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Projeto

PERGUNtE
E
RESPONDEREMOS
ON-LlNE

Apostolado Veritatis Splendor


com autorização de
Dom Est êvão Tavares Bettencourt, osb
(In memorlam)
APRESENTAÇÃO
DA EDiÇÃO ON-LlNE
Diz 540 Pedro que devemos
estar preparados para dar a razão da
nossa esperança a 1000 aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos
con1a da nossa esperança e da nossa fé
hoje é mais premenle do que outrora,
.'. " .
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas conlrârias à fé católica. Somos
assim Incitados a procu rar consolidar
nossa crença católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste sita Pergunte e
Responderemos propOe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista crislAo a fim de que as dúvidas se
.' dissipem e a vivência católica se fortaleça
_ I . no Brasil e no mundo, Queira Deus

abençoar este trabalho assim como a


equipe de Verita1is Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro. 30 de lulho de 2003.
Pe. ESlftv'o BettencoUrf. OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATlS SPLENDOR

Celebramos convênio com d. Estevão BeHencourt e


passamos a disponibilizar nesta área. o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica ·Pergunte e
Responderemos que conta com mais de 40 anos de publicação.
M
,

A d. Estêvão Bettencourt agradecemos a conllaça


depOsitada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
.. .
' . . . .'
."

...
...••.. - - . -.-

FlLOIOÇ,,,
(lhICIA f

lU:u~fAo
~OUTl1fN4

aíaun
MO/UlL
,
UfrmalLl do
WfTjL\WlfMO

ANQ XIV - N' 164


Indice

APRESE,\/TAf\OO. .. DE ROMA. . .. . ..... . ....

Igft)., alvo de contradlçlo:


A CRISTO COM IGREJA OU S EM IGREJA?
... .. .... .. ... .. ..
,
" .
P6g.

O " TERCEIRO HOMEM" . .... .. . . . ....... ... .... . ... . ..... $31

A mulher onlem e hoje:


EVA NGELHO E DIGNIDADE DA MULHER .. ... ... . •...... .. ...•.. 3<42

o mundo pergunta:
ISRAEL, QUEM I!S APOS A VINDA DE CRISTO? . . .. .... .. " . ..... 351

APENDICE: QUEM E: JUDEU? . . .... .... .......... .. . . . . ....... . 365

Comemorando o. 25 .::llno. do ""..do de 1.,. .1:


JERUSALG.M. A CIDADE DA PAZ, E OS NOSSOS DIAS 36.
COM APROVAÇ10 ECLfSI4811CA

• • •
NO PROXIft\O NOMERO :

Ao curioso eApe,iência dos c: kibbullim . em Istoel. - En·


fermo , que I.I'II . , ? Como I. pono ajudo r ? _ As Cruzo-
deu medievais , obscurantismo ou heroismo ? - Confinão
sacramenlal , reportagem ·traição no 1t61ia.

---- x

« PERGUNTE E RESPONDEREMOS .
AMlnaturll anual .... . . Cr$ 30,00
l'iúml!l'O a vulso tlC' qua lqut'r mós ....... . ........•••• .... Cr$ 4,00
Volumes cllco.dcrnndos d(! 1958 e 195.1 I pr(!('O unitáTlol ... . Cr$ 35,00
\mllce Ceral de 1!l,j 7 a 19G4 ..... .. ...... .. . . .... . ...... . . Cr$ 10,00
! ndicr de qualquer ano ........... . .......... . Cr$ 3.00

E DITORA LAUDES S. A.
REDAÇAO D E PR AD;\UN"ISTP.,AÇhO
Ca.lxa P OItal 2. 668 Rua São Rafael, SI, ZCQft
ZC-OO 20000 Rio de Jane iro (GR'
20000 Rio de .'"n~h'f1 (08' Tel",: 26A,f)!l81 c 208·I!.!Ul
APRESENTANDO ••• DE ROMA
Os artigos Elo prese nte número de PR loram a,erllo! em Jerulalém
fi 85140 sendo apresentados em Roma. ! tambem o que Justlflca que ver-
sam, em grande p8r1e, lobr. questões relacionadas com a Tarr. Santa. I!"
lamb ém o que Justifica que neste Editorial apresentemos algum .. das nu-
metosas ponderações Que a visita I Roma nos tem sugeridO.

Ao. 29 ele Junho pp., o S . Padre Paulo V1 celebrou daz anos da no-
111....1 ponUficado.

A figura da Paulo VI nio pertenca apenas 80 loro açle$16sllco. mas


Intagr. o conjunto dOI grandes homens q UI no presente momento da hIs-
tória enchem o can6rlo Intarnaclonal, Com efe[lo, o Papa da nouos dias
se apra,enta 110 eenceno das naç6as como o mensageiro da pu • da
fraternidade entre os homens; é lambem a expresslo do davollmenlo ab-
negado ti sua mlsslo • da coer&ncla entre prlnclplos e conclul~el ...

A. proJeçlo de Paulo VI no foro Inlernaclonal pod&-se depreender da


algun3 dad03 e3lallellcOI:

De 1963 a 1973. S. Santidade recebeu 43 vlsllas de Cheles de ElIte-


do (entre os quais. o Presldenle Rlchard Nhcon, dos EE.UU . da América,
o Imperador Hallé Salault, da Etiópia, O Presidente Joslp BrOl TIto, da
lugoll, .... la, o General Suharlo, Presidente da Indonélla ... ),

S. Santidade reaUzou nove viagens para lora da Itália, Inclusive a w.


,lia a Nova Iorque, onda se dirigiu *
Assembléia Geral da Orgenlzaçlo
dai Naça.. Unidas em 1985.. Estas viagens pertluram um tolal de 133 .330
km por via aérea; obedeceram a cansativo protocolo, ao qua' Paulo VI ae
quis submeter em asplrlto de ap6~tolo, pereo,lno e ml nlenirlo, procurando
sempre encontrar o. homens e abrir vle para dl6 1ogo cada vaz mais fe-
cundo dos fléla católlcol entre si e com todos os homena de boa vontade.

Com diversas nações da Europa, da América, da Afrlca e da Ocaa-


nla, a Sanla Sé, sob Pllulo VI, assl nou 2.2 8cordos concernentes ... rola-
ç6es enlre a Igreja a governos civis.

No fOfO ecleslbtlco propriamente dUO, Pau lo VI lam-se dedicado co-


raJo,amanla 110 ecumenismo, promovendo a aproxlmeçlo do" c.t(lllcoa
com OI demaIs crlstlcs: am Jerusalém, Is'ambul, Genebra, Roma, Paulo VI
leva .ncontros In'dllOI e alvissareiros, orl! com o Patriarca Alentgoras,
ora com dlrigantes do COnsalho MundiAl daa Igrejas (OrQanlzac8.o orote, -
lanle-ortodoxa), ora com o Dr . Ramsey, Irceblspo angllClno de CantuA-
til, ora com o Patriarca Shenotlda 111 de Alexendrla (cdstAo copta) .. .

Slo oito as grandes anclcllcas da Paulo VI, das Quais teve eco esp&-
clel a enc. "Populorum Ptogr8UIo" (SObra o desenvolvimento doa
povoI).

Em plano mais acatlalv_I, S . Sanlldade mllntém com os vlsltanles dI:'''


audiências de cade quarta·fel ra uma comunlcaçlo oral e um contato oel'l"~
el, dos Quais dlo testemunho as 1 .090 alocuçees proferidas de 1983 a 1972:
nestes discursos. de e,tllo concrelo e penetrante, 5. Sanlldade pn~D em

- 329 -
revla!a l i granel" quoslO" do momento, procur.ndO esclarecer dLJvlda~
e dlsslpl' erros qUI contaminem a luz da f6 e a pureza do unor crlsl'o,

Poderramos conllnUlr longamente I explanar os grandês feitos e fru'


tos do pontificado de Paulo VI : ralorma da Curla Romana, .Impllllclçlo
do cerimonIal pontlllclo, promulgaçlo de normas concretes que vls.m pOr
em. prAtica 8S normas dell(adas em IInh.s gerala pelo Concilio do Vatica-
no 11, crlaçlo de nevls arquldlecesOB o dlecasos de acordo com 11 evolu-
çlo d.mogrA"c8 e pOlltlca do mundo contempor4nao .. . Mas nllo , a enu-
meraçao dasses ml.lltos outros 'eltOll que maIs Importa no momento. Outro
u peclo da temática se Imp6a .. nossa conslderaçJo: uma figu ra de a\ua--
ÇaO 110 marcanla e universal nlo pode delul de ser o alvo do grande
publico. Sim, h6 os qua aplaudem e reverenciam slnceramento a atu.çlo
de P.ulo VI, como hé também O!S que f.zem reslrlç6as, anquanl o outros
(mesmo dentro di IgreJ.) empreef'ldêm • conlaslaçlo e a critica abarta.

Porgunta-se, pois: o veredIcto do luturo aanclonar! oa gastos de


Paulo VI e conlerlr. a este Papa um lugar entre os grandes Pontlllces da
histÓria? Ou ser! Paulo VI t:ltclt.ddo da .6rle dos Papas mal. lIolI\lIels'1

- Somente Deus Julga adequad.mente N homens. Todavia n50 Ó


IlIc1to lanlal , lgl.lmaS ponderaç6es sobre tala queslOls. Aecordemos, . ntes
do mais, que criticar é geralmente I!cll: eorrespondo 8 uma tendênela es-
pontAnea de lodo hOmem, que Instintivamente 6 propenso a tudo madlr
com luas medidas e seus c rItérIos: por Islo lam'bém .. que .s crltlcas (In-
c lusiva as que se dIrigem a Paulo VI) do, multas vezes, contraditórias e se
anulam mutuamente. Nio raro aqueles que sentenciam, esllo bem longe de
COnhecer loda li empUdlo da queSllo qu. ales focali zam ; podem entio
Julgar levlanemanle, sa nlo InJustamento . Por certo, Paulo VI conhece
como nenhum dos III.IS Juizes li slluaçlo geral da Igreja de hoje, com as
l utllezu que 8scapam a um observador parllcular.
DI.nte da panorlmlc. dos dez anol de pontificado da Paulo VI, o
qIJe nlo sa pode nagar é que Paulo VI lem procurado acertar, aplicando
oa recuflo s humenos que lhe esllo 11 dlsposlçlo: tem procurado, sim, In-
fonnar-ae, tem-se mostrad? conhecedor das sltuaçOes, das Id61as, das mu-
dançes contemporAneas. Mais alnd.: o Pepa também tem procura do acer-
tar, aplicando OI recursos sobrenaturais quo 11 fé sugere; é homem de
oraç lo, de sacrlllclo e de renúncia humilde ... Ora lals predicados slo
suficientes para suscUar conllança da parle de um since ro fiel catól ico •..
NAo conllança cega e sJmplbrla, mas a confiança que um dlselpulo de Cristo
escl8rt1cldo e maduro pode nutrir em ,I. Pois, em ultima analise, a S . Igraja
nlo .e rege apena. por cl6ncla e conhecimentos Intetect uals, mas pale
açlo do Esplrlto Sanlo, que se Gl(erce onde h' amor e camunhlo IrIIler-
na . . . Amor e comunh!o fratarna, quo Paulo VI lem cul tivado, a,.oclen-
do·os â clêncl. e l fé ... Amor e comunhlo Ira terna eos qu.ls a "gnose"
(conheclmenlo Intetectual) da cada cristlo deve seNlr sempre e Jamais pre-
ludie".
Por eonsegulnte, o d.§clmo .nl....rs6rlo do pontificado de Paulo VI,
PR se assocIa ao Sumo Pontlllce em homenagem flUal e 'eyerente, Implo-
rllndo sobro O sucessor de Pedro, a Igreja e o mundo as melhores luzes
e graçal do Senhorl
Roma, aos 3 de Julho de \91"3
Esllvlo a.lleneourt o _s . a .

- 330
«PERGUNTE E RESPOHDEREMOS~
Ano XIV - N' 16" - Agosto d-e 1~7 3

Igreja, alvo de contradlç:lo :

a cristo com igreja ou sem igreja?


o 11 terceiro homem"
Em .Int ••• : Um amplo laQUI de atitudes dos. calól lcos franle •
Igreja em nossos di.. leva a relletir lobr. a n<lçAo de Igre}a . .. O Concilio
do Vaticano 11 apreaenlclJ-a como "Sacramento". lazendo, aliás, aço
antlgOldadll. Que slgnlllca propriamente " ' e da.lgnaUvo 1
*
Sacramento é uma realidade senslvel que simboliza li comunica UIII
dom transcendental, divino. Tal' a Eucaristia (p!o • vinho que significam
• comunicam o CO(l)O • <I sangue de Crlslo fello aUmenlo da vld.l alatna).
Em coNeqD&ncla, quando se '.Ia da Igreja como Sacramento, dlz-se que
ala 18m, sem dOvlda, uma tace aenllvel, hum.na, aulelta ao pecado, mu
que o pIcado nlo 6 • 8U8 real1dade ültlma I d.'lnltl..... A .an!ldada do
Cristo, pretenla e aluanle na Igreja, 6 8S3a ultima InstAncllt da IgraJa; o
pecado 6, antu, uma tralçAo ou parver$lo dlssa $fInUdada cre Crtslo
presa".. na Igreja.

o amor que os catOllcos dedicam à Igreja, nlo eslA balOado na lide-


IIdade dos membros da Igreja a Crlalo, mas na fidelidade de Cristo" lIua
IGreJa. Eala fidelidade' IndefecUltel: CrlSIO eslA com o NU povo sempre,
mesmo quelldo esla ou aquela porçlo do seu povo Ihl contradiga ou da
um contra·,..temu"ho.
Em õltlma a,,'l1se, nlo se pode compreallder plenamente e Igrala ..
nlo 118 compreende toda a exlanalo e profundidade do mlsl'rlo de Crleto.
Ooutre parte, nlo se eomp'nnderi plenamente o Cristo .. 1\80 se IIV8r
em conta qUI Ele qui. dar SUl IQreJa ao mundo para Se da, por Ela, de
m.,.lriI certeira a Inde/acllval, para a sanUllcaçlo do mundo.

• • •
Comentá.ri.: Nunca se cstudou e enalteceu tanto a S .
Igreja como apÓS o Concílio do Vaticano n. mas também nunca
foi Ela tão contraditnda quanto hoje . Mesmo aqueles que c0-
nhecem bem as: verdades êXpostaS pelo Concílio, se voltam
contra a realidade da Igreja em nome das mais diversas razOes.
A1guns alegam que, para ser fi~is a Cristo, a devem abandonar;
- 331 -
4 . PERGUNTE E RESPONDEREMOS~ lG4!I973

parece-lhes que assim encontrarão Jesus Cristo de maneira


mais livre e pura. Outros não chegam a separar·se visivelmente
da Igreja; todavja, nela permanecendo fisicamente, entregam-se
a crjUcas derivadas deste ou daquele capitulo de história, de
direito, de teologia; impugnam o juridlsmo, o triunfalismo, o
clericalismo,. .. julgando que com tal'i críticas contribuirão
para renovar a Igreja, mas, na. verdade, concorrem mais para
diJacerâ·la e tornar anemlca a fé de seus membros. Ao lado
destas atitudes, distingue-se a do «terceiro homem ~ , .. . tercei-
ro, pol'tlue nem conservador nem progressista, mas Indiferente
às sortes da Igreja (embora não apostate visivelmente dessa S .
Igreja) .
Não há. duvida, uma nmpla gama de atitudes (também
positivas e constl'utivas) frente à Igreja pode hoje em dia ser
descortlnada. .. A fim de abrir pistas através deste vasto qua-
dro, procuraremos abaixo lembrar alguns princípios que a
autêntica fé cristã sugere como pontos de referência decisivos .

1. Igreja.. Sacramento
1 . O Concílio do Vaticano II. tentando insinuar o que é
a [greja, usou duas expressões especialmente dignas de notas:
povo de Deus e Sacramento 1 .
A primeira tem slgnifjeado óbvio: Q Igreja continua a histó-
ria do povo .d'e Abraão; caminha como peregrina pelas estradas
deste mundo, inserida nas vicissitudes da história dos homens,
em demnnda do seu estado definitivo, Que serâ a comunhão ple-
na com a vida de Cristo ressuscitado .
A outra expressão - cSacramento. -, embora antiga na
história do Cristlanlsmo,:I tem significado menos claro para
muitos dos cristãos de hoje . Lembra geralmente os sete ritos
que, a partir do batismo, são canais da gra~ para os fiéis .
Deve-se notar, porém, qUe esses sete ritos sacramentais s6 C()oo

'PO\IO de Deu.: cf. Cons!. "Lumen Gentlum" n'9 9-17.


SKrunento: cf. Consl. " Lumen Gentlum" n9 9 e 411; Cons!. "Gaudlum
8' $pes" n' 42 e 45.
o J6 no I tC. til S. CIpriano de Cartago escrevia:
"A Igreja é o InCfuebrenl'vet .aeramenlo de unidade" (carla 55,2'.
PL 3. 787).

-332 -
A CRISTO. COM IGREJA OU SEM IGREJA 1 :i

mW1icam a graça porque são expressões e funcõe5 de um sa-


cramento maior que é a Igreja.
2 . Perguntamo-nos, pois: que slgniflca Sacramento no
vocabulário teológico assim concebido?'
Sacramento diz algo <le visível, senslvel (por conseguinte,
material e precário) Que simboliza - e também torna presen-
te - uma reall.dade invislvel, transcendental, divina . Isto se
percebe muito bem Quando se assiste a um batizado: a água e
as palavras da fórmula aplicada são bem perceptivels: o seu
efeito, porém, não é apenas umedecer a cabeça da criança, mas
também tornar presente e 'COmunicar-lhe a vida divina oou a
filiação divina. Mais: quem vê o p,ão eucarlstico consagrado,
vê, sim, uma fatia de trigo, cuja realldade, porém. não se es-
gota no <ser trigo», pois tal pedaço .de pão é o viátlco da vida
eterna ou oproprio Cristo feito alimento dos seus fiéis .

Procuremos agora sel'vi r-nos de tais noções para elucidar


o que seja a Igreja.

