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A compreensão do desenvolvimento adulto e do enve- Grande parte dos estudos sobre o desenvolvimento adulto
lhecimento demanda esforços concentrados, se desejarmos tem-se apoiado na perspectiva teórica do desenvolvimento
identificar as mudanças e as transformações vivenciadas de curso de vida, proposta por Baltes, Reese e Lipsitt (1980).
por esta faixa etária e possibilitar, assim, a ampliação da Esta abordagem difere da psicologia clássica do desenvol-
capacidade de planejamento de políticas públicas de aten- vimento, que supõe o término do desenvolvimento com o
ção ao idoso (Anzola-Perez, 1985). Nesse contexto, espe- findar da adolescência. Sendo o desenvolvimento um pro-
ra-se que a psicologia forneça informações sobre o curso, cesso multidirecional e multifuncional, influenciado pelo
as condições e as variações da vida adulta, bem como so- contexto histórico, abrangendo todo o curso de vida, ocor-
bre os indicadores de uma velhice bem sucedida (Baltes, re um constante equilíbrio entre ganhos e perdas, que re-
1995). sulta numa variabilidade intra-individual e em plasticidade
Embora psicólogos venham realizando estudos sobre o individual (Baltes, 1987).
envelhecimento há algum tempo, a área esteve mais volta- À procura de um modelo teórico de envelhecimento bem
da para a infância, como conseqüência do predomínio da sucedido, Baltes (1991) sugere que: (1) o curso do desen-
idéia de que a vida adulta constitui um período de estabili- volvimento apresenta variabilidade individual; (2) existem
dade (Neri, 1995; Stevens-Long, 1979). diferenças importantes entre envelhecimento normal, óti-
mo e patológico; (3) durante o envelhecimento fica res-
guardado o potencial de desenvolvimento; (4) os prejuízos
1 Este estudo fundamenta-se na dissertação de mestrado da primeira deste período podem ser minimizados pela ativação das
autora, defendida no Instituto de Psicologia, UnB, em maio de 1998, capacidades de reserva para o desenvolvimento; (5) as per-
sob orientação da segunda autora. O trabalho contou com o apoio do
CNPq em forma de bolsa para a primeira autora. das cognitivas podem ser compensadas por ganhos no do-
2 Endereço: Quadra 09, Conjunto A Casa 11, Sobradinho, DF; CEP: mínio da inteligência prática; (6) com o envelhecimento, o
73.035-091. E-mail: iolete@zaz.com.br. equilíbrio entre ganhos e perdas torna-se menos positivo;
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I. R. Silva e I. A. Günther
(7) os mecanismos de auto-regulação da personalidade refletem tarefas evolutivas que as pessoas desempenham
mantêm-se intactos em idade avançada. (Baltes, 1998). Segundo Neri (1991), as preferências indi-
O envelhecimento bem sucedido é visto como um pro- viduais, as expectativas quanto ao futuro, as realizações e
cesso geral de adaptação descrito como otimização seleti- as metas são indicativas das tarefas evolutivas.
va com compensação (Baltes, 1991). Depreende-se, então, Havighurst (1953) afirma que o indivíduo deve desem-
que com a crescente limitação imposta pela natureza bio- penhar certas tarefas evolutivas, para se desenvolver ade-
lógica e no intuito de aumentar suas potencialidades, a ta- quadamente. Tais tarefas são enfrentadas de maneira dife-
refa adaptativa do idoso consiste em selecionar metas e rente, devido aos diferentes valores, maturação física, ex-
objetivos mais importantes, otimizar recursos e compensar pectativas sociais, oportunidades, preferências, competên-
perdas. Na tentativa de compreender como se dá esse pro- cias e recursos (Baltes & Silveberg, 1995).
