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LORENZO LUZURIAGA

HISTORIA III EDUCACAO


f DA PEDAGOGIA
Tradução e noios de

Luiz D am asco Penna


e
J. B. D am asco Penna

décima ediçio

COMPANHIA EDITORA NACIONAL


Nota da segunda edição

Esta segunda edição da tradução portuguesa da


Historia de la educación y de la pedagogia de Lo-
renzo Luzuriaga representa, em verdade, nova tra­
dução desse compêndio, cujo texto o pranteado pe-
dagogista espanhol havia revisto de ponta a ponta
para a terceira edição, vinda a lume em 1959. Pois,
o texto português foi minudentemente■ cotejado
com o nòvo original, a fim de se levarem em conta
todas as alterações introduzidas pelo Autor, desde
a inclusão de secções novas, em vários capítulos,
até numerosos retoques de fundo ou de forma, es­
parsos pela obra.
Algumas notas foram acrescentadas pelos tra­
dutores, onde quer que pudessem ser úteis aos estu­
dantes, aos quais o livro muito particularmente se
destina, pois seu eminente Autor assim o quis: co­
mo se lê na Introdução, é "obra essencialmente di­
dática”.
Luiz D am asco P en n a
J . B. D am asco Pénna

São Paulo, junho de 1963


Introdução

Nesta obra aspira-se a oferecer visão de conjunto da his­


tória da educação e da pedagogia. Não se trata, pois, de tra­
balho erudito ou de investigação, senão antes de esforço para
expor na forma mais clara e precisa possível o desenvolvimento
histórico das idéias e das instituições pedagógicas. É esta, por­
tanto, obra essencialmente didática.
Na exposição ativemo-nos principalmente às idéias inda
hoje valiosas, às que sobreviveram às mudanças dos tempos
e podem contribuir para resolver os problemas do nosso tem­
po. Neste sentido, a obra tem caráter antes pragmático, sem
que por isso tenhamos caído em culpa de praticismo ou parti­
darismo. Ao contrário, fizemos por ser o mais verazes e obje­
tivos que pudemos ser.
Para facilitar a compreensão das idéias expostas, apresen­
tamos, sempre que possível, os textos ou fontes donde pro­
cedem, por acreditar que é mais breve e preciso reproduzir
as mesmas palavras em que foram expressas, e, assim, dar tam­
bém ao exposto maiores garantias de autenticidade. Neste
mesmo sentido, cremos necessária a leitura de determinado nú­
mero de obras clássicas de Pedagogia, que possam servir de
estímulo ou norma para estudo ulterior.
Tratou-se de relacionar a educação e as concepções sociais
e culturais de cada momento histórico. A educação, com efei­
to, não é algo de isolado, abstrato, mas está relacionada estrei­
tamente com a sociedade e cultura de cada época. Estas pro­
duzem ideais e tipos humanos que a educação trata de realizar.
Na exposição intentamos também estabelecer a mais ínti­
ma conexão entre realidade educacional e idéias pedagógicas,
pois ambas mais não são que partes de um todo indivisível: a
própria educação. Antepusemos educação a Pedagogia, não
XVI Introdução

por crer aquela mais valiosa, mas porque assim se tomava


mais claro o estudo de ambas. Por ora, fica sem resolver se
o ideal da educação surge da realidade educacional ou se,
antes, esta procede daquele.
Por ora, devemos apenas advertir que para nós, os ideais
não são algo de vago e flutuante, distanciado da realidade,
mais precisos e concretos como a própria realidade. Consti­
tuem, com efeito, parte tão intrínseca de nossa vida e da so­
ciedade humana, quanto nossas ações e as instituições sociais,
geralmente mais caducas e circunstanciais que os ideais hu­
manos históricos.
Finalmente, cremos que para a compreensão de uma e
outra realidade educacional — a ideal e a real — è necessário
conhecimento não só da Pedagogia, mas também da história
geral e da história da cultura em particular, pois, sem elas,
a história da educação, como a própria educação, não tem
sentido.
Ao falar do valor humano da história, Dilthey, seu gran­
de mestre, adverte : “Só a história nos diz o que o homem é.
É inútil, como fazem alguns, desprender-se de todo o passado
para recomeçar a vida sem qualquer preconceito. Não ê pos­
sível desprender-se do que foi; os deuses do passado se con­
vertem em fantasmas. A melodia de nossa vida traz o acom­
panhamento do passado. O homem se livra do tormento e
da fugacidade de tóda alegria, mediante dedicação aos gran­
des poderes objetivos criados pela história”.
Num momento histórico como o atual, de grande tensão
política e profunda crise ideológica, em que se não vêem saí­
das claras, o estudo da história, particularmente da história da
educação, talvez nos possa servir para encontrar a solução dos
graves problemas presentes.
É possível, com efeito, realize a educação aquilo que as
medidas políticas e governamentais não logrem fazer, se é verda­
de, como já dizia Platão há vinte e cinco séculos, que não im­
portava muito estivesse o governo em mãos de um ou em mãos
de muitos, desde que se observassem rigorosamente os prin­
cípios da educação.
L. L.

Veja-se, a respeito dos trabalhos pedagógicos do Autor deste livro, o pre­


fácio de J . B . D a m a s o o P e n n a ("Luzuriaga e sua obra” ) i P edagogia, vol. 56
destas “Atualidades Pedagógicas", SSo Paulo, 7.» ed., 1970, pp. xiu-xvni. (Nota
da Editora.)
CA PÍTU LO I

História da educação e da pedagogia

Y
1. Conceito

A história d a educação- é .partgj£âJiistória-4a cultura, tal


como esta, por sua vez, é JTarte da históriargerali. Não é fácil
definir a hjstória, da quaffH&nTÍ(Íõ~Tlãdas muitíssimas inter­
pretações. TPara nós, a história á n pstiid^ da r ^ i r i ade hu-
mana ao longo do tçjppo. Não é, pois, matéria apenas do
^ssado7~sénão que'"o presente também lhe pertence, como
corte, õu secçào, no desenvolvimento da vida humana. Por
outro lado, a história da cultura se refere antes aos produtos
da mente do homem, tais como se manifestam na arte, na
técnica, na ciência, na moral ou na religião e em suas insti­
tuições corresponden£êsT~À educação é uma dessas manifes-'r.
tações cultyrais; e tam ^éç temjijiji h£»Jória^ f' ^
Ora^para ter idéia~preciía do que sejam história da edu-
^ cação e história da pedagogia, convém recordar o significado
da própria pedagogia e da própria educação. (*)
-4— Por fe3ucação W tendemos, antes do mais, a influência
intencional e sistemática sQkre o ser juvenil, com o própòsitQ ,
de formá-lo e desenvoIvê-loj,Mas significa também a ação ge- o
néfícãf ampla, d eu m ã sociedade sobre as gerações jovens, com
o fim de conservar e transmitir a existéncía^oletiya,. A edu-
0 . ' ' ' , ^o ■J r-' '' __
---- í------- ■
( 1 ) Vide L . L u z u r ia g a , P edagogia, Buenos Aires, Losada, 4 .a «d., 1 9 5 8 .
[Há tradução portuguesa: P edagogia, trad. e notas de Lólio Lourenço de
Oliveira e J . B. Damasco Penna, vol. 56 destas “Atualidades Pedagógicas”,
São Paulo, 7.a ed., 1970. Nota da Editora].
^ 1— ' v-,

2 História da educação e da pedagogia

cação é, assim parte integrante, essencial, da vida 4o homem


e da sociedade, e existe desde quando haT seres humanos sobré
a terra. ~
Por outro lado, a educação é componente tão funda­
mental da cultura quanto a ciência, a arte ou a literatura.
Sem a educação não seria possível aquisição e transmissão
da cultura, pois pela educação é que a cultura sobrevive no
espírito humano. Cultura sem educação seria cultura morta.
JL esta é também uma das funções essenciais da educação :
fazer sobreviver a cultura através dos séculos. \ „ — 7~-7- t
u___ T- --------- m \
Chamamos pedagogia j à_ reflexão sistemática sobré edu­
c a ção. Peda g o g ia ^ a ciência dá écTücarãoj "por ela é que
ã ação educativa adquire unidade e elevaçao. Educação sem
pedagogia, sem reflexão metódica, seria pura atividade mecâ­
nica, mera rotina. Pedagogia é ciência do espírito e está inti­
mamente relacionada com filosofia, psicologia, sociologia e
outras disciplinas, posto não dependa delas, eis que é ciência
autônoma. ......
C Educação e pedagogia, estão como prática para teoria^l
realidade para ideal, experíencia para peifsaménto, não co-
mo entidades independentes, mas fundidas em unidade indi­
visível, como o anverso e o reverso da moeda.

Ainda que a educação seja elemento essencial e perma­


nente da vida individual e social, não se realizou sempre do
mesmo modo, mas tem variado conforme as necessidades e
aspirações de cada povo e de cada época. A sociedade a que
a educação se refere não é, com efeito, algo estático, defini­
tivamente, constituído, mas em continuada mudança e CQnii-
nuado desenvolvimento. Assim, a educação. Nesse sentido,
tem a educação sua Tíistória, que é a história da mudança e do
desenvolvimento que a educação tem experimentado através
do tempo e dos diversos povos e épocas. Por outro lado, como
a educação é parte da cultura, e esta também está condicio­
nada historicamente, variando segundo as características dos
povos e das épocas, a história da educação é, também, parte
da história da cultura e estuda suas relações com a ação edu­
cativa.
Se a educação tem sua história, a pedagogia, sua porção
teórica ou científica, igualmente a tem. A história da peda-
F ato res históricos 3

gogia estuda o desenvolvimento das idéias e ideais educacio­


nais, a evolução das teorias pedagógicas e as personalidades
mais influentes na educação.
A história da pedagogia está intimamente relacionada com
as ciências do espírito e, tal como a história delas, é relati­
vamente recente. Ao passo que a história da educação prin­
cipia com a vida do homem e da sociedade, a da pedagogia
só começa com a reflexão filosófica, isto é, com o pensar
mento helênico, principalmente com S ó c ra te s e P l a t ã o .
E bem que se ache intimamente relacionada com a histó­
ria da educação e da cultura, constitui a história da educação
estudo autônomo; tem características próprias. Por outro la­
do, não podemos considerá-la independente por inteiro, pois
faz parte de mais amplo todo, que é a pedagogia. Assim como
esta compreende uma parte descritiva e outra, normativa,
traz em si uma parte histórica, constituída pela história da
educação e da pedagogia. Esta seria, assim, a própria peda­
gogia, considerada em seu desenvolvimento histórico.

2. Fatores

Do exposto depreende-se que a história da educação e da


pedagogia não é apenas produto do pensamento e da ação dos
pedagogistas e da gente da escola, mas está integrada por mui­
tos fatôres históricos — culturais e sociais — dos quais os mais
importantes são :
A situação histórica geral de cada povo e de cada época,
isto é, a posição ocupada pela educação nos sucessos históricos.
Assim, a educação européia do século xvn, atormentado pe­
las guerras religiosas, não é a mesma do século xix, cuja
história se desenrola mais pacificamente.
O caráter da cultura. Hão de influir na educação da
época, segundo se destaquem, as manifestações espirituais — po­
lítica ou religião, direito ou filosofia. Assim, a educação clás­
sica é essencialmente política; a medieval, religiosa; a do sé­
culo xvn, realista; a do século xviii, racionalista, etc.

A estrutura social. A educação terá este ou aquele ca­


ráter, segundo as classes sociais, a constituição familial, a vida
4 H istória da educação e da pedagogia

comunal e os grupos profissionais predominantes. Assim, a


educação ateniense era só para os homens livres; a da Idade
Média, para os clérigos e guerreiros, principalmente; a da
Renascença, para os cortesãos, etc.
A orientação política. Seja o momento histórico de um
povo, imperial como na Roma do primeiro século, regional
como na Europa do século xv, absolutista como na Ale­
manha do xvm, ou revolucionário como na França do mes­
mo século, assim será também sua educação.
A vida econômica. A educação varia segundo a estru­
tura econômica, a posição geográfica, o tipo de produção.
Assim, a educação primitiva era principalmente agrícola e pas­
toril; a do século xiv, gremial e a do século xix, comercial
e industrial.
A esses fatores históricos devem-se ajuntar os esperifica-
/mente educacionais e pedagógicos, que são:
Os ideais de educação, condicionados, em cada época, à
concepção do mundo e da vida: ao cavalheiresco, da Idade
Média, corresponde o ideal da educação do nobre; ao do Hu­
manismo, a educação do erudito.

A concepção estritamente pedagógica, baseada nas idéias


educacionais mais importantes. A educação sensorialista de
L o c k e é mui diversa da idealista de F ic h te ; e naturalista de
R ousseau, da intelectualista de H e r b a r t; a pragmática de
D ew ey, da cultural de Spranger.

A personalidade e a atuação dos grandes educadores são


decisivas para a marcha da educação : disso são exemplos,
cada um em seu gênero, S ó c ra te s e P l a t ã o , L u te r o e Inácio
de L o y o la , Comenius, P e sta lo z z i e F ro e b e l.

As reformas das autoridades oficiais, como as levadas a


cabo por F re d e ric o o G rande na Prússia, N a p o le ã o ná Fran­
ça, Horace M ann nos Estados Unidos, S arm ie n to na Argen­
tina, transformam radicalmente a realidade educacional.

Finalmente, as modificações das instituições e métodos da


educação, como as de R a tk e e Basedow nos tempos pas­
sados e de M o n tessori e D e c r o ly nos nossos tempos são tam­
bém decisivas para a história da educação.
Fases da história da educação 5

Vemos, assim, como a educação está influenciada por fa­


tores da todo gênero. A educação, porém, influi reciproca­
mente em todos. Com efeito, sempre que se tem pretendido
realizar mudança essencial na vida da sociedade ou do Esta­
do, tem-se apelado para a educação. Tal ocorreu, por exem­
plo, com a Reforma religiosa do século xvi ou com a Revo­
lução Francesa do século xvm. O mesmo pode dizer-se da
cultura. As grandes conquistas da ciência, como as realizadas
após a Renascença com G a lile u e C op érn ico, com B a c o n e
D e sca rte s, só se estabilizam e estabelecem mediante a ação
educativa. Institui-se assim, em suma, movimento de ação
e reação entre sociedade e educação e entre esta e a cultura;
dal continuidade e estabilidade na história dos povos.

S. Fases da história da educação

No desenvolvimento histórico da educação podem-se ob­


servar diferentes fases, cada uma das quais com característica
particular, embora não exclusiva ou única, pois a vida hu­
mana não se pode reduzir a esquemas simplistas. A vida indi­
vidual e a vida social estão, de fato, constituídas por muitos
ideais e muitas instituições, que fazem a complexidade da
história. Tudo não obstante, podem-se distinguir na história
da educação as seguintes fases principais:
1.a) A educação primitiva, dos povos originais, an­
teriores à história propriamente dita, e que podemos ca­
racterizar como educação natural, pois nela a influência
espontânea, direta, predomina sobre a intencional. Nesta
fase, inda não existem povos ou Estados, e sim apenas
pequenos grupos humanos dispersos na face da Terra;
tampouco se pode estabelecer aqui rigorosa cronologia.
2.a) A educação oriental ou, seja, a dos povos em
que já existem civilizações desenvolvidas, geralmente de
caráter autocrático, erudito e religioso. Compreende paí­
ses mui diversos, como Egito, índia, Arábia, China e o
povo hebreu, entre outros. É difícil estabelecer cronolo­
gia exata, mas podemos dizer que esta fase abarca do
século x x x ao século x antes de Cristo, ou cèrca de
vinte séculos.
H istória da educação e da pedagogia

3.a) A educação clássica, em que começa a civili-


lização ocidental e que tem sobretudo caráter humano e
cívico. Compreende Grécia e Roma, as quais, apesar das
diferenças, têm muitos traços comuns. Sua vida cultural
autônoma desenvolve-se principalmente entre os séculos
x a. C. e v da era cristã, ou, seja, no espaço de uns quin­
ze séculos.
4.a) A educação medieval, na qual se desenvolve
essencialmente o cristianismo, já principiado na fase an­
terior, agora a alcançar a todos os povos da Europa, do
século v ao século xv, quando já começa outra fase, sem
que, contudo, termine a educação cristã, a qual chega
até nossos dias.
5.a) A educação humanista, a principiar no Renas­
cimento, no século xv, embora antes já houvesse sinais
dela. Esta fase representa retorno à cultura clássica, mas,
ainda mais, o surgir de uma nova forma de vida, ba­
seada na natureza, na arte e na ciência.
6.a) A educação cristã reformada. Assim como se
produz no século xv renascença cultural humanista, sur­
ge no século xvi, como produto dessa renascença, uma
reforma religiosa. Ocasiona, dum lado, o nascimento das
confissões protestantes, doutro, a reforma da igreja cató­
lica. É o que geralmente se chama Reforma e Contra-
reforma, e cada uma já alcança (como as fases sucessivas)
assim os povos da Europa como os da América.
7.a) A educação r e a lis ta , em que se iniciam pro­
priamente os métodos da educação moderna, baseados
nos da filosofia e ciências novas (de G a lile u e
C op érn ico, de N ew to n e D esca rte s). Esta fase começa
no século xvn e se desenvolve até nossos dias; e dá lugar
a alguns dos maiores representantes da didática (R a tk e
e CoMErçius).

8.a) A educação racionalista e naturalista. Própria


do século xvm, no qual culmina com a chamada “ilus­
tração” ou, seja, o movimento cultural iniciado na Re­
nascença. É o século de C o n d o rce t e R ousseau, em cujo
final começa o movimento idealista na pedagogia, com
P e sta lo z z i por -mais alto representante.
Fontes de estudo 7

9.a) A educação nacional, iniciada no século ante­


rior com a Revolução Francesa, chega ao máximo desen­
volvimento no século xix e promove intervenção cada
vez maior do Estado na educação, formação de consciên­
cia nacional, patriótica, em todo o mundo civilizado e
estabelecimento da escola primária universal, gratuita e
obrigatória.
10.a) A educação democrática. Posto seja muito
difícil caracterizar a educação do século xx, seu traço
mais marcante será talvez a tendência para educação
democrática, que faz da livre personalidade humana o
eixo das atividades, independentemente de posição eco­
nômica e social, e proporciona a maior educação possível
ao maior número possível de indivíduos.

Tais são, em grandes linhas, as principais fases percorridas


pela educação até nossos dias, e que cumpre ter apenas como
marcos de seu desenvolvimento histórico, o qual naturalmente
continua em nossos dias e seguramente continuará enquanto
o homem viver.

4. Fontes de estudo

A história da educação e da pedagogia não é estudada


somente nas obras pedagógicas, mas tem raio muito mais
amplo, no campo das diversas manifestações da cultura. Socor­
re-se das seguintes fontes principais:
As obras religiosas fundamentais, como os Vedas da Índia,
os livros de Buda e de C on fú cio , o Antigo e o Novo Testa­
mento, o Alcorão e o Talmud, as obras de Santo A gostin h o
e de Santo T o m ás, de Santa T e r e s a e de São J o ã o da C ruz,
de L u te r o e de C alv in o , de P a s c a l e de K ierk egaard , etc.,
todas as quais influíram na história da cultura e portanto na
da educação.
As obras literárias clássicas, como o Mahabarata e o
Ramayana, a Iliada e a Odisséia, a Divina Comédia e o D. Qui-
xote, e as obras de S hakespeare e de G o e th e , de M o liè re e
de Lope de V ega, todas as quais refletem cenas sociais e tipos
humanos influentes na educação.
8 H istória da educação e da pedagogia

As obras mestras do pensamento universal, como a Repú­


blica e os Diálogos, de P l a t ã o , a Ética e a Política, de A ris­
t ó t e l e s , a Cidade de Deus, de Santo A gostin h o, os Ensaios
de M ò n taign e, o Discurso do metodo, de D e sca rte s, a Cri­
tica da razão prática de K a n t, Sobre a Liberdade, de Stuart
M i ll , Origem das espécies, de D arw in, O Capital, de Karl
M a rx , Assim falava Zaratustra, de N ietzsch e, A evolução cria­
dora, de B ergson, etc., obras que, sem serem pedagógicas, dei­
xaram traço profundo na história da cultura e da educação.

As obras fundamentais da Pedagogia, como Educação do


orador, de Q u in tilia n o , Tratado do ensino, de Vives, Didática
Magna, de Comenius, Emilo, de R ousseau, Como Gertrudes
instrui a seus filhos, de P estalo zzi, Pedagogia geral, de H er-
b a r t , A educação do homem, de F ro e b e l, Democracia e edu­
cação, de D ewey, etc., — bases nas quais se apóiam a educação
e a pedagogia.

As biografias e autobiografias dos grandes homens, como


as Vidas paralelas, de P l u t a r c o , as Confissões de Santo Agos­
tin h o , as Confissões de R ousseau, o Canto do cisne de Pes-
ta lo z z i, Poesia e realidade, de G o e th e , a Autobiografia de
Stuart M ijll, História da minha vida, da surda-muda-cega Helen
K e l le r , obras que representam tipos humanos em sua forma­
ção e desenvolvimento em mais alto grau e outras de menor
tomo, mas igualmente interessantes quanto representam tipos
de valor médio.

As leis e disposições legais, como as Doze Tábuas de Roma,


as Leis de L icu rg o , as Sete Partidas; de A fonso, o Sábio, as
Leis das Índias, as ordenações de F re d e ric o , o Grande, as reso­
luções da Revolução Francesa, etc., e, mais particularmente,
a íegislação de cada país sobre educação e matérias correlatas,
como as referentes à família, à cidadania, etc.
Todas essas fontes e muitas que poderíamos citar, consti­
tuem os meios ou instrumentos necessários ao estudo da his­
tória da educação, a qual não é algo de vago, abstrato, extraído
da cabeça de educadores e pedagogistas, e sim parte viva da
realidade humana presente e passada. E seu estudo é tão
atraente e interessante como possa ser o da literatura ou da
ciência. Na bibliografia final desta obra, indicam-se mais por­
menorizadamente as fontes históricas.
Valor destes estudos 9
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Valor destes estudos

O estudo da história da educação e da pedagogia é impres­


cindível ao conhecimento da educação atual, pois esta é um
produto histórico e, não, invenção exclusiva de nosso tempo.
A educação presente é, com efeito, do mesmo passo, fase do
passado e preparação do futuro. É como um corte transversal
que se fizesse no intérmino evolver histórico da educação.
A história da educação, por isso, não estuda o passado
pelo passado, tal coisa morta, por pura erudição, mas antes
como explicação do estádio atual. “O passado como passado
— diz D ew ey — não é nosso objetivo. Se fosse completamente
passado, não haveria mais que uma atitude razoável: deixar
que os mortos enterrassem os mortos. Mas o conhecimento do
passado é a chave para entender o presente”. (2)
No mesmo sentido, diz o filósofo Karl J a s p e r s : “ É a
história que nos abre mais vasto horizonte, que nos transmite
os valores tradicionais capazes de nos fundamentar a vida. Li­
berta-nos do estado de dependência em que nos achamos,
inscientes disso em relação a nossa época e nos ensina a ver as
possibilidades mais elevadas e as criações inesquecíveis do ho­
m e m ... Nossa experiência atual, melhor a compreendemos
no espelho da história, e o que ela nos transmite adquire vida
à luz de nosso tempo. Nossa vida prossegue, enquanto o pas­
sado e o presente não deixam de iluminar-se reciproca­
mente”. (3)
Por outro lado, o estudo da história da educação constitui
excelente meio de melhorar a educação atual, porque nos infor­
ma das dificuldades que as reformas da educação têm encon­
trado, dos perigos das idéias utópicas, irrealizáveis, e das resis­
tências anacrônicas, reacionárias, que a educação tem experi­
mentado. “O passado com seus intentos felizes e seus malo-
gros — diz D i l t h e y — ensina tanto a pedagogistas como a polí­
ticos”. (4)

(2 ) D ew ey, D em ocracia y educaciòn, Buenos Aires, Losada, 3 .a ed., 1957.


(3 ) Karl J a spers , Jntroduction à la P hilosophie, Paris, Plon, 1951.
(4 ) D il t h e y , H istoria de la P edagogia, Buenos Aires, Losada, B.a ed., 1947.
10 H istória da educação e da pedagogia

Mas a história da educação tem, ademais, grande valor


educativo em si mesma, porque afaz os que a estudam ao espí­
rito da veracidade e à fidelidade à realidade dos fatos, apura
a sensibilidade p ara os grandes problemas da cultura e da edu­
cação e desenvolve o senso de compreensão e tolerância. “A
história nos ensina ainda mais, diz Z ie g le r : a modéstia com
todo o seu saber e poder, com todas as suas idéias novas; o
indivíduo mais não é que pequena mola na grande obra do
desenvolvimento histórico”. (6)
A história da educação, também, ao desvendar-nos os gran­
des horizontes ideais da humanidade, as conquistas da técnica
pedagógica e os perfis dos grandes educadores, impede-nos de
cair na estreiteza da especialização e na rotina do profissiona­
lismo. Obriga-nos, ao mesmo tempo, a maior rigor no pensar
e a fundamentação teórica de nosso trabalho. “Em lugar de
não considerar mais que o homem de um instante — diz D urk-
h e i m — o que cumpre é considerá-lo em função do futuro.
Em vez de encerrarmo-nos em nossa época, cumpre, ao contrá­
rio, sair dela, para que nos subtraiamos de nós mesmos, de
nossas opiniões estreitas, parciais e partidárias. E é precisa­
mente para isso que deve servir o estudo histórico do ensino”.(6)
Finalmente, a respeito do valor da história da educação
diz S p ran ger: “Não é apenas, em absoluto, trabalho estéril,
de antiquário. A história da educação é antes, quando devi­
damente cultivada, quem dá aquela amplitude, aquela clareza
e aquela elevação da consciência cultural sem as quais a edu­
cação não passaria de ofício muito estreito. Não pode reunir
unicamente opiniões estranhas e organizações escolares de épo­
cas extintas, senão que lhe cumpre ser autenticamente história
da cultura”. (7)

(5 ) T h . Z ie g l e r , G eschichte der P üdagogik, München, Beck, 5.* ed., 1923.


(6 ) E. D u r k i i e i m , L ’èvolution pédagogique' en France, Paris, Alcan, 1938-
(7 ) E. S p r a n g e r , Cultura y educaciórt, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1948.
CA PÍTU LO II

A educação primitiva

1. Cultura e sociedade dos povos


primitivos

Existe educação desde que há homens sobre a Terra; e


hoje se calcula que a vida deles começou há uns 3 000 séculos.
Destes, só uns 60 pertencem às sociedades civilizadas. (x) A
maior parte, pois, da vida humana, transcorreu na fase pri­
mitiva ou pré-histórica.
O conhecimento da cultura e da educação dos povos pri­
mitivos é tomado, à falta de documentos escritos, a duas fon­
tes principais: restos e produtos pré-históricos e vida dos po­
vos primitivos atuais.
Não se pode, sem dúvida, traçar qualquer determinação
cronológica ou geográfica fixa. Costuma-se, contudo, distinguir
duas fases principais no desenrolar dessa vida primitiva : a do
homem caçador, correspondente mais ou menos à idade paleo-
lítica, e a do homem agricultor, correspondente à neolítica e
que se calcula começada há 10.000 ou 12.000.anos. Os povos ou,
melhor, os grupos de homens primitivos, não passaram subita­
mente de uma a outra fase, e sim através de muitas dificuldades
e experiências.
O homem caçador é nômade e vive em pequenos grupos
dispersos, mal relacionados entre si. Refugia-se em cavernas
ou choças provisórias, abandonadas assim que escasseie ou de­
sapareça a caça. Serve-se, por armas, de lanças e pedaços de

(1 ) A. J. T oyn bee, Estúdio de la H istoria, v o l. i. Buenos Aires, Emecé, 1951.


12 A educação prim itiva

pedra talhados a pancada. Alimenta-se de caça, pesca e frutos


selvagens. Acredita-se que andava nu ou seminu nos climas
quentes e coberto de peles nos climas frios.
O homem nômade, caçador, converte-se, pouco a pouco,
em agricultor e criador, adquirindo, assim, certa estabilidade
e formando clãs, hordas e tribos. Vive já em povoados e ca­
sas rudimentares. Pule a pedra e depois conhece o fogo e usa
alguns metais; desenvolve o trançado e a olaria para usos
domésticos. Cultiva alguns cereais, como trigo e cevada, alguns
legumes, como lentilha e ervilha e possui animais domésticos
como o cão, o touro e o cavalo selvagem, o burro, a cabra, a
ovelha e o porco. Desta época diz o escritor inglês G. H.
W e l l s : “É evidente que temos aqui gênero de vida já sepa­
rado, por grande lapso de milhares de anos de invenção, de
sua fase paleolítica original. Mal podemos imaginar os pas­
sos que o alevantaram a tal condição. De caçador a rondar as
imediações de lugares onde viviam as reses e as manadas de
vacas e ovelhas selvagens e de caçador em competição com os
cães, o homem, por graus sensíveis, veio desenvolvendo um sen­
timento de propriedade dos animais e estreitou amizade com o
rival canino. Aprendeu a campear o gado; pôs o maior enge­
nho em conduzi-lo a pastos frescos. Fechou os animais em vales
cercados onde pudesse encontrá-los com segurança. Alimen-
tou-os quando famintos e assim pouco a pouco os foi domando.
Começou, quiçá, sua educação agrícola com armazenar forra­
gens. O antepassado paleolítico, nas ignotas terras originárias
do sueste, supriu de começo a precária alimentação dos caça­
dores com frutas e gãos silvestres. O homem que armazenava
plantas graníferas para os rebanhos, podia chegar facilmente
a moer o grão para si”. (2)
Correspondentes a estas formas de vida, desenvolvem-se
estruturas sociais diferentes. Na época do homem caçador, o
varão ocupa o lugar mais importante e a mulher, o secundário.
Na idade do agricultor, a mulher aparece em lugar preemi-
nente, por estarem a seu cargo, além das fainas domésticas, os
labores agrícolas. Nesta idade predomina o matriarcado; na­
quela, o patriarcado.