Esta se compõe de homens ou de criaturas vlslveis, que,


entre outras notas caracteristicas, apresentam a fragUldade ou
a possibilidade de pecar. Em (!()nseqü~ncla, registra-se o fato
do pecado na Igreja. Os critiC'Os têm-se detido - talvez des-
medidamente _ em apontar falhas e vicissitudes existentes na
Igreja. Ta~s deficiênclas, o próprio Concilio do Vaticano TI as
reconhece quando diz:

·'Se bem que a igreJa. por açAo do Esp'rilO Santo. aeJa sempre li;
espOlI liei do seu Senhor e jlmll~ tenna delx.dCl de ser no munclCl o slnll
da salvaç.Ao. Ela sabe multo bem QUI, no decorrer da sua longa história,
entre cs seus membros - cl'rlgos e lelgol - nl o faltarAM os que ae
lenflam mostrado 1nlléls ao Esplrllo da OIUI. Em nossos dll. tamWm a
Igrela nlo Ignora a distancia Qua vai da men..gem por Ela ravelada •
Iraquaza hum.na daqueles a quem o Evangelho 101 confiado" (Consl. ''aIU-
dlum oi SP99" n' ~. 6).

Note-se, porém, algo de muito Importante: o pecado assim


reconhecido não é a realidade primeira ou mais profunda da
Igreja. Embora seja um fato e, em certos casos, um fato des-
concertante, o peeado não define a essência da Igreja ~ ele ~.
antes. uma perversão dessa esséncia. perversão que é própria
da criatura humana, e não da Igreja como tal. Imposto à face
da Igreja, ele deverá, cedo ou tarde, ser apagacto da mesma;
libertando-se do pecado, a Igreja perderá algo que nâo Lhe é

- 333-
li -:PERGUNTE E RESPONDEREMOS:> lG4/1973

específico. Diga-se: Ela não é, para O pecado, a terra de escol,


mas, sim, um domjnlo Injustamente conquistado .
A santidade, ao contrário, faz parte Integrante da originali-
dade nativa da Igreja . Será sempre em função da santidade
que se deverá procurar compreender a Igreja, caso se queira
atingir a sua esséncia ou o seu âmago . Na verdade, nenhuma
sociedade realiza esse paradoxo da Igreja: o de ser uma comu-
nidade que a miséria humana afeta e desfigura, mas não pode
definir .

3" E como se explica cssa apregoada santidade do. Igreja?


- Ela se dedva do lato de que, con(onne a (é, não süo
apenas homens que nela vivem, mas tamMm o Clolsto Jesus.
Este assim prolonga n sua Enearnacão, de tal modo que S .
Paulo chama a Igreja simplesmente o corpo de Crist() (cf. Cal
1.24; 1 Cor 12.27). Em conseqüência. a santidade da Igreja
não é senão a santidade do próprio Cristo; é a santidade de um
Amor mais Cortr do que a morte e mais poderoso do Que qual-
quer forma de traição ou Infidelidade humana . ~ por isto que
o pecado, na Igreja, não pode ser colocado no mesmo plano
que n santidade ; e le não faz númErO com esta . O pecado vem
dos homens e ja mais pode rá preval~l' contra o CrIsto, de SOl'·
te a banl·Lo de sua n1ansão na Igreja . A santidade sobreviven"t
ao pecado; jã agora ela tende a dominâ·lo e, por fim, ela o
esmagará . Visto que os homens, pecadores como são (mas pe-
cadores que devem deixar de sel' pecadores), fa zem parte da
Igreja, o pecado esta,...l sempre na Igreja ; mas estará nela como
a !go que a machuca. nunca como algo que a constitua .
O Concilio do Vaticano II exprimiu sucintamente tal situa-
cão ao . dizer qUe ca Igreja é santa, mas sempre necessitada de
purificação» (cf . Consto cLumen Gentlum:> n9 8), Santa, ela
o ponto de partida dc qua lquer autêntica concepçu.o da Igreja:
Esta s ó ex lst~ em virtude da l'CSsurreiçã o de Cl"l'ito, ressurrei-
ção pcla qual Cristo venceu o pecado e a morte e pela Qual
Ele vence na Igreja fi miséria humana . Todavia essa santi-
dade não e um depósito Inerte, mas é uma vocação e wn pro-
g ra ma para todos os membros da Igreja ; ela exige uma cons·
tante vigilância e urna incessante renovação espiritual de todos
os cristãos . Tenh am·se «?m vista as seguintes passagens do
Concí1lo do Vaticano lI :
"A renovaçlo do mundo 101 Irrevogavelmente adquirida. e. de cerlo
modo. é antaclpada delde o momenlo presante. C<mI aleito. ja nll terra a

- 334 -
A CRISTO. COM IGREJA OU SEM IGREJA? 7

lijre)a as" revelllda de santidade autêntica, embora .Inda IncomP'eta.


Todavia ale o momento em que .. fizerem dUI novos e terre nove. onde
a lustlça h6 de hebltar (cl. 2 Pa 3,13). a Igreja peregrine Iraz, em seus
aacremenlos e Inltllulç6es, que partene.m a "Ie munclo, a Imagem do
I16culo que pQlI, Ela vive enlre as crtaturea que gemem e ainda padecem
dores de parto, na expectativa da manllMteçlo dOI filhos de Ceus" (ComI.
" Lumen Genllum" n' -iB).

"Embolll • Igreja Cat6t1ca tenha sido enrIquecida por toda e verdade


ravalada por Oaus . assim como por todol 08 meIos comunicadores da
graça, seul membros nlo vivem destas dons com lodo o feNor que Ihl'
conv(rla. Cal rtsulle que a lece da Igreja resplandeca menos lOS olhol
doa nossos Irmlos separedos e do mundo Inlelro. e o crescimento do Reino
de Deus ti entrevado. " pOf'" Islo que lodos os fiéis cat6licos devem tender
• perfelÇio crlstl: cada um deve. no sau setor, esf.orçar-se para que I
IGrela, trazendo em leu c:orpo • humildade 8 a mortlllcaçlo de Jesus, ,.
purifique e se renOV8 d, dia em dia. até Que Cristo 8 aor.eanla I SI mesmo
010rI0$8. sem mancha nem ruga" (Cacrelo "UnUaUs Ftadlnleore!lo" n' <4).

Assim o conceito de cJgreja-Sacramento» exoUea as no-


rões de santidade e santlficacão que devem marcar o povo de
Deus. Quem reconhece a Igreia como sacramento, reconhece.
sem dúylda, a fral1;iIIdade da face humana da Igreja, mas não
cede à tentaeão de menosprezã-la ou abandoná-la; ao contrário.
fl'E'nte às deflcl~ncias (lealmente ayerl~adBS) nutre flnne
confianf'2 na ylt6ria de Cristo, que será um dia. de maneira
ronsumada. a vitflria de todos os membros de Cristo incorpora-
dos Ià Im-eJa . Tal cristão fiel sabe que as misér]as humanas
enoontradas na 'história da I~ja não são senão o avesso aa
~andeza e da glória de Cristo <1ue, no fim dos tempos, trans-
parecerá plenamente através dos véus das criaturas (ou dos
seus membros ressuscitados) .
O conceito de dJ!t'P..1a-Sacramento:. pode ~r ilustrado ulte·
riormente pelo de «Eucaristia-Sacramento :!> . ~ este paralelo
que passamos a desenvolver,

2. O SoctâmenN) da Eucaristia
1. Em sua última cela, Jesus apresentou aos dlscl'Dulos
algo de um tanto paradoxal. Tomando o pão e o vinho, decla-
rou: dsto 6 meu corpo!. . . Isto é meu sangue!»
Quem leva a sério estas paJavra5, conclui. com a mais
antiga tradição cristã. QUe aquilo Que se percebe do páo e do
vinho consaerndos, não é a I'P.1lUdBde última e mais profunda
destes elementos; eles são aquilo Que Cristo disse. O que pare-
cem ser. já não é o critério decisivo para se julgar o que de
- 335-
8 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 164/1973

tato são; a realidade deFinitiva destes elementos é a que Cristo


mesmo indicou na sua ultima ceia .
Por conseguinte, diante dos elementos sobre os quais Cristo
pronunciou (e continua a pronunciar em cada S . Missa) as
palavras da ultima ceia, jã não posso dizer que são apenas pão
e vInho . Se quero ser coerente, devo confessar que são, ao
mesmo tempo, eles mesmos e mais do que eles mesmos ... EJes
mesmos, porque a sua realidade visJvel não foi anIquilada ...
MaIs do que eles mesmos, porque reconheço pela fé que, em
virtude da palavra dc Cristo, o pão se torna corpo e o vinho
se torna sangue do Senhor. DiZ 5.ão Paulo aos coríntios: cFa ltr
·vos a vós como a pessoas sensatas: o cálice de bênção que nós
abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo'? E o pão
que partimos, nóo é a comunhão do corpo de Cristo?:. (1 Cor
10,15,) .

2. Voltemos agora nosso olhar para a Igreja . Nesta dá-


-se algo de análogo . A primeira vista, percebo na Igreja homens
e mulheres que constituem um agrupamento humano institu-
cionalizado; dir-se-la um produto dos homens e dQ história.
Neste particular, Ela c comparável ao pão c ao vinho da Eu-
caristia, que supõem campos e vinhas: assim a Igreja supéM~
as marcas da história, tanto as que ~ l1tbeleum como as qUt!
nossas casas; Ela não é de um outro mundo, mas traz todas
as marcas da h istória, tanto as qUe embelezam COmO as que
desfiguram. Mas, assim como o pão e o vinho da ceia não po-
.dem ser reconhecidos, em última análise, senão à luz de uma
Palavra que, de maneira invIsivel, mas real, os transClgura,
assim também o agrupam~nto humano que chamamos Igreja
não pode ser plenamente reconhecido senão à luz de uma Pa-
lavra sem a qual ele seria indecUrâvel. Sem dúvida, podc-sc
fazer ca anAlise química . da Igreja e reduzJ.ila a componentes
sociais, culturais, polltlcos. que os estudos sociológicos de hoje
costumam descobrir em qualquer corporação humana. O cris-
tão convicto, porém, recusa-se a aceItar exclusivamente essa
análise química, como ele se recusa a aceitar tão somente a
análise química do páo e do vinho eucarísticos . Assim como
ele adora o Cristo na Eucaristia (em que os olhos apenas vêem
pão e vinho) I assim também ele amo. a Igreja apesar de todas
as razões que se poderiam aduzir para a menosprezar ou
reJeitar.
3. Humana, sim, a Igreja o é, como humanos são o pão
e o vinho da Eucaristia. DIga-se mesmo: felizmente a Igreja

- 336-
A CRISTO, COM IGREJA OU SEM IGRE'JA? 9

é humana~ Pois que seria uma Igreja que nada tivesse a ver
com a história dos homens? Mas essa comW1hão com as sort:eS
dos homens não esgota O sentido da Igreja, assim como ela
não esgotava o mistério de Cristo, assim como também a vin~
culação dos elementos eucarísticos aos trigais e às videiras dos
homens não restringe o valor dos mesmos ao humano . Como
o próprio Cristo e como a Eucaristia, a Igreja não é apena.s
humana. Nela toma corpo uma Presença ou, como sugere o
final do Evangelho segundo S. Mateus, um Estar-com, que a
Igreja diz ser o seu principio definitivo e a fonte inextinguível
da sua vida . Com efeito, assim falou Jt.'Sus ao encerrar a sua
missão visivel na terra : cTodo poder me foi dado no céu e na
terra. Ide, pois, ensinai a todas as n8;-ões. " bati2and:~a.s em
nome do Pai, do Filho" do Espirito Santo. E eis que estou
convosco todos os dias até a consumação dos tempos. (Mt
28,18,20) .
O estar com ocorrente nesta frase de Cristo merece mais
detida atenr..ã o. Assim falando, o senhor fazia eco a uma ex-
pressão jã proferida quando Deus se manifestou a Moisés no
monte Sinal: .. Eu estarei contigo» (~3,12). Deus se revelou
assim como Aquele que é, mas não é meramente separado: E le
quis ser ou estar com os homens, e para. os homens. O Inefãvel
se exprime num comportamento: Ele estã com Moi.shJ e. me-
diante Moisés, com o seu povo. Assim o ser de Deus, que não
conhece passado, presente ou futuro, entra de maneira singular
no tempo e na história dos homens; c! o amor - e somente
o amor - que o move a tanto:
"Se o Senhor VO$ prelerlu e VQS dlsllngulu, nlo 101 por serdes mele
numerosos do que os o\ltros povos, pois soll o mais pequeno de lodos i
foi porque o Senhor vos ema, porque' 11111 ao Juramento que tez aos vouo&
anlepassados" (DI 7,7s).
No Sinai, portanto, Deus se compromete e se define por
esse compromisso mesmo. Ele será o Deus da aliança, o Deus
que nunca voItarã atrâs, ainda que o povo a quem Ele se dá,
viole a aliança e cala na Infide:idade. Dentro das vicissitudes
da história. do homem, após o SinaJ, haverá mais do qUe o
homem; haverá Aquele que é e que estará. sempre com o ho-
mem, mesmo que o homcm se coloque contra o Senhor. A
linguagem .de Deus ao homem será sempre wna linguagem de
nmor e fidelidade, como se lê no livro do proteta Jeremias :
"esta ser! a allançe que farei com e cau de :sra.I . .• : Imprlmlrel
liminha L.el, grava-Ia·el no seu coraçl.o. Serei o seu Deus a Israel senl
o meu povo. Ninguém emlnar' mais o seu próximo cu IrmUo, dizendo:

-337 -
'Aprende a conhecer o Senhor', porque todos Me conhecer!io, grandes e
pequenos, - orllllc1Jlo do Senhor, pola • Iodos perdoarei .S SU., lanas, e
nlo me lembrarei mal3 dos seu. pecadOI.

Aaslm 'ala o Senhor, que manda o 801 par. iluminar o di., e a lua
e as estrel., pera iluminar a noite, que agita as ondas encapaladas do
mar e cujo nome li Senhor do. eJlércltcn: '$e sl9um dia deixarem de sub·
slstlr eslaa lei. diante de Mim, ... entAo poder. também 8 IInhegem de
Israel deixar de exlatlr para sempre como naçl o diante dOI meus olhos'"
(Jer 31, 33-36).

Estas llalavras do Senhor constituem como que uma ré-


plica à instabilidade do comportamento humano, sempre sujeito
à desconfianca e à traição (os profetas diziam : ... ao adul~rio
e à prostituiCão) .
OJ'a Cristo veio justamente Jev,u' â consumação as pro-
messas de Deus e n antiga. Aliança do Senhor com os homens .
E ,e veio vencer o poder da mOl'te que ate então não fOl'a su-
perado definitivamente: . Estive morto, e eis Que vivo pelos
sêculos dos séculos, detendo as ehaves da morte e da região
dos mortos, (Ape 1,18). Vencedor da morte e do pecado. Cris-
to fundOU a comunidade dos Que devem vencer u mo r te e o
pecado - comunidade que é a Igre-ja; a esta E le confiou uma
missão e prometeu um apoio, que são Inseparáveis um do outro.
A I greja Co i estabe lecida sobre a Rocha por Deus mesmo (cf.
Mt 16,18) . Nada poderA separá-la do _amor de Deus, mani-
festado no Cristo Jesus Nosso Senhor. (Rom 8.39). O Cristo
Jesus Ressuscitado está. e estará com E1a. todos os dias até o
fim dos tempos, a fim de, por Ela, comunicar a sua vida ao
mundo inteiro.
4. Por conseguinte, quem queira realmente entender a
Igreja não pode ater-se unicamente a dimensões humanas
(sociológicas, psicológicas, culturais), mns deve também exer-
cer a fê e pensar na S_ EucarisUa: também esta não pode ser
eompreendida unicamente atra vês da quimica do carbono. To-
davja, asSim como o Cristo Rcssuscitad() não arranca a Euca-
ristia às realidades deste mundo, assim também Ele não quer
eximir a sua Igreja do peso c da opacidade da hi st6ria dos
homens _ Sem ser uma institul\,Ho sujeita apenas aos altos e
baixos do homem, a Igreja não estã subtraida nestes. Quem
encontra um metal PI'eCioso em seu mine rio, cncontra-o re~
coberto de sua ganga; sabe que algo de muito valioso estâ
dentro desta, mas tem Que s uperar as aparências e penetrar . ..
para descobrIr e usurrulr . A consciência. desta verdade será
útil a muitas pessoas (cristãs c não c ristãs) na hora atual.

- 338-
~ CR1ST9•. C01\I_ IGREJA OU SEM IGREJA ~_ '}

3. Reflexões finais
1 . Muitos se preocupam hoje com a face externa da
Igreja ou com os sinais que Ela deve dar de sua autenticidade,
santidade, pureza, etc. Esses observa.dores têm razão, mas
correm o risco da unllateralidade, chegando mesmo por vezes
LI se contradizer mutuamente; há os que desejariam uma Igreja
mais envolvida na ação t~mporal e há os seus oposjtores õ há
os que desejariam um clero casado e há os seus opositores . . .
1.:': cada uma das .duas p<,rtes censura a Igreja por não se ada~
tar 0.0 seu figurino .
Na verdade, é precc:;o l'Cconhc<.:er que a Igreja tem que
ser eloqUente e «sinalizante_ para os homens : é esta
p l"OCU1'Ul'
a sua missão. Mas núo se deve esquecer que na Igreja há algo
de mais profundo do que aquilo que Ela. deve lazer; há, sim,
aquilo que Ela é . No fundamento e nas raizes da mWio da
Igreja, existe o mistério da Igreja. I AliAs, também ao conside-
I'ar um ser humano, fazemos distlncão entre a ação e os tra-
balhos Llessc 'homem e o seu intimo, ou seja, a sua personali-
dade, o seu ser, Nenhum dos dois aspectos contradiz ao outro,
mas é preciso não esq uecer nem um nem outro . Silenciar a
missão da Igreja seria desfigurar a Igreja, pois o Amor de
Deus se deu a Ela para que Ela o comunique ao mundo. Doutro
ladc, porém, encarar a missão da Igreja sem colocar em seu
funago o Cristo vivo e ressuscitado é reduzir a Igreja a um
grupo, um partido, sem se levar em conta que a missão da
Igreja supõe sempre O mistério da mesma.
2 . Nos nossos dias, verifica-se fenõmeno interessante:
muitos cristãos (católicos, inclusive clérigos) tendem a olhar a
Igreja com os olhos de quem não crê : talvez por motivos apo-
logéticos. ou seja, para poder dialogar com os não cristãos.
Em tempos passados, veriricava-se o contrário: a opinião dos
não-crlstãos a respeito da Igreja quase não era levada em COnta
peles fiéis catôlkos: nos dias atuais corrc-se o risco do contrá-
rio. Na verdad.-e, porem, os assuntos da fé e, particularmente,
a Igreja não deveriam ser para um crIstão o que parecem ser
a alguém que não tenha fé . A conseqüência dessa atitude nova
de muitos fiéis católicos é que não se detêm em olhllr para a

'11 palallra "mistério", aqui, nada s ignifica de eSOlérlco ; ela Insinua


algo de tio grande a tio ptOlllmo de Deus que a ,alio humana I' nlo
consegue abarcá-lo.

