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Kim Ouakil Boscolo

HÁ ALGO DE REVOLUCIONÁRIO NA MÁSCARA E NO


NARIZ
Cartografia de um Sociodrama sobre Mulheres, Palhaçaria e Papel
profissional

Monografia apresentada à Viver


Psicologia: Psicodrama para a
obtenção do Título de Especialista
em Psicodrama Foco
Socioeducacional
Orientadora: Msc. Luciana
Moskorz Kersbaumer

Tubarão
2019
3

Kim Ouakil Boscolo

HÁ ALGO DE REVOLUCIONÁRIO NA MÁSCARA E NO


NARIZ
Cartografia de um Sociodrama sobre Mulheres, Palhaçaria e Papel
profissional

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do Título de


“Psicodramatista com foco Socioeducacional, sendo aprovada pela
Escola Viver Psicologia: Psicodrama.

Tubarão, 15 de março de 2019.

________________________
Prof. Viviane Almeida, Mse.
Coordenadora do Curso

Banca Examinadora:

________________________
Prof.ª Alexandra Sombrio Cardoso, Mse.
Orientadora

________________________
Prof.ª Luciana Moskorz Kersbaumer, Mse.
Co-orientadora

________________________
Prof. Andréa Claudia de Souza, Dr.
Banca

________________________
Prof. Viviane Almeida, Mse.
Banca
5

Dedico este trabalho aos Encontros e


desencontros da vida. Eles inspiram,
me ajudam a caminhar; promovem
lindas relações, e também me deixam
de lado, promovem crises. E, depois da
crise, mais lindos Encontros.

Aos Encontros com minha família, que


mora em outro estado, mas que me
apoia lindamente. Aos Encontros com
amigas e amigos de coração. À querida
orientadora desse trabalho, que me
encorajou de um modo sempre querido,
e apostou nesse desafio. Aos
companheiros de luta, de resistência,
transformadores-formiguinhas de um
mundo melhor. Aos Encontros comigo
mesma, que promovem grandes
oportunidades de me descobrir e me
construir.
Aos desencontros com quem passou e
já foi, mas que de algum jeito deixou
marcas que me inspiram até hoje. Aos
desencontros de valores, idiomas e
intenções, desejo que lembrem do Tu
no outro. Aos encontros do GEP, que
agora se desencontram em boas
experiências em minha memória.
7

Essa falta de auto-estima


esse querer agradar
essa incerteza de ser bem quista
gerando o medo de dizer NÃO
e ser rejeitada
esse sorriso sempre à postos
minha fragilidade
duramente encoberta
disfarcei tanto
que não me reconheço
e as outras que guardei
tem ares de monstros-pecados
e eu não mostrei pra ninguém
não permiti a raiva, o grito
não deixei que a dor saísse
tive tudo controlado
fui assim bem normalzinha
menininha, boa-moça
incapaz de querer mal
não madrasta, fada madrinha
não bruxa e sim cinderela
parecia tão verdade
o maniqueísmo bobo
que me fez fazer-de-conta
que não sou sinceramente
boa e má,
médico e monstro
criador e criatura...
mas agora me permito
na corda bamba me mostro
muito prazer,
sou humana!

Nadia Lopes
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RESUMO

O presente trabalho consiste em uma vivência de Sociodrama com


Palhaçaria utilizada como instrumento auxiliar para reflexão sobre o role-
playing do papel profissional de mulheres. A reflexão sobre o papel
profissional se faz relevante diante das recentes crises econômicas, de
valores e políticas no Brasil, fatores que influenciam diretamente as
perspectivas relacionais e de satisfação deste papel. A proposta foi de
construir conhecimentos relacionados à contribuição da Palhaçaria para
um Sociodrama com mulheres sobre papel profissional, uma vez que as
duas abordagens se aproximam em diversos aspectos como bases
filosóficas, perspectiva relacional, conceitos em comum e promoção de
um contexto saudável. Essa pesquisa se baseou nas perspectivas da
Pesquisa-ação e da Cartografia, e foi realizada em um encontro do GEP
(Grupo de Estudos e Práticas de Psicologia, Palhaçaria e Psicodrama). Ao
longo das etapas foi realizado um Diário de Bordo pela pesquisadora
como forma de registrar a experiência de acordo com o método
cartográfico. A Palhaçaria foi utilizada no aquecimento e ao longo das
dramatizações, que, por sua vez, auxiliaram a promoção da reflexão de
cada uma sobre seu papel profissional. As participantes mostraram
envolvimento e grande interação, evidenciando Tele e Espontaneidade,
além da tomada de seu papel profissional e uso para transformação social.
Assim, a Palhaçaria se mostrou uma forma eficaz de complementar o
Psicodrama, na medida em que é também uma ferramenta relacional de
contato com emoções e que coloca o sujeito em evidência,
complementando os objetivos do Psicodrama ao promover autonomia e
Espontaneidade.

Palavras-chave: Sociodrama. Papel profissional. Role-playing.


Palhaçaria. Papel Feminino.
11

ABSTRACT
This paper presents a Sociodrama workshop using Clown as an auxiliary
instrument for reflection on role-playing of women’s professional role.
This reflection is relevant as the relational perspective and the satisfaction
in the professional role is influenced by the recent economic, value and
political crises in Brazil. The proposal was to understand the Clown’s
contribution for a Sociodrama workshop with women on their
professional role, as both approaches are related in philosophical and
relational aspects, as well as common concepts and the promotion of a
healthy environment. This research was based on the Action research and
Cartography perspectives and applied in a GEP meeting (Studies and
Practices group of Psychology, Clown and Psychodrama). A logbook was
also produced along this study. The Clown methodology was used as a
warm-up and during the action phase, promoting a reflection about the
participants’ professional role. The participants showed involvement and
significant interaction, evidencing Tele and Spontaneity, in addition to
assuming their professional role and using it for social transformation.
Thus, Clown proved to be an effective way of complementing
Psychodrama, considering that it is also a relational tool, enabling contact
with emotions, placing the person in evidence and complementing
Psychodrama goals, to the extent it promotes autonomy and Spontaneity.

Key words: Sociodrama. Professional role. Role-playing. Clown,


Feminine role.
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SUMÁRIO

1. Introdução.......................................................................................... 15
1.1 Problema de pesquisa .................................................................. 15
1.2 Objetivo ....................................................................................... 16
1.2.1 Objetivo geral ....................................................................... 16
1.2.2 Objetivos específicos ........................................................... 16
1.3 Justificativa ................................................................................. 16
2. Marco teórico .................................................................................... 19
2.1 Psicodrama .................................................................................. 19
2.1.1 Socionomia........................................................................... 19
2.1.2 História do Psicodrama ........................................................ 20
2.1.3 A Utopia Moreniana............................................................. 22
2.1.4 Teoria do Momento .............................................................. 25
2.1.5 Matriz de identidade............................................................. 27
2.1.6 Teoria dos Papéis ................................................................. 29
2.1.7 Elementos, Contextos e etapas ............................................. 30
2.1.8 Técnicas ............................................................................... 34
2.1.9 Sociodrama........................................................................... 35
2.2 Palhaçaria .................................................................................... 37
2.3 Reflexões sobre Papel profissional feminino .............................. 43
2.3.1 A mulher e seu papel profissional ........................................ 43
2.3.2 O papel profissional no Psicodrama ..................................... 48
3. Metodologia ...................................................................................... 53
3.1 Grupo de Estudos e Práticas (GEP)............................................. 53
3.2 Pesquisa-ação .............................................................................. 54
3.3 Cartografia................................................................................... 55
3.4 Vivência: Palhaçaria e Sociodrama ............................................. 58
3.5 Etapas da vivência .......................................................................58
3.5.1 Momento inicial .................................................................... 58
3.5.2 Aquecimento inespecífico..................................................... 58
3.5.3 Aquecimento específico........................................................ 60
3.5.4 Dramatização ........................................................................ 60
3.5.5 Compartilhamento ................................................................ 60
4. Processamento teórico........................................................................61
4.1 Momento inicial ...........................................................................61
4.2 Aquecimento inespecífico............................................................62
4.3 Aquecimento específico ...............................................................66
4.4 Dramatização ...............................................................................66
4.5 Compartilhamento .......................................................................71
5. Conclusões .........................................................................................73
Referências.............................................................................................75
Anexos ...................................................................................................81
Anexo A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) .....81
15

1. INTRODUÇÃO

- Tu mudaste de área?
- Não, só estou olhando sob um diferente ponto de
vista.

Minha trajetória no Psicodrama começou na faculdade, em


quatro semestres em que tive a disciplina e experiências em estágio.
Sempre gostei de teatro, e me movia muito mais quando técnicas e teoria
serviam para me auxiliar, e não para cercear minha vivência e atuação.
Assim, o Psicodrama me vestiu como uma luva. Já psicóloga formada, me
mudei de estado e conheci a Palhaçaria. Não o palhaço com nariz
vermelho e sapato grande que faz estripulias em festas de criança – mas
sim aquele com a menor máscara do mundo, capaz de revelar o ser
humano que a veste em sua versão mais exagerada e espontânea.
Em conversas informais, com duas outras colegas vimos muito
em comum entre a Psicologia e Palhaçaria, sendo difícil encontrar uma
razão para elas não dialogarem academicamente, em atividades de grupo
e até na psicoterapia. Tentando encontrar respostas, nós, três psicólogas -
sendo duas futuras psicodramatistas e uma palhaça -, resolvemos montar
o carinhoso GEP, ou Grupo de Estudos e Práticas em Psicologia,
Palhaçaria e Psicodrama.
E é a partir da experiência de um dos encontros deste grupo
aberto que trago aproximações e reflexões sobre Psicodrama e Palhaçaria,
trazendo um novo ponto de vista à minha atuação como psicodramatista.
A Cartografia foi a metodologia escolhida para este trabalho, em
que espontaneidade, relação, construção coletiva e criatividade são ideias
que circundam desde a fundamentação teórica do Psicodrama e da
Palhaçaria até a prática unindo os dois, e suas repercussões.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

Quais as possíveis contribuições da Palhaçaria para a realização


de um Sociodrama sobre papel profissional de mulheres?
1.2 OBJETIVO

1.2.1 Objetivo geral

Analisar possíveis contribuições da Palhaçaria em um


Sociodrama sobre o role-playing do papel profissional de mulheres.

1.2.2 Objetivos específicos

1- Identificar possíveis contribuições do uso da Palhaçaria em um


Sociodrama sobre papel profissional das mulheres;
2- Promover um espaço para reflexão sobre o role-playing do
papel profissional a partir de um Sociodrama;
3- Promover um espaço para reflexão sobre a mulher no papel
profissional a partir de um Sociodrama.

1.3 JUSTIFICATIVA

Psicodrama e Palhaçaria se mostram como abordagens que visam


potencializar a (necessária) transformação e Espontaneidade do ser
humano político e (trans)formador de grupos. Diversas produções sobre
essas temáticas e calcadas nos trabalhos de Bauman e Guattari, inspiraram
este trabalho, como o Psicodrama na pós-modernidade (VIEIRA, 2017),
o palhaço na pós-modernidade (DORNELES, 2003) e a corporeidade na
Palhaçaria e no Psicodrama (AMARAL, 2013). O presente trabalho se
baseia em reflexões semelhantes às das teses mencionadas quanto à
importância de sua dimensão política na atualidade, relevância social e
científica, e de/para ser humano pesquisador, palhaço, psicodramatista,
político e transformador.
Na mesma linha, a Cartografia, principalmente a apresentada no
livro de Passos et al (2015), foi outro inspirador e guia deste trabalho na
medida em que também enxerga o ser humano em semelhante perspectiva
em uma Metodologia séria e na perspectiva relacional.
No contexto moderno brasileiro, Datner afirma que há uma
percepção nítida dos participantes de, após participarem de uma vivência
sociodramática, “que possuem um papel de sua própria autoria, genuíno,
autêntico, com livre expressão espontânea-criadora, e em constante
transformação em sua rede social de produção/trabalho” (1999, p. 81). O
Psicodrama se mostra, assim, como uma ferramenta que auxilia no
17

empoderamento de sujeitos em relação ao seu papel profissional. Sendo


assim, o presente trabalho visa analisar possíveis contribuições da
Palhaçaria em um Sociodrama com mulheres sobre o role-playing do
papel profissional.
A partir dessas considerações, podemos compreender que a
relevância científica deste trabalho se dá através de um novo trabalho
como colaboração para a produção científica do Psicodrama. O único
trabalho que aproxima Psicologia e Palhaçaria foi o de Amaral (2013).
Além desse, não foram encontrados trabalhos que aproximem ambos,
embora há muitos que aproximem Palhaçaria e Psicologia, como em
Dorneles (2003; 2009), Kásper (2004; 2009) e Barboza (2011; 2016). Já
o artigo de Ramalho (2009), que enxerga o arquétipo de palhaço aos olhos
do Psicodrama, o faz segundo a perspectiva do Psicodrama Junguiano.
Já a relevância social se dá pela promoção de autonomia e
autoafirmação através do papel profissional da mulher; pela maior
divulgação do Psicodrama como ferramenta sócio-política; e pela maior
divulgação de trabalhos do Psicodrama.
19

2. MARCO TEÓRICO

2.1 PSICODRAMA

2.1.1 Socionomia

Uma das grandes contradições da Modernidade


fluida é a promessa de liberdade e possibilidades de
autoafirmação, por um lado, e a incapacidade de
controlar as situações sociais que podem tornar a
liberdade e a autoafirmação possíveis, por outro
(...). Com isso, o fracasso ou o sucesso são sempre
relacionados com o desempenho individual
independentemente do contexto no qual se está
inserido (VIEIRA, 2017, p. 62).

Há algo de revolucionário no Psicodrama. Em toda a


transformação que esta abordagem nos traz - seja como diretor,
protagonista ou participante. As influências filosóficas do Psicodrama -
Heidegger, Buber, Perls, entre outros - (FONSECA, 1980) nos fazem crer
que o momento era, e ainda é, da necessidade de se voltar às relações
humanas, que com elas nos desenvolvemos, e que, a partir do outro,
conseguimos nos enxergar melhor. Além disso, “ao invés de focar-se em
doenças e nas dificuldades de cada pessoa, enfatiza a espontaneidade e a
capacidade criativa que cada ser humano possui” (BRUHN, M. M. in
TRINDADE et al, 2018, p.101).
A proposta de Moreno da Socionomia (comumente chamado de
Psicodrama) se divide em três pilares: Sociodinâmica, Sociatria e
Sociometria. A primeira se caracteriza por investigar as dinâmicas de
relações; a segunda, com o caráter psicoterápico, se propõe ao tratamento
e transformação da sociedade; a terceira tem o objetivo de mensurar essas
relações e características do grupo (ALMEIDA, 1991; FEBRAP, 2011).
O Psicodrama, assim, garante uma satisfação simbólica ao sujeito que
procura sua autorreealização ou alívio de suas angústias através da
Espontaneidade criativa (MORENO, 2014).
A Socionomia subdivide-se, também, em Psicodrama terapêutico,
Sociodrama e Teatro Espontâneo, permitindo ao seu participante
construir-se constantemente em seu(s) papel(is). E é por isso que apenas
a técnica não daria conta dessa complexidade que é o sobreviver, o viver
e o viver com o outro. Com uma teoria bem embasada, conseguimos
enxergar o ser humano ou o grupo em seu contexto, não isoladamente.
Com a técnica, temos a instrumentação necessária para entrarmos em
contato com nossas emoções e transformação. E, com a filosofia,
podemos nos enxergar como protagonistas de nossas vidas, olhando o
outro também como tal, para assim promover micro revoluções que
podem ser multiplicadas e ampliadas, visando um mundo mais harmônico
e digno para todos, como Moreno idealizava (ALMEIDA, 1991;
CUKIER, 1992; FONSECA, 1980).
O poema abaixo foi escrito por um heterônimo do escritor e poeta
português Fernando Pessoa (1888-1935), Ricardo Reis, e pode nos ajudar
a compreender como Levy Jacob Moreno, criador da Socionomia,
enxergava o outro e o mundo:

Ninguém a outro ama, senão que ama


O que de si há nele, ou é suposto.
Nada te pese que não te amem. Sentem-te
Quem és, e és estrangeiro.
Cura de ser quem és, amam-te ou nunca.
Firme contigo, sofrerás avaro
De penas
(PESSOA, 1946, p. 145)

Quando o ser humano está disposto, e pronto, para ver o outro em


sua essência, para ser esse outro, ele está enxergando-o em seu profundo
eu. Ainda, a própria ideia de ter um heterônimo é bem psicodramática, na
medida em que Pessoa se coloca no lugar de um outro – mesmo que
imaginário – e pensa, devaneia e escreve no momento em que é Ricardo
Reis. Vamos retomar o contexto mundial na época do nascimento de
Moreno e a história de sua vida para nos aproximarmos de uma
compreensão maior de suas ideias.