(2 ) G. H. W e l l s , Esquem a d e la historia universal, Buenos Aires, Anaconda,


vol, i. [A obra de W e l l s foi também posta em português, na tradução de Anísio
Teixeira: H istória universal, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 7.ft ed.,
1968, 3 vols. (Nota dos trads.)]
Cultura e sociedade 13

A base da vida destes grupos sociais era a família, já em


forma de poligamia, já na de monogamia. As famílias vivem
agrupadas em clãs ou tribos, com um totem ou ser animado,
do qual se supõem descendentes e que é tabu, quer dizer, sa­
grado e intocável. Praticava-se o matrimônio com mulheres
alheias ao clã (exogamia), por meio de compra ou rapto. Os
filhos antes são da mãe que do pai e por vezes adquirem tal
importância, que deles o pai recebe o nome (teknonomia).
Estes grupos não careciam de cultura, ainda que de formas
rudimentares. Em primeiro lugar, possuíam armas e utensílios
domésticos e de trabalho, fabricados ou, melhor, manufatura­
dos por éles. Além disso, nos estádios mais avançados, cons­
truíam choças ou refúgios, casas e palafitas. Nas sociedades
mais desenvolvidas formaram-se talvez associações secretas para
exercício de certas atividades ou profissões, como ferraria e fa­
bricação de armas. Nisto não se limitavam, porém, ao aspecto
prático, utilitário, mas conheceram as artes em seus diversos
aspectos; trabalhavam em cerâmica com formas e desenhos de
valor estético. Homens e mulheres usavam adornos e prova­
velmente se tatuavam. Revestiam as grutas e cavernas com
pinturas, modelados e desenhos, e numa das épocas mais anti­
gas, a paleolítica, fizeram-se as admiráveis pinturas da caverna
de Altamira, na Espanha, não superadas em valor artístico pela
arte posterior.
Essas pinturas tinham provavelmente sentido mágico e
eram destinadas a facilitar a caça aos primitivos moradores. T e­
riam também, talvez, significado psicológico. Como diz o histo­
riador W o r r i n g e r : “Desconcertado, aterrozizado pela vida, o
homem primitivo busca o inanimado em que esteja eliminada
a inquietação do futuro e onde encontre fixidez permanente.
Criação artística significa para ele evitar a vida e seus caprichos,
fixar intuitivamente, para além da mudança das coisas pre­
sentes, um futuro em que a mutação e o capricho são supe­
rados”. (3)
Cumpre acrescentar o caráter mágico da mentalidade pri­
mitiva, que interpreta os fenômenos naturais de forma irra­
cional, emotiva e sobrenatural e lhes atribui um espírito ani­
mador, geralmente temido e que se procura tornar propício.

(3 ) W o r r in g e r , A bstracción y sim patia, citado por J . O rteg a y Ga s s e i .


14 A educação prim itiva

2 . A educação nos povos primitivos

Nada sabemos, diretamente, da educação dos povos primi­


tivos; apenas podemos inferi-la pelas manifestações culturais
e pela vida dos povos primitivos atuais, de certo modo seme­
lhantes.
Era essencialmente uma educação natural, espontânea,
inconsciente, adquirida na convivência de pais e filhos adultos
e menores. Sob a influência ou direção dos maiores, o ser ju­
venil aprendia as técnicas elementares necessárias à vida: ca­
ça, pesca, pastoreio, agricultura e fainas domésticas. Trata-se,
pois, de educação por imitação ou, melhor, por coparticipação
nas atividades vitais. Assim aprende também os usos e costu­
mes da tribo, seus cantos e suas danças, seus mistérios e seus
ritos, o uso das armas e sobretudo a linguagem, que constitui
seu maior instrumento educativo.
A educação dos povos primitivos pode dividir-se nas duas
grandes fases assinaladas como correspondentes às idades pré-
históricas : a do homem caçador e a do homem agricultor.
Nos povos caçadores, os procedimentos para a educação
ou, melhor, criação dos filhos, são muito frouxos, deixadas as
crianças em liberdade grande, que raia pela indisciplina. A
razão, segundo Paul B a r t h (4), é que ésses povos carecem da
disciplina imposta pela guerra. Os povos caçadores não conhe­
cem a guerra porque não possuem riquezas ou propriedades
que possam incitar ao ataque e ao roubo. Sem embargo, neles
se cultivam certas qualidades pessoais, particularmente destreza
física e resistência ou endurecimento à dor e ao tempo. Dado
o gênero de vida nômade que esses povos levavam, é mui
pouco provável que existisse entre eles ordem ou regime de vida
estável, que facilitasse a formação de hábitos morais e intelec­
tuais entre os jovens. Há, todavia, o fato surpreendente de
que nesse período primitivo, na idade paleolítica, é que se
realizam as pinturas e desenhos rupestres mais notáveis, como
os citados de Altamira, os quais deviam requerer séria apren­
dizagem, pois não é fácil levá-los a cabo espontaneamente.
Nos povos agricultores e pastores da época posterior, as
condições da vida e a educação mudam grandemente. Em pri­

(4 ) Paul B arth , Gescbichte der Erziehung, Leipzig, Reissland, 1911.


A educação nos povos prim itivos 15

meiro lugar, os trabalhos agrícolas e pastoris requerem ordem,


normalidade e estabilidade, que os grupos caçadores não têm.
A geração jovem tem de aprender os fenômenos meteorológicos,
o cultivo das plantas, o cuidado dos animais. Doutra parte,
por ocupar a mãe lugar mais importante na vida da família e
do clã, é de supor tivesse maior influência sobre os filhos.
Agora-existem habitações e povoados e aí se fazem obras de
cesteiro e oleiro para guardar os produtos da terra e cuja
técnica cumpre aprender. Se, como parece certo, há agora nes­
ses povos maior tendência para a guerra, esta imporia, na edu­
cação dos filhos, disciplina mais rigorosa e preparação para o
uso das armas, principalmente arco e lança. Em compensação,
é notável o fato de que a arte desse tempo decai em relação à
do anterior : faz-se mais esquemática e geométrica, talvez pelo
caráter mais utilitário da época e quiçá, também, por não
serem tão necessárias as representações mágicas da caça rea­
lizadas pela arte da idade anterior (e isso por causa das novas
armas e instrumentos fabricados pelo homem).
À parte essa educação espontânea, comum, há nos povos
primitivos uma forma de educação que constitui a chamada
iniciação dos efebos. Mediante ela os jovens recebem, longe
das famílias e dos clãs, em lugares separados, exercício muito
rigoroso para iniciá-los nos mistérios do clã e prepará-los para
as atividades guerreiras. K r i e c k assim descreve essa iniciação:
“Os meninos são tomados da família e da aldeia, reunidos em
grupos e submetidos durante semanas, em lugares solitários, em
montes e bosques, em cabanas ou em tendas construídas de
propósito, a todo um sistema de exercícios e provas. O sen­
tido mais profundo dessas práticas é a disciplina da alma, cura
anímica preparatória para o renascimento na iniciação; esta
serve para expulsão dos maus demônios e para aquisição do
caráter masculino. Os exercícios são danças, ascetismo, mor­
tificações que provocam estados anímicos e êxtases passageiros.
Mas também se praticam exercícios de toda classe com fina­
lidade racional: caçadas, exercícios de armas, corporais, de
desmonte e plantação. A direção de tudo isso pode ser con­
fiada ao chefe, a um mago sacerdote, ou também a um ancião
experimentado e distinto”. (®) T al iniciação termina com gran­
de cerimônia de ordenação, a que assistem todos os membros da

(5 ) E. K r ie c k , B osquejo d e la ciência de la educaciôn, Madrid, Revista


de Pedagogia, 1928.
16 A educação prim itiva

tribo e em que se submetem os moços a provas muito rigorosas


e duras, para demonstrar-lhes o grau de adestramento.
É também muito provável que nesse período houvesse um
começo de educação profissional, atinente, como se disse, a fer­
raria e ao fabrico de armas.
Vemos já aqui algumas das formas que mais tarde a edu­
cação nos povos civilizados há de adotar: de um lado, edu­
cação elementar na família; de outro, preparação profissional
e militar terminada numa espécie de graduação. Nada há
ainda, entretanto, de educação sistemática, intencional, em
instituições especializadas e com pessoal especializado.

3. A educação nos povos indo-americanos

Os povos aborígines da América ocupam, na história da


cultura e da educação, posição especial entre as sociedades pri­
mitivas e as civilizadas. Passaram, em geral, até o descobri­
mento, pelos mesmos períodos dos povos primitivos, isto é,
pelos de caçadores e agricultores; mas foram além, alcançando
grau cultural e social superior, sem chegar, todavia, ao dos
povos orientais.
Postas de lado as fases mais primitivas, reconhecem-se na
América pré-colombiana dois grandes centros de cultura, geo­
graficamente situados na zona mexicana e na peruana. Sua
história é muito emaranhada pela diversidade de raças e po­
vos. ((i). Admite-se geralmente, contudo, que dois povos ou
grupos humanos de caráter guerreiro, os astecas ao norte e os
incas ao sul, dominaram povos anteriores (maias, aimarás, etc.)
e deram então origem a uma civilização baseada no sistema de
classes sociais e à educação subseqüente.
Esses povos não conheceram, porém, elementos essenciais
de cilivização, como a escrita alfabética, o arado, a roda, o
ferro. Em compensação, tiveram muito desenvolvido o senso
arquitetônico, perceptível nas grandes construções de pedra,
templos, fortalezas, etc., e elevado senso escultórico, sobretudo
na zona mexicana.

(6 ) T oynbee re c o n h e c e q u a tro c iv iliz a ç õ e s a m e r ic a n a s : a m a ia , a iu c a t e c a ,


a m e x ic a n a c a a n d in a e , d e n t r o d e c a d a u m a , v á r ia s ra ç a s .
Povos indo-americanos 17

No campo social, já se notam nascimento de classes so­


ciais e organização de Estado. Segundo C a n a l s F r a u (7), nes­
sas culturas aparece pela primeira vez o Estado, o Estado po­
lítico, e, junto, a cidade, instituições ambas com base territo­
rial, e uma capital, que no Estado asteca era a cidade de Teno-
chtitlan e, no inca, Cuzco. O regime do Estado era despótico;
o soberano dispunha dos súditos a seu talante. As classes sociais
dominantes são a militar e a sacerdotal; ficava à parte a massa
do povo, organizada em gens ou classes. Nesse sentido, os po­
vos indo-americanos são povos civilizados.
Culturalmente, os astecas tiveram conhecimentos astronô­
micos muito desenvolvidos e, particularmente, calendário mui­
to complicado. A escrita, muito primitiva, era composta de
ideogramas e fonogramas. O cultivo do milho era a base da
agricultura, e a forma de propriedade foi comunitária. A re­
ligião tinha traços cruéis, como sacrifícios humanos, e os ho­
mens eram de caráter marcadamente guerreiro. Os rnaias fo­
ram de temperamento mais pacífico e de cultura muito avan­
çada; conheceram uma cronologia e tiveram também calen­
dário próprio.
A educação dos astecas, segundo Francisco L a r r o y o , ( 8)
tinha caráter marcadamente tradicionalista, com a mesma orien­
tação bélico-religiosa do povo. Até os 14 anos o menino era
educado no seio da família, por forma dura e austera, com
castigos muito severos. Ao terminar a educação doméstica,
começava a educação pública, dada pelo Estado em duas insti­
tuições : o calmélac e o telpochcalli (casa dos jovens). Na pri­
meira estavam os filhos de nobres; na segunda, os da classe
média. O resto da população não tinha acesso, num ou noutro.
No calmélac predominava a formação religiosa; no telpochcalli,
a guerreira. As meninas dos nobres recebiam educação num
anexo do templo, que constituía o calmélac feminino, onde
podiam permanecer toda a vida.
A educação era semelhante entre os incas, mas com algu­
mas variantes. Em primeiro lugar, existia menor diferenciação
de classes sociais, restando apenas o predomínio dos incas ou
nobres, de caráter militar e menos religioso que entre os aste-

(7 ) S. C an als F rau, P rehistoria de Am érica, Buenos Aires, Ed. Sudame-


ricana, 1950.
(8 ) Francisco L a r r o y o , H istoria com parada d e la educaciôn en M éxico,
México, Porrúa, 1947.
18 A educação prim itiva

cas. Ao que parece recebiam aqueleá educação em casas de


instrução (yacahuasi), dada pelos mautas, os quais não eram
propriamente sacerdotes. Ali aprendiam as artes da guerra e a
técnica de quipo, espécie de registro manual numérico (*), mais
os cantos e tradições da raça, até os 16 anos, quando entravam
na vida pública após experimentar iniciação especial. As jo­
vens nobres também eram educadas em casas especiais, por
anciãs que as iniciavam nas tarefas domésticas, na cerâmica, na
tecelagem e nas cerimônias religiosas.

( * ) A respeito do qu ipo como simbolismo do número, v. Paul G u i l l a u m e ,


M anual d e Psicologia, nova trad. port. de Lólio Lourenço de Oliveira e J . B.
Damasco Penna, vol. 60 destas “Atualidades Pedagógicas” , São Paulo, S.a ed-, 1967,
$ 170, fig. 123. (Nota dos trads.).
CA PÍTU LO III

A educação oriental

Antes de prosseguir no estudo da história da educação,


convém assinalar a diferença existente entre povos primitivos
e povos civilizados. Foi dito que aqueles carecem de cultura;
foram chamados de selvagens ou bárbaros, e foram, assim,
confundidas cultura e civilização. Na realidade, todos os po­
vos, por primitivos que sejam, têm uma ou outra forma de cul­
tura, tendo-se por cultura o conjunto de instituições e produtos
humanos, como família, clã, linguagem, usos e costumes, uten­
sílios, armas, etc. Em compensação, para chegar ao grau da
civilização requere-se alguma forma de organização política,
Estado ou cidade, que ultrapasse a vida do clã ou da tribo.
Somente algumas sociedades ou povos primitivos chegam a essa
organização superior. Segundo o historiador Arnold J. T o y n -
b e e , das centenas de sociedades primitivas conhecidas, só vinte
e uma alcançaram o grau da civilização. (J)
Entre as primeiras sociedades civilizadas figuram os povos
chamados orientais, como China, índia, Egito, Palestina, etc.,
os quais, ainda que com caracteres peculiares, apresentam cer­
tos traços comuns. Têm, em primeiro lugar, uma organização
política, um Estado, com chefe supremo único e administração
pública. Depois, têm também classes sociais diferenciadas, co­
mo as de guerreiros, sacerdotes e a massa do povo trabalhador.
Depois ainda, neles surge a escrita, que fixa o saber, e uma
classe especial encarregada de seu cultivo, a dos letrados, ora
chamados escribas, como no Egito, ora mandarins, como na
China, ora brâmanes, como na Índia. Essa classe social tem
a seu cargo, juntamente com certas funções culturais e reli­

(1 ) T o yn bee, E stúdio d e la H istoria.


20 A educação oriental

giosas, a administração e o governo, e chega a ter tanto poder


como as outras, ou ainda mais. Finalmente, esses povos pos­
suem grandes personalidades espirituais, como B u d a , C o n f ú -
c i o ou M o i s é s , que lhes inspiram a vida e dão lugar a uma
cultura religiosa. Essas características reclamam a organização
de uma educação sistemática, intencional; e assim surgem as
escolas e os mestres e, em algumas épocas, instrução pública
organizada.

1. A educação chinesa

O povo chinês é um dos mais antigos e cultos da história.


Posto a origem seja bem incerta, compreende sua história três
grandes períodos: o primitivo, arcaico, de caráter agrícola e
matriarcal, chega aproximadamente até o século xxm a. C.;
o feudal, de caráter guerreiro e patriarcal, alcança o século v
a. C., e o imperial, dos funcionários mandarins, que chega ao
nosso século e é substituído pela forma republicana de go­
verno.
A cada um desses períodos corresponde unia forma deter­
minada de educação, como veremos. Mas a educação chinesa
esteve quiçá mais unida à cultura que à vida política; nessa
cultura existe grande continuidade e elevado grau de desen­
volvimento, e ela foi, com efeito, uma das mais notáveis e refi­
nadas do mundo antigo. Nela sobressaíram moral muito hu­
mana; grande atenção à civilidade e boas maneiras; fina
sensibilidade para com a natureza; arquitetura, pintura e ce­
râmica de grande beleza; poesia lírica de alta perfeição, e
grandes invenções técnicas, como a pólvora e a imprensa, co­
nhecidas antes que na Europa.
A cultura chinesa permaneceu, todavia, estacionária du­
rante largos séculos, por causa talvez de seu isolamento do
resto do mundo e de sua peculiaridade ideológica. Como diz
F. E. A. K r a u s e : “Por muito que o quadro polítiço haja mu­
dado nos diversos períodos, o certo é que a forma da cultura
não sofreu modificação fundamental. Essa base imutável dos
bens culturais dá à história da China seu caráter estacioná­
rio”. f )

(2 ) F. E. A. K r a u s f : “Historia dei Asia Oriental", em Historia Universal,


de W altcr G o e t z , v o l. i, Madrid, Espasa-Calpe.
A educação chinesa 21

Socialmente, a base da vida chinesa é constituída pela


família. Na época primitiva, matriarcal, a mãe era natural­
mente o chefe; na feudal, guerreira, foi o pai, como até hoje.
O próprio Imperador aparece como o pai de todos e, por sua
vez, como Filho do Céu. A essa constituição familial une-se
o culto dos antepassados, quase que a única forma de vida
religiosa chinesa.
A educação no período agrícola era determinada pelo re­
gime matriarcal; arcava, então, a mãe, com o peso do tra­
balho e da educação dos filhos; iniciava-os nas fainas agrí­
colas e nas tarefas domésticas. Como diz Mareei G r a n e t : “A
casa camponesa era (e, ao cabo, continua sendo) coisa de mu­
lher. O homem mal ingressava nela; o mobiliário era dote
da mulher. Primitivamente, a própria aldeia pertencia às mu­
lheres; a divindade que a protegia se chamava a “mãe do
lugarejo”. (3)
No período dos príncipes feudais, a educação se fazia, até
os sete anos, na casa paterna : depois o educando passava a
viver com um nobre que lhe ensinava as artes da guerra e as
maneiras da paz. Segundo o mesmo G r a n e t : “Em teoria de­
viam permanecer nessa escola até os 20 anos e exercitar-se em
dançar, atirar com arco e conduzir um carro. A tradição pre­
tende que desde os tempos feudais os jovens nobres se reuniam
junto do príncipe numa espécie de escola de pajens. As crô­
nicas parecem mostrar, ao contrário, que a adolescência se pas­
sava com os parentes maternos. A educação do adolescente
terminava nos ritos da iniciação, com a tomada do barrete, que
facilitava a entrada na vida pública. As filhas dos nobres são
também de começo educadas na casa materna, mas depois pas­
sam a viver com uma família estranha. Ensinam-se-lhes artes
domésticas, especialmente tecer e fiar e são mui recolhidas até
a época do matrimônio”.
Na época imperial o rumo da educação chinesa muda ra­
dicalmente. Ao constituir-se um Estado forte e unitário, era
necessário houvesse funcionários encarregados da administra­
ção : tais são os mandarins, que alcançam influência consi­
derável na vida pública e requerem educação especial para ela.
Na educação chinesa, a partir da época imperial, interveio
ademais fator novo, a doutrina de C o n f ú c i o (551-479). Foi
(3 ) M. G r a n e t , L a civilhation chinoise, Paris, La Renaissance du livre, 1939.
[Há tradução espanhola].
22 A educação oriental

ele, mais que teólogo, pensador e reformador. Sua influência


pessoal foi muito grande; mas ainda maior foi a de seus escri­
tos. Suas idéias são de caráter muito humano, e regulavam
todos os pormenores da vida, que tratava de levar à maior
elevação e perfeição possível. Influiu muito, igualmente, na
vida política, não apenas de seu tempo, mas dos séculos poste­
riores. Tinha grande confiança na obra da educação, como
revelam estas suas palavras: “Amar uma virtude, seja qual
for, sem querer instruir-se, mais não faz que aumentar um de­
feito”. “Os homens diferem menos pela compleição natural
que pela cultura que alcançam”. “Só não mudam os sábios
de primeira ordem e os piores idiotas”.
Ainda que C o n fú cio tenha escrito numerosas obras, não
se tem certeza quanto às que se lhe atribuem, nem quanto ao
conteúdo delas, o qual foi muito trabalhado por seus discí­
pulos. Citam-se como seus, sem embargo, os cinco grandes
king (livros), a saber : Livra dos Versos, Livro da História,
Livro dos Ritos, Livro da Adivinhação e Crônica de Lou (sua
pátria). Todos, e alguns mais a ele atribuídos, mas escritos
vários séculos após, constituem os textos que têm orientado a
educação chinesa até nossos dias.
Anterior a C o n f ú c i o foi o sábio L a o - T s e u (século vi a. C.,)
chamado “o mestre”, fundador do taoismo, espécie de misti­
cismo natural, que harmonizava o homem com a natureza e
recomendava o quietismo, ou mínima intervenção nos negócios
humanos, pois o homem é naturalmente bom. Recomendava
a volta à natureza e o abandono dos artifícios da civilização.
Rejeitava a educação do povo, a aprendizagem de conhecimen­
tos mundanos e o afã de reformas. (4) Nesta matéria, porém,
o taoismo foi superado pelo confucionismo.
Nessa época imperial fica constituída a educação chinesa,
dividida em dois grandes setores : a da massa do povo e a
dos funcionários mandarins; aquela, de caráter elementar e
esta, de tipo superior. A primeira era dada no lar ou por
mestres em escolas particulares, por vezes subvencionadas com
fundos públicos. Limitava-se à aprendizagem do complicado
alfabeto chinês, de milhares de caracteres, a exigir pelo menos
quatro ou cinco anos de estudos. Junta-se a isso o ensino de
certos preceitos de C o n f ú c i o e algumas matérias práticas, como

(4 ) Ralph T u r n e r , L as grandes culturas de ia hum anidad, México, Fondo


de Cultura Econômica, 1948.
A educação hindu 23

aritmética e agronomia. O método empregado era essencial­


mente mecânico — a aprendizagem de cor dos caracteres e dos
preceitos. Disciplina, mui rigorosa, empregados freqüentemen­
te duros castigos corporais. Atendia-se também, contudo, à
formação das boas maneiras, da urbanidade, conforme ritual
mui preciso e prolixo.
A educação no grau superior era constituída pela prepa­
ração para os exames dos mandarins. Cumpre advertir que,
diferentemente dos mais povos orientais, a educação chinesa era,
nesse sentido, muito democrática, já que aos cargos diretivos
do governo e da administração podiam aspirar todos os habi­
tantes, desde que aprovados nos exames correspondentes. Esses
exames eram muito complicados e estavam organizados em vá­
rios graus, segundo a categoria dos cargos aos quais se aspirava,
e eram feitos em diversas fases, das mais fáceis às mais difíceis.
Seu principal conteúdo eram as idéias e preceitos morais, jurí­
dicos e históricos dos livros de C o n fú cio ; e realizavam-se com
trabalhos escritos em prosa e em verso, sempre dentro, porém,
da mais estrita ortodoxia, isto é, pela reprodução literal das
idéias confucianas tradicionais.
Não houve na China sistema organizado de educação pú­
blica, nem escolas superiores ou universidades onde se pudesse
ensinar e investigar livremente. Daí permanecer a cultura chi­
nesa estacionária durante tantos séculos, sem possibilidade de
um desenvolvimento científico. Por isso, dizia H e g e l há mais
de um século: “A falta de liberdade interna, a falta de inte-
rioridade é também o sinal distintivo da ciência chinesa. Não
existe ciência livre e liberal. Os chineses não cultivam as ciên­
cias por interesse científico. Elas são fins do Estado e entram
na administração do Estado, que tudo determina”. (5) Vale
dizer que defrontamos um Estado totalitário. Mas, ao mesmo
tempo, um Estado regido por “letrados”, não por guerreiros
ou sacerdotes, como nos demais povos orientais.

2. A educação hindu
A sociedade da índia era constituída essencialmente por
três núcleos de povoadores: os aborígines, assentados nos va­
les do Indo e do Ganges; os drávidas, de origem asiática, e os

(5 ) H e g e l ,, F ilosofia d e la historia universal, Buenos Aires, Revista de


Occidente Argentina, 1946.
24 A educação oriental

árias, de origem européia. Aqueles haviam já alcançado cer­


to grau de cultura, de caráter agrícola e matriarcal, quando
chegaram os cavaleiros árias, nômades, por volta de 1 500 a. C.
Essa invasão deu lugar à principal característica da sociedade
e da cultura hindus: a formação de castas fechadas.
O sistema formava uma como pirâmide social integrada por
quatro castas principais: no ápice, os brâmanes ou sacer­
dotes; depois, os xátrias ou guerreiros nobres; os vaixás (ou
vaixiás) ou agricultores ou comerciantes e os sudras, dedicados
aos trabalhos mais humildes. As três primeiras correspondem
aos árias ou homens livres; a última, à massa de povoadores
aborígines ou asiáticos, todas rigorosamente separadas e enco-
municáveis, especialmente a última.
A educação se acomoda, como é natural, ao tipo e jerar-
quia das castas. Nas inferiores reduzia-se à educação puramente
familial, como nas sociedades primitivas, isto é, à participação
nos afazeres agrícola? e domésticos. A dos brâmanes, ao con­
trário, desfrutava educação superior, que lhe servia de susten-
táculo. Como diz Alfred W eb er : “Esse sistema dos brâmanes
que configurou o país inteiro, era o de uma classe senhorial
que aparentemente não aspirava de modo algum ao poder;
pois essa classe imperante se apóia em esmerada educação lite­
rária da juventude. Essa educação consiste em versar conhe­
cimento regular pela vida inteira e na fundação da família
para a propagação da casta”. (e)
A cultura da índia está compendiada nos quatro textos
chamados Vedas, coleções do saber tradicional, de caráter reli­
gioso e que de começo eram transmitidos oralmente. Juntam-
se-lhes outros, como os Braamanas, comentários rituais, e Upa-
nichades, de caráter metafísico. Orientarão eles a educação da
juventude dos árias, como a Ilíada fez depois com a dos gregos.
Essa educação dos indo-europeus era feita na família até
os sete anos, quando a criança era admitida como noviça ou
escolar por um mestre (upanayana); com éle permanecia até
os dozes anos, e então recebia o cordão sagrado, que a investia
em homem livre; isso constituía como um segundo nas­
cimento. Durante esse tempo aprendia o g a i a t r i que ser­
via de iniciação aos Vedas, e que constituirá o alimento espi­
ritual dado no curso do ensino. Segundo M asson -O ursel :

(6 ) A. W eber, H istoria d e la cultura, México, Fondo de Cultura Econô­


mica, 1941.
A educação hindu 25

“Teoricamente devem-se contar doze anos de aprendizagem pa­


ra cada Veda ou, seja, o total de quarenta e oito anos; mas
parece que nem mesmo os destinados ao sacerdócio comple­
tavam esse tempo. Ritos especiais liberavam o jovem de seu
período estudantil e o introduziam no mundo”. (T)
Posto não houvesse regime escolar sistemático na educação
hindu, reconhecia-se o valor da educação. O Código de Manu,
escrito posteriormente aos Vedas, diz a esse respeito : “Quem
transmite o conhecimento sagrado dos Vedas é um pai mais
digno de veneração do que quem apenas dá o ser, porque o
segundo nascimento, ou nascimento em Deus, não só assegura
nova existência neste mundo, mas ainda a vida eterna no
futuro”.
A educação era, em geral, confiada, nas castas não bramâ-
nicas, a mestres ambulantes, que ensinavam em lugares impro­
visados ao ar livre; e reduzia-se a leitura e escrita, mais fá­
bulas e canções tradicionais. Na casta bramânica, o mestre
era um brâmane, com quem os alunos viviam como apren­
dizes e que, quando de grande autoridade, a ele lhe vinham
de toda parte, como os “estudantes viajores” da Idade Média.
Quanto aos métodos de ensino, diz o citado Código de
Manu : “Ao aluno deve dar-se boa instrução, sem impressões
desagradáveis e um professor que preza a virtude deve usar
palavras doces e delicadas. Quando um aluno comete falta,
o professor deve castigá-lo com palavras duras e ameaçá-lo de
pancada na reincidência”.
Poderosa influência na cultura e na educação hindu foi a
de G a u t a m a B u d a (560-480 a. C.), de origem nobre, que com
suas doutrinas e pregações religiosas modificou a vida de seu
país e dos países limítrofes, posto sofresse depois obscurecimento.
Sua doutrina se encerra nas quatro “nobres verdades”, que são:
l .a) Tudo que existe está sujeito ao sofrimento. 2.a) A ori­
gem de todo sofrimento reside nos desejos humanos. 3.a) A
supressão dos pesares decorre da dos desejos. 4.a) A vida que
conduz a essa supressão é a “nobre senda” óctupla: bom juízo,
boa aspiração, bom falar, boa conduta, boa vida, bom esforço,
boa atenção e boa concentração. Isso leva ao nirvana, que
não é a total extinção do desejo, mas a extinção dos desejos
fúteis, personalistas, desvaliosos.

