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IND-ICE

r - CONC E I~S DE ADOLESCENCIA. DIFERENTES PERSPECTIVAS DE ABORDAGEM. ALGUMAS


REPRESENTAÇOES PESSOAIS. O ADOLESCENTE.
1 - A adolescência • .- ••••..•••.••.••••.•••••.•••.•••••• Isolina BORGES
7 - O Adolescente e a Família ••••••.•••••••••.••••• J.C. Cordeiro~
1. Histdria . . . . . . . . . . . . . . . ; . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2. Conceito de Adolescência •••••••••••• ; •••••••••••••••••.•••.•• 8
11 - O que é um Adolescente •••••••••••••••••••••.••••••• RBné DIATKINE
II - ASPECTOS ~~TURACIuNAIS DO DESENVOLVI1~TO NA ADOLESCENCIA. DIN~llGAS EMQ
CLONAIS, COGNITIVAS E PSICOSSOCIAIS fiA! DECOtltlENTES.
25 - Sexualidade e auto-estima na Adolescência ••••• José Pedroso FLeRES
31 - Os jovens e a sexualidade ••.••• • •••••••••.••.••••••• Miguel NUNES
I - A Adolescência. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
II - A Afectividade.~ .•••••••.••••••••••••••••.•••.••..••••••• 40
III - A Sexualidade •••.•.•••.••..••••..•••.•.•.•.••••••..•••• 43
59 - Identidade e valores da juventude protuguesa ••••••••••• Jorge ~
1. A identidade como constjução social •••.•••••••••••••••••••• 61
2. Questões Metodoldgicas ••.•••.••..•••...•.•••....••.•.•..••• 65
3. Identidade, Diferenciação e Distintividade .•••••••..•.••••• 66
4. Semelhanças e diferenças entre sexos •.••••••••.•.•••••••••• 68
III - DINAMICA E ESTRUTURA DO PENSAMENTO NO ADOLESCENTE. O METO DO CLINICO DE
PIAGET E AS PERSPECTIVAS PSICOGENETICA E EPISTEVLOGICA DO CO~IEClMENTO
DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM.
77- Modelo com Incidência na Adolescencia •••••••••••••• Isolina BORGES
81- A Adolescência •..•••.•••.•.....•••.• ~ •.••••••• ~ •• ~ •.• Jean ·PIAGET
A. O pnesamento e as suas operações •••••••••••• •• . •••••••••••• 82
87- Os aspectos intelectuais da Cri se Juvenil ••• Berthe ftaymond RIVIER
97- A procura da inte ~ ração da Teoria de " - ,- -
Jean Pia~et na acção pedagdgica ••••.•••••• Deolinda M. F. BOTELHO
1. A posição epistemoldgica da perspectiva piagetiana •••••••••• 99
2. A natureza do método de investigação •••••••••••••••••••••• 101
3. O modelo explicativo da formação do conhecimento ••••• ••••• 103
109- O pensamento do Adolescente ••.••••.•••••••• Deolinda M. F. &YfELHO
IV A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE NO ADOLESCENTE. OS MECANISMOS DE EQUILIBRIO
00 "EU". PROCESSOS · DE AU'fONO MIA FACE AO ADULTO. ALGUNS A>DDELOS DE DESEN_
VOLVI MENTO PESSOAL. OS COMPORTAMENTOS DESVIAN'fES • .
117 - Adolescenciá ••• . •••••.•.•••••• • ••••.•••••••••••••• Isolina BORGES
A. Perspectiva Psicanalitica •• ••• ••••.•.•. ~ .••.•.•.•• ; .•••••• 117
B. Erik Erikson: criticas e continuadores •••••••••••••.•••••• 118
C. O Estádio da Puberdade e Adolescencia em Henri Wallon ••••• 124
D. A perspectiva de Arnold Gesell e o 7º estádio · ••••••••••••• 125
, 127 - A separação Adolescente-Pro.g eni to res •••••••• ~ ••••• Manuela FLEMING
- Introdução e Perspectivas de Investi ~ ação •••..••••••••••• •• 127
~ A separação adolescente-progenitores .••••••.• .•. •••.••••••• 132
- - Considerações Finais •.••••...••••.•.••••••....• : ...•••••••• 155
3) 171 - Teorias da Personalidade •.. , •••.••.•.•.• ; .••.•••••• David FONTANA
~ - Teorias Humanisticas •.••.•.••.• ; ••••.•.••• . •.•.•.•..•.•••••• 171
" 191 - Os estádios de Desenvolvimento de Erikson . •••.•••••• David FUN_T NU
V - A DESCOBERTA E CONSTRUÇÃO DE VALORES. A FAMILIA, A SOCIEDADE E AS INSTI_
TUIÇOES NESSE PROCESSO . ALGU~~S PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO.
219 - Ori f!: ens da MoraL •• . ••.•.••• . •. •. •••. . •.•••.•••• Antdnio M• . BA.T ao
1. As reg ras do jogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ~ •... . •. ~ .220
2. O realismo moral: as desonestidades e mentiras · ••••• ; •••••• 222
3. O desenvolvimento da noção de justiça ••••••••••••••••••••• 225
223 - O Desenvolvimento do Juizo Moral na Adolescências •••• Michel CLAES
241 - Valores: Seu Desenvolvimento e Influencia sobre "I •
o comportamento Adolescente •••••••••••• . •.•.•.••••• out; MCKINNEY
- Teorias do Desenvolvimento de Valores •.•••••••••.•. .•••••••• 242
A pasição psicanalitica •.•• .•.•• •.•.•••••••••• •.•••••••••• 242
A explicação da teoria da aprendizagem ; ••• ~ .~ •••••••••.•••• 243
Uma interpretação perceptual •• ••••• ~ ••••••••••••••••••••••• 244
.1.

.,
- Moralidade e Julgamento Moral ••••••••• ~;~.:~.~~ •• ;.~ ••• ~~~.247
O estudo de Piaget do Julgamento moral ••.•••• ~: •• ;.~ ••• ~.~.247
A elaboráção por Kohlberg da teoria de Piaget ••.. ~~~~~.:~.~.248
- Desenvolvimento de Valores e Escola Secundáriá • . ~.~.~ .• ;~ •• 250
A pesição sd~io-educacional de Friedenb~rg ~ •••• ~ •• :;~~ . ~;~;252
A escolá. secundária coino sociedade adolescente •• ;~~ .•• ~ •.•• 255
aealização académica na eséóla ' secundária .~ ••• ~.~~ •• ; .•. ~ •• 259
o desistente •••••.•••....•......••..•.•.•...•... ::.:. ~ •.•• 261
- Valores Durante o período final da Adolescência ' ~:.; •• :: •••• 263
- Valores Politicos é Socializáção Politi~a ••••••••.• :: . ~ . ~ •• 265
- :rte sumo •••• - . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . ~ . • '" '" : '" ~ ~ ~ ~ '" ~ ~ ; • '" '" '" '" '" '" '" '" '"
"'. '" 267
269 - Adolescencia - A Vontade de Viver •••• ••••• aIGUES ~.;~.;Márlene · R
- Adolescencia: Tempo ' de Contrádições •• ~; •••••• ;~.~. : ~ •••• ~ •• 273
- Os Confl i tos •••.. :. . ~ ..•.••..•• . ~ ... : ••.•.• . •.••.• . •.. ; ••• 277
- A Emot"ividade .••. ;. ~ ..•... .. ~.~ .....•................... ~~.279
- O Amo r • '" '" '" '" '" '" ~ '" .. '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" '" ~ '" '" '" '" '" '" '" ~ '" '" '" '" ~ ~ ~ '" '" ~ '" ~ '" ~ 280
- Medo e Agressividade: a Violência ••. :;.; ••• ;; ; .: ••• ~ .; •.••• 281
- As fteacçõés: ' Éxplosão ou Silêncio •• : •••• : •.•••.••••. : .••• :.282
- O Me do '" '" • , ~ •• : ~ ~ ~ ~ ~ ~ '" ~ ~ ~ '" '" '" ~ '" '" '" '" '" ~ '" ~ '" ~ ~ '" '" '" ~ '" ~ ~ ~ ~ '" '" '" '" '" '" • ~ '" ~ ~ 28:3
~ A Ale ,~ria • '•• ~ • ~ • ~ • ; • ; ~ ~ ~ ••••••••.• ~ .................. ~ ••••• • 284
- A Maturidade ....................................... . . . . . . . . . 286
VI - FACTORES CONTEXTUAIS DA ESCOLA FACE AO DESENVULVIMENTO. O "E'rHUS" DA ES-
COLA. O SUCESSO PESSOAL E AS QUESTOES SOBRE O DESINTERESSE, IN~ISCIPLINA
INEFICACIA~ AS EXPECTATIVAS E PROCESSO DE APRENDIZAGEM.
289 - Auto-Estima, Auto':Con~ei to Ãcadémico " Alienação e
sucesso escolar ••• ~ ........ -.......... J.O •. FORWSINHO/C. ALVES.:.PINTO
1. O Estudo da Auto-Imagem Da Psicologia ••••••••••••••••. ~ ••• 289
2. Problemas ' ConceptuaiS e "metodoldgicos no estudo dà · auto ... · ,t
- est i ma ........... ~ ••••• "••••••••••••••••••••••••' •• ~ ~ ~ • ~ ~ ~ ~ ; 291
3~ Os estudos de auto-estima no contexto educacionál ••• ~.; ••• 293
4. Apresentação e investigàção de campo em curso ••• ~ ••.•.•••• 295
4 ~ I - Ob j e c t i vo s ~.. ~ . ~ • ~ : • ; • . • ; • . . • • . . • ; . : . • ~ • • • ~ • • • . ~ • ~ • ~ 29 5
4. ~ 2 - Amo s t ra •..••........• '" ~ .• ~ . . •........•• : ...... . .. ~ ; • ~ 295
4~J ~ Instrumentos dê me.ida •... ~ .~; ~ .:~ .. ~;.: .. ~~ ... . ; ••. 296
4 . 4 - Hi pót e ses ••. ~ •.• ~ .•.• ~ •• ~ : •• ~ ~ •.•• ~ •• ~ '•••• ~ • ~ ~ •• ~ • ~ • 296
5. Análise des n~dos ••• ~.~ ••.••• . ::.~~; •• ;; • . ••••. ; ••. :.~;.;297
6. Direcção Futura dá. Investigação .~ •.•.•••.•.•...••••••• :.~305
7. -Alienação Escolar, Auto-Estima e auto-conceito acádémico ••. 305
309 - o Desinteresse escolar no Ensino Secundário •••••••• W. P. ROBINSON
327 - Auto-Estima, Desinteresse e Insucesso escolar
em alunos da escola secundária~ ••••••• C. A. TAYLER/W. · P. ______~_
- Exames de refer~ncia normátiva e insucesso escolar •• . • . •••• 32
- O Ciclo do Desinteresse a
- Auto~Estima e Insucesso escolar: Teoria ••.•••••• ~.~ ••.•• 332
- Auto-Estima e Insucesso escolar: dados emPlricos .~ ••••••••• 337
343 - As competencias inter -pessoais do professor ••••••Santos BREDERUDE ~
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S. R

INSTITUTO PO LlT~C NI CO DE LISBOA

ESCOLA S UP E RIOR DE EDU C A Ç Ã O

FORMAÇAO EM EXERCICIO
PSICOLOGI A DO DESENVOLVIMENTO

1. INTRODUÇAO

A Ps icologia do Desenvolvimento integra-se no contexto formativo das


Ciênc ias da Educação. Procura , num tempo de sete sessões , constituir um espaço
de refl exão que perm ita uma abordagem ao contr i buto que traz a Psicologia ao co-
nhecimento da dinâmica e estrutura do comportamento do ado lescente e ao equacion~
mento de questões decorrentes dessa caracteriz ação no espaço familiar., social e
instituc ional .

A perspectiva de desenvolvimento estará subjacent e a todos os módulos


que i ntegram o programa, encarando-se o período da ado lescência como um caminho
que se i niciou na infância e se prolonga na adul~ z . Dos cont eúdos programáticos
se infere que as sessões t erão como foco temáti co a di nâm i ca evolutiva dos pr@ce~
sos de constr ução i nerentes aos di ferentes aspectos do comportamento do adolesce~
te , sublinhanjo-se a intenção de as interpretar e compreender a partir de um qua-
dro geral de f undamentação teórica que possibili te mai s do que classificar , com-
preender .
. , .. .
A di mensão pedagógica constituirá uma preocupação permanente, visando
o programa proporC ionar ref lexões conducentes à ut i l i zação funcional do conheci-
mento que a Ps ico logia do Desenvolvimento põe à disposição .

2. OBJECTI VOS:

- Proporcionar uma fundamentação teóri ca para o conhecimento do compor-


tamento do adolescente;

. ... / ...
~.

s. R.

INSTITU-ro POLlTI!CNICO DE LISBOA

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

- Operacionalizar o contributo da PSicologia do Desenvolvimento em or-


dem ao acto pedagógico;

- Estimular · a reflexão sobre fenómenos decorrentes de situações inte-


ractivas ao nível da relação professor/aluno;
,
- Icentivar uma análise interdisciplinar face às questões educacionais.

3. PRINCIPIOS METODOLOGICOS:

- Proporcionar meios de aprofundamento teórico e de questionamento te~


rico/prático;

- Promover a troca de saberes face à compreensão dos fenómenos educa-


cionais, numa perspectiva de complementaridade e análise interacti-
va;

Apoiar a atitude de observação, pesquisa e reflexão face à leitura


do comportamento do adolescente.

4. AVALIAÇAO:
..
O processo de ava l iação integrar-se-á no percurso de aprendizagem con-
ducente à rea l ização dos objectivos indicados para o programa e nos parâmetros
definidos no actual modelo de Formação em Exercício.

5. PROGRAMA:

1. Conceitos de adolescência. Diferentes perspectivas de abordagem. AI ~


gumas representações pessoais. O adolescente.

... / ...
s. R

INSTITUTO POLITÉCN ICO DE LISBOA

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇAO

2. Aspectos maturaciona is do desenvolvimento na adolescência. Dinâmi- f


cas emocionais, cognitivas e psicossociais dai decorrentes.

3. Dinâmica e estrutura do pensamento no adolescente. O método clini- K


co de Piaget e as perspectivas psicogenética e epistemológica do
conhecimento. Desenvo lvimento e aprendizagem.

4. A construção de identidade no adolescente. Os mecanismos de eQui-


librio do eu. Processos de autonomia face ao adulto. Alguns modelos
de desenvolvimento pessoal. Os comportamentos desviantes.

5. A descoberta e construção de valores. A familia, a sociedade e as


instituições nesse processo. Algumas perspectivas de desenvolvimen-
to moral.

6. Factores contextuais da escola face ao desenvolvimento. O "ethos"


da escola. O sucesso pessoal e as Questões sobre desinteresse, in-
disciplina, ineficácia . As expectat ivas e o processo de aprendiza-
gem.

7. Avaliação.
\.. _ - -
s. R.

IN STITUTO POLlT~CNICO DE LISBOA

ESCOLA SUPER IOR DE EDUCA ÇAO

Concepções da ADOLESCENCIA

liA adolescência é sómente uma etapa de vida,


a qual, por mais impressionantes e caracte-
rísticos que sejam os seus traços peculia-
res, encontra suas condições preparatórias
nas fases precedentes e prolonga muitos
desses traços até o fim da existência"

II
A adolescência caracteriza-se: a) pe-
la descoberta do eu; b) pela função paul!
tina de um pl ano de vida; c) pela integr!
ção nas diversas esferas da ex istência"

II
A adolescência define-se a) pela des-
coberta de valores; b) pela separação en-
tre valores subjectivos do eu e os valo-
res do mundo objectivo"

II
A adolescência caracteriza-se: a)
pela alteração do esq uema fisico e obri-
gação de reajus tamento entre o ser e o
parecer; ... d) pela busca ansiosa do mi~
tério da vi da e da morte com preocupação
crescente pelo futuro; e) pela indepen-
dência do ambiente familiar e pela libe~
tação de tutelas; f) pela fixação do pa-
pel a representar (trabalhos a executar,
meios de vida, ambições a satisfazer)
na vida socia l".
s. • R.

INSTITUTO POLlTt:CNICO DE LISBOA

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

II
Os problemas da adolescência gravitam
em torno ... a) aparecimento dos interesses
heterossexuais; •.. c) maturidade emocional;
d) maturidade intelectual; e) maturidade
social; f) inicio de independência economl
ca; g) uso do lazer; h) filosofia de vida ll

II Por detrás das imagens da juventude, há a


juventude eterna, identica a ela mesma no
decorrer dos séculos, nas suas tendências,
nas suas leis de desenvolvimento, na sua
forma de representar o mundo das coisas e
dos seresll

II Esquecer ou renegar a adolescência seria


uma derrota. Lastimá-la seria uma fraqueza.
Adorá-la seria um erro. O que é preciso é
que tudo o que ela tem de melhor se conser
ve em nós como uma força atraente, um exem
pIo vivo, um programa de acção a realizar"
A ADOLESCÊNCIA (*)

Isolina BORGES

1 . Considerações genéricas

A adolescência (precedida pela pré-adolescência)


corresponde aum período tradicionalmente considerado
ambíguo, na medida em que se situa em tempos diferentes nos
dois sexos e em -tempos diferentes consoante o contexto
~ocio-geográfico, embora com um denominador comum do tipo
somático-fisiológico, que é a maturação biológica. As
diferentes perspectivas da Psicologia do Desenvolvimento
enfatizam, de um modo geral, mas particularmente nesta fase,
um certo tipo de desarmonia nos diferentes vectores.
De facto, o equilíbrio físico e mental
finalmente atingido na fase final, se assim podemos dizer,
da infância, sofre pelo menos aparentemente , uma ruptura em
função de profundas alterações orgânicas com efeito
importantes ao nível de aspectos do corpo e, senão das
potencialidades intelectuais , da rentabilidade necessária ao
prosseguimento da escolaridade . Assim, as competências
cogni tivas organizam-se definitivamente e parecem atingir,
enquanto estruturas básicas, o seu acabamento. Do ponto de
vista da socialização, após um período de retraimento,
I

também a busca dos amigos se torna mais necessária e firme,


a par da redefinição de parâmetros dos valores.
Por sua vez, o relacionamento familiar surge, de
acordo com os psicanalistas (iiQna Freup, t!.elen Deutsch,
~ter Bl~, ]rik Erikson, Adelson) como campo privilegiado
de manifestações significativas de rupturas sucessivas,
rupturas necessárias para um reencontro na passagem ao
estado adulto, a refazer - se em novos termós.

(*) - Isolina BORGES, 1987, INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DO


DESENVOLV~MENTO, ED. Jornal de Psicologia, pag.s
137/141

1-1
Conceitos de Adolescência

As expressões puberdade, período inicial da


adolescência, pré-adolescência e adolescência, são assim
usadas para referenciar um período que não pode ser
"delimi tado com exactidão , e para o qual utilizaremos em
sentido amplo o termo adolescência, pondo em relevo as
características puberais "do seu início, e de acordo com os
diferentes modelos considerando dados mais significativos
numa primeira fase (pré-adolescência) que vão eclodir ' .em
diferentes níveis de acabamento numa segunda fase, ou
adolescência propriamente dita.
Michel Claés (1985), ao referir-se à
adolescência como período de desenvolvimento analisa os
pressupostos teóricos existentes e apresenta novos dados de
pesquisas recentes, através das quais a adolescência se
afasta do conceito tradicional como período de crise no
sentido de dificuldades a superar exigindo particular
esforço e desgaste.
Este especialista chama a atenção para as
diferentes transformações na adolescência que aparecem, ao
mesmo tempo que impõem, nas diferentes zonas de
desenvolvimento, tarefas específicas. Essas tarefas são
universais, parecem ser urgentes e dizem respeito em
primeiro lugar ao desenvolvimento puberal em que se
verificam modificações sexuais fundamentais implicando a
reconstrução da imagem corporal e respectiva identidade
sexual; em segundo lugar, às mudanças a nível cogni ti vo
(segundo Piaget aumentam as competências cognitivas do
suj ei to pela passagem e utilização em pleno do pensamento
formal; ainda que as características deste possam ser
discutíveis quanto à sua universalidade , não há dúvidas de
que há um aumento da capacidade de abstracção); em terceiro
lugar, as mudanças relativas ao relacionamento com as
figuras parentais e a impor tância crescente adquirida pelos
companheiros, enquanto agentes de socialização com as
características implícitas de relacionamento ao nível da
cooperação e compe ti ção; e m quarto lugar, à construção da
identidade, que insere o sujei to definitivamente no plano
psicossocial, decorrendo através de fases que se definem

1-2
Conceitos de Adolescência

pelo assumir da infância (perspectivando-se nas capacidqdes


de continuidade no futuro), pela delimitação face às figuras
parentais ao mesmo tempo que se afirma o Eu, e pelas
escolhas profissionais, sexuais e ideológicas que reforçam
aquela afirmação.
As dificuldades destes quatro ângulos são
ultrapassadas de um modo geral pelo facto de que os jovens
em crescimento não enfrentam a resolução das diferentes
tarefas desenvolvimentais simultaneamente . Michel Claes,
baseando-se no trabalho de Simmons e Rosenberg (1975) sobre
a representação do esquema corporal, de Coleman (1978) sobre
a ansiedade desencadeada pelas relações heterosexuais, de
BIos sobre o conflito familiar, propõe um esquema de
desenvolvimento da adolescência na linha da "teoria focal"
de Coleman (1978). Não há propriamente estádios distintos
com-Predominância das modificações morfológicas, cognitivas,
sociais e de identidade. mas há JJm a v olumar de preocJlpaçÕes
que aparecem em etapas diferentes e constituem focos de
!;:p~r...:e:.:o::.c:::.:::u~p:..:a:.:ç~a::-:::o:..-~e;;.m~~i,.d~
É em funçã~s tas:;, a~d;!;e~s_~d~i""s:. t.:...i..,n"'-lot...a...s .
propostas que as pesquisas longitudinais permitem, neste
momento, afirmar uma estabilidade relativa num contexto de
"crise" igualmente relativo.
Não obstante a pertinência da perspectiva
psicanalítica, nomeadamente dos trabalhos de ~na Freud
(1969), em que há ruptura com as figuras parentais e é posta
em relevo a reedição edipiana, com todas as implicações a
nível da organização de grupos de pares reactivos, as
pesquisas relativas à crise do adolescente a aprtir da
década de sessenta na América , com Qouvan e AdelsQO (1966),
e na Europa com ~ (1966), põem em relevo dois grupos
I 7"\ minor i tários em que se verificam as características assim
\ . I referidas; os jov ens com perturbações do foro psiquiátrico e
jovens particularmente sensíveis de grupos socio-cul turais
particularmente favorecidos .
Por sua vez, as mesmas p e squisas orientam- se no
sentido do de que o grupo de pares f u nciona mais como local
e ocasião de aprendizagem, do que como suporte (nem sempre
adequado para os adultos) de emancipação face aos pais .

1 - 3

J
Conceitos de Adolescência

Nesta pesquisa, o que se verifica é que o adolescente (Claes


reporta-se ao adolescente das décadas de 60 e 70) evita com
cuidado o conflito externo e interno, organizando-se a
consolidação da sua identidade; o Eu interroga-se mas não há
nem comprometimento ideológi c o, nem busca de riscos a
correr. Parece , pelo contrário, haver uma busca de relativa
conformidade e segurança. Entretanto, as dificuldades
relativas às metodologias utilizadas em qualquer período de
desenvolvimento assim como a ausência de trabalhos
anteriores com preocupações metodológicas de valor
indiscutí vel, permite a manutenção do antagonismo entre a
observação comportamental (que implica preocupações
metodológicas) e a perspectiva psicanalítica que tem sido
além de uma metapsicologia e uma forma de íntervenção
psíquica, uma filosofia de vida. No ' que se refere à
adolescência, a observação comportamental põe em dúvida a
noção de crise ; para os psicanalistas, a adolescência
implica a vivência de luto relativamente às figuras
parentais com o dramatismo implícito IA. Freud (1969), Dias
Corde iro (1979), E. de Figueiredo (1985)1. Este mesmo
antagonismo faz-se nos restantes p eríodos de desenvolvimento
(vide cap. II) e depende da resolução de antagoni smos
epistemológicos, que põem face a face o empirismo e o
estruturalismo, questões que na ps i cologia actual, sofrendo
formulações gradativas, se colocam em termos de valorização
ou não de variáveis mediadoras como transparece na abordagem
cognitivista.
Construídas as bases da personalidade que tende
para o estado adulto, confrontamo-nos assim com um período -
a adolescência - que para alguns já não se traduz em etapas
de desenvolvimento (por exemplo, ~llon e Piaget) ~, como
referimos no capítulo I, num ponto de cheeada em ql!e se
desej a que o sujeito seja um participante activo no processo
da história social e no processo histór ico da sua própri.a
exsitência. Todavia , poderemos considerar com os teóricos do
CiClO vital que é no processo social histórico e ao nível de l
{ uma maturidade adulta, que tal p rocesso se cump:r;,e. É nesta S
incompletude de diferentes perspectivas que reside, de facto

1-4
Conceitos de Adolescência

a dificuldade da intenção integrati va presente nesta área da


psicologia desenvolvimento mas que pressupomos
constituir, por sua vez, uma fase inicial do processo
hist6rico das ci@ncias psico16gicas, ou mais correctamente
das ciências humanas.
"No momento actual em psicologia, a adolescência
salvaguardando a teoria de Erik ~rikson, tem sido sobre tudo
abordada pela psicologia cogni tiva a nível do
desenvolvimento intelectual e acesso ao pensamento formal,
moral, ideo16gico, político, sendo dada particular
importância à representação de si e da identidade" (Claes, e
1985, pp. 27-28). ---------

1-5
l
o ADOLESCENTE E A FAMÍLIA (*)

J.C. Cordeiro DIAS

INTRODUÇÃO

1 . História

Só no príncipio do século passado a adolescência


começa a ser descrita como um movimento particular da
evolução do homem. Com efeito, anteriormente, as numerosas
obras filosóficas e literárias consagradas a esta idade
e s tavam impregnadas de um carácter pedagógico e moral,
proveniente de uma linha de escritores célebres, como
~elais, Montaign~, Rousseau ...
A partir do final do século XIX, altura em que a
psiquiatria se consagra ao estudo da "alienação mental" e à
sua classificação nosológica, a ado l escência começa a ser
encarada como uma idade em que se manifestam mui tas das
doenças mentais. No entanto, a excessiva preocupação, em
considerar toda e qualquer pertubação psíquica numa
perspectiva constitucional , não permitiu , nessa época,
integrar as observações clínicas dos adolescentes num
contexto sociocultural. Por outro lado, a criação de
entidades nosológicas rígidas, apenas com base na~bservação
de sintomas clínicos,levava a isolar como entidades mórbidas
diferent es comRortamentos do indi víduo e a formular
diagnós t icos e prognósticos graves. Esta atitude não
facilitou a compreensão do processo da adolescênci a e
provocou uma extrema confusão quanto aos limites entre o
normal e o patológico. Esta delimitaç ão é ainda actualmente
objecto de inúmeras controvérsias.

(*) - Cordeiro, J. DIAS (1979) - O ADOLESCENTE E A FAMÍL IA,


Lisboa, Moraes - pag.21-23

1-7

",
Conceitos de Adolescência

Os progressos da biologia e da psicologia da


puberdade deram origem a afirmações frequentemente
contraditórias no que respeita à relação existente entre a
puberdade. processo biofísico, e a adolescência, processo
biopsico-social.
Os trabalhos de Henger demonstram-nos a
importância do meio sociocul tural, bem como a do passado
psicológico. Progressivamente, outras disciplinas cien-
tíficas, como a psico-sociologia, a antropologia, a etno-
grafia, interessaram-se pelos problemas dos jovens em geral
e dos adolescentes em particular. Os estudos psicanalíticos
de S. Ireud, nomeadamente os "Três ensaios sobre a
sexualidade", consti tuíram um importante contributo para a
compreensão da adolescência. Desde então, os autores têm a
preocupação de estudar a vivência actual do jovem numa
perspectiva simultaneamente diacrónica, em que domina a
necessidade de conhecer a especificidade psicopatológica
desta idade, à qual correspondem técnicas apropriadas de
tratamento.

2. O conceito de adolescência

A adolescência caracteriza-se pelas extrema


dificuldade em precisar, não só os seus contornos como o seu
conteúdo. Se se considera, como numerosos autores, o
adolescente como "aquele que já não é uma criança mas não é
ainda um adulto", esta definição pela negativa reflecte
perfei tamente o carácter impreciso e fluido dos limites
entre os quais se situa este período.
Admite-se, geralmente, que a puberdade, enquanto
mudança biológica, coincide com o princípio da adolesçençia,
isto é, 10-12 anos para as raparigas e 12-14 anos para os
rapazes, nas zonas temperadas ocidentais. Observa-se, no
entanto, uma certa variabilidade no início da adolescência
no interior de um grupo homogéneo de adolescentes (meio,
idade, nível sociocultural). Com efeito, as mudanças
fisiológicas produzem-se em ritmo diferente, consoante os

1-8
Conceitos de Adolescência

indivíduos; deste modo, num grupo de jovens com a mesma


idade coexistem situações fisiológicas e psicológicas
diferentes, que o adolescente não estã em condições de
compreender como sendo normais, transformando-se, assim numa
fonte de inquietação e de comportamentos "como se" e de
imitação, para se conservar em conformidade com o grupo .
Se a puberdade constitui a principal referência
do inicio da adolesc~ncia, os seus limites finais são muito
controversos. Enquanto alguns sí tuam o fim da adolesc~ncia
no termo fisiológico da puberdade , outros referem-se à
maioridade civil e penal. Por outro lado, o prolongamento
dos estudos e da formação profissional alongam
consideravelmente a fase de dependencia económica dos
jovens, em relação aos pais. Esta situação é fonte

1 -9
Conceitos de Adolescência

a alegria e a tristeza, o optimismo e o abatimento. As


oscilações do comportamento, as var iações de humor , muitas
vezes incompreensíveis aos olhos dos adul tos, surgem para
muitos autores, particularmente e m A. ~d e E. $es~mbe~,
como necessários e não constituem senão índices ex ternos de
uma série de adaptações internas e m progressão.
Uma das contribuições mais importantes para a
comprensão da adolescência foi o considerá-la como uma
"crise" que permite solucionar conflitos da infância.
Trata-se de uma crise normativa ou, por outras
palavras, de uma fase normal de conflitos agudizados,
carac terizada por uma aparente f lutuação do Eu e por um
grande potencial de crescimento: "O que poderia aparecer
como o ínicio de uma neurose não é, muitas vezes , senão o
começ o de uma crise d e "autoliguidaçã0" que , de facto,
contribui para o processo de fo r mação da ident ida de". (E.
Erikso!}, 1956)
"Os processos regres sjvos da adolescência
permi tem, assim reformular os desenvolvimentos anteriores,
distorcidos ou incompletos ; a proVInda p erturbacão gu~
acompanha a reorganização af'ecti v a do adolescente contém.!

--
deste modo. um potencial benéfico". (P. BIos, 1967)

I - 10
º QUE ~ UM ADOLESCENTE

René DIATKlNE

Gostaria, antes de mais de reflectir sobre o que


é a adolescência e se es ta existirá de facto. "Adolescência"
é um termo utilizado pelos "velhos" enfim, pelos que se
consideram como não sendo já adolescente s ". Nunca ouvi um
adolescente dizer: "Sou um adolescente". Um adolescente diz
"Sou um ser humano , e sou um ser humano que tem "dor de
viver" (ou que não tem "dor de viv e r", segundo os casos),
mas sou um ser humano". E mui tas ve"zes é a condescendência
dos mais velhos , que dizem a e s te ser jovem e que se empenha
na vida duma maneira assaz impres sionante : "Bem, tu não
passas de um adolescente , is so passa-te" ...
Quando reflicto sobre a adole s cência, penso que
ela é admiravelmente figurada, numa peça . actual de Jean
Vitrac, chamada "Victor ou as Crianças no Poder". Uma
criança . que se torna adoles cente não tem como resposta dos
seus pais senão : "Vai beber um copo de água à cozinha, isso
passa-te" e morre no fim ~a peça. Penso qua a adolescência él
I
isto, é uma maneira de os adultos pretenderem que os
problemas postos p or um adolescente sejam problemas de
. juventu de que, naturalmente, passarão. Infelizmente, a
adolescência passa, em muitos de nós ... E quando deixamos de
ser adolescentes tornamo-no s velhos. Há efectivamente uma
maneira de lutar contra a velhice, é discorrer sobre a
adolescência. De facto, a adolescência é uma descoberta de
adultos. Isto começa pelos pais. Ser pai é qualquer coisa de
terrível, porque, tem-s e crianças pequenas, · conseguimos mais
ou mehos bem fazer-nos educar por estas crianças; quer dizer
que conseguimos, mais ou menos, estabelecer em certo
momento, um certo con t a cto, u m certo diálogo com as
crianças. E depois, por volta dos 7-8 anos, isto torna-se
cada vez mais ... não difí cil, mas restrito~ Existe toda uma

I - 11
Conceitos de Adolescência

série de fases da vida das nossas crianças que nos escapa. E


depois de repente - e era ontem que este sujeito era um bébé
apercebemo-nos que é um ser humano, e que herdou a
totalidade da nossa angústia. É isso que nós suportamos
bastante mal. Então tentamos desenvencilhar-nos, tentamos
dizer: "não te inquietes, nós fomos ass im". E o adolescente
responde- nos: "Bem, isso não me interessa nada que vocês
tenham sido assim, porque o que vocês são hoje, não é nada
divertido .. . ". É a partir deste momento que, efectivamente o
diãlogo entre pais e adolescentes se torna um diãlogo
impossível. De tal maneira imposs ível que, efectivamente, é
o momento em que todas as angústias se põem, e põem-se duma
maneira tal que não temos, em muitos casos, resposta a dar a
estes adolescentes.
A adolescência é também o problema dos
professores. Os professores franceses têm qualquer coisa de
particular, que coloca problemas: é que são todos antigos
bons alunos - foi assim que foram escolhidos. E, porque são
antigos bons alunos, guardaram uma certa recordação
deliciosa da sua adolescência. Mas talvez que muitos de
entre eles tenham, como ambição, encontrar na geração
seguinte, nos seus alunos, adolescentes como eles, como eles
eram, como eles permaneceram. E é aí que têm dificuldade,
porque efectivamente, em cada aula, existem alguns que são
como eles. Mas são urna pequena minoria e então o diãlogo
torna-se muito difícil com os outros . O que faz com que,
efecti vamente, aos professores s e coloque o problema da
adolescência.
Nunca vimos um adolescente pôr problemas de
adolescência. Aos adolescentes colocam-se problemas de
homens. E se os põem, é duma manei ra suportãvel para nós que
lutamos para sobreviver.
O psicanalista de crianças e adultos, o
psiquiatra de crianças e adultos que sou, tem a transmitir
um testemunho sobre a adolescência. Por duas razões : uma é
muito mã, a outra é, creio, melhor . A mã razão é que muitas
das ... - pessoas crescidas ... - pai s, educadores, vêm pedir
conselho sobre adolescentes que el es não "dirigem". E, como

I - 12
Conceitos de Adolescência

somos Doutores, é preciso que digamos coisas inteligentes ...


(devo dizer que não chegamos nunca lá). É a má razão . Há uma
melhor razão, é enquanto psicanalistas, estudamos bastantes
indivíduos desde a infância, tornam-se adolescentes, e
estudamos também os adultos, em mal de adolescência
perdida. .. isso permi te-nos , apesar de tudo, ter al gumas
ideias dum certo número de problemas fundamentais da
adolescência.
Quando me convidaram para abordar o tema da
adolescência, tinha a tentação de abordar um temp. que não
ousei: seria "A adolescência não existe" . Mas isso seria mal
compreendido, creio. Então pergunto "O que é a
adolescência?" porque de facto, a adolescência é totalmente
incompreensível, se a isolamos, se a transformamos num grupo
etário a estudar especialmente, porque a adolescência - no
meu ponto de vista de psicanalista - é fundamentalmente um
dos momentos de verdade do ser human o. A morte é um momento
de verdade da pessoa, mas em geral os seres humanos já não
são capazes de encarar a morte com v erdade e, portanto , esta
esbate-se. Quando digo que é um do s momentos de verdade é
pelas seguintes razões : Na verdade, a criança constr ói-se
numa relação de dependência estrei ta com as pessoas que a
educam - os seus pais na maior pgrte dos casos. E podemos
dizer que toda a infância se podia estudar em função do
seguinte parâmetro: como f az uma crianç a para que essa
dependência não seja atrofiadora para ela, e não a impeça de
viver? Nós cuidamos bastante de cri a nças que não c onseguem
aí chegar, e que ficam totalmente agarradas à sua mãe , por
exemplo, duma maneira tal que desde que a mãe se afaste duma
maneira ou de outra, f i cam num estado de angústia , de
inibição, ou de impossibilidade d e ter uma acti v i dade
autónoma muito importante. A maior parte das crianças nisso
se to r nam começando aliás mui to cedo: crianças de 2 ou 3
anos têm fases, quando vão bem, em q ue se tornam cap aze s , de
estarem sozinhas diante da ' mãe, o que é efec t ivame n te um
momento muito, muito impor t ante do desenvolvimento d a vida
psíquica duma criança. Estar só quer dizer não estar iso lado
dos outros, mas ser capaz .de subst ituir o outro; quer d ize r ,

I - 13
Conceitos de Ado lescênci a

de s er ele mesmo, a sua própria mãe e o seu próprio pai. São


proc essos que os psicanalistas conhecem bem , de
identificação e introje ção. São processos psíquicos que vão
permi tir a uma criança , de uma maneira bastante instável!
com recuos mui to frequentes, e fec tivamen t e , separar-se dos
seus paisj ser escolarizável. E, o que é a i nda mais
importante: sendo escolarizável, existe esta possibilidade
bastante impre s sionan te de estar num grupo de outras
crianças que são maçadoras, e suportar qu e o ens ino não se
ocupe unicamen te de si! Pois bem, a maior parte das crianças
ch e ga aí, e de sta maneira, conseguem constituir-se durante
todo este período que vai doa 4-5 aos 11-12 anos a ter esta
vida que lhes permite manter contac tos afectuosos com o pai
e a mãe; interessar-se pelos professores que não se
interessam forçosamente de forma e l ectiva por eles; e a ter
uma actividade mental cada vez mai s rica que não pede nada a
ninguém. esta actividade mental vai em dois sentidos: ~
sentido de aquisição de conhecimentos e de prazer pelo
funcionamento mental (des cobrir as matemáticas ou a
gramática é qualquer coisa que para certas crianças é uma
fonte de prazer indis cutíve l) ; e ao mes mo tempo existe uma
=
actividade imaginária essen cial que se desenvolve. e que
permi te à criança supor ta r ª Slla çondicão de dependência de
criança. Esta condição de dependência da criança é tornada
possível pelo f acto de no plano do imaginário a cr iança ser
perfeitamente capaz de se imaginar, num fu turo muito
longínquo, como um grande chefe , um herói, um grande sábio,
um grande músico , um homem p olí t ico, tudo o que quiserem, um
campeão de ténis, não importa o quê; mas qualquer coisa que
estej a no sup er l at ivo . E, ao me smo tempo, sobre o próprio
plano do erotismo , tem capacidade de ter fantasias e róticas ,
que derivam de perto das suas rel ações de jovem criança com
os seus pais. Isto permite-lhe efe ctivamente viver no
imaginário um absoluto que vai ser projectado num futuro
infinitamente longínquo.
O que faz que exista na c riança, nesta idade ,
uma espécie de equil íbrio e de saúde mental verdadeirtamente
espantosa, visto ser um es tado que por vez es atinge uma

I - 14
Conceitos de Adolescência

certa perfeição: se uma criança é castigada ou tem más notas


é porque as pessoas são más e não a amam, se tem maus
resul tados não é grave porque de facto no seu imaginário
sabe muito bem que um dia, saberemos quem ele é! E esse dia
é tal maneira tarde que é na verdade uma ficção, que não tem
que ser confrontada com o que agora s e passa. O que faz com
que a infância seja um momento espantoso em que a
adolescência se prepara, e prepara-se de maneira deter-
minante, porque o que vai passar-se na adolescência - e a
adolescência não deve, bem entendido, ser confundida com a
puberdade, mas é no entanto fortemente determinada pelas
mudanças somáticas que se produzem neste momento é
sobretudo o produto de toda uma evolução psicológica mui to
importante que se passa no período precedente. De repente, o
suj ei to vai descobrir que não é mais num futuro longínquo
que deve realizar-se, mas que é agora que as coisas começam,
e o que vai ser depende agora de si mesmo - e já pode dizer
- mais tarde eu serei um grande qualquer coisa - é agora que
devo jogar.
Do mesmo modo, o tempo do erotismo imaginário
onde aparecem imagens maternas que são reconhecidas como
taiS e que são fonte de alegria. É o momento, efectivament~' l
porque o corpo está pronto para isso, de ter relacões com
verdadeiros parceiros sexuais, e isto coloca de repente

f
problemas terríveis - porque saímos do todo poderoso. do
imaginário, para cair em qualquer coisa que deve ser ~
organizada, planificada. com um passo. que faz com Q~Je se

1
jogamos bem ganhamos. mas quando jogamos mal deprimimo-nos
porque nessa altura pensamos que não valemos nada.
Então, o que é importante é constatar que,
contrariamente ao que julgámos, esta fase que os
psicanalistas chamaram durante mui to tempo "fase de
latência" com o sentimento de que não se passava grande
coisa, é uma fase de uma extraordinária riqueza e de uma
extraordinária importância. E em particular, agora, sabemos
cada vez mais que existe toda uma série de transformações
que permitem justamente que laços e relações se estabeleçam
entre o imaginário do desejo e tod~ uma séri e de

I - 15
Conce i t os de Ado lescência

actividades. de conhecimentos e de prá ti c a , que permitem ao


sujei to no momento da a doles cênc i a, c omeçar a j ogar o seu
jogo doutro modo sem ser proj ectando fan t a s mas i r real izáveis
na s u a vida quoti dian a. Mas, isto não se passa com toda a
gente .. . E então, é a í que e fe c tiv am en t e quando a
adolescência começa - t oda es ta p a r te sub terrâne a da vida da
criança se t o rn a a sua verdadei ra r eal idade. O q u e f az que,
por vezes , pais e professores fique m sur pr eendi dos c o m o que
se passa c om a dol e scente s que vão bastan te b em .
Para não s er demas iado a bs tracto , vou conta r-vos
algumas histór ias de ad o l es cent e s . Começare i por hi stórias
sinistras o médi c o conhece s e mpre o a specto sinistro das
coisas.
Primeiro vou c ontar-vos uma história de uma
adolescência que não term inou. O p acie:lte em questão tem
actualmente 35 a n os. Nasceu de um p ai que era especializado
na educação de s urdos , e de uma mã e que n unc a pode casar- se
autenticamente . Era a s e gunda de s e is irmã s e todas as seis
irmãs, parece , entendem-s e mui to , mu i t o bem. Esta mãe
casou-se, mas p a ssava uma parte imp ortante da s ua vida na
família de origem . E ei s que tem UlT;l rapaz; isso alegra
imensamente o pai , e en t ri s tece profun dame nte a mãe ...
Este rapaz , no entanto, desenvolve-se
aparentemente bem . Na primeira infânci a passa-se tudo bem, a
mãe não se ocup a mal d el e, p orta n to daí n ã o sabemos grandes
detal h es. Mas , algum t e mp o de poi s , aconteceu algo mui to
interessante. No e n tanto, ni nguém l igou i mp ortância a isso,
s a lvo o pai, que se al e grou prof undamen te . É que, com oito
ano s , ele expli c o u a o pai que a par tir daquele momento não
bri n c a ria mais , que o jog o n ã o t inh a n enhum interesse . Com
efe i t o , teve c om o pai uma c onversa que parece u a este
verdadeira ment e genial. O pai ti nha- l he dado p elo
a ni ver sári o uma p e quena bic i cleta.
O f ilho estav a mu i t o con t e n t e c omo todas as
crianç as da sua idade - ma s n ão p odia fa zer senão um certo
tip o de p ass ei o s , e diss e ao pai: " Be m, uma b i c icleta foi
f e ita para ir a qual quer parte, u ma b icicleta que n ã o vá a
parte nenh uma , n ão é uma bi c i cleta, e dorav a nte n ão

I - 16
Conceitos de Adolescência

brincarei mais , porque o jogo é uma trapaça das pessoas


crescidas. Ele não o disse por estas palavras, mas mais ou
menos, e o pai ficou mui to orgulhoso da inteligência do
f i lho, que já tinha, pensava ele, um espírito filosófico.
Era um ponto importante e que no tratamento, desempenhou um
papel fundamental.
Esta criança, a partir daí, aparentemente,
continuou a satisfazer o pai e a mãe. Acabou os es tudos
secundários c om bastante brilho, pas sou o seu exame da
admissão, e, de uma maneira bastante conveniente, entrou
p a ra a Universi dade fazendo estudos de matemática e física.
Nesta altura pediu ao pai para terem uma conversa porque não
via o pai muitas vezes - o pai ocupando-se d e crianças, não
via o seu filho, bem entendido; é próprio dos educadores,
não se ocupam senão dos filhos dos outros. Os psiquiatras
também, ... pediu portanto ao pai para ter uma conversa com
ele, e disse-lhe: "Quero estudar matemática e física, com
uma condição ... ". O pai, que era um homem racional, disse:
"Mas. . . eu concerteza que estou de acordo com essa
condição". "Com a condição que me expliques para que é que
isso serve".
Devo dizer que o pai começou com expl icações
perfeitamente insatisfatórias para o rapaz, e a partir desse
momento este entrou numa inacção to tal: parou completamente
de trabalhar . O que se segiu conta- se em duas palavras: no
ano seguinte, fez um p ri meiro episódio delirante muito
importante, e no outro ano fez um segundo episódio delirante
bastante importante também, e fo i assim que começei a
tratá-lo. Trato-o desde aí e há uma dezena de anos - creio
que está melhor, aliás - falávamos muito, e ele deixava-me
tota lmente perplexo, porque me punha a mesma pergunta que ao
pai, dizendo-me : "Oiça. Dr. Diatkine, gosto muito de si, o
senhor é alguém, muito bem, mas não respondeu à unlca
pergunta que me interes sa: "Por que é preciso trabalhar na
vida?" . E devo dizer-vo s que eu me smo dizia : " Euh... é
preciso trabalhar porque patati e pata ta" mas não me sentia
nada convincente nem convencido do que diz ia. De facto,
quando reflectimos sobre esse rapaz , apercebemo-nos que o

I - 17
Conceitos de Ado lescência

que se produziu nele (ê um rapaz que trato desde hã muito


tempo, sobre quem aprendi bastante da vida psíquica
escondida desde a infância e na verdade não quero contar-vos
isto detalhadamente) o que é central nele foi o que se
passou com idade de 8 anos e que ele não disse, apesar de
ter passado por isso duma forma directa. É que ele, quando
perguntou ao pai: "Por quê brincar com uma bicicleta que não
vai a lado nenhum", tinha em mente qualquer coisa de
terrível: que a vida não serve para nada, porque só serve
para nascer e morrer. Devo dizer que foi alguns meses depois
do nascimento de um irmão. E é interessante que não é
preciso cair em histórias de ciúmes e do nascimento do
irmãozinho. É que o nascimento do irmãozinho colocou a esta
criança uma questão existencial: o que é a vida e o que ê a
morte? Podemos dizer que entrou n a adolescência a partir do
momento em que não quiz mais brincar - tinha 7-8 anos. A
partir desse momento, nesta questão fundamental, ele não
estava preparado para encontrar nem naturalmente, nem no seu
próprio psiquismo, os truques que nós todos encontramos para
sobreviver.
Com efeito, a sua esquizofrenia pois é um
esquizofrénico indiscutivelmente foi preparada neste
momento, e se o cito é porque efectivamente, apesar de não
ser adolescente, ele coloca duma maneira psi cótica, em minha
opinião , o que cada um de nós coloca como pergunta, e nos
perguntamos desde a adolescência.
Agora queria apresentar-vos um caso
verdadeiramente oposto que me parece muito importante e que
coloca justamente o problema da inserção do ser humano na
sociedade.
É o caso de uma criança que seguimos desde os 10
anos de idade, quer dizer, que se tornou adolescente muito
cedo. Esta criança nasceu ' num meio de sub-proletariado. Não
porque os seus pais não tivessem dinheiro. O pai é uma
pessoa algo monstruosa, físicamente, que ganha bem a vida,
mas que não consegue que uma mulher fique com ele e contudo
escolhe-as para que fiquem: escolhe-as , também bastante
disformes, mas não conseguiu que houvesse uma mulher que

I - 18
Conceitos de Adolescência

ficasse com ele em particular a mãe desta criança


abandonou-o muito depressa . Esta criança viveu portanto com
um pai que é um personagem bastante particular, num casebre
- sem mulher no lar , e viveu de maneira verdade iramente
aberrante toda a sua infânci a.
Inútil será dizer que a na escola primária, na
escola elementar, não aprendeu abso lutamente nada. Nem
pensar em interessar-s e pela língua escrita, de ne nhuma
maneira. Sabem que a França é um país democrático, quer
dizer, que a escola é ob r igatória para toda a gente até aos
16 anos: por conseguinte esta criança que nada tinha
aprendido agi tavé).-se cada vez mais, era aliás uma criança
algo particular, algo espiritual, mas que tinha compreendido
uma coisa: é que, nesta situação inacreditável em que o
obrigavam a frequentar a escola, era bastante mais forte que
a maioria. i efectivamente, aterrorizava absolutamente todo
o pessoal docente da escola, inCluindo o director - que nos
pediu que nos ocupássemos dele.
Ocupámo-nos dele, e ocupámo-nos durante bastante
tempo. O que era verdadeiramente espantoso é que esta
criança estava decidida sob re o que queria ser na vida.
Tinha uma única pai xão: era o cão . Convém dizer que qualquer
dia poderá haver em Paris mais cães do que pessoas ...
Actualmente, existe um novo sentimento da natureza que
desperta nas crianças da rua; é o amor aos cães - o que é
normal . Assim esta criança , tendo amor pelos cães procurou
na sua imaginação qual podia ser a profissão que teria mais
ta~de; e descobriu que existem ainda departamentos de
polícia que são especialistas no treino de cãe s polícias.
Deste modo, não queria senão uma coi s a, e ra ser polícia para
ser treinador de cães polí cias... mas não é uma profissão
que se consiga facilmente , quando temos desejo de o fazer e
somos crianças... isso não se consegue. Era a sua ideia
fixa, e tudo o que não o podia aí conduz i r , não o
i nteressava absolutamente nada.

I - 19
Conceitos de Adolescência

Ocupámo-nos bastante dele, e vimos qualquer


coisa que nos satisfe z bastante : é que graças a nós se
tornou leitor porque ens inar uma c"r iança a ler é, na minha
opinião assaz difícil.
E esta criança começou a ler e a devorar livros .
Devo dizer que era algo aborrecido porque quanto mais lia
mais devorava as linha s , mais se tornava absolutamente
intolerável nos estabelecimento s escolares onde estava
(connosco era intore"rável mas n ó s somos uma organização
fei ta para tolerar o intoleráve l, aliás isto é bastante
particular; era intolerável mas gostavam dele. O que é
interessante é que esta criança ficou conosco até aos 15
anos; idade "" em que, graças a Deus, conseguimos obter da
inspecção da Academia , uma dispensa para o último ano de
escolaridade. Porque devo dizer que o facto de ler não lhe
tinha dado ensejo de ser escolarizável, de modo algum . . .
Esta criança tem agora 22 anos. É motorista de
estrada. E esta criança que era con siderada como um instável
- fez múltiplas fugas, fumava desde os 12 anos, toda a gente
dizia "vai-se drogar" , de facto todos os antigos professores
o consideravam como o prototipo do adolescente perdido - uma
coisa conseguimos sobre o plano terapêutico: é que como
somos uma organização reconhecida conseguimos impedir que os
outros se ocupasem dele o que era verdadeiramente
fundamental para este género de adolescente. Impedin do que
os outros se ocupassem dele, e aceitando-o como ele era, a
dada altura estávamos furiosos contra ele porque t i nha na
verdade em certos momentos uma actividade demoníaca, de
fazer transpirar as pessoas. Mas o que é importante é ver o
que ele é. Em primeiro lugar é um dos nossos mais fiéis: em
geral todos os 2 ou 3 meses me vem visitar porque por fim
t ornámo-nos qualquer coisa "que cont a para ele . É preciso ver
o que ele é: é um adulto bastante aceitável, e o que me
interessa muito , é um adulto que permaneceu leitor, isto é,
existe uma coisa interessante, é que adquiriu, uma certa
consc i ência política. E quando estive com ele há 15 dias -
foi dos que me disse coisas mais p e rtinentes sobre o que se

I - 20
Conceitos de Adolesc ência

vai provavelmente pass ar nas eleições . . . , coisas interes-


santes e cheias de espíri t o .
Ach o que existe por vez es no escândalo das
peQsoas cresc idas à vol ta da adol escência algo que me t oca
directamente, as sociedades detestam o escândal o mas
sus citam-no e o adolescente é muitas vezes o autor do
escândalo. Quero dizer qu e uma das tare fas mais lmportantes
d~ um serviço de higi ene mental , como o do que sou
responsáve l em Paris , é provavelmente o de imp edir as
pessoas bem inte ncionadas de se ocuparem de adolescentes, e
proteger a adolescência das i ntervenções erradas que
existem ... !
Vou terminar pela históri a mais clássica. Eis
uma família da grande burguesia parisiense. A mãe é uma
mulher muito inteligente, mas muito depr imi da , que se casou
com um homem de que não gostava, porque pensou que uma
oportunidade como aquela não a voltaria a encontrar.
Tev e dois filhos e, sem da~ conta colocou t oda a
sua razão de ser, não nos filhos , mas no seu embevecimento
diante do 2 Q filho. E continuou a achá-lo maravilhoso toda a
sua vida, até que .. . esta criança se desenvo lve, depo is de
uma infância ap arentemente normal foi uma infância
bastan te particular, durante a qual es ta criança, vivendo
num meio privilegiado fez os estudos pr imári os não
conseguindo aprender a ortograf ia . Era to talmente
disortográfico .
E, paralelamente a es ta disortografi a, havia
qualquer coisa de es pantar, é que nunca se tornou leitor.
Aprendeu a ler, com a idade de 6-7 anos, mas a leitura nunca
lhe in teressou, o que para mim é um sistema de maior
importância quanto ao futuro da adolescência. Na
adol escência, tornou-se mau aluno . Tendo a certeza de ser
bastan te mais inteligente que tod os os outros.
Então come ç ou a não p reparar o seu traba lho
escol a , e a fazer cábulas. Se t iv esse ut ilizado to do este
temp o a estudar o que precisava ter i a conseguido bons
resultados, mas isto parecia-lhe comple tamente impossivel .

I - 21
Conceitos de Adolescência

E de fraude em fraude, começou também a roubar.


Disse que era uma criança de um meio muito rico, mas tem um
pai que tem a mania dos fatos - isto vê-se bastante entre os
burgueses parisienses. Começou a roubar as camisolas das
gavetas do pai. Depois achou mais interessante roubar as
camisolas nos armazéns chiques. E a família - a mãe - achava
que era o único companheiro divert i do que ela tinha na vida,
apesar de se inquietar um pouco com os seus roubos, achava-o
bastante astucioso e inteligente, indirectamente, encora-
java-o nesta mini-delinquência. Tudo ia mais ou menos bem,
tinha mesmo passado um bacharelato menor - quando uma criada
descobriu na casa de banho - e foi feito de propósito para
que isso se descobrisse uma seringa com algodão, e
aperceberam-se então que se drogava há tempo com heroína. Na
verdade, sabia-se que fumava haxixe desde há algum tempo,
mas isso faz parte das coisas que se toleram ... a mãe tinha
sempre tido esta atitude .
Agora é um grande toxicómano; e mais do que
isso, delinquente. Tem um processo judicial bastante grande:
começou por comprar uma moto quando não tinha licença para
conduzir. Mas não teve dinheiro para comprar o capacete,
rouba então um capacete "por arranque" de moto a toda a
velocidade - mas infelizmente a quem roubou o capacete tomou
nota do número e acabou por encontrá-lo. Actualmente, os
roubos "por arranque" são severamente punidos em França e em
todos os países da Europa portanto tem um grande problema
judicial, e como este assunto o angustia bastante, cada vez
se mete mais na heroína. Já fez uma sobredosagem da qual não
morreu, mas é um heroinómano em grande perigo.
Foi indiscutivelmente o que se passou desde a
infância e no período di to de latência que preparou de
ma neira verdadeiramente inelutável o que se revelou na
adolescência. O que se descobre na adolescência resulta de
»
protecções e falsas protecções da infância desaparecem. Por
esta razão a adolescência é a hora da verdade. Mas esta hora
da verdade soará várias vezes para o ser humano. É essa
razão por que penso que colocar a questão de saber se a
adolescência existe não é apenas uma maneira um pouco

I - 22
Conce itos de Adole s cênri 8

paradoxal de apresentar as coisas. Creio que focaliza r a


nossa atenção sobre a adolescência, ê afinal, uma form a de
no s defendermos contra a nossa própria angústia pes s oal,
c ontra O' que resta de vivo em nó s, e em última a nálise
~o n t ra a nossa própria ang ústia da mort e .

ALTER/EGO, (2) Lisboa 1986, pp. 95 a 105

I - 23
SEXUALIDADE E AUTO-ESTIMA NA ADOLESCÊNCIA (*)

José Pedroso FLORES

Nesta breve c omunicação vou encarar o problema


da adolescência no contexto da evolução, considerando-a como
uma crise evolutiva, como um processo onde se organizará a
passagem da infância para a idade adulta, o que comporta uma
crise de relação com as "imagos" parentais no sentido da
consolidação da estrutura, da organização duma identidade e
da formação definitiva do car~cter. Os novos objectivos
sexuais, com o desenvolvimento biológico das aptidões
geni tais ·'e de procriação, vão pôr em causa as soluções
provisórias organizadas no período da latência.
As transformações da adolescência vão tornar
especialmente premente a luta contra os desejos incestuosos ,
levando nas condições habituais à escolha de um objecto
sexual "exogâmico". É portanto uma fase de intensa
remodelação da vida interior que vai alterar profundamente o
equilíb r io até então existente entre os objectivos eróticos
e os narcísicos, que são os que visam a preservação da
organização psíquica e do bem-estar subjectivo. Na fase
( anterlor do desenvolvlmento, estes obJectlvos narC1S1COS
estavam fundamentalmente apoiados nas imagens deserotizadas
1 e idealizadas dos pais e na aceitaç ão dos ideais cultu rais
veículados por eles, entre os quais há que incluir c e rtos
atributos sociais do próprio sexo.
A reactivação dos dese jos bissexuais assoçj ada
com o desenvolvimento sexual da adolescência vai repô r _o
problema de definição sexual, em t ermos definitivos . Isto
implica o aprofundamento dos movimentos de redução da
ambivalência na relação com as "imagos" parentais tornando
possível identificações mais selecti vas; o que se traduz na

(*) - Comunicação apresenta.d a "em mesa redonda" no Congresso


de Psiquiatria da Adolescência, n a Figueira da Foz , em
Novembro de 1979.