- 339-
-1.2 --- _._._
.PERGUNTE ... _-RESPONDEREMOS,
... ._.......- E ..... _--_._._ - lrNI973
_ .- ._---
Igreja à sernelhanca dos que não têm fé; esse olhar lhes inspira
(Inconscientemente talvez) um comportamento sem -amor à
Igreja e, paulatinamente, uma atitude de contestacão l processo
e . . . condenação dessa mesma S . Igreja. Muitos então passam
8 perguntar-se o que ainda fazem numa Igreja que tantos já
abandonaram e que eles mesmos recusam . Acabam por delxã-
-la completamente, ou, se nela ficam, ficam Indiferentes, cons-
tituindo o chamado ctcrcelro homem. (isto é, como dissemos.
o homem que não se empenha nem no conservadorismo nem
no progressismo, mas se desinteressa. pelo presente e o futuro
do Igreja).
Tal fenômeno nos leva a pensar. A necessidade do diálogo
e da. cempatia. do dialogante católico com o não católico de-
veria realmente levar n. tais conseqüências? Haverâ sólidos mo-
tivos para que o fiel católico veja os assuntos da té e a própria
Igreja como se a incredulidade fosse o supremo critério da fé?
c:Morrer assim a sI mesmo,. e às certezas que a fé comunica,
seria isto o Evange'ho em nossos tempos? Ademais, que tipo
de dJAlogo é esse, em que o interlocutor não católico de inicio
reduz o católico (inseguro e conivente) às suas categorias de
não católico? O diálogo implica, sim, empatia, ou seja, que
cada um dos dialogantes procure colocar-se do lado do Inter-
locutor a fim .de o compreender, mas não significa, em h ipótese
alguma, que de anlcmão qualquer dos dois dia logantes ren uncie
aos seus pontos de referência ou aos seus critérios de pensa-
mento. Que estranha ~núncia (ou êxodo, como di2.em alguns)
~ essa, em que o amor à Igreja de Deus é, de maneira paula-
tina l mas certeira, aniquilado no coracão ou na vida do -cristão?
Em verdade, no. raiz de tais atitudes criticas ou indIferen-
tes à Igreja l pode-se crer que existe (muitas vezes, camuflada e
Inconsciente) uma boa dose de leviandade ou superficia'ldade,
quando não presuncúo ou falta de fc. Para quem seja vitima
de tal veneno, os mestres sugerem snbiarnente um pouco de
simpli Cidade evangélica frente ao paradoxo da Igreja, um pouco
menos de complacência em csquadrinhar os defeitos da mes-
ma, ou a inda . . . um pouco menos de omissão no que concernc
o fundamental da vIda cristã . . . Quem esteja assim disposto,
poderá preocupar-se com os sinais da missão da Igreja sem
trair n realidade do mistério dessa mesma Igreja.
3. Diga·se rJndo. : o que definc a 19reja e justifica o amor
com que os fiéis católicos a amam, não é a fideHdade ora mais,
Ol'a mcno:; aparente que Ela. f!Uarda n Cristo (c que um obser-

-340 -
_ _ ~_ç~ffi.~f.Q._ÇQM... lGR.~..A_ _O_U_!?~M IG.!!~.LA? 13

vador dificilmente pode julgar em toda a sua panorAmlca),


mas, sim, a fidelidade absoluta que o Senhor guarda. à sua
Igreja. Recoberta de escórias, por vezes desfigurada, contestá-
vel e (mais freqUentemente ainda) contestada, a Igreja só
subsiste no mundo em virtude de um carisma contInuo Que é
devido à. ação de Cristo e do Espirito Santo. Ninguém pode
amar realmente a Igreja a não ser que reconheça que Ela se
conserva neste mundo não por suas próprias forças, nem pela
exce:ência de seus membros, mas, sim, pela presença dinâmica
de Cristo, que ama a sua Igreja e dela faz o saen.mento do
senhor _ sacramento sempre sujeito a ser purlflcado, mas
jamais fadado a perecer .
Assim entendida, a Igreja nunca será separável de Cristo.
Não porque a Igreja c Cristo não sejnm duas realidades dJ.s..
Untas (8 esposa nunca é plenamente idêntica ao seu esposo).
Mas a Igreja é o «C"810 Jesus Cristo. em nossos dias, de tal
modo que ninguém conhece bem a Igreja a não ser que entre-
veja nela o único Senhor que justifica a estima e o amor à
Igreja. Reciprocamente, aliás, ninguém conhere plenamente o
Cristo a não ser que O descubra como Aquele que é capaz de
dar a Igreja ao mundo e, ao mesmo tempo, de a guardar in-
cólume para a santificação do mundo. Enganal'-se-ia quem
quisesse separar Cristo e a Igreja, a Utulo de melhor com-
preender a um ou outro.
Como Cristo é Deus e Homem, como a Eucaristia (que
parece ser apenas pão e vinho) é na verdade o Corpo de Cristo,
assim também a Igreja, que parece tragada pelas vlclssltudes
da história, nunca é abandonada pelo Cristo ressuscitado, nem
l'ie reduz à sua própria miséria. (que e, allãs, a misérJa de seus
membros sujeitos à fraqueza e à incoerência). Mesmo que tudo
levasse a dizer que u Igreja nâo é mais do Que o eco de um
mundo já ultrapassado, dever-se-Ia procurar ouvir de novo,
na fé, o eco da Palavra de Cristo, Clue prometeu à Igreja. a
sua assistência indefectivel todos os dias até a consumacão
dos tempos .
E,te artigo se IMplra nas pllllglnla de G. Martelei: "De r. sacrarnen-
lalHé pfopre • l'EglIse ou d'un aena de l'Egllsa Inséparable du sena du
Chtlst", em "Nouvelle Revue Thêologlque" 105 (1973). pp. 25-42.

- 341-
A mulher ontem 8 hoja :

evangelho e dignidade da mulher

Em .Inl••• : O ,ltlOO .balxo, Intenelon.ndo põr em evldênela lima


das mais slgnlliçalivas lacelu do Evangelho, começa por enumerer algun(l
tópicos que manifestam a poslçlo de Inlerioridade que a muther ocupava
enlre OI anllgos : submetida à a utoridade. quase absolula, do pai ou do
marido, exclulda di vida publica e dos relaçOos sociais, desUnada geral-
mente aos traball\os domésllco" a mulher padecIa severa humilhaçAo_ No
evangelho, porém, descobrem-se os traços de nova concelluaçlo da mulher,
que Crlslo chama a colaborar na expanslo do Reino de Deus, colocando
mesmo as merlltrizes sinceramente arrependidas Il. f rente dos IlI.riseu5 hipo-
critamente ju,&to:l.

Comentário: Fala-se multo hoje de emancipação da mulher.


às vezes de maneohoa apaixonada e nem sempre construtivo..
Ora é certo que a Boa-Nova. de Cristo tem multo a dizer sobro
o assunto . Eis 1'01' que vamos ttl:Ol'il cxominul' <Iual a situação
social da mulher no mundo ol'iental, <.'Specialmcnte noo. costu-
mes <los judeus anteriores e contemporâneos H Cl'isto, a fim
de melhor perceber a contribuição que as páginas do Novo Tes-
tamento trou"et'am p8l"a o enaltecimento da figura da mulher .

1_ A mulher antes de Cristo no Oriente


1 . Comccnremos por notar que a mulher, no Oriente em
geral, não tomava parte na vida. p6bllca.

Quando li mulher judia em Jel'usalém saia de casa, tinha


o rosto recoberto, de modo a não se lhe reconhecerem os tra-
ços. Aquela que salssc com a Cace descoberta, aCendia os bons
costumes, de tal sol'te que o marido tinha o direito (c até a
obrigação) de a despedir sem lhe dar a quantia de dinheiro
(ou espêcie de indenização) estipulada para o caso de divórcio.
As mais rigorosas não descobriam o rosto nem mesmo em casa.
Aperms no dia das núpcias a nubente, caso fosse virgem (não
viúva), se apresentava de cabe!:& descoberta.
- 342 -
EVANGELHO E DIGNIDADE DA MULHER 15

2. Conseqüentemente, a mulher não era levada em conta


nu relações sociais da. época .
O mestre José ben Johanan de Jerusalém, em 150 a.C.
aproximadamente, dizia : ... Não te entretenhas muito com uma
mulher:.; ao Que a<:rescentavam os pósteros: dsto se aplica à
tua mulher; multo mais ainda à mulher do próximo. (P. Abh.
15). Um homem não se devia encontrar a sós com uma mulher
nem lhe dirigir saudação; seria vergonha para um homem eru·
dito falar com uma mulher na rua . A mulher QUe habitual·
mente conversasse na rua, era sujeita ao divórcio. sem com~
pensação financeira; o mesmo tocaria àquela que se pusesse a
tcrer ou bordar em público.
o ideal era que a mulher, principalmente a jovem solteira,
nunca salsse de casa . Escrevia o judeu Filão de Alexandria
Cf 44 d. C . ): ...Mercados, assembléias deliberativas, sessões
judiciárias, procissões festivas, grandes aglomeracões de gente,
em suma, a vida Que se desenvolve publicamente "em palavras
e ações, na guerra e na paz, convêm aos homens . As mulheres
compete a mansão em casa e o retiro.. (De spec. leg . m 31
169) .
Huviu, porém. casos em que o aparecimento de uma mu-
lhe.. em público, precisamente por ser faro, tinha especial sig-
nificado. Foi o que SI! deu. pai' exemplo, Quando o rei ptolo-
meu IV Filopator. do Egito, em 217 a. C. quis penetrar o
Santo dos Santos do Templo de Jerusalém: entAo cus virgens
da cidade, que estavam encerradas em seus cubicu:os com suas
genHoras, predpitaram~se para fora de casa, recobriram os
cabelos com cinzas e pó, e encheram as ruas de lamentações»
(3 Mac 1,18). Algo.de semelhante se deu em 176 a. C" Quan-
do se soube que Heliodoro, aliciai do rei SeJeuco IV da Síria,
tentou violar o tesouro do Templo: então as virgens, deixando
seus a~l1tos, se reuniram junto às portas e aos muros da
cidade, ou colocaram-se às janelas de casa; as mulheres. reves~
tidas de trajes de luto, apareceram, numerosas, nas ruas da
cidade (cf , 2 Mac 3,18s). Quando soube que sua filha Ma·
rlamna tora condenada à morte por Herodes, a rainha~mãe
Alexandra em 29 a . C . pôs-se a percorrer as ruas de Jeru-
salém, lamentando-se em alta voz, contra todas as Indicações
dos bons costumes da época.

lHavia, porém, casos de mulheres que se projetavam, prin-


cipalmente nas cortes régias, sem atender às exIgências sociais.

- 343-
)1', f PERGUN'I'F. I': R~PONDEREMOS . 1lH/1973

Merece mencão, pol' exemplo, a rainha Alexandra, que com


ellcrgia e prudência governou Judâ .durante nove anos (76-67
a, C ,): em nada se distinguia das prinCC'Z8s do Egito e da Siria,
A irmã de Antigono (40-37 a. C . ), o último dos macabcus,
defendeu corajosamente a fortaleza Hircânla contra as tropas
de Herodes o Grande , Salomé dançou perante os convivas .do
rei Herodes Antlpas, cativando o monarca (cf, Me 6.22) •

Também se sabe que, mesmo nos ambientes mais pudicos,


havIa exce~ . Assim duas vezes ao ano as jov~s de Jeru-
salêm Iam dançar em coro nos vinhedos que cercavam a cidade.
e proclamavam suas prendas naturais perante os jovens. - :e
de notar também quc as famílias mais pobres não se podiam
dar ao luxo de ter suas mulheres em permanente retiro do-
méstico; era necessário que ajudassem os maridos, máx ime c0-
mo vendedoras no comércio.
Fora das cidades, os costumes eram mais livres: as mulhe-
res (até mesmo IlS núo casadas) Illm ao poço buscar égua; a
nmlher e os filhos empenhavam·se com o chefe de famiJia no
trabalho agrícola; a esposa vendia azeitonas à porta de casa
e servia à mesa (cr. Me 1,31; Lc 10.38'42; Jo 12,2); o uso do
véu sobrc a face nlio era tão rigoroso como nas cidades, To-
davia mesmo nos campos não era usual a conversa entre um
homem e uma mu lher (cf . Jo 4,27) .

4. No tocante iL educação. fazia-se nítida diferença entr'e


meninos e meninas , Estas eram encaminhadas apenas aos tra-
balhos domésticos. tais como cozer, tecer e tornai' conta dos
Irmãos mais jovens, A seu genltor a menina devia (a liás, como
tambêm o menino) prestar os .serviços mais fundamental!,
dando-Ihc comida, oobida, cobertas ... : núo g:07.ll Va. porém, dos.
mesmos direitos que os meninos no conccl1lcnlc â hcrtll'J(.'a c a
outras regalias .
A menina de menor idade, antes do casamento, era seve-
ramente submetida à autoridade paterna, Mai~ pl'CCIs.."lmenl";
os judeus distinguiam

a) as meninas d" menor idade, detaJUla (até doze anos e


um dia),
b) as virgens, na'ara (dos doze anos" um dia uté os doze
anos e melo),
_344 -
EVANGELHO r:: DIGNIDADE DA MULHER. 11

c) as jovens de mai()r idade, bogbarath (que ultrapassa-


vam os doze anos e melo) .
Até os doze anos c meio, ficava a jovem sob o pleno podel"
do seu genitol", a menos que já estivesse casada. Submetida a
seu pai, a menina não tinha direito de propriedade: todo rendi-
mento devido a trabalhos seus e toda indenizatão que lhe t0-
casse, pertenciam ao genItor. Nessa Idade também não lhe
competia escolher seu futuro marido nem recusar aquele que
o pai lhe determinasse (por vezes acontecia que o genitor, es-
quecido ou levIano. não mais soubesse a quem tinha prometido
sua filha). Até os doze anos de Idade, o pai podia vender sua
filha como eSCl"ava a um judeu, não a um estrangeiro (cf. ~
21,7) - o que significava geralmente que a menina se casaria
no momento oportuno com o patrão ou com o filho deste. Só
df'pois dos doze anos e meio de idade a menina gozava de certa
Independência; náG podia ser dada em casamento sem o seu
consentimento pessoal; todavia, quando se casaVB, o pretendente
devia pagar ao futuro sogro o preço correspondente . Tão emen-
50 poder do genltor fazia que muitos pais, entre os antigos ju-
d-eus, viss-em em suas filhas, antes do mais, uma fonte de
trabalho e rendimento .
4 . A idade nonnnl para o casamento de uma jovem
ocorria entre os doze e doze anos e meio. Registravam-
-se, porém, casos de casamento ou noivado em Idade mais
tenra . Era freqüente, e muito desejável. que os casamentos se
dessem dentro da mesma (amma ou tribo; acontecia, porém,
que li cstepropãsito pai e mãe discordassem entre si, pois cada
um queria dar a filha a um jovem do respectivo parentesco .
No caso em que o casal nâo tivesse filho masculino e, por
conseguinte, a herança tocasse ã menina, a Lei de Moisés pres-
crevia o casamento C!ntro membros da mesma famllla (cf .
Núm 36,1-12) ; a apHca~ão deste preceito é graciosamente nar-
r.nda pelo livro de Tobias (cf. Tob 6,10-13: 7,11s).
Antes das núpCias. ocolTia o noivado, que já era um con-
tl'ato matrimonial ; estipulava-se neste a quantia que o noivo
deveria pagar ao futuro sogro para se cnsar, assim como a
Indenização que competiria ã mulher em caso de divórcio ou
morte do marido . A noIva já era considerada mulher de seu
noivo, antes mesmo de coabitarem; caso ele viesse a morrer,
seria tida como viúva; podia ser demitida com libelCl de divórcio
ou apedrejada, caso cometesse fornicacão. A caqulslClO:D da
esposa e a de um escravo pagâo eram postas em paralelo entre
-345 -
,.
.._--- ( PERGUN1'E F. RESPONDEREMOS ~ HWl913

si na Jurisprudência dos rabinos , cA mulher ê adquirida me-


diante dinheiro, documentação e coito,. (Qid, I 1) j cO escravo
pagão é adquirido mediante dinheiro, documcntaçúo e tomada
de posse> (Qld . r 3) .

