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26/10/2009

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Entre o Antigo e o Novo Testamentos


O Período Interbíblico
D.S.Russell
©Abba Press Editora e Divulgadora Cultural Ltda.

Categoria: História
Cód. 01.12101.0507.2

2" Edição no Brasil


Maio de 2007

Tradução
Eliseu Pereira

Revisão
Irene Pereira
Maria Isabel C. Dutra

Coordenação Editorial
Oswaldo Paião

Impressão
Gráfica Sumago

ISBN 978-85-85931-58-2
E permitida a reprodução de partes
desse livro, desde que citada a fonte
e com a devida autorização escrita dos editores.

Abba Press
R. Manuel Alonso Medina, 298 - CEP 04650-031 - São Paulo / SP
Tels./Fax ( 1 1 ) 5686-5058 / 5686-7046 / 5523-9441
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E-mail: abbapress@abbapress.com.br

Conteúdo
Prefácio
PARTE UM
O FUNDO CULTURAL E LITERÁRIO

1. Judaísmo versus Helenismo


1. Surgimento e Expansão do Helenismo
A. Os Gregos e os Romanos
B. A Septuaginta e a Literatura Helenística
C. A Cultura Grega na Palestina
D. A Influência Religiosa do Helenismo

2. A reação contra o Helenismo


A. O Partido Helenista em Jerusalém
B. A Vingança de Antíoco
C. Os Macabeus e a Revolta dos Macabeus
D. A Casa de Hasmoneu
E. Herodes e os Romanos

2. O Povo do Livro
1. A Religião da Torah
A. Do templo à Torah
B. O Ponto de Levante da Revolta
C. A Santa Aliança

2. A Torah e as seitas
A. Os Fariseus
B. Os Saduceus
C. Os Essênios
D. Os Zelotes
E. Os Pactuantes de Qumran

3. Os Escritos Sagrados
1. As Sagradas Escrituras
A. O Cânon Hebraico
B. As Escrituras na Dispersão

2. A Tradição Oral
A. Sua Origem e Desenvolvimento
B. Sua Forma e Conteúdo

3. Os "Livros Não Incluídos"


A. A Literatura Não-Canônica
B. O Ambiente dos Apocalípticos

4. A Literatura Apócrifa
1. Os Livros Comumente Chamados "Apócrifos"
A. Sua Identidade
B. Seu Conteúdo e Gênero Literário
C. Seu Valor Histórico e Religioso

2. Os Outros Livros "Apócrifos" (ou Pseudepígrafos)


A. Sua Identidade
B. Na Comunidade de Qumran

3. Os livros Apócrifos no Cristianismo


A. No Novo Testamento
B. Na História da Igreja

PARTE DOIS
Os APOCALÍPTICOS

5. A Mensagem e o Método dos Apocalípticos


1. A Tradição Apocalíptica
A. O Segredo Oculto
B. A Linguagem do Simbolismo
C. A Lenda de Esdras

2. Os Apocalípticos e a Profecia
A. A Unidade da História
B. As Últimas Coisas
C. A Forma de Inspiração

3. Pseudonímia
A. Um Recurso Literário
B. Extensão de Personalidade
C. O Significado do "Nome"

6. O Messias e o Filho do Homem


1. O Pano de Fundo do Antigo Testamento

2. O Messias Tradicional ou Nacional


A. O Messias Não Indispensável
B. O Messias Levítico
C. O Messias Davídico
D. O Messias e os Rolos do Mar Morto
E. Jesus e o Messias

3. O Messias Transcendente e o Filho do Homem


A. O Filho do Homem Apocalíptico
B. O Pano de Fundo do Oriente
C. O Filho do Homem como Messias
D. Sofrimento e Morte
E. Jesus e o Filho do Homem

7. A Ressurreição e a Vida Após a Morte


1. A Ressurreição: Origem e Desenvolvimento
A. A preparação no Antigo Testamento
B. Sua Origem Histórica
C. Desenvolvimento Subseqüentes
D. A Ressurreição e o Reino Messiânico

2. A Natureza da Sobrevivência
A. Sheol, a Morada das Almas
B. Distinções Morais no Sheol
C. Mudança Moral na Vida Além
D. A Alma Individual e o Julgamento Final

3. A Crença na Ressurreição e a Natureza do Corpo da


Ressurreição
A. A Ressurreição do Corpo e a Sobrevivência da
Personalidade
B. A Ressurreição do Corpo e sua Relação com o Ambiente
C. A Relação do Corpo "Espiritual" com o Corpo Físico
Bibliografia Selecionada
Literatura Apócrifa
Governantes e Principais Acontecimentos

Dedicado a Marion, Helen e Douglas


Prefácio
Na maioria das Bíblias, o período entre o Antigo e o
Novo Testamentos é representado por uma única página
em branco o que, talvez, tenha um significado simbólico.
O período "de Malaquias a Mateus" por muito tempo tem
permanecido vago e desconhecido para muitos leitores da
Bíblia. Vários mistérios permanecem, mas nos últimos
tempos, muita luz tem sido lançada sobre todo esse
período. Os escritos de grande número de eruditos e
algumas notáveis descobertas arqueológicas têm fornecido
novos e deslumbrantes pontos de vista a respeito do
assunto.
No início deste século, o Dr. R.H.Charles escreveu
com freqüência sobre o assunto, e a publicação, em 1914,
de seu pequeno livro Desenvolvimento Religioso entre o
Antigo e o Novo Testamento, incluiu um outro público de
leitura nesse campo de estudo e auxiliou grandemente a
preencher a lacuna no entendimento das pessoas em
relação a esse assunto. Mas ninguém poderia prever que
esse período ainda se tornaria um foco de atenção, não
apenas para os eruditos, mas também para o "cidadão
comum". A descoberta dos pergaminhos do Mar Morto
despertou a imaginação popular e atraiu a atenção de
eruditos do mundo inteiro. Esses escritos são de extrema
importância, não somente pelos relatos que fornecem
sobre as crenças e práticas dos Pactuantes de Qumran, mas
também pelo novo interesse e conhecimento que trazem a
todo o período interbíblico.
Neste pequeno volume, fiz uma tentativa de revisar
esses anos, à luz dos recentes estudos e descobertas, e em
particular para avaliar a contribuição religiosa desse grupo
de homens, um tanto estranhos, conhecido como "os
apocalípticos". Muitas outras questões pertinentes a esse
período interbíblico poderiam ter sido tratadas, mas o
propósito deste livro é seletivo e não, exaustivo, indicando
a participação que os apocalípticos tiveram no desenvol-
vimento religioso do Judaísmo e na preparação das mentes
dos homens para a vinda do Cristianismo.
Espero que este breve estudo estimule o apetite do
leitor, levando-o a aprimorar estes estudos, ainda mais,
com ajuda da bibliografia sugerida.
DAVID S. RUSSELL
College Rawdon, Leeds
Parte Um
O PANO DE FUNDO
CULTURAL E LITERÁRIO

Judaísmo Versus Helenismo


Os anos que se estendem de 200 a.C. a 100 d.C,
geralmente citados como "o período interbíblico", são de
fundamental importância tanto para o Cristianismo como
para o Judaísmo rabínico, porque foi durante esses séculos
que, num sentido muito especial, o caminho foi sendo
preparado para o aparecimento dessas duas grandes
crenças religiosas. O propósito deste livro é examinar,
embora resumidamente, a cultura e a literatura desses
importantes anos e analisar o desenvolvimento de certas
crenças religiosas, cuja influência foi sentida
particularmente dentro da Igreja Cristã em crescimento.
Ao longo de todo esse período, os judeus estavam
rodeados pela cultura e civilização gregas e,
particularmente na Dispersão, muitos tiveram que adotar
a língua grega ou como seu único idioma ou como
alternativa à sua própria língua, o aramaico. Era inevitável
que eles fossem influenciados, e profundamente, pelo
ambiente helenístico em que viviam; o surpreendente é
que a reação deles a esse ambiente não foi tão marcante e
que, apesar da pressão trazida sobre eles, eles conseguiram
manter sua distinta fé judaica.
No período de 170 a.C. a 70 d.C, o nacionalismo
judaico desempenhou um papel mais importante na
resistência ao avanço do helenismo. Como veremos, esse
nacionalismo não foi motivado apenas por objetivos
políticos, mas também por ideais religiosos oriundos de
uma devoção profunda por parte de muitos e arraigados
em firmes convicções teológicas. Porque o Judaísmo, ao
contrário do Helenismo, representava não tanto um modo
de vida, mas um movimento religioso nacional. O Dr F. C.
Burkitt, escrevendo sobre o Judaísmo desses dois séculos e
meio, descreve-o como "uma alternativa para a civilização
como se considerava então". Ele não era apenas uma
alternativa, mas era a alternativa, pois, na convicção de
muitos, o judaísmo conduziria afinal os homens para o
Reino de Deus, cuja vinda precederia à Nova Era
determinada por Deus.

1. SURGIMENTO E EXPANSÃO DO HELENISMO

A. Os Gregos e os Romanos
A palavra "helenismo" é comumente usada para
descrever a civilização dos três séculos aproximadamente
desde o tempo de Alexandre, o Grande (336-323 a.C.)
durante os quais a influência da cultura grega era sentida
de Leste a Oeste. Era o forte desejo desse imperador
fundar um império mundial associado à unidade da
língua, costume e civilização e, em suas grandes
conquistas militares, ele se empenhou em concretizar tal
idéia. Após sua morte, quando seu Império no Leste foi
dividido entre os Selêucidas na Síria e os Ptolomeus no
Egito, o processo de helenização continuou rapidamente
nos países sobre os quais eles governaram.
Desde o início, os judeus devem ter sentido o
impacto dessa cultura sobre seu estilo de vida e
particularmente sobre sua religião. A exceção de uma área
comparativamente pequena ao redor de Jerusalém, eles
não constituíam um Estado, pelo contrário, uma
Dispersão, espalhados não apenas por toda a Palestina,
mas por todas as regiões do Império. Eles ficaram
especialmente vulneráveis à influência do helenismo por
intermédio dos negócios e das trocas comerciais. A política
de Alexandre e de seus sucessores era enviar os colonos
gregos no rastro de seus exércitos e plantá-los como
comerciantes nas terras conquistadas. Nessas terras,
particularmente no leste, viviam muitos judeus que
haviam sido exilados da Palestina muitos anos antes, e
outros que, até mesmo antes do tempo de Alexandre,
haviam emigrado e se instalado em cidades gregas no
extremo oeste. Muitas comunidades judias podiam ser
encontradas em lugares tais como Síria, Antioquia,
Damasco, Ásia Menor, Macedónia, Grécia, Chipre, Cirene
e Roma. Onde quer que os judeus estivessem, sob o
governo dos Selêucidas ou dos Ptolomeus, eles haviam
desfrutado por muito tempo das bênçãos da liberdade
religiosa sob uma política de tolerância religiosa que, sem
dúvida, os deixaria abertos à influência sutil da cultura
helenística. Os romanos, por sua vez, continuaram a
estimular o desenvolvimento dessa cultura, especialmente
nas províncias orientais, e buscaram por esses meios
realizar os sonhos de Alexandre, o Grande. Nesse sentido,
não houve um verdadeiro rompimento entre o regime
grego e o romano, ou, realmente, entre os anos antes de
Cristo e os anos depois de Cristo. A cultura e a civilização
helenísticas foram características de todo o período greco-
romano e é com esse amplo fundo histórico e cultural que
vamos estudar as reações do povo judeu e sua fé religiosa.

B. A Septuaginta e a Uteratura Helenística


Desde tempos remotos, houve assentamentos de
judeus no Egito, e Alexandria logo alcançou um honrado
nome, particularmente como centro literário. Foi aqui que
a tradução Septuaginta das Escrituras para a língua grega
foi apresentada para uso dos judeus de fala grega do
Egito, que não mais conseguiam ler hebraico e para quem
as traduções disponíveis nos ofícios das sinagogas
mostravam-se inadequadas. A tradução da 'Torah" ou
Pentateuco aconteceu, provavelmente, durante o reinado
de Ptolomeu II (285-247 a.C), com o nome "Septuaginta"
sendo estendido para abranger também as outras partes
do Antigo Testamento. Na Carta de Aristéia, que mais tarde
acompanhou a Bíblia grega, há uma lenda de que a
Septuaginta foi o resultado de uma ordem real de
Ptolomeu II, do Egito, que teria delegado a tarefa da
tradução a 72 "anciões". Em formas posteriores da história,
o número é citado como 70. Esses homens levaram a cabo
a obra de tradução em ambientes separados e produziram
resultados precisamente semelhantes! Porém, é provável
que a Septuaginta tenha vindo a existir como um Targum1,
assim como na Palestina passou a existir um Targum1 para
ajudar aqueles que não conseguiam entender as Escrituras
hebraicas. A influência da Septuaginta sobre os judeus da
Dispersão e mesmo sobre a jovem Igreja Cristã não pode
ser superestimada. A exceção de certas notáveis
implicações gregas aqui e ali, que poderiam lembrar seus
leitores de seu fundo cultural, ela era quase
desconsiderável como um veículo de helenizaçâo. Mas
como um instrumento de propagação de Judaísmo
durante a Dispersão, sua contribuição foi de importância
inestimável.
Em Alexandria, também, foram escritos muitos
livros gentílicos e enviados para muitas partes do mundo
onde, sem dúvida, foram estudados pelos mais instruídos
dentre os judeus. Não raro, esses livros continham
acusações difamadoras contra a raça e a religião judaica
que eram normalmente considerados supersticiosos e
ateístas. Os judeus, por sua vez, não tentavam disfarçar,
em seus próprios escritos, o absoluto desprezo que unham
pelos pagãos. De fato, toda a literatura judaico-helenística,
da época da Septuaginta até Josefo ao final do primeiro
século d.C, tinha como alvo a condenação da idolatria,
principalmente através de ridicularizações, e a defesa do
Judaísmo contra as intromissões de tal influência pagã2.
Muito dessa literatura é conhecida por nós apenas por
fragmentos ou em referências em outras obras3, mas esses
escritos que sobreviveram mostram muito claramente a
mescla de pensamento grego e judeu que predominava
bem antes do começo da era cristã.
Isso é bem ilustrado em livros tais como os Oráculos
Sibilinos (Livro III) e Sabedoria de Salomão. Os Oráculos
Sibilinos foram escritos durante a última metade do
segundo século a.C, em Alexandria. São semelhantes à
Sibil grega que exerceu considerável influência sobre o
pensamento pagão, tanto antes como depois desse tempo.
A Sibil pagã era uma profetisa que, sob inspiração de um
deus, podia dar sabedoria aos homens e revelar-lhes a
vontade divina. Havia uma variedade de tais oráculos em
diferentes países, e no Egito, em particular, eles passaram
a gozar de um crescente interesse e significado.

_______________________
1
A palavra "Targum" (no grego) significa uma tradução ou paráfrase
da Escrituras Hebraicas na língua do povo. Nas regiões de fala aramaica, a
leitura das Escrituras na sinagoga era acompanhada por uma repetição oral
(veja p. 63 ss). Acredita-se que esse costume reportava aos tempos de
Esdras (cf. Ne 8.8). No segundo século d.C. os Targuns aramaicos
passaram a existir na forma escrita.
Os judeus de Alexandria viam nesse tipo de
literatura um excelente meio de propaganda. Por meio de
alterações e acréscimos discretos, eles usaram a estrutura
dos oráculos pagãos para propagar a fé no "único Deus
vivo e verdadeiro".
De muito maior significado é o livro Sabedoria de
Salomão, escrito no primeiro século a.C. por um judeu de
Alexandria que, ao apresentar sua fé, demonstra que havia
sido profundamente influenciado, em seu pensamento,
pela perspectiva e filosofia do mundo grego gentio e que
ele era, sem dúvida, muito versado nesse campo. Por
exemplo, essa influência pode ser percebida ao tratar da
idéia de "sabedoria" que ele personifica de modo
semelhante ao ensinamento estóico referente ao conceito
amplamente conhecido de Logos ou Verbo4. Neste ponto,
de fato, trata-se de uma forte tentativa de reunir a piedade
do judaísmo ortodoxo e a forma de pensamento grego da
época. De acordo com outros escritos judaicos daquele
tempo, ele incorpora uma forte polêmica contra os gentios
e exalta a verdadeira religião que Deus revelou a seu servo
Moisés.
Um bom exemplo de Judaísmo helenístico pode ser
encontrado no escritor judeu alexandrino Philo, que foi
contemporâneo de Jesus e de Paulo. Ele era bem versado
não apenas nas Escrituras em hebraico, como nos escritos
judaico-helenistas, e também em filosofia grega.
_____________________
2
Este também era o tema de outros livros judeus, oriundos da
Palestina, que no devido tempo foram traduzidos para o grego, e
finalmente, acharam lugar na Septuaginta, como I Macabeus, Bel e o
Dragão, Judite, o Resto de Ester, Tobias e Susana (veja pp. 78 ss).
3
Ver R. H. Pfeiffer, History of New Testament Times, with a
Introduction to the Apocrypha (História dos Tempos do Novo Testamento,
com uma Introdução aos Apócrifos), 1949, p. 200 ss.
O objetivo de seus escritos era demonstrar a relação
entre a religião das Escrituras e a verdade das filosofias
gregas. Ele fez uso livre da alegoria, prática comum em
Alexandria, e através dela demonstrou, por exemplo, que
Moisés estava em consonância com os filósofos gregos. A
posição de Philo não era aceita pelo Judaísmo ortodoxo de
seus dias, mas sua abordagem da religião e da filosofia, e a
relação entre elas, teve uma influência considerável no
desenvolvimento da teologia cristã nos anos que se
seguiram.

C. A. Cultura Grega na Palestina


O impacto do helenismo sobre o judaísmo foi
sentido até mesmo na própria Palestina onde, na maior
parte, os judeus passaram pela Dispersão e viviam como
membros de uma comunidade grega. Durante o período
dos Selêucidas, muitas cidades da Palestina foram
conquistadas pelo estilo de vida grego e algumas novas
cidades foram construídas em estilo grego. Essas
comunidades, governadas por um senado democrático,
semelhante ao Boulê ou Conselho Ateniense, eleito
anualmente e composto de representantes do povo,
trouxeram para os judeus uma perspectiva mental
completamente nova e uma, até então desconhecida, visão
da cultura e civilização helenística, muito do que, para o
judeu fiel, parecia ser prejudicial e até mesmo subversivo à
fé de Israel. Mesmo em Jerusalém e seus arredores havia
muitos que adotaram o estilo de vida grego desde o início
do período da supremacia ptolomaica, e muitos mais
sucumbiram sob a propaganda concentrada dos
Selêucidas.
___________________
4Para uma abordagem mais completa, ver p. 23 s.
O Primeiro Livro de Macabeus lança luz sobre a
situação daquele tempo nestes palavras: "Nesta época
saíram também de Israel uns filhos perversos que
seduziram a muitos outros dizendo: Vamos e façamos
alianças com as nações ckcunvizinhas, porque desde que
nós nos separamos deles, caímos em infortúnios sem
conta. Semelhante linguagem pareceu-lhes boa, e houve
entre eles quem se apressasse a ir ter com o rei, que
concedeu a licença de adotarem os costumes pagãos.
Edificaram em Jerusalém um ginásio como os gentios,
dissimularam os sinais da circuncisão, afastaram-se da
aliança com Deus, para se unir aos estrangeiros e se
escravizar ao pecado" (1 Mac 1.12-15). Comentando sobre
essa passagem, A.C. Purdy escreve: "Lendo nas
entrelinhas, podemos inferir que o desafio para o
Judaísmo aqui não era o de uma religião rival, mas o de
uma cultura rival. Era o desafio do secularismo. A religião
dos judeus estava ainda para ser diretamente atacada, mas
um helenismo definido e agressivo havia surgido entre
eles"5.
Um fator importante de expansão dessa cultura rival
foi indubitavelmente a formação de ginásios que foram
construídos não apenas em Jerusalém, mas em muitas
regiões da Dispersão, na Palestina e arredores. "Eles
expressavam", escreve o Dr. Edwin Bevan: "tendências
fundamentais da mentalidade grega — sua inclinação para
a beleza harmoniosa da forma, o prazer do corpo, a
franqueza imperturbável com respeito ao mundo
natural."6 A ênfase grega na beleza, forma e movimento
iriam abrir o horizonte estético, desconhecido até então
para muitos judeus.
_________________________________
5Q H. C. MacGregor e A. C. Pwdy,Jewand Greek (O Judeu e o
Grego), 1937, p. 30.
Por essa razão, alguns dos ritos religiosos judaicos
que pareciam inestéticos para os gregos, passaram a ser
negligenciados por certos judeus. Como a citação anterior
de 1 Macabeus mostra, os atletas judeus, por exemplo, que
iam normalmente correr nus na pista, passaram a ser
"incircuncidados" por meio de uma leve operação
cirúrgica para evitar o escárnio da multidão.
Jogos e corridas no estádio e no hipódromo eram
marcas distintas das cidades helenizadas e eram populares
entre os jovens judeus, não menos do que entre pessoas de
outras tradições religiosas e culturais. O teatro também
desempenhou um papel importante na disseminação da
cultura grega. Sabemos de judeus que escreveram
tragédias em versos gregos, e cujas peças, como Êxodo de
um certo Ezequiel, foram, com certeza, apresentadas no
teatro que Herodes construiu perto do Templo de
Jerusalém. Os ritos e cerimônias religiosos, aos quais
muitos dos jogos e apresentações eram associados, tinham
uma influência inevitável sobre a população judia e
tendiam a corromper as mentes dos jovens,
acompanhadas, como eram muitas vezes, de uma medida
de imoralidade e vícios. O helenismo com o qual os judeus
estavam em contato durante esse período, embora
contivesse muito do que era bom e bonito, tinha, na
concepção popular, uma íntima conexão com o 'túmulo de
Dafne, e os caminhos dos soldados, guardiães de bordéis e
comerciantes7.

_______________________
6Jerusalem under the High Priests (Jerusalém sob a Liderança dos
Sumos Sacerdotes), 1920, p. 35.

D. A Influência Religiosa do Helenismo


E óbvio, a partir do que se tem sido dito, que a
influência do helenismo não podia estar confinada
estritamente aos aspectos sociais ou literários ou culturais
ou estéticos; por sua própria natureza, criou-se uma
atmosfera definitivamente espiritual que era, em muitos
aspectos, completamente estranha à perspectiva religiosa
dos judeus. Os vários festivais e cerimônias, associados a
quase tudo na vida social grega, deixaria sua impressão na
vida religiosa e nos costumes do povo.
E importante, nesta conexão, observar que o
Helenismo era um sistema sincretista, sob cuja superfície o
pensamento e as crenças de muitas antigas religiões
orientais continuaram a exercer uma forte influência. No
ramo sírio do helenismo, por exemplo, o Zoroastrismo,
religião do antigo Império Persa, ainda estava bem vivo8.
Em sua forma mais primitiva, de alguma forma o
Zoroastrismo ensinava um dualismo no qual havia uma
interminável batalha entre os poderes da luz, liderados
pelo espírito bom Ahura-Mazda, e os poderes das trevas,
conduzidos pelo espírito mau Angra-Mainyu. Esse
princípio dualista é formulado em uma doutrina de "duas
eras" na qual a "presente era" de impiedade é contraposta à
"era futura" de retidão. Afinal, pelos bons ofícios de
Shaoshyant, o salvador, Ahura-Mazda lança Angra-
Mainyu no abismo. O fim do mundo sobrevêm; os mortos
são ressuscitados e enfrentam o julgamento. Todos os
homens são sujeitados à chama de um fogo purificador;
por rim, todos são salvos e surge a nova era com um novo
céu e uma nova terra.
______________________
7
G. H. C. Macgregor e A/C. Purdy, op. cit, p. 143.
8
Ver p. 95,107 ss, 112,135.
Ao lado desse ensino do Zoroastrismo, havia o
antigo culto babilónico baseado nos luminares celestes e
especialmente nos sete planetas que, em suas voltas ao
redor da terra, controlavam, acreditava-se, as vidas dos
homens e as nações. A sobrevivência desse culto é bastante
compreensível porque o Império Persa que Alexandre, o
Grande, conquistara, tinha, por sua vez, sucedido o antigo
Império Babilônico e, no processo, havia incorporado
muitos de seus costumes e crenças e adotara o aramaico ou
"caldeu" como o idioma oficial do governo. Assim, ali
emergiu o sincretismo perso-babilônico, ou "mescla" de
cultura, que ao longo do tempo coloriu profundamente o
helenismo sírio.
Por meio do helenismo sírio, o impacto dessa
cultura seria sentido pelos judeus na Palestina. Realmente,
muitos dos judeus tinham contato direto com o
pensamento e a cultura perso-babilônica porque, desde o
tempo do Cativeiro, eles tinham vivido lado a lado com
iranianos (ou persas) na Mesopotâmia.
De vez em quando esses judeus babilónicos
voltavam à Palestina, trazendo consigo uma avaliação
simpatizante de alguns aspectos do pensamento persa,
particularmente aqueles que não eram necessariamente
incompatíveis com sua própria religião hebraica. Sem
dúvida, muitos foram atraídos a voltar à Palestina no
tempo dos Macabeus e seus sucessores, quando um estado
judeu forte começava a surgir.
A influência do Zoroastrismo, e de fato, de toda a
cultura perso-babilônica é amplamente ilustrada nos
escritos dos judeus apocalípticos desse período e mesmo,
embora em menos extensão, nas obras dos Judaísmo
farisaico. E evidente também nos escritos dos Pactuantes
de Qumran, nos quais aparece, por exemplo, uma forma
_________________
9Compare o interesse nos corpos celestes demonstrados nos
escritos como Jubileus e I Enoque 72-82.

de dualismo, em muitos sentidos semelhante ao do


Zoroastrismo, que não pode ser explicado simplesmente
através da referência à religião do Antigo Testamento .
Uma relação com a escatologia (isto é, doutrina das
"últimas coisas") do Zoroastrismo é indicada no próprio
Antigo Testamento ; mas os judeus apocalípticos,
incluindo o escritor do Livro de Daniel, são muito mais
fortemente influenciados por ele. Toda a perspectiva deles
é governada pela convicção de que aquela era presente
maligna estava na iminência de terminar e que a nova era
se seguiria imediatamente . Essa visão dualística do
universo coloriu suas convicções em relação à esperança
messiânica, por exemplo, que ao longo do tempo assumiu
características transcendentais e também sua concepção da
vida após a morte. Neste último caso, a influência do
Zoroastrismo é evidente em questões tais como a
separação da alma do corpo no momento da morte, o
destino dos mortos no lapso de tempo entre a morte e a
ressurreição, a doutrina da ressurreição e o ensino relativo
ao Juízo Final. Outro campo no qual se percebeu
profundamente essa influência, é na doutrina amplamente
difundida sobre anjos e demônios e, em particular, a
personalização de espíritos maus para os quais não há
paralelo no pensamento do Antigo Testamento. 16

________________________________
10
Ver p. 50.
11
Compare particularmente o rolo intitulado 'The War of the Sons of
Light and the Sons of Darkness" (A Guerra entre os Filhos da Luz e os
Filhos de Trevas).
12
Por exemplo, Isaías 24-27; 65.17 ss.
13
Ver p. 94, 107 ss, 120 ss.
14
Ver p. 130 ss.
15
Ver capítulo 7.
16
Verp. 50,112.
Ainda mais importante do que o helenismo sírio foi
o helenismo egípcio que tomou forma sob os Ptolomeus.
As antigas tradições religiosas e místicas do Egito e da
Babilônia entraram em contato com a nova ciência e
cultura gregas, produzindo um sistema de pensamento
muito mais abstrato em forma do que o ramo sírio de
helenismo. Muitos judeus, especialmente os da Dispersão,
foram grandemente influenciados pelo tipo filosófico de
religião que acompanhava essa forma particular da cultura
grega.
Este ponto é bem ilustrado pelo autor de Sabedoria
de Salomão , cuja familiaridade com o pensamento grego é
evidente, por exemplo, no ensino referente à "sabedoria".
A idéia de "sabedoria" é bem familiar para os leitores do
Antigo Testamento em livros como Provérbios, Jó e
Eclesiastes, mas em Sabedoria de Salomão a influência da
filosofia grega está mais claramente demonstrada. "O
ensino do autor referente à sabedoria divina e humana",
escreve B. M. Metzger, "é uma explicação das idéias
primitivas sobre esse tema expressadas no Livro de
Provérbios, com uma distorção metafísica emprestada da
concepção estóica do Logos universal, aquele mediador
impessoal entre Deus e a criação." Tendo "criado o mundo
a partir da matéria informe" (11.17, cf. Gn 1.2), Deus envia
à criação uma alma que, para o escritor desse livro, é nada
menos que a própria sabedoria. O espírito de sabedoria vem
de Deus (7.7, etc.) e é "uma clara efluência da glória do Todo-
Poderoso" (7.25). Deus criou todas as coisas por Sua palavra
(9.1), mas a sabedoria estava presente antes da criação (9.9).
Desde então, ela tem sido "o artífice" (7.22), o renovador (7.27),
o ordenador (8.1) e o realizador (8.5) de todas as coisas.
_____________________
17 Ver também IV Macabeus que mostra um conhecimento íntimo da
filosofia grega, especialmente 1.13 - 3.18, 5.22-26, 7.17-23.
18An Introduction to the Apocrypha (Uma Introdução aos Apócrifos), 1957,
p. 73.

Em 7.22s ele faz uma tentativa de definir sabedoria e


atribui nada menos que 21 qualidades a ela; mesmo assim,
ela permanece um enigma.
A influência do pensamento grego no livro
Sabedoria de Salomão também é evidente em seu ensino
referente à doutrina platônica sobre a preexistência da
alma, como em 8.19-20, em que lemos: "Eu era um menino
vigoroso, dotado de uma alma excelente, ou antes, como
era bom, eu vim a um corpo intacto." Essa mesma ideia
esta presente no escntor judeu Philo (morto em cerca de 50
d.C.) e em livros tais como II Enoque (1-50 d.C.) onde
aparecem estas palavras: "Sente-se e escreva para todos os
filhos dos homens, porém, muitos deles nascem, e os
lugares são preparados para eles na eternidade; porque
todas as almas são preparadas para a eternidade, antes da
fundação do mundo" (23.4-5).
A maioria desses livros judeus (particularmente os
de caráter apocalíptico) expressa a crença em uma
ressurreição da morte na qual a alma ou o espírito é
reunido ao corpo, mas em alguns deles a influência do
pensamento platônico é novamente evidente em
passagens que expressam a crença na imortalidade da
alma. Em Sabedoria de Salomão 3.1-5, por exemplo, lemos:
"Mas as almas dos justos estão nas mãos de Deus, e
nenhum tormento os tocará. Aparentemente eles estão
mortos aos olhos dos insensatos: seu desenlace é julgado como
uma desgraça. E sua morte como uma destruição, quando na
verdade estão na paz! Se eles, aos olhos dos homens,
suportaram uma correção, a esperança deles era portadora de
imortalidade, e por terem sofrido um pouco, receberão grandes
bens. Porque Deus, que os provou, achou-os dignos dele." Pelo
menos dois outros livros expressam essa mesma crença.
___________________
19
Cf. também 15.8,11, IV Mac 13.13, 21; 18.23
20
Ver p. 84,146 ss.

Em I Enoque 91-104 (cerca de 164 a.C), o escritor


refuta a visão dos saduceus de que não há nenhuma
diferença entre a sorte dos justos e a dos ímpios após a
morte (102.6-8,11) e afirma que, pelo contrário, "toda
bondade e alegria e glória estão preparadas" para as almas
dos justos (103.3). Eles vão viver e se regozijar e seus
espíritos jamais perecerão (103.4). Assim também no Livro
de Jubileus, (c. 150 a.C.) o justo passa imediatamente da
morte para a bem-aventurança da imortalidade — "Seus
ossos vão descansar na terra, e seus espíritos terão muita
alegria" (23.31).
A influência desses diferentes tipos de helenismo no
Judaísmo durante esse período está clara; mas em suas
doutrinas fundamentais, o Judaísmo permaneceu fiel à fé
de seus pais e preparou o caminho não apenas para sua
própria sobrevivência, mas também para o nascimento da
religião cristã.

2. A REAÇÃO CONTRA O HELENISMO


Já se mencionou a política de tolerância seguida
tanto pelos Ptolomeus como pelos Selêucidas, por meio da
qual foi permitido ao Judaísmo e ao Helenismo existirem
lado a lado. Esses foram anos de grande perigo para a fé
judaica. Porque essa política visava uma helenização por
meio de uma infiltração gradual de influência grega e uma
assimilação gradual do estilo de vida grego. Foi quando
essa política de penetração pacífica foi substituída por uma
política de perseguição, notavelmente no reinado de
Antíoco IV (175-163 a.C), que irrompeu uma violenta
reação transformada, com o tempo, num ódio ardente
contra todo o estilo de vida helenístico.

A. O Partido Helenista em Jerusalém


Muito antes de Antíoco IV assumir o trono, havia
um forte partido helenista entre os judeus da Palestina,
cujos líderes podiam ser encontrados principalmente entre
a aristocracia rica e sacerdotal que, por sua posição social,
desfrutava dos privilégios da corte real e bajulava os
favores do rei.
Além disso, todo esse período foi marcado por
amarga rivalidade entre duas grandes famílias, a Casa de
Tobias e a Casa de Onias, que iriam influenciar
profundamente o curso dos eventos nos anos futuros,
particularmente em relação ao ofício do Sumo Sacerdócio.
Josefo conta como o Sumo Sacerdote Onias II, "um grande
amante do dinheiro", recusou-se a pagar o imposto anual
de 20 talentos a Ptolomeu IV (221-203 a.C), depois que
José, filho de Tobias, havia sido indicado coletor de
impostos de todo o país. José e sua casa tornaram-se
extremamente ricos e ganharam uma posição de poder
considerável perante a nação. E assim, naquele momento,
as duas casas rivais estavam representadas nos dois ofícios
mais elevados do Estado.
No tempo de Antíoco, o Grande (223-187 a.C), o
controle da Palestina passou dos Ptolomeus para os
Selêucidas e em seguida José e seus seguidores
transferiram sua submissão àquele monarca, cujo governo
estava terrivelmente dependente de dinheiro. Havia, em
Jerusalém, homens prontos a levantar ou oferecer dinheiro
em troca de posições de poder. Um desses era Simão, da
Casa de Tobias, que no reinado de Seleuco IV (187-175
a.C.) encorajou o ministro-chefe do rei a se apoderar do
dinheiro sagrado do Templo e então tentou incriminar o
Sumo Sacerdote, Onias III. Várias revoltas eclodiram em
Jerusalém e Onias III partiu para a corte de Seleuco, a fim
de pedir a ajuda do rei para suprimir os distúrbios.
A rixa entre as duas casas rivais chegou a um ponto
crítico no reinado de Antíoco IV (175-163 a.C.) que
sucedeu a seu irmão Seleuco. Os helenistas em Jerusalém,
e em particular no partido aristocrático, que eram
abertamente favoráveis à Síria, viram na ascensão de
Antíoco uma oportunidade para atingir seus objetivos. O
Sumo Sacerdote legítimo, Onias III, cuja lealdade era pró-
Egito, era um obstáculo às suas esperanças e assim,
durante sua ausência temporária do país, e com a
concordância do rei, seu irmão Jesus ou Josué (que mudou
seu nome para a forma grega, Jason) foi designado Sumo
Sacerdote em seu lugar, em troca de um suborno
significativo para o rei (2 Macabeus 4.7-10). Antíoco, sem
dúvida, considerou essa indicação como um sábio
movimento político. Concedeu permissão para remodelar
Jerusalém segundo as linhas helenísticas (I Macabeus 1.11-
15); um ginásio foi construído em Jerusalém e muitos
judeus se vestiam segundo a moda grega.
Os judeus ortodoxos, e em particular os Hasidim ou
os Piedosos (antecessores dos Fariseus) , ficaram furiosos
com esses acontecimentos e com a expansão da influência
helenística em geral. Para eles, a indicação de um Sumo
Sacerdote era um ato de Deus, que nada rinha a ver com a
aprovação ou desaprovação de um rei gentio. O único
consolo era que o novo Sumo Sacerdote, Jason, pelo menos
era membro do partido ortodoxo. Porém, tal situação seria
logo alterada, porque a essa altura, um Menelau, que não
era membro da família do Sumo Sacerdote, expulsou Jason
do ofício com a ajuda de Tobias e a oferta ao rei de um
suborno maior que o oferecido por seu rival (II Mac 4.23
ss)! Os seguidores de Menelau apoiavam abertamente o
estilo de vida grego e se colocaram contra o partido
ortodoxo. A divisão entre essas duas facções do povo
aumentou e a luta irrompeu em Jerusalém entre os
partidos helenista e ortodoxo. Encorajados por um rumor
de que Antíoco havia morrido em uma campanha no Egito
(170-169 a.C), Jason se apressou rumo a Jerusalém e
expulsou Menelau (II Macabeus 5.5 ss).
O cenário já estava pronto para o início da luta. O
conflito que se seguiria não era simplesmente uma questão
de*"judeus contra sírios", mas de "judeus contra judeus";
porque, em oposição ao partido helenista em Jerusalém, a
vasta maioria dos judeus nos arredores do país estava
alinhada em oposição a qualquer política de helenização.
Como o Dr. Oesterley observa: "Durante uma boa parte do
segundo século a.C, 'Jerusalém contra Judá' descreve
corretamente o conflito interno judaico."
O rumor referente à morte de Antíoco mostrou-se
falso e o rei voltou, determinado a fazer que a Palestina se
submetesse a sua política declarada de unificar o reino por
meio da cultura e da religião helenísticas. Sem dúvida, sua
determinação foi fortalecida pelo medo do crescente poder
de Roma e da conseqüente necessidade de consolidar o
Império. A expulsão de seu protegido, Menelau, do ofício
de Sumo Sacerdote era considerada uma afronta à sua
dignidade real, por isso resolveu vingar-se dos judeus.
Assim, ele atacou Jerusalém, expulsou Jason e restabeleceu
Menelau em seu ofício. Seus soldados ficaram livres e
massacraram muitos dentre o povo; o Templo foi
profanado e os utensílios sagrados saqueados (I Mac 1.20-
28).