(7 ) P. M a s so n -O u r s e l , V in d e an tiqu e et Ia civilisation inâienne, Paris,


La Renaissance du Livre, 1933.
26 A educação oriental

A educação nascida do budismo era diferente da do bra-


manismo, no sentido de que era mais espiritual, mais íntima,
e, de certo modo, mais passiva, de renúncia aos bens terrenos.
Deu também, todavia, lugar a uma classe sacerdotal muito po­
derosa, que igualmente recebia educação teológica especial em
comunidades e conventos.
O maior valor da educação hindu, segundo Rarl S c h m i d t ,
é a valorização e apreciação do mestre : “O reconhecimento da
importância e elevação do magistério encontrou apogeu na
índia. A devoção do aluno ao mestre não se desenvolveu em
nenhuma parte do mundo de modo tão sistemático e intenso
como na Ín d ia.. . No país da interioridade, do espírito e da
fábula no longínquo Oriente, mostrou-se à humanidade o ele­
vado valor do mestre". (8)

3. A educação egípcia

A história da educação está condicionada no Egito, como


em todos os povos, pela estrutra social e cultural, e ainda
pelas especiais circunstâncias geográficas. O Egito está encra­
vado, como se sabe, no estreito e extenso vale do Nilo, rodeado
de desertos e do mar. Ali se desenrolou, desde a época pré-his­
tórica, de forma homogênea e contínua, civilização que durou
mais de 4.000 anos, isto é, o dobro de nossa civilização cristã.
A posição geográfica obrigou os habitantes a contínuos tra­
balhos para aproveitar as águas do Nilo, sua principal fonte
de riqueza.
Na organização política predominou o poder absoluto dos
reis (Faraós), em quem o Estado se encarnava. De seu poder
e riqueza dizem a magnitude das Pirâmides, seus túmulos. Jun­
to ao rei havia considerável número de funcionários, ou escribas,
que administravam o país e o alçaram a elevado grau de pros­
peridade. Havia ainda os sacerdotes, seculares na maior parte,
mas que exerceram grande influência. Finalmente o exército,
composto principalmente de camponeses e estrangeiros e que
não teve tanta influência como alhures. Além dessas três clas­
ses sociais (funcionários, sacerdotes e militares), havia a popu­
lação trabalhadora, lavradores, comerciantes e operários, que

( 8) KarI Sch m id t , Geschichte der P àdagogik, vol. i.


A educação egípcia 27

quase não tinham direitos políticos. O indivíduo, como tal,


mal era reconhecido no Egito; tudo estava subordinado ao
Estado.
O fator decisivo na cultura egípcia é o religioso. Como
diz A. M o r e t ; “No governo, como nos costumes, a sociedade
egípcia, anacrônica ante Grécia e Roma, permanece até o fim
na fase em que predomina o s a g r a d o E o mesmo autor cita
um escrito egípcio no qual se afirma : “O Egito é a imagem
do céu, o templo do Mundo, a sede das religiões”. (9)
A cultura egípcia teve evolução através de muitos séculos,
como se disse. Num de seus períodos chegaram a predominar
dois deuses: Ra e Osíris: aquele, da realeza; este, do povo.
Entraram em conflito mas acabaram por conciliar-se. Fruto
da conciliação é o chamado Livro dos Mortos, que dominou
a vida religiosa egípcia durante 2.000 anos. A idéia da morte
ou, melhor, da outra vida, preocupou grandemente os egípcios,
como o demonstram os templos, as pirâmides e o embalsama-
mento dos mortos (múmias).
Sobressaíram os egípcios em todas as artes práticas, como
a engenharia, a agricultura etc., mas também se distinguíram
nas ciências, especialmente nas matemáticas, na medicina, na
astronomia. Cultivaram ainda com grande êxito as belas artes,
como o demonstram a magnífica arquitetura, escultura e pin­
tura dos templos e catacumbas.
Dessa cultura diz W o r r i n g e r (10) que “posto exista uma
ciência egípcia, não existe formação ou educação cultural egíp­
cia. A sabedoria egípcia é o domínio das fórmulas, não o afã
do saber pelo saber. Quer se trate de ciência matemática, quer
se trate de ciência médica, a doutrina se detém no momento
em que termina a aplicação prática. Só fica a técnica do apro­
veitamento prático e imediato e, não, um desinteressado empe­
nho de saber”. Era, pois, cultura utilitária. O mesmo se obser­
va quanto à moral, que apenas constituía uma série de "con­
selhos” práticos e elementares.
No Livro dos Mortos, do escriba real H u m e f e r , conser­
vado num papiro do século xin a. C., exprime-se o caráter da
moralidade egípcia ao falar da confissão que o morto há de

(9 ) A. M o ret, L e N il et la civtlisation égyptienne, Paris, La Renaissance


du Livre.
(10) G. W o r r in g e r , E l arte egípcio, Revista de Occidente Argentina, Buenos
Aires, 1947.
28 A educação oriental

prestar, na qual afirma : “Nada fiz de mal. Não deixei nin­


guém morrer de fome. Não matei ninguém. Não mandei ma­
tar ninguém. Não fiz mal a ninguém. Não diminuí os sacri­
fícios e as oferendas ao templo. Não cometi adultério. Não
aumentei nem reduzi a medida do trigo. Não alterei os pesos
da balança. Não tirei as ovelhas dos pastos. Não impedi ne­
nhuma procissão de nenhum deus” (u ).
A educação estava intimamente relacionada com a religião
e a cultura; e chegou a alcançar grande desenvolvimento. As
crianças recebiam a primeira educação na família, monógama
na massa do povo, polígama nas classes superiores. Os pais
cuidavam com grande carinho dos filhos. Na Doutrina da Sa­
bedoria, atribuída a P t a h o t e p , vizir da V dinastia (2680-2540
a. C.), assim se aconselhava ao p a i: “Se és homem sábio, edu­
ca teu filho para a virtude; se te obedece, se te acompanha,
se trata de teu bem-estar, mostrar-lhe-ás todo afeto. Mas ainda
o filho desobediente é rebento teu; não o prives do coração
amoroso; continua sendo para ele pai e conselheiro amável”.
Juntamente com esse cuidado, submetiam-se os meninos a rigo­
rosa obediência e disciplina.
Aos seis ou sete anos iam os meninos para a escola, a prin
cípio reservada apenas aos filhos das classes superiores, mas
depois generalizada, dividida em duas classes: as escolas ele­
mentares para o povo, e as superiores ou eruditas para os fi­
lhos dos funcionários.
Nas elementares ensinava-se a ler, escrever e contar, e se­
gundo P l a t ã o a grande massa do povo conhecia essas técnicas.
Além disso, ensinavam-se rudimentos de geometria e certos
exercícios ginásticos.
A instrução mais importante era dada nas escolas superio­
res, que estavam nos templos e recolhiam os alunos até os 17
anos. Freqüentavam-nas os destinados aos cargos de escribas e a
outras funções do Estado. Eram abertas a todas as classes so­
ciais, mas eram freqüentadas preferentemente pelos filhos das
classes superiores. Nelas se ensinavam todas as técnicas e artes
necessárias à vida do país, assim como as normas da adminis­
tração. Os alunos aprendiam a complicada escrita hieroglífica
e a hierática, compostas de centenas de sinais. Como livro de
leitura empregou-se, entre outros, a citada Doutrina de P t a -

(1 1 ) G. S t e in d o r f , “Historia de Egipto”, em H istoria universal de W alter


G o e t z , vol. i.
A educação hebraica 29

h otep , que pode ser considerado como o primeiro livro escolar


conhecido. Os alunos escreviam também composições conforme
dados modelos que deviam copiar.
Juntamente com o ensino da escrita, das técnicas da astro­
nomia, das matemáticas e da agricultura, cultivaram-se nessas
escolas a música, a poesia e a dança, assim como as artes plás­
ticas, arquitetura, pintura e escultura. Parece que essas esco­
las funcionavam como internato.
Como a religião ocupou lugar tão preeminente na vida
egípcia, assim também foi na educação, e tanto que da edu­
cação se encarregaram os sacerdotes.
Em suma : a cultura egípcia teve grande desenvolvimento
e serviu de inspiração a outras, como a grega e, em parte,
a cristã primitiva.

4. A educação hebraica

Se o povo hebreu não teve significação política tão grande


quanto a dos povos anteriores, teve, em troca, missão da maior
relevância histórica, no constituir a base para a criação de duas
religiões, uma nacional, o judaísmo, e outra de caráter uni­
versal, o cristianismo. Em essência, o povo hebreu foi mais
que religioso, foi teocrático, já que foi governado e orientado
por patriarcas, sacerdotes, rabinos e profetas. Isto, mais que a
significação racial, é o que lhe deu o caráter e permanência
através da história.
Seu território era estreita faixa de área escassa, mas que
serviu de passagem para Oriente e Ocidente, Norte e Sul, cons­
tituindo encruzilhada, o que lhe valeu ser conquistado e des­
truído repetidas vezes por outros povos. Os hebreus primitivos
eram criadores e pastores, e nômades antes da chegada a esse
território, que fora ocupado por outros povos (entre eles os
filisteus) e a eles conquistado. Depois, como diz A. W e b e r :
“Conseguiram estabelecer-se nesse território e levar a cabo o
essencial de seu destino, em rápidos acontecimentos durante o
não largo tempo que vai aproximadamente de 1 200 a 586 (des­
truição de Jerusalém) e em pinturesco cenário, brilhantemente
iluminado por seus próprios relatos. Naquele tempo houve
peculiares individualidades que assentaram as bases da ação
30 A educação oriental

cultural e sobretudo religiosa e desenvolveram a parte mais


importante de seu influxo espiritual no mundo”. (12)
Na primeira parte de sua vida, em época anterior ao des­
terro no Egito, o regime social era puramente patriarcal, com
chefes como A b raão , Is a a c e Ja c o b . A base da vida era a fa­
mília, de caráter poligâmico, com marcado predomínio do
homem. A educação era simplesmente doméstica e familial,
sob a direção do pai, que tinha, sobre os filhos, direito de vida e
morte. Nesse povo de pastores a disciplina era muito
rigorosa e até cruel, segundo mostra a leitura do Antigo Tes­
tamento.
A volta do desterro muda o caráter do povo e a educação.
Aquele tem já um chefe meio religioso, meio político, M oisés,
um livro e uma lei a que obedecer. O povo nômade, sem deixar
de ser pastor, faz-se sedentário e agricultor. A vida de família
está mais regulada, como, em geral, o mais da existência. A
educação também se orienta pelo livro da lei, o Decálogo, que
cumpre ensinar e transmitir às gerações jovens. Por outro la­
do, o contacto com civilização mais desenvolvida, a egípcia,
dá ao povo hebreu maior sensibilidade para a cultura. Por
essa época, provavelmente, começa também o emprego da escri­
ta e a necessidade de sua aprendizagem: “Samuel recitou logo
ao povo a lei do reino e a escreveu num livro, que guardou
diante de Jeová” (Samuel, 1, 10, 25), e no Deuteronômio está :
“E estas palavras que te mando estarão em teu coração. E as
escreverás nos umbrais de tua casa e em tuas portadas” (VI,
6, 9). O pai era o mestre natural dos filhos; e não se tem
notícia de que houvesse escolas nesse tempo.
Mais tarde, depois da volta do cativeiro na Babilônia e
também após o contacto com um povo de alta cultura, desen-
volve-se educação de caráter superior para preparação dos pe­
ritos em leis e em escritura, aqueles para interpretação jurídica
dos livros sagrados, estes para a religiosa, dando lugar à for­
mação dos rabinos, que são também depois os mestres ou pro­
fessores desse povo. Nessa época, Isaías, Jerem ias, D a n ie l e
E zeq u iel são já os profetas, os inspiradores da educação e da
cultura hebréias, as quais então se universalizam, ao mesmo
tempo que se individualizam. Criam-se escolas especiais para
os rabinos, relacionadas com os sinedrins e as sinagogas. Só no

(12) A. W eber , H istoria de la cultura.


A educação hebraica 31

século i d a era cristã, por iniciativa do sumo sacerdote Jo sé


ben G a m a la , com eçaram a criar-se escolas elementares (Beth
ha Sopher) para crianças até 14 anos. O Talmud, o livro reli­
gioso hebreu, regula a vida dessas escolas.
O Livro dos Provérbios, que é um manual de educação
moral e codifica em aforismos a sabedoria tradicional do meio
cultural dos escribas reais de Judá e de Israel (século x a
vn a. C.) contém uma série de preceitos de educação muito
significativos. Assinai, ali se diz: “Filho meu, se tomares minhas
palavras e meus pensamentos guardares dentro de ti, tendo o
ouvido atento à sabedoria, se inclinares teu coração à prudên­
cia, se clamares pela inteligência e à prudência deres tua voz;
se a buscares como à prata e a esquadrinhares como a tesou­
ros, então entenderás o temor de Jeová” (II, 1-5). “Não re­
jeites, filho meu, o castigo de Jeová, nem te fatigues de sua
correção; porque ele castiga ao que ama, como o pai ao filho
querido” (III, 11-12). “Guarda, filho meu, o mandamento de
teus pais e não deixes o ensinamento de tua mãe” (VI, 20-21).
“O que demora o castigo, a seu filho aborrece; mas aquele que
o ama, madruga no castigá-lo” (XIII, 24). “Melhor é adqui­
rir sabedoria que ouro precioso; e adquirir inteligência vale
mais que a prata” (XVI, 16). “Encaminha o menino em sua
trilha; e ainda quando velho não se apartará dela” (XXII, 6).
“Não recuses a correção; porque se o fizeres com vara, não
morrerá. T u o ferirás com vara, e livrarás sua alma do infer­
no” (XX III, 13-14). "Corrige teu filho, e ele te dará descanso
e dará deleite à tua alma” (XX IX , 17). (13)
A escola popular e a erudita marchavam paralelamente :
ambas alcançaram no século H da era cristã desenvolvimento e
organização completos. “Assim a juventude é instruída du­
rante dez anos (dos 8 aos 18 anos) na Tora e no Talmud;
assim também o adulto consagra dois dias por semana à con­
centração nestas duas fontes da piedade e sabedoria judias.
Isso teve, naturalmente, a maior significação para o desenvol­
vimento do caráter judeu. Recebia ele educação mui unila­
teral da memória. O piedoso será reconhecido pela posse do
maior número possível de partes do Talmud. Na escola o
mestre lê e explica os trechos em voz alta e faz com que os
alunos os aprendam de memória. É evidente que esse cultivo

(13) Provérbios. Versão de C. de Reina, revista por Cipriano de Valera.


32 A educação oriental

unilateral da memória era à custa de outras faculdades inte­


lectuais. De um lado, rouba-se tempo para outros trabalhos;
de outro, a sobrecarga de tal saber procedente das opiniões dos
antepassados atua prejudicialmente sobre a indagação e refle­
xão autônomas. E a própria investigação recebe forma e con­
teúdo do Talmud”. (u)
O significado da educação hebréia é, como se vê, funda­
mentalmente religioso. Nisso se encontram sua força e sua de­
bilidade. Força, porque deu a esse povo unidade e permanência
que não tiveram os anteriores; debilidade, porque lhe fechou
o horizonte para outras atividades e manifestações da vida e
da cultura, embora depois nela se destacassem, individualmente,
membros seus. Quanto aos métodos de ensino, não se desta­
caram particularmente os hebreus, já que, como se viu, os seus
eram baseados, como em todos os povos orientais, na apren­
dizagem de memória mecânica.

(14) M e in h o l d , Geschichte des jüdisches Volkes, citado por K r ie c k , em


Bildungssysteme der K ulturvõlker, Leipzig, Quelle u. Meyer.
CAPÍTULO IV

A educação grega

Principia, com a Grécia, nova era na história da huma­


nidade, a era de nossa cultura ocidental. Enquanto a dos po­
vos anteriores só influiu indiretamente nela, a cultura grega
é sua genitora direta. Dela derivam, em grande parte, nossa
educação e nossa pedagogia.
Não é fácil indicar em simples linhas os traços caracterís­
ticos da cultura grega; mas, ainda com risco de simplificá-los,
podemos dizer que são os seguintes: ./
1.°) O descobrimento do valor humano, do homem em
si, da personalidade, independentemente de toda
. autgjjdade religiosa ou política, /?' r ,1 >•
2.°) O reconhecimento da razão autônoma, da inteligên-,
t t cia crítica, libertada de dogmas ou considerações
extfínsecas»
3 A criação da ordem, da lei, do cosmos, tanto na
, V ^natureza como na humanidadp. / í » ' 3 |V/
{ ^ '—O ' --'Y?CÁ/vA C ^ \ J J
V 4.°) A criação da vid<a) cidadã,Alo EstadoAjda apganiz^ção

"'/ • 5.°) A criação da liberdade individual e política dentro


, M -& da lei e do Estado.A ■ * a* ' '
vS' 6 .°) A In venção daf[ poesia épicaT^da história, da litera­
tura dram ática. tía filosofia e das ciências físicas.

7 .°) O reconhecim ento do valor decisivo da educação tia


vida social e individual. ^
34 \ A educação grega

8.°) A consideração) da educação humana em sua inte­


gridade : física, intelectual, /éüõPj e JgteficãTrr)
9.°) O princípio de competição «/seit^ í\ l0s mtílKOÍ?
/ • 1 1 w 1.... i - . j!—- . - • - " l c '1 n *
/ na vida e na educaçao. ■■ -i
c— o '( 9^ ' ^ '- '- -> r<c.._ V 'C L o -
Tudo isso e muito mais criou o povo grego em alguns
séculos, embora sua influência durasse muito mais na história.
Ao passo que nos povos orientais o desenvolvimento cultural
foi lento e vacilante, realizou-se no povo grego como um re­
lâmpago que iluminou toda a história humana.
Na história da educação grega podem-se distinguir quatro
períodos essenciais :
1.°) A educação heróica, cavalheiresca, representada pelos poemas
homéricos.
2.°) A educação cívica, representada por Atenas e Esparta.
3.°) A educação clássica, humanista, representada por Só c r a t e s , P l a ­
tã o e A r is t ó t e l e s .
4.°) A educação helenística, enciclopédica, representada pela cultura
alexandrina.

1. A educação heróica ou cavalheiresca

A história da Grécia começa aproximadamente no terceiro


milênio antes de Cristo com uma cultura mediterrânea cha­
mada cretense ou minóica, que chega a alcançar alto grau de
desenvolvimento. Desde o século xvii a. C. começam invasões
de povos árias, os aqueus, procedentes do centro da Europa,
que assimilam a civilização minóica*. Depois, no século x i i ,
ocorrem as invasões dos dórios, também centro-europeus, que a
destroem, tal como mais tarde os bárbaros ao invadir o Impé­
rio Romano. Desde aquela época a cultura grega sofre co­
lapso, até o século ix a. C., quando ressurge renovada, e cons­
titui a autêntica civilização helênica.
A sociedade helênica primitiva era aristocrática, baseada
nos feitos bélicos. Os nobres ou guerreiros mais destacados
alcançavam a dignidade da realeza, embora os reis não fos­
sem mais que os primeiros entre os seus pares. Estes consti­
tuíam uma espécie de conselho, no qual se debatiam as ques­
tões de paz e guerra. Com èles viviam os jovens nobres, na
A educação heróica 35

qualidade de familiares ou pajens. Abaixo, a massa do povo


formada pelos trabalhadores manuais e os labregos na condi­
ção de servos ou escravos. A família era de caráter patriarcal.
O ideal da educação dessa época está, como sempre, em
consonância com os ideais e as aspirações da sociedade; e, pois
que se tratava de tempos heróicos e guerreiros, teria a edu­
cação o mesmo caráter. Assim vem expresso nas obras funda­
mentais do período, Iliada e Odisséia, escritas por volta do
seculo vm a. C. (a Odisséia mais tarde), ainda que reflitam
uma sociedade anterior em luta com a cretense ou minóica.
H o m e r o foi chamado por P l a t ã o “ o educador da Hélade”. (x)
Essa educação heróica ou cavalheiresca baseava-se essen­
cialmente no conceito da honra e do valor, no espírito de luta
e sacrifício, assim como na capacidade e excelência pessoais.
Tudo se exprime na idéia da aretê, que significa nessa época,
segundo Werner J a g e r , “ o mais alto ideal cavalheiresco, uni­
do a uma conduta seleta e palaciana”. (2)
Outro traço essencial é o espírito de emulação, o desejo
de sobressair, de figurar entre os primeiros, de ser superior,
uma espécie de competição desportiva. Di-lo Nestor, na Iliada:
“Ser sempre o melhor e distinguir-se dentre os demais”. Esse
o ideal agonistico.
Caráter essencial da educação helênica dessa época, e das
seguintes, é a atenção à totalidade da pessoa. Assim está sinte-
ticamente expresso na Iliada, nas palavras de Fênix, o edu­
cador de Aquiles, ao recordar-lhe que o educou “para ambas
as coisas, pronunciar discursos e realizar ações”; isto é, para
falar nos conselhos, intervir na política e fazer a guerra.
Conforme com esses ideais, a educação do jovem guerrei­
ro constava de duas partes essenciais. Em primeiro lugar, exer­
citava-se no manejo das armas, do arco e flecha e praticava
diversos jogos e esportes cavalheirescos; vale dizer que se lhe
dava educação física completa. Ensinavam-se-lhe, ao mesmo
tempo, porém, as artes musicais (canto, lira, dança) e a ora­
tória. Finalmente, cultivava-se nele o dom da cortesia, das
boas maneiras, assim como engenho e astúcia para sair de
aperturas.

(1 ) P l a t Ao , L a R epú blica, Livro x .


(2 ) Werner J à g e r , P aideia. L os ideales de la cultura griega, México, Fondo
de Cultura Econômica, 1942, vol. i.
36 A edxicação grega

A educação não era dada, nessa época, em escolas ou insti­


tuições especiais, mas recebida nos palácios ou castelos dos
nobres, para onde se enviavam os jovens na qualidade de escu­
deiros. Ao lado disso, havia também preceptores que acom­
panhavam aos jovens nas guerras e viagens, como Fênix com
Aquiles e Mentor com Telêmaco.
Dessa época heróica diz D ilth e y : “Largos espaços para
exercícios físicos, o que devia cultivar não só a força, mas ainda
a beleza; jogos festivos nos quais elas se demonstravam; ensino
de poesia e canto, acompanhado de instrumentos musicais; re­
latos e memórias de H o m ero ; as leis, a sabedoria vital depo­
sitada em poesias morais; tais os elementos com os quais
se cultivava o jovem grego para estar preparado para a guerra
e para a eloqüência das assembléias”. (3)
Da educação da mulher pouco sabemos, embora existam
dados donde vemos que era pouco cuidada, limitada aos ser­
viços domésticos; apesar disso, nessa cultura se destacaram
mulheres tão delicadas como Nausícaa e Penélope.

2. A educação espartana

A Grécia achava-se dividida, como se sabe, em diversos


Estados ou, melhor, Cidades-Estados, das quais as mais conhe­
cidas são as antagônicas Esparta e Atenas. Passada a época
heroíca, guerreiam-se essas cidades e logram grande desenvol­
vimento à custa das organizações feudais coevas. Surge, então,
nova organização política, na qual de uma ou de outra forma
intervém todos os cidadãos livres e, com ela, novo tipo de
vida, de cultura e de educação.
Esparta alcançou grande renome na história da civilização
como povo militarizado, rude e inculto. Na realidade, porém,
nem sempre foi assim, e sobretudo não o foi nos primórdios
de sua história, nos séculos vm e vii a. C., quando atingiu
elevado grau de cultura, antes da própria Atenas. Mas, de­
pois, por causa das conquistas políticas e por ter de manter
submetidos os povos conquistados, tiveram de converter-se em
soldados todos os seus cidadãos livres. Isso deu a Esparta a
rigidez e a severidade que a caracterizaram história fora. Como

(3 ) P h th kv , H istoria de la P edagogia.
A educação espartana 37

diz H. I. M a rro u : “A educação do espartano já não é a


de um cavalheiro, mas a de um soldado; situa-se num a atmos­
fera política e n ão mais senhoril”. (4)
Ao mesmo tempo Esparta desenvolve, em substituição do
guerreiro individual homérico, a formação de linhas ou corpos
de infantaria em ordem cerrada para o combate e, em lugar
de bandos ou agrupamentos de nobres, o ideal coletivo do
Estado, ao qual tudo se subordina.
Esse Estado é o que mais se aproxima dos Estados tota­
litários modernos. Os cidadãos, minoria, eram submetidos
incondicionalmente às autoridades, não podiam ter relações
com o exterior e na vida inteira achavam-se ao serviço do Esta­
do. Os espartanos viviam em permanente acampamento. E
isso era possível porque da subsistência cuidavam os “periecos”
e os “ilotas”, presos à terra.
A educação espartana ficou por modelo de severidade e
dureza. Sob esse aspecto foi admirada por muitos pensadores,
como P l a t ã o , que de certo modo a reproduz na República,
como solução para o individualismo e para as divisões de seu
tempo. L ic u rg o , o suposto autor da fabulosa Constituição
espartana, passou para a história como o tipo do legislador
exemplar. Todavia, tanto ou mais que ele influíram na edu­
cação espartana as elegias de Tirteu que, segundo Werner
Jâ g e r , “se achavam impregnadas de caráter pedagógico de
estilo grandioso. O ideal homérico da aretê heróica é trans­
formado no heroísmo do amor à pátria”. Dizem as poesias:
“Não julgarei homem digno de memória, nem farei caso dele
nas corridas ou na luta. . . se não tiver valor militar, se não
for homem que se mantenha firme na batalha”. (B)
Mas, ao mesmo tempo que militar, a educação espartana
era esportiva e musical. Sabe-se que nos jogos olímpicos Espar­
ta alcançou o maior número de vitórias, dado o adestramento
especial de seus atletas. Os espartanos primaram igualmente
em certos aspectos da música e da dança. Nesses aspectos, to­
davia, Esparta ficou tolhida pelas necessidades militares, re­
nunciando à participação nos jogos olímpicos, às artes, e acen­
tuando o predomínio das atividades guerreiras.

(4 ) H. I. M a rr o u , H is to ir e de V é d u c a t io n dans V a n t i q u i t è , 2 . a e d ., P a r i s ,
É d it io n s du Seuil, 1950.
(5 ) W. Ja g e r, P a id eia .
38 A educação grega

A educação espartana clássica, a do século iv a. C., no


qual Esparta triunfa sobre Atenas, estava inteiramente nas
mãos do Estado. Sua intervenção começa pelo nascimento do
menino, sacrificado no caso de não ser robusto. Até os sete
anos o Estado delega a criação do menino à família, e a partir
de então e até os vinte, a realiza diretamente. O menino passa
por uma série de organizações juvenis que lembram as dos
países totalitários modernos. Tudo estava subordinado à ins­
trução militar. E a ela se endereçavam todas as provas e os
exercícios. Não havia escolas propriamente ditas, antes acam­
pamentos para a educação dos moços.
Segundo P l u t a r c o : “De letras não aprendiam [os espar­
tanos] mais que o indispensável: toda a educação se orientava
no sentido de que fossem bem mandados, sofredores no traba­
lho e vencedores na guerra; por isso, como Cresciam em idade,
assim cresciam as provas, rapando-se-lhes o cabelo, fazendo-os
andar descalços e brincar comumente nus. Quando já tinham
doze anos, não usavam túnica nem se lhes dava mais que uma
véstia para o ano todo. . . Dormiam juntos em fila e por clas­
ses, sobre molhos de palha que eles mesmos tiravam com as
mãos, sem ferramenta alguma, das pontas das canas que nas­
cem nas margens do Eurotas. . . Aos menores mandavam que
trouxessem lenha ou verdura e, para trazê-las, furtavam; e
o que se deixava apanhar levava muitos açoites com o látego,
havido por descuidoso e canhestro no roubar. Roubavam tam­
bém o que podiam para comer, à espreita de quem dormia ou
se descuidava no guardar; e a pena de quem era apanhado,
era não comer e apanhar; e em geral seu alimento era escasso,
para que por si mesmos remediassem a penúria e se vissem for­
çados à decisão e à manha”. (e)
A educação da mulher erá especialmente cuidada, mas
em vista da função de mãe. O mesmo P l u t a r c o diz, a esse
respeito: “Exercitou [ L i c u r g o ] o s corpos das donzelas no cor­
rer, lutar, arremessar o disco e atirar com arco, para que a
concepção dos filhos, em corpos robustos, brotasse com mais
força. . . Proscrevendo, por outro lado, a comodidade, o res­
guardo e toda delicadeza feminil, acostumou as moças a apre-
sentar-se nas reuniões desnudas como os mancebos. . . ” (7)

(6 ) P l u t a r c o , Vidas paralelas: Licurgo, xvi. Buenos, Aires, Losada, "Las


cien obras maestras”.
(7 ) Idem, xiv.
A educação ateniense 39

3 . A educação ateniense

Atenas passou pelas mesmas fases de desenvolvimento;


mas, enquanto Esparta se deteve na fase guerreira e autoritária,
Atenas chegou a estádio superior, o da vida política demo­
crática.
Na fase guerreira, aristocrática, Atenas reproduz o tipo de
sociedade heróica e cavalheiresca da época de H o m e r o . Mas,
pelo século vn a. C., experimenta radical mudança no sentido
cívico; a cultura e a educação alcançam lugar preeminente e
passa para segundo plano o guerreiro.
A polis, a cidade, é o centro dessa cultura. Enquanto
em Esparta os homens vivem em aldeias e acampamentos, sur­
ge em Atenas a vida urbana : “A polis é a fonte de tódas as
legítimas normas de vida para o indivíduo”, diz Werner JÂ-
g e r . (8) “A polis, a cidade que se projetou em toda a sua his­
tória; a cidade como organização da vida exterior e interior,
como estrutura social de seu desenvolvimento espiritual, como
união cultural não só de índole militar e política, mas como
algo que abarca a totalidade da existência”, diz Alfred We-
b e r . (9) Assim, a polis se converte em educador da juventude;
é o lugar de educação cívica e espiritual. Aí se adquirem a
consciência cívica, o espírito democrático, a liberdade política
própria da vida ateniense.
Na primeira parte de sua cultura, nos séculos vn e vi, na
época da chamada educação antiga, Atenas não tem organi­
zação educacional própria; mas tem uma instituição que esti­
mula as atividades educativas: os certames nacionais despor­
tivos, que substituem os torneios guerreiros da idade homérica;
e para eles a juventude se prepara desde tenra infância.
A educação era mais matéria social que estatal, e recebida
de vária forma. Em primeiro lugar, como por toda parte, na
família, embora esta não tivesse tanta importância como na
fase anterior. A partir dos sete anos, começava a educação
propriamente dita, que compreendia duas partes essenciais: a
ginástica e a musical. O moço recebia a educação física do

