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Joyce Cardoso Olímpio Ikeda
RESUMO:
ABSTRACT:
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Discente do curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas/UFMA.
I. INTRODUÇÃO
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A expressão conflitos sociais, aqui, sintetiza um processo de confrontos entre os modos tradicionais
de vida e o modelo imposto pela lógica de mercado na Amazônia. Confrontos que vão dos casos de
submissão, ao de resistência e assassinatos. Estes conflitos são analisados por Hébette (2004); Hall
(1991) dentre tantos outros.
objetiva a concretização da liberdade. Liberdade, essa, que promove não apenas o
conhecimento, mas o domínio sobre as necessidades.
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Basta mencionar as inúmeras chacinas ocorridas na Região. Um exemplo, é a morte de dezenas de
trabalhadores garimpeiros sobre a ponte onde a Estrada de Ferro Carajás cruza o rio Tocantins, em
29 de dezembro de 1987. Os trabalhadores garimpeiros desarmados com suas famílias faziam
reivindicações ao Estado e enfrentamento a Companhia Vale do Rio Doce, na época ainda estatal,
episódio de confronto entre o capital e o trabalho, o Estado reforça seu caráter de poder
organizado de classe. Luxemburgo (2010, p. 55) discorre:
pelo direito de permanecerem em Serra Pelada e por melhores condições de trabalho, foram
metralhados pela Polícia Militar Paraense. Sobre este caso, ver Hall (1990); Peter (2001).
Para a produção capitalista o homem é uma mercadoria, e ela o produz em
determinadas condições de existência. Dentro de uma lógica em que as “carências do
trabalhador são assim, para ela” uma necessidade da reprodução de um determinado
modelo de desenvolvimento (MARX, 2010, p. 92). No entanto, ao impor condições extremas
a grande maioria da população, o sistema burguês de produção cria a necessidade de
transformação desta realidade. É a necessidade que Heller (1978) denomina de
necessidades radicais. Em outras palavras, a produção do capital fabrica os homens com o
potencial e o papel histórico de destruí-lo, de construir um modelo de sociabilidade onde as
liberdades existentes não sejam as que se manifestam no comércio.
Em oposição ao modo de produção burguês e ao seu sistema de necessidades,
a crítica socialista radical propõe a sociedade dos produtores associados. Na qual a
alternativa de desenvolvimento “baseia-se no justo princípio de que a terra é um recurso
natural fundamental, propriedade de todos os povos e, particularmente, dos camponeses
que nela vivem” (AMIN, 2010, p. 53). Somente esta sociedade possui a capacidade de
promover a liberdade de conhecimento e do controle sobre as necessidades sociais. É o
que pode ser observado nas proposições de Amin (2010, p. 61):
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Este caso é descrito e analisado por Reis (2014)
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Usa-se o termo adquirida entre aspas, pois a maioria dos processos de compra se deram sob as
condições da Companhia, que incluía o sigilo sobre o valor pago e proibia a organização dos
moradores para a negociação com a empresa.
A relação entre o desenvolvimento capitalista e as necessidades sociais pode
ser observada em Malheiro (2010), quando este trata dos conflitos entre as siderúrgicas e os
camponeses. A primeira questão é a disputa pela ocupação e uso da terra. Enquanto os
projetos ligados a exploração mineral, com o apoio do Estado, buscam viabilizar a
apropriação das minas, ampliar o cultivo do eucalipto, destinar uma maior porção das terras
para atender as demandas da atividade siderúrgica; os movimentos de resistência
questionam a lógica de produção imposta à região. Eles reforçam a necessidade de
construção de novas alternativas. Apontam para novas direções políticas que atendam as
necessidades da grande maioria da população, a qual as atividades de mineração e de
siderurgia têm desapropriado, explorado e marginalizado.
Acreditamos que a construção da revolução socialista conduzirá à uma total
reestruturação do sistema de necessidades. E esta construção é um dever histórico (MARX;
ENGELS, 2010). Neste novo sistema de necessidades manifestar-se-á a verdadeira
liberdade, que é o controle sobre nós mesmos. Nela, a fonte de riqueza não se reduzirá a
posse. A fonte de riquezas não se baseará somente no trabalho, mas sim da utilização do
tempo livre. Essencialmente porque, “a verdadeira riqueza do homem e da sociedade não
se constitui no tempo de trabalho, mas no tempo livre” (HELLER, 1978, p. 126). A realização
do “comunismo não priva ninguém do poder de se apropriar de sua parte dos produtos
sociais; apenas suprime o poder de subjugar o trabalho de outros por meio dessa
apropriação (MARX; ENGELS, 2010, p. 54).
No desenvolvimento capitalista, portanto, existem contradições entre as
necessidades de reprodução do capital e as necessidades sociais. O caso do Projeto Ferro
Carajás S11D, em Canaã dos Carajás, somente é um exemplo a mais desta
incompatibilidade. Do mesmo modo, os problemas provocados pela expansão capitalistas
na região não são problemas que possam ser resolvidos pelas instituições ‘democráticas’
disponíveis. Diante disso, temos o dever histórico de construir mecanismos de luta para a
realização de uma sociedade mais justa e igualitária. Sendo, também, importante a
evidenciação de que os conflitos que se manifestam em Carajás não são particulares desta
região, mas se encontram em toda parte, onde quer a lógica capitalista tenha conseguido
alcançar.