____________
Ver pp. 49, 54 s.

B. A Vingança de Antíoco
Logo tornou-se óbvio que, embora ele tivesse o
apoio dos helenistas em Jerusalém, sua política de
helenização era violentamente contrária à maioria das
pessoas que, além disso, recusavam-se a reconhecer
Menelau como Sumo Sacerdote. Assim, Antíoco
determinou exterminar completamente a religião judaica
(168 a.C). Optou por destruir as próprias características
distintivas da fé judaica (cf. I Macabeus 1.41 ss), assim
consideradas desde o tempo do Cativeiro. Todos os
sacrifícios dos judeus foram proibidos; o rito da
circuncisão teve que cessar, o Sábado e os dias de festas
não podiam mais ser observados. A desobediência a
qualquer desses mandamentos acarretaria a pena de
morte. Além disso, os livros da Torah (ou Lei) foram
desfigurados ou destruídos; os judeus, forçados a comer
carne de porco e a oferecer sacrifícios em altares idólatras
erigidos por todo o país. Então, para coroar suas ações de
infâmia, Antíoco erigiu um altar a Zeus do Olimpo com
uma imagem do deus (provavelmente com as
características do próprio Antíoco) sobre o altar de ofertas
queimadas no interior do átrio do Templo (I Mac 1.54). É
esse altar que o escritor do Livro de Daniel chama "a
abominação desoladora" (Dn 11.31).
Esses eventos foram seguidos de severa perseguição
na qual muitos foram condenados à morte (I Mac 1.57-64).
A esse período pertencem as histórias, em parte lendárias,
contadas em II Macabeus 6-7 sobre o martírio de Eleazar e
os Sete Irmãos. Muitos abandonaram as cidades e
superlotaram as aldeias onde eram perseguidos pelos
agentes do governo, cuja intenção era extinguir a fé
judaica.
_______________
22
A History of Israel (Uma História de Israel), vol. 2, 1934, p. 259.
C. Os Macabeus e a Revolta dos Macabeus
Logo, a resistência passiva abriu caminho à agressão
aberta. A faísca para a revolta veio da vila de Modein,
noroeste de Jerusalém, onde um sacerdote, Matarias, da
Casa de Hasmon, vivia com seus cinco filhos (I Mac 2.1 ss).
Quando um oficial sírio chegou a Modein para obrigar à
realização de sacrifícios pagãos, Matarias não apenas se
recusou a concordar, mas também matou um judeu
apóstata que prestava sacrifícios e ao mesmo tempo matou
o oficial sírio. Esse foi o motivo para Matatias e seus filhos
fugirem para as montanhas, onde a eles se uniram muitos
judeus zelosos (I Mac 2.23-28). De particular importância
foi a adesão a suas fileiras dos Hasidim (I Macabeus 2.42
ss), para quem toda a cultura helenística e a influência
estrangeira eram anathema, porque a presença deles "deu
plena sanção religiosa à revolta." Eles não poderiam ser
considerados um partido dentro do Judaísmo, mas
formavam um grupo de opinião muito poderoso. Eram
oriundos, em maior parte, das classes mais pobres e dos
distritos rurais, mas havia entre eles alguns homens
proeminentes. Sua evidente devoção e zelo religioso
viriam a ser vitais para o futuro da nação. A atitude deles é
vividamente expressa no Livro de Daniel que, em sua
forma presente, de algum modo, foi composto, no tempo
de Antíoco, por um dos Hasidim.
A Revolta que se seguiu foi liderada sucessivamente
por três dos filhos de Matarias: Judas (165-160 a.C.)
cognominado Macabeus ("Martelador"?), Jonatas (160-143
a.C.) e Simão (142-134 a.C). Em suas campanhas obtiveram
notável sucesso. No dia 25 de casleu (dezembro), 165 a.C,
no mesmo dia em que o templo havia sido profanado três
____________________
23
H. Wheeler Robinson, The History of Israel {A História de Israel),
1938, p. 176.
anos antes (I Mac 4.54), eles o purificaram e o
rededicaram, sob a liderança de Judas, e a adoração foi
restabelecida (I Mac 4.36 ss; cf. II Mac 10.1-7). Esse evento
tem sido comemorado desde então na Festa judaica de
Hanukkah (Dedicação), às vezes conhecida como a Festa
das Luzes. As lutas continuaram, mas em 162 a.C. Lisias,
regente de Antíoco V, ofereceu condições generosas ajudas
e concedeu perdão total aos rebeldes, e plena liberdade
religiosa (I Mac 6.58ss; II Mac 13.23s). Para convencê-los à
conciliação, ele ordenou que Menelau fosse condenado à
morte. Os Hasidim, cujos propósitos, por esse tempo, eram
religiosos e não políticos, viram seus alvos atingidos e
retiraram seu apoio aos Macabeus. Isso é indicado pelo
apoio que deram a Alkimus, a quem Demétrio I (sucessor
de Antíoco V), indicou como Sumo Sacerdote. Ele foi
reconhecido pelos Hasidim como um legítimo Sumo
Sacerdote da linha de Aarão. Judas, porém, não ficou
contente com apenas a liberdade religiosa, já que buscava
a independência política. Depois de relativo sucesso
inicial, os judeus foram derrotados e o próprio Judas foi
morto em Elasa em 160 a.C. (I Macabeus 9.18s). Alkimus
morreu pouco tempo depois, e pelos próximos sete anos
Jerusalém ficou sem Sumo Sacerdote.
Jonatas sucedeu a seu irmão Judas como líder dos judeus
nacionalistas com a ajuda de seu outro irmão, Simão. Foi
um tempo de intriga no qual vários rivais passaram a
reivindicar o trono sírio. Em 153 a.C. Demétrio I (162-150
a.C.) teve de lidar com tal rival na pessoa de Alexandre
Balas que afirmava ser filho de Antíoco IV.
__________________
24
No sentido exato o nome "Macabeus" deveria ser aplicado apenas
a Judas, mas em geral também é usado em referência a seus irmãos.
25
Cf. João 10.22 onde se faz referência à "Festa da Dedicação".
Ambos tentaram cortejar a amizade de Jonatas, e no
fim, Balas (150-145 a.C.) sobrepujou Demétrio designando-
o Sumo Sacerdote em 152 a.C. (I Macabeus 10.15-17).
Deve-se observar que o partido ortodoxo não elegeu o
Sumo Sacerdote, mas quando muito, simplesmente aceitou
a indicação feita pelo rei. Mais tarde, Jonatas foi
confirmado no ofício de Sumo Sacerdote por Trifon, que
estava agindo em nome do filho mais novo de Alexandre
Balas. Mas Trifon, suspeitando cada vez mais do poder de
Jonatas, matou-o em 143 a.C. (I Macabeus 12.48; 13.23).
Simão, que sucedeu a seu irmão Jonatas, começou a
solidificar sua posição. Em 142 a.C. ele ganhou de
Demétrio II (145-138 a.C.) imunidade de impostos e os
judeus proclamaram sua independência (I Mac 13.41). Em
141 a.C. deram um passo a mais. Um decreto em bronze
foi apregoado no Templo conferindo-lhe o ofício de Sumo
Sacerdote com direitos hereditários: "Os judeus e os
sacerdotes haviam consentido que Simão se tornasse seu
chefe e sumo sacerdote, perpetuamente, até a vinda de um
profeta fiel... e Simão aceitou. Prontificou-se a ser sumo
pontífice, chefe do exército, governador dos judeus'* (I
Mac 14.41-47). O Sumo Sacerdote outrora hereditário na
Casa de Onias e que havia sido usurpado desde a
deposição de Onias III, agora voltava a ser hereditário na
linha de Hasmoneu .
Aqui, então, nós vemos o surgimento de um estado
judeu independente no qual o chefe civil e líder militar era, ao
mesmo tempo, o Sumo Sacerdote. Essa união iria perdurar por
toda a vida da Casa de Hasmoneu. A Simão, porém, não seria
permitido morrer em paz. Em 134 a.C. ele foi traiçoeiramente
assassinado por seu genro Ptolomeu. Seu filho, João Hircano,
agora assumia o Sumo Sacerdócio (I Macabeus 16.13-17).
_______________
26
Para o significado deste nome, ver a seção seguinte.
Os Macabeus, em nome do judaísmo, haviam
conquistado uma ressonante vitória, não apenas sobre
seus inimigos externos, mas também sobre toda a cultura
que esses iriimigos estavam determinados a impor sobre
eles. Mas seria falso imaginar que a vitória decisiva havia
sido ganha.

D. A Casa de Hasmoneu
A palavra Hasmoneu é derivada do nome da família
de Mavatias e seus filhos que pertenciam à Casa de
Hasmon. Por este nome os Macabeus eram conhecidos
mais tarde na literatura judaica, mas é conveniente
reservar a expressão "Macabeus" para Judas e seus dois
irmãos e usar o título "Hasmoneu" para descrever seus
descendentes, ao todo cinco, sob os quais os judeus
experimentaram quase setenta anos de independência
(134-63 a.C). Por pouco tempo, durante o reinado de João
Hircano (isto é, Hircano I, 134-104 a.C.) a Judéia tornou-se
um estado vassalo, mas recuperou a independência em
129 a.C. com a aprovação do Senado de Roma. Hircano
imediatamente começou a estender seu território. No sul,
por exemplo, ele anexou a Iduméia, compelindo os
habitantes a se circuncidarem; no norte, ele se apossou do
território de Samaria, destruindo o Templo rival do Monte
Gerizim.
Esses atos de Hircano mostram que ele tinha ideais
evidentemente religiosos, mas durante todo esse período
havia um crescente descontentamento, principalmente da
____________________
27
Para pontos de vista destes eventos sobre a esperança
messiânica, ver p. 123 s.
28
Este Templo havia sido construído provavelmente em alguma
época do IV século.
parte dos Hasidim e dos judeus ortodoxos em geral, contra
os Macabeus e a Casa de Hasmoneu. Esses não apenas
haviam tomado o Sumo Sacerdócio, mas estavam se
tornando cada vez mais mundanos e irreligiosos. No
tempo de João Hircano, o ramo crescente dentro do
Judaísmo havia-se materializado em dois partidos, cujos
nomes agora emergem, pela primeira vez, como Fariseus e
Saduceus. Primeiro, Hircano tomou o partido dos fariseus,
mas quando um de seus membros exigiu que ele
renunciasse ao ofício de Sumo Sacerdote, ele rompeu com
estes e uniu forças com o partido dos Saduceus.
O Dr. Oesterley afirma que uma das principais
razões por que os fariseus se opunham aos Hasmoneus era
que eles falavam de si mesmos como reis, embora não
fossem da linhagem de Davi, e ele indica que até Hircano
assumiu esse ofício real. Se as coisas eram assim ou não,
Josefo informa que o sucessor de Hircano, Aristóbulo I
(103 a.C), foi o primeiro a assumir o título de rei, embora
isso não seja indicado em suas moedas. Esse fato,
associado ao apoio do partido dos Saduceus, seu amor
pela cultura grega e o fato de estar implicado no
assassinato de sua mãe e de seu irmão Antígono,
aumentou ainda mais o antagonismo dos fariseus.
Essas questões, porém, chegaram a um ponto crítico
no tempo de seu sucessor, Alexandre Janeus (102-76 a.C).
Desde o início, ele irritou profundamente os fariseus ao se
casar com a viúva de seu irmão Aristóbulo, embora fosse
contra a lei um Sumo Sacerdote fazê-lo. Além disso, ele
negligenciou seu ofício espiritual e dedicou-se como
guerreiro a conquistar e a engrandecer a si mesmo por
meio da guerra.
________________
29
Ver p. 49 ss.
30
Op. Cit, p. 285 s.
31
Antiquities (Antiguidades) 13. 301; Bellum Judaicum 1. 70.
Usava o título de "rei", anunciando o fato em suas
moedas em caracteres tanto gregos como hebraicos, assim
revelando sua ligação com o estilo de vida grego,
demonstrando um passo à frente na secularização do
Sumo Sacerdócio. Sua impopularidade entre o povo é
ilustrada por um incidente por ocasião da Festa dos
Tabernáculos. Com total desprezo pelas responsabilidades
com seu ofício de Sumo Sacerdote, ele propositalmente
escarneceu das exigências rituais ao derramar a água da
libação no chão e não sobre o altar. As pessoas ficaram tão
furiosas que bateram nele com os ramos de cidreira que
haviam trazido para usar no ritual. Em um acesso de
cólera, ele deu ordens a seus soldados que mataram
muitos dos judeus dentro do pátio do Templo. Mais tarde,
a situação ficou tão ruim que estourou a guerra civil de
seis anos. Quando, afinal, a paz foi restabelecida, registra-
se que ele levou oitocentos judeus que haviam lutado
contra ele, à morte por crucificação.
Durante o restante de seu reinado, os fariseus e os
ortodoxos permaneceram em paz. Mas o partido dos
fariseus estava se tornando tão poderoso que Janeus,
próximo ao final de sua vida, viu nisso um grave perigo
para a casa real. Assim, aconselhou sua esposa Alexandra,
indicada rainha por sua ordem, a entrar em acordo com
eles dando-lhes mais autoridade no Estado. Quando
Alexandra (75-67 a.C.) subiu ao trono após a morte do
marido, ela agiu conforme ele havia orientado e designou
seu filho mais velho, Hircano II, como Sumo Sacerdote.
Hircano era bem disposto com os fariseus e, por sua
influência, o poder deles aumentou consideravelmente em
força. Com forte poder civil e religioso nas mãos, eles
puderam impor, ao povo, suas próprias convicções. Em
particular, eles tornaram as coisas muito difíceis para seus
oponentes saduceus, os quais encontraram um defensor no
filho mais novo de Alexandra, Aristóbulo, que deixou
claro que sua intenção era o trono. Após a morte de sua
mãe, Aristóbulo reuniu um exército e derrotou seu irmão
perto de Jericó. Hircano foi forçado a deixar o ofício e
Aristóbulo (66-63 a.C.) tornou-se rei e Sumo Sacerdote,
permanecendo no poder até 63 a.C.
A história dos Hasmoneus chegou ao fim por causa
de um Antipater, governador da Iduméia, que encorajou
Hircano, no exílio, a remover seu irmão do ofício. Com
ajuda de um governador árabe, Aretas III, ele atacou
Aristóbulo em Jerusalém. Foi nesse momento que Roma
decidiu interferir nas questões da Palestina. Pompeu
enviou seu general, Scaurus, para sufocar o levante e ele,
mediante suborno, apoiou Aristóbulo. No ano de 63 a.C, o
próprio Pompeu, temendo os desígnios de Aristóbulo,
atacou Jerusalém e a conquistou, entrando pessoalmente
no Templo e no Santo dos Santos. Aristóbulo foi levado
cativo para Roma. Hircano foi confirmado no Sumo
Sacerdócio e designado etnarca da Judéia, então
acrescentada à província da Síria.

E. Herodes e os Romanos
Em 163 a.C, então, os judeus perderam sua indepen-
dência quando Pompeu, mais uma vez, os submeteu ao
"jugo dos pagãos". Desse momento em diante, o espírito
do nacionalismo judeu transformou-se em revolta e
continuou até a completa destruição de Jerusalém e do
Estado judeu em 70 d.C.
Os anos que se seguiram a 63 a.C. realmente foram
muito atribulados, e as complicações não podem ser
mencionadas aqui a não ser ligeiramente. Antipater, cujo
nome é proeminente na história dos judeus nos vinte anos
seguintes, a princípio deu forte apoio a Pompeu, mas em
48 a.C; quando Pompeu foi derrubado, ele transferiu seu
apoio para o rival, César. Como resultado, César concedeu
muitos consideráveis privilégios aos judeus, não apenas na
Judéia, mas também na Dispersão. Antipater foi nomeado
governador da Judéia, recebendo também a cidadania
romana. Mas, apesar de todos os benefícios decorrentes de
sua amizade com César, Antipater era amargamente
odiado pelos judeus, sem dúvida justamente por causa de
sua dependência de Roma e por ser idumeu (isto é,
edomita) de nascimento. Esse ódio se intensificou quando,
depois da morte de César em 44 a.C, o procônsul Cassius
entrou na Síria e, com extrema severidade, impôs pesados
tributos ao povo. No ano seguinte, Antipater foi
envenenado por seus inimigos.
Quando Antônio subiu ao poder, após a batalha de
Filipos em 42 a.C, ele nomeou os dois filhos de Antipater,
Fasael e Herodes, tetrarcas sob o governo do etnarca
Hircano II, a quem ele confirmou no Sumo Sacerdócio.
Mas logo surgiram sérios problemas. Antígono, filho de
Aristóbulo, o Hasmoneu, ganhou o apoio de Partiano, que
apoiava suas reivindicações ao trono. Fasael e Hircano
foram feitos prisioneiros; o primeiro cometeu suicídio e o
outro foi levado ao exílio. Porém, Herodes escapou e foi
direto para Roma, onde assegurou uma entrevista com
Antônio. Ali, para sua própria surpresa, ele foi designado
rei da Judéia (40 a.C). Porém, ele ainda tinha que enfrentar
Antígono, que havia tomado posse da Judéia. Com ajuda
dos romanos, ele derrotou seu rival em 37 a.C, após um
cerco de três meses a Jerusalém. Antígono foi condenado à
morte e assim começou o reinado de Herodes, o Grande.
Sob o governo de Herodes (37-4 a.C.) e de seus
filhos, a política de helenização propagou-se rapidamente.
Ele queria, tanto quanto possível, ser "tudo para todos os
homens" - para os judeus, um judeu, para os pagãos, um
pagão. Seu casamento com Mariane, a neta de Hircano, era
uma indicação de seu desejo de agradar aos judeus como
foi, por exemplo, a construção do novo Templo de
Jerusalém, iniciada no ano 20 a.C. Porém, mesmo assim,
não foi possível conciliar o povo com sua origem iduméia
e com seus planos de helenizar o reino. Num aspecto
importante, ele perdeu a simpatia de muitos de seus
súditos judeus: na dinastia hasmoneana, o Sumo Sacerdote
e o rei eram a mesma pessoa; Herodes, sendo idumeu, não
poderia ser o Sumo Sacerdote, e assim ele adotou a política
de, tanto quanto possível, degradar esse ofício. Com isso
em vista, ele quebrou o princípio hereditário no qual o
sumo sacerdócio estava baseado e aboliu o direito vitalício
desse ofício. Depois disso, o Sumo Sacerdote passou a ser
designado por ele e mantinha o ofício enquanto agradasse
ao rei.
A política de helenização que Herodes empreendeu
era devida, pelo menos em parte, à própria natureza de
seu reino, que abrangia muitas cidades gregas e incluía
inúmeros gregos entre os cidadãos. Ele tem sido chamado,
às vezes, de "patrono do helenismo" e esse título pode ser
plenamente justificado em muitos sentidos. Por exemplo,
ele fez pouco uso do Sinédrio judeu e em seu lugar
estabeleceu um conselho real nos moldes helenísticos;
substituiu a antiga aristocracia hereditária por uma nova
aristocracia de serviço e elevou essa nova classe de acordo
com as práticas helenísticas. Sua política de administração,
de natureza burocrática fortemente centralizada, seguia
também as linhas do helenismo. O historiador Josefo nos
diz que "ele indicou jogos solenes a serem celebrados a
cada cinco anos em honra a César, e construiu um teatro
em Jerusalém, como também um imenso anfiteatro na
planície" (Ant., 15.8.1, seção 267-69). Era um partidário
liberal dos Jogos Olímpicos e "foi declarado nas inscrições
do povo de Elis para ser um dos atdministradores
permanentes destes jogos" (Ant, 16.5.3, seção 149). Suas
extensas operações de construção provam a alegação de
que ele encorajava o culto ao Imperador, porque todos os
muitos templos que construiu por toda a Palestina eram
dedicados a César. Os fariseus, particularmente, ficaram
horrorizados quando souberam que Herodes realmente
havia permitido que os pagãos erigissem estátuas a ele, em
seu reino. Lemos sobre certos homens, sucessores
legítimos dos antigos Maca-beus, que entraram em santa
aliança para impedi-lo, até mesmo sob risco de morte, de
perpetrar sua política de helenização.
Mesmo quando eram capturados e torturados e
condenados à morte, havia outros prontos a tomar seus
lugares.
Em seguida à morte de Herodes em 4 a.C,
irromperam tumultos na Galileia, que desse tempo em
diante ficou conhecida como berço do nacionalismo
judaico. Josefo nos diz que um certo Judas, o Galileu,
associado a Zadoque, fariseu, rebelou-se contra Roma e
fundou uma nova seita em 6 d.C. Esse é presumivelmente
o partido que mais tarde veio a ser conhecido como
Zelotes (em grego) ou Cananeus (em aramaico) ou Sicaris
(em latim) e que passou a ser um espinho na carne dos
romanos por muitos anos. Com matança, a rebelião na
Galileia foi sufocada por Arquelau, filho de Herodes (4
a.C. — 6 d.C.) que o sucedeu como governador da Judeia,
apenas para ser banido anos mais tarde pelos romanos
como resultado de uma apelação contra ele por judeus e
samaritanos. A exceção de um curto período de três anos,
nos quais o neto de Herodes, Agripa I (41-44 d.C),
governou como rei da Judéia, o país foi dirigido por uma
sucessão de procuradores romanos (6 d.C. -66). Durante
todo esse período, o nacionalismo judeu foi crescendo em
intensidade e encontrou uma expressão particularmente
perigosa nas atividades dos Zelotes, que consideravam o
governo estrangeiro dos romanos como uma situação
intolerável. Essas atividades eram motivadas não apenas
por propósitos políticos, mas também por profundas
convicções religiosas, porque aparentemente os Zelotes
consideravam a si mesmos como a verdadeira linha
sucessória dos antigos Macabeus.
É interessante notar que pelo menos um dos
discípulos de Jesus pertenceu, ou havia pertencido, a esse
partido. Ele é chamado Simão, o Zelote (Lucas 6.15, Atos
1.13) ou Simão, o Cananeu (Mateus 10.4, Marcos 3.18).
Tem sido discutido que outros também podem ter
pertencido, como Judas Iscariotes (do latim sicarius,
"assassino"?), Simão Barjonas (do acadiano barjona
"terrorista"?) e Tiago e João, os "filhos do trovão" (Marcos
3.17). Em pelo menos uma ocasião, pensa-se que Paulo era
um Zelote (Atos 21.38) e o próprio Jesus foi associado aos
líderes do movimento Zelote pelo mestre Gamaliel (Atos
5.36,37). Jesus não era um Zelote, mas, sem dúvida, alguns
de seus contemporâneos judeus e dos romanos o
consideravam como tal.
Os Zelotes eram essencialmente homens zelosos
para com Deus — agentes de Sua ira contra os caminhos
idólatras dos pagãos. Eles criam que eram chamados por
Deus para se engajarem em uma Guerra Santa contra o
"poder das trevas". Nesse particular, compartilharam as
crenças de muitos outros judeus patrióticos, incluindo os
Pactuantes de Qumran. De fato, a esse respeito, à exceção
dos colaboracionistas saduceus, não há, às vezes, uma
linha clara de demarcação entre uma seita e outra.
_________________
32
Cf. O. Cullmann, The Slate in the New Testament (O Estado no
Novo Testa-mento), 1956, p. 15 ss.
Mesmo Josefo, que cuida em isolar os Zelotes e
imputar a eles a vergonha da Guerra dos Judeus, em pelo
menos uma ocasião, associa os Zelotes aos Essênios, e,
como temos visto, associa-os aos fariseus em sua origem.
Seu patriotismo era, sem dúvida, mais obviamente
expresso do que o dos outros, e seu zelo por Deus os
tornou bem preparados para empunhar a espada como
um instrumento de salvação apontado por Deus, mas
como oDrWR. Farmer diz: "Quando as coisas ficaram
claras, toda a nação foi chamada a uma luta de vida ou
morte entre o povo de Deus e seus inimigos. Todos os
judeus patriotas, quer fariseus, essênios ou zelotes, seriam
chamados a dar todo o seu empenho na Guerra Santa." O
mesmo escritor-observa que os Zelotes eram, sem dúvida,
considerados por muitos de seus compatriotas como
"extremamente zelosos" e "um tanto rápidos no gatilho",
em comparação com os outros partidos do país. O que é
certo é que eles contribuíram muito para começar a guerra
com Roma que assolou de 66 a 70 d.C. e terminou com a
destruição de Jerusalém e de todo o Estado judeu. Apenas
mais uma vez, em 132 d.C, houve uma tentativa de lutar
pela independência do Judaísmo em uma revolta liderada
por Ben Kosebah, comumente chamado de Bar Kochba,
ajudado pelo influente Rabino Akiba. Três anos mais
tarde, a rebelião foi esmagada e Jerusalém foi remodelada
como cidade pagã.
A batalha entre o judaísmo e o helenismo havia
terminado e por todas as aparências a batalha fora
perdida. Mas, assim como o helenismo não se pôde resistir
apenas
________________
33Ver p. 54 ss.
34Ver p. 37.
35Maccabees, Zealots and josephus (Macabeus, Zelotes e Josefo),
1956, p. 183.
pela força, assim também o judaísmo não pôde ser
extinto pelo poder das armas. O Estado judeu caiu, mas o
judaísmo prevaleceu, porque quando a conquista foi
negada e o acordo proibido, ao contrário do cristianismo,
que se expandiu para o mundo helenístico para "pensar
melhor, viver melhor e morrer melhor" os pagãos, o
judaísmo escolheu para si o caminho da separação. Esse
passo significativo foi dado por Jonatas ben Zakkai que,
enquanto a batalha assolava a vida de Jerusalém, pouco
antes de sua queda, partiu para a cidade de Jamina no
litoral da Palestina e fundou uma escola que iria marcar o
início de uma nova era para o povo judeu. Eles já não
tinham Jerusalém; eles já não tinham o Templo; mas lá em
Jamina eles tinham o estudo da sagrada Lei de Deus, e isso
para eles era mais do que a própria vida. Por ela seus pais
haviam lutado e morrido; por ela seus filhos iriam viver.
2

O Povo do Livro
A luta entre o judaísmo e o helenismo descrita no
último capítulo não pode ser explicada tendo como
referência o desejo dos judeus, seja de "liberdade política",
seja de "liberdade religiosa". De fato, havia luta até mesmo
quando eles desfrutavam de liberdade política; e a
"liberdade religiosa", no sentido dos direitos de cada
homem seguir os princípios de sua própria consciência,
não era tolerada pelos judeus. "Durante todo este período",
escreve o Dr. T. W Manson, "os judeus estavam lutando,
não por ideais modernos como estes, mas pela
sobrevivência de 'Israel', onde 'Israel' representa um todo
orgânico complexo, que inclui a fé monoteística, os cultos
no Templo e nas sinagogas, a lei e os costumes
personificados na Torah, as instituições políticas que
haviam surgido no período pós-exüio, a reivindicação de
propriedade da Terra Santa, e qualquer sonho do que
pudesse ter sido um mundo governado por Israel para
substituir o governo dos impérios gentílicos".36
A nova ordem das coisas contida nesses ideais,
pelos quais o judaísmo estava disposto a lutar até a morte,
já haviam encontrado expressão perto do início do século
III a.C. em algumas palavras do Sumo Sacerdote Simão, o
Justo. No tratado judaico Pirke Aboth 1.2 está escrito: "Ele
dizia: sobre três coisas o mundo está fundamentado: na
Torah, e no Serviço (Templo), e em praticar o bem". Essas
três coisas representam "revelação, adoração e simpatia,
isto é, a palavra de Deus para o homem, a resposta do
______________
36
T. W. Manson, The Servant-Messiah (O Servo Messias), 1956, p.
5.

homem para Deus, e o amor do homem para com seu


semelhante",37 e são ao mesmo tempo a lei da vida e o
fundamento da nação e do estado de Israel. Nos dias ante-
riores aos Macabeus, o Templo ainda era um bastião
contra a onda do helenismo, mas, como podemos ver, o
ponto de levante das forças do judaísmo tornou-se cada
vez mais a Torah eterna e sagrada.

1. A RELIGIÃO DA TORAH
O Dr. G. F. Moore define a palavra "Torah" como "o
termo amplo para a revelação divina, escrita e oral
baseados na qual os judeus possuíam o padrão e a norma
singulares de sua religião".38 A palavra significa
"instrução" ou "ensino" e indica a revelação dada por Deus
a Israel por meio de seu servo Moisés. A palavra é
freqüentemente traduzida como "Lei", mas isso pode
conduzir a um equívoco, porque seu significado está mais
próximo de "revelação" do que de "legislação". Mas, uma
vez que essa "revelação" encontra expressão escrita no
Pentateuco, o nome 'Torah" é aplicado comumente aos
"cinco livros de Moisés". Como vamos ver, o nome poderia
ser aplicado não apenas ao registro escrito dessa revelação, mas
também à tradição não escrita que buscava explicitar o ensino
implícito na Torah escrita.
Ao longo de todo o período de Antíoco IV (175-163 a.C.)
a Vespasiano (d.C. 69-79) e Tito (d.C. 79-81), o nacionalismo
judeu estava arraigado e fundamentado na Torah. Nessa
palavra estavam os germes da revolta que iriam declarar morte
ao helenismo e a tudo aquilo que a cultura estrangeira estava
introduzindo na nação judaica. E assim, o Livro, o veículo e a
____________________
37
R, H. Charles, Apocr. And Pseud. (Apócrifos e Pseudônimos),
1913, p. 691.
38
]udaism (Judaísmo), vol. 2,1927, p. 263.

expressão da Torah, cada vez mais se tornou o sinal


e o símbolo da fé dos judeus.

A.. Do Templo à Torah


O espaço deste livro não permite contar a história de
Esdras que, de acordo com o Talmude39, "fundou" a Torah
muito depois de ela ter sido esquecida e, apenas se pode
fazer uma breve menção aos soferins ou escribas que, de
acordo com a tradição, continuaram o trabalho de Esdras,
ensinando e interpretando a Torah para as sucessivas
gerações, reivindicando para ela uma posição de
autoridade suprema no judaísmo. O ensino deles, baseado
em exegese simples da Torah, deu ensejo a novas
tradições, para as quais não havia nenhum precedente na
antiga tradição ou na própria Torah.*
O papel exercido pelo ensino oral dos escribas foi
muito significante no preparo das pessoas para os anos
atribulados que se seguiriam, nos quais a influência da
cultura helenística começou a se fazer sentir muito
profundamente. Há razão para acreditar que os soferins
organizaram reuniões semanais não só em Jerusalém, mas
nas cidades e aldeias adjacentes, nas quais liam a Torah
publicamente e explicavam seus ensinamentos. Seria um
equívoco pensar nessas reuniões em termos dos ofícios das
sinagogas, que surgiram posteriormente e se espalharam
rapidamente por toda a Jerusalém e pelas regiões da
Dispersão, mas sem dúvida, eles prepararam o caminho
para aqueles ofícios, e aos soferins e seus sucessores é
atribuído muito do crédito pelo desenvolvimento dessa
instituição vital para o judaísmo.
_________________
39Ver p. 68, n. 3.
40Ver também p. 64 ss.
Na ocasião da morte de Simão, o Justo, cerca de 270
a.C, a influência dos soferins declinou, mas há evidência
de que após essa data um conjunto de homens,
principalmente leigos, continuou a aplicar-se
reservadamente ao estudo da Torah. Esse período de
ensino não autorizado continuou até cerca de 196 a.C,
quando provavelmente foi encerrado pela organização que
mais tarde viria a ser conhecida como Sinédrio, um
tribunal composto de membros sacerdotes e leigos que se
dedicava à regulamentação das questões religiosas.
Assim, muito tempo antes da Revolta dos
Macabeus, as pessoas comuns haviam sido instruídas na fé
e haviam aprendido a aplicar a religião à vida cotidiana na
nova situação e condições que se formavam na Palestina.
A Torah passou a ser o centro da atenção, ocupando um
lugar cada vez mais significativo na vida devocional de
muitos que, por causa das dificuldades daqueles tempos
ou por causa da dispersão, longe de Jerusalém, não
podiam oferecer sacrifícios no Templo Sagrado.
Em algum momento, então, entre a conclusão da
Torah em cerca da metade do século IV a.C. e a Revolta
dos Macabeus em 167 a.C, ocorreu uma transferência sutil
de ênfase, do Templo para a Torah, o que ainda seria de
grande importância para a sobrevivência do judaísmo.
Mas foi na era dos macabeus que essa mudança foi mais
notável, porque nessa época a Torah havia se tornado o
símbolo visível da fé judaica. O triunfo da Revolta dos
Macabeus e o desenvolvimento das sinagogas e das
escolas, tanto em Jerusalém como na Dispersão, aumentou
ainda mais a reputação da Torah. A Torah da Sinagoga
não estava, em nenhum sentido, em oposição ao ritual do
Templo, mas nutriu uma religião pessoal profunda — algo
que os ritos do Templo não eram capazes de fazer. E
assim, chegou um momento em que o registro escrito pôde
tomar o lugar dos atos litúrgicos nos afetos do povo. Isso
explica por que, apesar da destruição do Templo em 70
d.C, o Judaísmo conseguiu sobreviver. O ritual do Templo
havia sido substituído pela reverência para com a Torah; o
sacerdote havia sido substituído pelo rabino; o Templo
fora suplementado pela sinagoga. Depois disso, o
judaísmo passou a ser, essencialmente, a religião do livro.

B. O Ponto de Levante da Revolta


A centralidade da Torah para o movimento do
nacionalismo judeu pode ser amplamente ilustrada, tanto
no período dos Selêucidas como no dos romanos: em cada
um ela tornou-se o ponto de levante da revolta. Por
exemplo, quando Matadas, no tempo de Antíoco TV,
desafiou o poder dos sírios em Modein, ele clamou em alta
voz ao povo: "Quem for fiel à lei e permanecer firme na
Aliança, saia e siga-me" (I Macabeus 2.27). Realmente é
muito significativo que, apesar de o Templo ter sido
profanado apenas pouco tempo antes (I Macabeus 1.54),
não foi em defesa do Templo, mas da Torah, que as
pessoas foram conclamadas. Um apelo ao Templo teria
reunido uma parte do povo; mas um apelo à Torah tinha
mais chance de reunir todo o povo; e, mesmo que nem
todos respondessem, todos estavam envolvidos, porque
toda a nação reverenciava a Torah como revelação e
vontade declarada de Deus. "Do primeiro ao último",
escreve o Dr Travers Herford, "a batalha era entre o
helenismo de um lado e a Torah do outro; e o resultado
final é que o helenismo foi derrotado e a Torah se manteve
suprema, reconhecida por quase todos e jamais
abertamente desafiada por alguém".41
Os inimigos dos judeus foram rápidos em
reconhecer a confiança que devotavam à Torah e o
entusiasmo com que se levantavam em sua defesa. E assim
a Torah escrita tornou-se o foco do ataque contra o
judaísmo. Concernente à perseguição de Antíoco IV,
lemos: "Rasgavam e queimavam todos os livros da lei que
achavam; em toda a parte, a todo aquele, em poder do
qual se achava um livro do Testamento, ou todo aquele
que mostrasse gosto pela lei, morreria por ordem do rei." (I
Macabeus 1.56, 57). Atacar a Torah significava atacar o
próprio judaísmo; defender a Torah era defender a fé de
seus pais.
A Revolta dos Macabeus começou, continuou e
terminou, então, em uma convocação para se levantar em
defesa da Torah que era, para os judeus, a própria
incorporação da religião deles. O desafio do helenismo não
era simplesmente uma questão de política ou estética ou
moral ou cultura; era um golpe desferido contra as
próprias raízes da fé judaica, que era fundamentada na
Torah sagrada, e a ele se deveria resistir com todas as
forças.
Mas, como já temos visto, a Revolta dos Macabeus,
embora alcançasse uma grande vitória, não resolveu a
questão "judaísmo versus helenismo" de uma vez por
todas. A nação judaica ainda estava rodeada pela cultura
helenística e devia, de alguma forma, estabelecer suas
relações com seu ambiente. Durante o tempo dos
Hasmoneus, em particular o desenvolvimento das
sinagogas e das escolas, em ambas as quais o ensino era
ministrado com base na Torah sagrada, ajudou
grandemente a impedir a infiltração do helenismo na vida
da nação.
__________________
41
Talmud and Apocrypha (Talmude e Apócrifos), 1933, p. 80.

Mas com o advento de Roma, influências helenistas


começaram a se firmar novamente de formas mais
declaradas e tiveram que ser rechaçadas. A batalha teve
que ser enfrentada por toda parte novamente, e mais uma
vez a Torah foi o ponto de encontro da revolta. Josefo, por
exemplo, escrevendo sobre os judeus que se opunham à
.política helenizante de Herodes, fala dessa "constância
destemida que eles demonstravam na defesa de suas leis"
(Ant., 15.8.4, seção 291). Essas palavras podem ser
consideradas como uma verdadeira descrição da atitude
dos judeus para com os romanos durante esse período e
até a queda de Jerusalém em 70 d.C.
Repetidas vezes Josefo declarou que eles não
somente estavam dispostos a lutar e a matar pela Torah,
mas também a sofrer e a morrer por sua causa.
Tanto no caso dos Selêucidas como no caso dos
romanos, os inimigos dos judeus foram rápidos em
identificar o centro da lealdade deles, e então ataques e
mais ataques eram lançados contra a Torah. E muito
significativo que entre os troféus do Templo, que Tito
levou consigo em uma procissão triunfal em Roma, havia
uma cópia da Torah judaica, e que atrás da procissão eram
carregadas imagens de Nikè, a deusa grega da vitória. A
Torah é considerada aqui como o símbolo supremo do
Judaísmo sobre a qual as forças do Helenismo üuminado,
como se acreditava, havia prevalecido.

