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TRANSCRIÇÃO1 DA AULA DO PROFESSOR LUIZ GONZAGA DE

CARVALHO NETO DE 03 DE JULHO DE 2006.

AS TRÊS ETAPAS DA REGENERAÇÃO ESPIRITUAL DO SER HUMANO

INTRODUÇÃO

“Professor: Vamos começar comentando justamente o ritmo


arrastado do livro [Rei Lear]. A narrativa segue-se arrastada, dando a
impressão de que se entra em um mundo completamente caótico e
desordenado. Durante toda a narrativa, os personagens estão comentando
que o mundo está fora dos eixos: irmão trai irmão, pai trai filho, filho trai pai,
o bem não é reconhecido e o mal é exaltado. A peça toda, com exceção do
comecinho e do final, se passa em um estágio intermediário do
desenvolvimento espiritual do ser humano. Se vocês querem lembrar ago
que resume esse processo, vocês lembrem daquela passagem do
Evangelho em que o jovem rico lhe faz uma pergunta sobre a vida eterna:
“16.Um jovem aproximou-se de Jesus e lhe perguntou: Mestre, que
devo fazer de bom para ter a vida eterna? Disse-lhe Jesus: 17.Por que me
perguntas a respeito do que se deve fazer de bom? Só Deus é bom. Se
queres entrar na vida, observa os mandamentos. 18.Quais?, perguntou ele.
Jesus respondeu: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não
dirás falso testemunho, 19.honra teu pai e tua mãe, amarás teu próximo
como a ti mesmo. 20.Disse-lhe o jovem: Tenho observado tudo isto desde a
minha infância. Que me falta ainda? 21.Respondeu Jesus: Se queres ser

1
Transcrição, títulos, notas e trechos entre colchetes feitos por Carlos Eduardo de Carvalho
Vargas em julho de 2006. Versão não revista pelo autor da aula [N.T.].

1
perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu.
Depois, vem e segue-me! (Mt 19, 16-212)”
Estas três etapas3 são a síntese das três etapas necessárias para a
regeneração completa de uma alma4.

A PRIMEIRA ETAPA DA REGENERAÇÃO ESPIRITUAL

O que significa a primeira etapa? O que significa “vender tudo”?


Significa ter uma medida do que se tem. O que ele vai ter se ele vender
tudo que ele tem? Ele vai ter uma medida do que ele tem. Então, essa
primeira instrução do Cristo significa justamente que o indivíduo no caminho
da perfeição tem, como primeira coisa a fazer, realizar ao máximo as suas
capacidades. Enquanto ele não se dá conta do valor do seu “eu”, enquanto
ele não efetiva esse máximo valor do seu “eu, ele não tem como subir
espiritualmente. Então, essa é a primeira etapa. O começo da peça “Rei
Lear” é justamente o final dessa etapa. No começo da peça, ele já tinha se
passado um reinado tão grandioso e tão estável que ele pode até dividir o
seu “reino”, porque está tudo maravilhoso. [Rei Lear:] é o sujeito que
percebe o seu valor: ele sabe quanto vale como rei, como pai, sabe tudo
que é. Nesse momento [no final da primeira fase], ele está diante de tudo o
que vale a pessoa dele, de tudo o que ele realizou. E é disso que o Cristo
falou quando o jovem foi lhe perguntar sobre a perfeição. Mas por que se
falou de dinheiro nesse episódio [do Evangelho]? Porque provavelmente o

2
Esta notação significa que o trecho foi tirado do Evangelho de São Mateus, capítulo 19,
versículos 16 a 21.
3
Do versículo 21.
4
É interessante notar como, em outro contexto, o Papa João Paulo II também escolheu este trecho
do Evangelho como a “pista” inicial para a sua reflexão sobre a moral na encíclica “Veritatis
Splendor” de 1993 (http://www.vatican.va/edocs/POR0072/_INDEX.HTM ). No primeiro capítulo
deste documento ele, que era doutor em filosofia, comenta este trecho à luz dos ensinamentos do
Magistério da Igreja. E ali também descobre uma resposta para esta “ pergunta essencial e
irresistível na vida de cada homem”, a qual “ refere-se, de facto, ao bem moral a praticar e à vida
eterna” [N.T.].

2
talento principal daquele jovem deveria ser ligado com a riqueza. Mas ele
mesmo não sabia o que ele tinha feito. [Nesta analogia do Evangelho,]
somente se dá conta do que se tinha feito [com os talentos da própria vida],
ao ver a “bolada” [do dinheiro da venda] na mão5.

A SEGUNDA ETAPA

O segundo estágio é justamente quando o sujeito se dá conta do


seu real valor como ser humano e contrasta esse valor com a infinitude
divina. Percebe-se que tudo que se é, [quando se chega no máximo],
quando se vê que não se alcançará mais do que esse limite, quando você
não tem a menor chance de ser mais do que isto, e se vê que tudo isso é
“nada”.
Isso é um esvaziamento daqueles valores6. Com o Rei Lear, isso
acontece justamente quando a Cordélia diz que lhe ama como deve ser

5
Com a seqüência da aula, esta primeira etapa ficará mais clara. Por enquanto arrisco uma
analogia desta fase com aquilo que acontece na sexta e na sétima camada do desenvolvimento da
personalidade de acordo com a teoria do filósofo Olavo de Carvalho: “Após a conquista da
habilidade, ou seja, do poder de se defender, que resulta da hierarquização seletiva, o exercício de
um papel social representa a sétima camada na construção da personalidade. A conquista de um
poder efetivo, que se experimenta na camada 6, pode ou não se converter num papel social. Os
papéis sociais são delineados de maneira implícita, pois eles se baseiam e se consolidam no
costume. Aquilo que sou capaz de fazer, se eu fizer costumeiramente, as pessoas vão notar que
eu faço e acabarão criando um sistema de expectativas em torno daquilo”
(http://www.ipd.org.br/cursos/personalidade.htm). É coerente com a explicação do professor nesta
aula sobre os talentos, pois ele disse que se espera que um adulto normal já esteja nesta primeira
etapa espiritual, enquanto um adulto normal também deve estar desenvolvendo um nível de
integração correspondente, pelo menos, à sexta camada [N.T.].
6
Não pude deixar de notar a semelhança deste segundo estágio com a oitava camada da teoria do
desenvolvimento da personalidade do filósofo Olavo de Carvalho: “O sofrimento pertinente à
camada 8 é o sofrimento do sujeito com ele mesmo. É típico do indivíduo maduro que, tendo
percorrido todas as camadas até conquistar um papel social e tudo o que este pode proporciona,
termina por se perguntar: "o que eu fiz da minha vida?" Supondo-se que uma pessoa tenha
realmente obtido o que desejava, ainda assim ela pode revelar uma insatisfação consigo mesma.
Para isto é necessário olhar a própria vida como um conjunto. O que está sendo questionado não é
somente o papel social, o espaço vital, a história afetiva, mas o curso inteiro de uma existência. Em
geral, as pessoas desconhecem este tipo de sofrimento até chegar aos 40 anos. A capacidade de
julgar a vida como uma totalidade, sem culpar ninguém, é assunto da camada 8. Aí se dá o
confronto com o destino. O sujeito já está individualizado, definido, sabe que sua personalidade e
sua vida compõem um todo distinto, sabe que é autor de seus atos e que foram suas as escolhas
que fez, tenham sido certas ou erradas. Uma pessoa que acabou de conquistar o seu papel ,

3
amado. Ela coloca todo o valor do pai na devida proporção: ele pode ter
sido “jóia”, mas continua sendo apenas um ser humano e deve ser amado
nessa medida [humana].
A peça toda começa a se desenrolar nesse período em que o Lear
tem que cumprir essa segunda etapa da vida espiritual, que é justamente a
parte mais instável da vida espiritual. Neste estágio, o sujeito perdeu o que
ele tinha e ainda não ganhou o que Cristo prometeu. É como se o jovem
rico do Evangelho tivesse vendido seus bens e tivesse dado aos pobres:
nessa hora, ele já não tem suas riquezas, mas ainda não tem o Cristo. Já
não tem mais o dinheiro e ainda não tem o Cristo. O processo todo da peça
vai ser o Lear perdendo a posição de honra que ele tinha. Qual era a
principal habilidade do Lear? Era justamente a de adquirir honra, de ser
honrado por outro homem. Ele chega no topo da escala dessa habilidade. A
partir de agora, quando em contraste com o valor divino, ele tem que perder
justamente isso. Nessa fase, em que o sujeito tem que renunciar a tudo que
ele era, ele não pode [simplesmente] dizer que tudo que ele possuía era
ruim, nem pode dizer que o dinheiro ganho com a venda não vale nada. Se
eu estivesse certo de que ele não vale nada, nunca teria feito nenhum
esforço para consegui-lo. É evidente que ele vale alguma coisa.
Por outro lado, eu não posso voltar atrás [neste processo espiritual].
O sujeito já está entre uma escala de valores e a outra. Ele já tem um
vislumbre do que é a perfeição. Ele já viu o Cristo, perguntou-lhe o que é a
perfeição, o Cristo explicou e Ele entendeu. Este vislumbre para o Lear veio

sendo aceito e respeitado no exercício dele, de repente vê um colega largando tudo porque entrou
numa crise de consciência. Como se poderia avaliar isso? Como distinguir o sujeito que está numa
autêntica crise evolutiva e o que ficou maluco? Em condições normais, o homem que está numa
crise evolutiva não perde o papel social, mas apenas se posiciona em outro plano. Quando o
sujeito renuncia a um papel social para buscar algo que faça mais sentido para ele, os outros que
têm um papel igual em geral o estranham. Uma mudança no auge de uma carreira pode significar
que o indivíduo tenha chegado ao limite das possibilidades oferecidas pela sua profissão. Porém,
essa mudança não é necessariamente profissional, é uma mudança de orientação. É mudar para
mais e não para menos.” (http://www.ipd.org.br/cursos/personalidade.htm) [N.T.].

4
com a Cordélia: a própria honestidade espiritual da Cordélia é para ele uma
imagem do que é a perfeição que ele pode alcançar.
Aluno :Ele se choca.
Professor: Exatamente: ele percebe que seu talento é só uma
imagem [do poder divino], mas ele se choca [com a sinceridade de
Cordélia]. Ele estava vendo que isso é um valor superior, mas ele ainda não
sentia as coisas assim. Essa percepção da descontinuidade entre o que a
sua consciência lhe mostrava e a capacidade de assimilação da alma dele é
que faz com que o período intermediário seja tão recheado de sofrimento.
O que ele tem que testemunhar no período intermediário? Ele terá
que, nessa etapa intermediária, ir testemunhando que aquilo que ele
prezava nada vale de fato.
Aluno: Ele começa a ser desonrado.
Professor: Ele vai sendo desonrado e vai vendo os melhores
sucessivamente. Ele vai vendo que todo esforço que ele fez e tudo que ele
obteve aconteceu por uma espécie de acidente porque agora tudo que faço
não dá o mesmo efeito [de antes]: agora todos que eram bons são
desonrados, são desrespeitados e humilhados. Ele está percebendo uma
lógica nesse mundo que é, em certa medida, análoga à lógica do outro
mundo: alguém faz um bem e é recompensado com um bem da mesma
espécie. Existe essa lógica: você age de maneira honrada e as pessoas lhe
honram, você age de maneira economicamente eficaz e tem lucro, e assim
por diante. Existe essa lógica, mas essa lógica somente funciona na medida
em que a escala divina de valores é imperceptível. Ela só existe um
indicador para o ser humano do que é a ordem divina. Por que a gente faz
alguma coisa certa e as coisas dão certas para ele? Para indicar uma
intenção divina. Quando essa mesma lógica não é suficiente para indicar ao
indivíduo a ordem divina, mas, pelo contrário, ela passa a indicar ao
indivíduo a própria ordem temporal, essa lógica se inverte. Quando os meus

