que acontece no espetáculo deriva do que
não está no espetáculo e está intimamente vinculado à
vida e ao trabalho do grupo.” (NEUSCHÄFER, 1995,
p.227).

É necessário lembrar que os papéis não são pré-


definidos, só depois de um processo intenso de

460
improvisações é que é feito a divisão de papéis e quando
há essa definição. Pode-se citar o espetáculo
improvisado Les Clowns (Os Palhaços), em 1969,
considerado pela própria companhia como «a
quintessência da criação individual de cada um».
(Idem). Para ela “a ação não é e nem pode ser a vida
real. Ela tem que representar e expressar a realidade de
maneira teatral. É necessário transformar a vida, e não
meramente imita-la”. (MNOUCHKINE, apud
KIENAUNDER, 2008, p.31).
Focando o processo de criação dos espetáculos
e da dramaturgia, é necessário ressaltar duas peças que
se convergem no que diz respeito à importância dada ao
Teatro Popular: a montagem de A Tempestade de Peter
Brook e L’Age D’or (Idade de Ouro) de Ariane. Dentro
dessa vertente, é justo destacar que ambos os
encenadores foram influenciados por esse teatro, Brook
devido ao contato com Jean-Louis Barrault (quando foi
convidado a participar do Teatro das Nações) e
Mnouchkine com Jean Vilar (o fundador do Teatro
Nacional Popular), sendo que ambos voltaram-se para a
visão de crianças e adolescentes para melhor
estruturação das peças. Peter Brook apresentava peças
em escolas infantis, pois sabia que a espontaneidade das

461
crianças (expressa por suas reações) indicava os fatores
mais relevantes da encenação. Os atores se adequavam
ao lugar (geralmente um porão velho e apertado) e aos
objetos que os alunos possuíam na sala de aula. É a
partir dessas experiências que ele dá continuidade a seu
processo de criação, iniciado anteriormente com
exercícios diários de improvisação, sem partir de idéias
preconcebidas, realizando experimentações e análise
racional do texto, para posteriormente apresentar as
pessoas fora da companhia (BROOK, 2002, p.62).
Outro exemplo foi em 1972 em Paris, quando a
companhia apresentou-se para crianças surdas, quando
estavam montando Orghast (peça que dava grande
importância ao som), elas os comoveram pela
vivacidade, eloqüência e rapidez de sua linguagem
corporal. Mnouchkine, quando estava montando seu
espetáculo L’Age D’or (que relata episódios publicados
cronologicamente desde a epidemia da cólera em 1973
em Naples até a morte de 42 mineradores no Norte da
França em 1974), foi a uma escola para conversar com
adolescentes sobre problemas familiares e drogas. A
peça, por tratar de temas humanos, traz à tona brigas,
injustiças e fatalidades nas indústrias e no comércio,
prisões, repressões governamentais, racismo, dentre

462
outros. Logo, a diretora buscou as figuras reais da
sociedade como trabalhadores, mineradores, pessoas
que trabalham em hospitais e escolas para ajudar a
enriquecer a dramaturgia da peça.
No que se refere à Poética das peças, pode-se
afirmar que Brook se dedica intensamente à observação
da encenação e com os diferentes espectadores, ou seja,
ao passar três meses no Irã, depois três meses na África
e por fim mais três meses nos EUA (onde moram os
chicanos), o inglês busca uma relação entre o espaço
onde acontecem as improvisações e o público de
diferentes culturas, ou seja, como os espectadores
reagem às improvisações em espaços diversificados. O
que acontece quando uma peça é apresentada em
círculo...e frontalmente... Qual a relação do público
quando os atores estão entre ele...Essas são algumas das
questões desenvolvidas pelo inglês no seu livro O
Teatro e seu Espaço. Por fim, pode-se citar o cenário de
A tempestade: depois de haver experimentado diversos
espaços, que consistia em um pequeno palco em forma
de T e muitos andaimes. O público sentava onde
quisesse, exceto em um lado do T. Assim, os atores
representavam para uma espécie de “leque” formado
pelo público. Ao final da apresentação, o elenco dizia

