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3.

Publicado como "Introduction" em A bbot Suger


on the Abbey Church of St.-Denis and /ts Art
Treasures, Princeton, Princeton University Press,
1946, pp. 1-37.
4. Publicado (em colaboraçã0 com F. Saxl) como
"A Late-Antique Religious Symbol in Works by
Holbein and Titian" em Burlington Maggazine,
XLIX, 1926, pp. 177-81. Ver também Hercules
am Scheidewege und andere antike Bildstoffe in
der neueren Kunst (Studien der Bibliothek War­
burg, XVII!), Leipzig e Berlim, B. G. Teubner,
1930, pp. 1-35.
5. Publicado como "Das erste Blatt aus dem 'Libro'
Giorgio Vasaris; eine Studie über der Beurteilung
der Gotik in der italienischen Renaissance mit
einem Exkurs über zwei Fassadenprojekte Dome­
nicc Beccafumis" em Stiidel-lahrbuch, VI, 1930,
pp. 25-72.
6. Publicado como "Dürers Stellung zur Antike" em
lahrbuch für Kunstgeschíchte, I, 1921 /22, pp.
43-92.
7. Publicado como "Et in Arcadia ego: On the Con­
ception of Transience in Poussin and Watteau"
em Phílosophy and History, Essays Presented to
Ernst Cassirer, R. Klibansky & H. J. Paton, eds. ,
Oxford, Clarendon Press, 1936, pp. 223-54. INTRODUÇAO: A HISTORIA DA ARTE COMO
EPíLOGO, publicado como "The History of Art" UMA DISCIPLINA HUMANISTICA
em The Cultural Migration: The European Scholar
in America, W. R. Crawford, ed., Filadélfia, Uni­ I
versity of Pennsylvania Press, 1953, pp. 82-111.
Nove dias antes de sua morte, Emmanuel Kant
recebeu a visita de seu médico. Velho, doente e quase
cego, levantou-se da cadeira e ficou em pé, tremendo
Abreviaturas
de fraqueza e murmurando palavras ininteligíveis. Fi­
B: A. Bartsch, Le Peintre-graveur, Viena, 1803-1821. nalmente, seu fiel acompanhante compreendeu que ele
não se sentaria antes que sua visita o fizesse. Este
L: F. Lippmann, Zeichnungen von Albrecht Dürer in assim fez e só então Kant deixou-se levar para sua
Nachbildungen, Berlim, 1883-1929 (v. VI e VII, cadeira e, depois de recobrar um pouco as forças,
F. Winkler, ed.). disse : "Das Gefühl für Humanitat, hat mich noch
nicht verlassen" - "O senso de humanidade ainda

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não me deixou" 1. Os dois homens comoveram-se até
às lágrimas. Pois, embora a palavra Humanitat apre­ entre humanitas e divinitas. Quando Marsílio Ficino
sentasse, no século XVIII, um significado quase igual define o homem como "uma alma racional, partici­
a polidez ou civilidade, tinha, para Kant, uma signi­ pando do intelecto de Deus, mas operando num cor­
ficação muito mais profunda, que as circunstâncias do po", define-o como o único ser que é ao mesmo tempo
momento serviram para enfatizar: a trágica e orgulhosa autônomo e finito. E o famoso "discurso" de Pico,
consciência no homem de princípios por ele mesmo "Sobre a dignidade do homem", é tudo menos um
aprovados e auto-impostos, contrastando com sua total documento do paganismo. Pico diz que Deus colocou
sujeição à doença, à decadência, e a tudo o que implica o homem no centro do universo para que pudesse ter
o termo "mortalidade". consciência de seu lugar e assim ter liberdade para de­
cidir "aonde ir". Não afirma que o homem é o
Historicamente, a palavra humanitas tem tido dois centro do universo, nem mesmo no sentido comu­
significados claramente distinguíveis, o primeiro oriun­ mente atribuído à frase clássica, "o homem é a medida
do do contraste entre o homem e o que é menos que de todas as coisas".
este; o segundo, entre o homem e o que é mais que
ele. No primeira caso, humanitas significa um valor, .f: dessa concepção ambivalente de humanitas que
no segundo, uma limitação. o humanismo nasceu. Não é tanto um movimento co­
mo uma atitude, que pode ser definida como a con­
O conceito de humanitas como valor foi formu­ vicção .da dignidade do homem, basead~, ao mesmo
lado dentro do círculo que rodeava Cipião, o Moço, tempo, na insistência sobre os valores humanos (ra­
sendo Cícero seu tardio, porém mais explícito, defen­ cionalidade e liberdade) e na aceitação das limitações
sor. Significava a qualidade que distingue o homem, humanas (falibilidade e fragilidade); daí resultam dois
não apenas dos animais, mas também, e tanto mais,
postulados: responsabilidade e tolerância.
daquele que pertence à espécie Homo sem merecer o
nome de Homo humanus; do bárbaro ou do indivíduo Não é de admirar que essa atitude tenha sido
vulgar que não tem pietas e "...,~d" - ou seja, res­ atacada de dois campos opostos, cuja aversão comum
peito pelos valores morais e aquela graciosa mistura aos ideais de responsabilidade e tolerância os alinhou,
de erudição e urbanidade que s6 podemos circunscre­ recentemente, numa frente unida. Entrincheirados
ver com a palavra, já muito desacreditada, "cultura". num desses campos encontram-se aqueles que negam
Na Idade Média este conceito foi substituído pela os valores humanos: os deterministas, quer acreditem
idéia de humanidade como algo oposto à divindade na predestinação divina, física ou social, os partidários
mais do que à animalidade ou barbarismo. As quali­ do autoritarismo e os "inset6Iatras", que pregam a
dades mais comumente associadas a ela eram, portanto, suma importância da colmeia, denomine-se ela grupo,
as da fragilidade e transitoriedade: humanitas fragilis, classe, nação ou raça. No outro campo encontram-se
humanitas caduca. aqueles que negam as limitações humanas; em favor
de uma espécie de libertinismo intelectual ou político,
Assim, a concepção renascentista de humanitas
como os estetas, vitalistas, intuicionistas e veneradores
tinha um aspecto duplo desde o princípio. O novo
de heróis. Do ponto de vista do determinismo, o
interesse no ser humano baseava-se tanto numa reno­
humanista é ou uma alma penada ou um ideólogo.
vação da antítese clássica entre humanitas e barbaritas
Do ponto de vista do autoritarismo, ou é um herético
ou feritas, quanto na aparição da antítese medieval
ou um revolucionário (ou um contra-revolucionário).
1. WASIANSKI. E . A. c . Immanuel Kant in seinen letzten Do ponto de vista da "insetolatria", é um individua­
Lebensjahren (Ueber Immanu.el Kant, 1804, v. III). Reeditado
em lmmanu.el Kant, Sein Leben in Darstellungen von Zeitge­
lista inútil. E, do ponto de vista do libertinismo, um
nossen, Berllm, Deutsche Blbllotek, 1912, p. 298. burguês tímido.