5
resultados que se seguem às boas ações, servem simplesmente para
exaltar o sujeito que foi agente das boas ações, esta lógica do mundo já não
funciona mais.
[Aluno comenta sobre esse sucesso como confirmação da vocação
e sobre o risco de que a pessoa se considere a medida da escala humana.]
Professor: Exatamente, ele [Lear] tanto sai da escala humana que
ele não pode aceitar ser simplesmente amado como um pai. Ele tem que
ser amado além dessa escala. Ele tem que ser amado como modelo dos
homens. Até esse minuto [em que ele repreende Cordélia pela sua
declaração de amor “limitado”], o que Lear mais amava na vida era melhor
do que ele, eram os talentos que ele possuía. Nesse momento, o rei está
pensando que esses talentos eram ele mesmo. Aí a lógica do mundo se
inverte, na verdade, para continuar chegando à mesma conclusão7.
Aluno: A mesma conclusão?
Professor: A mesma conclusão anterior de que o Bem é melhor do
que o próprio sujeito8 e de que os talentos dele são melhores do que ele e,
por isso, ele deve buscá-los e procurar realizá-los, fazendo com que eles
rendam9.
Todo ser humano percebe algumas coisas neste mundo como
excelentes. Essas coisas que ele percebe como excelente significam que
ele tem o modelo divino dessas coisas na própria alma e, portanto, ele tem
o talento excepcional para realizar isso no mundo. Enquanto o sujeito se
guia por esses talentos, ele pensa que todo o seu ser está subordinado à
realização desses talentos e busca projetar no mundo externo o melhor que

7
E continuar aplicando a justiça divina [N.T.].
8
Conforme o princípio de que a meta buscada vale mais do que aquele que busca a meta [N.T.].
9
Conferir a parábola dos talentos no Evangelho de São Mateus, capítulo 25, versículos 14 a 30 (Mt
25, 14-30) [N.T.].

6
ele tem neste mundo interior10; [nesse caso,] as coisas funcionam para ele.
A crise do ser humano é que na medida mesmo em que ele realiza isso, ele
se identifica com isso e diz: “isso aí é o que eu sou; eu sou o verdadeiro
autor disso aqui”.
Aluno: E parece mesmo.
Professor: Parece ser, mas quando ele diz isso, ele
necessariamente se colocou fora da escala humana porque se ele fosse a
medida da humanidade os outros seres humanos somente poderiam ter
talentos da mesma espécie. E evidentemente em graus menores do que o
dele. Então, é como o sujeito que tivesse talento para enriquecer e, após
enriquecer, começa a agir como se todos os outros tivessem que seguir os
conselhos dele sobre o enriquecimento. Então, tudo começa a dar diferente:
se ele tentar enriquecer não acontecerá nada e até perderá a vontade de
enriquecer. Quando o sujeito percebe essa diversidade desses talentos
humanos, ele está percebendo que a presença de um talento ou de outro,
considerados particularmente, não é intrínseca à natureza humana. Um
nasce com talento para enriquecer, outro com talento para organizar a
sociedade politicamente e assim por diante. Isso quer dizer que a medida
dada pelos talentos é uma medida sobre-humana. Você nasce e você não
decide qual será o seu talento. O talento é algo que se recebe. Não é algo
com o qual ele nasce. Um talento é um empréstimo.
Se alguém se identifica com o talento (“eu sou esse talento aqui”), é
porque já esqueceu que alguém deu o talento para ele. Olha, esses talentos
sem a origem deles vão levar exatamente ao efeito contrário. Assim, eles
darão o contrário do que se obtinha antes. Se o seu talento era enriquecer,
o exercício do mesmo talento irá causar o empobrecimento. Se o seu

10
Esse mundo interior, na concepção medieval, é o “microcosmo” ou “pequeno mundo” da alma,
enquanto o mundo exterior é o “macrocosmo” ou “grande mundo”. Esses termos aparecem, por
exemplo, no “Itinerário da mente a Deus” de São Boaventura [N.T.].

7
talento era a especulação filosófica, o exercício dele irá causar agora o
emburrecimento e assim por diante.
É isso que começa no Lear a partir do momento em que ele percebe
uma outra escala de valores e não a aceita. O tempo todo na peça há a
insistência nessa segunda maneira de aplicar essa mesma lógica divina ao
mundo. [A peça mostra] como funciona se você esquece quem é o
[verdadeiro] dono dos talentos [Deus]. Ele [o mundo] fica todo às avessas.
Tanto que se sujeito quiser fazer um mal, até isso funciona às avessas: [por
exemplo,] “agora vamos exilar aqui a Cordélia”.
Aluno: Assim, salvou-a.
Professor: Salvou-a, exatamente. Em vez de exílio é a salvação: “o
exílio é aqui e a liberdade é lá”. Até isso começa a funcionar às avessas,
como tudo que o sujeito faz. É isso que o Sócrates quis dizer quando disse:
“é impossível o sujeito injustiçar ao outro, ele só pode injustiçar a si
mesmo”. Quando ele quer fazer um mal para o outro, acaba fazendo um
bem. [Entretanto,] o que pode acontecer é que o outro está na mesma
situação [de inversão das ações] e não percebe [o bem] e acaba sofrendo
um mal, mas feito por si mesmo.
O que não se pode esquecer é que essa é a segunda forma lógica
do mundo. Não é a primeira, pela qual as pessoas obtém resultados
coerentes ao agir para aumentar seus talentos. Uma hora, quando você
chega ao limite, ao máximo, você irá perceber a nulidade desses talentos
[comparados com a infinitude divina].
Uma comparação interessante pode ser feita com o livro “O fio da
navalha” de William Sommerset Maugham, que foi lido no curso de
Educação Liberal11. O Larry, que é o personagem principal do livro, era um
sujeito cuja maior talento era dar alegria à vida, era a jovialidade. Onde o
Larry estava, as pessoas estavam contentes. Ele se apresentou como
11
Promovido pelo IPD (www.ipd.org.br) [N.T.].

8
voluntário para aviador na Primeira Guerra [Mundial]. Então, um amigo dele
morre, durante uma batalha, de um momento para o outro. Quando esse
amigo dele morreu, ele viu que aquilo que mais prezava, a jovialidade e a
alegria da vida, podia cessar de um momento para o outro. Ele viu que, a
qualquer momento podia deixar de ser essa pessoa alegre e tornar-se,
como ele mesmo disse, “apenas um pedaço de carne”. Quando ele vê isso,
era a hora dele admitir que ele não era nada. No caso dele, ele assimila
imediatamente essa atitude: “se o meu talento é a jovialidade e eu descobri
que a minha vida acaba, eu não vou fazer nada enquanto eu não descobrir
qual é o verdadeiro sentido da vida. Eu vou ficar só procurando descobrir
qual é o verdadeiro sentido da vida”.
Aluno: Ele dá o primeiro e o segundo passo.
Professor: É importante entender que esse segundo passo somente
é possível efetivamente quando o sujeito se dá conta do máximo valor que
ele pode ter. Quando ele refletiu sobre a sua capacidade máxima. Antes
disso é impossível. Antes do sujeito avaliar toda a riqueza que tem, ele não
pode vendê-la. Ele somente pode vender o que ele já conhece. A parte que
ele não conhece continuará lá, pois se ele não sabe o que é, vai continuar
sendo posse sua. Por isso que muitas vezes no curso da vida humana esse
processo se dá em diversas etapas: você se dá e descobre que tinha mais.
Essa também é a história de Jacó lutando com Deus12 . Pois,
justamente, o que tinha em Jacó era a sua persistência e a capacidade
combativa. Enquanto ele tem isso, Deus não abençoa. Quando ele “gasta
tudo”, após passar a noite toda lutando, Deus abençoa.
Agora vocês vão lembrando as passagens da peça [Rei Lear] que
provocaram maior interesse para que possamos comentar.
[Aluno lembra de um trecho]

12
Conferir o livro de Gênesis, capítulo 32, versículos 23 a 33 [N.T.].

9
Professor: No momento mesmo em que ele [Lear] diz para o outro
“esperai que eu limpe a mão” é porque ele já se deu conta do valor
transcendente. Foi um pouco antes. É comum, em peças, você representar
isso pela morte corporal. E, às vezes, o mesmo sujeito, antes e depois
dessa transformação [da terceira fase espiritual], nas obras de
Shakeaspeare, é representado por personagens diferentes. Por exemplo:
nesta peça mesmo o marido da Cordélia representa o Lear depois da
transformação, ele é o Lear depois da ressurreição, é o Lear ressuscitado13.
[Aluno pergunta sobre a posição do “gnóstico”, no sentido de Eric
Voegelin, nestas três fases]
Professor: Sim, é a semente de gnosticismo que há em todo
indivíduo e que se tem de superar. O gnosticismo sempre ataca o mundo
porque o “mundo é mau”. Imagine o que aconteceria com o Lear se ele não
conseguisse superar esse processo [do segundo estágio]. O que ele vê do
mundo? Que o mundo é mau.Ele vê somente essa parte. Essa experiência
acontece para o gnóstico, mas ele não consegue saltar além dela.
Aluno: Ele pára.
Professor: Exatamente. Ele trava nesse momento intermediário.
Então, para ele, a vida toda passa a ser somente aquele momento da vida
em Lear em que quem é bom é considerado louco [ e a lógica do mundo
fica invertida].
Aluno: No final do livro “O fio da navalha”, Larry entra na terceira
etapa?
Professor: Sim, no final do livro, ele entra na terceira etapa.

A TERCEIRA ETAPA

13
O uso deste termo indica que as três fases da regeneração espiritual podem ser comparadas
aos três dias do Tríduo Pascal: sexta-feira ou morte, sábado ou descida à mansão dos mortos e
vigília dos discípulos e, finalmente, o domingo, ou ressurreição triunfante. Conferir, por exemplo, os
capítulos 27 e 28 do evangelho de São Mateus [N.T.].

10
A terceira etapa ocorre justamente quando o sujeito, reintegrando
nele os valores originais, passa a ter uma idéia do próprio valor do mundo.
Aquilo mesmo que lhe era negado no processo intermediário, é recebido de
outra forma na etapa final. É o que acontece claramente com o Larry em “O
fio da navalha”: aquilo que ele sentia claramente quando pilotava avião,
sentia muito mais agora, mas de um outro jeito e sem precisar dessas
coisas.
A terceira etapa é simplesmente uma reintegração do valor pessoal
anterior, mas em uma escala divina.
[Aluno pergunta sobre o talento.]
Professor: Você só pode conhecer quando você é capaz de medi-lo
em relação à natureza humana. Antes disso você não tem idéia do que é o
ser humano.
[Aluno pergunta se é uma questão de descobrir o próprio “nada”
diante de Deus.]
Professor: “Qualquer coisa é nula”, mas se você aceita essa
nulidade, você deixa de existir?
Aluno: Não.
Professor: Você continua existindo.
Aluno: As coisas tendem a zero, mas não chegam ao zero.
Professor: Exatamente, mas quando você chega ao zero, quando
aquilo que você havia vendido, é dado completamente aos pobres, você
deixou de existir?
Aluno: Não.
Professor: Ele continua existindo, mas essa existência não é a
mesma do que é para nós. Porque é uma existência que existe na própria
infinitude divina.
Aluno: Imersa em Deus

11
Professor: Exatamente, é imersa na outra [existência].
Aluno: É o “realíssimo"!

O JOIO E O TRIGO NO DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL DO


SER HUMANO

Professor: Mas você não pode ter nenhuma garantia “matemática”


de que ele vai continuar. Não tem jeito. Esse momento em que ele [Lear,
por exemplo] chega à plena consciência da nulidade dele [no final da
segunda fase], nesse momento em que o sujeito percebe a própria
nulidade dele, esta é a “porta estreita” do Paraíso14 de que o Cristo fala. Ele
também fala: “é mais fácil um camelo entrar pelo buraco da agulha do que
um rico entrar no Reino dos Céus” (Mt 19, 24).
[Aluno pergunta sobre o sujeito rico.]
Professor: Mas é isso mesmo. O sujeito rico é o sujeito que ainda
pensa que a escala de valores temporais é um valor real diante da
infinitude. Que esse conjunto de valores acrescenta algo à infinitude. Essa é
a questão! Então, o sujeito pensa que “existe Deus e a minha riqueza”,
“existe Deus e a minha inteligência” ou “existe Deus e o meu poder”. Como
se isso acrescentasse a Deus. Quem é o rico? É o sujeito que acrescenta
algo à economia. Então, “rico”é o sujeito que acha que acrescenta algo a
Deus: [ele pensa que] “tinha Deus, depois tinha Deus e ele e, assim, as
coisas ficaram melhores”.
Aluno: Foi um “up grade”!
Professor: Exatamente: foi um “up grade”: [ele pensa que] “agora
Deus é mais Deus porque eu estou aqui”.
Aluno: É possível?