C. A Santa Aliança
Esse zelo que os judeus demonstravam pela Torah
ao longo de todo o período helenístico era, contudo, não
simplesmente zelo por um Livro, mas pela Aliança sobre a
qual o Livro testemunhava, uma Aliança feita por Deus na
qual ele havia separado a nação judaica para ser seu povo
particular. Menosprezar a Torah era trair a Aliança que
Deus havia feito com seus pais. Isso ajuda a explicar a
lealdade fanática que muitos judeus demonstravam para
com os ritos de sua fé ao longo daqueles dias difíceis.
A circuncisão, por exemplo, era um sinal visível de
que um homem era um membro da Aliança (I Macabeus
1.48, etc), e assim, sujeitar-se à "incircuncisão" era negar
completamente a Aliança (I Macabeus 1.15). Comer carne
de porco era fazer o que a Torah proibia, e assim a isso se
devia resistir sob a penalidade de morte (cf. I Macabeus
1.62,63; II Macabeus 6.18, 7.1 para ver histórias de bravo
heroísmo). O Sábado sagrado era, igualmente, uma marca
da Aliança que o Helenismo procurou profanar (ITMac
6.6); os judeus observavam isso tão rigorosamente, que
muitos deles preferiam a morte a levantar os braços,
mesmo para se defender, no dia do Sábado (II Macabeus
6.11; I Macabeus 2.29-38). A Torah era inflexível em sua
proibição de idolatria de qualquer tipo ou forma; daí o
ódio amargo dos judeus por qualquer coisa que lembrasse
o culto ao Imperador; daí também sua violenta oposição
àquelas construções em estilo grego, decoradas com
figuras idólatras de arrimais e homens; até mesmo os
troféus que adornavam os teatros eram olhados por
muitos como imagens, e então, eram anátema para os
judeus, que adoravam um "Deus ciumento" que não
toleraria nenhum rival ao seu trono.
O lugar que a Torah ocupava e ainda ocupa, na vida
do Judaísmo, é bem resumido nestas palavras do Dr. H.
Wheeler Robinson: "A Lei era a escritura do Judaísmo, a
fonte verdadeira de sua força durante muitos séculos. As
instituições que a lei prescrevia, em grande medida,
acabaram em 70 d.C; mas a Lei mostrou seu poder pela
criação de um novo judaísmo, capaz de resistir sem terra,
cidade ou templo. Através da leitura da Lei, suplementada
pelos escritos dos profetas, nas sinagogas espalhadas da
Dispersão, o conhecimento de um Deus santo e de sua
Aliança com Israel foi mantido vivo nos corações de
todos".42

2. A TORAH E AS SEITAS
O Judaísmo do período de que estamos tratando, era
um sistema mais complexo, contendo dentro de si mesmo
muitos partidos, grupos e seitas diferentes, cujos nomes e
crenças distintas nem sempre ficaram registrados na
história. Josefo declara que "os judeus tiveram, por um
grande período de tempo, três seitas de filosofia" (uma
expressão mais enganosa) - os Fariseus, os Saduceus e os
Essênios, aos quais ele acrescenta o partido fundado por
Judas e Zadoque, mais tarde chamado de "Zelotes" (cf.
Ant. 18.1.1-6, seção 9-23). Indubitavelmente esses partidos
foram muito influentes dentro do Judaísmo durante esse
período, mas para manter a questão na devida proporção,
temos que nos lembrar de que eles eram uma minoria
muito pequena na Palestina. Calcula-se que Fariseus,
Saduceus e Essênios juntos somariam apenas trinta mil -
trinta e cinco mil de um total de quinhentos mil -seiscentos
mil no tempo de Jesus. Os Fariseus somariam
aproximadamente cinco por cento da população total e os
Saduceus e os Essênios juntos, aproximadamente dois por
cento.43
Alguns dos muitos grupos no Judaísmo tinham
mais afinidades com essas três seitas principais do que
com outras, mas é uma exagerada simplificação do caso
supor que, quando essas seitas foram denominadas, as
únicas restantes eram as assim chamadas "Am ha-aretz” ou
"povo da terra".
_______________
42
Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do Antigo
Testamento), 1913, p. 128.
A descoberta da literatura dos Pactuantes do
Qumran, próximo da costa do Mar Morto, ajudou a
esclarecer melhor essa situação. Têm sido feitas tentativas
de identificar essa comunidade com uma ou outra das
principais seitas e, o que é bem possível, a Seita de
Qumran poderia muito bem representar um grupo
influente dentro da nação em muitos aspectos diferentes
daqueles partidos cujos nomes nos são familiares. Para
citar as palavras de R. H. Pfeiffer: "O Judaísmo no período
em que está sendo considerado era tão vivo, tão
progressivo, tão agitado por controvérsias, que sob seu
espaçoso telhado as visões mais contrastantes puderam ser
mantidas".44
Contudo, todos esses grupos ou seitas,
aparentemente, têm uma coisa em comum: todos eles
prestavam submissão à Torah. E completamente errôneo
destacar, digamos, os fariseus e denominá-los "o partido
da Torah" ou atribuir a eles os escritos vagos desse período
que exaltam "a Lei de Deus". A Torah era o grande
fundamento do Judaísmo e o alicerce de sua
nacionalidade. Porém, não se deve dizer que todos os
partidos concordavam com o significado da Torah ou com
sua interpretação. De fato, havia opiniões muito
divergentes sobre esse assunto, de forma que,
considerando que a lealdade deles à Torah era um laço de
união, sua concepção dela era uma causa constante de
divisão entre eles.

A. Os Fariseus
De acordo com Josefo {Ant., 13.5.9, seção 171-3), os
fariseus já existiam no tempo de Jonatas (160-143 a.C), mas
em outro lugar (Ant., 13.10.5-7, seção 288-99) ele afirma
que eles são mencionados pela primeira vez na história em
conflito com João Hircano45 (134-104 a.C).
_____________________________

1Cf. T. W Manson, op. cit, p. 11


2
Op. cit, p. 53.
Eles exerceram uma grande influência por um
período de cerca de três séculos e fizeram mais do que
qualquer outro partido para determinar a forma de
Judaísmo nos anos seguintes. Sua ascendência espiritual
pode ser traçada até os Hasidim que, ao apoiarem os
Macabeus, haviam dado sanção religiosa à proposta de
liberdade destes. Eles não constituíam um partido político,
mas essencialmente uma seita religiosa, originados em
grande parte da classe média da sociedade, que
gradativamente passou a ocupar uma forte posição
religiosa e social na comunidade.
Várias explicações têm sido cogitadas para o nome
fariseu, tais como, "expositor" (das escrituras, no interesse
da lei oral) ou "separatista" (das coisas impuras ou no
sentido de "expelido", isto é, do Sinédrio). O Dr. T. W
Manson afirma46 que a palavra significa "persa" e era
aplicada a eles por seus oponentes que, nesse sentido,
chamava-os de inovadores em teologia. Mais tarde, o
nome passou a ser considerado como "uma construção
etimológica" e era associado à raiz hebraica que significa
"separar" sendo entendida como "separatista". É
certamente verdade que, embora os fariseus fossem firmes
defensores da "tradição", para eles ela não era coisa morta
e, sem dúvida em algumas de suas doutrinas (como por
exemplo, o reino messiânico, a vida eterna, a crença na
multiplicidade de demônios e anjos, etc), eles foram
influenciados pelo pensamento persa.
Ao longo de todo esse período, porém, eles se
levantaram como um bastião contra a invasão do
helenismo, demonstrando serem os defensores valentes da
religião da Torah. Mas era justamente a interpretação que
_______________
45
Ou Janaeus no Talmude.
eles faziam da Torah que os distinguiam da maioria
de seus oponentes, os saduceus. Os fariseus criam que a lei
oral devia ser considerada como de igual autoridade que a
Torah escrita (cf. Ant, 13.10.6, seção 297), ao passo que os
saduceus consideravam a autoridade sagrada da Torah
escrita como completamente acima e separada das novas
tradições e observâncias.47
Ao ensinar e interpretar a Torah, escrita e oraL e ao
aplicá-la à vida do dia a dia, eles "democratizaram a
religião", tornando-a pessoal e operativa na experiência
das pessoas comuns. O principal instrumento para
propagação da Torah era a sinagoga que se tornou uma
instituição mais poderosa dentro de Judaísmo, não apenas
em Jerusalém mas também por todas as regiões da
Dispersão. A leitura da Torah acompanhada de uma
tradução interpretativa no vernáculo tornou-se uma
característica distintiva dos ofícios das sinagogas.
Nestes, os escribas, muitos dos quais eram membros
do partido dos fariseus, tinham um papel importante a
desempenhar. Os Evangelhos oferecem alguma indicação
da posição que as sinagogas passaram a ocupar como
fortalezas da religião da Torah mesmo antes do tempo de
Jesus.
Mas está claro, pelos registros, que o farisaísmo era,
no fundo, de caráter legalista, e que o legalismo pode
facilmente conduzir ao formalismo, e o formalismo ao
externalismo e à irrealidade, defeitos que se revelaram no
decurso do tempo em pelo menos algumas fases do
farisaísmo.48 Mas, apesar disso, os fariseus criaram um
espírito de verdadeira piedade e devoção que afetou
profundamente as vidas das pessoas, e desenvolveram um
________________
46
Op. cit. pp 19 s.
47
Ver capítulo 3.
individualismo religioso que deu uma nova relevância à
Torah de Deus.

B. Os Saduceus
Se os fariseus, como um todo, pertenciam à classe
média, os saduceus eram representados pela rica
aristocracia e particularmente pelo poderoso sacerdócio
em Jerusalém. Provavelmente a maioria dos saduceus era
de sacerdotes, mas eles não devem ser identificados com
todo o corpo do sacerdócio. Eles contavam em suas fileiras
com comerciantes ricos, funcionários do governo e outros.
Em sua origem, então, eles não eram um partido religioso,
embora fosse nisso que eles pretendessem tornar-se; em
vez disso eles eram um grupo de pessoas compartilhando
uma posição social comum e unidos informalmente
apenas por uma determinação comum de manter o regime
existente. Na verdade, o Dr T. W Manson afirma que o
nome se origina na palavra grega syndikoi, que na história
ateniense significa aqueles que defendem as leis existentes
contra a inovação.49 Além disso, em assuntos religiosos
eles adotaram a posição de um grupo distintamente
conservador. O Sumo Sacerdote e seu círculo eram
membros do partido dos saduceus quase até 70 d.C,
embora alguns anos antes os fariseus, e mais tarde os
zelotes, tivessem obtido controle do Templo. Sua
influência havia sido determinada por sua posição no
estado, e quando essa posição foi perdida, a influência
deles cessou.
Como os fariseus, eles acreditavam na supremacia
da Torah, mas ao contrário daqueles, os saduceus se
recusavam a reconhecer a autoridade vinculante da lei
oral. Eles tinham, é verdade, tradições e costumes de seus
_________________
48Cf. Mateus 9.14; 15.10-20; 16.6; 23passim [N.T.: do latim aqui e
acolá]; Marcos 12.38-40; Lucas 11.37-54; 16.14 ss; 18.10 ss; 20.46 s. etc.
próprios rituais e leis, mas como a origem desses não
datava de Moisés, não eram considerados no mesmo nível
que a Torah. Além disso, eles acreditavam que
principalmente no Templo é que as palavras da Torah
podiam ser obedecidas, e que as ordenanças provenientes
dos sacerdotes, investidos em sua própria autoridade,
eram um guia suficiente para as pessoas cumprirem. Com
efeito, ainda apoiando a autoridade da Torah escrita
contra a autoridade da tradição oraL os saduceus
consideravam-na pouco mais que uma relíquia do
passado.
Se para os fariseus a Torah era o centro de sua fé,
para os saduceus era a circunferência dentro da qual
podiam ser nutridas convicções e práticas estranhas ao
judaísmo. Daí a habilidade deles para inserir dentro de seu
sistema muitas influências helenísticas que eram odiosas a
seus companheiros judeus.

C. OsEssênios
O nome Essênio provavelmente deriva de uma pala-
vra aramaica que significa "santo" ou "piedoso" e
corresponde ao hebraico hasid. Relativamente pouco se
sabe sobre os essênios, mas o historiador romano Plínio
fala sobre um povo com esse nome que formava uma
comunidade asceta firmemente unida, que vivia perto da
costa ocidental do Mar Morto. Josefo e Philo oferecem
informações adicionais de que havia cerca de quatro mil
essênios que, em sua maior parte, vivia em aldeias,
embora alguns deles vivessem em cidades. Esses últimos
eram, sem dúvida, considerados por seus irmãos como
membros associados da comunidade que vivia em regiões
desérticas, sob uma disciplina mais rígida. O nome essênio
_________________
49
Op cit., pp. 15 s.
provavelmente abrange vários grupos cujas convicções e
práticas, embora talvez não fossem idênticas, ainda eram
semelhantes.
O que é significante para o nosso propósito é o fato
registrado de que os essênios dedicavam muito tempo ao
estudo e interpretação da Torah e de outros livros
sagrados, com os quais eles tomavam o maior cuidado
possível. Josefo nos fala que eles estudavam
intensivamente as Escrituras e indica que certo número
deles era capaz de predizer o futuro através da leitura dos
livros sagrados. Philo se refere ao método deles de estudo
em grupo e afirma que um membro do grupo lia uma
passagem em voz alta para os outros e um irmão mais
experiente, então, ia explicando o significado. E óbvio que
a Torah escrita e seu estudo formavam a base da vida
comum deles e era a inspiração de seu movimento. Em sua
perspectiva religiosa, eles tinham muito em comum com
os fariseus, mas em alguns aspectos, pelo menos, pareciam
ser bem mais rígidos do que aqueles na interpretação da
Torah.

D. Os Zelotes
Já observamos anteriormente que Josefo traçou a
origem dos zelotes até o ano 6 d.C; mas na realidade suas
raízes vão muito além do período pré-romano, porque eles
podem, justificavelmente, ser considerados como
verdadeiros filhos espirituais dos macabeus. O Dr. R. H.
Pfeiffer coloca a situação resumidamente nestas palavras:
"Como os fariseus são os herdeiros dos Hasidim, assim os
zelotes são os herdeiros dos Macabeus".50
Eles são descritos por Josefo como bandidos, ladrões
e coisa semelhante, mas bem podem igualmente ser
descritos como patriotas, de acordo com o ponto de vista
do escritor; e Josefo era um tanto parcial! Entretanto, é
errôneo considerá-los simplesmente como um grupo
político radical dentro do estado, que provocava conflitos
com os romanos. Sem dúvida, os zelotes atraíram para si
muitos do populacho de seus dias com tendência a
"gangsters", mas eles eram essencialmente uma companhia
de patriotas judeus motivados por profundas convicções
religiosas. E interessante notar que Josefo descreve os
sucessivos líderes do movimento dos zelotes pela palavra
"sofista", que bem pode indicar que dentro do partido
havia um programa planejado de ensino que ia além do
interesse meramente político que Josefo insinua.
Na verdade, sabemos que a oposição dos essênios a
Roma estava arraigada em seu zelo para com a Torah. Foi
esse zelo e não simplesmente o "amor ao país" que gerou
seu patriotismo e fanatismo, o que fez que passassem a ser
temidos tanto pelos amigos como pelos inimigos. Josefo
continua dizendo (Ant., 18.1.6, seção 23) que eles tinham
"uma fixação inviolável pela liberdade"; eles se recusavam
a chamar qualquer homem de "senhor" ou pagar tributo a
qualquer rei, pois Deus era seu único Rei e Senhor;
desprezavam a dor e davam pouca importância à morte;
nem sequer o sofrimento de parentes e amigos os demovia
de seu propósito. Por trás de tudo isso estava sua devoção
apaixonada pela Torah, pela qual eles estavam dispostos
não apenas a lutar, mas quando chamados, até mesmo a
sacrificar suas vidas.

________________
50
Op. cit., pp. 36.

E. Os Pactuantes de Qumran
Já fizemos menção dos Hasidim que, no tempo de
João Hircano (134-104 a.C), apareceram como partido dos
fariseus. Porém, nem todo Hasidim se identificou com esse
partido. Parece haver razão para acreditar que, durante o
curso do segundo século a.C, um grupo de pessoas da
verdadeira tradição hasídica decidiu se retirar para o
deserto da Judeia sob a liderança de quem eles chamavam
o "Mestre da Justiça". Este formou seus seguidores em uma
comunidade religiosa bem organizada, ensinou-lhes uma
nova interpretação das Escrituras e uniu-os em uma "nova
aliança" que os levou à obediência à lei de Deus até o
surgimento da era messiânica. A descoberta em 1947 desse
quartel general dos Pactuantes, em Qumran, perto da
costa do Mar Morto, e de um vasto número de escritos de
suas bibliotecas, muito acrescentou à nossa compreensão
sobre o estado das coisas na Palestina durante o período
interbíblico.
Desde então, a opinião sobre a descoberta desses
"rolos do Mar Morto" tem estado dividida como também
em relação à identidade da comunidade de Qumran.
Alguns estudiosos têm argumentado a favor de uma data
pré-macabeus, e outros por uma identificação com os
zelotes no primeiro século d.C. Talvez os argumentos mais
fortes, entretanto, possam ser apresentados ao associá-los,
se não identificá-los, com um ramo dos essênios da época
de Alexander Janaeus (102 a.C.)*ou um pouco antes. Nesse
mesmo período há evidências de uma grande comunidade
de essênios e uma comunidade igualmente grande de
Pactuantes, ambas vivendo ao redor do Vádi Qumran
(NT.: vádi: denominação árabe dos rios intermitentes do
norte da África e do Oriente próximo; denominação do
leito desses rios — Dicionário Webster.), e a indicação é de
que eles provavelmente formavam uma única
comunidade. Essa convicção é fortalecida por uma
comparação dos costumes, ritos e crenças dessas duas
seitas que indica que eles pertenciam ao mesmo tipo geral.
É um fato de particular interesse que ambas as seitas
tenham dedicado muito tempo ao estudo e interpretação
da Torah e de outros livros sagrados. Entre os Pactuantes,
sempre que os membros efetivos do Conselho se reuniam
em grupos de dez, como era costume, os assuntos eram
ordenados de modo que algum membro do grupo sempre
se ocupava do estudo ou exposição. Os membros
ordinários da comunidade deviam dedicar a primeira
terça parte de todas as noites à leitura do livro', estudando
a lei e respondendo com as bênçãos apropriadas. Como os
essênios, os pactuantes tinham muito em comum com os
fariseus, mas eram mais rígidos do que eles na
interpretação da Torah, como, por exemplo, na
observância do dia do Sábado. Eles acreditavam que sua
fidelidade como remanescente representativo de Israel,
causaria uma expiação vicária para sua nação e ajudaria a
anunciar a nova era de que os profetas haviam falado. Essa
fidelidade encontrou sua expressão no estudo meticuloso e
na prática da lei, e foi com esse propósito que eles foram
os primeiros a se retirarem para o deserto da Judéia.
O líder dessa comunidade, o Mestre da Justiça,
ensinou a seus seguidores uma nova interpretação das
Escrituras que tornou clara a parte que eles deveriam
desempenhar no cumprimento do propósito de Deus para
sua geração. De particular significado eram os escritos dos
profetas que, como se acreditava, não escreviam
simplesmente sobre seus próprios dias, mas sobre os
tempos do fim. Na profecia de Habacuque, os pactuantes
viam uma predição dos dias que eles mesmos estavam
então vivendo. O fim estava próximo. O "mistério"
(hebraico: raz cf. Dn 2.18, etc.) que foi transmitido por
Deus a Habacuque, mas cujo significado foi dele
escondido, recebeu sua interpretação (hebraico: pesher)
pelo Mestre da Justiça, que demonstrou que a antiga
profecia fora escrita com referência, não ao passado, mas
às pessoas e aos acontecimentos de seus próprios dias. O
Dr. F. F. Bruce mostrou51 que esse mesmo método de
interpretação é, em muitos aspectos, semelhante ao
adotado pelos cristãos primitivos e que várias passagens
no Novo Testamento podem facilmente ser traduzidas
para a língua-pescher em que a interpretação da profecia é
dada em termos dos próprios dias do escritor ou em
termos do fim dos tempos.52
Entre os escritos encontrados no Qumran há um
chamado "A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das
Trevas" onde são descritos planos para a execução de uma
Guerra Santa que conduziria ao tempo do fim. Parece
certo que, na ocasião da guerra com Roma (66 d.C),
segundo o espírito desse livro, os Pactuantes foram
prontamente favoráveis aos zelotes e, como resultado, suas
instalações em Qumran foram destruídas, como as
evidências arqueológicas indicam, em 68 d.C. E se, como
parece provável, eles devem ser identificados como um
ramo dos essênios, isso explicaria o relato de Josefo,
segundo o qual naquela época muitos dos essênios foram
cruelmente torturados.
As seitas do judaísmo diferiam umas das outras em
muitos aspectos; contudo, à exceção dos saduceus, elas eram
unidas por uma única coisa em sua luta contra o inimigo
comum; não era a devoção pelo partido nem mesmo pela
pátria, mas pela Torah sagrada e pela santa Aliança do
Senhor seu Deus.
_________________
51
New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), vol. 2, n°
3, pp. 176 ss, artigo sobre 'Qumran and Early Christianity' ('Qumran e o
Cristianismo Primitivo').
52
Ele ilustra isso ao associar Habacuque 1.5 com Atos 13.66 ss
como interpretação; Habacuque 2.3 s com Hebreus 10.37 s, Romanos 1.17
e Gálatas 3.11; Amós 5.25 ss com Atos 7.42 s; Salmos 95.10 com Hebreus
3.9 s.

3
Os Escritos Sagrados
Não há limite para fazer livros, e o muito estudar é
enfado da carne" (Ec 12.12). Essas palavras, sem dúvida,
têm uma qualidade atemporal, mas provavelmente o
escritor tinha em mente os livros de origem grega escritos
no início do segundo século a.C. ou um pouco mais tarde,
e que refletiam a cultura helenística prevalecente naquela
época. Esses escritos não estão diretamente ligados ao
nosso contexto, mas sua citação nos ajuda a lembrar que
na própria Palestina, do primeiro quarto do segundo
século a.C. ao primeiro século d.C, havia também muitos
escritos judaicos, de diversos tipos que tiveram uma
influência duradoura, se não sobre o Judaísmo em si, então
sobre o cristianismo, que reivindicava ser o "novo Israel"
de Deus.
Tem sido prática comum classificar a literatura dos
judeus desse período como canónica, rabínica, apócrifa e
pseu-depígrafa. Contudo, como G. F. Moore indicou,53 tal
classificação era bem desconhecida para os judeus daquela
época e é, na verdade, muito enganosa. Melhor
classificação, ele sugere, seria de livros canónicos,
"normativos" e "irrelevantes" (ou "excluídos"). Por
"canónico" entenda-se o conjunto das Sagradas Escrituras
reconhecido como autorizado; "Normativo" significa a
literatura, ou mais corretamente a tradição oral que
posteriormente encontrou expressão na literatura do
judaísmo rabínico; e "irrelevante" significa escritos não-
canônicos, aos quais os rabinos davam o nome de "livros
excluídos".
_____________
53
Op. dt., vol. I, pp. 125 ss.

I. As SAGRADAS ESCRITURAS

A. O Canon Hebraico
De acordo com os costumes judaicos, as Escrituras
Hebraicas são divididas em três grupos conhecidos como
Torah (Lei), Nebi'im (Profetas - Anteriores e Posteriores) e
Kethubim (Hagiógrafo ou Escritos). Consistem em vinte e
quatro livros que, por divisão diferente, aparecem na
Versão Autorizada como trinta e nove. Desses livros,
considerados inspirados e sagrados e que possuíam a
autoridade "canónica", os judeus diziam que "tornam as
mãos sujas" — frase cuja origem está perdida na
obscuridade, mas que "pretendia provavelmente prevenir
descuidos e manuseio irreverente dos livros sagrados,
particularmente pelos sacerdotes".54 Nem todos os livros
das Escrituras Sagradas eram considerados de igual
autoridade, como também, nem, de fato, constavam nas
três seções em que as Escrituras estavam divididas. Eles
eram classificados em três níveis, por assim dizer; o
primeiro lugar representando a Torah, em seguida, os
Profetas e o último, os Escritos.
Desde o tempo de Esdras em diante, o judaísmo que
gradualmente se desenvolveu atribuiu a maior
importância possível à revelação da Thorah dada por Deus
a Moisés no Sinai, e considerou a história subseqüente
como de menor importância; dessa maneira a Thorah
recebeu um lugar de suprema autoridade escriturística
dentro da igreja judaica. Parece provável que em cerca de
400-350 a.C, a Torah ou o Pentateuco, como nós o temos
agora, foi concluído; mas é mais difícil apurar a que ponto
ele foi considerado como tendo obtido autoridade
canónica.
________________
54
G. F. Moore, ibid., vol. III, p. 66.

O cerne da idéia talvez só possa ser encontrado em


data mais remota, em 621 a.C, quando a leitura do Livro
da Lei perante o rei Josias (provavelmente os trechos
principais do livro de Deuteronômio), causou grande
impressão no povo, e novamente em 397 a.C, quando o
Livro da Lei de Esdras foi lido com efeito semelhante. Não
resta dúvida de que em cerca de 350-300 a.C. o Pentateuco
como uma unidade era venerado pelo povo. Mas foi
provavelmente durante o período de 300-200 a.C, quando,
como já temos visto, ocorreu uma troca gradual de ênfase
do Templo para a Torah, que esse conjunto das Escrituras
passou a ter cada vez mais o que nós chamamos de
autoridade canónica. O livro de Tobias (cerca de 200 a.C.)
mostra grande respeito para com a Torah, e Ben Sira
(Eclesiástico) escrevendo em 180 a.C, fala sobre a Torah
como o supremo dom de Deus e equipara-a à Sabedoria
(24.23), indicando que nessa época, de alguma forma, ela
era considerada por Ben Sira como verdadeiramente
canónica. Assim, por volta do ano 200 a.C, ou algum
tempo antes, a religião da Torah estava solidamente
fundamentada. A luz desse fato podemos compreender
bem a importância atribuída aos rolos do Templo, no
Primeiro Livro de Macabeus, onde a implicação é que a
Torah deve ser defendida, mesmo que o Templo seja
destruído (cf. 1.56 s; 2.26 s,48).
Mais adiante, valiosas informações são dadas por
Ben Sira com respeito à formação da segunda divisão do
Cânon, conhecida como "Profetas". Nos capítulos 44 e
seguintes, ele apresenta uma lista de homens famosos
mencionados nas Escrituras, cujos nomes são organizados
de tal maneira e com tantos detalhes, que nos leva à
conclusão de que a maior parte do Antigo Testamento,
como nós o temos agora, era conhecida por ele naquele
tempo. Ele deixa claro que conhecia pelo menos "a Lei" e
"os Profetas" e, de fato, se refere aos "Doze Profetas" como
uma coleção definida. Um fator que pode ter facilitado a
conclusão dessa divisão dos "Profetas", foi a crença então
prevalecente de que desde o tempo de Esdras a atividade
profética e a inspiração profética haviam cessado (cf. I
Macabeus 4.46; 9.27; 14.41 e Salmos de Macabeus 74.9). Por
volta de 250-200 a.C, então, nós podemos dizer que a
divisão dos "Profetas" estava concluída. Isso explica por
que um livro como
Daniel não é encontrado entre os "Profetas" mas
entre os "Escritos", pois Daniel não havia sido escrito até o
ano 165 a.C.
Um marco divisório claramente definido ao traçar a
idéia do Cânon é fornecido no Prólogo a Ben Sira que foi
composto pelo neto desse escritor aproximadamente em
132 a.C. Ele fala sobre a lei e os profetas, e outros que
seguiram depois deles, e da "própria lei, e das profecias, e
do restante dos livros". Tais declarações mostram que
nessa época outros livros eram considerados como de
valor religioso especial e poderiam ser classificados à
parte; elas indicam que a divisão tríplice das Escrituras já
existia, mas que a terceira seção estava ainda fluida e não
tinha ainda adquirido um nome distinto. Essa mesma
conclusão é indicada pela evidência de Lucas 24.44, que se
refere ao que está escrito "na Lei de Moisés, nos Profetas e
nos Salmos", onde novamente a última seção é deixada
indeterminada. O autor de II Esdras (cerca de 90 d.C.)
indica que naquela época havia provavelmente vinte e
quatro livros nas Escrituras hebraicas (cf. 14.44 ss) e essa é
também uma conclusão justificável da evidência do Novo
Testamento e de Josephus que, provavelmente por um
agrupamento diferente, dá o número como vinte e dois.
Nenhuma dessas fontes, entretanto, dá o nome técnico
para a terceira seção das Escrituras. A primeira referência
às três seções juntas por seus nomes hebraicos é dada pelo
Rabino Gamaliel, o mesmo Gamaliel mencionado em Atos
5. Nós podemos chegar à conclusão de que antes dos
tempos do Novo Testamento, pelo menos, o Cânon das
Escrituras estava virtualmente concluído.
Contudo, por muito tempo ainda a controvérsia a
respeito do número de livros continuou. Em particular,'
houve dissensão entre a famosa Escola de Hülel e
Shammai sobre a posição do Cântico dos Cânticos de
Eclesiastes.55 Uma decisão do Concilio de Jamnia (cerca de
90 d.C) aceitou o dois livros como canónicos, apoiando,
assim, a Escola de Hillel. As Escrituras Hebraicas eram
então limitadas aos vinte e quatro livros (cinco no
Pentateuco, oito nos Profetas e onze nos Escritos) que
correspondem aos trinta e nove livros da Versão
Autorizada. Mas as opiniões continuaram divididas e a
questão do Cânon era ainda um ponto de debate no
segundo e terceiros séculos d.C. Não há, então, data
definida, de quando foi concluída a coleção dos livros
chamados "canónicos". Pelo contrário, por sua
contribuição ao registro da revelação divina e por sua
popularidade e uso nos cultos da sinagoga, eles foram
estabelecendo gradualmente sua posição dentro do
conjunto das Sagradas Escrituras.

B. As Escrituras na Dispersão
Sabemos que, por volta do ano 250 a.C, o Pentateuco
já havia sido traduzido para o grego, para o uso dos
judeus da Dispersão, e o prefácio para a versão grega de
Ben Sira indica que, por volta daquela data (132 a.C.) os
Profetas
________________
55
Esses dois livros juntamente com o livro de Ester, não são
mencionados em nenhuma parte do Novo Testamento. Para a influência
dos livros apócrifos no Novo Testamento e na história da Igreja Cristã veja
pp. 88ss.

Anteriores e Posteriores também haviam sido traduzidos


para o grego. Não se pode ter certeza de quanto dos
"Escritos" foi traduzido, digamos, no início da Era Cristã
ou quanto foi considerado como canónicos em Alexandria.
Não havia ainda um limite definido para os chamados
"restante dos livros".
A Bíblia grega que surgiu e que viria a ser,
posteriormente, adotada pela Igreja Cristã, era muito
menos restrita do que as Escrituras Hebraicas e organizada
em uma ordem diferente de livros. Sabemos que os
cristãos consideravam os assim chamados "livros
excluídos" sob uma visão muito diferente da dos judeus da
Palestina e continuaram a lê-los na tradução grega até bem
depois que eles caíram em desgraça na Palestina. De fato,
eles não apenas continuaram a copiá-los, mas até incluí-
ram alguns deles no códice grego que continha seus
escritos sagrados entremeados nos "Escritos" sem,
contudo, levantar a questão sobre se eles deveriam ser
considerados canónicos ou não. N.T.: Segundo o
Dicionário Aurélio, códice do lat. Códice, é 1. forma
característica do manuscrito em pergaminho, semelhante à
do livro moderno, e assim denominada por oposição à
forma do rolo; Cf. livro m rolo. 2. Registro ou compilação
de manuscritos, documentos históricos, ou leis; código
antigo. 3. Obra antiga de autor clássico. Oficialmente,
deveria haver apenas um Cânon, ou seja, o das Escrituras
hebraicas, mas no uso popular, essa interpretação estrita
nem sempre era obedecida, particularmente porque os
próprios "Escritos", como já vimos, estavam em um estado
ainda fluido. E justo supor que, embora eles fossem
considerados sagrados, não eram considerados canónicos
em nenhum sentido real e certamente estavam em um
nível muito diferente de inspiração em relação à Lei ou aos
Profetas. Referir-se a esse conjunto maior das Escrituras
como o "Cânon Alexandrino", como se ele pudesse ser
contraposto ao Cânon Palestino, é realmente incorrer em
petição de princípio. E significativo que Philo (morto por
volta de 50 d.C), um típico judeu de Alexandria, não faz
nenhuma menção desses livros não-canônicos, e no tempo
de Josepho, a Bíblia grega que ele usava consistia
substancialmente dos livros do Cânon hebraico como nós
o conhecemos hoje.

2. A TRADIÇÃO ORAL
Durante o período interbíblico, como temos visto, a
Torah tornou-se para os judeus a suprema autoridade
religiosa e o judaísmo se estabeleceu como a religião do
Livro. Mas como H. Wheeler Robinson nos faz lembrar
"toda religião que se edifica com base em um livro é
compelida a criar meios de reinterpretar esse livro de
modo a adaptar seu significado original às mudanças
necessárias de sucessivas gerações. Assim aconteceu que,
paralelamente à Torah escrita, surgiu um conjunto de
interpretação, natural ou artificial, que se constituiuna
Torah não-escrita, 'a tradição dos anciãos' (Marcos 7.3)".1

A. Sua Origem e Desenvolvimento


O início desse processo de interpretação deve ser
encontrado no soferismo que procurou levar adiante os
alvos de Esdras, o grande "fundador da Lei". Esdras é
56A Companion to the Bibk (Um Associado à Bíblia), ed. By T. W Manson, 1939, p. 313.
descrito como um "escriba versado na lei de Moisés"
(Esdras 7.6) que havia "disposto o coração para buscar a lei
do Senhor e para a cumprir" (Esdras 7.10). Ele não apenas
lia "no Livro, na lei de Deus, claramente", como também
dava "explicações, de maneira que se entendesse o que se
lia" (Neemias 8.8). Isso é exatamente o que o soferismo
também buscava fazer. Eles se propuseram à tarefa de não
apenas fazer da Torah uma possessão do povo, mas
também de descobrir e interpretar seu significado de
modo que os homens pudessem aplicá-la a sua vida
cotidiana. Para eles, a Torah era muito mais que a
sobrevivência de um passado glorioso com um valor
apenas arcaico; era um oráculo vivo por meio do qual a
palavra de Deus podia ser transmitida de geração a
geração. Sua palavra não era estática mas dinâmica, capaz
de novas interpretações para cada era subseqüente e capaz
de aplicação renovada para cada aspecto da vida humana.
O método que eles usavam em seus ensinamentos
era o tipo de uma narração (uma descrição oral) das
palavras das Escrituras. O costume ou prática ou preceito
particular que eles buscavam elucidar era relacionado com
um texto ou passagem das Escrituras que era então
explanado e recebia sua interpretação2. Esse método era
conhecido como a forma
Midrash (do hebraico darash, interpretar) e era uma
característica do ensino das Escrituras.
Em muitos lugares, o ensino da Torah, por preceito
e julgamento, era perfeitamente claro, tanto em seu
significado ético como legal; em tais exemplos, era dever
dos soferins e seus sucessores imprimir esse ensino nas
mentes das pessoas. Em outros lugares, contudo, a regra

57Um dos muito raros exemplos sobreviventes deste método pode ser encontrado no tratado de
Mishnah, Sotah, viii. 1,2. Cf. a tradução de Herbert Danby do Mishnah, 1933, pp. 301 s, e R.
Travers Herford, op. at., 1933, pp. 48 s, onde a passagem é determinada claramente.
da Torah não era clara; então seu significado devia ser
explicado e sua verdade aplicada. Às vezes, é verdade, as
leis que surgem dos costumes prevalecentes podem se
estabelecer, as quais talvez não encontrem justificação na
Torah, mas adquiriam autoridade com base no fato de que
elas formavam uma "cerca em redor da Torah" (Pirke
Aboth 1.1). Essa "cerca" consistia em regras cautelares, tais
como as que proíbem não apenas o uso, mas até mesmo o
manuseio de ferramentas no dia do sábado. Assim, um
homem seria detido antes que ele se encontrasse perto de
uma brecha da lei de Deus. Desse modo, a Torah foi alçada
cada vez mais ao centro da vida das pessoas.
Essa tarefa, tão bem iniciada pelos soferins, foi
continuada e desenvolvida pelos mestres, que depois se
tornaram os rabinos, cujo trabalho fez muito mais do que
moldar e determinar a forma do judaísmo dos anos que
viriam. Registra-se que a tradição dos soferins foi
transmitida por Simão, o Justo, a um certo Antígono de
Socho, e que depois disso foi transmitida a uma série de
mestres cujos nomes são citados em pares de José ben
Joezer e José ben Joanan, que viveram em cerca de 160 a.C,
seguindo a linha de sucessão até Hillel e Shammai, no
tempo de Jesus (cf. Pirke Aboth 1.1-12). Como os soferins
antes deles, esses mestres se propuseram a tarefa de
interpretar a Torah para o povo e de regular suas vidas de
acordo com essa orientação.
Mas durante esse período, houve um
desenvolvimento em conexão com o status de leis extra-
escriturísticas, que passariam a ter efeitos de longo
alcance. Como vimos, oscostumes e tradições,
principalmente de natureza religiosa, que haviam surgido
no decurso dos anos, passaram a ser aceitos como
autoridade na prática do judaísmo, muito embora não
houvesse nenhuma justificação para tal na Torah. No
devido tempo, surgiu a pergunta concernente à relação
entre a autoridade da tradição e a autoridade da Torah
escrita. Estava claro que não poderia haver duas
autoridades independentes. E assim surgiu a
importantíssima crença de que a Torah era mais do que
simplesmente a palavra escrita das Escrituras, mas incluía
também a tradição que havia sido passada de geração a
geração. A Torah de Deus era dividida em duas partes,
escrita e oraL e cada uma delas tinha igual autoridade. E
não apenas isso; cada parte era de igual antigüidade,
porque o próprio Moisés havia recebido a Torah, escrita e
oraL no Sinal a partir de onde a lei tem sido transmitida
através das sucessivas gerações de homens fiéis (Pirke
Aboth 1.1). Foi, sem dúvida, a formulação dessa convicção
que levou à cisão no Sinédrio no tempo de João Hircano
(134-104 a.C.) e ao aparecimento dos dois partidos dos
fariseus e saduceus.3 Os fariseus eram firmes defensores
da autoridade da tradição oral ao que os saduceus eram
amargamente contrários. Estes, por sua vez, embora tives-
sem suas próprias ordenanças a respeito das questões dos
sacrifícios e outros rituais, consideravam a Torah escrita
como a única autoridade.
Os perigos inerentes em tal desenvolvimento da
Torah nào-escrita são óbvios, especialmente quando ela se
dissociou do texto da Torah escrita e não mais requeria
base justificativa nas Escrituras. Mas deve-se reconhecer
que isso livrou o judaísmo daquele estado moribundo que
deveria ter sido seu destino, se a nação tivesse seguido a
orientação dos conservadores saduceus. Por meio da
Torah nào-escrita, a religião e a vida, o trabalho e a
adoração, foram integrados de um modoque seria antes
impossível, e Deus e seus mandamentos foram

58Ver pp. 32 2 49 s.
apresentados como reais na vida comum das pessoas
comuns.

B. Sua Forma e Conteúdo


As fontes rabínicas, nas quais a tradição oral estava
baseada, mas que permaneceram orais ao longo de todo o
período interbíblico, se dividem em duas classes, o
Midrash e o Mishnah.
Os soferins e os mestres que os sucederam se
dedicaram, como vimos,4 à exposição e aplicação da Torah
escrita e, à luz desses estudos, formaram novos
regulamentos aplicáveis aos problemas, éticos e legais, que
surgiam à medida que a vida se tornava cada vez mais
complexa. Esse processo chamado de darash (ou
"interpretação"), e Midrash (ou "exegese") é o processo de
buscar, de investigar o texto escrito para descobrir suas
implicações.
Esse Midrash era dividido em duas seções. Primeiro,
havia o Halakah (do hebraico halak, caminhar) que
consistia de regulamentos relativos às questões da lei civil
e religiosa. Ele mostrava o caminho pelo qual o homem
deveria caminhar deixando claro como ele poderia sempre
obedecer à Lei em cada detalhe. Era uma exegese das leis
bíblicas, a partir da qual poderiam ser formulados
regulamentos autorizados para a vida das pessoas. E este
Halakah que forma a tradição oral ou a Torah não-escrita
do Judaísmo.
Segundo, havia o Haggadah (da raiz hebraica nagad,
dizer) ou "repetir". E aquela parte da literatura rabínica
que não é o Halakah, isto é, tudo que não se refere a
qualquer ponto da lei. E um desenvolvimento, por assim
dizer, das histórias bíblicas em vez da lei bíblica. Essa

59Ver pp. 64 s
parte contém muitas lendas e miscelâneas do folclore
israelita. Mas juntamente com esses relatos, há um
considerável volume de material ético ereligioso. O
Haggadah se refere freqüentemente ao discurso dos
pregadores nas sinagogas e dos mestres nas escolas e
muitas vezes os menciona pelo nome. Esse material era de
grande valor, mas não tinha a mesma autoridade do
Midrash Halakah no judaísmo.
O Midrash era o interesse dos rabinos antes da
destruição do segundo Templo, e depois dessa data
tornou-se sua maior preocupação. A função, apresentação
e ampliação da tradição oral eram as principais
características de seus estudos. Sua tarefa então, como
sempre, era de estudar a Torah escrita e sua tradição oral e
transmiti-las aos outros. Esse processo de estudo, a
repetição da Torah escrita e de sua tradição oraL era
chamado shanah ou "repetição", e o resumo da repetição
era conhecido como Mishnah.5
Essa palavra Mishnaò é o nome dado à segunda
fonte rabínica. Ela tem sido descrita como "uma
classificação sistemática (tópica) das discussões e decisões
dos rabinos durante os séculos anteriores como a
interpretação e expansão da Torah".6 Trata-se de um
código de lei que consiste em Halakah, com elementos
ocasionais do Haggadah, cuja formação e codificação se
deram desse modo. Após a destruição do Templo em 70
d.C, em vez de elaborar um versículo das Escrituras de
cada vez, os rabinos começaram a organizar o halahot
(plural de halakah), ou leis religiosas individuais de tipo
prático, em uma ordem especiaL de acordo com o assunto
e não de acordo com o texto bíblico. Uma orientação sobre
60Emaramaico shanah torna-se tena'. Os rabinos dos dois primeiros séculos d.C, que estavam
comprometidos com esta repetição dos Mishnah, eram conhecidos, e ainda o são, como
Tanna'im.
61H. Wheeler Robinson, op. dl. pp. 313 s
esses assuntos foi dada por Joanan ben Zakkai e seus
discípulos em Jamnia. No começo do segundo século, o
Rabino Akiba (morto em 135 d.C.) ordenou o ha/akotem
uma forma mais elaborada, emboraainda oralmente. Um
de seus discípulos, o Rabino Meir (após 135 d.C.)
elaborou-a novamente e esclareceu alguns pontos
obscuros. Então, o Rabino Judá (o Patriarca), que morreu
logo depois de 200 d.C, fez uma recensão final do
Mishnah, embora não saibamos se ele realmente o fez por
escrito. Outras alterações foram feitas depois de seus dias,
mas o principal é resultado de sua obra. Em sua forma
escrita, o Mishnah é dividido em seis ordens conforme o
assunto-matéria, cada uma contendo vários tratados (63 ao
todo) e pode ser datado em cerca de 200-230 d.C. Depois
da Bíblia, o Mishnah é a base da literatura judaica até
nossos dias e é o fundamento do Talmude.7 Com os
escritos do Mishnah, os judeus se estabeleceram como "o
povo do Livro".

