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Resumo: Nos livros didáticos e outros gêneros discursivos empregados por professores e estudantes, bem
como nas avaliações oficiais, como o ENEM, a leitura de imagens tem sido uma competência valorizada
no atual contexto sócio-histórico e, por isso, também, merecido destaque nas pesquisas em ensino
de Ciências. Nesse cenário, objetivou-se identificar os sentidos atribuídos por estudantes sobre como
empregam e compreendem as imagens em seus processos de aprender Ciências. Para tal, foram coletados
dados por meio de um questionário elaborado com recursos do Messenger-MSN e e-mail, respondido
por estudantes da 3ª série do Ensino Médio. Além da apresentação de um panorama das pesquisas com
uso de imagens no ensino de Ciências, as conclusões sugerem a valorização de processos educativos que
incentivem os estudantes à formação de uma cultura visual na leitura de imagens.
Abstract: In textbooks and other discursive genres used by teachers and students, as well as, in official
assessments, as ENEM, the reading of images has been a competence valued in the current socio-
historical context and also, it has been given more attention in the researches in science teaching. In this
context, it was aimed to identify the meanings attributed by students about how they use and understand
the images in their process of learning science. For this, data were collected through a questionnaire
prepared with resources from MSN-Messenger and e-mail, answered by students in the 3rd grade
of High School. Besides presenting an overview of the researches about the use of images in science
teaching, the conclusions suggest the enhancement of educational processes that encourage students to
construct a visual culture in the reading of images.
1 INTRODUÇÃO
Desde a pré-história as imagens sempre estiveram presentes na vida do homem,
principalmente representadas como pinturas rupestres. Com o desenvolvimento das
civilizações, as imagens passaram a ser fundamentais, ilustrando e contribuindo na
produção de sentidos para eventos econômicos, históricos e culturais dos diferentes
coletivos de pessoas.
Diferente do homem pré-histórico que se comunicava por meio das imagens
geralmente nos ambientes em que convivia, atualmente, com os avanços tecnológicos,
a comunicação por imagens ampliou-se, rompeu fronteiras e passou a ser fortemente
difundida no cotidiano por meio de outdoors, internet, vídeos, jornais, revistas, entre
outros. Além de desempenharem um importante papel na construção, no registro e na
comunicação da produção humana, as imagens passam a ser também disseminadas nos
espaços da escola como um elemento importante nos processos educativos.
Nos livros didáticos e outros gêneros discursivos trabalhados nas escolas, nos
materiais audiovisuais elaborados ou adotados pelo professor, nos materiais produzidos
ou difundidos pelos estudantes, as imagens3, na forma de desenhos, fotografias,
diagramas, gráficos, esquemas e charges, estão presentes e valorizadas nos processos
educativos dos diferentes componentes curriculares e, entre eles, no ensino de Ciências.
Tal pressuposto pode ser sustentando tendo como referência as competências previstas
em avaliações externas do Ministério da Educação – Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB), Prova Brasil e Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – que
na elaboração das questões (itens) buscam avaliar, por exemplo, a compreensão dos
estudantes de “[...] informações de natureza científica e social obtidas da leitura
de gráficos e tabelas, realizando previsão de tendência, extrapolação, interpolação
e interpretação”. Ainda, se os estudantes são capazes de “relacionar informações
apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação [...]” ou “analisar,
interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus
contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de
acordo com as condições de produção e recepção” (BRASIL, 2011).
Castro e Tiezzi (2005), utilizando como base os resultados do Relatório Pedagógico
do ENEM de 2002, inferiram que os participantes demonstram ausência do domínio
de leitura compreensiva, apresentando dificuldade em relacionar textos com linguagens
expressas por imagens, evidenciando assim, a necessidade de práticas e pesquisas na
área envolvendo estudos empíricos com estudantes.
Considerando sua importância no atual contexto educacional, buscamos
compreender a utilização das imagens e suas relações com o ensino de Ciências, tendo
3 Optou-se empregar o termo imagens como sinônimo de figuras, uma vez que no cenário da pesquisa
em Ensino de Ciências geralmente emprega-se esse termo.
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como referência o seu emprego pelos próprios estudantes. Para tal, organizamos uma
pesquisa com o objetivo de identificar os sentidos atribuídos por estudantes sobre
como empregam e compreendem as imagens em seus processos de aprender Ciências.
Compreendemos que o conhecimento elaborado pela pesquisa tem relevância científica
e social uma vez que pode servir de subsídio para professores refletirem e ressignificarem
seus processos educativos, “ouvindo” o que dizem os estudantes sobre aprender com
as imagens, como também, contribuir para futuras investigações com este objeto de
estudo.
A pesquisa foi realizada tendo como referência no ensino de Ciências a área
de Biologia, prevista na matriz curricular para o Ensino Médio. A opção por este
componente curricular tem como justificativa o fato de que os conteúdos conceituais
previstos para seu ensino serem amplamente ilustrados nos materiais didáticos e,
dentre as diretrizes previstas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino
Médio (PCNEM) para Biologia, está previsto o domínio por parte dos estudantes de
habilidades de expressão e comunicação, dentre elas a “leitura de diferentes imagens”.
