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A utopia agrári a e demo crátic a de

André Rebou ças 1 . ·


I
~artha V. San- RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar o pensamento do engenheiro abolicionista André
los Menezes Rebouças, nos termos de sua percepção sobre a sociedade brasileira em fins do oitocentos e da cons-
trução de um ideário atravessado pelo ímpeto de transformar essa realidade. Seja através da ativida-
de escrita, seja em sua ação no movimento abolicionista, Rebouças buscará chamar atenção para as
fecém-graduada
possibilidades de edificação de uma Nação inclusiva, em que a cidadania e a liberdade fossem esten-
em Ciências 5o-
didas ao conjunto dos sujeitos que a compunham- condições que apenas seriam alcançadas, para o
fiais/ UFMG
engenheiro, pela via da abolição da escravidão e de uma reforma no sistema de propriedade agrícola.

Palavras-chave:
ABSTRACT: The present article purposes to analyse the thought of the engineer and abolitionist en-
Utopia; Estrutura
gineer André Rebouças, in the terms of his perception of the Brazilian society in the late XIX century,
,~grária brasileira; -
as well as his construction of a conjunct of ideas marked by the will to transform this reality. Be it
Século XIX; Aboli-
through his written activity, or through his action in the abolitionist movement.. Rebouças Vliill bring at-
bonismo.
tention to the possibilities of edification of an inclusive nation, in which citizenship and freedom would
be extended to the group of individuais who compose it as a whole - conditions that, to the engineer,
KeyWords:
would be reached only by the way of the abolition of slavery and by a reform in the rural property sys-
Utopia; Brazilian
tem.
~grarian structure;
XIX ~entury; aboli-
Introdução mente o regime de trabalho, o engenheiro André
tiomsm.
Rebouças erigiu uma interpretação sobre o país
e de reestruturação da sociedade que implicavam
No final do segundo reinado a sociedade brasi-
em uma mudança profunda e radical. Conceben-
leira passava por mudanças significativas em sua
do um projeto de nação que tinha como alicerce
estrutura social e política. De um lado, assistia a
a junção entre o fim do monopólio territorial, a
um aumento de sua população urbana -que cres-
abolição da escravidão e a construção de uma or-
cia, ainda que de forma incipiente, em torno de
dem efetivamente pública, baseada na associação
algumas de suas principais cidades, notadamente
entre indivíd~_!os autônomos, Rebouças pretendia
o Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, no interior do
fundar no país uma sociabilidade pautada por su-
aparato institucional governamental, os partidos
jeitos independentes, em contraposição à frágil
tradicionais - Conservador e Liberal - passavam
cidadania garantida por um formalismo constitu-
por crises, rupturas e reestruturações; paralela-
cional vazio de conteúdo. Pretendia, além disso,
mente e em conexão com essa crise, emergiam
ampliar essa cidadania- aos escravos - sujeitos
grupos e movimentos que passaram a reivindicar
até então despojados de direitos plenos-, de for-
reformas e maior abertura do sistema político,
1 Esse artigo
ma a garantir a liberdade a todos os membros
foi elabo- cujos critérios de entrada acabavam por limitá-la
rado ao longo da pesquisa da nação. Para isso, seria essencial dar a essa
"Imaginação de Reforma à elite representada por aqueles partidos 2 . Todos
,Agrária, Imaginação de Repú- liberdade uma base material, questão na qual a
esses processos, essencialmente conectados
blka" realizado no Projeto Re- pequena propriedade teria papel prioritário.
!püblica: núcleo de pesquisa, entre si, acabaram por desencadear as trans-
documentação e memória,
coordenado pela professora formações pelas quais passariam as instituições
Heloisa Starling. Agradeço a
e direcionamentos- da política governamental a A Democracia Rural e as possibili-
Henrique Rodrigues Estrada
pela orientação e pela leitu- partir do final da década de 1860 e, principal- dades de transformação da Nação
ra atenta de diversas versões
'ldesse atexto. Agradeço tam-
mente, de 1880. Os antigos consensos em torno
André Drumont, An-
bém
das orientações e bases de edificação da nação Para Rebouças, o monopólio fundiário era ele-
tonio Mitre e ao p. arecerista
anônimo pelas sugestões e se colocariam, agora, em disputa cada vez mais mento obstrutor da prosperidade e do progres-
críticas.
acirrada, no contexto mesmo em que o país pro- so nacional, na medida em que engendrava uma
2 Para uma análise des- curava se consolidar enquanto Estado soberano forma de dominação sobre a população (especial-
ses grupos e de suas vias de
a~ão política e intelectual,
e moderno. Aqueles grupos e movimentos passa- mente no interior do paísí que a excluía de quais-
bem como dos conflitos no ram a questionar a legitimidade dos pilares tradi- quer possibilidades de acesso a cidadania e inde-
interior dos partidos imperiais,
ver Ângela Alonso, Idéias em cionais sobre os quais se erguia a sociedade, com pendência efetivas. Em seu projeto de reforma, o
Movimento. Na obra, a autora reivindicaçõe's que, embora não fossem consenso engenheiro antevia um corpo social fundado sobre
faz uma análise da chamada
"geração de 1870", integrada entre os diversos movimentos e variassem de um princípios de ordenação diversos daqueles vigen-
por variados movimentos de
contestação à tradição impe-
para o outro, giravam essencialmente em torno tes sob a direção de uma elite monopolizadora
rial, e que se constituíram em da contestação de instituições como o escravis- da terra e escravocrata, de màneira que esses
"uma das forças a derrogar as
instituições saquaremas mon~ mo, o catolicismo como religião oficial, ou a forma novos elementos seriam capazes de transformar
tadas nos anos 1840" (ALON- monárquica de governo. as próprias formas de relação dos sujeitos entre
p. 336).
I 50,
Tendo como pano de fundo esse contexto, e si. Essa nova forma de organização teria como

