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Desde a antiguidade houve três grandes mudanças na ideia do homem sobre si mesmo. Três grandes golpes
afetaram nossa vaidade
Antes de Copérnico acreditávamos ser o centro do universo que todos os corpos celestes giravam em nosso
redor.
Mas o grande astrônomo derrubou esse conceito e fomos forçados a admitir que nosso planeta é apenas um
dentre os muitos que giram ao redor do sol e que há outros sistemas além do nosso em incontáveis mundos
Antes de Charles Darwin o home acreditava ser uma espécie única completamente separada do Reino animal.
Mas o grande biólogo nos fez ver que o nosso organismo físico é o produto de um vasto processo evolutivo cujas
leis em nada diferem daqueles dos animais.
Antes de Sigmund Freud o homem acreditava que o que dizia e fazia era o produto de sua vontade consciente
mas o grande psicólogo demonstrou a existência de outra parte de nossas mentes que funciona n o mais obscuro
segredo e que pode até comandar nossas vidas.
Essa é a história da entrada de Freud numa região tão escura quanto o próprio inferno: o inconsciente humano
e de como ele o iluminou.
Despedindo no trem...
Já em Paris
A Palavra histeria vem do grego “hyster”, que significa “útero”. Até hoje, os médicos acreditam ser uma doença de
mulheres, quando admitem que ela existe. Muitos negam a ela um posto respeitável nas páginas da enciclopédia
médica. Excelentes descrições de histeria podem ser encontradas nos registros de julgamentos de bruxaria de
tempos remotos. Diziam que as vítimas estavam possuídas pelo demônio. Havia verdadeiras epidemias dessa
ilusão. Comunidades inteiras eram infectadas. Sim, era infeccioso, mas não havia germe. A histeria viola o princípio
médico de que todos os sintomas devem ser de origem orgânica, e o princípio psicológico de que a mente só é
capaz de um pensamento de cada vez. Mas os fatos não deixam de existir só por irem contra nossas adoradas
teorias. Pretendo provar aqui que a histeria é uma doença mental e que a mente pode se dividir segundo duas
linhas de pensamento ao mesmo tempo.
O que vêem? Paralisia. Paralisia flácida.
Diga-me, Jeanne, há quanto tempo está sem andar?
Desde 1880. Seis anos.
Aconteceu com você que tenha levado a isso?
Não.
Charcot - Eis um dos mais característicos sintomas da histeria. O paciente não se lembra de nada. Soubemos pelos
parentes que os sintomas se manifestaram após um acidente na ferrovia. Ela não teve ferimentos. Sua doença é
devida apenas ao trauma psicológico.
- E temos aqui um clássico exemplo de paralisia agitans.
- Diga-me, Servais, quando começou a tremer?
- Há cerca de um mês.
- Servais era cortador de madeira. A cabana onde se protegeu de uma tempestade foi atingida por um raio. O
incidente, do qual Servais não se lembra, não aconteceu há um mês e sim há um ano. Depois do acidente ele entrou
num estado típico de vítimas de trauma. Sua tez ficou acinzentada, os olhos perdidos e os movimentos. Ele se
comportava como se estivesse em transe hipnótico. Através da hipnose, só recentemente desvinculada da magia
negra, conseguimos produzir um estado mental no paciente similar aquele em que os sintomas foram concebidos.
Vou colocá-lo para dormir, Servais. Olhe fixamente para chama com os dois olhos. Diretamente para a chama.
Agora, você vai dormir. Um sono profundo. Vai adormecer profundamente. Um sono profundo e tranquilo. Está
dormindo. Profundamente, profundamente.
Agora está ligado ao Prof. Charcot. Ele vai dar ordens, e vai obedecer-lhes.
Vou demonstrar agora, senhores, que esses dois paciente não sofrem de doenças orgânicas, e, sim, apresentam
sintomas que resultam de ideias pressas em suas mentes.
Está me ouvindo, Servais? Humhum... Está seguro, Servais. Não tem medo algum. Nenhum medo. Está ficando
calmo e tranquilo. Completamente tranquilo. Quando eu bater palmas, não vai mais tremer.
Clap.
Bom, Servais, muito bom.
Eliminamos os sintomas de histeria através de um comando oral, demonstrando, assim, que sua doença não de
origem orgânica.
Jeanne, durma agora, Jeanne. Durma. Profundamente, cada vez mais profundamente. Um sono tranquilo. Um sono
tranquilo e doce. Profundo, profundo. Durma.
Ouça, Jeanne. Vou passa-la para o Prof. Charcot.
Está ouvindo, Jeanne? Sim... Suas pernas, Jeanne. A sensação está voltando a elas. Sim, pode sentir o sangue
correndo por elas, Jeanne. Está curada, curada. Pode mover as pernas. Vamos lá, mova as pernas... Muito bom.
Pode até ficar de pé. Sim, pode se levantar. Levante-se, fique de pé.
Maravilhoso, Jeanne, maravilhoso! Abra os olhos! Ande, agora ande. Não tenha medo, ande pela sala.
E, agora, tendo demonstrado que podemos eliminar os sintomas pela sugestão, vamos ver se também podemos
cria-los.
Quando eu bater palmas suas pernas ficarão dormentes. Não vão mais sustenta-lo. Ficarão paralisadas, imóveis,
sem sensações.
Clap... Servais cai no chão.
Fique parada, Jeanne. Vê o Servais ali? Lembra-se de como ele tremia? Lembra-se, Jeanne? ...sim...Assim (balança
a mão dela). Não era, Jeanne? Agora seu braço está tremendo como o dele. (braço treme)... Agora os dois braços.
Tremendo, tremendo. E suas pernas... Não pode parar, não é? Tremendo, tremendo...