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Erasmo de Roterdã, o humanista par excellence, Isso porque, se era rossível considerar a existência
é um caso típico. A Igreja suspeitava e, em última humana como um meio mais do que um fim, tanto
análise, rejeitava os escritos desse homem que dissera: menos poderiam os registros da atividade humana ser
"Talvez o espírito de Cristo esteja muito mais difun­ considerados como valores em si mesmos 3 .
dido do que pensamos, e haja muitos na comunidade No escolasticismo medieval, não há, portanto,
dos santos que não façam parte de nosso calendário". nenhuma distinção básica entre ciência natural e o que
O aventureiro Ulrich von Hutten desprezava seu ceti­ chamamos de humanidades, studia humaniora, para
cismo irônico e o caráter nada heróico de seu amor citar de novo uma frase erasmiana. O exercício de
pela tranqüilidade. E Lutero, que insistia em afirmar ambas, na medida em que era desenvolvido em geral,
que "nenhum homem tem poder para pensar algo de permaneceu no quadro do que era chamado de filo­
bom ou mau, mas tudo lhe ocorre por absoluta necessi­ sofia. Do prisma humanístico, entretanto, tornou-se
dade", era incensado por uma crença que se manifestou razoável, e até inevitável, distinguir, dentro do campo
na frase famosa: "De que serve o homem como tota­ da criação, entre a esfera da natureza e a esfera da
lidade [isto é, o homem dotado com corpo e alma], cultura, e definir a primeira com referência à última,
i. é, natureza como a totalidade do mundo acessível
se Deus trabalhasse nele como o escultor trabalha a aos sentidos, excetuando-se os registras deixados pelo
argila, e pudesse do mesmo modo trabalhar a pedra?" 2 homem.
O homem é, na verdade, o único animal que deixa
registros atrás de si, pois é o único animal cujos pro­
II dutos "chamam à mente" uma idéia que se distingue
da existência material destes. Outros animais empre­
O humanista, portanto, rejeita a autoridade; mas gam signos e idéiam estruturas, mas usam signos sem
respeita a tradição. Não apenas a respeita, mas a vê "perceber a relação da significação" 4 e idéiam estru­
como algo real e objetivo, que é preciso estudar, e, se turas sem perceber a relação da construção.
necessano, reintegrar: "nos vetera instauramus, nova
3. Alguns historiadores parecem incapazes de reconhecer
non prodimus", com9 diz Erasmo. continuidades e distinções ao mesmo tempo. 1: inegável que o
h umanismo e todo o movimento renascentista n ão surgiram de
A Idade Média aceitou e desenvolveu mais do repente, como Atená d a cabeça de Zeus. Mas, o fato de Lupus
de Ferriêres ter emendado textos clássicos, de Hildebert de
que estudou e restaurou a herança do passado. Copiou Lavardin ter um sentimen to profundo pelas ruinas romanas,
as obras de arte clássicas e usou Aristóteles e Ovídio, dos eruditos ingleses e franceses do século XII terem revivido
a filosofia e mitologia clássicas, e de Marbod de Rennes ter
do mesmo modo que copiou e usou as obras dos con­ escrito um belo poema pastoral sobre sua provincia natal, não
significa ' que sua perspectiva fosse idêntica à de Petrarca, sem
temporâneos. Não fez nenhuma tentativa de interpre­ falarmos de Erasmo ou Ficino. Nenhum homem do medievo
tá-Ias de um ponto de vista arqueológico, filosófico poderia ver a civilização da Antigüidade como um fenômeno
completo em si mesmo e historicamente desligado do mundo
ou "crítico", em suma, de um ponto de vista histórico. de sua época; tanto quanto sei, o latim medieval não possui
equivalente para o termo humanista antiquitas ou sClCrosancta
vetustas. E, assim como era impossivel para a Idade Média
2. Para as citações de Lu tero e Erasmo de Roterdã, ver elaborar um sistema de perspectivas baseado na percepção de
a excelente monografia Humanitas Erasmiana de R. PFEIFFER , uma distân cia f ixa entre o olho e o objeto, t a mbém era impra­
Studien der Bibliotek Warburg, XXII, 1931. 1: significativo que ticável, para essa época, desenvolver uma concepção de disci­
Erasmo e Lutero tenham rejeitado a astronomia judicial ou plinas históricas baseada na percepção de uma dist â ncia fixa
tataUstica por razões totalmente diferentes: Erasmo recusava­ entre o p r esente e o passado ·c lássico. Ver E . PANOFSKY e F.
-se a acreditar que o destino humano dependesse dos movi­ SAXL. Classica l Mythology in Mediaeval Art, em Studi es of the
mentos inalteráveis dos corpos celestes, porque tal crença impor­ Metropo lit an Museum , IV, 2, 1933, p. 228 e ss ., sobretudo a p. 263
taria na negação do livre-arbítrio e responsabilidade humanos; e ss., e, rece n temente, o interessante artigo de W. S. HECKSCHER,
Lutero, porque redundaria numa restrição da onipotência de Relics of Pagan Antiqulty ln Mediaeval Settings, Journal 01
Deus. Lutero, portanto, acreditava na significação dos terata, the Warburg I n stitut e, I, 1937, p . 204 e ss.
tais como bezerros de oito patas etc.. que Deus poderia fazer 4. Ver J. MARITAIN, Slgn and Symbol, Journal of the War­
aparecer a InteI'Valos Irregulares. burg Institute , I, p . 1 e ss.

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Perceber a relação da significação é separar a tentam transformar a caótica variedade dos registros
idéia do conceito a ser expresso dos meios de expres­ humanos no que se poderia chamar de cosmo da
são. E perceber a relação de construção é separar cultura.
a idéia da função a ser cumprida dos meios de cum­ Há, apesar de todas essas diferenças de temas e
pri-Ia. Um cachorro anuncia a aproximação de um procedimento, analogias extraordinárias entre os pro­
estranho por um latido diferente daquele que emite blemas metódicos que o cientista, de um lado, e o
para dar a conhecer que qeseja sair. Mas não utilizará humanista, de outro, precisam enfrentar 5.
este latido particular para veicular a idéia de que um Em ambos os casos, o processo de pesquisa pa­
estranho apareceu durante a ausência do dono da casa. rece começar com a observação. Mas, quer o obser­
E muito menos irá um animal, mesmo se estivesse, do vador de um fenômeno natural, quer o examinador de
ponto de vista físico, apto a tanto, como os macacos um registro não ficam só circunscritos aos limites do
indubitavelmente o estão, tentar alguma vez representar alcance de sua visão e ao material disponível; ao diri­
algo numa pintura. Os castores controem diques. Mas gir a atenção a certos objetos, obedecem, consciente­
são incapazes, ao que sabemos, de separarem as com­ mente ou não, a um princípio de seleção prévia ditado
plicadíssimas ações envolvidas neste trabalho a partir por uma teoria, no caso do cientista, e por um conceito
de um plano premeditado, que poderia ser posto em geral de história, no do humanista. Talvez seja ver­
desenho em vez de materializado em troncos e pedras. dade que "nada está na mente a não ser o que estava
Os signos e estruturas do homem são registros nos sentidos"; mas é pelo menos igualmente verda­
porque, ou antes na medida em que, expressam idéias deiro que muita coisa está nos sentidos sem nunca
separadas dos, no entanto, realizadas pelos, processos de penetrar na mente. Somos afetados principalmente
assinalamento e construção. Estes registros têm por­ por aquilo que permitimos que nos afete; e, assim
tanto a qualidade de emergir da corrente do tempo, e como a ciência natural involuntariamente seleciona
é precisamente neste sentido que são estudados pelo aquilo que chama de fenômeno, as humanidades sele­
humanista. Este é, fundamentalmente, um historiador. cionam, involuntariamente, o que chamam de fatos
Também o cientista trabalha com registros hu­ históricos. Desse modo as humanidades alargaram,
manos, sobretudo com as obras de seus predecessores. gradualmente, seu cosmo cultural, e em certa medida
Mas, ele os trata, não como algo a ser investigado e deslocaram o centro de seus interesses. Mesmo aquele
sim como algo que o ajuda na investigação. Noutras que, instintivamente, simpatiza com a definição sim­
palavras, interessa-se pelos registros, não à medida que plista de humanidades como "latim e grego" e consi­
emergem da corrente do tempo, mas à medida que dera essa definição como essencialmente válida desde
são absorvidos por ela. Se um cientista moderno ler que usemos idéias e expressões como, por exemplo,
Newton ou Leonardo da Vinci no original, ele o faz "idéia" e "expressão" - mesmo tal pessoa precisa
não como cientista, mas como homem interessado na admitir que ela se tornou um pouco estreita demais.
história da ciência e, portanto, na civilização humana Além do mais, o mundo das humanidades é deter­
em geral. Em outros termos, ele o faz como humanista, minado por uma teoria cultural da relatividade, com­
para quem as obras de Newton e Leonardo da Vinci parável à dos físicos; e, visto que o mundo da cultura
possuem um significado autônomo e um valor dura­ é bem menor que o da natureza, a relatividade cultural
douro. Do ponto de vista humanístico, os registros
humanos não envelhecem. 5. Ver E. WIND, Das Experiment und dte Metapnllstk, Tübln­
gen, 1934, e idem, "Some Polnts of Contact between Htstory
and Natural Sclence", Phtlosophll and HtBtOf'Jl, Essalls Presented
Assim, enquanto a ciência tenta transformar a to Ernst CasstTer, Oxford, 1936, p. 255 e ss. (com uma discussão
caótica variedade dos fenômenos naturais no que se multo Instrutiva sobre o relacionamento entre os fenÔmenos ,
os Instrumentos e o observador, de um lado, e os fatos históricos ,
poderia chamar de cosmo da natureza, as humanidades os documentos e o historiador, de outro).