(8 ) Werner J a g e r , Paideia.
(9 ) Alfred W e b e r , H istoria d e la cultura.
40 A educação grega

“pedótriba”, em campos de jogos chamados “palestras”; de­


pois, passava para os “ginásios”, já mantidos pela cidade. Aí
praticava os exercícios físicos básicos do salto, carreira, luta,
dardo e disco. Como já se disse, a educação ginástica não
tinha apenas aspecto físico, mas contribuía também para a
formação do caráter.
A educação musical compreendia não apenas a música,
mas também a poesia; e era dada pelo “citarista”, por vezes
na própria “palestra”, ou, então, em lugares especiais. Mais
tarde, desenvolveu-se educação de tipo mais instrutivo, escolar,
dada pelo didaskalos ou mestre elementar, seguido do gram-
matikos, que ensinava gramática e retórica. A esses educadores
ajunte-se o pedagogo, que acompanhava os rapazes e cuidava
de sua conduta.
“A preparação musical e a ginástica (diz D ilth e y ) acham-
se unidas na paideia para estè fim comum : bela conformação
integral da pessoa, desenvolvimento da energia guerreira e
impulso vital, o que constitui o ideal educativo destas politeien
(Cidades-Estados) que lutam entre si e onde o trabalho compe­
te a escravos”. (10)
Talvez seja o espírito dessa educação expresso da melhor
maneira pela palavra kalokagathia, isto é, educação moral e
estética reunidas, a compreender tanto o cultivo do corpo, a
beleza física, como o sentido moral e social. Ambos os aspectos
predominam aqui sòbre o intelectual e o técnico. Os jogos e
esportes, o canto e a poesia, são os instrumentos essenciais
dessa educação, de tipo ainda minoritário, embora com espí­
rito cívico e, em certo sentido, democrático, por ser patrimônio
de todos os homens livres.
Aos dezoito anos os jovens entravam na efebia, espécie de
serviço militar, mas também de caráter cívico, em que se pre­
param para o uso das armas. Ao cabo de um ano as re­
cebem (espada e escudo) e prestam o seguinte juramento,
que revela o espírito de sua educação : “Não desonrarei estas
armas sagradas nem abandonarei o companheiro de fileira;
combaterei pelos deuses e pelos lares e não deixarei a pátria
diminuída, antes a deixarei maior e mais forte do que a re­
cebi, seja só, seja com os companheiros; obedecerei aos que
sucessivamente exerçam a autoridade com sabedoria, respei­

(1 0 ) D il t h e y , H istoria de la P edagogia.
A educação ateniense 41

tarei as leis existentes e as que o povo estabelecer de comum


acordo; se alguém tratar de destruí-las ou de a elas desobe­
decer, não o permitirei, antes por elas combaterei, só ou com
meus companheiros; e venerarei o culto de meus pais. Sejam
testemunhos: Aglauros, Ares, Atenas, Zeus, Heracles, as fron­
teiras da pátria, seus trigos, cevadas, vinhas, oliveiras e figuei­
ras”. Depois o efebo passava outro ano no serviço militar,
como guardião das fronteiras, em milícias.
No século v a sociedade e a cultura atenienses experimen­
tam mudança ainda mais radical que a anterior; e origina-se
a chamada “educação nova”. Por um lado a Cidade-Estado
ateniense passa da fase agrícola e, em parte, minoritária, aris­
tocrática, para a comercial e marítima, e dá lugar a uma nova
classe social e a uma democracia mais extensa. Depois, ocorrem
as guerras de libertação contra a Pérsia, que aumentam o poder
ateniense. Finalmente, a cultura se desdobra em sentido cada
vez mais intelectual, e produz uma educação de caráter mais
elevado.
Ainda que as mudanças mais intensas ocorressem no ensino
superior, não deixaram de influenciar a educação elementar.
Acentua-se a intervenção do didaskalos, que substitui o citarista
da época anterior; e com isso aumenta a instrução, ampliada
a outros aspectos da vida cultural, como aritmética e letras,
apartada da música. Parece também que a rígida disciplina
anterior se faz mais flexível e a própria música se enriquece
de novas modalidades.
As mudanças mais profundas ocorreram, porém, na edu­
cação da juventude. Maior complexidade da vida política e
social fez necessária maior preparação para essa vida, sobretudo
para a intervenção nas assembléias. Assim surgiu um tipo de
professores, os sofistas, os quais, mediante retribuições elevadas,
se encarregavam de preparar a juventude para a oratória. Esses
sofistas, que depois foram mal qualificados, eram pessoas de
grande cultura e eloqüência, e proporcionavam ao homem po­
lítico a instrução de que necessitava, não só em oratória, mas
também em ciência. Tinham, porém, um defeito: pondo
de lado toda objetividade, acomodavam o ensino aos desejos
e aspirações pessoais, isto é, sacrificavam a veracidade à sub­
jetividade. Voltaremos a tratar deles.
Outra novidade na educação ateniense da nova era é a
formação de comunidades ou fundações de cultura superior,
42 A educação grega

como a Academia de P l a t ã o e o Liceu de A ris tó te le s , aos


quais se há de juntar a escola de Is ó c ra te s . Nesta cultivava-se
especialmente a retórica, ao passo que naquelas se tratava mais
de filosofia e ciência. Dir-se-á depois das respectivas idéias
pedagógicas.

4. A educação helenística

A última fase da educação helênica começa com a forma­


ção do Império de Alexandre no século rv a. C. e com o enfra­
quecimento das Cidades-Estado. A cultura helênica se univer­
saliza e converte-se em helenística; mas, por outro lado, per­
de a intensidade da época clássica de S ó c ra te s, P l a t ã o e A ris­
t ó t e l e s . Ganha também em conteúdo : a paideia se converte
em enkyklospaideia, enciclopédia.
Nesse período a educação deixa de ser matéria de inicia­
tiva privada e passa a ser educação pública, posto que não
do Estado, mas dos municípios, das cidades; apenas a efebia,
a preparação dos efebos, continua função do Estado como nas
épocas anteriores. Existe também ensino privado, dado em
escolas particulares mantidas com retribuição dos alunos.
Então, eleva-se também o papel do pedagogo. A educação
escolar continua mais ou menos a mesma das épocas anteriores,
só que com maior acentuação do aspecto intelectual e dimi­
nuição do aspecto físico e estético. A leitura, a escrita e o
cálculo se desenvolvem mais, mas os métodos são puramente
memorísticos e a disciplina é muito dura, constantes os cas­
tigos corporais.
Adquire agora maior desenvolvimento o que poderíamos
chamar de ensino secundário, a escola do grammatikos> na
qual já se estudam os clássicos, sobretudo H o m ero , H esíodo
e S ólo n, assim como os poetas líricos e dramáticos, A lce u ,
P ín d aro, S afo , É sq u ilo , S ó fo c le s e Eurípides; finalmente, os
historiadores: H e ró d o to , X e n o f o n te e, sobretudo, Tucídides.
E m compensação, as ciências ocupam lugar secundário, embo­
ra se ensinem matemáticas e astronomia.
Vem, finalmente, o ensino superior, o dado aos íe/èèosJ
já não de caráter pré-militar, porém mais de cultura geral e
científica nos colégios e academias, na chamada Universidade
A educação helenística 43

de Atenas e no famoso Museu de Alexandria, posto tivesse


este mais caráter científico que pedagógico. Nesses centros,
cultivam-se a retórica e principalmente a filosofia; e no últi­
mo, as ciências.
O importante dessa época é que deixa estabelecido, com
sua enciclopédia, o programa de estudos que o mundo ociden­
tal depois seguirá durante muitos séculos, com o trivium e o
quadrivium; aquele compreendia gramática, retórica e filo­
sofia ou dialética; este, aritmética, música, geometria e astro­
nomia; quer dizer: a divisão em matérias humanistas e rea­
listas que perdurou no mundo.
Ao falar da cultura helenística, a que chama “religião da
cultura”, diz M a r r o u : “A civilização helenística dá tanto
apreço aos valòres culturais que não pode conceber a felicidade
suprema senão sob a forma de vida do letrado ou do artista.
A imagem depurada que se faz da vida eternamente bem-aven­
turada das almas dos heróis nos Campos Elísios, no-los mostra
entregues às alegrias supremas da arte e do pensamento”. (n)

(1 1 ) H . I. M a r r o u , H istoire de Véducation dans 1’antiquité.

t
CAPÍTULO V

A pedagogia grega

Se Pedagogia é reflexão sobre a atividade educativa, a


Pedagogia teve origem na Grécia, onde primeiro se começou a
meditar sobre educação. O próprio termo surgiu na Grécia; e o
mesmo aconteceu com as idéias pedagógicas. Não se trata
ainda, é claro, de ciência propriamente dita, mas de teoria
de educação, valiosa ainda em nossos dias.
Seus principais representantes são os sofistas, S ó c ra te s,
P l a t ã o , Is ó c ra te s e A ris tó te le s , que significam na teoria ou
reflexão pedagógica helênica o que H om ero, H esíodo e Pín-
d a ro significaram na inspiração de sua atividade educativa.
A principal característica dessa nascente pedagogia é cla­
ridade e transparência, como sucede com quaisquer correntes
tomadas na fonte. As idéias aparecem expostas de forma essen­
cial, elementar, isto é, em seus fundamentos. Daí seu valor
pedagógico, didático, clássico.
N ela não existe, sem embargo, tratado sistemático, unitá­
rio, com o h á na filosofia e na política. As idéias pedagógicas
dos gregos aparecem intim am ente unidas com essas ciências;
mas delas se distinguem claram ente. P latão e A ristóteles ,
os dois grandes clássicos da pedagogia grega, exprim iram suas
idéias educacionais em obras de filosofia e de política.
Finalmente, teve a pedagogia grega enorme energia pro-
criadora. A civilização ocidental volta vistas, periodicamente,
para ela, como ocorreu na Renascença e no século xvm e
como, em parte, ocorre em nossos dias. Essa faculdade criado­
ra tem sido interpretada de várias maneiras, quase todas porém
coincidentes no reconhecer-lhe valor humanístico, de afirmação
da personalidade livre sobre todas as circunstâncias políticas.
Os sofistas 45

1. Os sofistas

Antes do mais, convém destruir o preconceito popular


acerca dos sofistas, considerados assim como embaucadores ou
tergiversadores das idéias. São eles, em verdade, os primeiros
professores, os primeiros educadores profissionais conscientes
da história. Seu descrédito veio de que, como se disse, foram
contra a educação tradicional, perceberam retribuição pelo
ensino e deles os houve de caráter arbitrário e fraudulento.
Os sofistas empregam a atividade docente como profes­
sores ambulantes na segunda metade do século v a. C., no mo­
mento da grande transformação social e política de Atenas,
quando a cidade se converteu em grande potência econômica
e comercial e substituiu o regime aristocrático pelo democrá­
tico. Então, em face da aretê da nobreza, surge a aretê polí­
tica, isto é, a formação de minorias diretoras da polis, tiradas
da massa dos homens livres. Isso por sua vez exigia preparação,
educação mais alta, mais intelectual que a educação tradicional
da música e da ginástica.
Assim surgiu um grupo de homens, os sofistas, que,
embora sem conexão entre si, tinham, contudo, a mesma fina­
lidade : educação para a vida pública, formação do político,
do orador. Eram de diversa linhagem, uns sérios e respon­
sáveis, outros frívolos e utilitários. Entre os primeiros, e esses
é que nos interessam, figuram P r o t á g o r a s , T r a s í m a c o , C ó r g i a s
e H í p i a s , especialmente o primeiro.
Deles diz D i l t h e y : “Oradores excelentes, sabiam comu­
nicar verdadeira eloqüência. Espíritos e celebridades cientí­
ficas notáveis, podiam oferecer fundamentos científicos para a
profissão de político. Assim se separou essa instrução superior
da profissão, de exigências moderadas, do mestre elementar,
do gramático e do mestre de música”. (J).
Os sofistas são antes professores que cientistas ou filósofos
originais, e sua influência foi considerável na cultura e na
educação do tempo. Contra ela, entretanto, dirigiram-se Só­
c r a t e s e P l a t ã o , como oportunamente veremos.

As idéias pedagógicas dos sofistas, tal como podemos infe­


rir das referências que temos a esse respeito, pois quase não

(1 ) D il t h e y , H istoria de la P edagogia.
46 A pedagogia grega

escreveram ou nos chegou pouco de seus escritos, podem ser


sintetizadas assim:
Em primeiro lugar, acentuaram o valor do humano, do
homem e mais concretamente do indivíduo na educação, se­
gundo a conhecida fórmula de P r o t á g o r a s : “O homem é a
medida de todas as coisas”. Assim romperam os moldes rí­
gidos da organização estatal, da polis, e colocaram em seu lugar
a vida do homem individual.
Em segundo, reconheceram que a aretê, a virtude, a capa­
cidade, não é privilégio de minoria aristocrática, mas é trans­
missível, suscetível de ensino. Dessarte, pela educação podem
ter acesso ao governo todos os capazes devidamente preparados.
Em terceiro, organizaram sistema e métodos de educação
para intervenção na vida pública, para formação do político
e do orador. Nesse sentido criaram dialética e oratória de
grande eficácia, baseada, de certo modo, na psicologia.
Em quarto, acolheram na educação a cultura geral, o sa­
ber múltiplo, universal, não apenas retórico ou dialético, e
elevaram o nível da instrução a alturas não conhecidas ao
tempo.
Finalmente, e como conseqüência de tudo, foram os cria­
dores da educação intelectual, independente da educação gi­
nástica e musical, predominantes até então.
Por tudo isso foram considerados os sofistas como os fun­
dadores da educação autônoma. “Com efeito (diz J à g e r ) assen­
taram os fundamentos da Pedagogia, e a formação intelec­
tual ainda segue, em grande parte, as mesmas sendas”. (2)
Em outras palavras, os sofistas foram os fundadores do
intelectualismo, do individualismo e do subjetivismo na edu­
cação, com todos os benefícios e prejuízos produzidos por esses
conceitos.

2. Sócrates

Se os primeiros educadores profissionais foram os sofistas,


o primeiro grande educador espiritual foi S ó c r a t e s . Tanto
como pensador ou filósofo — e isso em alto grau — foi S ó ­
c r a t e s sobretudo educador, o educador por excelência.

(2 ) J ager, Paideia.
Sócrates 47

S ó c ra te s nasceu em Atenas em 469 a. C., de fam ília de


artesãos, ainda que livres; o pai foi canteiro ou escultor e a
mãe, parteira. M orreu, ou fizeram-no m orrer, em 399 a. C. ou,
seja, quando tinha setenta anos. (*) Sua vida inteira foi exem ­
plar, tanto no aspecto cívico como no intelectual; participou
da atividade política da G récia, e tam bém da m ilitar, pois
interveio nas três mais im portantes batalhas do tempo. Viveu
pobrem ente, asceticamente, pòsto freqüentasse a m elhor socie­
dade. Influi grandem ente nela e nos seus melhores homens:
X e n o fo n te , P l a t ã o , A ris tó te le s , e foi atacado p or alguns
escritores da época, como A ristó fa n e s. Seu poder de atração,
não obstante a fealdade física, foi extraord in ário, como mos­
tra a afluência de jovens que lhe acudiam à orien tação e
ao conselho. Seu m aior prazer consistia em conversar e discutir
com os amigos e discípulos. Apesar de sua enorm e influência,
nunca se aproveitou dela p ara fins egoístas, pessoais; não
enriquèceu nem ocupou qualquer cargo no governo ateniense.
M orreu como viveu, pobre. De sua grandeza m oral dá idéia
sua m orte, relatad a p o r P l a t ã o n a Apologia de Sócrates : suas
últimas palavras se referem precisamente à educação de seus
filhos, recom endando aos amigos que “os fustiguem com o fiz
convosco, se se preocuparem com riqueza ou algo mais que
com a virtude, ou se pretenderem ser algo quando realm ente
nada forem ”. (4)
De S ó c r a t e s disse X e n o f o n t e , o grande historiador grego :
“Todos os discípulos sentimos-lhe a falta, porque era o melhor
no cuidado da virtude. Piedoso, pois em tudo obrava segundo
o' pensamento dos deuses; justo, pois foi o mais proveitoso
para quantos com ele trataram; continente, pois nunca pre­
feriu o excelente; prudente, pois não se enganou ao julgar o
bom e o mau; capaz de juízo, de conselho e de repreensão
para os que se equivocavam. Por tudo o que era considerado
o melhor e mais feliz dos homens" (8)
S ó c r a t e s tinha alguns pontos de comum e muitos de diver­
gência com os sofistas. Como eles, realizou a atividade edu­
cativa por meio da conversação, da palavra falada; como

(3 ) Sobre S ó c r a t e s , veja-se o melhor estudo publicado em castelhano, o de


Antonio T o v a r , Vida de Sócrates, Madrid, Revista de Occidente, 1947.
(4 ) P l a t Ao , A pologia de Sócrates, ed. inglesa de Jowett.
(5 ) X e n o f o n t e , M em oráveis, 4 .
48 A pedagogia grega

eles, discordava da educação do tempo, excessivamente sujeita


à influência do Estado; como eles insistia no valor do homem,
da vida pessoal, e como eles cria que a virtude, a aretê, não
era patrimônio da aristocracia, senão que devia ser de todos,
pois era transmissível, passível de ser ensinada.
Mas as divergências de S ó c r a t e s com os sofistas são ainda
maiores que as coincidências. Em primeiro lugar, S ó c r a t e s
não fez da educação profissão remunerada, utilitária; nem
tratou de granjear adeptos, antes estes acorriam a ele espon­
taneamente. Em segundo, sua educação não tinha caráter prá­
tico, de proveito pessoal; era de tipo espiritual, moral. Em
terceiro, enquanto os sofistas empregam o diálogo e seus ensi­
namentos para impor idéias ou servir a fins egoístas, S ó c r a t e s
o utiliza para convencer e descobrir a verdade. Finalmente,
enquanto os sofistas permanecem indiferentes às idéias morais,
S ó c r a t e s se preocupa antes do mais com a vida ética.

Filosoficamente, a maior contribuição de S ó c r a t e s corres­


ponde, com efeito, ao domínio da moral, da ética. (*) Para
ele, o saber e o conhecimento não só conduzem à virtude, mas
o saber e a virtude são idênticos. Isso posto, o saber não con­
siste em meros conhecimentos ou opiniões, como para os so­
fistas, mas no raciocínio preciso, em conceitos exatos. Como
disse O r t e g a y G a s s e t : “Antes de S ó c r a t e s havia-se racio­
cinado; em rigor já se vinha há dois séculos raciocinando no
mundo helênico. . . S ó c r a t e s é o primeiro em compreender
que a razão é um novo universo perfeito e superior ao que
deparamos naturalmente em nosso derredor. Daí decorre que
na ordem intelectual deve o indivíduo reprimir as convicções
espontâneas que são "opinião” (doxa) e adotar, em vez delas,
os pensamentos da razão pura que são o verdadeiro “saber”
(episteme). Semelhantemente, na conduta prática há de negar
e suspender todos os desejos e propensões para seguir docil-

( * ) Nesta matéria de contribuição de S ó c r a t e s à teoria da moral, tão acerta-


damente realçada pelo Autor, há um estudo fundamental e clássico : o do filó-
soto francês Émile B o u t r o u x (1845-1921), “Socrate, fondateur d e Ia scicnce mo-
rale'% publicado, pela primeira vez, num “compte-rendu” da Académie des Scien­
ces Morales et Politiques, de França, e reestampado nos Études d ’histoire d e la
P hilosop h ie desse eminente pensador, “Blibliothèque de Philosophie Contempo-
raine”, Alcan, Paiis, 4.a ed., 1925, pp. 11*93.
Em plano evidentemente mais modesto, são também muito de ler-se as páginas
pertinentes ao tema do admirável opúsculo Socrate, de Paul L a n d o r m y , col. “Les
philosophes” , Mellottée, Paris, s/d, pp. 83-115. (Nota dos trads.)
Sócrates 49

mente os mandamentos racionais”. (B) Trata-se, em suma, de


submeter a vida emotiva e volitiva à razão, e isso leva natu­
ralmente ao racionalismo posterior.
O fim último da educação era, para S ó c r a t e s , a virtude,
o bem, a personalidade moral, e não o Estado, como na edu­
cação antiga, nem o proveito individual, como para os sofistas.
Pois bem : como a virtude é igual ao conhecimento e, por­
tanto, comunicável, o decisivo na educação é o ensino da vir­
tude.
Mas para que esse ensino seja efetivo, não basta transmi­
tir conhecimentos isolados, informação como fazem os sofistas,
senão que deve haver unidade e precisão, convertidas as opi­
niões em conceitos. Para isso, é necessário, antes do mais,
ensinar a pensar. A educação intelectual é, assim, a base da
educação moral.
Como método dessa educação intelectual S ó c r a t e s emprega
fundamentalmente o diálogo, com suas duas fases, a ironia
e a maiêutica. Usa a ironia como ponto de partida e faz ver
ao interlocutor sua própria ignorância. Com a maiêutica faz,
como faria uma parteira, nascer, da alma do interlocutor, idéias
latentes.
No diálogo socrático trata-se, é claro, de uma espécie de
ficção ou convenção, pela qual o interrogado acredita desco­
brir a verdade que o interrogador lhe sugere. Tem o diálogo
grande importância pedagógica, porque o aluno é estimulado
a pensar, a descobrir as coisas por si, por forma ativa, não
receptiva. Tem também aspecto indutivo, já que se parte de
fatos ou idéias concretas, particulares, para chegar a uma con­
clusão geral, expressa numa definição. Finalmente, tem a van­
tagem da vivacidade: ao contrário do aprender frio da palavra
escrita, que S ó c r a t e s nunca usou, a palavra viva se adapta à
peculiaridade individual; o método é, de certo modo, psicoló­
gico, embora de caráter individual.
A contribuição de S ó c r a t e s para a educação pode ser sin­
tetizada com o dizer-se que foi o primeiro em reconhecer como
fim da educação o valor da personalidade humana, não a indi­
vidual subjetiva, mas a de caráter universal. Assim começa o
humanismo na educação. E pois que o decisivo no homem é a
virtude, o fim imediato da educação é a formação ética, a mo-

(6 ) J. O rte g a y G a s se t, La r e b e liô n de la s m a s a s , O b r a s , v o l. I I I .
50 A pedagogia grega

ral. Mas a educação tem também aspecto social, ainda que


subordinado ao humano; e nesse sentido há de estar de acordo
com as leis e tradições do Estado. A educação religiosa não
figura nas preocupações socráticas, e tampouco, geralmente, na
educação helênica. Igualmente, a científica, naturalista, tam­
pouco se destaca "nas idéias pedagógicas de S ó c r a t e s , que antes
se referem ao aspecto literário, intelectual. Nesse sentido, a
pedagogia de S ó c r a t e s é intelectualista, unilateral. Quanto aos
processos educativos, já se disse em que consiste o método so-
crático: em essência não é mais que o diálogo, forma viva
e ativa de educação, com certo caráter psicológico. Tão impor­
tante, porém, como as idéias de S ó c r a t e s , o u ainda mais impor­
tante, é sua vida, sua atividade educativa e a repercussão que
teve nos outros dois grandes filósofos da Grécia, P l a t ã o e
A r i s t ó t e l e s , que o consideram como mestre e inspirador. S ó ­
c r a t e s foi, com efeito, principalmente, mais que pedagogo,
educador.
Dele disse D i l t h e y : “ S ó c r a t e s foi gênio pedagógico sem
igual na Antigüidade. Isso se confirma pela impressão ime­
diata dos coevos; e pode ser igualmente deduzido de sua re­
percussão. Com ele se introduz um elemento inteiramente
novo na história da educação : a penetração no mais profundo
da juventude. Nele estavam indissoluvelmente unidos o eros
platônico, o amor pedagógico, a intenção de liberar pela con­
versação os conceitos que se achavam no espírito e a tendência
a fazer do saber e das verdades a diretriz da ação. Que grande
foi a sedução que exerceu!” (7)

3. Platão

foi o primeiro grande educador da história,


Se S ó c ra te s
foi o fundador da teoria da educação, da Pedagogia.
P la tã o
Enquanto que no primeiro predominou a atividade educativa,
neste sobressaiu a reflexão pedagógica associada à política.
P l a t ã o nasceu em Atenas em 427 a. C., de família nobre,
ao contrário da família plebéia de S ó c r a t e s . Foi discípulo
deste, que o induziu ao estudo da filosofia, com abandono da

(7 ) D il t h e y , H istoria de la P edagogia.
Platão 51

poesia a que primeiro se dedicava. Pela morte de S ó c r a t e s ,


retira-se com outros discípulos para Megara, onde se entrega
ao estudo e escreve as primeiras obras. Mais tarde empreende
viagens à Magna Grécia (Itália) e ao Egito, e se põe em con­
tacto com a vida e cultura desses países, e à Sicília, onde entra
em relação com o tirano de Siracusa, Dionísio, na esperança de
poder influir-lhe no governo. Malogrado o intento, é posto à
venda como escravo e depois resgatado; volta à Grécia e aos
40 anos funda a célebre Academia, num terreno que comprou
em Atenas próximo de um santuário dedicado a Akademos e
de um ginásio do mesmo nome. Ali concentrou sua atividade
pedagógica, durante quarenta anos, e após outra viagem sem
êxito a Siracusa, faleceu em 347, aos 80 anos de idade.
Diferentemente de S ó c r a t e s , P l a t ã o organizou ensino e
investigação sistemáticos, pois tal era a finalidade da Acade­
mia, constituída em forma de corporação ou comunidade de
alunos e mestres, e na qual se realizavam estudos superiores de
caráter filosófico e político. Dela participaram os mais no­
táveis homens da época, entre eles A j u s t ó t e l e s , que ali passou
vinte anos entregue ao estudo.
P l a t ã o se preocupou a vida inteira còm os problemas po­
líticos. A situação de seu país, saído de uma tirania, mas numa
democracia que condena S ó c r a t e s , o impede de participar ati­
vamente da vida política. Em compensação, dedica a esta gran­
de parte de seus escritos entre eles as obras mestras, A Repú­
blica e As leis, as quais, embora não exercessem influência ime­
diata em seu país, têm-na exercido no mundo ao longo dos
25 séculos transcorridos desde que foram escritas. P l a t ã o nun­
ca abandonou o interesse pela poesia, como demonstra o belo
estilo da maioria de sua obras. A essas preocupações uniu
a não menos intensa da pedagogia.
A pedagogia de P l a t ã o está baseada em sua filosofia, a
qual, por sua vez, assenta em sua concepção das Idéias. (*)
As Idéias são o fundamento último e a essência da realidade.
São como arquétipos ou modelos das coisas, a que as coisas
aspiram, como a autêntica realidade sobre a puramente sensível,

( * ) Pusemos inicial maiúscula no termo Id éias para indicar-lhe o emprego


metafísico e, nele, o caráter platônico de arqu étipo ou m odelo, ao qual, aliás, o
Autor se refere no texto; e também para evitar a confusão com o sentido psico­
lógico de idéia, que é representação abstrata e geral. (Nota dos trads.)
52 A pedagogia grega

tal como se vê na famosa alegoria da caverna platônica. (*)


O essencial para nós é que em P l a t ã o , como em S ó c r a t e s ,
predominam as idéias éticas, a preocupação da justiça. Daqui
surgem as duas obras citadas, nas quais expõe suas idéias polí­
ticas e pedagógicas.
Em P l a t ã o a educação está a serviço do Estado, mas este,
por sua vez, está a serviço da educação. Não há educação sem
Estado, nem Estado sem educação. O Estado é o indivíduo
em ponto grande. O indivíduo é constituído de três estratos :
o dos apetites ou instintos, de caráter irracional e biológico; o
do valor ou desejo combativo; o racional ou espiritual. A essas
três porções do homem correspondem três classes sociais do
Estado: à dos apetites e instintos, a dos produtores ou traba­
lhadores; à do valor, os guerreiros; e à racional, os guardiães
e governantes. Cada uma delas tem um tipo especial de edu­
cação, dentro da organização pedagógica geral do Estado. Essa
se acha exposta, como se disse, em A República, de caráter mais
utópico e em As leis, escritas depois e de caráter mais realista.
A República está orientada na dura educação espartana, sem
dúvida para opor-se ao caráter individualista da sociedade em
que P l a t ã o vivia; As leis consideram mais a realidade e são
menos rigorosas. Em A República chega-se à comunidade de
mulheres e filhos, em benefício do Estado, mas em detrimento
da vida familial. Em As Leis organiza-se uma educação estatal
mas se respeita a vida individual. Aquela recorda os Estados
totalitários atuais, nesta predomina concepção democrática.
O fim da educação para P l a t ã o é, como para S ó c r a t e s ,
a formação do homem moral, e o meio é a educação do Estado,
na medida em que este representa a idéia da justiça. O Estado
não é, pois, fim em si, antes meio de realizar a justiça e a
educação conforme a justiça.
Como em toda a educação helênica, P l a t ã o considera a
ginástica e a música instrumentos essenciais; assina-lhes, con­
tudo, papel mais amplo que na educação tradicional. Na gi­
nástica inclui não só os exercícios físicos e a higiene, mas ainda
a formação do caráter, o cultivo do valor; enquanto a música

( * ) A alegoria da caverna está tio livro V II da R epú blica. V., entre outras
edições dessa obra clássica, a edição escolar de P . F o u l q u ié , que lhe traduziu
todo o livro V II e o fez acompanhar de notas e esclarecimentos de grande inte­
resse : P l a t o n , L a R ép u b liq u e, livre V II, Les Éditions de I’École, Paris, 1950,
um vol. in-16 de 59 pp. V. particularmente, nesse opúsculo, a página 20, na qual
muito claramente, em colunas paralelas, se expõem a alegoria e as aplicações nas
quais pensava P l a t S o . (Nota dos trads.)
Platão 53

compreende ainda a dança e o canto, as letras e, pela primeira


vez, as matemáticas. Umas e outras, todavia, a serviço do espí­
rito. “Os deuses”, diz, “fizeram aos homens o presente da mú­
sica e da ginástica, não com o fito de cultivar a alma e o
corpo (pois se este colhe alguma vantagem é apenas indireta­
mente), mas para cultivar só a alma e nela aperfeiçoar a sa­
bedoria e o valor, concertados, já dando-lhes expansão, já con­
tendo-os nos justos limites.” (8)
P l a t ã o d e fin e a e d u c a ç ã o c o m d iz e r “q u e d e v e p r o p o r ­
c i o n a r a o c o rp o e à a lm a to d a a p e rfe iç ã o e b eleza d e q u e
são su s ce tív e is ” . (9)
A educação, para ele, começa antes do nascimento, com a
eugenia e com a regulamentação dos matrimônios, inclusive.
Na primeira infância, predominam os jogos educativos prati­
cados em comum pelas crianças de um e de outro sexos. A
educação propriamente dita começa aos sete anos, com a ginás­
tica e a música, como já se disse. Aqui só resta acrescentar a
grande importância que atribui na educação às narrações e
contos e, em geral, à literatura, que deseja cuidada para evitar
perturbações. Essa educação continua até os 18 anos, quando
começa a “efebia” ou preparação cívico-militar. Os moços mais
capazes continuam a educação depois dos 20 anos, já com
caráter superior e baseada nas matemáticas e na filosofia. Den­
tre eles se escolhem os futuros governantes, cuja educação pros­
segue até os cinqüenta anos, e, em verdade, continua durante
toda a vida.
Em As Leis, P l a t ã o atenua o radicalismo pedagógico e se
atém mais à realidade anteniense. Continua-se, no entanto, man­
tendo educação igual para homens e mulheres, inclusive ginás­
tica, ainda que separadamente. Uns e outras dedicar-se-ão dos
10 aos 13 anos ao estudo das letras, e depois mais três anos
ao da música, da lira principalmente. A esses juntam-se dois
cursos de três anos cada, dedicados à aritmética, geometria e
astronomia, terminando a educação, como já se disse, com a
dialética ou filosofia. É interessante observar que P l a t ã o pede
já aqui a criação de um comissário de educação, encarregado
de inspecioná-la e dirigi-la e a criação de professores especiais.
A e d u c a ç ã o , c o m o a s o c ie d a d e d e P l a t ã o , e s tá b a s e a d a n a
d i f e r e n c ia ç ã o d e classes s o c ia is ; m a s e sta n ã o é u m a s e p a r a ç ã o

(8 ) A R efn iblica, Livro III.