II - 25
Aspectos Maturacionais

estabilidade da interiorização dos sistemas de regulação da


auto-estima. Daqui se conclui que a apresentação de boas
imagens dos pais tenha grande importância na via da
organização da vida psíquica ao l ongo de toda a evolução
infantil, da qual a adolescência é a última fase.
Simultaneamente com a consolidação da identidade
sexual, e em íntima ligação com este processo, ~
acentuar-se a diferenciação s y jeito-objecto a qual,
identicamente, é uma função da qualidade das relações
primi ti vas, especialmente da relação maternal com reper-
cussão importante na adolescência, fase em que essa dife-
renciação terá que adquirjr estabjlidade.
Na adolescência, como em qualquer outra época da
vida, a capacidade de funcionamento da função simbólica está
intimamente ligada ao problema da ansiedade. A intensidade
da ansiedade, em função da capacidade para a solucionar
construtivamente, é um factor decisivo na evolução e, natu-
ralmente, o meio ambiente é uma parte interveniente impor-
tante pela qualidade afectiva da relação que proporcione.
Até porque é indispensável ao prosseguimento da evolução a
assistência do objecto real, na dupla relação amar-ser
amado. A dificuldade está por vezes em que, sendo a relação
infantil sempre ambivalente pode não ser suficientemente
neutralizada pelo suporte empático dos pais e eventualmente
agravada pelas suas contra-atitudes, e as más experiências
podem eventualmente dominar sobre as boas, dando origem à
perda de confiança e à eclosão de ressentimentos e raivas
mais ou menos destrutivas.
Na adolescência , com o recrudescimento da vida
instintiva, dá-se muitas vezes u ma reactivação das más
imagens dos pais, a qual pode levar a reacções súbi tas de
decepção ou mesmo a ataques desvalorizadores, que vão
repercutir-se na perda do suporte narcísico indispensável à
contencão da ansiedade. Cada vez se atribui maior impor-
tância às fases precoces do desenvolvimento e às ansiedades
dessa época, na origem da experiência de coesão interna, de
continuidade e de identidade, e da sua possibilidade de

I I - 26
Aspectos Maturacionai s

ruptura em fases críticas do desenvolvimento como é a


adolescência.
Não é possí vel, pois, isolar a sexualidade da
estruturação da vida psíquica em função da r elação
"self-objecto "
• 4. '
~.lJ ' E do conhecimen to geral que a vida eróticª
Q)P (f {Oí-l \ infantil está centrada na imagem dos pais, através das suas
'l~(~ ~ \ representações simbólicas , do corpo dos pais, pela di f erença
-~tLÓ ~dOS sexos , pelo mistério da maternidade, etc., e que a sua
C forma de realização é essencialmente auto-erótica. Em face
=
dos imperat ivos do desenvolvimento , as contra-atitudes dos
pais sã~m certa medida anti-eróticas , contribuindo nas
condições normais para form as inibidas de erotismo,
traduzidas na ternura.
Na fase de latênci q a corrente terna sofre
grande increment o com dissociacão da corrente sensual , o que
é vantajoso para um certo deslocamento das finalidades da
sexualidade e para a aquisição de motivacão sociais.
Esta direcção não incestuosa da sexualidade, que
terá que ser acentuada no decorrer da adolescência sob pena
de graves regr essões, sofre contudo dificuldades. O jmpeto
erótico genital da adolescência reactiva desejos incestuosos
infantis recalcados, dando-se um aumento da ansiedade e da
culpabilidade, a que se juntam por vez es movimentos
depressi vos relacionados com sentimentos de separação, e
eventualmente com ameaças de desintegracão do sentimento de
unidade pessoal . E nesta condição de tumulto subj e ctivo que
a assistência dos objectivos reais e da sua capacida de
empática pode permi tir a formação de apoios para con tenção
da ans i edade e reforço da auto-estima, e se revela e m que
grau estão realmente poupados interi ormente.
Durante toda a adolesc ência desenvolve- se um
c omparável ao descri to

1 por n a primei~~~~a e caracterizado, de forma


semelhante, por alternativas de evolução e regres são , isto
é, de i ndependência e dependênci;.
Como na infância, o suporte empático do me i o é
indispensável , quer através do rec urso à família, quer à

II - 2 7
Aspectos MaturaC l. OnalS

amizade particular, quer ao grupo restri to, e igualmente


delicado pela susceptibilidade narc í sica do adolescente e a
sua sensibilidade à decepção. Concomitantemente surgem
movimentos de auto-afirm a Cão com maior ou menor arrogância e
rejeição das dependências. Nesta organização progressiva da
individualidade, vão também decorrer os movimentos no
sentido da escolha de um objecto hetero ssexual possível,~
medida em que vai sendo elaborada a bissexuall.dade. O
desenvolvimento das fl.nalidades gen i tais da sexualidade que,
como disse, impõe a mudança de objecto, vai afectar a
relação com as imagens interiorizadas dos pais e portanto o
balanço narcísico, e está na origem de desequilíbrios na
( relação e_rotlsmo-narcl.SiSmO, o que desencadeia formas de
) compensaçao, umas vezes no sentido de ideais ascéticos i)
~ antl-eróticos, outras no sentido de excitação sexual ~)
l eventualmente com actIvidade masturbatórl.a incoercível. A
masturbação é de facto uma actividade sexual importante
nesta fase da vida, tomando valores slgnl.ficativos diversos
) nas diferentes fases da adolescência, particlpando no
sistema de regulação da ans i edade c omo Vla de descarga das
t ensões e somo elemento na organização do desejo. Pode