2.1.2 História do Psicodrama

Turquia, século XVIII. Nascia o Hassidismo, em que o divino


aflora a partir do entusiasmo do contato pessoal, da alegria, do prazer, da
contemplação unida ao movimento, e da consequente não alienação dos
pensamentos. A expressão popular “de corpo e alma” é oportuna para se
pensar como os adeptos ao hassidismo se envolvem com o judaísmo, não
se distinguindo ética de religião. Israel ben Eliezer de Mesbitsch,
conhecido como Baal Shem Tov, foi o fundador oficial do movimento,
sempre contando histórias e atraindo seguidores (PFEFFER, 2008).
21

Nunca deixou escritos, e foi a memória daqueles que conviveram com ele
que perpetuaram a essência hassídica (FONSECA, 1980). Moreno, mais
tarde, influenciado pelas ideias hassídicas, acreditava que então seríamos
gênios em potencial, com o potencial criador divino, a chamada centelha
divina (ALMEIDA, 1991; BUSTOS, 1982; SCHMIDT, 2007).
Bucareste, Romênia, 1889. Ano de nascimento de Jacob Levy
Moreno. Aqui estamos na irradiação da primeira revolução industrial,
palco de grandes inovações como a máquina a vapor substituindo a
manufatura, e a imprensa – a agilidade na produção e na comunicação era
o mote. Também o Romantismo pairava no ar, distanciando-se do
racionalismo (ALMEIDA, 1991).
“Viena [Áustria], a cidade de muitos berços” (MORENO, 2014,
p. 54), e também lar de Moreno com poucos anos de idade. Sua história
estava sendo escrita a partir do que uma cigana havia dito à sua mãe - que
ele iria mudar o mundo (SCHIMIDT, 2007). Em sua adolescência, já
seguia o caminho de fazer diferente para um mundo novo: iniciou dando
aulas de tutoria e foi cursar medicina. Durante a faculdade, Moreno se via
nas praças de Viena com crianças, brincando, contando histórias e
dramatizando-as. Disse Moreno que as crianças são puro ato: “criar e
“ser” parecem para ela a mesma coisa” (MORENO, 2014, p 139). Essa
Espontaneidade é uma das bases da Teoria do Psicodrama, novamente
retomando ao potencial criador da centelha divina (ALMEIDA, 1991).
Nesta época, também criou grupos de terapia e apoio em uma
república que morava – a Casa do Encontro – com todos os que
necessitavam, o que culminou com os grupos de terapia com prostitutas,
lhes oferecendo também apoio jurídico. Junto ao filósofo Martin Buber
(1878-1965), com quem tinha muitas afinidades filosófico-religiosas,
também foi editor e escritor da revista Daimon (SCHMIDT, 2007).
Almeida remete a palavra grega Daimon a demônio, “sendo usada como:
energia, força cósmica, espírito criativo, destino pessoal, ‘centelha
divina’, deus individual e anjo particular intermediário entre homem e
Deus” (1991, p.37/8), já caracterizando a base do Psicodrama e a visão de
mundo de Moreno.
E em Viena, no dia primeiro de abril de 1921, nasce o Psicodrama
que, segundo o próprio autor, “pode ser definido como a ciência que
explora a "verdade" por métodos dramáticos” (MORENO, 2014, p. 49).
Estados Unidos, década de 1940. Moreno se mudou para terras
norte-americanas pela oportunidade de patentear um rádio que havia feito
com seu irmão. E de lá nunca mais saiu. Terra do Behaviorismo, aprendeu
que sistematizar sua obra lhe daria mais embasamento e visibilidade
(SCHMIDT, 2007). E foi com a terceira esposa, Zerka1, que passou o
restante de sua vida. Em Nova York, 1974, chega ao fim uma vida que
quis mudar o mundo, e que deixou uma vasta bagagem de como podemo-
lo fazer (ALMEIDA, 1991).
No Brasil, o Psicodrama chegou em diversas épocas de várias
maneiras. O sociólogo baiano Guerreiro Ramos, junto a Ananias do
Nascimento – que trazia o Teatro do Negro -, trouxeram ao Rio de Janeiro
as ideias de Moreno. Porém, foram expulsos na época da ditadura militar
e o espaço do Psicodrama regrediu. Mais tarde, no final dos anos 1960, a
pedido do Banco da Lavoura mineiro, o francês Pierre Weil trouxe
novamente as ideias de Moreno – dessa vez, para realizar treinamentos
com os funcionários do banco. Bermudez também ajudou a divulgar o
Psicodrama no Brasil, principalmente com sua Teoria do Núcleo do Eu,
bem como o argentino Bustos, com o Psicodrama clínico. A FEBRAP,
por fim, veio a ser criada em 1976 para regulamentar a formação do
psicodramatista (Febrap, 2011).
Um importante autor que bebeu - mesmo que não assumidamente
- da fonte de Moreno foi Augusto Boal, proponente do Teatro do
Oprimido. Na década de 1970, Boal acreditava que o teatro poderia ser
utilizado para trabalhar opressões já sofridas por alguém da plateia, que
mergulharia em um ato de uma questão social com a qual o grupo se
identificaria, tornando-a primeira pessoa do plural, para depois, através
da autoobservação, cada um poder trabalhar internamente sua questão. O
dramaturgo não admitiu que estudou Psicodrama e Moreno a fundo,
porém há de se convir que a ideia de transformação social através de um
teatro mais participativo, terapêutico e de diversas técnicas para auxiliar
neste caminho aproximou o Teatro do Oprimido ao Psicodrama
(OLIVEIRA & ARAÚJO, 2012).

2.1.3 A Utopia Moreniana

A utopia está no horizonte. Aproximo-me dois


passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos e o horizonte se distancia dez passos mais
além. Para que serve a utopia? Serve para isso: para
caminhar (GALEANO, 2004, p. 310).

1
Zerka foi extremamente importante na sistematização da obra de Moreno, assim
como suas esposas anteriores. O documentário “Jacob Levy Moreno: Sua vida e
suas musas” (MAIDA, 1997) fala da importância dessas mulheres para a grande
obra do Psicodrama.
23

A Utopia Moreniana foi o guia de todo seu pensamento do


psiquiatra. Quando Fernando Pessoa disse “tenho em mim todos os
sonhos do mundo”, parece tê-lo dito Moreno. Ele acreditava na conquista
da paz para um mundo melhor, intencionava a cura da humanidade. Se
conseguiu, é difícil dizer que sim. Mas há de se convir que se “ver-te-ei
com os teus olhos e tu ver-me-ás com os meus” (MORENO, 2014, poema
de introdução ao livro), o mundo que Moreno propõe já acontece quando
presenciamos ocasionalmente a empatia e Espontaneidade nas relações
humanas e a compreensão do outro como ele é a partir de atitudes que nos
lembrem que somos apenas quando somos com o outro, quando
pertencemos, quando somos heterônimos e espontâneos.
As crianças e bebês têm o que há de mais puro, nobre e proveitoso:
sua Espontaneidade. Moreno se dedicou bastante a observar o
desenvolvimento e crescimento do ser humano. Nascer é nosso primeiro
grande ato espontâneo:

ao nascer, o bebê transfere-se para um conjunto


totalmente estranho de relações. Não dispõe de
modelo algum, de acordo com o qual possa dar
forma aos seus atos defronta-se com uma nova
situação, mais do que em qualquer outra época da
sua vida subsequente. A essa resposta do indivíduo
há uma nova situação - e a nova resposta a uma
antiga situação - chamamos de espontaneidade.
Para que o bebê viva, essa resposta deve ser
positiva e sem falhas. Deve ser rápida, reagindo ao
estímulo do momento (2014, p. 101).

A Espontaneidade, chamada por Moreno de fator e, está


conectada à Criatividade (à centelha divina, criadora, potencial de cada
um) e leva em conta a “adaptação, flexibilidade, ajustamento e
reajustamento” (2014, p. 126), sendo de extrema importância lembrar que
o sujeito nunca se encontra isolado e, portanto, sua Espontaneidade
também leva em conta o contexto e os outros à sua volta (dimensão
relacional), ou seja, “não só motiva um processo interno mas também uma
relação externa social, isto é, uma correlação com o ‘estado’ de uma outra
pessoa” (MORENO, 2014, p. 86).
Sendo assim, “o indivíduo não está dotado de um reservatório de
espontaneidade (...) [E,] do mesmo modo, deve ter o cuidado de não
produzir mais do que a situação requer (...). A espontaneidade só funciona
no momento de seu surgimento” (p. 136). A este respeito, Moreno faz um
paralelo entre Espontaneidade e Centelha divina: “(...) quanto mais
automática for a recitação da prece, tanto mais a perda de e
(espontaneidade) deteriorará a fé de cada um no valor da oração. Por outro
lado, um contínuo exercício de espontaneidade na prece, conferirá a esta
uma realidade e dignidade religiosa sempre crescentes” (2014, p.141).
Um outro conceito-chave associado à Espontaneidade na Teoria
de Moreno é a Tele: “um sentimento que é projetado à distância; a
unidade mais simples de sentimento transmitida de um indivíduo a um
outro” (2014, p. 135), como em uma via de mão dupla. A Tele pode ser
dotada de sentimentos negativos e positivos, sendo essencial uma
oportunidade de “explorar suas redes interpessoais em meios suportivos”
para que revele sentimentos e dinâmicas de relações autênticas
(HOLMES; KARP; WATSON, 1998, p. 350).
A Tele depende de diversos fatores como reciprocidade, atração,
complementariedade de papeis, valores e história comuns, preconceitos,
transferência, dentre diversas outras. Essa última, por sua vez, surge como
a parte cristalizada da relação: “é uma experiência subjetiva, enraizada no
indivíduo e baseada na fantasia” (HOLMES; KARP; WATSON, 1998, p.
353) de encontrar o já conhecido em outra relação.
Considerando a Matriz de Identidade2 de cada um se conecta a
outras, formando uma rede de relações, protagonistas em um contexto
serão egos auxiliares em outro, e essas relações serão dadas em diferentes
níveis de consciência através da Tele. Moreno defendia que os estados
consciente e inconsciente também não podem ser dados fora de uma
relação. Assim, os chamados Coconsciente e Coinconsciente são uma
evidência da ligação (respectivamente, consciente e oculta, de alguma
forma) entre as pessoas presentes em dado contexto. São uma espécie de
consequência do aqui-agora, dimensão importante do Psicodrama.
(HOLMES; KARP; WATSON, 1998).
“Cada ato criativo específico, assim como no ato do nascimento,
ocorre num nó de relações, e evoluirá por meio da alimentação e criação
de um processo coinconsciente” (HOLMES; KARP; WATSON, 1998, p.
267). A Sociometria ou a escolha sociométrica, assim, leva em conta as
matrizes presentes e a relação entre cada uma, possibilitando aos
presentes a co-construção télica de Criatividade e Espontaneidade, e
consequente transformação e autonomia (HOLMES; KARP; WATSON,
1998).

2
A Matriz de Identidade, conceito-chave do Psicodrama, se refere a todo o
contexto social, familiar, biológico, etc. do sujeito ao nascer. Mais a respeito
será discorrido no subtítulo Matriz de Identidade.
25

Por fim, pode-se dizer que a coesão grupal é fruto da tele entre os
participantes (diretor, inclusive). São também elementos que auxiliam na
coesão: “a urgência de sua necessidade comum, a clareza da tarefa do
grupo, as normas do líder, as semelhanças e diferenças nos valores
culturais e expectativas dos membros” (HOLMES; KARP; WATSON,
1998, p. 358), dentre outros.
Espontâneo, transformador, coletivo. Psicodrama tem, sim, algo
de revolucionário.

2.1.4 Teoria do Momento

Nosso maior medo não é sermos inadequados.


Nosso maior medo é não saber que nós somos
poderosos, além do que podemos imaginar. É a
nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos
assusta (...) Nós nascemos para manifestar a glória
de Deus dentro de nós. Isso não ocorre somente em
alguns de nós; mas em todos. Enquanto permitimos
que nossa luz brilhe, nós, inconscientemente,
damos permissão a outros para fazerem o mesmo.
Quando nós nos libertamos do nosso próprio medo,
nossa presença automaticamente libertará outros.
(Nelson Mandela, no discurso de posse como
presidente da África do Sul, em 10 de maio de
1994)

A Teoria do Momento utiliza-se da Criatividade, da


Espontaneidade - e de seu contrário necessário e inseparável, a Conserva
cultural - para mostrar que cada ser humano é único e ação em potencial
em cada momento em que está no mundo.
As Conservas culturais para a humanidade, de início, serviram
para “situações ameaçadoras [regras de sobrevivência, elaboração de
armas] e asseguravam a continuidade de uma herança cultural [livro,
música]” porém, “quanto mais se desenvolveram (...), mais raramente as
pessoas sentiam a necessidade da inspiração espontânea (...). Essa
situação exigiu, como que em auxílio, o diametralmente oposto à conserva
cultural: a categoria de Momento” (MORENO, 2014, p. 158).
A respeito do Momento, Petrilli nos brinda com outra elucidação
da Teoria do Momento, que:
é a confraternização entre Psicodrama e o método
fenomenológico-existencial (...) que abre os
mundos interno e relacional para as transformações
e mudanças. Naquele instante (...), afetos,
sentimentos e emoções abrem-se para o insight,
para a reparação e para o mundo novo da catarse de
integração em suas várias formas de andamento
clínico: revolutiva, resolutiva e evolutiva (1994, p.
57).

E, a respeito da conserva cultural, Fonseca, que aproxima as ideias


de Buber e Moreno, fala que essa:

seria o armazenamento da cultura de uma


sociedade. Após o sublime momento da ‘criação’
(...), o produto é ‘conservado’ (passa a ser o Eu-
Isso, de Buber). Conserva cultural seria o
esfriamento do calor da criação. Seria o
empalidecer do Eu-Tu, transformando-se em Eu-
Isso. Já não teríamos a relação total, somente a
parcial. Na medida em que a sociedade valoriza
excessivamente a ‘conserva’, impede que a
espontaneidade humana estoure em novas criações.
Surge a tendência de imitar o já criado, o já Eu-Isso
(...). Porém, o homem já não ‘cria’, não se
‘relaciona’, não se ‘encontra’ – só observa, ordena,
copia, utiliza, dispõe (1980, p. 57/58).

Uma situação em que Eu e Tu estão em um nível máximo de


conexão chama-se Encontro. O Encontro na perspectiva moreniana é uma
“comunhão de cosmos” atemporal, sem fronteiras do ego, algo que ocorre
após um contato télico entre dois sujeitos – em que Eu é Tu e Tu é Eu.
Essa experiência pode ser vivida como plenitude na medida em que
retoma a experiência dentro do útero materno, em que tudo é Eu e Tu. O
potencial criador que temos, a centelha divina, faria parte da onipotência
de ser Eu e Tu ao mesmo tempo (na verdade, mais Tu do que Eu)
(BUBER, 2001; FONSECA, 1980).
A fenomenologia existencial também foi uma grande influência
para o Psicodrama e a Teoria do Momento. Buber corrobora com essa
ideia ao dizer que o “experimentador não participa do mundo: a
experiência se realiza "nele" e não entre ele e o mundo” (2001, p. 40). O
homem está sempre em relação, sempre integrante em seu mundo e,
27

segundo o fenomenólogo Freitas, “a ausência de vínculos (...) não é uma


possibilidade dos homens” (2012, p.66).
Buber, porém, não se considerava fenomenólogo nem se
encaixava em nenhuma abordagem, autodenominando-se atypischer
mensch3, em uma estreita aresta - ao invés “da larga e alta planície do
absoluto” (BUBER, 2001, p. 6) – onde a única certeza é o encontro com
aquilo que não está desvelado. Disse que “o conteúdo vivido da
experiência humana, em todas as suas manifestações, vale mais do que
qualquer sistematização conceitual” (2001, p. 13). É a santa insegurança
de se estar em algum lugar que não se sabe, mas que se tem certeza que é
o mais viável caminho.