111 partilhando dessa busca de ruptura em -relação


alguns desses parâmetros tradicionais, notada-
fundamento essencial um modo alternativo de
distribuição da posse da terra, em que esta era
A UTOPIA AGRÁRIA E DEMOCRÁTICA DE ANDRÉ REBOUÇAS RSVISTA TR~S (eee) PONTOS
5.2
concebida como essência mesma da cidadania, ao gonista desses dois grandes mestres dos
atuar como base material para a liberdade dos povos para o gozo dos direitos e para o
homens. A Democracia Rural~ nome forjado pelo cumprimento dos deveres, conexos com
engenheiro para nomear essa "outra" forma de as instituições livres. [. .. ] Uma nacionali-
sociedade - se constituía, portanto, em base de dade, que encarrega o governo de tudo,
construção de sua própria idéia de Nação. desde varrer as ruas até construir e custe-
Esse projeto de Nação se contrapunha, as- ar as estradas de ferro,. dá prova irrecusá-
sim, ao 'diagnóstico do estado de coisas em que vel de fraqueza e de inépcia; escraviza-se
se encontrava imerso o Império: para Rebouças, a seus governantes, necessitando deles
um país atrasado ede infra-estrutura deficitária, para tudo, não tendo outro recurso para
incapaz de comunicar adequadamente os diver- viver senão mendigar algumas migalhas do
sos pontos do território e inábil em melhorar o enorme, mas sempre mesquinho, banque-
bem-estar de uma população degradada pelo iso- te do orçamento nacional." (REBOUÇAS,
lamento, pela carência de recursos e pela explo- 1878, p. 15-16J
ração da oligarquia territorial. Para o engenheiro,
essa situação evidenciava a miopia da elite diri- Era essencial, segundo Rebouças, que se per-
gente em relação aos problemas nacionais e a má mitisse no Brasil o desenvolvimento da iniciativa
administração de um governo que se sustentava individual e do espírito de associação. Fazia-se
sobre uma estrutura burocrática morosa e ine" necessário, então, que o Estado deixasse a car-
ficiente, mas que insistia em ver no Estado uma go de companhias privadas as obras de utilidade
espécie de demiurgo da economia nacional - dei- pública necessárias ao Império, se encarregando
xando todas as obras necessárias a encargo do apenas dos incentivos necessários e da fiscali-
governo, ou retardando-as em meio ao emaranha- zação dessas empresas. Em um país vasto e de
do da burocracia oficial. Ademais, a má distribui- grahde potencialidade produtora, a iniciativa des-
ção de terras e o regime escravista eram fato- sas companhias seria capaz de sanar as grandes
res de degradação não apenas para os estratos carências de um território mal comunicado. As
não-proprietários ou escravos, mas agiam sobre estradas de ferro desempenhavam um papel es-
a sociedade como um todo, levando os grandes pecial nessas considerações, pois eram capazes
latifundiários a um parasitismo que repudiava o de tirar de seu insulamento as várias partes do
trabalho e condenando a massa dos indivíduos à território, além de ser importante meio de esco-
falta de instrução e de justa retribuição pelo pró- amento da produção e de valorização das terras
prio labor. que a margeiam. A essas empresas de utilidade
Para que o progresso e "a desenvolvimento pu- pública, portanto, cabia desobstruir as grandes
dessem agir sobre o corpo social se fazia neces" lacunas e barreiras impostas à modernização do
sária, portando, a superação desse marasmo e país, por meio de um espírito de associação ope-
do que ele chamava de governismos ~ o excesso roso nos negócios públicos - por isso, a admi-
de formalismo e de controle estatal sobre todas ração de Rebouças por esse tipo de empresa, e
as esferas da vida nacional -, que atrofiavam os seus esforços por difundi-las no país.
sujeitos e podavam a iniciativa individual: Esse desejo de romper com as práticas ar-
caicas legadas pela tradição foi alimentado, em
"As instituições democráticas têm sua grande parte, por sua admiração pela sociedade
principal base na iniciativa individual e no norte-americana e pelo que chamou de yankismo,
espírito de associação; o monopólio gover- que entendia ser uma espécie de matriz de so-
namental é exatamente o principal anta- ciabilidade lá vigente, caracterizado pelos princí-
Mattha V. Santos Menezes