l evitar eventualmente comportamentos de tlenegação, e favorece


o reinvestimento do corpo.
É através destas variações do equilíbrio
erotismo-balanço narcísico que se vai definlr a escolha de
um objecto heterossexual com maior oy menor confluência da
sensualidade e da afectividade.
Esta mesa redonda é dedicada à sexualidade na
adolescência, e eu procurei com estes breves comentários
introduzir a questão da relação entre o . desenvolvimento da ~
<
f sexualidade e o problema da auto-estima, com a consciência
de que é impossível dar conta de toda a complexidade da
inter-relação entre estes dois objectivos da vida, até
~~1.~a porque em cada comportamento estes dois sentidos da relação
p. ~Xf\ ( I estão constantemente presentes. O problema que me convém
~ ~p' I salienta~ é que há .várias maneiras _ de. as.s egurar a
~ ~ ~ auto-estlma: ou no reglsto da reallzaçao l.maglnarla dos
~~~ desejos ou no registo do príncipio de realldade. A primeira

II - 28
Aspectos Maturacionais

fo rma comporta um grau elevado de ilusão, enquanto a segunda


contém o g~eoderemos chamar o grau óptimo de ilusão,
aquele que é colectivamente aceitável. De facto a
colectividade suporta mal doses excessivas de comportamento
ilusório excepto quando se organiza ela própria à volta de
uma ilusão. Mas de facto, na adolescência há u~rande
tentação para a realização de desejos, o que se compreende
dada a dificuldade que constitui realizar a integração
elaborativa das boas e das más experiências, e como é mais
fácil r~r~à__ hiper-idealização de objectivos e de
situações ue visam dene ar aspectos inevitavelmente
frustrantes da realidade. Erikson refere-se na sua obra
Juventude e crise aos problemas da confusão de identidade
como sendo a ameaça dominante nesta idade da vida. Realmente
podemos dizer que, incluindo a definição dos comportamento
sexuais, o grande problema da adolescência é a
hierarquização dos objectivos pessoais através de opções

1
coerentes capazes de relegarem para o silêncio do
inconsciente, excepto durante o sonho ueles ob' ecti vos
que sejam discordantes. Trata-se de um trabalho cheio de
dificuldades, de avanços e recuos e eventualmente de
rupturas. Estas afectam sempre a au to-es tima das
auto-ima ens e constituem o rikson chamou fusão de
[
identidade. O meio ambiente, referência
inevi tável, é talvez, nas condições actuais de acelerada
transformação das colectivi dades, sob certos pontos de
. vista , um meio pouco facilitador .
Em referência a um dos artigos fundamentais de
{!e~ os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, pode
dizer-se que tudo o que se passa n a adolescência é~u'!@ /
tentativa para ~grar o tipo de relação pregenital ~ópr~ l
J da infância no modo de relação genital desejável na vida
adulta. substituindo a tendência para o controlo omnipotente (
~ objecto pela aceitação da realidade d~, na sua)
( diferença e especificidade individual .

II - 29
OS JOVENS E A SEXUALIDADE
I
A ADOLESCÊNCIA (*)

Migue l NUNES

O que é?

É o período da vida em que já não se é cri ança


mas ainda não se é adulto.
É um período de transformações profundas, no
corpo, nas relações com os pais e com as outras pessoas, e
em muitos outros aspectos da vida.
É um período de dificuldades e conflitos
relacionados com todas essas transformações mas também um
período rico em ideias, experiências, sonhos, projecto s .

Quando é que começa?

- Começa com a puberdade. isto é , com a entrada


em funcionamento dos órgãos sexuais. e portanto com o
aparecimento da primeira menstruação nas raparigas e com a
possibilidade de ejaculação no rapaz.
Em termos de idade i sto é muito variável e
acontece habitualmente mais cedo nas raparigas . Estas
costumam ter a primeira menstruação a partir dos 10 anos e
os rapazes a possibilidade da primeira eja6Ulaç ij; a parti r
dos 12 .
=-- Dizemos possibili dade porque um rapaz pode já
ser adolescente sem nunca ter ejaculado em sonhos ou na
masturbação, ou sem ter t ido relações sexuais. Podemos no
entanto dizer que a possibili dade de ejacular costuma
coincindir no tempo com o apareciment o dos pêlos a xilares (e
não dos pêlos púbicos, que ge ralmente aparecem antes).

(*) Miguel, Nuno SILVA - "Os Jovens e a Sexualidade"


ED . Comissão condição femini na , 2º ED, Lx. 1986 pág/s 8-36

II 31
Aspectos Maturacionais

Quando é que acaba?

Quando se pode considerar que uma pessoa já é


adul ta tanto biológica como psicol ogicamente, sendo mui to
variável de pessoa para pessoa a idade em que isto acontece .
Biologicamente há muitas variações individuais.
Psicologicamente há também muitas variações que
dependem de factores pessoais, familiares, educativos ,
sociais, etc .

Quais são as principais transformações da Adolescência?

- no corpo
nas relações com os pais
nas relações com os ou tros da mesma idade
nas relações com os adultos - na família, na
escola, nos grupos d esportivos e recreativos ,
no trabalho, etc.
na forma de encarar o futur?

As transformações do corpo na adolescência são:

- o crescimento acelerado mas muitas vezes


desigual e desproporc i onado do corpo
a entrada em funcionamento dos órgãos sexuais,
com o aparecimento da pri.meira menstruação nas
raparigas e da possib il idade de ejaculação nos
rapazes
uma série de modificações muito variadas
provocadas pelas hormonas sexuais , que começam
também a ser produzidas na puberdade e que
através do sangue chegam a todo o corpo

nas raparigas:
- o desenvolvimento das glândulas mamárias
o aparecimento de pêlos púbicas e axilares

II - 32
Aspectos Maturacionais

nos rapazes:
- o desenvolvimento dos órgãos sexuais
- a mudança de vqz
- o aparecimento dos pêlos púbicos. axilares,
barba, bigode, etc.
- nalguns casos, um ligeiro desenvolvimento das
glândulas mamárias, ou apenas duma delas (sem
importância e que desaparece algum tempo
depois) .

nos dois sexos:


- é frequente o aparecimento de acne, que está
relacionado com a actividade hormonal e que
habitualmente passa algum tempo depois
a possibilidade da expressão física, através
da excitação e do orgasmo, dos dese i os
sexu~s, tornados mais importantes pelas
hormonas em circulação.

As transformações nas relações com os pais são geralmente :

menor tempo de convi vência


maior dificuldade em contar coisas da s ua vida
maior tendência a pôr em causa e guestionar
ideias e posições da família, ou mesmo o
desejo de ser diferen te
maior independência nas decisões
e por vezes também urna aparente indiferença ou
mesmo hostilidade .

As transformações nas relações com os outros rapazes e


raparigas são:

desejo de ser aceite e considerado pelos


outros, o que mui tas vezes se manifesta de
forma especial na importância que assume o

II - 33
Aspectos Maturacionais

as p ecto ext ~i or:


os cabelos
· a maneira de vestir
a beleza
· a força
maior importância das relações com os outros
rapazes e raparigas:
a criação de amizades e mesmo a existência
frequente de "grandes amigos"
· o gosto pelas conversas intermináveis entre
amigos
frequente inserção em grupos mais ou menos
definidos, em que existem rapazes e raparigas
aparecimento da atracção entre rapazes e
=
raparigas, de paixões , de namoros, etc . .

As transformações nas relações com os adultos são:

desejo de ser reconhecido pelos adultos como


pessoa com direitos e dever~s
desejo de ser reconhecido como rapaz de se
bastar a si próprio sem protecções nem
controlos
facilidade com que se criam relações de grande
g onfiança com um ou outro adulto, tornados
confidentes.

As transformações na forma de encarar o futuro são:


- maior precupação com o futuro, aumentada
também pela necessidade de tomar decisões e
fazer escolhas
acentuação de desânimos, desistências e
hesitações criadas pela frequente oposição
entre as dificuldades e esforços de realização
dos seus projectos e o desejo de gozar a vida,
distrair-se, conviver

II - 34
Aspectos Maturacionais

- tendência para fazer grandes projectos


irrealizáveis mas também maior capacidade para~ ~
realizar os seus projectos. \&c ~~~~

Os adolescentes vivem este conjunto de transformações de ~~ .

;;:::up~~~::a~e=. :::cu:::~:~ m!::a~u :~n::o:::~ de w~~il


As transformações do corpo têm sido geralmente vividas de 1)1- ~
forma diferente pelas raparigas e pelos rapazes.

NAS RAPARIGAS HÁ MUITAS VEZES:


desejo de crescer e de se tornar adulta
- um misto de vergonha e orgulho em relação à
forma sexuada que o seu corpo começa a ter:
• distribuição de gordura por certas zonas
· desenvolvimento das glândulas mamárias
aparecimento dos pêlos púbicos e axilares
· menstruação, etc ..
- medo de não ser suficientemente atraente:
· demasiado gorda, magra, alta ou baixa
• do mau aspecto dado pelo acne, etc ..
medo em relação às sensações novas de
exci tação e prazer que o seu corpo lhe pode
dar .

NOS RAPAZES HÁ MUITAS VEZES:


- desejo de crescer e de se tornar adulto
medo de que o seu corpo não tenha forma
suficientemente sexuada (masculinizada) :
• na altura
• no desenvolvimento muscular
• no tamanho do pénis
· no desenvolvimento piloso (barba, pêlos do
púbis, etc.)
• no desenvolvimento (que sucede às vezes) das
glândulas mamárias

II - 35
Aspectos Maturacionais

--~---:-
- medo de não ser suficientemente potente:
não se excitar como os outros
· não ejacular como os outros
· não satisfazer uma mulher nas relações
sexuais
- medo de ter ou vir a ter tendências
homossexuais:
· culpabilizado por p·ossíveis experiências
infantis ou adolescentes sem significado.
medo de não ser atraente:
· o tamanho do nariz
· a deproporção do corpo (pés grandes , rabo
espetado , etc.)
· o acne

As transformações nas relações com os pais trazem um .


conjunto de conflitos:

SOBRE O TEMPO PASSADO FORA DE CASA:


• os pais têm dificuldade em suportar o
afastamento crescente dos filhos por razões
afectivas
pelo medo das más companhias
pelo medo de problemas afectivos e sexuais
• os filhos querem estar com os amigos e estar
com eles à vontade.

SOBRE A AUTORIDADE E LIBERDADE:


• os pais pensam que os filhos ainda precisam de
protecção e controlo
· os filhos querem fa z er a sua vida, à sua
maneira, sem limites nem complicações.

.:: SOBRE O COMPORTAMENTO:


• os pais preocupam-se mais com os aspectos
formais e têm dificuldade em suportar a
diferença na forma de vestir , . nos cabelos, na
música e nas convenções sociais

II - 36
;::

Aspectos Maturacionais

· os filhos gostam do informal, da aventura e


experiências novas, e têm vontade de provocar
os adultos o necess idade de fazer como os
amigos para se sentirem acei tes e inseridos.

SOBRE AS IDEIAS:
· os pais procuram transmitir ideias e valores
em que acreditam e têm uma grande preocupação
com a segurança
· os filhos gostam da invenção, da descoberta,
da aventura , do risco e têm também vontade de
marcar as diferenças.

SOBRE O FUTURO:
· os pais têm uma preocupação quase exclusiva
com o futuro (que mui tas vezes se decide na
adolescência) e em certos casos o desejo de
que os filhos realizem o que eles próprios não
conseguiram
• os fi lhos dão importância ao presente e ao
prazer actual, adiando a preocupação com o
futuro.

TUDO ISTO É COMPLICADO:


pelo medo que os pais têm de que os filhos já
não gostem deles
· pela culpabilidade dos filhos em relação ao
distanciamento que vão criando em relação aos
pais.

As trans:formações nas relações com os rapazes e raparigas


são acompanhadas de medos:
- o medo de não ser ace ite
. por não ter bom aspecto
. por não ser interessante
- o medo de não ser capaz
o medo de ser mais fraco ou pior

II - 37
Aspectos Maturacionais

Estes medos são especialmente acentuados nas


relações rapaz-rapariga . Na pré-adolescência, rapazes e
raparigas tendem a viver quase que exclusivamente em grupos
do mesmo sexo, muitas vezes cultivando de forma especial os
valores que tradicionalmente são considerados como próprios
de cada sexo e desprezando e atacando os outros.
Na adolescência começa a aparecer a atracção
entre rapazes e raparigas, a estabelecer-se uma convivência
entre os dois sexos em que o outro sexo aparece como
desejado, mas desconhecido e diferente.

Aparecem então outros medos:


as raparigas têm medo das intenções dos
rapazes
os rapazes têm medo que as raparigas pensem
que eles são mal inten cionados
- os rapazes têm medo de não ser suficientemente
habilidosos para arranj ar uma namorada
- as raparigas têm medo de não ser
suficientemente atrae ntes para arranjar um
namorado.

As transformações nas relações com os adul tos são


acompanhadas de dificuldad~s provenientes da idefinição de
direitos e deveres dos adolescentes :
os adultos tendem a s enti r que os adolescentes
querem ter direitos de adultos comportando-s e
como crianças
os adolescentes sent em que os adultos os
tratam como crianças querendo que eles se
comportem como adultos.

As transformações na forma de encarar o futuro trazem também


dificuldades:

- a dific uldade em aceitar frustrações,


trabalhos, esforços na reali zação dos seus
projectos

II - 38
Aspectos Maturacionai s

- a dificuldade de tomar decisões a l ongo prazo


a dificuldade · em di stingu ir os seus próp rios
projectos, dos proje ctos dos pai s, ~

~ (J..J~ d/>~
Por que é que se fala hoje tanto na a dolescência?

·
Porque embora sempre t e nh am ' t1.'od
ex1.S '
cr1anças
adultos, essa transformação é, na nossa sociedade:
que se t ornam vc, C~
/?of 1/-
~'
S\10~
$
Á - RECONHECIDA SOCIALMENTE - a esco l a veio dar
existência social a um período ent r e a v i d a de criança e a
vida adulta (trabalha, independênci a , etc,),

L- DIFÍCIL
pela indefinição n ão h á mome ntos concre tos e
assinalados de pass agem à i d ade adulta (a
maioridade não têm esse signi fic ado e ê v ivida
muitas vezes ainda numa si t uação de preparação
para a vida adulta e de dependência fami l i a r) .
• pela duração - d e v ido aos estudos cada vez
mais longos , mantendo a situação de
dependência económica, social, etc .

:3 - VIVIDA COLECTIVAMENTE - ao níve l da escola e


de todas as outras actividades pr6prias dos adol esc entes e
com a possibilidade de expressão pela maior importância que
lhe tem sido dada .

Mas por que é importante saber isto tudo?

.a) porque o fac t o de conhecer as transformações


da adolescência ajuda a perceber melhor as dj f j cp ] dadf!s~e
se enc?ntram e a verificar que es tas são normais e comuns à
maioria dos rapazes e rap arigas
:ti) -porque assim s e podem a c e i tar como normais e
posi tivas as sensacões nova s de e xci tacão . e prazer que se
exprimentam

II - 39
Aspectos Maturacionais

porque
carác t er injustificad8 de certas vergonhas femininas e medos
masculinos que têm a ver com a forma como as raparigas e os
rapazes são educados
dJ- porque pode ajudar a perceber melhor o
conflito com os pais, sem culpabilidade e sem dramatismos
~) - porque o facto de se saber que as dificuldades
são comuns permite um maior à vontade e uma maior capacjdªd~
de as Il l t r apas s ar::
fi - porque permi te perceber melhor e uI trapassar
as contradicÕes na forma de encarar o futurO .

II

A AFECTIVIDADE

É na adolescência que a afecti vidade , até aí quase que


circunscrita à família, se orienta mais intensamente noutros
sentidos:

outros amigos e amigas da mesma idade


outros adultos
É também a partir
ou uma
com outra pessoa uma relação afect iva especial . E o que s e
chama "estar apaixonado ".
Quando este desejo é correspondido pela outra
pessoa leva à formação de um par , situação que se chama
tradicionalmente namoro, emb ora esta palavra tenha caído e m
desuso e hoje os adolescentes prefiram dizer "ando com . .. " a
"namoro com" . . .

II - 40
Aspectos Maturacionais

o namoro dos adolescentes é muitas vezes vivido com grande


intensidade e crença na sua duração, embora sejam
extremamente raros os que acabam no estabelecimento de uma
futura relação de casamento. Mas o namoro, mesmo não
conduzindo ao casamento, é importante no desenvolvimento
afectivo do ado l escente:
0) - pelo reforco de identificação feminina ou
masculina
{) - pela maior segurança que obtém pelo facto de
se sentir amado
o) - pela experiência dum diálogo mais profundo e
sincero
d9 - pela vivência do prazer em tornar mais feliz o

-
outro

Naturalmente. também. a ruptura do namoro. especialmente se


não é de comum acordo. pode trazer problemas:

sofrimento pela perda da relação afectiva


- sentimentos de inferi oridade pela parte do que
se sente abandonado
sentimentos de culpa por parte do que abandona
- dificuldade de estabelecimento de futuras
relações de namoro, pelo medo da desilusão e
do sofrimento .

Estes problemas são maiores se uma rapariga ou rapaz sentem


que o outro os enganou:

mentindo acerca de si próprio ou dos seus


sentimentos
procurando apenas ter relações sexuais
mantendo simultaneamente namoro com outra
pessoa

II - 41
Aspectos Maturacionais

'"
MUITOS ADOLESCENTES VIVEM COM ANGÚSTIA O FACTO DE NUNCA
TEREM NAMORADO E TÊM MEDO DE NÃO VIREM A ENCONTRAR ALGUÉM
QUE GOSTE SUFICIENTEMENTE DELES OU DE NÃO TEREM CORAGEM DE
MOSTRAR À PESSOA DE QUEM GOSTAM OS SEUS SENTIMENTOS E
DESEJOS.

A afectividade, neste sentido em que estamos a falar , é um


aspecto da nossa vida que nó~ntrolamos completamente:

- podemo-nos sentir atraídos afectivamente por


uma pessoa e não concordarmos com essa
atracção
- podemos querer deixar de gostar duma pessoa e
não conseguirmos
- podemos deixar de gostar duma pessoa e ter
pena que esse facto tenha acontecido

Nas mulheres e nos homens é habitual existir uma relação


entr~ a afectividade e a sexualidade, isto é:
.:

- o amor é geralmente acompanhado de desejos


sexuais
- as relações sexuais são consideradas mais
satisfatÓrias Quando i ntegradas numa relação
afectiva.

No entanto, nem sempre isto sucede, e algumas pessoas

-podem estar apaixonadas sem terem desejos


sexuais, o que sucede mais frequentemente nas
mulheres
- podem ter desejos sexuais sem qualquer relação
afectiva, o que sucede mais frequentemente nos
homens.

II - 42
Aspectos Maturacionais

III

A SEXUALIDADE

É difícil dizer o que é a sexualidade, dada a complexidade


dos aspectos em que está implicada. Mas podemos apontar o
seu papel fundamental:
Na identificação: é a sexualidade que nos fa z
sentir bio-psico-socialmente mulheres ou
homens
Na reprodução: é através das relações sexuais
que (salvo em casos especiaiS) um homem e uma
mulher podem ter um filho
- Na relação amorosa : a sexualidade é uma forma
de expressão física do nosso amor e reforça a
relação a morosa
No desejo e prazer: a sexualidade é
responsável por des ejos extremamente intensos
e um prazer muito grande acompanha
habitualmente os pensamentos e actividades
sexuais

Assim a sexualidade pode


ser vivida integrada numa relação afect iva ,
duma forma responsável, partilhada, em
igualdade
cimentar uma relação estável, permanente,
institucionalizada como no casamento
conduzir à constituição de uma família e ao
nascimento de filhos
contribuir para o bem-estar amadurecimento
psico-afectivo
mas também pode
ser vivida como uma procura de prazer à custa
do outro

na violação
na prostituição

II - 43
Aspectos Maturacionais

na utilização sexual de crianças


- nas relações forçadas, mesmo dentro do
casamento
- nas relações vividas duma forma egoista,
procurando ter prazer e não procurando
dar prazer
ser utilizada na exploração comercial do
desejo e prazer

na publicidade - através da imagem do


corpo da mulher (e do homem)
- na pornografia - através dos aspectos
doentios da sexualidade, como o sadismo,
e que geralmente é fei ta para consumo
dos homens, diminuindo a sua
sensibilidade e o respeito pelo outro

A sexualidade é ainda um aspecto da nossa vida que não


controlamos completamente. É possível controlar o nosso
comportamento sexual mas isso não impede que possam existir:
desejos sexuais que não queremos ter
- . porque estão em contradição com as nossas
ideias
- porque estão em contradição com .a nossa
relação afectiva

- porquer não são bem aceites socialmente


TUDO ISTO CONTRIBUI PARA QUE A SEXUALIDADE SEJA UM ASPECTO
COMPLEXO QA NOSSA VIDA, EM RELAÇÃO AO QUAL NÃO TEMOS TODOS
AS MESMAS IDEIAS, E QUE NOS PODE PERTURBAR E DEGRADAR, ASSIM
COMO NOS PODE DIGNIFICAR, DESENVOLVER E TORNAR FELIZES.

A sexualidade está presente, embora de formas diferentes, ao


longo de toda a nossa vida.

Na inI'ancia
Existem manifestações de sexualidade, natural-
mente pouco definidas, como é próprio da idade.

II - 44
Aspectos Maturaci onais

Assim é normal as crianças

gostarem de mexer nos seus orgãos sexuais


terem curiosidade de ver o s orgãos sexuais das
outras
- inventarem brincadeiras, com crianças do mesmo
sexo ou não, que lhes permitam conhecer o
corpo das outras ou mostrar o próprio corpo
(brincar aos médicos, aos p a is e mãe s ).

No entanto, erradamente, estas brincadeiras infantis são


algumas vezes consideradas perigosas pelos adu l t os que têm
medo que
• sej am reveladoras de "más tendências"
(homossexualidade, depravação)
• possam contribuir para o desenvolvimento
dessas "más tendências"

Isso faz com que as crianças possam ser c astigadas ou


repreendidas pelos pais quando são descobertas nesTas
brincadeiras, o que as deixa culpabi lizadas e traumatizadas.

B Na adolescência
A sexualidade manifesta-se de
intensa e clara e começa a estabelecer-se a
uma forma mais
ligação entre a
sexualidade e a afectividade. Ligação que na nos s a sociedade
existe de forma diferente nos rapazes e nas rap arigas, como
veremos adiante.

Assim a partir da adolescência a sexualidade manifesta-se


através de
sonhos sexuais
desejos e excitações sexuais
fantasias sexuais
masturbação
relações sexuais

II - 45
Aspectos Maturacionais

a) Sonhos sexuais

São todos os sonhos que representam uma situação


sexual, mesmo que não seja uma actividade sexual
perfeitamente clara.

Estes sonhos:
são involuntários, como todos os sonhos
de frequência mui to variável de pessoa para
pessoa, podendo mesmo não existir
acompanhados de excitação sexual e por vezes
de orgasmo.

Nos rapazes o orgasmo do sonho é muitas vezes acompanhado de


ejaculação, podendo suceder que:
• acordem durante o orgasmo
. não acordem mas se lembrem no dia seguinte que
sonharam
• não acordem nem se lembrem verificando apenas
no dia seguinte que ejacularam durante a
noite.

Embora ter sonhos sexuais e ter orgasmo no sonho


seja perfeitamente normal,
• algumas raparigas ficam preocupadas, com medo
que isso signifique uma tendência demasiada
para o sexo
• alguns rapazes têm medo que ejacular a dormir
seja anormal ou faça mal à saúde, ou têm
vergonha que as mães ou outras pessoas
percebam que eles ejacularam.

~) Desejos e excitação sexuais

Aparecem
• nas raparigas habitualmente duma forma menos
intensa (veremos mais adiante porquê) e
relacionados com a sua vida afectiva

II - 46
Aspectos Maturacionais

nos rapazes habitualmente de uma forma mais


intensa, e ligados aos mais diversos
estímulos , mui tas vezes sem qualquer relação
com a vida afectiva .

e) Fantasias sexuais

São muito variáveis de pessoa para pessoa, têm


um papel importante na nossa sexualidade

pela capacidade que têm de nos excitar e dar


prazer
- pela sua participação na masturbação e mesmo
nas relações sexuais

.J..) Masturbação

É qualquer processo que uma pessoa utiliza para


se e xcitar e atingir o orgasmo.
Na maior parte das vezes isso é feito
estimulando manualmente duma forma ritmada as zonas
sensíveis dos orgãos sexuais.

ATÉ HÁ POUCOS ANOS A MASTURBAÇÃO ERA CONSIDERADA UMA


ACTIVIDADE ANORMAL, PREJUDICIAL À SAÚDE. JÁ FOI DITO SOBRE A
MASTURBAÇÃO QUE :

- levava à loucura, à impotência


- era responsável pelo mau rendimento escolar e
também desportivo
- fazia olheiras, desenvolvia as glândulas
mamárias dos rapazes, emagrecia-os
aumentava o tamanho do pénis dos rapazes e do
clítoris nas raparigas
- prejudicicava a possibilidade dos rapazes
terem filhos que iriam ser feitos com os
restos, as sobras de esperma

II - 47
Aspectos Maturacionais

viciava os rapazes e raparigas, fazendo com


que tivessem mais prazer na masturbação do que
nas relações sexuais
- contribuía para a delinquência e a
criminalidade.

TUDO ISTO É COMPLETAMENTE FALSO E FELIZMENTE HOJE JÁ POUCAS


PESSOAS DIZEM COISAS COMO ESTAS. NO ENTANTO, AiNDA É
RELATIVAMENTE FREQUENTE

os pais relacionarem o emagrecimento e as


olheiras dos rapazes e também a diminuição do
rendimento escolar com a masturbação
- os professores de educação física e os
treinadores desportivos dizerem aos
adolescentes que a masturbação prejudica o
rendimento desportivo
os adolescentes terem medo de ficarem viciados
na masturbação
os rapazes terem medo que o desenvolvimento da
glândula mamária que a l gumas vezes se verifica
seja causado pela masturbação
os rapazes mais velhos considerarem que a
masturbação já não é própria da sua idade e
sentirem-se por isso envergonhados quando se
masturbam.

É necessário, por isso, afirmar claramente que a


masturbação não causa nem física nem psicologicamente
qualquer prejuízo no organismo . Não provoca as alterações
referidas (glândulas mamárias, pénis e clitóris), não vicia,
não prejudica os futuros filhos, não contribui para a
delinquência, e tudo isto qualquer que seja a frequência da
masturbação e a idade da rapariga ou do rapaz.
Mas também ~ão se deve concluir do que dissemos
que um rapaz ou uma rapariga tem obrigatoriamente, para
serem normais, de sentir necessidade de se 'masturbarem .

II - 48
Aspectos Maturacionais

Nos rapazes e raparigas a masturbação é uma


forma possível de satisfação do desejo sexual pelo prazer da
excitação e do orgasmo.
Mas nos rapazes a masturbação é tamb ém
uma forma de compensar a ans i edade , a
insegurança e a frustração pela "confirmação" da sua
virilidade e potência.

JL) Relação sexual

É normalmente uma forma de expressão sexual do


amor entre um homem e uma mulher com introdução do pénis na
vagina e execução de movimentos ritmados que aumentam . a
excitação e conduzem até ao orgasmo.
Na maior parte dos casos, as raparigas e os
rapazes iniciam a sua vida sexual não pelas relações sexuais
propriamente di tas, mas limitando-se a acariciarem-se
mutuamente, explorando o corpo um do outro e excitando-se
sem chegar na maior parte das vezes, a atingir o orgasmo , ou
atingindo por masturbação mútua.
É esta forma de relacionamento sexual que os
adolescentes chamam hoje "mel" ou "me les" como há anos atrás
chamavam "marmelada".
Mas, quer as relações sexuais propriamente
ditas, quer esta forma de relacionamento sexual mais
limitado, iniciam-se em idades muito variáveis, umas vezes
na adolescência, outras vezes mai s tarde e não há nenhuma
razão para que um ou uma adolescente se sinta inferiorizado
por não ter tido relações sexuais . Mui tas vezes isso é
apenas sinal de que ê mais exigente no que diz respeito ã
qual idade afectiva do seu relacionamento sexual .

ASSIM NINGUÉM SE DEVE SENTIR OBRIGADO A TER RELAÇÕES SEXUAIS ·


APENAS
porque os outros têm
porque acha que já tem idade .de ter
porque o namorado ou a namorada quer .

II - 49
Aspectos Maturacionais

MUITAS VEZES AS RAPARIGAS TÊM RELAÇÕES SEXUAIS

porque os namorados querem e elas tem medo que


eles as deixem
- porque os namorados dizem que se elas não
querem ter relações ê porque não gostam deles,
ou Ja tiver am relações com outros
poque têm medo de ser c onsideradas antiquadas .

OUTRAS VEZES NÃO TÊM RELAÇÕES SEXUAIS

porque têm medo que o s rapazes apenas se


interessem sexu almente p or elas
porque têm medo de pare c er levianas .

MUITAS VEZES OS RAPAZES QUEREM TER RELAÇÕES SEXUAIS NÃO SÓ


PELA FORÇA DOS SEUS DESEJOS , MAS TAMBÉM PARA

provarem a s i próprios que são c ap azes de


• terem relações sexua i s
. satisfazerem sexual me nte uma r apariga
- terem a certeza que as raparigas gostam mesmo
deles.

Esta necessidade d e provar e de ter a certeza é


p r ovocada pela insegurança mu i to frequ ê nte nos rapazes.
Atê há alguns anos atrá s , a mai o r parte dos
rapazes iniciava a sua v ida sexual com prosti tutas. Agora
isso já não sucede tão frequenteme n t e, porquem têm relações
sexuais com raparigas da sua idade , ou, mesmo quando isso
não acon tece, não querem ter relações com prostitutas . Mas
a lguns rapazes ainda têm relaç ões c om p rostitutas porque

- vivem a sua sexualidade duma forma parcial,


desliga da da sua afect ividade
tendo relações sexuais se sentem mai s seguros

II - 50
Aspectos Maturacionais

E muitas vezes se diz para justificar a


utilização da prostituição:
"É a mais antiga profissão do mundo" ·1
- "Sempre houve e sempre haverá prostitutas"
- "Eu não tenho culpa que existam e enquanto
existirem posso servir-me delas e é até o que
eles querem"
"Só é prostituta quem quer".

Mas é importante ter em conta que


- a prostituição é degradante para o homem que
compra e para a mulher que se vende
- as prostitutas não são geralmente autónomas
a sua entrada e manutenção na prostituição são
consequência de condições socio-económicas e
psico-sociais de que as prosti tutas são
vítimas
há autênticas organizações de exploração de
prostitutas, que promovem a sua entrada nesta
vida enganando-as com promessas de emprego, ou
outras, e que dificultam a sua saída, e para
quem vão a maior parte dos lucros da sua
actividade .

As diferenças na atitude e comportamento sexual em raparigas


e rapazes

Em muitos aspectos as atitudes e comportamentos das


raparigas e dos rapazes em relação à sexualidade são
diferentes:
,0/

Estas diferenças~ão devidas apenas às


diferencas biológicas entre mulheres e · homens, mas são
consequência dos critérios difere~ utilizados ~a educação
afecti va e sexual das raparigas e dos rapazes e que cria
numas e nos outros atitudes e comportamentos inadequados .

II - 51
Aspectos Maturacionais

Nas raparigas
%

A EDUCAÇÃO, NA MAIOR PARTE DOS CASOS

- apresenta o "ser mã e " como o val o r mais


importante da mulher
culpabiliza o desejo e prazer sexuais da
mulher valorizando apen as 0$ seus sentiment os
- desenvolve a capacidade da rapariga para se
tornar atraente e dese j ada
- reserva apenas para os rapazes a possibil i dade
de iniciativa para um relacionamento ma ior,
reprovando a iniciativa das raparigas
- cria uma desconfiança e m relação às intenç~es
dos rapazes

ESTE TIPO DE EDUCAÇÃO TEM POR CONSEQU~NCIA SER FREQUENTE


ENCONTRAR NAS RAPARIGAS

- desejo de ter um corpo atraente e medo de ser


feia
desejo de agradar e atrair um rapaz e medo de
parecer uma rapariga "fácil"
- desejo de corresponder p o sitivamente às
iniciativas de aproximação do rapaz e medo de
que ele apenas esteja s exualmente interessado
- desej os em relação a u m rapaz e medo de que
esses desejos sejam sexuais
desejos e excitações s exuais e medo d e que
sejam anormai s ou demasiados
desejo de que os rapazes se i nteressem ma is
por elas do que pelas outras e medo de que as
outras raparigas percebam esse desejo
- desejo de ser mãe e medo de não p oder t e r
filhos

II - 52
Aspectos Maturacionais

ASSIM O COMPORTAMENTO AFECTIVO E SEXUAL DA RAPARIGA


APRESENTA NORMALMENTE

- uma actividade sexual (masturbação, relações


sexuais) menor que a do rapaz pela maior
culpabilidade em relação . às acti vidades .
sexuais
relações sexuais algumas vezes apenas para
fazer a vontade ao namorado
- inibição no relacionamento com os rapazes pelo
medo de parecer " fácil" e pelo medo das
"segundas intenções" dos rapazes.

RESUMINDO, PODEREMOS DIZER QUE A RAPARIGA SE TORNA MUITAS


VEZES

- sexualmente menos interessada


- culpabilizada em re l ação ao prazer sexual
- receosa em relação aos rapazes

QUASE PODERIAMOS DIZER QUE AS RAPARIGAS QUEREM "O AMOR, SE


POSSÍVEL SEM SEXO"
'-

~) Nos r apazes

A EDUCAÇÃO, NA MAIOR PARTE DOS CASOS

apresenta a capacidade sexual como o valor


mais importante do h omem
descupabiliza o desejo e actividade sexual do
homem considerando-os como necessidades
reprova o desejo e prazer sexual nas raparigas
- estimula a ousadia e habilidade do rapaz no
seu relacionamento com as raparigas
- reserva apenas para os rapazes a possibilidade
de iniciativa para um rela.cionamento maior ,
reprovando a iniciativa da .rapariga.

11 - 53
Aspectos Maturaci onais

ESTE TIPO DE EDUCAÇÃO TEM POR CONSEQUÊNCIA SER FREQUENTE


ENCONTRAR NOS RAPAZES

- o desejo de ter um corpo e maneira de ser


perfeitamente masculino e órgãos sexuais nor-
mais e o medo de parecer efeminado, de ter um
pénis pequeno ou qualquer outra característica
sentida como podendo ser pouco masculina
o desejo de ser potente e o medo de ser ou vir
a ser impotente
- o desejo de ser totalmente heterossexual e o
medo de ser ou vir a tornar-se homossexual
- o desejo de ser capaz de agradar e conquistar
uma rapariga e o medo de ser pouco atraente ou
pouco habilidoso junto das raparigas
o desejo de satisfazer a mulher na relação
sexual, o que o "confirma" como homem e o medo
de o não conseguir por falta de qualidades ou
de experiência
- o desejo de ser tão bom ou melhor do que os
outros rapazes e o medo de que estes sejam ou
pareçam ser mais viris, mais potentes, mais
hábeis, mais experimentados

ASSIM O COMPORTAMENTO AFECTIVO E SEXUAL DO RAPAZ APRESENTA


MUITAS VEZES:

uma actividade sexual que é infl uênciada pela


procura de segurança e desejo de afirmação:
• masturbação mais frequente em momentos de
maior ansiedade
. querer ter relações sexuais o mais cedo
possível o maior número de vezes possível,
com qualquer mulher, em qualquer momento
uma procura de relacionamento com raparigas e
de namoro como prova da sua masculinidade e
habilidade .

II - 54
Aspectos Maturacionais

RESUMINDO, PODEREMOS DIZER QUE O RAPAZ SE TORNA MUITAS VEZES

muito interessado sexualmente


pouco exigente em r elação à qualidade a fectiva
das suas relações s exuais.

QUASE QUE PODERIAMOS DIZER QUE OS RAPAZES QUEREM SEMPRE "O


SEXO , MESMO QUE SEM AMOR"

No entanto esta diferença nas atitudes sexuais


das raparigas o dos rapazes é cada vez menor. As raparigas
começam a ter uma atitude mais favorável em relação à
sexualidade e os rapazes começam a dar importânc ia maior à
qualidade afectiva das suas relações sexuais .

A Homossexualidade

Chama-se homossexual a uma pessoa que se sente


sexualmente atraida por pessoas do mesmo sexo. Há mulheres
homossexuais e homens homossexuais.

Existem também pessoas que não são apenas homossexuais ou


apenas heterossexuais e que

- podem senti r atrac ção por pessoas do mesmo


sexo ou do outro sex o - chamam-se bissexuais
- podem ter um comportamento homossexual apenas
em situações que n ã o . é possivel ou é mais
dificil ter relações heterossexuais (pri são,
serviço militar, internatos) . mantendo, quando
se encontram numa situação normal, um
comportamento apenas heterossexual.

II - 55
Aspectos Maturacionais

Alguns adolescentes têm também relações homossexuais sem


serem ou irem ser no futuro homossexuais. Isso deve-se:

à intensidade dos dese j os sexuais e à vontade


de os viver com outra pessoa
- à maior frequência de amizades entre
adolescentes do mesmo sexo no início da
adolescência
à maior inibição que os adolescentes têm em
relação aos adolescentes do outro sexo,
sentido como desconhecido
ao desenvolvimento afectivo e sexual ainda
imcompleto.

No entanto, quando isto acontece os rapazes,


principalmente, sentem-se muito culpabilizados, e aumenta o
seu medo de virem a ser homossexuais, pelo que uma conversa
com um adulto esclarecido, em que tenham confiânça pode ser
útil.

A atitude em relação à homossexualidade é mui to variável


mas. de forma geral:

as mulheres são mais tolerantes em relação à


homossexualidade do que os homens
tem havido um evolução no sentido de haver uma
maior tolerância em relação à homossexuali-
dade.

Hoje já praticamente ninguém considera a


homossexualidade como um crime ou vício. Umas pessoas
consideram que é uma doença (que em certos casos se pode
tratar) e outras apenas uma variante do comportamento
heterossexual.

II - 56
Aspectos M&turacion~is

Em qualquer dos casos considera-se que as pessoas que são


homossexuais

- têm direi to a ser respeitadas, como pessoas


que são, mas não devem:
- usar da sua eventual influência (pela
idade, pela capacidade intelectual ou pela
si tuação afectiva ) para convencer um
adolescente a ter relações homossexuais
- pagar a adolescentes para terem relações
homossexuais
- não são diferentes dos heterossexuais nas
qualidades humanas, intelectuais, etc.
- têm direito a viver a sua sexualidade.

II - 57
'.
:.

IDENTIDADE -E VALORES -DA JUVENTUDE PORTUGUESA


UMA ABORDAGEM EXPLORATÓRIA

,To rge VALA ..

De ntro do plano de desenvolvimento da análise de


dados do Inquérito I.E .D., estudámos particularmente as
questões relativas aos valores, identidade psico-social dos
jovens e imagens da sociedade portuguesa. Os resultados
detalhados dessa análise e as conclusões a que se chegou
estão apresentadas no relatório provisório "representações
sociais dos jovens: valores, identidade e imagens da
sociedade portuguesa", que dará origem ao CADERNO
"JUVENTUDE" XI. O trabalho realizado suscitou novas pistas
de investigação. nomeadamente no tocante à ligação entre os
valores e o desenvolvimento socio-moral, à conflitualidade
entre as preocupações imediatas dos jovens e a sua
hierarquia de valores, e ao aprofundamento dos modelos
explicativos implícitos que permitem a apreensão da dinâmica
da sociedade portuguesa. Encontra-se em estudo o impacto do
desemprego na identidade e ideologia dos jovens
desempregados, trabalho que será publicado num dos próximos
números desta revista.

"L'homme n'entre pas une fois et définitivement ,


à tel moment de son histoire, dans un statut
fixé et stabilisé qu i serai t d' un adul te. Au
contraire: son existence est fai te d' entrées
succ essives qui jallonnent le chemin de sa
vie".
G. LAPASSADE

.. Jorge Vala: Doutor em Psicologia Social, Professor


Auxiliar do I.S.C.T.E.
Em Desenvolvimeto número especial Maio 86.Ed. INSTITUTO DE
ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO Pág/s 17-28.

II - 59
Aspectos Maturacionais

o texto que agora se a p resenta não é um r esumo


dos dados apresentados no relatório acima referido , mas uma
reflexão sobre os resultados relativos à identidade
psico-social dos jovens, conferindo-se uma atençao
particular ao contexto teórico subjacente à abordagem
realizada.

1. A identidade como construção social

Quer o início da adolescência, quer a passagem à


si tuação de adulto não estão institucionalizados na nossa
cul tura. Há porém um conjunto de fenómenos e experiências
individuais que ocorrem na fase de transição da infância
para a idade adulta que permitem a identificação de um certo
número de processos bio-psicológicos que distinguem e
diferenciam esta fase de desenvolvimento pessoal. Como
categoria social, a adolescência ou juventude é um fenómeno
recente, associado às transformações sociais introduzidas
pela revolução industrial, e que só se torna saliente a
partir do fim da I Guerra Mundial. Paralelamente , o
sentimento de pertença por parte dos jovens ao grupo jovens ,
é também um fenómeno recente e com expressão diferenciada a
nível dos diferentes segmentos juvenis (1).
Do ponto de vista psico-so c i ológi c o, a
adolescência ou a juventude é caracterizada por um con junto
de mudanças: mudanças biofisiológicas , hoje bem conhecidas e q)
identificadas , mudanças psicológicas e mudanças na rede ....® IJ}~)
relações sociais . As mudanças psicológicas passam-se a níve l
afectivo e a nível da a quisição de novas competênci a s
cognitivas, morais e sociais . Por outro lado , a uma
alteraç ão da posição do jovem n o sistema de relações
familiares corresponde uma alter a ção na sua rede de relações
sociais: ao "desejo de auton omia, capacidade de
desau t o r ização e desidealização dos pais",(2) ocorre em
paralel o um investimento em grupos a filiativos formados por
indivíduos do mesmo segmento etário .

II - 60
Aspectos Maturacionais

Se nos é permitido utilizar aqui a linguagem de ~';f?-


<K.: LewiÊ) (3), diríamos que o conjunto de factores -1-;;e.o t.l!>61'e CJ.
anteriormente enumerados se conjugam na configuração de um ,~O:~(..
novo campo psicológico e de um novo campo soe; a]. Não são
apenas novas variáveis psicológica§ que passam a accionar o
comportamento dos jovens, mas também novas variáveis
ecológicas: o adolescente ou jovem passa a ser estimulado e
a actuar sobre um novo conjunto de forças físicas,
ambientais institucionais e grupais.
Este novo campo psicológico e SQçj~l suscita nos
indivíduos um movi mento de criação de uma nova identidade. É
neste movimento que o adolescente se volta para os seus
pares, companheiros das mesmas incertezas e solidários nas
mesmas experiências e desel1volve uma rede de relações e
pertenças emocionalmente fortes e solidificadas por
mecanismos de controlo grupal, Estas novas relações permitem
o jogo de papéis até aí nunca representados e suscitam
comparações e diferenciações até aí não pertinentes. As
crenças, os sentimentos e os projectos que identificam o
indivíduo são objecto de mudança e reestruturação na etapa
da vida que separa a infância da idade adulta.
Os trabalhos de E. ~~ (4) sobre a
identidade e a adolescência são conhecidos, fazem parte do
corpo teórico geral que orientou a pesquisa do I.E.D. sobre
a juventude (5) e têm constituído uma forte estimulação à
inves t igação nesse domínio. Não foi porém a teoria de
Erikson sobre a identi dade que inspirou a orientação do
traba l ho que aqui se retoma e cujos dados foram já objecto
de apresentação noutros textos (6).
A parte de pesquisa do I.E.D. sobre a identidade
psicosocial dos jovens, tal como foi estudada no Inquérito à
Juventude, encontra-se referida à teoria da identidade
soci al ~~7), teoria que i n cide sobre as modali dades .
da construcao e da defini cão de si e dos outros num contextol~Tf~~
social. Para (fajfi]) "a identidade social de um indivíduo :S.t>aArL.
está l igada ao conhecimento da sua pertença a ce rtos grupos
sociais e à significação emocional e aval iativa ue resulta
dessa pertença" (8). Como sugere Hewstone e Jaspars (9),

II - 61
Aspectos Maturacionais

esta teoria pode ser descri ta em termos de quatro noções 1[tJN-A. ~


fundamentais : categorizacão ..§ocia l, identidade social , I~I~ADL ~/AL
comparação social ~ distintividade p sicológica . Seguindo de
perto esse mesmos autores , diríamos que a categorização
social é ponto de partida da t eoria , referindo-se à
participação e organizaçã o do mundo social em termos de
categorias sociais ou grupos . A identidade social consiste
nos aspectos da auto-ima gem individual que derivam das
categorias a que o indivíduo acha que pertence. Considera-se
que os indivíduos procuram uma identi dade social positiva
através de comparações sociais entre o seu grupo e os outros
grupos, e que estas comparações levam ao estabelecimento de
uma distinção psicológica para o grupo-próprio , ou · à
aquisição de uma diferenciação inter-grupo . À l uz desta
teoria, importa pois, compreender a identidade a partir dos
grupos ou categorias soc iais que são relevantes para o
indivíduo. Estas categorias sociais podem ser tão diferentes
como o sexo, a idade, os nanéis, as posições sociais ou
-=- ~ ~
Brofissionais, os grupos que se constituem na escola , no
trabalho ou no lazer, enfim todas as dimensões sociais que
de forma relativamente estável, ou na diversidade das
situações que os indivíduos vivem, p ermitem a emergência d~

.- -
um nós em relação a um eles.
-
Considerar a identidade como uma construção (
psicosocial não implica eSquecer a ideia de uma identidade
Bessoal, enquanto sentimento de unidade de d i ferença, ~
continuidade (10). Supõe porém que se foca lize a atenção no
papel do outro (indivíduo ou grupo) na construção do sujeito
(identidade e pertença são duas faces da mesma moeda) (11);
que se distingam os aspectos da identi dade · que derivam da
comparação do indivíduo com as categorias sociais que para
ele são relevantes : e que,. final emente , se atente no papel
dos valores na construção das auto e hetero imagens.
A ligação entre os valores e a identidade está ,
suposta no trabalho de<:ia~!!}) (12) quando este sublinha o
papel dos valores na formação das categorias sociais.
Categor ização social e valores contribuem para a atribuição
de um lugar particular a cada indivíduo na sociedade e para

II - 62
Aspectos Maturacionais

a auto-percepção do indi víduo como sujeito que ocupa um dado


lugar na rede dos grupos sociais.
Mas não só a p sicologia social, como a própria
psicologia do desenvolvimento recorrem ao conceito de valor
na construção da identidade, embora a partir de perspectivas
diferentes. Num estu,d o sobre a ontogénese de representação
de si, «eÊÍ'c?iV (13) sugere que a apreensão cogni t iva da
pessoa se processa enquanto objecto investido de val<2,r e
enquanto suporte de valores (14). O autor agrupa então os
valores da pessoa em quatro rubricas: o valor do eu~)
rsentimento global que experimenta cada indivíduo de ser
enquanto pessoa objecto de valor avaliação positiva ou
negativa de si, percepção de ser amado, odiado, desejado,
temido); valores ligados a processos vividos (sentimentos, z.)
emoções, sensações); valores ligados a comportamentos (o que 3)
é bom ou mau fazer-;e); valores ligados a características
lt)
pessoais (atributos que conotam qualidades morais ,
possibilidades e modalidades de acção , por exemplo: a
inteligência, a força, traços físicos, etc.).
Esta ligação entre pessoa e valores, leva-nos a
considerar o espaço histórico e social em que os indivíduos
constroem a sua identidade. Ou seja, interessa questionar os
valores a que as contingências sociais e económicas globais
e a que as contingências que especificam o espaço social
proxlmo de cada indivíduo, fazem apelo. A dinâmica dos ~

~
valores sociais repercute-se na imagem ideal de pessoa e na
forma como cada sujeito e cada categoria social se
auto-percepcionam e percepcionam os outros. Esta perspectiva
de enfoque da identidade leva-nos a pôr em causa as
orientações teóricas que postulam processos a-situacionais e
a-históricos de construção da iden tidade e especificamente
da identidade dos jovens. Será v e rdade que "derriere les
visages changeantes de la jeunesse, iI y... ~ la jeunesse
éternelle, remarquablement identiqu e ~ elle = même au cours '
des siecles dans ses tendances, ses lois de developpement,
sa façon de se représenter le monde des choses et des
êtres?" (15).

II - 63
Aspectos Maturacionais

Pensamos que vale a p ena referir aqui uma


hipótese de modelos culturais no pós-guerra , hipótese enun-
ciada e avaliada empiricamente por @ âteli} (16) , na medida
em que tais modelos , independentemente do seu carácter
discutivel, apresentam uma proposta de ligação entre valo-
res, condições sociais, formas de c onduta pessoal e iden-
tidade. De acordo com aquele autor, o modelo cultural domi-
nante em França nos anos cinquen t a pode ser dehominado
Utilitarista. É um modelo herdado da civilização rural ,
modernizado, mas mantido no periodo proto- industrial e
reforçado durante a guerra . São v alores caracteristicos
deste modelo, a defesa da ordem mo r al, ideológica e mate-
rial, a submissão ao destino e à orde m das coisas, a fé nos
mi tos transcendentes. Tal modelo suscita formas de conduta
caracterizadas pelo individualismo centrado na familia , pelo
conservadorismo e resistência às inovações . O êxito da
sociedade industrial faz surgir, a partir dos anos cin.:...
quenta, e nomeadamente na década de 60/70, um outro modelo
cul tural - o modelo de Aventura . Caracterizam-no a valori-
zação da tecnologia , da ciência, do saber, e simultaneamente
o hedonismo, o prazer, o êxito pessoal. As modalidades de
acção social mais valorizadas caracterizam-se pela com-
petição agressiva, pelo risco, pelo consumismo , mas também
pela procura da originalidade indiv idual, pela contestaçãó
do consumismo e dos ri tos de celebração do êxi to e da
riqueza, pela positividade das emoções e da expressão
pessoal (lembremos o sucésso das çorrentes terapêuticas como
a bioenergia, os T-group, etc . ). A partir dos anos 80 um
novo modelo emerge - a Recentração. A crise do petróleo, que
se declara a partir de 1973 , abalou as estruturas econó-
micas, revelou a fragilidade e a dep endência do desenvolvi-
mento conseguido . O investimento cai , o desemprego cresce ,
as noVas indústrias asfixiam as indústrias tradicionais e
criam pouco emprego. O futuro não é já possivel de ser
representado como evolução ascendente , os sentimentos de
angústia e inquietação instalam- se . Ao nível dos valores

II - 64
Aspectos Maturacionais

pessoais os indivíduos recentram-se sobre si mesmos, sobre a


convivialidade e sobre a família, enquanto espaço de
protecção e auto-defesa.
Hõ.verá algum simplismo na visão de Châtelat,
alguma incorrecção na sua visão homogeneizante dos modelos
cul turais, alguma ligação demasiado linear entre fenómenos
sociais e fenómenos psicológicos. Châtelat esquece ainda que
os sistemas de valor são conflituais e que existem conflitos
entre valores e práticas. Parece-nos, porém, relevante a
ideia de que há que compreender a pessoa a partir da
interligação entre valores pessoais, práticas sociais,
mudanças culturais e mudanças na estrutura socio-económica.
De forma necessariamente breve, cremos ter
enunciado o quadro conceptual que inspirou a abordagem da
identidade dos jovens no Inqu'éri to I. E . D. E quando dizemos
que o quadro conceptual referido inspirou o trabalho
realizado, queremos com isso chamar atenção para o facto de
o estudo não ter sido construido no sentido de testar ou
avaliar um corpo de hipóteses precisas, antes se assumindo
como uma abordagem exploratória do problema.

2. Questões Metodológicas

Do ponto de vista técnico-instrumental foram


definidas um certo número de categorias sociais consideradas
relevantes no processo de comparação e diferenciação que
vivem os jovens essas categorias foram as seguintes: os
rapaz~s, as raparigas, os homens, mulheres, ~ . Por outro
lado, a partir de dados reunidos no pré-inquérito e em
pesquisas anteriores de outros autores, definiram um certo
número de valores da essoa (atributos psicológicos,
modalidade de acção, qualidades morais, etc.). Aos jovens
questionados era então pedido que relativamente a cada um -
desses atributos características dissessem se eles eram
próprios do homem, da mulher, do rapaz, da rapariga e ainda
se se aplicavam a eles prórpios ou não. Este procedimento
inspirou-se naquele que construiu B. Zazzo (17) para estudar

II - 65
Aspectos Maturacionais

a identidade dos adolescentes, e que igualmente foi retomada


por Palmonari e colaboradores numa pesquisa sobre a
juventude italiana (18).
O facto de os atributos e as categorias terem
sido definidos a priori, não se tomando em conta a
especificidade das linguagens e de inserções sociais dos
diferentes grupos de jovens, cria ne cessariamente limitações
fortes ao alcance do estudo realizado. Quer o procedimento
de Zavalloni (19), quer a associação livre e continuada de
palavras (20)obviam aos problemas referidos. Não são p orém
instrumentos que possam ser uti l izados numa pesquisa
extensiva do tempo daquela que foi realizada pelo I.E.D .
Uma vez que os resultados sobre a identidade
psicosocial dos jovens foram já extensivamente apresentados
no Caderno XI Série Juventude (versão provisória), vamo-nos
debruçar apenas sobre algumas questões que parecem mais
relevantes.

3 . IDENTIDADE. DIFERENCIAÇÃO E DISTINTIVIDADE

Como o fim de situar a identidade dos jovens no


quadro de imagens de grupos sociais com os quais é suposto
compararem-se sentido da construção da sua ident idade , foi
realizada uma Análise Factorial de Correspondências (AFC)
dos dados obtidos através do procedimento já enunciado (21).
Essa análise permitiu identificar dois modelos
de pessoa, dos quais os jovens procuram diferenciar- se
(Factores I e II da AFC) . Estes dois modelos são construidos
a partir da oposição das categorias rapaz e mulher e das
categorias rapariga homem. O p rimeiro modelo opõe
racionalidade, afirmação pessoal (s e r duro e corajoso) e
envolvimento político (dar importância à política), a
afectividade, emoção e insegurança. Trata-se, assim, da não
identificação de jovens , quer com o estereótipo do homem
. adul to, quer com esteriótipo de rapariga .. Por sua vez, o
segundo modelo opõe exp ressividade, diversão e a utonomia a

II - 66
Aspectos Maturacionais

dependência e afiliação . Este segundo modelo cobre a


oposição rapaz-mulher adulta.
O modelo de pessoa a que os jovens, quer do sexo
masculino, quer do feminino, associam a sua auto-represen-
tação (III Factor da AFC) aparece como construído a partir
das dimensões que valoram positiv amente nos modelos ante-
riormente referidos. Trata- se de um modelo de pessoa que
conjuga valores afiliativos (preocupar-se com a família
pensar nos outros), de autonomia pessoal (pensar pela sua
própria cabeça) e de trabalho , e aos quais ,o põe a
insegurança e a dependência.
A importância conferida na definição de si aos
valores afiliativos está de acordo com o peso que lhes
conferido na hierarquia de val ores

associados,
dos jovens

p rovavelmente de forma conflitual,


(22).
verificamos assim que à procura da autonomia pessoal são
valores
li1
afiliativos como a amizade e a família. Merece ainda ser
\
frisado a centralidade conferida ao trabalho na auto-repre-
sentação dos jovens. Noutras condições socio-económicas, o
trabalho não surgiria provavelmente como tão relevante, como
aparece neste estudo. Em nosso entender, o trabalho e a
família seriam hoje vividos como estruturas de enquadramento
e factores de estabilização num mundo em tranformação,
instável, gerador de angústia e insegurança, e onde a
prioridade é talvez por isso, dada à procura de felicidade
individual (23).
Gostaríamos agora de acentuar um outro especto
revelado pela AFC. É surpreendente que as auto-imagens, quer
dos rapazes, quer das raparigas se construam também em
oposição à representação de rapaz e de rapariga . Este
resultado é particularmente claro quando analisamos as
distâncias entre as auto-representações dos rapazes e das
raparigas e as imagens que constroe m dos respectivos grupos
próprios. Será que a diferenciação relativamente ao grupo de
pertença é para os jovens condição de construção da própria
identidade , tal como o será a diferenciação face às
restantes categorias sociais signi ficativas? Ou será que
estamos em presença de um processo de distintividade, em que

II - 67
Aspectos Maturacionais

a distância face ao grupo próprio mais não indica que os


sujei tos desejam ser "os primeiros entre os respectivos
pares?" Ou será ainda que, para o suj ei to adolescente, a
imagem de se constituir um ponto de referência que serve de
base para a comparação com todos os obj ectos que formam o
campo da sua percepção social, e que por isso mesmo se
distancia e diferencia de todos eles. Mas obteríamos
resultados semelhantes, se tivéss emos podido fazer intervir
no processo de comparação outras categorias sociais, por
hipótese mais significativas?

4. Semelhanças e diferenças entre sexos

Os resultados da AFC mos traram que os jovens de


ambos os sexos constroem uma mesma imagem quer do rapaz,
quer da rapariga, quer ainda da mulh er e do homem. Da mesma
forma, e de um ponto de vista estrutural, as auto-imagens
dos jovens de ambos os sexos estão bastante próximas.
Trata-se de um resultado que vem sendo acentuado noutros
trabalhos, e que mostra uma tendência para o estabelecimento
do peso até agora conferido à categorização sexual. De
facto, neste estudo parece ser relat ivamente nítida a
procura por parte dos jovens de ambos os sexos de um mesmo
modelo de pessoa ideal e de um mesmo tipo de auto-percepção.
Contudo, há diferenças que queríamos evidenciar.
Verificamos uma maior distância entre a
auto-imagem e a imagem do grupo próprio no caso das
raparigas do que no caso dos rapazes. Este facto não é só
evidenciado pela AFC como através da correlação entre perfis
de atributos. Assim, se a auto-imagem dos rapazes e a imagem
que constroem do grupo dos rapazes apresenta uma correlação
de .76 , já no c aso das raparigas a correlação entre a
auto-estima e a imagem do grupo próprio é de .53. Do mesmo
modo, s e a correlação entre a auto-imagem dos rapazes "e a
imagem que cons troem das raparigas é de . 04 , a correlação
entre a auto. imagem das raparigas e a sua percepção do grupo
dos rapazes é de .42. Ou sej a, regis ta-se no caso dos

II - 68
Aspectos Maturacionais

rapazes não só uma maior proximidade em relação ao seu


grupo, como uma maior distância em relação ao grupo do sexo
oposto. Estes valores poderiam ser indicadores de maiores
dificuldades na construção de uma identidade própria e
positiva no caso das raparigas do que no caso dos rapazes.
Esta mesma ideia é corroborada por outros dados. Se
considerarmos os três atributos, · constantes da lista
apresentada aos entrevistados, qu e são caracteristicamente (
negativos, a saber ser frágil , ter preconceitos ~ ~
insegurança, verificamos o seguinte. Os rapazes atribuem
mais estas características ao grupo das raparigas do que ao
seu próprio grupo, enquanto que as raparigas as atribuem
mais ao seu grupo do que aos rapazes. A valorização .d o
grupo-próprio, fenómeno bem conhecido dos estudos em
psicologia social, só se verifica no caso dos rapazes.
Verificámos também que o sentimento ou avaliação positiva de
si é maior no caso dos rapazes do que no caso das raparigas .
No que respeita ao futuro, também os rapazes se mostram mais
confiantes do que as raparigas., adoptando estas mais do que
os rapazes a resposta prefiro não pensar nisso (24) .
Utilizando outra linguagem, diríamos que continua ser
verdade ari as se representam como um ru ,o soei
dominado, __ ____________________
o que
~
não sucede com " __
,V
os__ jovens
~, ~ __ do sexo masculino.
Provavelmente os dados referidos indicam ainda que as
raparigas, como grupo social, estão mais predispostas para
B;doptar uma estratégia individual de diferenciação do seu
grupo , percepcionando como dominado. Na acepção de
Tajfel(25), dir-se-ia que elas priviligiariam mais uma
estratégia de · mobilidade social do que uma estratégia de
mudança social.
Iguais na mesma procur a de um mesmo ideal de
pessoa, os dois grupos percepciona r-se-iam como diferentes
nas redes de poderes sociais.

II - 69
Aspe c t os Maturacionais

IDENTIDADE E VALORES SOCIAIS

A questão que queríamos abordar agora é a da


relação entre a identidade psicosocial dos jovens e a sua
hierarquia de valores, tal como foi igualmente estudada no
Inquérito I . E.D. (26) .
Porém , também aqui não vamos tomar a totalidade
dos dados sobre os valores, mas apenas os que respeitam aos
valores igualdade ~ liberdade, recor rendo complementarmente
a resultados de pesquisas de outros autores(27) .

QUADRO 1
EVOLUÇÃO DOS VALORES IGUALDADE E LIVERDADE
NA HIERARQUIA DE VALORES DOS JOVENS

1980 1983 1983 1985 1985

Estudantes Estudantes Total de Estudantes Pais dos

Universitárics Universitárics Jovens Universitárics Estudantes

de Lisboa portugueses (IID) do Porto Universi tárics

(Jesuíno, 1983) (IED) (Figueiredo, 1985) do Porto


(Figueiredo , 1985)

Igualdade 3 Q

Liberdade 1 Q

Ao analisarmos a identidade dos jovens verifi -


cámos a centralidade , a par dos valores afiliativos, do s
valores de au tonomia pessoal. Verificámos ainda como a
i ntervenção soc ial e a implicação no político estão ausentes
da imagem que os jovens , na sua generalidade , cons troem de

II - 70
Aspectos Maturacionais

si. Que correspondência terão estes dados com aqueles que


recolhemos sobre os valores liberdade (enquanto sentimento
de autonomia pessoal) e igualdade (enquanto defesa de
oportunidades iguais para todos)? Se observarmos o Quadr01
verificamos que o valor liberdade mantém, de 1980 para cá,
uma poslçao sensivelmente idêntica, enquanto que o valor
igualdade não cessa de descer na hierarquia de valores dos
jovens. Verificamos ainda que isso é sobretudo claro entre
os estudantes universitários, na medida em que a distância
entre liberdade ~ igualdade é maior neste grupo do que na
totalidade dos jovens entrevistados na investigação do
I. E. D. Finalmente, os dados de E . Figueiredo (28) mostram
que para os pais dos jovens entrevistados liberdade . e
igualdade são valores muito próximos, sendo o segundo mais
apreciado do que o primeiro. Trata-se do inverso do que
observámos nas amostras de jovens.
Quer dizer, parece registar-se uma correspon-
dência entre a importância conferida pelos jovens à autono-
mia pessoal e aquela que conferem ao valor liberdade. Da
mesma forma, a desvalorização da intervenção social e da
participação política como características pessoais rele-
vantes parece encontrar um correlato na progressiva perda de
importância do valor igualdade. Estaremos em presença de um
neo-individualismo? Será que a par do que parece ser emer-
gência de uma elevada procura de autonomia pessoal , se
. regista igualmente o crescer de um sentimento de impotência,
de ausência de controlo sobre os fenómenos sociais e
políticos? Se assim for, compreende-se que percam saliência
os valores de igualdade, solidariedade e intervenção social
e que se tornem objecto de valor as estratégias individuais
de resolução dos problemas vividos (29). Os dados que
recolhemos apontam nesta direcção, embora mostrem também com
bastant e clareza que isso não se passará de igual forma em
todos os grupos de jovens(30).
De facto, o conjunto de dados recolhidos · no
Inquérito I.E.D. sugere que não pode falar da juventude como
um todo homogéneo, nem de uma cultura de identidade juvenis.
Pelo contrário, os dados recolhidos suscitam a hipótese da

II-71
Aspectos Maturacionais

existência de grupos de jovens bem distintos e de modelos


cul turais juvenis diferenciados. Tais modelos estruturar-
-se-ão e diferenciar-se-ão a partir dos pesos relativos
conferidos aos valores felicidade, autonomia e liberdade,
igualdade e solidadiedade social, família e trabalho.
Pensamos que a identificação da especificidade destes
modelos e a determinação dos cor relatos psicológicos e
sociológicos caberá às novas pesquisas que se desenham nesta
área.

NOTAS

(1) Para uma abordagem da adolescência numa perspectiva


histórica e para a história da constituição de um saber
sobre a adolescência ver: Claes, M. (1985) - Os problemas da
adolescência. Lisboa, Verbo ; Aries, Ph (1973) - L'enfant et
la vie familiale sous L'Ancien Régime, Paris, Seuil.

(2) Figueiredo, E. (1985) - Conflito de Gerações na previsão


da mudança ~ nível dos valores societais, relatório
apresentado à Fundação Calouste Gulbenkian.

(3) Lewin, K. (1935-1965) Teoria de Campo em Ciência


Social, São Paulo, Livraria Pioneira Editora.

(4) Erikson, E. H. (1968) - Psichosocial Identy. ln Sills,


D. L. ( Ed ) , International Encyclopedia of the Social
Sciences, New York, MacMillan Co.e Free Press .

(5) Ambrósio, T . , Estêvão , L . , França, L. E Alves-Pinto , C.


(1985) - Inserção social dos Jovens , Cadernos JUVENTUDE VII,
2a. edição revista, Lisboa, Insti t uto de Estudos para o
Desenvolvimento .

(6) Os dados que permitiram a elaboração do presente


trabalho foram já apresentados por : Soczka, L. (1984 )
Identidade Psico-s ocial dos Jovens, in Conferência - 1983.

II - 72
j

Aspectos Maturacionais

Comunicações ~ Conclusões, Cadernos JUVENTUDE VII, Lisboa,


Instituto de Estudos para o Desenvolvimento ; Vala, J. (1985)
- Representações Sociais dos Jovens: Valores, identidade e
imagens da sociedade portuguesa (texto provisório). O texto
defini ti vo será publicado em 1986, Cadernos JUVENTUDE XI,
Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento.

(7) Taifel, H. (1982) - Grupos Humanos e Categorias Sociais,


Vol.I e II, Lisboa. Livros Horizonte.

(8) Taifel, H. (1972) - La categorisation sociale . ln S.


Moscovici (Ed.), Introduction à la Psicologie Sociale ,
Paris, Larousse.

(9) Hewstone, M.e Jaspars, J.M.F. (1984) - Social dimensions


of attribution. ln H. Taifel (Ed ) , The social dimension,
Cambridge, Cambridge University Press .

(10) Para uma revisão de literatura sobre a identidade


pessoal, ver p. ex . Moita, V. (1985) Identidade,
identificação e delinquência: contributos para uma
compreensão psicológica e clínica de agressão e do
comportamento delinquente , Infância e Juventude , 85-2 :
25-52.

(11) Leyens, J. Ph. (1 982) Psicologia Social (cap . I,


Identidade Pessoal e pertença ao grupo), Lisboa, Edições70.

(12) Ver nota 8.

(13) Perron, R.(1971) - , Modeles d'enfants . Enfants modeles ,


Paris, PUF.

(14) A ligação entre os eixos constituidos de uma


representação social e os si tema de valores foi também
analisada por Vala (1977) - A criança como símbolo social,
Análise Psicológica, Vol.r 3: 73-80 .

II - 73
Aspectos Maturacionais

(15) Debasse, M. (1943-1969) - Lfadolescente, Paris, PUF.

(16) Châtelat, B. (1980) - Jeunesse: vers un style de vie


bipolaire?, Futuribles, Outubro: 36-50 .

(17) Zazzo, B. (1966) - La Psycho l ogie Différentielle des


Adolescents, Paris, PUF .

(18) Palmonari, A .. ; Carugati, F.; Ricci-Bitti, P. E. e


Sarchielli, G. (1984) imperfect indentities: a
socio-psichological perspective for the study of the
problems of adolescence. In H. Tajfel (Ed.) The social
Dimension, Cambridge, Cambridge University Press .

(19) Závalloni, M. (1973) - L'identité psychosociale, un


concept à la recherche d'une science. ln S. Moscovici (Ed.),
Introduction à la psychologie sociale, Paris, Larousse.

(20) Amândio, L. (1985) Estereotipos e Identidade


Psicosocial das Mulheres Trabalhadoras, comunicação
apresentada no Colóquio "A mulher na Sociedade Portuguesa",
centro de História Económica e Social da Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra.

(21) Ver nota 6

(22) Ver Vala (1985), referido na nota nº 6, pág. 11-41

(23) Ver nota anterior

(24) Ver Vala (1985), referido na nota nº6, Pág.101 e


seguintes.

(25) Ver nota 7

(26) Ver nota 22

II - 74
Aspectos Maturacionais

(27) Jesuínio, J.C. (1983) Motivational approach to


portuguese cultural traits, Comunicação apresentada no
"Est-West Meeting" da European Association of Experimental
Social Psycho1ogy, Varna.

(28) Ver nota 2

(29) Este fenómeno não será específico da juventude


portuguese. Nesta mesma direcção vão os resultados no estudo
"The Young Europeans", realizada em 1983 e publicado pela
Commission of the European Communities. Ver ainda da
Stoetzel, J. (1983) - Les caleurs du temps présent: une
enquête, Paris, PUF.

(30) Ver nota 22.

II - 75
MODELO COM INCIDÊNCIA NA ADOLESCÊNCIA (*)

Isolina BORGES

Perspectiva de Jean Piaget

Salientaremos as características gerais do


desenvolvimento das estruturas cogni tivas entre os dez , onze
e os catorze. quinze anos de idade cronológica, na perspec-
tiva de Piaget.
São consideradas como precedentes deste periodo :
o estádio I relativo ao sensório-motor e o estádio II
comportando O nível A (que abarca o princípio das operações
concretas) e o nível ~ ( em que aparecem -em defini ti vo as
estruturas das operações concretaq]. O estádio III, abran-
gendo a pré-adolescência e a adolescência caracteriza-se por
acabamentos específicos das estruturas anteriores . que
implicam, como já referimos, a partir da noção de estádio
(referência ao capitulo I), a própria génese das operacões
forma:ls. Diz respeito à passagem das operações concretas de
classes às operações proposicionais -nível A- conduzindo ao
sistema das dezasseis operações binárias proposicionais que
pressupõem novas estruturas de conjunto -nível B (Inhe l der e
Piaget , 1955).
Estas novas estruturas de conjunto, que se
traduzem pelo aumento dos poderes do pensamento e pela
possibilidade de se organizarem todas as combinações
possíveis através de símbolos lógico-matemáticos, surgiram a
partir da diferenciação forma-conteúdo. Insere-se na passa- ;}
gem do concreto ao formal. O pensamento concreto, como ttvJa;H?~ {)/lc-wl." ,
vimos, relaciona através de níveis organizativos sucessivos,
um certo número de domínios relativamente heterogéneos ~
(quantidades físicas, superfícies, medidas de tempo, espaço,
velocidade, etc . ); sabemos entretanto que, na enorme diver-

(*) - M. Isolina BORGES. (1987) - INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DO


DESENVOLVIMENTO, Porto, Ed. Jornal de Psicologia

III - 77
Construção do Conhecimento

sidade de situações reais, aqueles domínios interferem de


diferentes maneiras. Isto significa que as operações concre-
tas procedem de conteúdo para conteúdo, e que a realidade se
impõe como um todo di versificado. Queremos dizer que, a
nível do concreto o sujeito tenta estruturar a realidade da
maneira mais completa que lhe é possível: ordena ,
classifica, faz correspondências de acordo com a entidade
lógica do agrupamento, sem utilizar uma metodologia
sistemática nem dissociar' ao máximo os factores em causa.
Existem já algumas formas de dissociação de
factores nesse período mas fazem-se por inversão e
reciprocidade sem relação entre estas reversibilidades. As
reflexões sobre os agrupamentos das operações concretas
permi tem-nos dados altamente explicativos na evolução do
pensamento. A reversibilidade por inversão ou negação
caracteriza, como já vimos, os agrupamentos de classes
aditivas ou multiplicativos; a reversibilidade por
reciprocidade ou simetria caracteriza os agrupamentos de
relação; qualquer destas reversibilidades diz respeito a
domínios restritos que não se ligam entre si. À medida que
se verifica a diferenciação de forma lógica e conteúdos, o
real aparece como suporte em relação ao qual se podem tirar
consequências necessárias de verdade que não são aquelas que
se impõem imediatamente ao sujeito mas todas as possíveis, o
que liberta o pensamento dos limites do concreto.
É então possível generalizar operações de
classificação ou de relações de ordem como as combinações e
permutações - é a combinatória. É de facto essa generali-
zação que vai permitir combinar objectos, factores ou ideias
sem limites e que vai permitir a utilização de um método
exaustivo, que permita em relação a qualquer parcela da
realidade integrá-la num todo racional. Assim, esta
combinatória vai relacionar os objectos sistematicamente: a
partir daí o jovem combina hipóteses e utiliza novas
operações. Verifica-se que a capacidade de combinar objectos
através de um método exaust"ivo e simétrico passa a ser
condição para todo o tipo de combinação de ideias e
hipóteses sob qualquer forma lógica.

III - 78
Construção do Conhecimento

A diferenciação fo r ma-conteúdo , bas e da


combinatória, implica portanto a combinacão de inv ersões
integr ando os dois grupos de rev ersibilidades . Tor nam- se
então possíveis não só novas comb inações de factores , de
ideias e de hipóteses mas tamb ém um novo sistema de
operações proposicionais qu e conduz à fusão operatória . ~
vez ultrapassadas as anteri ores dificuldades, a ,justap osição
de inversões e reciprocidades . n e sta descentração f i nal ,
qualquer operação deixa de ter os limites característicos do
agrupamento e passam a constituir- se os eSquemas f o rmai s,
gue implicam o grupo da g uaternali dade: ident idade, negação J
reciproçj da de e correlacão . O pensamento formal def ine- se
basicamente pela fusão op eratória, ou seja, pela capac i dade
de em relação a uma preposição dada (I-idêntica) o s u jeito
estar capaz de supor a sua neg ação, anulando-a (N) ,
compensá-la pela sua recíproca (R ) e inverter a recíproca
correlativa de I (C). q u e é o mesmo que voltar à posição
inicial; ~ estão na base dos a g r u pamentos de r elação ;.!L
ft~ estão na base dos agrupamentos de classe. Temos e n tão - ;
grupo INRC, com todas as potenci alidades inerentes de
formação lógica (Piaget e Inhelder , 1966).
Os dados fundamentais a que o adolescente vai
ter acesso são possívei s porque se "construiu" o gru po de
quaternalidade dizendo ' respei to a noções que ini cialmente
aparecem em termos qual itat ivos e lógicos antes d e se
estruturarem quantitativamen te. Faze m- se sentir em área s que
implicam as noções que habi tua l mente encontr amos nas
ciências da física , da matemática e da lógica, tais como:

- Proporcionali dade
- Coordenação de dois s i stemas de refer ênci a e a
relati vidade dos movimentos o u das veloc i dades
- Equilíbrio dinâmico
- Probabilidade
Correlação
- Compen saçõ es multiplicativas

III - 79
Construção do Conhecimento

- Formas de compensação que ultrapassam a


experiência, levando à indução das leis e à
dissociação de factores, característica do
espírito experimental.
Está finalmente adquirida a estrutura de
conjunto das operações formais em termos de equilíbrio
cognitivo final.

III - 80
-'

A ADOLEScÊNCIA (*)

Jean PIAGET

As reflexões precedentes poãeriam fazer crer que


o desenvolvimento mental se completa por volta dos 11 ou 12
anos e que a adolescência é apenas uma crise passageira que
separa a infância da idade adulta e devida à puberdade.
Evidentemente, a maturação do instin to sexual é marcada por
desequilíbrios momentâneos, que dão uma tonalidade afectiva
muito característica de todo este ú l timo período da evolução
psíquica. Mas estes factos bem conhecidos, que certa
literatura psicológica tornou banais, estão longe de esgotar
a análise da adolescência, e, sobr etudo, teriam um papel
mui to secundário se o pensamento e a afectividade p r ópria
dos adolescentes não lhes permi tessem precisamente exage-
rar-lhe a alcance. São então as estruturas gerais destas
formas finais do pensamento e de v i da afectiva que devemos
descrever aqui, e não certas perturbuções particulares . ~
outro lado, embora haja desequilíbr i o provisório, não deve-
mos esquecer que todas as passagens de um estádio a Qutro
são susceptíveis de provocar estas oscilacões temporárias:
na realidade, apesar das aparências , as conquistas próprias
da adolescência asseguram ao pensamento e à afectividade um
equilíbrio superior àquele que exis t ia na segunda in~ancia.
Com efeito, decuplicam-lhes os poderes, perturbando-os
primeiramente mas fortalecendo-os seguidamente.
Examinemos os factos agrupando-os, para abre-
viar, apenas sob duas rubricas: o pensamento, com as suas
operações novas, e a afectividade, compreendendo o compor-
tamento social.

(*) - Jean PIAGET, SEIS ESTUDOS DE PSICOLOGIA, Don Quichote,


6a.Edição, pag . 89 a 95

III - 81
Construção do Conhecimento

A. O pensamento ~ as suas operações

Comparado com uma criança, um adolescente é um


indi víduo que constrói sistemas e "teorias" . A criança não
constrói sistemas: tem-nos inconscientes e pré-conscientes,
no sentido em que são informuláveis ou informulados e que só
o observador exterior consegue destrinçá-los, enquanto ela
nunca os "reflecte ". Por outras palavras, pensa concreta- j
mente, problema após problema, à medida que a realidade os
propõe , e não liga as suas soluções por meio de teorias
I
gerais que isolassem o seu princípio. Pelo contrário, o que
é notável no adolescen t e é o seu interesse pelos problemas
não actuais, sem relação com as realidades vividas na
dia-dia, ou que antecipam , com uma ingenuidade desconcer-
tante, situações futuras do mundo, muitas vezes quiméricas.
O que mais espanta sobretudo é a sua facilidade de elaborar
teorias abstractas. Há alguns que escrevem : que criam uma
filosofia , uma política, uma estética ou qualquer outra
coisa . Outros não escrevem , mas falam. a maior parte pouco
fala das suas produções pessoais e limita-se a ruminá-las de
forma íntima e secreta. Mas todos têm sistemas e teorias que
transformam o mundo neste ou naquel e aspecto .
Ora , o arranque desta n ova forma de pensamento,
por ideias gerais e construções abstractas, efectua-se na
realidade de maneira bastante contínua e menos brusca do que
parec~, a partir do pensamento concreto próprio da segunda
infância . Na realidade, é por volta dos 12 anos que se deve
situar a viragem decisiva, depois da qual será tomado
impulso pouco a pouco na direcção da reflexão livre e
desligada do real . Com efeito , por volta dos 11 a 12 anos
efectua- se uma transformação fundamental no pensamento da
criança, que marc a o seu acabamento no que se refere às
operações construídas durante a segu nda infância: a passagem
do pensamento concreto ao pensamento "formal" ou, como se
diz num termo bárbaro mas claro, "hipotético-dedutivo". ~
po~ volta desta idade, as operações da inteligência infantil
sao un icamente "concretas", quer dizer, incidem apenas na
1O ~
t~;~
~
\n

".,tI1.
lJ 112- ().
própria r ealidade e, em p articular, nos objectos tangíveis,

III - 82
Construção do Conhecimento

suscep tíveis de serem mani pulados e submetidos a experiên- ~


cias efectivas. Quando o pensamento da criança se afasta do
real, é simplesmente p orque el a substitui os objectos ~
ausentes pela sua representação mais viva, mas esta
representação acompanha-se de crença e equivale ao real. Em
contrapartida, se pedirmos aos sujeitos que r aciocinem sobre
simples hipóteses, sobre um enunciado puramente verbal dos
problemas, perdem logo o pé e recaem na intuição pré-lógica
dos pequeninos. Por exemplo , todas as crianças 9 ou 10 anos
sabem seriar cores , ainda melhor do que grandezas,mas falham
completamente na resposta a uma pergunta como esta , mesmo
fei ta por escrito: "A Edite tem os cabelos mais escuros do
que a Lili. Os da Edite são mais claros do que os da Susana .
Qual das três tem os cabelos mais escuros?" Respondem
geralmente que , tendo a Edite e a Lili cabelo escuro , e a
Edi te e a Susana cabelo claro, é a Lili a mais escura, a
Susana a mais clara e a Edite meio clara, meio escura . Nunca
chegam entao, no plano verbal, senão a uma seriação por
pares incoordenados, à maneira das crianças de 5 ou 6 anos
nas seriações concretas . É especialmente por isso que sentem
tanta dificuldade em resolver n a escola problemas de
ari tmética, que no entanto incidem sobre as operações bem
conhecidas: se manipulassem os objectos, raciocinariam sem
obstáculos, enquanto os mesmos raciocínios aparentes, mas
exigidos no plano da linguagem e dos enunciados verbais,
consti tuem, de facto, outros raciocínios mui to mais
difíceis, porque ligados a simples hipóteses sem realidade
efectiva.
Ora, depois dos 11 ou 12 anos , o pensamento
formal torna-se precisamente possível. isto é. as op eraçÕes
lógicas começam a ser transpostas do plano da manipulação
concreta para o plano dos simples ideais, expressas numa
linguagem qualguer (a linguagem das palavras ou a dos ,
símbolos matemáticos, etc.), mas sem o apoio da percepção,
-----
da experiência, nem seguer da cren ça. Quando se diz, no
exemplo ci tado há pouco , "A Edite tem os cabe los mais
escuros do que a Lili, etc.", p õem-se, com efeito, em
abstracto, três personagens fictícias, que para o pensamento

III - 83
Construção do Conhecimento

não passam de simples hipóteses, e é sobre estas hipóteses


q ue se pede para raciocinar. O p ensamento formal é assim
"hipotético-dedutivo", quer dizer que ele é capaz de deduzir
as conclusões a tirar de puras hipóteses , e não apenas de
uma o bservação real. As suas conc lusões são me smo válidas
independentemente da sua verdade de facto , e é por isso que
esta forma de pensamento representa uma dificuldade e um
trab alho muito maiores do que o pen samento concreto.
Quais são, efectivamente, as condições de
c ons trução do pensamento fo rmal? Trata-se , para a criança,
já n ão apenas de aplicar operac ões a objectos . por outras
palavras, de executar em pensamento acções possíveis sobre
estes objectos, mas de "reflectir" estas operações indepen-
dentemente dos objectos e de substituir estes por simples
proposições. Esta "reflexão" é assim como que um pensamento
em segundo grau: o pensamento concreto é a repre sentação de
acções possíveis e o pensamento f ormal a representação de
uma r epresentação de acções possíveis. Não devemos assim
admirar-nos de que o sistema das operações c'oncretas deva
completar-se, no decorrer dos últimos anos da infância,
antes que a sua "reflex ão " em operações formais se torne
possível. Quanto a estas operaçõ es formais , não pass a m,
assim, das mesmas operações, mas aplicadas a hipóteses ou
proposições: consistem numa " lógica das proposições", ao
contrário da das relações, das classes e dos números , mas o
sistema das " implicações" que regulam estas proposições não
consti tui senão a tradução abstracta das operações
concretas.
É só depois de este pensamento formal ter tido o
seu início, por vaI ta dos 11 ou 12 anos , que a construção
dos sistemas que caracteriza a adolescênc ia se torna
possível: com efei t o , as operações formais fornecem ao
pensamento um poder completamente novo, que redunda em
desligá-lo e libertá-lo do real para lhe permiti r construir
à sua vontade r eflexões e teorias . A inteligência forma l
marca , assim, o próprio levantar voo do pensamento, e não é
de espantar que este use e abuse, para começar, do poder
imprevisto que assim lhe é conferi do. Esta é uma das dua s

III - 84
Construção do Conhecimento

novidades essenciais que opõem a adolescência à infância: a


livre actividade da reflexão espon tânea .
Mas segundo uma lei cujas manifestações Ja VimOS l~~~'
no bebé, e depois durante a prime ira infância, todo o poder f~~
novo da vida mental começa por incorporar em s i o mundo,

t
"u
numa assimilação egocêntri ca . para sÓ depois encontrar o
equilíbrio, combinando- se com uma acomodacão ao real. Há
assi m um egocentrismo intelectual da adolescênc i a, compará-
vel ao egocentrismo do bebé, que assimila o universo à sua
actividade corporal , e ao egocentrismo da primeira infância ,
que assimila as coisas ao pensamento nascente (jogo
simbÓlico, etc. ) . Esta última forma de egocentrismo
5

manifesta-se pela crença n a omnipotência da reflexão. como


se o mundo tivesse de se submeter aos sistemas , e não os
sistemas à realidad~. É a i dade me tafísica por excelência :
o eu é bastante forte para reconstru ir o universo e b astante
grande para o incorporar em si .
Depois, tal como o egocentrismo sensÓrio-motor é
progressivamente reduzido p ela organização dos esquemas de
acção, tal como o egocentrismo do pensameptp prÓprio da
primeira infância toma fim com o equilíbrio das operações
concretas, também o esocen trismo metafí sj Cº do adolescente
encontra a POUc.o e pouco a sua correcção numa reconciliação
entre o pensamento forma l e a realidade: o equil í brio é
atingido quando a refl exão compreende que a sua função
prÓpria não é a de contradizer, mas de preceder e
interpretar a experiência.
E então esse equil íbrio ultra passa largamente o do
pensamento concreto, pois, além do mundo real , ele engloba
as construções indefinidas da deduç ão racional e da vida
interior.

.eGOC6rJ-r ft{ ~ !f.) ~."NSPR.i~. HoTtI/l. (~Ú;; ~ 8! J


.eGo U-/.Jj f1.f :, M o ~o fbJ~ H.f,Níf)· (!La. l.tl IAI~NCiA)
e6ro OA/1 fib /10 11-U"lf k'<yt'to . {,Lo ÁJlc ~UIIIfI, J .

II I - 85
OS ASPECTOS INTELECTUAIS DA CRISE JUVENIL *

Berthe Raymond RIVIER

Neste ponto da nossa exposição e antes de


referir as implicações profundas da crise adolescente,
convém assinalar um aspecto ainda não abordado e cuja
importância é capital: as transformações que se realizam no
plano intelectual. Sempre se insistiu e nós mesma o ~~" LhMb IIÀ
fizemos - na causa de desiquilíbrio que significa para o /1
,J
adolescente o desencontro entre a sua maturidade sexual e a at~MJt ~(.u~
situação de dependência em que é mantido na nossa sociedade. ~
Mas o que se tem ignorado mui tas vezes é que, se O).A
',LcJJf.(À1J J ';er..tIcJ
adolescente é fisiologicamente um adulto, também o é (tJt'l1tl~"p;fJtJUA(
intelectualmente: a inteligência atinge. de facto. a sua r f s d(L .rta~
forma final de equilíbrio, com o pensamento abstracto ou Jí!,-/fO({í F
formal que se desenvolve entre os 11-12 e os 14-15 anos.
Lógico, a partir dos 7-8 anos, o pensamento
limi tava-se então aos dados concretos do vivido: a criança
só reflecte sobre a realidade, o presente, a acção que está
a decorrer.
O~~a=d=o
==l=
e=s=c=e=n=t=e~'~-c
p~e~l~o~~c~o
~n~t~r~á~r~i~o~,~~é__~c~a~p~a
~z=-~d~e
ultrapassar, pelo pensamento, as situações vividas e
actuais, de se evadir do real e do presente, para abarcar Q
possível e o abstracto, o passado e o futuro. De facto, ele
raciocina agora por simples proposicões, por ideias, istoé,
raciocina de modo hipotético-dedutivo. A fim de mostrar esta
diferença de natureza - e não unicamente de grau - entre o
pensamento concreto e o pensamento formal, Piaget (1) cita o
exemplo do teste de Burt, cujo enunciado é o seguinte:
"Edi te é mais clara (ou loira) do que Suzana; Edite é mais
escura (ou morena) do que Lili; qual é a mais escura das
três?" O problema não é resolvido antes dos doze anos.

(*) - Rivier, B.R. - O DESENVOLVIMENTO SOCIAL DA CRIANÇA E O


ADOLESCENTE - Aster, Lisboa, 1977 Pago 140 a 146

III - 87
C6~truçio do Conhecimento

' ".' ,- .

" Anteriormente encontramos raciocí n i o como este ; Edite e


Suzána são claras; Edite e Lili são escuras ; Lili é a mais
escura, Suzana a rtiais clara e Edite está no meio ". Co ntudo
trata-se aqui de um simples problema de seriação entre três
termos, que a criança facilmente resolve desde os sete anos,
-se lho apresentarem rio plano concreto, is t o é , por meio da
manipulação de objectos; mas não, s e lho apresentarem , como
neste caso, sob a forma de proposiç õ es . Por outras palavras , i%P;D ~

o:.: :-q:~U~e;:; ;f:;o;;i~a;.d; ,;q~u=i.r_!. i~d::o=.;:;: ;n:;:.o~~p:.:l; .:a.~n:.;o:-.: c;.:o;.; n.:; c;. r~e,;ta. o:;=d~e_v,;ej~s~e:r.:. : . . r~e:.;c::20::n~s.:.t.,;r~u:. l_1~d.O=.
120 plano formal, exactamente ue se adquiria no
\ O
CI'
_n&-tr,yJ ti'
níve sensorio-motor devia ser reconstruido no nível da
~presen tação. A partir dos sete ou oi to anos, a criança
está na posse das operações necessárias para classificar,
seriar, enumerar os objectos , mas não domina ainda a s ope-
rações que lhe permitirão classifi c ar , ser i ar, enumera r em
abstracto, isto é, a partir de p roposições simplesmente
assumidas. Isto mostra "que as ope r a ç ões h ipotetico-deduti-
vas se situam num plano diferente do raciocínio conc reto ,
porque uma acção efectuada com sinais desligados do real é
totalmente diferente de uma accão sobre a realidade como
tal, ou sobre os mesmos sinais ligad os a esta reali dade " ( 2)
Ora, o novo instrumento que é o pensamento
formal (3), abrindo ao adolescente o domínio do pensamento
"puro", abre-lhe as portas de toda a especulação, se j a ela
filosófica, política, social , estéti ca, etc . - e veremos q u e
ele não se furta a ela . Emancipa-o especialidade da r eali-
dade e, sobretudo, do mundo adulto , ao qual lhe dá acesso .
~ela inteligência, o adolescente é i gual ao adulto , do qual ,
?ifere pela falta de exper i ência. E igual e como tal se
considera: julga , critica , objec t a , projecta planos de
reforma da sociedade; é em pé de igualdade que discute com o
adulto , o que ele aprecia acima de t udo, desde que o tomem a
sério e o tratem precisamente como igual. O despertar do
pensamento abstracto vai, de uma v e z por todas, subl i nhar ,
acentuar as contradições e ambigui d ade inerentes à pOSlçao
do adolescente (ele é, e sente-se i n telectualmente um adul-
to, como é e se sente fisiologicamente maduro) . Vai t ambém
atenuá-las, na medida em que a inteligência permite agora ao

III - 88
Costrução do Conhecimento

jovem aceder às ideias, às ideologias e aos ideais da


sociedade em que se insere; na medida, em que, igualmente os
seres mais próximos lhe queiram facilitar este acesso,
considerando com benevolência, encorajando, e não rejeitan-
do,. este jovem pensamento que, muitas vezes se inebria com o
seu próprio jogo, se encanta com o seu próprio espectáculo.
E necessário, sobretudo , dar-se conta que é esta
transformação da inteligência que confere, à crise juvenil,
a sua estrutura e a sua fisionomia. Sem ela, não haveria
"puberdade mental". Porque a perturbação dos sentidos e da
afectividade, provocada pela perturbação fisiológica. é
acompanhada por uma efervescência intelectual e imaginativa
intensa, é que a crise da puberdade é o que é. Diante do
tumul to dos seus sentimentos, os excessos da conduta, as
contradições das atitudes e das reacções que tanto o
inquietam como desconcertam o me i o em que vive, diante
)
daquilo que ele considera como incompreensão ou injustiça ou
estUPidez dos adultos, o adolescente não fica passivo:

i interroga-se, reflecte sobre si e sobre os outros, acalenta


planos para o futuro, teorias dest i nadas a tranformar esta
sociedade, na qual é chamado a inserir-se.
A criança vive inteiramente no momento presente;
não pergunta quem é, o que é; contenta-se em ser. O seu ( a(,(
jdJ.ltf
pensamento não toma consciência de si, não reflecte sobre si ~
mesmo, porque permanece ligado ao concreto e à acção que
decorre . Por isso, a criança não sistematiza as suas ideias
nem constroi teorias; não se pode tomar a si mesma como
objecto de reflexão. Está presa a sentimentos tumultuosos e
contradi tórios, em relação aos out ros e em relação a si
mesma; atravessa períodos de crise; contudo quanto aos
coflitos, só pode vivê-los ou revi v ê-los (o que vai dar ao
mesmo, porque não sabe que os revive) nos seus fantasmas e
nos seus jogos. A menina a quem a mãe ralhou e que volta a
representar toda a cena com a sua boneca , desempenhando o
papel de mãe, não tem consc1encia da relação que existe
entre tal representação e a situação que a motivou (e muito
menos toma consciência da compensação que encontra na
inversão dos papéis), por ausência de retrospecção, por não

III - 89
Costrução do Conhecimento

poder observar-se agindo : o seu pensamento está inteiramente


naquilo que faz, no jogo.
O adolescente, pelo contrário não se satisfaz já
em viver as suas relações interpessoais nem em r e solver
simplesmente as suas dificuldades , no imediato . Reflecte
sobre elas tanto em sentido próprio como no figurado . Pode
pensar-se a si mesmo porque tem capacidade de se pensar no
abstracto. Por outras palvras, o aparecimento do pensamento
formal dá conta deste acontecimento capital que é o
despertar da vida interior , no sentido da introspecção, do
aprofundamento, da meditação. E graças a ele que se
articula, no plano da consciência, essa busca de identidade
que prossegue através de toda ado l escência. Na verdade, a
riqueza da vida interior depende da sensibilidade , da
afectividade, das experiências de cada um, numa certa medida
também da cultura e do meio , e não somente da inteligência:
se é inexistente nos débeis mentais (cuja inteligência não
atinge nunca o nível das operações formais), pode ser muito
pobre nos seres normais que só vivem "o lado de fora " sem se
interrogar; ou ainda em todos os q ue, por razões de ordem
neurótica, têm receio de se aprofundar e fogem de si mesmos.
O que é verdade, é que a vida inte rior só se torna possível
quando aparece a inteligência abstracta. E, como tal
aparecimento coincide temporalmente com o ~a puberdade que
vem desorganizar profundamente toda a vjda afectiva do
jovem, é natural que a crise da puberdade, prolongada,
amplificada pela reflexão e a imaginação, se eleve às
proporções de uma crise espiritual . Este aspecto será mais
ou menos saliente, mas raramente faltará. A maior parte dos
jovens põem em questão os grandes problemas da existência: o
Amor, a Religião (as crises religiosas são frequentes
durante a adolescência), a Moral, a Política, a Arte, a
Morte, o tempo que foge, o Passado e o Futuro. Questões que
serão tratadas com a intransigência que caracteriza o
adolescente e em termos enfáticos, solenes e absolutos, os
quais, em contraste com a sua juventude e inexperiência, dão
ocasião a riso. E, sem razão, todavia, porque, por detrás
destas afirmações extremas, é n ecessário reconhecer o

III - 90
Costrução do Conhecimento

impulso, as aspirações, os temores, as consequências


desagradáveis duma personalidade que desperta e que se
procura a si mesma. A correspondência que Roger Martin du
Gard, no início dos "Thibaul t", faz trocar entre os heróis
Jacques e Daniel, dois estudantes de liceu, ligados por uma
amizade apaixonada é exemplar neste ponto. Eis um fragmento
de uma carta de Jacques, onde se encontram, ao mesmo tempo,
os tormentos e as revoltas da alma adolescente e uma espécie
de deleite que os acompanha, o gosto da introspecção e o
carácter livresco , sem falar do calor sensual da amizade,
que trataremos num próximo capítulo:
"Dilectíssimo!
"Como te é possível estar ora alegre, ora
triste? Eu sinto-me preso de uma amarga recordação, nas
minhas alegrias mais loucas. Não, nunca mais, sinto-o bem,
poderei ser alegre e frívolo! De senha-se sempre diante de
mim, o espectro de um Ideal inacessível!
Por vezes compreendendo o êxtase dessas pálidas
freiras de face exangue que passam a sua vida fora deste
mundo demasiado real. Ter asas, para as quebrar contra os
ferros da prisão! Estou só num universo hostil, o meu muito
amado pai não me compreende. Não sou velho, e, entretanto,
quantas plantas se quebraram, quantos 'orvalhos se tornaram
chuva, quantas voluptuosidades ficaram insatisfeitas,
quantos deseperos amargos ficaram já atrás de mim! ...
Perdoa-me, meu amor, ser tão lúgubr'e neste momento. Estou em
formação, sem dúvida: o meu cérebro ferve e o meu coração
também (ainda mais, se possível). Permaneçamos unidos!
Evi taremos assim, em conjunto, os escolhos e este turbilhão
a que chamam prazeres. "Tudo se desvaneceu nas minhas mãos,
todav i a resta-me o prazer de ser teu, nosso segredo, ó
eleito do meu coração!!!"
Temos também connosco o diário de uma
adolescente entre os dezasseis e os vinte anos. De uma forma
menos literária, mas não menos romântica, surge a mesma
sensibilidade sofredora, a mesma desgastante impressão de
que a vida passou e de que se deixou escapar a felicidade. E
,
um facto que a alma, mutável e sonhadora do adolescente,

III - 91
Costrução do Conhec imento

facilmente se abisma na melancolia, num cinzento sem


obj ecto . Todos são, mais ou menos, prisioneiros , em dado
I
momento, do "mal do sécul o" , do spleen (4) . E um facto,
igualmente, que aqueles que sentem necessidade de se
expandirem fazem todos, mais ou menos, "literatura" . Para
exprimir os desejos confusos que os oprimem, os impulsos que
os soergu em e depois os deixam abatidos, para exaltar os
sentimentos que lhes parecem Gnicos, as palavras de todos os
dias não são suficientes; têm necessidade de uma linguagem
mais rara. Mui tos escrevem versos, outros , talvez mais as
raparigas do que os rapazes recorrem ao diário intímo, às
vezes logo aos 14 anos , geralmente a partir dos 15 e 16
anos . O diário corresponde simultaneamente à necessidade de
transbordar o coração cheio e de formular os . sentimentos;
compreender, portanto, o que se passa em si , conhecer-se .
A meditação em que o Eu se toma a si mesmo como () tú
objecto (pouco importa que seja comp l ancência ou deleite),~
somente uma das direcções por onde penetra o pensameto do
adolescente. A sua reflexão volta-se também para o mundo e ()
para o futuro, e parece certo que hoje esta segunda
orientação prevalece sobre a pri meira i por causa, sem
dGvida, da pressão crescente do g r upo ·(em sentido lato)
sobre o indivíduo, característica da nossa época; porque tal
pressão vai em sentido contrário ao da introspecção. (Deve
ver-se aqui , aliás, uma das razões pelas quais a constatação
assume hoj e tantas vezes a forma de violência: o grupo
favorece a acção , ou, mais vezes àihda, "a passagem a acto" ,
para a qual se sente já muito i nclinado). Em t o do o
adolescente há e sempre houve um doutrinár io
intransigente, absoluto e demasiado subjectivo; p orque o
afecto se mistura incessantemente como raciocínio
doutrinário que abre um processo à sociedade e reconstroi o
mundo. Contudo , na era de comunicações de massa, o debate
colecti vo toma gradualmente a dianteira sobre a reflexão
pessoal . De qualquer modo , é próprio do adolescente
construir teorias, muitas vezes confusas e sempre
ambiciosas . Qualquer que seja o domínio em que se aventure,
o seu pensamento tende para a explicação geral e o sistema.

III .:.. 92
Costrução do Conhecimento

Ora este adolescente, cuja presunção ingénua pode fazer


sorrir ou irritar, limpa as armas para o futuro. Como B.
lnhelder e J. Piaget acentuam, as teorias que acalenta. por
inábeis e pouco originais que sejam, "apresentam. sob o
ponto de vista funcional... este significado essencial que
permi te ao adolescente a inserção moral e intelectual na
sociedad~.. (elas) tornam-se-Ihe particularmente indispen-
sáveis para assimilar as ideologi as que caracterizam a
sociedade ou as classes sociais enquanto corpos. por
oposição às simples relações interindividuais" (5).
Este fenómeno é naturalmente mais acentuado nos
jovens que prosseguem os estudos secundários (ainda que as
diferenças tendam hoje a esbater-se, quando todos bebem do
fundo comum da cultura de massa, rádio, cinema, televisão,
etc ~ ). Alimentados por leituras e filmes, muitas vezes
estimulados pelo meio familiar e ma i s ainda pelas discussões
com os colegas, eles têm possibilidade de se dedicarem às
especulações mais desenfreadas. Entre os 14 e os 18 anos são
raros os que não têm a sua teoria política ou social
(réplica inversa, geralmente, das ideias e das posições do
meio). Os que se interessam pela arte professam uma doutrina
estética, os que escrevem ou projectam escreve, uma doutrina
li terária; os "filósofos" tomam posição, os "cientistas"
também. E com argumentos e silogismos que se debate o pro-
blema da religião. Como disse P. Mendousse, a adolescência é
a idade da "ruminação metafísica". Podem as teorias ao sabor
das leituras e dos encontros, modificar o gosto d ( ) parad<:::::o,
pode a mania das subtilezas fazer ultrapassar o bom sen so,
que isso não tem importância. O que conte é o despertar de
um pensamento pessoal que há-de permitir a elaboração de um
sistema de valores e de um plano de vida. a par de um
II aprofundamento e de uma tomada de consciência de si.
Numa forma menos abstracta, talvez, e certamente
menos livresca, encontram-se os mesmos processos nos
adolescentes que não seguem o ensino secundário, os apren-
dizes, os jovens operários, jovens agricultores. Também eles
se interrogam e especulam sobre o futuro se apaixonam por
ideias gerais e pelos grandes problemas da vida.

III - 93
Costrução do Conhecimento

Quanto às raparigas menos atreitas, em princípio


a especulações puramente intelectuais - se bem que na nossa
época, isto não seja mui to certo mais românticas, em
geral, pensam do que os rapazes, elas, nem por isso lhes
ficam atrás. Cada vez mais presentes e activas nas
discussões, têm também as suas posições políticas e sociais,
as suas teorias sobre o amor, a família, o papel da mulher
na sociedade, etc. Podemos dizer de modo geral, que nos
nossos dias, os adolescentes e as adolescentes se inserem, . tJ.t
em grau maior ou menor, num imenso debate colectivo. • ~'J~
Se voltarmos agora à necessidade de originali-
dade, vê-se que ela se manifesta - a maior parte das vezes
com uma descontínuidade no tempo - tanto no domínio das
1a~M "~~
'4 ftl
P,. ,;s.
ideias e dos sentimentos, como no plano do comportamento. 6,6.tiJ
Mas a originalidade é quase sempre limitada e. até. inexis-
tente. As obras da juventude dos grandes criadores são
raramente originais; são, pelo contrário, decalcadas em
modelos, que traem as influências mal assimiladas dos
mestres que elegeram. Seria necessário ser um adolescente
como Rimbaud para conseguir, repentinamente, uma expressão
pessoal e para quebrar todas as convenções. Todas os jovens,
mais ou menos, se crêem originais, quando não se presuadem
de que são génios ignorados . Para os menos pessoais ou para
os mais jovens a originalidade, reduz-se, a maior parte do
tempo, à do grupo. Para os outros, ela começa, em geral, por
ser simplesmente urna contra imitação, a maior parte das
vezes, por intermédio de novos modelos que vêm substituir os
antigos e que o adolescente imita, mesmo sem disso se
aperceber. E só gradualmente que a personalidade tornará a
sua configuração individual e que o Eu se afirmará de um
modo autênticamente pessoal (e para alguns, este momento não
chega nunca).
O desabrochar do pensamento coincide com urna
renovação da imaginação, alimentada pela efervescência da
afectividade e por urna vida sentimental intensa. Esta
coincidência explica, em parte, a fragilidade da adaptação
do adolescente ao real. A realidade está, para ele cheia de
dificuldades; ele sente-se incompreendido e mantido num

III - 94
Costrução do Conhecimento

es~aqo de dependência insuportável que ameaça as suas


teni:;at"i vas de emancipação e de afi rmação de si , e o remete
continuamente para a sua própria fraqueza. Não é de admirar
que e.le procure sobrecompensar, em imaginação, os
s'entimentos de inferioridade e de segurança. Os seus
fantasmas de omipotência que recordam os da criança de cinco
ou seis anos, testemunham o narcicismo e a megalomania tão
característicos da adolescência , mais exactamente da
primeira fase desta; eles ilustram também as atitudes
extremas entre as quais o adolescente oscila em relação a si
mesmo. Contudo , acontece que o sonho se expande no real e se
anula a fronteira entre os dois: a tendência para efabulação
e a mitomania a perda de contactos da realidade são um dos
perigos que espreitam o adolescente, como veremos ainda.
Acontece igualmente que os sentimentos de
inferioridade, em vez de serem sobrecompensados na
imaginação por fantasmas de poder, o são na própria
realidade: a necessidade de poder passa directamente a acto.
A "passagem a acto" é um mecanismo que se encontra na
delinquência juvenil, mas que, como escreve A. Haim não é
"traço somente dos adolescentes que apresentam dificuldades
psiquicas. Ela é uma característica constante deste período
da vida e todos os educadores dos adolescentes o sabem e com
isso se preocupam" (6). Uma das suas principais funções "é
uma função de defesa regressiva contra a angústia, devida ao
confronto com a realidade mal percepcionada, que conduz a um
processo de evitamentQ desta realidade" (7).
Estas considerações levam-nos agora aos aspectos
própri amente afectivos da crise j uvenil: a evolução e a
transformação dos sentimentos interpessoais dos quais
mostramos simultaneamente as profundas implicações , i sto é,
o papel das relações primitivas e inconscientes com as
imagos parentais , a que muitas vezes nos temos re ferido.

III - 95
I/ ,
I •

Costrução do Conhecimento

NOTAS

(1) J . PIAGET, Psychologie de l'inte lligence, Armand Colin,


Paris 1949, p.178.
(2) J. PIAGET, op. cit.,p.179.
(3) Estudado na obra capital de B . INHELDER et J. PIAGET, De
la logique de l'enfant à la logique de l'adolescent, P .
U. F., Paris 1955 .
(4) Em inglês no original (N. P.) .
(5) B. INHELDER et J . PIAGET, op. cit., pp.302-303.
(6) A. Haum, Les suicides d'adolescents Payot,Paris 1969,
p . 190.
(7) Ibidem, P.195.

III - 96
,, ,

\ .
\
/

A PROCURA DA INTEGRAÇÃO
DA TEORIA DE JEAN PIAGET
NA ACÇÃO PEDAGÓGICA

Deolinda Melo Ferreira Botelho


Lisboa 1986

III - 97
l/
Construção do Conhecimento

liA PEDAGOGIA ESTÁ


LONGE DE SER UMA
SIMPLES APLICAÇÃO DO
SABER PSICOLÓGICO"

JEAN PIAGET

REFLEXÃO PEDAGÓGICA SOBRE:

1. A POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA PERSPECTIVA PIAGETIANA.

2. A NATUREZA DO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO SEGUIDO.

3. O MODELO EXPLICATIVO DA FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO

III - 98
Construção do Conhecimento

Ao falar da PEDAGOGIA PIAGETIANA, integrada no


estudo de MODELOS PEDAGÓGICOS em EDUCAÇÃO DE INFANCIA,
parece-me fundamental dizer que o facto de me propor
elaborar uma reflexão pedagógica que procura integrar
aspectos da teoria de JEAN PIAGET, não significa, do meu
ponto de vista, assumir como instituída uma PEDAGOGIA
PIAGETIANA.
A reflexão que me disponho fazer tem raízes em
certa área da minha experiência, quer como aluna de PIAGET,
quer como colaboradora na formação de Educadores e de
Professores dos vários níveis de ensino.
O esquema que apresento é resultante de alguns anos de
trabalho em que procurei descobrir o contributo da teoria de
PIAGET na prática pedagógica, seguindo, como norma, aquilo
para o que PIAGET chamou a atenção ao afirmar que a
Pedagogia está longe de ser uma simples aplicação do saber
psicológico.
Constituiram aspectos fundamentais no esquema dessa procura
os que a seguir me proponho analisar:
1. A POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA PERSPECTIVA
PIAGETIANA;
2. A NATUREZA DO MÉTODO DE INVEST.IGAÇÃO;
3. O MODELO EXPLICATIVO DA FORMAÇÃO DO
CONHECIMENTO.

1 - Em relação ao primeiro, A POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA


PERSPECTIVA PIAGETIANA, fui particularmente sensível ao
JJiIER~CCIONISMO CONSTRUTIVISTA subjacente à sua teoria
explicativa, distanciando-me portanto, de posiçõe~
epistemológicas de dominância ineista ou de dominância
empirista. A razão desta minha preferencia situo-a no valor
que atribuo à RELAÇÃO no processo formativo da PESSOA. É a
dinâmica inerente à procura do que está para além de cada um
que si tua o HOMEM na sua dimensão como SER EM
DESENVOL VIMENTO , como SER EM PROCESSO, como SER EM
TRANSFORMAÇÃO.

III - 99
Construção do Conhecimento

As potencialidades humanas são inesgotáveis e, assim sendo,


ou assim admitindo, NINGUÉM É mas VAI SENDO pela dinâmica,
interactiva da relacão EU ... OUTRO . Não existe o EU sem o TU.
É uma afirmação de alguém que privilegio sem, contudo,
definir completamente o TU, pois ele é, para além do EU,
tudo o que pode estimular a PROCURAR SER NO AGORA E NO AQUI,
NO FUTURO E NO ALÉM ...
A evolução contínua, num esforço individual e permanente de
cada UM para ser cada vez mais ELE PRÓPRIO, significa a
EXPRESSÃO CRIATIVA da realização de um POTENCIAL SINGULAR,
direi, ÚNICO! É este dinamismo interior que garante ao
indivíduo a consciência de si como ser em devir. É esta
certeza que faz sentir a verdade da afirmação de que VIVER é
um PROCESSO, e não um ESTADO DE SER. É simultâneamente
acredi tar que este processo rec l ama a dimensão SOCIAL e
UNIVERSAL da relação com o outro, o que significa, que o
resultado é a descoberta de si pelo outro e do outro por si,
é a DESCOBERTA do EU e do UNIVERSO. Para PIAGET, ele róprio
nos diz, O C~NHECIMENTO NÃO ESTÁ NO INDIVIDUO NEM NO MEIO E
II
SIM NA RELACAO QUE SE ESTABELECE ENTRE O INDIVIDUO E O MEIO.
\1
Mas, não completaria as razões desta minha opção
epistemológica se não sublinhasse , ainda, uma outra faceta
desta DINAMICA CONSTRUTIVA e que é inerente à projecção
normal que cada um faz de SI quando tenta LER O OUTRO. É a
PROCURA CONTÍNUA de completar descobertas do que cada um
é. .. Neste contexto a dimensão relacional inclui vários
OUTROS, pois cada um, que é OUTRO. constitui uma proposta
para descoberta de si mesmo . A at i tude selectiva, em função
daquilo que somos, imprime ao dia -a- dia PRUDÊNCIA NO
JULGAR, ABERTURA NO ACEITAR, AMPLITUDE NO CRIAR ... Significa
que conhecer o outro é sabermo-nos INTERROGAR sobre aquilo
que captamos, não com INSEGURANÇA de quem tem medo de errar~
mas com SEGURANÇA de quem procura acertar!
Neste primeiro ponto do esquema em análise - A
POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA PERSPECTIVA PIAGETIANA eu
encontrei forte inspiração para uma reflexão pedagógica, já
implícita em tudo quanto deixei dito, em que o OBJECTIVO não
é ensinar conteúdos, mas PROPORCIONAR CONQUISTAS, ESTIMULAR

III - 100
Construção do Conhecimento

DESENVOLVIMENTO pelo ENCONTRO DE PESSOAS, num processo de


auto e hetero DESCOBERTA de que resulte CRESCIMENTO
RECíPROCO.

2 - Passando ao segundo ponto, A NATUREZA DO MÉTODO DE


INVESTIGAÇÃO seguido por PIAGET o método clínico
começarei por dizer que 'o considero, na sua essência, um
complemento da reflexão do ponto anterior.
Sem pretender ser exaustiva na análise deste
método que procura conduzir à DESCOBERTA daquilo que pode
referenciar a DINAMICA E ESTRUTURA próprias de um
determinado momento do DESENVOLVIMENTO, procurarei, no
entanto trazer ao presente, essencialmente, os aspectos que
neste método me parecem relacionar-se com a ATITUDE
PEDAGÓGICA, sobretudo no que diz respeito à RELAÇÃO EU ...
OUTRO ...
Recordando o princípio de que se não pode falar
em ACÇÕES PURAMENTE INTELECTUAIS nem de ACTOS PURAMENTE
AFECTIVOS, direi que a dinâmica deste método assenta na
VIVÊNCIA de SITUAÇÕES estimuladoras que se apoiam em
MATERIAIS seleccionados, em ACÇÕES previstas e num DIÁLOGO
que anima a EXPRESSÃO de determinado POTENCIAL. O que a
criança (ou adolescente) FAZ o que DIZ contêm valor
próprio, quer seja considerado certo ou "errado". É o)2ortuno
recordar aqui o que alguém dizia a propósito do valor que,
neste método, se atribui às respostas ditas "erradas" e cujo
significado é duplamente rico: no AAiêUg ,uurruw.%
a não
rejeição daquilo que se situa fora da norma da eficácia, no
ºlan~ &sii oló~j$ a descoberta da génese do conheciment?
Acresc:ntarei, ainda, outra característica importante na J) //M~.~r
ESTRATEGIA do método e que tem a ver com a FUNDAMENTAÇÃO das 'l~~~~ J
respostas, em acto ou em palavras, que a criança (ou
adolescente) dá. Essa fundamentação conduz à explicitação da
DESCOBERTA e leva à sua maior clarificação, à sua melhor
compreensão. Por outro lado, o interesse que a criança (ou 1~ '?Zt tl't. jR ~a::o
adolescente) l2.ente recair sobre si pelo que faz, ou diz, Ht7 fflt-e"f., h-
gera uma maior motivação. O estar ATENTO, OBSERVANDO, ~~,~

III - 101
Construção do Conhecimento

ESCUTANDO, ENCORAJANDO, imprime à situação a riqueza da


DISPONIBILIDADE em ACEITAR o outro, DESCOBRINDO E
DESCOBRINDO-SE . ./
Ainda uma outra característica me parece ~4 ~~i;-~ .
fundamental e complementar da anteri or é a utilização da
CONTRAPROPOSTA que, no decorrer das situações de DIÁLOGO é
oferecida. É o ponto de vista do outro igual que é proposto,
que é trazido como contra-argumen tação e que proporciona
nova oportunidade de AMPLIAR ou REFORÇAR A DESCOBERTA.
Finalmente , o registo obrigatório de toda a
si tuação vivida e em que tanto é objecto de reflexão o
comportamento (em acção ou verbalização) da criança (ou
adolescente) como é o do próprio entrevistador
(experimentadór). É essa REFLEXÃO interacti va que permi te
seguir todo o processo e oferecer uma análise QUALITATIVA
que possibilita a apropriação da dinâmica e estrutura
subjacentes aos resultados obtidos . É uma PROCURA IJ-ª'p--º-fll:§. l~
claSSi~icar de certo ou de errado. mas para compreender, I\l
para Sl tu<:::. .
II Não é fácil a utilização deste método, mas a
experiência ensinou-me que ele é uma oportunidade de
aprendizagem de atitudes conducentes à capacidade de
interagir, de re-si tuar o contributo que cada um é para a
descoberta do outro e de si mesmo ! Constitui EXPRESSÃO do
esforço em definir o que é, realmente, ESTIMULO . É sabido
que não há nenhum estímulo que se defina por si mesmo, mas
apenas quando é provocar de reacção. Na ESTRATÉGIA deste
método, essa reacção é caracterizada pela DESCOBERTA DE
NOVAS RELAÇÕES, pela oportunidade de tomar consciência de
si, da realidade, dos outros ... É, essencialmente, procurar a
CRIATIVIDADE na sua total dimensão, a qual se não manifesta
apenas na arte e na ciência, mas também, nas RELAÇÕES
INTERPESSOAIS.
Quanto foi dito sobre a NATUREZA DO MÉTODO
utilizado, melhor direi , sobre a leitura feita por mim,
fácilmente se integra na estratégia PEDAGÓGICA de uma
proposta que situe o processo educativo como DINAMIZADOR do
potencial individual e que defenda como fundamen tal a

III - 102
~ ·I

Construção do Conhecimen to

atitude de disponibilidade para a descoberta do que é


verdadeiro ESTÍMULO na relação INDIVIDUO/MEIO.

3 - No terceiro ponto do esquema de refexão que, venho


seguindo, está o MODELO EXPLICATIVO DA FORMAÇÃO DO
CONHECIMENTO. Não vou anal isá-lo , também, na profundidade
que a sua complexidade reclama mas, uma vez mais, naquilo
que a minha experiência me diz oferecer a uma perspectiva
pedagógica.
Do ponto de vista FUNCIONAL vou salientar,
apenas, dos mecanismos de ASSIMILAÇÃO, ACOMODAÇÃO e
ADAPTAÇÃO aquilo que, quanto a mim, tem s1gnificado no
process~ INTERACTIVO inerente ao próprio DESENVOLV:M~NTO: ~lÀ~~
ADAPTAÇA9, como forma de EQUILIBRIO entre a asslmllaçao !. ~ ~~J..
acomodação , sublinhare i o DINAMISMO da relação entre o ao ~
individuo e o meio, como EXPRESSÃO do que é incorporado no ~t'~,i6(qó
vivido e do reajuste que este novo promove no que já existe.
A aplicação das experiências passadas as do
presente só pode acontecer se estas ti verem algum
significado (se forem estimulo), se puderem ser assimiladas ,
se puderem promover acção, se puderem orlglnar
transformações pela reorganização que geram . O comportamento
humano surge, assim, como essencialmente activo, num quadro
em que o individuo e o meio INTERAGEM pelo processo contínuo
de assimilação e acomodação. De sublinhar que é imanente a
esse dinamismo a relação entre aqu i lo que o individuo POSSUI
e aquilo que o meio lhe OFERECE. Parece-me oportuno
salientar, aqui, a inferência para o campo pedagógico em
que, quanto a mim, o problema fundamental é a adequação de
PROPOSTAS que possam constituir ESTIMULOS geradores de
ACTIVIDADE. Não se tratará de uma acumulação do novo no que
já existe, mas de reestruturação numa CONSTRUÇÃO
PROGRESSIVA.
O jogo existe em todas as
idades, o que varia sao o~ níveis a que ele se faz e estes
são definidos como ESTRUTURAS que explicam um determinado
tipo de coerência, a qual var.ia ao longo do desenvolvimento.

III - 103
Construção do Conhecimento

Assim a coerência de um período pré-operatório é diferente


da de um período operatório, a de um período concreto, da de
um período formal. As estruturas, como FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
específicas contêm, em si, a coerência que lhe é dada pelo
próprio sistema que as regula, são fundamentais para
entender que há ETAPAS no desenvolvimento, cada uma com as
suas características próprias e que funcionam como "MEIOS",
como "INSTRUMENTOS"na relação indivi duo/meio. Estas etapas
não são definidas por idades cronológicas, nem por aspectos
quantitativos. São, sim, descritas, essencialmente, por
aspectos positivos na expressão das possibilidades próprias
da lógica particular de cada uma. Têm, ainda, a
característica de serem inte rativas e se uênciais, surgindo
o desenvolvimento como PROCESSO contínuo, em que cada etapa
integra a anterior e prepara a seguinte. O RITMO pode, no
entanto, variar mas sem que a ORDEM se altere, precisamente
pelo sistema interno regulador da própria DINAMICA
CONSTRUTIVISTA que garante a linha da continuidade do
processo de desenvolvimento.
A ALTERAÇÃO do ritmo resulta de FACTORES de
natureza biológica. psicológica, social e cultural,
sublinhando-se o p apel de EXPERIÊNCIA na activi 1 ade inerente
ao dinamismo fundamental da relação individuo/meio. Cada
criança tem o seu próprio ritmo, sendo este resultado do seu
potencial e dos estímulos, que podem ter animado ou
retardado a sua realização. Assim sendo, é fundamental
reflectir, por um lado no sentido do que é ESPERÁVEL como
expressão de coerência própria de cada etapa e, por outro
lado, daquilo que cada criança ou adolescente como SER
ÚNICO, vi veu como experiências. Só esta atitude de
descoberta pode permitir proporcionar estímulos que se
adequem à realização plena do POTENCIAL HUMANO de que cada
um é portador.
~s EXPERIÊNCIAS q ue podem ser de ordem física,
lógico/matemática, social, moral, são, assim, considerada~
como DESAFIOS às cap acidades próprias de determinado momento
do desenvolvimento, podendo ter as mais variadas expressões
(em acção real ou em representação) . Todas elas contribuem

III - 104
-I

Construç ão do Conhecimento

para a descoberta de relações q ue se constituem como


RESPOSTAS ou como PERGUNTAS, estas talvez mais importantes
na medida em que significam a n ecessidade de TROCA, de
PROCURA, de REORGANIZAÇÃO para NOVAS RESPOSTAS e NOVAS
PERGUNTAS ...
A reflexão que este terceiro ponto do esquema -
O MODELO EXPLICATIVO DA FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO me
inspirou, deixa transparecer, creio eu, não apenas a
necessidade de uma fundamentação científica que suporte o
acto pedagógico, mas também, a necessidade de uma dimensãq
interdisciplinar gue permi ta OLHAR a crianç2., (ou
adolescente) em todos os aspectos do seu desenvolvimento e
VER tudo quanto ela é e tudo g uanto ela p recisa p ara SER
PLENAMENTE PESSOA .
DOS TRES PONTOS DO ESQUEMA, sumári amente
analisados, decorrem, segun do o me u entender, e sempre no
contex to de procura em que integro a minha experiência,
PRINCíPIOS que me parecem fundamentais numa proposta
pedagógica que procure integrar o contributo da teoria
explicativa do desenvolvimento traz ida por JEAN PIAGET.

PRIMEIRO A relação individuo/meio constitui base


fundamental na dinâmica construtiva inerente ao processo de
desenvolvimento;

SEGUNDO - A descoberta do outro . como ser humano portador de


potencialidades próprias, reclama condições favoráveis a uma
relação interactiva de motivação recíproca;

TERCEIRO - ~ aprendizagem é bàsicamente accão do RróQrio


individuo, cabendo ao meio ser adequadamente estímulo .
Estes PRINCIPIOS estão subjacentes na acção
pedagógica que a inspiração piagetiana oferece como reflexão
ao EDUCADOR :
"FORMAR INDIVIDUOS CAPAZES DE AUTONOMIA INTELECTUAL E
MORAL", o que implica quanto a: mim, garantir que objectivos
de natureza socio-afectiva sejam atingidos, isto é que cada
um possa ter oportunidade de conquistar segurança em si

III - 105
Construção do Conhecimento

proprio, esta só possível quando as condições relacionais


permitam a construção de uma imagem valorativa de si
próprio, fundamental á sua realização como PESSOA.
"CRIAR HOMENS CAPAZES DE FAZER COISAS NOVAS, CRIATIVOS,
INVENTIVOS, DESCOBRIDORES " , o que implica, quanto a mim,
alimentar a natural atitude de procu ra, de curiosidade, de
investigação que nasce do dinamismo interno gerador de
necessidades e que tem a . sua expressão própria nas
motivações inerentes ao acto de CONHECER, e de CONHECER-SE.
"FORMAR CONSCIÊNCIAS LIVRES QUE RESPEITEM OS DIREITOS E AS
LIBERDADES DOS OUTROS", o que implica, quanto a mim,
incenti var si tuações de cooperação em que a reciprocidade
alimente o valor das relações interpessoais e estimule a
ALEGRIA da troca e do sentimento de AMAR E SER AMADO .
Num esforço de síntese, dada a amplitude e complexidade d,9
tema em análise , sublinharei o p otencial que a TEORIA DE
JEAN PIAGET oferece a propostas de natureza educativa,
podendo levar à elaboração de modelos pedagó~ic ? s de
INSPIRAÇÃO PIAGETIANA:
UMA INTERPRETAÇÃO ADAPTATIVA do comportamento humano que
encontra nos mecanismos de assim i lação e acomodação o
reforço do valor da relação individuo/meio ;
UMA LINHA EVOLUTIVA da actividade humana que parte da acção
efectiva como geradora de uma evolução que se processa por
etapas;
UMA DIMENSÃO CONSTRUTIVA E CRIATIVA do comportamento que no
mecanismo de equilibração (adaptação) reflecte o sistema de
auto-regulação, fonte de motivações internas, a que
poderemos chamar interesse, como resultante de procura de
equilíbrio;
UMA AMPLITUDE SOCIAL que na cooperação integra os estímulos
dinamizadores de uma descentração progressiva a: caminho de
uma reciprocidade e objectividade crescentes ;
UMA CONCEPÇÃO DA RELAÇÃO entre o nível de desenvolvimento e
o estímulo adequado que acentua o princípio de que o
individuo não aprende acumulandó , mas reestruturando,
reorganizando, o que possui e o que l he é proporcionado;
UMA IMAGEM DE EDUCADOR em que este assuma um projecto

III - 106
Construção do Conhecimento

profissional que melhor corresponda ao seu projecto como


pessoa, pois não importa apenas fazer, mas compreender o que
se faz, numa preocupação constante de centrar a sua acção na
CRIANÇA ou ADOLESCENTE real que se vai descobrindo pelo que
é do ponto de vista da dinâmica psicológica e, também, pelo
contexto sócio-afectivo e cultural em que vive.
A terminar direi que no contributo da TEORIA DE PIAGET
procurei encontrar três dimensões que considero fundamentais
e interligadas: a de natureza EPISTEMOLÓGICA, a de natureza
PSICOLÓGICA e a de natureza PEDAGÓGICA.
Do sistema da ESCOLA DE GENEBRA eu retenho de PIAGET o ele
considerar-se o maior revisor da sua própria teoria, na
constante procura de VERDADE , sem a considerar
defini ti vamente acabada, mas sempre GERADORA de novas
indagações.
Deste ESPÍRITO eu guardo o INCENTIVO para a
procura constante de caminho com os outros, razão por que
aceitei elaborar esta reflexão em que partilhei algo do que
EU PENSO TER ENTENDIDO DE PIAGET ... Continuarei a caminhar
na minha experiência e na procura, não para chegar, mas para
ir caminhando ...

III - 107
Construção do Conhecimento

ALGUMAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TITULO AUTOR EDITORA

1 - PSICOLOGIA DA CRIANÇA JEAN PIAGET DENOEL


2 - LOGIQUE ET CONNAISSAN- JEAN PIAGET GALLIMARD
CE SCIENTIFIQUE
3 - LER PIAGET R. DROZ/M. RAMY SOCICULTUR
4 - LE STRUTURALISME J EAN PIAGET PUF
5 - PSICHOLOGIE ET
PEDAGOGIE JEAN PIAGET DENOEL
6 - PIAGET. TEORIA
E PRÁTICA RICHMOND FUNDAMENTOS
7 - PSICOLOGIA EDUCACIONAL MARLENE RODRIGUES Mc GRAW-HILL
8 - A TEORIA DE PIAGET CONSTANCE KAMII SOCICULTUR
E A PRÉ-ESCOLA
9 - PIAGET E A PRÉ-ESCOLA AMÉLIA DOMINGOS BIBLIOTECA
CASTRO PIONEIRA
CIÊNCIAS
SOCIAIS
10 - DIDACTICA FUNDAMENTADA M.A VER5IANI FORENSE
NA TEORIA DE PIAGET CUí'lHA

III - 108
o PENSAMENTO DO ADOLESCRNTE
- Uma reflexão sobre Psicologia Genética,
Epistemologia, Educação - .

Deolinda BOTELHO
Lisboa, 1987

Caracterizar o pensamento do adolescente


envolve, entre outros, os aspectos de natureza afectiva e
social. Apenas por razões metodológicas se organiza uma
reflexão em separado com mais enfoque sobre a forma
(dinâmica e estrutura) como o adolescente, enquanto sujeito,
se relaciona com o objecto de conhecimento.
A opção feita quanto à escolha do modelo
explicativo da teoria de Jean P i aget não exclui outros
estudos, mas permite para além de uma abordagem de natureza
psicológica, também uma de natureza epistemológica.
Consti tui, por isso, linha de orientação . desde texto uma
análise que promova inferências possíveis quanto às relacões
entre as bases epi stemológicas dos vários ramos do saber. O
contexto desta análise é do desenvolvimento/aprendizagem e
daí a intenção de situar o contributo de Piaget ao nível da
acção/formação.
Com . estes objectivos se seleccionaram algumas
citações que poderão ajudar a caracterizar preocupações
subjacentes a uma perspectiva formativa que se apoia mais no
processo do que no produto.
A teoria de Piaget oferece um quadro geral que
permite situar características essenciais desse modelo
educativo, sustentadas pela anál i se da dinâmica e dos
esquemas de pensamento próprios de cada uma das etapas da
construção da inteligência. cOmO me i o de conhecimento :
"As funções essenciais da inteligencia consistem
em . compreender e inventar, isto é em construir estruturas
estruturando o real" (1)
= A construção das estruturas lógicas próprias do
pensamento formal começa pelos 11/12 anos e só termina por

III - 109
Construção do Cor.hecimento

voJ.ta dos 15/16 anos. É neste período que novas f'ormas de


conhecer (que prolongam integram e ampliam as precedentes),
se vão organizar. Têm como ponto de partida as conquistas
realizadas durante o período das operações concretas (dos
7/8 aos 11/12) as quais culminaram com a capacidade de
estruturar as relações descobert !'is pela intuição em
operações, isto é, em sistemas de conjunto com uma
organização própria que permite defi nir um determinado tipo
de coerência lógica . As operações concretas são acções
interiorizadas que se tornam reversíveis pela natureza das
suas relações - estrutura uni tária no interior da qual se
condicionam mútuamente -. Permitem a coordenação de confi-
gurações provenientes de leituras intuitivas, promovendo a
capacidade de ter em conta mais do que um ponto de vista e
de estabelecer coordenações e descentrações "o pensamento
não se prende aos aspectos particulares do objecto (mas
segue as suas transformações ligando-as aos estados finais)
não procede apenas de um ponto de vista particular do
indivíduo (mas coordena todos os pontos de vista distintos
em sistemas de reciprocidade objectivas)" (2).
Esta a mobilidade do pen samento resultante de um
processo dinâmico que permite leituras recíprocas dos
elementos que se estruturaram em sitemas coerentes.
"As operações nascem de uma espécie de degelo
das estruturas intuitivas, e da mobilidade que anima e
coordena as · configurações .até aí rigidas em graus diversos,
apesar de articulações progressivas" (3)
Mas este pensamento que deixou de ser
prisioneiro das configurações perceptivas e da centração de
pontos áe vista tem , ainda, um campo limitado em que se
exerce: o da experiência.
o próprio uso dos esquemas representativos
carece de uma construção apoiada em elaborações que partam
do simples para o complexo, do fácil para o dífícil, do
concreto para o abstrato.
Os aspectos operativos e figurativos do
pensamento participam do mesmo processo em que a acção real
ou representativa deve ser a fonte de conhecimento . É agindo

III - 110
Construção do Conhecim~nto

que a verdade se constrói ou reinventa. "Compreender é


inventar ou reconstruir por reinvenção e é necessário
atender a tais necessidades se queremos no futuro preparar
indivíduos capazes de produção ou de criação e não apenas
repetição" (4).
A passagem do período das operações concretas
para o período das operações formais vai reclamar toda uma
nova reconstrucão que amplie as competências cognitivas
conquistadas. Não será apenas por factores de natureza
psicológica que cada individuo desenvolverá novas
capacidades. É necessário a todos os níveis de desenvolvi-
mento, desde os mais elementares, o contributo dos meios
familiar e social. O í'actor educativo constitui uma condição
de desenvolvimento primordial lia educação não é um simples
contributo que se acrescentará aos resultados do desenvol-
vimento individual regulado de forma inata ou efectuando-se
só com a ajuda da família: do nascimento à adolescência, a
educação é una e constitui um dos factores fundamentais
necessários à formação intelectual e moral, de tal maneira
que a escol a tem uma parte não negligenciável de responsa-
bilidade quanto ao sucesso final ou ao insucesso do
individuo na realização das suas próprias possibilidades e
na sua adaptação à vida social." (5)
É condição de desenvo l vimento da inteligência,
que ela ...seja exercida, reclamando esse exercício estímulos
adequados à sua estruturação "uma estrutura ... é um sistema)
de transformação que comporta leis enquanto sistema e que se ~
conserva ou se enriquece pelo jogo das suas transformações, r
{ sem que estas aconteçam fora das suas fronteiras ou façam
apelo a elementos exteriores. Numa palavra uma estrutura
compreende os três caracteres: o de totalidade o de

l transformacão e de auto regulação" (6)


Os estímulos adequados encontram-se, ao nível da
escola por referência à epistemologia genética, isto é, à

1
forma como se constrói o conhecimento, de que a inteligência
não é senão um caso particular. Esses mesmos estímulos são
provenientes de todas as disciplinas do currículo, das mais
práticas às mais teóricas, das mais artísticas às mais

III - 111
Construção do Conhecimento

científicas, das morais às sociais. Não se trata, apenas, de


multidisciplinaridade, mas de uma interdísciplinaridade, no
sentido de que cada disciplina seja, ela própria, tratada
nesse espírito, isto é , estabelecendo fronteiras que se
consolidem na base comum das estruturas próprias da
construção do conhecimento. Conhecer é estabelecer relações,
o que varia é a natureza dessas relações e o conteúdo sobre
o qual elas se exercem. Segundo Piaget o conheci~ento não II
I ~tá no indivíduo, nem no objecto, mas na relaçao que se
éstabelece entre indivídu%b jecto.
É necessário que os diferentes programas , nos
seus conteúdos e nas suas estratégia s , sejam interpretados
tendo em conta as estruturas lógico/matemáticas que fazem
intervir e, portanto, é necessário haver uma sincronia entre
as estruturas que pertencem ao sujei to e ao objecto de
conhecimento. Só assim os estímulos podem ter a categoria de
dinamizadores de desenvolvimento constituindo fonte de
perturbações aos esquemas existentes para que novas
reequilibrações aconteçam e, portanto, novas construções
surjam. Em linguagem Piaget iana diriamos ser necessário que
caiam na área de assimilação . Só deste modo se dinami zará
uma energia interna que parte de uma motivação intrínseca (o
desequilíbrio entre o que já existe e o que surge de novo) e
que é geradora de um processo de equilibração progressiva,
conducente a uma integração do já adquirido em novas formas
de conhecer.
Essas novas formas de conhecer , construídas no
período das operações formais serão caracterizadas por
capacidades~ogreSSivamente diferenciadas, Assim:
_ _ o

-~--""""1\) <..2:.7 No período das operações S29cretg.s o


pensamento centrava-se no presente, · agora passando p or
construções secessivas, será capaz d e admitir o que não é
mas poderia ser. A sua actividade conc eptual vai permi t indo
admitir outras formas de organizar objectos e ideias. Esta
capacidade é resultante de uma reflexão que se exerce não
apenas sobre o 'real, mas, igualmente , sobre o possível, não
apenas sobre o concreto mas sobre o abstracto, não apenas
sobre objectos mas sobre ideias. No plano lógico esta

III - 112
Construção do Conhecimento

evolução corresponde à capacidade de imaginar todas as


soluções possíveis de um problema e de seleccionar as que
estão de acordo com a lógica e realidade .
"O adolescente não se contenta apenas com viver
as relações interindividuais que o seu meio lhe oferece, nem
em usar a inteligência para resolver os problemas do
presente; ele procura inserir-se no corpo social dos adultos
e, nesse sentido, começa a participar nas ideias, ideais e
ideologias de um grupo mais vasto por intermédio de um certo
número de símbolos verbais que o deixavam até aí
indiferente" (7).
O pensamento ganhou uma nova dimensão do
possível ao real, deixando de ser prisioneiro do aqui e
agora, do concreto e do manipulável.
------- D ~O atingir um raciocínio sobre proposicões não
ainda reconhecidas como verdade i ras, mas admitidas como
hipóteses, alarga o seu campo de organizar o real. Vai-se
tornando capaz de prever diferentes arranjos, combinações,
permutas possíveis a partir de um número de proposições.
Utilizará operações da l ógica das proposições (se . . . então
... ), disjunções (ou . .. ou . .. ou as duas), exclusões ( ...
ou mas não as duas) de forma satisfatória . Conquista
progressivamente, pela acção e reflexão, a capacidade de
construir operações sobre operações .
As operações de composição, transitividade,
reversibilidade, associatividade e identidade já eram
possíveis ao nível do período concreto. De forma análoga, no
período formal, outras operações são possí veis numa
complexidade crescente que englobam estas, mas coordenadas
numa nova organização o grupo das quatro transformações
(Identica, Negação, Recíproca e inversa da. Recíproca ou
Correlativa). "Não há simplesmente justaposição das
inversões e das recíprocas mas fusão num todo único, no
sentido de que cada operação será ao mesmo tempo a i nversa
de uma outra e a recíproca de uma terceira" (8).
Como consequência ~urgem novas operações e novas
noções a que Piaget chamou esquemas operatórios. São noções
susceptiveis de serem utilizadas numa . grande variedade de

III - 113
Construção do Conhecimento

si tuações e de problemas que estão à disposição do


adolescente em estado latente: proporcionalidade, probabi-
lidade, correlação, compensação multiplicativa ...
Os novos instrumentos de conhecimento viabilizam
um alargamento do campo da actividade cognitiva e o
exercício sobre conteúdos de complexidade crescente e cada
vez mais situados na esfera das estrátegias de encontrar o
real entre o possível.
Para que estas novas conquistas aconteçam, a
aprendizagem deve ser um processo activo em que as
interacções, a todos os níveis (elementos, acções,
indivíduos) , se constituam como meio de autonomia e
liberdade,
"A razão, no seu duplo aspecto lógico e moral, é um produto
colecti vo" (9) mas implica que cada um assuma um papel
activo na realização da sua plenitude.
É pois fundamental que se criem situações que ponham o aluno
a fazer funcionar a sua própria inteligência... pela
elaboração de questões, pela procura de respostas, pela
análise de "erros", pela troca de pontos de vista, pela
reconstrução de novas soluções .
O papel do professor é indispensável no
incentivo a esta atitude de procura de saber, como animador
e não apenas transmissor, para que se possa construir,
criar, redescobrir, inventar . Inter-agiDdo constitui-se polo
de animação, organizador de estímulos, incentivador de
reflexão e avaliação sobressaindo o seu papel de interventor
de competência científica e pedagógica numa palavra: de
autoridade.
"O professor que tem curiosidade · de aprender,
i.n9.y ador, que quer saber ava l i
crítico ... acaba por instalar valores similares em seus
jovens alunos . Um professor não pode realmente esperar que
seus alunos sejam criativos, objec tivos e críticos se ele
próprio não é." (10) Dentro deste espírito "o professor deve
dedicar-se tanto ao seu desenvolvimento pessoal, quanto ao
dos alunos". (10)
No contributo da educação para o desenvolvimento

III - 114
-- ~ --

Construção do Conhecimento

se integra esta análise sobre o modelo explicativo de


Piaget, reservando-se à epistemologia genética o papel de
suporte aos fundamentos científi cos da organização de
conteúdos programáticos para que constituam suporte a estas
situações de aprendizagem activa.
Como já foi referido anteriormente é no campo da
epistemologia própria de cada ramo do saber que se fará a
análise de como se constrói o conhecimento. o que permitirá
caminhar para a harmonia entre as estruturas próprias d9,.
inteligência e as de s iferentes áreas .
À pedagogia caberá a definição do estilo mais
adequado para que a educação seja " não sómente uma formação,
mas uma condição formadora ' necessária ao próprio
desenvolvimento natural. " (ll)

OBRAS CONSULTÁVEIS

1. ELKIND.
David - Crianças e adolescentes - Zahar
2. PIAGET.
Jean - Logique et Connaissance - de la Pleiade
3. PIAGET.
Jean - Biologie et Connaissance - Gallimard
4. PIAGET.
Jean - Psicologie de l ' intelligence - Fundo de
Cultura
5. PIAGET, Jean - De la Logique de L'Enfant à la Logique de
L'Adolescent - P . U.F.
6. PIAGET. Jean - Psychologie et Pedagogie - Mediations
7. D~OZ. R - Ler Piaget - Socicultur
8. PIAGET. Jean - Ou va L ' Éducation - Denoel
9. PIAGET, Jean - Le Structuralisme - Que Sais-je
10. PIAGET. Jean - Le Jugement Moral Chez L'énfant - P.U.F.

III - 115
Construção do Conhecimento

NOTAS
(1) PIAGET Jean
Psychologie et Pédagogie Ed. Mediations pag.47
(2) PIAGET Jean
Psychologie de l'In,telligence Ed. A. Colin. pago 170
(3) Idem Pago 166
(4) PIAGET Jean
Ou vá l'educ ~tion ; ed. DENOEL, pag.24
(5) PIAGET Jean
Ou vá l'éducation, ed. DENOEL, pag.55
(6 ) PIAGET Jean
Le structuralisme, ed. que sais-j e?, pag.6
(7) PIAGET, INHELDER
De la logique de l'enfant à la logique de l'adolescent,
P . U. F., pag . 303
(8) PIAGE'l', ET INHELDER, De la logique de I' enfant à la
logique de l'adolescent., PUF , pág.110
(9) PIAGET, Jean
Le jugement moral chez l'enfant, Ed. PUF, pág. 324.
(10) ELKIND, David
Crianças e Adolescentes, ZAHAR, pág.100
(11) PIAGET Jean
Ou va l'éducation , DENOEL, pag.52

III - 116
ADOLEScÊNCIA ( it )

Isolina BORGES

A Per~pe~tiva Psicanalítica

o estádio genital da puberdade caracteriza-se


pela subordinação das pulsões parciais e pela intensificação
àa pulsão sexual na busca do objecto , com possibilidade de
fix ação ~ regressão a estádios anteriores. Não se trata de
um aumento · quantitativo da líbido, como inicia~mente
preconizava Anna Freud, mas também de mudanças a nível
quali tativo. Como esta autora depois referiu, são de novo
postas em relevo as funções defensivas do Eu face aos
impulsos sexuais do adolescente (Freud, A., 1969).
O aparentemente esquecido conflito edi pi ano
ressurge em termos de ferida narcísica; para se reorganizar
face às interacções com os outros o adolescente afasta-se
dos Pé;iis. Vive então, segundo Anna Freud I "o luto" I como
forma de aceitar a perda de objectos da infincia.
Neste seguimento e abordando a perspectiva de
Di as Cordeiro (1979) , surge nesta fase o conceito de
"organizador" no sentido de índice de equilibração (usado em
Piaget assim como em Spitz e Anna Freud) . Este auto r
considera a adolescência como uma sucessão de fases
organizadoras sendo o luto dos imagos parentais e a escolha
1/ A!JJtl5t'-lNCIÁ.
fA/{Ã
\1 do ob jecto heterossexual, os movimentos decisivos, isto e ,
os verdadeiros estados organizadores essenciais para 0
J14~ t'1)~4·fl.cJ

desenvo l vimento psíquico normal do adolescente.


A infância deverá ser substituída pela realidade
factual e ob jectiva. Para se adaptar, e ainda segundo Anna

(*) M. Isolina " BORGES, - INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DO


DESENVOLVIMENTO - Ed . Jornal de Psicologia - Porto
1987 Pág.144 a 154

. . ()~&ltk.&: ~AA ~ ~ .ac~a.,.~


A.~pO ;U4'k,,4,fo~tu 4~ e'hrSC~~
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AtA. lulU{~ ~ rI~ IV - 117 -t.J...u,..u.4'~n./.
Construção de Identidade

Freud, o adolescente utiliza defesas como a deslocação


libidinal (transferir o líbido para o adulto), a inversão
(transformar o amor em ódio) e a regressão que consiste em
voltar aos fantasmas pré-edipianos.
As tendências próprias da situacão edipiana que
se mantiveram recalcadas no período de latência. descom-
pensam agora na pré-puberdade originando a que o Ego
apresente as dificuldades inerentes à busca de equilíbrio.
Nessas dificuldades desempenham papel fundament a l os
mecanismos de defesa descri tos por Anna Freud que tiveram a
ver com o ascetismo e com a intelectualização do período de
latência (Laplanche e Pontalis, 1967/1971) pondo agora em
confronto e Ego e o Super Ego na tentativa de separação face
às figuras parentais . Na verdade, na passagem ao estado
adul to e sobretudo durante a adolescência verifica-se de
novo a não-permanência do Ego como "forma de estar"
tranquila, já que entra num diálogo permanente, senão
confli tuoso, com as duas zonas ou "inconsciente" aparente-
mente opostos: ~ e O Super Ego , que é o mesmo que dizer
um inconsciente~lógico e um inconsciente social . O ado-
lescente vive assim um confli to com duas saídas possíveis:
ou ganha o Id, havendo uma transformação profunda do carác-
} ter do sujeito, ou ganha o Ego e o carácter do sujeito tor-
na-se definitivo delimitando as pulsões às imposições do Eu.
Para Anna Freud, uma solução positiva estaria numa espécie
de compromisso entre estas duas saídas. Mas isso dependeria:-
do poder das pulsões;
da 'c apacidade de to l erância do Eu às _pulsões
ocorridas no período de latência;
da eficácia dos mecanismos de defesa do Eu.
Em última análise será o Eu que restabelece o
equilíbrio entre as pulsões e o mundo real.

B - Erik Erikson: criticas e continuadores

Para o adolescente, as transformações do


crescimento somático semelhantes em importância - às da

IV - 118
Construção de Identidade

primeira infância são sentidas como transformações


profundas na medida em que se lhe acrescenta a maturidade
genital. A imagem que os outros fazem de si leva-o a ter que
ultrapassar com grande acuidade as dificuldades de
crescimento anteriores, sobretudo· no que se refere ao
contacto com as figuras que o rodeiam.
À identidade do Eu (já procurada nas fases
anteriores e com saídas na primeira infância) acrescentam-se
agora a .experiência acumulada de integrações sucessivas a
nivel do desenvolvimento da líbido, as compe.tências de que
tem consciência e as funções soc i ais que sente ter de
assumir. Estas funções implicam um sentido de vida a que não
são alheias as perspectivas profissi onais e ideológicas. A
mente do adolescente é essencialmente uma mente de
moratorium que é uma etapa psicossocial entre a infância e a
idade adulta, entre a moral aprendida pela criança e a ética
a ser desenvolvida no adulto (Erikson, 1968/1972) - pelo que
o contexto ideológico é particularmente importante.
Para Erik EriksQn, segundo o princípio epige-
nético. a crise psicossocial identidade-difusão da identi-