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prevalece no âmbito das dimensões terrestres, e foi ponto, por uma teoria ou por uma concepção histórica
observada muito antes. genérica. Isso é ainda mais evidente dentro do próprio
Todo conceito histórico baseia-se, obviamente, processo, onde cada passo rumo ao sistema que "faça
nas categorias do espaço e tempo. Os registros, e sentido" pressupõe os precedentes e os subseqüentes.
tudo o que implicam, têm que ser localizados e data­ Quando o cientista observa um fenômeno usa
dos. Mas, acontece que esses dois atos são, na reali­ instrumentos que se acham, por seu turno, sujeitos às
dade, dois aspectos de uma e mesma coisa. Se eu leis da natureza que pretende explorar. Quando um
disser que uma pintura data de cerca de 1400, essa humanista examina um registro, usa documentos que
afirmação não teria o mínimo sentido ou importância, são, por sua vez, produzidos no decurso do processo
a menos que pudesse indicar, também, onde foi produ­ que pretende investigar.
zida nessa data; inversamente, se eu atribuir uma pin­
tura à escola florentina, preciso ser capaz de dizer Suponhamos que eu descubra, nos arquivos de
quando foi produzida por essa escola. O cosmo da uma cidadezinha do vale do Reno, um contrato, da­
cultura, como o cosmo da natureza, é uma estrutura tado de 1471, e complementado pelos registros de
espaço-temporal. O ano de 1400 em F lorença é total­ pagamento, segundo os quais o pintor local "Johannes
mente diferente do ano de 1400 em Veneza, para não qui et Frost" recebeu a incumbência de executar, para
falarmos de Augsburgo, Rússia ou Constantinopla. a Igreja de St. James dessa cidade, um retábulo com
Dois fenômenos históricos são simultâneos ou apresen­ a Natividade ao centro, e São Pedro e São Paulo,
tam uma relação temporal entre si, apenas na medida um de cada lado; suponhamos, ainda mais, que eu
em que é possível relacioná-los dentro de um "quadro encontre, na Igreja de St. James, um retábulo corres­
de referência", sem o qual o próprio conceito de si­ pondendo a esse contrato. Este seria o caso em que
multaneidade não teria sentido na história assim como a documentação é tão boa e simples quanto se poderia
na física. Se soubéssemos, por uma certa concate­ querer encontrar, men~or e mais simples do que se
nação de circunstâncias, que uma dada escultura negra precisássemos lidar com uma fonte "indireta", como
foi executada em 1510, não teria sentido dizer que se uma carta, uma descrição numa cronica, biografia,
trata de uma obra "contemporânea" ao teto da Capela diário ou poema. No entanto, ainda assim, muitos
Sistina, de Michelangelo 6. problemas se apresentariam.
Concluindo, a sucessão de passos pelos quais o O documento pode ser um original, uma cópia
material é organizado em cosmo natural ou cultural ou uma falsificação. Se for uma cópia, pode ser de­
é análoga, e o mesmo é verdade com respeito aos feituosa e, mesmo se for um original, é possível que
problemas metodológicos que esse processo implica. O algumas das informações sejam incorretas. O retábulo,
primeiro passo é, como já foi mencionado, a observa­ por sua vez, pode ser aquele aludido no contrato; mas
ção dos fenômenos naturais e o exame dos registros é possível também que o monumento original tenha
humanos. A seguir, cumpre "descodificar" os registros sido destruído durante os distúrbios iconoclásticos de
e interpretá-los, assim como as "mensagens da natu­ 1535 e substituído por outro retábulo pintado com os
reza" recebidas pelo observador. Por fi m, os resul­ mesmos temas, mas executado, por volta de 1550, por
tados precisam ser classificados e coordenados num um pintor de Antuérpia.
sistema coerente que "faça sentido".
Agora já vimos que mesmo a seleção do material Para chegar a um certo grau de certeza, teríamos
para observação e exame é predeterminada, até certo de "conferir" o documento com outros de data e ori­
gem similar, e o retábulo com outras pinturas executa­
6. Ver. e.g.. E. PANOFSKY . Ueber dle Reihen folge der vier das no vale do Reno por volta de 1470. Mas aqui
Meister von Reims (Apên dice) . em J ahrbuch für K unstw issens­
chatt . II. 1927. p. 77 e S5. surgem duas dificuldades.

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Primeiro, "conferir" é, obviamente, impossível em monumentos e documentos individuais; do mesmo
sem sabermos o que "conferir"; cumpriria. escolher modo, a compreensão dos fenômenos naturais e o em­
certos aspectos ou critérios, como certas formas de prego dos instrumentos científicos dependem de uma
escrita, ou alguns termos técnicos usados no contrato, teoria física generalizada e vice-versa. Essa situação,
ou alguma peculiaridade formal ou iconográfica do no entanto, não é, de jeito algum, um beco sem saída.
retábulo. Mas, já que não podemos analisar o que Cada descoberta de um fato histórico desconhecido,
não compreendemos, nosso exame pressupõe descodifi­ e toda nova interpretação de um já conhecido, ou se
cação e interpretação. "encaixará" na concepção geral predominante, enri­
Segundo, o material com o qual aferimos nosso quecendo-a e corroborando-a por esse meio, ou então
problemático caso, não se apresenta, em si, mais au­ acarretará uma sutil ou até fundamental mudança na
tenticado do que o caso em questão. Tomâdo indivi­ concepção geral predominante, lançando assim novas
dualmente, qualquer outro monumento assinado e da­ luzes sobre tudo o que era conhecido antes. Em
tado é tão duvidoso quanto o encomendado a "Johan­ ambos os casos, o "sistema que faz sentido" opera
nes qui et Frost", em 1471. (e. por si mesmo evidente como um organismo coerente, porém elástico, com­
que uma assinatura aposta num quadro pode ser, e parável a um animal vivo quando contraposto a seus
muitas vezes é, tão discutível quanto um documento membros individuais; e o que é verdade nas relações
a ele relacionado.) Apenas com base em todo um entre monumentos, documentos e um conceito histó­
grupo ou classe de dados é que podemos decidir se rico geral nas humanidades, é igualmente verdadeiro
nosso retábulo foi, do ponto de vista estilístico e ico­ nas relações entre fenômenos, instrumentos e teoria
nográfico, "possível", no vale do Reno, por volta de nas ciências naturais.
1470. Mas, a classificação pressupõe, é óbvio, a idéia
de um todo ao qual as classes pertencem, - em outras
palavras, a concepção histórica geral que tentamos edi­ III
ficar a partir dos nossos casos individuais.
Referi-me ao retábulo de 1471 como "monumen­
De qualquer lado que se olhe, o começo de nossa
to", e ao contrato como "documento"; ou seja, conside­
investigação parece sempre pressupor seu fim, e os
rei o retábulo como o objeto da investigação ou
documentos que deveriam explicar os monumentos são
"material primário", e o contrato como um instrumento
tão enigmáticos quanto os próprios monumentos. e.
de investigação ou "material secundário". Assim pro­
bem possível que um termo técnico do nosso contrato
cedendo, falei como um historiador de arte. Para um
seja um ~&;a~ À.-yÓ/iHOV tão-somente explicável por
paleógrafo ou um historiador das leis, o contrato seria
este determinado retábulo; e o que um artista diz a
o "monumento", ou "material primário", e ambos po­
respeito de suas obras deve sempre ser interpretado à
deriam usar quadros para documentação.
luz das próprias obras. Estamos, aparentemente, num
círculo vicioso. Na realidade, é o que os filósofos A menos que um estudioso se interesse exclusiva­
chamam de "situação orgânica" 7 . Duas pernas sem mente pelo que é chamado de "eventos" (nesse caso
um corpo não podem andar, e um corpo sem as pernas consideraria todos os registros existentes como "mate­
tampouco; porém, um homem anda. e. verdade que rial secundário", por meio do qual poderia reconstruir
os monumentos e documentos individuais só podem os "eventos"), os "monumentos" de uns são os "do­
ser examinados, interpretados e classificados à luz de cumentos" de outros, e vice-versa. No trabalho prá­
um conceito histórico geral, ao mesmo tempo que só tico, somos mesmo compelidos a anexar "monumen­
se pode erigir esse conceito histórico geral com base tos" que, de direito, pertencem a nossos colegas.
Muitas obras de arte têm sido interpretadas por filó­
7. Devo esse tenno ao Professor T. M. Greene. logos ou por historiadores de medicina; e muitos textos