Todavia somente apôs as nupcias, que geralmente ocorriam


um ano depois do noivado, a jovem passava a viver sob a auto-
ridade do marido . O casal costumava i1' morar com os fami-
!lares do esposo - o que ern multas vezes penoso para a mu-
lher, jâ Que se deveria adaptar a um ambiente estr a nho e, não
I'aro, até hostil.
5 . Do ponto de vista jurídico. Il. t!Sposa se distingui", de
wn& escrava, antes do mais, porque conservava o direito de
propriedade (não o de usofruto) sobre os bens que levava de
casa; gozava outrossim da ~rteza. de que, em caso de divórcio
ou de viuvez, uma quantia de dinheiro lhe tocaria para que
sobn~vjvesse. Mais , n partir do dia das nüpcias, a mu lher era
obrigatoriamente su~ Lcntada pelo marido, que dcvel'ia gaJ.'antU'-
-lhe alimentação, roupa e morada, alem de resgate em caso de
cativeh'O, medicaçflo em caso de enfermidade e scpultura em
caso de morte .
As obrigações da mulher elüm pl'incjpalmenle de índole
domêstica. Devia cncal'l'cgar-se da casa, com tudo o que isto
implicava: cozinhal', moer a farinha, Ca2Cr o pão, Ia.val' a roupa,
amamentar as crianc,-as, tecer, além de seIvic;os mais corriquei-
ros, A mulher deverIa tambêm obediência ao mal'ido, obediên-
cia concebida l'eliglo:mmentc, a ponto de podeI' o marido dis-
solyer os votos feitos pela esposa .
As relações dos filhos com OS pais cram influenciadas pela
submissão da mulhcl' ao marido no lar: deviam mais reverência
ao pai do que à miie, porque esta tambem estava obdgllda a
reverenciar o marido . Em perigo de morte, Cl'3 pl'ceiso pro-
curar sa]var pl'lmch'umente a vida do marido .
A dependênciu da mulhel' em I'cl&1<;fLo no maridu concreti-
Zilva-sc pat1.iculsl'mclltc nos dois seguintes pontos:
a) a poligamIa C I'8. permitida , de modo que a mulher devia
tolerar concubinas ao seu lado . Verdade e que, por motivos
econômicos, não era freqúentc enconlr8l' um homem com vá-
rias mulheres. Notc-se também Que os essénios - judeus que
alimentavam tendências "a scêticas - combatiam fortemente a
poligamia . Todavia podia acontecer que um homem. não po-
-346 -
dendo viver em paz com sua mulher. tomasse uma concubina
em vez de pedir o dlvórt:lo (que lhe sairIa multo caro) ,
b) O dll'(!ito de se odJyorclar competia quase exclusivamente
uo marido. A mUlher era licito pedir o divórcio quanCla o
esposo fOSSe leproso ou sofresse de infecção ocasionada por
polipos ou traba1hessc em tal mister que hebituaJmente exaJas-
se mau odor (o cortume de peles era tido como tal) ... A Lei
de Moisés (Dt 24,1) permitia o divórcio desde que o marido
descobrisse na mulher um 'arwath da.bhD.r (algO de Inconveni-
ente) , A escol ... do Rabino Hillel - qut! parece ter prevalecIdo
neste particular a partir do séc , I d . C . - entendia esta dãu-
suia em sentido multo amplo, de sorte que o divórcio podia ser
empreendido pelo marido sob a legações assaz subjetivas e arbi-
U'árias _ o que redundava em pesada humilhação para a
mulher . Uma vez divorciada, a mulher que não fosse assumida
em outro C8s:1mcnto, contaria com o apoio dos seus familiares.
principalmente de seus irmãos, e com a benevolência dos filhos
(note-se que a esterilidade ou a ausêncja de filhos num casal
era considerada maldl~ão de Ocus ~obre os cônjuges) ,
Mesmo depois de enviuv81', a mulher podia ficar, de certo
modo, sob a jUl'isdlção do marido! Com efeito, caso este mor-
resse sem deixar prole masculina, o seu Innão devia seguir a
lei do levlrato, que Ihc mandava esposar a cunhada para sus-
citar pl'ole ao Irmão falecido (cC. Dt 25,5-10; Me 12,18-20).
A viúva não podia dispor de si enquanto o cunhado não lhe
comunicasse a sua decisão de a esposar ou não (a Lei de Moisés
previa esta rccusa c a punia; cf. Dt 25,5·10).
6 . 'r umbém rrente ü. Lt!i de Molsés (011 Torá) as obriga-
!,;ôes da mulher direl'iam das do varão . Estava sujeita, sim, a
todas as penalidades previstas pelo direito civil e religioso,
Inclusive 8 pena de morte . Mas era dispensada .das peregrlna-
cõcs a Jerusalém l'I0r ocasião das festas de Páscoa, Pentecostes.
Tabcrmiculos, assim como de- certas observâncias litúrgicas
(como a recitação diária do Schema', isto é, de Dt 6,4-9;
11,13-21; Núm 15.31-41, textos que constituiam o cerne da fé
de Israel) , Também nlio estava obrigada ao estudo da Torâ ou
dn Lei de Moisés; as escolas existiam para meninos, não para
meninas; nas sinagogas o salão destinado ao culto abrla-se às
mu:hercs, ao passo que o recinto reservado a palestras e aulas
dos mestres só e l"'8 franqueado aos homens e aos meninos,
Acontecia, porém, Que em famílias de elite SI! ministrava às
meninas algo de cultura profana, como, por exemplo, o estudo
- 347 -
:'11

ela língua grega, l)Ois ,-('sta lhes serviria de Ol'nilr!lt'fllo:t (J , Pea


1115016) .
Nas SiJH.lgOgHs, i.tS mulhcrt~s tinham st...'lI lugul' pl'()PI'io no
sa!itO de culto, delimitado, porém, por g l"ddes e portas, poste-
riOl'mente construiu-se uma tribuna pal'a as mulheres (ou se ja,
o matl'Oneu), dotada de entrada própria. Geralmente a mu-
lher limitava-se a ouvir durante as funções: de culto; todavia
podia acontecer em cpoca tardia Que a chamassem [)ara ler a
Lei . Não se lhe pcormltia ensinar senão aos fUhos e em casa
(cf. 2 Tim 3,14) , À mulher depois do parto não era licito pisar
nem n ndl'O dos gentio::; no Templo pelo espaço de quarenta dias
(cuso a criança fosse menino) ou oitenta dias (caso fosse me-
nin ~). - Via de l'Cgl'ü, a mulher não era admitida como teso
trnlunhR em pl'occs;.os de julgamentos, porque se dizia, n a base
de Gen 18,15 (Sara negou ter rido, quando de fato rira), que
.1 mulher :lo menth-osa ,

Poder-se-ia notar uinda que o nascimento d(! um menino


Cl 'amotivo de acande alegria para um casal, ao passo que a
natividade dc uma menina podia provocar desinteresse ou mes-
mo l'Ivers!io.
Estes tópicos, aos 'lual5 muitos outros se poderiam acres--
<.."Cntal', manifestam bem a posição em que era colocada a mu-
1111!l ' no povo de Jsrncl, anteriol' c contemporâneo a Cristo,
corno, aliás, em tudo () Ol'ientc (não t'3ro até nossos dias) :
subU'oidn à vida soci;l l , sujeita ao pai ou ao marido, privada
dl~ l1[tO pou<.'Qs rtlrcltos religiosos c clv:s, destinada li procriação
c ao:; ~rviços clomésticrn; - tais silo os tl'"ços Que In felizmente
'.:arô.tctcri7,n vam a m\ ll h~'I' outrora ,

2, A rO'/ olu~ão do Evangelho


o Evan,'.!;el ho
wio PÕI' üm plenn Im. ti ,~I~nd<"lll l! ti digni-
tJ~'lh'ria mulher, Que j{. fora formul ada pela pl'lmcim página
da E'blia. na (lUal il mulher, com seu consorte mascuUno , t!
I'pl'escntcrla como inm;:em e sl.'lneJhon';fl de Deus (cf. Gên
1,215) . Só aos poucos ulravés dos séculos esta verdnde nrJorou
plenamente à consC'iéncia dos homens, de modo R ser publica-
mente l'eCOnhccidn .
As páginas do Novo Testamento, pl'inejpa~m(!ntc as dos
E\': ml!('~ho~ e de Silo Paulo. contl'lbuiram grandemente para

- 348-
EVANGELHO E DIGNIDADE DA MULHER 21

despertar a nova visão que o Clistianismo haveria de Implantar


aos poucos na sociedade .
Abaixo limitar-!nos--emos a mencionar alguns .dos tópicos
mais salientes do Evangelho que facam eco ou contraste às
detenninaeôes anteriores, pondo em realce a digniricação da
mulher.
JesúS admitiu em Sua comitiva mulheres; cf. Lc 8,1-3;
Hc 15,-11; Mt 2D,20. Este fato, por si SÓ, já era estranho ou
singular para os antigos, como se deduz de Quanto foi dito atrãs,
Aliás, já o Batista havia pregado às mulheres e as tinha bati-
Uldo; cf. Mt 21,32. I Jesus chegava mesmo a dizer que os pe-
cadores e as meretrizes. tendo aceito a pregação do Batista,
haveriam de preceder no l'.:!ino dos céus os farlseus que não
lhe haviam dado ouvidos:
"Em verdade vos digo : os publicanos e as meretrizes preceder-vos-lo
no reino de OCl,Is. Joio velo atl! vós 8nslnlndo-v~ o c.mlnho da lustlça
a nlo acredllaslo. nele: mas o. publicano. e as meretrizes creram nele.
E v~s, vendo Islo. n!lo vos arrependestos, crendo nele' (M! 21. 318).

Vê-se assim que, na perspectiva do Evangelho, não há


discriminação de sexo ou de categorias sociais, mas Deus trata
a cada um segundO as suas disposições Interiores .

Ao permitir a participação da mulher na obra do Messias,


Jesus exigira de seus Apóstolos a retidão e a pureza de inten-
r âo, ou seja, uma santidade não somente exterior ou legal, mas
também e principalmente interior:

'* "Eu vos dlQo : lod(J aquele que olhar para uma mulher desaJando-a.
çomeleu adultério com ela no IOU coraçlo" IMI 5.28).
Em suma, como Salvador de todos os homens, Jesus não
somente cancelou o estatuto de inferioridade da mulher na so-
ciedade, mas fê-Ia, em alguns casos, herdeira da salvação que
o homem, caso tenha más disposicões de esplrito, não pode
obtcr. Notem-se 05 textos' relativos às meretrizes abertas à
palavra de conversão, assim como o episódio da pecadora lnfa~

'PodWO cUar, como provtv,t exprell'o de uma realldada histórica,


o .egu!nto Inlcho do Evangelho (apócrifo) do. Nazarenos:
"Ela que a mie do Sanhor e OI Irm'ol dele diziam: 'Joio BaUlla
baliza para o perdlo dOI pecadOI: vamos o façamo-nos batizar por elo"
(S . Jer6nlmo, Conlra Pelaglanos 111 2).

- 349-
me, mas arrependida. Que Jesus quis antepor ao Cariseu Simão
clcga!», mas sobcrbo e Indiferente em seu coração:
"Voltendo-se para 11 mulher, Jesus disse a Similo : 'Vês esta mulher?
Enlrel em lUI casa e nlo Me desta "gua para os pés; ela, porém. banhou-M e
os pés com •• SUIS lágrimas 6 enllugou-os com os seus cabelos. Nlo Me
deste um esculo; mn l ia, dnde que e ntrei, n50 deixou de belJar·MI os
pés. Nto Me unglsle • cabeçe com Oleo, e ela ungiu·me 0$ pés com per-
fume . Por Isto dlgo-I. Eu qUI Ihl do perdoados os seus mullos pecados,
pOrqUI mullo amou'" (Lc 7,.4·47).
Lcvc-se em conta muxima a figul'a de Maria Santíssima,
que o Senhor qulo; tornar sua mãe e mãe de toda a humani-
dade, assoclando·a intimamente a toda a obra da Redenção .
Por Maria, a segunda e ·nova Eva, a mu!her atingiu o grau
supremo de sua dignificação na perspectiva blbllco-cristã.
No tocante ao casamento, Jesus também revolveu a praxe
de seu tempo. Não somente exigiu a monogamia, mas também
rejeltou o divórcio, chegando mesmo a observar que a Lei de
Moisés sO o permitira provlsol"lamente, dada a dureza de cora-
ção do homem (cf. Mt 19,8). Esta recusa do divórcio e clara~
mente expressa mesmo no Evangelho- segundo S. Mateus, qUando
Jesus diz que, após a eventual separação de um casal, novas
núpclns dos respectivos cônjuges vêm a ser adultério (Mt 5,32;
19,9; Me 10,115; Lc 16,18). A dureza desta atitude de Cristo
se explica a partir do elevado conceito de matrimônio que o
Senhor Jesus veio apregoar; o casamento cristão estã envolvido
na obra criadora e l'edentcra do próprio Deus .

Ulteriores renex6es scbre a dlgnlficaCão da mulher pelo


Evangelho encontram~se no artigo de PR 155/ 1972, pp .
48Cl-494 (Mulheres e Serviços na Igreja).
A. propósUo rocomflndamos aqui a Iflllurfl de Joachim Jeremias, "Joru·
••Iem zur ZIII JI.U". Oil lllngln 1962', pp. 395-413 (também I xl.le Im Ira-
duçlo frflncHI) .

Prezado 1.ltor. quando .ste latelculo lhe chegar i. mlos,


i' dever' .,Iar no a r•• II, • sua dlsposlçAo, o amIgo Ir. EsIA·
via BeUencourt O.S.B. (C. p. 2888, GB),

- 350 -
o mundo pergunta:

israel, quem és após a vinda de cristo?

Em slnte'lI: A hlslória do povo de Israel após Crislo 6 fol1emenle


acldenlada. Vivendo na dl!epore ou dll pen.o desde 70 d . C.• 011 judeus
nl o " assimilaram ao. povo, com os quais passaram a conviver no Orlante
(BabIlOnta. Arãbla ... 1. nas terras qua cercam o mar medllerr6neo. na Eu'
ropa Cenlral. na Ingla terra. na América ... Conservaram eempre I cons-
cl6ncla de sua Identidade étnica. religIosa, com o vivo anelo de vollar a
Jerusalém. As escola. da rabino, e mestres Isrsalllas .Ir.",* dOI s6culos
multo concorreram par. alimentar tais sentimentos. Os Judeus localizados
na penlnaula Ibérica . nal regl08s medtterrt neas e orle,. .. I, Ngulrlm leu
modo de vlvor próprio dito "ser.radlta", ao p..so que OI judeu. doa palse,
n6rdlCOl adotam 811110 um tanto diverso chamado "achquenaz:lta". E.ta
Plr1lcullrlsmo. mesclado a 'Itores religiosos (mil entendIdos) fez que os
ludeu. s01ressam perngulçees vArias no decorrer dos século•. A Revolu-
çlo Francesa de 1789. com o seu programa de "LIberdade. Igualdade e
Fraternldad.... sugeriu a multoa Judeus tendlnelas reformistas ; nlo poucos
foram propensoa a ablndonar "us partlcularlt mo. para ae Idlntmesr, nO!!
Mua coslumes e Ideal•• com o. cld.dlos de Inglaterra. da Alemanha. da
Fttnça ... : um Judeu ' ó S& distingu iria de um 010 Judeu (quando multo)
pelo .eu culfo religioso. Texlayl. tat IIber.tlsmo nlo pr......eceu pot' com·
pleto e nlre OI judeus. O caso Dreyfuu no Hculo passado provocou a "'a-
çlo Ilonl,I.: Th,odor Hen:1 encabeçou o movimento de volta dOs Judeu.
~ lerra de Isrtal. onde poderiam viver livremente sem ameeçaa de estre-
nhos. - O .'onlsmo llve que enlrent.r oposlço5es tanto dentro do próprio
Judarsmo como por paNe dOI estadlatas Internaclon.ls. Con'udo, apó. In-
tensos esforços, foi g.nhando a .Impatla de personalidades nolóPiu . Pela
Oecllraçlo Ballour em 1917, a Inglaterra reconhecia '0$ judlu, o dlrello
de .e e.t.blttecer M p,tesllna: aUh. a I'I"Ilgraçlo p.r. a anllOa pttrta por
malançl Innlglda I "'i
p.rte de JudeUl rulSOI vlnh .... processando desda o 14<:ulo )(1)(. A grande
mllhOas de judeu. pelo naclonal-socletlsmo de
1933 a 1945 contribuiu pITa praclpHar os acontecimentos. Em 1H7. a ONU
votou favorevelmente • dlv'do da Palestina entre ludeu. e ' rlbM.
Em 1945 o Conselho Nacional Judeu declarou I InlapendOncla do &tldo
de Israel; donde resuUou I guerra contra o. 'r.bea. Terminada a.tl em
mllo de 1948. o descontentamento 101 'ermenlando os Anlmos no Próximo
Oriente de lofte a de.enclde., a Guerra dos Seis Dias em 1087. Falto
o armlsticlo enlre Itr.el e o. pelses ArabU, aguarda-aa um Tratado dI'
Pu ...

• • •
Comentário: A realidade do povo de Israel tem chamado
a aten"ão do mundo Inteiro através dos séculos. notadamente
nos últimos decênios. Os jornais transmitem noticias sobre o
assunto, que supOem a longa evolução da história de Israel.
- 351-
~~ __",PERº-'!!l?]":... [o: _nESPO~I?~ItEMOS ~ 1Y'1/J!7~ _~

nem sempre clara ao grande público. Eis por que, nas pãginas
subseqüentes, será apresentada uma sinte~ da história c dn
situação contcmpol'llnctl dc Isracl - elementos estes aptos a
faciJilar a compreensão da realidade judaica em nossos dias.
Ao propor tal resenha, intcncionamos ser objetivos e apartidá-
rios, referindo os fatos sem formula r julgamentos melindrosos.

Antes de qualquer descrição histótlca, impôe-sc aqui uma


breve exposição de nomenc:alura.

1. Palavras em foco

Examinaremos o sentido dos vocábulos «judeu., yiddtSll


(jüdlscb), hebreu, Israel, Israelense, Palestina, palestino_, a fim
de evitar as ambigüidades que sobre eles possnm pairar.

1) A palavra ju,1cu vem do latim judncus e, em ultima


análise, deriva-se de Judá., nome do Q\larto filho do pntriarca
Jacó .
Um judeu, portento, é um descendente de Judá ou um
habitante da parle da Terra Santa que coube â. tribo de Judá
(cf. Jos 15). Aos poucos, porém, o .....ocó.bulo foi dilatando Q
sua acccpção: visto que a tribo de Judá, por ocasião do Grande
Cisma (932 n. C.) c, mais tarde, após o exiJIo babilônico
(587-538 a. C.), se tornou 8 mais fie) detentora das tradições
do povo de Abraão e l\ioisês, o nome de judeu passou paula-
tinamente a designaI' todos os fi:hos de Abraão. É o que Bcon·
tece até hoje.
2) YlddiSh ou jüdl'ich ê a língua alemã mesclada de termos
heterogêneos tal como se tornou usual entre os judeus rcsi·
dentes na Europa Central desde a Idade Media .