Para socialização da pesquisa, inicialmente abordaremos um aporte teórico
elaborado a partir de um levantamento da produção científica4, sobre o emprego de
imagens e processos educativos de Ciências/Biologia nos espaços escolares, a fim
de compreender aspectos dessa relação, bem como evidenciar os pressupostos que
orientam as nossas leituras/interpretações das informações coletadas em campo, com os
estudantes do Ensino Médio.
4 Com base em resultados de pesquisas nacionais apresentadas em eventos como o Encontro Nacional
em Pesquisa de Ensino de Ciências - ENPEC e periódicos científicos que divulgam pesquisas de
ensino de Ciências e Biologia.
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AS IMAGENS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: O QUE DIZEM OS ESTUDANTES...
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa aqui apresentada trata de um estudo de caso de cunho qualitativo, foi
realizada na Escola Técnica do Vale do Itajaí (ETEVI), que se encontra vinculada à
Universidade Regional de Blumenau (FURB), situada na cidade de Blumenau/SC.
Nesta escola, os estudantes podem usufruir da infraestrutura da Universidade, como
laboratórios, biblioteca, auditórios, complexo desportivo, dentre outros. Os estudantes
são egressos de diferentes escolas de Ensino Fundamental de Blumenau e região, uma
vez que a ETEVI não possui este nível de ensino. Assim as turmas são formadas por
estudantes das redes municipais, estaduais e particulares de ensino, evidenciando uma
diversidade de formação de seus estudantes.
Participaram da pesquisa 37 estudantes de uma turma da 3ª Série do Ensino
Médio, sendo que a maioria destes estudam desde o 1º ano do Ensino Médio na
ETEVI. Optamos por estudantes da terceira série do Ensino Médio, pelo fato de os
mesmos terem estudado os conteúdos da 1ª Lei de Mendel – A Lei da Segregação
Genética, assunto selecionado para coleta de dados.
Para identificar os sentidos atribuídos por estudantes sobre como empregam e
compreendem as imagens em seus processos de aprender Biologia, aplicamos para a
coleta de dados um questionário elaborado a partir de duas abordagens. Na primeira,
buscamos identificar como os estudantes diferenciavam as imagens, tais como gráficos,
esquemas e, bem como, a importância que atribuíam a estas imagens para aprender
Biologia. Na segunda abordagem, procuramos compreender os processos de produção
da leitura de imagens pelos estudantes. Nesta direção, a fim de tornar a atividade
interessante para os estudantes e mais próximo de seu cotidiano, as questões do
questionário foram elaboradas fazendo uso dos recursos do Messenger-MSN e e-mail
e as imagens utilizadas na atividade foram retiradas de Livros Didáticos de Biologia5.
A interpretação dos dados foi realizada com a construção de categorias elaboradas
a priori com base na revisão teórica e, também, emergentes, elaboradas a partir das
respostas dos estudantes. Esta análise não teve como intenção quantificar as respostas,
mas sim avaliá-las em relação aos aspectos qualitativos, conforme o objetivo da
pesquisa. Ainda, as categorias organizadas são apresentadas com excertos de textos das
respostas dos estudantes, os quais foram identificados por números a fim de preservar
suas identidades.
5 AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Biologia: Biologia das células. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004a.
______. Biologia: Biologia das populações. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004b.
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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos dados coletados elaboramos quatro categorias de análise para
apresentá-los e discuti-los. Sendo elas: a) Sentidos atribuídos pelos estudantes para o
emprego da leitura de figuras; b) Sentidos atribuídos pelos estudantes em relação à
finalidade da utilização das imagens; c) Sentidos atribuídos pelos estudantes às figuras
com apoio da legenda; e d) Leitura compreensiva das imagens. Nelas encontram-se
excertos dos dizeres dos estudantes, no qual foram mantidos na forma original da
escrita.
Identificamos, nos dados coletados das percepções dos estudantes, as três funções
básicas de uma imagem em relação ao texto - motivadora, explicativa e retencional-,
conforme o que foi descrito por Duchastel e Waller (1979). A função motivadora exerce
um papel de estímulo que desperta a curiosidade, o interesse do estudante pelo texto e a
discussão do tema; a função explicativa é a mais comum e visa explicitar uma mensagem
verbal tornando-a mais inteligível para os estudantes, sendo esta ação direcionada para
a compreensão da mensagem; e a função retencional é mais difícil de ser apreendida,
pois se baseia na capacidade de se recuperar imagens na memória em contraste às ideias
verbais, assim como, no fato de que qualquer tópico ou domínio do discurso tem uma
estrutura interna que pode ser explorada em termos visuais com a finalidade de se fazer
emergir da memória determinadas lembranças.