3. Os LIVROS NÃO INCLUÍDOS

A. A Literatura Não-Canõnica
Já se mencionou o fato de que durante o período
interbí-blico surgiram, principalmente na Palestina, mas
também na Dispersão, uma literatura judaica bem extensa
que é significativa não apenas para o judaísmo, porém
muito mais para o cristianismo.8 Por um lado, esses
escritos oferecem uma interessante visão da história dos
judeus e da religião do judaísmo formada nas escolas

62
O Talmude (lit. "aprendizado") é uma compilação que consiste do Mishnah, ou o corpo da lei
tradicional aceita, juntamente com as discussões ou tradições subseqüentes ( a Gemara, lit.
"complementação"), que diz respeito ao que surgiu nas "escolas" judaicas. Há dois Talmudes, o
palestino e o babilónico. Em referência de uso comum, o Talmude babilônio é mais completo
que o palestino. Ele adquiriu substancialmente sua forma atual em cerca de 500 d.C.
Ver p. 16.
rabínicas, e por outro lado lança luz sobre as origens da fé
cristã. E difícil dizer o quanto esses livros se difundiram,
mas aparentemente havia uma quantidade considerável
deles em circulação.
O nome dado a esses livros na literatura rabínica é
hisonim que significa "externo" ou "fora" e quer dizer que
esses livros não pertenciam ao Cânon das Escrituras
reconhecidas. Um indício de sua identidade é fornecido no
tratado de Tosefta, Yadaim ii, 13, que diz: "Os livros [sic] de
Ben Sira e todos os livros que foram escritos desde então
não mancham as mãos", isto é, não são canónicos. A
literatura aqui referida é presumivelmente aquela de todo
o grupo ao qual o próprio Ben Sira pertencia, ou seja, a
literatura apócrifa e cognata (inclusive muitos escritos do
tipo apocalíptico). No tratado de Mishnah, Sinédrio x, 1, é
registrado pelo influente Rabino Akiba (cerca de 132 d.C.)
que entre aqueles que não tinham "parte no mundo por
vir" está "aquele que lê os livros excluídos". A primeira
vista, isso pode ter passado a significar que a leitura de
todos os livros nào-canônicos era proibida, mas na
realidade a referência é presumivelmente à reátação pública
deles tanto na liturgia dos cultos como na disciplina do
estudo.
Baseado em quais fundamentos essa literatura era
considerada nào-canônica? W. D. Davies sugeriu9 quatro
critérios para determinar a aceitação ou a rejeição de
qualquer livro:
1. A visão de que as profecias cessaram em Israel
após Daniel no período persa e que, portanto, todos os
livros escritos após esse tempo não devem ser
considerados.

64Expositary Times (Tempos expositivos), vol. LIX, no. 9, Junho 1948.


2. A congruência do conteúdo de qualquer livro com
a Torah (cf. discussões sobre canonicidade de Ezequiel).
3. Uma certa auto-consistência entre os livros
referidos.
4. O caráter hebraico original de qualquer livro.

Esses fatores explicam a inclusão de Daniel no


Cânon e a exclusão de livros tais como o Eclesiástico (ou
Ben Sira), Judite, Salmos de Salomão e I e II Macabeus.
Eles explicam também a exclusão dos escritos
apocalípticos judaicos que durante algum tempo
desfrutavam de uma medida de popularidade entre os
judeus da Palestina. Mas provavelmente há razões
adicionais por que os escritos apocalípticos, em particular,
não fossem aceitos no Cânon das Escrituras. Uma razão
era a antipatia dos rabinos que relembravam o papel
desempenhado por tais livros em inflamar as chamas da
revolta que levaram à queda de Jerusalém em 70 d.C. Essa
catástrofe e a subseqüente reorganização do Judaísmo,
conduziria a uma concentração na Torah e em sua
correspondente tradição oral. Juntamente com isso, havia
o uso que os cristãos estavam começando a fazer desse
tipo de literatura. Eles achavam o ensino desses livros,
particularmente com respeito ao Messias, mais condizente
com seus próprios interesses; os cristãos começaram a
fazer interpolações cristãs em obras apocalípticas judaicas,
e então começaram a surgir escritos apocalípticos cristãos
independentes. Todos esses fatores reunidos militaram
contra o estudo e a publicação contínua de tais livros por
parte dos judeus. Entre os últimos dos "livros excluídos"
de caráter apocalíptico a serem escritos, estava II Esdras
(i.e. 4 Esdras) 3-14 e o Apocalipse de Baruque em 90 d.C.
A maioria desses livros foi escrita ou em hebraico (a
língua dos instruídos daqueles dias) ou em aramaico (o
vernáculo e a língua da literatura judaica em geral), mas,
com exceção de Eclesiástico (ou Ben Sira), eles somente
sobreviveram em traduções, primeiro em grego e
posteriormente em outras línguas. Alguns estudiosos,
como C. C. Torrey, têm argumentado que depois de 70
d.C, tomou-se a decisão de "destruir, sistemática e
completamente, os originais semíticos de toda literatura
extra-canônica... A literatura popular, que tinha tido uma
existência tão próspera, era agora interrompida, pelo
menos no que diz respeito aos judeus da Pdestina".10 E
muito duvidoso, entretanto, se a evidência pode prestar-se
a tal declaração absoluta, porque o divórcio entre o
farisaísmo e as idéias veneradas nos apocalípticos não era
assim tão completo como tal afirmação poderia nos fazer
crer. Mas a antipatia em relação aos apocalípticos que, pelo
menos muitos dos rabinos não podiam negar e, sob a
influência deles, esses "livros excluídos" caíram em
descrédito na Palestina.
Antes disso, contudo, eles haviam sido traduzidos
para o grego pelos judeus da Dispersão e haviam-se
tornado bem populares entre as pessoas dessas regiões. De
fato, quando esses livros chegaram em Alexandria, eles
realmente conquistaram popularidade e passaram a ter
circulação muito mais ampla do que tinham na Palestina.
Quando, decorrido algum tempo, os judeus da Dispersão
começaram a renunciar a seu controle sobre esses escritos,
eles já tinham-se tornado possessão da Igreja Cristã
através de sua adoção da Septuaginta, na qual certos
"livros excluídos" haviam sido incorporados. E, embora
em primeira instância eles fossem preservados pelos
judeus de fala grega no Egito, a Igreja Cristã, finalmente,
foi a responsável pela sobrevivência deles.

65The Apocryphal Literature (A Literatura Apócrifa), 1945, p.15.


Não é surpreendente que os "livros excluídos", e em
particular os escritos apocalípticos, fossem, desde o
princípio, populares entre os cristãos primitivos que
haviam, por sua vez, sido instruídos na fé judaica; a
relevância que esses livros davam ao ensino concernente à
iminente volta de Cristo era óbvia. Como cada vez mais os
gentios juntavam-se à Igreja, e como o aramaico dava
lugar ao grego como língua da comunidade cristã, seu uso
se tornaria ainda mais difundido. Com exceção do livro
canónico de Daniel, a tradição do apocalíptico é cristã e
não judaica. As numerosas versões de II (4) Esdras
indicam que esse conjunto de ensino continuou a ter
influência profunda e ampla sobre o pensamento do povo
cristão. Dentro do judaísmo a tradição apocalíptica, que
havia influenciado profundamente pelo menos uma parte
do povo, desde o tempo de Antíoco IV, em cada período
de crise que ocorria, no devido tempo deixou de existir.

B. O Meio Ambiente dos Apocalípticos


Foi sugerido acima, que a divisão entre os
apocalípticos e o judaísmo farisaico ortodoxo não era tão
completa como alguns estudiosos pensavam que deveria
ser. As diferenças entre eles não podem, é claro, ser
negadas; mas o fato é que os apocalípticos compartilham
certas crenças fundamentais com o judaísmo rabínico, que
lhes conferiam certos pontos definidos de contato. Pelo
menos em uma coisa ambos adotaram a mesma atitude, os
escritos da Torah, que tanto um como o outro reverenciava
como a revelação de Deus. A centralidade da Torah no
pensamento dos apocalípticos, pode ser ilustrada em cada
livro, de Jubileus e os Testamentos dos Doze Patriarcas, no
segundo século a.C. até 2 Baruque e II Esdras no primeiro
século d.C. E verdade que a forma do apocalíptico difere
consideravelmente da forma da literatura rabínica do
Halakah,11 mas a evidência de um livro como, por
exemplo, Jubileus, ilustra amplamente que essa diferença
não era de modo algum absoluta em todos os casos. O
autor de Jubileus certamente demonstra familiaridade com
o método rabínico e produz evidência do halakot, antes
mesmo que aquelas das próprias fontes rabínicas. Além do
mais, o elemento apocalíptico nesses escritos é
freqüentemente acompanhado por uma profunda
preocupação ética que, em muitos aspectos, é a chave para
o entendimento e a apreciação do Judaísmo rabínico.
Também há a perspectiva escatológica desses dois grupos
de escritos que, embora diesimi-lares em muitos aspectos,
revela considerável grau de concordância. Isso é mais
claramente visto em certas expectativas rabínicas tais como
a ressurreição do corpo e o advento do Messias. Um caso
ilustrativo é o do Rabino Akiba, que, como já vimos, no
início do segundo século, elaborou e organizou o halahot;
foi esse mesmo homem que esperou ansiosamente a vinda
do Messias e deu apoio irrestrito às reivindicações de Bar
Kochba em sua revolta em 132-135 d.C.
Porém, esse tipo de literatura talvez interessasse
muito mais aos Zelotes e àqueles que compartilhavam de
seu ponto de vista político e religioso. Eles descobririam
nesses escritos muitas coisas que receberam sua aprovação
entusiástica, e incendiaram aquele zelo nacionalista, pelo
qual procuravam cumprir, se necessário fosse, pelo poder
da espada, a vontade revelada de Deus. Nosso
conhecimento dos essênios é limitado e o que sabemos
sobre eles indica que suas convicções nem sempre
correspondem àquelas expressas nos escritos apoca-
lípticos. Mas esse termo pode muito bem designar vários
grupos diferentes, cujas crenças e práticas poderiam

66Ver p. 67.
corresponder com maior precisão às da literatura
apocalíptica. Se pudermos constatar que o argumento de
que os pactuantes do Qumnran eram, de fato, um ramo
dos essênios, então poderemos, talvez, dar muito mais
crédito ao argumento a favor da possível influência dos
essênios nesse tipo de literatura, pois o pensamento
messiânico e apocalíptico dos rolos do Mar Morto têm
muito em comum com os escritos apocalípticos nos "livros
excluídos".
Para concluir, a existência dessa literatura não-
canônica, apocalíptica ou não, confirma a observação feita
anteriormente de que, durante o período interbíblico, o
Judaísmo era um sistema complexo, que abrangia muitas
seitas, partidos e classes, pois a própria literatura
desvenda muitas visões diferentes, interesses e crenças que
nem sempre podem ser identificadas com qualquer um
dos partidos reconhecidos dentro do Judaísmo. Como R
Travers Herford diz: "A existência de escritores tais como
os dos livros apócrifos tendem mais à complexidade do
que à simplicidade nas atividades literárias da época.
Também, a presença de muitos elementos no Judaísmo
contemporâneo,de modo algum implica que havia
interação íntima e influência mútua entre eles".12 Nós nos
voltaremos agora para um exame mais detalhado dessa
literatura "apócrifa".

Op. Cit, p. 197.


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26/10/2009

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80
A Literatura Apócrifa
No jargão comum a palavra "apócrifo"
freqüentemente traz um sentido de "falso" ou "espúrio",
mas em sua origem e em seu uso eclesiástico o significado
é completamente diferente. Ela tem o mesmo sentido da
expressão hebraica "livros excluídos" e se refere àqueles
livros que não foram inseridos no Cânon das Escrituras.
Etimologicamente, a palavra "apocrypha" (plural do grego
apocryphon) designa coisas ocultas aos olhos, escondidas
ou secretas. Tem-se sugerido13 que a razão por que os
"livros excluídos" passaram a ser chamados de "(livros)
ocultos" pode ser encontrada em certas referências de II
Esdras. Nesse livro, Esdras recebeu a ordem de reescrever
todos os livros sagrados de Israel que haviam sido
destruídos. Vinte e quatro desses (os livros canónicos), ele
teve que publicar, e setenta (os livros excluídos) ele teve
que esconder (cf. 14.6,45 ss). Esses livros "escondidos" ou
"apócrifos", uma vez excluídos do Cânon, eram, contudo,

68Cf. C. C. Torrey, op. aí., pp. 8 s.


de grande valor na tradição judaica representada por esse
escritor.
Em seu uso mais moderno, porém, a palavra tem
uma referência muito mais restrita. Entre os protestantes,
ela é usada geralmente para descrever os livros que
constavam nas Bíblias cristas grega e latina (isto é, a
Septuaginta e a Vulgata), mas que não eram incluídos na
Bíblia hebraica; aqui a palavra "pseudo-grafia" é
freqüentemente usada para se referir aos demais "livros
excluídos", de número indeterminado, que ficaram fora
das Escrituras canónicas e dos "Apócrifos" e que, por um
tempo considerável, foram amplamente lidos na igreja
cristã primitiva oriental e em outros ramos. No uso
católico romano, a palavra "deuterocanônico" é atribuída
aos livros descritos pelos protestantes como "apócrifos" e a
palavra "apócrifo" é atribuída aos livros conhecidos como
"pseudografias". Quando, por questão de conveniência,
deve-se fazer uma distinção, adota-se a terminologia
protestante.

1. Os LIVROS COMUMENTE CHAMADOS DE


"APÓCRIFOS"

A Sua Identidade
Os livros do Antigo Testamento apócrifo são mais
conhecidos dos leitores modernos como aparecem na
Versão Autorizada, onde são reunidos para formar um
bloco de literatura entre o Antigo e o Novo Testamento.
São doze livros ao todo e um deles (II Esdras) não é
incluído na Septuaginta grega mas aparece na Vulgata.
1. I Esdras
2. II Esdras
3. Tobias
4. Judite
5. O restante dos capítulos de Ester
6. Sabedoria de Salomão
7. Sabedoria de Jesus, filho de Siraque,14 ou
Eclesiástico
8. Baruque (com a Epístola de Jeremias como
capítulo 6).15
9. Acréscimos ao livro de Daniel
(a) O Cântico dos Três Jovens Santos
(b) A História de Susana
(c) Bel e o Dragão
10. A Oração de Manasses
11. I Macabeus
12. II Macabeus

Com exceção de I Esdras (antes de 200 a.C.) e II


Esdras (cerca de 90 d.C.) esses livros foram compostos
durante os últimos dois séculos antes de Cristo, a maior
parte na Palestina. Apenas dois dos autores são
conhecidos pelo nome, Jesus (em hebraico Joshua, em
aramaico Jeshua) o filho de Siraque71 (Eclesiástico 50.27) e
Jason de Cirene, cujos cinco livros são resumidos em II
Macabeus 3-15 (II Macabeus 2.23).
Embora todos eles tenham-se tornado populares na
língua grega, apenas um pequeno número foi escrito
originalmente nessa língua. Estes são II Macabeus 2.19-15.39,
Sabedoria de Salomão e os decretos de Assuero, em Ester
13.1-7 e 16.1-24. Todo o resto foi composto em hebraico
(Baruque, Ben Sira, I Macabeus, Judite, Oração de Manasses
e provavelmente o Cântico dos Três Jovens Santos) ou em
aramaico popular (TI Macabeus 1.1-2.18, a História dos Três
Jovens em I Esdras 3.1-4.63, Tobias, o restante de Ester 10.4-

69"Esta é a forma dos nomes em grego. A forma hebraica T3»n Sira' (filho de Sira) é usada em
todo esse livro.
70A versão Apócrifa RSV (Versão Revisada Standard) separa a Epístola de Jeremias do livro de

Baruque. Em alguns códices gregos eles são separados por outro livro.
13; 11.2-12.6; 13.8-18; 14.1-19; 15.1-16, a História de Susana,
Bel e o Dragão, a Epístola de Jeremias, II Esdras).

NOTA SOBRE O LIVRO DE ESDRAS


Os títulos e a ordem destes livros diferem nas várias
versões:
Versão inglesa (desde a Vulgata Septuaginta
Bíblia de Genebra 1560)
Esdras I Esdras Esdras B, cap 1-10
Neemias II Esdras Esdras B, cap. 11-23
I Esdras III Esdras Esdras A
II Esdras IV Esdras não incluído em grego
________________
71Ver p. 76, n. 1.

B. Seu Conteúdo e Gênero Literário


A literatura representada nos "Apócrifos" é de um
caráter que varia de história a poesia, de ficção a filosofia,
de fábulas a sermões sobre a vida piedosa. Alguns foram
escritos para edificar, alguns para admoestar, e alguns,
talvez, simplesmente para entreter. Qualquer que seja seu
propósito, é uma leitura válida em si mesma.
A história é bem representada por I Macabeus que,
escrito no modelo do Livro de Reis, este canónico, fornece
uma narrativa fiel dos judeus na Palestina, desde os anos
antes da Revolta dos Macabeus até a morte de Simão (175-
134 a.C). O livro demonstra uma fé indómita nos
propósitos de Deus para a comunidade de Israel e vê na
Casa dos Macabeus o instrumento de sua salvação. II
Macabeus, que cobre um período mais curto (176-161 a.C),
é bem independente de I Macabeus e é menos fiel tendo
uma proporção considerável de fábulas mescladas com
história. Ele foi escrito em grego, em Alexandria, em
aproximadamente 50 a.C. e demonstra um zelo pelo
Templo e pela observância rígida da Lei de Moisés (cf. as
comoventes histórias do martírio de Eleazar em 6.18-31 e
os Sete Irmãos em 7.1-42).
A fábula é ilustrada por II Mac 1.1-2.18 que parece
ser o conteúdo de duas cartas enviadas, em 124 a.C. e 143
a.C, pelos judeus da Palestina para os judeus no Egito. A
segunda delas narra como Jeremias ordenou aos
sacerdotes, quando eles estavam para ser levados para o
cativeiro, que escondessem o fogo sagrado do altar no
fundo de um poço seco; no tempo de Neemias,
empreendeu-se uma busca do fogo e em seu lugar foi
encontrado um líquido escuro, que acendeu com o calor
do sol e consumiu o sacrifício. As pessoas chamaram esse
líquido de "naphtha". A mesma carta diz como Jeremias
entregou um exemplar da lei aos exilados e recomendou-
lhes que a guardassem e como ele escondeu o tabernáculo,
a arca e o altar do incenso em uma caverna no Monte
Nebo.
A ficção é bem representada nessa literatura e
contém algumas histórias de origem gentílica. Somente um
desses livros (Judite) foi escrito em hebraico; o restante foi
escrito no vernáculo aramaico. O Livro de Judite (que
significa "judia") é uma história emocionante, no estilo do
Cântico de Débora (Juízes 5), de como uma certa Judite
libertou seu povo das mãos de Holofernes que, sendo
dado a vinho e mulheres, literalmente perdeu a cabeça por
uma viúva encantadora!
A História dos Três Jovens (provavelmente de
origem persa) em I Esdras 3.1-5.3 é um dos melhores
exemplos dessa literatura, do ponto de vista do estilo e da
eloqüência literária. Ela conta a história de três jovens
guardas no serviço de Dario, rei de Pérsia, que desafiaram
um ao outro para uma competição. Eles tinham que
escrever o que, em sua opinião, era a coisa mais forte do
mundo e tinham que discutir o caso perante o rei. O
primeiro escreveu: "O vinho é a coisa mais forte"; o
segundo: "O rei é o mais forte"; e o terceiro: "As mulheres
são as mais fortes, mas acima de todas as coisas, a verdade
alcança a vitória". A sobrevivência da obra que chamamos
de I Esdras deve-se, em grande parte, à popularidade que
essa história desfrutava entre os cristãos que a herdaram
dos judeus.
O livro de Tobias deve ser classificado nos primeiros
lugares entre os "best-sellers" de seus dias. Trata-se de um
"conto" de primeira categoria com um excelente enredo
muito bem executado. Foi escrito aproximadamente em
200 a.C. provavelmente por um judeu egípcio ou
babilônio, influenciado por certos escritos gentios, embora
toda a sua visão moral e espiritual seja moldada pelas
escrituras do Antigo Testamento. A história conta sobre
um certo judeu chamado Tobias, de Nínive, que enviou
seu filho Tobias a uma peregrinação incerta pela Média,
acompanhado por Azarias (o anjo Rafael disfarçado). Ali
eles encontraram e ajudaram uma jovem chamada Sara,
cujos sete maridos haviam sido mortos pelo demônio
Asmodeu, todos eles na noite de núpcias. Tobias e Sara se
casaram e viveram felizes desde então!
A História de Susana e as Histórias de Bel e o
Dragão seguem a verdadeira tradição de "história de
romance policial". Susana, a bela esposa de um judeu
babilônio, resistiu aos avanços de dois juízes anciãos, cujas
intenções não eram nada honrosas, e então eles
ameaçaram levantar uma acusação falsa contra ela
alegando um "caso" com um jovem. Ela foi condenada à
morte. Mas Daniel exigiu um novo julgamento, no qual os
dois juízes fossem levados a dar provas de evidência
contraditória. Susana foi absolvida e os juízes condenados
à morte.
A História de Bel é uma polêmica contra os deuses
pagãos e a idolatria em geral. Daniel, diz a história,
recusou-se a adorar Bel e afirmou que as provisões de
comida e bebida que os sacerdotes ofereciam àquele deus,
todos os dias, não eram comidas por ele. Ciro ordenou que
os sacerdotes provassem sua crença. Confiantemente, eles
colocaram a comida e a bebida em ordem e lacraram as
portas, porém havia uma entrada secreta debaixo da mesa!
Mas Daniel levou a melhor porque secretamente espalhara
cinzas no chão do templo, antes que as portas fossem
fechadas. Pela manhã, a comida e a bebida haviam
desaparecido e os sacerdotes estavam jubilantes. Mas as
pegadas dos homens, mulheres e crianças nas cinzas
revelaram o segredo! Os sacerdotes e suas famílias foram
mortos e o ídolo e seu templo, destruídos.
Salmos e Hinos, vários dos quais estão espalhados
por esses livros, são ilustrados no Cântico do Três Jovens
Santos que consiste em dois poemas separados por uma
curta seção de prosa. O primeiro poema traz a oraçào de
Azarias que, junto com seus dois companheiros, louvou a
Deus do meio da fornalha ardente; o segundo é um cântico
de louvor dos lábios dos "três jovens" ao Deus que os
havia livrado da morte.
A literatura de Sabedoria é representada por dois
livros muito importantes, a Sabedoria de Salomão e a
Sabedoria de Ben Sira. A Sabedoria de Salomão, escrito em
estilo epigramatico, foi composto por um judeu (ou
judeus) de Alexandria, talvez na primeira parte do
primeiro século a.C, e é muito distinto dentre os escritos
apócrifos, pelo modo como combina a religião judaica com
a filosofia grega.16 É impossível resumir seu conteúdo, mas
ele indica dois objetivos: primeiro, ganhar de volta os

72Ver pp. 17, 23 s.


judeus apóstatas e fortalecer os judeus piedosos em sua fé,
e segundo, demonstrar aos pagãos, em uma linguagem e
pensamento que eles pudessem entender, a verdade sobre
o judaísmo e a insensatez do paganismo. O escritor exorta
seus leitores a seguir a justiça, para assim encontrarem a
sabedoria.
A Sabedoria de Ben Sira é talvez o livro mais
importante dentre os "apócrifos", porque lança luz sobre a
religião e a vida dos judeus na Palestina por volta do ano
180 a.C. quando ele foi escrito. E uma seleção de
conferências que o autor ministrou em sua Escola em
Jerusalém, na qual procurava compartilhar com seus
alunos a sabedoria dos anciãos, que eles podiam viver "de
acordo com a Lei". Nesse caso também, é impossível
resumir em poucas palavras os tópicos tratados no livro.
Eles são extraídos da sinagoga, do lar, da escola e do
mundo do dia-a-dia. Seus conselhos vão desde lições de
etiqueta até a vida de comunhão com Deus ordenada em
sua santa Lei — comportamento à mesa, criação de filhos,
domínio próprio, ajuda aos pobres, avareza, a adoração de
mamon, a verdadeira piedade e muitos outros itens. Todos
esses conselhos ele resume na palavra "sabedoria" que é a
orientação de Deus para todas as áreas da vida.
Apocalíptico é representado por II Esdras 3-13, ao
qual o capítulo 14 foi acrescentado por outra mão. O livro
é um relato de seis visões dadas por Deus a "Esdras". Essas
visões têm sido descritas como "um drama apocalíptico em
dois atos: o 'amarrar do nó', na era presente (visões 1-3); e
o 'desfecho' no mundo porvir" (visões 4-6).17 Ele foi escrito
provavelmente por volta do ano 90 d.C. e reflete a
desilusão que se seguiu à destruição de Jerusalém vinte
anos antes. A única esperança dos homens estava na nova

73R. H. Pfeiffer em The Interpretoá Bibk (O Intérprete da Bíblia), voL 1,1952, p. 399.
era que ainda estava por vir. Uma abordagem mais
completa sobre o significado desse livro será reservada
para outro capítulo quando a literatura apocalíptica será
considerada como um todo.18
C. Seu Valor Histórico e Religioso
Já fizemos referência ao valor de I Macabeus como
uma fonte indispensável da história do segundo século
a.C. e conseqüentemente das crenças e práticas religiosas
do período de que ele trata. Porém muitos outros livros
além desse têm uma contribuição importante a fazer nessa
mesma conexão e juntos apresentam um quadro
inestimável da vida e da religião judaica nos anos que
antecederam o nascimento do cristianismo.
O respeito para com o Templo de Jerusalém é
demonstrado não apenas pelas narrativas históricas (por
exemplo I Mac 7.37), mas em outros textos, como no livro
de Tobias, ele é tratado em alta estima e é aprovada a
peregrinação a Jerusalém e o pagamento de dízimos no
Templo (1.4-8; 5.13). Em Ben Sira, também, os ritos do
Templo (cf. 35.4ss) e o sacerdócio aarônico (45.6ss) são
honrados e, em particular, o Sumo Sacerdote Simeão é
exaltado (50.1 ss).
Complementar ao Templo era a Torah sagrada, cuja
localização e prestígio iriam tornar-se cada vez maiores à
medida que os anos passassem. Tobias, por exemplo,
coloca ênfase na obediência à Lei de Moisés, enquanto que
em Ben Sira, como nós já vimos, a Torah é descrita como a
epítome da própria sabedoria (24.23). Já estava sendo
lançada a fundação para o tempo em que os judeus
estariam dispostos a morrer em defesa da bendita Torah
(cf. I Macabeus 2.27).

74Ver cap. 5.
Em todos esses escritos, há ênfase sobre a
importância das exigências legalísticas. Tobias, por exemplo,
refere-se à purificação após o contato com cadáveres, ao
lavar-se antes das refeições, à observância das festas, o
pagamento dos dízimos aos sacerdotes e às contribuições
para o sustento de órfãos, viúvas e estrangeiros. O ato de
dar esmolas, em particular, é considerado como um dever
sagrado a ser praticado igualmente por ricos e pobres. Em
I Macabeus é dada ampla evidência da grande importância
do rito da circuncisão (cf. 1.15,48; 2.46) e da observância do
sábado (2.34, 41). Outra observância quase tão importante
é a das leis relacionadas às comidas. Tobias diz que
quando foi levado cativo para Nínive, ele se recusou a
comer "o pão dos gentios" (1.10-11). Judite, também,
recusou-se a receber a comida e o vinho que Holofernes
lhe ofereceu (12.2). De fato, o sucesso de seu plano para
libertar a nação, aparentemente, dependia de seu
cumprimento da lei até nos menores detalhes da
observância das dietas (8.4-6; 12.1-9; cf. também II
Macabeus 6.18-7.1). A perspectiva religiosa dos judeus é
resumida nas palavras de Baruque: "Este é o livro dos
mandamentos de Deus e a lei que subsiste para todo o
sempre. Todos aqueles que a cumprem fielmente são
destinados para a vida, mas os que a abandonam,
perecerão" (Baruque 4.1).
Mas o legalismo não era a única coisa que a Torah
religiosa nutriu. Ela encorajou em muitos uma profunda
devoção pessoal que achou expressão nas boas obras e no
serviço aos outros. Em todo o livro de Tobias, por
exemplo, há um sentido de reverência e respeito
demonstrado aos pais, que indica um verdadeiro espírito
de piedade que prevalecia em muitos círculos familiares
judaicos daquele tempo; em particular, as orações de
Tobias e Sara pela libertação de seus problemas são, sem
dúvida, típicas de muitas orações de seus dias. Ben Sira
também exala o espírito de oração em várias passagens
que muito se assemelham aos Salmos em sua atmosfera
devocional (cf 2.1-18; 17.24-18.14; 22.27-23.6). Sua
perspectiva religiosa é bem resumida nestes palavras:
"Riquezas e força animam o coração;
E o temor do Senhor está acima de ambos:
Não há carência de nada no temor do Senhor,
E quanto a isso, não é necessário buscar ajuda"
(40.26).
Aquele que observa a Lei, faz muito mais aos olhos
de Deus do que se oferecesse muitos sacrifícios: "Aquele
que guarda a Lei multiplica as ofertas; Aquele que cumpre
os mandamentos oferece uma oferta pacífica;
Aquele que retribui uma boa ação oferece flor de
farinha; E aquele que dá esmolas oferece um sacrifício de
ação de graças." (35.1-2)
Multiplicar ofertas não é suficiente:
"O Altíssimo não tem prazer nas ofertas dos ímpios;
nem perdoa os pecados pela multidão de sacrifícios"
(34.19).
Toda essa passagem, de fato, exala o espírito de
Amós, que requer misericórdia para os pobres e justiça
para os oprimidos (cf. 4.1-6; 34.18-26).
Durante todo esse período, houve um grande
desenvolvimento na concepção dos judeus das últimas
coisas e isto é bem ilustrado nesses escritos. Em Baruque,
por exemplo, há uma promessa para o povo judeu de que
eles verão seu triunfo sobre seus irárnigos e que Deus os
restabelecerá em sua própria terra (2.30-35, etc). Tobias
declara que o tempo virá quando Jerusalém será
reconstruída e o Templo será restabelecido à sua glória
anterior e até mesmo superior àquela; as tribos se reunirão
mais uma vez em Jerusalém e os pagãos adorarão ao
Senhor como seu Deus (13.1ss; 14.4-7). Em ambos esses
livros há referência à escatologia da nação, mas não há
nada sobre a escatologia do individual. E aos
apocalípticos, representada nos apócrifos por II Esdras 3-
13, que devemos uma síntese dessasduas escatologias por
meio de sua crença na doutrina da ressurreição dos
mortos. Por sua influência, o escritor de II Macabeus, por
exemplo, expressa sua crença na ressurreição dos justos,
que serão levantados dentre os mortos para herdar a vida
eterna (7.9,11,14,23,29,36;12.3-45). Nisso ele difere de outro
livro alexandrino, a Sabedoria de Salomão, que, sob
influência do pensamento grego, ensina sobre a
imortalidade da alma (2.23; 3.4;5.15;6.18;8.17;15.3). Esse
ensino de Sabedoria, junto com sua crença na pré-
existência da alma (8.19-20), que está aprisionada ao
"corpo corruptível" (9.15), é estranha não apenas ao
pensamento hebraico, mas também às expectativas
apocalípticas dos judeus.19 Os apocalípticos estavam
alinhados à tradição hebraica e, por seu discernimento
espiritual, prepararam o caminho para o cristianismo, não
apenas em sua doutrina da ressurreição, mas também em
sua crença no Reino de Deus e do Messias que um dia
viria para reinar.

2. Os OUTROS LIVROS "APÓCRIFOS" (Ou


PSEUDEPÍGRAFOS)

A. Sua Identidade
Não há consenso sobre a lista desses outros livros
apócrifos que se encontram excluídos dos "Apócrifos" e
aos quais se atribui, às vezes, o nome de "pseudepígrafos".
Eles representam vários tipos de literatura, mas, sem

75Ver pp. 24 s.
dúvida o mais comum e mais importante é esse do
apocalíptico. Alguns deles são apocalipses, propriamente
ditos, enquanto outros, embora não predominantemente
apocalípticos, possuem em si elementos apocalípticos bem
consideráveis. De fato, há poucos, se houver algum, que
não entram nessa categoria. Mais tarde trataremos de seu
método e ensino. Aqui relacionamos uma lista de tais
livros, geralmente aceitos como pertencentes a essa
classificação, juntamente com sua data aproximada de
composição.
De origem palestina:
I. 1 Enoque 6-36, 37-71, 83-90, 91-104 (c. 154 a.C.)
2. O Livro dos Jubileus (c. 150 a.C.)
3. Os Testamentos dos Doze Patriarcas (140-110 a.C.)
4. Salmos de Salomão (c. 50 a.C.)
5. O Testamento de Jó (primeiro século a.C.)
6. A Assunção de Moisés (7-28 d.C.)
7. As Vidas dos Profetas (primeiro século d.C.)
8. O Martírio de Isaías (1-50 d.C.)
9. O Testamento de Abraão (1-50 d.C.)
10. O Apocalipse de Abraão 9-32 (70-100 d.C.)
II. II Baruque ou O Apocalipse de Baruque (50-100
d.C.)
12. Vida de Adão e Eva ou Apocalipse de Moisés
(80-100 dC.)
De origem helenística:
13. Os Oráculos Sibilinos: Livro Hl (150-120 a.C.)
Livro IV (c. 80 d.C.)
Livro V (antes de 130 d.C.)
14. III Macabeus (próximo do fim do primeiro século
a.C.)
15. IV Macabeus (próximo do fim do primeiro
século a.C. ou início do primeiro século d.C.)
16. II Enoque ou livro dos Segredos de Enoque (1-50
dC.)
17. III Baruque (100-175 d.C.)

B. Na Comunidade deQumran
Esse número de livros foi aumentado consideravel-
mente pelas descobertas no Qumran, perto da costa do
Mar Morto. Entre os milhares de fragmentos encontrados,
há muitos de caráter apócrifo e, em particular,
apocalíptico; alguns são escritos em hebraico e outros em
Aramaico, e outros, segundo informações, em uma escrita
secreta. Aparentemente esses escritos eram muito
populares entre os membros da comunidade de Qumran e
talvez alguns deles tenham sido, de fato, escritos lá.
Muitos fragmentos de escritos apocalípticos
relatados no Livro de Enoque têm vindo à luz, escritos em
hebraico e aramaico. Um deles tem muito em comum com
I Enoque 94-103, com sua narrativa das admoestações aos
justos e infortúnios aos pecadores, e faz referência, em
várias ocasiões, ao "segredo futuro"20 por meio do qual os
mistérios da presente era, enfim, serão revelados. Essa é
uma idéia bem comum entre os apocalípticos como, por
exemplo, em II Esdras. Outra série de fragmentos contém
uma narrativa do nascimento de Noé, conhecida
previamente apenas em I Enoque 106. E possível que esses
façam parte de escritos perdidos há muito tempo, o assim
denominado "Livro de Noé", reconhecido por muitos
como sendo uma das fontes do Livro de Enoque.21 No
entanto, encontrou-se outra coleção de fragmentos, escrita
em aramaico, que descreve uma visão da Nova Jerusalém
e demonstra um interesse particular no templo e em seu

76Verpp. 56, 95 ss, 105.


77Cf.
I Enoque 6-11; 54.7-55.2; 60; 65.1-69.25; 106-107. Porções da 'literatura de Noé' também
podem ter sido preservadas em Jubileus 7.20-39; 10.1-15.
culto.22 A indicação é que esse escrito deve ter sido muito
popular entre os Pactuantes, porque os fragmentos
apresentam várias cópias e foram descobertos em várias
cavernas de Qumran. Também foram encontrados
fragmentos do Livro de Jubileus, um Testamento de Levi
em aramaico (considerado uma fonte dos Testamentos dos
Doze Patriarcas) e um Testamento de Naftali em hebraico.
Alguns escritos de caráter hagádico23 têm, também,
vindo à luz entre os rolos de Qumran. Foram encontradas
partes de uma obra similar ao Livro de Jubileus, por
exemplo, que podem ser uma fonte desse livro ou uma
recensão posterior dele, ou talvez possam representar um
escrito independente, pois esse parece defender um
calendário diferente, de algumamaneira, daquele dos
Jubileus. De considerável interesse são os quarenta e nove
fragmentos de um escrito hebraico que parece seguir o
estilo do Livro de Deuteronômio, um tanto como Jubileus
segue o Livro de Gênesis. Por isso ele é geralmente
conhecido como "O Pequeno Deuteronômio" ou "As
Palavras de Moisés". E bem possível que tenhamos aqui
uma história apócrifa dos patriarcas ou mesmo um
documento até então desconhecido, "As Guerras dos
Patriarcas", que é uma das fontes de Jubileus (cf. 34.1-9) e
os Testamentos do Doze Patriarcas (cf. Testamento de Judá
3-7).
Igualmente interessante também é a paráfrase
aramaica de Gênesis 5-15 que adorna a narrativa bíblica
com comentários hagádicos sobre o texto e tem muito em
comum com nossa literatura apocalíptica.24 Fragmentos de
outros livros de narrativas hagádicas também têm muito
em comum com os escritos atribuídos a Jeremias e
78Os editores deram a ela o título de "A Descrição da Nova Jerusalém".
79Ver p. 67.
80Este escrito foi, à primeira vista, considerado uma cópia do Livro de Lameque, ao qual se faz

referência em algumas listas antigas.


