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Hugo Mari
PUC Minas
1. Considerações gerais
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Texto para ser apresentado na Mesa-Redonda: A Abordagem Estrutural em Semântica, integrante da
programação do Simpósio Nacional Interdisciplinar - Estruturalismo: Memória e Repercussões, em 21-
03-95 e publicado originalmente em MARI, H. et al. Estruturalismo: Memória e Repercussões.Rio de Janeiro:
Diadorim, 1998, p. 65-78.
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Para comentar questões como estas, delimitarei três dimensões distintas que
pretendo avaliar no conjunto dos trabalhos que assumiu, numa circunstância histórica
específica, a denominação de Semântica Estrutural. Essa avaliação cobre, portanto: (a) a
base de sua fundamentação conceitual; (b) aspectos do desdobramento da sua prática de
análise empírica; (c) as repercussões de seus postulados básicos na compreensão corrente
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Reporto-me aqui, especialmente, a duas obras de Greimas, autor que representa, no meu entendimento, um
dos formuladores mais importantes de uma Semântica Estrutural. (GREIMAS, A.J. Semântica Estrutural,
pesquisa e método. São Paulo: Cultrix, 1973. e GREIMAS, A.J. Sobre o Sentido. Petrópolis: Vozes, 1972.).
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de fatos de sentido. Nem sempre, entretanto, será possível (e econômico) isolar cada uma
dessas etapas,
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Penso que os parâmetros que definem a estrutura original deste Projeto estão colocados, sobretudo, nos
primeiros capítulos de GREIMAS(1973) op. cit.
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Não pretendo desenvolver aqui uma genealogia do Estruturalismo, isso é uma tarefa
muito mais ampla; estou apenas buscando recuperar, com alguma dimensão história, uma
categoria que foi fundamental para todo o pensamento estruturalista e da qual também se
derivou toda a reflexão sobre o sentido . Assim, se a Renascença inaugurou essa reflexão
pela diferença, foi, certamente, o Estruturalismo quem lhe concebeu o estatuto epistêmico
mais preciso. Se em muitas circunstâncias a reflexão analítica se fez por um apelo à
diferença, mas sustentada apenas pela intuição, o Estruturalismo vai tornar muito mais
exigente essa forma de apelo: não basta só a intuição, é preciso disciplinar, no formato de
uma metalinguagem, o modo pelo qual a diferença opera. Esse fato, no meu entendimento,
expressa o maior dilema do Estruturalismo e, por isso mesmo, toda a base de sustentação do
seu edifício. Como reduzir a multiplicidade fenomênica da diferença entre os objetos, que é
infinita, para um sistema finito de relações que seja capaz de expressá-la? Em outras
palavras, se grande parte do conhecimento moderno foi construído a partir de uma
dimensão ontológica da diferença, como transformá-la numa diferença formal, que seja
adequada aos padrões de conhecimento fomentados a partir do Positivismo Lógico ?
Ao buscar determinar procedimentos que possam representar um avanço na questão
levantada, o autor começa por apontar as bases que, por necessidade, devem fundar a
análise da significação. Para se formular um modelo de racionalidade do significado, é
preciso antes equacionar questões que figuram na sua sustentação. A relação entre
percepção e significação é o ponto de partida do autor:
Assim, situar a percepção como o ponto de partida para alcance da significação parece ter
sido um dos aspectos essenciais para a construção desse modelo. Como, entretanto, domar
essa percepção, dar a ela um rigor formal na metalinguagem ? Que exigências devemos
fazer para que ela seja, de fato, esse liame necessário, a expressão de uma causalidade dos
fatos de sentido ? Mais à frente, o próprio autor completa esse raciocínio, destacando o
papel que caberia à Semântica:
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FOUCAULT, M. Prosa do Mundo. In: As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes....
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Se esta base conceitual ainda se torna genérica pelo teor das categorias que foram postas em
confronto, quando define a primeira noção de estrutura, o autor tornará mais específico o
que pode ser considerado como condições necessárias para a significação. Vejamos, pois,
como o autor articula estas condições:
Agora temos, então, alguns elementos que nos permitem compreender, de modo mais
específico, o alcance da percepção. Colocada diante de categorias, onde as operações
lingüísticas se tornam menos obscuras, ela começa a ser operacionalizada pelo conceito de
diferença que, por sua vez, requer, ao menos, a presença de dois objetos. Assim, entre dois
pólos percepção, origem do processo, e significação, sua resultante, operam
procedimentos de análise dos signos-objetos, no estilo estruturalista padrão, isto é, a busca
de relações, mediadas pela diferença.
Inicialmente, podemos dizer que medir implicou considerar que o significado não
era uma totalidade indecomponível (como vimos acima para [estado de umidade do solo]) e
que, portanto, poderia, e do ponto de vista da construção da Teoria deveria, ser lhe
assegurada a forma de um construto teórico, estruturado a partir de uma certa quantidade
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Na seqüência do texto, Greimas aponta disjunção e conjunção, como relações padrões, regulativas da
aplicação da diferença.
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Cf. Greimas (1973) op. cit. p. 28 e ss.