cesso de adaptação e ajustamento ao envelhecimento, em Recorrendo à teoria de Erikson (1950), encontram-se
termos de recursos, limites e demandas sociais, foi desen- dois conceitos: a) geratividade como tarefa evolutiva de
volvido este estudo sobre os papéis sociais na perspectiva adultos; b) integridade do ego como tarefa evolutiva espe-
do desenvolvimento adulto. cífica de idosos. Geratividade significa contribuir para ge-
rações futuras por meio da produção não só de aspectos
Desenvolvimento adulto – tarefas evolutivas e papéis materiais, mas também do cuidado e da manutenção de
sociais outros seres. Integridade do ego é a adaptação a triunfos e
desilusões inerentes à condição de criador de outros seres
O crescimento da população idosa é um fenômeno mun- humanos e gerador de produtos e idéias. É ter, em suma,
dial. No Brasil, devido às inúmeras discrepâncias e profun- dignidade, sabedoria, aceitação do modo de vida, senso de
das desigualdades regionais, o envelhecimento é heterogê- completude e unidade.
neo, sendo afetado por características de migração, morta- Para alcançar a integridade do “ego” é importante que o
lidade, condições de vida, gênero, escolaridade e estado idoso possa fazer uma revisão de sua vida para dar-lhe sen-
civil (Berquó, 1996). tido e reorganizar criativa e positivamente sua personalida-
Objetivando proteger esse crescente número de idosos, de (Stevens-Long, 1979). Neste sentido, as tarefas evolutivas
diversas leis têm sido aprovadas. Na realidade, tais leis con- da velhice são formas de organização da vida que possibi-
firmam a manutenção da imagem do bom velhinho, tran- litam até a aceitação da morte (Fitch, 1985). Um ambiente
qüilo e tolerante. De fato, os idosos continuam despojados agressivo, assuntos familiares não resolvidos, ausência de
de autoridade real vez que “... a velhice não pode ser redu- cuidadores adequados podem dificultar este processo.
zida ao universo da proteção social... “ (Haddad, 1993, p. Segundo Lazaeta (1994), durante o envelhecimento, os
13) e, em vez de pretensos privilégios especiais, os idosos principais fatores de influência da sociedade sobre o indiví-
deveriam ter condições para viver dignamente. duo são a resposta social ao declínio biológico, o afastamen-
Em relação às mudanças biológicas, ainda não possuí- to do trabalho, a mudança da identidade social, a desvalo-
mos respostas a todas as indagações de como e por que rização social da velhice e a falta de definição sociocultu-
envelhecemos. As pesquisas têm demonstrado, entretanto, ral de atividades em que o idoso possa perceber-se útil e
que as mudanças biológicas não devem ser encaradas como alcançar reconhecimento social. A vida do idoso é, portanto,
doenças. Hábitos de vida, condições de moradia, emprego dominada por um alto nível de estresse, devido às expectati-
e saúde interferem na qualidade de vida e geram um perfil vas e obrigações formalizadas.
diferenciado de envelhecimento. A motivação, a educação Nesse contexto Kahn e Antonucci (1979) ressaltam a
e a cultura favorecem os processos cognitivos, motores, importância das atividades que são esperadas de uma pessoa
sensoriais e intelectuais. Ocorre, também, a diminuição do para entender as mudanças que ocorrem no curso de vida,
potencial biológico e o aumento da necessidade de utiliza- vez que estão ocupando determinada posição no espaço so-
ção dos recursos psicológicos, sociais e materiais ofereci- cial. Essas posições, definidas como papéis sociais, são in-
dos pela cultura, para compensar tais perdas (Baltes, 1997). fluenciadas pelo que se espera de uma pessoa e pelo que a
Embora o envelhecimento seja acompanhado de uma própria pessoa espera de si mesma. Tais papéis sociais apre-
série de adversidades, a pior delas é o despojamento social. sentam propriedades positivas ao favorecerem oportunida-
Ser idoso, na nossa sociedade é sobreviver sem projeto e se des de aquisição e uso de habilidades. Apresentam proprieda-
submeter às burocracias das instituições. É preciso que o des negativas ao gerarem tensões, conflitos e ambigüidades.
indivíduo tenha projetos que não envelheçam, é preciso Embora uma pessoa possa ocupar diversos papéis ao
sedimentar uma cultura positiva da velhice “com interes- longo do curso de vida, alguns papéis estão explicitamente
ses, trabalhos, responsabilidades que tornem sua sobrevi- relacionados à idade, principalmente quanto à hierarquia.