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têm sido interpretados, e só o poderiam ser, por his­ simples e totalmente ao objeto de sua percepção po­
toriadores de arte. derá experimentá-lo esteticamente 9 .
Um historiador de arte, portanto, é um humanista Ora, quando nos defrontamos com um objeto
cujo "material primário" consiste nos registros que nos natural, a decisão de experimentá-lo ou não estetica­
chegaram sob a forma de obras de arte. Mas, o que m.ente é questão exclusivamente pessoal. Um objeto
é uma obra de arte? feIto pelo homem, entretanto, exige ou não para
ser experimentado desse modo, pois tem o que os
Nem sempre a obra de arte é criada com o pro­
estudiosos chamam de "intenção". Se eu decidisse,
pósito exclusivo de ser apreciada, ou, para usar uma
como bem poderia fazer, experimentar esteticamente a
expressão mais acadêmica, de ser experimentada este­
ticamente. A afirmação de Poussin de que "la fin luz vermelha de um semáforo em vez de associá-la à
de l'art est la délectation" era inteiramente revolucio­ idéia de pisar nos freios, agiria contra a "intenção" da
nária 8 na época, pois escritores mais antigos sempre luz de tráfego.
insistiam em que a arte, por mais agradável que fosse, Os objetos feitos pelo homem, que não exigem
também era, de algum modo, útil. Mas a obra de arte a experiência estética, são comumente chamados de
tem sempre significação estética (não confundir com "práticos" e podem dividir-se em duas categorias : veí­
valor estético): quer sirva ou não a um fim prático culos de comunicação e ferramentas ou aparelhos. O
e quer seja boa ou má, o tipo de experiência que ela veículo ou meio de comunicação obedece ao "intuito"
requer é sempre estético. de transmitir um conceito. A ferramenta ou aparelho
obedece ao "intuito" de preencher uma função (função
Pode-se experimentar esteticamente todo objeto,
essa que, por sua vez, pode ser a de produzir e trans­
seja ele natural ou feito pelo homem. f: o que faze­ mitir comunicações, como é o caso da máquina de
mos, para expressar isso da maneira mais simples, escrever ou da luz do semáforo acima mencionada) .
quando apenas o olhamos (ou o escutamos) sem rela­
cioná-lo, intelectual ou emocionalmente, com nada fora A maioria dos objetos que exigem experiência
do objeto mesmo. Quando um homem observa uma estética, ou seja, obras de arte, também pertencem a
árvore do ponto de vista de um carpinteiro, ele a essas duas categorias. Um poema ou uma pintura his­
associará aos vários empregos que poderá dar à ma­ tórica são, em certo sentido, veículos de comunicação;
deira; quando a olha como um ornitólogo, há de asso­ o Panteão e os castiçais de Milão são, em certo sentidoo
ciá-la com as aves que aí poderão fazer seu ninho. aparelhos; e os túmulos de Lorenzo e Giuliano de
Quando um homem, numa corrida de cavalos, acom­ Mediei, esculpidos por Michelangelo são, em certo
panha com o olhar a montaria na qual apostou, asso­ sentido, ambas as coisas. Mas tenho que dizer "num
ciará o desempenho desta com seu próprio desejo de certo sentido", pois há essa diferença: no caso do
que ela vença o páreo. Só aquele que se abandona que se pode chamar de "um mero veículo de comuni­
cação" ou "um mero aparelho", a intenção acha-se
8. A. BLuNT, Poussin's Notes on Painting, Journa t of the definitivamente fixada na idéia da obra, ou seja, na
WaTbuTg Institute, I, 1937, p. 344 eSS., diz (p. 349) que a afirma­ mensagem a ser transmitida, ou na função a ser preen­
ção de Poussin "La fin de l 'art est la délectation" era, de certo
modo, "medieval", pois "a teorta da delectatio como slmbolo chida. No caso de uma obra de arte, o interesse na
ou sinal pelo qual a beleza é reconhecida é a chave de toda a
estética de São Boaventura, e é b em posslvel que Poussin
tenha tirado dai, provavelmente através de uma versão popula­ . 9. Ver M. GEIGER, B eltrlige zur Phlinomenologle des aesthe­
rizada, sua defin ição". En tretanto, mesmo se o teor da frase tlschen Genusses, em Ja h1'buc h ! Ü1' Philosophie, I, Parte 2, 1922,
de Poussin (oi influenciado por uma fonte medieval, há uma p. 567 e ss. Também, E. WIND, Aesthetische1' und kunstwissens­
grande diferença entre a afirmação de que delectatio é u ma chaftliche1' Gegenstand, Dlss. phil. Hamburgo, 1923, reeditado,
qualidade caTacteristica de tudo o que é belo, quer seja natural em parte, como Zur System atik der kunstlerischen Probleme
ou feito pelo hom em, e a assertiva de que d electato é o fim Zeit5ch1'ift fü1' Aesthetik und allgemeine Kunstwissenschaft'
(meta) (fin) da arte. XVIII, 1925, p . 438 e 55 . '

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~déia é equilibrado e pode até ser eclipsado por um dessas "intenções" é, inevitavelmente, influenciada por
mteresse na forma. nossa própria atitude, que, por sua vez, depende de
Entretanto, o elemento "forma" está presente em nossas experiências individuais, bem como de nossa
todo objeto sem exceção, pois todo objeto consiste de situação histórica. Vimos todos, com nossos próprios
matéria e forma; e não há maneira de se determinar olhos, os utensílios e fetiches das tribos africanas serem
com precisão científica, em que medida, num caso transferidos dos museus de etnologia para as exposi­
dado, esse elemento da forma é o que recebe a ênfase. ções de arte,
Portanto, não se pode e não se deve tentar definir o Uma coisa, entretanto, é certa: quanto mais a
momento preciso em que o veículo de comunicação ou proporção de ênfase na "idéia" e "forma" se aproxima
aparelho começa a ser obra de arte. Se escrevo a um de um estado de equilíbrio, mais eloqüentemente a
amigo, convidando-Q para jantar, minha carta é, em obra revelará o que se chama "conteúdo". Conteúdo,
primeiro lugar, uma comunicação. Porém, quanto em oposição a tema, pode ser descrito nas palavras de
mais eu deslocar a ênfase para a forma do meu escrito, Peirce como aquilo que a obra denuncia, mas não
tanto mais ele se tornará uma obra de caligrafia; e ostenta. g a atitude básica de uma nação, período,
quanto mais eu enfatizar a forma de minha linguagem classe, crença filosófica ou religiosa - tudo isso
(poderia até chegar a convidá-lo por meio de um qualificado, inconscientemente, por uma personalidade
soneto), mais a carta se converterá em uma obra de e condensado numa obra. g óbvio que essa revelação
literatura ou poesia. involuntária será empanada na medida em que um
Assim, a esfera em que o campo dos objetos desses dois elementos, idéia ou forma, for volunta­
práticos termina e o da arte começa, depende da riamente enfatizado ou suprimido. A máquina de
"intenção" de seus criadores. Essa "intenção" não fiar talvez seja a mais impressionante manifestação
pode ser absolutamente determinada. Em primeiro de uma idéia funcional, e uma pintura "abstrata" talvez
lugar, é impossível definir as "intenções", per se, com seja a mais expressiva manifestação de forma pura,
precisão científica. Em segundo, as "intenções" da­ mas ambas têm um mínimo de conteúdo.
queles que produzem os objetos são condicionadas
pelos padrões da época e meio ambiente em que vivem.
O gosto clássico exigia que cartas particulares, dis­ IV
cursos legais e escudos de heróis fossem "artísticos"
(resultando, possivelmente, no que se poderia deno­ Ao definir uma obra de arte como "um objeto
minar falsa beleza), enquanto que o gosto moderno feito pelo homem que pede para ser experimentado
exige que a arquitetura e os cinzeiros sejam "funcionais" nardo da Vinci; ver J. P. RIClITZR, The Litna'1l Work8 01
Leonardo da Vinci, Londres, 1883, n . 1445), caracterizam-se pela
(resultando, possivelmente, no que poderia ser cha­ tendência para estender a atitude estética a criações que são
mado de falsa eficiência) 10. Enfim, nossa avaliação "naturalmente" práticas; nós estendemos a atitude técnica is
criações que são "naturalmente" artisticas. Isso, também, é uma
Infração, e no caso do "aerodinâmico", a arte teve sua des­
10. "Funcionalismo" significa, num sentido estrito, não a forra. "Aerodinâmica" era, originalmente, um genulno principio
Introdução de um novo principio estético mas uma delimitação funcional, baseado nos resultados clentiflcos de pesquiSas sobre
ainda maior do campo da estética. Ao preferlnnos o moderno a resistência do ar. Seu campo legitimo era, portanto, a área
~apacete ,~e aço ao. escudD .de Aquilt;s, ou achannos que a dos velculos de alta velocidade e das estruturas expostas a
Intenção de um dISCUrso legal deverIa estar definitivamente pressões de vento de extraordinária intensidade. Mas, quando
e~ocadQ no .t ema e não deveria ser deslocado para a fonna esse dispositivo especial e verdadeiramente técnico passou a ser
( maIs matéria e menos arte", como diz corretamente a Rainha Interpretado como um principio geral e estético, expressando o
Gertrudes). exigimos apenas que armas e discursos legais não Ideal de "eficiência" do século XX ("aerodlnamlze-se!"), e foi
sejam tratados como obras de arte, quer dizer, esteticamente, aplicado a poltronas e coquetelelras, sentiu-se que o aerodlna­
mas como objetos práticos, Lé., tecnicamente. Entretanto, pas­ mismo cientifico original precisava ser "embelezado"; e foi,
sou-se a conceber o "funcionalismo" como um postulado em finalmente, retransferldo para seu devido lugar numa forma
lugar de um Interdito. As civilizações clássica e renascentista totalmente não-funcionaI. Como resultado, hoje temos menos
na crença de Que uma coisa meramente útil não podia se~ casas e moblllas "funclonalizadas" por engenheiros que carros
"bela" ("non pui) essere bellezza e utlllU", como declara Leo­ e trens "desfunclonallzados" por projettstas.