IV. CONCLUSÃO
A questão do desenvolvimento inclui uma série de outras questões de caráter
social, político, econômico, etc., igualmente complexas. A própria noção de desenvolvimento
deve ser problematizada para se construir uma análise crítica sobre as particularidades
deste fenômeno numa determinada formação social. Do mesmo modo, o debate sobre as
diretrizes que orientam as políticas públicas demanda um conjunto de reflexões que seja
capaz de articular o caráter do Estado e da política institucional no capitalismo, bem como,
compreender o contexto histórico destas políticas, ou seja, conhecer a especificidade da
conjuntura na qual estas políticas são formuladas.
Entendendo que a forma como produzimos nosso meio de existência também
produz um certo modelo de sociabilidade, compreendemos que a real democratização de
uma sociedade está no controle popular dos meios de produção. Assim, a verdadeira
participação política manifesta-se na capacidade de decisão sobre o que, como e para quem
produzir. “Os movimentos populares em curso já deram prova de inventividade na
organização dessas lutas pela colocação em ação de reais práticas democráticas
avançadas” (AMIN, 2010, p.59). Como exemplo disso, os movimentos locais, cada vez mais,
se integram aos movimentos regionais e internacionais – Articulação Internacional dos
Atingidos pela Vale; Justiça nos Trilhos; Observatório de Conflitos da Mineração na América
Latina6 dentre outros. O nosso desafio é ampliar estes recursos, além de nos inserirmos na
luta em direção à construção de novas alternativas de desenvolvimento.
O caráter de classe do Estado capitalista, a todo momento, deve ser
evidenciado, para que não acreditemos que suas instituições possam ser capazes de
promover oportunidades reais de transformação social, em direção a superação das
contradições capitalistas. A verdadeira democracia alcançaremos quando ultrapassarmos os
limites impostos pela ordem política burguesa. Luxemburgo (2010, p. 58) adverte que “as
relações políticas e jurídicas estabelecem entre a sociedade capitalista e a sociedade
socialista um muro cada vez mais alto”. E este muro somente poderá ser destruído pelo
“martelo da revolução”.
A opressão aos povos da Amazônia e as condições extremas de vida fazem
surgir as necessidades radicais. A organização dos movimentos de resistência, em defesa
não só dos direitos sociais, mas que denuncia os impactos da mineração ao meio ambiente,
apontam para a necessidade de construção de um novo projeto de desenvolvimento. Nosso
papel principalmente enquanto pesquisadores comprometidos com transformação social é
somar forças a estes movimentos, visto que, o conhecimento de um fenômeno implica
“participar pessoalmente na luta prática que visa modificar a realidade” (MAO, 2009, p. 18).
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Aqui seguem os Sítios virtuais, destas organizações: https://atingidospelavale.wordpress.com/;
http://justicanostrilhos.org/ e https://www.ocmal.org/ocmal/.
Acreditamos que a construção da revolução socialista é mais que um ideal, ela é uma
necessidade social e histórica.
Concluímos afirmando que na terra da promessa, na ‘Canaã’ dos Carajás, as
mazelas sociais, oriundas da exploração capitalista, têm aflorado em suas dimensões mais
perversas. No mar e no deserto enfrentado por sua população não há um cajado com
propriedades divinas para abrir o caminho de passagem, a travessia tem sido construída por
aqueles que resistem e lutam e, ao contrário da história bíblica, esta luta não é para chegar
à esta terra, e sim, para permanecer nela.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Lúcio Flávio de. O Estado em questão: reordenamento do poder. In: GADELHA,
Regina Maria A. (Org.). Globalização, metropolização e políticas neoliberais. São Paulo;
EDUC, 1997. (p. 111-123)
BOITO JR, Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo; Xamã
editora, 1999.
LUXEMBURG, Rosa. Reforma ou revolução? Trad. Livio Xavier. São Paulo; Expressão
Popular, 2010.
MAO TSE-TUNG. Sobre a prática & Sobre a contradição. São Paulo; Expressão Popular,
2009.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Trad. de Álvaro Pina e Ivana
Jinkings. São Paulo; Boitempo, 2010.
PETER, Cynthia. A chacina da ponte. In: Ecos da terra: uma jornalista retratando o poder e
a luta pela terra. RUSSO, Osvaldo (Org.). Thesaurus; Brasília, 2001. (p. 82-87)
WOOD, Ellen Meiksins. Estado, Democracia e Globalização. In: A teoria marxista hoje:
problemas e perspectivas. (Org.) Atílio A. Boron; Javier Amadeo; Sabrina González. Buenos
Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO, São Paulo: Expressão
Popular, 2007. (p. 381-393)