3) Hebrcu e o descendente de Hcbcr, antcpilSsado do pa-


triarca Abraão (cC. Gén 10,21·29). O vocábu!o costuma ser
empregado (Orno equivalente de judeu . POt' vezes designa o
escritor que escreve em lingun hebraica; hâ, sim, escritores
árabes (cristãos c muçulmanos) qlle cscreve:n em hcbrcu .

4) Israel ~ o cognome do desCC'11dcnte de Abrnão que tam-


bem se chamava Jacó; enfati:m 11 bênção que o Senhor quis
outor~31' a esse patriarca e â sua descend~ncia (cf. Gên
32,22-32). Por Isto também é (I apelativo mais freqüente do

- 352-
...I S~~~~L. __ QU.~~~._ t~_ APÓS A VINDA DE CRISTO? 25

poVO oriundo de Abraão . Tal povo também assume freqüente·


mente o designativo de cfilhos de Israel».
5) Quando em 1948 os dirigentes da comunidade judaica
dn Terra San ta tiveram que escolher um nome para o Estado
que devia nascer, várias sugestões Coram·)hes feitas:
Yisrul ou Israel, Yeoudn. (Judã). Tsyone (Slon, nome
de uma colina de Jerusalém e, por extensão, designativo de
toda a Cidade Santa e, mesmo, da terra de Israel), Medianetb
na-jchoudim (Estado dos judeus), Ercts-YJsrael (terra de
IS11lel) .
Prevaleceu a opinião de David Ben.oGourion. O novo Esta-
do seri3 chamado 4:Israeb _ o que insInua, dI! caso pensado.
a Identidade entre o povo d~ Israel esparso pelo mundo inteiro
e o Estado de Israel geograficamente localizado no Próximo
Ol';ente e habitado também por cidadãos não·judeus. l: o mo.
vlmento sionista, de que falaremos adiante, que sustenta e p:re-.
conlza esL'l tese.
A palavrn Israelense (ou isrMllano) designa todos os indi-
viduas que tenham a cidadania do Estado de Israel .
6) Pa.lestina designa a faixa de terra que vai do medi ter·
râneo ao Jordão (também conhecida por terra de Canaã), faixa
esta cujos limites norte-sul e leste· oeste nem sempre foram
bem definidos. Tal nome foi dado a essa região por causa dos
filisteus (Philista.c, em latim), povo do mar egeu, que entrou
em Canaã depois de haver tentado estabelecer ·se ao NE do
delta do Nilo; rechaçados por Ramsés m, encontraram refúgio
em Cnnaã, fundando as cidades de Ascalon, Gaza, Ashod. Gath,
Edron. O nome PhlIistae pode Vir do semita PUtlm, que sJgni·
fi ca rcCUgiMO ,
7) Palestino é o habitante árabe dos territórios ocupados
desde 1948 por Israel na Cisjordilnia, ou seja. à margem direita
do rio Jordão, Que desce do lago de Genesaré para o mar morto
Os habitantes da margem esquerda são tidos jordanlano~ (ou
t1-ansjordanianos) e integram o reino da Jordània .
Os palestinos, nos noticiários atuais, aparecem não raro
como guerri'hciros. Jã que vivem em territórios ocupados por
Israel, dewjnriam resolver a tensão jude<rãrabe de maneira a
nflO ser sacrificados - o Que nüo corrcspondc sempre aos
intcl'esses de Israel nem aos do reino da Jordània .
-353-
~_ • .•. __ « PERGU~E E RFSPONDEREMOSl. 1&1/1973

Nas páginas que se seguem, usaremos a palavra Israel


como apelativo do povo de AbraM, Que é também o povo Israe-
lita ou o povo judeu .

2. Dos origens -da dispersão atê o séc. XI d. C.

1. Ao povo de Abraão o Senhor Deus quis outrora dar


a. terra de Canaã, onde de fato Abraão c seus descendentes
se estabeleceram li partir do séc . XIX B. C. Todavia esse
povo roi parcio)menlc exilado para a Mesopotâmia em 722 a . C .
(queda do reino da Samaria) e em 587 a . C . (queda de Jeru·
salém por obra de Nabucodonosor). Nem lodos os exi lados
regressaram ã terra de seus. pais: csta.bI!lecêram·se aos poucos
no Oriente até a PérslR., no Egito e nas terras do mar medi·
telTãneo. dando origem ao Que se chama fi Diáspora. (palavra
grega) ou Dispersão de Israel.

2. A cUãspora Ilcentuou·se quando em 70 d. C, os 1'0'-


manos destruiram de novo Jerusalém, obrigando os judeus ao
exllio . E _ mais ainda _ ... quando em 135 d. C. o Impe.
rador romano Adriano sufocou a revolta judaica encabeçada
por Simão Bar·Koslba ou Bar·Kohchba (o filho da Estrela),
desterrando os habitantes da Judéia (não, porém, do resto da
terra de Israel) . Sobre as ruJnas de Jerusalém foI construída
a cidade pagã romana de AeUa Capltollna, com seu templo de
Júpiter; nesta nenhum judeu poderia penetrar sob pena de
morte .
Os israelitas haveriam de se dispersar cada vez mais, de
modo que no séc. n d . C . floresciam Importantes comunidades
judaicas do Alto Egito até o Mar Morto, da Espanha li. Pérsia .
Todavia nunca deixaram de habitar parte da terra de Israel.
onde constltulam uma minoria . As comunidades da Diãspora
não perderam sua identidade étnica, aUmentada certamente
por suas concepçOes religiosas: Deus mesmo havia constituido
o povo de Abraão . Essa consciência se vinculava também à.
terra de Israel, tida como terra prometida, de modo que as
dimensões étinlca, religiosa e gcográfico-politica convergiam
entre si na mente do povo de Israel, esparso pelo mundo inteiro.
Este !ator explica que o povo judeu nunca se tenha deixado
asslml.lal' pelas populações com que vivia, mas tenha guardado
seus costumes, seus trajes e suas observâncias, Que o dlfcren~
ciavam 111Udamentc dos demais homens.
- 354-
__ . !~RAEL, . ..9UEM :ts APóS A VINDA DE CRISTO? Z7

3. Não tendo mais o templo de Jerusalém oom seu culto,


os judeus mais e mais foram nutrindo a sua fé pelo estudo da
Tora (ou Lei de Moisés) e dos escritos sagrados, A lei escrita
a ntes de Cl'!slo teve que ser Interpretada e adaptada para poder
orientar os filhos de Israel nas novas circunstâncias em qUe se
desenrolava a sua vida . A isto se prestaram os rabinos ditos
cTannaím. , cujos dizeres e ensinamentos constituem a MlcIlIlA;
L'Sta se encerra aproximadamente em 200 d . C . - A própria
Michná roi objeto de comentários e adaptacões por parte dos
rabinos ditos cAmoralm. , que assim constltulram a Guernará.
terminada em 500 d . C. A Michnã e a Guemará formam o
conjunto chamado Tulmudj razendo eco às tradições blbllcu.
este é a princIpal tonte da jurisprudência, dos rItuais, dos cos-
lumes c da religiosidade de Israel após Cristo .
Duas grandes escolas de rabinos se constltulram após a
queda de JerusaJém no séc . I d . C .: a de Tiberiades na Gali-
léIa, que durou até 400 d . C . , e a da Babilônia, que sobreviveu
até 500 d. C. (a Babilônia, já antes de Cristo, era um centro
Importante de judaisrno). Após o fim desta escola, a liderança
espIritual de Israel toi assumida pelos gaonlm. que na BBbllônla
estipulavam leis e rituais observados pelos judeus de próxImas
e distantes regiões . Em 1033, com a morte de HaI, o úlUmo dos
grandes gaonlm. a supremacia das comunIdades judalcas da
Babilônia chegou ao seu termo . O centro espiritual dos lsrae-
Utas se deslocar:la para o Ocidente_
4 . Não se poderia deixar de mencionar que no séc, VII
(622 d . C.) se deu o surto do islamismo, que, no decorrer de
29 anos (632-661), ocupou a MesopotAmla, a Sirla, a Armênia,
a Pérsia e o Egito . Em 638, o segundo califa dos muçulmanos,
Ornar, entrou em JerusaJém e constnliu no lugar do antigo
templo de Salomão uma grande mesquita . De então por diante,
até a época dos cruzados (séc . XI), os Arabes haveriam de do-
minar a terra de Israel .
5. Apesar de tudo, subsistia nos judeus da Diáspora, des-
de os primeiros séculos da era cristã, o anseio de voltar à Terra
Prometida . A jurisprudência do Talmud, por exemplo, estipu-
lava, entre outras normas, as seguintes:
- uma mulher que recuse voltar com seu marido li terra
de Israel, é tida como repudiada. Ao contrArio, se é ela que
não Quer deixar o solo sagrado para acompanhar o marido ao
estrangeiro, o divórcio é proferIdo em Cavor da esposa i

- 355-
29 ._._--_. " PERCIJN'I'E E nrsrONDEflE/I;10S · 1(11/197:.1

_ a compra de uma casa na terra de Israel pode seI'


concluída apesar de toda proibição de tl'nnsação (:omcrclal,
mesmo em dia de sâbado.
Fa:rendo eco ao Talmud da Babilóniu, Moisl>S Muhnonidcs
(1135-1204) escrevia :
".t proibido emlilrar da terro do Israel o dirigir·se ao os"~ng6Iro. a
menos que alguém o laça a 11m de estudar a TorA, contrair malrlmOnio ou
resgatar aua propriedade; l em demora, porem, tera Que regressar ao pais . ..

It proibido constilui r resldéne[a permanente no exterior, a menos que


haja lomlO no pals. • .. Todavia, ainda QUO nesle caso seja IIcllo, nlo e
con forme ao conceUo de condu la nobre . . . Nossos maiores séblos costu·
mavam beijar as próprias pedras do pais e lolar em seu pD ...
Os rabinos declararam q ue os pecados de quem vive na torra de
Israel lhe serlo perdoados .. . Besta cilmlnhar quetro cOvados sOb,e a
MeStria pal"ll Ul8gur.r-se o vida no al6m. . . ~ sampro prelerivel vlv ar na
terra de Israel em qualquer época, mesmo quo a maioria de seus habltant8s
seja pagA, a viver lora do pais, embora 8 mor parte d os habltólntoQS selam
Judeus. Pois quem vive Iara da leml do Israo l. é cOllslde rado um Id6IQtra"
("leis dos Rola" V 9·12).

2. Israel na Europa medieval e moderna


1. No fim do perlodo dos gaon im (sêc. X/ XI), foram-se
formando novos centros de judah:;mo na EUl"Opa:
- a Espanha , p rincipalmente! l'm Córdoba, Grana{l.a e! Lu·
cena, tornou-se i1 C'xtensão do judaismo da Babilônia;
- n Rcnânia (tcrr"itório alemão), principalmente em
Speyer. Worms e i\{ogúneia. acolheu o judaismo da Pulestina.,
com suas tradições próprias . Da Alemanha este ramo d~ Israel
se propagou para a F rança .
Os judeus medievais itle-ntlficaram a regJao d~ Scfarada,
mencionada pelo pl'O(c ta Abdias (v. 20), com i.l Espanha, c
a terra de Achquenaz (GCn 10,3) com a Alemanha. Donde o
nome de ScrenWltas ou Scfnradins que tocou aos judeus da
Espanha, e o de AchqucnlUitas ou Achquenaws, Que toca aos
da Alemanha . Com o decorrer do tempo, tais nomes !.ordcram
seu significado geogrâflco: a cultura, os costumes e as cele-
brações IIlürgicllS dos judeus espnnhóis foram adotadas pelos
da África Se~~ntrional e do Orie nte, ao palôSO que o modo dt'
vivel' do judaismo alemüo (achqucnnzlta) foi adot ado pelos

-356 -
!.Sl~_~ I:~!~ ._ Q! J!:!~:'. _.I':':S' . II.PÓS . 11. VINDA DI!: CIUS1'O? 29

judeus dos países cristãos da Europa e da América . Essa bifur-


eíl, úo do judaísmo subsiste até hoje, I
2. Os l'ióculo.'l XI/XIIl constituem o período áureo do
judaísmo espanhol, que produzIu obras literárias, artlstlcas,
filosóficas e científicas de renome . Os judeus da Alemanha e
da Franc;a CorAm menos ilustres, embora tenham dado origem
a célebres esludio!::os do Talmud chamados «tosafltas~. Durante
o s6c . XIV, o domínio árabe foi cedendo à conquista cristã na
penJnsu!& ibérica. Em 1391 na Espanha houve, em conseqUên-
ela, forte perscguicno aos judeus; milhares destes adotaram en-
tão o Cristianismo, ao menos em aparêncIa. Em 1492, a vitória
do Fernando de Aragão c Isabel de Castilha em Granada pôs
termo ao domlnlo árabe na peninsula. Os monarcas espanhóis,
desejando unificar as suas terras, decretaram a expulsA0 dos
judeus da Espanha; muitos destes refugIaram-se entio na Áfri-
ca do Norte, na Itália e pl'indpalmente no Império turco ou
otomano.
3. Na Europa Central, jã em 1096, por ocasião da pri-
meim Cl"'Uzsda, os judeus viram-se perseguidos, Em 1290, foram
expulsos da Inglaten-a; em 1348, por eausa de uma epidemia
de peste buoonica, fora m incriminados e d1z1mados; em 1391,
sofreram expulsão da Fl"llnça. Entrementes na Alemanha e na
Itúlia os judeus viviam marginalizados . Foi nessa. époea. da
histôrla que tivel'om origem os chamados cguettos. , ou seja,
os bairros em que os judeus vivinm confinados dentro das cl-
llndcs curop(·ins.

<1 . A sep:tl"Uç,ito C o ódio entre judeus e nijo-judeus ten-


(liam n aumentar por um curioso motivo: nos países ocidentais
da Europa, proibiam-se aos judeus "8 posse de terras e a parti-
cipação nas corporaçÕes de artesãos. Conseqüentemente, só
lhes re!>tnva a prática do comércio, prática esta que veio a
ronslstlr pl'incipalmente no tráfico de dinheiro. Na época me-
rli<,vul, os cristãos nflo emprestavam dinheiro a juros; todavia
numerosos eram nCillc1es que, dC!lde os reis até OS camponeses,

' OI passagem, dlga·s.e: em 1972 OI Ickquenultll conllllullm 8-4 ""


da populaçio Judalcl do mundo. 80 passo que os sllaradllaa rapresentavam
16 % da mesma. Todlvla Iptmas 35'" dos hlbltantes do Estldo de Israel
.rlm 8chquenazllas: a malorln, porlanto, Ira selaradlla. Acontece, porém.
que somente 3'" des lunções governamen'als em Isr8el erem desemp ...
nhadaa por ludeu:; provenientes dos polses Arlbel e 20 % dos dlputados
do Plrlamento (Kenaa.alh) erem se!.f8dU.,. Um s6 Judeu orllnlal, o mlnll-
Iro da Pollcll, rapresenta"'" os sellradltll na c úpu la do GOVérno em 1972.

- 357-
30_ .•.

pl'ecisavam de cln prestimos. Em tais circunstáncias, eram os


judeus que se faziam de credores. emprestando dinheiro a juros.
Este tipo de atividade co)ocava nas mãos dos israelitas 1\ I'i·
qucza mais móvel (o dinheiro), de sorte que, quando eram
expulsos de uma cidade ou de um pais, conseguiam conservaI'
ou transferir o seu ouro (ao passo que seriam totalmente des-
pojados se s6 possulssem campos, rebanhos ou casas). FoL esta
situacõo que provocou a associação de conceitos «judeu . c
«usurário. (não tencionamos julgar o falo) . - Notc-sc ainda
que os devedores ltcralmente não nutrem gr ande simpatia para
com os seus credores . Donde o aumento da animosidade entre
judeus c cristãos no declinio da Idade Média.
5. Na Alemanha, as condições econômicas c políticas
COl'am·se agravando pl'Ogressivamcnte enh-e 1450 (! 1550 - o
que provocou o deslocamento dos jude us para lerritól'!OS esla-
vOS. notadamente pa ra a Polônia . Nessa epoca, o popu lação
judaica da Polônia passou de SO.OOO a 500.000. Os reis do pais
concediam certa auLonomia aos filhos de Israel, Que tinham
e ntão o seu Par!amcnto próprio e se dedicavam com zelo inten-
so ao estudo do Talmud . Esta paz se cansel'voll alé 1648,
quando o general cossaco Bogden Chmienicki se rebelou contm
o monarca polonês c ordenou o morticínio de numerosos judeus,
provocando assim gntnde rulna nas colônias judaicas da Polônia.
O golpe suscitou uma onda emigratórin para o Ocidente, de
modo qUe :se constituiram pequenas comunidades de judeus na
França, na Alemanha, na Holanda c nu Inglate rra . Todavia a
Europa Orienta) continuou sendo o cen tro espiritual do judais-
mo esparso pelo globo ,
6 , Merece a tenção ainda o Clllo ue que, no tk'Cul'so dl~
todas as peripécias por qUe passavam, os j Udcll~ jumals olvida-
vam a terra de ISI'Ucl e nutriam a esperan;.oa de Já vo:lar um
dIa ; as condições de instabiJidadc geogrúfico. c jUl'itlicu. conll'i·
bulam para alimentar as suas uspl rac.:õcs, Pal"eciu-lilcs estar
vivendo as proCeclas I.>iblicas que predizillm a devastaçflo c a
desolação da tel'rtl de Israel (cf. Lcv 26, <1::\-45) . Oruvam, po-
I'ém. para Que lal fuse do. história chegasse quanto antes a .!;eu
lel'mo . POI" ocasião de suas festa s, PO I" (>xcmplo, cos lumn\'~m
dize\' ;
" Fomos exilados de nossa terra e desterr;ldos 00 1'10550 pais por causa
dos I'IOSSOS pecados" .. Pedimos-Te qtJelras, 5enhOf no~so DetJs e Deus
de flOSSOS pais, leI mlseric6rdla conosco .. , Reune os que 8stlo dispersos
enlre 8. naço)es e congrega"nos das qualro panes d a !or r/!. Leva-nos a
5110. lua cidade, com regozijo. e a Jerusalém, lugar do ICu templo, com
elerna alegria".