14
Conferir no Evangelho de São Mateus, capítulo 7, versículos 13 e 14 (Mt 7, 13-14).

12
Professor: É possível, isso é a coisa mais fácil. Isso acontece
justamente por aquele motivo que eu falei na semana passada: o sujeito fica
embriagado com a visão do seu próprio valor. E ele esquece que esse valor
é apenas uma imagem de uma coisa que já existia, antes dele mesmo
[passar a existir]. O que é imagem não acrescenta nada à coisa real. A
imagem tem algum interesse real quando o sujeito está descrente do
modelo original. Se você não está no Paraíso ainda, a riqueza é
interessante, a inteligência é interessante, mas porque você ainda não está
lá. Como a imagem de uma pessoa amada. Esta serve quando a pessoa
amada não está presente. Se ela estiver do seu lado, você não ficará
olhando para a imagem. Porque o retrato não acrescenta nada ao objeto,
mas acrescenta algo a você. Ele acrescenta a você a lembrança do objeto.
Aquilo que o sujeito realiza é evidentemente melhor do que ele. Por
isso que o indivíduo não tem direito de realizar menos do que pode realizar.
O talento vale mais do que a própria pessoa. Esta existe em função
daqueles talentos. A sociedade perfeita é aquela em que todos fazem aquilo
que lhe cabe, aquilo em que você é mais competente. Aquilo em que você
é competente é melhor do que você, evidentemente.
O que acontece é que sempre que se efetiva os talentos, se efetiva
com uma dupla motivação. As duas motivações vêm entrelaçadas. Por um
lado você realiza aquilo porque é interessante. Como o sujeito que sendo
inteligente na busca do conhecimento, terá o conhecimento como um
grande valor. Do mesmo modo com a riqueza. Por outro lado, você faz
aquilo porque isso retorna de certo modo a você. Por um lado, o sujeito
busca o conhecimento pelo conhecimento, por outro lado o sujeito busca o
conhecimento porque lhe faz um bem. Isso é um vai-e-vem. Até um certo
ponto você foi atrás do conhecimento; depois, o conhecimento vem para
você. Você é capaz de continuar indefinidamente um objetivo importante
para você sem nunca parar para prestar atenção no efeito que aquilo traz

13
em você? Isso não vai acontecer. Isso é um processo em que, por um lado,
você vai pensando no valor do objeto e, por outro lado, você vai pensando
em você mesmo.
Se vocês repararem no Evangelho, vocês verão que o Cristo
constantemente usa uma espécie de parábola, que ele sempre repete:
“O Reino dos céus é semelhante a um homem que tinha semeado
boa semente em seu campo. 25.Na hora, porém, em que os homens
repousavam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu. 26.O
trigo cresceu e deu fruto, mas apareceu também o joio. 27.Os servidores do
pai de família vieram e disseram-lhe: - Senhor, não semeaste bom trigo em
teu campo? Donde vem, pois, o joio? 28.Disse-lhes ele: - Foi um inimigo
que fez isto! Replicaram-lhe: - Queres que vamos e o arranquemos? 29.-
Não, disse ele; arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo. 30.Deixai-
os crescer juntos até a colheita.15.”
Então, essas duas motivações que existem na gente, por um lado, o
amor pelo valor que é determinado pelo talento do sujeito. Seja qualquer
valor: bem estar, riqueza, família, conhecimento ou qualquer coisa. Por
outro lado, a motivação desse valor é submetida a você mesmo. O amor ou
o desejo que move o ser humano a qualquer realização não é sempre pela
realização [do talento]. Ele sempre é em parte pela realização, em parte
pelo próprio sujeito que realiza. Em parte pela realização, em parte pelo
realizador.
Se o amor do sujeito fosse exclusivamente pela realização, no
momento em que ele chegasse ao máximo da realização, o seu amor
atravessaria aquela imagem pela coisa realizada e chegaria naquele sujeito
que deu o talento a ele, que é o próprio Deus. Por trás desse talento aqui
está o próprio Deus. Por trás desse talento está o próprio Deus. Esse valor
é uma imagem do próprio Deus. Como a gente somente tem 50% de amor
15
Mt 13, 24-30 [N.T.].

14
pela realização e 50% de amor a nós mesmos como realizadores, a gente
nunca consegue atravessar esse limite.
Então, o máximo da realização será um momento de crise para o
sujeito. Será um momento de refletir.
[Aluno afirma que o assunto ainda não foi entendido claramente.]
Professor: Vamos dar um exemplo. Qual é o objetivo que você mais
gosta de realizar?
Aluno: Por exemplo: lutar judô.
Professor: Alguém aqui gosta muito de lutar judô? Eu preciso de um
exemplo concreto, real. Alguma coisa pela qual se sinta o “drive” [o
impulso].
Aluno: Eu corro maratona.
Professor: Quando você acaba de correr, o que acontece a você?
Você fica indiferente à satisfação [de terminar a corrida]? Você a ama no
mínimo tanto quanto você ama o processo de correr!
Aluno: [A satisfação] é uma recompensa.
Professor: É uma recompensa! Mas essa satisfação não é “correr”,
não é a mesma coisa. Por um lado também havia o prazer da imagem do
corredor que corre a maratona, tanto que você foi lá correr. Você foi realizar
essa imagem. A idéia de correr a maratona também lhe causava um certo
prazer. Então você tinha um certo amor a essa idéia. Essa idéia era o valor
do objeto que você procura realizar. Mas quando você realiza, aparece uma
outra coisa que está em você, que não é a idéia. E que não está no objeto,
está em você. É outra coisa. E que você ama também.
Aluno: É a sua própria realização.
Professor: Não é a sua própria realização, é o efeito dela em você.
São Tomás [de Aquino] dizia16 que é simplesmente um efeito colateral da
coisa bem feita: o prazer é o efeito colateral de tudo que é bem feito. Aquilo
16
Seguindo a Aristóteles [N.T.].

15
que é bem feito traz um prazer como efeito. Mas esse prazer, na hora em
que você sente, ele em parte se volta à idéia e, em parte, se volta a você.
Quando você corre a prova toda, você tinha uma idéia, um ideal, que faz
parte do valor (por exemplo: “irei me tornar uma pessoa melhor”), mas
quando você efetiva esse valor ele lhe dá um prazer. O prazer não faz parte
do valor [original]. Ele [já] é outro valor: “tudo isso é muito bom, mas amo
também o prazer, que, por acaso, isso causa”.
Se na hora em que você sentisse o prazer, você continuasse fixo na
idéia da própria maratona, você atravessaria [tal meta] e chegaria ao laço
que liga esse valor à própria divindade. Mas a gente não consegue fazer
isso, por uma limitação da própria natureza humana. Isso é tão assim, que,
em certo momento, você pode substituir o valor pelo prazer: se eu não
precisar correr a maratona para sentir o prazer [que normalmente sentiria
após a maratona], melhor ainda. Neste caso se perdeu completamente o
contato com a realidade. Neste caso, se desviou do valor. Isso me acontece
muitas vezes também.
O prazer dá a impressão de que, no momento prazeroso, estamos
melhores do que quando não temos prazer.
Aluno: É a droga!
Professor: É o que acontece com o usuário de droga, exatamente.
[Aluno comenta sobre a motivação do drogado.]
Professor: Porque há dualidade? Mesmo sem o prazer, é possível
realizar o mesmo feito.
Aluno: Quando o sujeito faz uma grande realização, ele tem um
vislumbre do Bem ou o Belo, mas isso lhe dá também uma realização.
Professor: O próprio fato da realização evidentemente o torna
melhor.
Aluno: O prazer é um eco.

16
Professor: Exatamente, o prazer é um eco da realização. Tanto que,
muitas vezes, o sujeito realiza algo sem sentir prazer nenhum porque
estava com algum problema, como uma dor de barriga ou por ter brigado
com a esposa. O prazer não é indício de melhora. O prazer não diz que
você ficou melhor ou que a coisa que você fez ficou melhor . Ele não diz
nada sobre você ainda.
Aluno: Às vezes se realiza algo sem ter o prazer de ter realizado.
Professor: Porque há uma descontinuidade entre eles. Às vezes
coincide e, ás vezes, não. Mas o fato é que, na medida em que aumenta o
prazer que a realização causa, diminuirá o prazer da realização.
Aluno: O que é uma perda.
Professor: Exatamente, o que é um descida de nível evidente. Do
nascimento aos 10 anos de idade há um desenvolvimento no sentido de sair
do foco do prazer e ir ao foco da ação.
Aluno: Esse é o caminho do desenvolvimento humano.
Professor: Esse é o caminho. É evidente! O recém nascido somente
tem um valor: o prazer. Ele percebe que realizar é melhor que ter prazer.
Tanto que criança faz coisas absurdas, em relação às quais ele mesmo não
sabe qual é o prazer que lhe causa, mas que ele faz por fazer. Esse
processo da infância é um indício para o ser humano do que deve ser o
processo de desenvolvimento da vida humana. Como ele nunca consegue
eliminar o prazer, ele vai ter que levar a realização ao máximo e, assim,
levar o prazer, também, ao máximo. Somente quando estiver no máximo, é
que se pode escolher entre uma coisa e outra. Agora, [ao estar] no máximo
é que se pode dar tudo aos pobres. Antes você nem tinha o que dar aos
pobres.
Aluno: E os pobres?
Professor: Os pobres [nessa linha de interpretação] significam
simplesmente a consciência da humanidade. Se o sujeito rico é o sujeito

17
que pensa que acrescenta algo a Deus, o que é o sujeito pobre? É o sujeito
que sabe que não acrescenta nada a Deus. Mas como ele pode saber se
não acrescenta nada a Deus se ele ainda é imperfeito?
É isso que o Cristo diz sobre o sujeito que lhe pergunta sobre a
perfeição. Ele ainda não é perfeito, mas ele já calcula, que comparada com
a medida divina, a medida humana não é nada. Esse já é um estágio mais
avançado. O sujeito somente pode ser pobre no sentido do Cristo depois de
ter sido rico. Não é possível ter sido pobre, neste sentido, sem ter sido rico.
Por que Cristo não disse simplesmente: “pega tudo que você tem e dá para
os pobres”? Por que ele fala: “primeiro você vende e, depois, dá para os
pobres”? Porque quem vende sabe [o valor], tem a idéia exata do valor.
Antes ele simplesmente estimava.
Cristo usa a analogia da riqueza e da pobreza natural, mas é só
uma analogia. Por que se conclui que é uma analogia? Porque, primeiro,
somente o sujeito rico poderia segui-lo. Somente o sujeito rico poderia
vender tudo o que tem e, depois, dar aos pobres. O sujeito que não tivesse
bem nenhum não poderia seguir a Cristo. Além disso, o Cristo tinha
discípulos ricos: como Lázaro e São Mateus. Ele não ia falar para eles
venderem os bens [materiais]. Não era de dinheiro que ele estava falando.
Ele estava falando de realizar o máximo dos talentos e,então, perceber a
nulidade desse caminho.
Para alguns discípulos, Cristo insistiu que isso fosse literal, mas,
para outros, não17.
[Aluno cita o exemplo de São Francisco de Assis.]