(9 ) As L eis, Livro VI.
54 A pedagogia grega

fixa, de tipo aristocrático, senão que surge do caráter e talento


dos indivíduos. Assim, se os filhos dos governantes forem inca­
pazes “não quer [o deus] que se lhes dispense graça alguma,
mas que sejam relegados ao estado conveniente, seja o de arte­
são, seja o de lavrador”.
Para P l a t ã o o decisivo na vida do Estado é sobretudo a
educação, mais que as leis ou a forma de governo. Assim, diz:
"Que esteja o mando em mãos de um ou de muitos, isso em
nada alterará as leis fundamentais do Estado, se os princípios
de educação que estabelecemos forem rigorosamente observa­
dos”. (10)
P l a t ã o , como S ó c r a t e s , emprega o diálogo como forma
de educação e não se podem diferenciar as modalidades de um
ou outro, já que P l a t ã o foi quem as expôs em suas obras, sem
estabelecer distinções. Supõe-se, todavia, que o diálogo platô­
nico é mais sistemático e encaminhado para fins pré-determi-
nados. Em ambos a educação tem o mesmo caráter intelec-
tualista, ao referir-se, ao cabo, aos conceitos e às idéias, embo­
ra em P l a t ã o se acentue mais o aspecto da beleza.
Se depois do exposto quiséssemos resumir a idéia essencial
da pedagogia de P l a t ã o , poderíamos dizer que é a formação
do homem moral dentro do Estado justo.

4. Isócrates

No movimento educacional e pedagógico da Grécia repre­


senta I s ó c r a t e s (436-338) papel singular, o da retórica em
face da filosofia. Poucos pormenores se conhecem de sua vida;
ideologicamente procede dos sofistas, com os quais tanto se
parece, embora os ataque, como também ataca P l a t ã o . I s ó -
c r a t e s aparece, com efeito, como a mais completa antítese da
filosofia platônica. Segundo D i l t h e y , tal como houve luta
entre S ó c r a t e s e os sofistas, houve também luta entre a escola
de retórica de I s ó c r a t e s e a escola platônica, luta que, com
grande prejuízo para o desenvolvimento espiritual grego, veio
a decidir-se a favor das escolas de retórica. I s ó c r a t e s também
foi educador; em Atenas, ali por 380, fundou uma escola
que teve muitos alunos, contribuintes com largas somas. Nes­
sa escola eram principalmente ensinadas a retórica, a eloqüên­
(10) A R ep ú b lica, Livro IV.
Isócrates 55

cia e as disciplinas necessárias à política e à vida. Nestes ter­


mos desdenhava I s ó c r a t e s a filosofia e a pedagogia platônicas:
“Desaprovo a paideia de nossos dias, isto é, a geometria, a
astronomia e a discussão de questões litigiosas. A geração jo­
vem encontra grande prazer nisso. Entre os anciãos, ninguém
haverá que o sinta senão como algo de insuportável”. O impor­
tante de I s ó c r a t e s está na influência que exerceu, não só em
seu tempo como em tempos ulteriores. Pois muitos dos peda-
gogistas romanos e do Renascimento humanista se inspiraram
mais na retórica de I s ó c r a t e s que nos filósofos clássicos. Che­
gou até nossos dias a luta entre a retórica e a filosofia.

5. Aristóteles

A r i s t ó t e l e s , como S ó c r a t e s e P l a t ã o , une à reflexão


pedagógica grande atividade educativa; foi não apenas grande
filósofo, mas ainda educador, mestre. Daí o interesse de suas
idéias pedagógicas, posto infelizmente se perdesse parte de seus
escritos mais importantes no assunto.
Nascido em 384 a. C., fora da Grécia, em Estagira, filho
de um médico, ingressa aos 18 anos na Academia de P l a t ã o ,
onde permanece até os 38 em íntima relação com o mestre.
Pela morte deste, abandona a Academia e, após passar três anos
em Missias, onde se casa, vai para a Macedônia encarregar-se da
educação do filho de Filipe, daquele que depois seria Alexandre
Magno. Em 334 regressa a Atenas e funda, como P l a t ã o ,
escola em um bosque dedicado a Apoio Lício; daí o nome de
Liceu. Ali esteve 8 anos, mas ao morrer Alexandre, A r i s t ó ­
t e l e s , como S ó c r a t e s , foi acusado de impiedade e teve de
refugiar-se na ilha de Eubéia, onde morreu em 332, aos 62 anos.
H á na vida de A r i s t ó t e l e s dois momentos de grande inte­
resse para a educação. Um, como educador e preceptor de
Alexandre, durante quatro anos, com o que inicia aquilo que
depois há de chamar-se educação do príncipe. A r i s t ó t e l e s
educou Alexandre segundo a tradição helênica heróica, basean­
do-se em H o m e r o , mas dando grande lugar também às ciências,
à ética e à política. Outro, o representado pelo Liceu, que era,
a um tempo, como a Academia, centro de educação e de inves­
tigação (mas com maior porção reservada às ciências). Com
56 A pedagogia grega

efeito, no Liceu reuniu A r i s t ó t e l e s enorme material cientifico


e bibliográfico. Não se descuidava, entretanto, do ensino, a que
eram dedicadas as manhãs, quando trabalhavam pequenos gru­
pos de alunos selecionados, que seguiam cursos de estudos re-
gulares; as tardes eram dedicadas a maior público, e realiza­
vam-se conferências sobre temas gerais de filosofia e política.
Tanto a Academia como o Liceu são, com o Museu de Ale­
xandria, as mais altas instituições da cultura e educação helê-
nicas e quiçá de todos os tempos.
A finalidade da educação para A r i s t ó t e l e s é o bem moral,
no qual consiste a felicidade, que não há confundir com o pra­
zer, posto seja este condição necessária daquela. Por felici­
dade entende A r i s t ó t e l e s a plenitude da realização do humano
no homem. Ora, para ter o bem não basta conhecê-lo, pelo
saber, como queria S ó c r a t e s , mas há que praticá-lo, realizá-lo.
Não basta adquirir as idéias morais, mas há que partir dos
atos, da formação de hábitos, do domínio das paxiões para
chegar às volições completas, racionais. Com isso A r i s t ó t e l e s
se aparta do intelectualismo socrático e cria a direção volun-
tarista em educação.
Para A r i s t ó t e l e s há, com efeito, três coisas que podem fa­
zer bom o homem: natureza, hábito e razão. A primeira nos
é dada, mas pode ser modificada pelo hábito, como este, por
sua vez, deve ser dirigido pela razão. Mas, é preciso que as
três coisas se harmonizem, embora o elemento racional deva
sempre predominar. A èsses três elementos correspondem três
momentos na educação : a educação física, a do caráter e a
intelectual, que se devem realizar sucessivamente. “É neces­
sário”, diz, “tratar do corpo antes de pensar na alma; e depois
do corpo é preciso pensar no instinto, se bem que em definitivo
não se forme o instinto senão para servir a inteligência, nem
se forme o corpo senão para servir a alma”. (n )
Para A r i s t ó t e l e s (como para P l a t ã o ), a educação é fun­
ção do Estado, embora não chegue ao radicalismo de P l a t ã o ,
pois reconhece a família como lugar da primeira infância. Mas
a educação é necessária ao Estado ; “Onde quer que a edu­
cação tenha sido descuidada, tem o Estado recebido golpe fu­
nesto”, diz na Política. (12) E tal concepção estatal, mais a
acentua ainda com o pedir o monopólio do Estado ante a

(11) Política, Livro IV.


(12) Idem, Livro V III.
Aristóteles 57

educação particular: “Como o Estado inteiro tem um único


solo e um mesmo fim, deve a educação ser uma e idêntica para
todos os membros. . . Em nossa opinião, é de toda evidência
que a lei deve regular a educação, e esta deve ser pública”. (13)
E por isso regula em sua obra, minuciosamente, a educação
das crianças, a começar da celebração do matrimônio e da ge­
ração dos filhos.
Segundo seu plano, até os cinco anos as crianças recebem,
em casa, educação que apenas consiste em regras higiênicas e
em submetê-las ao endurecimento. Dos cinco aos sete devem
assistir a certas lições e dos sete em diante a educação deve
compreender dois períodos: o primeiro dos sete à puberdade,
o segundo da puberdade aos vinte e um.
As duas partes essenciais da educação, para A r i s t ó t e l e s ,
como para todos os gregos, são a ginástica e a música. A
primeira não tem por fim formar atletas, mas desenvolver o
valor, a coragem, e até à adolescência os exercícios devem ser
leves, para não deter o crescimento do corpo; depois, devem
ser mais rudes e severos. A música tem por fim exercer influên­
cia moral, embora também deva servir de recreio e de prazer.
Além de ginástica e música, a educação compreende letras
e desenho.
Lamentavelmente, A r i s t ó t e l e s não nos deixou exposição
escrita de seu plano de educação intelectual, que sem dúvida
deveria alcançar grande desenvolvimento. Dadas, todavia, suas
idéias filosóficas e científicas, é de presumir que as ciências
ocupariam lugar muito importante nesse plano, como ocorria
no Liceu, e que figurariam não só as matemáticas como as ciên­
cias naturais, das quais também foi mestre. O mesmo cabe
dizer com respeito ao método. Como A r i s t ó t e l e s foi o fun­
dador do método indutivo, é de supor que o aplicasse ampla­
mente na educação. A r i s t ó t e l e s também cultivou a retórica
em sua escola; mas, diferentemente de I s ó c r a t e s , baseou-a na
lógica e na dialética e lhe deu caráter objetivo científico.
A influência de A r i s t ó t e l e s na educação e na pedagogia é
devida não tanto a suas idéias pedagógicas (que não desen­
volveu amplamente) como a suas concepções filosóficas e cien­
tíficas. Estas influíram grandemente nas épocas posteriores,
máxime na Idade Média e na Renascença, e influem ainda em
nossos dias.
(13) P olítica, Livro V III.
C A PÍTU LO VI

A educação romana

Embora a cultura e a educação romanas se desenvolvessem


mais tarde que as gregas, ambas seguiram marcha semelhante,
como parte do mesmo todo, que T o y n b e e e outros historia­
dores chamaram “civilização helênica”. Sem embargo, a edu­
cação romana possui, em nossa opinião, importância tão des­
tacada e de tão grande influência no mundo ocidental, que
merece ser estudada à parte.
A cultura romana tem por fundo, como a grega uma ci­
vilização anterior, no caso a etrusca, que alcançou grande de­
senvolvimento e nela influiu enormemente, sobretudo na arte
e na religião; e, suspeita-se, também na educação, posto care­
çamos de dados suficientes para demonstrá-lo.
Apesar de seu estreito parentesco, há bastantes pontos de
divergência entre a cultura e a educação grega e a romana.
Em nossa opinião e expostas muito sucintamente, as principais
características da cultura e educação romanas são as seguintes:
1.a) No humano, a valorização da ação, da vontade,
sobre a reflexão e a contemplação.
2.a) No político, a acentuação do poder, do afã de do­
mínio, de império.
3.a) No social, a afirmação do individual e da vida fa-
milial, ante ou junto ao Estado.
4.a) Na cultura, falta de uma filosofia, de investigação
desinteressada, mas, em compensação, criação das
normas jurídicas, do direito.
5.a) Na educação, acentuação do poder volitivo do há­
bito e do exercício, com atitude realista, ante a
intelectual e idealista grega.
Época heróico-patrícia 59

6.a) A necessidade do estudo individual, psicológico do


aluno.
7.a) A consideração da vida familial, e sobretudo do pai,
no exercício da educação.
8.a) Não obstante isso, em época mais avançada, a cria­
ção do primeiro sistema de educação estatal, esten­
dida a educação para fora de Roma aos confins do
Império.
Em relação à história da cultura, pode-se dividir a história
da educação romana nos seguintes três grandes períodos:
1.°) A educação da época heróico-patricia, do século v ao século
i i i a. C.
2.°) A da época de influência helênica, do século i i i ao século i a. C.
3.°) A da época imperial, do século i a. C. ao século v da era cristã.

1. A educação na época heróico-patrícia

Pondo de lado a época monárquica, de cuja educação


não temos notícias, à educação da primeira época da Repú­
blica tinha, como esta mesma, caráter eminentemente aristo­
crático; endereçava-se aos nobres, a um tempo guerreiros e
proprietários rurais, os patrícios, que tinham todos os direitos
civis e políticos. Só mais tarde entraram a participar dêles
os plebeus, mas nunca os escravos, procedentes, na maior par­
te, dos povos submetidos.
Nessa época, a influência da família era todo-poderosa.
O pai, o pater familias, exercia a máxima autoridade, a patria
potestas; mas a mulher, a mãe, ocupou, no lar, posição mais
elevada que na Grécia, principalmente na educação dos filhos.
Estes, com efeito, estavam a seu cuidado na primeira infância;
e, quando não os podiam atender pessoalmente, confiavam-
nos a uma matrona parenta que vigiava estritamente a vida
das crianças.
Aos sete anos, o menino passava das mãos das mulheres
para as do pai, que se ocupava, a seguir, da educação do pe­
queno. Não sabemos exatamente no que consistia, mas, a
julgar pelo que diz P l u t a r c o da educação do filho de C a t ã o ,
o Antigo, era muito elementar: “Quando o menino começou
a ter alguma compreensão, ele próprio cuidou de ensinar-lhe
60 A educação romana

as primeiras letras, não obstante ter um escravo chamado Qui-


lon, bem educado e nisso exercitado e que dava lições a
muitos meninos.. .; dava-lhe a conhecer as leis e o exercitava
na ginástica, adesirando-o não só no arco e flecha, no manejo
das armas e no governo do cavalo, como também no soco, no
suportar o calor e o frio e em vencer, nadando, as correntes
e os remoinhos dos rios. Disse ainda que escreveu para ele a
história, com as próprias mãos e com letras graúdas, para
que o filho tivesse, em casa, meios de aproveitar, para exem­
plo da vida, os feitos da antigüidade e dos da pátria”. (*)
Os filhos acompanhavam os pais nos tribunais e até nas
sessões do Senado, e assim se iniciavam em todos os aspectos
da vida civil. Assistiam também, com os pais, aos festins dos
maiores, cantavam e faziam as vezes de escudeiros ou servi­
dores. As meninas ficavam em casa, ao cuidado das mães,
entregues aos serviços domésticos.
Aos 16 ou 17 anos, o jovem abandonava a toga pretexta
para adotar a toga viril. Então entrava no exército e na vida
pública, mas antes havia dedicado um ano ao tirocinium fori,
aprendizagem da vida pública. Disso se encarregava, geral­
mente, não o pai, mas um político experimentado, velho ami­
go da família; o jovem costumava acompanhá-lo depois du­
rante alguns anos.
No geral, na educação romana primitiva predominava o
mesmo espírito de sobriedade e austeridade, operosidade e
disciplina, característico dessa sociedade. Era educação emi­
nentemente moral, mais que intelectual. Os ideais, tomava-os
da história e dos heróis da própria pátria, e não da poesia
épica, como foi na Grécia; e nesses ideais se acentuava o sen­
tido do patriotismo.
Quanto ao conteúdo, tinha essa educação duplo aspecto.
De um lado, a educação física, com caráter pré-militar mais
que esportivo e, de outro, e educação jurídico-moral, baseada
na Lei das Doze Tábuas. Ao mesmo tempo, aprendia prati­
camente quanto necessitasse o proprietário rural, como a agri­
cultura e o cálculo, enquanto que adquiria e experiência cí­
vica já assinalada. Era, em suma, uma educação pela ação,
para a vida, pela vida, e sem escolas, posto que com profes­
sores particulares. Baseava-se na vida nacional, na consciên­
cia histórica de Roma, em suas tradições e em sua religião.
(1 ) P luta rco , Vidas p a ra lela s: “Marco Catâo", Ed. Losada, v o l. III,
A influência grega 61

2. A educação romana sob a influência grega

A partir dos meados do século iii a. C., a educação ro­


mana experimenta mudança completa, em conseqüência das
modificações sofridas pela sociedade e pela cultura. Nesse tem­
po, realiza-se a expansão romana pelo Mediterrâneo, até che­
gar ao domínio completo. Doutra parte, a sociedade romana,
ao enriquecer-se, acentua a divisão entre a minoria economi­
camente poderosa (que sucede à antiga nobreza) e a massa
proletária, a plebe, a qual, embora empobrecida, tem, cada
vez, mais força política. Finalmente, ocorre a invasão da cul­
tura helênica, com os imigrantes gregos que acodem a Roma.
A complexidade cada vez maior da política e da adminis­
tração do Estado, assim como as necessidades econômicas e
comerciais fizeram que essa cultura superior fosse, em geral,
bem acolhida e se difundisse rapidamente.
A influência da cultura helênica teve a virtude de desper­
tar a de Roma, e deu nascimento à sua literatura e à edu­
cação escolar. Como diz o vçrso de H o r á c i o : “A Grécia
vencida conquistou por sua vez o rude vencedor e levou a
civilização ao bárbaro Latium”.
A educação romana anterior, de tipo familial, patriarcal,
experimenta várias transformações. Em primeiro lugar, na
organização. Os cidadãos mais ricos tiveram mestres ou pre-
ceptores privados, geralmente gregos imigrados, que lhes ini­
ciaram os filhos na língua e na cultura helênica. Mas o deci­
sivo é que nessa época se fundam ou se desenvolvem escolas,
ainda que sempre em caráter particular. Não quer dizer que
antes não houvesse escolas na República romana, mas as que
havia eram esporádicas ou muito elementares. Agora as esco­
las se generalizam, e de duas classes: uma, em que o ensino é
dado inteiramente em grego e outra, em que predomina o
latim. Numa e noutra havia o que mais tarde foram os três
graus clássicos do ensino : elementar, médio e superior.
A escola primária, do ludi magister, também chamada
do ludus litterarius, começava aos 7 anos; tinha programa
muito elementar, consistente em leitura, escrita e cálculo, com
algumas canções, disciplina muito rigorosa e freqüentes cas­
tigos físicos. Freqüentavam-na meninos e meninas indistinta­
62 A educação romana

mente. À escola elementar segue-se a secundária, a do gram-


maticus, na qual mais se fez sentir a influência da cultura
grega. Começa aos 12 e dura até os 16 anos. Aí se estudam
gramática latina e gramática grega, com base em H o m e r o
e nos clássicos; igualmente retórica e oratória, e matemáticas,
estas menos que aquelas. Diferentemente da educação grega,
pouco se cultivavam música e ginástica. Em compensação,
acentuava-se o valor jurídico-político. Mas esse valor, assim
como a oratória, era especialmente cultivado no terceiro grau
escolar, na escola do retórico (chamado retor), uma espécie
de escola de direito, destinada à minoria governante, inspi­
rada na filosofia e, ainda mais, a retórica grega.
A influência da cultura helênica, cada vez mais poderosa,
não deixou de encontrar resistência nos elementos conserva­
dores e reacionários. Assim, C a t ã o , o Antigo, protestou contra
ela, defendendo, como vimos, a antiga educação romana. O
próprio Senado chegou a expulsar alguns dos gregos dedicados
ao ensino. Mas, apesar dessas resistências a cultura romana
assimilou a cultura grega e chegou a alcançar maturidade e
esplendor que talvez não alcançasse doutro modo. Como diz
D i l t h e y : “Não é verdade que o trato de uma cultura supe­
rior influa sempre destruidoramente sobre uma nação. O
acolhimento da ciência greco-romana não fez mais que fomen­
tar nosso desenvolvimento. Nenhum americano crê que a
ciência européia possa influir danosamente na América. Uma
nação sadia em sua constituição fundamental havia acolhido
também a P l a t ã o , A r i s t ó t e l e s e aos. estóicos, havia recha­
çado elementos heterogêneos e realizado considerável progres­
so”. (2)
O espírito da nova educação pode ser resumido na palavra
humanitas, a qual, segundo J ã g e r ( 3), corresponde à paideia
grega ou à nossa cultura. Tratava-se não de educação nacional,
local, mas de ensino de tipo universal, humanistico, diríamos
hoje, baseado em cultura alheia superior, a servir de inspira­
ção. Conservam-se ainda algumas das qualidades da antiga
educação romana, mas em geral predomina espírito mais li­
beral, dentro, sempre, da estrutura do Estado.

(2 ) D il t h e y , H istoria de la P edagogia.
(3 ) J ag er, P a i d e i a , v o l. 1.
A época do Império 63

3. A educação romana na época do Império

A educação romana nesta época se distingue da anterior


mais pela organização que pelo conteúdo; deixa de ser assun­
to particular, privado, para converter-se em educação pública.
Essa transformação começa no século i a. C., com a criação de
escolas municipais, nas quais o Estado intervém, apenas com
subvenções e certa inspeção; depois chega a fazer-se seu legis­
lador e diretor.
A política escolar do Estado romano começa com C é s a r ,
que concede o direito de cidadania aos mestres de artes libe­
rais, e continua com V e s p a s i a n o , no século i da era cristã,
que libera de impostos os professores de ensino médio e su­
perior, benefício mantido pelos imperadores seguintes. É o
mesmo V e s p a s i a n o quem cria cadeiras oficiais de retórica
grega, com estipêndio anual, uma das quais chegou a ser ocupa­
da, com boa retribuição, por Q u i n t i l i a n o . M a r c o A u r é l i o
criou depois cátedras de filosofia, também estipendiadas pelo
Estado. De grande interesse é também a criação, por T r a j a -
n o , de bolsas para estudantes, sob a forma de “instituições ali­
mentícias”.
Os imperadores estimulavam, ao mesmo tempo, as muni­
cipalidades à criação de escolas públicas, e elas o fizeram em
número cada vez maior, não só em Roma, mas em todo o
Império, das Gálias e Espanha à África e ao Oriente Próximo.
Essas escolas tinham por fim preparar os funcionários, cada
vez mais necessitados de formação superior e subsistiram du­
rante o Império inteiro, alcançando grande nível cultural.
A organização do ensino na época imperial continuou a
parecer-se com a da anterior, com os seus três graus, do lite­
rato, do gramático e do retórico; agora, entretanto, com novo
sentido imperialista, de absorção e nacionalização dos países
conquistados. À liberação da cultura de época anterior, se­
guiu-se agora a universalização da cultura romana e, em par­
ticular, da língua latina, assim como do direito romano. O
principal veículo eram as escolas, um dos principais instru­
mentos da romanização do mundo.
Referindo-se à política imperial de romanização pela edu­
cação, diz M a r r o u : “Comprovamos a política assim inau-
64 A educação rom ana

gurada sob o Império: de norte a sul da península [Ibérica]


encontramos toda uma rede de escolas. Há escolas elemen­
tares até num pequeno centro mineiro da Lusitânia meri­
dional; em todas as cidades mais ou menos importantes, há
gramáticos, latinos ou gregos, professores de retórica, latina
ou grega. Como estranhar, pois, ver a Península Ibérica de­
sempenhar papel tão ativo na vida romana, contribuir com
tamanhos escritores (os S ê n e c a , L u c a n o , Q u i n t i l i a n o , M a r ­
c i a l ) , tantos administradores e políticos e, a partir de T r a -
j a n o , tantos imperadores ?” (4)

4. A pedagogia romana

Ainda que os teóricos da educação romana tenham menos


preeminência que os da grega, pois faltam pensadores da esta­
tura de P l a t ã o e A r i s t ó t e l e s , não deixam de apresentar inte­
resse, sobretudo pela influência projetada na futura escola
ocidental, que deles houve mais que dos helenos. Correspon­
dendo ao caráter da educação romana, seus teoristas têm ca­
ráter mais pragmático que idealista, mais retórico que filo­
sófico. Mas há também entre eles pensadores que deram
orientação ética, espiritual aos escritos. É característica a frase
de J u v e n a l : “Deve-se à criança o máximo respeito” (Maxima
debetur puero reverentia).
C atão, Antigo (234-149). Pode-se considerar M a r c o
o
o primeiro romano a escrever sobre educação.
P ó r c io C a t ã o
Escreveu dois livros : Da educação das crianças e Preceitos
para o filho, que desapareceram. Conhece-se porém, sua atua­
ção na educação do filho por P l u t a r c o , segundo mostramos.
Defensor dos costumes antigos, o decisivo, para ele, era a for­
mação do caráter conforme a tradição. Seu ideal era “o ho­
mem bom, destro na palavra”. Opunha-se à corrente helenista,
intelectualista, de sua época, e acentuava o valor da agricul­
tura na vida e na educação. Era, no geral, espírito conser­
vador, arcaizante, posto haja reconhecido nos últimos anos da
vida o valor da cultura grega.

(4 ) H. I. M a r r o u , H istoire de Yéducation dans 1’antiquité.


A pedagogia romana 65

M a r o o T e r ê n c i o V a r r ã o (116-27). Representa a tran­


sição da educação antiga para a nova, helenística. Autor de
obra famosa, Disciplina em nove livros, espécie de enciclo­
pédia didática, tratou especialmente de gramática e de seu
ensino de modo científico. Sua obra influiu grandemente nas
enciclopédias com fins escolares, que tanto se desenvolveram
posteriormente.
M a r c o T ú l i o C í c e r o (106-43). O maior dos oradores ro­
manos exerceu também grande influência na educação. Do­
tado de grande cultura clássica, reconheceu todo o valor da
cultura e da filosofia gregas para a cultura e a educação ro­
manas. Representa o tipo mais puro da humanitas, da paideia,
da cultura espiritual. Sua finalidade é, nesse sentido, a for­
mação do estadista-orador, que não só deve conhecer retórica,
mas ainda filosofia. O ideal está compreendido no Estado,
mas um Estado não apenas nacional, senão também mundial.
D o ponto de vista individual, esse ideal se manifesta no vir
bonus, com ampla base cultural. C í c e r o foi dos primeiros
em tratar da educação do ponto de vista psicológico, ao estudar
a escolha da profissão, que se deve ajustar à peculiaridade indi­
vidual. Escreveu diversas obras sobre O Orador e, como P l a ­
t ã o , uma sobre a República e outra sobre As Leis. Segundo
D i l t h e y , C í c e r o “chegou a ser um dos maiores mestres dos
povos europeus modernos”.
Lúcio E n e u S ê n e c a (4 a. C.-65 d. C.). O grande filósofo
estóico, nascido na Espanha, também foi educador, como pre-
ceptor de Nero. Em suas obras aparece freqüentemente a
preocupação com a atividade educativa. Correspondente à sua
concepção filosófica, a finalidade da educação é o domínio de
si mesmo, das paixões e apetites pessoais. A educação tem,
assim, caráter ativo, como demonstram suas célebres frases:
“Não se há de aprender para a escola, mas para a vida”. “Mais
prestes conduzem os exemplos que os preceitos.” “Aprende­
mos melhor ensinando.” S ê n e c a realça também a necessidade
de conhecer a individualidade do educando e, portanto, o
valor da psicologia para a educação. Diz também que a edu­
cação retórica deve reduzir-se e, em compensação, ampliar-se
a educação filosófica. Finalmente, exalta a importância do
educador, “a quem devemos apreciar como um dos nossos mais
queridos e próximos familiares”.
66 A educação romana

P lu tarco (46- + 120). Exerceu sua maior influência


educativa por meio das célebres Vidas paralelas, que serviram,
no correr da história, de inspiração a numerosas e preeminen-
tes personalidades. Atribui-se-lhe também um tratado, A edu­
cação das crianças, cuja autoria, entretanto, nem todos lhe re­
conhecem. Em geral, seu ideal de educação é antes eclético,
e trata de conciliar os fins helênicos e os romanos. Para isso,
acentua o valor da música e do belo na educação, assim como
o dos exercícios físicos, mas também reconhece como fim su­
premo a formação do caráter. Por último, dá preferência à
educação doméstica sobre a educação escolar e afirma a neces­
sidade de conhecer as peculiaridades individuais.