dade, marca o fim do desenvolvimento infantil (Luzes, 1976).
Em termos ideais o adolescente tendo-se identificado com as
figuras parentais, fundamentalmente com a figura do mesmo
sexo, vai afastar-se adquirindo uma i dentidade própria que o
integrará no contexto social . Recorde-se que para tal
ti veram especial importância o desenvolvimento da sociali- :s:.
zação do adolescente, o assumir de papéis sexuais e o j(
aparecimento de Srupos de companheiros assim como a 'tiL
influência do ambiente familiar, a relaç~ pais-filhos e 0131-
:
"conflito de gerações" inerente, os sistemas educativos, 012-
despertar vocacional e os seus valores específicos - a nível
religioso, político e moral.
Afastando-se definitivamente da infância o jovem
tem que delimitar se em relacão aos pais e à soei ediõil:Q8 da
qual vai fazer parte, isto é, tem de assumir a sua
identidade. Se a identificação com as figuras parentais for
deficiente ou excessiva isto é se houver confusão de papéis,
ao pÓlo da identidade vai opôr-se o da difusão da identi dade

IV - 119
Construção de Identidade

que pode pender para a negação completa da identidade


pessoal e, em extremo, para a identidade negativa . Estas
formas de identidades podem traduzir-se entre outras mani-
festações, por indicadores de fragilidade do Eu e em
comportamentos sociais desviantes. Segundo Erikson, uma mãe
demasiado intrusiva ou uma figura paterna ausente, dé~il ou
demasiado severa, estão na base das identidades difusas e
negativas, favorecendo a constituição de um Super Ego em que
predomina o sadismo, mantendo-se o Eu em clivagem , sendo
progressivamente fragilizado. Em qualquer destas s ituações
verificam-se dificuldades n o assumir da identidade própria,
dependentes do grau de insucesso nas crises psicossociais
anteriores e vindo a ser provocadores de dificuldades nas
fases posteriores.
Como já referimos no Capítulo I, é na construção
do conceito de identidade que se baseia o fulcro da teoria
de Erikson. É um conceito que engl oba várias dimensões: a de
permanência e de continuidade no tempo e a de coesão e
integraçâo dinãmica numa unidade funcional . Contudo,
trata-se de um processo sempre "aberto" de elaboração
permanente, de uma construção nunca acabada do Eu.
Os trabalhos de Erikson a partir dos anos 60
tentaram fazer convergir os pressupostos freudianos e ~
valorização pelo papel do meio social no desenvol vimento
psicolÓgico do adolescente. A teoria da identidade resultou
da sua prática clínica na linha psicanalítica, das pesquisas
longitudinais realizadas e da investigação antropológica "in
loco". Mas o ponto de chegada daquelas tentativas , ou seja a
construção da Teoria da Identidade desde a génese até à
adolescência, carece por um lado · de dados metodo·lógicos e,
por outro lado, parece não estar isenta de preconc.ei tos
morais (identidade=integridade), assim como de uma visão
optimista do mundo e da sociedade: o reconhecimento social
nem sempre sublima iniciativas representativas de real
espirito criativo. A própria conti nuidade e identidade do Eu
baseando-se na experiência interior pode ser posta em
questão, na medida em que não é imparcial (Claes, 1985).

IV - 120
Construç ã o de I den tidade

Todavia , apesar d e carências metodológicas , a


teoria de Erik son, é u m modelo qu e terá, pelo men os, o
méri to dos grandes modelos geradores da a v anços signi f i ca-
tivos nas ciências psicológicas.
De facto, embo ra este a u tor considerasse que a
identidade não podia ser medi da com i n strumento s objec t i v os,
pois só seria encontrada numa prática clínica, vários tra-
balhos nessa linha apareceram nas duas últimas décad as,
abordando este conceito através de questionários , auto-des-
crições e entrevistas semi-estruturadas. A intensão dos
questionários foi medir os progressos e a evolução da i d en-
tidade em função do nível de cons i stência dos diferentes
papéis sociais apercebidos . As técnicas auto desc r i t ivas
tentam avaliar o nível de c oerênci a entre imagens que o
sujeito tem de si mesmo e as imagens que os outros fazem
deles.
Utilizando o mo d elo teórico de Erik Erikson na
abordagem da identidade, James Marci a (1980) optou, do p onto JAtWs M"RGI~
de vista metodológico, pela entrev ista semi-estruturada.
AI Considera que a identidade é mais d ifícil de deli mi tar do m \
IV que a adolescência . Diz respeito a um conceito que i mp lica 0/
uma posição existêncial e c onstitui uma estrutura do self ,
uma organização auto-con s t ruída, di n âmica de necess i dades ,
capacidades, crenças e histór ias indi viduais (Marcia, 1 980).
Refere-se ainda a um conceito essenc i almente dinâmico e m q~
é pressuposto ue a identidade do Eu aparece na a d o l escê ncia
em função de uma organl açao e es r u turação progressi v a da
personalidade .
Estar consciente de si e das suas semelhanças e
diferenças relativamente aos outros, dos seus limites e das
suas possibilidades, define a estrutu ra do Eu , ass im como a
= =:
confusão entre si e os outros traduz fragil ~de do Eu . Este
Eu, que neste momento está numa situação de compromisso
traduz-se na prática . de' escolha do ob j ecto sexual e no
assumir de posições 'ideológ icas e profissionais.
Para abordar o n ível da estruturação da i den-
tidade, Marcia explorou inic i almente a ideologia e escolha
profissional (Claes, 1985) e p osteri o rmente a escolha sexual

I V - 121
Construção de Identidade

chegando a quatro estatutos em função de dois critérios:


)) existência ou não de um período crítico de questionamento
pessoal, de reavaliação dos elementos que constituem a
identidade pessoal e de exploração da alternativa com vista
a diferentes tomadas de posição a fim de se encontrarem
~) elementos que constituem a definição de si; e ainda o com~
promisso que se traduz num investimento afectivo e cognitivo
nas diferentes áreas da existência pessoal no sentido de uma
integração funcional e de continuidade temporal.
Os estatutos da identidade são:

1. A identidade realizada. Os indivíduos


pertencentes a este estatuto experienciaram um período
crítico e fizeram opções profissionais e ideológicas tendo-
-se previamente questionado e depois escolhido e decidido.
Criaram portanto espaços próprios afastando-se da infância e
consequentemente dos pais, comprometendo-se nas escolhas
feitas.
2. A "moratória" caracterizado pela existência
de um processo activo de exploração e questionamento com o
obj ecti vo fundamental de preparação para o compromisso. O
sujeito, em pleno período crítico , interroga-se e considera
as diversas possibilidades. Os seus próprios desejos, os
desejos dos pais e as exigências sociais deparam-se-Ihe,
levando-o a assumir compromis.sos. É um período de inter-
rogação.
3. A Difusão. O indivíduo neste período pode ter
vi vido ou não o periodo critico. Não se sentiu suficien-
temente interrogado para fazer escolhas e não se compromete
nem com ideologias nem com profissões, poque não existe
implicação afectiva ou cognitiva.
4. "Foreclosure". Não houve crise, não houve
propriamente tomadas de decisão, e, não obstante, o indiví-
duo revela-se interessado pela profissão, pela ideologia e
pelo papel sexual. A adolescência aparece na continuidade
das suas crenças infantis . O indivíduo assume o papel que os
outros queriam que assumisse.

IV - 122
Construção de Identidade

Segundo M. Claes (1985) , as pesquisas de


Rodriguez Tomé, inserindo-se numa perspectiva epistemo-
lógica , debruçam-se sobre a gênese da identidade, partindo «!9(?}.61JE?
da perspectiva interacionista de Henri Wallon . Salienta a
importància do "outro" na construção da identidade. Nesse
sentido, Rodriguez Tomé utilizou um questionário que refere
três factores descritivos do adolescente: o egocentrism?, o
domínio de si (controlo e persistência) e a sociabilidade.
O questionário preenchido pelo ãdolescente for-
nece a imagem Própria e a imagem que dele têm os pais, os
amigos e as amigas, o que permite obter a imagem social. O
pai e a mãe descrevem o adolescente - Adolescente Apercebido
- e dão as respostas que do ponto de vista de l es o adoles-
cente teria fornecido - Adolescente Suporte.
Os resultados começam por tratar numa primeira
análise a correspondência entre a imagem de si e as diversas
imagens sociais. Numa segunda análise , fornecem a identidade
do outro e o confronto das imagens entre si. Conclui-se que
quanto mais o adolescente cresce em idade, mais distancia a
imagem que tem de si da percepção que pensa que os outros
têm dele. Psicólogos, tais como Erikson e Wallon, ressurgem
assim através de trabalhos empíricos e repõem a questão do
estudo do comportamento humano. Se não há variáveis inter-
mediárias tem que se reduzir a vida do ser humano a compor-
tamentos directos, que são em si mesmos constructos. Mas se
há variáveis intermediárias mesmo as lacunas a nível
bioquímico têm um papel a desempenhar nos diferentes níveis
metodológicos e teóricos, desenhando uma ciência em génese
de construção.
Os trabalhos mais recentes de Rodriguez Tomé
(Claes, 1985)abordam as referências identificatórias do
adolescente, no sentido de se aval i ar a diferenciação· da
estrutura de identidade . Pesquisas igualmente recentes
debruçam-se sobre o Eu Ideal do Ado l escente (Lutte, 1971).
De um modo geral os problemas de medida da identidade num
adolescente consti tuem ainda uma dificuldade séria a
ultrapassar .

IV - 123
Construção de Identi dade

Pressupostos teóricos consistentes e aprofunda-


dos assim como uma metodologi a assente na entrevista
individual sistemática são aspecto s a evoluir para futuras
pesquisas.

c - O Estádio da Puberdade e Adolescência na perspectiva de


Henri Wallon

o pensamento categorial característi co do


estádio anterior, permite à criança um conheciment o mais
concreto das coisas , e como tal, uma adaptação mais
equi l ibrada ao meio . O apareciment o da puberdade v a i romper
este equilíbrio de forma mais ou menos súbita e violenta.

-
Esta crise é comparada por Wallon (1956) à crise dos três
a nos no sentido em que as exigências da p ersonalidade passam
de novo para primeiro plano (orientaç ã o centrípta) . Segundo
Wallon (1941) estas duas crises são mais simétricas que
semelhantes, visto que, a p esar d e ambas começarem por uma
oposição, os aI vos dessa oposição e as f ormas de resolução
do conflito são diferenciados. Assim, enquanto a criança
vi"s a as pessoas, o adol escente visa essencialmente os
hábitos de vida do adulto e aquilo que eles represent am. Por
outro lado, enquanto a c r iança converge finalmente para a
imi tação do adulto , o jovem parece desejar distinguir-se
dele a todo o custo ,. Trata-se da clássica " crise da
originalidade" que é fruto de grande necessidade de reforma
e de transformação, que por sua v ez resulta de um sentimento
de descontentamento.
A crise que marca o início da adolescência,
começa por um sentimento de transformação - o adol escente
sente que algo se modificou tanto a nível físico como a
nível psicológico. A nível do seu próprio cor po , as
transformações advindas da puberdade (essencialmente os
caracteres sexuais secundários) p r ovocam uma necessidade de
reajustamento do esquema corporal . Nesta altura o adoles-
cente dispende uma quantidade razoavel de temp " em f r ente ao
espelho, examinando as mudanças operadas no s eu rosto e no

IV - 124
Construçã-Ç> de Identidade

seu corpo. Ao mesmo tempo que percepciona estas modificações


morfológicas, produzem-se as alterações a nível psicológico.
O adolescente sente-se desorientado não só em relação a si
próprio mas também em relação àque l es que o rodeiam. Surge
então uma necessidade absoluta de procurar e encontrar a sua
própria identidade; o ado l escente já não se identifica com a
.criança que era e ainda não se identifica com o adulto que
-
será. A nível relacional , esta crise de identidade v ai-se
t raduzir por um afastamento , um distanciamento e uma opo-
sição face às pessoas que o rodeiam (Wallon, 1979).
Esta viragem sobre si próprio como pessoa vai
provocar obviamente um inscremento na actividade de refle-
xão. É muito comum encontrarmos adolescentes cheios de
problemas àcerca da razão de existir das pessoas e das coi-
sas. Nesta altura o mundo exterior já não serve apenas par~
ser explorado. mas também para ser posto em questão. Qual é
a sua origem? Qual o seu destino? Porque é que as coisas
funcionam desta maneira e não doutra? O adolescente con-
fronta-se com os valores sociais e morais da sociedade e
auto-avalia-se em relação a eles . E esta auto-avaliação
inclui também uma interrogacão àcerca do seu próprio des-
!ino, do seu futuro, da s u a razão de ser e não-ser, de qual
o seu papel no mundo que o rodeia . É nessa altura que o
adolescente em geral tende a tomar decisões tão importantes
como a escolha da sua profissão. É todo u m processo de
identificação temporal (perspectivação do seu próprio Eu
numa perspectiva temporal) que o adolescente tem de sofrer e
ultrapassar (Tran-Thong,1967/1981) .

D - A perspectiva de Arnold Gesell e o 7~ estádio

Neste estádio (Tran-Thong, 1967/1981) aparecem


integrados seis níveis de idade (onze-dezasseis anos) cuj~
unidade advém da problemática relativa à p uberda-de e ado-
lescência e sua resolução. Em cada nível etário poderemos
porém encontrar segundo Gesell (1956/1978) características
especifícas das quais faremos de seguida um breve apanhado.

IV - 125
Construção de Ident idade

Os onze anas constituem um nível etário compa- ii 4tl'147 .


rável aos dois anos e meio e aos seis anos em termos de
tensão, crise e conflito . O pré-adolescente começa a sofrer
transformacões consideráveis tanto a nível fisiológico (por
exemplo, um crescimento abrupto a nível morfológico) como a
nível gsicológico (a grande preocupação em se auto-afirmar
reflecte-se nas atitudes n egativas, de oposição face ao
relacionamento com as outras pessoas). A nível intelectual,
o seu pensamento permanece ainda muito ligado ao concreto e
ao particular.
Aos <&ze anos pode-se já notar uma atitude mais /i?~.
positiva no seu relaçionamento jnterp eêsoa1, em parte devido
a uma maior consciência de si e dos outros. A nível inte-
lectual o incremento da capacidade de abstracão vai-lhe
permi tir um começo de compreensão de valores morais como
justiça, lealdade, liberdade, etc.
Os treze anos constituem uma fase de interiori- ~ ~ .
zação, de meditação, de amadurecimento de ideias. O adoles-
cente atravessa agora uma fase de timidez, de fragilidade. É
mais susceptível às críticas, começa a sentir atraccÕes
sexuais e a preocupar-se com a s u a imagem corporal, com a
mímica e com a sua própria aparência . A tomada de consciên-
cia de si é cada vez mais nítida e é acompanhada por uma
maior percepção dos estádios emocionais dos outros.
Os quatorze anos, pelo contrário, constituem uma ~~~.
fase de exteriorização, de maior a ctividade e sociabilidade,
de maior interesse pelas pessoas, p elas suas características
pessoais. A nível intelectual nota-se um certo ~osto pelo
exercício do raciocínio e pelo despique de ideias, possível
graças ao alto nível linguístico já atingido.
Aos 9uinze anos inicia-se um período de maior /5 ~~
tranguilidade, maior estabilidade e menor excitabilidade e
menor excitabilidade. Há uma maior adaptação à família e à
{ escola e maior autonomia nas relaçÕes inter-pessoais. .
- Aos de~asseis anos é atingido um equilíbrio estável~p;~ .
e generalizado que caracteriza a maturidade. O adolescente

lJ será o "protótipo do adulto", enquanto que a maturidade


a?ulta só será atingida por volta dos vinte e cinco anos.

IV - 126
~ SEPARAÇÃO ADOLESCENTE-PROGENITORES (*) .

Manuela FI,.EJ[(E (**)

"Se o herói adolescente recusa a família quando


adquire consciência da sua individualidade face
a ela, o seu comportamento perant.e os seus é
ambíguo porque sempre os reconhece. embora
mui tas vezes de forma dramática, como matriz
indelével e centrípeta, como lugar fundamental
da evidência manifesta do seu ser."

Maria Alzira Seixo, Colóquio Letras, 72, 1983

Introdução ~ Perspectivas de Iftvestigação

Núcleo básico de qualquer organização social, a


família conheceu diversas configurações e regras de
parentesco, que a cultura modelou consoante objectivos de
troca, aliança e herança entre famílias . Conheceu ainda
normas implícitas e explícitas que regulam o relacionamento
dos membros da família, nomeaãamente entre pais e filhos,
doseadoras do afecto e do conflito.
A família vai tendo difer entes conf·igurações e
ela própria se transforma, evolui em períodos de expansão e
compressão consoante o próprio devir: nascer, crescer,
partir, morrer, dos seus membros.

(*) - Trabalho subsidiado pelo P. LD.A . C. (C.S .M. Ocidental


do Porto)

(**) - Psicóloga no Departamento de Psicologia .e Saúde


Mental (Prof. Dr. Eurico Figueiredo) do Instituto de
Ciências Biomédicas "Abel Salazar" - Universidade do
Porto

IV - 127
Construção de Identidade

o nascimento. o acasalamento e a morte são


acont ecimentos que, impondo ligações e separações afectivas
~ ntensas. marcam etapas significativas n o ciclo vital
I
humano, ritualizados em cerimónias de f es ta e luto.
Com a atribuição ao Estado e a outras
inst i tuições sociais de uma c ada vez mai or número de
funções, de sociali zação e transmi ssão da herança cultural,
que antes eram da responsabilidade da família, esta é hoje
fundamentalmen te um lugar privilegiado da afectividade. liA
parti r do Séc. XVIII, diz Philippe Aries (1980), a
afectividade retirou-s e das prai as em que vagabundeava,
acumu lou-se na lagoa familiar, criando assim um meio
fechado, de alta densidade s entimental" (p. 226). Seguindo
ainda o pensamento desse historiador, o espaço público,
antes fortemente investido enquanto local de convívi o e de
troc a s afectivas , foi, no decorrer do séc . XX, progressi-
vamente recalcado, quase desapareceu, o espaço privado
invadiu a soci~dade como um cancro. Espera-se da fam í lia que
ela satisfaça, ou compense, os desejos, as necessidades a
qua a vida social não dá re sposta . As crianças tornaram-se,
no decorrer dos séc. XIX e XX, objecto de uma solicitude e
de u ma atençao apaixonada: amadas, mal amadas, . por vezes
odiadas, mas nunca ignoradas.
A adolesc ência, antes etapa transitória e palco
de rituais iniciáticos facilitado r es da passagem à vida
adul ta transformou-se progressi vame nte. nas sociedades
industrializadas do Ocidente, numa fase longa do ciclo de
~, de contornos indefinidos, palco de uma separação
penosa e sempre adiada, onde gerações envolvidas se disputam
no afecto e na herança.
Após um longo período de imaturidade,
depen dência e necessidade de protecção dos adultos, o filho
do Homem , conhece . contrariamente ao que acontece noutras
espéci es que se tornam independentes rapidamente, um surto
rápido de crescimento - a puberdade - que, pelas mudanças
biológicas e maturação sexual e cognitiva que acarreta , o
prepara finalmente para a auto-suficiência.

IV - 128
Construção de Identidade

o desejo de sair, peripubertário, antecede a


capacidade de desobedecer e de desidealizar . as figuras
parentai~ (Eurico Figueiredo e coI., 1981). A capacidade de
sair bem dependerá, do ponto de vista psíquico, da qualidade
das relações anteriores: ter "introjectado um bom objecto"
(Klein, 1948), duma "dependência madura" (Fairbairn, 1952),
ter uma "confiança básica" (Eri kson, 1959), "vínculos
seguros" aos pais (Szurek, 1971), entre outros factores.
Esta transição de um estado de dependência e
vulnerabilidade para um outro de autogoverno, é um padrão em
todas as culturas e, consoante as práticas educativas usadas
para preparar o estado adulto forem mais ou menos
contínuas, assim a transição será mais ou menos tumu1 tuosa
(R. Benedict, 1938). O jogo irresponsável da criança e o
trabalho responsável do adulto , enquanto acti vidades
separadas, são, na opinião de R. Benedict, um e'x empl0 da
descontinuidade das práticas educati vas ocidentais, e origem
do stress conhecido , nessas sociedades, durante o período da
adolescência.
Nas civilizações ocidentais contemporâneas, que
elegeram como um valor essencial a independência do
indivíduo, o seu direito a uma identidade pessoal, l i vre e
autónoma, a separação dos jovens das suas famílias de origem
é culturalmente encorajada . Porém, e contraditoriamente, se
a separação :é encorajada, a disjunção entre a capacidade
procriativa e a capacidade socioeconómica tem-se acentuado;
por outro lado, espera-se, também , que permanecam fortes
laços familiares e obrigações mútuas entre pais e filhos ao
longo de toda a vida ...
Estes e outros factores, já suficientemente
tratados por outros autores, estão provavelmente na origem
duma separação adolescente contemporânea, atravess.ada por
tensões intrapsíquicas, intrafamiliarese intergeracionais.
Tradicionalmente conhecida pelo conceito de "conflito de
gerações", a separação tem conhecido formas de exteriori-
zação diferentes consoante as condicões históricas em que
ocorre, temática que não cabe aprofundar aqui. Diríamos
apenas que, na nossa opinião, no contexto histórico dos anos

IV - 129
Construção de Iden tidade

70 e 80, o conflito se está jogando cada vez menos na forma


dum confronto social aberto entre jovens e adultos, e cada
vez mais' no cenário fami li ar , em f ormas mais insidiosas de
contestação, dando ao conflito o cariz duma separação
dramática, carregada duma afectividade pesada em crenças e
mitos de lealdade, engendrando culpa, ansiedade e lou
ressentimentos mútuos.
O fenómeno recente da toxicodependência juvenil
é, no nosso entender, tal como já foi referido por Amaral
Dias (1 980), '0 paradigma duma separação desejada e simul ta-
neamente rejeitada, quer pelos país, quer pelo jovem , onde
este se dá a ilusão de autonomia criando, ao mesmo tempo,
laços familiares de grande dependência.
~e o jovem quer aceder ao poder e ao amor, e
separar-s.e da autoridade e controlo dos pais! essa força é
contrariada pela força dos laços afectivos que o prendem à
!amíl~a, laços que a recente investi gação sobre os vínculos
familiares adultos tem demonstrado serem intensos e
duradouros.
A ideia comummen te aceite da família nuclear
isolada, pressupondo a ruptura ou a t enuação dos laços afec-
tivos aos progenitores, é questionada. Num artigo recen-
temente publicado por Troll e Smi th (1976) , baseado numa
investigação começada nos anos 60 sobre o suposto isolamento
dos idosos e nos resultados de pesquisas gerontológicas e
familiares, os autores afirmam que a morte da família
alargada é mais mítica do que real, e que os vínculos
iniciais podem persistir ao longo da vida, e mesmo para lá
da morte, contrariando a orientação de grande parte da
li teratura sobre a vinculação, que afirma que os vínculos
primitivos terminam ou se transformam em alguns anos.
Segundo Bowlby (1958) , o vínculo inicial,
primeiramente dirigido para a Mãe (1 ) vai progressivamente
alargar-se a outras figuras signi f icativas, e este é um
campo já largamente estudado . Mas a evolução do vínculo, as
relações entre vínculo, afecto e socialização, as diferenças
nos vínculos femininos e masculinos , bem como os correspon-
dentes processos de separação, estão ainda por esc l arecer.

IV - 130
Construção de Identidade

Como poderemos explicar a persistência da


relação filial ao longo da vida? Troll e Smith respondem a
esta questão levantando outras questões: "é porque tais
laços são arcaicos e pré-cognitivos na estrutura, como
Mussen et alo (1974) sugere, e diferentes em espécie das
relações de amor cogni ti vamente determinadas que se
desenvolvem mais tarde?" (p. 158).
Qual a função das mudanças pubertárias, geneti-
camente determinadas, nos processos de vinculação e sepa-
ração, perguntamos nós?
As recentes investigações sobre a adolescência,
=_=diiieíoivíoieioliio__m;,;eiinir:t===::;:;~~== II ,
no âmbito da chamada " .l ..iiiiif=e=-=s= an
conceptualizando-a e integrando-a no fluxo contínuo do
desenvolvimento humano e não tanto, como na visão tradi-
cional, enquanto segmento relativamente distinto e isolado,
parece-nos mui to promissora para elucidação desses proces-
sos. Enquadram-se nesta perspectiva os trabalhos recente-
mente publicados sobre as consequências desenvolvimentais
das amizades adolescentes ~rndt:l I982), o impacto a longo
prazo das evolu ões das crises descritas por<:g ricks~
@ eacha,;) e Santilli 1982) o impacto de longo .alcance da
menarca Grief e ~ 1982). A investigação nesta
perspectiva, centrada nos derivativos adultos e/ou
precursores infantis dos processos adolescentes, pode trazer
e tem trazido ~íi[;) 1973) uma compreensão nova e
diferente para determinados factores observados na
adolescência, pois permite verificar não só o impacto
contemporâneo mas também futuro de acontecimentos e/ou
desenvolvimentos particulares.
O conceito de "",liiiiiifi.leii;-~s~
lli~an
~;;!i!::!:::!::2:l:~n~m
!!:e
=n.t
~ " tem, nesta
perspectiva, merecido ultimamente um interesse, quer porque
o resultado das investigações tem permitido ver "velhos"
problemas à luz de novas perspectivas (Gewirtz, 1972-1976;
Troll, 1972-1976; Smith, 1972-76; Kalish e knudtzon, 1976,
Antonucci, 1976, etc .), quer porque nos parecem abrir pistas
de investigação sobre a adolescência . Destaco . o trabalho de
Troll e Smith (1976) que, explorando os vínculos pais-filho
através de um estudo das ligações de parentesco entre adul-

IV - 131
Construção de Identidade

tos, delineiam as mudanças de senvolvimentais nas ligações,


bem como as variações no efeito e força do vínculo e esta-
belecem medidas , no adu lto , dos vínculos , permitindo a
transição dos vínculos infanti s paras os adultos . Na opinião
de Troll (1972), o conflito entre os jovens e seus pais pode
centrar-se em matérias superficiais ou relativamente trivi-
ais, de modo a preservar os alços familiares, vendo na raiva
uma concomitante inevitável da estreiteza desses laços.

A separação adolescente-progenitores

A investigação desenvolvi mental tem dedicado


grande atenção ao estudo dos processos de vínculação e
separação-individuação durante os pr imeiros anos de vida, e
existe já sobre a matéria um campo vasto de conhecimen tos
(vejam-se, por exemplo , Ainsworth e Wittig, 1969; Bell ,
1970; Bowlby, 1979; Mahler, 1963 , 1975).
Constatamos que igual importância não tem sido
dada ao estudo desses mesmos processos (que, naturalmente,
não se terminam na infância ) no perí odo adolescente, apesar
de P. BIos (1967) a ter conceptualizado como segundo
processo de individuação .
A presente contribuição, que n ão pretende ser
exausti va, insere-se nessa preocupação, e o concei't o de se-
paração é entendido por nós enquanto fenómeno intr apsíquico JII.P~~q~
de separação de objectos internalizados conduzindo à pro-
gressiv a separação física dos pais e conqui s t a de autonomi a
face à família.
Não se consideram os problemas da separação
postos por morte, abandono ou privação de familiares, temá-
tica já bastante tratada noutras revisões.
Também não se tratará, aqui, da função dos pares
de idade(grupos juvenis e temáticas afins) n o processo de
separação, que reputamos de grande importância.
Genericamente, os conflitos, quer intrapsíqui-
cos, quer interpessoai s , sobre a separação, têm sido tradi-
cionalmente conceptual izados a partir do adolescente,

IV - 132
Construção de Iden tidade

enquanto iniciador e agente activo da separação dos pais. As


contribuições teóricas, de inspiração fundamentalmente ps;
canalítica, têm descrito o processo enquanto luta pela au-
tonomia e identidade, privilegiando a dimensão intrapsíguica
de desinvestimento dos introjectos parentais e procu ~ a ac-
ti va de parceiros, valores e ob i ecti yos fora das suas famí-
lias.Mais recentemente, a separação tem sido objecto de es-
tudos interaccionais englobando a relação pais-filhos. Esta
~ltima focagem tem, quanto a nós, a l argado a compreensão . da
~nâmica do processo e permi tindo uma concept aalizaç ão da
seRaração enquanto processo transaccional, envolvendo pais e
filhos numa teia complexa onde os conflitos de ambas as
partes , porque ambas se separam, se sobrepõem e emaranham.

~ ~'lcribA 1. Foi, quanto a nós, Freud (1909, 1933) quem


primeiro equacionou os fundamentos básicos do processo de
~~AliíicA desenvolvimento adolescente , vendo na separação adolescen-
te-progenitores uma tarefa dolorosa mas essencial ao desen-

~
volvimento do Homem e da Soc i edade: "o desligar do indivíduo
da autoridade dos país é uma das mais necessárias mas também
uma das mais penosas realizações do desenvolv i mento , É
inteiramente necessário que se realize e devemos supor que
todo o ser humano normal consegue, em certa medida , consumar
essa separação. Com efeito , o processo da sociedade dep~nde,
em geral, da oposição das duas gerações" (2). Freud (1917)
subordi na, mais tarde,a aquisição do estatuto de adulto, em
termos maturacionais, à realização da tarefa da separação
interna dos ob,j ectos primi ti vos, acentuando os aspectos
pulsionais e mudanças envolvidas pe l a ocorrência da puber-
~ " ... na puberdade, quando o instinto sexual faz as suas

primeiras exigências, o antigo objecto familiar incestuoso é


retomado de novo e carregado de líbido( , .. ) A partir daí , o
indi víduo humano tem que dedicar-se à grande tarefa de se
separar dos seus pais e, até que esta tarefa não esteja
cumprida, ele não deixa de ser criança e não pode tornar-se
membro da comunidade social. Para o r apaz, a tarefa Consiste
em separar os seus desejos l i bidinais da mãe, empregando-os
na escolha de um ob i ecto de amor exterior" (3) .

IV - 133
Construção de Identidade

o processo adolescente é, desde logo, definido,


por Freud, no duplo registo, um reflectindo o outro, em que
ocorre: no registo da realidade externa, contemporâneo e
contextuaI, expresso na forma dum conflito de gerações e no
registo da realidade interna, no abandono das ligações aos'
primeiros objectos de amor e investimento em novos objectos
heterossexuais e extrafamiliares .
Um motivo poderoso para o adolescente se separar
dos pais seria, pois , na perspectiva freudiana, a ressur-
gência da problemática edipiana. Defender-se da ligação
edip iana implica o repúdio inconsciente dos pais e, por essa
via, dos outros adultos apanhados no papel de pais
subs ti tutos . O exercício da a u toridade adulta encontra
inevitavelmente aí uma área de conflitualidade a que o
adolescente responde idiossincraticamente.
O registo externo, modelado pelas circunstâncias
históricas, cruza-se com o registo interno dum passado e
presente internalizado, ou seja, representado e interpretado
pelo próprio indivíduo. É esta realidade interna que vai
cons titu ir-se em objecto de estudo da psicanálise.
Anna Freud (1946) enfatiza as mudanças das pul-
sões inst'intivas e as defesas do ego enquanto determinantes
da separação, e o processo de separação interna da libido
dos primeiros obj ectos de amor é retomado pelos autores de
orientação analítica em termos de perda de objecto e pro-
cesso de luto, permitindo este novas identificações e novos
investimentos em objectos exteri ores à família. Loewald
(1962) fala de trabalho de luto enquanto processo de aban-
dono gradual do objecto perdido, mas envolvendo também pro-
cessos de internalização de elementos da relação com o
objecto a ser abandonado e adquirindo daí o significado de
emancipação, e ~ _~ (1968) de~creve o "luto ~ormal
adolescente" em tres fases : separação - protesto na adoles-
cência inicial, desorganizacão, caracterizada de tumulto,
rebelião, vazio e depressão, na adolescência média e a fase
de reorganizacão caracterizada por uma acalmia, na adoles-
cênci a tardia.

IV - 134
Construção de Identidade

A importância do luto dos imagos parentais e a


escolha do objecto heterossexual é reforçada por Dias
Cordeiro (1979), que vê nessas tarefas dois organizadores do
psiquismo adolescente, não podendo o segundo ocorrer
satisfatoriamente sem a realização do primeirod

Peter B10s (1967), retomando a formulação de


Mahler - que descreve o processo de separação-individuação
no período dos 4 aos 36 meses de idade, terminando-se com a
aquisição da permanência do objecto- considera a
adolescência, globalmente , como um segundo processo de
individualização levando à aquisição dum sentimento de self
autónomo e com limites bem determinados.
BIos (1962), que inicialmente tinha descrito as
fases da adolescência, enfatizando a sua heterogeneidade em
termos de posições e movimentos das pulsões e dQ ego,
confere, mais tarde, ao segundo processo de individuação o
estatuto particular de motor ou estruturador de todo o
processo adolescente: "Para lá destes aspectos típicos das
fases adolescentes, reconhecemos um componente na restrli-
turação psíquica que puxa como um f i o condutor, através de
todo o trabalho da adolescência. Este inexorável componente
manifesta-se com igual pertinácia tanto na pré-adolescência
como na adolescência tardia . É conceptualizado aqui enquanto
segundo processo de individuação da adolescência" (BIos,
1967, p . 162).
BIos (1967) acentua a perda das dependên cias
familiares, de natureza emoc ional a afectiva, e sublinha a
importância da realidade externa, nomeadamente a ' familiar,
ao afirmar a implicação das representações dos objectos
parentais infantis e contemporâneos no processo: "o afecto
acompanhando a perda de objecto tem sido ligado ao estado de
luto e de trabalho de luto. Permanece normalmente uma
continuidade na relação com o pai actual depois do abandono
do carácter infantil da relação. O trabalho da individuação
adolescente está relacionado com ambos estes aspectos
infantis e contemporâneos " (p.182) , e, a propósito da
possível confusão entre as representações dos objectos
parentais, afirma: "esta confusão é agravada quando os p ais

IV - 135
Construção de Identidade

participam nas oposições mutativas do adolescente e se


revelam incapaze.s de manterem o s e u lugar de adulto fixo
perante uma criança em maturação" ( p . 182) .
Referindo-se ainda ao esforço que o adolescente
faz para se separar das dependênc i as infantis, identifica
modalidades de separação que podem inviabilizar a separação
interna, referindo, como i l ustração disso , os adolescentes
que, ao forçarem uma distância fís i ca, geográfica, moral e
ideativa da família ou do local da sua infância , tentam
evitar uma separação interna. A este propósito, ~ tem~
(1978) sublinha a necessidade duma avaliação em termos de
ligação diádica pondo a questão "Quem está com dificuldades
de se separar de quem?" , vendo ainda no comportamento de
fuga uma incapacidade de separação com sucesso; E sels§:>
(1980) refere que a separação física emocional dos pai s não
traduz necessariamente a separação i ntrapsíquica.
No que diz respeito às mudanças estruturais que
permi tem o desaloj ar dos obj ectos infantis internos, BIos
introduz o conceito de perda do Eu parental, a qual funcio-
naria, até à adolescência, como auxiliar do Eu infantil.Esta
perda implicaria o pôr a descobert o duma estrutura egóica
mais ou menos intacta ou defeituosa, consoante as condições
em que ocorreu o primeiro processo de separação-individua-
ção. O fracasso do processo de ind i viduação na adolescência
deveria ser, portanto, atribuído, pelo menos en parte, a uma
organização defeituosa do Eu, precocemente ali~erçada.
Esta perspectiva tem sido apoiada por numerosos
autores que, numa linha de investigação psic.opatológica e
desenvolvimental, têm compreendido os quadros clínicos ado-
lescentes à luz das vicissitudes da separação infantil.
~ (1965) explica a ansiedade de separação
em jovens eSqUiZOfrénico~~alha ocorrida na aquisição da
permanência do objecto; urman (1973) ilustra clinicamente ,
em adolescentes de 12 anos , perturbações na relação com a
mãe e irmãos mais novos, que seriam manifestações do fenó-
meno de separação-individuação i n fantil; ([kste~ (1973)
ilustra clinicamente, em adolescen t es psicóticos, o dilema
entre individuação e fusão , propondo técnicas terapêuticas

IV - 136
---~

Construção de Identidade

que visem criar a distância óptima entre o self e o objecto;


cKêstembau~1978) analisa 5 casos de raparigas adolescentes
com sérias dificuldades em deixar o lar, descreve os aspe-
ctos psicodinâmicos comuns - conflitos pré-edipianos na fase
de separação-individuação - e delineia os factores que devem
ser considerados no estabelecimento do diagnóstico inicial,
discute várias modalidades de tratamento, entre as quais a
terapia familiar; ~ (1980) analisa as implicações do
concei to da fase de "rapprochement" do processo de separa-
ção-individuação, no tratamento de adolescentes perturbados;
~udtz~(1981) aconselha o uso terapêutico da relação sim-
biótica mãe-filho, que estaria, segundo ele, na origem das
psicoses em jovens do sexo masculino, para obter a mútua
separação-individualização;([e~~(1981) examina as condi-
ções que criaram simbioses parasitas dos dois lados do
sistema diádico mãe-filho, em seis casos de ovens adultos
esquizofrénicos, em transacção simbiótica; Werdin e (1981)
usa terapeuticamente as funções de "fathering" num grupo
simulado de "pais-filhos", em jovens vietnamitas, apresen-
tando psicopatologia indicativa de perturbações durante a
fase pré-edipiana, para facilitar separação-individuação não
completada;~gar~ (1981) vê na depressão anaclítica sub-
jacente à anorexia nervosa duma adolescente, com "mothering"
defei tuosa, durante a sub-fase do "practicing" e na sinto-
matologia anoréxica, uma defesa contra experiências de
separação e contra a potencial perda de limites self-objecto
que as acompanham; ~r~ (1981) propõe uma técnica psico-
terapêutica no tratamento de adolescentes bordeline do sexo
feminino, em que o terapeuta se torna gradualmente o ego
ideal e, mais tarde, o ego auxiliar até que a separação-
-individuação seja conseguida; S (1982) descreve uma
terapia de grupo, baseada no conceito de adolescência como
ê,.egundo processo de individuação, em adolescentes do sexo
masculino, bordeline e com desordens do carácter, todos eles
apresentando, no passado, lima "mg,jjhering" defeituosa.
. ---
A visão do processo adolescente à luz dos
processos infantis tem sido largamente defendida por autores
de orientação psicodinâmica.

IV - 137
Construção de Identidade

~(1970) vê na alienação, rebelião e dissi-


dência adolescente, deficiências na relação precoce com a
mãe, mais concretamente na fase de individuação, não permi-
tindo o controlo adequado dos afectos depressivos inerentes
ao processo de separação;~illi~~( 1970) explica o fenómeno
por falta de encorajamento de relações empáticas com out~
crianças na fase de individuação; Feinstein S. C. ~on _~
(1973) descrevem as etapas do desenvo'lvimento adolesêé tê ao
nível das relações com o objecto heterossexual.enquanto re-
capi tulação, num nível elevado de f uncionamento, das fases
de separação-individuacão, distinguindo: I estádio do
despertar sexual (13-15 anos); II - estádio do "practicing"
(14-17 anos); III - estádio de aceitacão (16-19 anos); IV -
estádio da escolha de objecto permanent~ (18-25 anos);
<êiand~(1977) compara as etapas adolescentes descritas por

-
Erikson com as fases infantis desc r itas por Mahler : na 1a.~-~
fase, a necessidade da criança em reconhecer a sua separação
da mãe é posta em analogia com a necessidade do adolescente
em livrar-se da dependência familiar; na '2a. fase, o exer- to"
cício físico da autonomia é comparado à moratória psicosso-
cial; a ~. fase de aproximação é comparada à crise de ~.'f.
identidade e, na~. fase, a aquisição dum sentimento pri- ~.~
mi tivo do self 6posta em analogia com a aquisição dum
sentimento de identidade.
Esta visão do p rocesso adolescente como recap ~
tulação do processo infantil, retirando-lhe oro a e e
inovação enquan o processo de desenvolvimento com objectivos
e funções evolutivas próprias, não merece a nossa total
adesão (Figueiredo, Fleming, Paúl, 1 984). Pensamos que, se o
processo adolescente se enraíza em processos infantis e é
influenciado pelas suas vicissitudes, ele tem a sua dinâmica
própria, na medida em que ocorrem fenómenos novos, não
conhecidos na infância.
A problemática da separação adolescente, que. na
nossa perspectiva. se alicerça no desenvolvimento da iden-
tidade adolescente, encontra na obra de Erik Erikson (1959,
1968) uma contribuição teórica notáv el.

IV - 138
Construção de Identi dade

A teoria do desenvolvi mento psicossocia1 de


Erikson descreve o desenvolviment o egóico através da
sequência epigenética de crises psi cossociais, e identifica
~omo crise piyot na adolescên cia a aquisicão de identidaqe
versus difusão de identidade , no contexto do que ele define
gomo uma moratória psicossocial, reforçando a ideia duma
interpretação da realidade psíquica e socia l. A I
Atingir um sentimento de identidade pessoal~, íI /1~.lL
sem dúvida, o pré-requis ito necessário à aquisicão da auto- t 'q,~ ~ ~
.
noml.a e t f . d· ,
are a l.n l.spensave I ' - d I t
a separaçao a o escen e-pr 0- ~la e4-IP
,
genitores. A possibilidade de tomar decisões responsáveis e
relativamente independen te s , numa sociedade em rápida
mutação, requer a aquisição de uma identidade própria nem
sempre conseguida. Alguns não se libertam dos planos e
expectativas familiares , outros_ vivenciam um período de
moratória , numa busca de si próprios! experimentando- se e
experimentando os outros, num j ogo de perder-s e e
encontrar-se noutra pessoa , onde os pares de idade
desempenham um papel importante. Por essa via se busca
resposta à grande interrogação adolescente "Quem sou -eu e o
que vou fazer da minha vida?" ou, por outras palavras, "S ei
que vou partir, mas com que bagagem e para que viagem?"
Pensamos que as formul aç ões sobre o processo de
desenvolvimento egóico são pertinentes para o estudo da
separação, na medida em que ati tudes e c omportamentos
relacionados com a saída de casa podem ser vistos como uma
área de crise envolvida n o desenvolvimento da identidade
adul ta. Neste sentido, têm importância os resultados de
Marcia (1966, 1 980) qu e operacionalizou uma entrevis ta
permitindo estabelecer as quatro pOSl.çoes possíveis do
continuum identidade-difusão de identidade, e de Waterman
(1971) sobre as mudanças no estatuto de identidade do ego,
durante o primeiro ano na universidadê.
!7 Di~41\11(
2. Mais recentemente , no âmbito duma psicologia que

t'
. ,a ío#4
fl/1lft1 poderiamos chamar interacional, o processo de separação tem
. L sido objecto, como atrás referimos, de conceptualização
.:>/<> -g: ('1/ teórica e investigação por parte de autores que se reclamam

IV - 139
Construção de Identidade

dos novos modelos teóricos (Sistémicos, Transaccionais ... )


sobre a família e a psico atolog~a.
Em 1965, Boszormeny-Nagy e ~a~ tentando
construir uma ponte entre o ln rapsíquico e os conceitos
sistémicos, publicam uma obra pioneira: Intensive Family
Therapy, onde afirmam que "a separação dos filhos da famílía
nuclear é um dos objectivos mais importantes a atingir no
que se refere à sua saúde" (p. 105) (4) e a "expressão duma
fase crucial do desenvolvimento da família" (p. 105) . .....Q.ê.
autores expõem, nessa obra, uma teoria das relações que não
pretende dispensar as teorias freudianas, mas alargar o
campo de abordagem dos fenómenos supra-individuais, tran-
saccionais. Descrevem o proç esso relaciona} através duma
sucessão de cinco fases, às qUais corresponderiam experiên-
cias intrapsíquicas específicas, ao longo das quais a inte-
gração das percepções . e das atitudes relacionais internas e
externas aumenta : a fase embrionária, ' a fase de afiliacãQ ou
simbiótica, a fase de individuacão, a fase de separação e a
fase de reinvestimento. A fase de separação é, seguindo
sempre os autores , um processo ex tremamente complexo, e a
sua realização ,requer que os objectivos das fases anteriores
tenham sido atingidos : é só após o estabelecimento e a
interiorização de relações íntimas, confiantes e recíprocas
com os membros da família que os adolescentes poderão
separar-se dos laços familiares e substituí-los por ligações
extrafamiliares. "Forças familiares variadas e complexas
podem obstaculizar a separação dum membro, mesmo numa
família "normal" afirmam Nagy e Framo (p. 106), e é o estudo
dessas forças familiares que vai estar no centro das
atenções de alguns investigadores.
Desses trabalhos, merece-nos particular destaque
a obra de Helm Stierlin e colaboradores, que trouxeram para
a problemática dos processos de indi viduação na família, e
mais especificamente para o processo de separação adoles-
cente-progenitores , contributos teóricos e clínicos impor-
tantes.
Adoptando um quadro de referência sistémico,
mudam o foco de observação do adolescente para a interacção

IV - 140
;,

Construção de Identidade

adolescente progenj tores e, na base do material de .e studo


fornecido pelas terapias familiares a . adolescentes pertui:'-
bados, investigam a dimensão interpessoal da separação.
A separação é entendida, na perspecti va inter-
geracional, enquanto movimento em direcç ão a uma indivi-
duação mútua relativa e exigindo uma abordagem dialéctica,
que permita pôr a descoberto as forças e padrões (proprie-
dades sistémicas) da relação, que moldam o seu curso e,
reciprocamente, afectam a contribuição das partes.
A contribuição activa dos pais para o processo
vai ser evidenciada dum trabalho publ icado em 1971, onde se
sublinha a importância das percepções parentais sobre a
separação, as quais seriam determinantes sobre todas ~
~ a~ As percepções e expectativas sobre a capacidade de
separação dos filhos são conceptualizadas enquanto factores,
podendo, em determinadas condições induzir a separação: as
percepções de confiança nas capacidades do adolescente
crescer e tornar-se autónomo fomentariam a separação, e a
ausência dessa percepção inibiria a separação; as percepções
parentais teriam tanto menor influência quanto maior o grau
de diferenciação e maturidade do Eu adolescente (Stierlin,
Levi, Savard, 1971). Estas formulações teriam, a liás, já
sido evidenciadas experimentalmente num trabalho a que nos
referiremos adiante (Murphey et aI., 1963).
Sublinha-se ainda, nesse trabalho, a influência
das percepçõesparentais na auto-imagem e funcionamento
interpessoal do adolescente, confirmando as formulações de
outros autores que ~m posto em evidência as influências
p arentais como "forças modeladores" da vida dos filhos.
A influência da crise de integridade dos pais,
tal como foi descrita por Erikson nos problemas de separação
e formação de identidade e m adolescentes do sexo masculino
perturbados, foi também constatada, tendo o sucesso do
tratamento desses adolescentes sido atribuído à capacidade
dos pais, e especialmente do pai, elaborarem a depressão e
crise de integridade (Stierlin, Levi, Savard, 1972).
A contribuição teórica mais vasta deve-se à
construção de um modelo conceptual sobre a separação

IV - 141
Construção de Identidade

adolescente-progeni tor, que sintetiza as sequências tran-


saccionais do processo, bem como os seus padrões de inte-
racção recíproca. Este modelo ter ia sido sugerido, por
Hegel, nos seus escritos sobre O senhor e o ~avo (1806),
onde se descreve o paradigma duma relação diádica entre
seres desiguais, e em que podem ocorrer mudanças de posição
como resultado da mudança súbita e dramática da composição
psicológica da relação.
Para Stierlin, tal c onceito dialético das
transações humanas introduz uma perspectiva que alarga a
visão psicanalítica tradicional das relações de objecto.
Stierlin (1974) define a separação como "uma espiral em
expansão gradual de mútua diferenciação e individuação
ocorrendo em níveis emocionais, cognitivos e morais" (p. 3),
e conduzindo a uma relativa independência para ambas as
partes.
A partir do estudo das forcas que interagem no
seio do sistema familiar, conceptualizam-se dois modelos de
separação: o modelo centrípeto e o modelo centrífugo, que
corresponderiam às vicissitudes extremas do processo. O
modelo centrípeto seria altamente captati vo, gratificante
dos comportamentos regressivos, indi ferenciador e provocando
no adolescente sentimentos de culpa face à separação,
incapacidade e dependência. O modelo centrífugO seria
rejei tante, mistificador da realidade exterior apresentada
como fonte de gratificação e segurança, provocando n~
adolescente a tendência para estabelecer relações precoces
com o exterior. Os dois modelos teóricos descrevem dinâmicas
familiares, que, sem serem necessáriamente patogénicas
(depende da altura em que se manifestam, da forma como se
combinam), podem agir negativamente na recíproca individua-
ção e estar associados a certas formas de patologia,
particularmente a esquizofrenia, no modelo centrípeto, e
certas formas de sociopatia no model o centrífugo.
A estes dois modelos corresponderiam diferentes
conflitos de separacão (Stierlin, Ravenscroft, 1972) ou
modos transaccionais de separação (Stierlin, 1974): o
acorrentamento (binding), em famílias de tipo centrípeto e

IV - 142

.fi1Jfli,fI~ j- C~T~7l745_ \ -AtbR;f~,!",ro


~~C,iéci-<bJltf) L )úf~;fOlo
. ',2. - c-ifJtRAfvUr S / ';-x--Ftt-~
r"X1C/f'çfttlllJ V
C0nstrução de Identidade

que corresponderia a uma forma de encadeamento, entre ado-


lescente e pais , afectivo , cogni ti vo ou moral; a expulsão
(expelling), em famílias de tipo centrífugo! que corres-
ponderia ao abandono e/ou rejelçao contínua do adolescente,
e a delegação (delegating) , em famíl i as · onde agiriam forças
centrífugas e centrípetas, e que corresponderia a delegar no
adolescente missões que serviri am as instâncias psíquicas
conscientes e inconsciente dos pais e, em que a autonomia é
permitida ou encorajada consoante a mi ssão que se espera que
ele realize.
Estes modos transaccionais implicam. portanto.
diferentes potenciais de crescimento. Quando prevalecem os f I
confli tos de acorrentamento. pais e adolescentes não p odem ífy;~1UtIpAl/P.
separar-se adequadamente : o adolescente pode permanecer
ligado, quer por uma excessiva gratificação regressiva, quer
por mistificação , quer ainda por l aç os duma lealdade ar-
caica. Uma das possíveis "soluções do conflito" é a expulsão
dramática, e, quando isto acontece, a dor pode ser grande
mas pressagia um crescimento p osterior. As oportunidades de
crescimento falham se os conlfitos são evitados ou abordados
levando ao retraimento progressivo do adolescente e ao
abandono da sua luta pela a utonomia . Quando prevalecem os
confli tos de delegação, é a capacidade de perceber as mis- J~1't:t(:a~
soes que lhe são incubidas que permi tirá ao adolescente
mudar a balança do poder psicológico e reclamar o seu lugar
no mundo dos pares, mesmo que os pais, explorando a sua
lealdade, usem mais massivamente manobras de acorrentamento ,
intensificando-se a luta, geralmente bem sucedida, pela au-
tonomia. Quando prevalecem os conli tos de expulsão, a faci- f~4t:l;
lidade com que o adolescente p ode contrair relacÕes extra- ./
familiares não pressagia necessariamente uma autonomia con-
seguida, porquanto as experiências de in timidade com os seus
pais falharam e o adolescente revela-se incompetente para
estabelecer relações profundas, estáveis e consistentes.
Stierlin (1974) estuda ainda os comportamentos
de fuga na adolescência enquanto modo de separação
patológica, e correlaciona diferentes tipos de fuga com os
modos transaccionais prevalecentes na família .

IV - 143
Construção de Identidade

Uma outra problemática, essencial à compreensão


do processo, e estudada pelos autores, é a chamada Ffise da
"meia-idade" , altura em que normalmente ocorre a adoles-
cência nos filhos . Stierlin (1974) sistematiza os modos de
resolução dos conflitos entre casais e descreve a tendência
que os pais têm para replicar junto dos seus filhos os modos
como eles próprios se ligaram às suas famílias de origem.
Esta última perspectiva tem interessado particularmente
alguns terapeutas familiares que advogam a abordagem multi-
geracional como forma de trabalhar os conflitos de separação
dos esposos, na sua adolescência , e que se reflectem em
conflitos na relação do casal com os filhos (Leader, 1978;
Toews, 1980; Neraal, 1980; Katz, 1981).
A importância dos conflitos não resolvidos,
relacionados com a autonomia e dependência dos pais fac e às
suas famílias de origem, tem sido sublinhada por vários au-
tores! enquanto façtor deçj siyo nas pertllrhacÕes horderline
e narcísicas, em adolescentes. Os conflitos relacionados com
a separação evocam nos pais uma regressão reactivadora dos
seus próprios conflitos de separação. Sugere-se que os pais
dos adolescentes borderline, falham no providenciar do meio
ambiente necessário à separação e isto devido à existência
de laços residuais . simbióticos às suas famílias de origem
(Shapiro E. R. et aI ., 1975). Preconiza-se a combinação da
psicoterapia analítica com o tratamento analítico e gru-
po-interpretativo da família como meio eficaz de ajuda ao
adolescente com perturbações borderline ou narcisismo pato-
lógico (Shapiro , R. L., 1979). Descreve-se uma vulnera-
bilidade narcísica nos pais de adolescentes borderline, po-
dendo os filhos ter a função básica de manter a auto-estima
parental ao agirem de novo com os pais, relações signi-
ficati vas que afectaram a sua auto-estima (Berg, 1982).
Apresenta-se terapia familiar como processo de tratamento
reflectindo as fases do desenvolvimento (simbi.Qse e subfases
da separação-individuação) e em que o trabalho de fundo é
levar os membros da família à aquisição da permanência do
objecto (Berry e Roath, 1982).

IV - 144
Construção de Identidade

Os fenómenos de re ulação da distância entre os


membros da família ·têm, também, merecido a atenção dos te-
rapeutas familiares . Ajustar a distância psicossocial à me-
dida que as fases de desenvolvimento são negociadas, ou que
a composição do agregado familiar se altera, são tarefas nem
sempre fáceis. Medos simultâneos de separação e intimidade
numa díade podem na perspectiva de Byng-Hall,Campbell (1981)
ser estabilizados por uma terceira pessoa (ou grupo de
pessoas) sintomática , que ag1.ra os seus sintomas ou não
consoante os medos de separação ou de intimidade se mani-
festem.
Genericamente , pensamos exi stir já, nesta área
das teorias sistémicas e terapias familiares, uma vasta gama
de conhecimentos , que, pela sua extensão, não é oportuno
explanar aqui, mas que reputamos de grande interesse trazer
aqui, para a problemática da separação adolescente.
Recolocando as manifestações emocionais num
contexto epistemológico novo, com implicações dinâmicases-
pecíficas, comportamentos que antes se fixavam numa signi-
ficação psicodinâmica individual, ganham novas significações
quando vistos na sua implicação sistémica familiar.
Muito sinteticamente, diríamos que, na pers-
pectiva sistémica , quer a entrada na adolescência, quer a
saída de casa de um dos membros da família, é sempre um
factor de desequilíbrio da homeostase familiar. As funções
homeostáticas e de mudança do sistema familiar são mobi-
lizadas no sentido da procura da manutenção do equilíbrio
anterior, ou procura dum novo equilíbrio à custa de nego-
ciações explícitas e implícitas entre pais e filhos.
O sucesso ou fracasso da saída de casa do
adolescente está inextrincavelmente l igado à reorganização
da família, quer ao nível dos rearranjos hierárquicos, quer
dos novos canais de comunicação.
Se o filho que sai de casa desempenhava uma fun-
ção importante na homeostase famili ar - veículo de comuni-
cação entre os pais filho parentificado função de "pára-ra:i-
os", ... - a família vai ter sérias dificuldades em reorgani-
zar-se Por vezes os pais ameaçam separar-se ou divorciar-se.

IV - 145
~.

Construção de Identidade

Uma das formas de o jovem estabilizar a família


é desenvolver sintomas ou fracassar na autonomização, de
modo a que os pais continuem ou vol tem a ocupar-se dele e a
comunicar entre si. A instalação dum comportamento
sintomático ou desviante no adolescen t e tardio, assume nesta
perspeciva, o significado de uma função necessária à
manutenção da unidade familiar, ou ainda "a função do
fracasso é permitir que os pais continuem a comunicar
através e acerca do jovem , mantendo a mesma organização" (J.
Haley, 1980, p. 31).
Esta uma das significações que podem assumir as
dificuldades de separação e fracas s o na autonomização , e que
vem reforçar, quanto a nós, a importância da realidade
externa na avaliação do problema.

3. Os estudos sobre a separação em adolescentes normais têm


pri vilegiado a dimensão dos efei tos de separação física
aquando da sua saída de casa e i nserem-se numa linha de
investigação, indicada nos anos tr i nta, nos E.U.A., sobre a
problemática da emancipação .
A elaboração teórica, produzida na altura , sobre
a emancipação dos adolescentes, também denominada pelo termo
de "desmame psicológico " (psychological weaning) merece-nos
uma referência, pela actualidade des questões que coloca.
Numa obra publicada em 1928, Hollingworth refere
que o evoluir normal do processo de "desmame psicol ógico"
depende da faculdade dos pais em p erceberem o problema e da
sua capacidade de ajudarem o filho a assentar as fundações
duma adolescência bem sucedi da na i nfância, tratando-o desde
a sua infância como se e le pertencesse a si próprio e à sua
geração, mais do que como se ele f osse sua pertença pessoal .
Como sintomas gerais duma "condicão de não HoW~WORt ~
desmame" (unweaned condition), ~ lingwort:D refere ~ o
pedido duma consideração especial p or parte dos patrõeS7 ~ \
andar ao sabor das circunstâncias, ~ acessos de mau humor, ~
~ esperar que o cônjuge aja como um pai, 5) recusar sair de
==- ~
casa dos pais depois do casamento , 6) escolher uma pessoa
e=:

IV - 146
Construção de Identidade

muito mais velha para companheiro, ~ esperar que pessoas em


posições de autoridade ou intimidade = a jam como pais .
Na mesma linha, ~ (1936) apresenta os
cinco tipos de comportamento que lhe p arecem ~ er indicativos
duma "condição de não desmame" : ~ timidez , ~ falta de
inclinaç ão para estabelecer contactos sociai s, ~ saudades
de casa, ~ conduta rebelde, não cooperadora, nuITlct juventude
que, pelocontrário, é madura e prometedora, 2.L notáveis
explosões de egoísmo. -=-
@01;) (1938) classifica os adolescentes não
emancipados em dois grandes grupos : lJ- os que procuram
constantemente o conselho e a ajuda dõS outros devido à
fal ta de prática de enfrentarem si tuações sozinhos , -Zl os
que, para colmatarem o vínculo social e emocional à ~sa e
aos pais, fazem numerosas supercompensações dramáticas.
(F ranY (1944) equaciona, em termos sucintos, o
que nos parece ser um dos parad igmas esser.ciais da
adolescência, ao escrever : "Deve, portanto, ser reiterado
que os pais são a fonte princ i pal de segurança da criança e
aquilo em que elas mais confiam p ara conforto , amor e
afeição . Na adolescência, o rapaz e a rapariga são atraídos
para a vida fora do lar pro tector j querem ser aceites p elos
seus contemporâneos para explorar o mundo fascinante das
pessoas e saborear as expe ~ iências que parecem tão ricas e
adultas . Mas o seu desejo de partirem para a vida não deixa
de estar misturado com uma nec ess idade continuada de
protecção e segurança i na realidade , quanto mais eles se
aventuram fora de casa, mais precisam de sentir que p odem
voltar e encontrar ajuda e segurança" (p.248).
Este o contex to teóri c o que pensamos ter
orientado a investigação experimental sobre o assunto. O
primeiro estudo . referido na li teratura científica é
conduzido por McDill em 1930 e desenvolvido por H.S. Dimock
(1937), e pertende medir o estatuto de emancipação em
adolescentes do sexo masculino.
Os trabalhos que se seguiram procuram
correlacionar o estatuto de emancipação dos adolescentes ,
medido através de escalas construídas pelos autores, com

IV - 147
Construção de Identidade

características dos s u jei tos, mas as relações encontradas


foram consideradas fracas @ imoc0 1937; ~arm~ 1946).
Segund<D:imo~ apesar das · baixas correlações encontradas,
uma maior emancipação estaria r elacionada com um mais
elevado sentido de auto-adequação, um menor sentido de
autocrítica e de diferença face aos pares de idade. Sherman,
que estuda o estatuto de emancipaçãio em jovens
universitários (17-24A) propõe que futuras investigações
sobre o assunto foquem a relação entre os jovens e os seus
pais, e, nesse mesmo, estudo do processo de atenuação do
domínio parental, que, quanto a ele, envolve mudanças tanto
na criança como nos pais, e o uso do conceito de emancipação
quando se pretende estudar as mudanças progress.ivas nos
hábitos dos indivíduos em crescimento.
A investigação nesta área é abandonada, mas, a
partir de 1960, começa a surgir numerosa literatura vinda
das "Clinic College", toda ela salientando os problemas da
separação e as crises de identidade que a saída de casa e
entrada na Universidade propiciam, e a investigação neste
campo ganha novo incremento (Wedge, 1985; Blaine et alo
1961 ; Dewees et alo 1961 ; Fountain, 1961; Ichikawa, 1961;
Sanford, 1962).
Apesar de representar uma forma sadia de
separação, em contraste com a separação induzida por
dificuldades emocionais ou familiares, a frequência de
manifestações sintomáticas verificadas durante o 1 Q ano no
College, quer nos adolescentes, quer na unidade familiar,
identifica este período como altamente gerador de stress.
<Jfened~ 1954) sugere que os pais repetem com os
filhos, de diferentes maneiras, degraus do seu próprio
desenvolvimento, e que nalgumas circunstâncias conseguem a
resolução de conflitos a posteriOri.<! ls,o;)( 1964) v erifica
que, na altura da separação, por ocas~ao da ida para o
College, alguns pais começam a rexaminar os seus compro-
missos, quer na relação conjugal, quer com os filhos. Podem
ainda iniciar uma luta pela sua independência, como compe-
tidores contemporâneos dos seus filhos, não em fantasia,
mas agindo os seus próprios problemas não resolvidos .

IV - 148
Construção de Identidade

Nestes casos, as tarefas do adolescente tornam-se mais


difíceis dado que ele deixa de poder ter a iniciativa da
separação, e, em vez disso , são os pais que se estão a
separar dele .
. (Rl;õn~ compara dois grupos de estudantes,
apresentando como sintomas comuns a depressão, baixa de
rendimento escolar , redução de actividades sociais ou
super-actividade. Num dos grupos, verificou- se a existência,
em todos os casos, de dificuldades conjugais nos pais dos
adolescentes, tendo estes o papel de depositário de queixas
e de intérprete recíproco de necessidades e desejos dos
pais. A saída do filho teria provocado a confrontação
directa do casal e a ruptura. Este grupo apresentou, em
relação ao outro, onde não existiam dificuldades conjugais
nos pais, um mui to maior grau de sentimentos de raiva e
culpa como reacção à interrupção abrup ta da sua dependência
dos pais. O outro grupo , em que havia uma renúncia volun-
tária aos laços de dependênc i a, apresentou apenas uma forte
componente de dor. O stress em eco, que certos pais viven-
ciam quando os seus filhos saem para o College, pode pre-
cipi tar um abandono parental antes de o adol escente estar
preparado. Elson propõe um tratamento que vise restaurar a
iniciativa adolescente para continuar a tarefa de separação
emocional, ajudando-o a ultrapassar a depressão reactiva.
A importância do factor parental na qualidade da
separação, bem como a mudança na qualidade dos vínculos
adolescente-progenitores , aqu ando da saída de casa, é
evidenciada por outros trabalhos:
uma maior autonomia e capacidade d e relacionamento nos
estudantes correspondia, nos pais, a uma maior confiança nas
capacidades dos seus filhos , bem como à existência de
valores de autonomia nas suas própri as vidas. Uma baixa
capacidade de relacionamento correspondia , nos pais, a
dificuldades de comunicar e reconhecer as necessidades e
interesses dos seus filhos , bem como uma expectativa
negativa quanto à sua capacidade de autonomia.
~re e Hot{!D (1980) estudam as percepções dos
adolescentes tardios quanto à sua saída de casa

IV - 149
Construção de Identidade

(home-leaving). Os seus trabalhos permitiram sistematizar


oito categorias: controlo pessoal, independência económica,
residência; separação física , afiliação escolar,
dissociação, separação emocional e graduação. Os autores
identificaram as categorias "separação emocional" e
"controlo pessoal" como duas configurações indicadoras de
"home-leaving" associadas, respectivamente, a uma separação
pais-adolescentes relativamente perturbada e não perturbada.
Os autores sugerem, num outro trabalho, que o
divórcio/separação dos pais influencia a saída de casa, pelo
menos nos adolescentes do sexo masculino. Moore e Hotch
(1982) verificam que, nos adolescentes tardios do sexo
masculino, o divórcio parental estava altamente relacionado
com os ítems ("sentir-se como uma visita em casa"; "sentir
que já não pertence mais à casa"; "não se sentir ligado à
família") da "separação emocional", enquanto indicador
importante da sua saída de casa.
Estes resultados confirmam, portanto, os de
anteriores pesquisas, que indicam que os rapazes têm mais
problemas de ajustamento do que as raparigas após o divórcio
parental (Wallenstein e Kelly, 1980).
Sullivan K. e Sullivan A. (1980), comparando
dois grupos de rapazes, um ingressado pela primeira vez no
College, outro não, verificaram que o primeiro grupo exibiu
um aumento no afecto, comunicação, satisfação e indepen-
dência na relação com os seus pais. Também se encontrou um
aumento na afeição das mães e da dependência de alguns pais,
face ao filho. A conclusão dos autores parece contrariar a
li teratura saída das "Clinic College", na medida em que
sugerem que a resposta à separação, quer nos adolescentes',
quer nos pais, pode não ser ori gem de stress, nem ser
conflitual, sobretudo se a distância não excede 300 Km. Os
autores afirmam que a separação imposta pelo ingresso na
Universidade facilita o crescimento do rapaz em direcção ao
objectivo desenvolvimental de se tornar funcionalmente
independente dos seus pais, reforçando simultaneamente os
laços emocionais com eles.

IV ~ 150
Construção de Identidade

Numa outra linha, Coelho · e colaboradores


procuram um instrumento que permita prever os
desajustamentos dos adolescentes aquando da sua saída de
casa, e verifica que o.s valores de competência medidos pelo
teste Student-TAT em estudantes pré-universitários se
correlacionam significativamente com os comportamentos de
coping ajustados à situação universitária, e que o teste
permi te diferenciar predi tivamente os que vão e não vão
fracassar na universidade .

FfR~~cTIVA 4. A investigação sobre a separação


adolescente-progenitores , na área da etologia humana. embora
J
fíOL-OG; c.,A incipiente, parece-nos promissora, porque, com a sua pers-
pectiva pancultural e funcional, estaria em p oslcao de

t elaborar uma descrição da adolescência humana normal .


O renovado interesse pela teoria da evolução
tem-se concretizado, nalgumas áreas da psicologia e, nomea-
damente, em estudos de campo de base e.tológica, em primatas
não humanos. São exemplo disso o estudo do processo de
dispersão (5) (dispersa!) noutras espécies, que tem sido
objecto de vastas e recentes pesquisas nas ciências naturais
(Bekoff, 1977 j Kleiman, Brady, 1978), bem como o estudo da,
adolescência nos chimpazés (Go odall , 1975).
Weisfeld (1979) , não se debruçando em particular
sobre o processo de separação, mas adoptando uma perspectiva
etológica sobre a adolescência humana, ~firma a existência W.f1$f.UlJ
duma analogia entre esta e a de muitas outras , espécies . \I

Na base de uma análise evolucionista, Gii sfe W 'V' -'


aponta como desenvolvimentos básicos da adolescência: .JIl.ãtJ.l;- iI..-h..~ .v.iT~
ração reproduti va e a aquisição da independência face aos ~'.tJ~ A
cap
pais; o que, na nossa perspectiva, . vem dar uma confirmacão
adicional à ideia da funcão estrlltllrante dO processo de se
gfracão. O autor tenta demonstrar que as mudanças universais
da adolescência são de base, biológica e mais compreensíveis
em termos de funções: "através da análise etológica come-
çamos a perceber não só o que acontece na adolescência, mas
também porquê e como é que estas mudanças ocorrem" (p.52).

IV - 151
Construção de Identidade

Weisfeld aponta, como estratégia de investigação


básica a identificação de comportamentos de base biológica
ou evolutiva e a descoberta das suas funções evol uti vas.
Nessa linha, propõe-se uma primeira abordagem etológica das
funções evolutivas dos seguintes aspectos da adolescência:
surto de crescimento puberal, características sexuais
secundárias (dimorfismo e bimaturismo), mai or agressividade
nos rapazes, fricção entre adoles centes e adultos, solida-
riedade nos grupos do mesmo sexo , interesse pelas crianças,
especialmente nas raparigas (Weisfeld e Berger, 1983).
Os autores sugerem hipóteses sobre as bases
evolutivas e as funções biológicas desses aspectos, e apon-
tam para necessidade de estudos interculturais, hormonais e
comparativos, a fim de as testar: "sem tal investigação, a
natureza da adolescência humana permànecerá obscura" (p .
131) . ~isfe~ e <férgiP criticam as teorias da aprendizagem
cogni ti vas e psicanalíticas, porque insuficientes para ex-
plicar todos os aspectos envolvidos num desenvolvimento e
sugerem uma abordagem teórica geral, através da iden-
tificação das características universais da adolescência e o
seu enquadramento num sistema explicativo de maior amplidão.
Neste âmbito, aparece a obra , recentemente edi-
tada, de Michael Bloom (1980), Adolescent-Parental Sepa
ration, propondo um quadro de referências de base etológica,
mas abarcando outras perspectivas.
Mui to sinteticamente, o autor diz existir uma
correlação estreita entre o processo de separação na o)
adolescência e os processos de perda e luto já descri tos
(Freud, 1917 ; Bowlby 1961-1973; Parkes, 1972; Edelson,
1963 ) , estabelecendo a diferença principal na opção ou
desej o de separação (6) , situando a perda na morte da
relação infantil com os pais; sublinha a importância dO --t.)
desenvolvimento cognitivo, fazendo depender a identificação
adequada da aptidão cognitiva, discute o processo na
perspectiva dos pais enquanto perda duma parte da identidade
parental e da orientação geradora (generative orientation ,
descri ta por Erikson); sugere, como quadro de referência C!)
~lobal, a teoria cibernética dos comEorta~t~ de

IV - 152
Construção de Identidade

vinculação (control theory of attachment behavior) de Bowby


(1969) ; propõe uma nov;-- avaliação do conceito de d)
identificação e a elaboração dum "mapa etológico" que
associe factos antes não associados: os processos de
separação, identificação, desenvolvimento moral infantil e
os obj ecti vos de vida (life goals); apresenta o síndrome 'V
borderline como a resposta patológica à separação e discute
terapêutic~ .
O autor descreve, ainda, e essa é uma parte
substancial da sua obra, o processo de separação adolescen-
te-progeni tores em estádios@ controlo do impulso ~ara per-
manecer ligad9~realização cognitiva da separaçãoÇfresposta
~ecti va à separação. identificacão ;C4'atenuação da relação
pais filho e nova identidade e novas re'acões com os pais.
Identifica também as variáveis que, na sua
perspectiva, afectam o processo: aptidão individual para a ~
independência; influências cogni ti vas, incluindo a perma,.:'..2)
nência do objecto e os modos de adaptação assimi-
lação-acomodação; natureza da relação pais-filho; ex eri- ?)
ências de separação do passado, dos pais e do adolescente;
influências culturais no processo de s~~ç-o. 4)
Bloom avança a hipótese do caráter inato do
processo de separação e reavalia o conceito de
identificação. Na sua perspectiva, e situando-se na linha do
pensamento de Bowlby (1973), o mecanismo de identificação
estaria ligado ao processo de separação, enquanto motivação
primária para a identificação, e não, como na perspectiva de
Freud, à problemática edipiana, enquanto identificação ao
agressor. Segundo a perspectiva de Bloom, os mecanismos de
motivação interna (7) (internal motivating mechanisms) são
dirigidos para desencorajar a separação. Se esta ocorre, os
mecanismos, nos úl timo·s estádios da separação, são dirigidos
para tornar o indivíduo mais apto a sobreviver sem a relação
perdida. Para o adolescente, isto implicaria a capacidade de

~
consegUir, por si próprio, quer física, 'Quer psicologica-
mente, o que era previamente providenciado pela pessoa que
se perdeu or outras alavras a ca acidade de se iden-
ificar com os pais. A identificação seria, portanto. pri-

IV - 153
Construção de Identidade

mariamente motivada, mais pelo processo de separação, do que


pelo complexo de Édipo.
Daí que o autor sublinhe a i mportância , já
atribuída por todas as correntes de psicologia ao processo
de identificação: "A propensão dos adolescentes para
internalizar as qualidades dos adultos à medida que se
separam, é uma característica comum encontrada, quer nas
culturas de caçadores e agricultores, quer nas culturas de
chimpanzés. Este facto confere um suporte adicional ao
caráter inato do processo. Torna-se também evidente que, nas
culturas que promovem o processo de identificação através do
desenvolvimento da criança, encontra-se muito menos stres do
que nas culturas que não o promovem. Na cultura americana
contemporânea, por exemplo, os rapazes raramente vêem os
pais em acção no trabalho. As normas culturais inibem de
facto esta observação, e certamnte não existem rituais que
promovam a identificação adolescente" (p.49).
Sabemos que a abordagem etológica está na base
de contribuições importantes para a psicologia do desenvol-
vimento, sobretudo na infância, de que a teoria da~
yincu l acõeS-. de ~Wl~é' uma demonstração notável. Neste
sentido, pensamos que o construto teórico desenvolvido por
Bowlby (1969), aplicando princípios etológicos ao estudo do
comportamento humano, pode revelar-se útil à investigação da
separação adolescente-progenitores.

~~éíivJ\ 5. no âmbito da sociologi a da família,


encontrámos um número restrito de referências a estudos
-;;~~/..OG1·c-A
sobre a adolescência. Segundo P. Grelley (1983) , "o
adolescente parece estar ausente, para não dizer excluído,
da sociologia da família" (p .105), e os estudos que existem
abordam o adolescente, não no interior da sua família, mas
na maioria dos çasos, em ruptura com ela ou já na posição,
por sua vez, de jovem chefe de família.
Os estudos que revimos, abordando o tema da
"contracção" familiar aquando da saída dum membro
adolescente, descrevem esse período como não conflitual, em

IV - 154
Construção de Identidade

virtude do carácter gradual do acontecimento e da manutenção


dos laços familiares, na forma de visitas, ajudas mGtuas . . .
(Blood,1972).
Num estudo feito a famílias urbanas da classe
média, já sem os filhos em casa, Deutscher (1968) verifica
que as famílias, na sua maioria, sentem esse período como
tão bom, ou me lhor em alguns casos, do que o antecedeu a
partida dos filhos. a pesquisa do grau de satisfação con-
jugal em diferentes fases do cic l o de vida da família,
indicou um maior grau de satisfação em famílias já sem os
filhos em casa do que em famílias com os filhos de mais de
18 anos ainda em casa (Blood e Wolfe, 1960).
Não podendo ser generalizados, estes dados
parecem reforçar a ideia da separação como período natural
do ciclo de vida, encorajado pela cultura e conduzindo , se
não encontrar vicissitudes , a uma satisfacão mGtua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De Freud à sociologia, tentámos percorrer )]m


caminho, que só artificialmente existe comparti mentado, QIlA
nos elucidasse sobre o que reputamos central na prolemática
da adolescência: a separação adolescente-progenitores, prQ-
Zesso maturativo para pais e filhos. l))to A repasd menta
para novas etapas do cicl o da \Tida.
Percorremo-lo através duma diversidade de aborda-
gens porque pensamos que a realidade humana, na sua dimensão
individual e social, é complexa e só a articulação de dife-
rentes perspectivas a permite aproximar . . .
Vimos que os contributos de orientação psicanalítica ~JlNACTi(A
enfatizam a dimensão intrapsíquica: as mudanças estruturais
do aparelho psíquico e o trabalho de luto necessários à se-
paração interna; ~s vê, no processo de individuação, o fio
condutor dessas mudanças estruturais e sublinha a importân-
cia das interacções reais, e não fantasiadas, do adolescen-
te; Erikson abre a via duma conceptualização relacional e
permi te uma visão alargada do contexto da separação: a
---- - - ""

Cons trução de Identidade

coinc i dência t emporal da crise de identidade no filho com a


crise da integr i dade nos pais. O foco de observação situa - s e
prefe r enc i al mente n o adolescente, e a influência dos pais
nele é con cebida enquanto internalizações parciais ou totais
(atr a v és da imitação, introjecção ou identificação) ou ainda
n a f or ma d e i d entificação projectiva (Klein, 1946).
Sti e rlin incorpora a contribuição activa dos~~~ieA
pais p ara o pro cesso e conceptualiza padrões transaccionai s
de sep aração adolescente-progenitores. A perspecti va alar-
ga- se à fam ília, no seu conjunto, e o processo é visto num
con tex to e p is temológico diferente, adquirindo novas signi-
ficaç ões . . .}.
Murphey, Elson e Sullivan põem em evidência as -.Jfo.;l'(N'f.l:.. ~c.~ .
mudanç as i mpostas pela separação nas relações de vínculo ,
nos a dolescentes e nos pais.
We i s feld, partindo duma análise evolucionista ,PolD')/A
identi f i ca os desenvolvimentos básicos da adolescênci a e
Bloom avança a hipótese do carácter inato do processo de
-separação .
- O Eu e o Outro, passado-presente-futuro, repres e n-
tados com mai o r ou menor peso em cada uma d a s abordagens,
são , a final as matérias-primas de que o processo adolesc e n t e
se ser ve para cons truir e solidificar o edifício humano.
Neste sentido, identificamo-nos c om o p e nsame n to
de Peter BI os (1 9 77) quando afirma: "a mudanç a psicológ i c a
adol e scente não se limi ta a fazer face s omente aos aconte-
ciment os actu a i s somáticos da puberdade, mas é, igualmente e
talvez mais a g udamente, chamada a integrar a realidade
social imediat a do indivíduo com um passado ainda activo e
um fu t uro antevi s to" (p.6) .
Ao mo delo de desenvolvimento psicológico indi-
vidual , a p a rtir do qual se constitui inicialmente a inves -
tigaç ã o t e ó r ica e emp~r~ca sobre · a adolescência, vieram
juntar- se ou t ros modelos pretendendo integrar um leque cada
vez ma ior de variáveis (vejam-se, por exemplo, o conceito de
" sistemas r e lacionais de desenvolvimento" de Bronfenbrenner
( 1 977 ) e o "mo d e lo desenvolvimental trans accional" de
Wert h eim (1 982 ).

IV - 156
Construção de Identidade

Esta orientação estaria, aliás em consonância


com a orientação geral que caracteriza a investigação
psicologica sobre as relações pais-filhos. Segundo a revisão
de Wal ters (1980) , a referida i nvestigação conheceu, na
década de setenta, uma inflexão dum modelo unidireccional
(dos pais para o filho) para um modelo de causalidade
recíproca. Quer teórica, quer metodologicamente, a década de
setenta revelou-se um período de transição para a pesquisa
na área da interacção pais-filhos, e isto graças,
nomeadamente, ao avanço da moderna tecnologia de computador.
Os estudos de observação directa, o uso de
muI timetodologias, os estudos longi tudinais, entre outros,
constituem hoje uma poss ibi lidade e daí um importante
desafio ã investigação .
Parece-nos, pois, abrir-se um Campo rico em
perspectivas teóricas e metodológicas a partir das quais se
pode interrogar e compreender o processo de separação
adolescente-progenitores .

IV - 157
Construção de Identidade

NOTAS

(1) Figura f undamental de ligação .


(2) Comunicação pessoal citada por O. Rank in Der Mythus von
der Geburt des Helden, 1 909, p. 64 .
(3) S. Freud, Introductory Lectures o n Psychoanalysis,
vol.16, Standard Edition, p. 336.
(4) As transcrições referem-se à edição francesa:
Psychothérapies familiares, P.U .F., Paris , 1980 .
(5) Processo através do qual o a nimal sai do local onde
nasceu para outro local .
(6) Bloom introduz a diferença entre os adolescentes que
deixam os pais como um passo maturativo e os que saem
porque são rejeitados, colocando-os na situação descrita
por Parkes.
(7) Comportamentos dirigidos para a realização dum objectivo
filogeneticamente determinado.

IV - 158
--- - - ... . . --. - ---- ~----

Construção de Identidade

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IV - 169
TEORIAS DA PERSONALIDADE (*')

Teorias Humanísticas

As ~orias humanísticas da personalidade têm


muitas semelhanças com as psicanalíticas, mas diferem delas l
de forma importante, ao insisti rem que o homem deve ser
estudado como !lIDa pessoa , e não como simples colecção de
-===
neuroses. Diferem, também , de Freud, ainda que não de Jung e
Adler, ao insistirem que a personaJ j dade ppnca está
completa. Ao longo da vida, o homem está num estado
constante de desenvolvimento, de forma mui to semelhante à
que vimos @k~onsiderá-lo. Longe de ter a sua
personalidade fixada nos primeiros cinco ou seis anos de
vida, ele está num estado constante de transformação (é esta
crença que tem levado algumas teorias humanísticas a
atraírem a si o título de "psicologi a existencial").
Já conhecemos um psicólogo humanista, Gordon
@poZtl cuja obra considerámos na nossa análise da
personalidade amadurecida no capítul o 2. Em muitos sentidos,
~ podia, ser também incluído nesta categoria. Mas a
pessoa com quem vamos começar a nossa análise é Abraham
~(1908-1970) que é considerado por muitos como tendo
estabelecido a psicologia humanística como uma grande força
importante na psicologia, ao fundar em 1962 a Associação
Americana para a Psicologia Humanística . Desde esta data até
ao presente a psicologia humanística tem visto o número dos
seus apoiantes aumentar rapidamente, e a sua influência no
pensamento educativo nos E . U.A. tem sido considerável.
O que as pessoas como Maslow pretendem diz er ,
quando afirmam que o homem deve ser estudado como uma
pessoa , é gue Q homem é , claramente, motivado por toda uma
série de coisas além das necessidades instintivas propostas

(*') - FONTANA ,David - Personalidade e Educação - Livros


Horizonte , 1984, pag 79 a 95 .

IV - 171
Construção . de Identidade

por ~} ou me smo das necessidades de autodes cobe r ta ou


das ~s s ociais de Jung Adler. Ma slow criti ca os
psicanalistas p or não conseguirem compreender a dive r s i dade
essencial do homem. Claro que o homem é mo tivado p e l as
necessidades que eles propõem, mas é errado amontoar t odos
os homens e d izer que todos têm como necessida de primo r d i a l
ou o s e x o , ou a autodescoberta, ou as relaç õ e s s oc iai s o u
qualqu er ou tra coisa. Todos os homens são d iferentes e a
teoria psi c ológica tem de ter em conta este facto .
As s i m, o que Maslow propõe é que o ps icól ogo não
pode f azer ma i s do que sugerir um quadro geral de mo tivação ,
dentro do qua l cada personalidade encontrará o seu próp r io
nicho . E um quadro deste tipo, argumenta Mas low, deve t e r em
conta o f a c t o da história mostrar que o h ome m n ão é só
motivado pelo seu próprio prazer, pelo s eu d es e jo de
autodescober ta , pe l a sua necessidade de se esta b e l ec er
social mente, mas por todos os tipos de ideais, pe lo
auto- s acrifíc io, pelas artes. pelo anseio da d esc ob erta
cientí fica . Por isso, o quadro que ele propõ e tem a f o r ma de
uma h i erarquia. Logo que as necessidades prime iras e mai s
básica s como as do s instintos de Freud e s tão satisfe itas , o
homem fica l ivre para desenvolver as suas n ecess i dades de
nível superior , e é isso que o c oloca acima dos anima i s .~
hierar q ui~ , f unc ionando a partir das nece ssidades b ásicas
num senti do s c e dente, é:

:(0-1') /~)
Ne c essidades fisiológicas ( por e xemp l o ,

'l( comida, sexo, abrigo).


2 . Nec essidades de segurança
2 •
pro tec ção contra o abandono ).
(por e x e mp l o ,

f'
Necessidades sociais (por exemplo , ac e i t ação
s ocial) .
4. Necessidades de "ego" ( por e x emplo ,

1
amo r-próprio, categoria s oci a l).
5 . Necessidade de auto-realizac ã o (por e x e mpl o ,
perspicácia).
estádios de
desenv olvime n to 3) . Através da
satis f ação das necessidades 1 e 2, a criança aprende a

IV :.. . 172
Construção de Identidade

conf'ianGq, através de 3 e 4 aprende a competência e a


.::
identidade, e através de 5 aprende a prodútividade e ª
auto-acei tacã~. Maslow argumenta que mui tas vezes a razão
porque as crianças com privações progridem menos sob o ponto
de vista educacional do que deviam (e decerto porque os
países mais pobres progridem menos do que os riscos) é que a
incapacidade de satisfazer as necessidades fisiológicas
básicas impossibilitam o indivíduo de desenvolver as
necessidades de nível superior (a partir do número 3 da
hierarquia). que estão por detrás da motivação educacional e
da descoberta artística e científica. Maslo~ denomina estas
necessidades necessidades-meta ~~--~--~~~~~~=
para as distinguir das
básica§., e t .~ m por costume insistir no facto de apesar dos
números 3 e 5 da " hierarquia incluírem as necessidades
propostas, respectivamente, por Adler e Jung, incluírem
muito mais além delas. O indivíduo que satisfaz com sucesso
as necessidades no topo da hierarquia atinge o que Maslow
denomina como auto-realizacão, e muitas das características
que mencionámos para a personalidade amadurecida no capítulo
2 foram reunidas por Allport com base no que Maslow tem dito
sobre a personalidade auto-realizada .
A teoria da Maslow é muito interessante, mas tem
o defeito de não nos dizer como é que as necessidades-meta
se desenvolvem realmente, ou como é que as poderemos medir.
Há mui ta gente que não vê nisso qualquer problema e ficam
satisfei tas por aceitarem as coisas tal como Maslow as
apresenta, mas os psicólogos necessitam de medir coisas.
Talvez isso seja, de facto, uma das suas necessidades-meta.
Gostam também de explicar como é que as coisas acontecem.
Porque razão desej ará uma pessoa passar a vida a pescar e
outra a dividir o átomo? Porque é que, para ser mais
prosaico, há-de alguém preferir festas e outro preferir
ficar em casa com um bom livro? E, através do seu próprio
interesse pelas crianças que ensina, o professor partilha,
geralmente, a preocupação do psicólogo por assuntos deste
tipo. Podemo-nos voltar agora para Carl Rogers, outro
psicólogo humanista, para sabermos mais qualquer coisa sobre
eles.

IV - 173
Construção de Iden tidade

Carl Rogers. Rogers (nascido em 1902) , tal como


os psicanalistas , ganhou mui ta da sua experiência com o
trabalho clínico. Para além da sua influência neste campo e
no da educação, exerceu tamb ém, um g rande impacto nos campos
da administração local, dos estudos comerciais e do trabalho
social. Não é fácil resumir as suas ideias em poucas páginas
e aconselhamos vivamente o leitor i nteressado a vo l tar- se
para a obra de Rogers para um estudo mais completo (por
exemplo 1961).
Rogers é, por v ezes, c onsiderado um fenomeno
logista, porque dá mais importância, não ao que realmente
acontece no meio ambiente do indi v íduo. mas sim ao que o
indivíduo pensa que acontece . Na i n fância, em particular, o
indivíduo tem, frequentemente , uma impressão do que se está
a passar, totalmente diferente da das outras pessoas . Para
nos convencermos deste f acto b a sta ouvir os relatos
contradi tórios de duas t estemunhas sinceras sobre o mesmo
acontecimento. Rogers está deste modo a acentuar não só que
a personalidade é única , mas tamb ém que cada um de nós
habita um mundo único, um mundo de experiências subjectivas
que apenas nós conhecemos . Claro que podemos contar aos
outros as nossas experiênc i as, mas ainda que eles possam
acenar afirmativarrtente , n ão se sabe se as compreendem da
mesma maneira que nós .
Rogers chama a este mun do subjectivo . que cada
um de nós habita , o nosso campo fenomenal. Tal como Freud,
ele acei ta que este campo contenha factores conscientes e
inconscientes. O espíri to conscient e ocupa-se especialmente
das experiências que podem ser simb olizadas (i. e., tradu-
zidas em linguagem, discutidas, compreendidas), , enquanto que
o inconsciente se ocupa das que o não podem ser (por
exemplo, os medos e desej os irra cionai). Na opin1ao de
Rogers, a primeira ameaça p a ra a pe r sonalidade é o facto de , ~!
por vezes, o indi v ídu o simboliza r, incorrectamente , as
experiências conscientes, isto é, .dar-lhes um sentido erra-
do . Isso pode acontecer, se , por exemplo , uma. criança
interpretar a tentativa de ajuda do professor como uma
censura. Pode também acon tecer se e la compreender de forma

I V - 174
Construção de Identidade

errada um conceito . numérico . Em resultado de uma simbol i-


~ação incorrecta, o indivíduo comporta-se de forma inapro-
priada no futuro (nos nossos exempl o s, a criança pode deixar
de con sultar o professor , ou pode prejudicar o · passo se-
guinte na aprendizagem dos números). Por vezes estas simbo-
lizações incorrectas são corrigidas , outras vezes persistem.
Quando um indivíduo possui um grande n úmero de simboli z ações
incorrectas, Rogers diz que ele não é congruente , i. e .,~e
o seu campo fenomenal não se aproxima verdadeiramente do
mundo exterior real .
Apesar de aceitar a ênfase dada por . Freud à
di visão entre as experiências conscientes e inconscientes ,
Rogers não adopta o seu model o do id! ego e super-~"o, Em.
vez disso, fala de organismo, que é o homem t otal, n e c essi-
dades meta e básicas! consciente e inconsciente e tudo o
mais e do eu que é a parte do organismo que contém as ideias
que possuímos sobre nos própri os - ou seja , todas as coisas
que sentimos e que definem cada um de nós como indivíduos
únicos. O eu contém também o eu ideal que, tal como na t eo-
ria de Freud, é a nossa imagem do ti po de pessoa que gosta-
ríamos de vir a ser. Contudo, diferentemente de Freud,
Rogers vê o eu ideal como conhecimento adquirido não apenas
através dos nossos pais, mas como criado pelas próprias
necessidades-meta e pelas nossas próprias aspirações .
Rogers insiste que, tal como deve haver
congruência entre a garupa fe nomenal e o mundo real , çleve
também haver congruência entre o eu e o eu ideal . Temos de
apresentar um exemplo para ver cgmo isto funciona.
Suponhamos que em algum mundo i maginado e inacreditável , era
possível deixar as crianças fazerem sempre tudo o que
quisessem , e até mesmo louvá-las prodigamente por o fazerem.
Tais crianças, fosse qual fosse a forma como se
desenvolvessem, certamente não se desenvolveriam de maneira
incongruente. A imagem que têm do mundo como um lugar . em que
podem fazer o que querem (i , e., os s eus campos fenomenais),
o próprio desej o de fazerem .o que querem ( i , e., os seus
organismos) a imagem de si própri as como crianças que f azem
sempre o que querem (i. e" o s seus eus), e a imagem de si

IV - 175
Construção de Identidade

própr i as como crianças que devem fazer o que querem (i. e.,
os seus eus ideais ) es tariam todos em completa harmonia, e,
por isso, em congruênci a , uns com os outros.
Infeli zmente , contudo , o mundo n ão é um lugar
onde cada um de nós pode faz er o que quer. Por isso, .i.
inevi t ável gue todos nós desenvolvamos gua lg uer
incongruência ao longo da vida. Temos de evitar perigos
físicos, por muito sedutores que sejam, e temos de estudar
os desejos e direitos dos outros. A criança que quer
obedecer aos ditames do seu organismo e fazer prevalecer a
sua vontade sobre a de outre m tem ' de ser reprimida. A
criança que exige atenção constante dos pais tem de aprender
que também eles têm vidas próprias para vi v e r.
De facto, as idei as de Rogers sobre a forma de
auxil i ar melhor a criança a aprend er a viver com um certo
grau de incongruência são a sua contribuição mais importante
para o pensamento educativo . Rogers concorda com Freud que o
bébé é egoísta , mas atribui · isso n ão tanto aos impulsos
básicos do id, como ao simples facto de a cri ança h a bitar o
seu próprio campo fenomenal. Ela n ão sabe . (como p oderia
saber?) que as outras pessoas têm campos fenomenais
diferen tes de dela, e, por isso, não estão ali apenas para
benefí cio dela. Tem de a render que os outros também têm os
seus c ampos fenomenais . A forma de conseguir que ela o faca.
não é , argumenta Rogers fazê-la senti r - se cul ada
que é , mas sim levá-la a identificar se afeç tjyamente com os
outros, isto é . a pôr-se no lugar dele s e â i mâginar c omo se
sentiria nesse caso . Assim, a criança que quer oprimir uma
outra criança não deve s er rotulada de perversa por i sso , o
que só pode levar a uma incongruência excessiva e ntre o seu
organi smo (que talvez queira genuiname nte afirmar-se na
escola para compensar a opressão a que está sujeita e m casa)
e o seu eu (que se quiser evi tar o rótulo de perverso, tem
agora de se convencer de que afinal não quer oprimir). Em
vez d i sso, devemos lembrar-lhe que n o seu campo fenomenal
ela não gosta n ada de ser oprimida , e que as outras c rianç as

-.
sentem e~actamen te a mesma coi sa . As outras crianças sente m,
de facto, como ela a mesma d or e o me smo medo.

IV - 176
c

Construção de Identidade

E evidente que isto exige muito do professor . é


muito mais fácil chamar má a uma cri ança do que explicar-lhe
os sent imentos das outras . Mas, c o mo vimos ao analisar o
amor-próprio no capítulo 2 , os rótulos tais como o mau ou
perverso são incluídos pela criança na imagem que tem de si
própria. ~ opinião de Rogers. se ela colecciona demasiados
rótulos deste tipo, pode começar a ver os dese i os do seu
organismo como um perigo perma n e nt e . especi a lmente se
possuir um eu idea l parti cp' armAn t e desenYQJ vi do e pod e
defender-se deles c riando uma série de mecanismos de defesa
do ego que Rogers concorda serem os definidos por Freud. A
pet soa incongruente , a pessoa que e stá em conflito .consigo
própria , tem tendência para ser ten sa e ansiosa, para t e r
medo de perder o domínio sobre si-própria , para estar na
defens i va e ser muitas vezes rígida no seu modo de pensar, e
para ser incapaz de descobrir a sua verdadeira identidade .
Finalmente , está em peri~o de perder totalmente O contacto
com a r ealidade . e se os desejos reprimidos do seu organismo
irromperem na consciência , pode perder todo o sentido do eu
e sofrer um colapso total da p ersonalidade .
Por outro lado, a pessoa congruente é capaz de
evoluir (i, e ., actualizar-se) ao longo das linhas que lhe
foram propostas por herança . Ela torna-s e , por outras
palavras, na pessoa que a sua herança "tenci onava" que ela
fosse. Liberta dos conflitos internos é capaz de voltar a
sua atenção para o exterior, de se identi fica r afectivamente
com as outras pessoas , de senti r prazer com a arte e a
beleza, de se interessar pela ciência . Através deste
alargamento da personalidade, vem a e xperimenta r a
satisfa ção que se obtém por ajudar a servir os outros , por
criar coisas, por melhorar a qualidade de vida em geral.
Como habita o seu campo fenomenal próprio, com o seu l egado
genético único , a forma como faz t odas estas coisas , a f orma
como adquire e exprime interesses será única para si
própria .
Além de ajudarmos a criança a compreender e a
identificar-se afect ivamente com os outros , é essencial para
o desenv olvimento da sua congruência que mostremos a mesma

IV - 177
,'. ,

.
Const rução de Identidade

~
empatia em relação a ela. Isto é tudo parte integrante da (
necessidade que a criança tem da atenção positiva dos
adul tos pela sua vida, do seu amor e aprovacao. Ro~ers
considera que isto é uma das necessidades mais fortes que
entrou no organismo. (É significativo que não tenha apare-
cido entre os instintos mais importantes de Freud). É esta
necessidade que faz a criança obedecer aos pais e aos pro-
fessores, mesmo quando esta obediência significa renunciar a
outros desejos do organismo. Grande parte do eu da criança,
e do seu eu ideal, é formado em resposta à necessidade de
ganhar e conversar esta atenção positiva. Quando a atenção
só lhe é dada condicionalmente, e existe a ameaça constante
de lhe ser retirada como castigo por mau comportamento, a
criança sacrificará cada vez mais os seus desejos do orga-
nismo para a conservar, e tornar-se-á assim cada vez mais
incongruente . Referimo-nos a este ponto quando analisámos o
amor-próprio no capítulo 2 . Nenhuma criança terá possibi-
lidade de experimentar um desenvolvimento satisfatório da
personalidade se passar a vida com medo que os adultos, que
a rodeiam, estejam prontos a abrir e a fechar os seus
sentimentos em relação a ela como se fossem uma torneira.
A insistência de Rogers neste ponto ~ no
carácter único do campo fenomenal de cada pessoa, está bem
patente nas técnicás de psicoterap i a e de orientação que ele
desenvolveu. A psicoterapia (tratamento de pessoas com
problemas de personalidade extremos )pertence, tal como as
técnicas psicanalíticas, à psicologia clínica, mas a
orientação é largamente utilizada na educação, ainda que por
orientadores especialistas e não por professores. Os métodos
de orientação de Rogers são conhecidos como centrados no
paciente (p. ex. Rogers, 1957) porque se dá ênfase à
resolução dos problemas pelo próprio paciente, na atmosfera
de atenção positiva e compreensão da empatia que o
orientador lhe oferece, e não à actuação do orientador como ·
uma figura autori tária que lhe diz ao paciente o que deve e
não deve fazer. Uma vez. que cada paciente é único não podem
existir fórmulas feitas para se lhe dar como acontece por
vezes nas formas de orientação que derivam das teorias

IV - 178
\
l
I. \ \
,\

Construção de Identidade

psicanalíticas. O que conta, diz Rogers, é o facto do


orientador estar preparado para ouvir o paciente, p a r a o
acei tar tal como é, para o incitar gentilmente quando tem
dificuldades em se exprimir , para aprovar as suas tentativas
de resolução dos problemas, para mostrar compreensão (mas
não fraqueza) pelas suas incongruências, e para, de um modo
geral, não fazer juízos e ser encoraj ador; assim, o calor e
a amizade do terapeuta e orientador rogeriano contras ta
frequentemente com a atitude mai s distanciada e mais
objectiva dos Freudianos.
Rogers afirma que mesmo na criança mais
endurecida existe ainda a necessidade dessa a t enção
posi tiva. O professor experiente consegue geralmente
descobrir a forma que essa necessi Q..ade toma e usá-la com
simpati a para aumentar a socialização e a motivação escolar
da criança. Todavia, Rogers demon strou que uma técnica
chamada distribuição Q, originalmente apresentada por
Stevenson (1953), , é um útil auxiliar na e x ploração deste e
doutros aspectos do campo fenomenal da criança .
Na distribuição Q, prepar a-se um certo número de
cartões, cada um deles com uma frase autodescritiva ta l como
"trabalho muito", " sou popular" e ' pede-se , à criança para os
agrupar num certo número de montes , ordenando-os desde um
monte que contenha as descrições que são "mais como eu" até
ao monte que contenha as que são "menos como eu" . O número
de cartões que a criança pode colocar em cada um dos montes
é geralmente restrito , para que se consiga uma distribui ção
razoável pelos montes (é frequentemente utilizada uma
distribuição normal com maior parte dos car tões nos montes
do meio, diminuindo o seu número par a os dois extremos). O
número de cartões não é rigoroso, mas para as crianças da
escola secundária está mais ou menos certo, entre vinte e
cinco a cinquenta cartões e entre cin co a sete montes.
A distribuição Q dá-nos uma imagem útil da forma
como a criança se vê a si própria , e claro que pode mos
repetir o processo , utilizando car tões diferentes , para
qualquer parte do seu campo fenomenal que queiramos exp l orar
(ex. "o meu trabalho" , " a minh a pessoa ideal") .

IV - 179
Construção de Identidade

Outro teste ainda mais versátil é o teste do


diferencial semântico de (Osgood et aI., 1957). Quando vamos
utilizar o teste, escrevemos um conceito no cimo de uma
folha de papel (por exemplo, "a pessoa que eu sou"), e
depois anotamos por baixo adjectivos que podem definir este
conceito acompanhados dos seus opostos:
forte-: -: - : - : fraco
triste-: -: - : -:contente
honesto-: -: - : -: desonesto
cruel -: -: -: -: bondoso
activo -: -: - : -: passivo

Pede-se à criança qu e se classifique a si


pràpria na escala de sete pon tos para cada um dos
adjectivos. Por exemplo, se ela pensar que tem boa pontuação
em "forte" põe uma cruz mais perto de forte boa pontuação em
"forte" põe uma cruz mais perto de forte e mais longe de
"fraco". No final do exercício temos um perfil útil do
autoconceito da criança. Poderíamos então pedir-lhe que
repita o processo, mas desta vez não para se classificar a
si própria mas "a pessoa que eu gostaria de ser" e
poderíamos procurar correl ações entre os dois perfis para
vermos quanta congruência existe entre o eu e o eu ideal da
criança. Ou podemos nós mesmos classificar a criança para
ver quanta congruência existe entre a imagem da criança
vista por outra pessoa e a vida por ela própria.
Tal como a distribuiç I o Q, o diferencial
semântico pode ser utilizado para explorar qualquer aspecto
do campo fenomenal da criança. Mas chegou a altura de
deixarmos estes testes e as nossas análises de Rogers e
olharmos para outro psicólogo, George Kelly cuja obra nos
pode dizer ainda mais sobre este campo .
George Kelly. Kelly (1905-1966), psicólogo
americano cujas ideias têm tido um impacto crescente tanto
na psicologia clínica como na educacional, toma como ponto
de partida a premissa de que por detrás de todas as
necessidades básicas e espirituais do homem existe o impulso
para explorar o mundo. Exploramo-lo . pela comida e pela

IV - 180
Constr u ç ã o de Iden t i dade

bebida , e quando estas n ecessi dades estio satisfeitas


continuamos a e xp l o rá-lo p elas relações sociais , pela
consideração positiva , p e lo amor- próprio , e finalmente pela
própria exploração . O home m é ete rnamente curioso. Quer
descobrir o mundo . e t i r ar conclusões sobre o que descobre .
Até aqui n lo parece h av e r um grand e avanço em relaç ão a
Rogers, mas a maior contribuição d ~ Kelly para a n ossa
reflexão sobre a personalidade res i de no facto de ele
considerar que damos senti do ao no s so campo fenomenal. ao
nosso mundo sub i ectivo . f ormando a s e u r espeito aquilo a que
ele chama constructos pessoai s .
Um constructo p esoal é u ma unidade de expressão , 1\
Uma unidade que contém t oda s as p ercepcões . i nterpretacões e
avaliações que o i ndiv í du o atr ibu i a um acontecimento
\ particular, um lugar , uma p essoa , o u conj u nto de p essoas .
Por exemplo , uma criança t erá um con structo rotulado "lar" ,
que consiste em ideias e r eco r dações do que lhe parece ser o
seu lar, das pessoas que l á vivem, da s activ i dades que l á s e
desenrolam, das atitude s que l he provoca. Possui , de forma
idêntica, constructos de " escola", de " amigos" , da
"matemática" , de "c o lecçã o de selos ", etc . Um constructo .
pelo seu conteúdo p erceptual e p elas memórias pessoais q ue
contém, é mui to mais env o lve n te que um conceitg. Por meio
dos nossos constructos , comp r eendemos o presente e somos
capazes de predizer o fu tur o. Sem constructos, terí amos ~
~ literalment: de recomeçar d e n ovo to dos os dias e .reiniciar {
~ a compreensao do mundo . Mas · c omo cada pesso a habl ta o seu
mundo subjectivo própr i o, cada um de nós constrói
constructos que são único s para cada um de n ós. Nunca há
duas pessoas que partilhem um mesmo con structo .
Podemos v er como i sto fun ciona se voltarmos ao
ponto em que escrevemos a l g umas pági nas atrás, sob re duas
testemunhas sinceras apr esen tando r elatos contra ditóri os
sobre o mesmo acontecimen t o. Suponhamos que o acontecimento
é uma l u ta no recr e i o e q u e o profe ss9r está a ou vir com
certa impaciência oe relato s v ariados de quem a começou e de
quem se magoou mais . Kel ly diri a que a variedade de relatos
se deve ao f ac t o das testemunha s terem con s t ructos

I V - 1 81
Construção de Identidade

diferentes sobre os participantes, a atracção pela luta, o


carácter sagrado da lei escolar que os participantes podem
estar a violar, o director que pode a qualquer momento sair
do seu gabinete para aplicar o castigo, etc. Quanto mais
velhos vamos ficando, melhor somos capazes de escolher os
constructos que são importantes para cada acontecimento, mas
continuamos a ver o mundo com os n ossos olhos e não com os
dos outros.
A teoria do constructo pode também ajudar a
explicar a eficácia com que uma cri amnça aprende e recorda .
Quando, por exemplo , enfrenta qualquer trabalho de
geografia, traz para essa tarefa não só a sua capacidade
inata como também a sua "geografia" de constructo que
incluirá todos os professores de geografia que conheceu, a
sua atitude para com outros países e outras raças, o tempo
que geralmente leva a fazer o trabalho de casa, de
geografia, as pessoas perto de quem se senta nas aulas de
geografia, o agrado pela sala de geografia e muitas outras
coisas para além disto . Se este constructo é, no conjunto,
favorável, então a sua motivação para explorar a geografia
será elevada.
Muitos dos temas que controem a "geografia"
serão também uma parte de outros constructos . A criança terá
constructos de "professores", de "livros", de "trabalho de
casa" , de "pessoas perto de quem me sento", etc., e o
carácter favorável ou desfavorável destes constructos irão
inevi tavelmente influenciar a "geografia". No entanto, à
medida que o constructo "geografia" se vai tornando mais
forte , vai marcando cada vez mais os seus próprios elementos
consti tuintes. "O professor de geografia" será deslocado do
constructo "professores" e perten cerá cada vez mais ao
constructo "geografia"'. Assim , ao ouvir o termo "professor
de geografia", a criança pode reagi r mais favoravelmente do
que faria ao ouvir, por exemplo, "professor de história".
Kelly (1955) fez uma lista das categorias em que
os constructos podem estar incl u ídos. As seguintes são
r-'
algumas das mais importantes :

IV - 182
Construção de Identidade

~} Constructos impermeáveis, que são relativamente


resistentes à mudança, como por exemplo, os formulados há
longo tempo tais como "a minha primeira infância".
~ , Constructos universais que podem ser largamente
aplicados, por exemplo, "toda a música pop é horrível".
e} .Constructos restritos, que só podem ser
aplicados de forma limitada, por exemplo, "o único assunto
de que gosto é ing;lês".
J} Constructos íntimos, que se referem a nós
próprios e mantêm a nossa identidade .
t) Constructos comprimidos , que têm tendência para
se desmoronar por completo se se lhes mexer, como as leis
científicas .
Constructos frouxos , que variam como a situação,
exemplo, "um dia de verão pode ser húmido ou seco" .
Obviamente, alguns constructos podem pertencer a
mais de uma categoria , como por exemplo mui tos dos nossos
constructos íntimos .
Kelly considera que os problemas da persona-
lidade surgem quando os constrllctqê de um indivíduo são
inadequados para o ajudar a predizer o que vai acontecer a
seguir. Esta é a razão, diz Kelly, porque é tão importante
tratar as criancas com cqerênçj A. Se falharmos nisso , os
seus constructos transfoman-se numa trapalhada confusa e
contraditória e não é de surpreender que elas sofram de
inconsequência. Que tipo de constructo pode uma criança ter
do "professor", da "justiça", da "honestidade" ou da
"confiança", ou de qualquer outra coisa deste género, se um
dia o professor a elogia, no outro a castiga e no seguinte a
ignora por causa de um comportamento que, aos olhos dela,
não mudou assim tanto. · O mundo . torna-se tão confuso para
ela, como se tornaria para nós se um dia as batatas nos
satisfizessem e no dia seguinte nos fizessem ficar com fome.
Kelly impacienta-se com o facto dá. psicologia
moderna ter tendência para se fragmentar em tópicos
separados como "aprendizagem", "motivação", "memória", etc.
Isto está em contradição , diz ele, com a visão humanística
de que o homem deve ser tratado como uma pessoa. A nossa

IV - 183
/ .

Construção de Identidade

vida mental não está dividida nes t a várias categorias. Nós


funcionamos, normalmente pelo menos, como uma unidade
psicológica. Considera que um dos valores da teoria do
constructo é permitir que a psicologia evite esta
fragmentação. O comportamento de um indivíduo num dado
momento é em grande parte uma questão dos constructos que
possui sobre a tarefa que tem em mãos. Kelly põe mesmo em ~
dÚVida de tenhamos, em educação, feito uma proposta ~til ao
pegar numa coisa como a "inteligência" e dar- lhe tanta
j
atenção fora do contexto do resto do comportamento da
criança.
Por exemplo, se a criança for rotulada de
"inteligente", isso irá, inevitavelmente, influenciar o
constructo que o professor tem dela. Investigações, como as
de Rosenthal e "Jacobson (1968), mostram, que quando se diz
aos professores que certos elementos das suas aulas foram
escolhidos como "fenómenos académicos" (ostensivamente com
base em testes psicológicos mas, de facto, bastante
arbitrariamente), as crianças em questão tendem
subsequentemente a ultrapassar uma amostragem condizente que
não foi designada assim. Isto é, evidentemente, o bem
conhecido "eleito de auréola", e funciona com a mesma
eficácia em sentido inverso, como qualquer criança, que
tenha tentado fazer esquecer uma má reputação na turma, sabe
muito bem.
onsidera que, " em vez disso, os nossos
constructos de crianças devem ser tão puros quanto possível.
O professor deveria conhecer a criança na totalidade, o que
significa estudar todo o conjunto das experiência~
psicológicas da criança, e tentar aprender tudo o que puder
sobre os constructos que ela formou para lidar com a vida.
Quanto estes não são apropriados devemos ajudá-la a
modificá-los, utilizando o tipo de compreensão
atenção ositiva advogadas Quando a criança não
consegue uma ajuda deste tipo, desenvolve os m~canismos de
defesa, isolados por Freud, especialmente se são os seus
constructos íntimos que são incorrectos. Kelly sugere mesmo
que a teoria do constructo nos pode ajudar a compreender o

IV - 184
kf uy

Construção de Iden tidade

desenvolvimento cogniti vo duma cri ança.


verdadeir.amente em oposição com a obra de Pia et
considera que os estádios de desenvolvimento que P iaget
isolou no crescimento cogn itivo da criança, podem ser ~)
devidos tanto ao facto de as c r ianças acumularem mais
constructos com a passagem do temp o, como ao facto de os t)
processos intelectuais es t arem dep endentes da maturação
fisiólogica. À medida que a criança vai acumulando
constructos, vai aumentando o númer o de peças do " puzzle"
intelectual que encaixam n o seu l ugar, e obtém uma visão
mais correcta da forma como o mun do realmente func iona .
Presumindo que a criança experimenta constância e apoio
emocional por parte do seu meio, c onstrói constructos que
possuem o que Kelly chama uma ampla gama de conveniência,
constructos que podem ser utili z ados para interpretar
correcta e eficazmente u m amplo rep ortório de situações e
assim conseguir que o mun do p areça um lugar menos incerto e
menos ameaçador.
o método de Kel l y para examinar o sistema de
constructosdo indivíduo é mai s trabal hoso e mais denominado
que a distribuição Q ou o d i ferencial semântico, mas obtém
informações de uma fo r ma mui to mais estruturada e
provavelmente muito mais r i g o rosa. Consiste , basicamente , em
establecer as semelhanças e diferenças que o indivídu o vê
entre as pessoas e as coisas na sua vida . Podemos explicar
melhor com um exemplo especí fico . Su ponhamos que querí amos
examinar os constructos de uma c riança sobre " pessoas
importantes para mim". Começamos por lhe pedir que faça uma
lista destas pessoas, escr evendo cada nome em cartões
separados à medida que ela os vai di z endo. Tiramos então ao
acaso três cartões, por exemp lo, "mãe" , " pai" e "professor"
e pedimos à criança que nos diga d e que forma é que dois
deles são parecidos ou difer entes do t erceiro. Ela pode-nos
dizer que a mãe e o profess or são severos e o pai não .
Pedimos-lhe depois que apl i qu e esta distinção severo-br ando
(ou constructo , visto que é disso que se trata) a o u tras
pessoas cujos nomes nos deu ( as outras relações são serv os? ,
o seu maior amigo é severo?) , antes de voltarmos a pôr os

IV - 185
Construção de Identidade

cartões no monte, tiramos outros três ao acaso e tentamos


novamente. Desta vez pode-nos dizer que o pai e o tio são
divertidos, mas que o professor não é. Aplicámos mais uma
vez esta distinção às outras pessoas, voltamos a pôr os
cartões no monte e repetimos novamente. Na realidade vamos
repetindo o processo até a criança ter esgotado todas as
diferenças e parecenças entr e as pessoas importantes na sua
vida ( é talvez surpreendente que a experiência nos tenha
mostrado que seja qual for a área que estejamos a .i.i1ves-
tigar, não aparecem, geralmente, mais de cerca de trinta
semelhanças e diferenças, e muitas v ezes há ainda menos).
Este método é conhecido como técnica de grelha
de repertório, porque dispomos os resultados em forma de uma
grelha, com os nomes na horizontal e as diferenças
(constructos) na vertical, e um "um" ou um "zero" em cada
quadrado da grelha (Fig. 1) dependendo da classificação da
pessoa no constructo em questão (por exemplo, mãe e
professor obteriam "um" em severi d ade e o pai "zero"). A
grelha acabada é uma representação dos constructos de
"pessoas importantes para mim" da criança. (Podemos fazer
este mesmo exercício com outras áreas da vida da criança,
tais como acontecimentos importantes, o programa escolar,
etc). A análise das grelhas mostra-nos a natureza e
complexidade dos constructos de uma criança. Por exemplo,
que tipo de constructos parecem caracterizar as pessoas
importantes da vida dela? Constructos ardentes e de
acei tação ou frios e de rejeição? Estes constructos cobrem
uma área ampla como "esperto", "atraente", "desportivo", ou
restringem-se a coisas mundanas? As pessoas na vida dela
parecem ser, na generalidade, fortes, eficientes e bons
modelos a imitar, ou são fracas e negativas? E quem parece
ser parecido e com quem? O pai parece-se com os outros
membros da família na maior parte das coisas ou parece-se
mais com as pessoas mais afastadas? Há uma polarização entre
homens e mulheres? Entre velhos e novos?

IV - 186
Construção de Identi dade

==~=================================================== ======

SEVERO DIVERTIDO
============================================================
MÃE 1

PROFESSOR 1

PAI O 1

TIO 1

DIRECTOR DA ESCOLA O

AVÔ

TIA

AMIGO
============================================================
Figura 1

Apesar de uma grelha de repertório requer


cuidados na sua compilação e interpretação, existem,
potencial~ente, poucos limites para o tipo de informações
que podem fornecer. E já foram inventadas várias variantes
desta grelha básica. Hinkle (1965) criou a grelha de
implicações que compara mais os constructos do que as
pessoas ou os acontecimentos , e nos p ermite estabelecer, por
exemplo, o que o constructo "bem sucedido" significa para a
criança (talvez "mui to trabalhador" , "honesto", "como eu",
ou talvez "com sorte", "presumido" , "diferente de mim").
Ravenette (1975) criou uma grelha de si tuações, de grande
valor na sua utilização com crianças , que utiliza figuras em
vez de palavras.
Para Kelly a virtude primordial da técni c a de
grelha de repertório é a de envolver r ealmente a pessoa que
está a ser testada. Fazemos-lhe perguntas directas sobre as
coisas importantes da sua vida e acr editamos realmente que
)
IV - 187·
Construção de Identidade

conheça as respostas. Nisto difere de muitas outras técnicas


psicológicas (por exemp l o, dos testes projectivos e dos
métodos behaviouristas que iremos ver no capítulo 6), que
mantêm uma mística elaborada , ou que presumem,
frequentemente, que o psicólogo sabe mais sobre a pessoa do
que ela própria. Obedecem, de facto , ao que Kelly chamou o
seu "primeiro princípio", isto é, se se quer, realmente,
saber o que está errado com as pessoas deve-se tentar
perguntar-lhes - "Elas podem exactamente, ser capaz de lhe
dizer" (Kelly, 1955) .
Críticas à Psicologia Humanística. Não há nada
mais confuso que um livro que constantemente descreve
teorias para, algumas páginas à frente, as derrubar.
Infelizmente, num campo como a personalidade, com todas as
suas complicações e imponderáveis, é inevitável que se seja
até certo ponto destrutivo se quisermos ser honestos na
apresentação do assunto . Tal como Freud e a psicanálise,
temos de fazer referência aos pontos fracos da psicologia
humaní stica antes de a deixar. De facto, o própio Kelly foi
sempre crítico em relação às suas ideias e nunca pretendeu
que a sua teoria fosse mais do que um outro passo na entrada
que leva a uma compreensão completa.
A cd tica mais óbvia é a de que nenhuma das A
técnicas de medição que os psicólogos humanistas utilizam
toma realmente em consideração os f actores inconscientes.~
primeiro princípio de Kelly pode ser louvável mas há muitas
ocasiões em que as pessoas não são mesmo capazes de nos
~zer o que está errado com elas. E é evidente que técnicas
como a distribuição Q e a grelha de repertório permitem que
a criança dê respostas desonestas se assim o quiser . Por
outro lado, pode ser bastante honesta, mas simplesmente não
ser capaz de distinções suficientemente correctas entre as
pessoas ou acontecimentos com que a confrontamos. Temos
também, por agora, provas insuficientes sobre a confiança e
validade destas técnicas. Isto é, uma variedade restrita ou
confusa de constructos numa grelha de repertório significará
realmente que a criança tem problemas de personalidade? A
lógica sugere que sim, mas precisamos ainda de mais provas.

IV - 188
Construção de Iden tidade

Voltando-nos para as próprias teorias, elas


apre sentam, sem dúvida , uma imagem mui to mais optimista do
homem que as psicanal íticas, mas será esta imagem
necessariamente verdadeira? Tem-se sugerido com frequência
que e scritores como Maslow parecem oferecer-nos mais um
exercício sobre a elevação moral do que um exercício de
psicologia. Isto é, provavel mente, injusto , mas o problema
que temos com as necessidades-meta é elas serem tão
exc essivamente difíceis de definir . Sabemos que o homem tem
uma necessidade inata para procurar comida e que fará tudo
para a conseguir, mas é muito mais difícil provar que tenha
uma neces s idade inata, opondo-se a uma totalmente adquirida,
p ara procurar obter a auto-realização e um significado mais
p r ofundo da vida.
A perspectiva fenomenológica de Rogers e Kelly é ~
também passível doutra crítica:se cada um de nós habita um
mundo subj!i,ls;.;tivo l ninguém 12 0de r!iliàlmen te siàb!il r como é o
mundo objectivo l e assim é disl2aratado Eerguntar se os
constructos de ~mià s;.;riiàn~a ~Si al2rox i mam ou não dele. Isto é
o tipo de problemas que os filósofos adoram discutir e
t alvez fizéssemos melhor em lhos deixar. a senso comum
diz-nos que parece existir um certo tipo de consenso entre
nós sobre o que parece ser a realidade de todos os dias, e o
pro fessor tem de continuar a sua tarefa de ensinar a criança
a enfrentar com êxito esta realidade . Como balanço final, a
pers pectiva humanística parece ser uma das maneiras úteis
que o professor tem para pensar nas crianças e estudar as
diferenças individuais de cada uma dentro da estrutura do
c onjunto da personalidade.
A última crítica apontada aos psicólogos ~
humanistas , e que nos leva directamente à nossa secção
seguinte, é que ·eles negligenciaram o contexto social em que
ocorre grande parte do comportamento humano e que parece
contribuir fortemente para ajudar a formar atitudes. É
verdade que acentuam muitíssimo a i mportância das re l ações
da criança com os adultos, e como v eremos dentro em pouco,
Rogers avançou numerosas ideias sobre a forma como grupos de
pessoas s e podem encontrar para ajudar a resolver os seus

IV - 189
Construção de Identidade

problemas pessoais através da comunicação franca de


sentimentos e de ideias. Mas os psicólogicos humanistas no
seu conjunto, parecem, frequentemente, não tomar em devida
conta o facto de tanto os conflitos psicológicos do
indi víduo, por um lado, como mui tos dos seus obj ecti vos a
curto e longo prazo, por outro, E9derem ser causados . em
certas ocasiões, menos pelas suas imperfeições ou ambições
E.,essoais, do que pelas pressões diárias provocadas pelo
trabalho com as outras pessoas. Pode também acontecer que
estas pressões tornem a personalidade menos coerente do que
supõem os psicólogos humanistas, e que a té pessoas com
personalidade amadurecida mudem mais de dia par~ dia do que
estes psicólogos sugerem.
Por tudo isto, vamos agora dar uma vista de
olhos às teorias de campo da personalidade. Tal como as
teorias humanísticas, são essencialmente ideográficas na
forma de encarar os factos, uma vez que a ênfase é colocada
no indivíduo, mas colocam o indivíduo num campo social, um
campo que contém forças e pressões que o puxam primei ro de
uma maneira, depois de outra. São particularmente valiosas
para o professor visto ele passar muito do seu tempo lidando
com as crianças dentro do contexto do grupo da turma.

IV - 190
os ESTÁDIOS DE DESENVOLVIMENTO DE ERIKSON (*)

Fontana DAVID

Uma forma de encarar o tema dos períodos


críticos no desenvolvimento humano consiste em considerar
cada um deles como dominado por certas tarefas da
aprendizagem que devem ser, correctamente, completadas para
que o indivíduo avance de forma satisfatória para o período
seguinte. Um dos principais proponentes desta teoria no
campo da personalidade é Erik Erikson (n.1902), até há pouco
tempo professor do desenvolvimento 4umano na Universidade de
Harvard. ~ considera que, na personalidade! . há oit..o
períodos ou estádios crí ticos distribuídos ao longo da
existência do indivíduo e defi ne-os em termos da
aprendizagem positiva que se verifi c a se forem transpostos
com sucesso, e da aprendizagem negativa que se verifica se
não o forem (1959). Estes oito estádios são:
Positivo Negativo
período inicial da (o-;;. )
primeira infância - confiança contra desconfiança
período final da (3 ~ Ir)
primeira infância - autonomia contra vergonha e dúvida
período inicial da (~~
segunda infância - iniciativa contra culpa
período médio da -11Itz)
segunda infância - competência contra inferioridade
52 adol escência identidade contra confusão de papéis
62 período ínicial da
idade adulta - intimidade contra isolamento
72 período médio da
idade adulta - produtividade contra estagnação
8º período final da
idade adulta - auto-aceitação contra desespero

(*).~ Fontana DAVID, PERSONALIDADE E EDUCAÇÃO -


- Lisboa,
Livros Horizonte - pag 35-56.

IV - 191
Construção de Identidade

Erikson isolou estes estádios em resultado das


suas experiências em psicologia clínica tanto na Europa como
na América, e eles estão fortemente influenciados por ideias
psicanalíticas que, como veremos mais tarde, nem todos os
psicólogos estarão dispostos evi dentemente, a aceitar
(capí tulo 3). No entanto, Erikson não propõe que estes
estádios representem todas as tarefas de aprendizagem
crítica que o indivíduo tem de enfrentar para que a sua
personalidade se desenvolva com sucesso. Sugere apenas que
sào um modo útil de encarar a infância e a idade adul ta, e
de isolar o ponto em que a criança ou o adulto se podem
extraviar no seu desenvolvi mento. Estes oito estádios não
são de forma alguma rígidos e fixos , e mesmo que o indivíduo
atravesse aparentemente, de maneira satisfatória cada um
deles, é quase certo que alguma aprendizagem negativa
acontecerá e pode permanecer no interior da personal idade
como uma fonte potencial de insegurança.
As ideias de Eri kson têm mostrado exercer grande
influência no campo da educação, e os seus oito estádios
fornecem-nos uma forma cómoda de examinar o desenvolvi mento
da personalidade. Tomemos cada um deles em ~ado, e -~

iJl t~~tJit 4
analisemo-los no contexto do trabalho do prof "sor. ·
. (t~iClO JA
1º. Confiança contra Desconfiança. a
importância crítica da relação criança-mãe mae
substi tuta) nos três primeiros anos de vida. Divide estes
três anos nos seus dois primeiros estádios de
desenvolvimento, o estádio um cobri ndo o primeiro ano e o
estádio dois o segundo e o terceiro. No primeiro ano de
vida, Erikson vê todos ·os vários aspectos dos bons cui dados t/JflfiAIJCA
maternais combinando-se para produzir na criança uma •
sensação de confianca. A partir do amor e cuidados da mãe,
da atenção que ela presta às suas necessidades, do seu
pronto fornecimento de comida e conforto táctil, em resumo,
da sua presença constante como aque l a que lhe satisfaz todas
as necessidades, a criança aprende que o mundo à sua volta é
um lugar com que pode contar, um lugar seguro em que pode,
sem perigo, confiar o seu conforto físico e emocional aos

IV - 192
Construção de Identidade

bons ofícios dos outros, tornando-se por consequência,


suficientemente livre para voltar a sua atenção para todas
as outras coisas interessantes que a rodeiam.
Sendo-lhe recusada esta sensação de confiança a -W~éO""(;AN(A
criança terá todas as probabilidades de se tornar medrosa e .J

ansiosa e, dependendo do seu temperamento. a ter pouca


energia ou confiança para se relacionar com exte-
rior, ou a sentir qu.e deve obter dele tudo o
agressividade e hostilidade .

2º. Autonomia contra Vergonha e Dúvida.


atravessar com sucesso este primeiro estadlo, o seu impulso
para alcançar e explorar o mundo é ajudado, a partir do
segundo ano de vida, pela sua capacidade física crescente.~
partir desta base segura que é a confiança naqueles que a 1jv10 fV{)"i~
rodeiam, a criança lança-se numa viagem de descoberta.
Inevi tavelmente, . esta viagem envolve-a no exercício cres-
cente da sua vontade . Muitos psicólogos (por exemplo,
Valentine, 1956)testemunham que a criança atravessa uma
fase, particularmente negativa, durante o terceiro ano de
vida, em que parece desafiar, deliberadamente, aqueles que a
rodeiam . Se for contrariada, pode t er ataques de cólera e
ser agressiva e destruidora . Isto parece ser uma parte
necessária da sua experiência e um sinal necessário de que
se começa a considerar como uma pessoa autónoma e distinta,
diferenciada dos que a rodeiam. As cosequências, a longo
prazo, da reacção dos adultos à criança durante este período
podem ser consideráveis . Se o adulto a enfrenta , aberta-
mente, num conflito de vontades; então a criança, conforme o
seu temperamento, pode tornar-se cada vez mais difícil,
determinada. a fazer prevalecer a sua própria vontade mesmo à
custa dos sentimentos de conflito que isto lhe provoca, ou ~k>N1f .. ~
Qode abandonar · a tentativa de afi r mar a sua autonomia-; 7>ufliaA
ficar inibida e cheia de dúvidas sobre si própria.
É mui tas vezes difícil para os adultos evitar
estes conflitos de vontades. A criança parece estar a pôr em
perigo a autoridade do adulto e isso não é mui to fácil de
acei tar partindo de uma criança de 2 anos . Mas Valentine

IV - 193
Construção de Identidade

apresenta também exemplos que parecem mostrar que as


crianças que não passam por esta fase negativista, prova-
velmente por razões temperamentais, são frequentemente
consideradas pelos pais, quando chegam à adolescência, como
tendo falta de iniciativa e de espírito e de serem levadas
com demasiada facilidade pelos outr os. O papel do adulto
deve ser, por isso, de paciência e compreensão, um papel em
que a autonomi a da criança seja respeitada e encorajada,
quando praticável, e limitada, constantemente, e com firmeza
suave quando não o for. Assim, a criança aprenderá que o
mundo é um lugar onde prevalecem certas leis e padrões,
dentro dos limites dos quais pode fazer coisas por si mesma
e tomar decisões por si mesma . Ao aprender que a vigilância
não é qualquer coisa que esteja, sempre , a ser exercida
sobre ela do exterior, começará também a aprender que tem
responsabilidades no qua respeita ao seu autodomínio. Tal
como pode ' influenciar o comportamento das pessoas e coisas
que a rodeiam, também pode influênciar o seu próprio
comportamento e ganhar, em consequência, as recompensas da
aprovação dos adultos que decorrem de um tal autodomíni o.
O
, próprio Erikson (1950) resumiu o estádio da
autonomia contra vergonha e dúvida dizendo que ele é
decisivo para a relação, no comportamento futl!rQ da crianca,
entre " cooperação e força de vontade, capacidade de expres-
são própria e sua supressão . Da sensacão de autodomínio vem
uma sensação duradoura de boa vontade e orgulho; da sensação
da perda do a utodomínio e da domi nação estranh ------------------~
uma
propensão persistente para a dúvida e vergonh ,~iGÚ) j)A J..,fJ. rNkNCI4
3 2 • Iniciativa contra Culpa. Este. estádio ,
volta dos 3 ou 4 anos, é o primeiro em que o professor está,
directamente, implicado. Se a crianca consolidou, com su-
cesso, a sua autonomia, está agora livre para descobri r até
que ponto lhe é permitido exercer essa sua autonomia. Por um
lado, a sua agilidade física crescente e por outro as suas
capacidades linguísticas também crescentes,. permitem-lhe
comunicar mais completamente com as pessoas e as coisas à
sua volta e dar mais liberdade de acção ao seu poder de

IV - 194
Construção de Identidade

iniciativa. No seu mundo em expansão, que abrange agora a ;tI;Cf~ TiV~


escola infantil ou o grupo das brincadeiras assim como o
lar, descobre até que ponto pode exercitar esta iniciativa,
e até que ponto ela será restringida pelos outros.
Visto que este período de desenvolvimento marca,
também, o crescimento do comportamento moral e da consciên- ~ UL PA
cia, tais restrições, dependentes da linguagem uti l izada
pelos adultos para as expr imir, podem levar a criança a
sentir-se inútil e culpada por ser c omo é e por querer fazer
as coisas que quer. Tem também todas as probabilidades de
ser cada vez mais influenciada pelo comportamento dos que a
rodeiam, particularmente pe l os mais velhos que ela. Os seus
modelos de comportamento mais importantes (modelos de
comportamento social) são geralmente os pais, e desta idade ) . ~Cl4L
em diante o pai torna-se, frequentemente, uma impor tante
autoridade moral, crescente n a vida da criança. Até agora, o
pai pode ter actuadó como uma mãe subtituta muito efic i ente,
mas a partir desta altura começa a desempenhar uma função
mais distinta, como aquela que proporciona tipos de expe-
riências diversos dos da mãe, e como a fonte da autoridade
total no lar.
De ambos os pais, mas particularmente do proge- i. .4A'tlAt,.
ni tor do mesmo sexo, a criança começa nesta altura a
aprender o seu comportamento sexual defini ti vo. Uma parte
deste comportamento sexual é, sem dÚvida. determinado
biologicamente.. ~ (1974) apresenta provas para mostrar
que noutros primatas, para além do homem, o macho é mais
propenso a tomar parte em actividades físicas violentas
desde a infân~ia do que a fêmea, e que esta diferença
desaparece se a mãe da fêmea for injectada com hormonas
masculinas durante a gravidez. Mas uma parte significativa
disto é aprendida a partir dos pai s I professores e mundo
adulto em geral. Na nossa sociedade a actividade violenta é
mais facilmente tolerada nos rapazes que nas raparigas .
Certos passatempos são considerados apropriados para rapazes
e outros para raparigas. Escolhem-se geralmente os l i vros I
os brinquedos I os jogos e até as cores, para uma criança,
pensando-se no seu sexo.

IV - 195

.-
Construção de Identidade

Isto significa que aos rapazes e às raparigas se


põem limites de tipo diferente para as suas iniciativas. Um
rapaz que se dedique a act i vidades de menina acaba por se
sentir constrangido e culpado, e o mesmo acontece a uma
rapariga que se dedique a actividades de rapaz. Talvez por
causa do seu papel tradicional, no lar, as raparigas têm a
sua iniciativa mais refreada porque são encorajadas a ser
mais dependentes que os rapazes .<Çewi})(1972) demonstra que
este treino de dependência, no que se refere às raparigas, é
mui tas vezes evidente a partir do segundo ano de vida, e
parece continuar até ao fim da adolescência.d[av~e os seus
colegas (1972) demonstram que as raparigas se mostram mais
ansiosas pela aprovação dos pais que os rapazes, enquanto
estes se interessam mais pela aprovação das outras crianças.
Os irmãos mais velhos ajudam também a criança a aprender o
seu comportamento de acordo com o sexo a que pertence . <8~E)
(1956) demonstrou que os rapazes com irmãs mais velhas se
interessam mais pelas actividades das raparigas que os
rapazes só com irmãos mais velhos, ao passo que as raparigas
com irmãos mais velhos mostram um interesse correspondente
pelas ocupações dos rapazes .
~desenvolvimento da iniciativa tem implicações
óbvias no tipo de educação que deveríamos oferecer s
cri.an as, neste estádio das suas vidas. Partindo do pri ry.-
cípio de que queremos encorajar esta iniciativa, p artindo do
princípio de que queremos que as crianças desenvolvam o seu
sentido de independência, partindo do princípio de que
queremos que elas cresçam responsáveis e que sejam capazes
de tomar decisões e de usar a imaginação, ~ntão a escola ou
o grupo de brincadeiras tem de lhes dar oportunidade para
fazerem estas coisas. Isto significa, evidentemente, ter o
tipo apropriado de equipamento, a água e a areia, os lápis,
as tintas e a argila, os blocos de construção e os brin-
quedos de montar, a estrutura para trepar, O recanto do lar,
o fogão, as roupas para vestir e despir, os livros, os ins-
trumentos musicais e os animais. Mas mais do que tudq isto,
significa ter o tipo certo de relações com as crianças. As
professoras das crianças mui to pequenas são pessoas

IV - 196
Const~ução de Identidade

dedicadas e seria completamente errado falar de "negligência


da professora" comparando-a à negligência familiar, mas
existe o perigo de que nas suas relações c om as crianças as
professoras possam, inadvertidamente, exercer sobre elas o
tipo de vigilância errado.
Podíamos alargarmo-nos sobre isto. Escrevemos
anteriormente que, conforme a linguagem utilizada pelos
adultos para as fazer cumprir, as restrições que são postas
a uma criança podem fazê-la sentir-se inútil e culpada por
ser como é . É óbvio que há mui tas coisas que as crianças
devem ser impedidas de fazer. Contudo, o que é importante é
que a criança não seja levada a sentir-se em conflito
consig o própria por querer fazê-las. Voltaremos a este as-
sunto , da culpa e da auto-rejeição nas crianças, quando
analisarmos as teorias da personalidade, particularmente as
de Carl ~~:E§) no capítulo 4. Mas nunca é de mais sublinhar
que é muito prejudicial para uma criança fazer-lhe sentir
que é perversa ou má por se querer comportar como mais lhe
agrada. Estas atitudes podem provir de impulsos biológicos
profundos sobre os quais a criança não tem domínio . Rótulos
como "bom" ou "mau" são absolutamente impróprios para estes
impulsos, e pertencem apenas à forma como a criança aprende
a dominá-los e a canalizá-los para formas socialmente
aceitáveis.
Isto significa que a professora devia sempre
concentrar a sua atenção sobre o procedimento da criança de
preferência a proferir JU1ZOS . morais sobre a própria
crianç a . É o procedimento que é inaceitável, não a criança:
"Aquilo que fizeste não foi uma coisa bondosa" em vez de "És
um rapaz desagradável". "Isto que dissest e foi irreflectido"
em vez de "és uma rapariga ingrata". Os conceitos da criança
sobre si própria são, como veremos mais tarde, frágeis e
imaturos. A criança adquire a ideia do tipo de pessoa que é
ouvindo o que os adultos que a rodeiam lhe dizem sobre ela
própria. Se a estiverem, constantemente, a censurar, e lhe
asseguram deste modo a sua falta de valor, ela pode incluir
esta imagem negativa na sua própria auto-imagem, e não só
sentir-se, por consequência, culpada, mas muitas vezes

IV - 197
Construç ão de Iden tidade

acabar por produzir o mesmo tipo de comportamento anti - so-


cial que sente que os adultos esperam dela.
A professora, tal como o s pais, funciona também f{!Fl~xo'S ~$
como um modelo de comportamento para a criança. Quanto màis 17,1fAIJIrA.1~ te:
calorosa for a relação professora-cr iança, mais ela será um U"~. ft~
modelo eficaz. Qualquer d i sciplina que ' se baseie na dureza. J~ ~Ci4 L
ou na constante supressão de privilégios. é susceptív el de
alienar a criança e, dependendo do seu temperamen to e
antecedentes familiares. de a assusta r , de a bost i 1 j zar ou
simplesmente de lhe desviar a atenção para outra coisa . Em
qualquer destes casos, a f unção da professora como um agente
da socialização da criança ficará, enormemente diminuída. O
meio mais satisfatório de que a professora dispõe para
desencorajar comportamentos indesejáveis é o de retirar-lhes
a sua aprovação da forma mencionada acima, sugerindo ao
mesmo tempo, de preferênc i a , uma actividade alternativa mais
aceitável.
No que diz respeito ao comportamento da criança tl.!~tflllcl-.
relativamente ao sexo em evolução, é importante que todas as
actividades escolares este.iam abertas a ambos os sexos e que
não lhes sejam exigidos padrões de comportamento diferentes .
Contudo, a influência da professora nesta esfera não abrange
tudo. A criança aprenderá rapidamen te, o seu comportamento
em relação ao sexo fora da escola, e seria errado da parte
da professora impor às crianças uma forma de unissexualismo
que as exporia ao ridículo em casa! O melhor ,
professora pode esperar é que a cri ança se t vm adulto ' ~
que respeite o sexo oposto . ~.u ,'O l)A ~~, NfANCIA
4 2 • Competência contra Inferioridade. Tendo endido a
iniciativa, que lhe permite fazer coisas, a criança enfrenta
agora a tarefa de aprender a compe tência que lhe p ermite
----
fazê-las bem. Este estádio , que dura aproximadamente 'os anos
da escola primária, é marcado p e lo desenvolvimento das
~tidões físicas e linguísticas da criança. Em poucos anos
ela passa do mundo da infância para qualquer coisa que se
aproxima da coordenação fís i ca e fluência verbal do adulto.
Ao fazê-lo aumenta, enormemente, a sua capacidade para a

IV - 198
Construção de Identidade

experiência. Corno nos dernonstrou (EI ageJ) ela desenvolve


também novas aptidões cognitivas, numa ordem de progressão
relativamente fixa, e utiliza-as para compreender e
manipular esta experiência.
Estas aptidões em maturação influenciam,
profundamente, a imagem que constrói do seu ambiente. Faz
perguntas, interpreta as respostas , observa como as coisas
funcionam, procura resolver problemas. E como todos os
professores sabem, faz todas estas coisas à sua maneira
muito particular. Além disso, não só há uma grande variação
entre crianças diferentes , como a mesma criança tem um
reportório bastante vasto de respostas . Por muito bem que um
professor conheça a sua turma ser-lhe-á difícil predizer
como cada criança reagirá, individualmente, a mui tos dos
estímulos da vida quotidiana da turma . Às vezes parece que a
criança está a experimentar diferentes tipos de respostas ao
mesmo estímulo simplesmente para ver qual funciona melhor, e
muitas vezes está mesmo a fazê-lo, a experimentar, de facto,
para ver como o mundo se comporta e determinar até que ponto
as suas aptidões lhe permitem · influenciar este comporta-
mento.
Infelizmente, como todos os professores também
sabem, por esta altura mu i tas crianças mostram já sinais de
ficar inexoravelmente , atrás das outras nesta questão da
aquisição de aptidões. Às vezes parecem, inatamente, menos
capazes de fazer· perguntas certas e de compreenderem as
respostas quando elas chegam. Outras vezes parecem ter
falhado os tipos de estimulação de que falámos neste
capítulo e no anterior. Incapaz de ganhar confianca,
autonomiF ou iniciativa - às vezes as três juntas a
criança está em desvantagem nas suas tentativas para fazer
uso do seu potencial inato. Quanto mais velha, mais difíceis

t
se tornam mui tas vezes as coisas. O seu fracasso em dominar 'I
l
as primeiras aptidões tornam-na menos apta a dominar as
i\ posteriores. O fracasso , tal como o sucesso, multiplica-se
em si próprio. A cada experiência fracassada, a criança
vai-se tornando cada vez menos segura, cada vez menos capaz
de enfrentar coisas novas , cada vez menos confiante nas suas

IV - 199
Construção de Identidade

próprias capacidades. Pelo contrário,