Calado (1994) investigando a utilização de imagens nos processos educativos
apresentou 12 diferentes funções de comunicação para as mesmas, sendo elas:
expressiva, persuasiva, poética, decorativa, representativa, organizadora, interpretativa,
transformadora, memorizadora, de complemento, dialética e substitutiva. Dentre estas,
nove podemos relacionar com as obtidas em nossa pesquisa: expressiva (com forte caráter
afetivo-emocional, transmitindo mais do que a informação contida na mensagem);
persuasiva (apresentam caráter motivador e de convencimento); decorativa (atraem o
leitor); representativa (concretiza os conteúdos transmitidos pelo texto); organizadora
(atribui coerência aos conteúdos informados no texto); interpretativa (permite melhor
compreensão da informação); memorizadora (facilita a retenção dos conteúdos);
complemento (acrescentam conhecimentos) e substitutiva (transmite a mensagem de
forma autônoma).
Observamos que os estudantes investigados possuem uma percepção da utilização
das imagens e as consideram como instrumento de complementação e suporte do texto,
aproximando-se das conclusões de pesquisadores da área.
Grande parte dos estudantes não utilizou a legenda para ler e entender as imagens,
pois respondiam a questão de forma subjetiva, sem considerar as informações da
legenda, como por exemplo: “Na figura A, o cromossomo é mostrado sem muitos detalhes,
uma visão geral, e a figura B permite uma análise mais detalhada” (Estudante 5). Ou
ainda: “O primeiro nos mostra uma foto de vários cromossomos, e a segunda um esquema
de como é um cromossomo bem de perto” (Estudante 23). E também: “Na figura A mostra
vários cromossomos e a figura B representa o cromossomo individualmente” (Estudante 17).
Percebemos que alguns estudantes utilizaram-se da leitura da legenda para explicar a
imagem, pois empregaram palavras em acordo com a mesma, como podemos observar
no excerto: “A foto A mostra cromossomos humanos apresentados no microscópio. A figura B é
uma ilustração, ela apenas representa um cromossomo, destacando seus detalhes, ele não é uma
imagem real” (Estudante 27).
Podemos inferir, pela maioria das respostas, que os estudantes não são habituados a
observarem as diferenças entre as imagens (esquemas, fotos com aumento) contidas nos
livros e nos materiais utilizados pelos professores, levando-os a um olhar generalizado
para diferentes imagens. Esta dificuldade pode estar associada com o que afirma Bruzzo
(2004), que nas ilustrações de Biologia, presentes nos livros didáticos, nas revistas
de divulgação e nos artigos científicos algumas imagens em nada se assemelham às
formas visíveis com o olho desarmado e mesmo com o uso de microscópios. Elas em
nada lembram as formas conhecidas e não mantêm qualquer proximidade com a nossa
experiência visual corriqueira; constituem um mundo que só podemos imaginar.
Zimmermann e Evangelista (2004) salientam ser de fundamental importância a
presença do professor em sala de aula ajudando os estudantes a lerem as imagens, já
que uma imagem, mesmo que escolhida criteriosamente, não “fala por si só”. Ainda,
segundo os autores, faz-se necessário que o professor destaque certos aspectos, e faça
referência aos símbolos, legendas e esquemas presentes.
Fonte: Atividade elaborada pelas autoras e diagrama do coelho retirado do livro Amabis e
Martho (2004b, p. 26)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maior parte dos estudantes investigados emprega imagens no estudo de
Biologia para ilustrar o conteúdo, torná-lo mais atrativo, complementar e dar suporte,
exemplificar situações práticas e cotidianas, proporcionando uma melhor explicação e
compreensão do texto escrito. Contudo, podemos perceber que há muitas dificuldades
dos estudantes em ultrapassarem a repetição mnemônica e exercitarem uma
interpretação com repetição histórica das diversas representações visuais do contexto
em que se encontram, assim enfatizamos, a necessidade de uma alfabetização visual,
com uma melhor exploração destes recursos em sala de aula, visto que na mídia estão
amplamente difundidos.
Com base nos resultados dessa pesquisa, sugerimos que o professor de Ciências,
ao trabalhar com os estudantes os conceitos científicos utilizando imagens, incentive-
os para um olhar curioso e interessado para estas, por meio da leitura e discussão
das legendas e aplicação de atividades com elaboração das mesmas; motivação na
elaboração de textos a partir das imagens e vice-versa; observação das características
entre desenhos e fotografias ou tamanhos, ampliações e resoluções, bem como a
disposição de cortes longitudinais e/ou transversais, dentre outras; reflexão com o
grupo sobre as tecnologias envolvidas na elaboração das imagens de Ciências, como
por exemplo, fotomicrografias, esquemas elaborados em programas de computador,
dentre outros. Ainda, é importante valorizar as imagens e suas relações com a evolução
histórica do conhecimento científico, desde os desenhos manuais elaborados pelos
primeiros naturalistas/cientistas, até a micrografia eletrônica obtida de um microscópio
eletrônico de varredura. Além disso, abordar os direitos autorais das imagens, quando
apresentadas nos trabalhos, sempre aludindo à fonte consultada.
Assim, a partir deste incentivo os docentes podem proporcionar aos estudantes nas
aulas de Ciências processos de construção de uma cultura visual, na qual os estudantes
possam elaborar conceitos científicos fazendo uso da leitura de imagens.
REFERÊNCIAS
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Moderna, 2004a.
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