2.1.5 Matriz de identidade

O momento do nascimento é o grau máximo de


aquecimento preparatório do ato espontâneo de
estar nascendo para um novo ambiente (...) A
criança é o ator. Tem de atuar em papéis sem
possuir um ego ou personalidade para desempenhá-
los. Tal como o ator improvisado, cada passo que
dá no mundo é novo. (MORENO, 2014, p. 105)

A Matriz de Identidade, parte da Teoria Socionômica, diz respeito


ao nosso nascimento e desenvolvimento, e às implicações disso ao longo
de nossa vida. Moreno relembra que tudo está interligado: “nenhuma
‘coisa’ existe sem seu locus, não há locus sem status nascendi e não há
status nascendi sem sua matriz “(2014, p. 105). Ou seja, é com a Matriz
de Identidade que nascemos, nos desenvolvemos, erramos, aprendemos,
nos relacionamos, enfim, que vivemos. É nossa placenta social, eterna
construção do nosso eu, desde antes de nascer até depois de nossa morte.
Nossa identidade tem seus primórdios antes mesmo de nascermos,
na medida em que temos a influência do contexto sociocultural, as
expectativas da família, a história familiar, etc. Em outras palavras, nos
construímos a partir do espaço (circunstâncias do nascimento) e do tempo
(período de gestação e momento histórico), respectivamente, o locus
nascendi e o status nascendi (MORENO, 2014).
Como no aquecimento de uma sessão psicodramática, o bebê
primeiro interage com seu corpo (expressão somática) por meio de zonas,

3
Tradução livre: homem atípico
ou regiões do corpo. Cada zona tem um foco, que permite o dispositivo
de arranque, que o leva às expressões psicológicas e sociais:

Em suma, para sua efetivação, os iniciadores


necessitam de um locus (zona) que delimita a área
onde vai ocorrer o processo; de uma matriz (foco)
para onde convergem os elementos participantes do
locus; e do status nascendi (aquecimento
propriamente dito), que traduz o momento e o
modo como o processo se inicia (MONTEIRO,
1993, p. 33).

Nesse contexto, ao nascermos, estamos em uma matriz total


indiferenciada. Nós, mãe (ou cuidador) e mundo somos a mesma massa,
temos os mesmos desejos, tudo existe para nos saciar. Moreno citou o ato
de mamar para exemplificar esta etapa: “a mamadeira pertence à mão que
a segura e ambas pertencem aos lábios no ato de mamar” (MORENO,
2014, p. 126).
A matriz total diferenciada (ou de realidade total) vai surgindo
conforme temos uma ideia de que nós somos diferentes do mundo e de
nosso cuidador. Há o reconhecimento do vínculo. Tudo é real e está lá
para nos servir, mas estamos mais conscientes do que é diferente de nós,
sujeito e objeto são distintos. Esta etapa termina quando “a experiência
infantil de um mundo em que tudo é real começa se decompondo entre
fantasia e realidade” (MORENO, 2014, p. 115).
Na fase da brecha entre a fantasia e a realidade já conseguimos
diferenciar o outro, e mais: começamos a poder “inventar” um outro.
Iniciamos o processo de distinguir o nosso mundo interno do mundo
fantasioso e da realidade (que podemos chamar também de conserva
cultural, uma vez que representa algo engessado, conhecido). Após essa
etapa, tendemos a estar conscientes que o outro, além de não ser nós,
pensa diferente e tem outros desejos que os nossos (MORENO, 2014).
Estas etapas são apenas um referencial, e podem não estar
completas em um adulto, fazendo com que ele não consiga se colocar no
lugar de outra pessoa, por exemplo – do mesmo modo, ele terá extrema
dificuldade em realizar a inversão de papéis com um outro em uma
dramatização psicodramática.
A matriz é como tudo isso se inicia: um óvulo fecundado, como
Bustos (1982) e Moreno (2014) exemplificam. O aqui e agora são
extremamente importantes em uma cena dramática, assim como no
decorrer da vida, uma vez que há a necessidade de entramos em contatos
29

conosco mesmo e o que está à nossa volta para nos implicarmos nas
diversas situações. Com dados de realidade, acentuamos a disponibilidade
para o outro, nossas relações e, em última análise, nossa Espontaneidade
e saúde.
Fonseca (1980) sugere uma ampliação da Matriz de Identidade
proposta por Moreno. Inicia-se pela indiferenciação – apenas Eu -, que é
seguida pela simbiose entre Eu e Tu. O reconhecimento do Eu, e em
seguida o reconhecimento do Tu, permitem a etapa seguinte: relação em
corredor, tendo apenas uma relação como base. A pré-inversão de papeis,
em seguida, oferece um outro tipo de relação entre Eu e Tu, na qual há a
possibilidade de uma imitação precária do outro. A triangulação, por sua
vez, inclui um terceiro no rol de relações. A circularização, então, facilita
o contato com grupos, uma vez que há não só a ideia de Eu e Tu, mas
também de “nós”. Por fim, há a inversão de papeis, na qual o sujeito
consegue mais facilmente se colocar no lugar do outro, e o outro em seu
lugar, facilitando o Encontro em um processo espontâneo e de saúde.
Essas etapas também podem ser vistas no desenvolvimento de um grupo.
Moreno (2014) esclarece que o Psicodrama surgiu também para
promover essa Espontaneidade geralmente latente no adulto. Ela é a
capacidade de dar novas respostas às mesmas ou diferentes situações. E é
assim que nos construímos como seres humanos, interagindo com o outro
criativamente, através de diferentes papéis para cada contexto.

2.1.6 Teoria dos Papéis

Nos relacionamos com o outro através de papeis. Mais do que


isso, a “zona de interações entre o ego e o mundo exterior está estruturada
em forma de papéis” (BUSTOS, 1982, p. 24). Segundo a Teoria dos
Papéis (MORENO, 2014), primeiro temos o papel psicossomático,
correspondente à matriz total indiferenciada. Neste, os vínculos são
operacionais, têm a função de suprir nossos desejos. Depois, construímos
nossos papéis sociais, estando aptos a nos diferenciar do outro e podendo
criar vínculos de contato (matriz total diferenciada). E, assim,
constituímos nossos papéis psicodramáticos, que nos permitem ver com
os olhos do outro (pós-brecha entre fantasia e realidade). Moreno finaliza:
“os eus fisiológico, psicodramático e social são apenas ‘eus parciais’; [n]o
eu inteiro (...) têm de se desenvolver, gradualmente, vínculos operacionais
e de contato entre os conglomerados de papéis [de outros sujeitos]” (2014,
p. 26).
A Teoria dos Papéis versa sobre a experimentação destes papéis,
surgidos nesta ordem ao longo do desenvolvimento de cada um. Como
Moreno acredita que o mundo é algo dinâmico, em constante mudança,
os papéis também não são fixos e mudam de acordo com o contexto e o
tempo, permitindo ao sujeito desempenhar diversos papéis, fazer o role-
playing.
Moreno escreve: “consideramos os papéis e as relações entre eles
o desenvolvimento de maior significado em qualquer cultura específica.
O papel é a unidade da cultura; ego e papel estão em contínua interação”
(2014, p. 29). Os papéis se definem em relação ao outro, tendo três etapas:
iniciamos com o role-taking, imitando o papel do outro; depois, vamos ao
role-playing, interpretando esse papel e, então, tendemos a criar nossos
próprios papéis, fazer o role-creating. Em outras palavras, no primeiro
adotamos um papel; no segundo, jogamos com suas possibilidades; e, no
terceiro, desempenhamos este novo papel de forma mais autônoma,
criativa e espontânea (MANZONI, 2008).
Bustos (1999) fala a respeito dos clusters, agrupamentos de papeis
de acordo com a dinâmica entre eles. Segundo o autor, há três tipos de
clusters: primeiro, segundo e terceiro4. O primeiro corresponde aos papeis
de acolhimento e cuidado (de si e do outro), essenciais para desempenhar
gradualmente papeis do segundo; este, por sua vez, representa limites e
regras (em si e no outro); o terceiro versa sobre papeis simétricos,
podendo ser conflitivos ou parceiros.

2.1.7 Elementos, Contextos e etapas

A tragédia tende a purificar os espectadores e


ouvintes, ao excitar artisticamente certas emoções
que atuam como uma espécie de alívio
homeopático de suas próprias paixões egoístas.
(MORENO, 2014, p. 409)

De acordo com Moreno (2014), alguns elementos são necessários


para se explorar nossa 'verdade' em um Psicodrama: (1) Palco, para os
participantes situarem-se em equilíbrio entre tensões e a experiência de
liberdade, entre realidade e fantasia; o participante ou grupo protagonista
após o aquecimento; (2) Diretor, que cumpre três papéis simultâneos - o
de produzir uma ação dramática após a fala ou expressão trazida pelos
sujeitos; o de terapeuta ativo ou passivo, em um Psicodrama, ou

4
Também comumente chamados de Materno, Paterno e Fraterno.
31

facilitador da vivência em um Sociodrama; e o de analista, com a ajuda


do público ou de outros que forem trazidos à cena; (3) Ego auxiliar (ou
ator terapêutico), que pode ser extensão dos participantes ou do diretor,
sempre ajudando-os a visualizar ou a expressar algo, podendo também ser
profissionais ou integrantes do público; (4) Público, que auxilia o grupo
protagonista em sua 'jornada dramática', também podendo participar da
vivência; e Protagonista (5) como ele mesmo, sem quaisquer atuações
apenas vivenciando o eu, às vezes mais explícito do que na realidade, após
o aquecimento.
Se falamos de papeis na sociedade, inseridos em uma cultura,
estamos em um contexto social. Já se estamos situados em um grupo, com
vínculos, (por exemplo, em um Sociodrama, nas etapas de Aquecimento
e Compartilhamento), falamos de contexto grupal. Em uma dramatização
a respeito de um dos contextos citados, estamos em um contexto
psicodramático (CONTRO, 2009).
Há também as etapas gerais de um Psicodrama de modo geral:
Aquecimento inespecífico, Aquecimento específico, Dramatização,
Compartilhamento e Processamento teórico – este último, junto aos
participantes ou apenas pela Unidade funcional5.
“O aquecimento é a expressão ‘operacional’ da espontaneidade”
(HOLMES; KARP; WATSON, 1998, p.36). Assim, para Moreno (2014),
o aquecimento inespecífico, ao início de um encontro, é indispensável
para se estar disponível de modo espontâneo no aqui-agora. Assim como
o bebê em seus primeiros momentos de vida, os adultos também carecem
de um arranque mental, e ambos podem necessitar destes para diversas
situações. O arranque físico (aquecimento físico como mover-se, correr,
fazer caretas) leva ao auto arranque físico (reações físicas como sudorese
e sons inarticulados). A ação social deliberada (interação com o outro)
leva ao domínio das relações interpessoais e sensação de se estar em um
grupo. Ressalta-se que “cada movimento que o indivíduo faz é definido,
suscitado e configurado pelas pessoas e objetos com que se encontra6”.
(2014, p.104).
Nesta etapa, o arranque mental dos egos auxiliares (para o bebê,
seriam a mãe e a parteira, por exemplo) também é imprescindível, assim
como o seu timing, para proporcionar um ambiente acolhedor e provedor

5
Diretor e Ego auxiliar formam a Unidade funcional.
6
Mas, ao contrário da “criança, o adulto possui, é claro, dispositivos mentais,
sociais e psicoquímicos de arranque adquiridos, os quais podem iniciar
independentemente o seu aquecimento, assim como interatuar com os arranques
físicos [como no caso de uma emergência]” (Moreno, 2014, p. 104).
de saúde e Espontaneidade. Essa Espontaneidade, por sua vez, promove
reações rápidas do participante, que está mais em contato com seu próprio
corpo e emoções e menos com sua perspectiva racional. Tal como o
nascituro, o adulto espontâneo tem todos os passos dados como novos,
disponíveis e abertos para as situações que se sucederão na dramatização
e na vida (MORENO, 2014). Além dos iniciadores físicos, fisiológicos,
relacionais e mentais (ao final), Monteiro (1993) destaca os intelectivos
(e.g. brainstorming), temáticos (e.g. filme, música) e psicoquímicos
(alteram estado vigil da consciência).
É de se salientar que a “viabilização do status nascendi é
indicativo de que o participante se interessa, se prepara e se esforça para
caminhar em direção a um ato que é a busca mesma do psicodrama, por
meio do exercício de papéis” (MONTEIRO, 1993, p. 31).
O aquecimento específico se inicia quando os participantes estão
devidamente aquecidos e prontos para mergulhar em uma dramatização.
É parte desta etapa montar a cena ou o ambiente onde será a dramatização.
No caso do Psicodrama interno, que consiste em dramatização simbólica
em que se vive a ação mentalmente, o aquecimento se dá por relaxamento,
além de consignas claras e voz branda por parte do diretor (CUKIER,
1992).
Na etapa seguinte, a dramatização, a plateia se identifica com o
exposto e respectivas emoções; e ego auxiliar identifica-se com a pessoa
que lhe foi atribuída, além de guiar e orientar o protagonista ou o grupo
“para suas ansiedades, deficiência e necessidades” (MORENO, 2014, p.
109). A este respeito, Moreno nos elucida com um exemplo:

Uma mulher casada, por exemplo, que tenta


representar algumas das situações mais íntimas e
pessoais de sua vida para encontrar uma solução de
seu conflito, espanta-se ao ver com que facilidade
uma pessoa totalmente estranha (o ego auxiliar), ao
desempenhar o papel de seu marido, é capaz, após
uma pequena preparação [aquecimento específico],
de assumir o seu papel e associar-lhe
espontaneamente palavras e gestos que, segundo
pensava, só ela conhecia bem. (2014, p. 410)

E explica: “todo e qualquer papel consiste numa fusão de


elementos privados e coletivos” (2014, p. 410). Este exemplo é de um
Psicodrama, uma psicoterapia em grupo - porém, situações similares de
uma dramatização em um Sociodrama são igualmente encontradas. Em
33

um Sociodrama, a etapa da dramatização pode ser alterada ou


incrementada.
Segundo Moreno, o objetivo final da ação dramática, em relação
ao grupo, é a catarse, produzida pela Espontaneidade: “todos os riachos
de catarse parcial fluem para a corrente principal da catarse de ação”
(2014, p. 20). A catarse é vista pelo autor como um processo de “cura”.
O contato com as emoções, a partir do corpo e da ação, se mostra
como uma maneira eficaz de alcançar a Espontaneidade, que levam à
catarse de integração, insight dramático, elaboração verbal e introjeção do
modelo relacional. Bustos (1979) chama-os de mecanismos de ação,
considerando em cada sujeito influências da cultura, religião, situação
social, identidade, etc. - substituindo o termo “mecanismos de cura”, que
pressupõem aceitação e normalização da doença.
Já Vieira relembra Blatner e Almeida com o processo de reflexão
sendo mais proveitoso espontaneamente do que a catarse. Explica:

Nas dramatizações o sujeito pode parar, voltar a


cena, participar de cenas alternativas e é estimulado
a responder as questões com alto grau de
consciência. Como é um sistema não diretivo,
espera-se que na dramatização sujeito e grupo
alcancem uma percepção afetiva e intelectual da
situação que se desvela perante todos (...). Um
Psicodrama menos orientado para a catarse –
[antes] necessário na época da quebra de padrões
rígidos – e mais orientado para a reflexão pode se
colocar como uma força transgressora numa
sociedade que abandonou a ideia de questionar a si
mesma, esvaziando as capacidades reflexivas e
criativas do ser Humano (2017, p. 63/4).

“‘Obrigado por vossa cooperação. Não abandonem a sessão


enquanto não tiver terminado a discussão com o público’” (MORENO,
2014, p. 439). Com essa frase, Moreno encerra uma dramatização e
expressa a importância da etapa de compartilhamento com os
participantes, em que estes expressam como se sentiram e o que lhes foi
tocado ao longo de toda a vivência. Segundo Conceição e Penha Nery,
nessa etapa é comum as pessoas confundirem:

o que sentem com o que percebem, criticar, julgar,


analisar, aconselhar. Nessas ocasiões, o diretor usa
a ‘pedagogia do compartilhar’, ou seja, ajuda as
pessoas a demonstrar empatia e identificações com
os sentimentos [ou emoções] ou com os
comportamentos do protagonista (2002, p. 111).

Cukier, a respeito do compartilhamento, coloca como um de seus


objetivos “essa troca de experiências [que] visa refazer uma certa simetria
entre os membros do grupo que, nesse momento, se despem um pouco de
suas defesas intelectuais e ficam mais próximos do protagonista” (1992,
p. 113). O Processamento teórico, realizado após o compartilhamento
(com ou sem o público presente), tem o objetivo de unir a teoria com o
que foi realizado, e é utilizado para fins didáticos.