~~~~~~~~~~~=-~~
a criança cuja
competência se vai desenvolv endo tem a confirmação constante
de que as suas aptidões são uma forma eficaz de lidar com o
mundo, e de manter um e quilíbrio entre as exigências deste e
as suas próprias necessidades. Com -esta competência nasce a
convicção crescente da solidez e da profecia do mundo e aí
da sua própria posição e prestígio. A sua personalidade
vai-se desenvolvendo de forma defi nida num meio que ela
compreende. E enquanto vai observando e se vai identificando
com os professores e com os pais, de igual modo é capaz de
ver que as suas próprias aptidões são uma versão bem
sucedida da forma como eles próprios se comportam.
Durante os anos da escola primária, a criança
descobre, outros modelos de comporta,mento para além dos pais
e professores. E esta descoberta realça mais nitidamente do
que nunca a sua competência em desenvolvimento, ou a sua
falta. A criança descobre estes modelos principalmente entre
as outras crianças, e torna-se cada vez mais consciente do
nível de competência delas em relação ao seu. As outras
crianças fazem as coisas melhor · ou pior do que ela, têm
outras notas piores ou melhores, recebem mais ou menos
elogios do professor, são mais ou menos populares na turma,
metem-se em sarilhos com maior ou menor frequência. E , quer
gostemos quer não, como _professores vamos ajudando este
processo de comparação. Chamamos a atenção para o trabalho
bem feito, recusamos a nossa aprovação ao mal feito,
distribuímos as tarefas da aula, · damos uma ajuda extra. A
própria exclusividade como crianças torna impossível
tratá-las todas da mesma maneira.
No capitulo anterior descrevemos a influência lf'littJtllúil
1;1
que o professor pode ter nos sentimentos · de - culpa e PJt(~ 1\14
auto-rejeição da criança. Infelizmente, têm sido feitos
e-111.E-~/'I@ ~
Q~~À
A A
poucos estudos sobre a influencia que os professores tem nos
concei tos de competência e mestria da criança. Mas temos