pios de livre iniciativa e de associativismo. Em- das armas da racionalidade, Rebouças expressa
bora seu projeto de nação passe por mudanças esse impulso do homo faber por construir o mun-
e deslocamentos, cujos sentidos serão discer- do por meio do cálculo e da demonstração:
nidos mais adiante, André Rebouças manteve,
ao longo de toda a sua trajetória, a convicção ''É por isso que todos os que se interessam
nos princípios do yankismo enquanto elementos pela prosperidade do Brasil, nós, engenhei-
centrais para a resolução dos problemas nacio- ros, na vanguarda, devemos combater in-
nais. e a aspiração de fazer emergir no país uma cessantemente pela mais completa vitória
ordem baseada na associação entre indivíduos e incessante prática neste país, dos sãós
autônomos. princípios da Ciência Econômica, da inicia-
Dq exemplo da "grande República Norte-Ame- tiva individual e do espírito de associação."
ricana" Rebouças assimilará também a convicção (REBOUÇAS, 1874, p. 59)
quanto à força da propaganda. Para o engenhei-
ro, a publicidade funcionaria enquanto forma de
A importância dada por Rebouças à publiciza-
orientar e instruir a opinião pública, papel para o
ção carrega, por conseguinte, uma ambigüidade.
qual a imprensa teria lugar essencial, ajudando a
Ao eleger o público como o locus de propagação
clarear os fatos de interesse comum e torna-los
da verdade ou do bem comum, torna esse espaço
discerníveis e passíveis de melhor ponderação,
um meio de se educar as consciências e difun-
pelo próprio fato de fazê-los manifestos. Esse
dir as bases legadas pela Ciência - lugar de onde
crédito dado à eficácia da propaganda - e à· pos-
fala a razão esclarecida; mas essa modelagem,
sibilidade de a verdade ser tornada visível a todos
tomando como ideal o homem de luzes que ins-
-perpassará toda a sua atuação pública, marca-
trui os demais homens. põe em risco o princí-
da principalmente pela divulgação e pela imprensa
pio constitutivo do espaço público - um espaço
escrita.
existente na e pela interaçãode sujeitos que, ao
Seus artigos, livros e panfletos são exemplos
expressarem sua condição plural, preservam a
e reflexos de sua confiança quanto aos efeitos
isonomia entre si mesmos e aqueles em presen-
da exposição dos fatos às luzes da experiência
ça dos quais agem. A inserção da dimensão da
e da Ciência. A ancoragem científica de seus ar-
fabricação neste espaço traz o risco, assim, de
gumentos se dá não apenas enquanto discurso
levar a uma refiguração desse mundo e à perda
detentor de autoridade no que tange às necessi-
daquela isonomia em benefício de um ponto de vis-
dades e possibilidades técnicas - onde tinha lugar
ta supostamente mais esclarecido.
a engenharia - mas se estendia também ao co-
Ao mesmo tempo, porém, esse desejo de tor-
nhecimento dos elementos sobre os quais se as-
nar inteligíveis os mecanismos do social se passa
sentam o progresso e a prosperidade da naç.ão -
e tem lugar nesse mesmo público. Há aí, portan-
onde ganhava centralidade, por sua vez, a Ciência
to, uma inflexão através da qual esse modo de agir
Econômica e o que ele chamava de Socionomia 3 .
implica na exposição de si e dos próprios atos à
Operando uma dilatação do ofício de engenheiro
contingência, ao que não está ainda prescrito. O
em direção a um empreendimento de reconstru-
ção do próprio mundo social, Rebouças represen- homo fabervivenciado por Rebouças porta, dessa
ta, a seu modo, um imaginário oitocentista que, forma, uma dupla dimensão; não obstante ope-
ao mesmo tempo introduzindo e consolidando as re uma alienação da pluralidade na relação entre
mudanças características de uma modernidade seus semelhantes - distorcida por sua perspec-
nascente, eleva a Razão ao lugar de autoridade tiva de um mundo organizável por uma raciona-
anteriormente ocupado pela Tradição. lidade técnica específica, - ele carrega também
Esse recurso à Ciência em sua atuação pú- a vontade de fundar uma ordem igualitária em
blica remete a uma forma particular de se apr.e- oposição às relações de poder que corrompiam e
sentar ao mundo dos homens: a ação do homo restringiam o espaço dos assuntos públicos.
3 Segundo Santos Esse ímpeto do homo faber, que irá subjazer
(1985), o termo se referia faber'l. Concebendo o mundo como passível de ser
,o estud.p da ciência social.
"projetado", o homo faber visa dar previsibilidade suas ações durante toda a sua vida pública, terá
A !explicação é, no entanto,
0bsc~ra, na medida em que e estabilidade aos negócios humanos ao lhes ga- seu tom progressivamente moderado ao longo
~ ,campo de pesquisa dos dela. Particularmente produtiva ao longo das dé-
fjenômenos sociais se achava, rantir um suporte racional, por meio de uma lógi-
em fins do século XIX, ainda ca cuja plausibilidade seria atestada pelo conhe- cadas de 1870 e 1880, essa vida pública pode
Jorn suas frpnteiras bastante
fluidas - o que torna difícil cimento dos fatos - seja essa lógica o curso da ser dividida em duas fases: 5 a primeira, ao longo
precisar exatamente as rela-
História ou uma das modalidades da Ciência So- da década de 1870, é caracterizada por seu es-
ções de leis ou fenômenos a
<lfue Rebouças se referia ao cial então nascente. A ação informada por esse forço no sentido de promover as companhias de
rhl encionar essa ciência.
ethos não é tomada como um fim em si mesma, utilidade pública que considerava tão necessárias
4 O conceito aqui deli- mas como um meio para um fim que lhe é externo à vida nacional, tomando frente na construção
rleado acerca do homo faber
e mais grandioso: a boa sociedade. A atuação de de obras como docas, portos e ferrovias, se de-
tbi baseado na formulação de
Hannah Arendt (1981 ). um homem perante o outro é, assim, perpassada batendo constantemente contra a "rotina" e os
pelo critério de uma utilidade que lhe é superior, e governismos estatais. A segunda fase é marcada
5 Essa interpretação
por sua entrada no movimento abolicionista e sua
de duas fases distintas avaliada em função de seu produto- a capacidade
oensam<ento de Rebouças de engendrar virtude pública -, cujos parâmetros atuação junto a diversas sociedades que visavam
em Carvalho (1998).
seriam discerníveis pelo olhar privilegiado do ob- implantar reformas sociais no império, como a
servador-cientista. Encarnando esse intento de Confederação Abolicionista e a Sociedade Central
engendrar o desenvolvimento nacional por meio de Imigração. Se em 1870 sobressai uma atua-
A UTOPIA AGRÁRIA E DEMOCRÁTICA DE ANDRÉ REBOUÇAS REVISTA TRÊS (eee) PONTOS
5.2