32 33
esteticamente" encontramos, pela primeira vez, a dife­
\
tica intuitiva, incluindo a percepção e a apreciação da
rença básica entre humanidades e ciências naturais. O "qualidade", do mesmo modo que uma pessoa "co­
cientista, trabalhando como o faz com fenômenos na­ mum" o faz, quando ele ou ela vê um quadro ou
turais, pode analisá-los de pronto. escuta uma sinfonia.
O humanista, trabalhando, como o faz, com as Como, porém, é possível, erigir a história da arte
ações e criações humanas, tem que se empenhar em numa disciplina de estudo respeitada, se seus próprios
um processo mental de caráter sintético e subjetivo: objetos nascem de um processo irracional e subjetivo?
precisa refazer as ações e recriar as criações mental­
mente. De fato, é por esse processo que os objetos Não se pode responder à pergunta, é claro, tendo
reais das humanidades nascem. Pois é óbvio que os em vista os métodos científicos que têm sido, ou podem
historiadores de filosofia ou escultura se preocupam ser introduzidos na história da arte. Artifícios como
com livros e estátuas, não na medida em que estes análise química dos materiais, raios X , raios ultraviole­
existem materialmente, e sim, na medida em que esses ta, raios infravermelhos e macrofotografia são muito
têm um significado. E é não menos óbvio que este úteis, mas seu emprego nada tem a ver com o problema
significado só é apreensível pela reprodução, e portanto, metodológico básico, Uma afirmação segundo a qual
no sentido quase literal, pela "realização" dos pensa­ os pigmentos usados numa miniatura pretensamente
mentos expressos nos livros e das concepções artísticas medieval não foram inventados antes do século XIX,
que se manifestam nas estátuas. pode resolver uma questão de história da arte, mas não
Assim, o historiador de arte submete seu "mate­ é uma afirmação de história da arte. Baseada, como
rial" a uma análise arqueológica racional, por vezes é, na análise química e também na história da química,
tão meticulosamente exata, extensa e intricada quanto diz respeito à miniatura não qua obra de arte, mas qua
uma pesquisa de física ou astronomia. Mas ele cons­ objeto físico, e pode, do mesmo modo, referir-se a
titui seu "material" por meio de uma recriação 11 esté­ um testamento forjado. O uSQ de raios X e macrofo­
11. Todavia, quando falamos d e "recriação" é importante tografias, por outro lado, não difere, sob o aspecto
enfatizar o prefixo "re". As obr as de arte são. ao m esmo tempo, metódico, do uso de óculos ou de lentes de aumento.
manifestações de "in t enções" a rtísticas e objetos nat u rais, às
vezes diflceis de isolar de seu ambiente f lsico e sem pre suje itas Esses artifícios permitem ao historiador de arte ver
ao processo fisico do envelh ecimento. Assim ao ex perim en tar mais do que poderia fazê-lo sem eles, porém, aquilo
uma obra de arte esteticamente perpetramos dois a tos total­
mente diversos que, entretanto, se f undem psicologicam ente u m que vê precisa ser interpretado "estilisticamente" como
com o outro numa única Erlebnis : construlmos n osso objeto esté ­
tico recriando a obra de arte de acordo com a "intenção" de seu aquilo que percebe a olho nu.
autor e cr iando , livremente, u m conjun t o d e valores estéticos
comparáveis aos que atribuimos a uma árvore ou a u m põr­ A verdadeira resposta está no fato de a recriação
do-sol. Quando nos abandonam os à impressão das descoradas
esculturas de Chartres. não podem os deixar de apreciar sua estética intuitiva e a pesquisa arqueológica serem inter­
bela maturidade e pátlna como valoc estético ; mas, esse valor ligadas de modo a formar o que já chamamos antes
que implica, t anto o prazer sensual causado por u m jogo peculiar
de luzes e cores, com o o deleite mais senti mental, devido à de "situação orgânica". Não é verdade que o historiador
"Idade" e "au tenticid ade", n ada tem a ver "Com o valor ob jetivo
ou artlstico com que os autores In vestira m as esculturas . Do de arte primeiro constitua seu objeto por meio de uma
ponto de vista do entalhador de pedra gótico, o p rocesso de síntese recriativa, para sÓ depois começar a investigação
envelhecimento não era SÓ Irrelevante com o positivam e nte inde­
sejável : tentou proteger suas estátuas com uma demão de cor arqueológica - como se primeiro comprasse o bilhete
que, se conservada em seu frescor origin al, p r ov avelmen te estr a­ para depois entrar no trem. Na realidade, os dois
garia boa parte de nosso prazer estético. Justifica -se in teira­
mente que o h istoriador de art e, como p essoa particular, n ão processos não sucedem um ao outro, mas se interpe­
destrua a unidade psicológica do Alters-und-Echthetts-Erlebnis
e Kunst -Erlebnis. Mas, como "profi ssional" , tem q u e separar, netram: a síntese recriativa serve de base para a inves­
tanto quanto possível, a experiê n cia recrlativa d os valores inten­ tigação arqueológica, e esta, por sua vez, serve de
cionais dados à estátua pelo artista da experiência criativa dos
valores acidentais dados a um pedaço de pedra antiga pela ação base para o processo recriativo; ambas se qualificam
da natureza. Muitas vezes, essa separação não é tão fácil quanto
se supõe. e se retificam mutuamente.