Senhores, acabaram de testemunhar o aparecimento dos sintomas de histeria. Agora, meus assistentes vão acordar
os pacientes. Eles não vão se lembrar de nada. Servais, recupera os movimentos, mas o tremor vai voltar. Jeanne
vai parar de tremer, mas continuará paralisada. O estado hipnótico é uma simulação. Permite que entendamos,
mas não que curemos.
No Casamento de Freud
SG - Se essa ideias surgiram da mente do paciente, se são um autossugestão após uma experiência traumática ou
através da hipnose ou se são obra do demônio, como diziam antigamente, não tem importância, importante é o
fato de que essas ideias permanecem desconhecidas para o paciente, ou seja, são inconscientes. Fala-se muito no
inconsciente hoje em dia. Até agora tem sido apenas uma abstração filosófica, mas Charcot permitiu que
alcançássemos e tocássemos. Temos de aceitar o fato de que existe pensamento em um âmbito não consciente.
Esses pensamentos inconscientes são o produto de uma mente perturbada ou estão conectados ao trauma através
de uma cadeia lógica cujos elos ainda temos de descobrir?
- Obrigado, Dr. Freud. Creio que reflito o sentimento de meus colegas ao garantir que seu relatório foi apreciado.
No entanto, acho que não ouvimos nada que seja particularmente novo para os médicos vienenses.
Prof Maynert – Vou dizer algumas palavras. Vou discordar do nosso presidente por achar que algumas ideias
expostas são novas e outras são verdadeiras. Mas as que são verdadeiras não são novas, e as novas não são
verdadeiras. É verdade que certos paciente tem desordens nervosas, similares as que já conhecemos. Não é
novidade. Todos sabem que emoções violentas podem afetar o sistema nervoso central. Mas por que falar em
ideias diabólicas e em inconscientes? Somos teólogos ou médicos? Quando o jovem colega se propõe a instruir e
esclarecer seus superiores sobre hipnotismo, ele se esquece de que não está nos dizendo nada de novo.
Infelizmente, o hipnotismo não é um método científico. Pessoalmente considero quem usa o método um doente,
muito mais grave que o que está sendo hipnotizado. Nós, médico vienenses, preferimos deixar a especulação
metafísica para os parisienses e nos ater às lições dos experimentos fisiológicos.
- Quer responder, Sr. Freud?
Obrigado, não.
- Creio que o prof. Maynert expressou a opinião de todos. Com sua permissão encerro a reunião.
Diante da Paciente
Paciente em transe - A água é suja. Parece tão pura, tão limpa, mas está cheia de maldade.
Breuer - O que a faz pensar que a água está suja?
- Meu pai me disse isso em Nápoles.
- Em Nápoles talvez, mas está em Viena. Você bebia aqui até há alguns dias. Por que parou de beber?
Paciente acordando assustada – Animal!
- Que animal?
- Imundo. Uma língua negra e longa. Nariz negro. Horrível!
- Cecily, lembre-se. Que animal era?
- Era um cão. Meu cão.
- Seu cão Schnapp? O que o Schnapp fez? Conte-me, está vendo acontecer agora.
- Schnapp está na minha cama. Na minha bandeja, bebendo a minha xícara dourada. Schnapp a está esvaziando.
Foi papai quem me deu. Aquela enfermeira. Criatura odiosa, ela deixou-o fazer isso! Detesto as enfermeiras!...
Estou com sede. Muita sede.
- Sente-se, Cecily. Sente-se. Pode beber agora. Beba, Cecily. Vai acordar bebendo. Ao acordar, vai estar bebendo e
vai se lembrar de tudo. Acorde, Cecily! (Ela bebe)
- Beba, querida, beba. Lembra-se do cão bebendo em sua xícara?
- Fiquei brava com a enfermeira. É só isso? (Entra o Schnapp)
- Sim, mamãe. Sim. Posso beber de novo!
No Hospital
Médico - O que está fazendo, Dr. Freud? Ordeno que pare agora mesmo.
- Silêncio, seu idiota!
- Na ausência do professor sou o encarregado. Ele não aprova a hipnose.
- Que se danem vocês!
- Terei de contar ao professor o que disse.
- Eu mesmo direi.
Paciente 2 – Papai teve um infarte. Estou sentada ao seu lado. É uma noite quente de verão. A janela está aberta.
Ouço música... Música para dançar. Vem de uma casa do outro lado da rua. Estão dançando no terraço. Adoro
dançar. Gostaria de estar com eles. Que horror, meu pai está morrendo. Sou uma má filha. Fecho a janela para não
ouvir a música. O quarto fica sufocante. Não consigo respirar.
- Vou acordá-la. E, quando eu o fizer, estará respirando normalmente. Acorde! Vai se lembrar de tudo o que disse.
Acorde!
Musica entrando pela janela, as palavras de desprezo da esposa, não cataclismas, como acidentes em ferrovias ou
raios. Ainda assim, não há memória consciente. Será que existe um mecanismo psíquico que defende a mente
contra lembranças intoleráveis, assim como as glândulas linfáticas protegem o corpo contra infecções? Uma
mecanismo de repressão que impede que essas lembranças cheguem ao consciente e tranque a porta?
Dr. Freud.
Freud – Como vai, sr. Von Schlosser?
- Como vai?
Freud vendo a estante de livros – Heine, Baudelaire, Rimbaud. Gosta de poesia?
- Sim, muito.
- Também escreve versos?
- Eu tento. Não consigo fazer as rimas.
- Seu uniforme?
- Não. Do meu pai quando tinha a minha idade. Foi capitão hussardo. Dá pra ver a emenda no lugar em que foi
atingido por um sabre na batalha de Custoza.