ção enquanto engenheiro-empresário, ao longo de Seu esforço pela centralização agrícola será
1BBO prevalecem, cada vez mais, suas atividades expresso principalmente em seu livro Agricultura
na promoção de meetings, conferências e encon- Nacional - propaganda abolicionista e democráti-
tros daqueles movimentos, aumentando também ca6, no qual apresentará seus principais argumen-
sua produção na imprensa escrita. tos e evidências acerca dos benefícios da centra-
Aquele ethos - e a tensão carregada por ele lização e da irracionalidade de uma distribuição
-representará também, .em Rebouças, a aspira- agrícola que permitia a concentração de terra em
ção por realizar no país as promessas acenadas grandes latifúndios monocultores. Para Rebouças
pelo que parecia a seus olhos ser o curso de uma a centralização agrícola seria um catalisador das
modernidade universalizável- daí a necessidade e reformas necessárias à construção da Nação,
o impulso por uma mudança na direção do rom- promovendo a subdivisão do solo, a emancipação
e a imigração, consistindo em uma alternativa
pimento dos antigos laços herdados do mundo
ao estabelecimento de um imposto territorial. A
"feudal e bárbaro" dos potentados rurais, mar-
centralização consistiria na divisão da terra em
cados pela exploração e pela desigualdade nas
pequenos lotes, de forma que os trabalhadores
relações entre os homens. Pois o advento do pro-
teriam a oportunidade de laborar .em seu próprio
gresso nacional só seria possível com a fundação
terreno, e no estabelecimento de engenhos ou
de uma ordem baseada na Liberdade "- porque o
fazendas centrais (conforme o produto cultivado)
Progresso, já outros disseram antes de nós, é
cuja organização possibilitaria a inauguração de
pura e simplesmente, a Liberdade em ação!" [RE-
um novo sistema de trabalho e de produção nas
BOUÇAS, 19BB, p. 346, grifas do autorl.
lavouras, ao mesmo tempo em que permitiria a
Seu esforço pela viabilização da Democracia
continuidade do cultivo de safras de exportação.
Rural se liga a essa percepção e a esse anseio Através da centralização, os produtores pode-
por rompimento em relação às antigas formas riam vender diretamente sua colheita aos enge-
de dominação, que em função de uma constitui- nhos e fazendas centrais, que dariam ao produto
ção agrícola inadequada e do sistema escravista o processamento necessário para as safras des-
mantinha os indivíduos dependentes dos gran- tinadas ao mercado interno ou ao estrangeiro. Re-
des fazendeiros e impossibilitados de ter acesso bouças recomenda a reunião dos agricultores em
à terra - base material para que pudessem se associações como forma de incrementar sua pro-
constituir sujeitos autônomos. Romper com as dutividade, pois possibilitaria a compra de equipa-
teias de relações tradicionais implicava propor- mentos e maquinarias que não seriam acessíveis
cionar aos sujeitos as condições de autonomia e ao produtor isolado. Mais uma vez, a referência
de bem-estar por meio do próprio esforço. Era ao regime social nórte-americano aparece como
preciso "dar instrução aos brasileiros para que exemplo bem-sucedido, através de seu elogio às
eles conheçam perfeitamente toda a extensão de "granjearias", companhias de produtores que alar-
seus direitos e de seus deveres; dar-lhes traba- garam suas possibilidades de produção através do
lho para que eles possam realmente ser livres e associativismo, consistindo portanto em exemplos
independentes" (REBOUÇAS, 19BB, p. 2B4J. ~ da eficácia e dos benefícios potenciais que pode-
Defensor da centralização agrícola como for- riam advir de sua adoção no país.
ma de conciliar produtividade, associativismo e Sua preferência por esse tipo de empresa
pequena propriedade, na década de 70 o discurso rural se devia também à própria forma de suas
por ele mobilizado parecia entender que a divulga- assembléias, em que as diferentes questões re-
ção e a'propaganda destes princípios seriam su- ferentes aos associados eram deliberadas em co-
ficientes para promovê-los no país. Nas palavras mum. Consistiriam assim em "escolas práticas"
do próprio engenheiro, de exercício da cidadania; parafraseando Stuart
Mill, Rebouças diz que "a discussão e a. adminis-
tração dos interesses coletivos L .. l é a grande
"Todas as generosas e democráticas aspi-
escola do patriotismo e a fonte dessa inteligência
rações de colonização nacional, de migra-
dos negócios públicos que foi sempre o caráter
ção, de subdivisão do solo e de emancipa-
distintivo dos povos livres." (REBOUÇAS, 19BB,
ção esbarram-se em frente ao absurdo de
p. 274).
nossa constituição agrícola.
Sua leitura dos fatos se sustentava, por essa
Para sanar estes gravíssimos males a
época, principalmente pela busca da adequação
ciência econômica hodierna oferece dois dos princípios científicos à realidade nacional. Seus
meios: um meio direto e infalível: o impos- argumentos se centram, por isso, na demonstra-
to territorial, baseado sobe a superfície ção 'empírica' da superioridade da centralização
ocupada; um meio indireto, de efeitos mais agrícola para o desenvÇJivimento do país e para o
lentos, porém mais benéficos: bem-estar dos futuros proprietários. Ao modo do
- a larga aplicação dos novos princípios de homo faber, Rebouças prescrevia uma sociedade
centralização agrícola e industrial: enge- arquitetada pelo planejamento e pelo método. Em
nhos centrais, fazendas centrais e fábricas 6 Embora date de
Agricultura Nacional, inclusive, o engenheiro apre- 1883, o livro reúne artigos
centrais. { .. .] [Tais princípios] têm sobre senta um "Projeto de Lei de Auxílio à Agricultura publicados na imprensa entre
1873 e 1875.
o imposto territorial as grandes vantagens Nacional" - que embora tenha uma intenção de
dos meios indiretos sobre os meios coerci- esboço didático, apresenta o detalhamento dos
tivos." CREBOUÇAS, 1B7B, p. 1 0-12,) efeitos esperados de cada um dos artigos que
REVISTA TRÊS (eee) PONTOS Mattha V. Santos Menezes
5.2