34 35
Quem quer que se defronte com uma obra de determinar seu lugar histórico e separar a contribuição
arte, seja recriando-a esteticamente, seja investigando-a individual de seu autor da contribuição de seus ante­
racionalmente, é afetada por seus três componentes : passados e contemporâneos. Estudará os princípios
forma materializada, idéia (ou seja, tema, nas artes formais que controlam a representação do mundo vi­
plásticas) e conteúdo. A teoria pseudo-impressionista sível ou, em arquitetura, o manejo do que se pode
segundo a qual "forma e cor nos falam de forma e cor, chamar de características estruturais, e assim construir
e isso é tudo" é, simplesmente, incorreta. Na expe­ a história dos "motivos". Observará a interligação
riência estética realiza-se a unidade desses três ele­ entre as influências das fontes literárias e os efeitos
mentos, e todos três entram no que chamamos de gozo de dependência mútua das tradições representacionais,
estético da arte.
a fim de estabelecer a história das fórmulas iconográ­
A experiência recriativa de uma obra de arte de­ ficas ou "tipos". E fará o máximo possível para se
pende, portanto, não apenas da sensibilidade natural familiarizar com as atitudes religiosas, sociais e filo­
e do preparo visual do espectador, mas também de sóficas de outras épocas e países, de modo a corrigir
sua bagagem cultural. Não há espectador totalmente sua própria apreciação subjetiva do conteúdo 12. Mas,
"ingênuo". O observador "ingênuo" da Idade Média ao fazer tudo isso, sua percepção estética como tal,
tinha muito que aprender e algo a esquecer, até que mudará nessa conformidade e, cada vez mais, se adap­
pudesse apreciar a estatuária e arquitetura clássicas, e tará à "intenção" original das obras. Assim, o que o
o observador "ingênuo" do período pós-renascentista historiador de arte faz, em oposição ao apreciador de
tinha muito a esquecer e algo a aprender até que arte "ingênuo", não é erigir uma superestrutura racio­
pudesse apreciar a arte medieval, para não falarmos nal em bases irracionais, mas desenvolver suas expe­
da primitiva. Assim, o observador "ingênuo" não goza riências recriativas, de forma a afeiçoá-las ao resultado
apenas, mas também, inconscientemente, avalia e inter­ de sua pesquisa arqueológica, ao mesmo tempo que
preta a obra de arte; e ninguém pode culpá-lo se o afere continuamente os resultados de sua pesquisa
faz sem se importar em saber se sua apreciação ou arqueológica com a evidência de suas experiências re­
interpretação estão certas ou erradas, e sem compreen­ criativas 13.
der que sua própria bagagem cultural contribui, na
verdade, para o objeto de sua experiência. 12. Para os termos técnicos usados neste parágrafo. ver
"The Introduction to E . Panofsky", Studies in Iconolo!1ll, reedi­
O observador "ingênuo" difere do historiador de tado aqui nas pp. 45-85.
arte, pois o último está cônscio da situação. Sabe que 13. O mesmo é válido, por certo, para a h : 5tória da lite­
ratura e outras formas de expressão artlstlca. Segundo Dionysius
sua bagagem cultural, tal como é, não harmonizaria Thrax ( ATs G Tamma tica, ed. Uhlig, XXX. 1883. p . 5 e 55 . ; citado
com a de outras pessoas de outros países e de outros em GILBERT MURRAY, Religio GTammatici, Tlte Religion ot a ' Man
of LetteTs, Boston e Nova York, 1918, p . 15)., ~ pallf1aTIK~ .(hlstó­
períodos. Tenta, portanto, ajustar-se, instruindo-se o ria da literatura. como dirlamos) é uma t~TT( ! pla (conheCImento
baseado na experiência) daquilo que foi dito pelos poetas e
máximo possível sobre as circunstâncias em que os escritores de prosa. Ele a divide em seis partes, sendo posslvel
objetos de seus estudos foram criados. Não apenas encontrar pa ra cada uma delas um paralelo na história da arte :
1) ÓváyV(,)CTl Ç lVTP I 6~ ç KaTcr rr poO"c,>õíav (leitura técnica em voz
coligirá e verificará toda informação fatual existente alta segu ndo <l prosódia ) : isso é. na verdade. a recriação esté­
quanto a meio, condição! idade, autoria, destino tica sintética de uma obra de literatura e comparável fi "reali­
zação'" visual de uma obra de arte . ­
etc. .. mas comparará também a obra com outras de 2) t~TÍY 'lcr l ç KaTà TOUÇ l vvrrápxoVTaç TTOI'lTIKoUÇ TOÓTTOuç
(explanação das ficuras de linguagem que apareçam) : seria com­
mesma classe, e examinará escritos que reflitam os paráve l fi história das lórmulas iconográficas ou "tipos".
padrões estéticos de seu país e época, a fim de conse­ 3) yN.lcrcréi:N TE Kal' \CTTOpl~lV TTPÓXE lpOÇ áTl"ÓÕocrIÇ (interpretação
Imediata ou improvisada de palavras e termos obsoletos ) : iden­
guir uma apreciação mais "objetiva" de sua qualidade. tificação do tema iconográfico.
Lerá velhos livros de teologia e mitologia para poder 4) h Ullo).,oyíaç EÚP'lO"IÇ (descoberta das etimologias) : deriva­
ção dos "motivos".
identificar o assunto tratado, e tentará, ulteriormente, 5) CrvaÀoy íaç lK).,oYlcrl!Ó<; (explanação das formas gramaticais) :
análise da estrutura da composição.

36
37
Leonardo da Vinci disse: "Duas fraquezas, o "apreciativismo" não deve ser confundido com
apoiando-se uma contra a outra resultam numa
o conhecimento do "entendido" e a "teoria da arte".
força" 14 . As metades de um arco, sozinhas, não con­
seguem se manter em pé. Do mesmo modo, a pesquisa O connoisseur * é o colecionador, curador de museu ou
arqueológica é cega e vazia sem a recriação estética, perito que, deliberadamente, limita sua contribuição ao
ao passo que esta é irracional, extravial)do-se, muitas estudo da matéria ao trabalho de identificar obras de
vezes, sem a pesquisa arqueológica. Mas, "apoiando-se arte com respeito à data, origem e autoria, e avaliá-Ias
uma contra a outra", as duas podem suportar um "sis­ no tocante à qualidade e estado. A diferença existente
tema que faça sentido", ou seja, uma sinopse histórica. entre ele e o historiador de arte não é tanto uma ques­
tão de princípio, como de ênfase e clareza, comparável
Como já afirmei antes, ninguém pode ser conde­
à diferença existente entre o diagnosticado r (ou: clí­
nado por desfrutar obras de arte "ingenuamente" ~
por apreciá-las e interpretá-las segundo suas luzes, sem nico) e o pesquisador na área da medicina. O connois­
se importar com nada mais. Mas o humanista verá seur tende a salientar o aspecto recriativo do ~omplexo
com suspeita aquilo que se pode chamar de "aprecia­ processo que tentei descrever, e considera a tarefa de
tivismo" *. Aquele que ensina pessoas inocentes a erigir uma concepção histórica como secundária; o his­
compreender a arte sem preocupação com línguas clás­ toriador de arte, num sentido mais estreito ou acadê­
sicas, métodos históricos cansativos e velhos, e empoei­ mico, tende a reverter essas tônicas. Ora, o simples
rados documentos, priva a "ingenuidade" de todo o diagnóstico de "câncer", se correto, implica tudo o que
seu encanto sem corrigir-lhe os erros. o pesquisador poderia nos dizer sobre a doença e pre­
tende, portanto, que é verificável por uma análise cien­
,6.) KpíO'IÇ lT ol~~áT"'V, Ó 6" KáÀÀICTTÓV ÉCTTI 1fÓVT"'V TWV Év -rij' TÉX Vl]
(cntlca lt terána, cUJa parte mais bela é a camp reemlida pel a
rpa~~i:rrIK~ ): apreciação. crítica das abras de arte.
,. tífica subseqüente; similarmente, o diagnóstico "Rem­
brandt, cerca de 1650", se correto, impi;ca (LIdo o que
A expressã o. "apreciação. critica d as abras de arte" suscita
uma questão. interessante. Se a h istória da arte admite u m a o historiador de arte poderia nos dizer sobre os valores
escala de valares, assim cama a história da literatura a u a
história palltica admitem uma gradação. par "gran deza" au exce­ formais do quadro, sobre a interpretação do tema, sobre
lência , cama justificaremas a fato. de as métadas aqui expastas o modo como reflete a atitude cultural da Holanda do
não. permitirem, ao. que parece , uma diferenciação. entre pri­
meira, segunda e terceira categaria de abras de a r te ? Ora, uma século XVII, sobre a maneira como expressa a perso­
escala de valares é em parte um prablema de reações pessaais
e em parte um prablem a de tradição. . Esses dais padrões, das nalidade de Rembrandt; e esse diagnóstico, também
quais a segunda é , camparativamente, a mais abjetiva , precisam
ser cantinuamente revistas, e cada investigação. , par mais espe­ pretende sobreviver à crítica do historiador de arte,
cializada que seja, cant r ibui para esse pracessa. Par essa mesma no sentido mais estrito. O connoisseur poderia portan­
razão. a histariadar de arte não. pade fazer uma distinção. a
priori entre seu métada de abardar uma "abra-prima" e uma to ser definido como um historiador de arte lacônico
obra de arte "medíacre" au " i nferiar" - assim 'c am a u m estu­
dante de literatura clássica é abrigada a investigar as tragédias e o historiador de arte como um connoisseur loquaz.
de Sófacles da mesma maneira que a naUsa as de Sêneca . l!:
verdade que as métadas da histó ria da arte mastrarãa sua efeti ­ Na verdade, os melhores representantes de ambos os
vidade, qua métados , quando. aplicadas ta n ta à Melencotia de
Dürer coma a um entalhe anónimo e desim portan te . Mas, tipos contribuíram, enormemente, para o que eles pró­
quando uma " obra -prima" é comparada e vinculada a outras prios não consideram assunto próprio 15.
tantas obras de "menor im partân cia:' quantas as q ue se afigu­
ram no decurso da i nvestigação com o comparáveis e vinculáveis
a ela, a originalidade de sua ülVenção, a superioridade de su a • A palavra connoisseuT, de origem francesa, tem uso
compasição e técnica e todas as demais caracteristicas que a cor ren te em nossa lin gua por não ter equivalente exata em
fazem "grande" saltam aos olhos imediatamente - não apesar. português. Tan to peri to, t écnico, conhecedor ou entendido não.
mas par causa do fato de todo o grupo ter sido submetido a expressam bem a idéia d o termo , (N. da T)
um mesmo e única método de análise e interpretação.
15. Ver M . J , FRlEDLANDER, Der Kenner, BerUm, 1919, e E .
14. I! codice atlantico di Leanarda da Vinci neUa Biblio­ WIND, Aesthetischer und kunstwissenschaftlicher Gegenstand,
teca Ambrosiana di Milano Milão, ed. G . Piumati 1894-1903,
f.o 244 v . ' , lac. cito FriedUinder corretamente afirma que um bom histaria­
dor de arte é, au pelo menas vem a ser, um Kenner wider
• Appr eciationism no ariginal; não há termo. em português WiUen. I n versamen te, u m bom connoisseur pode ser chamado
para essa idéia . (N . da T.) de histor iador de arte ma!gré !ui.