17
Essa aparente incompreensibilidade das ações das pessoas espiritualmente elevadas aos olhos
daquelas que estão em um nível inferior, faz lembrar o que acontece com as pessoas que chegam
à nona camada da personalidade: “Quando o indivíduo desenvolve uma personalidade intelectual e
passa a agir em função dela, todos os que estão abaixo dele não conseguem compreender que a
motivação, neste caso, é decorrente de uma necessidade interna, que extrapola o papel social, o
interesse financeiro e o desejo de auto-afirmação”
(http://www.ipd.org.br/cursos/personalidade.htm).

18
Professor: Sim, [ele pediu algo especial para alguns], porque aquilo
tinha aquele valor [especial] para o sujeito18. O sujeito poderia ser rico e não
ser esse o seu maior valor, nem aquilo que ele mais preza. Ou só é rico
quem preza a riqueza? Alguns prezam coisas muito mais elevadas e são
ricos. Outros prezam coisas bem menos elevadas do que a riqueza e são
ricos também. Esse bem elevado para o sujeito, que tem valor máximo para
o sujeito, é o talento dele19.

CRISE

[Aluno pergunta sobre o papel do talento no primeiro estágio.]


Professor: Não se supera esse primeiro estágio sem se passar por
um estágio de crise20. Chega um momento em que você tem que escolher
entre a realização e a satisfação. No começo de qualquer coisa que você
realiza estas duas tendências parecem semelhantes, como o joio e o trigo

18
No caso da opção especial de São Francisco de Assis, pode-se contar com a explicação dada
pelo seu biógrafo, São Boaventura: “Entre os dons espirituais recebidos da generosidade de Deus,
Francisco obteve em particular o de sempre enriquecer o seu tesouro de simplicidade graças ao
amor de uma enorme pobreza. Ao ver que aquela que tinha sido a companheira habitual do Filho
de Deus se tinha tornado então o objecto de uma aversão universal, ele tomou a peito desposá-la
e dedicar-lhe um amor eterno. Não contente com "deixar por causa dela o seu pai e a sua mãe"
(Gn 2,24), distribuiu aos pobres tudo o que podia possuir (Mt 19,21). Ninguém guardou o seu
dinheiro de forma mais ciosa do que Francisco guardou a sua pobreza; ninguém vigiou o seu
tesouro com mais cuidado do que ele dispendeu para guardar essa pérola de que fala o
Evangelho. Nada o feria tanto como encontrar entre os irmãos alguma coisa que não fosse
absolutamente conforme à pobreza dos religiosos. Desde o início da sua vida religiosa até à morte,
ele próprio só teve como riquezas uma túnica, uma corda como cinto e uma espécie de calções;
nada mais lhe fazia falta. Às vezes, acontecia-lhe chorar ao pensar na pobreza de Cristo e de sua
Mãe: "Eis porque é que a pobreza é a rainha das virtudes, dizia ele; é por causa do brilho com que
irradiou no Rei dos reis (1Tm 6,15) e na Rainha sua Mãe". Quando os irmãos lhe perguntavam um
dia qual era a virtude que nos torna mais amigos de Cristo, respondeu, abrindo por assim dizer o
segredo do seu coração: "Sabei, irmãos, que a pobreza espiritual é o caminho privilegiado da
salvação, porque é a seiva da humildade e a raiz da perfeição; os seus frutos são incontáveis se
bem que ocultos. Ela é esse 'tesouro escondido num campo' para cuja compra, diz o Evangelho, é
preciso tudo vender e cujo valor deve impelir-nos a desprezar todas as outras coisas" (Vida de S.
Francisco, Legenda Maior, cap. 3) [N.T.].
19
Fazendo a transcrição, aparece a dúvida sobre a pessoa que patentemente possui um talento,
mas por um engano ou uma tendência viciosa, divide-se e dedica-se a um outro talento,
contrariando (prejudicialmente) a sua própria inclinação natural [N.T.].
20
Sobre a noção de “crise”, conferir “Filosofia da Crise” de Mário Ferreira dos Santo (São Paulo:
Logos, 1956) [N.T.].

19
[do Evangelho]. Enquanto não dão frutos, são idênticos. Depois, ficam
diferentes e [as pessoas] seguem caminhos contrários: ou entra-se em uma
coisa ou entra-se na outra.
Por que é assim? É simples! Imagine que você é um sujeito que
escreve livros. E, em um momento da sua vida, isso está causando um
sofrimento hediondo na sua vida. Então, você tem dois valores: a peça que
você deve escrever e que você sabe que é capaz de escrever, e o
sofrimento que isso está lhe causando. [Imagine que] ao escrever a peça, a
sua esposa briga com você porque você não está ganhando dinheiro, o seu
sócio briga com você porque está com inveja e assim por diante, os
problemas não param de aumentar. Se parar de escrever a peça, eu vou ter
prazer. Se eu escrever a peça, minha esposa vai brigar comigo, meu sócio
vai me roubar e vai dar tudo errado. O que eu faço? É nessa hora que
chegou a crise. O joio e o trigo cresceram. O trigo dá o seu fruto. O que não
tem fruto? O seu prazer! Este não acrescenta nada ao mundo, mas a
realização sim. O valor da realização está na obra, não está em você.
Aluno: Mas o valor da obra dará prazer!
Professor: Mas depois! O valor da obra pertence a ela, não a você.
Mas o prazer pertence a você. É a isso que renuncio agora. Isso é se anular
diante de algo maior. É quando o sujeito é capaz de dar o salto. Então, é
uma questão de observação. Existe um momento de crise máxima entre a
realização e o prazer. É neste momento em que o sujeito precisa dar o
salto. Se ele não dá o salto nesta hora, o que acontece com ele?
Aluno: Ele vai se perder.
Professor: Ele se perderá e falará que “o mundo é uma droga, o
mundo é mau. Porque eu estava aqui fazendo algo maravilhoso e a minha
mulher veio e me atrapalhou, o meu sócio me atrapalhou, então esse
mundo é maldito. Eu não dei sorte porque o mundo é mau.” Nessa hora o
sujeito resolve o seguinte: “eu vou me ferrar, mas a obra vai sair. Ela vale

20
mais do que eu. Ela dá fruto, mas eu não. Ela tem semente, mas eu não21”.
Nessa hora ele dá o salto.
Aluno: (...)
Professor: (...) mundo. É a imagem e semelhança de Deus regendo
este mundo. Transformando este mundo em uma imagem do outro mundo.
É isso o que Lear não faz diante da Cordélia. Qual é o melhor fruto do Lear?
É a própria Cordélia! E ele certamente (...) sabia disso (..?), tanto que ele
ficou biruta. Quando ela não causa mais prazer, Lear pensa: “o que vale
mais? O prazer que você me causava ou você [por si mesma]?”
Aluno: [Ele pensou que era] o prazer.
Professor: O prazer!
Aluno: Depois, ele tem que passar por tudo aquilo para se dar conta.
Professor: Exatamente, ele tem que passar por tudo aquilo para se
dar conta.
[Aluno comenta sobre a morte no final da peça.]
Professor: Pois é, mas toda vida humana termina com a morte.
[Risos.]
Professor: Entenderam essa descontinuidade entre o prazer e a
própria operação? A boa operação feita com prazer é evidentemente melhor
do que a boa operação feita sem prazer. O que você preferia? Escrever a
peça e sentir prazer ou escrever a peça sem sentir prazer? É evidente que é
melhor fazer a tarefa e sentir o prazer [respectivo]. Ás vezes o processo de
fazer o melhor que você pode fazer vai causar exatamente o contrário do
prazer. É quando não é mais a obra a ser realizada, mas a sua capacidade
de realização que norteia a sua ação. [Quando a pessoa se deixa levar

21
Pensei a seguinte analogia para esta superioridade do valor ou do talento como símbolo divino
em relação ao indivíduo que age: o que vale mais, a vela ou a luz que ela traz? A luz vale mais e
por isso se compensa o consumo da vela. Uma vida humana também se consome, como a vela,
para realizar o talento, pois este vale mais [N.T.].

21
pelo] efeito acidental que essa ação pode causar em você de vez em
quando.
Cada vez que o sujeito realiza seu talento, ele subiu um pouco
[espiritualmente]. E se ele dá esse último salto, ele chega no próprio plano
divino. Este é novo na medida em que você antecipa a medida divina. É
como o Dante, no “Purgatório” da “Divina Comédia”.Quando ele está
chegando no topo da montanha do purgatório, ele já vê o Jardim do Éden,
que está acima. Antes do Éden, há uma muralha de fogo e os condenados
ao purgatório não vão até o paraíso, por medo do fogo. Mas Beatriz lhe diz:
não se preocupe com essa muralha de fogo, porque ela não irá lhe queimar.
O que acontece com essa muralha de fogo quando você vai se
aproximando? Na medida mesmo em que você vai se aproximando, você
vai vendo a sua anulação, a sua destruição. Por que o sujeito teme o fogo?
Por desconhecer a sua real natureza imortal, a qual não pode ser destruída.
Mas a sensação é real. Embora corresponda à realidade dos fatos
[objetivamente], ela corresponde à realidade dos fatos como o sujeito a
percebe. Então, quando o sujeito está vendo a sua [própria] anulação total
diante de si, ele está vendo essa muralha de fogo [entre o purgatório e o
paraíso, entre a segunda e a terceira fase]. E ele pensa: “se eu chegar no
fogo, virarei nada”. [Entretanto,] quando Dante chegou no fogo, foi
queimado mais do que poderia imaginar, mas não lhe acontecia nada22. E

22
O professor refere-se ao Canto XXVII, versos 1 a 60 do “Purgatório” da Divina Comédia de
Dante (http://www.stelle.com.br/pt/purgatorio/purgatorio.html). “O dia já estava chegando ao fim
quando o ledo anjo do Senhor apareceu. Distante do fogo, ele se erguia à beira do precipício e
cantava: "Bem-aventurados os puros de coração" com uma voz de beleza viva. Depois ele falou:
- Por aqui não se passa sem que sofra o calor do fogo. Entrai agora e não sejais surdos ao que
escutardes lá dentro.
Quando ouvi tais palavras, me senti como se estivesse para ser enterrado vivo. Eu olhei para o
fogo e lembrei-me da aparência de corpos humanos quando são queimados ainda vivos. E então,
ambos os meus guias voltaram-se para mim, e Virgílio me disse:
- Filho meu, isto aqui pode ser tormento, mas não morte. Recorda, recorda! Se eu te protegi sobre
as costas de Gerión, será que eu faria menos por ti agora, tão perto de Deus? Se mil anos
demorasses neste fogo, nem um fio do teu cabelo seria queimado. Se não acreditas em mim, vai
até lá e julga se o que digo é verdade, tocando o fogo com teu manto. Já é hora de te livrares
desses teus temores. Vem, vem, e entra seguro!

22
quando ele atravessa, ele chegou na escala divina de valores. O infinito
divino “queima” o homem completamente, mas não o “queima”.