- Por que o mantém exposto?
- Tenho orgulho de meu pai.
- Ainda assim o atacou.
- Sim, e sem motivo. Devo estar ficando louco. Vai me mandar para um manicômio? Se for, eu prefiro me matar
antes.
- Sente-se, por favor. Não há o que temer. Estou aqui para ajudá-lo. Sente-se. Sr. Von Schlosser, quero que
concentre sua atenção neste cigarro. Relaxe. Isso mesmo. Vou adormecê-lo. Suas pálpebras estão pesadas. Vou
contar de 5 até 1, seus olhos vão fechar. 5, 4, 3, 2, 1. Está dormindo. Vai entrar num sono profundo, muito profundo.
É o dia do incidente. Você e seu pai estão à mesa. O que está fazendo?
- Olho para suas mãos. Ele está cortando carne. A faca brilha. Ele olha para mim com raiva. Seis olhos brilham como
a faca. Ele gostaria de cortar minha garganta. Eu olho para ele, o encaro. Meu olhar é um desafio. Ele se enfurece.
Vai me atacar. É ele ou eu. Eu ataco antes. Vou acabar com você, seu porco imundo!
- Por que chama seu pai de porco?
- Ele estuprou uma menina.
- Ele? Seu pai?
- Uma menina de 17 anos. Toda noite.
- Que menina?
- Minha mãe. (abraça o manequim com a roupa do pai)... Mamãe...
- Não vai se lembrar de nada quando acordar. Nada! Vou acordá-lo. 1,2,3,4,5... Acorde! Abra os olhos. Desperte
bem!
- Dr. Freud. Dr. Freud. (Freud sai e tranca a porta)
O Sonho na Caverna
Freud e Martha
Freud – Você o chamou não foi? Não foi?
- Sim, Sigi, achei que podia estar doente. O que é? Não aguento vê-lo tão infeliz. Não vai me contar?
- Não há problema algum.
Batem na Porta
Breuer – Como é imprevisível! Abandona a psicologia por uma no inteiro, e então, duas semanas após tê-la
assumido de novo, formula uma teoria geral sobre neurose baseada numa única experiência: a sua. Não baseado
em todos os casos que observamos. E Greta Hubner, por exemplo?
- A música entrava pela janela do quarto do pai moribundo. Ela desejava mover-se no ritmo, nos braços de um
homem.
- Claro que associações sexuais podem ser encontradas em todos os caso, se procurar por elas. Não nego a
importância da sexualidade em nossas vidas, mas não vai me convencer de que é a causa da neurose.
- Essa teoria é baseada em fatos! Nós a perseguimos juntos. Agora que vê aonde está levando, quer se esquivar.
- Deixe disso, Freud! Sou médico há mais de 15 anos. Ouvir segredos ao lado de uma cama é rotina para mim. A
repressão trabalha no inconsciente. Contra um instinto que a natureza nos deu? Ela está em guerra consigo mesma?
- Em guerra com uma sociedade que desmoronaria se a sexualidade tivesse liberdade de expressão.
- Minha preocupação não é com a sociedade. Sou um médico. Na minha mente, os fatos precedem a teoria. Sei que
os conflitos emocionais de muitos dos meus pacientes não são de origem sexual.
- Quais pacientes?
- Cecily, por exemplo. Seria difícil encontrar um elemento erótico ali.
- Talvez não tenha se aprofundado o bastante.
- Ela completamente inconsciente de si como mulher.
- É seu desafio à minha teoria. Permitiria que eu a visse de novo?
- Acho que não faria nenhum mal.
Diante de Cecily
Breuer – Cecily, quero que tente de novo. Pense na primeira vez que teve problemas de visão. Quando foi?
Cecily – Não me lembro. Está bravo comigo?
- Nunca, Cecily. Como poderia? Onde estava ao ter problemas de visão pela primeira vez?
- Itália. Nápoles. Naquele lugar.
- Que lugar?
- Hospital. Levaram-me para lá.
- Para quê?
- Para identificar... seu corpo.
- A que horas seu pai morreu?
- Á 1h da manhã.
- Onde você estava?
- No hotel sozinha. Acordaram-me batendo na porta. Mais alto! Mais alto! Mais alto! Achei que quebrariam a porta.
- Quem, Cecily?
- Os médicos. Vieram me contar sobre meu pai.
Freud – Breuer, médicos deixaram o hospital para dar a notícia?
Breuer – Continue, minha jovem, continue.
- Disseram que me levariam para o hospital... (imagem de Cecily chegando no hospital)... Levaram-me até seu
quarto. Eles tocavam música par aos pacientes. Eu não podia suportar! Havia outros médicos ali. Um deles disse
que meu pai estava morto. Havia enfermeiras olhando para mim. Elas pareciam estranhas. Os outros médicos
também me olhavam. “Olhe para ele”, diziam. “É seu pai?” Eu não conseguia olhar. Eu não conseguia!
- Cecily, vou acordá-la. Vai se lembrar de tudo o que me disse. Quando acordar, seus belos olhos verão claramente.
Acorde, Cecily. Acorde. Agora. Você se lembra do que aconteceu no hospital, não é? Agora pode ver, não pode? ..
Calma, calma, Cecily. Tudo leva tempo. Vamos tentar de novo outro dia. Vamos adormecê-la para que se acalme.
Durma, Cecily. Está dormindo profundamente agora. Em paz.
Freud – Breuer, eu queria fazer algumas perguntas.
- Essas sessões são muito cansativas.
- Mas ela está muito próxima da memória.
- Tudo bem. Cecily, agora vai ouvir o Dr. Freud. Ele vai fazer perguntas. Estou pedindo que responda ao Dr. Freud.