sugere-, a qual deveria viabilizar, pelo incentivo, o senvolvimento do bem-estar dos emanci-
advento dos estabelecimentos centrais. pados, dos imigrantes e dos colonos, e
O recurso recorrente à demonstrabilidade de conseqüentemente, na riqueza e na pros-
seus preceitos é, ele mesmo, um instrumento peridade nacional.
que lhe permite imputar a superioridade de sua A fazenda central funcionará assim, como
finalidade: a "a ação benéfica da propriedade ter- um grande e poderoso agente de emanci-
ritorial" (REBOUÇAS, 1888, p. 126J a impactar pação, de imigração e de colonização. "[RE-
e elevar os indivíduos a uma condição de sujeitos BOUÇAS, 1888, p. 112, grifas meus).
livres. As associações de pequenos agricultores,
em conjunção com o sistema de estabelecimen- Ao sustentar um projeto de sociedade arqui-
tos centrais de cultivo agrícola, consistiriam no tetado pela via de certa pedagogia do esclareci-
principal agente de emancipação dos trabalhado- mento, Rebouças busca construir um mundo em
res e colonos imigrantes e em importantes esfe- que os elementos de diferenciação entre os sujei-
ras de independência em relação a qualquer forma tos sejam decorrência de suas capacidades indi-
de dominação: viduais, e não de quaisquer tipos de obstáculos a
podar seus empreendimentos. A superação des-
"Dentro do círculo dos seus direitos, cada ses entraves abre as possibilidades em direção a
cidadão é, deve ser, pela nossa constitui- um mundo que "não se pode calcular" - embora
ção e pelas nossas leis, um Estado; uma seu sentido seja o do desenvolvimento e do avan-
companhia, uma associação; soma os ço, pois que direcionado para uma sociabilidade
círculos dos direitos dos cidadãos, que a sem as travas da subordinação.
compõe; o seu círculo de direito é o círculo A própria referência aos dados empíricos
máximo, que circunscreve os círculos de perde sua centralidade a partir da década de
todos os seus associados; esse círculo é 1880, embora Rebouças certamente continue
naturalmente maior e mais forte; e é por a se apoiar na Ciência e a ter nela uma fonte de
isso mesmo que causa assombro, que cau- conhecimento em que se fia constantemente.
sa medo, que causa terror aos oligarcas, Durante aquela década, no entanto, os termos
que querem um povo fraco e subdividido: de sua defesa da "democratização do solo" e
um povo de carneiros, tosquiável ao seu li- de sua interpretação acerca do atraso nacional
vre arbítrio, incapaz da menor resistência!" sofrem uma guinada em direção à busca de cau-
(REBOUÇAS, 1888, p. 346J sas mais profundas. A partir de então, o recur-
so à história ganha privilégio - embora, como
A Democracia Rural expressa, muito mais do dito, não desapareça o recurso à empiricidade
que um mundo planejado, o desejo de um mun- - e sua crítica ao latifúndio e à escravidão se
do de autonomia pautado pela discussão sobre a enraíza.
propriedade e inserido em um imaginário orienta- Se na década de 1870 já identifica na oligarquia
do para a desconstrução das barreiras que, pelo rural um agente do retrocesso, Rebouças atribuía
monopólio da terra, obstruíam as possibilidades essa condição ao próprio anacronismo da condição
de uma ordem igualitária. O acesso à propriedade nacional: a morosidade, a rotina e o marasmo re-
viabiliza as condições para se estabelecer uma sidiam, em ultima instancia, na falta de espírito de
coletividade detentora de direitos afirmados e ci- iniciativa, e que seria superado por meio do estí-
dadania assegurada: mulo e do incentivo a este, especialmente pela via
das associações. Como visto, o próprio imposto
"Não se pode calcular a influencia, que territorial era colocado enquanto recurso possível
só esta simples possibilidade terá no de- de ser evitado, se os fazendeiros fossem capazes
A UTOPIA AGRÁRIA E DEMOCRÁTICÀ DE ANDRÉ REBOUÇAS REVISTA TRÊS (e e e} PONTOS
5.2