5. Quintiliano

O maior dos pedagogistas romanos, M a r c o F á b i o Q u i n -


nasceu por volta de 35 da era cristã em Calahonra,
t il ia n o ,
Espanha, filho de um professor de retórica. Estudou em seu
país e depois passou-se para Roma, onde permaneceu vários
anos praticando com o famoso jurista Domício. Alcançou
grande renome como advogado e escritor, até que o impe­
rador Vespasiano lhe concedeu a primeira cátedra oficial de
retórica grega e latina, com vencimentos consideráveis. Exer­
ceu o magistério durante vinte anos, e chegou à máxima auto­
ridade como advogado e como professor. Retirado da cátedra
pelo ano 90, dedicou-se a escrever a obra A educação do ora­
dor (Institutio Oratória); depois foi nomeado preceptor ou
tutor de dois sobrinhos-netos do imperador Domiciano e re­
cebeu a insígnia consular, com todos os privilégios e hierar­
quias. Sua grande obra, a Institutio Oratória, em 12 livros,
destinava-se a servir para a educação do filho de Marcelo
Vitório e de seu próprio filho, que morreu antes de ela estar
acabada. Essa obra, na qual recolheu suas experiências de
professor e orador, teve a maior influência assim no seu tempo
como depois, sobretudo na Renascença.
As idéias pedagógicas de Q u i n t i l i a n o refletem, depuradas,
as idéias do tempo e, especialmente, as de C í c e r o , de quem,
sem embargo, difere em alguns pontos essenciais, como no que
se refere ao papel da filosofia na educação, que este defende
Quintiliano 67

e aquele contradiz, i m geral, suas idéias são antes de ca­


ráter literário, com fundo moral e cívico. Mas ninguém antes
dele havia dado tanta importância ao conhecimento de psico­
logia em educação. Sua descrença da filosofia pode explicar-
se pelas circunstâncias de seu tempo, contrárias a ela, dados
o descrédito de seus cultores e a falta de liberdade que reinava
para a expressão das idéias.
Para Q u i n t i l i a n o a educação começa na primeira infân­
cia, no seio da família. Nesta educação doméstica deve-se pôr
o máximo cuidado no ambiente que rodeia a criança — aias e
companhias — “porque naturalmente conservamos o que apren­
demos nos primeiros anos, como as vasilhas novas o primeiro
perfume do licor que receberam”. Nesta primeira idade o me­
nino há de aprender em forma de jogo, “para que não abor­
reça o estudo quem ainda não lhe tem afeição”. (5)
Depois, passa a criança para a escola elementar. E aqui
convém desfazer o erro dos que a tomam por escola pública.
Em minha opinião, Q u i n t i l i a n o defende a escola em geral,
pública ou particular, ante a educação doméstica, dada pelo
preceptor, pelos benefícios que aquela proporciona, do ponto
de vista do trato dos alunos uns com os outros, comparado
ao egoísmo produzido pela educação doméstica. No tempo de
Q u i n t i l i a n o ainda não havia começado a desenvolver-se a
escola pública propriamente dita, a qual, como vimos, é cria­
ção posterior. (*)
Na escola elementar, “o mestre hábil encarregado da crian-
primeiro que tudo explore sua inteligência e índole”. Esta
çei,
observação psicológica que Q u i n t i l i a n o aplica em toda a sua
obra, tanto a respeito dos alunos como dos mestres, é um de
seus mais felizes acertos. Aprendem os meninos escrita e lei­

(5 ) Q u in t il ia n o , Instituciones Oratórias, Madrid, Hemando, 2 vols. (B i­


blioteca Clásica).
( * ) Bom resumo dos argumentos de Q u in t il ia n o , nessa matéria de tamanha
importância para a formação da personalidade, pode ser encontrado na excelente
H istoire d e la P édagogie de F. C o l l a r d , antigo professor da Universidade de
Lovaina (Boeck, Bruxelas, 1 9 2 0 , pp. 34-6). A integra desses argumentos figura em
florilégios pedagógicos, dos quais lembraríamos dois: l.®> o livro clássico de Paul
M o n r o e , Source b ook o f th e history o f education fo r the g reek and rom an p eriod ,
MacMillan, Nova York, 1901, pp. 459 ss. da ed. 1939; e 2 - ° ) a bem feita
A ntologia pedagógica de Lorenzo L u z u r ia g a , “Biblioteca Pedagógica", Losada,
Buenos Aires, 1956, pp. 2 7 ss. Para a leitura completa do D e Institutione Ora­
tória, v., por exemplo, tradução francesa do emérito latinista Henri B o r n e c q u e ,
"Classiques Garnier”, Garnier, Paris, 4 vols., s/d. (Nota dos trads.)
68 A educação rom ana

tura, e éle recomenda que a leitura seja feita com figuras mó­
veis, antecipando-se, assim, a nosso tempo. Faz também esta
observação, nem sempre atendida : “Uma coisa recomendarei,
e é que se entenda o que se lê, para lograr tudo isto”. O mais
importante aqui como em tudo, é ter bons mestres, pois “os
primeiros elementos em nossos estudos são mais bem tratados
pelos melhores mestres”. E assim se explica, diz, que Filipe
houvesse encarregado da educação de seu filho Alexandre, na­
da menos que a A r i s t ó t e l e s , o mais famoso filósofo do tempo.
Na educação elementar devem alternar-se trabalho e re­
creio, embora Q u i n t i l i a n o não tenha a este senão como meio
de intensificar o estudo. Tolera os exercícios físicos, mas sem­
pre com moderação. Sem embargo, o brinquedo é importante,
“porque nele o menino revela suas inclinações”.
Uma vez que aprendeu a ler e escrever, passa o aluno pa­
ra a escola de gramática (o grau médio) onde aprende a gra­
mática propriamente dita, a redação, a música, as matemá­
ticas, e os exercícios orais e físicos. A gramática compreende
também a literatura, tanto grega como latina, por intermédio
dos respectivos poetas e clássicos. Cumpre observar, na lin­
guagem, correção, clareza e elegância. E isso se há de con­
seguir principalmente pelo hábito e pela prática, e aqui há
também interessante observação: “Julgo que se deve escre­
ver cada palavra como se pronuncia, se isso não repugnar ao
habitual”.
A literatura, porém, além do valor estético, tem valor
espiritual, ético; por isso deve-se começar por H o m e r o e V i r ­
g í l i o , “para alevantar o espírito com a grandeza do verso
heróico” e ler também “o que fomente o engenho e aumente
as idéias”, deixando a erudição para depois. Além da gramá­
tica e da literatura, o aluno deve aprender aquilo a que se
chama enciclopédia. Em primeiro lugar, a música, posto que,
como todos os romanos, não lhe dê a njesma importância que
os gregos, limitando-a a quanto necessita o orador para o do­
mínio da voz. Quanto às matemáticas, destaca o cálculo e a
geometria. Q u i n t i l i a n o não se excede no tocante aos exer­
cícios físicos, reduzindo-os aos mais elementares e principal­
mente aos ademanes e aos gestos.
Finalmente, vem a escola de retórica, de caráter superior
e especial para a formação do orador, a qual se baseia em nar­
Quintiliano 69

rações históricas, exercícios dialéticos, leitura e comentário de


clássicos, eloqüência, direito, etc., sem incluir, porém, a filo­
sofia, pelas razões já mencionadas.
Se indagássemos do valor da pedagogia de Q u i n t i l i a n o ,
haveria que assinalar: 1.°) seu reconhecimento do estudo psi­
cológico do aluno; 2.°) acentuação do valor humanístico,
espiritual, da educação; 3.°) finura em matéria de ensino das
letras; 4.°) reconhecimento do valor da pessoa do educador,
do qual fez o primeiro estudo de caráter psicológico que se co­
nhece na história da pedagogia.
C A PÍTU LO VII

A educação cristã primitiva

Com o aparecimento do cristianismo, muda o rumo da


história ocidental. Postas de parte as circunstâncias teológicas,
vem o cristianismo, historicamente, da religião hebraica e da
cultura helênica. Da primeira recebe os livros do Antigo Tes­
tamento e a emoção religiosa; da segunda, a visão filosófica
e a atitude ética. Sobre ambas eleva-se a atitude espiritual
cristã própria.
No que tange à educação, o significado do cristianismo,
historicamente, pode reduzir-se ao seguinte :
1.°) Reconhecimento do valor do indivíduo como obra
da divindade.
2.°) Superação dos limites de nação e Estado e criação
da consciência universal humana.
3.°) Fundamentação das relações humanas no amor e na
caridade.
4.°) Igualdade essencial de todos os homens, seja qual
for a posição econômica ou classe social.
5.°) Valorização da vida emotiva e sentimental sobre a
puramente intelectual.
6.°) Consideração da família como a mais imediata co­
munidade pessoal e educativa.
7.°) Desvalorização da vida terrena presente ante o além,
e, portanto, subordinação da educação à vida futura.
8.°) Reconhecimento da Igreja como órgão da fé cristã
e, logo, como orientadora da educação.
A prim eira educação cristã 71

O que aí fica foi dito em termos mui gerais e sempre com


finalidade didática. A seguir trataremos primeiramente da
educação cristã primitiva, deixando seu ulterior desenvolvi­
mento para o estudo da educação medieval.

1. A primeira educação cristã

Q cristianismo, como é sabido, se desenvolveu dentro do


fjimpério romano] e com ele conviveu durante cerca de cinco
séculos. A educação cristã se realizou, nos primeiros tempos,
direta e pessoalmente. Os educadores foram o próprio J e s u s
— Io Mestre por excelência]—, os apóstolos, os evangelistas e,
em gêralTos discípulos de C r i s t o . É uma educação sem esco­
las, como foi na budista, na judaica e, em geral, em todas as
religiões, em seus primeiros tempos.
O meio ou ambiente educativo nesta primeira época é, de
um lado, a comunidade cristã primitiva, que pouco a pouco
se vai convertendo na organização da Igreja, e doutro a fa­
mília, que constitui o núcleo imediato da vida e da educação
e subsiste através de todas as mudanças históricas.
Surge, contudo, pouco a pouco, uma forma própria de
ensino, não de caráter pedagógico, mas religioso, de prepa-
ração para a vida ultraterrena, e mais concretamente para o
Vbatismo") que se fazia na idade adulta. Aparece então zhinstru-/
1ção natequista\ dada pela própria Igreia ou por delegados espe­
ciais, que instruíam os yatecúmenosj como professores, e eram
chamados “didáscalos”. T al preparação, de começo muito ele­
mentar, foi-se desenvolvendo aos poucos, até dar em escolas
propriamente ditas, a cargo dos sacerdotes; O conteúdo da
instrução era naturalmente o catecismo, ao qual se juntaram,
mais tarde, canto e música. Na época da perseguição reli­
giosa esse ensino era dado, como é sabido, clandestinamente,
nos lugares dedicados ao culto e aos sepultamentos (cata­
cumbas).
Durante muito tempo a educação cristã primitiva esteve
reduzida a essa instrução elementar catequista. Compreen-
deü-se, porém, paulatinamente, a necessidade de contar com
pessoal docente especialmente preparado para educação; e
surgiram as escolas de catequistas, a primeira das quais foi
a de Alexandria, criada por volta de 179 por P a n t a e n u s , filó-
72 A educação cristã prim itiva

sofo grego convertido. Nela o ensino religioso era dado de


ponto de vista superior, a um tempo enciclopédico e teoló­
gico. Ao fundador sucederam dois dos mais destacajdos Pa­
dres da Igreja : SÃo C l e m e n t e e O r í g e n e s . A escola chegou
a converter-se no mais importante centro de cultura religiosa
e sacerdotal da época.
Mais adiante nasce novo tipo de escola, a escola episcopal,
para a formação de eclesiásticos, de que o exemplo mais ilus­
tre é a fundada por Santo A g o s t i n h o em Hipona. Nessas esco­
las dava-se instrução superior aos aspirantes da Igreja (diá-
conos, sacerdotes, etc.), constante de ensino de teologia e
serviço eclesiástico, ao passo que a cultura humanista a re­
cebiam nas escolas tradicionais romanas.
Finalmente, depois das invasões dos bárbaros vem um tipo
de escola elementar, de alcance mais vasto que o anterior, a
paroquial ou presbiterial, a escola das igrejas rurais. O Con­
cilio de Vaison, de 529, ordena “a todos os sacerdotes encar­
regados de paróquia receber jovens na qualidade de leitores,
com o fim de educá-los cristãmente, de ensinar-lhes os salmos
e as lições da Escritura e toda a lei do Senhor, de modo que
possam preparar entre eles dignos sucessores”. Essa recomen­
dação foi repetida noutros Concílios, como o de Mérida, na
Espanha, em 666.
Todas essas escolas que vimos indicando têm, todavia, ho­
rizonte muito limitado : formação de eclesiásticos. A maioria
da população ficava sem instrução ou a recebia nas escolas
romanas ordinárias, até que estas desapareceram com a inva­
são dos bárbaros. Então o ensino foi dado nos mosteiros, úni­
cos mantenedores da educação e da cultura.
A educação dos mosteiros merece capítulo à parte, pela
importância que teve na Idade Média inteira. A educação
monástica surgiu no Oriente, entre os monges que se retira­
ram para o deserto e organizaram os primeiros mosteiros. Ne­
les recebiam noviços, aos quais davam educação mais ascética
e moral que intelectual. Esta, entretanto, não ficava excluída,
já que os noviços deveriam poder ler as Sagradas Escrituras.
Na Regra de SÃo P a c ô m i o (cerca de 320-340), prescreve-se
que se um ignorante entrar num mosteiro, dar-se-lhe-ão a
aprender vinte salmos ou duas epístolas. Se não souber ler,
aprenderá com um monge letrado, com três horas de aula por
dia, letras, sílabas e nomes. De sua parte, a Regra de SÃo
Educadores e pedagogistas cristãos 73

B a s í l i o ordena sejam admitidos desde a primeira infância os


meninos levados pelos pais ou os órfãos, para ensiná-los a ler
e conhecer a Bíblia. O mesmo recomendará SÃo J o ã o C r i ­
s ó s t o m o , por volta de 375. Mas toda essa educação, como a
anterior, continua reservada a certa minoria; naquela, de ecle­
siásticos; nesta, de monges. Tal educação se estende também
aos conventos de monjas, a quem se obriga a aprender a ler,
a entregar-se à leitura e à cópia de manuscritos.
O movimento da educação monástica culmina com a Re­
gra da Ordem de São Bento (cerca de 525), que dá o modelo
para esse tipo de educação em toda a Europa. Manda ela a
leitura dos textos sagrados durante a refeição dos monges; a
admissão de meninos para educar; o trabalho dos monges,
pois “a ociosidade é o inimigo da alma” e dispõe sobre horas
de leitura fora das refeições, em livros da biblioteca que deve
haver no convento, instituindo-se um inspetor para velar por
que as leituras se façam. Em suma, a ordem dos beneditinos
chegou a converter-se em verdadeiro centro de cultura ç edu­
cação, como veremos adiante.

2. Os primeiros educadores e pedagogistas


cristãos

Nos primeiros séculos da Igreja, os pensadores que cons­


tituem a chamada Patristica ou, seja, os Padres da Igreja,
quase todos são educadores; na maior parte formaram-se na
cultura e filosofia grega e romana, especialmente no neoplato-
nismo e no estoicismo, e cuidaram de conciliá-las com a nova
fé. Não constituem escolâ filosófica, nem são filósofos propria­
mente ditos, antes pregadores e educadores, embora alguns,
como Santo A g o s t i n h o , tenham chegado, como filósofos, a
altura intelectual incomparável. Destacam-se, entre eles, os
seguintes:
C l e m e n t e d e A l e x a n d r i a (150-215?). Educado na filo­
sofia grega e convertido ao cristianismo, foi um dos reitores
da importante Escola de Alexandria, como já se disse. Ao
mesmo tempo escreveu o primeiro tratado cristão de educação,
O Pedagogo, no qual trata de conciliar os estudos humanísticos
74 A educação cristã prim itiva

e científicos com a fé cristã, subordinando-os, naturalmente,


a ela. Para ele o mestre é o logos, que quando dirige os homens
para a virtude se chama logos pedagogo e quando ensina a
verdade, logos didascalo. SÃo C l e m e n t e diferencia claramente
diversos tipos de educação. “Uma coisa é”, diz, “a educação do
filósofo, outra a do retórico e outra a do homem do mundo;
assim há, também, propriamente, uma organização da vida,
que, surgindo da pedagogia de C r i s t o , é adequada a um esta­
do de espírito satisfatório e belo, e por tal natureza são como
que consagrados o andar e o descansar, o alimento e o sono,
a comunhão de amor e a obra da vida, assim como todos os
restantes bens educativos; pois tal educação não é exagerada
pelo logos, antes equilibrada”. (])
O r í g e n e s (185-254). Discípulo de SÃo C l e m e n t e , suce­
deu-o na direção da Escola de Alexandria, e teve grande cul­
tura. Recomenda o estudo das ciências, especialmente das ma­
temáticas, e considera a filosofia como coroamento do saber
e preâmbulo para doutrina religiosa, pois a virtude pode
ser ensinada e aprendida. Mas o decisivo são os evangelhos
e a tradição apostólica, acessíveis a todos. O r í g e n e s escreveu
obras filosóficas importantes, entre elas uma Suma teológico-
metafísica, que influiu grandemente na cultura posterior. Mas
caiu na heterodoxia, como era tão freqüente entre os pensa­
dores dessa época, em que o dogma cristão ainda não estava
rigorosamente constituído. Sua importância como educador
está na escola que dirigiu em Alexandria e na que, mais tarde,
fundou em Cesaréia, e alcançou grande fama.
Da pedagogia monástica propriamente dita haveria a citar
dessa época :
SÃo B a s í l i o (329-379), a quem se deve a fundação dos
mosteiros do mundo católico oriental, homem de grande cul­
tura e cujas Regras revelam grande tino pedagógico. Acentua
sobretudo o senso social, de comunidade, e insiste no valor
da caridade e do auxílio mútuo. Aparece com ele, pela pri­
meira vez, a escola monástica, que tamanho desenvolvimento
alcançou posteriormente. Como meios de educação recomenda
o trabalho e a leitura dos Evangelhos; as letras serão apren­
didas por meio deles, especialmente do livro dos Provérbios.

(I) S ão C l e m e n t e , E l P edagogo, vol. I, X II.


Santo Agostinho 75

I São J e r ô n i m o 7(840-420). Distinguiu-se na educação, além


' da ação monástica, pelas duas cartas que escreveu sobre a
\ educação das meninas, e revelam o tipo de educação femi-
' nina do cristianismo primitivo, embora seguisse freqüente-
| mente as idéias e os métodos de Q u i n t i l i a n o . Lembrando-o,
^indubitavelmente, diz da primeira educação : “A experiência
nos ensina que o aprendido na meninice e bebido com o leite
dificilmente esquece, pois é difícil perca a lã a cór e tinta
que primeiro lhe deram e volte à própria alvura por mais que
a lavem, e perca a panela o olor e o sabor do que primeiro
lhe deitaram”. E recomendando a educação doméstica, ma­
terna, adverte : “A maior mestra de vossa filha sereis vós, e
vivereis de tal sorte que à tenra menina admirem vossos san­
tos costumes, e não veja em vós, nem em seu pai, coisa que
possa ser pecado. Lembrai-vos, pois, de que sois mãe de uma
donzela, que melhor poderá ser ensinada com exemplos que
com palavras e gritos”. (2) SÃo J e r ô n i m o recomenda educação
ascética, até o ponto de pôr de lado os banhos, e instrução
baseada essencialmente em orações, leitura de livros religio­
sos e trabalhos manuais e domésticos.

SÃo B e n t o (480-543?). O grande fundador da ordem be­


neditina e do Mosteiro de Monte Cassino tem especial signi­
ficação pedagógica, mais que pelos escritos, pela ação educa­
tiva, que atingiu a Europa toda. Como já ficou dito,
recomendou o trabalho manual, a leitura em voz alta e a
cópia de manuscritos. Estabeleceu também, nos mosteiros,
escolas para externos.

3. Santo Agostinho

O maior dos Padres da Igreja e um dos pensadores mais


importantes de todos os tempos, nasceu em Tagaste, na Numí-
dia, na África romanizada, no ano de 354, de pai pagão
e mãe cristã. Educado na tradição helênica, na escola de retó­
rica de Cartago, desperta-lhe a vocação filosófica a leitura de
C í c e r o . Em sua inquietação espiritual, adota as idéias da seita

(2 ) SAo J e r ô n im o , E pístola a Leta.


16 A educação cristã prim itiva

maniquéia, (*) escola cristã com mescla de elementos orien­


tais e se dedica ao ensino da retórica e da eloqüência na
terra natal. Dirige-se, depois, para Roma e Milão, onde se
põe em contacto com o grande bispo S a n t o A m b ró s io , que o
converte ao cristianismo ortodoxo. Em Roma ocupa a mais
alta cátedra de retórica, até que regressa à África, onde se
dedica à meditação e é ordenado, primeiro sacerdote, depois
bispo de Hipona. Funda aí uma comunidade religiosa, logo
convertida em grande centro de cultura eclesiástica e donde
saíram destacados sacerdotes e bispos; faleceu em 430.
S a n t o A g o s t i n h o escreveu numerosas obras, das quais, pa­
ra nós, as mais importantes são: Confissões, autobiografia da
juventude, de grande valor psicológico; A Cidade de Deus,
a primeira filosofia da história e que teria enorme repercussão
no futuro; e o pequeno tratado O Mestre, no qual expõe ao
filho suas idéias sobre educação. Deve-se também contar entre
suas obras didáticas o tratado Da Ordem, em que explica sua
concepção da educação integral humanística.
Podem-se distinguir duas épocas na pedagogia de S a n t o
A g o s t i n h o ; uma, em que acentua o valor da formação hu­
manística e outra, em que afirma sobretudo a
tica. Em ambas para ele o decisivo é a consciência moral, a
profundeza espiritual, que nos ilumina a inteligência e faz
reconhecer a lei divina eterna. Não descuida, não obstante,
máxime na primeira época, do valor da cultura física, dos
exercícios corporais, assim como da eloqüência e da retórica
para a vida espiritual. Tudo posto ao serviço da salvação. O
decisivo, porém é a formação da vontade. Por isso, d iz: “Não
há esperar das crianças inteligência, nem tampouco aspirar a
ela; o primeiro é, objetivamente, a consciência, a disciplina;
subjetivamente, a obediência”.
A sabedoria, a cultura humanística, é, porém, necessária
aos dirigentes da Igreja; nesse sentido aceita as artes liberais

(*) A seita m aniquéia,


ou m aniqueism o, é a doutrina do herético M a n i , o u
M a n iq u e u (século I I ) , que
procurou combinar coin o cristianismo o dualismo
tradicional da antiga religião de Zoroastro. Esse dualismo era o de dois prin­
cípios cósmicos coeternos, o bem e o mal; daí, por extensão, dar-se o nome de
m aniqueism o a toda doutrina que admita o dualismo desses dois princípios opos­
tos. V., a propósito do papel de M a n iq u e u em seu tempo, o bom resumo de
Edward McNall B u r n s , H istória da civilização ocidental, trad. port, de Lourival
Gomes Machado e Lourdes Santos Machado, Editora Globo, Porto Alegre, 1948,
pp. 135 ss. (Nçta dos trads.,).
Santo Agostinho 77

da tradição greco-romana, incorporando-as à formação reli­


giosa teológica. Apenas cumpre evitar a erudição pura, o sa­
ber sem objetivo. O fim supremo a que se deve aspirar é o
reino dos valores éticos, aos quais podem ascender também os
ignorantes e humildes que tenham pureza de coração, amor e
boa vontade. Aqui, adverte : “O que importa é que tal seja
a vontade do homem, porque, se for má, estes impulsos serão
maus e, se boa, não só serão inculpáveis, mas dignos de elo­
gios, pòsto que em todos há vontade ou, melhor, todos mais
não são que vontades; pois, que outra coisa são o desejo e a
alegria senão vontade conforme com as coisas que queremos ?;
que são o medo e a tristeza senão vontade desconforme com as
coisas que queremos ?” (3)

(3 ) Santo A g o s t in h o , Lq Ciudad de Dios, Buenos Aires, Ed. Poblçt,


C A P ÍT U L O VIII

A educação medieval

Durante a Idade Média continua o predomínio da edu­


cação cristã, que chega então ao apogeu e adquire outro ca­
ráter ao surgirem novos fatores sociais e culturais. Expostos
esquematicamente, esses fatores são:
1.°) O próprio cristianismo, que se desenvolve intelectual
e institucionalmente até alcançar a eminência má­
xima com a Escolástica e com o nascimento das
universidades.
2.°) O germanismo, que, ao expandir-se, dá lugar ao feu­
dalismo e, com C a r l o s M a g n o , a um propósito de
educação palatina e estatal.
3.°) O localismo dos municípios e o gremialismo das
profissões, que dão origem a novo tipo de estrutura
social.
Esses fatores culturais e sociais influem na orientação da
educação de múltiplas maneiras, a saber:
1.a) Acentuação do ascetismo, com o conseqüente menos­
prezo da educação para a vida terrena.
2.a) Maior atenção à vida emotiva e religiosa, com pre­
juízo da educação intelectual.
3.a) Caráter universal, supernacional da educação, com
o empregar-se língua única, o latim, e com o cria-
rem-se universidades, abertas a alunos de todos os
países.
4.a) Predomínio no ensino das matérias abstratas e lite­
rárias, com descuido das realistas e científicas.
A educação monástica e catedral 19

5.a) Aspecto verbalista e memorístico dos métodos de edu­


cação, com menosprezo da atividade.
6.a) Submissão a rigorosa disciplina externa, ao invés da
liberdade de indagar e de ensinar.
7.a) Aparecimento do tipo de educação cavaleirosa, pró­
prio das idades guerreiras e heróicas.
8.a) Desenvolvimento de uma educação secular, munici­
pal ou gremial, junto à eclesiástica.

Tudo isto, dito assim muito esquematicamente, será desen­


volvido nas páginas seguintes.

1. A educação monástica e catedral

Com a irrupção dos povos bárbaros, germânicos, no Impé­


rio romano, no século v, submerge a cultura clássica e o
mundo ocidental fica rodeado de trevas, uma “idade escura”,
como lhe chamam os ingleses. Só resta o débil lucilar das
escolas e mosteiros da educação cristã primitiva, que vão ad­
quirindo, sem embargo, cada vez maior desenvolvimento e ri­
queza, até converterem-se, durante os primeiros séculos me­
dievais nos únicos centros de cultura e educação.
Entre os mosteiros cumpre contar, em primeiro lugar, os
da ordem beneditina, anteriormente citada, e que na Idade
Média alcançam o máximo desenvolvimento, até converterem-
se no eixo da educação monástica ocidental. Destacaram-se os
de Monte Cassino, na Itália; de York, na Inglaterra; de Ful-
da, na Alemanha; de São Gali, na Suíça; e de Tours, na
França. Depois progrediram os mosteiros e conventos de outras
ordens, como as dos cluniacenses e cistercienses e dos francis-
canos e dominicanos, que também contribuem para a cultura
e educação medievais.
Nos mosteiros, o essencial era, naturalmente, a vida reli­
giosa, e só subsidiariamente a cultural e educacional. Por
isso, seu aspecto intelectual era mui reduzido; mas, em com­
pensação, era mui elevado o aspecto moral e espiritual/ A
finalidade educacional mais importante era a formação de
monges, que começava muito cedo, aos 6 ou 7 anos, como pueri
oblati, e ia até os 14 ou 15. Iniciavam-nos na leitura e escrita,
80 A educação m edieval

~y nos trabalhos agrícolas e artísticos, na cópia de manuscritos


e no conhecimento das Sagradas Escrituras. Posteriormente,
introduziu-se também o estudo de alguns escritores clássico^/
Além desse ensino interno, muitos mosteiros tinham também

S escolas externas para educação dos alunos pobres que se não


dedicavam ao monacato. Segundo Otto W i l l m a n n , ao ter­
minar a Idade Média, havia nada menos que 37.000 edifícios
pertencentes aos beneditinos ou às ordens deles derivadas, dos
quais só a vigésima parte tinha centros de ensino. (*)
1 Durante a Idade Média surge novo tipo de educação ecle-
] siástica, as escolas catedrais, desenvolvidas sobretudo a partir
\ do século xi. Nelas o ensino estava a cargo dum scholasticus
\ou didascalus, posto também participassem dele os próprios
j bispos e monges ou sacerdotes especialmente cultos,/'As esco­
las catedrais mais notáveis foram as de Latrão, em Roma,
Lyon, Reims, Liège, Magdeburgo, Paderborn, etc., as quais,
entretanto, começaram a decair desde que se fundaram as uni­
versidades.
As escolas catedrais se destinavam principalmente à for­
mação de clérigos. O ensino se compunha do trivimn e do qua-
drivium, isto é, de matérias realistas e humanistas, e dos Evan­
gelhos ou teologia. Como as escolas monacais, tinham também
uma escola externa, freqüentada por alunos das classes sociais
superiores ou profissionais.
A função dos bispos não se limitava às escolas catedrais;
I estendia-se também à inspeção de todas as escolas existentes,
\ especialmente das paroquiais anexas às igrejas, como dissemos,
I e que tinham caráter elementar e estavam entregues ao cui-
' dado dos párocos e sacritãosy Sobre a fundação destas escolas
ordenou o Sínodo de Saint Omer em 1183 : “Como as escolas
servem para formar aqueles a quem de futuro incumbirão os
assuntos temporais e espirituais do Estado e da Igreja, orde­
namos que em todas as vilas e aldeias de nossa diocese sejam
restauradas as escolas paroquiais onde hajam decaído e sejam
objeto de continuado cuidado onde ainda se mantenham. Fi­
nalmente, devem cuidar os parócos, magistrados e membros
distintos da comunidade de que seja dada a necessária manu­
tenção aos mestres, como ocorre com os sacristãos nas aldeias”.