ENTRE O ABSOLUTO E O NADA

[Aluno faz uma pergunta sobre a nulidade que se percebe na


segunda fase.]
Professor: O que era esse sujeito [humano]? “Deus criou tudo do
nada”. Você se constitui como ser por duas coisas: pelo nada e pelo ato
criador de Deus que lhe tirou do nada. Todo mundo sabe que você não é
Deus. A única parte que você sabe que é sua é “nada”23. Você pensa:
“como eu sou nada, ao nada retornarei”. Mas o que vai sobrar ali é
simplesmente a única coisa que sempre existiu. O “nada” não era algo que
existia e ao qual se acrescentou o ato divino. Se por um lado, você é um
“nada”, você também é o ato criador divino, pois o “nada” nada é24. O que

Mas eu permaneci lá onde estava, apesar de envergonhado. Virgílio não desistiu. Ao me ver
parado e imóvel, insistiu:
- Ora presta atenção, filho. É somente esta parede que te separa de Beatriz.
Ao ouvir aquele nome que nunca deixou a minha mente, minha teimosia amoleceu, e ele sorriu:
- Então vamos! - disse - O que é que estamos fazendo parados deste lado?
Ele então entrou no fogo, e pedindo a Estácio para ficar atrás, eu entrei cercado pelos dois.
Dentro do fogo, o calor era extremo, mas o mestre sempre estava a me confortar.
- Eu acho que já posso ver os olhos dela! - dizia.
De algum lugar chegava uma voz que cantava além do fogo, como se fosse para nos guiar.
Saímos do fogo no ponto onde iniciava a escada. "Vinde vós abençoados por meu Pai," ouvi soar
de uma luz tão forte que tive que desviar meu olhar” (Canto XXVII, tradução e adaptação de Helder
da Rocha- http://www.helderdarocha.com.br/blog/2006/05/montanha-do-purgatrio.html) [N.T.].
23
Sobre o “nada”, conferir as teses e as explicações oferecidas por Mário Ferreira dos Santos em
“Filosofia Concreta” (São Paulo: Logos, 1957) e “A sabedoria do ser e do nada” (São Paulo:
Matese, 1968)[N.T.].
24
Mário Ferreira distingue o “nada absoluto” e o “nada relativo”: “O nada absoluto, por ser
impossível, nada pode. O nada absoluto seria total e absoluta ausência de ser, de poder, pois,
como o que não é, o que não existe, o que é nada, poderia? (...) Não-ser é o que não há. O nada
absoluto é absoluto não-ser. Se alguma coisa não há, não afirma um nada absoluto, mas apenas o
que esta ou aquela coisa não há, ou seja: um nada relativo. O nada absoluto é um não-ser
absoluto. O nada relativo é um não-ser relativo. (...) Aceito ‘alguma coisa há [tese primeira da
filosofia concreta], não negamos total e categoricamente que alguma outra coisa não há. O nada
absoluto é impossível, não-pode, pois, para poder, é necessário ser alguma coisa. Para que algo
possa alguma coisa, é preciso ser alguma coisa. O que há, acontece, não o chamamos nada, mas
alguma coisa, ser” (Filosofia Concreta, p. 29.33) [N.T.].

23
vai acontecer com o sujeito que atravessa a muralha é justamente uma
inversão de perspectiva25.
A ilusão de que você é alguma coisa além do ato criativo que lhe
constituiu no ser. Ele é o próprio infinito atuando como aquilo. O ser humano
se pensa como sendo Deus ou como sendo nada. E por isso ele quer ser
Deus. Porque a lógica é essa: existia o infinito e agora existe você, mas
você não acrescentou nada ao infinito. Logo, ou você é nada, que nada
acrescenta, ou você é esse mesmo infinito. As duas hipóteses são
inaceitáveis para a sua experiência comum do mundo: “não sou nada, nem
Deus”.
Aluno: Você é um empréstimo do infinito.
Professor: Você é um empréstimo do infinito! As duas percepções
que o ser humano tem da realidade são contrárias, não dá para integrar
uma na outra. A única maneira de integrar isso é perceber que o ato criativo
que lhe constitui no ser depende do próprio Deus.
Aluno: E isso acontece?
Professor: Acontece, mas excepcionalmente, em alguns casos. Não
acontece todo dia com todo mundo, mas acontece com um sujeito ou outro.
Em princípio, o sujeito está destinado a este acontecimento. Na maior parte
dos casos, isso só é possível depois da morte.
Aluno: O quê?
Professor: Perceber o ato criativo que lhe constituiu no ser no ponto
de vista divino. É como aquela história budista na qual o mestre pergunta:
“Você sabe como é a sua face?” O discípulo responde: “sei”. “Você sabe
como era a sua face antes de você ser concebido?” “Não”. Então é isso que
você precisa saber. Na hora em que souber isso, você resolveu o problema.

25
Como Santa Teresinha comentou certa vez ao ver uma noite estrelada: “Como é lindo o céu
pelo lado avesso” (Conferir sua autobiografia: “História de uma alma”). Shakespeare também se
refere a essa perspectiva invertida como um tapete que, enquanto fiamos, observamos pelo lado
avesso (conferi Martin Lings: “A arte sagrada de Shakespeare”, Polar Editorial, 2004)[N.T.].

24
No Paraíso, Adão sabia exatamente como era Deus, mas não sabia
como era ele [mesmo]. No Gênesis está escrito:
“E eis que ouviram o barulho (dos passos) do Senhor Deus que
passeava no jardim, à hora da brisa da tarde” (Gênesis, capítulo 3, versículo
8).
Isso ele sabia, mas não sabia como ele era. Ele ficava sempre na
dúvida: “eu sou esse Deus aí ou sou um nada?” Então, o que ele fez?
[Aluno se refere ao pecado original.]
Professor: Antes da queda ele podia dar esse salto e ver “essa
realeza que está em mim é a realeza divina, ela nunca foi outra”. Quando
ele percebe isto26, ele já sabe que ele é apenas uma atividade divina que
existe no mundo. E ele aceita isso.
Até ele perceber isso aqui: esse rei aqui era Deus, é a ele que se
deve louvar pelos talentos porque é Ele quem estava fazendo durante o
tempo todo.
Aluno: Toda a peça é inspirada nessa história.
Professor: Toda a peça!
[Aluno pergunta se Shakespeare possuía consciência de que suas
obras descrevem esse processo espiritual.]
Professor: Pela constância de sua obra, pode-se dizer que ele tinha
consciência. Porque se o sujeito escrevesse trinta obras e em uma ele
esbarrasse nessa realidade espiritual, poderia-se dizer que ele não sabia o
que estava fazendo.
Aluno: A obra estaria acima do que o autor pensa.
Professor: Exatamente! Neste caso, a obra está acima do que o
autor pensa. Mas como ele é regular, pode-se dizer que ele sabe o que está
fazendo. Ele tem alguma consciência desse processo.
26
O professor se refere ao trecho comentado na última aula, em que, na peça analisada,
Gloucester se inclina para beijar a mão de Lear, que responde assim: “não, deixe-me limpá-las
primeiro; estão sujas de mortalidade” No original: “Let me wipe it first; it smells of mortality” [N.T.]..

25
Qualquer possibilidade de realização humana é uma linguagem para
tratar disso. Tudo que qualquer ser humano pode realizar efetivamente é
uma linguagem para expressar isso. Desde que ele vá seguindo esse
processo: escolhendo entre o seu desejo e a própria realização.
Aluno: A base teórica disso está na Escolástica?
Professor: No fim das contas, a base teórica está na própria Bíblia.
A escolástica somente elaborou mais claramente27 (..?).

A DIVERSIDADE DOS TALENTOS HUMANOS OU DIFERENTES


MANEIRAS DE ACUMULAR E VENDER A RIQUEZA

[Cristo,] na maior parte do Evangelho, está falando quase


literalmente de outras coisas. Por exemplo, Ele diz:
“O Reino dos céus é semelhante a um homem que tinha semeado
boa semente em seu campo” (Mt 13, 24)
Ele não diz: “o pai de família fez ascese, jejuou e rezou bastante até
ficar santo”. Ele diz: “foi e plantou trigo”. Portanto, se o seu talento é plantar
trigo, você poderia realizar outra coisa que não adiantaria.
Em outro trecho ele compara essa regeneração a outra coisa: “para
você ficar santo, fica pedindo a Deus sem parar28”.
Isso serve para o sujeito passivo, cuja única coisa que pode fazer da
vida é pedir. Por isso, o Cristo falou para ficar pedindo:
“Se alguém de vós tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite, e
lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, 6.pois um amigo meu acaba de
chegar à minha casa, de uma viagem, e não tenho nada para lhe oferecer;
7.e se ele responder lá de dentro: Não me incomodes; a porta já está
27
Posição coerente com a teoria dos quatro discursos que Olavo de Carvalho elaborou a partir da
obra de Aristóteles em “Aristóteles em Nova Perspectiva” (Rio de Janeiro: Topbooks, 1996).
28
Esta citação faz lembrar do trecho do Sermão da Montanha em que Nosso Senhor Jesus Cristo
diz: “Pedi e se vos dará. Buscai e achareis. Batei e vos será aberto. Porque todo aquele que pede,
recebe. Quem busca, acha. A quem bate, abrir-se-á” (Mt 7, 7-8).

26
fechada, meus filhos e eu estamos deitados; não posso levantar-me para te
dar os pães; 8.eu vos digo: no caso de não se levantar para lhe dar os pães
por ser seu amigo, certamente por causa da sua importunação se levantará
e lhe dará quantos pães necessitar. 9.E eu vos digo: pedi, e dar-se-vos-á;
buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. 10.Pois todo aquele que pede,
recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater, se lhe abrirá” (Lc 11, 5-
10).
Todas estas são instruções espirituais tão válidas quanto aquela em
que ele disse:
“Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e
terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mt 19, 21).
Se o sujeito fizer ascese, jejum e rezar, estes são [atos] espirituais,
mas se o sujeito plantar trigo, não; isso não é espiritual. Esta instrução vale
literalmente tanto quanto a primeira. Ele fez assim para mostrar que
nenhum talento humano em particular lhe conduz à regeneração espiritual.
Qualquer talento humano conduzido dessa maneira conduz à realização
espiritual.
Aluno: Cada um de sua maneira.
Professor: Cada um em sua clave, exatamente.
Aluno:Senão esse talento seria algo absoluto.
Professor: Senão esse talento não seria um símbolo, mas seria o
próprio Deus. Senão o dinheiro do rico não seria um símbolo de Deus, seria
um deus; senão o conhecimento do sábio não seria um símbolo de Deus,
seria um deus; e assim por diante. Mas todos esses valores são meramente
indicativos. Servem para dar uma idéia de para onde você deve ir.
Aluno: Para onde deve e para onde não deve.
Professor: Para onde deve e para onde não deve. Não se deve
confundir a potencialidade espiritual de um valor humano com a sua
potencialidade para a organização da sociedade. É evidente que a

27
sabedoria do sábio vale mais [do que outros talentos]. Mas isso vale mais
para todo e qualquer indivíduo humano? Não! Senão todos deveriam ser
monges contemplativos. Mas o fato é que se [esse outro] tentar virar
monge, ele não faz nada. Ele não chega à contemplação de maneira
nenhuma.
[Aluno comenta sobre esse erro vocacional.]
Professor: Exatamente! Ele não realiza nada! Então, ele estaria
enforcando um talento! Ele deveria estar fazendo qualquer outra coisa, mas
isso aqui, não. Então, para a sociedade como um todo existe uma
hierarquia clara, [que corresponde às] castas. Mas para o indivíduo
humano, isso precisa estar de fato presente nele. Aquilo que ele
efetivamente pode realizar é o melhor que existe.
Aluno: E precisa ser algo efetivo, não imaginário.
Professor: Não é para viver imaginariamente, evidentemente.
[Aluno comenta sobre a dificuldade de se saber o talento do outro.]
Professor: Por isso que não se pode impor para a sociedade um
valor abstrato como sendo o supremo, mesmo que ele seja o maior
objetivamente. É impossível que o indivíduo diga: “a vida não faz sentido”.
Apenas se pode dizer: “a minha vida não faz sentido”. Não há como dizer
que a vida do outro não faça sentido. [Mesmo que você esteja sem sentido,]
se você descobrir um valor de realização e você realiza aquilo, a sua vida
tem sentido. A vida não tem um sentido unívoco, que seja idêntico para
todos os indivíduos. Ela tem apenas um sentido análogo. O processo de
seguir o sentido da vida é idêntico em todos genericamente, mas não
particularmente. Existe algo que o indivíduo pode realizar e que vale mais
do que o prazer que pode causar você. Esse é o sentido da vida. Realizar