de iniciativas para promover as reformas deman- territorial instituiu a exploração e deflagrou uma
dadas pela estrutura deficitária do país. série de vícios dela decorrentes. A "aristocracia
Ao longo da década de 1880, no entanto, de- bastarda" estabelecida no Brasil é atrasada e
saparecem quaisquer expectativas de possibili- torpe, mas não menos retrógrada do que a euro-
dade de que os próprios senhores de terra pu- péia, militarista e teocrática, e igualmente conde-
dessem tomar a direção daquelas reformas. Pelo nável por:- manter a terra nas mãos de um grupo
contrário, eles são agora retratados como ele- seleto. Para Rebouças, se "o problema da terra
mento corruptor da vida nacional. No panfleto da está errado, tudo está errado: errado desde a
Confederação Abolicionista, escrito juntamente base, desde o fundamento, desde os alicerces"
com José do Patrocínio, Rebouças expressa: (REBOUÇAS, 1890, p. 125). O parasitismo da
.elite corrompe todo o corpo social ao estabelecer
"Todos os males públicos e privados, que uma atitude privatista, incapaz de conceber um
afligem este império, todas as misérias mundo comum entre os homens e de reconhecer
políticas e particulares da família brasileira a dignidade do trabalho, incitando assim a pregui-
provem da ação combinada, durantes três ça e a exploração de seus semelhantes.
séculos, desses dois grandes corri.Jptores, A viabilização da Democracia Rural exige que a
que se denominam esclavagismo {sic} e sociedade se organize segundo uma concepção in-
monopólio territorial. {. .. } teiramente nova em relação à estrutura-vigente:
O Fazendeiro ou senhor de engenho, dés-
pota e tirano, quer o isolamento, a solidão, "O que a DEMOCRACIA RURAL quer, é que
o deserto, para poder exercer [ilegível} con- cada um seja livre de adquirir a porção de
tra os agregados e contra os míseros imi- terra, necessária á sua subsistência, ao
grantes, que tem a simplicidade de confiar progresso do bem-estar da sua família.
em suas promessas [ ... }." (REBOUÇAS,
1883, parte XIIIJ O que ela condena é o latifúndio imenso,
enorme; sem proporção alguma com às
A escravidão e o latifúndio são, portanto, a forças produtivas do monopolizador: é o
raiz do anacronismo em que se via imerso o corpo deserto ao lado das capitais, como o Rio
social, bem como das relações de sujeição a que de Janeiro; é a esterilização a ferro e fogo;
eram compelidos os indivíduos. Engajando-se no é a cultura irracional e extensiva; é a terra
movimento abolicionista, Rebouças elegerá como reduzida a poço de mineração; é o homem
bandeira a extinção desses dois elementos obs- rebaixado em besta de carga; em "braços
trutores, e afirmará a necessidade da comple- para a lavoura", como cinicamente dizem
mentaridade entre as duas obras da abolição - a os escravocratas deste Império ... " [RE-
cessação da exploração torpe de um homem pelo BOUÇAS, 1888dl
outro, e o estabelecimento da pequena proprieda-
de, enquanto forma de assegurar a obra primária As bases da organização fundiária devem ter
da libertação. Promover a subdivisão das terras como fim o emprego da terra enquanto elemento
era questão essencial, e a percepção do alcance promotor da liberdade e da autonomia, e não da
dos males sociais causados pela monopolização exploração - portanto, sua renda e sua produ-
das terras e por seus agentes leva Rebouças, ção devem se destinar ao lavrador-proprietário,
agora, a reconhecer no imposto territorial o meio de forma a garantir que aquele que nela laborou
mais viável de se realizar essa tarefa. obtenha os frutos de seu esforço. O trabalho se
A elite agrária é retratada por Rebouças como configura valor-guia essencial da nova sociedade
uma classe de parasitas, que através do poderio imaginada por Rebouças - não só no nível indivi-

7 Segundo Carvalho
(1998), os termos dessa visão
sobre a propriedade agrícola
enquanto forma de autono-
mia dos sujeitos são feitas nos
termoS de uma concepção re-
publicana sobre a liberdade,
formuladas pela tradição an-
glo-saxã ou neo-romana. Ver
Carvalho, op. cit. Para uma
reflexão mais ampla sobre
essa corrente, ver SKINNER,
Quentin. Liberdade Antes do
Liberalismo.
REVISTA TRÊS (eee) PONTOS Mattha V. Santos Menezes
5.2