Baruque, mas que não podem ser identificados com
qualquer dos escritos já conhecidos por nós. De particular
interesse é o escrito pseudo-histórico situado no período
persa, que lembra os livros de Ester e Daniel.

3. Os LIVROS APÓCRIFOS NO CRISTIANISMO

A. No Novo Testamento
Ao ler o Novo Testamento, torna-se bem óbvio que
seus escritores e leitores dos primeiros dias estavam
familiarizados com, pelo menos, alguns dos livros
apócrifos, não apenas aqueles que eles herdaram dos
judeus na Septua-ginta, mas também com uma coleção
mais ampla de escritos. A referência mais clara pode ser
encontrada em Judas, versículos 14-16, onde o autor faz
uma citação, sem dúvida de memória, de Enoque 1.9,
lembrando a profecia de "Enoque, a sétima geração depois
de Adão". A exceção dessa citação mais ou menos direta,
muitas alusões à literatura apócrifa. As palavras,
"Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos.
Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate",
registradas em Hebreus 11.35, nos faz lembrar o martírio
de Eleazar e dos Sete Irmãos em II Macabeus 6 e 7, e
"foram... serrados pelo meio" de Hebreus 11.37 é, sem
dúvida, uma alusão ao Martírio de Isaías, enquanto as
frases "o resplendor da glória" e "a expressão exata de seu
Ser" em Hebreus 1.3 nos lembra forçosamente o Livro de
Sabedoria 7.26. Ecos do Livro de Sabedoria provavelmente
podem ser ouvidos também nas palavras dos principais
sacerdotes em relação a Jesus, em sua agonia, em Mateus
27.43: "Pois venha livrá-lo agora, se de fato lhe quer bem;
porque disse: Sou Filho de Deus" (cf. Sabedoria 2.18);
assim também nas cartas de Paulo, tais como Romanos
1.20-32 (Sabedoria 14.22-31), Romanos 9.21 (Sabedoria
15.7), II Coríntios 5.4 (Sabedoria 9.15) e Efésios 6.13-17
(Sabedoria 5.18-20). Além disso, certos sentimentos e
frases familiares ao leitor cristão nos Evangelhos têm seu
paralelo direto no Testamentos dos Doze Patriarcas,
expressões como perdoar o próximo (Mateus 18.21, cf.
Testamento de Gade 6.3,7), amar de todo o coração
(Mateus 22.37-39, cf. Testamento de Dã 5.3), e retribuir o
mal com o bem (Lucas 6.27s, cf. Testamento de José 8.2).
Isso demonstra como o conteúdo dos ensinamentos morais
de Jesus estava próximo do ideal moral do judaísmo.
A disputa entre Miguel e o diabo, pelo corpo de
Moisés em Judas 9, deriva de A Assunção de Moisés, e a
doutrina dos espíritos aprisionados em I Pedro 3.19 é
baseada em Enoque 14-15. A Epístola de Tiago tem muito
em comum com os livros apócrifos; o escritor certamente
estava familiarizado com Ben Sira, de cujo pensamento e
experiência ele compartilhava (cf. por exemplo, Tiago 1.19
e Ben Sira 5.11). O Novo Testamento faz referências a
escritos desconhecidos (cf. I Coríntios 2.9; Efésios 5.14; I
Timóteo 3.16) e faz citações de fontes desconhecidas
(Mateus 23.34,35; cf. Lucas 11.49-51), enquanto em uma
passagem (II Timóteo 3.8) faz alusão a Janes e Jambres,
cujos nomes foram usados para o título de um livro
apócrifo, do que temos conhecimento a partir de escritos
que surgiram posteriormente.
Sem dúvida, os cristãos primitivos consideravam
esses livros religiosamente edificantes, não apenas em suas
devoções pessoais, mas também no ensino dos
catecúmenos. A questão da canonicidade não era sequer
cogitada a essa altura. Esse problema ainda seria suscitado
e resolvido pela Igreja em expansão.

B. Na História da Igreja
Entre os primeiros Pais da Igreja, os livros
"Apócrifos" geralmente eram considerados como parte das
sagradas Escrituras, mas essa opinião não deixou de ser
contestada por vários dos mais influentes dentre eles.
Orígenes (185-254), por exemplo, como membro do clero,
aceitava os "Apócrifos" mas como erudito limitava as
Escrituras do Antigo Testamento ao Cânon hebraico. Cirilo
de Jerusalém (morto em 386) ensinava seus catecúmenos
com base no Cânon hebraico, mas aceitava o uso comum
de outros escritos. Jerônimo (morto em 420) formulou sua
opinião de que apenas os livros do Cânon hebraico
deveriam ser considerados autorizados e, portanto,
canónicos. Ele fazia distinção entre o que chamava de abri
canoniá e libri eccksiastiá. Estes últimos, que não eram
incluídos no Cânon hebraico, deveriam ser considerados
"inter-apócrifos" entre os escritos apócrifos, uma expressão
que já havia sido empregada (aparentemente pela primeira
vez) por Cirilo de Jerusalém. Na prática, porém, Jerônimo
incluiu os livros "Apócrifos" na tradução latina, que veio a
ser conhecida como Vulgata, a versão católica romana
oficial da Bíblia. Com base na Vulgata, a igreja católica
romana declarou os Apócrifos como canónicos no
Concílio de Trento em 1546 e no Concílio Vaticano
em 1870.
A atitude dos reformadores em relação aos
Apócrifos foi amplamente determinada pelo uso que a
Igreja Católica Romana havia feito, desde muito tempo,
desses escritos, para defender doutrinas tais como
salvação pelas obras, mérito dos santos, purgatório e
intercessão pelos mortos. Isso, juntamente com um
renovado interesse pela língua hebraica, estabeleceram os
livros do Cânon hebraico como uma classe à parte.
Martinho Lutero (1534) separou os Apócrifos (a exceção de
I e II Esdras) do Cânon hebraico e colocou-os em um
apêndice do Antigo Testamento, descrevendo-os como
"livros que não podem ser considerados como livros
canónicos, porém são úteis e bons para leitura". Coverdale
(1535) também apensou os Apócrifos ao Antigo
Testamento, omitindo a Oração de Manasses (incluída
posteriormente na "Grande Bíblia", 1539) e acrescentando I
e II Esdras. Os Apócrifos, seja no corpo do Antigo
Testamento, seja como apêndice, portanto, apareciam na
"Bíblia de Mateus" (1537), na Grande Bíblia (1539), na
Bíblia de Genebra (1560), na Bíblia do Bispo (1568) e na
Versão Autorizada de Tiago I (1611). Mas a velha
controvérsia permaneceu e já em 1629 os "Apócrifos"
foram omitidos de algumas edições da Bíblia Inglesa e,
desde 1827, das edições da Sociedade Bíblica Britânica e
Estrangeira, com exceção de algumas Bíblias de púlpito.
Hoje, aos olhos dos protestantes, o valor dos "Apócrifos"
vai desde "edificante" a "sem valor religioso".
Parte Dois

Os APOCALÍPTICOS
5

A Mensagem e o Método dos Apocalípticos


Falando em termos gerais, a literatura apocalíptica
judaica surge entre a literatura do Antigo Testamento e a
do Novo Testamento e está intimamente associada com
ambos. Por um lado, é uma continuação do Antigo
Testamento, visto que em muitas de suas características é
um desenvolvimento da profecia hebraica. Por outro lado,
é uma antecipação do Novo Testamento, porque marca
um importante período de transição, no qual as crenças
que surgem destes escritos, foram adotadas e
desenvolvidas dentro do arcabouço do cristianismo; de
fato, as importantes mudanças no pensamento religioso
que ocorreram no período entre os Testamentos, seriam,
até certo ponto, inexplicadas e inexplicáveis, não fosse o
fato de que possuímos esse conjunto de literatura judaica.
Isso se aplica particularmente à idéia do Messias em sua
relação com o Filho de Homem e à crença na vida após a
morte. Esses dois conceitos serão tratados nos dois últimos
capítulos deste livro e vão indicar a significativa
contribuição dada pelos apocalípticos para o
desenvolvimento de convicções religiosas durante o
período interbíblico.
Durante algum tempo, esses escritos apocalípticos
continuaram a ser populares entre os cristãos. O padrão do
apocalíptico judeu é evidente no Cânon do Novo
Testamento, particularmente no Apocalipse de João e no
assim chamado Pequeno Apocalipse de Marcos 13; mas
além desses, muitos outros apocalipses foram escritos em
imitação aos antigos livros judaicos. Isso não é realmente
surpreendente, porque a mensagem dos escritores judeus
apocalípticos era bem alinhada com as esperanças e
expectativas dos cristãos. Ela dirigia os homens deste
mundo mau e atribulado para o grande desdobramento do
propósito do Deus Todo-Poderoso que sustentava a
história e o destino do mundo na palma de sua mão. O dia
em que ele interviria com poder para estabelecer seu reino
de justiça e paz estava se aproximando rapidamente; a
Idade Messiânica, prestes a se manifestar, traria consigo as
bênçãos do Paraíso; o Grande Dia do Julgamento iria
testemunhar a ruína dos ímpios e a vindicação dos justos;
a Nova Era estava na iminência de surgir, o Reino de Deus
estava às portas! Não é absolutamente surpreendente,
então, que tais ensinos tenham sido muito bem reputados
na igreja cristã, porque essa era seguramente uma
antevisão do triunfo daquele mesmo reino no qual os
próprios cristãos acreditavam. Apenas quando arrefeceu a
expectativa dos cristãos na vinda de Cristo em seus dias,
esses livros e seus similares cristãos perderam o prestígio,
embora vez por outra, no curso da história, a igreja tenha-
se voltado para a mensagem que os apocalípticos
proclamaram, a fim de renovar sua inspiração e
encorajamento.
É possível traçar padrões e esquemas nos
pensamentos desses escritores, mas o leitor não deve
esperar encontrar rigorosa consistência ou apresentação
lógica nas idéias e crenças, expressas nessa literatura.
Como o Dr. F. C. Burkitt observa: "O principal perigo
agora é requerer um padrão muito rígido de consistência e
racionalidade dos escritores, para os quais consistência e
racionalidade eram considerações totalmente secundárias.
Consistência e racionalidade pertencem ao passado e ao
curso dos eventos neste mundo: a parte dos apocalípticos é
estimular seus companheiros por meio de esboços do
futuro. E um futuro em que tudo é coerente... o coração do
homem ainda não concebeu".25

1. A TRADIÇÃO APOCALÍPTICA
A literatura apocalíptica judaica que floresceu de
165 a.C. a 90 d.C, deve muito à preparação dos profetas do
Antigo Testamento e à influência de idéias estrangeiras,
especialmente as relacionadas à escatologia do
Zoroastrismo do Império Persa. Mas é verdadeiro dizer
que ela tomou raízes no tempo da perseguição sob Antíoco
IV (Epifânio) e prosperou na atmosfera da opressão,
tortura e ameaça de morte que prevalecia na Palestina ao
longo de todo o reinado desse monarca. A semente já
havia sido lançada, por assim dizer, em passagens tais
como Ezequiel 38-39, Zacarias 9-14, certas partes de Joel e
Isaías 24-27, que, de forma muito interessante, estão elas
próprias embutidas na profecia; mas nos eventos que
conduziram à Revolta dos Macabeus, essa semente chegou
ao pleno florescimento. O primeiro, e indubitavelmente o
maior dos escritos apocalípticos, é o Livro de Daniel,
escrito sobre um fundo de perseguição, terror e morte.
Desde o início ele deve ter conquistado um lugar de honra
entre aqueles para quem foi escrito e deve ter causado
uma profunda impressão no povo judeu como um todo;
apenas o Livro de Daniel, dentre todos aqueles que se
seguiram, conquistou para si um lugar no Cânon hebraico
das Escrituras.

81]ewish e Christian Apocalipses (Apocalipses Judaicos e Cristãos), 1914, p. 48


A, O Segredo Oculto
Praticamente em toda essa literatura, um padrão
definido pode ser traçado que, embora os detalhes
possamvariar, quase sempre é o mesmo em linhas gerais.
Os vários escritos reivindicam ser revelações dos segredos
divinos, os quais Deus tornou conhecidos a certos
indivíduos eleitos (de Adão a Esdras) que pretendem ser
os escritores dos livros. Esses homens, por meio de visões
e coisas semelhantes, haviam sido iniciados em uma
compreensão dos segredos dos céus e subseqüentemente
os registraram em seus livros "ocultos", como instrução
para os justos. A natureza dessa iniciação varia em
diferentes partes da literatura. Freqüentemente ela assume
a forma de uma translado, seja no espírito,26 seja no
corpo,27 ao próprio céu. Lá o vidente antigo é iniciado nos
segredos eternos do propósito divino ou mesmo na
própria presença de Deus.28 Vários dos escritos
apocalípticos fazem referência às "tábuas celestes", nas
quais estão registrados os segredos dos séculos. Em I
Enoque, elas registram "todas as ações dos seres
humanos... desde as mais remotas gerações" (81.2, cf. 93.2)
e prediz a injustiça que surgirá na face da terra (106.19;
107.1). Em outro lugar elas são chamados de "os livros dos
santos"; nelas, os anjos sabem do futuro e assim estão

82Cf. I Enoque 71.1. As palavras "subi para aqui", em Ap 11.12, ditas ajoão na ilha de Patmos,

provavelmente se refere a um translado do espírito. Cf. também Ap 17.3; 21.10.


83Cf. I Enoque 39.3,4; II Enoque 3.1; 36.1,2; 38.1; Testamento de Abraão 7B, 8B; Apocalipse de

Baruque 6.3; II Esdras 14.9. Isso nos lembra das palavras de Paulo em II Co 12.2-4, onde ele
relata como foi arrebatado para o terceiro céu, "se no corpo ou fora do corpo, não sei".
84Cf. I Enoque 14.9-17; 71.7-9; II Enoque 20.3; 22.1, etc. Há muitas histórias lendárias,

especialmente na literatura grega, da alma do homem viajando pelo Hades ou pelo céu, seja após
a morte, seja em um estado de transe. Os apocalípticos, contudo, podem ter sido mais
profundamente'influenciados pela idéia do Antigo Testamento de um Conselho Celestial
presidido por Deus e assistido por anjos e às vezes por homens. Cf. I Reis 22.19 ss; Jó 1.6 ss; Is
6.6 ss; SI 89.7; Jr 23.18 ss. Essa mesma idéia é desenvolvida a um grau extravagante no Judaísmo
mais recente (cf. Sanhedrin (Sinédrio) xxxviii. 6).
aptos a preparar a recompensa dos justos e dos ímpios (cf.
103.2; 106.19; 108.7).
Essa mesma idéia está presente no Livro de Jubileus
(cf. 1.29; 5.13; 23.30-32; 30.21-22, etc.) e nos Testamentos
dos Doze Patriarcas, nos quais acredita-se que as tábuas
celestes prevêem os eventos futuros (cf. Testamento de
Aser 7.5) e coloca-se ênfase sobre o determinismo dos
eventos futuros29 (cf. Testamento de Aser 2.10; Testamento
de Levi 5.4).
Tais segredos, embora não se relacionem particular-
mente às "últimas coisas", relatam todo o propósito de
Deus para o universo desde a criação até o final dos
tempos. A compreensão de tais segredos ajuda os justos a
discernir os sinais da aproximação do fim e os estabelece
em sua santa fé.86 Muito freqüentemente a revelação
concedida ao eleitos antigos consiste em um relato da
história do mundo, culminando no Reino do Messias e a
Era Vindoura. Falando em termos gerais, o relato dado é
muito claro, sob os aspectos simbólicos, bem ajustado à
época na qual o próprio autor estava vivendo; e então,
inevitavelmente, o relato se torna obscuro, porque embora
o relato todo pareça ser uma predição em nome dos
videntes antigos, a predição, propriamente dita, começa,
de fato, a partir dos dias do próprio autor. Desse ponto em
diante, o tempo dos eventos é rapidamente precipitado,
porque o fim está próximo. A natureza do fim e os
detalhes de sua vinda demonstram uma grande
diversidade de pensamento, mas normalmente o escritor
retrata a ruína dos ímpios e o triunfo dos justos, seja neste
mundo ou na vida vindoura, seja num reino terreno ou
num celestial, em corpo físico ou em corpo "espiritual"
renovado; o Reino Messiânico, temporal ou eterno, é

85Para citações de determinismo na interpretação da história pelos apocalípticos,


anunciado e proclama ou inaugura a Era Vindoura,
quando os propósitos de Deus vão triunfar e Ele vai viver
com seu povo para sempre.87 Esse padrão de revelação
tendia a se tornarestereotipado e formai, mas em sua
origem, de qualquer modo, como no Livro de Daniel, seu
propósito era muito prático — inspirar a nação com uma
nova coragem e com renovada esperança na vitória final
do bem sobre o mal, e no triunfo de Deus e seu Reino
sobre todos os poderes das trevas.

B. A Linguagem do Simbolismo
Toda essa literatura é abundante em imaginação de
gênero fantástico e estranho, a tal ponto que o simbolismo
pode ser considerado como a linguagem apocalíptica.
Parte desse simbolismo é originado diretamente do Antigo
Testamento, cujas figuras e metáforas são adaptadas e
usadas como material para representação figurativa.
Porém, grande parte dela tem origem na mitologia antiga.
Essa influência pode ser traçada mesmo no próprio Antigo
Testamento, mas nos apocalípticos é muito mais
plenamente desenvolvida. Alguns desses quadros e
alusões, sem dúvida, surgiram juntamente com os
próprios escritores apocalípticos sob a influência de idéias
estrangeiras e tornaram-se parte de seu repertório comum.
De particular interesse é o antigo mito babilónico de
um combate entre o divino Criador e um grande monstro
marinho. Esse mito encontra eco em diversas passagens do
Antigo Testamento, nas quais o monstro é muitas vezes
descrito como Dragão, Leviatã, Raabe ou Serpente.30 Em
forma babilónica e hebraica igualmente simboliza o

88Dragão (Jó 7.12; SI 74.13; Is 51.9; Ez 29.3; 32.2), Leviatã Qó 41.1; SI 74.14; 104.26; Is 27.1),
Raabe Qó 9.13; 26.12; SI 89.10; Is 30.7; 51.9), Serpente (Jó 26.13; Is 27.1; Amós 9.3).
89Cf. Jó 7.12; 26.12; 38.8; SI 74.13; Is 51.10; Hc 3.8; Amós 7.4. Para o poder de Deus sobre o

abismo, ver também SI 33.7 s; 93.1 ss; 107.23-32; Jonas 2.5-9, etc. Em Gn 1.2, 6 ss, Deus o
Criador salva o mundo do poder do caos em forma de oceano antigo.
abismo caótico ou oceano cósmico (do hebraico Tehôm; do
babilónico Tiâmatf que é considerado como um lugar de
mistério e mal. Em outro lugar eleé identificado com o
Egito (cf. Salmos 87.4), que em vários lugares é descrito
sob a figura de um grande monstro marinho (cf. Salmos
74.13ss; Ezequiel 29.3; 32.2).
Esse mesmo monstro reaparece nos apocalípticos
em vários escritos de diversas datas. No Testamento de
Aser, por exemplo, o escritor fala sobre a vinda do
Altíssimo à terra e que ele "rompeu a cabeça do dragão na
água" (7.3; cf. Salmos 74.13). Há uma tradição de que esse
dragão, descrito como Behemoth e Leviatã, será devorado
no Banquete do Messias por aqueles que permanecerem
na Era Messiânica (II Esdras 6.52; II Baruque 29.4)31 Nos
Fragmentos de Zadoque, a mesma figura é usada para
descrever "os reis dos gentios" (9.19-20), enquanto que em
Salmos de Salomão a referência é ao general romano
Pompeu (2.29), sem dúvida, sob a influência de Jeremias
51.34, onde se faz referência a Nabucodonosor, rei de
Babilônia, em termos semelhantes.
Toda a literatura apocalíptica emprega
extensamente figuras de animais de todas as espécies para
simbolizar homens e nações. A figura do touro, por
exemplo, já familiar no Antigo Testamento como símbolo
da presença e do poder de Deus,32 aparece particularmente
em I Enoque 85-86 como símbolo dos patriarcas de Adão a
Isaque. Em uma passagem, ele representa o Messias
humano e os membros de seu reino que se tornam touros
brancos, assim como Adão (I Enoque 90.37-38). Os justos
que seguem os patriarcas são descritos sob a figura de

90No livro do Apocalipse o dragão aparece como Satanás e é inimigo do Messias


e de seus santos (cf. 12.9,20.2). Na literatura rabínica é feita uma referência ao banquete
messiânico; na literatura de Qumran a "Norma da Congregação" descreve alguns preparativos
para um banquete que será presumivelmente preparado na nova era (ver p.129). MCf. Ex 32.4 ss;
I Reis 12.26 ss; Oséias 10.5, etc.
ovelhas ou cordeiros, sem dúvida sob a influência de
Ezequiel 34.3,6,8, onde o mesmo simbolismo é usado.33
Moisése Aarão, e muitos outros depois deles, são descritos
desse modo (I Enoque 89.16, é). Davi e Salomão, por
exemplo, são retratados como ovelhas até que assumem o
trono, quando então se tornam carneiros (I Enoque 89.45,
48). O Messias, como já vimos, é um touro branco mas, ao
entrar em seu reino, ele se torna um cordeiro (I Enoque
90.38) Judas Macabeus é descrito como um carneiro (90.14)
e em outro lugar como um grande chifre (90.9). O carneiro
é, naturalmente, um símbolo bem conhecido de poder e
dominação (cf. Ezequiel 34.17; 39.18) e é encontrado
também em outros escritos apocalípticos (cf. Daniel 8.3s,
etc).
Os apocalípticos fazem uso freqüente de bestas
selvagens e aves de rapina para simbolizar as nações dos
gentios. Sem dúvida, eles foram influenciados por
passagens tais como Ezequiel 39.17 ss e talvez também
pelo Livro de Jó e o Livro de Provérbios, os quais
demonstram grande interesse pela natureza e fazem
referência freqüente a figuras de animais de muitas
espécies. A lista mais extensa se encontra em I Enoque
89.10 ss onde as várias nações gentílicas são descritas sob a
figura de leões, tigres, lobos, cachorros, hienas, javalis
selvagens, raposas, esquilos, porcos, falcões, urubus,
milhanos, águias e corvos. No Testamento de José 19.8,
porém, o leão é usado para representar Judá, e em U
Esdras 11.37 ele simboliza o Messias.34 Neste último caso,
o leão, falando com uma voz de homem, repreende e então
destrói a "águia" (11.37 ss) que, como diz o autor (12.11),
representa o quarto reino na visão de Daniel (Daniel 7.23),

92Cf. também SI 74.1; 79.13; 100.3; Jr 23.1, nos quais Israel é citado como ovelha das pastagens
de Deus.
93Cf. Ap 5.5 onde o Messias é chamado "o Leão da tribo de Judá".
identificado aqui com Roma. Na visão de Daniel, saem do
mar quatro grandes bestas que não-pertencem a nenhuma
espécie conhecida. A primeira é como um leão com asas de
águias (7.4); a segunda é como um urso, tendo três costelas
em sua boca (v. 5); o terceiro é como umleopardo com
quatro asas (v. 6); o quarto é uma besta com dez chifres e
grandes dentes de ferro (v. 7). Por meio desse estranho
simbolismo, cujas raízes remontam à antiga mitologia, o
autor descreve os quatro grandes Impérios da Babilônia,
Média, Pérsia e Grécia.
Assim como homens e nações são simbolizados por
animais, assim também os anjos bons são simbolizados por
homens35 e os anjos caídos por estrelas.36 Este último é
encontrado particularmente em I Enoque 85-90, onde
Enoque, em visão, vê uma estrela, representando Azazel, o
príncipe dos anjos caídos, caindo do céu, seguido por
muitas outras estrelas, representando todas as suas hostes
(85.1 ss). Outra versão dessa história conta como os anjos
caídos coabitaram com as filhas dos homens que geraram
uma raça monstruosa de gigantes (I Enoque 7.1 ss; 15.1 ss;
86.1 ss).37 Esses gigantes foram destruídos pelo Dilúvio,
mas seus espíritos foram deixados soltos como demônios
para corromper todo o gênero humano (15.8 ss). Os anjos
caídos, chamados de "Vigilantes" (o nome é usado para o
primeiro grupo em Daniel 4.13,17, 23), serão punidos antes
mesmo do Juízo Final, mas a punição dos demônios será
reservada até aquele Grande Dia (cf. I Enoque 10.6; 16.1;
19.1).38

94Cf. I Enoque 87.2 ss; 89.59; 90.21; Testamento de Levi 8.2; II Enoque 1.4, etc. Para um uso um

pouco similar no Antigo Testamento, ver Gn 18.2 ss; Ezequiel 9.2, etc.
95Cf. Ap 1.20 em que essa linguagem é usada para descrever "os anjos das sete

igrejas".
96Cf. Gn 6.1 ss para um relato bíblico sobre esse velho mito em que o mal é relacionado aos

anjos caídos.
Outra forma de simbolismo que pode ser
encontrada nos escritos apocalípticos é o dos números,
especialmente os números 3, 4, 7, 10 e 12 ou seus
múltiplos.39 Cada um delestem um significado religioso
peculiar no Antigo Testamento e pelo menos alguns deles
aparecem muito freqüentemente nas fontes babilónica e
persa. Uma importância especial é atribuída ao número 7,
denotando compleição ou perfeição, que aparece nos
escritos apocalípticos de todo o período interbíblico em
passagens numerosas demais para mencionar."

C. A. Eenda de Esdras
Um bom esclarecimento é dado sobre a tradição
dessa literatura apocalíptica pela suposta lenda de Esdras,
contida no capítulo 14 de II Esdras, mas sem dúvida,
extraída de uma fonte independente. Ela nos diz como, ao
sentar-se debaixo de um carvalho, Esdras ouviu uma voz
chamando-o de um arbusto, convidando-o a guardar em
seu coração os sinais que Deus lhe mostraria, da mesma
maneira como se havia feito a Moisés no passado; a ordem
mundial presente eslava chegando rapidamente a um fim
e ele em breve deveria ascender para estar com o Messias.
Por isso, foi-lhe ordenado separar quarenta dias nos quais,
sob inspiração «divina, ele deveria ditar a cinco
companheiros escolhidos "tudo o que aconteceu no mundo
desde o início, mesmo as coisas que estavam escritas na
tua lei". Esdras fez como lhe foi ordenado e em quarenta
dias ditou aos cinco homens noventa e quatro livros.40 O
Todo-poderoso, então, deu-lhe esta injunção: "Os vinte e
quatro livros que tu escreveste proclamam o que o digno e

97Essa crença é expressa também em Jubileus 10.5-11 e é sugerida em Mt 8.29: "Vieste aqui

atormentar-nos antes do tempo". '«Ver também pp. 106 ss, 137.


98Cf. II Enoque 23.3 s, onde Enoque escreve 366 livros ditados pelo arcanjo Vretil, e A Assunção

de Moisés 1.16; 10.11; 11.1, onde Moisés recebe a ordem de preservar os livros celestiais que
Deus havia entregado a ele.
o indigno podem ler (nesse lugar); mas os setenta restantes
tu deves guardar, entregá-los aos sábios entre o povo"
(14.45-46).
Essa narrativa é uma reaplicação da tradição
familiar
de que Esdras foi o restaurador da Lei de Moisés
que, segundo se acreditava, havia sido queimada (14.21)
quando Jerusalém foi destruída por Nabucodonosor. No
Monte Sinai, Moisés havia recebido uma revelação divina
em que Deus "disse a ele muitas coisas assombrosas,
mostrou-lhe os segredos dos tempos, declarou a ele o fim
das estações" (14.5). As palavras da Lei ele deveria
anunciar abertamente, mas a tradição secreta concernente
às crises da história do mundo, ele deveria guardar para si
(14.6). Parece óbvio que o escritor tinha em mente aqui a
tradição apocalíptica que se acreditava ter sido recebida de
Moisés junto com a sagrada Lei e agora restaurada por
Esdras, sob a inspiração de Deus. Os vinte e quatro livros
que deveriam ser anunciados abertamente eram os livros
da Escritura canónica, e os setenta que seriam mantidos
em segredo e entregues apenas aos sábios, eram os escritos
apocalípticos esotéricos. O número setenta é, sem dúvida,
usado simbolicamente para significar uma figura
compreensiva e provavelmente com o objetivo de incluir
não apenas esses livros apocalípticos, conhecidos e
desconhecidos, que aparecem sob o nome de Moisés, mas
também uma coleção mais ampla de escritos apocalípticos,
incluindo o próprio livro, em que esses eventos são
registrados.
Essa lenda de Esdras, então, reivindica, na prática,
para a tradição apocalíptica, um lugar de valor e
autoridade no Judaísmo. Indubitavelmente, ela reflete a
crença conscienciosa em certos círculos apocalípticos
______________
99
A popularidade do número 7 é óbvia no Livro de Apocalipse, onde
ele ocorre 54 vezes.
daquele tempo, de que esse tipo de literatura, como a
própria Tradição Oral (cf. Pirke Aboth 1.1), poderia
remontar sua origem à revelação dada por Deus a Moisés,
no Monte Sinai. Tem-se sugerido que "Em Esdras e seus
cinco companheiros pode haver uma alusão oculta ao
grande rabino Joana ben Zakkai - o reformador do
judaísmo depois de cerca de 66-70 d.C. - e seus cinco
famosos discípulos".41 Nesse caso, fortalece ainda mais o
argumento deque o autor está aqui reivindicando para a
tradição apocalíptica um lugar essencial na vida do
Judaísmo reformado.

2. O APOCALÍPTICO E A PROFECIA
Os escritores apocalípticos acreditavam que se
mantinham na verdadeira tradição profética das Escrituras
do Antigo Testamento e estavam convencidos de que,
como aqueles profetas, eles também tinham uma
mensagem de Deus.42 Em particular, preocuparam-se com
o elemento prognóstico que encontravam na profecia e que
havia sido grandemente negligenciado nos métodos
rabínicos de seus dias. Seu método era examinar as
predições feitas no passado, que não haviam sido
cumpridas no sentido literal das respectivas passagens, e
ver nelas significados ocultos e simbólicos que eles
passavam a reorganizar e reinterpretar. Assim ao
reinterpretar e reaplicar a mensagem de uma profecia às
sucessivas gerações, eles mostraram que ela era não
apenas uma "previsão" mas uma "predição" da palavra de
Deus. Por essa razão, o apocalíptico tem, às vezes, sido

101G.H. Box, The Ezra-Apocalypse (O Apocalipse de Esdras), 1912, p. 314.


102Os rabinos também fazem essa reivindicação para si. No Talmude as seguintes palavras são
colocadas na boca de um rabino do terceiro século d.C: "A profecia era tirada dos profetas e era
dada aos sábios, e ela não tem sido tirada deles" (Baba Bathra 12 a).
descrito como profecia "não cumprida", o que até certo
ponto é verdade. Um exemplo disso pode ser encontrado
na predição de Jeremias sobre os setentas anos de cativeiro
antes da restauração final (Jeremias 25.11, 29.10), que é
interpretada pelo escritor de Daniel como as setenta
semanas de anos (9.24) e pelo escritor de I Enoque como os
setenta reinos dos setenta "pastores" ou anjos
comissionados por Deus para pastorear seu povo de Israel
(89.59 ss). Outro exemplo é a profecia registrada em Daniel
7.23. Nesse relato, a quarta besta obviamente representa a
Grécia,43 mas em II Esdras12.11 ela recebe uma
interpretação inteiramente nova e agora representa
Roma.44
A forma que a mensagem dos apocalípticos assumiu
era, em muitos aspectos, diferente da dos profetas; não
obstante, ela era a verdadeira continuação e o
desenvolvimento da mensagem profética e, em vários
aspectos, conduzia a sua conclusão lógica. Isso pode ser
ilustrado pela referência a três aspectos de sua mensagem -
a concepção da unidade da história, as idéias escatológicas
e a crença a respeito da forma de inspiração divina.

A. A Unidade da História
O Dr. R H. Charles afirma que foram os
"apocalípticos e não a profecia que primeiro apreendeu o
importante conceito de que toda a história, humana,
cosmológica e espiritual, constitui uma unidade", que
"Daniel foi o primeiro a ensinar a unidade de toda a
história humana, e que toda nova fase dessa história era
um estágio a mais no desenvolvimento do propósito de
Deus".45 Mas, ao escrever assim, o Dr. Charles, em seu zelo

103Verp. 100.
104Uma interpretação similar é dada para Dn 7.23 no Talmude Babilónico "AbodaZara" \ b.
105'Commentary on Daniel (Comentário sobre Daniel), 1929, pp. xxv, cxiv-cxv.
pelos apocalípticos, não faz muita justiça aos profetas. A
crença no monoteísmo e no propósito universal de Deus
são correlativas e podem ser encontradas implicitamente
em Amós e explicitamente em Deutero-Isaías. O olhar
desses profetas percorre, iniscriminadamente, todo o
passado, presente e futuro, unindo toda a história em um
único plano, concebido e controlado por Deus. Talvez seja
verdade, como diz o Dr. Charles, que "visto que a profecia
incidentalmente tratou do passado e devotou-se ao
presente e ao futuro como originado organicamente do
passado, os apocalípticos, embora seu interesse esteja
principalmente no futuro, como contendo a solução
dosproblemas do passado e do presente, consideram, em
seu campo de visão, as coisas do passado, do presentes e
do futuro".46 Isso, porém, não implica necessariamente que
os profetas não compreenderam, do mesmo modo, o
conceito da unidade da história; de fato, a evidência de
seus escritos implica que eles compreenderam tal conceito.
Mas se os profetas foram os primeiros a apreender esse
conceito, ficou para os apocalípticos completarem sua
lógica.
Seguindo a orientação dos profetas, os apocalípticos
começaram a relacionar os dados da história uns com os
outros e traçaram uma conexão entre eles no propósito
divino da história subjacente. Eles viam e interpretavam os
eventos da história sub specie aeter nitatis, observando em
sua aparente confusão uma ordem e um alvo. "Os
apocalípticos criam em Deus e criam que Ele tinha alguns
propósitos para o mundo que havia criado, e que Seu
poder era totalmente suficiente para realizá-los. De fato, a
fé dos apocalípticos vai além da fé no controle divino da

106Eschatology (Escatologia) 1913, p.183.


história. E uma fé na iniciativa divina na história para a
realização de seu alvo final".47
O avanço dos apocalípticos sobre os profetas, a esse
respeito, pode ser visto em duas direções: eles começaram
a elaborar a história em vastos períodos não apenas
sistematicamente, mas deterministicamente. Era conhecida
entre eles uma tradição secreta concernente às crises da
história mundial, associadas com o nome de Moisés, que
assume diferentes formas em diferente escritos. Em A
Assunção de Moisés 10.12, o escritor descreve Moisés
dizendo: "Desde minha morte até o advento dele haverá
CCL tempos", isto é, 250 semanas de • anos ou 1.750 anos
que, quando somados aos 2.500 anos que já haviam
decorrido antes da morte de Moisés, totalizam aduração
da história do mundo em 85 jubileus ou 4.250 anos. Esse
esquema de história é sistematizado ainda mais no Apoca-
lipse das Semanas (I Enoque 93.1-10; 91.12-17) onde é
dividido em dez "semanas" de duração desigual,48 cada
uma delas marcada por um grande evento. Do ponto de
vista do escritor, as primeiras sete semanas estão no
passado e as últimas três semanas, no futuro, sendo o
Reino Messiânico estabelecido na oitava semana e
continuando até o final da décima semana, quando ocorre
o Juízo Final. Em outros escritos, a divisão é feitas em sete
partes (Testamento de Abraão 17, 19) ou em doze partes
(Apocalipse de Abraão 20, 28; II Esdras 14.11; II Baruque
53.6; 56.3). Essas divisões de tempo sistematicamente
arranjadas formam uma unidade de história através da
qual pode ser traçado o infalível propósito de Deus. A
presente era chegará ao fim no Juízo final ou no
estabelecimento do Reino Messiânico.

107H.H. Rowiey, The Relevance of Apocalyptic (A Relevância do Apocalíptico) 1944, p. 142.