2.1.8 Técnicas

As diversas técnicas do Psicodrama auxiliam o processo de


resgate de Espontaneidade ao longo dessas etapas, e possuem diversas
origens (MANZONI, 2008; MORENO, 2014; VIEIRA, 2017). As
técnicas podem auxiliar no processo dramático, “para dar expressão aos
níveis mais profundos do nosso mundo interpessoal” (MORENO, 2014,
p. 245).
As técnicas clássicas duplo, espelho e inversão de papéis
advieram das etapas da Matriz de identidade: na matriz total
indiferenciada, pode ser feito um paralelo com a técnica do duplo, já que
ele está lá para servir ao protagonista, para dizer o que pensa e sente, para
traduzir seu mundo; quanto à matriz total diferenciada, a técnica do
espelho reflete a ideia de começar ver o mundo sendo este um não-eu,
vendo o outro como diferente de mim; já na fase da brecha entre a
fantasia e a realidade , se faz um paralelo com a técnica da inversão de
papéis, já podendo nos colocar no lugar de outro e brevemente pensar e
sentir como esse (MORENO, 2014).
Há diversas outras técnicas utilizadas na Dramatização. A
interpolação de resistência, em um Psicodrama, opera como a realidade
para uma criança, que lhe é imposta “por outras pessoas, suas relações,
coisas e distâncias no espaço, e atos e distâncias no tempo. A fantasia ou
função psicodramática dessas resistências extrapessoais, a menos que o
indivíduo interponha a sua própria resistência” (MORENO, 2014, p.
123/4)
Há também a técnica do solilóquio, que permite a ampliação de
sentimentos e pensamentos do aqui-agora através da fala ou do simples
“entrar em contato” com eles. Monteiro (1993) ressalta que o solilóquio é
mais utilizado nas situações em que o papel não está tão forte no
35

protagonista, e que a situação ainda pode se encaminhar para um diálogo


do protagonista com seu duplo.
Já a concretização é a materialização dos objetos inanimados [ou
emoções, dores, etc.] é um recurso útil para que em uma dada cena
aspectos latentes venham à tona (...) oferecendo chaves para o conflito ali
vivido (MONTEIRO, 1993, p. 156/7). Há também a maximização, na qual
aumentado um som, movimento, postura ou algo a priori destoante na
cena (CUKIER, 1992). A Sociometria, subdivisão do Psicodrama, nos
deixa também uma técnica para separação do grupo: a escolha
sociométrica, onde a ação, a oposição e a cocriação se fazem presentes.
(HOLMES; KARP; WATSON, 1998).

2.1.9 Sociodrama

A cocriação é, portanto, o mote do encontro


(CONCEIÇÃO; PENHA NERY, 2002, p.96).

Na proposta socionômica de Moreno (2014) há três subdivisões:


Sociatria, Sociometria e Sociodinâmica. Neste trabalho, iremos nos
aprofundar no Sociodrama, componente da Sociodinâmica7. Moreno
(2014), com grande experiência no Psicodrama terapêutico, sentiu
também necessidade de “tratar” os fatores coletivos. Segundo o autor:

O Sociodrama lida com problemas que, como


sabemos, não podem ser esclarecidos nem tratados
numa câmara secreta em que duas pessoas se
encerram. Precisa de todos os olhos e de todos os
ouvidos da comunidade, em profundidade e
amplitude, a fim de que possa atuar adequadamente
(MORENO, 2014, p. 422/23)
Assim, o Sociodrama se ocupa “mais especificamente das
relações interpessoais, em que o outro real está presente” (Bustos, 1999,
p. 37), abordando temáticas do grupo em que se é trabalhado, e não de um
protagonista individual, como no Psicodrama psicoterápico. Em um
artigo de Penha Nery e Conceição na Revista Brasileira de Psicodrama

7
A localização do Sociodrama na Teoria de Moreno é divergida pelos diferentes
autores do Psicodrama. Neste trabalho, será posicionado dentro da
Sociodinâmica, uma vez que investiga as relações grupais, podendo ter um caráter
psicoterapêutico (como uma terapia de família) ou não (como a proposta de
vivência de papel profissional deste trabalho).
(2012), o objetivo do Sociodrama é colocado em questão, sendo ele tanto
um meio de:

gerar bem-estar grupal (...), construção conjunta do


saber, democracia (...) quanto de favorecer a
expressão de uma variedade de pensamentos (...) de
forma que seus integrantes - inclusive diretor e
egos-auxiliares - possam reconhecer prazeres,
calmarias, crises e desconfortos, atrações, rejeições
(...), regidas por éticas diversas que imanam do
grupo no aqui e agora (2012, p. 161/162).

As etapas são similares ao Psicodrama, diferindo que não há


preparação de papéis em um aquecimento específico. Apenas diretor e
egos auxiliares interviriam na cena, que deve trazer o conteúdo sem
grandes ensaios, diferente de um teatro tradicional. Por isso, o
Sociodrama tem um caráter exploratório, de análise qualitativa,
“diagnóstica” do grupo. Também, há um caráter de “cura”, modificação
de atitudes das relações e do coletivo (MORENO, 2014).
Conceição e Penha Nery (2002) diferenciam Sociodrama
temático, em que o tema já está pré-determinado, de Sociodrama dos
conflitos, em que o tema protagônico é elegido no momento junto ao
grupo. Podem ser trabalhos com uma família, conflitos grupais (empresas,
professores, sala de aula, times, entre outros), minorias de direitos, valores
socioculturais (axiodrama), dramatização de notícia de jornal (jornal
vivo), questões políticas, entre outros.
Em outro artigo da Revista Brasileira de Psicodrama (2015), o
artigo de Toloi e Souza mostra que o Sociodrama temático pode ser um
procedimento de pesquisa, investigação e intervenção, sendo:

um instrumento que potencializa a expressão das


questões pessoais/relacionais/familiares da mesma
forma em que amplifica os aspectos encontrados no
contexto grupal (...) em que o foco é a identidade
comum do drama coletivo, uma vez que parte do
conflito social para sua subjetivação (2015, p. 15).
Após aquecimento do grupo, parte-se para a montagem de cenas,
a dramatização e para a cena reparatória, que serve para reformatar a
cena vivida, refazê-la de um jeito que o grupo considere reparador. Assim,
o Sociodrama leva ao “aprendizado de convívio em relação às diferenças,
compreensão do sofrimento grupal, melhoria comunicacional, implicação
37

dos membros [entre outros]” (CONCEIÇÃO & PENHA NERY, 2002, p.


110). Recursos técnicos, auxílio do ego auxiliar e plateia também são
ferramentas essenciais para este processo.
Há diversas maneiras de realizar um Sociodrama. Entre elas, com
subgrupos e cenas ou imagens, sejam aquelas que os representem, seja
com uma construção coletiva de uma elegida pelo grupo todo
(CONCEIÇÃO & PENHA NERY, 2002). A dramatização de cenas
permite uma entrega e espontaneidade dos presentes, sem diretamente
tocar-lhes em situações mais íntimas diretamente. Nela,

o mundo das realidades vividas e os significados


específicos estão comprometidos em tornar o
conhecimento objetivo e a verdade como
resultantes das várias perspectivas dos integrantes
do grupo em que as diferenças coexistem e são
legitimadas (TOLOI & SOUZA, 2015, p.19).

Após a dramatização, o compartilhamento é realizado para que


os protagonistas e plateia tenham espaço de dividirem os sentimentos e
emoções quais os quais se identificaram, fazendo uma ponte entre o visto,
o sentido e o vivido. Nesta fase há sinais do “resultado socioterapêutico”
do Sociodrama, como falas e gestos que mostram aprendizados e
ampliação de compreensão (CONCEIÇÃO; PENHA NERY, 2002).

2.2 PALHAÇARIA

Será por que ele é louco, gênio, engraçado ou


simplesmente um tolo? (AMARAL, 2013, p. 150)

Há algo de revolucionário na Palhaçaria, em toda a


transformação que esta abordagem nos traz - seja como palhaço (ou
clown), seja como plateia. Amaral nos coloca que:

a energia do clown põe em desordem uma certa


ordem estabelecida e denuncia a incompatibilidade
dos valores capitalísticos com a potência do
movimento humano. Existe um clown em nós, um
devir-criança (...) É comum que, ao atingirmos a
vida adulta, toda vez que esta energia se manifeste
sejamos ridicularizados e rotulados de loucos. Isto
acontece porque reiteradamente somos incitados a
manter atitudes e comportamentos esperados,
“coincidentemente” em sintonia com a lógica do
consumo e do mercado (2013, p. 231).

A necessidade de segurança é algo tão intrínseco ao ser humano


quanto a insegurança é constitutiva do seu ser. Somos seres complexos,
em que se coexistem medo e controle, necessidade do medo e necessidade
de controle. Neste contexto, “o clown se entrega à desorientação (...), ao
desconhecido (...), como se eu tivesse perdido uma terceira perna, que até
então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé
estável” (KÁSPER, 2004, p. 2), parodiando Clarice Lispector no livro A
Paixão segundo GH.
Dorneles (2009), guiada pelas ideias de Deleuze e Guattari, e
referindo-se à Modernidade Líquida8 de Bauman, diz: “o diagnóstico
contemporâneo é o da fragmentação da subjetividade” (DORNELES,
2009, p. 82), uma vez que o contexto é de uma falsa liberdade mascarada
pela obrigação da flexibilidade. Essa sociedade também de medos e
controles é caracterizada pelos:

seus fluxos de desterritorialização, por suas linhas


de fuga. Cabe a cada um de nós inventar suas linhas
de fuga e, para isso, precisamos traçá-las
“efetivamente, na vida”. A arte clownesca — que,
nas últimas décadas ganhou novos contornos,
locais e ressurgiu com grande vitalidade nos mais
diversos territórios —, pode ser uma poderosa
aliada em tal traçado (KASPER, 2009, p. 202).

Mas, o que é esse palhaço? Com diversas origens9, Barboza nos


mostra que:

8
A Modernidade líquida, ou a pós-modernidade na visão de Bauman, pode
ser brevemente explicada pela “passagem diretamente do desejo para o querer
(que necessita menos ainda de orientação, pois se baseia no impulso
imediato)” (DORNELES, 2009, p. 81).
9
Bobos da corte e “banquete dos loucos” na Idade Média, mimos e menestréis
em Roma, Commedia Dell`Arte italiana, bufões do Egito à China, a figura índio-
americana Heyoka, dentre muitos outros - todos com “carta verde” para falar as
verdades para os reis e/ou público sem serem punidos (BARBOZA, 2016; CURY,
2009; DORNELES, 2003).
39

não há descrição para o palhaço que represente com


justiça e fidedignidade o que significa sua figura.
Isso porque o palhaço não cabe em representação,
e sua força reside justamente aí. O que é possível,
então, é aproximar-se de significações que
compõem essa figura cômica, sempre
compreendendo que serão símbolos incompletos
de um todo complexo, heterogêneo e mutante
(2016, p.24).

Embora palavras às vezes sejam poucas para descrever toda a


complexidade e simplicidade do palhaço, diversos autores trazem ao
longo de seus trabalhos alguns pontos para que possamos (nos)
reconhecer (em) um palhaço, incluindo riso, sensibilidade, aceitação de
si, relação com o outro, corporeidade, todos interligados (Barboza, 2016;
Amaral, 2013; Dorneles, 2003; 2009; Hércules, 2014; Kásper, 2004;
2009).
O riso transparece a angústia, o medo, a transgressão, o
inesperado, o ridículo e, claro, o engraçado. Rimos por educação,
vergonha, esconder dramas, lembranças. Rimos do outro, com o outro e
de nós mesmos. O palhaço nos faz rir quase que terapeuticamente pois é
um duplo de nós, seres humanos. É uma lente de aumento de nós mesmos,
do qual podemos nos enxergar, sem críticas. Se o palhaço faz rir, é por
que mostrou grandemente o que há de mais humano, autêntico,
promovendo uma identificação de quem o vê (JARA, 2000).
Rir é revolucionário, humano e promotor de saúde e empatia na
medida em que nos identificamos com o visto. Jara (2000) explica:

Hay clown que parecen niños, otros se comportan


como gamberros adolescentes, los que hay que
parecen adultos intentando mantener las formas y
algunos reflejan la serenidad y el cansancio físico
de la vejez. Nos ayudan, por tanto, a comprender
mejor a los demás y a nosotros mismos (…), nos
recuerdan lo que hemos sido, lo que somos y lo que
seremos (…). Nos muestran, tras las muecas que
hay entre la risa e el llanto, cual es nuestro
verdadero rostro (2000, p. 46/7)10

Se há alguém no mundo que não é inerte, neutro, este alguém é


palhaço. Junto com ele, há o público, o outro, estando atento a tudo o que
o rodeia. Ele não existe sem alguém - eis um dos pontos que ele dá um
zoom em nossa humanidade, com toda sua sensibilidade. Certa vez estava
eu em uma oficina de Palhaçaria em um parque, fazendo um dos jogos
propostos, e um cão resolveu sair correndo atrás de mim. Como palhaça,
transformei aquilo em um jogo, incluindo meu medo de ser mordida e o
engraçado daquela cena por si só. Levando em conta o que há em volta,
aquilo tudo fica muito mais real, em que todos os presentes são levados a
sentir e refletir seus próprios medos e risos.
Palhaço é a intersecção do eu, do ator e do louco. Segundo
Barboza:

o campo “pessoa” diz respeito à nossa


singularidade enquanto “encarnante” do clown; o
campo “ator” auxiliará a seguirmos algumas regras
importantes do jogo como falar alto e claro,
posicionar-se na cena, perceber o ritmo e a
triangulação com o público, etc. O campo “louco”
compõe o inesperado, a suspensão da racionalidade
para abertura aos afetos (2011, p. 12).

Assim, é tanto ser humano com um nariz, como alguém atuando,


e também um ser meio desencaixado. O palhaço “inverte a lógica do fazer
para o ser, pois o que ele mostra é a si mesmo. Precisa ser e não
representar” (BARBOZA, 2003, p. 52).
Jara (2000) fala do palhaço também como um ser exagerado, mas
de um jeito tão autêntico que não percebe, resolvendo as situações dadas
de um jeito próprio. É essa maximização, permitida pelo conhecimento e
aceitação de si mesmo, que torna o palhaço único e capaz de mostrar ao
outro todas – todinhas – as suas vontades, intenções e emoções.
Se o palhaço também é um pouco de si, há milhares de
possibilidades de palhaços. Há uma famosa dupla de características que
mostra muito da personalidade destes autênticos e exagerados seres:

10
Para facilitar a compreensão do texto no idioma espanhol, as palavras em
itálico foram aqui traduzidas: crianças; imorais/desrespeitosos; refletem;
velhice; caretas; choro; rosto.
41

Branco (“o pragmático”) e Augusto (“o rebelde”). A este respeito, Thebas


retoma a fala do diretor de cinema italiano Fellini: “Para entender a dupla
Branco e Augusto, basta observar a relação entre um pai e seu filho:
enquanto o primeiro se mostra dono da verdade e do poder, o segundo,
ainda que submisso, é revolucionário e arteiro” (2005, p. 15). O Gordo e
o Magro, os Três Patetas, Charles Chaplin, por exemplo, têm em sua
filosofia Branco e Augusto, que muitas vezes pode estar presente apenas
um, ou também aparecer de forma fluída, alternada, dependendo do
“humor” em questão. O palhaço atual, político, transgressor e
atrapalhado, é geralmente conhecido pela figura de Augusto (CURY,
2009; JARA, 2000).
O corpo também aparece como fluído no palhaço. Sua
corporeidade, como lembrada por Dorneles (2003), revela o que há nele -
sentimentos, emoções, verdade -, sendo expresso, aumentado, por suas
caretas, corpo, respiração, olhar. Desnuda-se com roupas. Amaral
descreve o corpo do clown também como um:

corpo-mutante que transita em diferentes


ambientes, transformando e sendo transformado,
um corpo que não é guiado por modelos nem
representações (...) [no qual se] é necessário abrir
mão do lugar da representação em favor do lugar
da apresentação. (...) É livre porque é atravessado
por devires e se deixa levar pelas forças da vida.
Transforma dificuldades, cria belezas e
entrelugares, valoriza encontros. É artesão dos
ambientes onde atua e das metamorfoses que
acontecem em seu próprio corpo (2013, p. 80).

Para entender, construir, transformar o seu11 palhaço, faz-se


necessário cursos e vivências que são, de certa forma, terapêuticas por
aprofundarem o contato consigo. Barboza (2011; 2016) e Dorneles (2003;
2009) são duas autoras que, em seus trabalhos, aproximam a psicologia
da Palhaçaria.