Freud – Cecily, vai voltar no tempo. Voltar no tempo. Está em Nápoles em seu quarto no hotel. É noite. Alguém
bate na porta. O que você faz?
- Levanto e acendo a luz. Abro a porta.
- Sem saber quem está lá fora?
- Mas sei que são os médicos.
- Como? Você tem certeza? Estão dizendo alguma coisa?
- Sim!
- O quê? O que estão dizendo?
- Polícia! Abra a porta!
- O que aconteceu?
Breuer – Com calma, Freud.
- O que aconteceu?
- Levaram-me para o hospital.
- Fale das enfermeiras. Disse que eram estranhas.
- Suas roupas...
- Na Itália as freiras cuidam dos pacientes.
- É um hospital protestante.
- Em Nápoles?
- Sim!!!
- E tocam música?
- Sim, é horrível!
- Num hospital protestante tocam música à noite?
- Sim. Para insultar meu pai.
- Cecily, não está num hospital. Onde você está?
- Eu já disse!
- Cecily, não está num hospital. Onde está?
- Num bordel! Num bordel!
- Cecily, não pode... O que aconteceu?
- Levaram-me para o quarto onde ele... Há mulheres ao redor da cama. Eu as odeio! Posso ver a que o matou.
- Como ela o matou?
- Com luxúria! Ele morreu em seus braços. Forçavam-me a olhar para ele. “Este é seu pai? Você o conhece?” Eu não
olhava. Eles me forçaram. Havia batom em sua boca...
Breuer – Já chega. Cecily, vou acordá-la.
- Espere.
- Ela ainda é minha paciente.
- Eu sei. Cecily, está em Viena agora. Ao acordar vai se lembrar de tudo o que disse. Cecily, acorde.
- Estou enxergando. Estou enxergando. Claramente. Claramente. O que eu disse? Vá embora.
- Melhor sair daqui, Freud.
- De qualquer modo sua visão está normal.
- Saia! (Gritando)
Na Casa de Freud
Na Estação
Na Casa de Freud
Na Casa de Freud
No Cemitério
Freud – Está acontecendo... Minhas pernas não me sustentam. Não posso! Não posso!
Breuer - Volte para a carruagem.
- Por quê? Por que, quando viro me sinto eu mesmo de novo? Meynert estava certo. Sou um neurótico. São
sintomas de histeria.
- Está emocionalmente exausto.
- Queria saber que terror secreto não deixa que fique ao lado do túmulo de meu pai e ameaça meu amor por ele.
- O que o bom homem pode ter feito?
Na Carruagem
Freud – Uma vez, eu era menino, estávamos na rua quando uns sujeitos o chamaram de “judeu sujo” e derrubaram
seu chapéu. Sabe o que ele fez? Ele o pegou e prosseguiu. A partir daquele momento eu o vi mesmo como um deus,
mas não o odiei pela sua fraqueza. A memória de voltar mais ainda. É possível que uma neurose comece na infância?
- Por que não?
- Isso colocaria o incidente traumático antes do despertar dos impulsos sexuais.
- Sim.
- Se for verdade, minha teoria vai por água abaixo.
- E eu ficaria agradecido.
- Nunca acreditou nela, não é?
- Fechamos os olhos para a infinita variedade da vida quando a reduzimos a uma única lei. Era questão de tempo
para um marido aparecer com um chicote.
- Não tenho medo de escândalo. Mas como posso defender uma teoria que não se prova em mim mesmo? Breuer,
hipnotize-me. Traga de volta as lembranças de meu pai.
- Estou certo de que duas semanas na montanha vão curá-lo.
- Não, eu busco uma resposta.
- Não adianta. Não aceito o caso. Aliás, quero que cuide de Cecily Koertner. Sua mãe me procurou na semana
passada. Cecily viu muitos médicos, mas só piorou. A sra. Koertner quer que eu assuma o caso de novo. Está fora
de questão, é óbvio; então, eu o indiquei e ela concordou.
Freud com Cecily
Cecily – Dr. Freud, estou cansada de estar doente. À noite, eu deito no escuro e choro por horas. É como uma prisão.
Freud – Diga-me... Teve alguma doença antes da morte de seu pai?
- As normais de criança. Nada sério. Aos 14 anos fiquei de cama várias semanas.
- Por quê?
- Não podia andar. As pernas não me sustentavam. Os médicos não sabiam por quê. Começou depois de um
desmaio. Eu caí no meio da rua. Estava com meu pai. Era Natal, eu acho. Ele entrou numa loja, esperei fora.
- Deixou-a sozinha na rua?
- Sim. Quando ele voltou, eu estava no chão com uma multidão ao redor.
- Aconteceu algo que a assustou?
- Acho que não. Não me lembro.
- Mas pode, com hipnose. Agora quero que pense em dormir. Suas pálpebras estão pesadas. Mais e mais pesadas.
Está respirando cada vez mais profundamente. Durma, durma.
- Não adianta.
- Por que luta contra? Estava quase dormindo.
- O que Breuer diria se soubesse que está me hipnotizando? Você o vê, às vezes, não é?
- Sim, vejo.
- Ele pergunta por mim?
- Não. Tem de esquecer o dr. Breuer. Ele não voltará a vê-la. Para você, ele não existe.
- Morto. Como papai.
- Era muito próxima de seu pai, não era?
- Sim. Ele era um home maravilhoso. Estava com ele em Nápoles. E sua mãe?
- Estava aqui. Não confia nos criados. Mamãe tem um grande senso de dever. Papai achava que devíamos aproveitar
a vida. Ele me levava a todos os lugares. Eu cuidei da casa quando mamãe teve o acidente.
- Que acidente?
- Sua carruagem capotou. Ela ficou um tempo entre a vida e a morte.