vência digna” (Bosi, 1994, p. 81). Os papéis também provêem oportunidade de acesso a luga-
Neste sentido, a teoria de curso de vida enfatiza a im- res, pessoas e atividades. Dessa forma, a experiência do
portância da seleção de prioridades de vida para uma envelhecimento envolve necessariamente mudança de pa-
regulação efetiva dos processos desenvolvimentais. Essas péis (Kahn & Antonucci, 1979).
prioridades e os investimentos pessoais não são arbitrários, Se não há uma adaptação ajustada às demandas, o en-
pois envolvem concepções subjetivas de curso de vida e velhecimento pode ser vivenciado com alto nível de estresse,
Objetivos
trabalhando; (c) mais homens que mulheres informaram Quanto às atividades sociais das quais participam, a
que passam o dia bem (r = 0,355). análise das correlações indicaram que à medida que a ida-
A expectativa de que o futuro está nas mãos de Deus de aumenta (r = 0,207), aumenta a participação em ativi-
apresentou correlação significativa com preocupação finan- dades sociais, e que a atividade social predominante é a
ceira (r = 0,292) e com passar o dia trabalhando (r = 0,247). atividade religiosa (r = 0,751). Entre os respondentes que
participam de atividades sociais encontramos mais pessoas
Papéis Sociais. que mudaram para ficar com a família (r = 0,208), que não
se referiram a mudanças na aparência como sinal do enve-
A análise das variáveis demográficas indicou que: (a) mais lhecimento (r = -0,215) e que vivem esperando o dia pas-
homens trabalham (r = 0,276), mais homens estão casados sar (r = -0,296). A análise da variável atividade religiosa
(r = 0,304) e menos homens estão viúvos (r = -0,306); (b) à indicou que: (a) as mulheres (r = -0,220) e os mais idosos
medida que a idade aumenta, diminui o número de pessoas (r = 0,221) participam mais de atividades religiosas; (b) as
que freqüentaram a escola (r = -0,323); (c) menos viúvos pessoas que participam de atividades religiosas apontaram
trabalham (r = -0,214); (d) à medida que a idade aumenta, as enfermidades como sinal de que as pessoas estão enve-
diminui o número de pessoas que trabalham (r = -0,294). lhecendo (r = 0,207) e não se referiram a viver esperando o
Em relação a procedência, foi encontrada correlação dia passar (r = -0,284).
significativa indicando que entre os que moravam no local A análise das variáveis ligadas às atividades que os
da pesquisa havia maior número de pessoas que freqüenta- respondentes mais gostam de desenvolver indicaram que:
ram a escola (r = 0,234) e menos pessoas que se referiram (a) mais mulheres (r = -0,252) e mais viúvas (r = 0,221)
à realização pessoal (r = -0,222). referem gostar de atividades domésticas; (b) os respondentes
Em relação à moradia atual, foram encontradas correla- casados (r = 0,231) e os que não se referiram aos proble-
ções significativas indicando que: (a) quanto maior a ida- mas de saúde (r = -0,283) gostam mais de trabalhar; (c) as
de, menor o tempo de residência (r = -0,246); (b) as pesso- pessoas que indicaram conformar-se com tudo, são idosas-
as que moram há mais tempo no local informaram passar o idosas (r = 0,219), não freqüentaram a escola (r = -0,250),
dia trabalhando (r = 0,292). preocupam-se mais com a saúde (r = 0,293), vieram para o
Dentre os motivos de mudança para a atual moradia en- local para ficar com a família (r = 0,408) e imaginam que,
controu-se correlação significativa indicando que as pesso- no futuro, poderão alcançar satisfação em relação à vida
as que vieram ficar com a família têm mais idade (r = 0,292), pessoal, familiar e financeira (r = 0,226).
não freqüentaram a escola (r = -0,263), vieram de outros Dentre as atividades que menos gostam de desenvolver,
estados (r = -0,339), indicaram sentir-se realizados em re- os adultos apontaram que não gostam das atividades do-
lação à família (r = 0,275) e referiram não passar o dia bem mésticas (r = -0,267). A variável não gostar de depender
(r = -0,248). Foi encontrada correlação significativa indi- dos outros apresentou correlação significativa com escola-
cando que as pessoas que se mudaram porque ganharam ridade (r = 0,214), com sinais psicossociais negativos do
lote, têm menos idade (r = -0,275), freqüentaram a escola envelhecimento (r = 0,334) e com visão negativa da velhi-
(r = 0,315), já moravam no local onde se realizou a pesqui- ce (r = 0,224).