11
Essa é a perspectiva do “clown pessoal”, muito utilizada até hoje. Cury
contextualiza: “Jacques Lecoq (1921-1999) foi professor e mestre em Teatro.
Em 1956, fundou a École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq, na
França, onde ministrava um curso com duração de dois anos, que iniciava
com técnicas de máscaras e finalizava com a criação do clown pessoal. Para
Lecoq, o clown não existe à parte da pessoa que o representa” (2009, p.8).
Há diversas metodologias para alcançar este objetivo clownesco
de conhecimento de si e de seu palhaço (BARBOZA, 2011; DORNELES,
2003). Dentre elas, o facilitador como a figura do dono do circo: Monsieur
Loyal (ou Monsieur Loyalle), termo utilizado em diversas oficinas de
Palhaçaria para denominar o facilitador da experiência, que tem passe
livre de mandar e desmandar no palhaço - ele é o dono do circo em que o
palhaço precisa manter o seu emprego. Assim, se mostra um facilitador
opressor, autoritário, mandão, mas que ao mesmo tempo incita o palhaço
a simplesmente ser (e não fingir), de verdade (sem a preocupação de
agradar). Segundo Dorneles, este ambiente propõe “a possível descoberta
de seu corpo cômico através da ingenuidade e fragilidade, pois o clown é
muito mais visual que textual” (2003, p.51).
Com essas características, Monsieur Loyal tem a função de
“ajudar a gente a perceber e revelar a nossa verdadeira graça, a nossa
espontaneidade muitas vezes escondida” (THEBAS, 2005, p. 83), graça
essa que surge no eterno jogo de “andar na corda bamba sem medo de cair
do abismo” (2005, p. 83).
Com o auxílio de Monsieur Loyal (ou de um outro tipo de
facilitador), junto ao olhar para dentro e também para fora, o estado de
palhaço leva em conta emoções e o outro no aqui-agora, e está sempre
“pronto para estabelecer relações de igualdade e confiança, para
conquistar através da alegria, da espontaneidade e do improviso, um
humano que embeleza e melhora a vida” (AMARAL, 2013, p.80).
Ao buscarmos essa espontaneidade e embelezamento da vida,
nós transgredimos, somos políticos:

Transgredir vai depender muito mais de como o


clown-palhaço consegue trabalhar comicamente a
irreverência com aquilo que o incomoda, o
apaixona, o move (...). Agir politicamente não está
associado a um espaço ou a um jeito específico de
clownear, mas às relações que se criam (...)
[quando] busca e escapa às tiranias, que hoje
podem se travestir de tantas formas, ter muitas
caras diferentes, às vezes, até bonitas. (SACCHET,
2009, p. 86/7).

No Brasil, a Palhaçaria foi trazida por Luiz Octavio Burnier,


Carlos Roberto Simioni e Ricardo Puccetti, parte do LUME (Núcleo de
pesquisas teatrais), vinculado à UNICAMP (Universidade Estadual de
Campinas). Atualmente, a Palhaçaria feminina também vem ganhando
43

espaço, na medida em que é um instrumento de autoconhecimento e


reconhecimento de si perante os outros (CURY, 2009).
Palhaço tem, sim, algo de transformador e revolucionário.

2.3 REFLEXÕES SOBRE PAPEL PROFISSIONAL FEMININO

Este subtítulo está dividido em diferentes contextos para melhor


compreensão do leitor.

2.3.1 A mulher e seu papel profissional

Menino ou menina? (...) Essa “profecia” implica


um conjunto de expectativas sobre o que se “deve”
sentir, fazer, ser. É através de um intenso e rigoroso
processo de educação que nos transformamos em
homens e mulheres. (NASCIMENTO &
FONSECA, p. 64)

No início, todas as cores estão modificadas, seu


tom fundamental permanece o mesmo mas sua
saturação decresce; depois o espectro se simplifica
e se reduz (...). Chega-se enfim a um
monocromatismo em cinza, embora condições
favoráveis (...) possam restaurar
momentaneamente o dicromatismo (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 112).

É notável a quantidade de artigos de jornais e revistas, postagens


em blogs e redes sociais e informações em geral a respeito da mulher em
seu papel profissional. Porém, nota-se que tamanha quantidade foi
necessária em um contexto histórico-cultural de anulação (como
inexistente ou inútil) deste papel feminino.
Em relação às produções acadêmicas12 da área, o número de
publicações nos últimos 10 anos cresceu: no Portal de Periódicos CAPES,
foram publicados 960 (em um total de 1202 da área), e no Repositório
Digital LUME foram publicados 7970 (em um total de 10740 da área),

12
Busca realizada pela autora deste trabalho em 6/02/2019 com as palavras
concomitantes Mulher e Profissão, dentre publicações do período de 2009 a
2019.
relacionando os termos “mulher” e “profissão”. Assim, podemos ver que
a sociedade vem se tornando mais consciente do papel profissional da
mulher. Mas, como isso se deu?
Desumana referência à mulher como pecadora e tentação desde a
primeira menção na Bíblia, Eva; Caça às bruxas no século VIII; Privação
de direitos femininos pela Igreja e burguesia ascendente na Europa do
século XVI (papel social da mulher se referia à educação dos filhos); “A
memória era perigosa e mais ainda se viesse da mulher que era submissa
ao homem (...), nela se manifestava a liberdade de pensamento, tão temida
pela igreja e pelo poder” (RABELO & MARTINS, 2006, p.6170), na
Inquisição do século XVII; Fechamento de clubes femininos e mulheres
sob tutela do pai ou marido no século XVIII; são exemplos de direitos
restritos aos homens ao longo da história do mundo (CORADINI &
BARBIANI, 1983; RABELO & MARTINS, 2006).
No Brasil, desde o Período Colonial,

independentemente das diferenças entre as


camadas sociais, o processo de socialização
impunha a disposição da mulher a obedecer (...) a
possibilidade de que a menina-moça-mulher viesse
a transgredir e sentisse o “sabor” da liberdade era
muito restrita. Restava-lhe o prazer de agradar.
(BORIS & CESÍDIO, 2007, p. 456/7)

As influências europeias diretas na colonização brasileira se


fizeram desde o início. No século XVI, os pilares brasileiros se davam na
“agricultura como base econômica, a estabilidade da família patriarcal e
a união do português com a mulher índia [,que] foram incorporadas à
cultura socioeconômica” (BORIS & CESÍDIO, 2007, p. 457). O racismo,
sustentado também pela religião católica como forma de manter os
costumes e valores, se fez presente desde essa época – a mulher índia era
sexualmente escolhida, enquanto a mulher branca era, de acordo com a
cultura, a “ideal” para se casar.
No século XIX, o grande êxodo rural das famílias colaborou para
uma maior inserção social da mulher, visto que haviam mais
possibilidades de interação nas cidades e acesso à educação, mesmo que
contrária ao patriarcado, do que no campo e casa-grande (BORIS &
CESÍDIO, 2007). No mesmo contexto, as I e II Guerras Mundiais
promoveram grande entrada da mulher no mercado de trabalho, na
medida em que “os homens foram para as frentes de batalha e as mulheres
45

passaram a assumir os negócios da família e os cargos masculinos no


mercado de trabalho” (PELEGRINI & MARTINS, 2010, p. 58). A
administração de negócios familiares foi também sendo ocupada pela
mulher a partir desta época.
Com o êxodo, o modelo doméstico, artesanal, foi dando lugar ao
modelo fabril, industrial e tecnológico, possibilitando à mulher “ter a
oportunidade de ter acesso ao mercado de trabalho e aos meios de
produção, podendo se desenvolver como profissional” (BORIS &
CESÍDIO, 2007, p. 459).
Assim, no final do século XIX, haviam mais mulheres
alfabetizadas e ganhando consciência de sua situação social desigual. O
primeiro curso de ensino normal para mulheres, visando a formação de
professoras, foi idealizado nesta época, e ainda assim haviam condições
diferenciadas como o dever de atestar casamento ou viuvez para elas
(RABELO & MARTINS, 2006). A partir de então, a lógica de mulher-
professora dedicada e sensível foi ganhando força até os dias atuais:

Para que a escolarização se democratizasse era


preciso que o professor custasse pouco: o homem,
que procura ter reconhecido o investimento na
formação, tem consciência de seu preço e se vê
com direito à autonomia — procura espaços ainda
não desvalorizados pelo feminino. Por outro lado,
não se podia exortar as professoras a serem
ignorantes, mas se podia dizer que o saber não era
tudo nem o principal. Exaltar qualidades como
abnegação, dedicação, altruísmo e espírito de
sacrifício e pagar pouco: não foi por coincidência
que este discurso foi dirigido às mulheres.
(CATANI, 2007 in RABELO & MARTINS, 2006,
p.6171)

E, mesmo com muitas professoras, ocupando cargos executivos e de


liderança na educação ainda estavam (estão) mais homens.
O palco para o movimento feminista já estava ganhando força
entre os séculos XIX e XX, com o objetivo de equiparar os direitos entre
homens e mulheres. Nos anos 1980, houve grande atuação do movimento
feminista como um todo, participando mulheres de todas as classes sociais
(CORADINI & BARBIANI, 1983).
Também influenciando diretamente a mulher,

os modelos de corpo também seguiram as


mudanças significativas da história e da cultura,
sendo orientados pelos interesses do sistema
capitalista (...) [,onde] o corpo e a sexualidade
devem ser controlados para que se forme um
operário dócil, que se submete à sua disciplina
(BORIS & CESÍDIO, 2007, p. 459).

A chamada “docilização dos corpos” era uma forma doída de,


mais uma vez, impor controle sobre todos, principalmente mulheres e
pobres. A luta feminista ganhou mais um propósito: “a libertação do
sofrimento psíquico devido à sua marginalização na sociedade, incluindo
seu corpo e seus desejos” (BORIS & CESÍDIO, 2007, p. 460).
As desigualdades foram ficando mais “mascaradas”, como a
diferença salarial entre homens e mulheres e a frequente dupla jornada de
trabalho, que diminuem, mais uma vez, seu acesso ao prazer. Muitas,
ainda, mais escancaradas: até 1930, a medicina olhava o útero feminino
como diretamente ligado ao Sistema Nervoso Central, não sendo
recomendada a atividade intelectual para não atrapalhar a gestação
(BORIS & CESÍDIO, 2007).
Escrito há mais de meio século, o decreto de Lei nº 5.452, de
1943, art. 461 diz:

Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual


valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo
estabelecimento empresarial, corresponderá igual
salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade
ou idade.

Sabe-se, contudo, que esta lei está longe de ser devidamente


fiscalizada e efetivada. Mesmo com leis como a licença-maternidade e o
uso da pílula anticoncepcional, que possibilita à mulher decidir sobre a
maternidade, a ela ainda não é justa sua entrada e manutenção no mercado
de trabalho (CORADINI & BARBIANI, 1983). Após 20 anos deste
decreto, a participação feminina no mercado de trabalho ainda era baixa:
menos de 7 milhões, de um total de 25 milhões de mulheres (e 49 milhões
47

de pessoas); nos anos 1970 esta taxa aumentou quase 2% (BONADIO,


2004).
Em relação à carreira de modelo nesta época:

(...) se ainda havia resistência ao trabalho feminino,


que dizer então daqueles de modelo e manequim?
Afinal, o ofício consiste numa espécie de “aluguel”
da imagem corporal para trabalhos publicitários
(BONADIO, 2004, p. 61)

Também estavam sujeitas à uma rotina de trabalho cansativo, preconceito


social e estigma da profissão como também relacionada à vida sexual da
modelo. O corpo como objeto de trabalho é um espelho da mulher como
um todo, em todos os seus papeis (BONADIO, 2004).
Em 1960, as regras sobre as modelos versavam mais sobre seu
comportamento pessoal (ausência de relações amorosas, discrição, dentre
outras), ao passo que desde o boom de modelos na década de 1990, “a
maior pressão sofrida pelas referidas profissionais [é] sobre o peso e as
formas corporais” (BONADIO, 2004, p.70).
As modelos brasileiras da década de 1960, com um toque de
transgressão (gestão de si) em meio ao sentimento de insignificância,

provavelmente colaboraram para abrir um valioso


espaço social, diversificando as oportunidades de
trabalho para a mulher, ou modificando a forma
como era vista a presença imagética feminina na
imprensa (BONADIO, 2004, p.77)

Os meios de comunicação foram dando ao corpo da mulher um


caráter sexual, banalizado e essa mulher, agora independente financeira e
subjetivamente, vê mais uma vez o controle sobre seu corpo. Igreja e
patriarcado continuam impondo regras sobre as mulheres; seu corpo na
mídia surgiu como mais uma forma de controle (BORIS & CESÍDIO,
2007).
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)13 nos trouxe o conceito de
intersubjetividade, que é o “fenômeno que evidencia que o mundo

13
Filósofo fenomenólogo francês dedicado ao estudo da percepção, dando ao
corpo um caráter de experiência mais do de que objeto. A fenomenologia foi
transparece na interseção das experiências individuais com as vivências
do outro” (BORIS & CESÍDIO, 2007, p. 460). Se Moreno defende que
nos construímos a partir do outro, se vamos sendo à medida que nos
relacionamos, a construção subjetiva do corpo da mulher é diretamente
influenciada por uma cultura que menospreza o valor profissional,
pessoal, dentre diversos outros, femininos.
Também, Bonadio (2004) nos traz que há grande stress e danos
psicológicos e físicos relacionados à dupla (às vezes tripla) jornada de
trabalho feminina e à constante diminuição de suas ideias, muitas vezes
independentemente de suas competências por ser relacionado ao gênero.
Daí a importância de grupos de mulheres: para fortalecerem umas
às outras e se lembrarem que possuem direitos, transformando realidades
desiguais. O feminismo é uma luta da relação, do grupo, e possui diversas
vertentes, de acordo com seus ideais. Porém, de modo geral, é uma luta
que busca a equidade de gênero (mais do que a igualdade de gênero), a
fim de que os direitos se equivalham (mais do que “ceder” direitos a partir
de hoje, ignorando o passado, de crença meritocrática e não-
contextualizada sócio culturalmente), combatendo as “normas sociais que
modelam, vigiam e regulam comportamentos dos sujeitos com o intuito
de adequá-los aos ditames culturais do que se entende como apropriado
para um sujeito masculino ou feminino” (NASCIMENTO & FONSECA,
p. 64).

2.3.2 O papel profissional no Psicodrama

As sociedades modernas correm o risco de produzir máquinas ao


invés de cidadãos críticos e empáticos, e isso interfere diretamente na
democracia de um país, uma vez que práticas utilitaristas e direcionadas
pelo lucro estão guiando a eliminação de disciplinas ligadas à arte e
humanidades nas escolas e universidades e deixando de estimular
capacidade crítica e criatividade dos alunos (NUSSBAUM, 2010). Vieira
fala da potência do Psicodrama na Modernidade:

O agente criativo é uma possibilidade de


contribuição psicodramática, pois enseja uma visão

uma grande influência ao Psicodrama, tratando também da importância da


relação, “porque somos do começo ao fim relação ao mundo” (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 10).
49

de sujeito em íntima conexão com o mundo, com


uma forte presença, esforçando-se para recuperar a
vivacidade de um corpo percipiente em ação para a
transformação de si e do contexto (2017, p.66).

No Brasil, Martins relembra a Lei nº 9394 de dezembro de 1996,


“que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional (...) [com o
objetivo de] formar indivíduos aptos para inserção em setores
profissionais, para participar no desenvolvimento da sociedade brasileira,
estimular o espírito científico e o pensamento reflexivo” (2004, p. 114).
Mesmo revolucionária e promotora de Espontaneidade, é evidente que
uma lei não é o suficiente para transformar toda uma sociedade. Como
reflexo desse estado da base da educação, nossa sociedade ainda se mostra
com muitas conservas culturais e falta de empatia e autonomia. Sob uma
perspectiva moreniana, podemos dizer que nossa educação básica ainda
promove o role-playing ao invés do role-creating.
Em uma análise das leis e aplicações para o ensino superior,
Mancebo conclui que estas promovem:

por um lado, uma autonomia institucional e


individual, que é possessiva, induz à competição, à
insensibilidade e descrença com o coletivo. Por
outro, constrói obrigações públicas de atendimento
às demandas de expansão do ensino superior e de
satisfação das necessidades sociais, traduzidas
neste discurso como o atendimento às empresas,
quanto às suas demandas de produção de
conhecimentos e de mão-de-obra (1998, p. 3).