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(variável, mas finita) de semas, que fosse capaz de suprir duas funções básicas, isto é: (a)
definir, na extensão do conjunto universal, as condições de pertinência de um dado signo-
objeto em um dado conjunto particular; ou (b) definir, no interior de um dado domínio
particular, o lugar específico de um signo-objeto. Aqui, então saltamos daquilo que
representa uma condição primeira de caracterização de um complexo de significação, os
semas, para algo que representa duas dimensões específicas a serem viabilizadas através de
combinações possíveis de semas. Podemos dizer que o sema constitui uma primeira escala
de medição do significado, já que a sua função primeira é demonstrar possibilidades de
recorte de uma totalidade provisória. Se é viável, nos padrões da Semântica Estrutural,
atribuir, apesar das dificuldades que são muitas, ao sema um valor operacional na
construção metalingüística do significado, então descartam-se quaisquer hipóteses que
venham fixar o sentido como totalidade.
Passemos, pois, à primeira das duas funções que foram lembradas acima - definir as
condições de pertinência a um dado domínio. A reunião de semas que cobre essa função foi
definida como classema que, antes de representar mera configuração de semas genéricos,
define, no fundo, as condições de pertinência a um dado domínio. O classema, então, não
opera no interior de um domínio, mas apenas fixa condições que devam ser atingidas para o
(re)membramento de elementos-signos. A dimensão que estou assumindo para esse
conceito, nem sempre especificada na Teoria, lembra hoje os critérios iniciais que são
estabelecidos para categorização, como condição primeira para conhecimento de um signo-
objeto. De modo mais específico, conhecer um objeto é ser capaz de categorizá-lo e
categorizar um objeto e ser capaz de definir-lhe um domínio possível de inclusão. Essa
função, lógico-operacional, que podemos estender ao classema, é responsável pelo alcance
primeiro que pode ser atribuído ao princípio do cálculo. Logo, calcular o significado de um
signo-objeto, nessa perspectiva, representa decidir, em razões de critérios formais, a que
domínio um tal signo pertence. Em resumo, pode-se falar aqui de um cálculo, na medida
em que a decisão é tomada, considerando-se a compatibilidade entre a matriz de semas que
define o elemento (que ainda não é um membro) e as condições que definem a pertinência
num conjunto qualquer.
Vejamos agora a segunda função que foi especificada acima: definir, no interior de
um dado conjunto, o lugar específico de um determinado membro. Trata-se, certamente, de
uma tarefa muito mais complexa de ser decidida, principalmente, quando o interior de um
conjunto já não é mais constituído de sub-conjuntos com fronteiras muito nítidas. Uma
tarefa dessa natureza atribuiríamos ao semema que, antes mesmo de representar apenas um
feixe de semas específicos, constitui um critério de determinação do lugar de um membro
num dado conjunto. Penso ser essa uma tarefa mais onerosa no caminho da Semântica
Estrutural, a de construção do semema, da qual certamente decorrem os maiores problemas
com análises que foram desenvolvidas e para as quais não temos ainda soluções
disponíveis. O que representam as dificuldades associadas ao semema?
Mas as razões teóricas que podem ser mostradas em torno das dificuldades no trato
com o semema decorrem de uma deficiência séria na construção das categorias
metalingüisticas da Semântica Estrutural. A ausência de um quadro teórico, representativo
do conjunto de categorias, transforma os procedimentos de construção do semema como
absolutamente ad hoc, pois não há qualquer critério fixo que determine: (a) um quadro
geral de categorias, a partir do qual possamos derivar e fundamentar as aplicações do
semema; (b) um critério de determinação do limite de semas e (c) um perfil de orientação
para a formulação dos semas componentes8.
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Na Filosofia Analítica Norte-Americana, principalmente autores como Kripke e Putnam criticaram
abertamente esse tipo de procedimento de análise, chegando a afirmar que espécies naturais não possuem
definições analíticas.
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Destaco essas dificuldades aqui, associando-as ao semema, mas é claro que a crítica vale também para o
classema.
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Penso que a maior dificuldade aqui posta diz respeito ao manuseio de certos
instrumentos de análise que a Teoria propiciou, sem demarcar um certo grau de sua
operacionalidade. Por exemplo, a busca da diferença na tentativa de fixação do semema,
como já o vimos, levou a análise a certos exageros descritivos e acabou por ser pouco
produtiva. como instrumento de revisão da Teoria. Fez-se muita coisa, em termos de
análise empírica, mas elas, no conjunto, não foram corretivas para aspectos da Teoria que
precisavam ser ajustados. O defeito aqui decorre também da inexistência de um quadro
preliminar de categorias que pudessem funcionar nessa análise. Muitas vezes, não se tratou
de pôr à prova uma Teoria em construção (pelo menos não é possível percebê-lo em várias
circunstâncias), mas antes permitiu-se que cada um justificasse sua análise de forma
improvisada, ad hoc e voluntarista. Quando agimos assim, estamos de novo abrindo o
território para o domínio de uma intuição sobre a qual não conseguimos fazer com que os
nossos instrumentos de análise sejam capazes de operar.
6. Conclusão
Diante dos fatos lembrados ao longo desse texto, poderíamos, portanto, assegurar
que o Estruturalismo, no tocante às questões semânticas, ao contrário do que possa parecer
para muitos, foi, a seu tempo, uma forma de pensamento bastante refinada, o que, em
momento algum, deva ser assumido como garantia de aplicação adequada dos seus
princípios de análise. As distorções existiram e em escala, muitas vezes, significativa. Na
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