sa (r = 0,436) e indicaram sentir-se realizados em relação A análise da variável ter amigos indicou que os viúvos
aos bens materiais que conseguiram adquirir (r = 0,262). possuem mais amigos (r = 0,213) e que as pessoas que
Em relação à saúde, observou-se que a maioria dos mais se preocupam com a família têm menos amigos (r = -
respondentes que referem problemas são do sexo masculi- 0,242). Os respondentes que indicaram que quando preci-
no (r = -0,229). Entre os que apresentam problemas de saúde sam conversar contam com amigos e vizinhos se referiram
encontramos mais pessoas que afirmaram estar envelhecen- mais a estarem ansiosos em relação ao futuro, preocupan-
do (r = 0,227), menos pessoas que se referiram à realiza- do-se com doenças, dependência e morte (r = 0,223). Os
ção profissional (r = -0,203) e menos pessoas que já mora- respondentes que informaram contar com a família para
vam no local da pesquisa (r = -0,205). conversar indicaram que não são ajudados por outras pes-
Em relação aos arranjos de moradia foram encontradas soas (r = -0,229), referiram-se mais a viver cuidando de
correlações significativas indicando que: (a) a maioria de casa e da família (r = 0,205) e não se referiram à realização
mulheres (r = -0,410), viúvos (r = 0,406), separados (r = profissional (r = -0,234).
0,379), e pessoas que se queixaram de doenças do aparelho Em relação ao suporte social observou-se que as pesso-
circulatório (r = 0,239) moram com filhos e netos; (b) a as que mais recebem pedidos de ajuda freqüentaram a es-
maioria das pessoas que mora com o cônjuge e outros fa- cola (r = 0,266), têm mais tempo de moradia no local atual
miliares são homens (r = 0,413), trabalham (r = 0,268) e se de residência (r = 0,257), apontaram uma visão negativa
preocupam mais com a situação financeira (r = 0,218); (c) do envelhecimento (r = 0,204), não indicaram ser confor-
os respondentes que moram sozinhos são geralmente sol- mados com tudo (r = -0,207) e têm mais preocupações fi-
teiros (r = 0,366), indicaram sentimento de realização pro- nanceiras (r = 0,225). Os respondentes que recebem ajuda
fissional (r = 0,230), referiram uma visão negativa da ve- de outras pessoas freqüentaram a escola (r = 0,300), são
lhice (r = 0,253), preocupação com a saúde (r = 0,325) e adultos (r = -0,312), não referiram ser conformadas com
gostam de atividades de lazer (r = 0,219). tudo (r = -0,238), quando precisam conversar contam com
a família (r = -0,229) e também recebem pedidos de ajuda esses critérios definem uma situação social, ocorre, conse-
(r = 0,257). quentemente, uma perda de status.
Foram observadas também algumas diferenças entre os O nível mais alto de escolaridade também contribuiu
idosos-jovens (60 a 69 anos) e idosos-idosos (70 anos aci- para uma visão negativa da velhice, sugerindo que a escola
ma), conforme mostra a Tabela II: (a) os idosos-jovens pos- reforçou os estereótipos sociais da velhice que direcionam
suem famílias menores (r = -0,298), não moram com seus o comportamento pessoal e as escolhas pelo curso de vida
cônjuges (r = -0,226) e participam de atividades sociais (r (Durkin, 1995). A predominância da visão negativa ainda
= 0,226), principalmente as mulheres religiosas (r = 0,320); pode estar ligada à maneira como os próprios respondentes
(b) os idosos-idosos não freqüentaram a escola (r = -0,249), se vêem (Durkin, 1995) e às atitudes negativas que a socie-
não estão trabalhando atualmente (r = -0,226), moram há dade tem em relação aos idosos. Segundo Neri (1991), es-
menos tempo no local da pesquisa (r = -0,214), vieram de sas atitudes podem ser reflexo dos sentimentos negativos
outros estados (r = -0,217), moram com a família (r = em relação ao baixo status sócio-econômico, problemas de
0,344), gostam de atividades domésticas (r = 0,269) e são saúde e solidão, freqüentemente associados à velhice. Des-
conformados com tudo (r = 0,313 ). sa forma, expectativas sociais e valores culturais influenci-
am na realização das tarefas evolutivas dos adultos e, no
Discussão presente estudo, parecem contribuir para a manutenção de
uma visão negativa da velhice .