dual, ao permitir que a terra se torne garantia americanos. Ao contrário destes. o lavrador-
da independência dos homens 7 , 'mas também no proprietário imaginado por André Rebouças não
plano nacional. ao permitir a superação do ma- é ameaçado pelo perigo do "afã para o exceden-
rasmo, engendrar um espírito de operosidade no te" e da produtividade enquanto corruptores da
plano coletivo e contribuir para uma sociabilidade auto-suficiência. 8 Para Rebouças. a busca pelo
pautada pela cooperação entre os sujeitos. "mais-do-que-necessário" se faz danosa quando
conjugada pelo parasitismo e pela exploração- ou
Utopia agrária e utopia demo- seja. quando um homem trabalha e outro frui. O
campo, se continua a ser o lugar da auto-sufici-
crática
ência, é imaginado por Rebouças no horizonte de
uma modernidade em construção, em um tempo
A idéia de Democracia Rural opera. assim.
acelerado onde o progresso é a mola propulsora
uma critica à realidade social e um questiona-
rumo ao desenvolvimento. e o pequeno proprie-
mento à sua estrutura. ao mesmo tempo em que
tário é um homem inserido nesse mundo e nesse
constitui a visão de um mundo novo e o desejo de
tempo. E. principalmente, inscrito em um país
instauração de novas formas de relacionamento
de pauta econômica agrário-exportadora e aos
entre os indivíduos - relações livres de qualquer
imperativos decorrentes disso - a centralização
laço de dependência e construídas a partir de um
agrícola defendida por ele visa. justamente. per-
distanciamento da velha ordem. Sua perspecti-
mitir "a possibilidade de uma exploração lucrativa
va. nessa medida. não pode ser reduzida a uma
e progressiva ao lado da subdivisão da proprieda-
espécie de aspiração elevada (mas infactívell. Ao
de territorial" (REBOUÇAS. 1988, p. 65, grifas
conter em si um impulso por emancipação e per-
do autorl. A Democracia Rural é a via nacional
seguir os horizontes abertos pela ruptura de um
de adentrar a modernidade, além de resolver. to-
regime social informado pela desigualdade, incor-
mando o trabalho enquanto valor fundamental.
pora questões que podem, como possibilidade in-
tanto o problema da emancipação social quanto o
terpretativa. ser lidas sob a chave da utopia.
da aparente contradição com a produtividade.
Pensar a Democracia Rural como uma utopia
O que se pode ler como uma "utopia democrá-
significa resgatá-la enquanto crítica e enquanto
tica" diz respeito. em primeiro lugar. à ampliação
construção ativa e reflexiva sobre seu próprio
_do acesso à terra e à cidadania. pela concessão
tempo, sem obscurecer o lugar de onde o próprio
de direitos efetivos aos negros e às populações
autor nos interpela - o do homo faber em busca
que até então viviam sob o patriarcado dos gran-
das possibilidades da modernidade - e permite,
des senhores. Rebouças, contudo, não associava
por issO mesmo. revelar certas tensões contidas
no próprio pensamento de André Rebouças. em a noção de Democracia a uma eletividade neces-
que esse homo faber é atravessado por uma face sária do chefe de governo. Para ele, a Democra-
heróic~ e se sujeita a um mundo indeterminado.
cia não era uma forma específica de se exercer
Significa. por isso, retomar a dimensão da eman- o poder. mas antes um 'modo de sociedade' que
cipação pela via do apelo a um "querer não resig- implicaria em uma ordem pública. onde os sujei-
nado"- descobrindo, assim. o radicalismo contido tos fossem livres e iguais. Democracia e Monar-
em um pensamento que ousou projetar a idéia quia não são, portanto, opostos - e podem ser.
de um país agrariamente reformado, e fez dessa eventualmente, complementares. No contexto
idéia uma incitação à ação. em um Império onde nacional. onde o parlamento é dominado por uma
as leis eram "feitas por Landlords; por monopo- oligarquia refratária a qualquer possibilidade de
lizadores da terra, por seus clientes e por seus reformas. Rebouças se volta cada vez mais para
aderentes" (REBOUÇAS. 1888el. o Imperador. vendo nele uma força capaz de exer-
A Democracia Rural faz entrever um eixo utó- cer a racionalidade legislativa que viabilizaria as
pico articulado em dois termos: de um lado, o de- reformas necessárias ao país.
sejo de construir uma sociedade democrática. e André Rebouças passa. ao longo da década de
o sentido que Rebouças dava a isso- os termos. 80, de uma visão que condenava quaisquer tipos
portanto. do que se pode chamar de uma "uto- de "governismos" para uma posição mais mode-
pia democrática"; de outro. a reorganização do rada, atenta à situação nacional. e a uma percep-
mundo rural e da própria sociedade - nos termos ção de que o espírito de yankismo no Brasil pode-
de uma "utopia agrária". inserida. não sem ambi- ria emergir pela liderança do Monarca. Isso não
güidades. em uma contemporaneidade imersa em implica. contudo, em uma posição - como a de
um processo de crescente industrialização,-e de Joaquim Nabuco - de elogio à superioridade das
valorização desse processo enquanto rota para instituições monárquicas. mas de uma convicção
o desenvolvimento. Essa utopia agrária é, nessa (que se traduziu em lealdade pessoal) na capaci-
medida, atravessada por uma tensão para a qual dade de dom Pedro 11 em· conter os ânimos priva-
ela pretende ser. ao mesmo tempo, uma tentati- tistas que dominavam a Assembléia. Para Rebou-
va de resolução. ças. "o grande. o perpétuo inimigo da Democracia
A figura do "fazendeiro-cidadão". elemento é a Aristocracia Territorial" (REBOUÇAS. 1888cl.
da Democracia Rural, não é mais o camponês e a ausência de reformas destinadas a eliminar
virtuoso ecoado pelos mitos greco-romanos ou as fontes de sua dominação tornariam qualquer
que atravessa pensamentos modernos como o forma de governo um instrumento para que as
de Rousseau e o dos "pais fundadores" norte- elites perpetuassem seu poder:
A UTOPIA AGRÁRIA E DEMOCRÁTICA DE ANDRÉ REBOUÇAS REVISTA TRÊS r•••J PONTOS
5.2

"O ideal aristocrático é o Estado, o Governo, a as "cintilações históricas da palavra REPÚBLICA'',