(1 ) Otto W i l l m a n n , T eoria d e la form ación hum ana, Madrid, Instituto


de San José de Galasanz.
A educação palatina e estatal 81

D a educação eclesiástica da Idade Média disse D i l t h e y :


“Antes do mais deve-se abandonar a idéia de que ò Estado
eclesiástico haja posto os povos na posse de conhecimentos
superiores. Nada disso... Conseqüentemente, a instrução não
poderá fundar-se no estímulo e entusiasmo intelectuais, mas
na obediência, no castigo e no amor próprio da juventude, ou
ainda num engenho excepcional para o qual não seja dema­
siado grande nenhum obstáculo. Por isso exercitaram-se pre­
dominantemente a memória e algumas outras coisas, como o
sentido da linguagem”. (2)

2. A educação palatina e estatal

C o m o transcurso do tempo, a educação monástica e ecle­


siástica' medieval fora piorando, até o ponto de serem conside­
rados os anos compreendidos entre 600 e 850 como os mais
obscuros da Idade Média. Nos séculos v iii e i x , porém, há
como que um oásis: a atuação de dois grandes monarcas,
C a r l o s M a g n o em seu império e A l f r e d o , o Grande, na Ingla­
terra. Ambos se preocupam com a educação, não só dos ecle­
siásticos, mas do povo e também da nobreza.
I C a r l o s M a g n o (742-814), o grande imperador franco,
'após unificar sob seu mando quase toda a Europa, observou
as deficiências da cultura eclesiástica e secular e tratou de
saná-las. Para isso principiou por organizar em seu palácio,
seguindo a tradição merovíngia, uma escola, que freqüentaram
*£le próprio, sua família e alguns nobres selecionados para o ,
serviço da Igreja e do Estado* À frente dela pôs a eminente ^
figura de A l c u í n o ', educado no mosteiro inglês de York* Ensi- f
navam-se matérias de toda classe, desde as mais elementares I
para os filhos do rei e imperador, até as humanistas em latim \
e grego para este e para os nobres aspirantes a funcionários. )
Ensinava-se também poesia, aritmética, astronomia, teologiaJM
No ensino tomava parte ativa C a r l o s M a g n o , por meio de \
discussões e diálogos. A escola palatina não acabou por sua j
morte, mas continuou com seu filho Luís, o Piedoso, que cha- ^
mou para dirigi-la outro grande educador medieval, E s c o t o
E ríg e n a .

(2 ) D il t h e y , H istoria de la P edagogia.
82 A educação m edieval

Trabalho semelhante realizou em Inglaterra A l f r e d o , o


Grande (849-901 ?), criando uma escola palatina, freqüentada
pelos nobres da córte e ainda por moços de origem humilde.
Fez também traduzir do latim para o inglês obras clássicas e
eclesiásticas e, em geral, tratou de seguir os passos de C a r l o s
M A G N c y No prefácio da tradução de uma obra de SÃo G r e -
g ó r i o exprimia a esperança de que “se tivermos bastante tran­
qüilidade, todos os jovens nascidos livres na Inglaterra po­
derão aprender a escrever o inglês” enquanto os mais adian­
tados eram ensinados em latim.
Mais importante ainda que essas criações palatinas é a
obra empreendida por C arlo s M agno para elevar a educação
do povo, iniciando uma educação secular, estatal, que desgra­
çadamente não teve continuação, mas firmou precedente va­
lioso no processo posterior da educação pública. Reconhe­
cendo, com efeito, o estado lamentável da cultura dos ecle­
siásticos e a necessidade de contar com funcionários para o
Império, baixou Proclamações e Editos, inspirados, sem dú­
vida, por A lcuíno, seu conselheiro. No primeiro, de 787, de­
pois de deplorar o estado de ignorância dòs membros da Igreja
e dos Mosteiros, exorta-os “não só a não descuidar o estudo das
letras, mas também a estudar com humildade e seriedade para
que possam ser capazes de penetrar fácil e corretamente os
mistérios das Escrituras Sagradas.. . Para essa obra hão de
ser escolhidos homens que tenham vontade e capacidade de
aprender e desejo de ensinar aos outros”. Dois anos após, em
789, dirigiu outra Proclamação, ordem para que se criassem
escolas em todas as paróquias, e onde as crianças pudessem
aprender a ler. Nos mosteiros ensinar-se-iam os salmos, os
sinais da escrita, os cânticos, a gramática e os livros sagrados.
Chegou, igualmente, a ordenar em outra Proclamação, do
ano de 802, dirigida aos senhores, “que todos mandassem os
filhos à escola para estudar as letras e que o menino perma­
necesse na escola até ser instruído nelas”. Ao mesmo tempo
buscou em Rom a mestres para as escolas e instituiu funcio­
nários (missi dominici) para servir de inspetores do ensino.
A obra de C a rlo s M agno subsistiu durante algum tempo, so­
bretudo com seu filho e graças à atuação de A l c u í n o no mos­
teiro de Saint Martin, em Tours. No ano de 8 2 9 os bispos da
Gália dirigiram-se a Luís, o Piedoso, pedindo que, “a exem-
A educação cavalheiresca 83

pio do pai, estabelecesse escolas em vosso reino para que o


trabalho de vosso pai e o vosso próprio não desapareça por
descuido”.
A l f r e d o , o Grande, como já foi dito, realizou trabalho
parecido na Inglaterra, para onde levou sábios e educadores
de fora, com o fito de elevar o nível cultural; preparou, assim,
o aparecimento das universidades.

3. A educação cavalheiresca

Outro elemento na educação secular da Idade Média é


constituído pelo desenvolvimento da cavalaria. As condições
sociais e políticas dessa época produzem um tipo de homem
que sç distingue pela índole guerreira. De origem germânica,
a cavalaria constitui um tipo de organização em parte coin­
cidente com o feudalismo. Por ela os cavaleiros se vêem livres
dos trabalhos econômicos e podem dedicar toda a atividade
a outros fins/ O principal deles é o serviço do Príncipe, do
Estado, em sua forma rudimentar; daí nasce o sentido da
fidelidade, da obediência. Mas essa fidelidade se realiza sobre­
tudo pelàs armas e pela guerra; daí a necessidade do valor,
Lda coragem que todo cavaleiro deve ter/ Por outro lado, tem
l também deveres para com os socialmente inferiores, aos quais
deve proteçãc/. Nas relações com os mais cavaleiros deve obe­
decer a certas normas, que constituem o código da honra.
Finalmente, no trato com a mulher há de dispensar-lhe consi­
deração especial, e daí vem a cortesia.
Valor, honra, fidelidade, proteção, cortesia, eis as prin­
cipais virtudes que o cavaleiro deve reunir. Há de simultanea­
mente ter certas condições físicas: saber manejar as armas,
realizar determinados exercícios e dominar alguns elementos
espirituais e intelectuais, embora isto não tanto quanto aquiloy
Referindo-se às qualidades do cavaleiro, diz C o r n i s h , citado
por M o n r o e (3): “Observamos neles (os cavaleiros) valor
temerário, arrogância pessoal, respeito de si mesmo, cumpri­
mento cortesão da palavra de honra, ainda que empenhada
conforme certas formas, despreocupação de toda vantagem pes­
soal, exceto a glória guerreira e, por outro lado, ferocidade

(3 ) M o n r o e , H istoria d e la P edagogia, Madrid, La Lectura.


84 A educação m edieval

s e lv a g e m , c ru e ld a d e d e lib e r a d a , coT agem le v a d a quase até à


lo u c u r a , m a n ife s ta e x t r a v a g â n c ia , p r o d ig a lid a d e fr ív o la , fa lta
de d is c ip lin a m il ita r , escassez d e fé c ris tã e in f id e lid a d e ” .
D i l t h e y c o m p a r a o d e s e n v o lv im e n to d esse tip o d e c a v a ­
le ir o m e d ie v a l c o m o d o s g u e rr e iro s d a é p o c a h e r ó ic a dos
g re g o s, ro m a n o s e ‘á ra b e s e n o t a q u e é e n c o n tr a d o n a h is tó ria
d e to d o s os p o v o s.
| A educação do cavaleiro realizava-se, quando menino, no
seio da família, no próprio palácio. Aos seis ou sete anos era
mandado, já para a corte, já para o palácio de outro cavaleiro,
e ficava principalmente ao serviço das damas como pajem.
Aos quatorze ou quinze passava a escudeiro, e acompanhava
\ o senhor nas guerras e a senhora no castelo, nas horas de paz.
\Aos vinte e um era armado cavaleiro em cerimônia especial e
j adquiria, então, personalidade independente, posto fosse, às
vezes, vassalo ou tributário de outro cavaleiro.
( O conteúdo da educação de cavaleiro, do ponto de vista
j intelectual, era mui pobre; havia até os que não sabiam ler
nem escrever. Em compensação, cultivavam-se intensamente
as destrezas físicas, corporais, entre as quais se incluíam cor­
rida, equitação, esgrima, manejo do arco e da lança, natação
e, muito especialmente, a caça. Não se descuidava, contudo,
a formação espiritual, qué consistia na aprendizagem de ora-
1 ções, na recitação de poesias, em leitura e escrita e em música
| e canto.
Os exercícios físicos culminavam nos torneios, nos quais
julgavam o valor e a habilidade dos cavaleiros e vinham a
ser como os jogos olímpitos gregos ou como os jogos esportivos
de hoje. Por vezes os jovens escudeiros iam a outros países,
especialmente à França, aperfeiçoar seus conhecimentos e habi­
lidades; daí muitos aprenderem também a língua francesa,
junto à latina e à materna. Trata-se, em suma, de uma edu­
cação de minoria, que fazia por domar as tão vivas paixões
dos cavaleiros da época e exaltar certas virtudes, mais pela
participação nas atividades vitais que peja escolaridade mal
e mal existente.
I Não era descuidada tampouco a educação da mulher; e
I consistia principalmente em prendas domésticas e no cultivo
S da poesia, da música e do canto. Foi a mulher exaltada pelos
I cavaleiros por forma extraordinária, como um dos mais caros
I ideais.
A educação universitária

4 . A educação universitária

Um terceiro momento no evolver da educação secular


(secular, do século, fora dos claustros) na Idade Média é o
nascimento das universidades no século xxi. Não surgiram
uniformemente, mas espontaneamente e por vária forma. Em
geral, trata-se de movimento no sentido da cultura superior
clerical e profissional, acomodado às circunstâncias locais e
^nacionai^. A primeira universidade européia foi a Escola de
Medicina de Salerno, na Itália, quiçá por influência da cultura
oriental arábica. A ela seguiu-se, ainda na Itália, a de Bo­
lonha, dedicada especialmente ao estudo do Direito e fundada
também no século xn. Mas nenhuma importou para a cul­
tura ocidental como a de Paris, fundada no século xm, sur­
gida da escola catedral de Notre Dame, e que modelou as
demais universidades européias. Seguiram-se a ela, no mesmo
século, as de Oxford e Salamanca e, mais tarde, muitas outras,
até que, pelo fim do século xv contava a Europa umas
oitenta.
A forma de nascimento das universidades é muito va­
riada. Umas vêm espontaneamente, da autoridade e atração
de um mestre, como as de Paris, Salerno e Oxford; outras,
por fundação do Papa, como as de Roma, Pisa e Montpellier;
outras por edito do príncipe, como as de Salamanca e Nápoles,
e outras (o que é o mais freqüente) são criadas por ambos
os poderes, como as de Praga, Viena, etc.
Variavam também na organização. Umas, como as de Pa­
ris, eram sociedades ou agrupamentos de mestres; outras, co­
mo a de Bolonha, corporações de estudantes; e outras, como
a de Salamanca, de mestres e estudantes. Em geral, umas e
outras, passado algum tempo, recebiam privilégios dos Papas
e dos reis. Entre esses privilégios figuravam os de imunidades
e isenção de impostos; direito de greve ou mudança dos estu­
dos quando a universidade estava descontente^/(e assim de
Paris nasceu Oxford e de Oxford, Cambridge); o de juris­
dição interna para julgar seus membros; e o mais importante,
o direito de conceder graus ou licença para ensinar.
As universidades surgem como studium generale e depois
como universitas studiorum, expressões nas quais a palavra
86 A educação m edieval

universidade não significa a enciclopédia dos estudos, mas seu


caráter geral, para todos os estudantes, fossem de que país
fossem.
Nesse sentido, as universidades se dividem em nationes,
que agrupam os estudantes dos diversos países, os quais costu­
mavam hospedar-se nas mesmas casas ([hospitia) e tinham orga­
nização autônoma, pois elegiam as próprias autoridades e ti­
nham estatutos próprios. Outra divisão importante era a das
Faculdades, segundo os estudos, que originariamente eram
quatro, Artes, Teologia, Medicina e Direito, embora nem to­
das as universidades tivessem todas as faculdades, pois, ha
maioria, só possuíam algumas. A Faculdade de Artes era como
que preparatória para as demais.
Em geral as universidades eram autônomas no governo,
“verdadeiras repúblicas, quase independentes, mas subordi­
nadas ao Estado e à Igreja” : elegiam seus reitores e autori­
dades, nomeavam os professores e concediam graus. O primeiro
era o de bacharel (baccalarius), uma espécie de aprendiz de
professor; o segundo, o da licenciatura (licentia) que capa­
citava para ensinar; e o terceiro era o de mestre ou doutor.
Instituição de grande importância são os colégios univer­
sitários. Nascidos como hospedar ias e sem perder o caráter de
albergues, pouco a pouco chegaram a ser verdadeiros centros de
educação, até converter-se em autênticas escolas ou faculdades,
como ocorreu em Salamanca e ainda ocorre nos célebres co­
légios ingleses das universidades de Oxford e Cambridge.
Quanto ao ensino universitário, consistia geralmente na
lectio ou exposição e análise de um texto, nas quaestiones ou
apresentação de argumentos e nas disputationes ou discussão de
temas sugeridos pelo mestre. Em geral predominavam o mé­
todo silogístico e a filosofia escolástica.
A influência das universidades na Idade Média foi grande,
tanto política como culturalmente. Organizadas conforme o
princípio dos grêmios, tiveram, entretanto, visão mais ampla.
Com elas houveram de contar muitas vezes não só os reis, mas
■até os próprios Papas, em suas controvérsias. Culturalmente,
representaram o ápice da sabedoria da época até a Renascença,
época na qual começam a declinar por ater-se às tradições esco-
lásticas e não admitir senão mui tardiamente as ciências novas.
A educação grem ial e m unicipal 87

5. A educação gremial e municipal

Independente da clerezia e da nobreza constitui-se, nos fins


da Idade Média, nova classe social, que podemos chamar sinte-
ticamente de cidadã ou burguesa, por ser formada dos habi­
tantes dos burgos, ou cidades. Eram essencialmente comercian­
tes, mas tinham também numerosas profissões artesãs; organi-
zavam-se em corporações ou grêmios. As cidades e corporações
criaram e organizaram escolas, e assim aparece novo elemento
na educação secular medieval.
A educação gremial tinha naturalmente caráter eminen­
temente profissional, embora abarcasse uma porção de edu­
cação geral. Essa educação era dada essencialmente na própria
corporação, com ou sem escola/ O aluno começava a educação
como aprendiz de um mestre da profissão, ora vivendo na dele,
ora permanecendo na própria casa. Com o mestre estava até
os 15 ou 16 anos, a aprender pelo trabalho os elementos do
ofício e da instrução. Nessa idade estava terminada a educação
e adquiria a hierarquia de oficial, com a qual já podia tra­
balhar ganhando um jornal. O oficial havia forçosamente
de ser associado de uma corporação. Nalgumas profissões mais
delicadas havia também o grau de mestre, alcançado depois de
exame e que habilitava para ser diretor do trabalho ou esta-
belecer-se por conta própri^ Algumas corporações ou grêmios
criaram escolas que alcançaram grande reputação, como as dos
alfaiates de Londres, a Taylors School, que chegou aos nossos
tempos. Nelas se dava mais instrução elementar que profis­
sional; esta era sempre adquirida na corporação. O grêmio
se estendia não só às classes manuais inferiores, mas a todas as
profissões. Assim, os professores primários de Espanha estavam
agremiados na Irmandade de São Cassiano. Nesta, segundo
carta de H e n r i q u e II de cerca de 1370, concediam-se certos
privilégios e isenções aos mestres, como a isenção de prisão, de
recrutamento e de alojamento de tropas; e proibia-se o ensino
aos mestres não examinados. (4)

(4 ) L . L u z u r ia g a , D ocum entos para la historia escolar d e Espana, v o l. i,


Madrid, Centro de Estúdios Históricos, 1916.
88 A educação m edieval

Por sua parte, as cidades, à medida que se foram desen­


volvendo, criaram também escolas municipais, independentes
das claustrais e catedrais. Tinham caráter essencialmente prá­
tico, mas algumas ensinaram também matérias de caráter huma-
nístico, como literatura, geografia e história. É muito signifi­
cativo, o fato de ensinarem em vernáculo, ao contrário das
escolas eclesiásticas. Os alcaides geralmente nomeavam um rei­
tor ou diretor (scholasticus), encarregado de selecionar os pro­
fessores. Na citada ordenança da Irmandade de São Cassiano
dispunha-se a existência de inspetores para vigiar o ensino
nessas escolas e a necessidade de exame para o exercício do
magistério. O ensino consistia essencialmente em leitura, escri­
ta, cálculo e doutrina cristã. As escolas percebiam geralmente
retribuição dos alunos, ainda que os municípios também con­
tribuíssem com subvenções e com a cessão de edifícios e ma­
terial. Os mestres eram geralmente ambulantes; iam de uma
povoação a outra, temporariamente contratados. Com o tempo
chegaram a estabilidade, consideração e soldo maiores. Nos
fins da Idade Média as escolas municipais tinham adquirido
grande desenvolvimento, sobretudo nas cidades do centro e
norte da Europa e foram o princípio da educação pública,
como oportunamente veremos.

6. A educação dos árabes

Limitado embora em sua maior parte à Espanha, o ensino


dos árabes' teve grande importância, porque eles sustentaram
e transmitiram a cultura clássica à Europa inteira, quando
esta ainda se achava no mais escuro período da Idade Média.
Por meio deles foram conhecidos principalmente A r i s t ó t e l e s
e os filósofos neoplatônicos.
Na Espanha a educação dos árabes chegou ao apogeu no
século x, com o Califado de Córdova. Criaram éles quantida­
de de escolas primárias, nas quais se ensinavam leitura, escrita
e versículos do Alcorão. Multiplicaram as bibliotecas, com mi­
lhares de obras clássicas e sobretudo organizaram o ensino supe­
rior, onde cultivaram as matemáticas, a filosofia e as ciências
naturais, então abandonadas pela cristandade. Em contraste
A educação dos árabes 89

com a civilização cristã da época, cuidaram especialmente da


educação da mulher. As meninas recebiam a mesma instrução
dos meninos e as mulheres desfrutaram igualmente do ensino
superior, dedicando-se bom número delas à literatura e à me­
dicina.
Ao tempo dos árabes, cidades como Córdova, Toledo, Gra­
nada e Sevilha eram os únicos centros de grande cultura exis­
tentes na Europa. Nelas e em muitas outras construíram-se
escolas, bibliotecas, palácios, mesquitas e banhos públicos, que
só muito mais tarde apareceram alhures. Como diz C u b b e r -
ley : “A Europa ocidental do século x ao século xm apre­
sentava triste contraste, em quase todos os aspectos, com a vida
brilhante da Espanha meridional”. (5) E, segundo D i l t h e y ,
“os árabes da Espanha desenvolveram independentemente os
estudos filosóficos, matemáticos e de ciências naturais, a partir
de onde os haviam deixado os alexandrinos”. ,
Entre os sábios da cultura árabe figuram A v i c e n a , físico
e filósofo, e A v e r r ó i s o comentador de A r i s t ó t e l e s . Também
se distinguiu o pensador A b e n t o f a i l que, segundo D i l t h e y ,
é o R o u s s e a u árabe; escreveu uma obra pedagógica, O homem
natural, comparável ao Emílio.
Com os muçulmanos, no labor cultural, colaboraram os
judeus, que nessa época atingiram grande relevo intelectual na
Espanha e contribuíram também para a difusão das ciências e
da filosofia clássica.

7. A pedagogia medieval

Na Idade Média não houve grandes teóricos da educação.


Em compensação, houve muitos educadores, geralmente mon­
ges e eclesiásticos, alguns dos quais escreveram sobre educação.
Distinguem-se dois grandes grupos: um constituído pelos auto­
res de enciclopédias pedagógicas, nos primeiros séculos medie­
vais; outro, pelos filósofos da Escolástica, na segunda parte
da Idade Média. Aqueles conservaram em parte o ensino clás­

(5) E. P. C u bberley, T h e history o f education, Boston, Houghton Mifflin,


1920.
90 A educação m edieval

sico, com obras sobre as artes liberais; estes sistematizaram as


idéias filosóficas do cristianismo. Exemplo notável dos pri­
meiros é S a n t o I s id o r o , de Sevilha; dos segundos, Santo Tomás
de A q u in o .
Cumpre citar dentre os educadores que se distinguiram
nos primeiros séculos da Idade Média :
C assiodoro (490 — cerca de 583). Monge beneditino, foi
ministro dos primeiros imperadores bárbaros, na Itália, mas no
fim da vida retirou-se para o mosteiro de Vibarium, donde
exerceu grande influência na educação monástica. Escreveu
uma obra sobre as Instituições literárias, divinas e humanas,
na qual trata das artes liberais, que deseja introduzir na edu­
cação da época.
S a n t o I s i d o r o (560-636). Bispo de Sevilha, é para alguns
o representante perfeito da cultura medieval. Criou numero­
sas escolas e é o autor das famosas Etimologias que serviram
de texto nas escolas da Idade Média.
o Venerável (cerca de 673-735). Como Santo Is i­
B eda,
na Espanha, recolhe a cultura de sua época na Inglaterra.
d o ro
Fez do mosteiro de Jarrow grande centro de cultura. Autor de
uma História eclesiástica da Inglaterra, é considerado como um
dos principais criadores da cultura inglesa.
A l c u í n o (735-804). Ministro de Carlos M a g n o , influiu
grandemente no movimento secular por este iniciado e do
qual já tratamos. Retirado para a abadia de Saint Martin de
Tours, fez dela grande centro de ensino. Escreveu uma obra
sobre as sete artes liberais, introduzindo sua divisão em trivium
(gramática, retórica e dialética) e quacürivium (aritmética,
geometria, astronomia e música) ou, seja, como já se disse,
em letras e ciências.

R a b a n o M a u r o (cerca de 776-856). Discípulo de A l c u í n o ,


desenvolve no mosteiro de Fulda grande atividade cultural e
educativa. Escreveu uma obra sobre As instituições monásticas,
que abrange todo o conteúdo cultural da época e exerceu
grande influência nas escolas medievais.
E s c o t o E r i g e n a (cerca de 813-880). Sucessor de A l c u í n o
na escola de C a r l o s M a g n o , dotado de grande cultura, é o
A pedagogia m edieval 91

precursor do movimento posterior da escolástica. Acentuou o


valor do grego e da filosofia na educação.
Entre os pedagogistas da segunda parte da Idade Média fi­
guram principalmente os seguintes :
S a n t o A n s e l m o (1033-1109). Arcebispo de Cantuária, tido
por um dos fundadores da escolástica; afirmava que “o cristão
deve chegar ao conhecimento pela fé e não à fé pelo conheci­
mento” e que “devemos crer nas coisas profundas da fé cristã
antes de pretendermos raciocinar sobre elas”.
A b e l a r d o (1079-1142), mestre na escola catedral de Notre
Dame (a qual, pelo renome, possibilitou a criação da Univer­
sidade de Paris); ao contrário de Santo A n s e l m o , propugna o
emprego da razão para a fé. Usou o método dialético, expondo
os pros e os contras de cada questão.
A l b e r t o M a g n o (1193P-1280), chamado o doutor universal,
expõe a filosofia de A r i s t ó t e l e s , veiculada pelos árabes; e con­
sidera possível conciliar razão e fé, filosofia e teologia, me­
diante o conhecimento natural.
Santo Tomás de A q u in o (1225P-1274), discípulo de Alberto
M agno e a mais alta expressão da escolástica e do pensamento
filosófico medieval, não escreveu expressamente sobre educação,
mas seu pensamento influiu decisivamente em toda a pedagogia
católica, da Idade Média até nossos dias. (*)
Outros pensadores, como Roger B a c o n (c. 1210-1292 ?),
D uns E s c o to (1265P-1308) e Guilherme de O c k a m (entre
1270 e 1280-1349?) continuam a tendência escolástica. Entre
eles se destaca, pelas relações com a pedagogia, o pensador
espanhol Raimundo L ú l i o (1232-1315), original personalidade
dotada de grande cultura, fundada na filosofia platônica e na
mística. Preocupou-se muito com a evangelização dos infiéis e

( * ) Santo Tomás de A q u in o escreveu sobre matéria pedagógica, na Summa


e numa das Quaestiones disputatae “De veritate” (x i), que tem o título D e ma-
gistro. V., a tal respeito, entre outros : Robert U lich , History o f educational
thought, American Book Co., Nova York, 1945, pp. 94 ss.; Dante M o r a n d o , P eda­
gogia, trad» esp. de F. Velasco, Miracle, Barcelona, 1953, pp. 97 ss.; Cônego
Antônio Alves de S i q u e i r a , F ilosofia da educação, Editora Vozes, Petrópolis, 1942,
passim ; John D. R e d d e n e Francis A. R y a n , A catholic philosophy o f education,
T he Bruce Publishing Co., Milwaukee, 1942, passim ; Theobaldo Miranda S a n t o s ,
N oções d e história da educação, Companhia Editora Nacional, 9.a ed., 1960, pp. 187
ss.; L. R i b o u l e t , H istória da P edagogia, trad. port. de Justino Mendes, “Coleção
de Livros Didáticos F .T .D .", Liv. Alves, Rio, s/d, pp. 223 ss. (Nota dos trads.)
92 A educação m edieval

com a renovação da cristandade. Escreveu uma obra, Doutrina


pueril, dedicada ao filho e uma novela filosófica, Blanquema,
de caráter autobiográfico. Recomenda seguir a natureza na
educação e no estudo da língua materna. Entre outras reco­
mendações respeitantes ao ensino, contam-se a de seleção de
alunos e professores segundo as aptidões; ordenação das ma­
térias de ensino também segundo as aptidões e subordinação
de toda a sabedoria à teologia, bem que cuidando de conciliar
os ditames da fé e os da razão.
CA P ÍT U L O XX

A educação humanista

Com a Renascença começa, no século xv, nova fase na


história da cultura, a da educação humanista que, por sua vez,
constitui o princípio da educação moderna. A Renascença
não é apenas re-nascença, renascimento, ressureição do passa­
do, da antigüidade clássica, mas é antes de tudo criação, geração
de algo novo. A Renascença não é apenas movimento erudito
ou literário, antes é nova forma de vida, nova concepção do
homem e do mundo, baseada na personalidade humana livre
e na realidade presente. A Renascença rompe com a visão ascé­
tica e triste da vida, característica da Idade Média, e dá lugar
a uma concepção humana, risonha e prazenteira da existência.
Socialmente, a Renascença pode-se caracterizar por :
1.°) Desenvolvimento da cidade e do pequeno Estado,
do Estado-Cidade, ante o castelo e o mosteiro iso­
lados da Idade Média. Surgem nova minoria dire­
tora e uma burguesia, com personalidades enérgicas,
frente à nobreza e à clerezia medievais.
2.°) Espírito cosmopolita, universalista, baseado nas re­
lações comerciais e nos descobrimentos geográficos,
que abrem novo mundo, e se contrapõem ao espírito
localista das Cidades e pequenas Repúblicas.
3.°) Maior consideração pela mulher, que participa ago­
ra ativamente da vida social e política, e não só da
vida do lar, como dantes.
4.°) Maior riqueza econômica, com o desenvolvimento
dos laços comerciais e do sistema de crédito, que abre
novas possibilidades culturais e artísticas.
94 A educação humanista

Pedagogicamente, a Renascença significa sobretudo:


1.°) Redescobrimento da personalidade humana livre,
independente de toda consideração religiosa ou
política.
2.°) Criação da educação humanista, baseada, sob novo
ponto de vista, no conhecimento de Grécia e Roma.
3.°) Formação do homem culto, ilustrado, fundada nas
idéias de P l a t ã o e de Q u i n t i l i a n o , então desco­
bertas.
4.°) Formação do cortesão instruído e urbano, em con­
traposição ao cavaleiro medieval, de pouca ilustra­
ção e caráter rural.
5.°) Cultivo da individualidade, da personalidade total
e não só da religiosa e mística.
6.°) Desenvolvimento do espírito de liberdade e de crí­
tica, ante a autoridade e a disciplina anteriores.
7.°) Estudo atraente e ameno, contra o imposto e dog­
mático da Idade Média.
8.°) Cultivo das matérias realistas e científicas, ainda
que com predomínio das literárias e lingüísticas.
9.°) Consideração da vida física, corporal e estética, com
especial cuidado da urbanidade e das boas ma­
neiras.
10.°) Posto se trate essencialmente duma educação de mi­
norias, o desenvolvimento das invenções técnicas,
cómo a imprensa, facilita a difusão da cultura e da
educação das massas.
11.°) Na. organização escolar surge novo tipo de insti­
tuição educativa, o Colégio humanista ou escola
secundária, baseado no estudo do latim e do grego.