J
provas significativas do papel que os pais desempenham,
nesta área, no trabalho realizado por Stanley Coopersmi th
nos E . U. A. ~oopersmit!D (1986) acompanhou um grupo de
rapazes desde os 10 anos até à idade adulta e com base . em

IV - 200
Construção de Identidade

testes psicológicos e avaliações dos próprios e dos


professores, descobriu que , se mantiveram divididos, de
forma constante, em três grupos que ele rotulou de
amor-próprio elevado, médio e baixo. Os rapazes com um
amor próprio eJeyado eram desde o princípio activos e
-
expressivos. Gostavam de participar e eram. em geral,
académica e socialmente bem sucedidos. Eram, confiantes, não
se preocupavam demasiado com crí ticas e tinham uma imagem
exacta das suas capacidades . Os rapazes com um amor-próprio
médio partilhavam mui tas destas qualidades, · mas eram mais
conformistas, mais desejosos da acei tacão social· e menos
seguros do seu próprio valor . Os rapazes com um amor-prÓprio
baixo eram, por contraste, como lhes chama Coopersmith, ~
~te grupinho, isolado. receoso. constrangido. relutante
em participar e muito sensível à crí tica. Estavam prontos a
subestimar-se e preocupavam-se com os seus próprios
problem~.
O que era particularmente interessante era que o
. ser-se membro de um deste três grupos não parecia estar
particularmente relacionado com atractivos físicos, inte-
ligência ou proveniência ( eram todos da classe média):Mas ao
examinar os seus antecedentes, Coopersmith descobriu que os
rapazes com um amor-próprio elevado vinham de lares onde
eram considerados pessoas importantes e interessantes e onde
as suas opiniões sobre as decisões familiares eram pedidas e
escutadas. As expectativas dos pais eram mais seguras e . mais
elevadas do · que nos outros dois grupos e a disciplina era
menos permissiva, embora dependesse mais das recompensas do
que da recusa de amor e . de castigos corporais. Os rapazes
enál teciam a justiça dos pais. Por outro lado, os rapazes
~m um amor-próprio baixo consideravam muitas vezes que os
pais eram injustos. Havia poucOs indí cios de que, os pais se
interessassem por eles ou lhes dessem uma orientação clara,
e as normas de disciplina .eram incoerentes, variando impre-
visivelmente da permissividade extrema ao rigor extremo .
Estas descobertas interessam ao professor não só
pela luz que lançam sobre o passado das crianças, mas também
porque podem ser; igualmente , bem aplicadas na sala de aula.

IV _ 201
Construção de Identidade

Os rapazescom um amor-próprio elevado eram, geralmente, bem


sucedidos no que faziam, estabeleciam a si . próprios metas
elevadas, e trabalhavam mais perto dos seus potenciais
porque não eram inibidos pelo medo de falharem ou por
dúvidas quanto ao seu valor pessoal. Se tivermos um
conhecimento realista das nossas próprias capacidades e se
confiarmos neles, ficaremos menos impressionados por um
falhanço ocasional, menos diminuídos por críticas ocasio-
nais, menos desejos da aprovação não qualificada de toda a
gente. Estamos mais prontos a participar, somos menos
intimidados pelas coisas, menos desencorajadas por possíveis
pressões. Os rapazes com um amor-próprio elevado sabiam que
contavam como pessoas porque os pais, directa e indirec-
tamente, lho tinham dito . O professor pode, da mesma
maneira, mostrar às crianças que e l as contam. Pode encora-
já-las a utilizar as suas aptidões , incitá-las a continuar
quando falham em vez de castigar este desaire com pal avras
ou actos, interesar-se, pessoalmente, · pelo seu progresso
diário, partilhar a alegria que elas sentem quando são bem
sucedidas. Uma das regras de ouro do professor terapeuta é a
de que a sala de aula deve estar estruturada de tal forma
que cada criança possa experimentar este sucesso, por muito
baixo que o seu nível pessoal de talento possa ser , e a
mesma regra deveria ser aplicada com igual intensidade numa
classe normal.
É interessante verificar que os rapazes com um
amor-próprio · elevado tinham pais que estabeleciam padrões e
os aplicavam de forma constante e que não eram indevidamente
permissi vos. Mencionámos já a importância de persistência
quando se lida, com crianças, e este é talvez, o assunto a
que daremos particular ênfase. É através da sua experiência
de persistência nos outros que a criança vai gradualmente
aprendendo que o mundo é um local previsível, e que as
habilitações que adquire hoje ter ão também algum valor
amanhã. A sensação de confiança do bebé, a sensação de
amor-próprio da criança mais velha baseiam-se na segurança
de sa.b erem que .as coisas, no mundo que as rodeia, possuem
padrões e leis. A água não é seca hoje e húmida amanhã. As

IV - 202
Construção de Identidade

pessoas não são amáveis para elas num minuto e cruéis no


outro. A presença de padrões na sala de aula, padrões que
estão relacionados com o potencial individual da criança,
dão a esta um modelo em relação ao qual medem o seu próprio
progresso, qualquer coi sa que procuram alcançar, prova da
sua competência crescente.
Ao estabelecer padrões, o professor torna ainda
mais evidente às crianças que se interessa por elas . Em
todos os caminhos da vida, se esti vermos interessados por
alguma coisa, quer seja P9r jardin agem ou pela equipa de
futebol local, mostramos, Lgeralmente, o nosso interesse
preocupando-nos com os níveis de actuação. O nosso jardim,
ou pelo menos o meu, nunc a serã como Kew, e a nossa equipa
de futebol pode não ganhar nunca a Taça Europeia, mas, no
entanto e dentro dos limiteS' do possível, temos padrões .para .
elas . A ausência de quaisquer padrões é mui tas vezes uma
indicação de que a coisa , ou a pessoa, em questão , não
merecem que se preocupem com elas . Na aula, a presença de
padrões mostra à criança qu e acred itamos nela e queremos
vê-la progredir, e mostra-lhe tamb ém que aquilo que lhe
pedimos para fazer, a aptidão que l h e pedimos para dominar ,
o conhecimento que lhe p edimos para adquirir têm t ambém
algum valor .
Nada disso implica uma ausência de democracia na
sala de aula. É significativo que os rapazes com um
amor-próprio elevado venham de lares em que eram encorajados
a exprimir as suas opiniões, eram consultados sobre as
decisões familiares , e onde lhes f aziam sentir que eram
pessoas importantes. Os r a pazes elogiavam, lembrem-se , ' a
justiça dos pais. Nem implica uma di sci plina rígida. Os pais
confiavam mais em encor a jamentos do que em castígos
corporais ou recusa de ' amor . A recusa de amor, ou no caSQ dO !
~ professor a recusa de preocupações de ' interesse! não têm
, probabilidade nenhuma de produzir amor-p róprio numa criança.
Ela precisa de sentir que é suficientemente importante para
lhe serem sempre dadas estas coisas, . e que não são mais
suj ei tas a mudanças e recusas do que as leis naturais que
fazem do mundo um lugar seguro para v iver.

IV - 203
Construção de Identidade

Correndo o risco de prolongar demasiado esta O((/(f4$ C(~ fiA


secção, há outros três factores que estão relacionados com o. Ii~~ . _
desenvolvimento da competência Duma criança. O primeiro i.....2.: ~qfJ;i{NC,(lt. -t
~. Vimos já algumas diferenças de personalidade entre as f(~~~
raparigas e os rapazes, e há muitas provas que mostram que _
estas diferenças se reflectem nos resultados académicos. Um Pr-
~.tJ( O·
dos estudos longitudinais mais exaustivos até agora rea-
lizados, o de~e dos seus colegas (1972), mostra que as
raparigas têm tendência para falar mais cedo do que os
rapazes e para continuarem verbalmente mais fluentes do que
eles mesmo depois de terem começado a frequentar a escola.
Talvez por causa desta fluência são geralmente mais bem
sucedidas que os rapazes na aprendizagem da leitura. Ainda
quando a distância entre os sexos se torna menor por volta
dos 9 anos, sabe-se que há mais lei tores atrasados entre os
rapazes que entre as raparigas em todos os graus da
escolaridade obrigatória . As raparigas estão també-rn menos
sujeitas a sofrerem de defeitos de ediccão, têm menor
predisposicão para acidentes (pelo menos fora de casa}, e
têm tendência para não precisarem tanto - de ajuda especial
nas clínicas de orientação de crianças. Por outro lado, os
rapazes são, geralmente, melhores a trabalhar com números
que as raparigas, e têm tendência para sentir um interesse
maior pelos acontecimentos exteriores ao lar, e pela forma
como _as coisas são feitas e funcionam.
Não se conhecem as razões precisas para estas
diferenças entre os sexos . As raparigas podem, por razões
cul turais, passar mais tempo em casa e a conversar com as
mães do que os rapazes e podem passar mais tempo a ler
porque se refugiam menos no desporto organizado. Vimos na
referência feita ao - trabalho de Davie na última secção que
elas se mostram mais ansiosas por agradar aos pais, e isto
pode significar de novo que passam mais tempo com e l es, e
que passam mais tempo a fazer coisas que os pais aprovam,
tal como estudar. Mas, provavelmente, há também razões
genéticas. As raparigas parecem amadurecer, fisioamente,
mais cedo do que os rapazes em certas localidades e isto

IV - 204
I
;1
. 1

Construção de Identidade

pode significar que estão aptas a dominar certas faculdad~


numa idade mais jovem que os rapazes . _I .
O e.-egundo factor que ainda tem de ser mencionado B.. ~ ftrt i:...f
é a classe social. Uma lacuna da obra de Coopersmith reside
no facto da sua amostragem ser constituída apenas por
rapazes da classe média. Não nos diz nada sobre amor-próprio
nas crianças da classe operarla. Contudo, testemunhos de
outros investigadores <B:õsenbe~ 1965) dizem-nos que as
crianças da classe operária, especialmente os rapazes, têm
um concei to de amor-próprio mais baixo que as da classe
média. E, se voltarmos novamente ao trabalho de <pavJ})
descobrimos que tanto os rapazes como as raparigas da classe
operária apresentam mais características da personalidade
normalmente associadas a um amor-próprio baixo, tal como
agressividade, retraimento, depressão e hostilidade para com
os adultos do que as crianças da classe média ~ mostra
também que para todas as áreas de competência na escola que
ele testou (aptidões orais, criati vidade, leitura e
aritmética) as crianças da classe operária arrastam-se
significativamente, atrás dos seus colegas mais favorecidos
socialmente. A conclusão inevitável é que as crianças da
classe operária estão em desvantagem na procura da
competência, o que se deve sem dúvida, a um nível mais alto
de privação maternal e paternal, a comodidades e facilidades
mais pobres, e a uma definição menos clarificada de padrões
e valores, que caracterizam esta classe.
É evidente que temos de ter cuidado com isto.
Seria totalmente errado sugerir que todas as crianças da
classe operária têm um ambiente familiar pobre, ou que todas
as crianças da classe média provêm de lares afectuosos e
estimulantes. Muitos lares da classe operária são excelentes
e mui tos da classe média são totalmente vazios em apoio
maternal e emocional. Lembrem-se queCoopersmi th encontrou
mui tos rapazes com amor-próprio baixo em lares da classe
média. Seria também errado sugerir que os valores da classe
média são em todos os casos melhores que os da classe
operária. O que estamos a dizer é apenas que a incidência de
privação é, estatisticamente , mais elevada nos lares da

IV - 205
Construção de Iden tidade

classe operária do que nos da class e média , e que os valores


da classe média se aproximam -mais dos que levam ao sucesso
na escola e na sociedade em geral. Compete ao leitor decidir
por si próprio se isto é bom ou mau . I
O terceiro factor a que devemos fazer uma breve e- 1éJ;rtI(JJ,l,JIIc da
referência é o tamanho da família. Em 1930 o psicanalista ,.fOl»i~d
Alfred~avançou a teoria de que o tamanho da família. e
a ordem de nascimento dentro da família tinham uma
influência significativa na personalidade. A teoria de Adler
era um tanto complicada e fantasista, mas parte dela , pelo
menos, parece ser apoiada por investigadores modernos.
Vários estudos, e mais recentemente, os de~ mostram
uma relação inversa entre o tamanho da família por um lado,
e a realização escolar e o a.justamento da personalidade da
classe social, parece que a quantidade, inevitavelmente
reduzida, de atenção , orientação e comunicação verbal da
parte dos pais que o indiví duo frequentemente recebe numa
família numerosa tem um efeito pernicioso numa larga faixa
do seu comportamento. Este efeito torna-se cada vez mais
notório quando a família aumenta acima de duas crianças .
Davie notou também que nestas famílias é a realização
escolar e a adaptação social da criança mais velha que
parecem mais severamente penalizadas, provavelmente porque
sendo a mais velha é mais abandonada a si própria pelos pais
que qualquer das outras .
Antes de deixarmos a questão da competência e
desenvol vimerito da personalidade , t alvez · possamos voltar a
um ponto que mencionámos alguns parágrafos atrás. · Dissemos
que, entre outras coisas, um elevado grau de hostilidade
Eara com os adultos é uma característica

1
crianças em articular das crian as da classe
têm um conceito de amor-próprio baixo. Isto
estranho, mas não é d ifíci l descobrir a razão. Se uma
criança verifica que em tudo o que faz, na escola e em casa
parecer

lhe recordam o facto de não ser tão boa como a maioria das
crianças da sua idade, pode aceitar esta informação e
tornar-se uma das tristes crianças a que Coopersmi th se
refere, ou tentar proteger o que lhe resta do seu

IV - 206
Construção de Identidade

amor-próprio e reagir violentamente . Se não é boa nas coisas


que lhe pedem para fazer na escola , pode aceitar que isso
significa que ela não presta , ou pode rejeitar essas mesmas
coisas e anunciar ao mundo, com hostilidade ou fanfarronice,
que elas não merecem ser feitas '. Se não consegue mostrar-se

~
à aI tura dos padrões da escola o ue faz na realidade é
dizer: não sou eu que sou incompetente os padrões
estão errados.