38 39
Por outro lado, a teoria da arte - em oposição rilievo, sfumato etc. que aparecem em escritos do
à filosofia da arte ou estética - é, para a história da século XVI.
arte, o que a poesia e a retórica são para a história
da literatura. Quando chamamos uma figura de um quadro da
Renascença itali3na de "plástica", enquanto descreve­
Devido ao fato de os objetos da história da arte mos uma outra, de um quadro chinês, como " tendo
virem à existência graças a um processo de síntese volume, mas não massa" (devido à ausência de mode­
estética recreativa, o historiador de arte encontra-se lagem), interpretamos essas figuras como duas soluções
diante de uma peculiar dificuldade quando tenta ca­ diferentes de um mesmo problema que poderíamos for­
racterizar o que se poderia denominar de estrutura mular como "unidades volumétricas (corpos) versus
estilística das obras com as quais se ocupa. Já que tem expansão ilimitada (espaço)". Ao distinguir entre o
que descrever essas obras, não como corpos físicos
uso da linha como "contorno" e, para citar Balzac, o
ou substitutos de corpos físicos, mas como objetos de
uso da linha como "Ie moyen par lequel l'homme se
uma experiência interior, seria inútil - mesmo que
rend compte de l'effet de Ia lumiere sur les objets" *
fosse possível - expressar formas, cores e caracterís­
ticas de construção em termos de fórmulas geométricas, referimo-nos ao mesmo problema, embora dando ên­
comprimento de ondas, e equações estatísticas, ou des­ fase especial a um outro: "linha versus áreas de cor".
crever as posturas de uma figura humana através de Se refletirmos sobre o assunto, veremos que há um
uma análise anatômica. Por outro lado, já que a expe­ número limitado desses problemas primários, inter­
riência interior de um historiador de arte não é livre relacionados uns com os outros, o que, de um lado,
nem subjetiva, mas lhe foi esboçada pelas atividades gera uma infinidade de questões secundárias e terciárias
propositais de um artista, não deve ele cingir-se a des­ e, de outro, pode em última análise derivar de uma
crever suas impressões pessoais a respeito da obra de antítese básica : diferenciação versus continuidade 16.
arte como um poeta poderia descrever suas impressões Formular e sistematizar os "problemas artísticos"
sobre uma paisagem ou o canto de um rouxinol. - que não são, é claro, limitados à esfera dos valores
Os objetos da história da arte, portanto, só podem puramente formais, mas incluem a "estrutura estilística"
ser caracterizados numa terminologia que é tão re­ do tema e do conteúdo também - e assim armar um
construtiva quanto a experiência do historiador de arte sistema de Kunstwissenschaftliche Grundbegriffe (No­
é recreativa: precisa descrever as peculiaridades esti­ ções fundamentais da Teoria da Arte) é o objetivo da
lísticas, não como dados mensuráveis, ou, pelo menos, Teoria da Arte e não da História da Arte. Mas aqui
determináveis, nem como estímulos de reações subje­ encontramos, pela terceira vez, o que decidimos chamar
tivas, mas como aquilo que presta testemunho das de "situação orgânica". O historiador de arte, como
"intenções" artísticas. Ora, as "intenções" só podem já vimos, não pode descrever o objeto de sua expe­
ser formuladas em termos de alternativas: é mister riência recriativa sem reconstruir as intenções artísticas
supor uma situação na qual o fazedor da obra dispunha em termos que subentendam conceitos teóricos genéri­
de mais de uma possibilidade de atuação, ou seja, em cos. Ao fazer isso, ele, consciente ou inconscientemen­
que ele se viu, frente a frente, com um problema da te, contribuirá para o desenvolvimento da teoria da
escolha entre diversos modos de ênfase. Assim, evi­
dencia-se que os termos usadós pelo historiador de • o meio pelo qual o homem toma conhecimento do efeito
arte interpretam as peculiaridades estilísticas das obras da luz sobre os objetos. Em francês no original. (N. da T.)
16. Ver ~ . PANOFSKY , Ueber das Verháltnis der Kunstges­
como soluções específicas de "problemas artísticos" chichte zur Kunsttheorie, Zeitschrift für Aesthetik und ange­
genéricos. Não é esse, apenas, o caso de nossa mo­ meine Kunstwissensch aft , XVIII, 1925, p. 129 e 5S. , e E. WIND,
Zur Systematik der kunstlerischen Probleme, ibidem, p. 438
dema terminologia, mas também o de expressões como e 55 .

40 41
arte, que, sem a exemplificação histórica, continuaria
a ser apenas um pálido esquema de universais e a fi losofia têm a perspectiva não-prática daquilo que
abstratos. O teórico da arte, por outro lado, quer os antigos chamavam de vüa contemplativa, em oposi­
aborde o assunto a partir do ponto de vista da epis­ ção a vila activa. Mas, é a vida contemplativa menos
temologia neoclássica, da Crítica de Kant, ou da Ges­ real, ou, para ser m ais preciso, é sua contribuição para
taltpsychologie 17, não pode armar um sistema de con­ o que chamamos de realidade menos importante do que
ceitos genéricos sem se referir a obras' de arte que a da vida ativa?
nasceram em condições históricas específicas; mas, ao O homem que aceita uma cédula de um dólar
proceder assim, ele, consciente ou inconscientemente, em troca de vinte e cinco maçãs pratica um ato de fé
contribuirá para o desenvolvimento da história da arte, e submete-se a uma doutrina teórica, tal como pro­
que, sem orientação teórica, seria um aglomerado de cedia o homem medieval que pagava por sua indul­
particulares não formulados. gência. O homem que é atropelado por um automóvel,
Quando chamamos o connoisseur de historiador é atropelado pela matemática, física e química. Pois
de arte lacônico, e o historiador de arte de connoisseur quem leva uma vida contemplativa não pode deixar de
loquaz, a relação entre o historiador de arte e o teórico influenciar a ativa, como não pode impedir a vida
de arte pode comparar-se à de dois vizinhos que tenham ativa de influenciar seu pensamento. Teorias filosó­
o direito de caçar na mesma zona, sendo que um é ficas e psicológicas, doutrinas históricas e toda a espé­
o dono do revólver e o outro de toda a munição. cie de especulações e descobertas têm mudado e con­
Ambas as partes fariam melhor se percebessem a ne­ tinuam mudando a vida de muitos milhões de pessoas.
cessidade de sua associação. Já foi dito que, se a Mesmo aq uele que simplesmente transmite sabedoria
teoria não fo r recebida à porta de uma disciplina em­ ou conhecimento, participa, embora de modo modesto,
pírica, entra como um fantasma, pela chaminé e põe do processo de moldagem da realidade - fato este de
a mobília da casa de pernas para o ar. Mas, não é que talvez os inimigos do humanismo estejam mais
menos verdade que, se a história não for recebida à cientes do que os amigos 18 . :É impossível conceber
porta de uma disciplina teórica que trate do mesmo nosso mundo em termos de ação, apenas. Só em Deus
conjunto de fenômenos, infiltrar-se-á no porão, como há " Coincidência de Ação e Pensamento" , como di­
um bando de ratos, roendo todo o trabalho de base. ziam os escolásticos. Nossa realidade só pode ser en­
tendida como uma interpenetração desses dois fatores.