108Cf.
Os Oráculos Sibilinos, Livro IV, linhas 47 ss, onde a história mundial é também dividida
em dez "gerações".
Os apocalípticos não apenas dividiram a história em
diferentes períodos de tempo; a história, assim concebida,
havia sido determinada de antemão pela vontade de Deus
e revelada a seus servos. Deus havia estabelecido nas
tábuas celestes49 a ordem fixa de eventos, da qual não
poderia haver nenhum desvio. 'Torque aquilo que está
determinado será feito" (Daniel 11.36). Ele determinou de
antemão os destinos de Israel e das nações (A Assunção de
Moisés 12.4 s) e registrou todos os fatos da humanidade
(Jubileus 1.29); ele trará o fim a esta era presente quando o
tempo pré-deterrninado estiver cumprido (II Esdras 4.36;
11.44). Os homens não podem alterar o que foi
predeterminado por Deus, mas podem, pelo menos,
investigar o esquema da história e tentar descobrir em que
ponto eles mesmos se encontram pela identificação dos
eventos históricos passados com eventos específicos no
esquema. O cálculo dos tempos, portanto, torna-se uma
parte muito importante do trabalho dos apocalípticos e os
leva quase sempre à conclusão de que eles estão nos
últimos dias. Por trás de tudo isso, desde o início até o fim,
está o propósito predeterminado de Deus unindo a
história como um todo.
Dois fatores ajudaram os apocalípticos a alargar e
desenvolver sua concepção de unidade da história. Um foi
a influência externa do Zoroastrismo;50 o outro foi a
influência interna das crenças e condições do Judaísmo e
do Estado judeu.
Uma característica do ensino do Zoroastrismo era a
idéia de que o mundo duraria por um período de doze mil
anos, consistindo de quatro eras de três mil anos cada
uma. Durante a primeira era, tudo é invisível;51 durante a
109Ver pp. 96 s.
110Ver pp. 21 ss.
111Cf. II Enoque 24.4: "Pois antes todas as coisas eram visíveis, somente eu me ocupava das

coisas invisíveis".
segunda, o grande deus Ahura-Mazda cria o mundo
material e o homem; durante a terceira era, Angra-
Mainyu, o grande espírito mau, assume o poder sobre os
homens; durante a quarta, os homens gradativamente se
aproximam do estado de perfeição por meio da obra de
Shaoshyant, o salvador. Os escritores iranianos, dividem a
história em duas grandes épocas mundiais e formulam
esquemas complexos e sistemas de medida bem semelhan-
tes aos apocalípticos judeus. Não resta dúvida de que esses
apocalípticos foram muito influenciados pelo pensamento
iraniano nesse aspecto particular. Não deixa de ter
significado, por exemplo, que o número 12, que representa
um símbolo tão importante no Zoroastrismo, aparece tão
freqüentemente nas divisões da história feitas pelos
judeus. Os escritores apocalípticos judeus, então, adotaram
essa concepção iraniana das • grande épocas do mundo.
Eles a empregaram para tornar mais vívida e mais
abrangente a idéia que receberam dos profetas,de uma
unidade da história conduzida pelo infalível propósito do
Deus Todo-Poderoso.
O segundo fator que influenciou esses escritores foi
a natureza das crenças prevalecentes e as condições da
Palestina. Desde os tempos da Revolta dos Macabeus em
167 a.C, até a destruição do Templo em 70 d.C, o povo
judeu existiu como nação, em muitos aspectos bem
semelhantes a outras pequenas nações da Palestina. Mas
eles eram muito mais conscientes das diferenças entre eles
mesmos e os outros do que de quaisquer semelhanças. A
nação judaica não podia ser comparada em poder material
com os grandes impérios dos Selêucidas e dos Ptolomeus;
apesar disso, eles criam que tinham um papel imperial a
desempenhar na história da civilização. Essa é a impressão
que o livro de Daniel transmite, por exemplo, ao
contemplar o pleno cumprimento do propósito de Deus
através de seu povo, os judeus. Aqui "os grandes reinos
dos gentios, como a supremacia grega dos Selêucidas e dos
Ptolomeus, que parecia tão soberana e terrível, são
mostrados como fases de um processo mundial, cujo fim é
o Reino de Deus".52 Nas visões registradas nos capítulos 2,
7 e 8 o escritor vê a queda dos grandes impérios da
Babilônia, Média, Pérsia e Grécia. Os pronunciamentos de
julgamento divino não são mais, como em Jeremias e
Ezequiel, feitos em partes; aqui em Daniel nós temos, nas
palavras do Dr. E C. Burkitt, "uma filosofia da história
universal".53 A nação judaica, embora pequena, vê a si
mesma contra o pano de fundo de forças poderosas; essa
perspectiva havia se tornado realmente cosmopolita. Ela
não é inferior às grandes nações; pelo contrário, é superior,
porque elas podem perecer, mas Israel herdará o reino
preparado por Deus. Esse panorama dos eventos
mundiais, nos quais a nação deveria desempenhar um
papel tão vital, possibilitou aosapocalípticos uma visão
mais ampla da unidade da história do que havia sido
possível aos profetas antes deles.
O propósito divino que percorreu toda a história
não iria, contudo, cessar com o clímax da história, porque
"o Altíssimo não planejou uma Era, mas duas" (II Esdras
7.[50]). O cosmos não pode ser reduzido a um todo
harmonioso; há um contraste marcante entre esta era
presente de impiedade e a era futura de justiça.54 Contudo,
há uma ligação entre as ordens temporal e eterna que não
pode ser rompida; é o propósito de Deus que une as duas
ordens e elas afinal serão vindicadas na vindicação de seu
povo. E assim o estudo apocalíptico da história passa pela
escatologia; o propósito de Deus, que encontra sua
112E. Bevan, ap. cit., p.86.
113Op. cit., pp. 6-7.
114Cf. Apocalipse de Abraão 29,31,32. Esse dualismo provavelmente deve muito à influência do

Zoroastrismo. Ver p. 21. *


realização na história, deve buscar sua justificação além da
história.

B. As Últimas Coisas
O Dr R. H. Charles acertadamente salienta que as
profecias e os apocalípticos, cada um tem sua própria
doutrina das "últimas coisas", e enfatiza a diferença entre
elas;55 mas deve também ser lembrado que as linhas gerais
da escatologia profética foram assumidas pelos
apocalípticos e permaneceram como parte essencial de seu
ensino, apesar das modificações e desenvolvimentos que
se deram por meio desse ensino. Como veremos mais
adiante no próximo capítulo,56 prevaleceu em certos
círculos apocalípticos, a idéia de um reino pertencente a
este mundo, no qual os judeus triunfariam e os gentios
seriam destruídos. Essa esperança na restauração de Israel
estava em harmonia com muitos ensinos proféticos do
Antigo Testamento.57 Em outros lugares, entretanto, a
influência do pensamento persa *foi profundamente
percebida com sua visão dualística do mundo e sua visão
transcendente do Messias.58 Porém mesmo então, os
apocalípticos eram conscientes de seu lugar na tradição
profética, porque eles continuavam a ler os profetas
antigos à luz da futura esperança e a interpretar suas
profecias em termos das novas expectativas escatológicas.
A crença dos apocalípticos na vida após a morte ia
além de qualquer coisa que pudesse ser encontrada nos
profetas e foi, sem dúvida, também nesse caso, novamente
influenciada pelo pensamento persa. Porém mesmo assim
essa crença era fundamentada na esperança profética da
1150p. Cit., pp. 177 ss.
116Ver capítulo 6.
117Cf.Sf 3.8-13; Naum 1-3; Is 13.1 ss; 52.3 ss; Ml 3.2 ss; Joel 3.1 ss, 12 ss; Zc 14.1 ss, etc
118Verpp. 21 s e l 3 0 s s .
restauração — não apenas da nação, em um reino terreno,
mas também do indivíduo, em um reino celestial.59
De particular interesse nesse contexto é a concepção
apocalíptica do Dia do Juízo Final que pode ser descrita
como uma especialização do profético Dia do Senhor. H.
Wheeler Robinson vê neste "Dia" profético quatro
características - julgamento, universalidade, intervenção
sobrenatural e proximidade. Além disso, ele observa
quatro aspectos contidos nesse dia — ele enfoca a
manifestação do propósito de Deus na história; é um dia
no qual Deus age e não simplesmente fala; é um dia em
que Deus vai se revelar vitorioso na ordem do mundo
presente e estar em cena na história humana; é um dia que
introduzirá uma nova era na terra.60
E interessante observar que todas essas
características e aspectos podem ser identificados no Dia
do Juízo Final dos apocalípticos. Há diferenças, é verdade,
algumas das quais podem ter sido causadas por
influências estrangeiras; mas na grande maioria dos casos,
essas diferenças aparecem comodesenvolvimentos da idéia
profética. Por exemplo, a ênfase passa gradativamente a
ser colocada, não tanto no juízo de Deus restrito no tempo
e no plano da história, como no julgamento de Deus além
do tempo e acima da história; a idéia de julgamento não
estava mais confinada aos vivos, mas se estendia para
incluir também os mortos; em vez de tomar a forma de
uma grande crise ou crises na história, determinando o
destino das nações, o Juízo Final tendia a assumir um
caráter definitivamente forense, em que os homens seriam
julgados individualmente.61 Então, embora fossem
influenciados por idéias estranhas à tradição hebraica, os
119Para uma abordagem mais completo desse assunto, ver capítulo 7.
120Cf. Inspiration and Revelation in the Old Testament (Inspiração e Revelação no
Antigo Testamento), 1946, pp. 137 ss.
121Verpp. 153 ss.
apocalípticos não perderam a visão do ensino profético
concernente à esperança futura, mas a expandiram e a
enriqueceram a partir de seu próprio discernimento e
experiência religiosos.

C. A Forma de Inspiração
Tem-se sugerido, às vezes, que o apocalíptico é
simplesmente uma imitação da profecia, uma tentativa de
cumprir a palavra das Escrituras, por um meio que não
tem relação com o presente, porque se origina da reflexão
literária. Certamente é difícil determinar até que ponto eles
tiveram uma experiência genuína de inspiração e até que
ponto foi uma inspiração convencional do tipo literário.
Mas os apocalípticos não eram meros plagiários, copiando
e reproduzindo em estilo formal o que os profetas haviam
falado. Eles eram homens profundamente religiosos que
acreditavam que, como os profetas antes deles, sua
mensagem era de Deus e que escreviam por compulsão
divina.
Como os profetas, os apocalípticos também
compartilhavam da crença popular de que o Espírito de
Deus tem pleno ' acesso à natureza do homem, e
desenvolveram essa crença para incluir os espíritos do
mal, que como o Espírito de Deus, são invasivos, isto é,
podem tomar posse de um homem e exercer controle
sobre ele. Segundo todas as probabilidades, as descrições
de inspiração na qual um homem se tornou "possuído"
passaram a ser, em grande parte, uma convenção este-
reotipada nesse tipo de literatura; mas é possível que nos
livros apocalípticos essa descrição reflita uma experiência
pessoal do próprio escritor. Em II Esdras 14, há uma
tentativa de racionalizar idéias prévias de inspiração, que
representavam a natureza do homem como aberta à
incursões ou "possessões" do Espírito de Deus. Nessa
passagem, o espírito é considerado (como nos tempos pré-
exílicos) de maneira muito material. O profeta recebe a
ordem de beber uma taça "cheia de líquido como água,
mas sua cor era como a do fogo" (14.39). Essa é a taça da
inspiração, cheia do espírito santo, por meio da qual ele
pôde ditar os vinte e quatro livros das Escrituras e os
setenta escritos apocalípticos. Ao contrário dos profetas do
Antigo Testamento, que entravam em êxtase, Esdras
descobre que suas faculdades são fortalecidas e não
enfraquecidas, e em particular, sua mente é esclarecida, de
maneira que ele pode se lembrar perfeitamente dos
escritos sagrados.
Essa literatura faz muitas referências à possessão de
demônios - ocasião em que, a demonologia, de fato, passa
a ser reconhecida - e considera os espíritos malignos como
seres enviados para invadir a vida dos homens (cf.
Testamento de Dã 1.7; Testamento de Zebulom 2.1; 3.2; O
Martírio de Isaías 3.11; etc.) Essa personalização de
poderes malignos, sem dúvida, encorajada pela influência
persa, reflete as crenças desses escritores e afirma sua
própria consciência sobre a realidade dos poderes
invasivos, tanto do bem quanto do mal.
Esses escritos fazem freqüentes menções a
instrumentos tais como sonhos, visões, transes e audições,
por meio dos quais Deus transmite sua revelação aos
anciãos justos, em nome de quem o autor escreve. Na
grande maioria dos casos, é quase impossível dizer
quando a experiência anormal retratada é algo mais que
um mero dispositivo literário ou convenção. O que o Dr.
Charles diz é, sem dúvida, verdadeiro. "Assim como, às
vezes, o profeta usa as palavras: Assim diz o Senhor',
mesmoquando não havia experiência física real em que ele
ouviu uma voz, mas quando ele desejava relatar a vontade
de Deus que havia alcançado através de outros meios,
assim também o termo Visão' passou a ter um uso
convencional semelhante em ambos, tanto na profecia
como no apocalíptico".62 Ao mesmo tempo, entretanto, não
deve ser esquecido que a inspiração pode influenciar o
convencional e o clichê. Não há garantia de que a
mensagem inspirada será transmitida em sua forma
original. O fato de os profetas, por exemplo, fazerem uso
de uma forma convencional comum, isto é, versificação
rítmica, de modo algum afeta a inspiração final; e dizer
que os apocalípticos, em suas elocuções, fazem uso de
alguma forma de convenção literária, não necessariamente
implica que eles eram menos inspirados por fazerem isso.
Muitas dessas convenções literárias bem podem ter
experiências psicológicas por trás.
Na verdade, muitas das experiências registradas
aqui, concernentes ao suposto escritor do livro, são tão
verdadeiras psicologicamente que é difícil ver nelas algo
mais que a expressão da convenção literária. Ao receber a
divina revelação, ele se deitava no chão como um morto (II
Esdras 10.30; cf. Daniel 8.17 s; etc), ele ficava tão dominado
que mal conseguia descrevê-la adequadamente (II Esdras
10.32, 55 s; cf. II Co 12.4), ele está não apenas alarmado em
seus pensamentos (Dn 7.28), mas está até mesmo
fisicamente doente (Dn 8.27) e perde completamente a
consciência (Dn 8.18); às vezes ele é até mesmo insensível a
todo sofrimento físico, como também vê seu próprio corpo
à distância (O Martírio de Isaías 5.7). Nesses exemplos e
em muitos mais, somos tentados a ver uma projeção da
própria experiência física do apocalíptico. É assim que o
escritor pensava que se recebia a inspiração, e então há
pelo menos um argumento a prioripara a possibilidade de
ele tarnbém compartilhar tal experiência. Ele atribui tais

122Op cit., p. 176.


experiências a alguém, em nome de quem ele escreve,
como também esperava ter ao receber uma mensagem
para si mesmo, e algumas dessas experiências talvez
tenham sido, de fato, genuínas, nas quais ele acreditava
estar divinamente inspirado.
Talvez seja uma avaliação verdadeira dizer que na
inspiração apocalíptica temos um elo entre a inspiração
original dos profetas e a inspiração mais moderna de
gênero literário. Muitas e muitas vezes os apocalípticos
mostram que acreditavam que eles mesmos estavam
escrevendo sob a influência direta do Espírito de Deus, de
uma maneira semelhante àquela dos profetas, e mesmo
quando aceitavam a estrutura literária convencional, como
freqüentemente faziam, eles ainda acreditavam que
estavam divinamente inspirados.

3. PSEUDONÍMIA
Em um aspecto importante os apocalípticos diferiam
dos profetas na tradição que seguiam. Os profetas falaram
do ponto de vista de seus próprios dias e, segundo a
orientação de Deus, proclamavam seus oráculos em seu
próprio nome; os apocalípticos escreveram do ponto de
vista de uma era anterior e, ainda segundo a orientação de
Deus, escreveram seus oráculos em nome de outro.
Falando de forma geral, é verdadeira a afirmação de que
os apocalípticos são pseudonímicos. Os autores
escreveram em nome de algum homem notável do
passado a quem foi dada uma revelação das coisas
vindouras; ele era incumbido de selar essa revelação e
mantê-la em segredo até o tempo designado. De acordo
com o livro, chegaria a hora em que o segredo seria
revelado, porque o fim estava às portas. Esse fenômeno de
pseudonímia já era conhecido há muito tempo pelos
egípcios e também era popular entre os gregos. Mas a
forma particular que ela assumiu na Palestina parece
indicar um desenvolvimento inato e uma expressão do
pensamento nativo hebraico.

A. Recurso de Literatura
Uma explanação bem conhecida sobre a origem da
pseudonímia judaica é sugerida pelo Dr. R. H. Charles, ao
afirmar que, desde o tempo de Esdras em diante, a Lei
reivindicava uma auto-suficiência que não deixava espaço
para novas revelações da verdade além dela mesma. A
inspiração estava morta; a voz da profecia estava
emudecida. Porém, os apocalípticos acreditavam que eles
eram os portadores de novas revelações de Deus. "Para o
recebimento de nova fé e nova verdade, a Lei era um
obstáculo, a menos que os livros que as contivessem,
fossem apresentados sob a égide de certos grandes nomes
do passado. Em relação à reivindicação e autoridade de
tais nomes, os representantes oficiais da Lei foram, em
parte, reduzidos ao silêncio".63 Em apoio a esse ponto de
vista, ele afirma que em cerca de 200 a.C, o Cânon
profético foi definido e assim nenhum livro de caráter
profético pôde ser incluído depois. Além disso, à medida
que a Hagiografia (a terceira seção do Cânon) crescia e se
cristalizava, um teste para qualquer livro ser admitido era
que ele fosse pelo menos do tempo de Esdras, quando a
inspiração foi considerada encerrada. Se, então, os
apocalípticos desejavam obter aceitação, era necessário
que publicassem seus livros em nome de alguma pessoa
pelo menos contemporânea de Esdras.
Porém, mais que o fato de a Lei não exercer a
"autocracia incontestada" que o Dr. Charles atribui a ela,
essa explanação acusa os apocalípticos não apenas de

123Op cit., p.203.


engano, mas também de credulidade por acreditarem que
esse engano seria aceito por seus leitores com esse valor
aparente. De fato, há fortes razões para acreditar que os
judeus não estavam particularmente interessados em
autoria como essa; nem há evidência de que seus livros
não teriam sido lidos, tivessem eles sido redigidos
simplesmente como anônimos ou em seus próprios nomes.
Outra explicação foi proposta pelo Dr. H. H. Rowley
ao dizer que "a pseudonímia do Livro de Daniel foi
provenientede sua gênese, e que não foi pretendida
conscientemente desde o início, mas que sucessivos
escritores servilmente copiaram essa característica, como
se fosse parte de uma técnica apocalíptica".64 A sugestão é
que as histórias da primeira parte de Daniel foram
redigidas como mensagens para a época, a maioria delas
centradas na figura de Daniel. O autor dessas histórias,
cuja identidade não foi revelada, depois registrou um
relato de suas visões, e "escreveu-as à guisa de Daniel, não
para enganar seus leitores, mas para revelar sua
identidade com o autor das histórias de Daniel. A
pseudonímia nasceu então de um processo vivo, cujo
propósito era justamente o oposto de enganar. Isso apenas
se tornou artificial quando foi grosseiramente copiado por
imitadores".

B. Extensão de Personalidade
E perfeitamente possível que a adoção de um
pseudônimo por parte de alguns desses escritores era de
fato um recurso literário, que foi subseqüentemente
copiado por outros, e que a gênese da pseudonímia possa
ser traçada até os escritos do Livro de Daniel, do modo
como H. H. Rowley descreve. Mas no caso de certos deles,

1240p cit., p.36.


de algum modo, talvez haja razão para acreditar que seu
uso não indica simplesmente uma convenção literária, mas
uma genuína experiência de inspiração.
Isso pode ser melhor explicado pela referência à
concepção hebraica de "personalidade incorporada" e em
particular à idéia de "extensão de personalidade" que não
têm paralelo no pensamento moderno. De acordo com os
hebreus, a personalidade de um homem pode ser expresso
em coisas tais como "a palavra falada e, sem dúvida, a
escrita, nome e propriedade de outro e... a descendência de
outro".65 Além disso, o grupo ao qual ele pertencia e ao
qual sua vida estava ligada não era limitado simplesmente
aos seus membros presentes, mas era estendido para
incluir os membros do passado e do futuro, todo o grupo
formando uma unidade. Todo esse grupo podia "funcionar
como um único indivíduo por meio de qualquer um
desses membros, concebidos como representantes dele".66
Ora, os apocalípticos não pertenciam a um grupo
corporativo, mas formavam uma tradição apocalíptica
distinta, cuja ascendência podia ser traçada até Moisés,
como muitos acreditavam (cf. II Esdras 14.3 ss). Essa
tradição era representada não apenas por Moisés, mas por
homens como Enoque, Esdras e Daniel, que figuravam
todos na mesma linha de sucessão. Os apocalípticos criam
que eles eram a continuação dessa tradição e seus
representantes e, portanto, de seus renomados predeces-
sores, em nome dos quais eles escreveram. Assim como
uma porção do espírito de Elias pôde ser derramada sobre
Eliseu (II Reis 2.9) e o espírito que estava sobre Moisés
pôde ser transferido para os setenta anciãos (Números

125 A. R. Johnson, The Vitality of the Individual in the Thought of Ancient Israel, (A

Vitalidade do Individual no Pensamento do Israel Antigo), 1949, p.89.


126H. W Robinson, The Hebrew Conception of Corporate Personality (A Concepção

Hebraica da Personalidade Incorporada) em Werden und Wesen des Alten Testaments


(BZAW, no. 66), 1936, p. 49.
11.16 s), assim o espírito de Moisés ou de Enoque ou de
Esdras ou de Daniel poderia falar por meio de seus
representantes posteriores.67 Neste caso, então os
apocalípticos, ao atribuírem seus escritos a Moisés e aos
demais, não estavam tentando enganar seus leitores, mas
estavam, de boa fé, buscando interpretar aquilo em que
eles criam, ser a mente e a mensagem de alguém em cujo
nome e por cuja inspiração eles escreveram.

C. O Significado do "Nome"
E possível encontrar fundamento para essa idéia nos
próprios pseudônimos que os apocalípticos escolheram
para si mesmos e na importância que o pensamento
hebraico associava ao nome da pessoa. Conhecer o nome
de um homem era o mesmo que conhecer a própria
substância de seu ser; seu caráter estava relacionado a seu
nome, e a alteração deste poderia requerer mudança
daquele. O nome era essencialmente um conceito social.
Ele podia ser herdado e sua substância dependia em
grande parte do conteúdo já conferido por aqueles que o
haviam dado; normalmente essa hereditariedade era
restrita às próprias relações familiares da pessoa, mas isso
era possível mesmo fora desses limites. Em poucas
palavras, o nome representava a extensão da
personalidade de um homem, particularmente nos
relacionamentos do grupo ao qual ele pertencia.
Se é possível aplicar esse raciocínio ao problema da
pseudonímia, então os apocalípticos, ao se apropriarem do
nome de um vidente antigo, estavam fazendo muito mais
do que meramente assumir um título; eles estavam, de
fato, associando a si mesmos com tal vidente como uma
"extensão de sua personalidade" dentro da tradição

127Cf. H. W Robinson, Congregational Quarterly (Publicação Congregacional Trimestral), vol.


xxii, no. 4, pp. 369 s.
apocalíptica. Mas que evidência há para tal proposição?
Há indicações em vários escritos apocalípticos de uma
conexão entre os problemas que ocupavam a mente do
escritor e o pseudônimo por ele escolhido; o assunto a ser
tratado e a abordagem do escritor podem perfeitamente
ter sugerido o nome com o qual ele deveria revelar o
segredo divino.
O escritor do Livro de Jubileus, por exemplo, estava
preocupado acima de tudo com a glorificação do
sacerdócio e a supremacia da Lei. Então não é
surpreendente que o pseudônimo sob o qual ele escreveu
tenha sido o de Moisés, a quem as Escrituras descrevem
não apenas como o doador da lei, mas como um sacerdote
de Deus (cf. Ex 24.6; 33.7ss; SI 99.6). Além disso, o ponto
de vista dos escritores de I Enoque é amplamente
cosmopolita; nesse livro, a história da humanidade é
descrita na forma de uma visão; os corpos celestiais
brilham tanto sobre judeus como gentios; a história é sobre
as condutas de Deus com toda a raça humana.
Quepseudônimo melhor poderia haver do que o de
Enoque? Ele foi o trisavô de Sem, mas ele também foi
trisavô de Cão e também de Jafé. De que nacionalidade era
Enoque? Ele poderia corretamente responder: Homo
sum'.68 N.T.: do latim "Sou homem". P.e.: na frase
humanista: Homo sum, hurnani nihil a me alienum puto
(Sou homem, nada do que humano me será estranho),
verso de Terêncio, escravo liberto e poeta latino cerca de
190-159 a.C.) Bem diferente dessa visão cosmopolita é a
visão estritamente nacionalista de II Esdras, na qual o
interesse do escritor está centrado na parte que cabe a
Israel no Reino Messiânico e na absoluta destruição dos
gentios, (cf. 13.38). O pseudônimo de, digamos, Enoque,

128F. C. Burkitt, op cit., p.19.


teria sido muito inadequado em um livro dessa natureza;
nesse caso, é apropriado que o autor escreva em nome de
Esdras, cuja visão era estritamente nacionalista e para
quem os gentios eram uma contaminação.
A adoção da pseudonímia era sem dúvida essencial-
mente um recurso literário, mas essa evidência, não sendo
conclusiva, pode perfeitamente indicar que, por trás desse
fenômeno encontra-se a consciência de uma inspiração de
gênero caracteristicamente hebraico, compreensível em
termos de "extensão de personalidade" dentro da tradição
apocalíptica. Se essa sugestão está correta, então ela lança
luz sobre a razão da natureza esotérica desses escritos e
absolve os apocalípticos de qualquer acusação de engano.
130
O Messias e o Filho do Homem

1. O PANO DE FUNDO DO ANTIGO


TESTAMENTO
Tanto no Antigo Testamento quanto na literatura do
período interbíblico há muitas referências à vinda de uma
Era Dourada, um "Reino Messiânico", no qual a sorte de
Israel (ou um remanescente de Israel) seria restaurada, as
nações ao redor seriam julgadas e uma era de justiça e paz
se instalaria. Mas a expressão "Reino Messiânico" pode ser
muito enganosa, pois em ambos os escritos, proféticos e
apocalípticos, embora o reino e o Messias estejam sempre
relacionados, a figura do Messias muitas vezes está
ausente. O Messias e o conceito messiânico não são sempre
ou necessariamente encontrados juntos. E verdade que
essas passagens no Antigo Testamento que se referem à
vinda do reino, na maioria das vezes também se referem a
um líder ideal à frente do reino, contudo, à exceção de
algumas referências nos Salmos, cujo significado é
questionado, as passagens não usam o termo "Messias"
para descrevê-lo. Ao contrário, nas passagens em que o
termo "Messias" é usado, ou na grande maioria delas, de
alguma forma, a referência não é a uma figura ideaL
absolutamente, mas a uma pessoa histórica real,
geralmente o ungido rei de Israel.
Esse fato nos lembra que no Antigo Testamento a
palavra "Messias" não é uma expressão técnica que
significa o nome ou o título de um líder ideal do reino
futuro. E simplesmente um adjetivo, significando "ungido"
que descreve uma pessoa separada por Deus para um
propósito especial.
Em duas passagens (I Reis 19.16; SI 105.15) a
referência é aos profetas, mas o uso normal da palavra está
associada aos reis.69 Quando um homem se tornava rei, ele
não era coroado, mas ungido com óleo; ele era, então,
separado como um homem "santo", para um reinado
dotado de funções sagradas e sacerdotais. Em tempos pós-
exílicos, quando a monarquia deixou de existir, o Sumo
Sacerdote era ungido e virtualmente tomava o lugar de um
rei.70 Os Reis e os Sumos Sacerdotes, então, eram
considerados "O Ungido do Senhor" ou "Ungido".
Em várias passagens "messiânicas" que se referem à
vinda do futuro Reino, nenhuma menção é feita
absolutamente a um líder ou então é bem incidental; O que
realmente importa é o governo real de Deus. Em outro
lugar é explicado que esse governo real de Deus será
realizado no governo de um rei divinamente escolhido e
divinamente dotado. Havia uma forte tradição, originada,
sem dúvida, nas promessas de Deus a Davi, registradas
em II Samuel 7 e adotada pelos profetas do sul, de que esse
governante do Reino vindouro seria da Casa de Davi (cf.
Mq 5.2 ss; Is 11.1 ss; Jr 23.5 ss, etc); a ele não é dado o nome
"Messias", mas "Davi" ou "rebento de Davi", sendo alusão
a um reino histórico real, uma restauração da linha
davídica. A maioria das passagens "messiânicas",
entretanto, é pós-exílica, porém mesmo aqui o pensamento
é ainda esse do "rebento da Casa de Davi" ungido e
separado para cumprir um propósito especial do próprio
Deus. E nesse sentido que devemos compreender, por

129Por exemplo, Saul em I Samuel 10.1, Davi em I Samuel 16.13, etc


130Isto é refletido em passagens pós-exílicas tais como Ex 29.7; Lv 8.12.
exemplo, a alusão a Zorobabel como "o Renovo" (Zc 3.8;
6.12); e, sem dúvida, seu nome simbólico ("um rebento da
Babilônia") facilitou sua associação com as esperanças
"messiânicas" da restauração da linhagem de Davi.
A visão característica da esperança futura durante o
período pós-exílico continuou a ser a de um reino que
seria deste mundo, nacional e político, por meio do qual
Israel seria liberto de seus inimigos—os babilônicos, os
persas, os selêucidas, os romanos. E verdade que em
Deutero-Isaías, por exemplo, essa esperança futura torna-
se cada vez mais "do outro mundo" e transcendente, e a
libertação é vista como algo resultante das operações
miraculosas de Deus, mas a esperança política e nacional
permaneceram firmes na visão popular das massas,
durante todo o período interbíblico.
Uma tensão, contudo, já se havia instalado entre, de
um lado, os elementos nacionais e políticos "deste mundo"
e, do outro, os elementos universais e transcendentes do
"outro mundo", o que não seria fácil resolver. Essa tensão
aumentou grandemente por causa da influência de idéias
persas sobre o pensamento hebraico, e em particular a
visão dualística do mundo em que a "era presente" era
contrastada com "a era futura". Sob essa influência
prosperou no Judaísmo, particularmente nos círculos
apocalípticos, uma escatologia com novas ênfases, ao
mesmo tempo "dualística, cósmica, universalista,
transcendental e individualista".71
É em conexão com essas duas "escatologias" que o
nome "Messias", afinal, aparece como um termo técnico,
significando a figura escatológica escolhida por Deus para
desempenhar a parte principal na vinda do reino. Em cada
caso surge um líder, cuja natureza e função corresponde a

131S. Mowinckel, He That Cometh (Aquele que Vem) (traduzido por G. W Anderson), 1956, p.

271.
essa futura esperança a que ele está associado. A posição é
resumida pelo Dr. S. Mowinckel nestas palavras: "Os
conceitos Messiânicos de certos círculos produziram o
quadro de um Messias que é predominantemente "deste
mundo", nacional e político, considerando que as visões de
outros círculos produziram o quadrode um Messias
predominantemente transcendental, eterno e universal...
Esses dois conjuntos de idéias são, em parte, representados
por diferentes nomes: "Messias" e "Filho do Homem".72 Em
alguns escritos esses dois conceitos são claramente
distintos; em outros, se confundem; contudo, em nenhuma
parte estão completamente fundidos. Juntos formam parte
daquele complexo escatológico que é o pano de fundo da
literatura interbíblica e também da fé do Novo
Testamento.

2. O MESSIAS TRADICIONAL OU NACIONAL

A. O Messias não Indispensável


A tradicional esperança do Antigo Testamento da
vinda de um príncipe "messiânico" como líder do Reino
Messiânico persiste nessa literatura, mas uma vez mais
devemos observar que o Messias não é necessariamente
considerado uma figura indispensável. Na verdade, em
um número razoavelmente considerável de escritos desse
período (apocalíptico e outros), em que a esperança
messiânica está sempre em primeiro plano, o Messias
ainda não é mencionado. No Livro de Daniel, por
exemplo, a figura do Messias não aparece, embora o termo
"ungido" ocorra duas vezes em dois versículos sucessivos.
Em Daniel 9.25,26 lemos de "um Ungido, um Príncipe" e
de "um outro (que) será morto", sendo, presumivelmente,

132
Ibid, p. 467.
referências aos Sumo Sacerdotes Josué e Onias III
respectivamente. Semelhantemente, a figura do Messias
não é citada em I e II Maca-beus, Tobias, Sabedoria de
Salomão, Judite, Ben Sira, Jubileus, I Enoque 1-36, 91-104, a
Assunção de Moisés, I Baruque e II Enoque. O fato é que
durante o período persa, a esperança de um Messias
Davídico havia retrocedido ao pano de fundo e a ênfase
passou a ser colocada cada vez mais sobre o governoreal
de Deus no reino futuro, e sobre a necessidade primordial
de manter sua santa Lei. Além disso, a sucessão dos
Sumos Sacerdotes, que assumiam o papel de príncipe, não
era do tipo que inspirava os homens a esperarem uma
liderança da mesma fonte que o reino vindouro.

B. O Messias Levítico
Mas tal esperança comovia profundamente muitos
corações durante o período dos Macabeus e Hasmoneus,
descendentes da Casa de Levi, quando parecia que
finalmente a era messiânica estava para ser realizada. Em
particular, as esperanças do povo passaram a centrar-se
em Simão, sucessor de Judas Macabeus. Em 141 a.C, Simão
foi reconhecido pelo povo como "rei e sumo sacerdote para
sempre", o primeiro Macabeu a ser reconhecido dessa
maneira.73 Alguns estudiosos encontraram no Salmo 110.1-
4 um acróstico em seu nome, indicando a consideração
com que ele era tido, mas isso é improvável. A bênção
sobre seu reinado é descrita em termos caracteristicamente
messiânicos em I Macabeus 14.8 ss. Mas nem aqui ou em
qualquer outro lugar se faz referência a ele como o
Messias. As glórias da Casa de Levi foram continuadas no
reinado de seu filho, João Hircano, sobre quem alguns
estudiosos vêem referência no Testamento de Levi 8.14:

133 Vet p. 31.


"Um rei surgirá em Judá e estabelecerá um novo
sacerdócio". Outros estudiosos, entretanto, vêem nessas
palavras, uma referência não à Casa de Levi, mas à Casa
de Zadoque que, como veremos, manteve um lugar de
honra entre os Pactuantes do Qumran. Se isso é verdade
ou não, não há referência aqui a Hircano como Messias.
Mas os Testamentos dos Doze Patriarcas, escritos
durante esse período, indicam que em alguns círculos,
pelo menos, a esperança era expressa na vinda de um
Messias procedenteda Casa de Levi. Isso está explícito em
duas passagens, o Testamento de Ruben 6.5-12 e o
Testamento de Levi 18.2 ss. A segunda dessas passagens
diz o seguinte:
"Então o Senhor levantará um novo sacerdote. E a
ele todas as palavras do Senhor serão reveladas; E ele vai
executar o reto julgamento sobre a terra por uma multidão
de dias.
E sua estrela vai surgir no céu como a de um rei.
Brilhando a luz do conhecimento como o sol do dia,
E ele será magnificado no mundo.
E ele brilhará como o sol na terra",
E removerá toda a escuridão debaixo do céu,
E haverá paz em toda a terra" (18.2-4).
Parece pouco provável que o escritor tenha em
mente alguma identificação com uma pessoa histórica
como Hircano; na verdade, não é certo se ele tinha em
mente sequer um futuro Messias Hasmoneu, porque, nas
palavras de H. H. Rowley "as funções atribuídas ao
Messias de Levi vão além das conquistas dos Hasmoneus,
mas é possível que o autor tenha idealizado uma
concepção baseada no que tinha sido feito pelos Hasmo-
neus e pensado sobre um sacerdote futuro que subverteria
todas as forças do mal". Qualquer que seja a identidade do
Messias, parece certo que a glória da Casa dos Macabeus e
dos Hasmoneus, havia inspirado pelo menos alguns
dentre o povo que tinham a esperança de um Messias da
tribo de Levi, em quem eles viam muitos daquelas traços
há muito associados com o Messias da tribo de Judá. Mas,
afinal, veio a desilusão, à medida que as pessoas
testemunhavam a crescente secularização do Sumo
Sacerdócio; e a antiga esperança de um Messias
Davídico começou a ser reafirmada.

C. O Messias Davídico
A esperança em um Messias Davídico é vista mais
claramente em dois escritos desse período, os Testamentos
dos Doze Patriarcas e os Salmos de Salomão. Os
Testamentos suscitam sérios problemas de natureza crítica
que é impossível aqui abordar. Mas em pelo menos três
passagens que tem sido arguidas,74 a crença no Messias
Davídico pode ser atestada. Esses são os Testamentos de
Judá 17.5-6; 22.2-3; 24.1 ss. Na última dessas passagens,
lemos com referência a Judá:

"Então o cetro do meu reino brilhará;


E de sua raiz nascerá um ramo;
E dela crescerá uma vara de justiça para os gentios;
Para julgar e salvar todos os que clamam ao Senhor".

A evidência dos Testamentos, então, parece indicar


que o autor desse livro acreditava no surgimento não de
um Messias, mas de dois, um Messias Davídico, que
governaria como rei no reino futuro, e um Messias
Levítico, que atuaria como sacerdote.75 Tão exaltada é a
visão do autor a respeito do sacerdócio, que o Messias de

135Cf. G. R. Beasley-Murray, Journal de Theological Studies (Jornal de Estudos Teológicos),


xlviii, 1957, pp. 1'ss.
136Para referência aos dois Messias nos Rolos do Mar Morto, ver p. 127 ss.
Levi aqui assume precedência sobre o Messias de Davi.
Observamos que no Livro de Jubileus, embora o Messias
de Levi não seja mencionado, senão apenas como uma
vaga esperança na vinda de um príncipe davídico, a
grandeza atribuída a Levi corresponde precisamente à dos
Testamentos (cf. Jubileus 31.13-20).
Mas a principal fonte do ensino relativo a um
Messias davídico são os Salmos de Salomão, que
pertencem a meados do primeiro século a.C. O salmo 18
fala de um Messias, embora não faça nenhuma
identificação com a linha de Davi. Contudo, o salmo 17 faz
essa referência de modo muito específico. A figura do
Messias davídico é apresentada nestas palavras: ''Veja, ó
Senhor, e eleve sobre eles o seu rei, o Filho de Davi"
(17.23). Tendo despedaçado os reis iníquos e expurgado
Jerusalém de seus inimigos, ele irá reunir todas as tribos e
distribuí-las por toda a terra como nos tempos antigos. As
nações pagãs serão submetidas à servidão sobre seu jugo,
e ele reinará sobre seu próprio povo com justiça e
sabedoria; nas assembléias nacionais, sua palavra será a
palavra de um anjo. Ele não permitirá que nenhuma
injustiça permaneça no meio do povo; seus súditos serão
todos santos e filhos de Deus.

"E ele mesmo (será) purificado do pecado, de modo


que reine sobre um grande povo. Ele repreenderá os reis, e
removerá os pecadores pelo poder de sua palavra;
E (confiando) em seu Deus, por todos os seus dias,
ele não tropeçará;
Porque Deus o fará poderoso por meio de (seu)
santo espírito" (17.41-42).

Várias coisas ficam claras a partir desse quadro do


Messias davídico exercendo seu reinado. A primeira, é que
ele é um personagem completamente humano que está
acima de todos os governantes e é um rei que luta pelas
causas de Israel, seu povo. No salmo 17.36 o nome
"Messias" é usado pela primeira vez nessa literatura como
título do rei vindouro; isso indica que, afinal, a expressão
"Messias", em seu sentido técnico, está relacionada ao
conceito messiânico. Além disso, o aspecto religioso e
moral de seu caráter é fortemente acentuado. Ele não
apenas é justo e puro de pecado, como sua confiança está
apoiada em seu Deus e sua esperança está no Senhor. O
reino que ele estabelece e que não terá fim é visto em
linhas familiares, porque esse é o reino terreno tendo
Jerusalém como seu centro.
Ao longo do restante desse século, e no início do pri-
meiro século da era cristã, a figura do rei messiânico
estava viva nos corações de muitas pessoas, como o
próprio Novo Testamento deixa muito claro. Mas não mais
se pensava que ele viesse depois que Deus estabelecesse o
seu reino; pelo contrário, ele era instrumento de Deus para
o estabelecimento do reino, e sua principal tarefa era a
destruição dos irúmigos de Deus na face da terra.
Durante esse período surgiu, particularmente em
certos círculos apocalípticos, a crença em um reino
messiânico interino ao fim do qual o Messias morreria e o
próprio Deus iria reinar supremo (cf. II Esdras 7.29 s; 12.31
s; II Baruque 30.1 ss). Mas na imaginação popular,
colocava-se uma crescente ênfase nos aspectos nacionais e
políticos de sua obra, e a esperança futura era vista,
particularmente em tempos de perseguição e perturbação
nacional, em termos de libertação do poder estrangeiro de
Roma (cf. Mateus 21.9). O Messias era considerado por
muitos como um libertador militar do tipo zelote que iria
livrar o país de seus odiosos inimigos. E assim surgiu uma
série de "falsos Messias" que incitaram o povo contra o
inimigo comum —Ezequias o "salteador" que Herodes
executou, seu filho Judas, o Galileu, e seu irmão Menaém,
o profeta Teudas, no tempo do procurador Cuspius Fadus
(cf. Atos 5.36), o judeu egípcio que foi condenado à morte
pelo procurador Felix (cf. Atos 21.38), outro judeu que
levou seus seguidores para o deserto no tempo de Festo, e
Simão bar Kochba, cuja revolta foi sufocada em 135 d.C.