A respeito da Criatividade, Moreno fala ao longo de toda sua obra


de seu poder transformador unida à Espontaneidade, principalmente
contra:

uma guerra do homem contra fantasmas, os


fantasmas a que, não sem razão, se chamou os
maiores construtores de conforto e civilização. São
eles a máquina, a conserva cultural, o robô (2014,
p. 94).
Chegando, assim, na ideia de revolução criadora, lutando como
“indivíduo e criador” (MORENO, 2014, p. 95). E, de fato, vivemos em
uma sociedade em que há necessidade (e vontade) de se ser mais criativo,
relacional e autônomo (FLEURY; MARRA, 2005).
Porém, também vivemos em uma sociedade ambígua. Como
consequência, a autonomia que favorece o crescimento profissional
também o responsabiliza inteiramente, trazendo culpa, excesso de
trabalho com uma sensação de liberdade (ato disfarçado com nome de
autonomia e flexibilização. De acordo com Vieira, “o indivíduo pós-
moderno é levado a considerar sobremaneira seu próprio desempenho,
desviando a atenção do mundo social onde suas contradições são
produzidas” (2017, p. 62).
Paralelamente, cooperativas e trabalhadores autônomos surgem
(PICCININI, 2004), tentando dar conta da autonomia, criatividade e
relação, características necessárias ao ser humano (MORENO, 2014).
L’abbate relata que “tem-se observado que a abordagem do papel
profissional possibilita a abertura, com maior envolvimento e
compromisso, para pensar a instituição como um todo” (1994, p.487).
Segundo Datner, o papel profissional não surge apenas da
formação profissional, ou de um cargo em uma instituição. Por ser um
papel psicossocial, está em “relação complementar sistêmica e distribuído
em rede com outros papéis sociais” (1999, p. 82). Assim, o conhecimento
científico é tão importante quanto a Criatividade desde quando estamos
na escola até a formação do papel profissional.
Pequenas revoluções fazem a gestão de si, “de modo a respeitar
seus limites pessoais, corporais e culturais” (SILVA, 2007, p.113).
Trabalhadoras e trabalhadores colocam sua subjetividade em cada
momento de trabalho, por mais dominado que seja pela técnica, como
fábricas ou hospital – o não uso de EPI, burlar pequenas regras, realizar
tarefas de modo diferente do comum, entre outros, fazem, dos
trabalhadores, humanos. Se “reinventando suas formas de trabalhar, o
operário reinventa a si mesmo” (SILVA, 2007, p.122), o papel
profissional se mostra como uma ferramenta de transformação, autonomia
e empoderamento de si.
A respeito de gênero ao longo da história, este foi visto
primeiramente em uma lógica biológica, determinada pelo corpo. Com o
passar do tempo, surgiu o conceito de identidade de gênero, que vê o
gênero como resultado da época em questão e de processos culturais,
sociais e, segundo o Psicodrama, relacionais. Se identificar como mulher,
então, exige estar espontânea e criativa ao se relacionar, uma vez que:
51

a questão de gênero abrange processos vinculares,


de identidade, de poder, pessoais e socioculturais
que produzem complexidade às interações
humanas. Nestas interações, diversas funções de
papéis, cargas afetivas e condutas se conservam
perturbando a cocriação nas relações
(CONCEIÇÃO e AUAD, 2010, p.132).

Assim, se o Sociodrama surge como pesquisa e tratamento das


relações, é a ideal (e transformadora) ferramenta para se trabalhar com
mulheres e o role-creating de seu papel profissional, a fim de refletir
sobre questões de gênero e desenvolver Espontaneidade e Criatividade
para fortalecerem este papel.
53

3. METODOLOGIA

Este trabalho foi regido pelas perspectivas metodológicas da


Pesquisa-ação e da Cartografia, visando enxergar as contribuições da
Palhaçaria em uma vivência sociodramática sobre o reconhecimento do
papel profissional com mulheres do Grupo de Estudos e Práticas de
Psicologia, Palhaçaria e Psicodrama (GEP).
De acordo com o quadro de intervenção psicosociodramática de
Rodrigues (2007), este foi um Sociodrama tematizado, utilizando a
modalidade role-playing em um provável grupo pequeno (6 a 12
participantes), com instrumentos e etapas próprias do Psicodrama (como
descrito no subtítulo Etapas da Vivência).
A participação foi livre, com o critério de inclusão: maior de 18
anos. A divulgação da vivência foi realizada via redes sociais e sem
necessidade de prévia inscrição – quem participou desta edição, assim,
necessitou apenas chegar no dia, local e hora combinados. Todos os
participantes foram informados no início do encontro de que se tratava de
uma pesquisa de conclusão de curso, assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e estavam livres para sair a
qualquer momento. Foi realizado, então, um Diário de Bordo, segundo o
método da Cartografia, e após um Processamento teórico feito pela
pesquisadora.

3.1 GRUPO DE ESTUDOS E PRÁTICAS (GEP)


O Grupo de Estudos e Práticas em Psicologia, Palhaçaria e
Psicodrama iniciou seus encontros em novembro de 2017 com o objetivo
de pesquisar tangências entre os três campos.
Nos encontros do GEP, sempre havia um texto e/ou filme-base
proposto pelas organizadoras guias, e que possuíam muitas práticas, entre
jogos de Palhaçaria, jornal-vivo, aquecimentos de Psicodrama, entre
outras atividades. Também eram encontros com muitas discussões e
reflexões para paulatinamente encontrarmos aproximações teóricas,
práticas e filosóficas entre Psicodrama e Palhaçaria. As temáticas
variavam de acordo com o que as facilitadoras percebiam das vivências e
discussões prévias, além das sugestões do grupo. Algumas temáticas
trabalhadas foram racismo, aproximações com o filósofo Bachelard e a
Fenomenologia, feminismo, corporeidade, jornal vivo e a política atual,
mundo infantil e emoções, entre outras.
Os valores do grupo eram permeados pelo que as fundadoras e
facilitadoras deste grupo acreditavam de suas abordagens. A construção
do encontro em conjunto com todos os participantes14 (coconstrução), a
possibilidade de novos integrantes a cada encontro (grupo aberto) são
características que falam tanto da Palhaçaria quanto do Psicodrama.
A divulgação do grupo foi feita pelas redes sociais e pelas redes
de conhecidos das três facilitadoras, que se mostrou bem potente e
surpreendente pelo interesse de colegas de diversas áreas profissionais
desde o início.
O GEP tinha como característica encontros mensais com temas
específicos possibilitando, assim, a ocasião da vivência sobre
expectativas do papel profissional, com prévia divulgação para o público
geral. O local onde este encontro ocorreu, bem como a maioria dos
anteriores, foi em uma sala de livre acesso ao público em geral, na cidade
de Porto Alegre/RS.

3.2 PESQUISA-AÇÃO

Esta foi uma pesquisa aplicada, feitas pelo modelo da Pesquisa-


ação. Surgida a partir do período pós Segunda Guerra Mundial, tem seus
olhos voltados à construção coletiva, práticas de pesquisa mais
“participativas e implicadas, articulando pesquisa, formação dos
indivíduos e transformação social” (CONTRO, 2009, p. 130). Se a ciência
e a educação buscam cada vez mais transformação, autonomia e
contribuição (coconstrução), estamos em um terreno fértil e disponível
para o uso do Sociodrama e a Pesquisa-ação (FLEURY; MARRA, 2005).

Nesse contexto, PENHA NERY (2010) nos diz que:

a prática da pesquisa [em ciências humanas] é o


diálogo entre todos os componentes constitutivos
do ser humano: psíquico, interpsíquico, social,
histórico e cultural. Trata-se de um processo
interacional observador/observado. No campo
social, a ação-tempo-espaço apenas existe na
presença de outro sujeito (2010, p. 138)

14
Os participantes são livres para contribuírem cm ideias de texto-base, no
próprio encontro e pós-encontro. Este último está acessível a todos online,
participantes ou não do GEP, na Narrativa Coletiva, onde se pode contribuir
na construção coletiva de sentimentos e reflexões vindas do encontro.
55

Ativa e participativa, a Pesquisa-ação promove “descentralização


de poderes, valorização e mudança das práticas sociais e de produção de
conhecimento” (CONTRO, 2009, p. 132). Contro (2009), em sua
pesquisa de doutorado, defendeu que a pesquisa sociopsicodramática se
identifica diretamente com a Pesquisa-ação. De acordo com essa ideia,
Penha Nery nos explica que:

a Socionomia, ao realizar pesquisas sociais,


pertence ao paradigma
subjetivista/construtivista/interpretativo e ao da
complexidade (...) [onde estão inclusos] s vieses da
subjetividade do pesquisador e as garantias dos
critérios de rigor para a pesquisa, em suas
dimensões ontológicas, epistemológicas e
metodológicas (PENHA NERY, 2010, p. 141).

Deste modo, este trabalho tem como método a Pesquisa-ação a


partir de um Sociodrama sobre expectativa de papel profissional de
mulheres, propiciando espaço de reflexão e transformação a partir da
Espontaneidade, Criatividade e coconstrução, “na busca de soluções para
sofrimentos sociais” (PENHA NERY, 2010, p. 137).

3.3 CARTOGRAFIA

Se o primeiro princípio foi “Não impedir”, isto é,


não atrapalhar os processos em curso, o último
recolocava as bases da enumeração proposta,
dizendo: “Toda ideia de princípio deve ser
considerada suspeita”. (PASSOS; KASTRUP;
ESCÓSSIA, 2015, p. 14, referenciando os
princípios da Esquizoanálise, de Guattari).

A Cartografia vai para além da dualidade da pesquisa qualitativa


ou quantitativa ao enxergar a descrição cartográfica “como linhas que se
condensam em estratos mais os menos duros, mais ou menos segmentados
e em constante rearranjo” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p.
9).
Baseada nos princípios da Esquizoanálise, os termos “coleta de
dados” e “análise de dados” não são relevantes para Cartografia, mas
ainda assim há uma visão acerca da vivência realizada, que se dá pelo
próprio método cartográfico. Nesta linha, a produção cartográfica leva em
conta o ser do pesquisador ao:

extrapolar a noção de realidade como somente


espacial – interna ou externa –, compreendendo a
subjetividade como um jogo de forças dentro-fora
que está além da representação de um mundo
apenas dizível e objetivo (BARBOZA, 2016, p. 8).

Todas as produções que envolvem Palhaçaria citadas no presente


trabalho se deram por essa metodologia. Não por acaso, pois o palhaço
subverte normas, se relaciona com o outro e maximiza o Eu, sendo a
Cartografia também onde:

transcendo a mim mesmo, meus pontos de vistas e


fronteiras conhecidas, recompondo atenta e
cuidadosamente os elementos fragmentados e
desconexos que vão emergindo na Cartografia
(AMARAL, 2013, p. 17).

Inspirado nos trabalhos de Deleuze e Guattari, a Cartografia se


mostra como um meio de conexão com o real, o verdadeiro, o rizoma -
uma experimentação mais do que aplicação, transformação e autonomia
no lugar de centralização e normatividade, produção de dados ao invés de
coleta de dados. Desta maneira, na Cartografia nos dispomos a
“reconhecer a importância dos movimentos, das descontinuidades, das
variações, das multiplicidades, não se constitui de unidades, mas sim de
dimensões” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 20). E, mesmo
com a instabilidade do devir15, que se apresenta em um constante (porém
estável) processo de transformação, “se definem territórios relativamente
estáveis dentro do rizoma, mas isto não significa que exista algum modelo
de ordem isento de transformações” (p. 21).
A Cartografia também se mostra como uma ferramenta política
na medida em que trabalha na transversalidade, considerando todos os

15
“É o conceito de metaestabilidade, em contraste com aquele de equilíbrio
estável, que garante esse avanço. Enquanto o equilíbrio – que é o mais baixo
nível de energia potencial – exclui o devir, a metaestabilidade indica uma
dinâmica de devir que só se resolve em contínua transformação” (PASSOS;
KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 23)
57

envolvidos em uma pesquisa e suas respectivas redes de relação. Assim


como a redução fenomenológica (considerada horizonte técnico), ela se
caracteriza pela atenção do pesquisador ao fenômeno, sem a preocupação
de onde se “encaixar” este fenômeno. Além disso, o pesquisador deve
voltar também a atenção para si durante a pesquisa. (PASSOS;
KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015)
Para a prática da Cartografia, a atenção sem focalização se torna
necessária, levando em conta: rastreio (percepção16 pelos sentidos); toque
(sensação17 momentânea em relação a algo que se destaca); pouso (dando
mais atenção e intenção ao visto, porém sem excluir o restante); e
reconhecimento atento (ampliação da percepção com o auxílio da
memória, sem excluir o restante, apenas dando contornos ao observado).
(PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015).
O fruto do encontro é o diário de campo, ou diário de bordo, em
que “há transformação de experiência em conhecimento e de
conhecimento em experiência, numa circularidade aberta ao tempo que
passa” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 70). Nele, há o que
o pesquisador observa, sente, percebe e enxerga da vivência, bem como
relatos e falas vindos dos participantes, sustentando “o caráter de
totalidades [e alteridades] não homogêneas” (p. 71). A escrita pode (e
deve) trazer as contradições existentes no acompanhamento do processo,
sem sua interpretação ou encaixe em algum pré conhecimento:

a expansão do campo problemático de uma


pesquisa ocorre por suas conclusões, mas também
por suas inconclusões. E é através dos textos que
um novo problema ou uma nova abordagem dos
problemas pode se propagar e produzir efeitos de
intervenção num campo de pesquisa (p. 72).

A narração de casos é própria da Cartografia, que se mostra como


um método aliado à coconstrução e descentralização da Pesquisa-ação.
Assim, também, aliam-se às ideias transformadoras do Psicodrama e da
Palhaçaria.

16
Portanto, levando também em conta o que o pesquisador sente.
17
Portanto, também rigorosa metodologicamente.
3.4 VIVÊNCIA: PALHAÇARIA E SOCIODRAMA

Se a Palhaçaria tem algo a contribuir com o Psicodrama, estamos


diante de uma visão multidisciplinar, fundamental para este último. Penha
Nery aprofunda-se nessa ideia, recordando que “a mudança exige
ampliações constantes de consciência, visualização da realidade e
percepção do que está oculto e do que está além dela” (2010, p. 144).
As etapas da vivência foram: Aquecimento inespecífico com
jogos de Palhaçaria, Aquecimento específico, Dramatização,
Compartilhamento. Os jogos de Palhaçaria escolhidos foram inspirados
em oficinas realizadas e em relatos de colegas palhaços, e foram
selecionados nesta ordem para esta vivência. O Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) foi explicado e requerido por todos os
presentes no início do encontro.
Após, foi realizada uma Cartografia aproximando o vivido do
sentido. Citando Contro, Conceição e Penha Nery relembram o quanto “é
fundamental que a consciência sociocrítica quando ao nosso papel [de
psicodramatista], às relações relativas à clientela na sociedade,
efetivamente nos ajude a fazer um trabalho libertário” (2002, p. 113).
Por fim, foi realizado pela autora um Processamento teórico,
momento em que prática e teoria se aproximam, socioculturalmente
contextualizados (CONCEIÇÃO; PENHA NERY, 2002).

3.5 ETAPAS DA VIVÊNCIA

3.5.1 Momento inicial


 Apresentação do GEP por parte das facilitadoras, assim como das
participantes, retomando os valores do GEP e os encontros
anteriores;
 Apresentação da proposta do encontro;
 Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) por parte dos presentes, enfatizando serem todos livres
para saírem a qualquer momento da vivência, e também ser o
diretor o responsável pelo acolhimento e encaminhamentos
pertinentes.

3.5.2 Aquecimento inespecífico


59

 Os participantes devem ficar em uma posição confortável para


respirar, e buscando levar em conta a si mesmo, o ao redor e os
outros presentes. Exemplos de consignas: Como você está se
sentindo agora? Com qual energia você chega a este encontro?;

 Os participantes, em pé e em roda, devem se olhar,


experimentando olhar de cuidado, ser olhado, e apenas olhar,
levando o tempo necessário com cada um;

 Jogo: Climas sonoros


O jogo consiste em sentar-se em círculo e fechar os olhos. Cada
participante é convidado a se experimentar com sons (com a
boca, batidas, etc), podendo fazer o lhe convir até que uma
música seja construída pelo grupo;

 Jogo: Pincelada musical


O participante deve fazer um som associado a um movimento.
Em roda, um de cada vez expande o som e o movimento
começando com 1% do movimento (pincelada/participante
inicial) e ir até 100% de energia (pincelada/participante final);

 Caminhar com emoções (1% a 100%)


Os participantes devem se deslocar pelo espaço. Emoções e
sentimentos são então, propostas pelo diretor. Da mesma maneira
que o jogo anterior, são sugeridas porcentagens de investimento
de energia neste “sentir”, expressando da maneira como for
possível;

 Jogo: Cumprimentar personalidades


Em um semicírculo, um participante deve se colocar à frente
imitando um personagem, animal ou objeto, e todos devem
adivinhar. Paralelamente, são sugeridas pelo diretor
porcentagens de energia (1% a 100%) que devem ser investidas
na personalidade escolhida;

 Caminhar como personalidades


Os participantes, caminhando pelo espaço, devem imitar a
“personalidade” ou objeto com a qual mais se identificaram –
primeiramente, pessoalmente, e em seguida, de acordo com a
profissão com a qual se identificam.
3.5.3 Aquecimento específico

 Os participantes devem se reunir em grupos de acordo com os


aspectos semelhantes no “caminhar”;
 Em seguida, devem montar uma cena que represente o grupo,
incluindo o papel profissional pensado.

3.5.4 Dramatização

 Apresentação das cenas montadas pelos grupos utilizando


técnicas e intervenções necessárias

3.5.5 Compartilhamento

 Compartilhamento de emoções, lembranças e percepções da


vivência.
61

4. PROCESSAMENTO TEÓRICO

Até quando a ganância e o comportamento


predatório continuarão causando crises sociais,
doenças severas, catástrofes ambientais, etc.? (...)
A intervenção aspira relações sociais mais abertas
às interações e (...) objetiva impulsionar o humano
a se expressar e se tornar o que ainda não é. Cuidar
(...) é desenvolver sempre novos dispositivos de
empoderamento dos corpos. (AMARAL, 2013,
p.176/7)

Este subtítulo aproxima prática com teoria e filosofia morenianas


a fim de refletir sobre a vivência realizada, juntamente com o
aprofundamento de questões relacionadas à Palhaçaria.