Autoridade Constituída - Rei ou Presidente representando um apelo falaz que nada tinha em
da República - servindo de fecho à enorme comum com as grandes Repúblicas:
abóbada, cujas aduelas são os monopólios e
os privilégios teocráticos, oligárquicos e aris- "Republica de surradores, de esquartejado-
tocráticos, cujos pegões são formados pelos res e de assassinos; tão longe das repúbli-
miseráveis, pela plebe, pelos proletários, ar- cas de Turgot, de Voltaire e de Condorcet;
gamassados na escravidão, na servidão da tão diversa da republica internacional e cos-
gleba, no salariato forçado, e nos inúmeras mopolita de Benjamin Franklin, de Washing-
sistemas de exploração do homem pelo ho- ton e de Abraham Lincoln ...
mem. "(REBOUÇAS, 18891
Republica de escravocratas, a encher de
pasmo e de horror aos Republicanos abo-
Se ganha centralidade a figura de um Legis- licionistas, franceses e mineiros de 1789;
lador capaz de conduzir, em certa medida, os pernambucanos de 1817; aos [?], aos La-
rumos da mudança, Rebouças continua a re- martines, aos Victor Hugos, republicanos
futar qualquer tipo de tutela estatal. Segun- abolicionistas de 18[4]8... " (REBOUÇAS,
do Maria Alice Rezende de Carvalho, Rebouças 1888bl
parecia conceber uma espécie de articulação
entre poder moderador e autonomia municipal,
O "republiquismo", como Rebouças qualificou
possivelmente para não tornar as localidades
o republicanismo oportunista daqueles fazen-
dependentes do poder central, como sempre
deiros, passou a encarnar para ele as forças
condenou. Ademais, o Legislador que desejas-
contrárias a qualquer mudança, consistindo em
se engendrar uma sociedade verdadeiramente
um "fantasma" que "serve de arma à oligarquia
democrática não poderia pretender dar a ela
negreira desde a fundação deste império." (RE-
um conteúdo fec.hado e substantivo, mas ape-
BOUÇAS, 1888al. Para Rebouças, tratava-se
nas os princípios que viabilizassem esse estado
da recorrência de um reacionarismo que se li-
social:
gava ao próprio predatismo da elite oligárquica,
para a qual apenas importava conservar seu
"Não se pode legislar senão em Direito,
predomínio.
em Justiça, em Equidade; quando o legis-
A oposição a qualquer possibilidade de mudança
lador sai destes limites e quer decretar
representava a ação de uma tradição oligárquica,
a Virtude e Moral, só consegue formar
centrada continuamente na preservação de um
hipócritas e descer ele mesmo até os
status quo baseado no monopólio territorial e na
horrores e atrocidades dos lnquisidores
exploração, e que havia prevalecido sobre as ten-
e de todos os teocratas, que recorreram
tativas de fundar no país qualquer transformação
à violência e à força bruta." (REBOUÇAS,
naqueles pilares. A tradição brasileira, contudo,
1890, p. 126)
não se resumia à aristocracia, e para Rebouças
haveria uma outra tradição, igualmente presen-
E a realização dos dois termos dessa utopia, a te, embora de forma submersa - uma espécie de
concretização de uma Democracia Rural, parecia tradição emancipacionista, desde os primeiros
mais próxima depois da Abolição, quando Rebou- momentos da nação, e mesmo antes destes: "O
ças e outros membros do movimento abolicionista Patriarca da Independência, o imortal José Bonifá-
continuaram a laborar em prol do que considera- cio - era radicalmente abolicionista; já antes dele
vam o complemento indispensável à libertação dos eram abolicionistas os Republicanos da Inconfidên-
escravos. A proximidade de Rebouças com Pedro cia de Minas de 1789 e os de 181 7 em Pernam-
11 fez, inclusive, com que este o encarregasse pes- buco" (REBOUÇAS, 1888bl. Essa tradição, con-
soalmente de levantar os elementos necessários a tudo, teve seus meios de ação bloqueados, desde
um cadastro nacional, essencial para o estabeleci- sempre, por uma "oligarquia que, ainda no berço,
mento do Imposto Territorial e de uma Lei Agrária avassalou este Império" (REBOUÇAS, 1877).
que subdividisse a propriedade. Depois da Proclamação da República, escre-
vendo de seu exílio a Joaquim Nabuco 9 , Rebouças
A distopia republiquista parecia traçar a genealogia daquela tradição:

Se a Democracia consistia em um 'modo de so- "São passados seis anos e já é possível


ciedade', para Rebouças a República era um mero ver os traços gerais da História - vêm os
arcabouço institucional, que cada vez mais acena- grandes operários, propagandistas uns,
va como uma reação de escravocratas desconten- colaboradores outros de O. Pedro 11. Nos
tes, especialmente a partir da Abolição. Segundo primeiros tempos José Bonifácio e o Velho
o engenheiro, "não havia a 13 de Maio de 1888 Rebouças; na extinção do tráfico o hercú-
um só republicano no Parlamento. Hoje raro é o leo Euzébio de Queiroz; no período final, Pa-
Distrito Agrícola que não se prepara para man- ranhos, visconde do Rio-Branco e o Velho 9 Carta a Nabuco de 9
de Maio de 1894.
dar um 'vingador', 'um indenizador'." (REBOUÇAS Nabuco; os homens de 28 de Setembro de
apud VERISSIMO, 1939, p. 21 OJ. O movimento 1871 a terminar nos iniciadores de 13 de
republicano brasileiro nada tinha em comum com Maio de 1888. É aí que temos lugar, meu
Mattha V. Santos Menezes

Nabuco. Lugar modestíssimo; somente dição ameaçada novamente pela obscuridade. A


grande pela sinceridade; pela prova poste- Ab.olição - e a obra que lhe completaria, a Demo-
rior." [REBOUÇAS, 1938, p. 4121 cracia Rural, -, que se colocava para Rebouças;
até a Proclamação, como uma utopia que ainda
Rememorando novamente esses episódios, não tinha lugar. parecia agora retornar à clan-
dos quais via a si e ao amigo como legatários, Re- destinidade, a um não-lugar oculto e submerso da
bouças parece querer tornar manifesta uma tra- história nacional.

Submetido em setembroo de 2008


Aprovado em novmebro de 2008
REVISTA TRêS l•••l PONTOS
5.2

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