D. O Messias e os Rolos do Mar Morto


Já temos visto evidências para crer que o escritor de
Os Testamentos dos Doze Patriarcas esperava
ansiosamente a vinda de dois Messias, um sacerdote e um
rei. Essa crença, aparentemente, era compartilhada pelos
Pactuantes de Qumran onde, incidentalmente, fragmentos
de uma forma anterior do
Testamento de Levi, escrito em aramaico, foram
encontrados. Nos Fragmentos de Zadoque,76 que, sem
dúvida, pertencem ao mesmo ambiente, embora
descobertos em data muito tempo antes, faz-se referência à
vinda de um Messias [sic] de Aarão e Israel,
aparentemente quarenta anos após a reunião do Mestre da
Justiça. A evidência dos Rolos do Mar Morto sugere forte-
mente que a palavra singular aqui era originalmente lida
como um plural e que a expectativa do escritor era por um
Messias de Aarão (isto é, um Messias sacerdote) e um
Messias de Israel (isto é, um Messias rei, presumivelmente
davídico). Essa é, pelo menos, a crença expressada nos
próprios rolos, os quais declaram que os membros da
comunidade devem continuar a viver de acordo com a
disciplina original "até que venha um profeta e os Messias
de Aarão e Israel" (Manual de Disciplina, col. ix, linha ii).
Alguns estudiosos sugerem, neste caso, a tradução "o

137Esta obra é também conhecida como Documento de Damasco.


ungido" para "os Messias" e fazem que essa frase se retira
simplesmente à restauração da verdadeira linhagem dos
sacerdotes aarônicos e dos reis davídicos. Mas as
indicações são de que dois Messias são esperados, cuja
vinda marcaria a nova era que os Pactuantes aguardaram e
pela qual oravam. O Mestre da Justiça, aparentemente,
deveria ser um precursor do Messias; após sua morte,
seguiriam quarenta anos de intenso conflito entre "os
filhos da luz e os filhos das trevas", ao fim dos quais seria
revelada a era messiânica.
A crença dos Pactuantes em um Messias rei e militar
estava em conformidade com a esperança tradicional da
nação e fundamentava-se em muitas profecias do Antigo
Testamento. Mas, ao contrário do escritor dos
Testamentos, é possível que a crença deles em um Messias
sacerdote não tenha surgido da a<imiração pelos
sacerdotes hasmoneus da Casa de Levi. Afinal, eles
mesmos eram filhos fiéis de Zadoque e esperavam
ansiosamente a vinda do Messias sacerdote da linhagem
de
Zadoque, o único que representava o verdadeiro
ofício de Sumo Sacerdote.
Tal crença em um líder sacerdote e um líder rei
encontrava precedente na liderança conjunta de Josué e
Zorobabel, os dois "filhos da unção", nos dias passados do
Segundo Templo (cf. Zacarias 3-4). Além disso, nos rolos
como nos Testamentos, o Messias sacerdote precede o
Messias rei e relembra as posições relativas do sacerdote e
do rei na comunidade ideal de Ezequiel 40-48. Isso é
indicado em uma coleção de bênçãos de Cave I no qual as
bênçãos são determinadas, uma para o Sumo Sacerdote e
outra para o "príncipe da congregação". A subordinação
do Messias rei é esclarecida em fragmentos do mesmo
Cave relacionado ao "Banquete Messiânico". Ali lemos:
"Não permitam a ninguém começar a comer pão ou beber
vinho antes do sacerdote, porque é sua prerrogativa
abençoar o primeiro bocado de pão e de vinho e estender
as mãos primeiro sobre o pão. Depois o Messias de Israel
pode estender suas mãos sobre o pão".
Alguns estudiosos têm visto nesses rolos evidência
da ressurreição do Mestre da Justiça após os quarenta anos
de sofrimento e à véspera da era messiânica. Neste caso, é
possível que os Pactuantes pensassem sobre ele do mesmo
modo que a tradição popular pensava a respeito de Elias,
como um precursor do Messias, embora não houvesse
nenhuma indicação de que ele estivesse, de alguma forma,
identificado com aquele profeta.

E. Jesus e o Messias
No início da era cristã a vasta maioria dos judeus
compartilhava a crença na vinda de um poderoso Messias
guerreiro da linhagem de Davi. Os Pactuantes de Qumran
esperavam ansiosamente o tempo quando o tal Messias os
lideraria à grande batalha final entre os "filhos das trevas"
e os "filhos da luz". Os zelotes também estavam prontos
para, a qualquer momento, se reunirem sob sua bandeira e
lutarem ao seu lado com aespada desembainhada.
Não é surpreendente que Jesus, desde o tempo de
sua tentação, tenha não apenas se recusado a proclamar a
si mesmo como o Messias, como também desencorajado
outros de usarem esse título em relação a ele. Jesus sabia
que era o Messias, e depois seus discípulos também
souberam (cf. Marcos 8.29), mas não até perto do fim da
vida de seu Mestre, quando ele se levantou diante do
Sumo Sacerdote e reconheceu abertamente sua
messianidade (Marcos 14.61 s).77 Fazê-lo antes teria levado

m
De acordo com o Quarto Evangelho, porém, a messianidade de Jesus é reconhecida desde o
início de seu ministério público (João 1.41, 49).
a um completo mal-entendido não apenas por parte do
povo, mas até mesmo por parte de seus próprios
discípulos. A interpretação de Jesus em relação ao Messias
era completamente diferente da interpretação do povo de
seu tempo. O Messias não tinha o papel de poderoso
guerreiro, estabelecendo seu reino por meio de
derramamento de sangue e de guerra. Seu reino não veio
para tomar a vida, mas dar a vida. Em Cesaréia de Filipos,
em resposta às palavras de Pedro "Tu és o [Messias]
Cristo", ele explicou claramente que sua messianidade
somente seria plenamente cumprida em termos do Servo
Sofredor que daria "a sua vida em resgate por muitos"
(Marcos 10.45).78 A correlação de tais idéias era algo novo
no Judaísmo. Na verdade, o "Servo Sofredor" e o "Messias
Rei" podem ter tido raízes comuns nos ritos majestosos do
templo, como refletido, por exemplo, no Saltério, como
alguns estudiosos têm sugerido; mas como H. H. Rowley
observa: "Não há evidência séria da associação dos
conceitos de Servo Sofredor e Messias Davídico antes da
era cristã... os dois conceitos foram associados no
pensamento e no ensino de Jesus".79 Aqui havia um
imperativo divino do qual ele não poderia se esquivar.
"Jesus não cria que ele próprio fosse o Messias, embora
tivesse que sofrer. Ele cria ser ele próprio o Messias,
porque Ele tinha que sofrer".80Essa mensagem de um
Messias crucificado era para os judeus pedra de tropeço e
para os gentios loucura, mas para "os que foram

139Para uma afirmação mais completa concernente à relação do Servo Sofredor com o Filho do

Homem e o Messias, ver pp. 138 ss.


140Ensaio sobre "O Servo Sofredor e o Messias Davídico" in The Servant of the Lord (O Servo

do Senhor), 1952, p. 85.


141Goguel, Life of Jesus (Vida de Jesus), E.T. 1933, p. 392, citado por A. M. Hunter,

Introducing Nem Testament Theology (Introdução à Teologia do Novo Testamento), 1957,


p. 44.
chamados" é o poder e a sabedoria de Deus (cf. I Coríntios
1.23 s).

3. O MESSIAS TRANSCENDENTE E O FILHO DO HOMEM


Antes do ano 200 a.C, como já vimos, propagava-se
entre os judeus uma escatologia, em muitos aspectos,
diferente da concepção nacional e política do Antigo
Testamento, caracterizada principalmente por uma visão
dualística do universo, uma crença na ressurreição e uma
visão transcendental de uma Era Dourada. Essas novas
idéias continuaram a permear o pensamento dos judeus e
eram bem familiares e populares algum tempo antes do
início da era cristã. Sua influência na compreensão que as
pessoas tinham do Messias começou a ser percebida em
uma fase anterior, mesmo nos escritos em que as antigas
idéias nacionais e políticas eram dominantes. As
características transcendentes tendiam a prender-se à
pessoa do Messias; ele não era apenas o herói militar que
restabeleceria o Estado judeu e estabeleceria o reino na
terra, mas também era o rei da paz, sob cujo governo o
paraíso seria restabelecido na terra (Testamento de Levi
18.10 s; cf. Oráculos Sibilinos, livro V, II Esdras, II
Baruque). Em certos círculos apocalípticos, contudo, a
influência dessas idéias foi além, porque então o Messias
aparece como um rei genuinamente transcendente. De
especial importância é o aparecimento de um
personagemmisterioso chamado "o Homem" ou o "Filho
do Homem" que, embora diferente em origem e em
características do Messias judeu tradicional passou a ter
uma profunda influência nas esperanças messiânicas
populares.

A. O Filho do Homem Apocalíptico


A figura do Filho de Homem aparece, pela primeira
vez na literatura apocalíptica, em Daniel 7.13 ss que fala de
"um como o Filho do Homem" vindo com as nuvens do
céu para ser apresentado diante do "Ancião de dias". Pela
leitura dessa passagem, fica claro que a figura aqui
mencionada não é o Messias e, realmente, que ele não é
um indivíduo absolutamente, mas, em vez disso, um
símbolo do Israel glorificado no reino escatológico
vindouro. Em 7.18, o Filho do Homem é identificado com
"os santos do Altíssimo", e isso é confirmado pelo
simbolismo da passagem; nesse trecho, o domínio dos
quatro reinos, simbolizados por quatro bestas que
emergem das profundezas do mar, dá lugar ao reino dos
santos ou ao povo ideal de Deus, simbolizado por um ser
divino em forma humana, diferenciando-o, assim, dos
outros reinos. Esse é um domínio eterno e um reino que
jamais será destruído.
Alguns estudiosos têm observado que a visão de
Daniel 7 tem características que lembram o Livro de
Ezequiel (cf. capítulo 1) onde a frase "filho do homem"
aparece mais de cem vezes significando "homem", tanto
em relação à sua fraqueza humana como em seu lugar
glorioso na criação de Deus (cf. Salmos 8.4,5). Outros
estudiosos têm encontrado conexão entre o Filho do
Homem de Daniel e o Servo Sofredor de Deutero-Isaías
onde, em ambos os casos, o povo de Deus é "o sábio" que
tornará justos a "muitos".81 Outros ainda têm relacionado a
idéia de Filho do Homem a fontes mitológicas do
pensamento corrente oriental, e desse modo tentam
explicarcertas características que não poderiam ser de
outro modo compreendidas.82

142Ver também pp. 138 s.


143Verpp. 134 s.
A próxima fase no desenvolvimento dessa idéia
pode ser encontrada em Similitudes de Enoque (I Enoque
37-71) que é provavelmente datado da época dos
Macabeus. Tem havido muita controvérsia sobre a questão
das interpolações cristãs sugeridas, mas parece haver boas
razões para acreditar que o livro é uma unidade literária e
que as supostas interpolações são, na realidade, parte do
texto. O Filho do Homem é apresentado aqui como um ser
celestial sem nenhuma existência terrena anterior; mas ele
é pré-existente (48.3), tendo sido criado por Deus antes da
fundação do mundo e oculto por ele desde o princípio
(48.6; 62.7); ele é uma criatura divina cuja face é "cheia de
graça, como um dos santos anjos" (46.1), a quem Deus
concedeu sua própria glória divina (61.8). Mas, embora
seja divino, ele ainda pode ser concebido como um homem
típico ou ideal que, como o "Eleito", se põe à frente dos
"eleitos" no reino celestial. Seu caráter é marcado pela
sabedoria, compreensão e retidão, e os justos serão um dia
exaltados para estarem com ele. Nele estão ocultos todos
os segredos do universo (52.1 ss). Porém o maior segredo é
o próprio Filho do Homem que permanece oculto, mas um
dia será revelado. Na verdade, esse segredo já tem sido
revelado aos eleitos (48.7). O tempo virá quando "o Justo
aparecerá diante dos olhos dos justos" (38.2) em todo o seu
esplendor e se assentará no trono da glória de Deus (61.8).
Ele estará diante de Deus como juiz do céu e da terra, de
anjos como também de homens, dos mortos como também
dos vivos (61.8). Sua vinda trará a libertação dos piedosos
(48.4 ss) e eles vão participar do reino do Filho do Homem
(61.5).
Tem-se afirmado que essa figura do Filho do
Homem é um desenvolvimento imaginativo daquela já
mencionada em
Daniel 7. Essa visão é apoiada pelo fato de que a
descrição do trono de Deus em I Enoque 71.7 ss (cf.
também 14.18 s) é, em grande parte, derivada de Ezequiel
1 e Daniel 7 e que as passagens sobre o Filho do Homem
podem ser lidas como um Midrash ou comentário sobre
Daniel 7. O Dr. T. W Manson interpreta o Filho do Homem
aqui como um símbolo coletivo, como em Daniel 7, e
acredita que a mesma interpretação se aplica a outros
nomes pelos quais ele é chamado, "Justo", "Eleito" e
"Ungido".83 Em outro artigo,84 o mesmo autor vê nesse
conceito uma referência tanto coletiva como individual. A
idéia coletiva acha expressão no Remanescente; a idéia
individual em dois personagens — o próprio Enoque (cf. I
Enoque 71.14), que é considerado como o núcleo do grupo
dos eleitos, e o Messias que, no final de todas as coisas,
vindicará os santos. O Dr. H. H. Rowley nega qualquer
referência aqui ao Messias e reconhece nessa figura "a
personificação do conceito de Daniel a respeito do Filho do
Homem em uma pessoa supraterrena que seria
representativa e líder do reino simbolizado por esse
conceito, e que viria para habitar com os homens".85
Outros, como o Dr. S. Mowinckel, afirmam que por trás do
Filho do Homem, como em Daniel 7, está a figura do
Homem Celestial ou do Homem Primordial a ser
encontrada na mitologia oriental, e que em I Enoque os
efeitos dessa influência são muito mais óbvios do que no
caso de Daniel 7.
A figura do Filho do Homem aparece novamente
nos escritos apocalípticos pós-cristãos, II Esdras e os

144cf. The Teaching of Jesus (O Ensino de Jesus), T edição, 19,35, pp. 228 s.
145Cf. Bulletin of the John Rylands Library (Boletim da Biblioteca John Rylands), xxxii. 1949-
50, pp. 178 ss.
146The Relevance of the Apocalyptic (A Relevância dos Apocalípticos), 1944, p. 57. Ver
também The Suffering Servant and the Davidic Messiah (O Servo Sofredor e o Messias
Davídico) in The Servant of the Lord (O Servo do Senhor),! 952, p. 76.
Oráculos Sibi-linos, livro V, ambos os quais são
influenciados pela visão e pela linguagem de Daniel 7.13
ss. Aqui a figura do Filho do Homem está, em muitos
aspectos, em harmonia com a que é apresentada em
Similitudes de Enoque. Ele é apresentado, contudo, como
o Messias; mas essa não é a figura humana da linhagem de
Davi; ele é uma figura pré-existente, transcendente que um
dia vai aparecer diante dos justos em toda a sua glória.
Como em Similitudes de Enoque, também aqui, tudo que
pertence ao "Homem", como ele é chamado, é um segredo
divino, porque "assim como ninguém pode sondar ou
conhecer o que está no fundo do mar, assim também
ninguém sobre a terra pode ver meu Filho, a não ser no
tempo de seus dias" (II Esdras 13.52). Naquele dia, ele virá
voando com as nuvens do céu (13.3 s) ou emergirá das
profundezas do mar (13.51 s). Nele os mistérios do
propósito de Deus estão ocultos, mas quando ele se sentar
no trono da glória de Deus o que está escondido será,
afinal, revelado.
A popularidade dessa figura transcendente era, sem
dúvida, muito mais restrita do que a nova escatologia da
qual ela constituía uma parte, mas sua influência seria
percebida além do restrito círculo apocalíptico ao qual
pertencia. Até que ponto, contudo, essa influência foi
percebida, é impossível dizer. No curso do tempo da era
cristã, ela foi considerada com crescente desfavor nos
círculos judeus ortodoxos, certamente em parte por causa
de seu uso entre os cristãos, e praticamente não encontrou
nenhum espaço na teologia judaica subseqüente.

B. O Pano de Fundo no Oriente


A exceção dos pressupostos teológicos cristãos, há
muito pouco neste corpo literário para lembrar o leitor da
escatologia judaica tradicional com sua crença em um
Messias nacional, histórico e político. De fato, o Filho do
Homem apocalíptico é tão estranho à antiga escatologia
como é natural à nova escatologia transcendental aqui
apresentada. Tem-se discutido que, uma vez que esse
novo ensino concernente às últimas coisas pode ter
penetrado no Judaísmo através da influência persa, essas
idéias relativas ao Filho do Homem também podem ter
vindo originalmente daquela mesma fonte.
Por todo o mundo oriental e helenístico, havia a
crença amplamente difundida em um Homem Primordial,
cujas qualidades e propriedades eram, em alguns aspectos,
notavelmente semelhantes àquelas do Filho do Homem do
apocalíptico judaico. Essa crença assumiu muitas formas
diferentes por todo o mundo oriental, mas há boas razões
para crer que elas remontam a idéias correspondentes no
sistema persa ou iraniano, no qual a figura do Homem
Primordial desempenha um papel importante no
desdobramento das "últimas coisas". O Dr. S. Mowinckel,
de fato, afirma que "pesquisas recentes têm esclarecido
cada vez melhor que a concepção judaica do 'Homem' ou
do Filho do Homem' é uma variante judaica do mito
oriental, cosmológico, escatológico de Anthropos".86 Essas
características do Filho do Homem apocalíptico que não
podem encontrar explicação nos termos das idéias do
Antigo Testamento, diz ele, encontram plena explicação no
que é conhecido sobre o Homem Primordial, tal como seu
surgimento do mar, seu papel como rei do Paraíso, e sua
conexão com a criação.
Mas embora haja notáveis semelhanças entre os dois
conceitos, há diferenças importantes que mostram que, se
os apocalípticos assumiram a idéia, eles ao mesmo tempo
fizeram mudanças significativas em harmonia com sua

1470p. cit, p. 425.


própria herança religiosa. Em Daniel 7, por exemplo,
muito do conteúdo mitológico foi afastado, e a mitologia
que resta é apenas incidental para o simbolismo que
retrata o propósito de Deus por meio de seus santos. Em
Similitudes de Enoque, a presença de elementos
mitológicos é mais óbvia, mas aqui também a mitologia
tem sido, em medida considerável, assimilada às idéias do
Antigo Testamento. Seja qual for a influência que essa
idéia do Homem
Primordial possa ter tido sobre o pensamento judeu,
certamente não foi assumida em um determinado período
ou de apenas uma fonte, mas veio de muitos períodos e de
diferentes formas e foi absorvida, por assim dizer, no
curso da esperança apocalíptica. De fato, é improvável que
houvesse qualquer empréstimo consciente da idéia ou
qualquer percepção de sua origem na mitologia oriental,
especialmente quando no devido tempo ela passou a ser
associada com a idéia judaica do Messias.

C. O Filho do Homem como Messias


E mais provável que as idéias do Filho do Homem e
do Messias tenham origens diferentes e representem duas
concepções bem distintas da inauguração do reino
vindouro, e que, para a vasta maioria do povo judeu, elas
tivessem pouca ou nenhuma conexão uma com a outra.
Elas indicam dois tios distintos de expectativa que, no
curso dos anos, tornaram-se entrelaçados no pensamento
de um grupo relativamente pequeno de escritores
apocalípticos, de forma "que emergisse uma figura
messiânica tanto eterna como transcendental, como
também histórica e humana, em uma escatologia ao
mesmo tempo histórica e também supra-histórica e
absoluta".87
Este desenvolvimento fica evidente na comparação
de Daniel 7 (c. 165 A.C.) e II Esdras 13 (c. A.D. 90). Na
primeira passagem, como já foi indicado, não há nenhuma
menção do Messias como libertador de seu povo, e
certamente o Filho do Homem que aparece ali não assume
esse papel. Em II Esdras, o grande libertador da era
vindoura é conhecido como o Filho do Homem e tem
muitas características conhecidas como pertencentes
àquela figura transcendental (cf. 13.3 ss), mas ao mesmo
tempo ele é chamado "meu Messias" ou "meu filho o
Messias" (7.28-29) que "surgirá da semente de Davi"
(12.32).
Ele recebe o título messiânico de "meu servo",88
(7.28; 13.32, etc.) e revela inúmeras características que
pertencem à esperança nacional associada a esse nome.89
A tensão que se desenvolveu entre os elementos
"deste mundo" e do "outro mundo", representado pelos
nomes "Messias" e "Filho do Homem", foi minimizada em
alguns escritos pela apresentação de um reino interino, um
"Milênio" no qual, após um julgamento preliminar, o
Messias reinaria sobre a terra durante mil anos (cf. II
Enoque 32.2-33.2; Apocalipse 20.4-7). Às vezes a duração é
de quatrocentos anos (cf. II Esdras 7.28); outras vezes o
reino dura por um período indefinido (cf. II Baruque 40.3).
Esse reino interino marca o encerramento da presente era e
é seguido pelo julgamento final, a destruição do mundo, a
nova criação, a ressurreição90 e o início da nova era de

148S.Mowinckel, op. cit., p. 436.


149A frase em latim filius meus reflete, sem dúvida, a palavra grega pais que pede significar
"filho" ou "servo". O segundo significado é mais comum em seu
uso posterior e provavelmente representa a aplicação correta do texto original;
cf. Atos 3.13 (RV marginal). •
bem-aventurança.91. A introdução da idéia de um Milênio
é em si mesma uma indicação dessa conciliação que os
escritores apocalípticos adotaram entre esses dois fios de
expectativa e mostra como a idéia do Messias, embora em
forma supra terrena, não apenas sobreviveu, mas triunfou
sobre a poderosa influência do conceito de Filho do
Homem.
Não há pouca discordância entre os estudiosos a res-
peito do Filho do Homem e do Messias em Similitudes de
Enoque. O Dr. H. H. Rowley, por exemplo, afirma que
"não há nenhuma evidência de que o Filho do Homem
tenha sido identificado com o Messias até o tempo de
Jesus".92 Ele defende que, ao admitir isso, Jesus não aplicou
o termo "Messias" a si mesmo durante seu ministério e de
fato proibiu seus discípulos de contarem a qualquer
homem quem ele era, não obstante ele usasse abertamente
a expressão "Filho do Homem" em relação a si mesmo. Em
Similitudes de Enoque, ele afirma, o Filho do Homem não
é equiparado ao Messias, porque aqui nós não temos um
libertador humano que pode, de alguma forma, ser
associado com a esperança do Antigo Testamento, mas
uma figura puramente transcendental. Outros, como W F.
Albright, argumentam que mesmo antes do tempo de
Jesus havia uma certa fusão entre as duas figuras. E
interessante notar que o escritor de I Enoque associa ao
Filho do Homem transcendental certas características que
já eram familiares à tradição do Messias; ele é justo e sábio,
ele é o escolhido de Deus, ele recebe a homenagem de reis,
ele é a luz para os gentios e é realmente chamado de
"Ungido" de Deus (48.10; 52.4). Essas referências não

150Cf. 13.33 ss; também II Baruque 29.3; 30.1; 39.7; 40.1; 70.9; 72.2.
151Apocalipse 20.4 menciona também uma primeira ressurreição no início do reino milenar de
Cristo.
152Ver também pp. 150 s.
1530p. cit., p. 29.
necessariamente o identificam com o Messias davídico
terreno, e de fato todo o quadro exclui isso, mas elas
podem indicar que desde bem cedo o título "Filho do
Homem" adquiriu um sentido messiânico. Porém, mesmo
que seja assim, essa relação entre Filho do Homem e o
Messias seria estritamente confinada ao pequeno círculo
de apocalípticos representado pelo escritor desse livro.

D. Sofrimento e Morte
Alguns estudiosos afirmam que as visões de Daniel
eram originalmente dependentes das passagens do Servo
em Deutero-Isaías e que o Filho do Homem citado em um
é representativo do Servo Sofredor referido no outro. Em
cada caso se faz referência ao "sábio" (Isaías 52.13; Daniel
12.3) que justificará a "muitos" (Isaías 53.11; Daniel 12.3) e
que sofre em obediência à vontade de Deus (Isaías 53.3 ss;
Daniel 11.33). O Dr. F. F. Bruce argumenta93 que os
Pactuantes de Qumran, por exemplo, interpretavam sua
missão em termos de "exegese unitiva" de Deutero-Isaías e
Daniel. Eles descreviam a si mesmos como "o sábio" (do
hebraico, maskilim) e "os santos do Altíssimo" (cf. Daniel
7.18) que, por submissão e resistência, efetuariam a
expiação pelo pecado do povo à maneira do Servo
Sofredor do Senhor. Mas em sua interpretação, o "Filho do
Homem" e o "Servo do Senhor" continuavam sendo figuras
coletivas, porque a obra da expiação que eles ambuíam a si
mesmos não era obra de um membro, nem do Messias em
seu meio, mas de toda a comunidade. Além disso, há
evidência de que a interpretação messiânica do Servo pode
ser intencional na versão singular do texto de Isaías 52.14
no rolo de São Marcos (A): "Eu tenho ungido (do hebraico
mashachtí) a face dele mais do que de qualquer homem".

154New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), voL 2, n° 3, pp. 176 ss.
Nesse caso, o contexto indica que a referência
provavelmente é ao Messias sacerdote e não ao Messias rei.
E verdade que em I Enoque as expressões dos
Poemas do Servo de Deutero-Isaías são usadas para
descrever a glória do Filho do Homem, como em 48.4 onde
está escrito que "ele será luz para os gentios" (Isaías 42,6;
49.6; cf. Lucas 2.32). Mas essa influência não vai além do
uso das frases; o conteúdo de Cânticos do Servo, em
nenhum lugar diz respeito ao caráter e obra do Filho do
Homem. O quadro do Servo que está por trás do Filho do
Homem na literatura apocalíptica é um conceito
totalmente diferente daquele encontrado em Deutero-
Isaías, onde o Servo, por meio de seu sofrimento vicário e
morte, justifica a muitos e toma sobre si as iniquidades
deles (Isaías 53.11).
A esta altura pode-se mencionar a interpretação do
Servo no Targum de Isaías 52.13-53.12. Nesse escrito o
Servo é identificado com o Messias, mas toda a passagem é
reinterpretada de tal maneira que é impossível reconhecer
a figura do texto do Antigo Testamento. Seus sofrimentos,
dor e morte são transferidos para os inimigos de Israel, e o
Messias-Servo aparece como o poderoso conquistador que
triunfa sobre todos os seus inimigos!
Em II Esdras 7.29, lemos sobre a morte do Messias
no final do reino interino; isto é natural, porque o Messias,
como todos os demais seres criados, deve morrer. Mas não
se faz nenhuma referência aqui ou em outro trecho do
livro, a uma morte vicária ou expiatória. A libertação que o
Filho do Homem traz não é salvação do poder do pecado,
mas libertação da opressão de seus inimigos. Ele é o
terrível juiz dos pecadores, não o Salvador das almas dos
homens.

E. Jesus e o Filho do Homem


Os Evangelhos Sinóticos indicam que Jesus não
apenas usou a expressão "Filho do Homem" referente a si
mesmo, como também preferiu seu uso a qualquer outro
título messiânico. Foi em termos de Filho do Homem que
ele buscou compreender e interpretar sua messianidade
por todo o seu ministério público. Mas sua interpretação
era muito diferente de qualquer outro do passado.
Talvez haja pouca dúvida de que, ao escolher esse
título, Jesus foi profundamente influenciado por Daniel
7.13 ss que diz: "Vinha com as nuvens do céu um como o
Filho do Homem... Foi-lhe dado domínio e glória e o reino,
para que os povos, nações e homens de todas as línguas o
servissem". Adotando essa expressão, ele a aplicou como
título a si mesmo, em cuja pessoa e ministério o reino seria
expressado. Assim fazendo, ele afirmou que pertencer a
ele era pertencer ao reino, porque onde ele estava, o reino
estava presente entre os homens. Ele não simplesmente
anunciou sua vinda, ele o incorporou a sua própria pessoa,
e a seu ministério público de pregar, curar e expulsar
demônios; ele demonstrou que o reino estava presente e
ativo entre os homens. "Se, porém, eu expulso demônios
pelo dedo de Deus, certamente é chegado o reino de Deus
sobre vós" (Lucas 11.20).
Mas o reino, como Aquele que o incorporou, perma-
necia oculto e em mistério (Marcos 4.11) até que seu
segredo fosse revelado. Esse mistério era, de fato, parte do
"Segredo Messiânico" envolvido na concepção que Jesus
tinha de si mesmo como o Filho do Homem. Seu reino não
era deste mundo e assim, como temos visto, ele evitou
usar o termo "Messias" e desencorajou outros de usá-lo em
relação a ele. Mas estava para chegar o tempo em que o
mistério do reino seria revelado. Com a ressurreição do
Filho do Homem e a vinda do Espírito, o mistério, enfim,
passaria a ser um segredo aberto e o reino viria "com
poder" (Marcos 9.1; cf. Romanos 1.4). O Filho do Homem
seria exaltado e seria visto "vindo com as nuvens do céu"
(Marcos 14.62); o reino seria consumado em sua segunda
vinda para reinar.
Então, por isso é que a morte de Jesus era necessária
para o cumprimento do propósito de Deus nele, porque
"entre a vinda do reino como um 'mistério' e sua vinda
'com poder' está a Cruz... A Cruz era inevitável para que o
'mistério' se tornasse um segredo aberto. Jesus morreu
para que o Reino pudesse vir 'com poder'".94 Aqui
chegamos ao próprio cerne da compreensão de Jesus a
respeito de sua messianidade — "Era necessário que o
Filho do Homem sofresse... fosse morto e que depois de
três dias ressuscitasse" (Marcos 8.31). A Cruz não foi um
erro ou um acidente; ela era parte do plano prede-
terminado de Deus. O soberano Filho do Homem era o
Servo Sofredor do Senhor.
É extremamente especulativo tentar avaliar o quanto
o pensamento de Jesus nesse contexto foi influenciado pelo
ensino dos escritos apocalípticos referidos acima; mas é
bem claro que a associação que Jesus fazia do Servo
Sofredor com o Filho do Homem não era originada nesses
círculos esotéricos.
Se formos pesquisar qualquer fonte que não sua
própria consciência da missão, então, talvez devamos
voltar novamente ao Livro de Daniel. Em Marcos 1.14 s
lemos: "...foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho
de Deus, dizendo: O tempo está cumprido e o reino de
Deus está próximo (cf. Daniel 2.44): arrependei-vos e crede
no evangelho" (cf. Isaías 61.1 ss). Ao falar assim, Jesus
demonstrou um discernimento perspicaz da relação entre
Daniel e Deutero-Isaías e, por implicação, entre o Filho do

155A. M. Hunter, Introducing New Testament Theology (Introdução à Teologia do Novo

Testamento), 1957. p. 45.


Homem e o Servo Sofredor. Como os Pactuantes de
Qumran, ele interpretou sua missão em termos de uma
"exegese unitiva" desses dois livros, mas ao contrário
daqueles, ele viu o cumprimento dessas palavras
proféticas em si mesmo - em sua vida e morte e
ressurreição, na vinda do Espírito, na vida da Igreja e em
sua segunda vinda para reinar.95 O Messias-Filho do
Homem era o Servo Sofredor do Senhor por meio de cujo
sacrifício o reino viria e a vontade de Deus seria cumprida,
assim na terra como no céu.

156

A Ressurreição e a Vida Após a Morte


A literatura apocalíptica serve, em muitos sentidos,
como uma ponte entre o Antigo e o Novo Testamento, e
isso talvez não possa ser mais claramente demonstrado do
que na crença concernente à vida após a morte. Muito do
ensino do Novo Testamento a esse respeito não pode ser
explicado simplesmente em termos do pano de fundo do
Antigo Testamento, mas pode ser visto em sua verdadeira
luz no cenário do pensamento apocalíptico. E

156Comparar, porém, o argumento de T. W Manson que afirma que, mesmo nos lábios de Jesus,

a expressão "Filho do Homem" deve ser compreendida em um sentido coletivo e significa uma
figura ideal que se levanta para "a manifestação do Reino de Deus sobre a terra no povo
completamente devotado ao seu Rei celestial" (The Teaching of Jesus [O Ensino de Jesus], p.
227). Mas durante o curso de seu ministério essa figura passou a ser individualizada de modo que
o título se tornou uma designação para ele mesmo.
particularmente significante o ensino dos apocalípticos
concernente à ressurreição dos mortos.
De acordo com a antiga "psicologia" hebraica, a
natureza do homem é produto de dois fatores, o "fôlego-
alma (do hebraico nephesh) que é o princípio da vida, e o
complexo de órgãos físicos que este anima. Separe-os e o
homem deixa de ser, em qualquer sentido real de
personalidade".96 Quer dizer, o homem não é constituído
de três "partes" chamadas corpo, mente e espírito ou
corpo, alma e espírito; nem é constituído simplesmente de
duas "partes", corpo e alma. Ele é uma unidade de
personalidade cuja dissolução significa o fim da vida em
todo o sentido real da palavra. Durante algum tempo, um
homem, é verdade, pode concebivelmente viver dos
elementos de seu corpo que possuem propriedades
psíquicas e não meramente físicas. Mas com a retirada de
seu nephesh a vida do homem desaparece e ele deixa de
viver como "pessoa". O que sobrevive à morte não é a alma
ou o espírito do homem, mas sua sombra ou espectro, um
tipo de "sósia" do homem outrora vivo, conservando uma
imagem espectral de sua réplica outrora vivente, mas
desprovido de sua existência pessoal que uma vez
caracterizara o homem.
Por longos séculos prevaleceu a crença de que ao
morrer, a sombra ou o espectro do homem ia para o Sheol,
situado abaixo da terra ou abaixo do grande oceano
cósmico sobre o qual a terra está fundamentada, uma terra
de esquecimento, escuridão e desespero, não tendo
nenhuma conexão com a vida sobre a terra (cf. Jó 10.21 s).
Em uma fase posterior do pensamento hebraico,
manifestou-se a crença de que o poder e a influência de
Deus podiam ser sentidos mesmo no Sheol (SI 139.8), mas

Wheeler Robinson, Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do Antigo
157.

Testamento), 1913, p. 83.


para a maioria a visão aceita era de que o Sheol ia além de
sua jurisdição (SI 30.9 s; 115.17, etc). Em algumas
passagens, à sombra do morto, especialmente se ele era
um homem de renome como Samuel, eram atribuídos
poderes sobre-humanos e acreditava-se que ela possuía
conhecimento tanto do passado quanto do futuro (I Sm
28.8 ss), mas para a maioria dos homens, essa era uma
terra sem retorno (cf. II Sm 12.23; Jó 7.9) onde "os mortos
não sabem cousa nenhuma, nem tão pouco terão eles
recompensa... porque no além para onde tu vais, não há
obras, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria
alguma" (Ec 9.5,10). Todas as distinções morais deixam de
existir, pois no Sheol "o mesmo sucede a todos, ao justo e
ao perverso" (Ec 9.2).
Os estudiosos diferem amplamente em suas
interpretações de passagens como Jó 14.13-15 e 19.25-27,
em que a fé do escritor alcança a esperança de justificação
além dos limites da carne humana, e Salmos 16,49,73 e 78,
em que o problema da prosperidade dos ímpios e o
sofrimento dos justos volta os pensamentos do salmista
para esse relacionamento contínuo com Deus, em cuja mão
direita há "prazeres para sempre".
Por certo, não há aqui nenhuma doutrina
claramente definida de uma vida além da morte, mas na
melhor das hipóteses, apenas um vislumbre de esperança.
Essa esperança, porém, era tal que poderia alcançar sua
conclusão lógica somente na crença de uma vida futura, e
é isso que deve ser creditado aos apocalípticos, uma vez
que eles foram os primeiros a chegar a essa conclusão
sobre a doutrina da ressurreição dos mortos.

1. A RESSURREIÇÃO, SUA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

A. A Preparação do Antigo Testamento


De acordo com os profetas do Antigo Testamento, a
esperança do futuro é colocada na nação e no reino
vindouro que Deus vai estabelecer sobre a terra; suas
glórias seriam compartilhadas pelos israelitas justos que
estavam vivendo naquele tempo e também, pensavam
alguns, pelos gentios que viriam a reconhecer Israel como
o povo escolhido de Deus. Esse reino era um reino eterno,
cujos membros compartilhariam as bênçãos de uma farta
velhice, como os patriarcas da antigüidade.
Mas os devotos em Israel não podiam ficar
satisfeitos com tal crença. Já havia uma convicção
crescente de que o senso de comunhão que eles
desfrutavam com Deus nesta vida seguramente não
poderia chegar ao fim com a morte, mas que até no Sheol
os homens poderiam louvá-lo. Com isso era crescente em
Israel uma nova concepção de individualismo religioso,
associado particularmente a Jeremias, um homem de
profunda experiência religiosa. Essa ênfase foi
desenvolvida por Ezequiel, que acrescentou a ela uma
doutrina de retribuição individual, que declarava que os
homens são punidos na proporção de seus pecados e
recompensados na proporção de sua retidão, durante seu
tempo de vida aqui na terra. Os problemas surgiram pela
contradição entre tal crença e os eventos reais da vida
expressos em alguns dos Salmos e no Livro de Provérbios
e encontram sua expressão clássica no Livro de Jó.
Finalmente, chegou-se a uma solução que teve um
efeito revolucionário sobre ambas as religiões, o Judaísmo
e o Cristianismo. Não apenas a nação justa compartilharia
da vinda do Reino Messiânico; o indivíduo justo
compartilharia dela também, pois os justos que estivessem
mortos, ressurgiriam na ressurreição e receberiam a
devida recompensa da mão de Deus. Essa síntese das
escatologias da nação e do indivíduo foi realizada pelos
apocalípticos, cuja crença em uma ressurreição do corpo
tornou tal fusão possível.