- 358 -
IS.HA EL" Q~ r.i\L ,. I~ .. AP~_ ~ ._V!.N DA _ I~E... C:.!!~~!~9L_. ~.t

Não comiam uma migalha de pão sem dar graças a Deus


ngradâvel e espnçosa telTa Que deste aos nossos pais
~ pela
como herança:. ,
Cada judeu implorava ao Criador: cRegressa mlsencordJo--
semente à tua cidade Jerusalém e reside nela, e estabelece nela
o trono de Davi e o Templo».
Numa palavra. o lema ~ No próximo ano em Jerusalém!»
durante muitos séculos resumiu Q nostalgia dos judeus dlsper-
$(IS pelo globo .

7 . Tnis -aspiraÇÕes moviam mesmo não poucos judeus a


regressar niio só mentalmente, mas també m geograficamente.
à telT3 de rsra.el .
Em 1517, JCI'usalêrn, que eslava em poder dos mamelucos
(árabes do Egito), caiu em mãos do sultão turco Selim l, que
fez da ten-a de Israel uma parte do Império Otomano por
quatro sCculos, ou seja , até 1917, - Selim estimulou os seus
súditos judeus a estabelecer-se na Palestina; teve assim inicio
o yishuv (colonização) sefaradita do pais. As cidades de Jeru 4

salém, Tiberlades e Hebron- se repovoaram de judeus; em Safed


os místicos da Cabala pu se ram4~ a preparar a vinda do
Messias.
Entl'(~ 16·18 c 1666, um certo Shabeta i Zvi , que se dizia
o Messias, incitou igualmente algumas comunidades judaicas a
regressar à. terra de Israel .
No Slit'Ulo XVIII foi po,u'tc do ramo achquenazitil dos judeus
que voltou ao pais , Tratava4se principalmente dos assldirn,
mís ticos que seguiam o seu chefe Israel Baal Shem Tob (1700-
-1760) .
Assim é que durante os longos séculos de afastamento os
judeus conscrvnrom estrita IIgacão com n Terra Prometida ,

3. O Movimento Reformista
No sêcuJo XIX, a vinculação do povo judaico ao seu pais
de origem foi fortemente ameaçada pela Revolução Francesa
(1789). O programa de cLiberdade, Igualdade e Fraternidade»
dos revolucionários oferecia aos israelitas a perspectiva de se
Quebrarem as distâncias e as barreiras que os separavam dos
- 359 -
~~ __ _ ._ .~ PEng .l!_N~I!~_ ~__ !!E~P~~.I~_,!~..:\1OS~~~._ l~!~l ~7:I
demais homens nos países mesmos e m que se achava m dL'ipcl'-
50S. Moisés Mendelsohn judeu brilha nte, apregoou então a
j

«emancipação judalca. como sendo a instauração da autêntica


j

era messiânica: para consegui-Ia, os judeus deveriam procurar


identificar·se. por todo o seu modo de vIda e por suas aspira-
ções poli tlcas, aos cidadãos da Inglaterra, da França, .da Ale-
manha ... , contribuindo para o bem-estar do povo local, sem
pensar em regressar à Te rra Prometida_ Muitos israelitas dei-
xaram-se empolgar por este programa, perdendo os seus tra-
dicionais traços C3r 3cterlstlcos: o jUdaismo, para eles, esvaziou-
-se de todo o seu conteudo nacional, tornando-sc apenas (quan-
do muito) uma cxprcRS."io religiosa; assim a única linha divisó-
ria entre um judeu da Inglaterra. e seus concidaclflos cristãos
seria (quando muito) a s ua fonna de prestar culto o. Deus .
Adotando tais concepções, muitos judeus galgaram importantes
postos na vida pública, na politica, na jurisprudência , na medi-
cina na literatura. . . do Ocidente .
j

o Movimento RcCOl'misla que assim se originou, apagou


dos livros de ora"ôes de Israel toda alusão ~ Sião C!' fi s ua
resl auracão Napolc.l0 Bonaparte impôs nos judcu~, como con-
dição para votar, n renúncia ao aspecto nacional do judaismo .
Ta mbém as com unidades judaicas da Europa OrIental fo-
ram, de certo modo, Afctndal'O pc'a!l idêin!l l-cfotmiRlal{ <' llhcrni~,
embor a conscrv n!lscm fortemente o culto de !-iua!'> t.rndiçÕC!'l .

Em breve, pot'l}m, os aconteciment.os politieos contribui-


ram para sufocar o liberalismo e a nova filosofia de vida dos
Israelitas .
Com efeito, nn Rússia veriricnram-sc terríveis «pogroms.
ou mortlclnlos em 1881. nos Quais se segUiram as chnmadas
«LeIs de Maia», antissemltas . Em conseqüência, os judeus . com
poucas C!'xceções, foram confinados n cidades c aldeias da Po-
lônia nuc int cgr:wnm o lmpério R usso . Por volta de 1900, cer-
ca de 600.000 judeus I1tSSOS emigraram para os Estados Un idos
da América; outros se r.slabc:lcccram na GI'ã-BretanhA, na
Afl-ic8 do Sul e na Austrállo. . Todavin um punhado de idealistas
decidiu abandonar o ('xílio um:. V C? por todas c estabelecer-se
no. Palestina. Grupo!': de Israelitas provenientes do estrangeiro
iniciaram então na tel'm de Israel a colonização agrícola, lutan-
do com grandes dificuldades materiais: multo lhes valeu nessa
ocasião o auxllio financeiro elo Bnrão Edmundo de Rothschlld,
pai da colonização judaica de Israel.

- 360-
ISRAEL. QUEM r.':S APOS A VINDA DE CRISTO? 33

Pouco depois, apareceria no cenário público o grande plcr


neira do Movimento Sionista, Theodor HerzJ. (1860-1904), que
modificou concretamente a história de Israel.

4. O Sionismo
1. Em breve, os judeus ocidentais perceberam que, apesar
do bem-estar obtido no séc. XIX, a sua situação civil e poli-
tica era Instável: apesar de todos os esforços feitos, os Israe-
litas eram freqüentemente tidos como incapazes de se assimi-
lar aos povos com que conviviam e, conseqüen~mente, como
perigosos para o C!spírito nacionalista que se tornava cada vez
mais forte no mundo.
A ocasiüo concreta desta nova tomada de consciência dos
israelitas foi o famoso caso do major Alfred Dreyfuss: este
capitão do cxêrcito francês, de origem judaica, acusado de
espionagem em favor da Alemanha, Col condenado por alta
traição em 1880 . Tal julgamento foi por muitos ebservadores
tido como injusto. aos judeus parecia que mais uma vitima do
antissemltb;mo era assim imolada.
Em resposta, o jornalista Theodor Herzl, que em Paris
representava o periõdico austriaco «Neue Freie Presse:., tomou
poslo::ão: partidário da emanci paçiio c do liberalização judaIca,
assimilado cle mesmo aos ambientes ocidentais, HerzI resolveu
mudar de atitude e lançar o brado de reação: já lhe parecia
que, enquanto os judeus fossem minorias sujeitas a clrcunstAn-
cias Incontroláveis por eles, a tragédia Dreyfuss se repetiria.
Deveriam, pois, regressar a Israel para fundar um Estado inde-
pendente no seu solo, com n garantia do direito internacional;
assim seriam senhores do seu destino e viveriam livremente
segundo as suas tradições. São estas as Idéias que animaram
o que se chama o Movimento Sionkta OU o SlonÍamo político;
foram expressas no livre _Der Judenstadb (O Estado Judaico)
do estadista, Que, esgoto.de de trabalho, faleceu 80S 44 anos de
Idade em 1904. Em 1897, porém, ao fim do Primeiro Congresso
Sionista em Basiléia, escrevIa Herzl em seu diário:
"Hoje fundei° Estado Judaico. Se eu o dlssesse em voz alia. Iodos
cairiam em gargalhadas. Mü dentro de cinco .nol - ou cerlamente dentro
de clnqüente - vorlo que tenho rnlo".
Na verdade, em 1947 a ONU determinava a repartição da
PaJestlna em favor dos judeus. Antes, porém, desta data,
multas peripécias ocorrerIam no caminhar de Israel.
-361-
34 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 16411 973

2 . Com ereito, .dentro do próprio judaísmo, o Movimento


Sionista havia de encontrar reservas e oposição . O seu pionei-
ro, Theodor Herzl, perdera suas C8r1lcterísticas religiosas e
estava cercado de Intelectuais qUe jã não seguiam as tradiÇÕCS
talmúdicas. Em conscqUência, muitos judeus ortodoxos J'CpU -
dlaram o Movimento he1'2lianO i além de não acreditarem na
poss1bUidade de êxito do Sionismo, julgavam que qualquer cola-
boração ou compromisso com home ns de outra crença. (os Es-
tadistas estrangeiros) seria um pecado Imperdoãvel; piores do
que oS incrédulos, os sionistas pareciam-lhes querCl' dar uma
nova definição do judaísmo, Que fari a de I5mel um Estado
como os outros : islo seria gra,ve heres ia . Frenle a esta posição
extremista contrárin, surgiu a.de rabinos agrupados no Ttllzra.hi,
que procuravam uma solução que impedisse n laicização total
do Sionismo e do futur o Estado de rsrael .

3. Fora do judaísmo, as grandes nações do Inicio do séc .


XX tinham inte resses partic ulares na Palestina, nos quais as
Idéias de Herzl contraditavam (assim a França, a Inglaterra,
a Alemanha, a Rússia ... ) . Na Turquia, o sultão Abdul Hamld
pedia exorbitante Qua ntia de dinheiro para abandonar a juris-
dição sobre a desolada. provincia de seu Império que era a
Palestina . Em vista dwa situacão, foram propostas a Herzl
outras partes do mundo para restaurar o Estndo de Israel:
Chipre, Arich (na península do Sinal), Uganda, Moçamblque,
o Cango Belga . .. Todavia os delegados russos no Congresso
Sionista de 1903 replicaram: . Ou a Palestina ou nada! :.

Entrementes a imigração de judeus para a Palestina ia-se


avolumando cada VC'.l mais; os novos 'h abitantes du terra esta-
vam dispostos a conqulslã.J!n ou dcrendê-Ia com espinga rda na
mão .

5, Últimas etapas e estado atuol

1. A colonização I'um ] da Palestina por parte dos imi~


gl'antes judeus, a Inlens ificação do Sionismo no mundo inteiro,
,",sslm como a participação de soldados iSI'aclitas nos batalhões
aliados da guerra de 1914-18, constitulram, entre outras causas,
ratores importantes pm'u que da Inglaterra se fizesse ouvir uma
voz si mpática ao Sionismo. Era a Declaração de Lôrd ArthUl'
J ames BalloUl', ministro br itânico das Rela~ões Exteriores, QUe.>
nos 2 de novembro de 1917 se dirigia a Lord Walter Rot9child ,
representante dos judcus ingleses, nos seguintes termos:
- 362-
ISRAEL. QUEM ts APÓS A VINDA DE CRISTO? 35

"Prezado l ord Rotschild,


Em nome do governo de S. Majostade. tenho o prl..ler de · dirigir a
V. Elcla. esta Declaraçlo do simpatia Plr. com aa .aplraçOes sionistas,
Dectaraçlo que 101 submaUda ao Gablnele e por este aprovada.
O Governo de Sua Majestade encara favoravelmente o "'abeleclmento,
na ParesUna, de uma mando nacional para o povo judeu. e ampragari
todos os esforçOl par. facilll,r , ra,lIzaeAo dasla obletlvo. Fique, porém,
claro qua nada se 'ar' que poSIa aletar oa dIreitos civis a rallglos," das
eotatlvfdades nlo judaicas 8llslenles na PalesUna. ou o, dlreilos e esta'
lulos pollllcos de que os Judeus gOlam em qualquar oulro pais.
serei gralo a V. Excl• . pela cor1esla de lavar esta Doelaraçlo ao
conhecimenlo da Federoçlo Slonlsla.
la) Arthur James Bailou'"
De modo geral, nas comunidades Israelitas a Declaração
Balfour suscitou profunda alegria. Bem sabiam da ex!stência
de árabes na Palestina, mas pareciam dispostas a sereno enten-
dimento com eles, como di2Ja o sionista Cha.lm Weizmann ao.q
9/XII/1917 em Manchester:
"Quando chegar o dia em que serA precllo com&çar a reconstruç.lo
da Palestina. um da nossos deveres essenciais seri o de chegarmos ao
almejado enlendlmenlo com os nossos vIzInhos: o, Arabes e os armênios.
A Pareatlns tem sullclentemante terra, Aaua e ar para todos nós".
Após a guerra de 1914-18, tendo a Turquia perdido o seu
vasto Império, as nacÕes aliadas confiaram à Grã-Bretanha o
mandato sobre a Palestina, disposição que foi confirmada e
s.nncionada pela Liga das Naçõcs em 1922.
Todavia no periodo de 1920 à segunda guerra mundial
(1939-45), a ação da Inglaterra na Palestina foi fortcmenre
afetada pelas tensões provenientes dos paises árabes. Estes
estavam dispostos a receber os judeus na Palestina como refu-
giados e minoritários, não, porém, como futuros senhores da
terra. Em tals circWlStânclas competia aos ingleses desenvolver
uma politlca prudente sobre um vulcão que poderia facilmente
pl'Orromper em chamas e larvas .
3 . Durante a segunda guerra mundial, sabe-se que
6.000.000 de judeus pereceram sob a perseguiCão nacional-
-socialista; desta escaparam os israelitas da Inglate-rra, os cinco
milhócs de judeus dos Estados Unidos, os do Canadâ, da Amé-
rica Latina, da União Sul-Africana, da Austrã1ia e os dos paises
muometanos.
Apôs a guel'l'a, a reação judaica ao fUl'Or nazista exprimiu-
·sc num recrudascimento das Idéias sionistas. As imigrações
-363-
~. ___ __ ~~I!.CUNTE E H.~PONOER~~QS;> 1~~3,-_ __

para a Palestina, mesmo consideradas i!cga.is pelo governo


britânico, iam·sc intensificando. Os israelitas constituíram na
terra de Israel organizações armadas (Haganã, Irgun Zvai
Lcumi e Lojamei Jerut Israel). dispostas a combater violenta-
mente peJa conquista da Palestina .
Os acontecimentos precjpitaram-sc então .

Aos 18 d~ fevereiro de 1947 a Inglaterra devolveu às Na-


ções Unidas o seu mandato sobre a Palestina. Em 29 de no-
vembro de 1947 a ONU votou eom favor da fumlacáo de um
Estado israeUta em parte do território palestinense. ' Os Esta·
dos árabes resistiram à decisão ... Não obstante, aos 14 de
maio de 1948, o Conselho Nacional judeu proclamou a inde·
pendência do Estado de Israel. O líder David Ben-Gourion (o
Filho do Leão) a i!ustrava nestes termos:
"A terra do Israel 101 o berço do povo Judeu. Foi I' QUe se form ou
a consciência espiritual, rallglosa e nacional desse povo. Foi 16 que ele
realizou a sua Indapedêncla e criou uma cultura de valor naclonel e também
universal. Foi" que ele escrfl'./eu a Sibila e a deu 80 mundo.

Exillldo do solo da Palesllna, o povo judeu lhe ficou nel em todO.! os


pais" em que fI.leve dls per$o, • jamels deixou de lazer yolos e de orar
pelo seu retorno t Palestina e pela restauraçlo da aua liberdade naclonel".

Os pa.ises árabes unidos (Egito, Iraque, Yemen, Arábia


Saudita, Transjordânia e Llbano) atacaram então Israel; mas,
rechaçados, tiveram que concluir armistícios sucessivos, Quan-
do o último destes se concluiu - COm n Slrio. - aos 11 de
maio de 1949, Israel jâ era membro da ONU desde 3 de abril
de 1949 . O Estado de Israel se estendia por 20.700 km' em
vez dos ]4 .200 km 2 previs tos pela ONU .

Todavia nem Israel nem os árabes se davam por satisfeitos


com a nova situação. Em particular, os judeus se I'essentlam
de que a Cidade Velha de Jerusalém, com seus santuários. esti-
vesse em mãos dos árabes. que lhes impediam O acesso aos
lugares santos de interesse israellta .

• o projeto de dlvlsio .trlbula cerca de 5. % da lupertlcle tota l


da Palesllna a um Estado Judeu no qual 03 Israeli tas sorlem maJorltl.rl09 :
"98.000. ao lido de ~.ooo 'rabas. Quanto ao Estada IIraba da Pa lestina,
conlarla 735.000 habllan1es, dos quall 10.000 Judeus. A regllo de Jerusalém
lomsr4e.la um terrlt6rlo sepa rado, 8uJel10 a reglmo Internaclone l e admi-
nistrado pela ONU; teria 205.000 cldadlos, dos quais 100.000 judeus.

- 364-
ISRAEl.., QUEM ES APóS A VINDA DE CRISTO? 37

A fermentação dos ânimos levou finalmente à guerra dos


Seis DIas (5 - 10 de junho de 1967): os judeus chegaram ao
eana' de Suez, ocuparam a Cisjordánia e, ao norte, os montes
de Golan , Jerusalém caiu toda em poder de Israel, de sorte
que os judeus puderam de novo ir chorar (ou rejubUar-se!)
junto do antigo templo de Salomão!