1. A educação humanista na Itália

Como é sabido, a Renascença começou na Itália, por volta


do século xiv, e fez de suas cidades e Estados os mais cultos
da Europa. Na Itália não se havia perdido a tradição cultural
latina, vivida através de obras e monumentos. Mas quando ali
N a Itália 9b

surgiram novas energias econômicas e políticas, desdobrou-se


do mesmo passo grande pendor a saber e viver em atmosfera
de arte e cultura. Florença e Veneza foram duas cidades-estado
que em muitos aspectos puderam comparar-se a Atenas e Roma
clássicas.
Essa ação cultural não foi desenvolvida, todavia, tanto pe­
las escolas como pela própria vida de uma minoria cortesã e
cidadã, e pela cultura que um escol garimpava de Grécia e
Roma. A massa do povo quedou à margem dessa influência,
bem que não privada dela graças à contemplação dos espe­
táculos e obras de arte promovidos pelos príncipes e pelas
cidades.
A educação humanista não tinha, entretanto, caráter eru­
dito; consideravam-se o latim e o grego, agora descoberto, como
instrumento ou meios da nova atitude ante a vida: desen­
volvimento da personalidade, liberdade de pensar e de atuar,
concepção terrenal, prazenteira, da vida. Nesse sentido foi tí­
pica a Casa Alegre (Casa Giocosa), criada por Vittorino da
F e l t r e em Mântua, na qual os jovens recebiam, junto a esme­
rada educação cristã, ampla educação humanista, compreen­
dendo educação física, estética e intelectual; e ainda começo
de autonomia escolar.
A influência humanista foi naturalmente maior no ensino
e cultura superior, em academias fundadas no estilo platônico
e em ateneus docentes. Foi, igualmente, nas cortes dos prín­
cipes italianos, das quais a mais importante a dos Medicis,
em Florença. Nelas cultivou-se o ideal do cortesão, do qual
deixou exemplo C a s t i g l i o n e (1478-1529), em sua obra O
cortesão, magnificamente traduzida para o espanhol por
B o s c a n , no século xvi.
O ideal da educação do homem da Renascença, tal como
aparece em O cortesão, compreende em primeiro lugar os exer­
cícios físicos, o salto, a corrida, a natação, a luta, a equitação,
o jogo de pelota, a dança e a caça, mas tudo com donaire, “que
é o sal que se há de pôr sobre as coisas para que tenham gosto e
sejam estimadas.” Mas o cortesão há de também saber escrever e
falar bem, sem afetação, não só o latim, mas o italiano; há de
igualmente conhecer música e pintura e, em geral, há de ser
“ornado e ataviado, assim na alma como no corpo”, C a s t i ­
g l i o n e se estende na enumeração minuciosa das qualidades do
96 A educação humanista

homem mundano, do cortesão, mas diz mui pouco ou quase


não diz de sua formação moral, da orientação ética e religiosa,
de sua conduta, omissão muito característica da Renascença
italiana.
Entre os humanistas mais destacados da Itália cumpre cons­
tar os seguintes:
P e t r a r c a (1304-1374)., o grande poeta florentino, ainda
que de época anterior, e que foi a um tempo grande huma­
nista, conhecedor da antigüidade clássica e criador da nova
sensibilidade poética, de profundeza espiritual. Não escreveu
sobre educação, mas sua Vida dos Antigos e suas cartas e toda
a sua obra poética nela influíram grandemente.
G u a r i n o d a V e r o n a (1374-1460), discípulo do primeiro
grego que ensinou na Itália, C r i s ó l o r a s , foi professor de grego
em Florença, Veneza e Verona e educador do filho do príncipe
de Ferrara. Acentuou o valor da língua e cultura helênicas
e latinas na educação e insistiu na necessidade do conhecimento
da gramática e da retórica. Seu filho escreveu um breve tra­
tado Sobre o método de ensinar e ler os autores clássicos, em
que expõe as idéias do pai nessa matéria.
(1370-1444), contemporâneo de
P i e t r o P a o l o V e rg e rio
G u a r i n o e de F e l t r e , difere
todavia deles pelo apego exces­
sivo às letras clássicas, considerando-as fins em si mesmas.
Escreveu a obra Sobre os costumes nobres e os estudos que
competem aos homens livres.
V i t t o r i n o d a F e l t r e (cerca de 1378-1446). Discípulo de
grego de G u a r i n o , ensinou gramática e matemática em Pádua
durante vinte anos; confiou-se-lhe a educação dos filhos do
príncipe João Francisco Gonzaga. Em Pádua também abriu
a escola já mencionada, a Casa Giocosa, onde ensinou filhos
de príncipes, de nobres e de gente humilde por vinte e dois
anos. Foi, na realidade, a primeira escola nova da Europa,
onde se ensinavam, em ambiente de liberdade, a cultura clás­
sica e a fé cristã e se considerava a vida integral dos alunos,
com a música, os exercícios físicos, a poesia, as ciências, etc.,
criando personalidades finas e equilibradas.
L e o n B a t t i s t a A l b e r t i (1404-1472), revela maior persona­
lidade na atuação e na obra Da família, em que trata da edu­
cação das crianças. Recomenda o emprego da língua materna,
N os países germânicos 91

compatível com as línguas clássicas, assim como os exercícios


físicos, pois o repouso faz mal às crianças e os exercícios as
favorecem. “Escusa dizer todo o proveito resultante do exer­
cício e quão necessário é em todas as idades, máxime para
os jovens. A natureza se vivifica, os nervos acostumam-se à
fadiga, cada membro se fortifica e acelera-se a circulação”. Tal
recomendação de atividade, estendé-a A l b e r t x à educação inte­
lectual. “Nenhuma fadiga, se assim podemos chamá-la em lu­
gar de recreio e deleite da alma e do intelecto, é tão premiada
como a que consiste em ler e rever boas coisas”.
Os teóricos da educação humanista italiana careceram, em
geral, nas obras pedagógicas, da originalidade que tiveram «j »
artistas e os mestres. Aqueles antes seguiram ao pseudo P l u -
t a r c o e sobretudo a C í c e r o e Q u i n t i l i a n o , que foi seu prin­
cipal inspirador.

% A educação humanista nos países


germânicos

A Renascença se expandiu no século xv da Itália para o


resto da Europa, onde adquiriu caráter mais intelectual e esco­
lar do que lá; foi algo mais aprendido que vivido. Introdu-
ziu-se nos Países Baixos, cujas cidades comerciais reproduziam,
de certo modo, as condições das cidades italianas. Os pródro-
mos do movimento humanista manifestaram-se antes na Holan­
da, por meio de uma ordem de Jerônimos, os “Irmãos da vida
em comum”, fundada por Gerard de G r o t e , no século xiv, em
Deventer, a qual se estendeu pouco a pouco pela Holanda toda
e ocidente da Alemanha. De começo, essa ordem só se preocu­
pou com a educação moral e religiosa, com Tomás K em p is,
mas depois se interessou cada vez mais pelos estudos humanis­
tas, sobretudo no reitorado de Alexandre H e g iu s , que a diri­
giu de 1465 a 1498.
As èscolas dos “Irmãos da vida em comum” organizaram-se
à base de estudos humanistas e religiosos; o programa com­
preendia latim e grego, lógica e retórica, estudos de E u c lid f .s ,
A r i s t ó t e l e s e P l a t ã o e teologia e direito romano. As escolas
se dividiam em oito cursos graduados e cada um em várias
classes, quando os alunos eram numerosos. Utilizavam também
fextpÊ escolares e edições de clássicos publicados pela Ordem.
98 A educação humanista

O importante, porém, mais que a organização, foi o número


de personalidades que na ordem colaboraram, a dirigiram ou
dela surgiram, como H e g iu s , A g r í c o l a , S t u r m e principalmente
E ra sm o .
Ao lado das escolas da Ordem, surgiram na Alemanha
outras escolas municipais, de ensino primário e secundário, e
outras secundárias, que tiveram enorme influência não só na­
quele país, mas em toda a Europa, os Ginásios ou colégios secun­
dários. Esse tipo de escolas se baseava no ensino do latim e
grego, mas havia também o das outras matérias humanistas.
Ao tratarmos da Reforma protestante, trataremos dessas esco­
las, já que com ela coincidiram, ou por ela foram principal­
mente desenvolvidas.
Entre os educadores e pedagogos humanistas germânicos
cumpre citar os seguintes :
R u d o lp h u s A g r í c o l a (1443-1485), o verdadeiro fundador
da cultura humanista germânica, mais pela personalidade e
atuação literária, que pelos escritos pedagógicos, os quais não
chegaram até nós. Expôs suas idéias na “Carta” a um jovem
patrício de Amberes, sob o título D e form an do studio, na qual
antepõe o estudo da filosofia ao das demais matérias, porque
ela ensina a pensar e julgar retamente, e exprimir-se com acer­
to e a agir moralmente. Serve para isso o conhecimento dos
clássicos, que devem também ser traduzidos para a língua ma­
terna. Requerem-se três condições para bem aprender: com­
preender o que se lê e se aprende; reter na memória o que
se compreendeu, e contribuir com algo de pessoal. Como os
demais humanistas da época, não deu importância ao estudo
da natureza.
Jacob W i m p h e l in g (1450-1528), mais educador que A g r í ­
pode ser considerado como o primeiro pedagogista huma­
c o la ,
nista germânico; lutou contra os desvios da vida religiosa do
tempo, e fez de seu Colégio de Estrasburgo o centro dos esfor­
ços humanistas. Escreveu várias obras; Isidoneus germanicus
(Iniciação da juventude alemã), Adolescentia e ‘ Germania.
Mas entende que ó decisivo é a formação, moral e religiosa,
pela qual os clássicos devem ser selecionados. Trata, em Pre-
cep tor germ ânico, das condições que o mestre deve reunir.
Johann R e u c h l i n (1455-1522), defensor do ensino do he-
breu, nas humanidades, cohio o latim e o grego, com o que
Nos países germânicos 99

preparou o estudo direto da Bíblia e, com isso, a Reforma


religiosa, à qual, entretanto, se opôs. Mas ao mesmo tempo
lutou contra a Escolástica e a teologia dogmática, contra as
ordens religiosas degeneradas da época, concordando, nisto tam­
bém, com E r a s m o .
E r a s m o (1465-1536). O maior dos humanistas e o mais
notável dos pensadores da Renascença germânica, nasceu em
Rotterdam (Holanda), mas foi cosmopolita, pois viveu e traba­
lhou nos principais países da Europa. Estudou na escola dos
“Irmãos da vida comum”, em Deventer; fez-se frade e depois
sacerdote e foi estudar na Universidade de Paris. Depois foi
para a Inglaterra e a Itália aperfeiçoar-se nos estudos clássicos,
e mais tarde ainda para Lovaina, e viveu os últimos anos em
Basiléia (Suíça).
É impossível narrar em pouco espaço os trabalhos educa­
cionais e pedagógicos de E r a s m o . Em todos os países que visi­
tou atuou a um tempo como erudito, sábio e professor. Assim,
na Inglaterra ensinou na Escola de São Pàulo e na Univer­
sidade de Cambridge e, em Lovaina, no Colégio Trilíngüe.
Foi, porém, acima de tudo, um estudioso, um investigador em
todos os ramos do saber, inclusive educação. A esta dedicou
alguns de seus mais importantes trabalhos, entre os quais se
contam C olóquios, livro de texto para ensino de latim, A edu ­
cação do hom em cristão, Sobre o m étodo de estudo e Sobre a
educação liberal para crianças.
Segue mui de perto as idéias pedagógicas de Q u i n t i l i a n o ,
adaptando-as embora, naturalmente, às próprias idéias e às
circunstâncias do tempo. Para ele o fim da educação é “pri­
meiro, que o jovem espírito possa receber as sementes da pie­
dade; depois, que possa amar e receber perfeitamente os estu­
dos liberais; terceiro, que possa ser preparado para os deveres
da vida e quarto, que desde os primeiros estudos seja costu­
mado aos rudimentos das boas maneiras”. (*) A educação deve
começar desde a primeira infância e devem-se aprender as pa­
lavras antes das idéias ou das coisas. Mas o idioma, começando
pelo latim, há de aprender-se por meio do exercício e, não
pela gramática. Realça a necessidade de mestres bem prepa­
rados. Consigna também um fim social à educação e a obri­
gação de que governantes e eclesiásticos com ela se preocupem.

(I) E r a s m o , De civiiitate tnorum puerilium .


100 A educação humanista

Seu maior interesse eram, sem dúvida, os estudos literários,


mas se ocupou também dos religiosos; traduziu, do grego,
como se sabe, o Novo Testamento, mas criticou acerbamente
a educação religiosa da época. Em geral E r a s m o deixou, co­
mo seus contemporâneos, de reconhecer o valor da língua ma­
terna e das matérias científicas, realistas, na educação, posto
houvesse recomendado insistentemente fosse o ensino agradável
e atraente.

3. A educação humanista na Espanha

A cultura humanista na Espanha iniciou-se nos fins do


século xv e se desenvolveu no século xvi. Como em todos
os países, teve origem na Itália e, também, caráter minoritário.
O humanismo na Espanha adotou igualmente as idéias de
E r a s m o , que influiu em um grupo seleto de aristocratas, ecle­
siásticos e escritores. Os humanistas espanhóis foram princi­
palmente literatos, gramáticos e religiosos e, em menor pro­
porção, pensadores e educadores. Houve, entretanto, um mo­
vimento humanista importante, centralizado na criação da Uni­
versidade de Alcalá, pelo eminente Cardeal C is n e r o s , em 1500,
e na organização, ali, do famoso Colégio Trilíngüe, onde eram
ensinados latim, grego e hebreu. Ali se elaborou também a
célebre Bíblia poliglota, um dos monumentos do humanismo,
e que nada ficou a dever à tradução de E r a s m o . Outro centro
de humanismo, mais limitado, foi a Universidade de Salamanca,
onde ensinaram alguns famosos humanistas, como Frei Luís de
L e ã o e Francisco de V i t o r i a .
No restante das escolas continuaram predominando a cul­
tura escolástica e os métodos tradicionais, com algumas modi­
ficações introduzidas pelos humanistas. O humanismo espanhol
representa, em geral, transição entre a cultura medieval e a
clássica, com caráter predominantemente literário e artístico,
embora com bastante contribuições científicas, sobretudo no
campo dos estudos geográficos e cartográficos, que se desen­
volveram principalmente com o descobrimento da América,
que é, em realidade, fruto da Renascença.
Entre os humanistas que mais se distinguiram na Espanha
cumpre mencionar desde logo o grande filólogo Antônio de
Na Espanha 101

N e b rija(1444-1522), que estudara tia Itália, e foi õ Ctiador


da moderna gramática espanhola; os irmãos V a ld é s , um dos
quais, João, foi grande escritor, autor do Diálogo da lingua,
texto clássico da língua castelhana; Francisco de V i t o r i a
(1486-1546), um dos fundadores do direito internacional mo­
derno; Pedro Simón de A b r i l (1530-1590), tradutor de textos
gregos e latinos; Arias M o n t a n o (1527-1598), autor de uma
nova versão da Bíblia; o grande escritor Frei Luís de L e ã o
(1527-1591), e outros. Entre Os educadores humanistas figura
em primeiro lugar.
Ju a n L u í s V iv e s (1492-1540). O m a io r d os h u m a n is ta s
e s p a n h ó is e u m d o s m a io re s h u m a n is ta s e u ro p e u s , e q u e se
p o d e c o m p a r a r a E r a s m o , R a b e l a i s o u M o n t a i g n e , n a sc e u e m
V a lê n c ia n o m e s m o a n o d o d e s c o b rim e n to d a A m é r ic a . D e
fa m ília n o b re , a in d a q u e p o b re , e s tu d o u n a s esco las d a
c id a d e n a t a l e e m 1509, aos d ezessete a n o s , m u d o u -se p a r a
P a r is , o n d e e s tu d o u d u r a n te c in c o a n o s , m a s q u e a c a b o u p o r
a b a n d o n a r p o r c a u s a d o c a r á t e r e s c o lá s tic o e a tr a s a d o d e
su a U n iv e rs id a d e . D irig iu -s e p a r a B ru g e s e L o v a in a , o n d e
c o n h e c e u e f r e q ü e n to u E r a s m o e o n d e fo i n o m e a d o p ro fe s s o r
d a U n iv e rs id a d e . C o n v id a d o em 1533 p e lo c é le b r e C a r d e a l
W o l s e y , fo i p a r a a I n g l a t e r r a , o n d e e n c o n tr o u a c o lh id a c o r ­
d ia l d o s re is — H e n r iq u e v iii e C a t a r i n a d e A r a g ã o , s u a c o m ­
p a t r i o t a — e d a U n iv e rs id a d e d e O x f o r d , q u e o n o m e o u p r o ­
fessor. P e r m a n e c e u n a I n g l a te r r a v á rio s a n o s , a té q u e p e lo
r o m p im e n to d o re i c o m a esp o sa , a q u e m V iv e s d e fe n d ia , tev e
d e a b a n d o n a r o p a ís, v o lt a n d o p a r a B ru g e s . A í fic o u p o r v á ­
rio s a n o s , fa z e n d o v ia g e n s p e la E u r o p a e s o fre n d o a d v e rs id a d e s ,
a té q u e a í fa le c e u . E n t r e su as o b ra s p e d a g ó g ic a s m a is im p o r­
ta n te s c u m p r e n o t a r : Da razão do estudo pueril, De tradendis
disciplinis (D o m o d o d e e n s in a r as c iê n c ia s ), De alma e vida
e Da instrução da mulher cristã.
V iv e s foi influenciado nas idéias pedagógicas por Q u in -
t i l i a n o e E r a s m o , mas teve características próprias. A esse
respeito, diz o professor William B o y d : “Não se deve pensar
que V iv e s reproduzia simplesmente o ensino de E r a s m o . Em
matéria de educação, V iv e s foi o mais original dos dois”. (2) Um
dos traços mais essenciais da pedagogia de V iv e s, e que lhe dá
um cunho mais moderno, foi a aplicação da psicologia à edu­

(2 ) William B o y d , T h e hisiory o f western education.


102 A educação humanista

cação. O ensino para ele deve partir das impressões ou sen­


sações para chegar à imaginação e desta a razão; por isso se
há de passar dos fatos individuais aos grupos, dos particulares
aos universais. Assim também recomenda o estudo psicológico
dos alunos. “Cada dois ou três meses, diz, os mestres estu­
darão com paternal afeto e grave sensatez o espírito dos alunos,
e lhes destinarão trabalho para o qual cada um pareça mais
adequado”.
Quanto ao método de ensino, recomenda V iv e s partir dos
objetos sensíveis, naturais, para chegar às idéias. “A juventude
achará o estudo da natureza mais fácil que um assunto abs­
trato, porque apenas requer a aplicação dos sentidos. . . O
que conhecemos da natureza, parte nos veio pelos sentidos,
parte pela imaginação, embora a razão tenha intervindo como
guia dos sentidos”.
V iv e s recomenda também o uso da língua materna no
ensino das línguas clássicas. “O mestre deve ter conhecimento
exato da língua vernácula dos moços, de modo que possa ensi­
nar mais apta e facilmente as línguas clássicas. Pois, se não
usar convenientemente as palavras na matéria que está ensi­
nando, chegará certamente a desorientar os jovens. Eles tam­
pouco compreenderão alguma coisa devidamente se não lhes
explicarmos perfeitamente cada palavra”.
Finalmente, V iv e s recomenda o emprego do método indu­
tivo e experimental, em contraste com o dedutivo puro e dia­
lético de seu tempo : “Ao ensinar as artes recolheremos muitos
ensaios e observaremos as experiências de muitos mestres, de
sorte que se possam extrair regras gerais. Se alguns casos não
concordarem com a regra, deve-se anotar. Se houver mais des­
vios que coincidências, ou forem em número igual, não se
deve estabelecer dogma sobre o fato”. (3) V iv e s , como se vê,
antecipa-se a muitas idéias e pode ser considerado como um
dos pedagogistas modernos.
Além de Luís V iv e s, cumpre mencionar, entre os huma­
nistas pedagogos espanhóis da Renascença, H u a r t e d e S a n
J u a n (1526-1590), autor do Exame de engenhos para as ciên­
cias, que constitui tratado de Psicologia e de orientação pro­
fissional baseado no estudo das aptidões, de valor pedagógico

(X ) V iv e s , T ratado d e la ensenanta, Madrid, La Lectura,


Na Inglaterra 103

extraordinário; Pedro P o n c e d e L e ó n (1520-1584), criador do


primeiro método para o ensino de surdos-mudos; e o gramá­
tico N e b r i j a , citado anteriormente, que foi um dos primeiros
em estudar e recomendar o uso da língua vernácula na ciência
e no ensino.

4. A educação humanista na Inglaterra

Ao mesmo tempo que na Espanha, chegou a influência


humanista à Inglaterra, e também vinda da Itália, por meio
de graduados universitários que foram a Florença estudar grego
e, no regresso, introduziram as novas doutrinas em Oxford
e depois nas escolas secundárias. Estas existiam já em número
considerável na Inglaterra desde a Idade Média; entre elas, as
tão famosas de Winchester, Eton, Harrow, etc., que vieram até
nossos dias. Naquela época, porém, seu espírito e programa
eram bem estreitos, e foram modificados por novas idéias le­
vadas pelo humanista John C o l e t ( c . 1467-1519), que reor­
ganizou a escola catedral de São Paulo, de Londres, no espí­
rito das doutrinas de E r a s m o , que também nela interveio; teve
ela por primeiro diretor William L i l y (c. 1468-1522), autor de
famosa gramática latina que se perpetuou por muitas gerações.
A escola de São Paulo influiu consideravelmente nas demais
public schools (colégios secundários fundacionais).
A educação humanista ganhou as universidades existentes,
de Oxford e Cambridge, criando-se novas cátedras de latim e
grego e novos colégios universitários, mais educativos. Mas
a principal influência, como se disse, foi nas escolas secundárias
que, a partir dessa data, alcançaram muito mais elevado nível
de estudos, os estudos comuns das escolas do continente, fun­
dados nas línguas clássicas e na gramática, mas com aditamen­
to de jogos e esportes, e com grande espírito religioso. Interes­
sante inovação dessas escolas foi o reconhecimento da língua
inglesa, pela primeira vez usada no ensino.
Nessa época não existem grandes pedagogistas ou teóricos
de educação ingleses, que pertencem, na maior parte, à época
posterior, da Reforma protestante, de que depois se falará.
Da época a que nos referíamos o mais conhecido é Thomas
104 À educação humânista

E ly o t (c . 1490-1546), que escreveu uma obra intitulada O


livro chamado Governador (The boke named the Governour),
muito influenciado pelas idéias de C a s t i g l i o n e e E ra sm o e
que é o primeiro escrito em inglês sobre educação.

5. A educação humanista na França

O desenvolvimento da educação humanista foi mais tardio


na França que na Itália e nos países germânicos, pois não ocor­
reu senão no século xvi. Então, por influência da cultura ita­
liana, principiaram as primeiras manifestações renascentistas,
principalmente nos escritores e na corte. Não houve, em ver­
dade, até muito mais tarde, influência direta na realidade edu­
cacional. A Universidade de Paris, que tamanha preeminência
havia alcançado na Idade Média, permaneceu enquistada nas
doutrinas escolásticas; e as ordens religiosas prosseguiam no
ensino rotineiro. Mas no campo da teoria, da literatura, sur­
giram alguns dos pedagogos mais representativos da cultura e
da educação humanista, R abelais e M ontaigne notadamente.
No terreno do ensino, a manifestação mais definida foi a cria­
ção do Colégio de França, por Fran cisco i, em 1530, em opo­
sição à retardada Sorbonne. Ao mesmo rei deve-se a formação,
na corte, de minoria seleta, cultivada, que deu o tom à vida
cortesã da França e do resto da Europa. Mas as escolas, à exce­
ção do Colégio de Guyenne, em Bordéus, continuaram seu
plano de ensino tradicional baseado no trivium e no quadri-
vium, até que as alcançou, tardiamente, a influência huma­
nista. Como diz Compayré : “Cumpre distinguir a teoria da
prática na história da educação durante o século xvi; a teo­
ria, já ousada e adiantada ao século; a prática, a arrastar-se
ainda penosamente na rotina, não obstante algumas iniciativas
acertadas”. (4)
Entre os primeiros humanistas franceses deve-se contar
Guillaume Budé (1467-1540), que foi o inspirador de F r a n ­
c i s c o i na criação do Colégio de França, com cadeiras de latim,
grego, hebreu e matemáticas, e autor de um tratado Sobre a
educação do príncipe, dirigido ao rei, pedindo-lhe apoio con­
tra a Igreja e a Universidade.

(4 ) C o m p a y r é , H istoire d e la Pédugogiet Paris, Hachette.


N a França 105

Outro humanista dos mais destacados foi Petrus R a m u s


(1515-1572), que lutou bravamente contra a escolástica rei­
nante no ensino francês, e uniu a dialética (filosofia) à retó­
rica, coisa desusada na época. Defendeu também o ensino das
matemáticas. Os escritores decisivos foram, porém, como dis­
semos, R a b e l a i s e M o n t a i g n e .
R a b e l a is (1495-1553). Embora sem nenhuma experiên­
cia em matéria de educação, François R a b e l a i s é dos escritores
mais representativos da pedagogia humanista. Nascido em Chi-
non, foi monge e sacerdote, médico e escritor. Em todas essas
profissões distinguiu-se pelo espírito inconformista combativo.
Censurou e ridiculizou particularmente a educação escolástica
e formalista da época, baseada na aprendizagem das palavras
e na submissão às regras. Suas idéias pedagógicas estão com-
pendiadas em dois livros, Pantagruel e Gargantua, que de for­
ma satírica criticam essa educação formalista. Mas isso não
constitui mais que um aspecto de sua obra, a parte negativa.
Mais importante é sua contribuição positiva, construtiva, para
a educação.
R a b e l a i s é o precursor do realismo e do naturalismo em
pedagogia. Parte da idéia de que cumpre manter a educação
em relação com a natureza; isso supõe atender primeiro o
corpo, cuidar da higiene, da limpeza e dos exercícios físicos
com grande amplitude e cuidado; para isso exige a vida ao ar
livre e indica a série de exercícios físicos que o educando deve
realizar. Do ponto de vista intelectual, R a b e l a i s é o primeiro
no reconhecer todo o valor das ciências na educação, apren­
didas, todavia, não nos livros, e sim na natureza. “Quero que
te dediques a teu estudo cuidadosamente; não fique mar, rio
ou fonte cujos peixes não conheças; todos os pássaros do ar,
todas as árvores, arbustos e arvoretas dos bosques; todas as
ervas da terra, todos os metais ocultos em seu seio, as pedrarias
do Oriente do Meio-dia, tudo te seja conhecido... Com fre­
qüentes anatomias adquirir o conhecimento perfeito do outro
mundo que é o homem”. (5) Mas a educação compreende tam­
bém, e em primeiro lugar, o conhecimento dos clássicos, as
artes liberais, o latim e o grego, as ciências exatas, em suma,
tóda uma enciclopédia.

(5) R a b e l a is , Pantagruel e Gargantua; carta de Gargantua a seu filho.


106 A educação humanista

De grande interesse é também o ambiente de liberdade


que deve ter a educação e o caráter atraente que os métodos
de ensino devem apresentar pois devem ser intuitivos e ativos,
estar em contacto com a realidade natural e social. Em suma,
a educação deve ser alegre, risonha, livre, e seu fim é a for­
mação do homem integral, completo.
M o n t a i g n e (1533-1592). O homem mais representativo
do humanismo francês, o aristocrático Senhor de M o n t a i g n e ,
escreveu em seus Ensaios algumas das páginas mais brilhantes
sobre a educação que caracteriza a época. Ainda que também
não tivesse experiência direta do ensino, as lembranças pes­
soais lhe serviram de orientação, tanto na parte negativa e
crítica, como na construtiva. As idéias de M o n t a i g n e também
se inspiram no realismo e no naturalismo, mas com maior acen­
to literário que em R a b e l a i s . A finalidade educacional assim a
exprime : “Não é uma alma, não é um corpo, o que o mestre
deve tratar de formar : é um homem”. Não se pode dar defi­
nição mais precisa da educação integral. Tudo ainda acen­
tuado com o dizer: “Todo o estudo e todo o trabalho não
devem ser encaminhados a outra mira que sua formação’'.
Essa educação deve começar desde a primeira infância e deve
ter em .conta as disposições naturais das crianças. Para ela ne­
cessita-se de preceptor ou mestre de qualidades, “de cabeça antes
melhor que provida de ciência”. Na educação, há de o aluno
tomar parte ativa. O mestre deve mostrar aos discípulos “o
exterior das coisas, fazendo-lhes experimentar, escolher e dis­
cernir por si mesmos, já preparando-lhes o caminho, já deixan­
do-lhes liberdade de buscá-lo”. E essa educação pode ser oca­
sional : “tudo que se nos mostra à vista é livro suficiente: a
malícia de um pajem, a tolice de um criado, uma discussão
de sobremesa, são outros tantos motivos de ensino”. («)
A educação deve, como se disse, cuidar do corpo : “Não
basta fortalecer só a alma, é preciso também endurecer os
músculos”. Cumpre acostumar o menino ao endurecimento, ao

(6 ) M o n t a ig n e , Ensayos, c a p í t u l o x x v .
[O Autor cita uma edição espanhola de M o n t a ig n e . Em português foi publi­
cada há já algum tempo uma bela edição: Ensaios, tradução, prefácio e notas lin­
güísticas e interpretativas de Sérgio M i l l i e t , ‘'Biblioteca dos Séculos”, vols. 50, 51
e 52, Editora Globo, Porto Alegre, 1961. Ao lado dessa edição, que apresenta a
íntegra dos Ensaios, em fins do mesmo ano de 1961 a Livraria José Olympio
Editora lançou, em sua “Coleção Rubáiyát", uma Seleta dos Ensaios, na tradução
primorosa, em língua muita vez arcaizante e sempre elegante, de J . M . de T o l e d o
M a l t a : três volumes de paginação contínua, 928 pp. (Nota dos trads.)]
N a França 107

esforço e à fadiga. Na instrução atender-se-á mais que tudo à


formação do juízo; e às coisas, mais que às palavras. “Que
nosso discípulo esteja bem apercebido de coisas; virão depois
as palavras, por acréscimo”. Seu plano de estudos é o corrente
no humanismo, mais reduzido, entretanto, e mais encaminhado
para a educação moral. “Entre os estudos liberais comecemos
por aqueles que nos façam livres”. “O fruto de nosso trabalho
deve consistir em fazer o aluno melhor e mais prudente”.

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