4.1 MOMENTO INICIAL

Hoje vim de vestido, nunca fiz Psicodrama com


vestido! Outra respondeu: Não tem problema,
estamos entre mulheres! Ninguém vai querer ver
nada. Uma terceira brincou: Ah que droga, eu não
vou poder ver nada então! Clima leve, divertido,
familiar. Um prato cheio para um grupo que visa se
trabalhar! (trecho do Diário de Bordo)

estava cheia de coisas, muito raivosa, daí veio a


menstruação e... esvaziou! Agora estava bem
consigo mesma, e vazia. (trecho do Diário de
Bordo)

Núbia, Letícia, Amanda, Morada, Roberta e Mirela18 foram


chegando uma a uma. Todas se conheciam entre si, inclusiva a diretora.
Foi explicado as características do GEP e deste encontro específico, e
pedido para assinarem o TCLE.
Com diferentes histórias, chegaram trazendo energia e
disponibilidade. Sentadas em uma roda, primeiramente em pé e depois

18
Todos os nomes presentes neste trabalho foram modificados para preservar
a identidade dos participantes.
sentadas, contavam: recém-separada, vazia, morando longe do namorado,
orgulhosa de sua recém-conquistada independência, com crises
existenciais. Algo havia em comum entre todas: estarem em um constante,
árduo e transformador processo de autoconhecimento e do conhecimento
de seu papel de mulher. Desde o início, este encontro foi terapêutico, onde
as mulheres podiam sentir-se à vontade umas com as outras.
Uma vez que o tema deste trabalho é o papel profissional de um
grupo de mulheres, esta vivência pode ser considerada um Sociodrama
temático.

4.2 AQUECIMENTO INESPECÍFICO

Crianças são vaga-lumes, possuem luz própria, não


dependem do fogo, elas próprias incendeiam (...).
No entanto, a luz não aparece como clarão, não é
horizonte. A luz de um vaga-lume é lampejo que
dança no escuro, que surge na fissura, quando há
saída do cotidiano, surge no “erro” (...). Ser
palhaço, criança ou vaga-lume é repensar a
esperança através do encontro do passado com o
aqui-agora para formar um clarão, um brilho, uma
constelação, onde se libera alguma forma para o
nosso próprio futuro. A mínima luz, lenta e fraca
dançando na escuridão junto com outras luzes
forma um universo, uma casa, uma cidade. (Texto
de VUADEN, L. M. in TRINDADE et al, 2018, p.
126/7)

Vaga-lumes, crianças e palhaços têm algo em comum: o brilho


de quem se é naquele momento. Moreno viu esse brilho na
Espontaneidade da criança e a Palhaçaria, na energia e entrega do palhaço.
Se, para Moreno (2014), o aquecimento inespecífico é
fundamental para se estar no aqui-agora, os jogos de Palhaçaria
cumpriram este objetivo. Os iniciadores foram, em ordem temporal:
físico-mental (relaxamento), relacional (olhares), temático-relacional
(Climas sonoros), fisiológico (Pincelada musical), fisiológico-mental
(Caminhar com emoções) e mental-relacional (Cumprimentar
personalidades). Essas relações foram feitas de acordo com a principal
função de cada aquecimento, porém não são encerradas apenas nessas
63

categorias, visto que os jogos de maneira geral irrompem diversos


arranques físicos e/ou mentais.
A ordem fisiológico-mental que Moreno (2014) e Monteiro
(1993) propõem foi invertida nesta vivência, porém não parece ter havido
dano ao aquecimento das mulheres, visto que se adentraram sem
problemas nas atividades propostas (esforço e interesse), do aquecimento
específico ao compartilhamento. Neste contexto, a diretora compreendeu
que o grupo estava bem entrosado, disponível e espontâneo desde o início
do encontro, ao mesmo tempo que cada participante também disposta ao
encontro.
Se o status nascendi deste grupo é o processo de Aquecimento,
seu locus nascendi pode ser visto por diferentes focos, guiado pelo
interesse das convidadas: a aproximação Psicologia-Palhaçaria-
Psicodrama, pelo próprio GEP, por parte das convidadas; também o tema
proposto, a reflexão sobre papel profissional. Porém, desde o início do
encontro o tema principal foi a Mulher, podendo ser considerados
subtemas à volta o papel profissional e a aproximação das três áreas.
Como expresso no Diário de Bordo:

Um encontro de mulheres é político. O objetivo


inicial deste encontro era o de se encontrar em um
papel profissional, mas este virou secundário: a
oportunidade que todas viram de relatar os desafios
de ser mulher na sociedade foi um desejo do grupo
desde o início. (trecho do Diário de Bordo)

Na proposta da Palhaçaria, os jogos também servem para um


maior contato consigo mesmo e com seu contorno. Assim sendo, serviram
ao seu propósito. O aquecimento aqui se transforma em um processo
inicial de autoconhecimento, bem como uma introdução ao próprio
palhaço, em que nos encontramos como Branco e também como Augusto,
como seres individuais e também relacionais, como corpos, ação, emoção
energia e verdade. E qual o objetivo do Psicodrama, segundo seu criador,
senão a busca pela verdade? (Moreno, 2014).
Palhaçaria e Psicodrama são meios revolucionários de se fazer
estar consigo mesmo, ao mesmo tempo que com o outro, em um dado
ambiente e contexto.
A seguir, uma breve análise e particularidades de cada jogo
proposto:

4.2.1 Climas sonoros


Era uma música da alma, cheia de sentimentos que
às vezes nos desafinam, nos afinam diferente dos
outros instrumentos, nos engrossam, deixa tudo
cheio. Ou vazio. E tudo bem estar vazio. O som se
faz no vazio, no silêncio – lugares com muito
barulho às vezes desapercebem outros sons. Mas
aquela sala estava cheia, preenchendo cada espaço
com uma melodia meio tribal, meio lírica, com
palmas, oooooh, tons para cima, para baixo, para
cima de novo. Estalos de dedo, mãos no chão.
Ápice. E, diminuindo o volume e a intensidade,
terminou. Quando o grupo sentiu que era para
terminar, foi tudo “telicamente combinado”.
(trecho do Diário de Bordo)

Este aquecimento foi realizado a fim do grupo dar o seu próprio


ritmo, iniciar a vivência de um jeito coconstruído.

4.2.2 Pincelada musical

Risadas não propositais, risadas pela


espontaneidade, pelo imprevisto, pela loucura de
abrir os braços fazendo eieieiei, por se jogar no
chão gritando uuuuhhhhh. Modo palhaço ativado!
(trecho do Diário de Bordo)

A participação da diretora neste jogo, primeiramente como


modelagem, se deu também para seu próprio aquecimento. Esse jogo
também se mostrou como uma quebra – de um clima mais intimista a
risadas e construção de Tele.
A variação das porcentagens de 1% a 100% se mostrou como um
bom meio palhaço-psicodramático de aquecimento. Uma reflexão
aprofundada sobre as porcentagens e a maximização foi feita no subtítulo
Dramatização.
65

4.2.3 Caminhar com emoções (1% a 100%)

Este jogo, no exato clima de confiança e Tele das participantes,


foi essencial para o aquecimento para a dramatização. A importância se
deu pelo maior contato com as emoções – essencial ao Psicodrama – e
pelo “erro” cometido e só percebido através de uma situação inusitada:

Eis que entrou uma mulher de sopetão na sala onde


estávamos. Abriu a porta tímida, com tom baixo,
quase sussurrando, como se não quisesse
atrapalhar. De fato, ela estava fazendo um espelho
do que gostaria que estivesse acontecendo. Pediu
para falarmos mais baixo, pois na sala ao lado
haviam pessoas fazendo prova, e então perguntou
“vocês estão fazendo Psicodrama, né?” Todas
rimos bastante. (trecho do Diário de Bordo)

Após este momento, a direção foi retomada no sentido de


promover momentos mais sensíveis ao invés de expansivos. A partir daí,
a modulação da porcentagem do “sentir” permitiu às mulheres que
mergulhassem cada vez mais em si mesmas, no sentido de se observarem
nas diversas situações-sentimento e estarem mais 100% presentes.
Algumas reflexões foram feitas a partir da pergunta da mulher.
Não foram reflexões concluídas em si, mas que geraram mais perguntas,
assim como o Psicodrama deve ser. De Heidegger a Foucault, passando
por Moreno e Buber, todos ampararam estas reflexões.
Como o Psicodrama é enxergado pelos outros? E uma certa
insegurança deu sinal de vida. Será que o Psicodrama é uma ferramenta
que faz sentido para a sociedade? Ferramenta de poder – do verbo ‘poder’,
aquele que dá possibilidades, viabiliza caminhos, cria respostas. A
insegurança esbarrou no alívio. O palhaço, o encontro exagerado consigo
mesmo, auxiliando o grupo, relações e reflexões. E se Psicodrama é ação,
emoção, contato, o 100% de si não precisa ser alto, gritado. Precisa ser
sentido. Após a interrupção (digo, colaboração), as consignas se
modificaram para gerar movimentos mais efusivos, entusiásticos,
sensivelmente percebidos.
A santa insegurança de Buber (2001) foi bem-vinda para a
reflexão, fortalecendo o papel da Diretora e contribuindo positivamente
para a vivência.

4.2.4 Cumprimentar personalidades

Após (necessários) momentos com muitos sentimentos e entrega,


a graça deste jogo se mostrou como aliada ao aquecimento, entrosamento,
Tele e disponibilidade do grupo. Este jogo promoveu risadas e também
abriu espaço para o aquecimento específico.
Os personagens representados durante o jogo, como o recém-
eleito presidente Bolsonaro (em que todas fizeram caretas quando
descobriram, demonstrando insatisfação com as eleições), uma modelo e
um macaco, foram rapidamente adivinhados pelo grupo, demonstrando
um coinconsciente grupal afinado e valores comuns entre as participantes.

4.3 AQUECIMENTO ESPECÍFICO

4.3.1 Caminhar como personalidades

Este jogo teve como objetivo trazer o tema do encontro para o


grupo: desempenho do papel profissional. Como continuação do jogo
anterior, as mulheres andaram pela sala “sendo” o personagem que mais
gostaram. Depois, “sendo” o personagem que mais se parecia com elas no
papel profissional.
Foi pedido então para que se juntassem em grupos a partir dos
personagens/caminhadas semelhantes. Neste grupo, deveriam refletir
sobre o papel profissional pensado a partir da caminhada e, então, fazerem
uma cena mostrando uma possível atuação do papel escolhido pelo grupo.
Nesta etapa foi realizada uma escolha sociométrica para
desenvolvimento de uma Tele autêntica. Ainda aquecidas, as
participantes realizaram as tarefas propostas com seriedade e empenho,
demonstrando sucesso na Sociometria (ação e cocriação presentes).

4.4 DRAMATIZAÇÃO

4.4.1 Cena 1: Grupo de terapia19

19
Nome dado pela diretora para facilitar o relato e análise da experiência.
67

As cadeiras foram organizadas em meio círculo, simulando um grupo


de terapia. No Psicodrama, técnicas de teatro são essenciais para um
melhor visualização, entendimento e envolvimento, tanto dos
protagonistas quanto do público – a experiência ou conhecimento prévios
de Psicodrama das participantes colaborou efetivamente com o
Sociodrama num geral, principalmente no que se refere à disponibilidade
para as cenas e sua montagem.
Inicia a cena: a terapeuta cumprimenta todos de sua cadeira e introduz
o grupo, que será de terapia. Também recorda da importância do sigilo e
que todos podem sentir-se à vontade. No grupo, somente mulheres, “mas
finge que tem um homem aqui do meu lado”, disse uma delas olhando
para a diretora e o público. O homem-paciente foi relembrado durante a
cena, e até ficaram alguns momentos em silêncio como se ele estivesse
falando, mas ninguém quis fazer o seu papel.
A cena aconteceu com breves relatos dos “pacientes” sobre questões
que gostariam de trabalhar, seguidos sempre por uma fala da terapeuta
comentando o tema abordado e aproximando histórias semelhantes.
Então, o grupo de terapia foi finalizado pela terapeuta, sugerindo um
próximo encontro.
Em relação à Matriz de Identidade, pode-se dizer que estavam na fase
anterior ao Reconhecimento do Tu, evidenciada por dois motivos: apesar
da terapia ser em grupo e dos esforços de conectar as situações por parte
da terapeuta, os pacientes falavam cada um independentemente e não se
relacionando com o outro, com um começo, meio e fim, sobre sua própria
questão; também, o fato de não conseguirem, como grupo, atribuir um
papel masculino a alguém presente, mesmo reconhecendo sua existência.
Pode-se dizer que as participantes, todas mulheres, estavam se
experimentando em seu papel como mulher na sociedade (bastante
discutido pela cena em seguida), não dispostas a enxergá-lo a partir de um
homem.
Podemos também observar como tocar em um papel reverberou em
outros papeis. Como mulheres na sociedade (contexto social), colocaram
em cena o papel de mulher (contexto psicodramático), tocante às relações
desiguais entre homem e mulher, trazendo à cena o primeiro cluster, com
o intuito de acolher os pacientes presentes (contexto psicodramático), e
essas mulheres (contexto social).
O Psicodrama propõe olharmos com o olhar do outro. E, pensando
em um grupo de mulheres que mostra sua força, sua feminilidade, sua
confiança, se enxergar como um homem não estaria em cogitação. O
histórico da conquista (e perda) de direitos da mulher é duro e extenso e,
em uma vivência sobre o papel profissional feminino, isso foi ainda mais
evidenciado.
Esta cena se mostrou como aquecimento para a seguinte. O sentido
de uma terapia, tema protagônico daquela cena, é de enxergar o que se
está fazendo, refletir sobre sentimentos e atitudes, e também acolher. É
nos fazer enxergar e sentir (100%) para qual sentido andamos. Esta cena,
como numa terapia, iluminou o caminho para a qual a cena a seguir iria
nos guiar, além de ouvirmos da própria “terapeuta” que estávamos
embarcando para um lugar árduo, mas de forma segura e autêntica.

4.4.2 Cena 2: Casting20 de modelos21

De repente aquela vivência de um casting de


modelos, com toda a aspereza opressora que veio,
trazer a tona, tantas outras sensações, é muito
mágico e sou grata pela possibilidade de me espiar
mais um pouquinho... (fala de Núbia)

A cena se inicia: uma mulher sentada na cadeira faz cara de


“superior”, arrogante, chamando uma das modelos. Após diversas
análises constrangedoras e humilhantes, recusa a modelo que, em uma
última tentativa, pede um prazo de 6 meses para “melhorar”. A mulher do
casting aceita e logo chama a próxima, amiga da primeira. Recebendo um
sincero “boa sorte” da amiga, a modelo vai se encontrar com a mulher do
casting. Também humilhada, combina com a selecionadora 6 meses para
se desenvolver.
Seis meses depois, as duas amigas retornam à agência. Diante da
fala seca e novamente humilhante da selecionadora, a modelo – agora
também como participante da vivência, Morada – começa a chorar.
Neste momento, a técnica do Psicodrama utilizada foi o
solilóquio22. Não havia sido necessária até o momento na medida em que

20
Seleção para modelos em agência.
21
Nome dado pela diretora para facilitar o relato e análise da experiência.
22
Em uma experiência sociodramática de Toloi e Souza (2015, o solilóquio
permitiu a “expressão dos conteúdos do mundo interno ofereceu uma abertura
para que a diretora pudesse penetrar nos conflitos latentes dos próprios
personagens e ampliar sua percepção” (2015, p.18).
69

a Diretora também foi, em parte, Ego auxiliar, porta-voz do grupo. A Tele


estava afinada. Havia um Encontro naquele espaço – Eu e Tu. Nós:

Na hora, todas de estômago embrulhado. O público


estava com olhos apertados – algumas também
incrédulas, algumas bem emocionadas. Não
precisava ter participado de nenhum casting para
termos uma ideia real do que era aquilo. Todas na
sala sentindo, sofrendo, vivendo juntas. (trecho do
Diário de Bordo)

Morada não conseguiu falar nada. Aos poucos, foi parando de


chorar, o que demonstrou menor contato com sua emoção presente e um
possível desaquecimento. Núbia, no papel de selecionadora, emendou que
aquela situação havia acontecido com ela naquele mesmo dia – mas, como
estava como espectadora do casting, não pôde fazer nada. Alguns
comentários da plateia surgiram concordando com os sentimentos
expostos.
Todas estavam comovidas com a situação, e deram pequenos
relatos durante essa “pausa’ na cena. Mais verbalização, mais
racionalização, menos aquecimento. Para retomar o aquecimento da
participante, foi utilizada a maximização – também utilizada pela
Palhaçaria – e já praticada nos jogos de aquecimento em forma de
porcentagens (“Caminhar com emoções”). Para ele, ampliar o que está
diminuído para compreender melhor o contexto. Para ela, é necessário
ampliar para se aceitar, ao mesmo tempo que se amplia na medida em que
se aceita.
Merleau-Ponty, com sua fenomenologia da percepção, pode
colaborar a melhor entender essa ideia, de que “sentimentos podem ser
descritos não apenas como fatos psíquicos ocultos num inconsciente, mas
como estilos de condutas visíveis, presentes nos rostos e nos gestos”
(MASSARO, 2014, p. 32). Assim, aumentando, maximizando o que está
interno, e colocando o sentimento à disposição da relação, do outro, se
está contribuindo para um aumento de espontaneidade e Tele.