Desde então o mundo aguarda um tratado de paz entre


Israel e os Estados árabes . '. O panorama poUtlco até agora
é assaz complexo e confuso e pouco promissor . Tezn..se a im-
pressão de que. se não for em breve minado por desagregacÕes
Internas, o Estado de Israel dirá a última palavra nesta fase
do conflito do Próximo Oriente ,
Eis o que nos interessava sucintamente recordar nestas
páginas informativas . O leitor, interpela.do pejos fatos concer·
nentes à história de Israel, talvez se sinta incitado a reconhecer
no fenOmeno Israel algo de profundamente singular e IntrIgan-
te" ., algo que, numa visão autêntica de fé. só pode ser ex-
plicado como uma faceta do grande desIgnlo de Deus sobre a
humanidade : amor irreverslvel. sempre presente, ainda que a
criatura o esqueça ou contrarie. 1 Com efeito, se Israel ainda
conserva. sua consct~ncta de povo próprio e Inconfundlvel, li
porque _ diz São Pau10 - os dons de Deus sáo irrevogáveis,
de sorte que o povo escolhido por Deus para preparar a vinda
do Messias Jesus deverá um dia, como povo ou coletividade,
reconhecer este Messias. A história da humanidade não tennl-
nará sem que Israel _ hoje ainda dtstante do Evangelho ou
da salva-;õo que lhe foi prometida por Moisés e pelos protetas
_ t enha anteriormente ocupado o seu lugar honroso no reino
do Cristo .Jesus; cf. Rom 9,25-35,

APENDICE : QUEM E JUDEU?


Um dos problemas que mais pungentemente se colocam no
moderno Estado de Isr ael, é o de saber quem deve ser consi-
derado judeu . SerA necessário abraçar as tradições religiosas
de Israe' para ser tido como judeu? Exigir-se á a fé professada
pelo Gráo-Rabinato de Jerusalém? Será preciso ser descendente
dI! pleno sangue, de famllla israelita? Que julgar dos filhos de
matrimônios mistos (entre judeus e não-judeus)?

, Olga.s.e sem receio d. exagero: , lIomente o ponto de vlala religioso


blbl1eo-crlsllo qU8 podo lançar luz sobre o fenômeno Israsl.

- 365-
38
- -- -. PERGUNTE
- - -- E RESPONDF:REMOS. lr...IIl973
_ . ___ ___ . ___._______ 0_- o

1. A questão se colocou de maneira muito clara em 1962,


por ocasião do caso de Frei Daniel. - Este em 1939, com o
nome de oscar Rufeiser, era. um jovem judeu da Polônia, ani-
mado de idéias sionistas. Entrou na resistência contra a. ocupa-
ção alemã na Polônia. Com o decorrer do tempo, converteu-se
ao catolIcismo e recebeu a ordenação sacerdotal como Rellgfoso
carmcllta . Desejoso de exercer o seu ministério entre os innãos
de sangue, Frei Daniel foi envludo à terra de Israel, onde pediu
os plenos direitos de cidadão israeliano; para tanto, ba!eava-se
na Lei Fundamental de Israel, segundo a qual um judeu que
vá estabelecer-se no Estado de Israel se torna automaticamente
cidadão do pais com plenos direitos, a menos que a isto se
oponha expressamente .

O pedido de Frei Daniel Coi recusado em primeiro instân-


cia. Pelo que o interessado se dirigiu 'à. Suprema Corte do pais,
que assim se viu obrigada a dirimir a questão concern ente ao
significado da palavra judeu na jurisprudência de Israel . O de-
mandante alegava principalmente que o termo Judeu na hora
atual não pode ter conotações religiosas, visto que, dentre os
13 milhões de Israe!ltas do mundo, apenas 2 ou 3 milhões
observam regularmente os preceitos da religião nacional; ele
mesmo, F'rel Daniel, .se sentia etnicamente judeu e não julgava
ter traído O sangue de sua familla pelo fato de haver aderido
ao a:verdadeiro Israel •. Mais: lembrava Frei Daniel que, segun-
do o direito Judaico Jnternaclonal. toda conversão a outra reli-
gião era considerada nula ou não ocorrida, de sorte que. segun-
do a lei dos roblnos (Halakhá), ele permanecia membro da
comunidade religiosa e étnica de Israel .
A resposta dada lIO caso com quase unanimidade pela Corte
Suprema reconhecia Que Frei Danicl permanecera judeu scgun~
do o. Ha.lll.khii. ou lei religiosa dos rnblnos ou do Talmud. mas
asseverava que o Tribunal Supl'Cmo de Israel era uma Inst.ãncla
leiga. Portanto SÓ reconhecia como judeus aqueles que o povo
Israelita tinha como judeus _ Ora o povo não aceitava um 1'C·
negado como judeu. nem o designava como tal . Por conseguin-
te, Frei Daniel não se poderia beneficiar .da lei do retorno e.
cnso Quisesse fazer-se israeUano, s6 lhe restava o recurso à
naturalização!
2 . A este caso sucedeu-se em 1970 o não menos vultoso
episódio Cha~itt. Com efeito, o comandante Binyamine Chalitt,
jovem oficial da marinha iSl'aeliana, pediu que seus dois filhos
- de dois e quatro anos de idade respectivamente - fossem
- 366-
ISRAEL. QUEM ÊS APOS A VINDA
, • ••• _ -_ . _ . _ . .. _ __ _ _ _ _ • _ _ _ _ __ _ DE CRISTO?
__ _ o _ • •• •• _ _ 39
___

civilmente reglstrados como judeus (do ponto.de vista étn1ro). I


A mãe das crianças era escocesa, e não professava a religião
de Israel, mas dava-se por atéia. ,. O oficial do Departamento
de Registros Civis em Israel indeferiu o pedido de Chalitt, se-
guindo as determinações da leI israellana, a qual só reconhecia
(e reconhece) como judeus os filhos de mãe judia (de mãe
judia, porque sempre se pode identificar a mãe de uma criança
recém-nascida, mas nem sempre () paI). - O Comandante,
sentlndo-se lesado, apelou para ti Corte Suprema de Israel, a
qual, aos 23 de janeiro de 1970, estipulou que as crlancas fossem
registradas como sendo de filiacão judia; todavia, acrescentava
a sentença. não poderiam ser considerados judeus para os ~
SURtos sujeitos à jurisdi-ção do Grão-Rablnato. A Corte fundava
seu alvitre sob~ o prIncípio de que o oficial dos Registros Civis
devia limitar-se a consignar as declaracões dos cidadãos sem
as trocar ou pôr em questão, a menos qUe fossem evidentemen-
te falsas ou extravagantes.
Diante dessa decisão da suprema maglstratura J os Partidos
RelJgjosos de Israel se Insurgiram, ameaçando o GQverno de
lhe tirar o seu apoio. Em conseqüênda, a Keneneth (ParIa·
mento), depois de calorosas manifestações contraditórias, resol·
veu em março de 1970 baixar wna lei contrâria l decisão .da
Corte Suprema (não, porém, retroatlva) : para ser cidadão israe-
Uano, ê preciso ter nascido de mãe judia e não professar credo
diverso do judaico (embora o cidadão possa ser religiosamente
indiferente ou ateu) .
3 . Pergunta-se então: seria o Estado de Israel uma teo--
cracia? - Por teocraci& entende-se o regime em que as mes-
mas pessoas e as mesmas Instâncias exercem a autoridade civil
e a religiosa. Ora neste sentido Israel não é teocracia; mas, como
nos demais palses do Próximo Oriente, também em Israel a
Religião e o Estado estão praticamente vinculados entre si no
tocante a vârios assuntos : as questões de identidade civil, ca-
samento, divórcio, repouso semanal. . . ficam sob a Inspiração
dos principios religiosos do país. Embora a Sinagoga e o Esta·
do estejam separados em Israel, aquela exerce forte condiciona-
mento político sobre este. como bem o demonstrou o caso
Challtt . Este suscitou pronunciamentos de judeus do mundo
Inteiro. que tachavam a sentenca da Corte Suprema de ameao;a

• Este tipo dI! reglgtro Implicava que os dell Interessados teriam car-
talra de IdenUdade marcsda paio '.om.
sInal 811e que nAo se d6 nem .os
'raba,. nllm aos drulos nam aos e,trar.gelros re,ldentes em Isr.el.

-367 -
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS) 164.1lm

à pureza da tamllla Israelita e à unidade entre os judeus de


Israel e os do estrangeiro.
Na verdade, o Partido ReUgioso Israeliano mais Corte ocupa
apenas 18 cadeiras dentre as 120 que compõem o Parlamento.
TodavIa a Influência dos cidadãos piedosos é muito mais pode-
rosa do que a desse porccntual de 15 % . Um sentimento reli-
gioso, às vezes atávico, anima OS governantes de Israe!, con-
correndo para deter a onda de laicização do Estado . Em 1970,
a Sra. Goleia Meir mesma declarou que a legislação nâo devia
abrir brechas para casamentos mistos e acrescentou: cEmpea
nhar-se pela sobrevivência do povo de Israel é mais importante
do que a existência do Estado de Israel e .do sionismo. . . No
século XX não abandonaremos nem os chales de· oração nem
as filactérias •.
Os observadores notam que essa tendência religiosa do
atual Estado de Israel represe-nta uma atitude de ânimo bem
diversa .da mentalidade lalcizada dos pais e fundadores desse
Estado. Os jovens pioneiros judeus que, no Inicio do sêc. XX,
Iam ter à. Palestina para lavrar !he a terra, recusavam simul-
taneamente a brutalidade injusta dos czares da Rússia e a
ortodoxia dos rabinos . Theodor Hel'21 queri.a ver, no futuro
Estado de Israel, os teocratas confinados no seu templo e os
soldados nos seus quartels, David Ben-Gourlon, por principio,
recusou casar·se segundo o rito religioso . Registrou-se também
o caso de jovens judeus ateus que, num solene dia do Perdão
(consagrado ao jejum e à oração) após a primeira guerra
mundial, caminharam até o Muro das Lamentações, comendo
sanduiches de presunto e sonhando com um pais aberto, leigo.
socialista, em que a ética dos Profetas andaria de par com um
socialismo baseado na justiça social, na tolerãncia c no amor
no próximo .
4 . Estas notas têm apenas o valor de C1"Onica. Com elas
não tencionamos julgar a ordem de coisas vigente em Israel.
Diríamos, porém, que o fato de que as leis de um Estado se
Inspirem em princípios religiosos é altamente louvável e desejá-
vel; em última análise, Deus é o Autor e Consum ador de toda
o. estrutura moral e jurldica de uma sociedade. Apenas é para
desejar que os principi as religiosos sejam marcados pelo
amor ... , sincero amor a Deus e amor ao próximo, a todo e
quruquer homem (seja judeu, seja grego, seja bârbaro) .
A propósito veja·se o Interessante livro de Mochá Catene: "Qui 8s1
lull ? Le celêbre lugement de la Cour SuprAm. d·lsralW'. Paris 1972.

-368-
Comemorando os 25 Inos do Eslldo da Israel:

jerusalém, a cidade da paz,


e os nossos dias

Em .Int••• : Comemora-sa em 1973 o 259 anlvera4r10 do Eslado de


I.rael _ o qua ausella mels uma val. a questlo das sortes fulurea da Cidade
S.nt. de Jerusalém .
Esla, na V9rded. , e,lt ligada la Ir6s grendes rell,,16es monol.'s'" da
humanidade: o Crl.tlanlamo, o Judalsmo • O Islamismo. Após. oeupsçlo
da Cidade Nova de Jeruaal6m em 1&48 e, meia ainda, ap6s a conquista
da Cidade Antiga em 1967 pelas Iropa da Israel, lem1 8 . pregoado a
Intemaclonallzaçto de Jerusalém ou, 80 menoa, da Cidade Antiga, onde
se achllm os grande. ,anlL/Arlos, multo freqOentados por peregrinos crlsllOl,
ludeul • 'rebe•. Desde 1948 a ONU vem preconizando lal medida de neu-
Iralldad. que aatlstarla a grande parte da humanidade; o Santo Padre
Paulo VI também lem-.. pronunciado repelldamente em laVOf de tal medida.
Todavia nem OI ',abes nem os judeus parecem propensos a atender
a la" apelos_ O Estado d. Is,•• ' anexou a si a Cidade Sanla e considere
Jeruullm corno IUI ClpU11 (embora a grande maioria da. Nlç6es astran-
gel,... "lO a rfl(:onheça como laO; a freq Oantaçlo doe Lugar.. Santos é
l,anqiJlla, mas está suJeUa ês leia a ao controle que 8S autolldades lar ..-
lenses lhe qualram Impor.
aue dizer quanto ao futuro de Jeru.além '?
- I:: mullo provAvel que o Estado de Israel, embora luta contra adver-
.trlo. e;olítemos e dlssanaeel Internas, se fortaleça e conserve duradoura-
menle. Abrandart sua poslçlo e sau conlrole em "'açlo 801 Lugares
Santos? - Hl quem lha IlIça conllança, esper.nde> que ° Governo de
Israel consinta em firmar um EstalUlo de Jerus.lém em acordo com a ONU.
A..lm Isreel ganharl. prestigio e a.ralrla a ai 8 almpalla de grande parta
di oplnlllo pvbllca mundial.
Visto que é utópico pensa' numa Jarusetêm lotalmente crlst. (a Pro-
vldtnell Divina lave oulro deslgolo), é para de ••Jar que o Estatulo de Jerv-
lal6m ae lama realidade em brelle, desvinculando as sortes de Jerusalém
das vicIssitudes polltlcas que allllam os povoe.

• •
Comentário: Periodlcamente a Imprensa transmite noticias
sobre Jerusalém e a propalada lnterna.cionallzação dos Lugares
Santos. Ainda em janeiro pp., por ocasião da visita da Sra.

- 369 -
4.2 (PERGUNTE E RESPONDEREMOS, lG1l1913

Golda Melr, Prlmelro.Ministro de Israel, ao Sumo Pontifice


Pau~o VI (15jl/73) , os jomals reteriam que o S. Padre falou
à. visitante ca respeito dos lugares santos e do caráter sagrado
e universal da cidade de Jerusalém_ (cf. cL'Osservatore Ro-
'1l8nO_ 15/ 16/1/73). Aliás, de há muito se ouve falar de inter.
nacionalização dos Lugares Santos - o que nos dá ensejo agora
de perguntar o que significaria propriamente esta tese e quais
as suas probabilidades de realização concreta. A estes Quesitos
procuraremos dar um prIncipio dê resposta nas pâginas: que se
seguem, abordando os seguintes itens: 1) Um {KlUCO de hls~
ria; 2) Jerusalém, Cidade Santa; 3) Jerusalém, sinal de con F

tradição; 4) Jerusalém amanhã.

1. Um pouco d. história

A cidade de Jerusalém conta seus mi1ênlos de exJstência, pois.


é mencionada em documento hlerogliflco do Egito cerca de
2.000 anos antes de Cristo; e ncontrou·se também uma carta
escrIta em Jerusalém pelo rei Abdl-Heba ao fara6 do Egito
em 1350 a. C .
A BlbUa menciona pela primeira vez Jerusalém, quando
se refere a Melqutsedcque, rêi de Salém, (J,ue foi ao encontro
de Abraão em 1850 a. C. ; cf. Gên 14,18 . Quando os israe-
litas entraram em Canaã no séc . xrn 8. C., Jerusalém, com
o nome de Jebus, estava em mãos dos jebusitas e gozava de
posIção estratégica no alto de montanha. Em conseqüência, s0-
mente por volta do ano 1.000 a . C . , o rei Davi conseguiu
conquistar J erusalém, penetrando nela através do túnel de uma
cisterna (cf . 2 Sam 5, 6·9) . Salomão, filho c sucessor de Davi.
construiu na cidade conquistada o Templo do Senhor, fazendo
da mesma o centro religioso do povo de Israel, que anualmente
peregrinava à Casa santa de Deus (cf. 1 Rs 6, 1 38) . Nose

últimos anos anteriol'CS a Cristo, Herodcs o Grande! (37-4 a.


C.) embelezou grandemente a cidade, Que, aliás, no ::ire. VI
fora destruida pelos babilônios sob Nabucodonosor, e no séc .
V I"econstruida .

Em J el'usal6m o Senhor Jesus Cristo (:onsumou u Lei de


Moisés e cumpriu as expectativas de Israel; ensinou, sofreu,
morreu e ressuscitou na Cidade santa, dando a esta um novo
valor. Jerusalém tornou·se assim a Cidade Santa por excelên·
eia para os cristãos .
- 370 -
INTERNACIONALIZAÇÃO DE JERUSAUM ~

Em 70 d . C., Jerusalém foi mais uma vez destrulda, caindo


sob os golpes dos exércitos de Pompeu, general romano, que
repelia uma insurreição judaica. JA, porém, que os judeus se
haviam de novo rebelado na região, o Imperador romano Adri-
ano os venceu em 135 d. C ., e constnllu sobre as rolnas da
antlga capital judaJca uma nova cidade com o nome de Aella
CapltoUna, de sorte que ai se encontram ainda vestiglos de edi·
ftclos romanos e bizantinos .
Em 638 os maC5metanos tomaram a cidade . Dlzendo-se
fllh(ls de Abraão por via de Ismael e reconhecendo em Jesus
um grande profeta, os árabes respeitaram Jerusa!ém. Sobre
o presumido lugar do Templo de Salomão, os ãrabes construi-
ram a grande mesquita dita de Ornar; não tocaram, porém, no
sItio do caJvirlo e do Santo Sepulcro de Cristo. Os muçulma-
nos ergueram numerosas mesquitas na cidade, fazendo dela
um Objetivo muito caro para suas peregrinações.

Jerusalém esteve quase 500 anos sob o donúnio dos ealifas.


árabes . Em 1099 os cruzados apoderaram-se dela, tornando-a
a capital do reino de Jerusalém . Todavia efêmera fol tal situa-
cão, pois cerca de cem Rnos .depois (1187) os sarracenos expu)-
saram definitivamente os cruzados da Cidade Santa, onde se
estabeleceram at~ que os turcos a tomassem em 1517 .

Em 1860, por iniciativa de Moisés Monteflore. surgiu o


primeiro subúrbio de Jerusalém fora dos muros da cidade anti·
ga; assim nasceu a nova Jerusalém, que se expandju rapida-
mente, ultrapassando em dimensões e população a antiga.