- Quantos anos você tinha?
- Treze. Foi a época mais feliz da minha vida. Não quis dizer isso! Eu sentia muita falta dela. Mas, não sei... Papai
deixava que eu arrumasse as flores e recebesse os convidados. Eu prendia o cabelo e usava joias. Todos diziam que
fazíamos um belo par. Seis dias na semana e até tarde.
- E no sétimo?
- Papai jogava tarok. Ele adorava. Creio que um home sério como o senhor não aprova jogos de cartas.
- É o meu favorito.
- vou rever minha ideia a seu respeito.
- Disse que foi a melhor época da sua vida. Então, sua mãe voltou.
- E tudo mudou. Voltei aos laços no cabelo e a deitar-me às 21h. Mamãe é alemã, filha de uma soldado. Ela e papai
vinham de mundo bem diferentes. Nem sua religião era a mesma. Ela dizia que fui criada como prostituta. Que
horror! Quis dizer, protestante! Minha língua enrolou!
- Disse que o hospital em Nápoles era um hospital protestante, mas era um bordel. Lembra-se da primeira vez que
ouviu essa palavra?
- Como dá para saber a primeira vez que se ouve algo?
Freud – Disse que seu pai lhe deu o boneco no dia 7 de março. Era um dia especial?
Cecily - Não, acho que não. Sempre gostei de comemorar o dia em que o ganhei.
- E nada especial aconteceu nesse dia?
- Bem...
- O quê?
- Deixei a mamãe furiosa. Papai me levou ao balé, e, no intervalo, fomos ao camarim das bailarinas. Ela era linda e
tinha um perfume bom. Papai disse que eu também era bailarina. Ela riu e disse: “Seu pai adora bailarinas”. Queria
chegar em casa e me pintar como ela. Usei minhas tintas. De repente, mamãe entrou.
Mãe - O que está fazendo? Como ousa pintar o rosto?
Cecily – Comecei a chorar. Papai me confortou e me disse que me daria uma boneca. Era dia 7 de março.
- Que tipo de mulheres pintam o rosto?
- Atrizes, bailarinas...
- E...
- Prostitutas?
- Qual foi a primeira vez que ouviu essa palavra?
- Acho que tinha uns 9 anos. Eu estava no corredor e ouvi minha mãe gritando. Ela dizia para Lucy, a empregada...
– Eu sei que algo está acontecendo! Arrume suas coisas e suma daqui. Fora! Não passa de uma prostituta... – Lucy
partiu no mesmo dia. Fiquei triste. Éramos amigas. Ela sempre brincava comigo.
(Cena com elas brincando e o pai chegando)
- Papai também gostava dela. Ele disse: “você é uma boa mocinha”.
- Por que acha que sua mãe a chamou daquilo?
- Não sei.
- Concentre-se. Seu pai e Lucy junto. O que vê?
- Uma torre.
- O quê?
- Uma torre vermelha. Rua Torre Vermelha. Já esteve lá? Desculpe, dr. Freud, estou sendo frívola. Não sei o que
deu em mim.
- O que sabe sobre essa rua?
- É a rua em que desmaiei naquele dia.
- Desmaiou na Rua Torre Vermelha.
- Não pode ser lavado.
- O que não pode ser lavado?
- Foi o que mamãe disse ontem. Derramei vinho tinto e ela disse: “Sua estúpida, como é desastrada! Sabe que não
pode ser lavado”. Parecia... sangue.
- Isso a magoou?
- Acho que sim, porque sonhei com aquilo. As palavras de mamãe e a torre. Foi onde eu vi a torre.
- Lembra-se do sonho?
- Eu andava pela beira-mar e, de repente, vi uma torre alta, redonda, vermelha. Havia uma inscrição na entrada e
um brasão. Engraçado, uma bastão com uma cobra enroscada.
- E a inscrição?
- Não me lembro? Uma mulher. O corpo estava pintado com belas imagens. Podia ser uma egípcia. Um homem alto
e bonito veio por ela, todo bem vestido. Ela disse: Sou a sra. Putiphar. Tentou colocar um anel nele mas o que ele
usava, de ouro, impedia. O dela caiu e saiu rolando. Assim, o homem se virou e correu. Ele tropeçou e caiu no chão.
Corri para ajudá-lo. Quando cheguei lá só encontrei roupas. Uma janela na torre se abriu, minha mãe olhou. Ela
apontou, ameaçadora, para a mulher pintada e disse: “O sangue vai denunciá-la. Não pode ser lavado. Não importa
o que faça”.
- Qual disse que era o nome da mulher pintada?
- Sra. Putiphar.
- Disse Putiphar. Não era Potiphar, personagem da Bíblia?
- Ela usou a pronúncia francesa. Por pensar em outra palavra parecida?
- “Putain”
- Putain. Prostituta em francês. Quem era a Sra. Potiphar?
- Ela tentou seduzir José na Bíblia. Ele a rejeitou e fugiu?
- E então?
- Ela se vingou.
- Quem é José?
- Como assim?
- Conhece alguém com esse nome?
- Dr. Joseph Breuer.
- O Joseph do seu sonho não fez amor com a moça pintada. Quem era ela? Conhece alguém que se pinta?
- Era uma egípcia.
- O que sua mãe disse para a egípcia?
- “O sangue vai denunciá-la. Não pode ser lavado”.
- O que sua mãe lhe disse ontem? Não pode ser lavado.
- Não sou eu. Sou a moça pintada.
- Quem foi rejeitada por Joseph, e por isso o odeia.
- Eu não o odeio.
- Ainda não pode admitir. Mas em seu sonho você o fez morrer.
- Não vou suportar ser essa pessoa.