463
em coro a frase “Nós somos do estofo de que se fazem
os sonhos”, improvisando livremente, como se fosse
uma brincadeira. A representação terminava em um
grande deleite, do qual o público era convidado a
participar.
Já Ariane não se preocupa, prioritariamente, em
estudar as diferentes reações interculturais dos
espectadores. Mnouchkine busca meios teatrais, não
naturalistas e não psicológicos, direcionando suas
investigações para a composição de diferentes “formas”
teatrais, ou seja, representações que sejam entendidas
universalmente independendo da invisível barreira
político-cultural. Foi a partir dessa busca estética que a
encenadora francesa começou a estudar mais
profundamente o teatro asiático, já que para ela, esse é o
teatro que mais preservou sua forma artística. Sendo
assim, o ator não é fechado em interpretar um único
papel, mas diversos personagens de uma mesma peça.
Como na peça Norodom Sihanouk de Ariane e A
Conferência dos Pássaros de Brook, na qual ambos
trabalharam com máscaras balinesas.

“Porque escolher a Ásia? Qual a proposta de


representar isso? Primeiro porque o teatro é

464
oriental, seguindo a visão de Artaud, segundo
porque o teatro ocidental é naturalista, ou seja,
não cria formas.” (BROOK, 2002, p.130).

Para Ariane, as culturas européia e japonesa


apresentam distintas noções de forma, aspecto este
bastante explorado no Thèâtre du Soleil. É importante
lembrar que as influências japonesas vieram muito mais
do cinema, especialmente dos filmes de Kurosawa,
como Kagemusha (que a ajudou a montar Ricardo II),
do que da prática do teatro japonês. (KIERNANDER,
2008, p.111).

4. Referências Bibliográficas:
BROOK, Peter. A Porta Aberta.Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
_____. Fios do tempo : memórias. Rio de Janeiro:
Bertrand. 2000.
____. O ponto de mudança : quarenta anos de
experiências teatrais 1946-1987. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira. 1995.
____. O Teatro e seu Espaço. Rio de Janeiro: Vozes.
1970

465
KIERNANDER, Adrian. Ariane Mnouchkine and the
Théâtre du Soleil. Cambridge: Cambridge University
Press, 2008.

MILLER, Judith Graves. Ariane Mnouchkine. Londres:


Routledge, 2007

NEUSCHÄFER, Anne. «Jacques Copeau et le Théâtre


du Soleil» [Jacques Copeau e O Teatro do Sol], p. 225-
231, in PAVIS, Patrice & THOMASSEAU, Jean-Marie
(org.) Copeau l´Éveilleur [Copeau, aquele que
desperta]. Lectoure: Bouffonneries nº 34, 1995. ―
Tradução de José Ronaldo FALEIRO.

OIDA, Yoshi. O Ator invisível. São Paulo: Beca


Produções Culturais, 2001.

OIDA, Yoshi. UmAtor Errante. São Paulo: Beca


Produções Culturais, 1999.

Filmes assistidos:
The Man Who – Peter Brook
Marat-Sade – Peter Brook
Un Soleil a Kabul – Ariane Mnouchkine

466
POSSÍVEIS CAMINHOS: UMA ANÁLISE DO
TRABALHO COM TEATRO NA REDE
MUNICIPAL DE ENSINO DE CURITIBA.

Autoria: Francieli Benedetti


Faculdade de artes do Paraná Curitiba, PR.

O tecer deste texto vem se fazendo com o


objetivo de efetivar o projeto do PIC na linha de
Pesquisa Arte e Ensino; porém é impreterível lembrar
que esta pesquisa e, portanto, o texto se encontra em
processo. O estudo a ser desenvolvido parte da análise
do ensino do Teatro na educação dentro da Rede
Municipal de Ensino de Curitiba - RMEC71, no Estado
do Paraná. Portanto busca responder certas indagações
que ainda repercutem nos ouvidos de quem pensa o
ensino do teatro como linguagem especifica e busca
efetivar as linguagens artísticas como instrumento de
uma política educacional eficaz.
A autora a desenvolver o estudo, sendo
professora do Município de Curitiba e também aluna do