Tarefas evolutivas Apesar das expectativas sociais tenderem a uniformizar
as condições de vida dos idosos de uma mesma classe soci-
Os dados deste estudo demonstraram que o envelheci- al, por meio da manutenção de estereótipos negativos, isto
mento é visto como um evento de vida negativo associado não significa que esses respondentes não possam alcançar
a doenças, contrastando com expectativas sociais e valores um ajustamento satisfatório. Recorrendo a uma das propo-
culturais que priorizam beleza e produtividade. Neste sen- sições de Baltes (1991) para o envelhecimento bem sucedi-
tido, Jacson (citado por Durkin, 1995) afirma que quando do, esses indivíduos possuem capacidades de reservas que,
uma pessoa se aposenta diminui sua autoridade, seu papel se ativadas, podem ajudar a responder aos estereótipos da
econômico se torna menos claro, sua renda diminui; como velhice por processos de auto-regulação da personalidade
que propiciem sensação de auto-estima positiva e de satis- de inserção social e condições de sobrevivência.
fação pessoal.
Ao se referirem à família, os respondentes idosos-ido- Papéis Sociais
sos e idosos-jovens indicaram satisfação por terem consti-
tuído uma família e criado os filhos. Essas referências são Os achados do presente estudo corroboram estudos an-
indicativas da resolução do conflito geratividade x estag- teriores (Anzola-Perez, Wallace, Restrepo & Colsher, 1993;
nação. Embora Erikson (1950) tenha apontado a gerativi- Berquó, 1996; Veras, 1994): à medida que a idade aumen-
dade como a tarefa evolutiva mais importante na meia ida- ta, o nível de escolaridade diminui. Segundo Veras (1994),
de, também sugeriu que, em princípio, estas tarefas estão isto se deve ao fato de que no começo deste século a educa-
presentes em todas as fases da vida (Baltes, 1998). ção era restrita a uma elite social, sendo mais comum entre
As preocupações manifestadas pelos respondentes con- homens que entre as mulheres.
firmam que a família é a preocupação primeira, em todas Os arranjos de moradia foram influenciados por estado
as faixas etárias estudadas Observa-se a manifestação de civil, idade e gênero. Os dados indicam que os homens,
geratividade quando das referências à profissão como a prin- independente da faixa etária, moram com esposas e filhos;
cipal fonte de realização e à situação financeira como uma as mulheres adultas moram com seus cônjuges e filhos; e
preocupação atual importante. Para os respondentes, a pro- as mulheres idosas-jovens e idosas-idosas moram com fi-
dução de bens e produtos pelo trabalho assegura a possibi- lhos, netos e genro/nora.
lidade de ajudar o outro, bem como o reconhecimento so- Estes dados também estão de acordo com os motivos de
cial. Essa idéia é reforçada pela afirmação de Neri (1991) mudança para a atual moradia, pois os adultos moram há
de que “geração e criação de filhos, inserção no mercado mais tempo no assentamento e abrigam os idosos, que an-
de trabalho e na vida social, responsabilidade pela trans- teriormente moravam em outros estados. Esses dados estão
missão de modelos e valores às novas gerações” (p. 90) são de acordo com estudos realizados por Sant’Anna (1997),
importantes para que o adulto possa se reconhecer e ser que apresentam a mesma tendência.
reconhecido como maduro. Segundo Veras (1994), a maioria dos países latino-ame-
A forma como os respondentes encaram o cotidiano é ricanos vivencia uma migração generalizada para as gran-
influenciada, também, por valores culturais que ressaltam des cidades. As pessoas saem do campo em busca de vida
a importância da produtividade e por questões de gênero melhor. Neste estudo pôde-se observar que a situação fi-
que estabelecem os papéis femininos e masculinos. nanceira parece ter sido o principal motivo da mudança.