5º. Identidade contra Confusão de Papéis. Erikson


os estâdios que a personalidade atravessa no seu
desenvolvimento como verdadeiros es t ádios da descoberta do
eu. Ao descobrir qual o seu lugar no mundo, ao ouvir o que
os outros dizem acerca dela, ao identificar-se com os
adul tos e com as outras crianças, ao comparar-se abs seus
companheiros, a criança constrói, gradualmente, uma imagem
da pessoa que é. identid Este I)tfJTi1).\l>f..
como basicamente formada no final da adolescência. Nos es-
tádios de desenvolvimento que ainda existem na vida adulta,
o indíviduo enfrenta o problema de chegar a um acordo com o
tipo de pessoa em que se tornou e de fazer o melhor possível
dela. Quanto maior for o sucesso com que domina a crise da
adolescência, mais segura e realista será esta "pessoa", e
mais clara e mais bem definida a sua identidade. Se o
indi víduo falhar na tarefa da descoberta do eu que tem de
enfrentar na adolescência, sofrerá daquilo a que Erikson
chama confusão de papéis. Não terá uma ideia clara da pessoa @DWi1~ ~
que ,é, será uma vítima das pressões muito diversas e f'A'J~5
contraditórias da vida adulta, agarrando-se desespera-
damente, para se sentir seguro, a uma imagem rígida ,e
artificial de si próprio que não deixa espaço para mudanças'. .
A característica biológi ca mais importante da ~ ~oLf)5Cftl(.( A
adolescência é a chegada da maturidade física e sexual. Esta \
transição abrupta da infânc i a para a idade adulta provoca ~
todos os tipos de problemas. As raparigas levam cerca de q } O ÚtLu.h
fJ .t J
quatro anos, desde o início da explosão do crescimento
t1H~-tot(),(J
!
adolescente por volta dos 12 anos e meio, até atingirem a I

IV -207
·,

Construção de I dentidade

estatura adulta, e os rapazes comecam e acabam cerca de


dezoi to mêses depois. O adolescent e aprendeu a enfrentar a
tarefa de ser criança e tem agora de enfrentar a tarefa de
ser um adulto , e de a enfrentar numa sociedade industrial
complexa que, em parte por causa da demora na idade de
deixar a escola, está mui to relutante em lhe conceder a
categoria de adulto . Sociedades mais primi ti vas do que a
nossa , onde são automaticamente atribuídos às crianças os
direitos e responsabilidades da idade adulta, na puberdade,
experimentam muito menos problemas do que nós com este grupo
etário. Sociólogos há que sugeriram serem, por isso , estes
problemas mais um resultado da nossa cultura "artificial" do
que das mudanças da própria adolescência. /
Seja como for, não se pode negar que estes .l)~*.J.A~"",1t
problemas existem . Obviamente, variam de intensidade de ,M1f1
indivíduo para indivíduo mas a maioria dos adolescentes
descobrem que muitos dos conceitos que construíram durante a
infância parecem, de repente, ultrapassados. O que têm agora
de aprender é se o rapaz mau se torna necessariamente no ·
homem mau, se o rapaz bom se torna necessariamente no homem
bom. A maldade, que outrora podia ter parecido um evidente
aborrecimento para os seus companheiros, pode agora vir a
ser considerada por eles como uma rejeição admirável da
autoridade, ao passo que a bondade pode vir a s :er
considerada como uma tentativa furtiva para obter os favores
dos adultos. Para tornar as coisas piores, em p arte por
causa das modificações no equilíbrio hormonal, muitos
adolescentes estão sujeitos a violentas flutuacões de estado
de espírito. O amor e a afeição pôr aque l es que os rodeiam
podem tornar-se, subi tamente, em irritação e até aversão
activa. Não é de espantar que isto cause uma grande
perplexidade ao adolecente (para não dizer nada do efeito
nos adultos que o rodeiam ! ) Quem é a pessoa real escondida
nesta confusão?
Para complicar ainda ' mais as coisas,
adolescente descobre-se muitas vezes a ser influenciado
o ~} 1._/U1L-'1:.
(J(;V ~'t/,
~
pelos que o rodeiam. Comporta-se de uma maneira com os
amigos, de outra com os pais . e de outra ai nda com os