A ocupação turca cedeu, após 400 anos, ao mandato britâ-


nlco . Entrementes o Movimento Sionista ia tomando vulto
crescente, Incitando milhares de judeus a conceberem o ideal
de reconquista da Palestina . Ora os filhos de Israel que se
haviam estabelecido na Terra Santa nos últimos decênios. con-
seguiram finalmente dominar parte do pais em 1948: ficaram
com R cidade nova de Jerusalém, enquanto a Cidade Antiga
pennanecia em poder dos árabes (reino da Jordânia): entre
uma e outra parte da cidade havia uma faixa neutra (no man's
land) . Por último, em 1967 as tropas israelenses ocuparam
também a Cidade Antiga, unificando Jerusalém. Esta hoje
conta cerca de 283.000 habitantes, dos quais '209.000 (quase
todos judeus) moram na cidade nova, e 74.000 na antiga. t:
nesta que estão os principaiS santuários cristãos, com exceção
- 371-
44 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 164/1973

do horto e da montanha das Oliveiras, do Cenáculo, do mos-


teiro da Donnlção (ou da morte de Maria) ...
A situação assim criada suscita questões rellgioS&.St prin-
cipalmente para os cristãos e os muçulmanos, como abaixo ve·
remos .

2. Jerusalém, Cidade Sanla


Jerusalém é o ponto de encontro geográfico das três gran-
des crentas monoteístas do universo: a judaica, a cristã, a islâ-
mica (segundo a ordem cronológica). Nela se acham os san-
tuários, construidos sobre lugares altamente veneráveis, que
são o alvo de grupos de peregrinos, cujo número cresce mais
e mais em nosso século materializado. Jerusalém é, pois, o
sinal de sentimentos e valores espirituais e religiosos de grande
parte .da humanidade, mesmo nos dias atuais .
Em vista destes valores, a Sociedade das Nações, apOs B
guerra mundial de 1914-18, entregou a Pa ~ estina a um man-
dato britânico; c a ONU, que- sucede àquela entidade, julgou
seu dever pronunciar-se sobre n sorte rutura da cidade, apre·
goando a internacionalização .de Jerusalém, a fim de ~ue esta
ficasse ao abrigo de tendências c mnquinaçõcs políticas . A ONU
conce beu dois projetos de .. Estatuto de Jerusalém., respecti-
vamente em 1948 e 1950, em que afirmava repetidamente seu
intuito de « . • . proteger e preservar os Inestimáveis interesses
espirituais e religiosos que têm por sede a Cidade das três
grandes crenças monoteIstas esparsas no mundo Inteiro: Cris-
tianismo. JudaIsmo e Islamismo. Desta (orma a ordem e a paz.
prInclpalmente a paz reUgiosa, reinarão em Jerusalém» .
Exprimindo o mesma intenção, o delegado do Peru, mem-
bro da Comissão da ONU encarregada de estudar a sorte de
Jerusalém, aflnnava:
"A Organluçlo d.. Naç.O.. Unidas goza de elevada autorldada mora.
para abordar a que.tlo de Jerusal'm, pol. a,ta cidade, enQuanto caplta'
religiosa do mundo, congrega (Independentemente das dl .... rg.ncl .. Qogm'-
Ilc.. ou da. rlv,lIdad.. hlaI6r1c..) ,. Im grandes rellgl6e. do mundo:
a crl,tl, a laltmlca a a Judaica. unidas por uma comunhlo de orfgem e
da tradlç08s. e asalm que Jerusalém, além da Importancl. que tem par.
eada uma da. Irls retlgl!l.a, aparece lamb6m como um ,Imbolo da cornlr"
nhlo espiritual do gênero humano".
Nole--se também que um «Memorandum israelense» de
1950 fazia eco a tais declarações nos termos seguintes:.
-372 _
_ _ _ '~1!.NACIONALIZAÇ:.AO DE JERUSALÊM 45

"Jerusalém engloba, de maneira unlc:a no mundo, OI Lugares Sanlos


do IrI. rellglOe5 unl\/8l'ull. Esset untuárlos inspiram uma veneraçlo
mundial quo ultrapula longe o seu quadro geogr6tlco. A protaçlo dos Lu-
g'''' Santos e da liberdade de acesso ao! mesmos, ainda como 8 preser~
vaçlo dos direito, religiosos dOI Internaadot, c:onsttlul um davar sagrado
pIIr8 •coletividade da. naçO.'; • Importante que a responsabilidade das
NaçOe. Unidas a tal propósito seja unlveraal mente reconhecida",

Como se t:Ompreende, oS . Padre Paulo VI mals.de uma


vez se pronunciou sobre a questão . Merecem realce especial os
seus dizeres no Consistório de 26 de junho de 1967. pouco após
a Guerra dos Seis Dias:
''Os dllicsls • complexos problemas territoriais que desde multo aguar·
dom uma soluçlo razoávet e que o conflllo armado acaba da colocar em
trágica luz. devem ser encarados um demora, para o bem da pr6prla
humanidade : li Cidade Santa de Jerusalém deve conllnuar para Il8mpr. a
ser a Cidade da Deus, IIvr. oésls da paz • do oraçlo, lugar de .ncOlltro,
de IIllVlçlO 11 da concórdla para todos".

Como se vê, Jerusalém, por motives histórl~, não diz


respeito apenas a um povo, mas está intimamente ligada às
três crencas religiosas monoteistas da humanidade, que con-
gregam diversos povos; deveria ser a capital do ecumenismo c
do encontro fraterno dos que sincera.mente procuram a Deus .
Na verdade, porem, não é o que se dã . . . - Por quê?

3. Jerusal'm, sinal d. conttodi~ão

1. A CIdade Santa, em vez de ser o local de comunnão


fraterna dos povos, está sendo atualmente reivlnc11cada. por
pretendentes diversos: a Jordã.nia (os llrabes) e Israel (os ~u.
deus), entre os quais a ONU tenciona exercer urna mediação
neutra, ou seja, de indole não nacionalista .
Examinemos sucintamente a atitude de cada qual destes
três blocos:
a) A Jordll.nla ocupava a Cidade Antiga até 1967, em con-
seqüência da antiga penetração á rabe, que teve inicio no séc.
VII com a expansão maometana . O rei Hussein, da. Jordânia.
até junho de 1967 nomeava um Protetor e Guardião dos Luga-
res Santos . A J ordânia declarou mesmo repetidamente que não
renunciou ao plano de regressar a Jerusalém .
b) A ONU julga-se obrigada a Intervir no conflito peJo fato
de que a antiga Sociedade das Nações tomou a si a tutela da

-373 -
46 . PERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 1&1.11973

Palestina quando esta, por assim dizer, foi deserdada em vir-


tude da queda do Império Otomano . A ONU considera-se a
sucessora da Sociedade das Nações c julga ter suas responsa-
bilidades a propósito de Jerusalém - atitude esta que Israel
contesta fortemente .
Em 1947-1950, como dito, a ONU concebeu um plano de
InternacionaUzatio de Jerusalém e seus arredores, plano este
que, como se sabe, não foi executado.
Após a Guerru dos Seis Dias, em sua assembléia plenária
de julho de 1967, a ONU reagiu contra a situaCã.o Que assim
se criara: 99 vozes da assembléia aprovaram o voto do Paquis-
tão. que não reconhecia as medidas tomadas por Israel para
rnodlficar o Estatuto de Jerusalém, ou seja., para anexar a CI-
dade Santa ao novo Estado Israe:ense. Em maio de 1968, o
Conse1ho de Segurança. pediu a Israel não tomasse medidas
que alterassem o Estatuto jurídico da cidade; de novo, em julho
e setembro de 1969, após o clamoroso incêndio da mesquita de
Al-Aqsa na Cidade Velha (incêndio provocado por um aven-
tureiro da Austrália), O' mesmo Conselho solicitou a Israel
idêntica atitude. De então por diante, a ONU não tem mani-
festado a consciência de sua soberania sobre Jerusalém - o
que não quer dizer qUe tenha mudado de parecer_
c) Israel . Quan<Jo, aos 7 de junho de 1967, Israel ocupou
a parte jordaniana da Cidade Santa, o general MoshÓ' Dayan
proclamou diante do Muro das Lamentações: «Estamos em Je-
rusalém para nunca mais a deixar». l: o que se dá até hoje:
após se haver estabelecido primeiramente em Tel·Avlv, o Go-
verno de Israel se transferiu para Jerusalém, apesar dos pro-
testos da ONU (diga-se, aliás, que a grande maioria das Em-
baixadas estrangeiras permaneceu em TeJ-Aviv) . Os novos
ocupantes tratam agora de judalzar ou «rejudaizara (como
dizem os sionistas) a Cidade Velha. Os Lugares Santos são
atualmente regidos por leis Israelenses.
Note-se, porêm, que as d~lo.rações feitas por Israel logo
após 1947 sugeriam outra realidade. Assim, por exemplo, o
eMemorandwn sobre o futuro de JerusaJém" dirigido pelo Sr .
Aban Ebba, representante de Israel na ONU. ao Presidente da
Comissão especial, em 15 de novembro de 1949. insinuava uma
internaclona'ização parcial do território em que se acham os
Lugares Santos. Quanto ao .. Memorandum. israelense de 26
de maio de 1950, propunha uma Internacionalização cfwlcio-
nah. de acordo com· a ONU.
-374 -
INTERNACIONALIZACAO DE JERUSALtM 47

2. Pergunta-se, pois: como explicar a atual atitude de


Israel! 1!: Incompativel com a orientação da ONU, da qual, po.
rém, Israel faz parte? Qual o fundamento dos direitos do novo
Estado?
Certas vozes autorizadas em Israel respBnderam nos se-
guintes termos:

o judaismo nAo é somente um povo qUe tem uma rellgião,


mas é um povo que, por sua rellgião, está vinculado a uma
terra cortereta. a terra .de Israel . Em conseqüência, Jerusalém,
para os judeus, não tem somente um significado rellgloso, mas
mismo, 8.
também um significado nacional; para o Cristianismo e o Is1a-
contrArIo, ela s6 tem valor religioso.
Todavia esta alegação não convence o observador sincero,
pois o Estado de Israel e, em si, um Estado leigo, que atende em
grande parte às exigências do Grã~Rablnato, porque este tem
força politlca. Pode-se dizer - sem medo de errar - qUe O
esplrlto rellgioso está assaz .diluido, se não apagado, na maio-
ria dos membros do Governo de Israel. Não é raro ouvir-se
um judeu dizer que não crê em Deus, mas que faz parte do
povo eleito (eleito ou escolhido por Quem então?).

o fato, porém, é que a posição de Israel em Jerusalém se


firmou pelas annas - o que ainda não basta para fundamen-
tar um autêntico direito.
3. Não há dúvida de Que a situação presente não suscita
momentaneamente graves queixas por parte das cerrentes re-
ligiosas interessadas em J erusalém .
Com efeito, as tropa$ de Israel em junho de 1967 recebe-
ram a ordem de respeitar os Lugares Santos. Desde a.quela
data, o acesso a tais santuários é facultado a todos os crentes.
O Governo israelense não se envolve em questões t'eliglosas
propriamente ditas, mas confiou aos diferentes chefes rellgiosos
8 salvaguarda dos santuArlos da cidade.
Todavia, apesar desta boa vontade de Israel, não deixa de
haver inconvenientes, na sJtuacão presente, para OS interessados
rellglosos - Inconvenientes dos QUais O Governo de Israel não
ê ~mpre responsável. Tais seriam as restrlcâes que se podem
fazer ao estatu quo:t :
- 375-
48 .PERGUNTE E RESPONDEREMOS. 10411973

a) A situação política no Próximo Oriente é instável. Por


certo, o Estado de Israel se julga Corte e duradouro, tendo
obtido duas vitórias retumbantes sobre os árabes; o ano de
1973 é precisamente festejado como o 25' da Independência da
terra de Israel . Todavia esse aniversário c celebrado em clima
de insegurança e ameaças .
b) O Estado de Israel não ê ameaçado somente por seus
inimigos externos, mas luta com correntes e dissensões inter~
nas. A população israelita do pais está matizada em várias
facções, a partir da mais ortodoxa (.do bairro de Mea-Schearim,
em JerusaJém) até a mais liberal e aberta ao diálogo (geral-
mente os grupos jovens). Ora as leis de proteção dos Lugares .
Santos, atualmente em vigor, dependem da presente configura-
ção do Governo de Israel: se esta se transformar por uma rc-
bordosa política, tal legislação poderá ser posta. em xeque.
Qual seria então a sorte dos Lugares Santos se não tives~m
outra garantia que não a presente legislação israelense?
Pergunta-se, pois: nas circunstâncias do momento, seria
possível aventurar uma resposta para a questão sobre a sorte
da Jerusalém de a.manhfi?

4. A Jerusalém de amanhã . . .
Qualquer afirmação categórica neste setor seria temerâ~
ria . Todavia tem-se encarado diversas eventualidades, todas
sujeitas a ser contradltadas pelos acontecimentos. Podemos
comp~ndê-las dentro de três conjeturas principais, que com-
portam, cado. qual, numerosas variantes:
1) O Estado .de Israel se desmantelarã por si ou vira. a
ceder a um governo árabe, ficando então Jerusalém novamente
dividida entre judeus e órabes ou simplesmente entregue ao
domlnio árabe .
Duas possibilidades entAo se aventam: a ONU inte.virla
ou não. No primeiro caso, os Lugares Santos poderão benefl-
cial"se de urno. internacionalização limitada ou mesmo «fun-
cional:. .

2) O . statu qUO:t político não se a lterará. Mas a ONU


consegUirá realizar o .seu projeto de Estatuto de 1950, adap.
tando-o às novns circunstâncias de Jerusalém. Ter~se-á então
-376 -
uma internacionalização lotai ou parcial dos Lugares Santos .
- Diga-se de passagem : se a hipótese anterior (n.- 1) já era
pouco provável, muito menos ainda o é a que acabamos de con-
siderar.
3) Israel manter se-á em Jerusalém, como aMrmam os
israelenses e como crê um número cada vez maior de observa-
dores . Neste caso. duas hipôteses podem ser formuladas: ou
se mantem, sem altera Cão, o estatu quo , religioso vigente em
Jerusalém, ou o Estado de Israel reconsiderará a sua posIção
no tocante aOs Lugares santos.
Esta última possibilidade é aceita por vârios pensadores
cristãos e não cristãos . O Estado de [srael, abandonando as
suas reivindicações legislativas sobre os Lugares Santos. Im-
pressionaria favoravelmente cristãos e muçulmanos, como tam-
bém nãO poucos judeus esparsos pelo globo; o Governo de Israel
precisa da simpatia da opinião pública mundial. Caso tal abran-
damento se dê, Israel proporia talvez um Estatuto de Jerusa·
lém, que equivaleria a uma das posslveis formas de interna-
cionalização funcional, de comum acordo com a ONU. _ SerA
esta realmente a conjetura mais veross'mil, como crêem era ·
nlstas abalizados? - Somente o futuro poderá res;onder b~
perguntas que ora se colocam ,
Resta uma ulterior Questão:

5. Um E1tatufo de Jerusalém : em que termos 1

Um Estatuto de Jerusalém seria uma Constituição própria


para a Cidade de Jerusalém ou, ao menos, para os Lugares
Santos da Cidade AnUga e da Cidade Nova; tal Con!!Jtltuição
seria elaborada por todos os interessados, a começar pelas cor-
rentes religiosas . Levaria em conta o Significado sagrado que
a Cidade tem para milhões e milhões de fiéis e procuraria pre-
servar tal slgniricado, defendendo-o da laicização ou da destrui-
ção. Caso tal Estatuto não se elabore ou não se respeite a
cidade de Jerusalém corre o risco de se tomar uma capital de
Estado como outras, em que se poderão visitar as curiosidades
deixadas pelos antepassados .. . O Estado favoreceria então o
turismo e o comércio, Que sobrepujariam aos poucos os Interes-
ses propriamente religiosos ligados a Jerusalém . Mais ainda:
as tendências a modernizar e urbani2'ar a Cidade Velha. com
suas ruelas estreitas, se\I Grande Bazar, seus monumentos
acumulados uns sobre os outros" " pode clcsfigul"ar por com-
pleto a Cidade Santa e, com ela, uma boa pal'te do pais da
BibUa,

Diga-se também: um Estatuto de Jerusalêm aliviaria o


Estado de Israel da grande responsabilidade que lhc toca na
lutela dos Lugares Santos; haveria c-ntão corrcsponsabilidade
em relação aos tesouros comuns das populações monotelstas do
globo, O Estado de Israel ganharia prestígio por haver, de cer-
to modo, conseguido contentar a tantos milhões de interessados
pela primeIra vez na história mundial.
Tal Estatuto deveria tcr seu valor drans-histórico_ no
sentido de que, frente a qualquer mudança de rumo na política
israelense ou internacional, conservaria incõlume o seu vigor,
sustentado por garantias internacionais . Para os casos de
eventuais problemas ou contutos que surgissem futuramente a
tal respeito, poder-se-Ia admitir uma arbitragem internacional,
de antemão aceita pelos interessados. Como se compreende, o
Estatuto poderia ser retocado num ou noutro ponto que se
tornasse obsoleto, mas não seria essencialmente afetado ou
invalidado.
Quanto aos santuários exclusivamente crlSlãos. como os
de Belém e os da Galiléia (NazO,I'Ó, Cafarnaum, Cesaróia de
Filipe ... ), poderiam tambêm ser objeto de um acol'do entre
o Estado de Israel e as autoridades cristãs interessadas. de
sorte a se garantir ü incolumidade religiosa dos mesmos.
Eis O que, no momento, se poderia dizcl' sobrc a famosQ
questão dos Lugares Santos e sua internacionalização, neste
ano jubilar do Estado de Israel.
Queira Deus ouvir os anseios dos homens de boa vontade
que nesta hora procuram a preservação dos tesouros religiosos
da humanldade~
'" propólltO 'praz-nos cUar o Inleressanle artigo de D. Bernardln
Collln, bIspo de Digne (França). que, com o lIIulo "JertJlalem". 101 publi-
cado em "Eaprlt el \/le", de 25/1/73, PI). 54-57.

Estêvão Bettencourt O . S. B .

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