28
isso é o sentido da vida29. Isso pode ser uma coisa para um indivíduo e
outra para outro indivíduo.
É claro que existem diferenças entre os valores. Existem valores
que conduzem mais rapidamente a esta realização espiritual. Geralmente, a
pessoa que escolhe como valor: cuidar da sua família, enriquecer ou cuidar
da sociedade, ela só vai dar esse salto depois da morte. Pode até acontecer
de ser antes, mas geralmente ela dará esse salto espiritual depois da morte.
Por outro lado, o sujeito que buscou principalmente o valor da sabedoria,
pode acontecer com mais freqüência que chegue a dar esse salto antes da
morte. Isso acontece com mais freqüência. Mas a direção para esse
caminho é exatamente a mesma.
Todo sujeito que guarda aqueles mandamentos fundamentais que o
Cristo disse ao jovem rico [Mt 19, 18] antes de falar o que era a perfeição.
Todos sujeitos que fazem isso são sujeitos salvos. Havia outra regra do jogo
que antecedia esta [da perfeição].
[Aluno pergunta sobre as virtudes.]
Na verdade, as virtudes nascem como um casamento [dos
processos] de seguir certas regras e de seguir esse processo de sentido. As
virtudes nascem desse casamento. Então você tem um princípio passivo de
perfeição que é o que lhe permite obter a salvação30. O Cristo citou seis
mandamentos porque são os seis tipos de ações em que podem incorrer
pecados graves, em que você efetivamente prejudica os outros. As virtudes
somente crescerão e uma hora você dará esse salto.
[Aluno comenta sobre o aumento das virtudes.]
29
Sobre este assunto, conferir o livro que foi distribuído aos alunos deste curso: “Em busca do
a
sentido” de Viktor Frankl (São Leopoldo: Ed. Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2006, 22 ed.) [N.T.].
30
Esse “princípio passivo” é a “mansidão” (ou “passividade”) diante das leis divinas para obedecê-
las: “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!” (Mt 5, 5). Cristo se colocou como
exemplo dessa mansidão quando disse: “Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina,
porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque
meu jugo é suave e meu peso é leve.” (Mt 11, 29-30). Santo Agostinho associou essa bem-
aventurança com o dom da “Piedade” dado pelo Espírito Santo (Santo Agostinho, “O Sermão da
Montanha”, São Paulo: Paulinas, 1992) [N.T.].

29
Professor: É a mesma coisa que acontece com o ser humano. O
bebê quando nasce já é um ser humano, mas não é tudo que pode ser.
[Aluno comenta sobre a falta de talentos.]
Professor: E se o ser humano não tiver nenhum talento? Somente
cumpre os mandamentos, [como Cristo ordenou].

TALENTOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS – ADAPTANDO A


PRÓPRIA PERSONALIDADE ÀS TAREFAS A SEREM REALIZADAS

Professor: Os talentos naturalmente se deram nas diversas esferas


da sua vida. Por um lado, você tem um talento para realizar algo, para fazer
coisas, para produzir algo. Por outro lado, você tem um talento para alguns
sentimentos, mas não para outros. Então, por exemplo, se você tem uma
tendência natural a gostar de todas as pessoas. Algumas pessoas têm uma
tendência natural a gostar de todas as pessoas. Outros têm uma tendência
a uma frieza de sentimentos. Estas duas pessoas podem ter o talento de
ensinar. Então, por exemplo, as pessoas que naturalmente gostam das
outras pessoas, quando forem ensinar, muitas vezes elas considerarão se o
assunto é agradável a desagradável aos alunos. Ele terá que dar um salto
[e considerará]: “o que farei agora para ter outro resultado depois?”. [Por
outro lado,] o sujeito frio [não se importará] e falará as coisas que o outro
rejeita porque ele normalmente já falava. Existem profissões na quais a
“frieza” facilita.
Aluno: Cirurgião.
Aluno: Policial.
Professor: É preciso observar [também esse aspecto]: qual é o
melhor que posso extrair da minha afetividade31? Quais são os caminhos

31
Neste assunto importa o estudo das teorias psicológicas relacionadas com as diversas
caracterologias [N.T.].

30
das minhas virtudes naturais? Como eu fluo afetivamente? Porque qualquer
traço da personalidade colabora e simultaneamente atrapalha a realização
de qualquer coisa. Ás vezes colabora, às vezes atrapalha. Essa é a primeira
ocasião em que existe conflito entre o prazer e a realização .
Não importa qual seja o temperamento do indivíduo, ele terá que
constantemente decidir se irá dar vazão a esse temperamento ou refreá-lo.
É muito raro um temperamento perfeita e naturalmente equilibrado, que vai
colaborar constantemente na realização do seu talento. Isso acontece,
evidentemente, mas é excepcional.
Ele vai usar o temperamento em função do talento. Ele precisa
perceber isso: que tudo que há nele existe em função daquele talento. É
experimental para o talento. Tudo está nele para um fim. A mera existência
dele não é um fim para ele mesmo. Se a pessoa morresse, essa existência
[do talento] não cessaria. Ele nunca deixaria de existir.
[Aluno faz uma comparação com “O velho e o mar” de Ernst
Hemingway.]
Professor: É parecido com isso aí. Na verdade esse é o grande
tema da vida humana. Trata-se de criar um limite para, depois, renunciar a
isso.
Vocês lembram mais alguma coisa do Lear que confundiu?
[Aluno lembra um episódio.]
Professor: Durante esse processo, os valores se manifestam de
modo inverso.
[Aluno oferece exemplo de traição acontecida em uma empresa
que acabou trazendo um bem para os traídos, pois a empresa se livrou de
um “câncer”, e malefícios piores para os traidores.]
Professor: O que levou o sujeito a fazer isso? Teve algum momento
em que ele disse: “eu sou e não existe nada mais além disso. Eu sou o
dono”.

31
[Aluno oferece mais detalhes do mesmo exemplo.]
Professor: Acontece uma traição assim porque há uma
descontinuidade entre esse mundo e o outro. Quem era o legítimo dono do
que foi roubado?
Aluno: Era a empresa.
Professor: Em um plano era a empresa, mas em outro era Deus.
Não era nem a empresa nem ele. Se, no momento em que o sujeito roubou,
você lembra que é de Deus mesmo, [aquilo] irá voltar para você. Do ponto
de vista humano, existe um autor real, como Lear era o autor da
estabilidade do reino. Evidentemente ele era [o autor]. Alguém fez, sempre
há um “operador”32. Mas em última análise, ele é o autor por empréstimo,
por delegação. Porque o dono mesmo é Deus.
Aluno: Deus deu os talentos para cada um33.
Professor: Ele não tinha o direito de roubar. Era propriedade de
Deus, mas Ele tinha escolhido fazer por meio do Lear e não por meio da
sua pessoa. O fato do Lear cometer esse erro não legitima esse crime. Do
mesmo jeito que o Cristo dizia que o talento dele era entregar-se para a
humanidade, não justifica que outro o entregue à condenação34.
Aluno: Como acontece no Evangelho de Judas. E ainda pensa que
colaborou com o plano divino.

UMA BREVE COMPARAÇÃO ENTRE HAMLET E REI LEAR

Professor: [Na peça,] o importante é que você sejam o reis ou a


gente saber que Deus é o rei? Quando ele morre, você fica sabendo que a
recompensa dele não foi desse mundo. Igualmente com a Cordélia. A morte
32
Ou uma “causa eficiente”, na terminologia de Aristóteles [N.T.].
33
Ecoando Mateus 25, 14-30.
34
Como disse o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo: “O Filho do Homem vai, como dele está
escrito. Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor para esse
homem que jamais tivesse nascido!” (Mt 26, 24) [N.T.].

32
acontece justamente para evidenciar que o resultado desse processo é de
natureza espiritual. Evidentemente, na vida real pode acontecer da pessoa
viver e continuar reinando com essa consciência de que o poder pertence a
Deus.
Ela é perfeitamente fiel ao talento. Ela continua exatamente a
mesma [durante] o tempo todo.
[Aluno comenta sobre o sentido da morte dela na história.]
Professor: [Se ela ficasse viva,] não explicitaria o caráter espiritual
da recompensa. Além disso, a peça perderia em intensidade dramática no
sentido de ser uma questão de vida ou morte. Aceite isso desde o começo,
pois senão você vai morrer. É preciso deixar claro essa urgência da missão
humana. As melhores obras do Shakespeare são tragédias, porque elas
deixam claro: faça isso antes que seja parte demais. Se você faz
tardiamente, o resultado é o mesmo para você, mas, para o mundo, não [é
o mesmo]. Para o rei Lear, aceitar essa verdade é o mesmo no começo ou
no final da peça, mas, para a Inglaterra, não.
Aluno: Também em Hamlet [que se atrasa na decisão].
Professor: A mesma coisa [ocorre] no Hamlet. Mas ele não viu qual
é a verdadeira questão de vida e morte. O Hamlet tem que amadurecer
duais coisas dentro de si antes que seja tarde demais. Por um lado, é
justamente essa consciência contemplativa da própria nulidade e, por outro
lado, é ascender à própria realeza. No caso do Lear, esse segundo aspecto
é desenvolvido. O Lear é o contrário do Hamlet. O Hamlet é um sujeito no
qual o aspecto contemplativo está bastante desenvolvido. Ele já sabe o
sentido da vida. Desde o começo o Hamlet já sabe o que é certo. Mas o
desejo de realização está subdesenvolvido nele. Hamlet é o sujeito que
sabe tanto que a realeza pertence a Deus que ele nem quer ser o rei da
Dinamarca. Ele somente percebe isso quando ele percebe que não quer
que ele [mesmo] seja o rei da Dinamarca. O processo no Hamlet é

33
semelhante ao processo do Lear, mas a deficiência é inversa. A deficiência
do Hamlet é inversa à do Lear. O Lear esquece que a qualidade não é dele.
Ele tem pouca força contemplativa, mas possui muita força de ação. O
Hamlet é o contrário. Vendo o pai como rei, ele sabia: essa realeza é de
Deus, toda realeza é de Deus. Qual é o problema dele? O problema dele
não é ter perdido de vista o que devia fazer. A loucura dele ocorre porque
ele sabe exatamente o que deve fazer, mas ele não consegue por ser muito
fraco.
Aluno: E dá uma de louco.
Professor: Ele tem que dar uma de louco porque ele está com medo
de encarar a realidade. Ele está com medo de lutar.
[Aluno pergunta sobre a diferença entre o místico e o filósofo.]
Professor: Descrever o caminho [ao “Princípio”35] é o talento do
místico, não é o talento do filósofo. O ser humano tem uma vocação dupla
sempre:
(a) conquistador e senhor deste mundo e
(b) servo divino.
Por um lado, ele precisa se colocar no centro da realidade e dizer:
“eu tenho que controlar tudo” e, por outro, ele tem que colocar tudo isso a
serviço do outro. Uma coisa é realizada pela capacidade contemplativa e a
outra pela capacidade ativa. O Lear no decorrer da sua vida vai realizando a
máximo esse componente ativo da vida do homem. [Ele pensa:] “a gente
tem que fazer um bom reino, tem que fazer”, mas ele esquece de que o
reino pertence a Deus. No Hamlet é o contrário. Ele, desde o começo sabe
que Deus dá e Deus tira como quiser. Mas no começo ele esquece que o
homem também precisa ser senhor do mundo. E é nesse ponto que ele
enfraquece. É interessante ler o Hamlet em comparação com o Lear e ver