- Nenhum de nós consegue encarar seus desejos. Por isso, os reprimimos. Percebe o que aconteceu nesta sala hoje?
Encontramos um caminho para o inconsciente sem a hipnose. Aparentes coincidências, deslizes foram os sinais.
Seu sonho, com sua linguagem simbólica, lhe disse a verdade sobre seus sentimentos.
- Mas tive vários sonhos desses há muito tempo. Muito antes de conhecer o Dr. Breuer. Uma torre, o mar, a
mulher...
- Havia um homem nesse sonhos?
- Sim.
- Havia? Pode descrevê-lo?
- Não. Eu não poderia. (toca uma campainha)... Minha preciosa hora terminou. Foi rápido.
- Amanhã, às 110h.
- Seu pai. É a figura de seu pai que aparece nesse sonho recorrente? É ele o marido fantasma que lhe deu o boneco,
seu filho imaginário? Não, inconcebível! Não seu pai!
De Volta à Cecily
- Por que ela não está curada. Tudo apontava para sua experiência na Rua da Torre Vermelha como causa da
neurose. Mas poderia ser apenas o reflexo de um trauma anterior? De antes da adolescência? Mais uma vez a
contradição atormentadora que Breuer mencionara. Como os instinto sexual pode ser o objeto da repressão antes
mesmo de seu despertar?
Breuer - Mas como, na inocência da infância, pode uma experiência sexual ser traumática? Se for vítima de uma
agressão de um adulto. A mesmo que tivesse gerado dor e violência, não significaria nada para uma criança, pela
simples razão de que ela não tem sexualidade.
Freud - Mas a experiência não é reprimida na época. Só mais tarde, na adolescência, a memória desperta a excitação
sexual que a moralidade condena. É só então que ela sente vergonha e culpa, e a memória torna-se intolerável.
- Uma estrutura elaborada. Mas baseada em quê? Meia dúzia de casos?
- Vai haver mais. Pelo menos dois.
- Quais?
- O de Cecily.
- É mesmo?
- Era o pai quem ela amava. Você apenas refletia sua imagem. Tal fixação pode ter nascido de um incidente erótico.
Por que ela ficou doente depois de já tê-la curado? Porque a memória desse incidente nunca veio à tona.
- E o segundo caso?
- O meu. Posso senti-lo movendo-se dentro de mim como uma cobra. A lembrança de algo que testemunhei entre
meu pai e minha irmã. Eu desço... quase toco no ponto, mas minha coragem acaba, e ela se descobre em outro
canto escuro.
- Freud, cuidado! A cobra é a sua própria e mórbida imaginação. Sua teoria sexual tornou-se uma obsessão. Para
sustenta-la, suja a memória de seu pai. Em nome do que lhe for mais sagrado, desista!
- Na ciência, só a verdade é sagrada.
- Sim, na ciência! Mas somos médicos. A verdade é uma prescrição perigosa, deve ser administrada com o mesmo
cuidado que a estricnina. Seus efeitos podem ser letais. Cecily é sua paciente agora. Não posso me intrometer nos
seus métodos, mas não faça da moça a pedra de toque da sua teoria.
Cecily - Ele me levou para seu quarto, me despiu e cantou para mim.
Freud – Foi aí que ele prometeu o boneco?
- Sim.... Não... Foi mais tarde durante a noite, quando acordei chorando.
- Dormiu em sua cama?
- Sim.
- Por que estava chorando no meio da noite?
- Não sei. Mamãe ficara brava comigo. Deve ser isso.
- Foi isso?
- Sim, com certeza.
- Acordou e chorou. Por quê?
- Estava dormindo.
- Você acordou, chorou. Por que chorou?
- Ele trancou a porta. Ouvi barulho de água no banheiro. Papai veio até mim com seu robe vermelho. Alto como
uma torre. Forte como um deus. Ele me abraçou.
- E prometeu a boneca se não contasse nada?
- Sim, sim.. sim, sim! (olha para os seus pés e tenta andar)... Eu posso andar. Posso andar! Você me faz andar...
Meu pai era um criminoso.
- Tenho certeza de que sofreu pelo que fez.
- Estou cansada, muito cansada. Está feliz por mim?
- Sim, estou.
- Vou dormir agora se segurar minha mão.
- Preciso ir.
- Claro. Esqueci que tem outros pacientes mais importantes.
- Não mais importantes, apenas outros pacientes.
- Não vou detê-lo.
- Ligo esta noite, se quiser.
- Ela andou. A agressão foi lembrada e ele andou. Mas ainda havia algo errado. A boneca. E a boneca? É a evidência
do crime do pai? Ela devia odiá-lo, no entanto o adora. Sim, há algo errado. Talvez a resposta esteja ainda mais no
passado, como no meu caso.
Freud – O pequeno árabe. Procurei minha mãe com seu corpo e provoquei a ira de meu pai. Que lembrança
escondida fugiu de sua prisão naquele sonho? Pode ter sido uma das noites em Breslau, quando mamãe me deu
isto para me acalmar. Por que eu estava chorando? A resposta está neste metal. Estou deitado na cama olhando
minha mãe. Está nua até a cintura, eu me lembro. Ele a tirou de mim. Eu poderia deitar ao seu lado. Teria me
aninhado perto de seu corpo macio. Mas ele a tirou do quarto. Almas queimaram no inferno. No inferno do ciúme.
Eu queria que ele morresse. Então, para justificar esse desejo, inventei o crime contra minha irmã. Estava com
ciúme do meu pai. Queria mamãe só para mim. Queria me livrar dele. Eu sou o culpado. Eu desonrei meu pai.
Martha – Eu vi a luz, está muito tarde. Sigi, o que houve?