71
RMEC o mesmo que Rede Municipal de Ensino de Curitiba

467
curso de Licenciatura em Teatro da FAP, sentiu a
necessidade de registrar e pesquisar como as professoras
que participam de um curso de formação continuada,
Estudos em Teatro e Dança, o qual acontece há três
anos, reelaboram e articulam as experiências e
discussões que são vivenciadas neste com a prática
pedagógica.
Levando em consideração que muitas
abordagens pedagógicas já foram registradas vindo a
fortalecer o teatro-educação72; e de que um dos
objetivos da formação continuada oferecida pela
Secretaria de Educação de Curitiba é levar essas
metodologias do ensino teatral, discutidas e analisadas
nas instituições acadêmicas; o presente estudo vem
tentar perceber se a formação dada aos professores
municipais vem contribuir para o entendimento do
teatro como uma linguagem artística singular para o
desenvolvimento cultural e crescimento pessoal do ser
humano, deixando de lado a visão contextualista e
instrumental do teatro. 73

72
JAPIASSU. Ricardo Ottoni Vaz. Metodologia do Ensino do
Teatro.Campinas: Papirus, 2001.
73
Idem 2.

468
Trata-se de tentar compartilhar as experiências
pedagógicas e analisar se estas se efetivam no âmbito da
educação escolar; dessa forma se tentará descrever
apreciar e discutir as práticas ligadas ao ensino do
teatro.
Sabemos que o percurso do teatro, na educação,
no Brasil é de longo tempo, desde que os jesuítas, no
século XVI, utilizavam o teatro como meio educacional.
Porém o termo teatro-educação e um novo olhar do
teatro inserido no ambiente escolar é bem recentes:

A partir da segunda metade do século XX, com


o fortalecimento de uma educação através da arte
(READ 1977), o teatro e a sua dimensão pedagógica
começaram a ser pensados na educação escolar de um
ponto de vista que ambicionava superar as limitações de
seu uso exclusivamente instrumental, isto é, como
“ferramenta”, “instrumento” ou “método” para o ensino
dos conteúdos extrateatrais. 74

Esta nova concepção de teatro na educação se


inicia na década de 60 e envolve um grupo de
educadores da cidade de São Paulo, que influenciados
pela abertura ao ensino da arte, propiciado pelo

74
Idem 2

469
movimento Escola Nova no Brasil, da década de 30,
surgiram com novas propostas metodológicas que se
opunham a maneira tradicional de se fazer teatro na
escola, ou seja, aquele teatro ligado a comemorações e
festividades Esses educadores faziam parte da chamada
Escolinha de arte do Brasil e grande foi a contribuição a
divulgação de seu ideário para o ensino da arte no país.
75

Mas é com o advento da lei 5692/71 que o


teatro começa a fazer parte do currículo oficial, assim,
passa a ser uma das atividades da disciplina de
Educação Artística. Com a necessidade de habilitar
professores a escolinha de Arte do Brasil e outras
instituições pioneiras, juntamente com a secretaria de
estado, passam a habilitar professores para dar aulas de
teatro nas escolas:

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional (Lei 4024/61) apresentou-
se a carência de pessoal para ministrar as práticas
educativas, dentre elas as Artes Cênicas. Surgiu o

75
MARTINS, F.N.M. Teatro-educação no Brasil:uma
contribuição historiográfica. São Paulo, 2004
Dissertação de Mestrado (mestrado em Educação) –
Área de Linguagem e Educação. P.84,85.

470
primeiro curso de formação do professor, ofertado pelo
conservatório de Teatro... 76

Surge, portanto, a necessidade do currículo dos


cursos de formação do professor de Teatro ser pensado.
A partir desse ponto muito já se foi refletido,
pensado, avaliado e mudado, porém não é objeto desta
pesquisa a descrição esmiuçada do currículo pertencente
aos cursos de formação do professor que leciona teatro,
mas se faz essencial entender o quanto a estrutura
curricular dos cursos de formação do profissional em
questão – o professor de teatro – e também, o como é
implantado o ensino da arte vem delinear ainda hoje, os
desenhos da realidade do ensino do teatro nas
instituições escolares.
No que tange a formação do professor o ensino
da arte vem caminhando a passos lentos, pois quando o
foco é este, as políticas públicas apresentam, como
coloca Arão Paranaguá Santana, certa timidez. No
entanto, é necessário dizer que um certo renascimento
no ensino da arte vem acontecendo a partir da década de
90:

76
SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e Formação
de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.p.81

471
Após três décadas construindo sua história a
duras penas, já é possível consolidar uma outra
narrativa sobre o ensino do teatro, da dança, das Artes
Visuais ou da Musica; sobre as possibilidades geradas
pelas experiências integradas desenvolvidas em
algumas universidades; sobre os processos teóricos e
metodológicos propiciados pela pesquisa especializada;
sobre avaliação e readaptação de planos ou projetos
pedagógicos em artes; enfim, sobre todo o cenário que,
embora longe de ser uma regra nas escolas brasileiras,
dá sinais alvissareiros em meio à crise da educação. 77

Podemos dizer que a o ensino da arte na Rede


Municipal de Ensino de Curitiba se inclui dentro do
pensamento apresentado no parágrafo anterior. Pois
vem tentando viabilizar, dentro de uma realidade de
percalços e obstáculos um efetivo ensino da arte e, por
conseguinte, inserir a linguagem do Teatro.
A RMEC assegura o ensino da arte como
componente curricular obrigatório de forma a promover
o desenvolvimento do aluno dentro da disciplina de
Educação Artística78 .

77
SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e Formação
de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.p.8
78
Instrução nº. 14/2004 do DIE/CDE/SEED. (DIE -
departamento de Infra- Estrutura: CDE - Coordenação de
Documentação Escolar: SEED – Secretaria de Estado da
Educação) com código especifico na disciplina de nº0701
cadastrado no SERE( Sistema Estadual de Registro Escolar).

472
Com a mudança que vem acontecendo no
ensino da Arte e com as propostas dos Parâmetros
Curriculares Nacionais/ PCN, as instituições e os órgãos
de poder publico tiveram de repensar e apontar os
caminhos e diretrizes, Nos fundamentos teóricos e
metodológicos para o ensino da Arte, dentro das
diretrizes Curriculares para Educação Municipal de
Curitiba temos:
...è necessário repensar um ensino da arte que
propicie ao estudante o desenvolvimento do pensamento
estético voltado a essa diversidade, de forma a
promover o pensamento reflexivo, não só em relação às
formas artísticas, mas também no sentido de
compreender as relações de produção artística e
cultural como produto das relações sociais e da
individualidade do artista. 79

As diretrizes dizem que o ensino da arte deve


contemplar o estudo das artes visuais, da dança da
musica e do teatro, assim como propõe os PCN’s. A
concepção de que o ensino da arte deve trabalhar as

In:DIRETRIZES CURRICULARES para a Educação


Municipal de Curitiba.Secretaria Municipal de Educação,
v.3.In:Ensino da Arte
79
DIRETRIZES CURRICULARES para a Educação
Municipal de Curitiba.Secretaria Municipal de Educação,
v.3.In:Ensino da Arte, 2006.p.87

473
quatro linguagens já referidas levanta uma das questões
ainda bastante discutidas: a formação do professor.
O fato é que a equipe pedagógica da maioria das
escolas, seguindo o que é apresentado nas diretrizes
curriculares, exige que o professor trabalhe todas as
linguagens, motivo de grande confusão e queixas de
professores da rede Municipal de Ensino de Curitiba,
pois a maior parte dos professores que trabalham com o
ensino da arte, não tem formação em arte, são formados
em pedagogia ou outras áreas - e aqueles que têm
formação, na maioria são habilitados em uma única
linguagem sendo a de maior incidência, na rede, a de
Artes Visuais.
A partir deste contexto percebe-se que a grande
primeira dificuldade da RMEC, no que se refere ao
ensino da Arte, está relacionada com a formação de
professores. É pensando nisso que a equipe que
coordena o ensino de Arte dentro da Rede Municipal de
Ensino procura oferecer a formação continuada em
todas as linguagens artísticas.
Foi percebido, pela equipe de Artes da
secretaria de Educação de Curitiba, que pouquíssimos
professores trabalhavam com a dança a música e o
teatro, sendo assim, vários cursos foram criados para dar