Apesar da expectativa de que o futuro seja bom, a maio- Pôde-se notar, também, que o fato de morar na região geo-
ria dos respondentes não planeja essa conquista, espera que gráfica à época da mudança para o assentamento, favore-
ela aconteça. Lazaeta (1994) propõe que a maioria dos in- ceu as condições de vida dos respondentes em termos de
divíduos enfrente a velhice com resignação, conformando- saúde, trabalho, acesso à escola e rede de suporte social.
se com tudo que lhes acontece e sentindo que nada podem A maioria dos respondentes adultos e do sexo masculi-
fazer para mudar a maneira como vivem. Dessa forma, pode- no está trabalhando, indicando que os idosos-jovens e ido-
se concluir que não há um nível adequado de mobilização, sos-idosos, em geral dependem financeiramente dos fami-
no sentido de utilizar estratégias de compensação e otimiza- liares. A ocupação que os respondentes deste estudo exer-
ção para conquistar um desenvolvimento satisfatório. cem ou exerceram se agrupam principalmente no ramo da
Alguns respondentes demonstraram ansiedade em rela- prestação de serviços pessoais, revelando que muitos em-
ção ao futuro, manifestando medo da morte, medo de ado- pregos são informais e sem carteira assinada. Em decorrên-
ecer e ficar dependentes, indicando uma falha na resolução cia disso, um número irrelevante de respondentes, oito, está
do conflito entre a integridade do ego e o desespero, tal aposentado.
qual a proposição de Erikson (1950). Muito embora se des- Em pesquisa realizada por Veras (1994) no Rio de Ja-
taque a importância da integridade do ego para redefinição neiro, as mulheres foram as que mais se queixaram de pro-
da identidade e engajamento em novos papéis, de acordo blemas de saúde. Esse dado, entretanto, não indica que as
com Neri (1991) a sociedade não valoriza o esforço que o mulheres adoeçam mais que os homens. De modo geral, as
indivíduo empreende para realizar esta tarefa. Este é um mulheres têm mais consciência dos sintomas, melhor co-
fator preocupante vez que, segundo Erikson (1950), a reso- nhecimento das doenças e procuram mais os serviços de
lução do conflito integridade do ego versus desespero é de saúde (Garda & Rezende, 1998, 22 de fevereiro).
vital importância para o desenvolvimento da confiança em Os problemas de saúde mais citados foram os circulató-
si próprio e da capacidade de assegurar confiança às gera- rios, principalmente a hipertensão. Dados do Ministério da
ções mais jovens, à medida que as gerações se revezam e se Saúde (1995) apontam que as doenças do aparelho circula-
enriquecem. tório ocupam o primeiro lugar entre as causas de morte no
Estas tarefas evolutivas indicam que os objetivos de vida país, sendo responsáveis por 37% das mortes de pessoas
selecionados pelos respondentes como os mais importan- com mais de 50 anos.
tes apontam que o envelhecimento, enquanto processo de Um grande número de respondentes deste estudo não
adaptação, é influenciado pelos recursos que esses indiví- desenvolve nenhuma atividade social. Os respondentes ido-
duos possuem, em termos de percepção das possibilidades sos-jovens participam mais de atividades sociais que os ido-
sos-idosos. Essas atividades se restringem às atividades re- falassem. Em muitas ocasiões os idosos não são reforçados
ligiosas, desenvolvidas principalmente pelas mulheres mais sequer a dar informações, quanto mais a decidir o que que-
idosas e pelas viúvas. rem, ou não querem, para suas vidas. Alguns respondentes
As atividades que os respondentes desempenham são chegaram a declarar que possuem dificuldade de expressar
definidas por questões de gênero, ou seja, as ocupações de seus desejos à frente dos filhos, que querem tomar decisões
homens e mulheres são influenciadas pelo que a cultura sobre suas vidas. Isto confirma o despojamento social de
define como mais adequado e aceitável. Assim, as mulhe- que fala Bosi (1994) e a tolerância forçada a que são sub-
res referem gostar mais das atividades domésticas, princi- metidos no convívio social.