35
No sentido de Mário Ferreira dos Santos. Conferir “Sabedoria dos Princípios” (São Paulo, Logos,
1968) [N.T.].

34
como se trata do mesmo processo. O Hamlet estava por dentro da
realidade. Agora ele precisa esquecer um pouco disso e tocar o reino. Sai
do plano do monge, do filósofo e do místico, e passa para este daqui.
Aluno: Ele não tinha o talento ativo?
Professor: Ele tinha, mas precisava desenvolver. Esses dois
talentos são representados por funções humanas:
a) há o talento guerreiro e aristocrático,
b) e há o talento contemplativo e espiritual.
Estes dois talentos são símbolos de uma dimensão horizontal e uma
dimensão vertical. Estas duas dimensões estão em qualquer talento
humano. É fácil representar uma pela ação do guerreiro e a outra pela ação
do monge. A analogia é muito evidente. E na verdade essas mesmas
funções somente existem para lembrar a gente [disso]. O monge tem que
realizar a ação de rei por meio da ação corporal. Ninguém vai ser monge
em uma suíte de hotel. E a vocação contemplativa surge na vocação
guerreira pela sinceridade [e veracidade] do ideal guerreiro. De que adianta
ter um valente guerreiro em nome do comunismo? Não vale nada. Da
mesma forma não adianta ter contemplação e não ter ascese nenhuma.
Professor: É um hippie!
Aluno: É um hippie, não é um monge. Um é um hippie e o outro é
um bruto. É um bruto, um guerreiro que preferiu um ideal falso. È
simplesmente um criminoso.
[Interrupção da gravação para troca da “fita”.]
[Aluno comenta sobre a relação entre as dimensões contemplativas
e ativas.]
Professor: Assim como aparentemente a veracidade e o ideal pelo
qual você luta, aparentemente, não está relacionada com a sua eficácia
como guerreiro, com a sua capacidade de lutar e vencer. Mas lutar e vencer
por um ideal falso é perder, evidentemente. É só aparentemente que uma

35
dimensão não está ligada a outra. Não existe talento humano que se realize
perfeitamente sem estas duas dimensões. A redução a uma delas é
simplesmente uma derrota. É errar o alvo.
O ser humano é senhor deste mundo, tem que conquistar esse
mundo. O aspecto combativo está presente no monge, pelo que ele tem de
conquistar neste mundo é o corpo dele. É este pedaço deste mundo que ele
conquista. Muito mais que qualquer outro.
Aluno: Pelo menos este.
Professor: No mínimo este pedaço do mundo terá que ser
conquistado.
Aluno: É o mais difícil.
Professor: Vale como o mundo todo!
Aluno: É uma luta de uma vida inteira.
Professor: Exatamente!
[Alunos comentam sobre a dificuldade destas conquistas.]
Professor: É aí que aparece a diversidade dos talentos, como está
descrita no Evangelho. O próprio Cristo falou: “o meu jugo é suave e o meu
fardo é leve” [Mt 11, 30]. O que ele quis dizer com isso? Faça a sua parte,
desenvolva o seu talento. Não vá fazer outra coisa, que você não
conseguirá. A dificuldade não está em querer fazer aquilo que eu sou mais
incompetente.
Aluno: Existe gente assim?
Professor: Existe! E às vezes pensando que [fazer] isso é nobre e
maravilhoso.
Aluno: Ás vezes tem gente que acha que tem talento para ser
presidente, mas não tem talento para isso.
Professor: Pois é!
Aluno: Mas tem. Ele [o presidente] tem talento, tanto que ele está lá
até hoje.

36
Professor: O que falta aí é o elemento contemplativo. Ele quer ser
presidente para realizar o quê? É só isso que faltou. Tanto que ele
conquistou essa parte do mundo, mas conquistou para quê?
Aluno: É o que Deus vai conquistar para ele.
Professor: É o que Deus vai conquistar para ele! A dimensão
horizontal foi realizada. O seu talento foi realizado.
[Vocês entenderam,] primeiro, essas duas dimensões de qualquer
atividade humana e este elemento tensional entre a realização e o prazer
que o elemento tem?
Aluno: Na nossa vida isso é mais sutil do que nas peças de teatro,
porque as tragédias não são tão intensas e os talentos não são tão claros.
Professor: E tudo se dá em escala menor.
Aluno: A linguagem também não é tão precisa.
Professor: O segredo é aquilo que o Cristo falou [na citada parábola
dos talentos]: a maioria de vocês é incapaz de fazer isso em grande escala,
então faz na escala que aparecer.
A gente não pode esquecer que a escala em que a situação se dá
não tem uma importância real no sentido [do valor pessoal] . Tanto faz! Não
vamos esquecer que alguns dos apóstolos eram pescadores. Eles
realizaram naquela escala36. E Cristo falou: já que vocês realizaram no
pouco, receberão muito. E foram recompensados em outra dimensão37. Mas
antes eles fizeram sua atividade em uma escala menor. Havia um que era
pescador, outro era cobrador de imposto, cada um era uma coisa diferente.
Aluno: A maioria não realiza nem isso.
Professor: A maioria não realiza nem isso, é verdade.

36
Alguns deles eram “pescadores de peixes” e se tornaram “pescadores de almas”. O Cristo lhes
disse: “Segui-me, e eu vos farei pescadores de homens” (Mt 4, 19) [N.T.].
37
No Evangelho, Cristo prometeu uma recompensa cêntupla a seus apóstolos, ainda neste mundo
[N.T.].

37
[Aluno comenta sobre as dificuldades práticas da maioria das
pessoas.]
Professor: A vida humana adulta corresponde, grosso modo, a esse
processo intermediário. Em uma certa escala, existem talentos que o adulto
já realizou, somente por ter chegado na idade adulta. Por exemplo: a
linguagem. Esta é um talento humano comum. A maioria o realiza.
[Aluno conta um caso de superação dos talentos que ocorreu na sua
empresa.]
Professor: O que diferencia um do outro ali? É a dimensão vertical.
É como eles reagiram diante de Deus.
Aluno: Esse primeiro passo é indispensável.
Professor: Sim, um passo indispensável! O processo de realização
horizontal.
[Aluno comenta sobre esses processos de realização.]

O PREÇO TEMPORAL A SER PAGO: UMA FUNDAMENTAÇÃO A


PARTIR DOS RELATOS DO “GÊNESIS”

Professor: Para saber se o indivíduo realizou ou não, é preciso ter


passado sua vida inteira38. Se ele alcançou esse resultado ou não. A
dimensão horizontal é mais fácil da gente saber. Existe coisas bem feitas e
mal feitas, realizadas ou frustradas. [Por exemplo:] você vai lá, dá uma aula,
se o sujeito entendeu o que você falou, foi bem feito. Senão foi mal feito. É
um critério evidente para qualquer atividade humana. E depois? Ao
perguntar: “todo mundo entendeu minha aula?” quando chegar em casa,
vou olhar no espelho e me aplaudir ou vou fazer um esforço tremendo para
saber: cada aplauso que dou para mim mesmo é um tiro que dou no meu

38
Assim como Aristóteles recomendava que se passasse a vida inteira (ou até mais) para se
decidir se um sujeito foi feliz ou não [N.T.].

38
próprio pé e eu vou ter que agüentar as conseqüências como o próprio
Lear.
[Aluno pede mais um esclarecimento deste assunto, tentando
comparar com o exemplo do talento político.]
Professor: Esquece o caso do político. Vamos voltar para o caso do
professor. Ele termina a aula, e vê que todo mundo entendeu a aula, deu
aquele brilho no olho dos alunos que o professor sabe e usa o critério para
dar a nota. Ele viu um certo brilho no olhar que não estava lá antes de
levantar a questão e que estava depois. E ele pensa: “fiz a minha tarefa.
Alegrei-me com o que foi dito (como diz o salmo)”. Então, ele chega em
casa, como um professor em ação, ele vai sentar na sua sala e vai se sentir
mais ou menos como se fosse Jesus Cristo que tivesse salvado a
humanidade. É claro que é em uma escala menor, mas é assim que todos
seres humanos, que não são santos, se sentem depois que eles fazem algo
que eles sabem que não ficou bem feito. Quando ele faz isso, o que ele
precisa lembrar? [Deve-se lembrar que:] o simples fato dele sentir isso trará
algum mal para a sua vida. Em algum momento alguém terá que me
roubar, para eu pagar este preço. Esta é uma antecipação da dimensão
vertical.
[Aluno comenta sobre um sucesso que o outro teve.]
Professor: Isso é uma antecipação da dimensão vertical! O simples
fato do sujeito fazer essa antecipação diminuirá o preço temporal que ele
terá que pagar. A simples aceitação consciente de que ele terá que pagar
um preço por aquilo vai diminuir o preço que ele terá que pagar. Porque já é
um pouco da realização da dimensão vertical. O que é um sujeito santo? É
o sujeito que dá uma aula perfeita e aplaude Deus quando chega em casa.
Esse é o sentimento natural dele: “olha só como Deus é maravilhoso, a aula
foi perfeita!” Esse é o sujeito que é santo. Ele realiza as duas dimensões
perfeitamente. Esse estado que é muito difícil e geralmente somente

39
acontece depois da morte. O sentimento natural que lhe surge é de que
Deus é merecedor da Glória por aquele feito. Esse sujeito não paga preço
temporal nenhum.
[Aluno oferece um exemplo dessa atitude.]
Professor: Quando ele faz isso, ele diminui o preço temporal que ele
terá a pagar.
Aluno: Por que existe um preço temporal?
Professor: Por que existe um preço temporal? Existe um preço
temporal simplesmente porque o mundo que Deus criou é perfeito39. Ele
não precisa que você faça nada. Mudar o mundo já é um pecado. Os
primeiros monges do cristianismo, os padres do deserto, já diziam que você
deve pedir desculpas a Deus por cada grão de areia que você movimenta
com seus pés.
Considerando a descontinuidade entre a dimensão moral e a
espiritual, quando você corrige um erro moral, você percebe que não
deveria ter agido da maneira errada. A primeira é infração moral, mas a
segunda é uma infração espiritual.
Aluno: Não entendi.
Professor: Veja bem, você pode garantir que ficará santo antes de
morrer?
Aluno: Não.
Professor: Mas você tem um jeito de garantir que ficará santo depois
de morrer. Por meio do quê? Da moral. É evidente que é melhor ficar santo
antes de morrer do que depois, mas você não pode garantir isso. Existem
momentos em que o dever espiritual tem precedência sobre o dever moral,
mas, de modo geral, o dever moral terá precedência porque você não pode
garantir a sua realização espiritual antes da morte.

39
Como se repete no livro do Gênesis: após cada criação, Deus reconhecia a bondade do que fez:
“E Deus viu que era bom” (Gn 1, 10).

40
Por que está escrito na Bíblia que “todos pecaram e estão privados
da Glória de Deus”? Porque não se disse que “a maioria pecou”? É simples:
todos os seres humanos cometeram alguma imoralidade. Porque se alguém
não cometeu nenhuma imoralidade, nunca perceberá a descontinuidade
entre os talentos dele e o próprio Deus.
É possível que você fique santo, mas não é possível que você leve
uma vida sem nenhum pecado.
[Aluno comenta sobre a Imaculada Conceição de Nossa Senhora,
que é o fato da Virgem Maria ter sido providencialmente preservada do
pecado original desde a sua concepção40.]
Professor: Mas é um caso excepcional.
[Aluno pergunta sobre Adão.]
Professor: Adão teria que ter pecado, isso era inevitável. Para o
sujeito garantir a sua salvação, não precisa ficar santo, nem descobrir o
sentido da sua vida, mas basta cumprir os mandamentos. O próprio Cristo
falou isso (Mt 19, 16-19). Mesmo que dê tudo errado [na vida], mesmo que
ele não cumpra nada bem, mas desde que ele cumpra aqueles seis
mandamentos fundamentais (Mt 19, 18-19). Ele não terá nenhuma
felicidade [nesta vida] também, mas garantiu [a salvação].
Então, quando a gente comete um erro, a gente está voltando para
o círculo de garantia divina. Ele volta para o círculo que está sob a proteção
divina, mesmo que ele não avance espiritualmente. Pelo menos ele não
regrediu [espiritualmente]. O próprio Deus mostra isso quando, na história
da salvação, certas imoralidades se mostram “necessárias” para que o
plano divino avance na direção [providencial] . A mãe de Esaú e Jacó
precisa enganar o marido para que ele dê a benção a Jacó em vez de dá-la
a Esaú (Gn 27, 1-45). Davi rouba a esposa do outro para ter a

40
Conferir mais explicações no Catecismo da Igreja Católica e no site de apologética cristã:
http://www.lepanto.com.br/ApMariaIC.html [N.T.].