474
subsídios para que os professores pudessem desenvolver
essas outras linguagens artísticas para que o ensino da
arte não ficasse delimitado apenas as artes visuais.
Tratando-se do teatro foi criado pela
coordenadora da equipe, responsável pelo ensino do
teatro e da dança, um curso intitulado Estudos em
Teatro e Dança, este acontece quinzenalmente à noite.
Participam deste grupo todos os professores que tem
interesse em trabalhar o teatro na sala de aula, o grupo
acontece há três anos e tem como ministrantes, até o
presente momento, professores da FAP – Faculdade de
artes do Paraná. Além de dar formação aos professores
da Rede Municipal de Ensino de Curitiba o curso
apresenta um elo entre o espaço da faculdade, única
instituição no Estado do Paraná que apresenta o curso
de Licenciatura em Teatro, com uma das realidades do
ensino do teatro na escola.
Na trajetória construtiva de uma linguagem
própria o ensino do teatro foi se edificando a partir de
pesquisas que buscam metodologias que foram testadas
no âmbito da educação, podemos lembrar aqui a
Terapêutica psicodramática de Moreno;A teoria da peça
didática de Brecht, baseada no modelo de ação;A
abordagem Anglo-saxônica do drama de Peter Slade e o

475
sistema de jogos de Viola Spolin, dentre outros. Arão
Paranaguá Santana já nos diz:

O ensino do Teatro na educação escolarizada


conta hoje em dia com propostas assentadas em teorias
e metodologias amplamente testadas, possuindo
múltiplas vertentes, matizes e focos, pessoas e centros
de pesquisa divulgando os saberes construídos, bem
como segmentos organizados e representativos de suas
potencialidades produtivas, podendo, enfim firmar-se
em esteio próprio, sem que precise amparar-se em
campos alheios. 80

Tendo consciência do que nos apresenta a


citação acima, a equipe de Artes da Rede Municipal de
Ensino de Curitiba, busca com a formação continuadas
dos professores tentarem contribuir para efetivas
intervenções pedagógicas no que tange o ensino do
teatro.
Portanto neste texto tentaremos mapear e
refletir as características da prática teatral nas escolas
municipais de Curitiba, levando em consideração o
campo de possibilidades do professor de teatro de escola

80
SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e Formação
de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.p.11.

476
pública, e analisar as metodologias que esse espaço
resguarda e como as metodologias vivenciadas pelas
professoras podem ser transformadas ou incorporadas
na realidade de sua escola contribuindo para criar um
espaço de aprendizagem dando continuidade ou não ao
firmamento das praticas teatrais na escola.
Por ora, a titulo de considerações parciais, foi
possível observar no decorrer do presente estudo, que a
concepção de ensino da arte da rede de ensino do
município de Curitiba tem uma preocupação de fazer
um trabalho efetivo com o ensino do teatro, dando
subsídios, através das propostas pedagógicas que até
então se firmaram no teatro-educação; porém que existe
um percalço no ensino da Arte que a não formação
especifica do professor que trabalha com o teatro.
A partir da continuidade do processo de
pesquisa tentaremos perceber através de estudo de
campo, participando do curso de como as professoras
vem articulando as vivências experenciadas na
formação e se elas contribuem para a prática de ensino
de teatro, além de buscar perceber como isso vem a
contribuir ou não para o trabalho com teatro no espaço
escolar.

477
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIRETRIZES CURRICULARES para a


Educação Municipal de Curitiba. Secretaria Municipal
de Educação, v.3. In: Ensino da Arte, 2006.

JAPIASSU. Ricardo Ottoni Vaz. Metodologia


do Ensino do Teatro. Campinas: Papirus, 2001.

MARTINS, F.N.M. Teatro-educação no Brasil:


uma contribuição historiográfica. São Paulo, 2004
Dissertação de Mestrado (mestrado em Educação) –
Área de Linguagem e Educação.

SANTANA, Arão Paranaguá de. Teatro e


Formação de Professores. São Luís: EDUFMA, 2000.

478

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