palmente as viúvas, e os homens gostam mais de trabalhar
fora de casa. Considerações finais
Em relação ao suporte social foi observada uma influ-
ência da variável idade na quantidade de respondentes que O grupo de respondentes deste estudo é heterogêneo e,
recebem ajuda e que oferecem ajuda a outras pessoas. O apesar de a maioria informar que apresenta algum proble-
fato de que quanto maior a idade, menos respondentes re- ma de saúde, não se observou comprometimento de auto-
cebem pedidos de ajuda de outras pessoas, sugere que a nomia, sendo os respondentes capazes de exercer ativida-
visão que a comunidade tem dos idosos está associada à des próprias à sua idade. Entretanto, poucos respondentes
improdutividade e passividade. Quem mais ajuda também participam de atividades sociais, restringindo-se às ativi-
é mais ajudado, portanto, a rede de suporte social dos adul- dades religiosas e às produtivas.
tos é maior. Constatou-se também que os respondentes que Além disso, o acesso aos serviços de saúde e a outros
possuem uma rede de relações maiores também possuem serviços de apoio que possam facilitar a vida dos idosos é
uma escolaridade maior, recebendo mais pedidos de ajuda restrito. Considerando que para compensar as perdas de-
e sendo, também mais ajudados. correntes da diminuição do potencial biológico é impor-
Os dados confirmaram, ainda, que os viúvos têm mais tante que o idoso tenha acesso a serviços de qualidade para
amigos. Estudos realizados por Pretowsky (1976) e Roberto favorecer um envelhecimento bem sucedido, faz-se neces-
e Scott (1984) corroboram o dado de que viúvos apresen- sário que políticas governamentais tornem possível essa as-
tam maior freqüência de interações com amigos do que os sistência.
casados. Considerando também que, segundo Baltes (1997), à
Observamos que todos os respondentes oferecem ou medida que envelhece o indivíduo tem maior necessidade
recebem diversos tipos de suporte social. Dentre eles, os da cultura para compensar perdas e, principalmente, que a
mais citados foram: ajuda financeira ou material, auxílio educação pode oferecer instrumentos para otimizar, com-
nos serviços domésticos, ajuda afetiva ou espiritual, com- pensar e estimular o desenvolvimento e a aquisição de no-
panhia e transporte. Lund (citado por Durkin, 1995), res- vas habilidades e recursos, podemos dizer que a falta de
salta a importância desse suporte social para propiciar um escolarização traz grande prejuízo para o desenvolvimento
contexto mais favorável para a solução de problemas. dessas pessoas. A escolarização favorece a situação econô-
Os respondentes informaram que ajudam mais aos ami- mica e fornece recursos para que o indivíduo possa prepa-
gos, vizinhos e familiares. De acordo com Ayéndez (1994), rar-se melhor para envelhecer e compensar as perdas de-
a dedicação a amigos e vizinhos é motivada por laços afe- correntes do processo. É imprescindível que políticas de
tivos e obrigações. Segundo Goldstein (1995), esse suporte educação sejam implementadas para beneficiar os adultos
favorece o aumento do bem-estar subjetivo. que não tiveram acesso à escola e para evitar que outras
Segundo Durkin (1995), a família é o pivô da existência pessoas fiquem na mesma situação, no futuro.
social do indivíduo, e o ajustamento social na velhice está Ficou evidente que além das variáveis demográficas, as
estreitamente ligado ao envolvimento social com a família. variáveis relacionadas à procedência e à moradia atual in-
Mais da metade dos sujeitos informaram contar com a fa- fluenciam papéis sociais e tarefas evolutivas, por definirem
mília para conversar – em primeiro lugar com os filhos –, o condições de vida que favorecem ou limitam o acesso aos
que confirma resultados de outros estudos sobre suporte recursos necessários para um envelhecimento bem sucedi-
social na velhice (Baltes & Silveberg, 1995). do. No dizer de Neri (1993), a “promoção da boa qualidade
Observamos que de maneira geral os respondentes, de de vida na idade madura excede os limites da responsabili-
todas as faixas etárias, se mostraram satisfeitos com seus dade pessoal e deve ser vista como um empreendimento de
relacionamentos. Assim sendo, podemos dizer que esses caráter sociocultural” (p.9). Se não forem promovidas mo-
dados em relação ao suporte social indicam que os idosos dificações na estrutura social, dificilmente serão elimina-
não se isolam, mas continuam a manter uma rede de ami- dos as dificuldades e os sofrimentos desse estrato da popu-
gos, alguns mais restritos à família que outros, confirman- lação.