41
descendência que gerará o Cristo (Mt 1,6; 2Sm 11, 1-27). A Bíblia está
cheia de imoralidades neste sentido41. Como o ser humano não é Deus,
cometerá alguns erros, pois não conseguirá ser perfeito constantemente,
mas apenas em alguns momentos. Não tem outro jeito. Se todos fossem
santos, a salvação [pela Cruz] não seria necessária, não seria preciso que o
próprio Deus se encarnasse e morresse pela redenção42 [da humanidade].
Aluno: Seria “melhor” para o próprio Cristo que não precisaria ter
sido crucificado e para Adão que não teria pecado.
Professor: Seria “melhor”43 para todo mundo, mas não seria
possível44. Se você fosse Deus desde o começo, você seria Deus até o
final. Deus é assim: Ele é perfeito desde o começo e continua perfeito até o
final. O ser humano não pode ser assim45. Deus não resiste ao pecador,

41
Tamar se prostituiu, enganando seu sogro Judá, filho de Jacó, compondo assim a genealogia de
Nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 1,3; Gn 38, 1-30) [N.T.].
42
Conforme se diz na oração que é o símbolo da fé cristã, o Credo Niceno-Constantinopolitano (do
ano 381): “Por nós e para nossa salvação, desceu dos céus; encarnou por obra do Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria, e fez-se verdadeiro homem. Por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;
sofreu a morte e foi sepultado” http://www.santotomas.com.br/oracoes/credoniceno.asp ) [N.T.].
43
Coloco esse “melhor” entre aspas porque Deus sempre supera as expectativas humanas e como
diz Santo Agostinho: “onde abundou o pecado, superabundou a Graça”. Lamentar-se pela
possibilidade do pecado é lamentar-se por ter sido criado humano e por não ser Deus: “ai, que
pena! Por que não sou Deus? Quão lamentável que eu seja humano e tenha a possibilidade de
pecar!” Quem começa a pensar assim está no caminho de se tornar um gnóstico no sentido de Eric
Voegelin. Sobre a problemática filosófica acerca do mal, conferir “O homem perante o infinito” de
a
Mário Ferreira dos Santos (São Paulo: Logos, 5 ed., 1963) [N.T.].
44
Este comentário lembra as aulas do professor Olavo de Carvalho no curso de ética da PUC-PR,
onde explicou sobre a bifurcação moral. Resumi um trecho de uma daquelas aulas assim: “Nesse
momento é que ocorre a bifurcação moral, que é a situação pessoal da dúvida moral. E todos
vivemos envolvidos em dilemas morais e cada um pode se lembrar de dúvidas morais pelas quais
passou. Não há um lugar tão paradisíaco que ninguém fique sem essas dúvidas morais. Se não
fosse assim, seríamos animais movidos somente pelos instintos que são lineares e não implicam
em sofrimento moral, mas que sempre funcionariam, como acontece nas outras espécies animais.
Se houvesse um código universalmente aceito pela humanidade seria algo instintivo e nem
estaríamos discutindo esse assunto (...)Essa problemática de Adão e Eva está presente em cada
ser humano. Nem Nosso Senhor Jesus Cristo escapou dessa dúvida, pois foi tentado, embora não
tenha caído diante disso!” [N.T..].
45
E é talvez nisso mesmo que esteja a chave da possibilidade de perfeição humana, como se diz a
respeito de Davi, apesar de seus pecados: “Achei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu
coração, que fará todas as minhas vontades” (At 13, 22) [N.T..]..

42
mas, [como se afirmou nas Escrituras Sagradas], Ele “resiste aos
soberbos46”.
[Aluno associa a soberba ao pecado de Lúcifer.]
Professor: É um pecado completamente desnecessário. Os outros
pecados são todos perdoados por Deus47, sem exceção. [O único caso que
não se perdoa] é se o sujeito falar: “Eu não preciso assumir a medida divina
e a minha humanidade”.
Aluno: Essa pessoa não quer o perdão. Credo!
Professor: Para esse, Deus somente aparece como muralha de
fogo, perpetuamente. Este fica paralisado de medo. A soberba é o único
obstáculo real entre o homem e Deus. E muitas vezes os outros pecados
contribuem para a humildade. Quantas não são as pessoas que se
tornaram melhores por terem cometido algum pecado48, [quando
descobriram seus defeitos]: “eu pensava que era um cara legal, mas
descobri que sou um canalha”. O próprio São Paulo falou: “a Lei existe em
função da transgressão”. Deus revelou a Lei para que o homem a
transgredisse49. Isso está na Bíblia, é Escritura Sagrada, foi Deus quem
falou. Sem isso aí50, você nunca ia perceber que você não é tão legal.
Aluno: E se tudo que o homem fizesse fosse bom, ele seria o
próprio Deus51.

46
Ao pecado da soberba, que é pecado capital, se opõe a virtude da humildade, à qual se associa
o temor de Deus, que é um dom do Espírito Santo, e a Bem-Aventurança sobre “os pobres de
espírito” (Mt 5,3). Santo Agostinho comenta isso no livro citado sobre o “Sermão da Montanha”
[N.T..].
47
O próprio Cristo anunciou esse fato, que foi comentado por São João Evangelista: “se alguém
vê seu irmão cometer um pecado que não o conduza à morte, reze, e Deus lhe dará a vida; isto
para aqueles que não pecam para a morte. Há pecado que é para morte; não digo que se reze por
este” (1Jo 5, 16) [N.T..]..
48
O livro “Legenda Áurea” do beato Jacopo de Varazze (São Paulo: Cia das Letras, 2003) está
repleto de exemplos assim [N.T.].
49
Este é um dos principais temas da Epístola de São Paulo aos Romanos: conferir, por exemplo,
os capítulos 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 [N.T.].
50
Sem a Lei e sem a consciência do pecado [N.T.].
51
Ou alguma espécie de animal “irracional”, como escrevi ao comentar uma aula do professor
Olavo de Carvalho: “Se não fosse assim, seríamos animais movidos somente pelos instintos que

43
Professor: Com o pecado se percebe que não se é tão bom. Essa
experiência é necessária.
[Aluno volta a perguntar sobre este assunto.]
Quando Deus criou o mundo, Ele criou o mundo perfeitamente.
Quando o ser humano realiza algo, ele modifica o mundo. O mundo era de
um jeito e o ser humano deixou de outro. Você acha que o ser humano é
melhor que Deus?
Aluno: Não.
Professor: Você acha que você melhorou o mundo depois que você
fez alguma coisa? Você somente melhorou o mundo simbolicamente.
Objetivamente você o piorou, pois Deus havia criado o mundo perfeitamente
e tudo que Ele fez foi muito bom:
“Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1,31).
[Aluno estranham esses comentários sobre a ação humana.]
Professor: Parece estranho. Quer dizer que Deus queria que eu não
fizesse nada? Sim, Ele mesmo falou. Ele fez um Jardim e falou: agora você
fica aqui e somente aproveita52!
[Alunos comentam sobre o pecado original e às conseqüências para
a vida humana53.]
Professor: Por que o ser humano teve que “dominar”54 o mundo? Se
ele sentasse ali e tentasse descobrir o que é isso que Deus criou, ele teria
realizado a mesma coisa.
Aluno: Lá no Jardim!

são lineares e não implicam em sofrimento moral, mas que sempre funcionariam, como acontece
nas outras espécies animais” [N.T.].
52
Conferir a criação do homem em Gn 1, 26-31 e Gn 2, 7-16 [N.T.].
53
Descritas em Gn 3, 16-24 [N.T.].
54
No sentido do conflito entre o homem e a natureza que há após o pecado original e não no
sentido do domínio que o homem possuía assim que foi criado (Gn 1, 28-30) [N.T.].

44
Professor: Sim. isso era uma possibilidade humana somente lá no
Jardim. Depois do Jardim já não era possível. O próprio Deus criou
condições que restringiam isso depois.
Aluno: E avisou55!
Professor: Avisou: agora você vai morrer. Mas originariamente era
assim. Primeiro Deus ofereceu ao homem o caminho mais fácil.
Aluno: Porque a criação foi perfeita!
Professor: Mas o homem não quis esse caminho. E Deus deu um
que foi um pouco mais difícil56.
[Aluno pergunta sobre essas possibilidades.]

RESUMO FINAL DA AULA

Professor: Vamos dizer o seguinte. Havia três maneiras de seguir


esse caminho de que Deus falou:
(1) A primeira era a possibilidade adâmica. O seu esforço de
redenção é esforço de entender. Porque entender já é uma modificação do
mundo. Você modificou uma parte do mundo: a sua alma. Precisava
somente disso.
(2) [Como o homem não quis], Deus ampliou seus deveres: “agora
você terá que lidar um pouco com a sua vontade, mas esse caminho é pior,
ele é mais difícil”.
(3) Mas se o ser humano não quiser nem mesmo isso, se ele não
quiser dar um sentido para a sua vida, não quiser realizar nada, basta
realizar os mandamentos. Mas a sua vida será uma “droga”, porque você
não realiza nada. Cumprir os mandamentos não é “fazer alguma coisa”,

55
Como se lê no trecho de Gn 3, 16-24, especialmente pela barreira que se colocou na entrada do
paraíso (Gn 1, 24) [N.T.].
56
Aquele indicado ao jovem rico [N.T.].

45
mas é não fazer algumas57. Suponha um sujeito que não é competente em
nada, mas que cumpra os seis mandamentos [de Mt 19, 18-19]. Suponha-
se vivendo essa vida: essa vida é horrível, é o caminho mais difícil.
[Aluno comenta sobre o pecado.]
Cometer algum pecado, mas dar algum sentido à vida é um
caminho mais positivo. Em última análise, sentar e entender a realidade
seria o caminho mais fácil de todos. Porque embora nas diversas
dimensões da vida humana, você tenha:
(1) A dimensão interior e contemplativa;
(2) A dimensão exterior e ativa,
Esta última inclui um componente contemplativo que é a veracidade
da causa. Por exemplo: se o meu talento é enriquecer, preciso construir
coisas que sejam efetivamente riquezas e, não, coisas sem nenhum valor.
Esse é o mínimo de contemplatividade que está incluído na própria
dimensão da ação.
E na dimensão da contemplação também há um elemento ativo.
Desde que você sente e não faça nada, você já está realizando alguma
coisa [na própria alma]. E esta [realização] tem o menor preço temporal.

CONCLUSÃO E EPÍLOGO

Na próxima aula, a gente fará um esquema de tudo isso. De como


se harmoniza essas duas dimensões nos diversos planos.
Aluno: É difícil.
Professor: A compreensão disso é difícil. Faremos essa distinção
[destas duas dimensões] e uma comparação [disso] com os talentos
fundamentais. Mostraremos como essas diversas dimensões se mostram
na realização dos diversos talentos.
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Os mandamentos são mais negativos do que positivos, até mesmo em suas formulações [N.T.].

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[Aluno pede para que o professor explique melhor, na próxima aula,
como acontece esses “preços temporais” após a realização dos talentos.]
Professor: O primeiro preço temporal que a gente paga é a própria
morte. Quando Deus criou Adão, ele avisou o que devia fazer para não
morrer [Gn 2, 16-17].
Aluno: Esse foi o esquema original.
Professor: Exatamente.
[Aluno pede bibliografia sobre o assunto e professor prometeu
indicar na próxima aula.]

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