- Querida, quero deixar Viena. Ir para qualquer lugar, ser médico numa cidadezinha, longe daqui.
- Mas por que, Sigi?
- Minha teoria ofendeu a todos. Claro, é falsa e destrutiva. Cecily tentou se matar. Breuer me avisou.
- Não fez por mal. Por que se punir?
- Mereço ser punido. Inventei um a teoria para desonrar meu pai. Profanei sua imagem nos pais dos meus clientes.
No campo podemos ficar próximos de novo. Sei que detestava meu trabalho. Ele criou uma barreira entre nós.
- Não posso negar. Quando está no consultório com um paciente, com uma mulher, tento não pensar no que
acontece. Os segredos e obscenidades. Eu as odeio, e a você e a elas. Eu me detesto por falhar com você. Não sou
uma boa esposa. Sou egoísta e ciumenta. Por isso digo que não deve parar. Não deve parar, Sigi.
- O que está fazendo?
- Seu diário quando era estudante. Ouça: Progresso, como andar, é conseguido com a perda e a volta do equilíbrio.
É uma série de erros”. Lembra? Lembra-se do fim? “De erro em erro descobre-se toda a verdade.”
- Eu costumava dizer que o falso é a verdade. Na nossa cabeça.... (surpreende-se com sua própria frase)... Sim, o
contrário! Ela disse que o pai a seduziu. Mentira! Não era ele quem desejava a filha. Era ela quem o queria. E não
foi uma lembrança que ela reprimiu. Era uma fantasia! Eles dormiram na mesma cama. Na manhã seguinte ela
ganhou a boneca. Sua filha com ele. Ela mentiu para mim? Não, para ela mesma. O inconsciente é escuro. Eu disse
a mim mesmo que meu pai tirou minha mãe de mim porque não aguentava o fato de ter ela me deixado por ele.
Tudo se encaixa. Cecily amava o pai. Eu amava minha mãe. Ela odiava a mãe. Eu odiava meu pai. A verdade surgiu,
só que invertida. E, agora, temos apenas uma premissa. Tem de haver sexualidade na infância. Até mesmo bem no
início. “Não diga nada, meu amor, e, acima de tudo, esconda as boas novas dos filisteus.” (Martha abre a cortina
da janela – a luz entrou)
Na Casa de Cecily
Mãe de Cecily – Desculpe, não choro há muito tempo. Ela falou enquanto dormia esta noite, como quando era
pequena. Ela costumava acordar gritando, dizendo que tinha sonhado que eu havia morrido. Houve um momento
em que desejei que estivesse morta.
Freud – Quando?
- Quando ela estava no meu ventre. Antes de me casar... Eu era dançarina num cabaré. Uma noite, depois do
trabalho, fui ao camarim, e havia um homem lá. Um homem bonitão... Com uma flor na lapela. Seis semanas depois,
estávamos casados. Nós, mulheres da vida, como todos sabem, desejamos respeitabilidade. Eu só queria esquecer
o passado. Ser uma boa esposa e mãe. Estava grávida antes do fim da lua-de-mel, mas esperei para contar em nossa
primeira noite em casa. Nunca vou me esquecer de sua expressão. Sem uma palavra, ele levantou e saiu. Nunca
mais me tocou. Só se casou comigo para ter um a prostituta em casa. Bem, doutor... quem é o culpado?
- Deve haver um culpado?
- Nem ele?
- Não. Seu desejo por prostitutas é um sintoma de neurose.
- Mas o que causou isso?
- Ele está morto. Nunca saberemos.
Diante de Cecily
Freud – Quando era pequena sonhava com a morte de sua mãe. Por que sonhava com isso? Era para preencher um
desejo que não podia admitir?
Cecily – Então, eu já era um monstro?
- Tudo o que fica entre o desejo e a realização a criança deseja ver longe. Sua mãe ficava entre você e seu amante.
- Meu amante? Eu tinha 4 anos!
- Você amava seu pai. Sua mãe o tirou de você, a queria fora do caminho.
- Ela me afastava dele. Me levava para a cama para ficar com ele.
(Lembrança) – Mãe pegando Cecily... Pai grita: Solte-a!
Cecily – Ela me afastava dele. Queria que ela morresse. Queria matá-la. Por que ainda a odeio? Como se tudo tivesse
acontecido ontem, e não há tantos anos.
Freud - O tempo não existe no inconsciente. Quer que conte a sua história? Como toda criança, precisava do carinho
de sua mãe. Do calor de seu corpo. Isso lhe foi negado. Então, voltou-se para o seu pai, que era carinhoso. Passou
a depender desse carinho. E fazia qualquer papel que achasse que isso lhe agradaria. Papel de dançarina, de dona
de casa, até mesmo de esposa de seu pai. Então, sua mãe interferiu. Você a queria morta. Desejo pelo seu pai e
desejo que sua mãe morresse. Logo descobriu que ambos os sentimentos eram proibidos. Tinham de ser
reprimidos. Depois, com as coisas que lhe aconteceram, ele foram apagados. Cecily, você não é a culpada. E, se for,
sua culpa é dividida com todo ser humano. O inocente nasce no mundo que tira sua inocência. Toda criança está
condenada a se tornar um pecador. Eu também pequei. Sonhei em matar meu pai.
- Então, também é um monstro.
- Não, eu era uma criança.
- Aceito tudo o que me disse, mas disse que saber a causa da minha doença me curaria, e ainda desejo estar morta.
Agora que estou curada, nunca mais nos veremos.
- Vamos sim, ainda não está curada.
- Os sintomas desapareceram.
- Todos, menos um.
- Qual?
- Seu amor por mim.
- Isso não é um sintoma.
- Por que acha que foi à Rua da Torre Vermelha?