Nessa seleção, 6 meses depois, ela parecia mais


segura de si – algumas vezes intervi relembrando
das porcentagens, e ela retomava a segurança. Não
foi a segurança que fez ela chorar, mas foi a
segurança que saiu dela depois da tristeza, da
sensação de impotência. A segurança de ser quem
se é, de não se deixar ser anulada. E a cena foi se
encaminhando com mais críticas da selecionadora,
e uns toques de “parabéns” e elogios, também por
parte dela. Mas não houve um final, final. Uma
gritou “Chega!”. Todas foram ficando quietas,
talvez digerindo, talvez ruminando, ou até não
tendo engolido ainda o que acabaram de presenciar.
(trecho do Diário de Bordo)

Quanto às técnicas utilizadas, vale ressaltar que é válida qualquer


ferramenta que auxilie o protagonista a entrar em contato com suas
emoções e alcançar mecanismos de ação - mesmo que espontaneamente
criada pelo diretor naquele dado contexto.
4.4.3 Transformação a partir de seu papel profissional

Cuidar (...) é desenvolver sempre novos


dispositivos de empoderamento dos corpos
(AMARAL, 2013, p.176)

Neste momento final da Dramatização, a consigna era de mostrar


como conseguiam mudar uma realidade que tanto incomoda cada uma, a
partir de seu papel profissional. Conforme cada participante se
apresentava à frente das outras, o restante já interagia como se estivesse
junto na cena, demonstrando grande espontaneidade-criativa do grupo.
Núbia relatou a criação de uma agência de modelos inclusiva, que
aceitaria e promoveria todos os tipos de pessoas de forma mais
humanizada. “Nos lembrou que podemos propor soluções para
transformar o que achamos ruim” (trecho do Diário de Bordo).
Amanda investigou, a partir das princesas, as potencialidades das
mulheres-crianças “presentes” na sala de aula de um SCFV23 de Porto
Alegre, onde é voluntária. “Somos potência, formiguinhas de
transformação. Ser princesa é não ser perfeita, nem coesa – ser princesa é
ser” (trecho do Diário de Bordo).
Roberta se tornou palhaça. Pegou um nariz de palhaço que estava
em cima da mesa ao lado e abaixou a cabeça para colocá-lo, fazendo uma
reverência: “Ao sermos palhaços, nos reverenciamos, nos aceitamos,
podemos tudo. Onipotentes. Poderosos de si. Criativamente si mesmos.

23
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, do Sistema Único
de Assistência Social.
71

Centelhas divinas” (trecho do Diário de Bordo). Então ela olhou para a


plateia e apenas respirou. Todas estavam olhando para ela quando o
elástico de um dos lados do nariz vermelho arrebentou. Palhaça-Roberta
entortou a cabeça para não deixar cair o nariz, e continuou sorrindo, meio
sem jeito. Muitas risadas do público. Então se despediu, costas para nós,
reverência de volta, nariz pra fora. Ela lembrou que podemos errar, e que
isso é parte de aceitar a si mesma.
Mirela entrou já em uma sala de aula na Psicologia sobre
Perspectivas decoloniais24, colocando o oprimido, a minoria de direitos
enxergando a própria perspectiva. “Ela nos lembrou que importante é
olhar para quem se é (poder, o verbo), e todas as suas possibilidades e
contribuições - não para quem tem (poder, o substantivo)” (trecho do
Diário de Bordo).
Ao longo da História, a mulher foi conquistando (e perdendo
novamente alguns) direitos, inclusive o de ter uma vida profissional.
Nessa trajetória, pode ser compreendido que trabalho é ferramenta de
transformação – seja de si (gestão de si), seja de sua realidade (micro
revoluções). As mulheres presentes nessa vivência colocaram à mostra
suas potências profissionais para transformar uma realidade aos poucos
em menos machista e mais promotora de autonomia e espontânea,
colocando à mostra o role-creating de seu papel profissional.
Ainda há muito para ser conquistado, mas foi se construindo,
neste Sociodrama, a consciência de que uma pode oferecer ajuda e
incentivar reflexões ao seu redor. E que, se são seres humanos em relação,
estão conectadas e expandem ao infinito seu poder de transformação.

4.5 COMPARTILHAMENTO

Compartilhar: Junto (com) + Criatidade (art) +


Cada um (ilha). Essa etimologia inventada auxilia
a entender o que compreendo por este momento.
Depois do estado máximo de criatividade e
espontaneidade do grupo, na dramatização, o
compartilhamento se mostra como uma reflexão
ainda sob a voz da emoção, do calor do momento,

24
Segundo Mirela, a perspectiva decolonial é “um pensamento
latinoamericano, proposto por pesquisadores e pensadores desse contexto,
que propõe a reflexão de como a colonização na América Latina ainda afeta
nossa cultura, desvaloriza as referências latinas para pesquisa e se relaciona
diretamente com o racismo”.
do olhar criativo. Também é o momento em que
cada uma pode se abrir, relembrar seus momentos,
viver a sua ilha. Por fim, é mais um momento em
uma vivência em que se cria, se experimenta e se
identifica juntas, se está junto. (trecho do Diário de
Bordo)

Por posição ética e respeitosa, aqui serão expostas as temáticas


refletidas - ao invés dos relatos pessoais. No compartilhamento a cena do
casting de modelos foi a cena que gerou mais reflexões e lembranças. De
modo geral, ela incitou temas relativos à relação consigo mesmo e com o
outro.
Em uma relação em que nos sentimos de alguma maneira
prejudicados, urge a necessidade de coragem – tanto a coragem de dar voz
ao que se sente, quanto a de enxergar a sua própria sombra e o quanto dela
está nessa relação. De um modo geral, a mulher não tem ciência de sua
própria coragem para conseguir transformar suas relações: há a
dificuldade de diferenciar a obediência ou aceitação de tudo, de uma
atitude resolutiva, mesmo que pacífica. Esse “poder se dar conta” é um
processo que vem sendo negado e escondido ao longo da construção de
toda a sociedade em que homens são vistos como sujeitos, donos de si, e
mulheres como sujeitas aos homens.
A opressão tende a ser vista de fora – nesta vivência,
personificada pelo Bolsonaro (Jogo: Cumprimentar personalidades), pela
selecionadora do casting (Cena 2), dentre outras. Muita luta por direitos
e por respeito já foi realizada durante a história, e muita luta ainda será
feita. Também, ainda nos resta entrar em contato e assumir nossos
próprios opressores interno. Opressores que oprimem nós mesmas e
também outros. Colocar-se na posição de sujeito – nem bom, nem mau,
apenas sujeito com todas as suas características - é dar ferramentas a nós
mesmos para transformar o contexto em questão.
O Compartilhamento foi um momento em que todas revelaram
momentos e situações pessoais. Este pode ser considerado bem-sucedido
na medida em que todas relataram seus sentimentos, relembraram
vivências pessoais e acolheram umas às outras: “Para além dos padrões,
das competições, reconhecendo nossos próprios leões” (fala de Núbia).
73

5. CONCLUSÕES

Este subtítulo é nomeado Conclusões, e não Conclusão, por não


se fechar em algo, mas por ter diversos pontos de vista, sempre podendo
ser completados pelo leitor, que também participa da construção deste
trabalho.
Por se tratar de uma Cartografia, o presente trabalho procurou
levar em conta as diversas visões das participantes. Durante a vivência, a
construção coletiva guiou. Durante a escrita do Diário de Bordo e deste
trabalho, a construção coletiva também deveria estar. Por isso, trechos de
fala e escrita das participantes - em diferentes contextos – foram
colocados ao longo deste trabalho com a devida referência, porém não
houve identificação de quem participou do grupo.
A direção desta vivência de Sociodrama pode ser considerada
efetiva na medida em que os aquecimentos levaram a uma dramatização
e consequente compartilhamento, promovendo reflexões, insights e
espontaneidade através da coconstrução.
Alguns desafios foram parte da jornada, como a percepção de que
alguns momentos estavam indo para além do tema proposto (papel
profissional da mulher), e o aquecimento com percentagens inicialmente
sendo superficial sem permitir grande contato com as emoções. Ao se dar
conta destes, a diretora investiu sua energia em redirecioná-los,
permitindo respostas criativas perante os contextos problemáticos.
A questão feminina permeou o grupo do início ao fim,
mobilizando todas as participantes e diretora. Isso se deve pelo fato de
todas serem mulheres e viverem na pele, incluindo em seu papel
profissional, que ser mulher é lutar sempre pelos seus direitos, e espaços
como este constroem conjuntamente a força para seguir nesta conquista.
Também colaboraram para todos os momentos da vivência
(Aquecimento e Dramatização, e toda a entrega e disponibilidade) o fato
de todas já terem alguma experiência no Psicodrama. Levando em conta
esta experiência e o Aquecimento, pode-se dizer que o role-playing do
papel profissional permitiu às participantes refletir sobre a importância
social, política e pessoal de seu papel profissional.
Assim, se uma boa coesão grupal é fruto da Tele, da direção, dos
valores culturais semelhantes dos participantes e das expectativas
positivas dos mesmos, este Sociodrama teve um ingrediente essencial
para que os objetivos fossem atingidos.
Quanto ao papel profissional, pode-se concluir que na etapa do
role-creating, o sujeito permite se transformar e transformar sua
realidade, na medida em que a compreende e percebe necessidade (e
poder) de mudança.
Quanto às ferramentas utilizadas, observou-se que a
maximização se tornou ferramenta essencial para o aquecimento nesta
vivência, assim como um importante ponto de encontro entre Psicodrama
e Palhaçaria. Na teoria, enxergar a si mesmo, em um processo constante
de autoconhecimento em relação, é importante para contribuir com sua
construção identitária em diversos papeis – profissional, no caso. A
técnica facilita o contato consigo mesmo colocando uma lente de aumento
naquilo a ser observado. Como resultado, a Espontaneidade em alta
permite tanto a ação e reflexão realizadas nesta vivência, quanto sua
transposição para o contexto social.
A Palhaçaria se mostrou uma forma eficaz de complementar o
Psicodrama, na medida em que é também uma ferramenta relacional de
contato com emoções e que coloca o sujeito em evidência,
complementando os objetivos do Psicodrama ao promover autonomia e
espontaneidade.
Por fim, este estudo cumpriu seu objetivo de analisar possíveis
contribuições da Palhaçaria em um Sociodrama sobre o role-playing do
papel profissional de mulheres, levando em conta as contribuições da
primeira para o Psicodrama e promovendo um espaço para reflexão do
papel profissional da mulher. Recomenda-se outros estudos e
intervenções com a Palhaçaria para aprofundar sua contribuição ao poder
transformador do Psicodrama, bem como a contribuição política-
histórica-social de um grupo de mulheres utilizando ferramentas do
Psicodrama e da Palhaçaria.
75

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Psicodrama, v. 25, n. 1, 59-67, 2017
81

ANEXOS
ANEXO A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO (TCLE)

O (A) Sr. (a) está sendo convidado (a) como voluntário (a) a
participar da pesquisa “HÁ ALGO DE REVOLUCIONÁRIO NA
MÁSCARA E NO NARIZ: A Palhaçaria como contribuição em um
Sociodrama sobre papel profissional”, que tem como objetivo analisar
possíveis contribuições da Palhaçaria em um Sociodrama sobre o role-
playing do papel profissional.
O motivo que nos leva a estudar este assunto é a atual crise de
valores e financeira no Brasil, que também promove modificações nos
papeis profissionais e que pode ter o Psicodrama e a Palhaçaria como
contribuição para a reflexão.
Essa pesquisa se baseia nas perspectivas da Pesquisa-ação e da
Cartografia, e será realizada em um encontro do GEP (Grupo aberto de
Estudos e Práticas de Psicologia, Palhaçaria e Psicodrama). As seguintes
etapas serão realizadas: aquecimento, dramatização, compartilhamento e
processamento teórico (momento após a vivência).
Será realizado um diário de campo pela pesquisadora, que irá
conter observações e sentimentos das vivências da própria e dos
participantes, bem como falas e percepções. Este diário de campo será
levado em conta no processamento da vivência, que visa analisar
possíveis contribuições da Palhaçaria em um Sociodrama sobre o role-
playing do papel profissional.
Como benefícios ao participante, haverá a reflexão sobre seu papel
profissional, a oportunidade de participação de uma vivência que une
Psicodrama e Palhaçaria, e a colaboração com a pesquisa acadêmica
brasileira. Visto que o Psicodrama e a Palhaçaria são abordagens que
promovem a relação e o contato consigo mesmo, o possível desconforto
se dá pela intensidade desse encontro. É importante lembrar que a
qualquer momento o (a) Sr. (a) pode contatar a pesquisadora caso não se
sinta confortável, ou interromper sua participação. Também, há uma
possibilidade de furto deste documento. Para minimizar o risco e
preservar a anonimidade dos participantes, os dados serão armazenados
em um banco de dados criptografado online, com acesso com senha
somente pela pesquisadora e orientadora responsáveis.
O motivo deste convite é que o (a) Sr. (a) se enquadra nos
seguintes critérios de inclusão: maior de 18 anos e interessado pelo
assunto em questão.
O (A) Sr. (a) poderá deixar de participar da pesquisa nos casos em
que forem observados os seguintes critérios de exclusão: não querer
participar da pesquisa.
Para participar deste estudo o (a) Sr. (a) não terá nenhum custo,
nem receberá qualquer vantagem financeira, mas será garantido, se
necessário, o ressarcimento de suas despesas, e de seu acompanhante,
como transporte e alimentação.
O (A) Sr. (a) será esclarecido (a) sobre o estudo em qualquer
aspecto que desejar e estará livre para participar ou recusar-se a participar,
retirando seu consentimento ou interrompendo sua participação a
qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em
participar não acarretará qualquer penalidade ou modificação na forma
em que é atendido pelo pesquisador.
O pesquisador irá tratar a sua identidade com padrões profissionais
de sigilo e privacidade, sendo que em caso de obtenção de fotografias,
vídeos ou gravações de voz os materiais ficarão sob a propriedade do
pesquisador responsável. Seu nome ou o material que indique sua
participação não será liberado sem a sua permissão. O (A) Sr. (a) não será
identificado (a) em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo.
Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando
finalizada.
Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias,
sendo que uma será arquivada pelo pesquisador responsável, na Viver
Psicologia: Psicodrama (endereço abaixo), e a outra será fornecida a(o)
Sr. (a).
Caso hajam danos decorrentes dos riscos desta pesquisa, o
pesquisador assumirá a responsabilidade pelo ressarcimento e pela
indenização.
83

Eu, _________________________________________________,
portador do CPF __________________, nascido (a) em
____/____/________, residente no endereço
__________________________________________________________
________, na cidade de _____________________, Estado
______________, podendo ser contatado (a) pelo número telefônico ( )
____________, fui informado (a) dos objetivos do estudo “HÁ ALGO
DE REVOLUCIONÁRIO NA MÁSCARA E NO NARIZ: A Palhaçaria
como contribuição em um Sociodrama sobre papel profissional” de
maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Concordo que os
materiais e as informações obtidas relacionadas à minha pessoa poderão
ser utilizados em atividades de natureza acadêmico-científica, desde que
assegurada a preservação de minha identidade. Sei que a qualquer
momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão
de participar, se assim o desejar, de modo que declaro que concordo em
participar desse estudo e recebi uma via deste Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.

___________________,_______de___________de ________.

Assinatura do participante Assinatura do pesquisador

Em caso de dúvidas quanto aos aspectos éticos deste estudo, você poderá
consultar:
Viver Psicologia: Psicodrama
Pós graduação lato sensu em Psicodrama
Rua Tubalcain Faraco, 20. Ed. Centro Executivo Luiz Francalacci -
Salas 704/705 - Centro, 88701-130 Tubarão/SC
Tel. 55(48) 48) 99941-8982 - E-mail: viverpsicodrama@gmail.com

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