B. Sua Origem História


Talvez o ponto particular em questão, que ajudou
final mente a estabelecer essa crença, tenha sido o fato do
martírio de muitos justos em Israel. Aqueles que sofreram
martírio, devem ainda, de alguma maneira, compartilhar
do último triunfo do povo de Deus quando ele, afinal,
estabelecer seu reino na terra. É como se houvesse uma
lacuna, a menos que Deus trouxesse de volta,
ressuscitasse, aqueles que haviam demonstrado ser
merecedores de tomar parte no Reino de Deus. Por essa
razão tais pessoas devem possuir corpos; a terra deve dá-
los à luz novamente.
Duas passagens do Antigo Testamento são de
particular significado nesse contexto - Isaías 24-27 e Daniel
12 - ambas confirmam que a origem histórica da
ressurreição no Antigo Testamento é uma seleção,
primeiro dos muito bons (cf. Is 26.19) e depois dos muito
bons e muito maus (cf. Dn 12.2-3). Isaías 24-27, que revela
certas características apocalípticas, é considerado como um
acréscimo posterior ao Livro de Isaías, . datado
possivelmente do terceiro ou quarto século a.C. Nesse
trecho lemos: "Os vossos mortos e também'o meu cadáver
viverão e ressuscitarão; despertai e exultai, os que habitais
no pó, porque o teu orvallho, ó Deus, será como o orvalho
de vida, e a terra dará à luz os seus mortos" (Is 26.19).
Alguns estudiosos tomam isso, assim como a visão de
Ezequiel do vale de ossos secos, como referência a uma
ressurreição nacional; mas se isso de fato se refere à
ressurreição real dos corpos dos homens, então essa é a
primeira ocorrência de tal crença no Antigo Testamento. E
significativo que nessa passagem somente os justos
preeminentes ressuscitarão para participar do Reino
Messiânico que será estabelecido na terra. Tem-se sugerido
a hipótese desse versículo se referir ao tempo de Ana-
xenes III (358-338 a.C), quando muitos judeus foram
martirizados. Se esse for o caso, podemos ter aqui o
próprio evento histórico que levou à formulação da crença
em uma ressurreição tísica dos mortos.
Em Daniel 12 temos uma base histórica mais funda-
mentada, pois esse livro foi compilado em 165 a.C, no
tempo de Antíoco IV (Epifânio). Sem dúvida, a crença na
ressurreição aqui expressa, surgiu da perseguição que
precedeu a Revolta dos Macabeus, em que muitos judeus
foram martirizados. Diz o texto: "Muitos dos que dormem
no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, outros
para vergonha e horror eterno" (Dn 12.2). O dia da
libertação de Deus estava bem próximo, quando seu reino
seria estabelecido sobre a terra. Porém muitos em Israel
haviam sacrificado suas vidas em fidelidade a Deus;
certamente nem mesmo a morte poderia roubá-los de sua
porção. Deus ressuscitaria esses mártires a fim de que,
juntos com os vivos, eles pudessem compartilhar das
bênçãos de seu reino (cf. também II Mac. 7.9,14, 23, 36).
Porém outros entre os inimigos de Israel haviam morrido
sem receber a recompensa devida por sua maldade. Eles
também ressuscitariam para receber a punição que lhes era
devida. Mais uma vez é aplicado o princípio da seleção, e
agora não somente os muito bons iriam ressuscitar para
receber a recompensa, mas os muito maus ressuscitariam
para o julgamento. Os espectros de todos os outros
homens permaneceriam como antes, nas profundezas da
escuridão do Sheol.'

C. Desenvolvimentos Subseqüentes
Ambas as concepções bíblicas de ressurreição são
encontradas também nos livros apocalípticos extrabíblicos;
mas no desenvolvimento subseqüente ocorrem muitas
variações, nem todas estão claras para o leitor, ou talvez
nem mesmo para os próprios escritores.
O pensamento de Isaías 24-27 é seguido em grande
parte em I Enoque 6-36 (cf. também 37-71, 83-90, etc), onde
somente os justos, presumivelmente os Israelitas,
ressuscitarão para tomar parte no Reino Messiânico (25.4
ss). A vida ressurreta é um desenvolvimento orgânico da
presente vida de justiça (90.33). Aqui os perversos que
receberam punição em sua vida, permanecerão no Sheol
eternamente (22.13), mas os perversos que não receberam
sua devida punição na terra serão transferidos como
espíritos desincorporados do Sheol para Gehena,97 o lugar
de tormento.
Uma variação sobre o tema de Daniel 12.2 pode ser
encontrada nos Fragmentos Noélicos em I Enoque, em que
está, pelo menos implicado, que o justo ressuscitará para
compartilhar as bênçãos dos justos vivos no Reino
Messiânico (10.7, 20), e que os perversos, ou alguns deles
(67.8), ressuscitarão para o julgamento e sofrerão nas
chamas de Gehena em corpo e em espírito (67.8-9). No
Testamento de Benjamim, os patriarcas ressuscitam
primeiro para compartilhar do reino terrestre (10.6) e
então os doze filhos de Jacó, cada um à frente de sua
própria tribo (10.7). "Então também todos os homens se
levantarão, uns para glória e outros para vergonha" (10.8).
Essa concepção é ainda mais desenvolvida em II Esdras
que declara . que haverá uma ressurreição geral seguida
por um julgamento que será universal e final. As almas
dos justos' e dos ímpios, agora unidas com o corpo, serão

158Verp. 153, n° 1.
julgadas; "e a recompensa seguirá e o galardão será
manifesto" (7.35).
Já temos destacado98 que em certos livros apócrifos,
particularmente em Sabedoria de Salomão, os escritores
expressam uma crença na imortalidade da alma e não na
ressurreição do corpo. Entre os escritos apocalípticos, o
Livro de Jubileus é de grande importância a esse respeito,
como por exemplo em 23.31: "E seus ossos ficarão sobre a
terra, e seus espíritos terão muita alegria". Jubileus, neste
sentido, então, marca o ponto de partida de uma firme
convicção da tradição apocalíptica.

D. A Ressurreição e o Reino Messiânico


As duas fontes bíblicas para a crença na
ressurreição, Isaías 24-27 e Daniel 12, deixam claro que a
cena do Reino Messiânico é para ser sobre a terra e que os
justos que morreram serão ressuscitados para participar
dele. Nisso, eles são seguidos por vários outros escritos
apocalípticos. Por exemplo, I Enoque 6-36 declara que os
inimigos de Israel serão destruídos, os desprezados de
Israel serão reunidos, e a cidade e o Templo serão
reconstruídos; então seguir-se-á a ressurreição dos justos
para participar da vida de bênçãos na terra. Eles "viverão
até que gerem milhares de filhos, e todos os dias de sua
mocidade e sua velhice eles completarão em paz" (10.17).
Mas havia alguns que já não podiam considerar este
mundo presente, com toda a sua impiedade e sofrimento e
tristeza, como um lugar próprio e adequado para o eterno
Reino Messiânico. E assim, na Similitudes de Enoque (I
Enoque 37-71), por exemplo, é introduzida a idéia de um
reino sobrenatural em um novo céu e uma nova terra,
estranhamente unidos em um. "Eu transformarei o céu e o

159Ver pp. 24, 84.


farei uma bênção e uma luz eternas e transformarei a terra
e farei dela uma bênção" (45.4-5). Os justos se levantarão
da terra na ressurreição para compartilhar das bem-
aventuranças desse reino que é eterno (62.13-16).
Um desenvolvimento adicional é encontrado nos
Segredos de Enoque (i.e. II Enoque), onde os justos que
estão mortos ressuscitam possuindo corpos celestiais ou
"espirituais" para herdarem um reino celestial. O paraíso,99
a habitação final dos justos, é uma curiosa combinação do
terreno e do celestial "entre o corruptível e o incorruptível"
(8.5), no qual "todas as coisas corruptíveis passarão"
(65.10). Aqui a idéia anterior de um reino na terra em que
os justos ressuscitarão em seus corpos carnais está
completamente ausente. Em contraste com o presente
mundo material está a glória do novo mundo e a Era por
Vir.
O escritor de II Baruque apresenta ainda um
diferente quadro que é um meio-termo entre os reinos
terreno e celestial. O que ele visualiza é um reino
temporário sobre a terra a ser seguido por uma eternidade
no céu. Sobre o Messias é registrado: "Seu principado será
para sempre, até o mundo de corrupção chegar ao fim"
(40.3). Então virá a "consumação do que é corruptível e o
início do que não é corruptível" (74.2). E difícil determinar
qual parte, se houver, os justos que morreram têm no
Reino messiânico. Em 30.1-2 está escrito: "Quando o tempo
do Messias estiver cumprido, ele retornará em glória.
Então todos que tiverem adormecido em esperança do
Messias, ressuscitarão novamente". Alguns estudiosos
tomam isso como referência ao retorno do Messias no final
do reino temporário, na hipótese de que a ressurreição é
para as bem-aventuranças celestiais, em que os justos

160Verp. 153, n ° l .
serão transformados em semelhança de anjos (51.10).
Outros tomam isso como referência à vinda do Messias
para a terra, na hipótese de que a ressurreição será
compartilhada em seu reino terreno.
O escritor de II Esdras aponta para a vinda de um
reino temporário aqui nesta terra, para ser seguido pela
eternidade, se em uma terra renovada ou no próprio céu, é
difícil dizer. O Messias aparecerá com aqueles que não
provaram a morte e viverá quatrocentos anos na terra, ao
final dos quais ele e todosos homens morrerão; pelos
próximos "sete dias" o mundo se transformará em um
silêncio primitivo; então ocorrerá a ressurreição de todos
os homens a serem apresentados para serem julgados no
Grande Julgamento (cf. 7.29 ss).
Além desse padrão quase sempre confuso, surge a
esperança certa e segura de uma ressurreição para a vida
eterna, seja ela no Reino Messiânico terreno ou no glorioso
céu por vir. Sob a estranha e fantástica imagem em que o
quadro é freqüentemente descrito, existe uma profunda
convicção religiosa de que o homem é feito para a
comunhão eterna com o Deus vivo.

2. A NATUREZA DA SOBREVIDA

A. Sheol, a Morada das Almas


O quadro do sheol, no Antigo Testamento, como o
reino escuro dos mortos, prevalece nos dois apocalipses
bíblicos,100 mas como já foi indicado, algumas mudanças
muito significativas ficam evidentes mesmo nesse estágio
anterior. O Sheol não é mais a morada eterna de todos que
passaram pela morte; para alguns é apenas um estado
intermediário do qual eles, afinal, serão removidos na

161Isto é, Isaías 24-27 e Daniel 12.


ressurreição para compartilhar das glórias do Reino
Messiânico ou para receber a devida punição por seus
pecados. Em ambas as passagens, como no Antigo
Testamento em geral, os mortos são descritos como
sombras ou espectros; mas nos escritos apocalípticos
extrabíblicos, mesmo em alguns dos mais recentes deles,
faz-se referência a eles como "almas" (cf. Similitudes de
Enoque, Salmos de Salomão, II Enoque, O Testamento de
Abraão, II Esdras, II Baruque, etc.) ou "espíritos" (cf.
Fragmentos Noélicos de Enoque, I Enoque 108, A
Assunção de Moisés, II Esdras, III Baruque, etc), que são
aparentemente usados como termos sinônimos para
descrever a forma de sobrevivida dos homens depois da
morte.
Esse desenvolvimento é de extrema significação,
pois agora a dissolução da unidade pessoal de corpo e
alma (ou espírito) na morte, não mais significava para o
homem o fim da real existência pessoal como era
anteriormente à hipótese. Agora passamos da concepção
de personalidade totalmente dependente do corpo (como
tem sido o argumento do pensamento hebraico), para a
concepção em termos de alma ou espírito que, qualquer
que seja o grau de fisicidade que ela contenha,101 é
diferente. O grau no qual a alma desencarnada ou espírito
pode expressar personalidade é um assunto que será
considerado posteriormente; aqui observamos que, com o
desenvolvimento da crença na ressurreição, impôs-se aos
apocalípticos a convicção de uma continuidade desta vida
sobre a terra com a vida no Sheol, em que os mortos, como
seres conscientes, não estavam absolutamente suprimidos

162Mesmo quando os apocalípticos pensavam no espírito e na alma dos mortos, ainda tinham que

pensar em termos de corpo, porque acreditavam que esse espírito ou alma desencarnados
possuíam forma ou aparência. E muito diferente, contudo, dizer que ele tem um corpo no
sentido do que se pode dizer dos espíritos ou almas que tomaram parte na ressurreição.
do relacionamento com Deus, cuja jurisdição era suprema,
até mesmo no próprio Sheol.102
As almas ou espíritos dos mortos não apenas experi-
mentam a consciência, eles são capazes de reações
emocionais. Choram e fazem lamentações, sendo
conhecedores das transgressões dos homens na terra (I
Enoque 9.10). Mais particularmente são capazes de sentir
dor ou prazer na forma de punição ou recompensa. A
passagem mais significativa nessa relação é II Esdras 7.
[80] ss, na qual o escritor diz como os ímpios vão vagar
nos "sete caminhos'' ou graus de tormento (7. [80]),
enquanto os justos vão descansar dentro nas "sete ordens"
ou dispensações de paz (7. [ 91]). A sorte deles será o
tormento ou o repouso, o remorso ou a gratidão, o medo
ou a certeza de paz. No que diz respeito a suas emoções ou
processos mentais, aparentemente há muito pouca
diferença entre suas capacidades na vida após a morte e as
que eles possuíam durante sua vida na terra.
Mas tomando a literatura como um todo, o leitor
fica com a impressão de que a vida vivida pelas almas dos
mortos na morada intermediária do Sheol (ou do Paraíso,
uma extensão e especialização da mesma idéia) não é tão
plena e completa como a que viveram na terra. Isso pode
ser visto especialmente na natureza limitada do
relacionamento das almas com Deus, que pode se tornar
completo apenas após a ressurreição. Ela é ainda, até certo
ponto, uma "vida espectral", vivida nessa fase

102É bem possível que os apocalípticos fossem influenciados, no uso que faziam da palavra

"alma" para descrever os mortos, por idéias gregas da pré-existência e imortalidade,


particularmente em II Enoque, onde a influência Alexandrina é evidente. Mas é fácil exagerar
essa influência na literatura como um todo. De acordo com a psicologia hebraica, a consciência é
uma função não apenas do corpo mas também do nephesh que os apocalípticos assimilaram em
termos de "alma". Deve-se notar que, embora os escritores gregos façam uso freqüente da
palavra psuchai ("almas") para descrever seres desencarnados, o uso de pneumata ("espíritos")
nesse contexto não é absolutamente típico do pensamento grego (cf. E. Bevan, Symbolism
andBetief (Simbolismo e Crença), 1938. pp. 180 ss). Em certos escritos apocalípticos, contudo,
os dois termos são usados indiscriminadamente com esse significado.
intermediária. As almas dos mortos, desprovidas de seus
corpos, devem esperar pela ressurreição para sua total
expressão e realização.

B. Distinções Morais no Sheol


Uma das características mais significantes do ensino
de Daniel 12, marcando um avanço sobre a perspectiva
típica do Antigo Testamento, é o fato de que nesse texto,
pela primeira vez no pensamento hebraico, aparecem
distinções morais entre os justos e os ímpios na vida após a
morte. Na ressurreição, os notavelmente bons e os
notavelmente maus são ressuscitados para receber sua
recompensa ou punição. Essas mesmas distinções são
encontradas também nos livros apocalípticos subse-
qüentes, mas em praticamente todos eles, elas aparecem
não simplesmente no tempo da ressurreição, mas naquele
estado intermediário imediatamente após a morte. A
bênção dos justos e a punição dos ímpios, baseadas nos
julgamentos morais, são plenamente realizadas no
momento do Juízo Final, porém mesmo anteriormente, no
Sheol, há uma distribuição preliminar de recompensas e
punições.
Esse fato das distinções morais que resultam em
recompensas e punições levou rapidamente à criação de
dois compartimentos ou divisões distintos no SheoL, uma
para os justos e outra para os ímpios. E isso
sucessivamente levou a uma distinção mais pronunciada e
mais variada, alterando ainda mais a topografia da vida
além, de forma que, por fim, surgiu a concepção de
Paraíso, Céu, Inferno e Gehena, além do próprio SheoL64
Em Enoque 22, por exemplo, três compartimentos
são visualizados no Sheol, classificados de acordo com os
julgamentos morais já evidentes nas almas dos mortos. Em
I Enoque 91-104, o escritor argumenta fortemente contra a
visão dos saduceus de que na vida após a morte não há
diferença entre a sorte dos ímpios e a sorte dos justos. Ao
contrário, os ímpios "serão afligidos em grande tribulação,
e em trevas e grilhões e um fogo ardente, onde há um
julgamento de sofrimento, seu espíritos entrarão" (103.7-8);
os justos, pelo contrário, "viverão e se regozijarão, seus
espíritos jamais perecerão" (103.4). O escritor do
Testamento de Abraão expressa a mesma crença em seu
quadro das duas portas, através da qual as almas dos
homens devem passar: "Essa porta estreita é a dos justos,
que conduz à vida, e aqueles que entram por ela alcançam
o Paraíso. A porta larga é a dos pecadores, que conduz à
destruição e ao castigo
__________________________________
l64O termo "Paraíso" é de origem persa e significa um jardim ou pomar. O

equivalente grego era usado pela Septuaginta para traduzir o "jardim" do Eden. Na
literatura apocalíptica ele significa a morada dos espíritos dos justos. Ele ocorre três
vezes no Novo Testamento (Lucas 23.43; II Coríntios 12.4; Apocalipse 2.7).
A idéia de inferno como um lugar de tormento aparece pela primeira vez
em I Enoque 22.9-13. Intimamente associado com ela, está o termo 'Gehena' que
deriva do hebraico Ge Hinnom, que quer dizer "o vale de Hinnom". Nesse lugar é
que as crianças eram "passadas pelo fogo" como sacrifício ao deus Moloque (cf. II
Reis 16.3; Jeremias 7.31, etc). Na literatura apocalíptica o termo é usado para
descrever o lugar de tormento ardente reservado para os ímpios após a morte (cf.
também Mateus 5.22; 13.42).
eterno"103 (capítulo 11). II Baruque registra que o
Juízo Final apenas intensificará aquilo que as almas dos
ímpios já têm experimentado no Sheol (30.4-5). Sobre isso
está escrito: "E agora reclina em angústia e permanece em
tormento até vosso último momento chegar, em que vós
vireis novamente e sereis atormentados ainda mais". (36.
11)
E porque essas distinções morais podem sem feitas,
que o Juízo Final é possível. Cada homem será julgado de
acordo com o que fez de justiça ou impiedade, e os valores
morais são os critérios do julgamento. Em II Enoque é

165Cf. Mateus 7.13; Lucas 13.24.


declarado que nesse grande dia todas as ações dos homens
serão pesadas em balanças: "No dia do grande julgamento
cada peso, cada medida, e cada contrapeso será como em
um mercado... e cada um ficará sabendo sua própria
medida, e de acordo com sua medida, receberá sua
recompensa". (44.5)

C. Mudança Moral na Vida Além


Alguns desses escritores expressam uma crença na
possibilidade de uma mudança moral progressiva para as
almas dos mortos. No Apocalipse de Moisés, por exemplo,
os anjos oram pelo Adão morto (35.2) e o sol e a lua
intercedem por ele (36.1). O que é interessante nessa
relação é o relato dado sobre a purificação da alma de
Adão (sem dúvida, escrito sob a influência de idéias
gregas): "Então veio um dos Serafins com seis asas e
arrebatou Adão e levou-o para o lago de Acherusian e
lavou-o três vezes, na presença de Deus" (37.3). Mais
interessante ainda é o relato no Testamento de Abraão,
que descreve como as almas dos mortos passam por dois
testes, um pelo julgamento do fogo, e outro pelo
julgamento da balança, em que as boas ações dos homens
são pesadas em comparação com as más ações. Nesse
escrito é mostrada para o vidente uma classe intermediária
de almas, cujos méritos e pecados estão equilibrados na
balança. A oração dos justos em favor de tais almas pode
significar para elas uma entrada na salvação (cap. 14).
A maioria desses escritos, entretanto, favorece o
ponto de vista de que nenhuma mudança é possível, uma
vez que um homem partiu desta vida; seu destino é
determinado, tanto no Sheol como no Julgamento Final de
acordo com a vida que ele viveu na terra. Não é possível
nenhum progresso para as almas dos mortos, seja para
cima ou para baixo (cf. I Enoque 22). Nas palavras do Dr.
Charles, o Sheol "torna-se um lugar de moralidades
petrificadas e graças suspensas".104 O escritor de II
Baruque deixa a posição bem clara: "Ali não haverá mais...
mudança de caminhos, nem lugar para oração, não se
fazem petições, não se recebe conhecimento, não se dá
amor, nem há lugar para arrependimento da alma, nem
súplicas pelos pecados, nem intercessão dos pais, nem
oração dos profetas, nem auxílio para os justos" (85.12). O
arrependimento será impossível e as orações pelos mortos
de nada valerão.

D. A Alma Individual e o Juízo Final


No Dia do Julgamento Final apocalíptico, assim
como no Dia do Senhor no Antigo Testamento, o
julgamento de Deus, às vezes, toma a forma de um
julgamento das nações em uma grande crise na história;
mas na grande maioria dos casos, ele assume um caráter
definitivamente forense e toma aforma de um Grande
Tribunal Em outros lugares, os tipos de julgamentos
catastróficos e forenses são confusos, ou então eles são
mantidos lado a lado, um representando uma preliminar e
o outro o Juízo FinaL Além disso, na maioria dos casos, os
apocalípticos concordam com os escritores do Antigo
Testamento, considerando o julgamento como precedendo
o Reino Messiânico; mas em alguns casos eles distinguem
o reino da Era Final, de forma que o Juízo Final segue o
Reino Messiânico.105 Mas talvez mais significante ainda
seja o fato de que aqui a tendência em direção à
individualização é muito mais fortemente pronunciada. As
almas individuais se apresentarão para o julgamento.
Talvez a declaração mais clara do completo
individualismo seja encontrada em II Esdras. Ali é

1660p. cit.,p. 218.


167Ver pp. 147 ss.
questionado se os justos poderão interceder pelos iníquos
no Dia do Juízo, "pais pelos filhos, filhos pelos pais, irmãos
pelos irmãos, parentes por seus próximos, amigos por seus
queridos" (7.[ 103]). Em resposta Deus diz: "O Dia do Juízo
é decisivo... porque então todos devem prestar contas de
sua justiça ou injustiça" (7.[104]-[105]). Naquele tempo a
intercessão será infrutífera, pois cada um deve ser julgado
por seus próprios méritos. O indivíduo é responsável
diante de Deus, e é responsável apenas por si mesmo.

3. A CRENÇA DA RESSURREIÇÃO E A NATUREZA DO


CORPO DE RESSURREIÇÃO

A. A Ressurreição do Corpo e a Sobrevida da


Personalidade
Temos visto que, de acordo com os apocalípticos, as
almas (ou espíritos) dos homens no Sheol podem viver
uma vida consciente individual separada de seus corpos, e
que, em alguma medida, pelo menos, eles podem
expressar a personalidade que tinham antes de partirem
desta vida. Mastal crença deve ser julgada por seus
resultados definitivos e isso aponta, em quase todos os
casos, para a sobrevivência na forma da ressurreição
corpórea. As almas dos mortos, desprovidas de seus
corpos, eram, na melhor das hipóteses, somente "perso-
nalidades truncadas" que devem esperar pela ressurreição
para sua plena expressão. Como escritores da tradição
hebraica, os apocalípticos acreditavam que a
personalidade não podia ser expressa, em última análise, em
termos de alma (ou espírito) separada do corpo. A
doutrina grega da imortalidade, embora tenha
influenciado o pensamento dos apocalípticos em relação à
vida após a morte, não pôde, enfim, ser aceita. Era
totalmente estranha à mentalidade hebraica deles, por
exemplo, considerar as almas dos homens como
"encerradas no corpo como se em um elemento hostil
estranho, na qual sobrevive a associação com o corpo...
personalidades completas distintas e indivisíveis... uma
substância independente que entra do espaço e do tempo
além, para o mundo material e perceptível, e em conjunção
externa com o corpo, não em união orgânica com ele".106
Não a imortalidade da alma, mas somente a união da alma
e do corpo na ressurreição poderia expressar, por fim, a
sobrevivência da personalidade do homem na vida após a
morte.
A alma deve estar unida ao corpo, então, na
ressurreição, porque somente dessa maneira a
personalidade poderia ser expressa plenamente. Mas, além
disso, como já observamos, somente assim a participação
no reino vindouro seria possível. Na realidade, essa era a
raison d'être [N.T.: do francês - "razão de ser".] da
ressurreição dos mortos, que os justos poderiam
compartilhar no reino. Alguns escritores apocalípticos são
firmes nesse ponto e afirmam que não haveria nenhuma
ressurreição para os ímpios; todos estes não poderiam,
então, compartilhar do relacionamento com Deus na vida
após a morte nem participar do Reino Messiânico. Eles
apareciam "simplesmente como almas desencarnadas —
'despidas' — em um ambiente espiritual sem um corpo,
sem capacidade de comunicação ou meios de expressão
nesse ambiente",107 isto é, eles apareciam como seres cujas
"personalidades" eram totalmente inadequadas para
responder à experiência da participação do reino ou de
comunhão com Deus.

168E. Rhode, Psyché, (Psico) 1925, pp. 468-9, Edição inglesa.


169R. H. Charles, Revelation (Revelação) (International Criticai Commentary), (Comentário
Crítico Internacional)1920, vol. 2, pp. 193-4.
Outros escritores, contudo, falam dos ímpios como
também dos justos sendo ressuscitados. II Baruque declara
que o propósito disso era poder, desse modo, reconhecer
os mortos após a morte (50.3-4). Mas há uma razão muito
mais convincente do que essa: é que eles poderiam ser
apresentados diante de Deus para julgamento. Se os
homens deviam ser adequadamente punidos pelos
pecados que haviam cometido no corpo, então era no
corpo que essa punição deveria ser suportada, isto é, eles
devem ser punidos como homens, possuindo um grau
pleno de personalidade, e não como personalidades trun-
cadas na forma de almas desencarnadas.
Conseqüentemente, pode-se dizer a respeito dos ímpios:
"Seus espíritos são tão cheios de concupiscência, que eles
podem ser punidos em seus corpos... e à medida que o
ardor em seus corpos se torna mais intenso, uma mudança
correspondente ocorrerá em seus espíritos para sempre e
eternamente" (I Enoque 67.8-9).

B. O Corpo da Ressurreição e Sua Re/ação com o


Ambiente
Falando em termos gerais, de acordo com os
pensamentos desses escritores a respeito do reino sobre
esta terra ou em um estado supraterremo, assim também
eles pensavam no corpo da ressurreição como de caráter
físico ou espiritual. Naqueles escritos em que o reino deve
ser estabelecido sobre a terra, comparativamente pouco é
dito em relação à natureza real do corpo da ressurreição,
mas em cada caso está claramente implicado que um
corpo físico como este do homem na vida presente está
prometido (cf. Isaías 26, Dn 12,1 Enoque 10.17, etc.) Essa
idéia é mais freqüentemente encontrada nos escritos mais
antigos, mas não está limitada a eles. Nos Oráculos Sibi-
linos lemos: "Então o próprio Deus fará novamente os
ossos e as cinzas dos homens e os levantará como mortais
mais uma vez, como eles eram antes" (Livro IV, linhas 181-
182). Essa crença em uma ressurreição física pode talvez
ser melhor ilustrada pela referência a um escrito que não é
classificado entre os livros apocalípticos, mas que a esse
respeito reflete a mesma crença expressa naqueles. Em II
Macabeus 14.46 lemos sobre um certo Razis que, "e já
exangue, arrancou com suas próprias mãos as entranhas,
que saíam, lançando-as por sobre os inimigos. Foi assim
seu fim, pedindo ao Senhor da vida e do sopro que lhe
restituísse a vida". Em outra passagem, o mesmo escritor
diz como o terceiro dos sete irmãos martirizados estendeu
as mãos e disse: "Do céu recebi estes membros, mas eu os
desprezo por amor às leis de Deus, e dele espero recebê-
los um dia de novo" (7.11).
A transferência da vida após a morte, da terra para o
céu, contudo, levou inevitavelmente à crença em um corpo
"espiritual" que corresponde ao seu ambiente celestial. Em
Similitudes de Enoque, em que há uma curiosa união entre
a terra e o céu, onde os homens e os anjos vivem juntos
(39.4-5) "os justos e os eleitos... terão sido vestidos com
vestes de glória. E serão vestes de vida do Senhor dos
Espíritos" (62.15-16). As "vestes de glória" como nós
veremos, são os corpos ressurretos espirituais dos justos.
No final do Reino Messiânico, registrado em II Baruque, os
justos serão ressuscitados'para morar no céu (51.10).
Embora sejam ressuscitados do pó da terra (42.8), em seus
corpos físicos sem nenhuma mudança em sua aparência
(50.2), ocorre, após o julgamento, uma transformação
gradual até que os corpos físicos sejam transformados em
corpos "espirituais" (cap. 51; cf. também II Enoque 22.8-9).

C. A Relação do Corpo "Espiritual" com o Corpo Físico


E comum que o corpo da ressurreição "espiritual"
seja descrito em vários desses livros sob a figura de
"vestes" de luz ou glória. Em II Enoque 22.8, por exemplo,
é ordenando a Miguel: "Vá e tire de Enoque suas vestes
terrenas... e vista-o com as vestes de minha glória", isto é, o
corpo terreno de Enoque deve ser substituído por um
corpo celestial, preparado de antemão, como os dos anjos
de Deus.(22.9 s).
Embora sejam diferentes, ainda há uma curiosa
conexão entre o corpo físico e o corpo "espiritual" que
desafia a explicação. No Apocalipse de Moisés o corpo de
Adão é enterrado no Paraíso terreno (38.5), e Deus ainda
diz aos arcanjos: 'Vão ao Paraíso no terceiro céu, estendam
vestes de linho e cubram o corpo de Adão, e tragam do
'óleo da fragrância' e derramem sobre ele" (40.2). E assim
"eles o prepararam para o sepultamento" (40.2). A conexão
entre o corpo nesta terra e corpo no Paraíso celestial não
fica clara, mas aparentemente o último é correlativo do
primeiro e é esse corpo celestial que aguarda a ressur-
reição. Ele não apenas é um correlativo do corpo físico,
mas é coexistente com este até o dia da ressurreição (II
Enoque 22.8).
Em outro lugar, o corpo "espiritual" é um corpo
físico transformado (cf. I Enoque 108.11); o corpo que é
sepultado na terra será ressuscitado em "corpo glorioso"
no dia da ressurreição.108 O escritor de II Baruque
pergunta a respeito daqueles que serão ressuscitados: "Eles
irão, então, reassumir essa forma do presente, e se
revestirão desses membros sem limitações... ou tu irás
porventura transformar essas coisas que havia no mundo,

170Cf. I Coríntios 15.42 ss: "Semeia-se [o corpo] em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em

fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual".


como também o mundo?"109 (49.3). A ele é explicado que,
naressurreição, os corpos tanto dos ímpios como dos justos
ressurgirão sem nenhuma alteração em sua forma ou
aparência (50.2), sendo possível o reconhecimento
daqueles que já morreram110 (50.3-4). Após o julgamento,
os corpos dos homens serão gradualmente transformados,
por meio de uma série de mudanças, em corpos
"espirituais".
O corpo "espiritual" de Enoque, está escrito, não
precisava de comida nem de qualquer coisa terrena para
sua satisfação (II Enoque 56.2) e, como tal, é semelhante
aos dos anjos; e mesmo quando ele voltar à terra por um
espaço de trinta dias, presumivelmente em seu corpo
celestial (embora sua face tivesse que ser "congelada" para
que os homens pudessem olhar para ele; cf. 37.2), ele não
somente será reconhecido por seus amigos, como ele até
permitirá que toda a assembléia se aproxime e o beije111
(64.2-3).
O corpo "espiritual", então, não é meramente um
corpo simbólico no sentido de ser representativo
(simplesmente representando o corpo terreno) mas sendo
algo bem diferente deste, em identidade, não tendo relação
orgânica com ele; pelo contrário, ele pode ser descrito
como constitutivo, porque é constituído pelo corpo como
as pessoas entendem o termo e tem a mesma subestrutura;
todavia muito do conceito é espiritualizado. O corpo
"espiritual" é o corpo físico transformado de modo a
corresponder a este ambiente que é natural à natureza e ao
ser do próprio Deus.

171Cf. I Coríntios 15.35: "Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm?" O relato da

transformação do corpo na ressurreição em II Baruque 49-51 encontra um notável paralelo em I


Coríntios 15.
172Cf Marcos 9.43 ss que se refere à sobrevivência das deformidades físicas na vida após a morte.
173Cf. João 20.27 para as propriedades físicas do corpo de ressurreição de Jesus.
A aparente contradição entre o corpo "espiritual"
como corpo físico transformado e seu correlativo celestial,
coexistente com ele até o dia da ressurreição, é
parcialmente resolvida pela crença de que o corpo
"espiritual" se desenvolve pari passu [N.T.: do latim "ao
mesmo tempo, simultaneamente"] com ocorpo físico e que
os atos do homem justo, praticados no corpo da carne,
condicionam a formação do corpo no céu. Essa crença é
apresentada explicitamente nos escritos apocalípticos cris-
tãos,112 e implicitamente nos judaicos. "Este corpo
espiritual", escreve o Dr. Charles,113 "é resultado conjunto
da graça de Deus e da fidelidade do homem. Ele é, de um
lado, um dom divino... e de outro, o corpo espiritual é, em
certo sentido, a possessão do fiel, e pode, portanto, apenas
ser possuído por meio da fidelidade." O homem é criado
"de natureza invisível e visível; de ambas são sua morte e
sua vida" (II Enoque 30.10). E ambos são criação de Deus.

174Cf. Apocalipse 3.4: "Tens, contudo, em Sardes, umas poucas pessoas que não contaminaram

as suas vestiduras, e andarão de branco comigo, pois são dignas". Cf. também 16.15.
Que o corpo espiritual já é um com a pessoa para quem é preparado é esclarecido no "Hino da
Alma", em siríaco, que diz: "Eu vi as vestes como se fossem uma comigo, como se ela estivesse
em um espelho. E eu contemplei nela a mim mesmo, e soube e vi a mim mesmo através daquelas
vestes, que nós fomos divididos em partes, sendo um, e novamente feitos um em uma só figura."
(cf. M. R. James, The Apocryphai'New Testament [O Novo Testamento Apócrifo] 1924, p.
414).
175 Op. át., volume 1, pp. 187-188.
Bibliografia Selecionada
HISTÓRIA E RELIGIÃO

E. R. Bevan, Jerusalém under the High Priests


(Jerusalém sob o governo dos Sumo Sacerdotes) (Arnold,
1904).
F. F. Bruce, Second Thoughts on the Dead Sea (Segundo
Pensamentos sobre o Mar Morto) (Paternoster, 1956).
F. C. Burkitt, Jewish and Christian Apocalypses
(Apocalipses Judaicos e Cristãos) (Oxford, 1914).
Milla Burrows, The Dead Sea Scrolls (Os Rolos do
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R H. Charles, Religious Development between the Old
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1914).
Clarendon Bible: G. H. Box, Judaism in the Greek
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W. R Farmer, Maccabees, Zealots and Josephus
(Macabeus, Zelotes e Flávio Josefo) (Columbia, 1956).
G. F. Moore, Judaism in the First Centuries of the
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Cristã), 3 volumes. (Cambridge, Mass., 1927-30).
R. H. Pfeiffer, History of the New Testament Times,
with an Introduction to the Apocrypha (A História dos
Tempos do Novo Testamento com uma Introdução aos
Apócrifos) (New York, Harper, 1949; atual A.&C. Black).
H. W. Robinson, The History of Israel (A História de
Israel) (Duckworth, 1938).
N. H. Snaith, The Jews from Cyrus to Herod (Os Judeus
de Ciro a Herodes) (The Religious Education Press, Ltd,
1949).

Literatura Apócrifa
R H. Charles, The Apocrypha and Pseudepigrapha of the
Old Testament (Os Apócrifos e os Pseudepigrafos do Velho
Testamento), 2 volumes. (Oxford, 1913).
R T. Herfod, Talmud and Apocrypha (O Talmude e os
Apócrifos) (Soncino Press, 1933).
Bruce M. Metzger, An Introduction to the Apocrypha
(Uma Introdução aos Apócrifos) (Oxford, 1957).
H. H. Rowley, The Relevance of Apocalyptic (A
Relevância dos Apocalípticos) (Lutterworth Press, 1944).
H. H. Rowley, Jewish Apocalyptic and the Dead Sea
Scrolls (Os Apocalípticos Judaicos e os Rolos do Mar
Morto) (The Athlone, 1957).
R H. Pfeiffer - como acima. Ver também uma boa
introdução em The Apocrypha according to the Authorised
Version, with an introduction by Robert H. Pfeiffer (Os
Apócrifos de Acordo com a Versão Autorizada, com uma
introdução de Robert H. Pfeiffer) (New York, Harper,
1953), e em The Interpreter's Bible (A Bíblia do Intérprete),
vol. 1 (New York, Abingdon-Cokesbury Press; atual,
Thomas Nelson and Sons).
Muitas outras referências poderão ser encontradas
em notas de rodapé deste livro.

Governantes e Principais Acontecimentos


PTOLOMEUS E SELÊUCEDAS NA PALESTINA

Os Ptolomeus no controle da Palestina 312-198 a.C.


Ptolomeu I (Soter 1) 312-283 a.C.
Ptolomeu II (Filadelfos) 285-247 a.C.
Ptolomeu III (Euergetes I) 247-221 a.C.
Ptolomeu IV (Filopator) 221-203 a.C.
Ptolomeu V (Epifânio) 203-181 a.C.

(O governo ptolemaico perdurou até 30 a.C. quando


o Egito se tornou uma província de Roma.)

Os Selêucidas no controle da Palestina 198-143 a.C.


Antíoco III (O Grande) 223-187 a.C.
Seleuco IV (Filopator) 187-175 a.C.
Antíoco IV (Epifanes) 175-163 a.C.
Antíoco V (Eupator) 163-162 a.C.
Demétrio I (Soter) 162-150 a.C.
Alexander Balas 150-145 a.C.
Demétrio II (Nicator) 145-138 e 129-125 a.C.

(O governo dos Selêucidas perdurou até 64 a.C.


quando foi conquistado por Pompeu.)

MACABEUS E HASMONEUS

Judas Macabeus 166-160 a.C.


Jonatas (Sumo Sacertode) 160-143 a.C.
Simão (Sumo Sacerdote) 142-134 a.C.
João Hircano (Sumo Sacerdote) 134-104 a.C.
Aristóbulo (Sumo Sacerdote e Rei) 103-102 a.C.
Alexander Janeus (Sumo Sacerdote e Rei) 102-76 a.C.
Alexandra Salomé 75-67 a.C. Hircano II (Sumo
Sacerdote) 75-66 e 63-40 a.C.
Aristóbulo II (Sumo Sacerdote e Rei) 66-63 a.C.
Antígono (Sumo Sacerdote e Rei) 40-37 a.C.
Herodes, o Grande 37-4 a.C.
GOVERNANTES DA JUDEIA DESDE A MORTE DE HERODES
ATÉ A GUERRA DOS JUDEUS

Arquelau 4 a.C. - 6 dG
Procuradores romanos 6-41 d.G
Herodes Agripa I 41-44 d.C
Procuradores romanos 44-66 d.G

EVENTOS IMPORTANTE
Profanação do Templo por Antíoco Epifânio 168 a.C.
Revolta dos Macabeus 167 a.G
Rededicação do Templo 165 a.G
Indicação de Jonatas como Sumo Sacerdote 152 a.G
Conquista da Independência 142 a.C. Indicação de
Simão como sumo Sacerdote hereditário e Etnarca 141 a.C.
Ascensão de João Hircano I e o surgimento dos Fariseus e
Saduceus 134-104 a.C. Perda da Independência:
Pompeu toma Jerusalém 63 a.C.
Ascensão de Herodes 37 a.C.
Morte de Herodes 4 a.C.
Guerra dos Judeus 66-70 a.C.
Destruição de Jerusalém por Tito 70 aG.

Parabéns!
Você terminou a leitura de mais um bom livro.
Esperamos que você esteja se sentindo encorajado,
fortalecido e melhor informado. Gostaríamos de saber sua
opinião sobre este livro, para que possamos aprimorar a
qualidade do nosso trabalho. Nossa missão é publicar
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