- Para me punir por uma mentira que contei.
- Não. Estava perseguindo seu pai. Perseguindo seu pai através de mim. Ainda procurava seu carinho alimentado.
O desejo que ele tinha por prostitutas.
- Perseguindo-o através de você?
- Sou apenas um reflexo de sua imagem.
- Mas eu te amo pelo que é.
- Amava o Dr. Breuer pelo que ele era?
- Achei que o amava. Estava enganada. Não há ligação!
- Há sim. Você mesma me disse. Descreva a torre de novo.
- Era redonda, vermelha... alta...
- E havia um brasão na porta.
- Sim, uma estaca com uma cobra. Esse não é o emblema dos médicos?
- Também há uma inscrição. Pode lembrar? Tente!
- Ministério Real das Comunicações. Comunicações, comunicando... contando meus segredos, não é isso?
- Sim. Isso faz de seu sonho uma alegoria. Através do amor, será capaz de revelar seus segredos para o médico, cujo
emblema está acima. Quando forem revelados e compreendidos, estará curada.
- Então, você aceita esse amor?
- Em confiança, até que ele despareça, dando lugar a outro amor, um amor escolhido por você mesma. Nosso
trabalho está começando. Vai demorar para colocar seu passado em ordem. Haverá recaídas, mas vai chegar o dia
em que você vai encarar a vida sem medo. Acredite em mim.
- Eu acredito.
- Espero você em meu consultório amanhã, às 5 da tarde.
- Pode dizer à mamãe que quero vê-la?
Na Casa de Breuer
Breuer – Arranja as coisas segundo sua conveniência. Ontem, condenava os pais. Hoje, os filhos são culpados.
Freud – Não há culpa na sexualidade na sua fonte. Só depois que o rio passa por cidades.
- Eu desaprovo sua nova teoria. Ela me causa aversão. Acha que vou arriscar minha reputação como homem e
médico só para ter meu nome em outro livro?
- Podemos assinar separadamente.
- Não. Não quero ligação alguma com isso.
- Bem, então vamos deixar este capítulo de fora.
- Graças a Deus!
- Nesse caso, vou apresentá-lo no próximo congresso.
- E encerrar sua carreira em uma noite. Freud... Sigmund, seu pai me pediu que cuidasse de você. Que tomasse seu
lugar. Você me aceitou. Eu o amei como a um filho.
- Sim, eu o amei.
- Como seu pai espiritual, proíbo que leia esse artigo.
- Chega uma hora na vida em que temos de deixar nosso pai e prosseguirmos sozinhos.
Presidente – Senhores!
Freud - “A idade da inocência é assim chamada porque a criança não tem consciência sexual alguma. Essa crença
errônea reflete o sentimento de medo e culpa da sociedade. A criança é um jovem animal voraz querendo encher
o estômago. O leite quente desce pela sua boca, lhe dá prazer. Uma prazer que busca mesmo com a fome saciada.
Então ela chupa um mamilo falso, seu dedo. A gratificação que ela obtém sensibiliza a região da sua boca e lábio,
ela se torna uma zona erógena... (alguns riem, alguns pedem silêncio)... que, na vida adulta... encontra prazer no
beijo. A criança é banhada. Ela é afagada e acariciada pela mãe. Todo o seu corpo responde às carícias. O desejo
pelo seu peito gradualmente se expande para um desejo pela própria mãe. Inevitavelmente ela se torna o primeiro
objeto de amor. Então, ela descobre que não está sozinha. Tem um rival, seu pai. Então, antes de poder
compreender, é consumida pelo ciúme. Presa num conflito entre amor é ódio. Há pouca novidade nisso. Os antigos
gregos revelaram saber essas verdades na história de Édipo, que matou seu pai e tomou a mãe como esposa.
Depois, foi condenado a vagar pela vida cego e sem casa. A sombra dessa condenação está sobre todos nós.
- Senhores, isso não é uma reunião política. O Dr. Freud tem o direito de falar.
- É no complexo de Édipo que a fixação da criança pelo pai ou mãe chega ao clímax no erotismo infantil. Casa ser
humano tem a tarefa de superar esse complexo dentro de si mesmo. Se ele consegue, será um indivíduo completo.
Se falha, será um neurótico e vai vagar para sempre cego e sem lar.
- Sentem-se!
- Senhores, estou muito agradecido pela atenção. Não pararam de demonstrar sua imparcialidade, seu amor pela
verdade e para a verdade...
- Que verdade?
- Que enobrece sua profissão.
- Senhor, alguma pergunta?
- Só uma pergunta. E não é para o palestrante. Dr. Breuer, sabe que todos os estimamos. Concorda com a visão de
seu colaborador?
Breuer – Senhor, ele é um homem brilhante. É um trabalhador zeloso, e muitos aqui deveriam ter seus escrúpulos
e consciência profissional. (Risos) Como ousam?! Como ousa pedir referências do Dr. Freud? Quem é que pode
dizer: “valho mais que este homem?”
- Ninguém está pensando nisso, Dr. Breuer. Só queria saber se concorda com essa teoria. Par ser mais específico. O
que acha sobre a sexualidade infantil?
- Não acredito nela. Nunca acreditei. Nunca poderei aceitar. Nunca! (Breuer sai da sala aplaudido)
- Senhores, a reunião está encerrada.
- “Conhece-te a ti mesmo”. Há 2 mil anos essa palavras foram gravadas no templo de Delfos. “Conhece-te a ti
mesmo”. São o início da sabedoria. Nelas está a esperança da vitória sobre o mais antigo inimigo do homem: a
vaidade. Esse conhecimento está agora a nosso alcance. Vamos usá-lo? Esperemos que sim.
FIM