v Mas, ainda assim, por que deveríamos nos inte­


ressar pelo passado? A resposta é a mesma: porque
:E; coisa certa que a história da arte mereça um nos interessamos pela realidade. Não há nada menos
lugar entre as humanidades. Mas para que se rvem as
18. N u ma ca rta d irigida ao New Statesman and Nation ,
humanidades, como tais? São, admitidamente discipli­ XIII, 19 de junh o d e 1937, um tal senhor Pat Sloa n defende a
nas não-práticas que tratam do passado. Pode-se per­ exoner ação de cated ráticos e professores na União Sovié tica
afirm ando que " u m catedrático q ue advoga uma filosofia pré ­
guntar por que motivo devemos empenhar-nos em - cienti fica a ntiquada em detrimento de uma c ientífica pode ser
uma f orça reac io ná r ia tão poderosa quanto um soldado num
investigações não-práticas e interessar-nos pelo passado? exér cito de o c u p ação ". Verificamos que po r "advoga r ele pre­
te n de t a m bém sign ificar a mera transmissão do que chama de
A resposta à primeira pergunta é: porque nos f ilosofia "pré - cienti fica", pois continua assim : "Quantos espi­
interessamos pela realidade. Tanto as humanidades r itos, hoje, na Ingla terra, estã o sendo impedidos de jamais entrar
em contac to com O Ma r x ismo pelo sim ples processo de sobre ­
quanto as ciências naturais, assim como a matemática carr egá- los ao m áx imo com obras de P latão e outros filósofos?
Nestas circunstâncias, tais obras n ão têm um papel neutro ,
mas antima r xista, e os marx istas recon hecem este fato " . N ã o
17. Cf. H . SEDLMAYR, "Zu e iner stregen K unstwissen schaft", é preciso dize r q u e, " nestas circunstâncias" , as obras de "Platão
Ku.nstwissenschafttiche FOTschu ngen, I, 1931, p. 7 e ss. e ou tros f 'ló so fos" tam b é m têm u m papel antifascista, e os fas­
cistas, po r su a vez, " r econhecem este fato" .
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real que o presente. Uma hora atrás, essa conferência Dotando, assim, os registros estáticos com vida
pertencia ao futuro. Dentro de quatro minutos, per­ dinâmica, em vez de reduzir os fatos transitórios a leis
tencerá ao passado. Quando disse que o homem atro­ estáticas, as humanidades não contradizem, mas com­
pelado por um automóvel o é, na verdade, pela mate­ plementam as ciências naturais. Na verdade, ambas se
mática, física e química, poderia também ter afirmado pressupõem e exigem uma à outra. Ciência - aqui
que o atropelamento se deve a Euclides, Arquimedes e tomada na verdadeira acepção do termo, ou seja, uma
Lavoisier. busca serena e autodependente do conhecimento e não
algo que sirva, subservientemente, a fins "práticos" ­
Para apreendermos a realidade temos que nos
e humanidades são irmãs, suscitadas como são pelo
apartar do presente. A filosofia e a matemática o
movimento que foi corretamente chamado de desco­
fazem, construindo sistemas num meio que, por defi­
berta (ou, numa perspectiva histórica mais ampla, re­
nição, não está sujeito ao tempo. As ciências naturais
descoberta) do mundo e do homem. E, assim como
e as humanidades conseguem-no, criando aquelas estru­
nasceram e renasceram juntas, morrerão e ressurgirão
turas espaço-temporais que chamei de "cosmo da na­
juntas, se o destino permitir. Se a civilização antro­
tureza" e "cosmo da cultura" . E, aqui, tocamos no
pocrática da Renascença está dirigida, como parece
ponto que talvez seja a diferença mais fundamental
estar, para uma "Idade Média às avessas" - uma
entre ciências naturais e humanidades. A ciência na­
satanocracia em oposição à teocracia medieval - não
tural observa os processos forçosamente temporais da
natureza e tenta apreender as leis intemporais pelas só as humanidades mas também as ciências naturais,
como as conhecemos, desaparecerão e nada restará,
quais se revelam. A observação física s6 é possível
exceto o que serve às injunções do subumano. Mas,
quando algo "acontece", ou seja, quando uma mudança
nem mesmo isso há de significar o fim do humanismo.
ocorre ou é levada a ocorrer por meio de experiências.
Prometeu pôde ser acorrentado e torturado, porém, o
E são essas mudanças que, no fim, são simbolizadas
fogo aceso por sua tocha não pôde ser extinto.
pelas fórmulas matemáticas. As humanidades, por
outro lado, não se defrontam com a tarefa de prender Existe uma diferença sutil em latim entre scientia
o que de outro modo fugiria, mas de avivar o que, de e eruditio, e em inglês, entre knowledge (conhecimento)
outro modo, estaria morto. Em vez de tratarem de e learníng (estudo). Scientia e conhecimento, denotan­
fenômenos temporais e fazerem o tempo parar, pe­ do mais uma possessão mental que um processo mental,
netram numa área em que o tempo parou, de moto identificam-se com as ciências naturais; eruditio e es­
próprio, e tentam reativá-lo. Fitando esses registros, tudo, denotando mais um processo que uma possessão,
congelados, estacionários, que segundo disse, "emer­ com as humanidades. A meta ideal da ciência seria
gem de uma corrente do tempo", as humanidades ten­ algo como mestria, domínio, e a das humanidades algo
tam capturar os processos em cujo decurso esses regis­ como sabedoria.
tros foram produzidos e se tornaram o que são 19. Marsílio Ficino escreveu ao filho de Poggio Brac­
ciolini: "A história é necessária, não apenas para tornar
19. Para as humanidades, "reviver" o passado não é u m ideal a vida agradável, mas também para lhe dar uma signi­
romântico mas uma necessidade metodológica. Só podem expres­
sar o fato de os registros A, B e C serem "ligados" uns aos ficação moral. O que é mortal em si mesmo consegue
outros afirmando que o homem que produziu o registro A devia
estar familiarizado com os registros B e C , ou com registros do a imortalidade através da história; o que é ausente
tipo de B e C, ou com um r egistro X, que seria a fonte de torna-se presente; velhas coisas rejuvenescem; e um
B e C, ou que devia ter conhecimento de B enqu ant o o autor
de B tinha que con hecer C etc. J!: tão inevitável que as huma­ jovem logo iguala a maturidade dos velhos. Se um
nidades raciocinem e se expressem em termos de "influências",
"Imhas de evolução" etc ., como é inevitável que as ciências homem de setenta anos é considerado sábio devido à
naturais pensem e se expr imam em termos de equações m ate­ sua experiência, quão mais sábio aquele cuja vida abran­
máticas .

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ge o espaço de mil ou três mil anos! Pois, na verdade,
pode-se dizer que um homem viveu tantos milênios
quantos os abarcados pelo alcance de seu conhecimento
de história" 20 .

1. ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA: UMA


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA ARTE
DA RENASCENÇA
I

Iconografia é o ramo da história da arte que trata


do tema ou mensagem das obras de arte em contra­
20. MARsÍLIO F ICINO, "Carta' a Giacomo Bracciolini" ( M ar ­ posição à sua forma. Tentemos, portanto, definir a
si!ii Ficini Opera omni a, L e y den, 1676, l, p . 658 ): " res ipsa distinção entre tema ou significado, de um lado, e for­
[sei!. , historia l est ad vitam n on modo ob 1ectandam, verum­
tamen moribus inst itu endam summopere necessaria. Si quidem ma, de outro.
per se m ortalia sunt, immorta litatem a b historia conseq uuntur,
quae absentia, per eam praesentia f iunt, vetera iuvenescunt, Quando, na rua, um conhecido me cumprimenta
iuvenes cito maturitatem senis adaequant. A c si se nex septua­
ginta ann orum ob i psar u m reru m experientiam prudens habetur, tirando o chapé u, o que vejo, de um ponto de vista
quanto prudentior , q u i a n norum mille , et t rium milium implet formal, é apenas a mudança de alguns detalhes dentro
aetatem ! Tot vera annor um m ilia vixisse quisque v idetu r quot
annorum acta didicit ab h is toria" , da configuração que faz parte do padrão geral de

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