do as proposições de Datan, Rodheaver & Hughes, (1987). Associado a tais fatores, Neri (1993) chama atenção para
A avaliação dos resultados suscitou algumas considera- o fato de que a manutenção de uma sensação positiva da
ções que devem ser observadas em estudos futuros. A pri- personalidade, a consideração de novas metas – quando as
meira delas se refere às interferências de terceiros que, du- já estabelecidas não podem ser alcançadas –, a flexibilida-
rante as entrevistas, respondiam antes que os entrevistados de ante as condições de vida e o acesso a novas referências
que permitam uma reorganização dos padrões pessoais e Baltes, P.B. (1995). Prefácio. Em A.L. Neri, (Org.). Psicologia
dos valores favorecem a manutenção da auto-regulação que do Envelhecimento: Temas selecionados na perspectiva de
também protege o indivíduo. curso de vida (pp. 9-12). Campinas: Papirus.
Podemos concluir que, para este grupo, envelhecer sig- Baltes, P.B. (1997). On the incomplete architecture of humam
nifica viver com dificuldades econômicas, doenças e senti- ontogeny: selection, optimization, and compensation as foun-
mentos de desvalorização social. O conformismo conduz a dation of developmental theory. American Psychologist, 52(4),
uma falta de mobilização para lutar e conquistar melhores 366-380.
condições de vida. Apesar de todas as adversidades, essas Baltes, P.B. (1998). Life-span theory in developmental psychol-
pessoas encontram proteção e suporte no relacionamento ogy. Em W. Damon & R.M. Lerner (Orgs.). Handbook of Child
com família, amigos, vizinhos, e por meio da crença religi- Psychology. 5ª ed. Vol. 01. Theoretical Models of Human
osa. Além disso, os dados sugerem que a confiança em Deus Development (pp. 1029-1144). Texas: John Wiley & Sons.
e a segurança em relação à moradia mostraram-se positi- Baltes, P.B., Reese, H.W. & Lipsitt, L.P. (1980). Life-span devel-
vas, possibilitando um aumento da satisfação de vida. opmental psychology. Em M.R. Rosenzweig & L.M. Porter
A partir do presente trabalho é possível delinear suges- (Orgs.). Annual Review of Psychology, 31, 65-110. Palo Alto,
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população, tais como: implantação de serviços de apoio e Baltes, M.M. & Silveberg, S. (1995). A dinâmica dependência-
orientação voltados para o lazer, esporte, trabalho e supor- autonomia no curso de vida. Em A.L. Neri (Org.). Psicologia
te emocional, que oportunizem a convivência com pessoas do Envelhecimento: Temas selecionados na perspectiva de
de diversas faixas etárias; o desenvolvimento de campa- curso de vida (pp. 73-110). Campinas: Papirus.
nhas de orientação sobre os problemas de saúde; treina- Berquó, E. (1996, julho). Algumas considerações sobre o envelhe-
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viços de saúde para que identifiquem idosos em situações Seminário Internacional Sobre o Envelhecimento Populacio-
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Finalmente, espera-se que este estudo, somado a ou- ment and aging. Annual Review of Psychology, 38, 153-180.
tros, contribua para que os indivíduos possam ter condi- Durkin, K. (1995). Developmental social psychology. Cambridge:
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Afinal, o futuro dos idosos dependerá em grande parte da stitute Journal of Psychology, 3, 90-106.
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206. ro: Relume Dumará.
Recebido em 17.03.1999
Primeira decisão editorial em 21.03.2000
Versão final em 14.04.2000
Aceito em 23.05.2000 !
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