IV - 208
Construção de Ident i dade

professores, Cada uma de s tas manei ras parece envolv er um


conjunto de valores comp l etamente diferente e impor-lhe
exigências completamente diferentes. Se pertence a um grupo
minoritário, como por exemplo a uma comunidade de emigrantes
ou a um grupo social minoritário, estas exigências
incompatíveis podem ser a i n da piore s. E seja ele quem for,
parece-me muitas vezes ter de enfrentar a tomada de decisões
importantes sem uma orientação c l ara, porque parece não
existir ninguém com experiência
compreender a sua posição .
que possa rea lmente
-::t:
~~~;?~~~~~~a~~m~a~l~·~o r~i~a~~d~o~s~_a~d~o~l~e~s~c~e~n~t~e~s_ ~~~~~ ~ ~
alcançam o denomina estádio das ~~
formais, um - marco importante no desenvolvimento cognitivo.
Em resultado disso, são agora c apazes de efectuar um
raciocínio dedutivo e abstracto, e é isto, juntamente com a
sua frustração em relação ao mundo adulto, que torna o
adolescente tão propenso a pôr tudo em questão . Conceitos
abstractos como liberdade , justiça e igualdade começam agora
a ter mais significado para ele e ,- antes de ser apanhado
pelas realidades da vida adulta, p assa frequentemente por
uma fase de idealismo intenso duran t e a qual quer endireitar
o mundo. É em parte isto que o f az dedicar-se a causas
sociais e políticas, mas há também outra razão, ou seja que,
apesar da sua segurança exterior, o adolescente está muito
longe de se sentir seguro de que as suas opiniões,
particularmente quando estão em desacordo com as dos
professores ou dos pais , sejam realmente correctas . ~
dúvidas que _sente em relação à sua identidade estendem-se
também a estes aspectos . Ele está a i nda a fazer experiências
consigo próprio, está ainda , por assim dizer, a experimentar
o seu fato de adulto, e ao apoiar causas e ao aderir a
coisas, experimenta um sentimento de afinidade que lhe dá
confiança. S~ outras peSlOoas se reYQJ tam contra a

~
utoridade! e estão preparadas para o deixar tornar-se uma
delas, então as suas batalhas pessoais contra os professores
e os pais devem também ser justifi cadas! ou pelo menos é
ssim que ele raciocina .

IV - 209
Construção de Identidade

A rejeição parcial da autoridade dos pais e dOS~~~ ~


·p rofessores por parte do adolescente torna-o menos inclinado ~h4t ~,
do que até ali a vê-los como modelos a imitar. Descobre Ftl .
alternativas, por vezes em heróis de culto como desportistas
e estrelas populares, outras vezes no grupo dos seus
companheiros. De facto o grupo dos seus companheiros
torna-se cada vez mais importante, especialmente em questões
de vestuário, linguagem e comportamento. A aceitação por
parte do grupo · é mui to importante para ele. Encon tra-se
excessivamente preocupado em se sub meter às suas normas, e
em o mostrar em tudo quanto fa z . Pode ficar vivamente
embaraçado com qualquer coisa, como um desenvolvimento
físico tardio, que o coloque à margem dessas normas . .-J)
impulso sexual que nos rapazes atinge o ponto máximo por
volta dos 16, 18 anos de idade, faz também que o adolescente
se vá interessando cada vez mais pelo sexo oposto, e não ser
bem sucedido nas suas relações com ele pode ser um golpe
profundo tanto para os rapazes como para as raparigas, e
pode conduzir a autoconceitos negativos que mais tarde
afectarão crucialmente decisões sob re coisas como vocação,
amigos, estilo de vida e companheiro de casamento.
A adolescência é também a idade cimeira para a
actividade delinquente. Apesar da delinquência ser, como já
sugerimos, um fenómeno de causas múltiplas, cujas origens
recuam até uma adaptação imperfeita na primeira infância, a
maioria dos actos de delinquência tem tendência para se dar
com crianças que estão no último ano de escolaridade ou
perto disso, precisamente a época em que se sentem mais
aborrecidos pela continuada negação da categoria de adulto .
Os níveis de agressividade mais baixos. a maior dependência ,
a socialização mais efectiva e a reconciliação antecipada
com o seu · papel na vida, tornam as raparigas menos
inclinadas do que os rapazes para a actividade delinquente,
ainda que nos últimos dez anos os actos de delinquência por
parte de raparigas; particularmente os que envolvem
violência, tenham vindo a crescer proporcionalmente mais
depressa do que os dos rapazes (na América a proporção de um
acto das raparigas para cinco de rapazes desceu agora de um

IV - 210
Construção de Identidade

para t rês) . Isto é possivelmente um reflexo da mudança de


estatuto das mulheres na nossa sociedade.
Testemunhos tanto da Grã-Bretanha como da
América sugerem que a personalidade do adolescente delin-
quente se caracteriza por host i lidade , desconfiança , impul-
sividade e autodomínio baixo. Há geralmente autoconcei tos
pobres, sentimentos de insufi ciênc ia e rejei cão e de
confusão e conflito (ex . Conger e Miller, 1966) . Além da
privaç ão maternal, as formas de ac tuação dos pais em lares
de delinquentes , apresentam geralmente aquelas caraterís-
ticas apontadas por Coopersmith no passado dos rapazes com
um amor-próprio baixo, i . e . são excêntricas, imprevisíveis
e dão poucas provas de terem qual quer interesse genuíno
pelas crianças . O pai é frequ entemente rejeitado pelo filho
como modelo de comportamento por causa da sua fraqueza
enbriaguez ou severidade (Andry, 1960) . A incidência da de-
linquência aumenta enormemente quando descemos nas classes
sociais, e é típico que o delinquente venha de uma área
suburbana subprivilegiada em que, como v imos no capí tul o 1,
a comunidade aprova valores como a dureza e a rejeição da
autoridade.
Na delinquência h á , provavelmente, um factor
temperamental em acção . Mencionámos no capítulo 1 que Glueck
e Glueck encontraram uma elevada proporção de mesomorfos
entre os delinquentes , e pode ser que as qualidades elevadas
de ofensiva e de comando Wle os mesomorfos po ssuem . gu ~ndo
lhes são negadas saídas s ocialmente aceitáveis, e vol tem
para a subcultura de quadrilha que figura tão proeminen-
temente na actividade delinquente. Temos mais testemunhos
desse factor temperamental na obra de Eysenck, que declara
que as amostras de delinquentes sao significativamente
extrovertidas, o que mais uma vez sugere um ai to nível de
agressi "idade e necessidade inata de estímulos externos e
excitação (ver capítulo 5 ).
Chega do lado negativo da adolescência. Não é
<
difícil fazer a adolescência parecer um estádio muito pouco
atractivo no desenvolvimento humano. De facto muitos
professores preferem t rabalhar com este grupo etário a

IV - 211
Construção de Identidade

trabalharem com qualquer outro, e acolhem com prazer o (J ?~4~~ .f


potencial do adolescente para o idealismo e comprometimento. O AJ)o~~H*-
Acham também exci tante observar como a personalidade
infantil evolui, num espaço de tempo tão curto, para uma
personalidade adulta, e sentem-se grandemente recompensados
com a ajuda que podem dar a este processo. Parte do segredoT
do êxito que obtêm ao lidar com adolescente reside no facto
de parecerem conscientes da natureza experimental de mui to
do que o adolescente faz. Pela sua tolerância, mas ao mesmo
tempo pelos padrões constantes e claros que mantêm em áreas
onde estes padrões não são negociáveis, ajudam o adolescente
a responder . a perguntas que faz sobre o seu meio e a
compreender os limites que existem no mundo adulto, mundo em
que ele está prestes a entrar.
Parecem também conscientes da profundidade de :rr
sentimento e da ' vulnerabilidade gue estão na base do
exterior do adolescente por vezes impertinente e cínico.
Defrontando-se com o problema da aquisição de uma identidade
em que as várias partes da sua per sonalidade entrem numa
relação coerente umas com as outras e não se percam numa
confusão de papéis, o adolescente sente duvidas profundas
sobre si próprio e precisa da segurança que lhe confere o
saber que o seu professor confia no tipo de pessoa em que
ele se está a transformar. A impertinência e o cinismo não
são mui tas vezes mais do que uma carapaça defensiva, para
esconder uma sensibilidade interior e para impressionar o
grupo dos seus amigos. O professor vê através dessa carapaça
ainda que tenha o cuidado de não a destruir, especialmente
em frente do resto da turma. porgue este tipo de humilhação
pode unicamente levar à vergonha, e mui tas vezes a uma
hostilidade subsequente para com o . professor, hostilidade
que não perdoa.
Os professores que compreendem os adolescentes
parecem também conscientes da necessidade permanente de 1fI..
~ostrarem interesse - ainda que nunca de forma importuna -
pelas actividades do adolescente. Isso significa que se
interessam por essas actividades dentro e fora da escola,
pelas suas perspectivas e ambições futuras assim como pela

IV - 212
Construção de Identidade

sua realização presente. Es t es professores mostram também


interesse " pelos seus gostos e antipatias. Ouvem e respeitam
as suas opiniões, toleram o seu desejo de ser diferente dos
mais velhos e não fazem juízos fáceis sobre a sua
personalidade baseados em aspectos exteriores como modas de
vestuário e linguagem. Encorajam-no a trazer para a aula,
como assunto próprio para discussão, os seus problemas sobre
relações pessoais e sexuais , e estão preparados para lhe
darem respostas claras às suas perguntas e indicarem a
diferença no campo dos valores entre facto e crença, que têm
o seu lugar mas envolvem diferentes tipos de questões .
Compreendem também o conflito, que na vida de j{.
algumas crianças é agora mais agudo que nunca, entre os pa-
drões da escola e os de casa. Qualquer conflito directo
entre a escola e a casa pode aumentar enormemente as pres-
sões relativas à confusão de papéis da criança. A escola
pode, frequentemente, reconciliar estas pressões ao evitar
regras e restrições desnecessárias , que dão à criança a
impressão de que a escola não tem contacto com o mundo real .
Em qualquer comunidade são necessáris regras para que as
pessoas vivam juntas em harmonia, mas estas regras devem
existir clara e obviamente para esta finalidade, e não para
servirem costumes ultrapassados ou preconceitos de um
pequeno grupo. Quanto mais democrát i co for o processo uti-
lizado para chegar a estas regras, mais interesse as pessoas
verão nelas, e mais probabilidades tem de ser obedecidas. As
regras más, que são inevitavelmente ignoradas logo que os
responsáveis voltam as costas, levam apenas à perda de
respei to pela autoridade e a um consequente desprezo por
muitas outras regras que existem com um fim muito melhor.
Há provas de que através de uma polí tica de
rejeição, das crianças menos capazes, no seu próprio meio,
uma escola pode também provocar os seus tipos de conflitos e
subculturas próprias . Hargreaves (1967) e Lacey (1970)
descobriram (independentemente um do outro) que os liceus e
as escolas secundárias modernas concorriam para a " criação de
mentalidades semelhantes de tendênc i a (A) e (C), sendo as
primeiras caracterizadas pela aceitação da escola, do seu

IV - 213
Construção de Identidade

pessoal e dos seus valores e as segundas pela sua rejeição.


Não é aqui o local apropriado para entrar em debate sobre
tendências que tem implicações para além das que estão
associadas à personalidade, mas o caso é que onde as escolas
sentem a necessiadade de separar as crianças por apti dões, é
fundamrental faze-lo de uma forma qu e proteja o amor-próprio
tanto dos menos aptos como dos mais aptos.
Finalmente , os professores que. trabalham bem com
adolescentes earecem compreender que não serve de nada ~
procurar neles a obediência e dependência que tinham quando
eram mais novos . É a i ncapaci dade para mostrar esta
compreensão que leva a muitos dos conflitos que os pais têm .
com os filhos e filhas adolescentes. A recusa em ace i tar que
o adolescente está a crescer só conduz a que ele procure
reivindicar mais fortemente o seu direi to à independência.
Os professores que reconhecem este direito têm o cu i dado de
lhe dar todas as oportunidades razoáveis para que demonstrem
a sua capacidade crescente para tomar responsabili dades de
adulto. Tais oportunidades são de longe mais valiosas do que
as inumeras homilias que são dirigidas pelos adultos com
quem convivem sobre a necessidade de desenvolver esta
responsabilidade . Acontece, com demasiada frequência, ~
quando damos lições aos adolescentes, e até às crianças mais
novas sobre a necessidade de adquirirem um modo de encarar a
vida mais amadurecido queremos dizer que eles o deviam
adquirir apenas quando nos convém , e nas outras ocasiões
voltar à subordinação de um estádio anterior do seu
desenvolvimento. Isto é uma prática errada, e é possível
que, se todos o compreendêssemos, houvesse menos . r ra
lamentar em educação, a "irresponsabilidade" d

6 2 • Intimidade contra Isolamento. Este estádio,


no periodo inicial da idade adulta , diz mais directamente
respeito aos professores que se dedicam ao ensino . superior
mas é importante para todos os professores por ser o ponto
culminante dos anos da infância e da adolescência. A
intiinidade' é a capacidade para manter relações pessoais
completas e satisfatórias com outr as pessoas de ambos os

IV - 214

Construção de Identidade

sexos, relações que culminam no casamento e na amizade para


toda a vida, e em contactos estrei t os e permanentes com as
pessoas com quem se trabalha e com as pessoas da comunidade
a que se pertence . Talvez a melhor forma de tratar este
estádio seja fundi-lo com a análise mais ampla da persona-
lidade amadurecida, isto é com uma análise daquelas quali - ?;RsoNALÍw~l)E.
dades pessoais que definem as pess o as como tendo alcançado ~H4-)u(ednA
um equilibrio e uma riqueza no seu desenvolvimento que lhes
permitem viver feliZes e comple t as . O próprio ~)
escreveu bastante sobre a personali dade , mas o psicolgo que
t
lhe deu mais atenção foi , provav elmente , Gordon Allport
(18g7-1g67). ~ (1g6 1 ) v ê a aqu i sição de um v erdadeiro
sentido de identidade pessoal na adolescência como si~ni­
ficando que o indivíduo evolui desde ser essencia) mente um
conjunto de pessoas diferentes aser uma pessga línj ç a Q!]
inteira. Allport considera que nos primeiros estádios do
desenvolvimento da nossa personalidade possuimos um vasto
conjunto de características , tais como simpatia . honesti-
dade, dedicação aos livros, que usamos um tanto incoerente e
arbi trariamente nas nossas relações com as outras pessoas
(por exemplo, somos honestos com os nossos amigos mas não
com os nossos professores, dedicados aos livros na escola,
mas não em casa). Quando crescemos , mui tos de les fundem-se
num número mais pequeno de unidades melhor integradas a que
Allport chama "eus" - (por exemplo , temos um "eu" caracterís-
tico na escola, e outra em casa) e , com a - descoberta da
identidade fundem-se por sua vez na unidade única da perso-
nalidade amadurecida.
Para Allport a Bersonalidade amadurecida é
portanto, caracterizada pela coordenação e coerência . Se um
indivíduo é maduro, sabemos que, se j a qual for a situação em
que o encontremos. permanece identificavelmente a mesma
pessoa (pelo menos dentro dos limites razoáveis; qualquer
personalidade pode quebrar debaixo de uma tensão extrema).
Não é honesto em casa e desonesto n o trabalho (ou honesto e
desonesto tanto em casa como no trabalho em circunstâncias
diferentes), ou piedoso na igreja e amoral no clube local,
ou bem-humorado com os amigos e um desmancha- prazeres com a

IV - 215
Construção de Identidade

família, ou confiante com os homens mas um tímido desgraçado


com as mulheres . Ele não tem, de facto diferentes "eus",
cada um deles susceptível dos seus próprios códigos
separados, de comportamento e de valores. Um exemplo extremo
de pessoas que não conseguiram esta integração amadurecida
foram os oficiais nazis dos campos de concentração que
tinham a reputação de serem bons maridos e bons pais à
noite , mas passavam os dias condenando pessoas inocentes a
uma morte odiosa.
Claro que isto não é tudo o que há a dizer sobre
a maturidade. . Geralmente, quando falamos de uma
personalidade amadurecida fazemo-lo com um juízo de valor
implícito pelo facto de esperarmos que esta personalidade
integrada tenha qualidades que a tornem desejável ao
conjunto da comunidade. É possível , pelo menos em teoria,
que uma pessoa esteja perfeitamente integrada a praticar o
mal, o que pode significar que ela corresponde aos critérios
de Allport, mas dificilmente será o tipo de pessoa que
desejaríamos para vizinho ou professor dos nossos filhos.
Também pensamos, geralmente, na pessoa amadurecida como
~ndo uma pessoa eficiente, que consegue realizar coisas no
campo de actividade por ela escolhido. Isto é apoiado por
estudos como os de ~rr~ (1954), que descobriu que os
estudantes licenciados considerados pelos seus professores
como possuindo uma maturidade de personalidade elevada
pareciam ser particularmente bons na organização do seu
trabalho, no juízo que faziam de si próprios e dos outros, e
na resistência à tensão. Pareciam ser também altamente
íntegros, enérgicos, adaptáveis, cheios de recursos e bem
integrados.
~reconhece a necessidade de uma definição
de maturidade que tenha em conta estas questões de vaIare,
ao resumir as opiniões de vários psicólogos sobre o assunto,
sugere que a personalidade amadurecida manifesta as
~eguintes qualidades:

1. Um sentido · alargado do "eu", que lhe permite


transcender o egocentrismo da infância e

IV - 216
Construção de Identidade

identi ficar- se com as preocupações e


problemas dos outros.
2. Uma relação calor osa com os outros, que lhe
permi te amá-los tanto por eles como por si
próprio .
3. Segurança emocional , que lhe permite
enfrentar os problemas e medos da v ida
quotidiana .
4 . Conhecimento profundo de si próprio , que lhe
permite rir-se de si mesmo sem perder o
amor-próprio. (Há uma certa correlação entre
o conhecimento profundo de si próprio e a
inteligência, embora isso não signifique de
forma alguma que uma implique necessariamente
a outra).
5. Uma orientação realista em relação ao mundo,
que lhe permite julgar correctamente as
pessoas e coisas, e tomar as decisões
necessárias.
6. Uma filosofia da v ida unificadora, quer
religiosa, quer humanística , que lhe permite
interpretar a final i dade da vida e tomar
decisões a longo prazo sobre objectivos a
atingir e sobre normas de comportamento .

Isto faz que a pessoa amadurecida pareça um


modelo de perfeição , mas é um engano . Sentir respeito pe los
outros, por exemplo , não a impede por vezes de se s enti r
zangada ou impaciente com eles. Ter um julgamento válido,
não significa que não cometa erros . Ter segurança emocional
não significa que nunca se sinta deprimida ou inapta.
Conhecer-se com profundidade não significa que não se sinta
por vezes surpreendida consigo própria , ou não se sinta
desapontada por não conseguir a lcançar algo que ambiciona
intensamente . O que é elementar em relação à maturidade é
que aquele que a atingir não está, constantemente , à me rcê
das suas próprias fra qu ezas , ou constantemente vulnerável às
Eessoas e acontecimentos do mundo e x terior . Possui um grau

IV - 217
Construção de Identidade

de autoconhecimento e autodomínio que lhe permite t irar o


maior partido de · si próprio, um respeito pelos que estão
perto dele que lhe permite amá-los sem os "sufocar", uma
tolerância pelo mundo em geral que lhe permite respeitar os
direitos dos outros, e 'um sentido de intenção e de aspiração
que dá substância e direcção à sua vida.
É claro que mui tas destas qualidades não se
desenvolvem até que o indivíduo tenha ultrapassado o período
inicial da idade adulta; Erikson continua a considerar que a
personalidade tem de enfrentar problemas da maior
importância no que respeita à aprendizagem e à adaptação no
meio e no final da vida. Descreve-os como sendo a
produtividade, que -é a capacidade para criar. para aceitar
ideias novas, e, em particular, para influênciar a geracão
seguinte através da paternidade e do ensino e como
auto-aceitação, que ê a capacidade de. na velhlce, rever a
vida com um sentimento de realização, com a consciência de
que se fez o que se podia para beneficiar os outros e de se
ter usado de forma produtiva todas as aptidões que se teve
fortuna de possuir.
É pena que não possamos pegar nestas questões,
particularmente as que dizem respeito ao final da vida, e
desenvolvê-las mais completamente. A maior parte dos anos na
vida de um homem está fora do processo educativo formal, e
do ponto. de vista do crescimento e adaptação da persona-
lidade, isto é de lamentar. As pessoa têm, frequentemente,
de enfrentar os maiores problemas de adaptação ao meio e no
final da vida quando a educação pouco pode fazer por elas. A
mãe de meia idade que descobre que os filhos cresceram e a
deixaram, o homem de 50 anos que se descobre fechado num
emprego e num modo de vida total mente insatisfatórios. o
casal reformado que não sabe que fazer de tanto tempo livre;
são a prova de que para todos eles a educação formal deveria
ser um processo que durasse a vida inteira. Se assim fosse
este livro seria muito mais longo, mas reduzir-se-ia a lista
daqueles que necessitam de ajuda médica para problemas que
se devem mais à depressão e a um sentido de insuficiência
pessoal e futilidade do que a uma doença orgânica.

IV - 218
ORIGENS DA MORAL

António M. BA"rrRO (*)

o "JULGAMENTO MORAL NA CRIANÇA" trata-se dum


estudo sistemático da sociali zação do pensamento infantil ,
constituindo esta o extremo oposto do egocêntrismo .
Esta obra continua como uma das mais originais
de Piaget, abrindo caminho para uma "sociologia genética".
Piaget contudo, voltou-se, a partir daqui, cada vez mais
para a lógica dos comportamentos individuais, não elaborando
teoricamente sobre a lógica dos comportamentos sociais .
Nesta obra, o ~utor começa por delinear a noção
de eguilíbrio, não chegando a inda à de operação.
J Inicialmente z o equilíbrio aparecia como uma situação de 1
\ relação externa do indivíduo com os outros. Em escri tos ~
posteriores, o equilíbrio da acção do sujeito converter-se-á )
J no predi·c.ado comum de todas as operações caracterizadas pela t
reversibilidade , não apenas das accÕes interindividuais mas
) 93de todas as acções executadas por um sujeito.
f
Distinguimos no texto, 3 séries de obsevações
que estudam a evolução de:

1. As regras do jogo.
2. O realismo moral: as desonestidades e
mentiras.
3. A noção de justiça.

(*)- António M. BATTRO O PENSAMENTO DE JEAN PIAGET,


cap. II, pags. 31-41)

v - 21 9
Construção de Valores

AS REGRAS DO JOGO

Técnica

1. Interroga-se a criança a fim de pôr em evidência a forma


como se adapta às regras do jogo dos berlindes e como as
cumpre em função da idade
2. Pergunta-se à criança : "Como se joga ao berlinde?"
Entrega-se-lhe um monte de berlindes e diz-se : "Ensina-me
a jogar"

Observações

1. (1-2 anos) Num primeiro período, puramente motor e


individual, a criança manipula os berlindes em função dos
:
seus próprios desejos e dos seus hábitos motores. Fala-se
então de regras motoras, mas não de regras colectivas.
2. (2-5 anos) PERÍODO EGOCÊNTRICO; Começa quando a criança
recebe do exterior as regras, tenta imitá-las,
continuando a jogar realmente só. Quando as crianças
jogam juntas, fazem-no cada uma para si ( todas podem
ganhar ao mesmo tempo ) e sem se procurar em codificar as
leis.
3. (7-11 anos) PERÍODO DA COOPERAÇÃO NASCENTE: cada jogador
procura ganhar aos seus companheiros, surgindo a
preocupação do controlo mútuo e a unificação das regras .
Mas apesar dos jogadores , de modo geral, conseguirem um
acordo, continua a existir uma grande variabilidade com
respeito a quais são e como se aplicam as regras do jogo .
4. PERÍODO Bê CODIFICAÇÃO DAS REGRAS: Surge uma regulamen-
tação minuciosa das partidas, sendo o código -já conhecido
e aceite por todo o grupo de crianças . Todos dão
indicações concordantes sobre as regras e suas variações .
A aquisição e prática das regras do jogo obe-
decem pois a leis muito simples, cujas etapas podem ser
definidas da seguinte maneira:
1) simples regularidades individuais

v- 220

.
Construção de Valores

2) imitação dos maiores com egocentrismQ


3) cooperação
4) interesse pela regra em si mesma.

o respeito IJIÜiIICo. pelas re~ras (2 e 3~


forma-se num resQeito RACIONAL e motivado (4) gue cor-
tran-I
responde ao cYIlU;n::j Wf:ctc e;(!iil~tivo e detalhalJC lJe !;íilCâ
regra.
Estivemo-nos a referir exclusivamente à PRÁTICA
DE REGRA. Seguidamente vejamos o que se passa com a
CONSCIÊNCIA DA REGRA.

Técnica

1. Submete-se a criança a um interrogatório , para verificar


qual é a consciência que tem da regra ou seja, que tipo
de obrigação resulta para ela da utilização da regra
2. Pergunta-se à criança se pode inventar uma nova regra.
Trata-se de comprovar se se pode legitimamente alterar as
regras, isto é, averiguar se uma regra é justa porque
concorda com o uso, ainda que seja nova, ou se, pelo
contrário, ela é dotada de um valor intrinseco e
imutável.
3. Acrescenta-se as seguintes perguntas: a) "sempre se jogou
como agora?" "O teu pai e o teu ' avô jogavam como tu?"
b) "Qual é a origem das regras?" "São inventadas pelas
crianças ou impostas pelos pais e outros adultos?". Pre-
tende-se saber se a criança acredita no valor místico das
regras, numa heteronomia do "direito divino", ou se está
consciente da sua autonomia.

Observações

1. (1-3 a 4 anos) a regra não é coerciva, seja porque é


puramente motora, ou porque se acata inconscientemente ' a
título de exemplo interessante e não de realidade
obrigatória.

V - 221
Construção de Val ores

2. (5-9 anos) a regra é considerada sagrada e inatingível de


origem adulta e de essência eterna: toda a modificação é
sentida como uma transgressão.
3 . ( 10-11 anos) a regra converte-se numa 1 e i, produ to do
consentimento mútuo, que deve ser respeitada obriga-
tóriamente se se quizer ser leal, podendo ser trans-
formada à vontade se em termos gerais assim se deseje.
Esta investigação parece revelar a existência de
(3) tipos de regras: a regra MOTORA devida à inteligência
motora e relativamente independente de toda a relação
social; a regra COERCIVA devida ao respeito unilateral; e
a regra RACIONAL, devida ao respeito mútuo.
A regra é. num primeiro momento algo exterior ao
individuo e consequentemente sagrada. Vai-se interiori-
zando seguidamente pouco a pouco. aparecendo como ~m
produto livre do consentimento mútuo e da consciência
autónoma.

o REALISMO MORAL

Juízos e avaliações infantis de acções provocadas por uma


desonestidade:

Técnica

Relatam-se dois factos decorrentes de uma


desonestidade. Um deles, (a) é absolutamente frotuito, sendo
inclusivé consequência duma acção bem intencionada, que
originou um dano material apreciável. O outro (b) não tem
grande importância material, é consequência duma acção mal
intencionada.

a) Uma criança ao entrar numa casa, abre uma porta atrás da


qual se encontra uma bandeja com 15 taças, coisa que a
criança ignorava. As taças partem-se.

V - 222
Construção de Valores

b) Na ausência da mãe , uma criança tentou tirar de c i ma de


um armário um frasco de doce. Como estava muito alto não
conseguiu alcançá-lo , mas ao descer o braço, bateu numa
taça que se partiu.

1. Pede-se à criança que compare os relatos, . perguntando:


"Ambas as crianças são i gualmente culpadas, ou uma é mais
culpada do que outra? " "Qual das duas é mais culpada e
p o rquê?"
2. Uma modificação no interrogatório consiste em narrações
referentes a roubo com distintas motivações.

Observações

Não se pode falar de estádios propriamente ditos


podendo dizer-se de um modo geral que a responsabilidaQ.e
objectiva decresce com a idade. Piaget afirma ser os 11 anos
a idade média para a responsabilidade subjectiva. No períodQ
da responsabilidade objectiva a criança da história (a) é a
mais culpada porque partiu maior número de taças. No período
da responsabilidade subjectiva, a criança da história (b) é
a mais culpada por que "sabia que estava a fazer uma coisa
má, enquanto a criança da história (a) não fez "por mal" .
Estas respostas colocam-nos diante de dois tipos
distintos de atitudes morais : julgar os actos segundo o seu
resultado material, ou levar em cont a as intenções. A noção
de responsabilidade obj ecti va aparece como um produto da
imposição moral adulta . Quando os pais são ,justos, e na
medida em que, com a idade a cri ança opõe as reacções
adul tas o seu próprio sentimento, a responsabilidade
objectiva diminui de importância.

v- 223
Construção de Valores

Definição da mentira

Técnica

A tendência para a ment i ra é natural na criança .


. A sua espontaneidade e generalidade mostram que é
construtora do pensamento egocêntrico infantil. Pede-se que
diga. "O que é uma mentira? "

Observações

1. (até aos 6 anos) Neste estádio dá uma definição puramente


realista : uma mentira é uma palavra "má". Ainda que
reconheça perfeitamente a mentira, a criança assimila-a
por completo às palavras feias que é proibido pronunciar .
2. (6 ou 7-10 anos) já diz que "mentira é uma coisa que não
é verdade". Não há ai n da, no entanto, uma distinção
nítida entre uma mentira voluntária, involuntária ou um
erro.
3. (10-11 anos) Surgem as definições correctas: "Mentira é
uma afirmação intencionalmente falsa".

Assim, podemos dizer que existe da parte da


criança uma certa dificuldade em compreender a verdadeira
natureza da mentira. A assimilação da mentira a vocábulos
proibidos parece ser índice de que a proibição de mentir é
exterior à criança (à sua conciência). Da própria definição
de mentira podemos concluir que esta obrigação de não mentir
tinha sido provocada pela imposição adulta.

Conteúdo das mentiras

Técnica

A avaliação da mentira do ponto de vista do seu


conteúdo, conduz-nos ao problema da responsabilidade

V - 224
Construção de Valores

subjectiva ou objectiva, calculada em função da finalidade


da mentira ou do grau de falsidade da afirmação. 'Contam-se
às crianças duas histór ias: a p r imeira (a) contém uma
mentira ou enexatidão sem má intenção, apresentando grande
divergência com a realidade . A outra, (b) contém uma mentira
bastante verosímil mas dita com a c l ara intenção de enganar.

a) Uma criança vai passear na rua e vê um cão muito grande


que lhe mete muito medo. Quando chegou a casa disse à mãe
que tinha visto um cão do tamanho de uma vaca.
b) Uma criança ao chegar da escola diz à mãe que a
professora lhe deu muito boas no t as, o que não é verdade
porque a professora não deu notas nenhumas.

Observações

REPONSABILIDADE OBJECTIVA (idade média 7 anos) As crianças


medem a gravidade da mentira pela inverosímilidade da
afirmação: respondem que a mentira mais grave é (a) .
RESPONSABILIDADE SUBJECTIVA (idade média 10 anos) A
gravidade moral da mentira é medida pela habilidade em
dissimular o carácter mentiroso da afirmação: assim, a pior
mentira é a da história (b) .
Por isto, a responsabilidade objectiva é um
fenómeno frequente nas crianças pequenas, diminuindo d:
1
importância com a idade . A responsabilidade ob j ecti va esta
associada à impossibilidade de relacionar o conteúdo duma
mentira com a intenção com que é dita.
'Ti,f

o DESENVOLVIMENTO DA NOÇÃO DE JUSTIÇA

Em termos da noção de justiça, existe uma


oposição entre dois tipos de respeito e por conseguinte duas
morais: a de OBRIGAÇÃO ou heteronómica e a de COOPERAÇÃO ou

V - 225
, ..

Construção de Valores

autonómica. A mora] autoritária (a do dever e da obediência)


leva, em termos de justiça , à confusão entre aquilo que é
justo e o conteúdo da lei estabelecida. Leva também ao
reconhecimento da sanção . A moral do respeito mútuo ou da
cooperação, leva ao desenvolvimento da noção de igualdade
que é constitutiva da justiça distributiva e da
reciprocidade. As experiências realizadas para verificar
esta hipótese, englobaram os seguint es problemas:

As sanções

Técnica

1. Conta-se à criança uma história c ujo protagonista é outra


criança que cometeu uma falta, sendo castigada de modo
diverso pelos pais:
2. Pergunta-se "Os castigos que se dão às crianças são
sempre justos, ou existem uns mais justos que outros?"
"Como é que castigarias a criança da' história?"
3. Pede-se em seguida que escolha um castigo entre 3
propostos, inquirindo-se do proquê da sua escolha.

EXEMPLO: Uma criança partiu um brinquedo que era do irmão :


Que é que se deve fazer?
a) Dar-lhe um dos seus brinquedos?
b) Consertar com o seu próprio dinheiro ou comprar
outro?
c) Ficar uma semana pri v ada de todos os seus
brinquedos?

Observações

Não existem estádios definidos mas uma evolucão


~II muito clara e subtil no desenvolvimento moral da criança. Os
;S menores são partidários das sanções , cuja característica é a
~ arbi ::rariedade ou carência de relação entre o conteúdo da
~ sançao e a natureza do acto do sancionado. As crianças

V - 226
Construção de Valor€s

maiores são g artidárias das sanções por reciprocidade,:


-=supõem -
uma relação entre a falta e o castigo, sendo
proporcional à gravidade da primeira e ao rigor do segundo.
Num total de 400 respostas eis as percentagen's de sanções "......-
por reciprocidade ~~~

=;::;;=~~)===;:;===;:~~===~~:~;~~~~~
% 30 44 78 do r
==============~====================

Os resultados obtidos exp l icam a continuidade em


termos de desenvolvimento moral da criança. Existem assim,
dois tipos de sapcã,,: Uma fundada na noção de expiação e
ã
outra na de reciprocidade. Ambas estão relacionadas com os
dois tipos de moral que distinguimos anteriormente: A noção
de heteronomia e do dever puro. corresponde à sancão de
expiação. A moral da autonomia e da cooperação corresponde à
sanção de reciprocidade .

A responsabilidade colectiva

Técnica

1. Trata-se de averiguar se as crianças consideram justo


castigar um grupo inteiro quando um dos seus elementos
cometeu uma falta, sendo a sua identidade desconhecida.
2. Conta-se um certo número de histÓrias onde está colocada
a questão da responsabilidade colectiva. As situação são
de 3 tipos:
a) O adulto não analisa as culpabilidades individuais,
castigando todo o grupo indiscriminadamente
b) O adulto deseja castigar só o culpado, mas este não
se denuncia, e o grupo nega-se a denunciá-lo.
c) O adulto deseja castigar só o culpado, mas este não
confessa e o grupo não sabe quem é.
3. Pergunta-se à criança se é justo em cada situação
castigar o grupo e porquê.

v- 227
Construção de Valores

Observações

Por volta dos 3 anos as respostas apresentadas


pelas crianças são :
a) castigar o grupo todo
b) não castigar ninguém.

Nas crianças mais pequenas existe a necessidade


absoluta de sanção, o que os leva a exigir um castigo para
todos antes que o culpado fique ileso: só que não existe um
juizo da responsabilidade colecti va, já que o culpado é
desconhecido, ao contrário do grupo a quem, na realidade se
quer castigar por meio de uma sanção colectiva; a
alternativa suscita algumas respostas que mostram uma
espécie de responsabilidade voluntária e livremente aceite:
em vez de denunciar o colega c u lpado, o grupo mostra-se
solidário.
No entanto , nenhuma das respostas revelam a
existência duma responsabilidade colectiva, tal como nas
sociedades di tas primi ti vas em que se acre di ta na
necessidade mi tíca da expiação, baseados no sentimento de
unidade e solidariedade que mantém com o grupo. Assim,
podemos considerar duas fases na evolução da criança:
1. A imposição adul ta desenvol ve as noções de
responsabilidade objectiva, sanção expiatória, etc. O
egocêntrismo próprio desta idade impede a identificação
ao grupo de iguais , limi tando o aparecimento da
responsabilidade colectiva.
2. Durante a segunda fase, a criança identifica-se ao grupo
de iguais (declara-se voluntár iamente solidária com o
culpado). O carácter voluntário da solidariedade mostra
que a moral de cooperação sucedeu à de obrigação,
provocando o desaparecimento das necessidades de sanções
espiatórias.

V - 228
Construção de Valores

A justiça imanente

Técnica

1. Trata-se de comprovar a crença infantil da justi ça


imanente
2. Conta-se à criança uma históri a do tipo: "Uma vez uma
criança roubou maçãs num jardim. Apareceu um guarda e ela
fugiu ; não conseguia encontrar o caminho de casa quando
ao passar por uma ponte velha caíu à água".
3. Pergunta-se à criança se o menino da história não tivesse
roubado maçãs teria caído ao rio na mesma?

Observações

% de respostas a favor duma justiça imanente:

=================== ======== ===========


IDADE (anos) 6 7-8 9-10 11-12

86 73 54 34
=========================== ===========

A crença na justiça i manente advém de uma


transferência dos sentiméntos influenciados pela "obrigação
ou impos ição " adulta que origina a san ção.
A noção de justiça imanente desaparece com a
idade, sendo isto um indíce da maior capacidade intelec t ual
para eliminar os factores que p odem fa lsear um julgamento.
No campo da e xperiên c ia moral a criança descobre a
imperfeição da justiça adulta. Comprovando comportamentos
imperfeitos nos seus pais. ela acreditará menos ainda numa
justiça universal e automática.

V - 229
Construç ão de Valores

A justiça distributiva e retribuitiva

Técnica

1. Avaliam-se as r eacçõe s infantis perante as desigualdades


de tratamento dos pais e dos professores.
2. Conta-se à criança uma história de tipo : "Uma mãe tinha
duas filhas, uma desobediente e a outra obediente . A mãe
gostava mais desta última e dava-lhe grandes pedaços de
torta".
3. Pede-se à criança que diga se e sse tratamento é justo.

Observações

7~1o
das crianças dos 6 aos 9 anos (e apenas 40%
das crianças dos 10 aos 13) aprova ram o comportamento da mãe
ou seja, foram a favor duma justiça retribuitiva .
Piaget crê que as crianças dão mais p re f erência
à justiça retribuitiva que distribui tiva quando o aceitam o
ponto de vista do adulto . Preferem , no entanto. a igualdade
à sanção. quando as suas r elações com as outras crianças lhe
tenham ensinado a compreender melhor as situações psico-
lógicas e a julgar segun do normas morais de recí p rocidade.

A igualdade oposta à autoridade

Técnica

1 . Observam-se as avaliações infantis de histórias em que se


defrontam a igualdade e a autori dade .
2. Conta-se uma h i stória do tipo: "Um pai tinha dois filhos .
Um deles sempre que o p ai lhe pe dia para fazer um r ecado ,
protestava ; o outro , que também não gostava nada de fazer
recados, não dizia nada. Por i sso, o pai mandava sempre
aos recados o filho que não se queixava".
3 . Pergunta-se à criança se o comportamento do pai é j usto .

V - 230
Construção de Valores

Observações

As crianças mais pequenas tomam sempre o partido


de figuras de autoridade l achando justo o que o pai faz . As
crianças com mais idade são par tidários da igualdade,
achando injusto o comportamento do pai. Assim, segundo
Piaget, a justiça igualitária desenvolve-se com a idade à
custa da submissão à autor i dade adulta e em relação com a
solidariedade entre as crianças.

A justiça entre as crianças

Técnica

1. Trata-se de averiguar de que modo a criança concebe a


justiça entre iguais.
2. Conta-se uma história do tipo: "Havia numa escola uma
criança que batia noutra mais pequena . Esta não podia
fazer nada porque era mui to mais fraca. Um dia decidiu
esconder o pão e a maça de outro " .
3. Pergunta-se à criança se isto lhe parece justo.

Observações

A reciprocidade evolui com a idade. A resposta


"O menino fez bem em esconder o pão " foi dada nas seguintes IIlP lV
proporções:
'Yr
==========================================
IDADE (anos ) 6 7 8 9 10 11 12 ~~~o-
~ A", .
19 33 65 72 87 91 95 fl!'Jo-
========================================== J

Comprova-se que as noçõ e s de justiça e solida-


riedade se desenvolvem correlativamente em função da idade
mental da criança. Funcionando a justiça retribuitiva inde-
pendente do adulto, a sançã o por reciprocidade vai predo-
minar sobre a sanção expiatória .

V - 231
Construção de Val ores

A noção de justiça

Técnica

Solici ta-se que a criança dê um exemplo de uma


coisa que considera injusta .

Observações

As respostas obtidas são de 4 classes:


a) Condutas contrárias às ordens adultas : mentir,
roubar, partir, ou seja, tudo o que seja proibido.
b) Condutas contrárias às regras do jogo.
c) Condutas contrárias à igualdade (desigualdade nas
sanções e no trato social)
d) Injustiças relativas à soc ie dade adulta (de ordem
económica ou política)

Os dados obtidos em função da idade são os


seguintes:
================================
a b c d
6-8 anos 64% 9% 27%
9-10 anos 7% 9% 73% 11%
================================
~stas respostas permitem inferir 3 grandes
os no desenvolvimento da no ão de JUSTI A na crian a :
até aos 7-8 anos : a justiça está subQrdinada à autoridade
é3dl!J ta ...
~ entre os 8 e 11 anos : igualitarismo progressivo
(J) além de II, 12 a nos: a justiça puramente igualitária está
S9nciliada por preocupacões de equidade

Em resumo, os 3 campos investigados por Piaget


levantam um grande número de problemas cujo importância não
pode passar despercebida a qualque r educador . Desenvolve uma
teoria da "Ética Genética".

V - 232
o DESENVILVIMENTO DO JUÍZO MORAL NA ADOLESCÊNCIA

Michel CLAES (ii-)

A maior parte dos estudos recentes sobre o juizo


moral na adolescência provêm dos trabalhos efectuados por
Kohlberg na linha das pesquisas de Piaget sobre o
desenvolvimento do pensamento moral na criança. Piaget
(1932) propusera a crianças diversas histórias, nomeadamente
a da criança que quebra por acidente 15 chávenas e a da
criança que parte uma outra chávena quando tentava roubar
compota; a criança interrogada dev ia pronunciar-se sobre a
culpabilidade dos protagonistas e explicar o seu juizo e,
com base nas respostas , Piaget i dentificou dois grandes
tipos de atitudes morais .
Durante o primeiro estádio, a que Piaget chama
"estádio da moralidade objectiva", a cr:i.ança considera que a
regra é sagrada e intangiv.el; no seu esp::'ri to, qualquer
derrogação liga-se ao interdito e à punição. A criança tem
tendência para avaliar um comportamento como totalmente bom
ou mau e julga o carácter aceitável ou repreensivel de um
acto com base nas consequências materiais do mesmo; crê numa
justiça imanente, segundo a qual toda a violação das normas
morais é seguida de um ,acidente d e sej ado p~r Deus ou pela
lei natural com fim de punir o culpado. Piaget verificou
que, embora as crianças muito novas, de três e quatro anos,
conseguissem diferenciar acto acidental e acto voluntário,
esta avaliação não entrava em jogo quando se tratava de
avaliar o alcance moral dos comportamentos. As suas
capacidades de juizo moral seri am reduzidas por duas
limi tações cognitivas: o egocentr i smo e o "realismo", que
confunde a experiência interna com a experiência externa.

(ii-) Michel CLAES (1985) - "OS PROBLEMAS DA ADOLESCÊNCIA" -


Lisboa, Ed. VERBO pag/s 1 09-114 .

V - 233
Construção de Val ores

o estádio seguinte, que atinge o nível de


equilíbrio na pré-adolescência, chama-se "estádio da mora-
lidade subjectiva". A criança percebe que a lei é o fruto de
um consentimento mútuo que pode ser revisto se esse for o
desejo geral; a transgressão e a punição são definidas em
função daquilo que é justo e possível e tendo em conta as
circunstâncias particulares ; é o princípio da equidade .
Os trabalhos de Kohlberg inscrevem-se na pers-
pectiva de Piaget e propuseram-se, pelo desenvolvimento de
um modelo de identificação dos estádios do pensamento moral
mais vasto e mais discrim i nado, del i near as etapas do juízo
moral na adolescência. Para tanto, Kohlberg (1958) examinou
uma amostra de rapazes entre os 10 e os 16 anos, através de
entrevistas semiestruturadas de duas horas, conduzidas a
partir de nove " dilemas mor ais hipotéticos", nos quais as
leis e as regras entravam em confli t o com as necessidades e
o bem estar dos protagoni stas. Eis o resumo de um exemplo
desses dílemas : "Uma mulher sofre de uma doença mortal. Um
remédio pr.eparado por um farmacêutico da cidade pode
salvá-la. Mas este remédio é mui to caro. O marido tenta
reunir, em vão a soma pedida e o f armacêutico recusa-se a
baixar o preço ou a vender fiado . Uma noite, desesperado, o
marido entra por arrombamento na farmácia e rouba o remédio.
O marido fez bem ou fez mal? E porquê?"
O sujei to da experiência deve escolher a res-
posta que respeita a lei ou a que responda às necessidades
dos protagonistas da história? Kohlberg interessa-se menos
pela resposta em si do que pela qualidade do juízo moral,
revelada pelas razões avançadas para justificar a escolha da
resposta.
Kohlberg identificou seis estádios no desenvol;
vimento do juízo moral e agrupou-os em três grandes níveis,
que correspondem a modos sucessivos de justificar a escolha
de um comportamento com 'base em princlplos étj cos novos.
Estas etapas classificam- se segundo uma escala crescente
progressiva. De facto, Koh l berg considera que cada estádio
consti tui um conjunto estruturado que possui uma consis-
tência interna e que os estádios f ormam uma hierarquia em

V - 234
Construção de Val ores

Rrogressão contínua , cada novo estád io integrando e conso-


lidando o precedente. Na progressão de um estádio para o
outro estariam impl icados dois processos: o desequilíbrio til}
cognitivo e a capacidade de assumir um papel. A evolução do 'J
juízo moral resulta da confrontação do indivíduo com um
nível actual, o que traz confl itos , desequilíbri os e tensões
que o l evam a sai r da contradição e a ascender a uma forma
superior de equil íbrio . A segunda dimensão refere-se à
capacidade de poder adoptar o ponto de vista de ou trem ,
mecanismo que é particularmente impon;ante na passagem do
estádio 2 ao estádio 3.

Quadro 6
Os estádios do desenvolvimento moral segundo Kohlberg

I. --
-------------------- --- --------------- _._--------------------
rimeiro níve . nível pré-moral ( ou pré-convencional). A
dos actos é comandada po r acontecimentos e x-
trínsecos , as normas são ditad a s de exterio r - o poder
faz a lei - e as motivações referem-:;e à conformidade com
os imperativos do poder: evitar o castigo e obter recom-
pensas . Este nível caracteriza a inf'incia.
Estádio 1: moralidade heterónoma. Trata-se de evitar
romper as regras regidas por sanções, de evitar os
castigos e de respeitar o poder não causando danos,
às pessoas nem à propriedade .
Estádio 2 : individuali smo e troca instrumental. A
moralidade dos comportamentos depende do resultado da
acção . O acto é julgado moral se o resultado coincide
com os interesses e as necessidades do indivíduo ou
dos outros . A reciprocidade tem o seu lugar, mas sem
espirito de equidade ou de le aldade .

II . GIDf? N1J;;2: moralidade de conformidade conv encional


(níve convencional) . A manutenção de boas relaçõe s e a
imagem pública favorável são j ulgadas como val ores em
si. A moralidade dos actos define-se em termos de boa
acção e de manutenção da ordem social. Este nível
caracteriza a adolescência .

. V - 235
Construção de Valores

Estádio 3: conformidade com as aspirações mútuas,


relações interpessoais. A moralidade dos
comportamentos é ditada pela manutenção das boas
relações: é preciso ajudar os outros, agradar-lhes e
obter a sua aprovação. É o estádio do "bom rapaz e da
boa rapariga" regido pela regra de ouro: "não faças
aos outros o que não queres que te façam a ti".
Estádio 4: sistema social e consciência. É o estádio
do respeito pela lei e pela ordem. Trata-se de
cumprir o seu dever e de demonstrar respeito pela
autoridade a fim de evitar a sanção e a culpabilidade
que daí resulta . A boa acção contribui para manter a
ordem social, julgada como um bem em si.

III Terceiro nível' Nível dos princípios morais autónomos


c10nal). O juízo moral baseia-se em valores
~----------------~
e princípios aplicados independentemente do nível de
autoridade dos indivíduos que ditam as regras ou impõem
comportamentos. Quando formaliza o seu juízo, o sujeito
pode desvincular-se de grupos nacionais, religiosos ou
políticos. Este nível só aparece por volta dos 20 anos
e caracteriza a idade adulta.
Estádio 5: Contrato social e direitos individuais.
As regras devem ser respei tadas pois são elas que
fundamentam o contrato social. Uma acção é váliada
segundo cri térios examinados de um modo crí tico,
mO
as as regras, os valores e as opiniões variam
consoante os grupos. As leis são relativas e devem
garantir o bem do maior número; certos valores,
como a liberdade, devem ser defendidos sem ter em
conta a opinião da maioria.
Estádio 6: princípios éticos universais. O bem
define-se segundo a consciência de cada um, segundo
princípios éticos adoptados de modo aut6nomo mais
do que em conformidade com as leis e as convenções
sociais. Estes princípios são os valores morais
universais: a igualdade dos direi tos humanos e o
respeito pela dign idade dos seres humanos.

" V - 236
Construção de Valores

Os trabalhos de Kohlberg susci taram um número


considerável de pesquisas sobre o desenvolvimento da
consciência moral na adolescência. Alguns acentuam hipóteses
subjacentes na teoria e confirmam certos aspectos do modelo.
Certas pesquisas confirmaram , por exemplo, a presença de uma
relação entre o nível de conformidade dos sujei tos com as
ordens e as instruções e o nível de maturidade do juízo
moral; os sujei tos situados no estádio 3 aceitam mais as
regras emitidas pelo exper imentador do que os sujeitos
situados em níveis superiores de JU1ZO moral. A este
respeito, Kohlberg (1971) conta que o único militar que se
recusou a alvejar civis no massacre de My Lai no VIetname
possuía a capacidade de raciocinar ao nível dos princípios
no plano do juízo moral. Outros estudos realizados com
adolescentes delinquentes demonstraram que possuíam um nível
de juízo moral mais fraco do que os adolescentes não
delinquentes.
Mas o modelo de Kohlberg também suscitou çtt/r/ele ~.
importantes críticas. No plano dos princípios, em primeiro
lugar, Kohlberg afirmava que a sequência de sucessão dos
seis estádios do desenvolvimento moral era sempre idêntica e
que os princípios morais fundamentais, como a justiça, a
igualdade e a reciprocidade eram conceitos universais; todas
as culturas utilizam um número reduzido de categorias morais
idênticas para julgar os comportamentos . Ora, esta afirmação
entra em desacordo com toda uma corrente de pensamento
actual que considera que os princípios éticos são relativos
a uma dada sociedade, a uma época histórica particular. Toda
a psicologia contemporânea também se lhe opõe; tanto a
psicanálise como a teoria da aprendizagem social defendem
que o sistema de valor individual é fruto da interiorização

familiar.
Kohlberg baseou as suas afirmações sobre a
--
das normas e dos valores da cultura no decur so da educação

universalidade dos estádios no desenvolvimento moral em


pesquisas interculturais que realizou com os seus cola-
boradores (1969, 1971) . Mas estas pesquisas são pouco
numerosas, foram efectuadas exclus i vamente no mundo oci-

V - 237
Construção de Valores

dental e, sobretudo, Kolberg não prova que a universalidade


dos estádios do desenvolvimento moral e dos princípios éti-
cos se imponha a partir dos factos observados. A leitura de
Kohlberg deixa a entender que se trata mais de uma profissão
de fé do que de conclusões baseadas em dados empíricos.
A capacidade de apelar para princípios como a
igualdade e a justiça, que caracteriza os estádios 5 e 6,
pressupõe a possibilidade de abstracção e, como existe uma
correlação elevada entre os diversos estádios do
desenvolvimento moral e as capacidades intelectuais, vários
.
autores interrogaram-se sobre a distinção
-
entre o desenvol-
vimento cognitivo e a evolução do juízo moral. Outros
analisaram as djferencas do desenvolvimento moral consoante
o sexQ: as raparigas alcançam mais cedo o estádio 3 e
mantêm-se nele mais tempo que os rapazes. Quando se sabe que
o estádio 3 é o da conformidade dos comportamentos com as
aspirações sociais e da manutenção das boas relações, tem de
se ver nisto um reflexo das práticas de socialização
próprias das raparigas na nossa sociedade, que valorizam
nelas a conformidade e a procura da aprovação social.
Também se acusou a teoria de Kohlberg de só se
interessar pela formulação de juízos morais e de não ter uma
verdadeira pertinência AO plano dos comportamentos morais.
Durante uma manifestação a favor da liberdade de expressão
numa universidade americana, observou-se, nomeadamente, que
uma importante proporção de jovens situados . nos estádios 5 e
6 se misturavam com um número elevado de manifestantes
classificados no estádio 2 e que, segundo o modelo, deyeriam
ser julgados como relativamente "primários" no que se refere
ao juízo moral.
Enfim, uma percentagem relativamente importante
de adolescentes, classificados no estádio 4 aos 16 anos,
viu-se relegada para o estádio 2 como um novo teste
efectuado quatro anos mais tarde (Hoffman, 1980). Kohlberg
explica este facto pela análise dos protocolos de entrevista
destes indivíduos: entre os 16 e os 20 anos, estes jovens
ter-se-iam confrontado com uma diversidade de pontos de
vista morais contraditórios e teriam descoberto múltiplas

V - 238
Construção de Valores

inconsistências entre o discurso moral dos adultos e as suas


acções, o que explicaria o regresso transitório a uma moral
individualista; estes indivíduos deveriam alcançar em breve
um nível superior de integração do juízo moral que desse
menos oportunidades às distorções devidas às idealizações e
que favorecesse, por outro lado, a tolerância e o realismo.
Esta explicação de Kohlberg é plausív el e liga-se, aliás, a
certos princípios da " regressão ao serviço do eu",
enunciados, nomeadamente, por Peter Blos; mas o facto é que
um dos princípios de base da teoria que postulava que o
desenvolvimento do juízo moral seguia uma progressão
contínua ficou seriamente abalado.
Tudo isto permite concluir que a teoria de
Kohlberg apresenta falhas importantes, das quais a principal
parece ser a ausênGia de bases empíricas para os princípios
enunciados. Continua a faltar uma teoria satisfatória do
desenvolvimento moral durante a adolescência e podem
referir-se aqui os três princípios que, segundo Hoffman
(1980), conti tuíriam o quadro geral da sua forma cão . Esta
;r teoria deve integrar os múltiplos dados respeitantes à
interiorização progressiva das normas morais durante a
infância, ligando a experiência da culpabilidade e a
inibição das condutas socialmente desaprovadas. A este,
Hoffman junta dois princípios formulados por Piaget e
1L. referidos por Kohlberg: a capacidade progressiva de
apropriar-se de um papel - a que Hoffman chama a "capacidade
"Jll.. de empatia" - e o desequilíbrio cognitivo que actua como o
motor que conduz o organismo a um estado superior de
equilíbrio, sem que caia na ilusão de uma hierquia de
categorias morais preestabelecidas e universais.

V - 239
w_

"
VALORES: SEU DESENVOLVIMENTO E INFLuÊNCIA
--- -
SOBRE O COMPORTAMENTO ADOLESCENTE ( * )
----- -

o desenvolvimen t o de val o res talvez seja um dos


mais importantes tópicos em toda a área da psicologia ado-
lescente. O termo valor tem sido usado numa grande variedade
de maneiras, e alguns autores (por e x emplo, Kluckhohn, 1 951;
Rokeach , 1968, 1973 ) ten t aram reduzir a resultante confusão
conceptual med i a n te a d i s t i n ção ent re valor e certos con-
ceitos afins, como at i tude, necessidade , interesse, norma e
traço. Para os nossos propós itos , ~lor refere-se a "gues- vALDK,f-:,.
tões de importância"! disti ntas d ~ "questões de facto"
(Allport, 1961) . Por outra s palavras, os valores referem-se
. -=-
~o que devem ser , e não ao gue é. Neste sentido, os valores

servem como guias na direc ç ã o do comp ortamento . Esses mesmos


guias também fornecem a base para avaliar o comportamento!
depois que este ocorreu.
Quando os valore s são d efinidos desse modo, é
fácil discernir sua impor t ância como tópico da psicologia em
geral. Com efeito, uma vez que o des e nvolvimento adolescente
ocorre num meio ambiente d e complexi d ade sempre crescente, a
necessidade de valores torna-se facilmente evidente, por-
quanto uma habilidade cada vez maior é requerida na formu-
lação de escolhas apropriadas .
" Neste capítulo , começaremos por examinar três
teorias de valores: a pos i cão psicanalí tica, a posição da
teoria de aprendizagem e uma int erpretacão perceptual.
Consideraremos depois o tópico afim= do desenvolvimento moral
e do julgamento moral do adolescente, com especial atenção
para a obra de ~ e a do p sicólogo americano do
desenvolvimento cogniti v o , Lawrence ~lber~

(*) - Mckinney et. alo - "VALORES - SEU DESENVOLVIMENTO E


INFLUÊNCIA SOBRE O COMPORTAMENTO ADOLESCENTE" in
"Psicologia do desenvolvimento - o adolescente e o adulto
jovem", Ed. Campers , Lda Rio de Jane i ro, 1983

V - 241
Constru ção de Valores

As secções restantes tra tarão dos efeitos da escola e da


"cultura jovem" sobr e o des env olv i mento de valores , assim
como dos valores p ol í ti c o s e da s o cialização politica dos
adolescentes .

TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO DE VALORES

Numeros a s teorias de v a lores têm sido articu-


ladas . Entre as ma is pr o e mine n tes e stão as posições psica-
nalítica e da t eor i a da a prendizagem.

A posi ção psicanalitica

J á examiná mo s a t e o ria de Freud em certo detalhe


no Capítulo 3 . Qu e r emos apenas abor dar aqui essa teor ia na
medida em que s e r el a ciona com o desenvolvimento de valores .
~principal agente de soc i ali zação n a teoria de Freud, como
já vimos , é o s upere g o . Es se aspec t o da personalidade refe-
re-se à autori d ade i nternalizad a d o s p ais (Freud , 1959).
Para a criança mui t o nova, o s pai s . r epresentam a única au-
toridade com p o d eres para pre mi a r é castigar. Gradualmente,
porém , desenvo l ve- se o superego - u ma instância interna de
prémio e castigo . Isso ocorre em r e sultado d a identificação
da cr i ança com seus p r óprios pais, isto é, o intenso aesejo
da criança de s er c omo s e us pais . A crianç a adopta as ma-
neiras e os es t ilo de pr e mi a r e pun ir dos pais . Se , p or ex-
emplo , o p ai f o i seve r o e j n f lex í v el , o Sllpe rego aSSll m.e.
gradualmente ess e p a p e l. Então , a c r i ança sente-se culpada e
espera uma puni ç ão par a o seu mau procedimento. Freud sus-
tentou que, em al g uns pistúrbi os n euróticos, a manutenção de
sintomas e sua resistência a o tratamento significam sim-
plesmente um d e sej o incons ciente de s er punido . Na teoria de
Freud , esse compo nen te p unit ivo do superego chama-se cons-
ciênc i a .
En tre tant o , na med ida em q ue o desejo da cr i ança
de ser como os p ais é a j udado p or uma orientação p osi ti va e
gratificante , desenvolve-se o ideal do ego - um ideal do q ue
:g
a criança g ostaria de s e r.

V - 24 2
Construção de Val ores

cia e ideal do ego - se desenvolvem em resultado da identi-


ficação parental e ambos servem para guiar o comportamento
da criança assim que a submissão à autod dade parental
começa declinando. A criança desenv olveu gradualmente seu
próprio conjunto de valores e o seu comportamento deixou
agora de ser exclusiamente dirigido pelo medo da punição
parental ou a previsão de aprovação p arental.

A explicação da teori a da aprendizagem

De acordo com a teoria da aprendizagem, os va-


lores são adquiridos através da experiência e do reforça-
mentol Um enunciado claro dessa pos i ção foi apresentado por
~ O). Argumentou ele que os termos psicanalíticos
nessa área são confusos , por causa de sua falta demasiado
frequente de definição operacional . Hill substituiu-os pelos
termos definíveis mais empiricamente da psicologia da
aprendizagem.
Como os valores são aprendidos, geralmente
através da instrução verbal , os mes mos, princípios , segundo
Hill, devem aplicar-se aos va l ores , na medida em que são
úteis para explicar qualquer tipo de aprendizagem . Por
exemplo, o princípio de reforçamento é exemplificado ría
aprendizagem pela criança de uma tendência generalizada para
imi tar outras pessoas. Se a crianç a é premiada por imitar
determinados comportament~s , ela não tardará em aprender não
só esses comportamentos mas a imi t ar em geral. Do mesmo
modo, a criança pode aprender "a aceitar instruções verbais
em geral se for premiada por obede c e~ a instruções verbais
em casos específicos . O Erincípio de generalização do estí-
mulo é invocado nesse caso . Ou seja , na medida em qu e as
situações são semelhantes , a criança voltará a conformar- se .
À luz desse princípio, não é surpreendente que, embora o
referente possa mudar dos pais para os pares, os jov ens que
aprenderam a conformar-se durante a infância para obter uma
recompensa (por exemplo , a garantia da admiração de alguém),
continuem conformando- se durante a adolescência .

V - 243
Construção de Valores

A noção adicional de reforcamento "vicarial" dá


a essa explicação um mai or al cance , ao sugerir que uma p es-
soa pode ser reforçada indirectamen te observando o refor-
çamento propiciado ao comportamento de uma outra pessoa . Tal
reforçamento opera , segundo Hiil, de modo a inibir o com-
portamento punido isto é, para usar a linguagem psicanalí-
tica; no desenvo lvimento da consciência), assim como para
facilitar a produção do compor tamento premiado (ou sejá, no
desenvolvimento do ideal do ego) .

Uma interpretação perceptual

A relação entre percepção e valores foi explo-


rada na teoria t[ôhle~ 1959) e na pesquisa ~une~&
Goodman, 1947) . A recente pesqu isa por<@Êkinn~ (1973, 1975)
amplia essa relação e sugere uma expl icação alternativa para
o desenvolvimento de valores. Uma vantagem que Mckinney vê
no modelo perceptual é que atri bui uma forte ênfase à acção
I
(ou seja, . ao movimento a utoprodu z ido) do indivíduo cujos
valores estão em desenvolvimento. Por outras palavras, o
modelo perceptual vê o adolescente mais como agente activo
cujos valores se desenvolvem em função do feedback do seu
comportamento auto-iniciado do que como recipiente · p assi 'l(2
dos valores do meio circundante. Uma vez mais, a noção da
criança como organismo activo a quem o meio circundante está
simultaneamente respondendo (ou seja, como sujeito e objecto)
parece ajustar-se com perfeição aos dados do desenvolvimento_
Basicamente , a interpretação perceptual estabe-
lece que os valores se desenvolvem como esquemas ou padrões
que são construídos através da experiência e depois usados
na orientação do comportamento f uturo. A analogia , neste
caso, ~ com aquelas representaçõ es do sistema nervoso cen-
tral do comportamento motor activo que· foram identificadas
como o esquema do corpo.
A analogia relaciona-se com a facilidade de mo-
vimento . Algumas pessoas desenvolvem considerável coordena-
ção em seus movimentos e isso foi atribuído a uma boa imagem
do corpo (Schi lder, 1950; Head, 1920), ou seja, a uma re-

V - 244
Construção de Valores

presentação do sistema nervoso central ou a um modo postural


do corpo que fornece a essas pessoas feedback imediato da
localização de cada parte do corpo ou de cada movimento
sentido no espaço.
Essa imagem do corpo desenvolve-se por experiência,
sobretudo a experiência num meio re l ativamente estãvel que
porporcione uma certa quantidade de feedback reaferente.
Assim, por exemplo, em estudos de adaptação à distorção vi-
sual induzida por um prisma (Held & Bossom, 1961) foi de-
monstrado que o movimento corporal activo auto-induzido é
essencial para os indivi duas superarem a distorção produzida
por lentes prismãticas. Para os suje i tos equipados com len-
tes prismãticas, os objectos parecem estar vãrios graus à
esquerda ou à direi ta de onde "realmente " estão. Ao apon-
tarem para um objecto, esses sujeitos estarão muitos graus
desviados do centro . Continuarão desviados até terem uma
oportuni dade para se movimentarem e associarem essa activi-
dade motora autodirigida à estimulação visual que muda em
consequência de seus movimentos . A e ssas mudanças no meio
ambiente visual dos sujei tos é dado o nome de estimulação
reaferente.
Traduzindo essa teoria da imagem do corpo e da
percepção visual para a psicologia social de valores,
C!:~9 sugere que os indivíduos desenvolvem valores quando
se lhes permite que escolham livremente (movimento autopro-
duz'ido) e quando vêem mudanças de estimulo como dependentes
de seu próprio comportamento (reaferência). Argumenta
McKinney que o que seria anãlogo à qualidade autoproduzida
do movimento de um indivíduo seria a expectativa generali-
zada de que ele é responsãvel por seu próprio comportamentQ;
isto é, um locus interno de controle .
Vãrios estudos dedicados aos adolescentes pare-
cem corroborar essa noção do desenvolv imento de valores. Por
exemplo, um sociólogo (Caro, 1966) estudou os valores que
jovens da classe média e da classe trabalhadora atribuem a
vãrias ocupações. Os adolescentes da classe inferior clas-
sificaram profissões menos prestigiosas como mais desejãveis
do que os rapazes e moças da classe média . Os :mesmos su-

v- 245
· ·I·~t ~ , I I '., · .. ..

Construção de Valores

jeitos da classe trabalhadora classificaram profissões mais


prestigiosas como inferiores em val or, ao invés dos adoles-
centes da classe média. Os jovens da classe média pareciam
ter "esticado" seus valores, no sentido de perceberem
ocupações mais prestigiosas como mais desej~veis e as menos
prestigiosas como menos desejáve i s do que os jovens da
classe trabalhadora .
Uma interpretação desses dados (McKinney, 1975)
foi que os adolescentes de classe média tinham maior locus
interno de controle e um maior sentido de liberdade pessoal
a respei to da escolha de profissão. Essa liberdade seria
análoga à autoprodução de comportamento no desenvolvimento
da imagem do corpo e, assi m, faria sentido que os adoles-
centes .da classe média desenvolves s em um conjunto mais forte
de valores positivos e negativos no tocante, à escolha pro-
fissional.
Um outro estudo que poderia ser interpretado
como uma corroboração dessa concepção perceptual do desen-
volvimento de valores foi realizado por Gardner e Thompson
(1969). Esses autores compararam crianças delinquentes e
não-delinquentes numa medida de "tendências telenômicas", ou
seja, os valores que eram percebidos como característicos de
uma pessoa feliz-bem-sucedida ou infeliz-mal sucedida.
Gardner e Thompson apuraram que em 10 das 13 categorias
testadas, seus sujei tos não-delinquentes deram classifica-
ções que eram significativamente superiores para os valores
posi tivos e significativamente inferiores para os valores
negativos do que as apresentadas pelos delinquentes. Parece
que os rapazes e moças não- delinquentes têm um sentido mais
forte do que significa ser uma pessoa feliz-bem-sucedidaou
uma pessoa infeliz-mal-sucedida. Esses resultados também
podem ser interpretados no sentido de que os suiei tos não
têm maiores probabilidades de possuir um locus interno de
controle e, portanto, de fazerem escolhas em função de sua
própria
, felicidade e infelicidade. O facto de os não delin-
quentes terem podido escolher mais livremente do que os
delinquentes é capaz de explicar por que tais valores foram
mais altamente desenvolv idos pelos não-delinquentes.

v - 246
Construção de Valores

Ambos os estudos acima foram interpretados post


hoc como suporte para a teoria percep t ual de valores. Outras
pesquisas, entretanto, foram feitas como teste directo dessa
hipótese eMckinney, 1973, 1975). Em dois estudos usando es-
tudantes universitários como sujeitos, Mckinney apurou que
os indivíduos com um locus interno de controle, medido pelo
;::::
teste de Rotter (1966) dessa dimensão , tinham valores mais
fortes do que os indivíduos com um locus externo de con-
~e. Por outras palavras , os adolescentes que percebi ãm~
relação entre seu próprio comportamento e os resultados
desse comportamento têm um conjunto de valores mais forte-
mente desenvolvidos do que os sujeitos externamente contro-
lados que não percebem essa relacão.

MORALIDADE E JULGAMENTO MORAL

Foi demonstrado (Mckinney, 1973) que a estrutura


dos valores adolescentes é razoavelmente bem diferençada,
pelo menos nos primeiros anos de vida universitária. ~ im-
portante facto;r: nos valores adolescentes envolve ª real j /.)

zação e os simbolos de sucesso, como dinheiro, prestígio e


. bom desempenho académico. Um outro factor bem diferençado 2.)
dos valores adolescentes é a questão geral de competênciak
com sua ênfase recaindo mais sobre a qualidade do comporta- /'
mento do que sobre o seu resultado final ou sobre ª vaJ i
dação dos simbolos de realização. Um terceiro valor na es- 3)
trutura dos valores adolescentes diz respeito às relações
interpessoais e realça a qualidade moral ou ética inerente
ou atribuída a tais comportamentos proscritos como mentir,
defraudar e ofender outros ', e tais comportamentos aprovados
como ajudar os , outros, compartilhar e respeitar as promes-
sas. Examinemos esse factor mais cuidadosamente.

O estudo de Piaget do julgamento moral

Embora publicado originalmente em 1932, o livro


clássico de Piaget, The Moral Judgement of the Child (1965),
fornece o pano de fundo teórico c ontra o qual pode ser

v - 247
Con s truç ão de Val ores

apreciada boa par t e de r e cente pes quisa e t eori a do desen-


volvimento cogni t ivo . Segundo Piage t , o julgamento moral de
uma c r iança desenvo l ve-se em estágios paralelos aos e s tágios
do desenvolvimento c og n i t ivo. En t revistando crianças e
observando-as enquanto fa z i am um s imples jogo com bolas de
gude, Piage t des cobriu que a mora li dade das cr j an c as p e Ql!e
nas é r egida pel o que c hamou "real ismo". Nesse estág io, um
acto é considerado errado e m fun ção de s IJ as consequências. e
não em termos da i ntenç ã o de quem o e x ecl!ta . Só mais tarde a
criança desenv o lve uma moral idade mais " a utónoma" , ou seja,
ela compreende que a s r egras são f r uto d e um mutuo acordo e
J
não são imutávei s . Então, a A ntenção p ass a a ser um factor
mais saliente n a det e r minaR)ão d a mor a lidade. Os valores
internalizam-se , d e modo que ·a cri ança po d e admitir a gora o
ponto de v i sta de uma outra p ess oa e c o nsiderar qual possa
ter s ido a i ntenção dela. Ob v i amente, i ss o requer que a
criança s e ja c apaz de des c e ntrar c ogni tivamente , o que é
impos sivel para uma c r i ança pequena que se encontre ainda no
estágio e gocêntr i co do de senv ol v im e nto c o gnit jyo. Entre-
tanto, como os ado l escentes, ou mesmo os pré-adolescentes,
são geralmente c a p az es de de s c entrar, e les j á po d em formular
julgamentos morais rel at i v i s tas .

A elaboração por KOhlberg da teoria de Piaget

Kohlber g (1958, 1963 ) ampli ou a descri ç ão de


Piaget do desen vo l vimento moral, d ilatando os e stágios pia-
getianos e propondo um método para medi-los. Ele descreveu,
em linhas gerai s, os e s tági os , de a cordo c om a Ta bel a 8-1.
Kohlb e rg di v ide esses seis estágios do pensa-
mento moral em tr ê s n í v ei s princí p ais : o nível pré-conven-
cional, que incorpora os d ois p rim ei r os estági os; o nível
convencional, que inco r pora os estágios 3 / 4 ; e o nível pós-
-convencional , ou au t ónomo, que c ompreen d e os dois 61timos
estágios, 5/6 , inc l u i ndo a s subd ivisõe s do es t ágio 5 . A
Tabe l a 8 -1 mos t ra como ess e s es t ágios do desenvolvimento
mora l estão r e l a ci onados com o s estág i os do pensamento
propos t os por P iaget .

V - 248
Construção de Valores

TABELA 8-1

Relações entre os estágios lógicos de Piaget e os estágios


morais de Kohlberg (todas as relações são que a aquisição
dos estágios é necessária mas não suficiente para a
aquisição dos estágios morais)

============================================================
ESTÁGIO LÓGICO ESTÁGIO MORAL

i- Pensamento lógico, intuitivo Estágio Q: O bem é aquilo


Operações concretas subestágio 1 que eu quero e de que gosto
Classificação categórica. Estágio l: Orientação puni-
{ Operações concretas subestágio 2 ção-obediência.
Pensamento concreto reversível Estágio ~: Hedonismo ins-
Operações formais, subestágio 1 trumental e reciprocidade
concreta
Ralações envolvendo o inverso Estágio ~: Orientação para
das reciprocas as relações interpessoais
de mutualidade
Operações formais, subestágio 2 Estágio ~: Manutenção da
ordem social, regras fixas
e a utoridade
Operações formais, subestágio 3 Estágio 5A: Contrato social
perspectiva utilitária da
elaboração de leis.
Estágio 5B: Lei superior e
orientação di tada pela
consciência.
Estágio 6: Orientação di-
tada por principios éticos
universais.
============================================================

Fonte : Reproduzido de Twelve to Sixteen: Early Adolescence,


coordenado por Jerome Kagan e Robert Coles. Com permissão de
W.W. Norton & Company, Inc, Copyright C 1972, 1971, by the
American Academy of Arts and Sciences.

V - 249
Construção de Valores

Os dados de Kohlberg (ver Figura 8-1) deixam (


claro que os estágios superiores de
.. julgamento moral
aumentam com a idade, ao passo que os estágios inferiores
declinam com a idade. O adolescente ma~s velho é geralmente
guiado por uma moralidade autónoma ou. pelo menos. pelo ~
conformismo aos papéis convencionais. ao passo que as
crianças mais novas são geralmente guiadas pelo hedonismo
básico ou pela obediência aos papé i s convencionais.

DESENVOLVIMENTO DE VALORES E ESCOLA SECUNDÁRIA

Para a grande maioria dos adolescentes, a escola


é uma insti tuição sumamente importante. Uma boa parte das
horas do dia de um adolescente são passadas em salas de
aula. Embora esse tempo seja dividido entre actividades
académicas e actividades extracurriculares, como funções
sociais e prática de desportos, é l ícito afirmar que a maior
parte do dia é consumida na aprendizagem, isto é, na prepa-
ração do estudante. O desenvolvimento dos valores instru-
mentais e da orientação futura do adolescente é quase
garantido por esse facto. O que o estudante está fazendo na
escola secundária não é um fim em si mas um meio para um fim.
Enquanto frequenta a escola, o adolescente está
sob a autoridade de outras pessoas que não seus pais, mas
isso não constitui uma situação nova. Além disso está na
companhia de um grande número de pares, mas isso tampouco é
uma novidade. O que é novo a respeito dessa associação com
pares reside na importancia que essa associação assume
durante a adolescência. Os pares tornam-se importantes como
agentes de socialização e como um fundo contra o qual o
jovem adolescente pode talhar sua identidade. Conjuntamente
com os pais, os pares tornam-se importantes referentes para
a formação de valores.

V - 250
Construção de Val ores

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gráfico

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Idade

Fonte: L. Kohlberg " The Development of childrens's


orientations toward a moral ordesequ ence in the development
of moral thought", Vita Humana, 1963, 6, 11-33 Com
autorização de S. Karger AG .

Figura 8-1. Uso de seis tipos de julgamentos morais em


quatro idades

Como os adolescentes passam muito tempo na sala


de aula, somos propensos a responsabilizar as escolas por
vários males sociais, sobretudo aqueles que se relacionam
com os valores da juventude. Delinquência, corrupção
política, falta de realização, segundo lugar periódico na
corrida espacial e decadência cultural, de tudo isso o
sistema educacional tem sido acusado, uma vez ou outra,
dando a ideia de que ele foi criado unicamente para assumir
todas as cu~pas e responsabi l idades.

v - 251
Construção de Valores

A posição sócio-educacional de Friedenberg

Para uma perspectiva teórica sobre a vida


escolar dos adolescentes, podemos recorrer a críticos
sociais e sociólogos da educação, como Paul Goodrnan,Edgar
Friedenberg e John Hol t . Como Friedenber escreveu
extensamente sobre o desenvolvimento e suas
relações com o sistema educacional, examinaremos sua obra em
maior detalhe. Nesse contexto, seus livros mais importantes
são, provavelmente, The Vanishing Adolescent (1959), Coming
of Age in America (1963) e uma colectânea intitulada The
Dignity of Youth and Other Atavisms (1965). O principal tema
de Friedenberg é a autodefinição do adolescente e o papel
das instituições sociais, como a escola, para facilitar ou
dificultar ese processo. Sup noção de autodefinição ou
autoclarificação do adolescente é extraordináriamente
semelhante às no ões de de identidade. Para
alguns, Friedenberg parece propenso a idealizar os
adolescentes e a desvalorizar muitos daqueles que trabalham
com eles. Vê os adultos como indivíduos frequentemente
temerosos da crescente independência dos adolescentes e da
democratização da escola. Argumenta ele que esse medo está
subentendido nas medidas repressivas que estorvam a
autodefinição do adolescente.
Friedenberg define a adolescência em função de I
I
suas princiapis tendências. ou seja, autoclarificação,
conflito e desenvolvimento emocional. Essa definição talvez
esteja enunciada de maneira mais explícita em The Vanishing
Adolescent, onde ele sublinha que a autoclarificação 1 . '"
.c!~I1lA(.A.D
;:dolescente parece gerar ansiedade nos adultos, e critica a ~\1/fO I '
linguagem que os adultos usam ao falar sobre os jovens. Os ~
termos usados para lhes aludir, ou são condescendent~s, como
teenager, ou presunçosos, como adol escente, ou carecem de
convicção, como a expressão pessoa jovem. Por outro lado, é
justo que se diga que as pessoas de todas as idades tendem a
rejei tar rótulos que enfatizem a idade. Como se devem
designar, por exemplo, as pessoas idosas? Cidadão sénior é
tão condescendente quanto júnior ou teenager; idoso é tão

V - 252
Construção de Valores

pedante quanto adolescente; velhote é tão carente de


convicção quanto pessoa jovem. Boa parte daquilo a que
Friedenberg chama condescendência adulta em relação à
adolescência pode simplesmente ser uma função do facto de,
quando U:samos as ferramentas da ciência social para estudar
qualquer grupo etário como grupo etário, somos propensos a
negligenciar as qualidades únicas que fazem de cada
individuo uma pessoa sumamente atraente . ~ um simples facto,
por exemplo, que estudamos obj ectos , não suj ei tos . A nossa
tendência é para estudar as reacções de individuos não sua
expressão criativa. Estudamos pacientes, não agentes. Pelo
menos é essa a situação em nossa pesquisa, quando não em
nossa prática clinica .
Em todo o caso, Friedenberg percebeu a
existência de considerável ambivalência na resposta de
adultos ao fim de sua autoridade sobre os adolescentes . As
nossas escolas secundárias, argumenta ele , foram desenvol-
vidas para produzir um grupo de jovens a quem se pode
confiar a complexa maquinaria de uma era tecnológica. Isso
requer boa Soma de conformidade; a qual se estende não só à
vida de trabalho de um individuo mas também à sua vida
social e pessoal. Tornar-se americano parece significar, com
frequência, renunciar a importantes diferenças entre indi-
viduos, diferenças essas que seria melhor reconhecer e
apreciar.
Um importante valor para o adolescente é a sua fil/TO $CiHA
auto-estima. Ao avaliar o impacto da escola sobre a
auto-estima de adolescentes, Friedenberg assinala que a ~
principal tarefa da escola é a de testar e avaliar . Ele acha
que a auto-avaliação dos estudantes baseia-se preponderan-
temente na direcção da apreciação e avaliação externas. ~
os adolescentes "~o em p"rocesso de esclarecimento de sua
própria experiência (a que Erikson chamaria a "formação de
identidade"), eles são especialmente vulneráveis à avaliação
externa. Os julgamentos de seu meio ambiente imediato
tornam-se mais importantes para os adolescentes do que para
pessoas mais novas ou mais velhas. Friedenberg acha que de
todos os lados é dito aos adolescentes o que é aceitável e o

V - 253
Cons t r ução de Valores

que é inaceitável . Como v imos nu m capitulo anterior, os


dados indicativos de que a conform idade aumenta durante a
adolescência (Costanzo & Schaw, 1966) tendem a corr oborar
essa noção. Os meios de c omunicaç ão de massa e a escola
podem ensinar o adolescent e a resp onder às expectati vas de
outras pessoas , a s er uma embalage m apresentável, desde que
use a espécie corre cta de creme dental , escolha o tipo certo
de curso e tenha seus encontros com o tipo correcto de
namorada .
No que se r e f e re ao desenvolvimento emocional, ~jJ~~V'1 ~Ntn
Fridenberg cita duas es pécies de mudancas de y aJ or guePlelHJ"''' l,..
ocorrem na adolescênc ia. A ~r i meira é uma capacidade ,
crescente de ternura . Com o desenvolvimento de sólidas ~
amizades isof ílicas , des envolve-se uma s e nsibilidade que
contrasta com a atitude al go insens ível da criança de 8-10
anos . A segunda é um r espeito mui to intensifi ç ado pela
competência. Por e x emplo, o s estudan tes secundários passam a
ser sumamente c r í t ic o s a respei t o de seus professores e
sabem se estes estão b e m preparado s ou não. Além disso,
parecem ser e x tremamen t e s ensívei s à falsidade e à impostura
neles próprios e nos o u tro s . Es t ando inseguros sob re sua
própria identidade , são mais sens íveis à incoerência em
outros .
E ev i dente q u e o desen v o lvime nto da auto-estima,
o processo de autocl a rifi cacão e o desenvolvimento de uma
capacidade para a ternura e de um crescente res p eito pela
competência são sumamente i mp ortantes na v i da do
adolescente. Infelizmente, segundo Friedenberg, as escolas
parecem desempenhar um p a pe l muito secundário na fac i litação
dessas mudanças . Ele a c ha, pelo contrário, que a escola
secundária tem quatro papeis essen ciais. Em primeiro lugar,
é uma instituição de s oc i a lização n a cional ; ou seja , a sua
função consiste em a me ric anizar os estudantes, instruí-los
nos costumes culturai s que serão reque ridos quando eles
ocuparem seus lugares n uma socieda de tecnológica . Um seg undo
papel é a avaliação. A esco la sec undária tornou- se uma fonte
importante de diplomaç ã o, e u m di p loma de curso secundário é
geralmente um re qu isi t o para o i n gresso em outros ramos da

V - 254
Construç ão de Valores

sociedade adulta, seja a admissão na un i versidade ou no


mundo do trabalho. Em terceiro lugar, a escola secundária
desempenha o seu papel tradicional como transmissor de
conhecimentos e de algumas atitudes e habilidades
intelectu~s. Finalmente , a escola secundária é um centro
administrativo e de cadastro. A história médica, social e
intelectual de um indivíduo é registada , microfilmada e
preservada para satisfação de futuros empregadores , juntas
de admissão à universidade e outros que se consideram no
direito legítimo de solicitar essa informação.

A escola secundária como sociedade adolescente

Uma interessante hipótese a respeito do papel da


escola secundária é que ela fornece um veículo para o
desenvolvimento da subcultura adolescente. Quando a
sociedade norte- americana era predomi nantemente Qós-figura=
-1 iva, para usar o termo de Marga ret Mead, a principal
responsabilidade da escola era educ a r a criança para que se
conformasse às normas da soci edade adulta e aprendesse a
executar as tarefas ditadas por essa sociedade. Numa
sociedade c-e-fi gllrativa e ainda mais numa Rré-figura-
tivp,entretanto, a própria escola converte-se numa subcul-
tura com suas próprias normas. Embora estas possam confli-
tuar com as normas da sociedade em geral, elas são , não
obstante,sumamente importantes para determinar a direcção do
comportamento dos estudantes . Um excelente estudo que se
relaciona com esse ponto foi realizado por James Coleman
(1961) , que resumiu sua pesquisa em The Adolescent Society .
Uma das importantes conclusões de ~r;.)~
que a subcultura do adolescente na escola se baseia num
conjunto de valores algo dissonantes da concepção
tradicional da escola. Coleman e x aminou os valores dos
estudantes de dez escolas secundárias do Centro-Oeste de
várias dimensões. Todas as escolas, à excepção de uma , eram
de ensino misto e públicas. Cinco estavam localizadas em
pequenas cidades, três em grandes cidades, duas em

V - 255
Construção de Valores

subúrbios: uma num subúrbio de classe trabalhadora, a outra


num subúrbio residencial para famílias abastadas. Uma das
perguntas que Coleman fez a esses estudantes foi: "Se você
pudesse ser recordado aqui na escola por uma das três coisas
seguintes, por qual delas quereria ser: Rapazes: aluno
brilhante, astro desportivo, o mais popular da class.e?
Moças: aluna brilhante, lider em actividades, a mais popular
da classe? "Os resultados estão reproduzidos na Fig. 8-2.
Nesse gráfico, o eixo desde o vértice superior até o centro
da linha de base representa a escolaridade, de modo que
ponto no topo da linha representa uma escola onde 10~~ dos
alunos queriam ser recordados como estudiosos brilhantes. O
eixo que vai do vértice inferior esquerdo para o centro do
lado direito do triângulo representa desportos para rapazes
e actividades para as moças. Assim, um ponto no vértice
inferior esquerdo representa uma escola onde 100% dOS alunos
queriam ser lembrados como astros desportivos e 10~~ das
alunas como líderes em actividades. O eixo de vértice
inferior direito para o centro do lado esquerdo representa a
popularidade, de modo que um ponto no vértice inferior
direito representa uma escola onde 100% dos alunos queriam
ser lembrados como os mais populares. Pode-se ver, a simples
relance, que os desportos são mais importantes para os
estudantes do que o bom desempenho académico ou a
popularidade z e que o primeiro realmente aparece com um
modesto terceiro lugar. Entretanto, os questionários que
Coleman enviou aos pais fornecem um quadro diferente. Os
pais estão mais preocupados com a escolaridade, pelo menos
foi isso o que disseram, do que com os outros valores
representados na escola.
A origem da discrepância entre os valores dos
pais e os valores indicados pelos estudantes não é clara.
Comefei to, alguns dos dados de Coleman parecem confli tuar
com essa discrepância. Por exemplo, quando a rapazes e moças
foi perguntado em que condições seus pais se sentiram muito
orgulhosos deles, foram obtidos resul tados apresentados na
tabela 8-2.

V - 256
-

Construção de Valores
lC\.."

triangulo

" v v v y "o' ·1\1 __ " Y v 'ç


~

E.sc:t.lt'.á.~t!

Fonte: J. Coleman , So cial climates in high schools


(Washington, D.C . U. S. Gouvernemenr Pri ting Office, 1961).
Com permissão do autor.

Figura 8-2. Como rapazes e moças gostariam de ser recordados


na escola, e como seus pais gostariam que eles fossem
recordados: a importância relativa de escolaridade,
popularidade e (para rapazes) esportes ou (para moças)
actividades.

Como se pode ver por esses dados, uma percentagem maior de


rapazes declarou que seus pais ficariam mui to mais
orgulhosos se eles fizessem parte .da equipe de basquete do
que se fossem cc:;m vidados para assistentes do professor de
biologia. Do mesmo modo, uma percentagem maior das moças
afirmou que seus pais se orgulhariam mui to mais delas se
fossem chefes de torcida do que se viessem a ser assistentes
do professor de biologia . Estas respostas não se coadunam
com o depoimento dos pais de que querem seus filhos e filhas
conhecimentos como alunos brilhantes, e não como
desportistas ou figuras populares.

V - 257
Construção de Valores

Tabela 8-2
Respostas de rapazes e moças a perguntas sobre as circuns-
tâncias em que seus pais se orgulhariam deles.
===========================================================
Bill (Ann) estava indo mui to bem em biologia porque seu
passatempo era colecionar e identificar insectos. Um di a, o
professor de biologia perguntou a Bill (Ann) se gostaria de
ser assistente da classe . Se algo desse género acontecesse
com você, isso deixaria seus pais orgulhosos, ou não seria
esse o caso?
Percentagem Percentagem
de rapazes de moças
(N= 3.831) (N= 3.956)
Ambos teriam muito orgulho de mim 60,2 63 , 5
Sentir-se-iam um pouqinho orgulhosos
A mãe ficaria orgulhosa, o pai não
se interessaria 31 , 6 30 , 9
° pai ficaria orgulhoso , a mãe não
se interessaria
Eles não se interessariam 5,3 4,6
Sem resposta 2,9 1,1
Qual seria a reacção se ocorresse uma situação diferente -
você entrasse na equipe de basquete (se tornasse chefe de
tordicial), para sua grande surpresa. Isso - orgulharia seus
pais ou não mostrariam qual quer interesse?
Perc-entagem Percentagem
de rapazes de moças
(N= 3 . 831) (N= 3 . 956)
Ambos teriam muito orgu~ho de mim 68,2 77,00
Sentir-se-iam um pouqinho orgulhosos
A mãe ficaria orgulhosa , o pai não
se interessaria - 23,8 18,9
O pai ficaria orgulhoso, a mãe não
se interessaria
Eles não se interessariam 5,6 3,4
Sem resposta 2,5 0,8
============================================================
Fonte: J. Coleman, Soc i al climates in high schools
(Washington, D.e . :U.S. Governemen t Pri ting Office, 1961) .
Com permissão do autor .

v- 258
Construção de Val ores

Embora a razão para a discrepância não seja


inteiramente clara, numerosas hipóteses podem ser
apres entadas . Uma. d~e:::.=.l~a:.:.:s~.:::é:.....~g.::u:..:;e;........o:.:;s~...eo.ls:...t...u......d...a...n,-,t..,e""s_-'s""l;·:;.;m=p-=l""e,""s;;;.m:.:.;e~n......
t ...e
percebem os valores de seus pais de um modo diferente do que
r ealmente são. Uma segunda .!.h!.;i;Jp~o~-~t.:::e.::s~e~é~q~u.:::e~u~mu-d_o...s:.....:.d~o...l~·s_ &g....r..l.:u~p~o~ s
~stá sendo inteiramente sincero. Talvez os pais estejam

distorcendo seus verdadeiros valores e identificando-se com


valores que eles s llPÕem ser os "correctos". Coleman sugere
uma terceira possibilidade. Acredita ele que os pais querem,
sem dúvida, que seus filhos sejam óp timos estudantes e. por
conseguinte, dão mais aI t a prioridade ao desempenho
académico do que à popularidade ou à prática de desportos .
Por outro lado, eles também querem o que for melhor para
seus f i lhos, e podem interpretar isso como sendo o que fizer
felizes os filhos em seu próprio ambiente ou bem- sucedidos
em sua própria subcultura . Os f ilhos , sabendo o que
significa ser bem-sucedido em sua própria subcultura, supõem
correctamente que seus pai s ficariam orgulhosos deles se
fossem reconhecidos de acordo com seus valores. Assim, os
pais estão inadvertidamente reforçando valores que são
gerados na subcultura adolescente.

Realização académica na escola secundária

Deve ter ficado claro Relo que antecede que a


rea l izaçãoc académica é a enas um dos valores na sociedade
~ adolescentes em escolas secundárias. Um factor propício {NJLU(N(t~ Ã
à elevada realização académica, em relação à aptidão , é a ~Vt...lvfZA ~()~ rl\Rf.!.
influência da cultura dos pares. Pela pesquisa ' de Coleman e
outro s , diríamos ser esse , talvez, o factor de maior
importância. Entre as dez escolas que Coleman examinou, as
escolas com mais elevados índices de realização académica
não eram, necessariamente , aquelas onde se gastava mais
dinheiro com cada aluno. Se a despesa por aluno não
apresenta uma correlação elevada com O aproveitamento
. académico de cada estudante , então o que é responsável pelas
diferenças entre as escolas? O principal factor parece ser o
status de realização académica dentro das próprias escolas.

V - 259
Construção de Valores

Coleman assinala que, numa escola onde os desportos são M'~;!J4pf $


altamente valorizados, muitos estudantes se dedicam JAta~ ~s­ :0
basquete e aqueles dotados de maior habilidade formarao
geralmente a equipe. Do mesmo modo, numa escola ' em que a ~
realização académica é altamente valorizada, muitos
estudantes se esforçarão por obter distinções académicas, e
os mais dotados obterão resultados significativamente
brilhantes. Quando as recomp ensas sociais se situam em
outras áreas, os estudantes com agti gÕes j ? teleç tuais
negligenciarão o bom desempenho e§ ç olar a fa v or dO ê
desportos ou de alguma outra actividade não-académic a . ~e
caso; aqueles que obtêm as notas mais elevadas podem não ser
os mais capazes. De facto. Qoderá ser um punhado de
medíocres que se tornam conhecidos como "carolas" ou
"papalivros".
Uma outra variável ambiental importante que (". .
determina o alto desempenho académico é o valor que a LI ...j4!ti, A
fam í 1 i a a tr i bui ao êx i to esco I ar. ..;.N;..;u;;;:m;.;......;r;..e;;.,e.;;..;.;x.;:a;;.;m;..;e;.-....;c;.;r;;.;í;;.t,;;.;;,i,c...;o_-=
;;, da I
li teratura. sobre as relaçÕes familiares de rapazes '-.V
l~·n~t~e~l~i~g~e~n~t~e~s~c~o~m~~b~o~m~~-=~~~~~~~~~~~~~~~~_e~s.;;.c;.o;; . l; ~a ~) hjnot~~
(1961 ) ue o ra az )'Y""IU:-
com elevado nível de desempenho provém mais frequentemente
de uma família onde ele recebe considerável soma de
incentivo, aprovação e elogios, sente uma forte coesão
familiar, sabe ser compreendido pelos pais e identifica-se, b 0-
estreitamente com eles. Por ou t ro lado, o rapaz com A» Ctt '1..vt- tt
aprovei tamento escolar inferior provém mais frequentemente
de uma familia em que os pais são francament.e restritivos ou
em que existe considerável tensão e discórdia parental. Os
pais desses rapazes são propensos a exigir demais dos seus
filhos - ou de menos. Em sua própria pesquisa, Morrow e
Wilson apuraram que um certo número de variáveis no moral
familiar são sumamente importantes para distinguir entre
secundaristas com alto e com baixo aproveitamento académico .
Pediram a 48 rapazes de elevada inteligência (Q 120 ou
acima), metade dos quais tinha médias académicas muito
elevadas e a outra metade muito baixas, que respondessem a
um questionário que tratava do moral familiar. Além de um

V - 260
Construção de Va l ores

escore geral sobre o moral f amiliar, havia 16 subescalas ,


cada uma das quais continha seis i t ens no questionário . Os
resultados são apresentados na Tabela 8.3. Os áutores ~.Hà"Ia:l. ~{Q
apuraram que os rapazes de aI to rendimento académico gozavam {1.w ~.(y,
de relações familiares em qu e havia mais recriação conjunta,
mais confiança mútua , troca d e ideias , e em q ue os pais eram
mais susceptiveis de manifestar sua aprovacão e confiança no
desempenho de seus j o vens. Em re sp osta , estes sao mais
propensos a mostrar maior aceitação dos padrões parentais do
que os jovens com baixo índice de aproveitamento académico .

o desistente

Um outro modo d e demon s trar a importância das


relações familiares para a realização académica é em termos
dos antecedentes familiares dos joven s que desistem do curso
secundário . Num estudo comparando 150 desistentes com )]m
grupo equivalente de 150 rapazes que estavam completando com
êxito o segundo semestre do ano final do curso s ~ cundãrio !
C!ervan ~(1965) demonstrou que as relações primordiais das
famílias de desistentes diferiam significativamente das
relações primárias em famílias de finalistas do curso
secundário . O jovem que abandon a a escola secundária
provinha mui to mais provavel mente de uma família em que a
compreensão e a aceitação eram escassas , e era muito menos
susceptível de receber o encorajamento familiar para seus
planos educacionais e ocupacionais . Hav ia significativa mente
menos comunicação dentro do lar e menos tempo consumido em
actividades conjuntas de lazer . Finalmente, o desistente
relatou significativamente menos harmonia e felicidade no
seio da família .
Isto não é contraditar outros importantes
factores na decisão de um jov em de abandonar a escola . Os
estudantes oriundos de classes inferiores têm significati-
vamente maiores robabili dades de abandonar a escola
G. Orskans~~, 1967) , assim como os estudantes que carecem dos
dotes sociais requeridos para estabelecer e ma nter amiz~
no contexto escolar .

V - 261
Construção de Valores

Thilel.a 8.3 Escalas de relações Testes medianos *

Percentagem acima da Jrediana

Ti Mo da escala ** Altcs Baixoo P


(N = 48) (N = 48)
Participaçã:::> faniliar na recreação 0,76 69 44 0,02
Parto faniliar nas ccnfidências e ideias 0,84 63 35 0,01
Participação familiar na tonada de decisões 0,88 60 44 n s
Aprovação doo pais 0,56 73 33 0,001
Afeição parental 0,88 60 42 ns
Cmfiança parental 0,73 60 25 0,001
Aprovação parental de actividades doo pares 0,94 71 42 0,01
Ace. pelo estudante doo padrões parentais 0,69 52 25 0,01
Afeiçã:::> e respeito do estudante acs pais 0,91 58 44 ns
Ausência de excessivas restrições parentais 0,63 56 29 0,01
Ausência de severa disciplina parental 0,70 69 42 0,01
Ausência de superprotecção parental 0,77 52 56 ns
Ausência de excessiva insistência parental
rn bem desenperi10 académico 0,75 63 46 n s
Encorajernento parental do bem desenpenho
académico 0,74 60 40 0,.(5
Harm:nia doo pais (N = 40) 0,72 63 48 n s
Regularidade da rotina familiar 0,76 52 46 n s
Moral Faniliar em seu todo 0,97 67 33 0,001

* Testes bicaudais
** Coeficiente de confiabilidade par-impar, corrigido pela
fórmula Spearman-Brown.

Fonte: W. R. Morrow e R.C. Wilson, "Family relations of


bright high-achieving and underachieving high school boys".
Child Development, 1961, 32, 501-510. Com permissão dos
autores e da Society for Research in Child Development.

V - 262
Construção de Valores

Os estudantes que se sentem à vontade mesmo em apenas uma


dessas áreas têm mais probabilidades de permanecer na escola
do que aqueles que se vêem como desajustados sociais e
académicos.
Somos cada vez mais impressionadas pela baixa
avaliação de mérito próprio entre muitos estudantes. Livros
dedicados a esse tópico - por exemplo I 1m OK ::. You I re OK
(Harris, 1969): How to be Your Own Best Friend (Bekowitz &
Newman, 1973) permanecem nas l istas de best-sellers
durante meses. Os .suicídios entre jovens continuam
aumentando. No momento, todo o país parece ser convulsionado
por um acesso de expiação ou culpa, e talvez a subcultura
adolescente reflita meramente essa atitude nacional.
Contudo, existe uma mensagem para o professor secundário e
para o conselheiro escolar em tudo isso: os estudantes não '
podem praticar em suas áreas de excelência sem saber g.ua~§. II·
são elas, e mui tos não conseguirão sabê-lo~ sem ajud ~ O
wupo de comparação não tem que ser necessariamente o dos
pares mas o das próprias aptidões de cada jovem. Por outras
palavras, quando os jovens querem saber em que é que são
melh ores, podem ser ajudados na avaliação de suas forças e
limi tações sem uma comparação dura e competi ti va com seus
pares.

VALORES DURANTE O PERÍODO FINAL DA ADOLESCÊNCIA

Alguns observadores da cena universitária


sustentaram que os valores estudantis estão passando por uma
rápida mudança em anos recentes. A partir da década de 1950.
quando os valor.es estudantis eram considerados privatistas
(Gillespie & Allport, 1955) e conservadores, ocorreu o que
alguns têm · descd to Gomo pma "rellolllçãO de yalores"
(Yankelovich, 1972). Os valores dos estudantes da década de
1960 eram afirmativos e públicos. Concentraram-se mais na
política e na justiça social do que em preocupações
individuais ou privadas.

V - 263
Construção de Valores

Registou-se uma contestação maior da autoridade e, por


vezes, havia um desafio aberto á "lei e ordem" do
establishment.
Embora alguns expressassem preocupação de que os
valores dominantes estejam tornando-se de novo autoritários
e repressivos, os dados, pelo menos até 1972, não corroboram
essa conclusão. Uma organização que acompanhou as mudanças
de valores desde meados da década de 1960 até 1972 com
técnicas de amostragem cuidadosa e em grande escala,
preveniu contra a acei~ação do ponto de vista gerado pelos
meios de ·comunicação de massa, acentuadamente sensacio-
nalista, de rebelião e declínio. Yankelovich (1972) sugeriu
que a tarefa dos cientistas sociais era praticamente o
oposto da abordagem dos média . Enquanto estes podem
enfatizar o excêntrico e o que está "em moda", a nossa
tarefa é examinar o típico. Desse ponto de vista, argumentou
ele, houve em 1972 uma verdadeira revolução de valores nos
campi de um extremo ao outro dos Estados Unidos.
Segundo os dados de Yankelovitch, os novos
valores gravitam em torno de um certo número de temas,
incluindo os seguintes:
- Desafio à autoridade
A busca de subst i tutos para os valores
religiosos tradicionais, sobretudo aqueles que
reflectem a "Ética Puritana".
Uma nova moralidade sexual
Questionamento das guerras como instrumentos
da politica e da própria noção de patriotismo
Busca de estilos de vida cooperativos em vez
de competitivos
- Insatisfação com o casamento em sua forma
tradicional de uma casa com uma familia . de
dois filhos.
Uma mudança das recompensas extrins e cas da
carreira (dinheiro e s tatus para as suas
satisfaçõ e s intrinsecas
Uma mudança de ênfase da realização através do
trabalho árduo para a vida em harmonia mais

V - 264
Construção de Valores

intima com os nossos s emelhantes e a própria


natureza (pp. 25-26 ).

Um aspecto dos v a lores que parece ser dominante


em todos esses temas é a noção de adesão . Os valores são
declarações afirmativas, em vez das declarações da variedade
"Não Farás".
A distinção entre valores prescritivos ("Farás")
e proscrj tj ygs ("Não far á s ") é uma dimensão confiável da
=
personalidade, a qual está relacion ada com as práticas de
puericultura (McKinney, 1971) . Os a dolescentes cujos pais
foram habitualmente mais gratificantes do que punitivos têm
uma orientação de valores prescri t iyos , ao passo que os
adolescentes cujos pais os disciplinaram através de punicões
tendem a ser proscritivamente orientados
Na década de 1960 , os valores dos estudantes
universitários tornaram-se sociai s e afirmativos (Wharton,
1969; Keniston, 1968). Um estudo que descreve a história
dessa tendência concliu que os valores dos estudantes
universitários têm-se tornado progressivamente mais
prescritivos a partir da década de 1930 (McKinney, Connolly
& Clark, 1973). Isso relacionou-se indubitavelmente com as
mudanças nas práticas de puericultura (Bronfenbrenner,
1958), as quais se tornaram gradualmente mais orientadas
pelo amor e menos orientadas para a disciplina durante
aqueles anos.
Embora o radicalismo da contracultura tenha
declinado, as mudanças mais graduais nos valores dos jovens
parece não terem sofrido uma reversão. Só o tempo nos dirá
se essas mudanças serão permanentes.

VALORES POLÍTICOS E SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA

Uma importante consequência dessas mudanças de


valores foi o seu efeito sobre o sistema jurídico e sobre a
socialização política do s a dolescentes. Com a maioridade
fixada agora nos 18 anos nos Estados Unidos, os individuas

V - 265
Construção de Valores

no período final da adolescência são considerados legalmente


adul tos, com direi to a voto e todos os demais direi tos de
membros adul tos da comunidade. Por conseguinte, tornou-se
mais importante saber que factores influenciavam as escolhas
políticas dos adolescentes e em que medida essas escolhas
diferem daquelas que oderiam ser feitas por crianças. Foi
demonstrado por Adelson e @ Ne0 (1966) que as idéias
políticas mudam, de facto, com a idade. Esses autores
apuraram que as crianças mais novas são mais egocêntricas em
suas opiniões. Assim , comparadas com adolescentes, as
crianças tendem a usar mais personalismo nas respostas a
questões sobre governo, comunidade ou sociedade. Só adoptam
uma perspectiva sociocêntrica por volta dos 11 anos de
idade. As crianças de menos de 13 anos também tendem para
uma concepção mais negativa de governo. Por exemplo. dão
mais ênfase às suas funcões coercivas.
Além disso, como se poderia esperar dessa
orientação egocêntrica, a criança possui uma perspectiva
temporal mui to diferente na compreensão de conceitos tais
como governo e comunidade . Adelson e O I Neil apuraram que,
durante a adolescência, passou a ser dominante um sentido de
história. O adolescente é capaz de compreender que o
presente é influenciado pelo passado, e também pode
incorporar uma orientação para o futuro ao pensamento sobre
a comunidade. Isso não causa surpresa, dadas as operações
formais que passam a ser parte das aptidões cogni ti vas do
adolescente. O idealismo político do adolescente é parte
integrante dessas operações formais. Tais capacidades
l -ógicas permitem ao indivíduo imaginar não só o que é, de
uma forma concreta, mas também o que poderia ser, de um modo
mais abstracto . O julgamento po l itico do jovem pode ser
influenciado por hipóteses que ele próprio formulará,
baseado em combinações de eventos políticos. A criança, por
outro lado, é simplesmente guiada _pelo realismo do que é.
Olha menos para o futuro do que para o presente.

V - 266
Construção de Valores

RESUMO

Examinamos neste capítulo as estruturas de valor


de adolescentes e jovens adultos . Consideramos três teorias
que se ocuparam dessa questão. De acordo com a teoria
psicanalítica, os valores desenvolvem-se em resultado da
identificação com os pais, portadores de status. O termo de
Freud para esse agente da social i zação internalizada é
superego. O superego, ou padrões parentais internalizados,
inclui os sentimentos de orgulho por fazer as coisas certas,
isto é, o ideal do ego, e os sentimentos de culpa pelas más
acções, isto é, a consciência. Os teóricos da aprendizagem
propõem uma interpretação dos valores segundo a qual estes
se desenvolvem de um modo muito semelhante a qualquer outro
hábi to, através do reforçamento positivo ou negativo e da
generalização. Uma terceira teoria do desenvolvimento de
valores é a interpretação perceptual. De acordo com esse
ponto de vista, a actividade do agente constitui um
importante elemento na aquisição de valores. Pressupõe-se
que os valores, à semelhança dos esquemas perceptivos, se
desenvolvem como função de estimulação reaferente
(feedback), a qual resulta do comportamento auto-iniciado.
Os valores éticos ou morais dizem respei to ao
bom ou mau procedimento nas relações interpessoais. A
psicologia cognitiva de Jean Piaget - e especialmente sua
obra clássica The Moral Judgement Of the Child (1965)
fornece uma excelente base para se compreender o
desenvolvimento do julgamento moral. ~ afirma que a
moralidade do adolescente é autonoma e baseia-se mais numa
consideração das intenções de um acto do que em suas
consequências, ao passo que a moralidade da criança
baseia-se no realismo e na robabilidade de un i ão.
articulóu seis estágios do desenvolvimento moral,
os quais correspondem aos estágios do pensamento lógico de
Piaget.
Vimos neste capítulo que muitos dos valores do
adolescente se desenvolvem no contexto escolar, com sua
ênfase sobre a realização e a preparação para a idade

V - 267
Construção de Valores

personalidade adolescente. pesquisa 1961 )


demonstrou que os alunos escolas secundárias atribuem
mais valor aos desportos e à popularidade do que ao
desempenho académico, e que percebem seus pais como
detentores de valores semelhantes , embora os próprios pais
professem maior preocupação com o desempenho académico de
seus filhos. Foram discutidas as possíveis bases para essa
discrepância.
Os estudantes universitários adquiriram gradual
uma orientação mais social (menos privatista) e mais
afirmativa. É nossa convicção que essas tendências dos
valores relacionaram-se com as mudanças nas práticas de
puericultura, e que, apesar do declínio da rebelião
estudantil da década de 1 960, não houve qualquer reversão
importante nessas tendências.
Foi apurado que os valores políticos dos
adolescentes se desenvolvem quando eles adc]] i rem a
capacidade cognitiva para usar o raciocínio formal e para
formular hipóteses em soluções p otenciais para problemas
políticos, assim como a capacidade bastante para compreender
os factos da realidade política.

V - 268
ADOLESCÊNCIA A VONTADE DE VIVER ( * )

Marlene RODRIGUES

!' Deus ? Sou eu mais eu ma is eu e nada mais que


eu" .
(Cláudio, 16 anos) .
" Eu sempre acreditei na s coisas mínimas . Hoj e,
eu acho que nada vale a p ena, além de viver , de
amar as pessoas , o mundo e tudo o mais. As
estruturas é que são falsas . Ninguém tem culpa
de nada ".
(Maurício, 17 anos) .

"Antes eu pensava em me s uicidar. Se a gente for


pensar racionalmente o s uicídio é àe facto a
Gnica solução para a fug a dessa miséria incrível
em que tudo está firmado . Acontece que eu perdôo
tudo nas pessoas . Só a me ntira é intolerável" .
( J osé Neumânne, 17 anos) .

" Eu acredi to no amor e nas pessoas . Tudo é


maravilhoso e perfeito neste mundo . Eu adoro
viver" .
(Sónia, 14 anos) .

" EU quero apenas tentar viver aquilo que brota


espontaneamente de mim. Porque isso me é tão
difícil?"
("Demian"(*)

(* ) Marlene RODRIGUES , M - "ADOLESCÊNCIA - VONTADE DE VIVER


- TEMPO DE CONTRADIÇÃO " in PSICOLOGIA EDUCACIONAL - uma
crónica do desenvolviment o humana" Ed . Mc . Graw Hill
Brasil 1 976.
(* ) "Demian , " de Herman Hesse, Editora Civilização
Brasileira , Rio , 1974 .

V - 269 ·
Construção de Valores

"Tudo é muito cruel e injusto neste mundo. Mas,


ainda assim, a vida é a 6riica certeza e e u quero
viver intensamente. Só acredito numa coisa: no
prazer. Sou a favor do amor, conta o casamento,
contra o divórcio, contra tudo e a favor de
tudo".
(Bartira, 17 anos) .

Se a infância é idade das mil e uma alegrias e


surpresas, não é menos verdade que a adolescência é a idade
das mil e uma d6vidas e contradições. Se a infância é um
movimento, a adolescênçj a é 11 m a relTQJ pção.
Deslumbrado com a própria identidade, da qual
adquiriu, agora plena consciência , o adolescente luta com
paixão pela autonomia pessoal. Ele já . não quer e não pode
mais ser o menininho ou a bonequinha da casa, origem, centro
e fim de toda a vida familiar. Agora, ele aspira ser apenas
uma das partes da família, separado, independente,
responsável e dono único da própria vida.
Fora do lar, o adolescente luta. também aí. pelo
direi to de ser ele próprio. Aparecem os interesses
vocacionais, o desejo de qualificar-se profissionalmente, de
trabalhar e prover a própria existência, distante de
qualquer direcção exterior , e de completar-se afectivamente .
Desejosos de conquistar o seu lugar no mundo, o
rapaz e a mocinha se interrogam febril e incansavelmente
sobre as origens e o destino da humanidade. Como estas,
outras mil e uma perguntas sem respostas, cumulam a ambos de
d6vidas, preocupações e ansiedades . A existência da
divindade ou de uma força cósmica que determine os destinos
do homem e do universo, é discutida com tenacidade, temor e
sofrimento. Também o são os problemas sociais , o amor , a
justiça, a morte, a vida e a imortalidade.
Nesta época, os valores introjectados durante a
infância são questionados com agressividade e avidez. Para
tudo, o adolescente busca explicações e, nessa ansiosa
procura nem sempre satisfeita, ele empreende a criação de
uma nova escala de valores: sua , egocêntrica, totalmente

V - 270
Construção de Va lores

pessoal, idealista , para servir aos seus interesses e


concretizar, de alguma forma, . seus gigantescos sonhos, a
maioria de dimensões sociais .
De repente , da noi te para o dia, o adólescente
formula amplos sistemas filosóficos e complexos p l anos para
a reforma instatãnea do homem, da sociedade , do unive r so e
até mesmo do próprio Deus: "D eus já era . Ele já morreu faz
tempo. Agora é acred i tar no h omem" (Ricardo, 16 anos) .
Ele se revolta diante das estruturas sociais
estabelecidas e acredita que, "co lec ti vament.e , tudo se pode
transformar com rapidez e eficiência".

"Só a juventu de é capaz d e iniciar o processo de


reconstrução da sociedade . Antes , é preciso
acabar com as estruturas existentes e abandonar
as coisas velhas. Depois , é só começar de novo . "
(Selma , 17 anos) .

Além das preocupações sociais e metafísicas , o


adolescente é movido por poderosas f orças internas para os
interesses afectivos e sexuais que, em geral, permanecem sem
concretização . As transformações biofisiológicas ocorridas
provocam uma extrema instabi lidade emocional que l eva o
rapaz e a mocinha a uma série tortura nte de dúv idas sobre si
mesmos, imprimindo-lhes uma resistênc ia psíquica à nova
imagem corporal e um pronunciado senti mento de inadequação
social. Tudo se agrava com a incompreensão dos adultos que, ~ .

í
sob pretexto de proteger "os menin inhos" , elaboraram para \
eles uma longa e pouco generosa lista de proibi~ões e r
I
preconceitos, cujo objecti vo real é a preservaçao dos
valores socialmente instituí do s .
"A adolescência não apre senta mais o momento da
vida em que o indivíduo .pode ser ori en tado para adqu i ri r uma
consciência ética : tornou-se um gru po marginal, defi n ido
sociologicamente como u m espaço qu e, por b em ou por mal ,
deve ser integrado na sociedade para que melhor se possa
controlá-lo" (67) .

V - 271
Construção de Valores

E, no entanto, as suas dúvidas, as suas contra-


dicções, a sua violência, a sua contestação , o seu silêncio
e até mesmo as suas malogradas tentativas de derrubar o
mundo e criar ·o utro melhor, constituem apenas simples
evidências de que um desenvolvimento intelectual e afectivo
normal se esta processando .
A adolescência é um per íodo de busca intensa, de
interrogação permanente e de insuspeitados temores e
inquietações . É o ser descoberto agora em toda a sua pleni-
tude e possibilidades que se procura e se analisa para
melhor .compreender-se e interagir com os outros.
"A vida de todo o ser humano é um cami nho em
direcção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de
um simples rastro . Homem algum chegou a ser completamente
ele mesmo, mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns,
outros mais claramente , cada qual como pode. Cada um deles é
um impulso em direcção ao ser".
("Demian") .

o impulso que conduz o adolescente à reflexão de


si mesmo é seguido , invariavelmente , de intensa e comovente
susceptibilidade,~o~q~u~e~~
d~e~m~o~n~s~t
~r~a~u~m~LP~r~o~f
~u=n
~ d~o~s~e=n
~ t~i~m~e~n~t~o
~~d~e
dignidade pessoal. Estabelece-se, então, a necessidade de
emancipação: daqui por diante o adolescente se propõe
obj ecti vos, inicialmente para provar a si mesmo do que é
capaz e, depois, para viver a própria vida .

"Sei que sou apenas um número nesta sociedade .


Mas quero ser um número de boa qualidade . Isto é
mui to lúcido e acre di to que a lucidez seja a
felicidade".
(José Neumânne) .

necessidade
A imperiosa de auto-afirmação
origina comportamentos excêntricos e uma verdadeira crise de
originalidade é, então, deflagrada pela extrema dificuldade
que o jovem tem para dist i nguir seu eu mais profundo do eu
superficial (FURTER).

V - 272
Construção de Valores

É a consciência de si que imprime coerência à


personalidade. Enquanto o adolescente se procura, uma
consciência moral cambiante se processa, criando-lhe intensa
necessidade de viver uma moralidade própria e não segundo
uma moral já pré- estabelecida.

"Não acredito nos valores morais existentes na


sociedade actual . As pessoas são todas frágeis,
inseguras, subornáveis. Eu quero, para mim, uma
nova escala de valores, uma contra-cultura , onde
o homem seja essencialmente mais ele mesmo".
(Tomás, 18 anos)

ADOLESCÊNCIA: TEMPO DE CONTRADIÇÕES

A vontade de viver, a necessidade de


auto-afirmação, o desejo de independência e o gosto pelo
poder revolucionam a adolescência desde o fundo de suas
entranhas.
o menino amedrontado e reprimido e a menininha
doce e meiga, ambos facilmente influenciáveis, já não
existem mais. Agora, um novo ser se sobrepõe àquela imagem
antiga de criança dominada e dirigida. Um ser que proclama a
excelência dos sentimentos humanos e que, para vivê-los em
si e fora de si, empreende uma luta cabal contra as falhas e
fragilidades das instituições sociais .
A família já não o contenta e também é
impossível, agora, vendar seus olhos ou atordoar sua cons-
ciência para os problemas e desajustes do lar. Ele já não

I
aceita a infalibilidade dos pais, contesta sua autoridade e
reivindica vida própria.

"Eu não peço muito. Apenas o miserável direito à


solidão"
(Dirceu, 17 anos).

V - 273
Construção de Valores

"Quero viver minha vida sozinho. Minha mãe


insiste em me tratar como um bébé. Ela se
esquece que cresci e que sou homem feito. O pior
é que desprezo tudo quanto ela e papai acham
importantes".
(Flávio, 16 anos).

"Meu pai age comigo como se eu fosse um


delinquente: na base do grito, do castigo e da
bofetada. Mas não me importo: fora de casa sou
eu quem mando e, logo, logo, ele não vai mais
saber de mim " .
(António, 15 anos).

"Minha mãe é sufocante . Ela quer saber tudo. Às


vezes ela insiste para saber porque estou
quieta. Se estou alegre é a mesma coisa. Nos
dois casos, .ela acha que estou escondendo alguma
coisa".
(Angela, 16 anos)

"Meus pais não se amam. Eles estão sempre à


procura de um meio novo de um massacrar o outro.
Não aguento mais. Tudo é suportável, menos a
mentira e ódio".
(Rosaura, 16 anos)

"Eles não se olham e não se falam. Não conseguem


manter a indiferença porque se odeiam. É
horrível. Quando são obrigados a se falar, a voz
sai ríspida e ressentida. Mamãe diz é por minha
causa que eles ainda estão juntos. Eu não posso
entender nem aceitar essa culpa" .
(Fernando, 16 anos)

V - 274
Construção de Val ores

"Eu quero ficar só , vi v er minha vida, mas e la


não deixa : "Você quer i sso, quer aquilo? Coma
isso, coma aquilo . Cui dado, não se esqueça ,
vamos ver . .. Ela me disse que, se pudesse, me
punha numa redoma para eu ficar livre dos
homens: "nenhum presta , são todos falsos e
mentirosos ".
(Cristina ,17 anos)

A escola, na maioria da s vezes exerce erande


atracção sobre o adolesçen t e j nfelizmente não pelo seu
conteúdo formativo ou pela orientaç ão que pode dar à sua
vida, mas porque, primeiro , ela reúne seu grupo de amigos e,
segundo, constitui-se caminho obrigat ório e legal para a sua
afirmação vocacional e profissional.

"Eu gosto · mui to do colégi o, mas só por causa da


turma. Os professores me entediam : não há o que
fazer e o que eles ensinam é desinteressante e
muito antigo ".
(Maurício, 16 anos)

"A gente vem à escola por que é obrigada . De vez


em quando aparece um professor que é amigo de
verdade, mas isso é milag re. O que vale mesmo é
o bandinho da gente".
(Percival, 15 anos)

"Eu adoro o meu colégio . Não por causa das


matérias ou dos professores, mas porque a gente
pode conversar bastante e namorar".
(Silene, 14 anos)

"Eu gosto de estudar e de fazer coisas . Há


muitas matérias interessantes para se aprender,
mas os professores não sabem ensinar e estão ·
sempre zangados ".
(Luis, 15 anos)

V - 275
Construção de Valores

liA escola é um desastre. Nós estamos numa era


planetária há tempos e , diariamente, a televisão
mostra descobertas sensacionais. A gente vê,
além de ouvir . Mas o ensino .. . bem, continua tão
medieval quanto no século XV. É um blá-blá-blá
continuo, irritante e ridículo".
(Nelson , 19 anos)

A religião também não tem sofrido menos ataques


violentos da adolescência .
Embora mui tos jovens participem reverentemente
dos ritos religiosos, a maioria se insurge contra a igreja,
não só por achar se no di reita de deSCObri r Dens soz; nbp .~
Ee10s próprios sentimentos. mas também para fugir dos
terríveis castigos prometidoS aos pecadores,
Uma apaixonada reflexão e discussão dos
mandamentos e dogmas religiosos ocorre em silêncio, indivi-
dualmente, ou entre vários adolescentes, determinando as
atitudes juvenis em relação à igre j a.

"Deus é uma coisa e igreja outra. Acho-as


incompatíveis. Deus é bondade, compreensão e
perdão. A igrej a é ameaça, castigo e repressão
contínua: tudo é pecado e tudo leva ao inferno" .
(Solange, 16 anos)

"Vou sempre à igreja . Tenho medo das minhas


culpas e de morrer em pecado" .
(Marise, 15 anos) .

"Sentimentos de inadequação e inferioridade ,


fal ta de confiança na própria efi ciência, sensibilidade à
crítica e à ofensa pessoal prejudi cam os contactos sociais
que se constituem em séria fonte de preocupações. A
tendência à participação social e mesmo a urgência nessa
participação se vêem b l oqueadas por certo egocentrismo e
pela dificuldade no controle dos impulsos. A consequência

V - 276
Construção de Valores

aparece em atitudes de inibição, re serva e r ejeição do


ambiente, mescladas com decisão e desejo de afirmação
pessoal. Em conjunto , pode-se falar em inquietude social e
possível sentimento de c ulpa e m relação aos contactos
s o ciais"(70) .

" A Igreja é uma ment ira. Não é preciso de


temp los para cul tuar Deus. Is so deve ser feito
nas escolas e nos hosp i tais . Não com palavras,
mas com acções ".
(Rodrigo, 17 anos) .

"É uma vergonha. Todo o mundo vai à Igrej a: a


metade só aos domingos para desfilar a elegância
e arranjar namorado; uma outra parte para
comprar favores divinos e se aliviar das
maldades e outra, b em pequenininha, vai para
encontrar Deus. Mas Ele está e m toda a parte?".
(Juarez , 17 anos).

Apesar da crítica acérrima, o adolescente ama a


f amília e em termos afectivos dela de pende profundamente
para se sentir feliz em qualquer lugar. A escola, apesar de
tudo, é, também, grande fonte de afe ctividade, não só por
causa dos companheiros , mas também porque simboliza um ideal
de conhecimento e de evolução.
Essas contradi ções e amb i valências não se
verificam em relação à Igreja, mas aparecem referidas à
imagem de Deus. Ao mesmo tempo em que O ama e reverenci a , o
j ovem Dele tem d6vidas e medo.

OS CONFLITOS

BRASIL mostrou, em 1 963,que frustações , a


ansiedade e a ang6stia constituem os principais ti pos de
conflitos entre Os adolescentes brasileiros.

V - 277
Construção de Valores

A maior parte manifesta medos intensos,


sentimentos de culpa, conflitos na família, na escola e no
trabalho e aponta o relacionamento heterossexual, as
aspirações pessoais e o futuro como fontes inesgotáveis de
angústia (68).
No Rio de Janeiro, o Instituto de Selecção e
Orientação Profissional demonstrou em 1960 que os jovens são
mais agressivos do que os adultos, apresentam acentuada
emotividade, vida interior intensa e instabilidade emocional
marcante (PFROMM NETTO).
Os desenhos juvenis, tanto quanto as outras
produções artísticas do período, a música, a pintura e a
poesia, denunciam uma pronunciada insegurança tanto em nível
afectivo quanto aspiracional, escolar e profissional.

"Tudo me acanha:
As chaminés da fábrica do lado.
E numa sala fechada, numa fábrica fechada,
Eu me acanho com as confecções mentais.

E me pergunto sobre tudo que ouço ou me


respondem.
E me atravesso por entre todas as ideias
reparadas.
E, ainda que cedo, choro,
Pois as ideias se confundem, pois os meus
olhos se difundem.

E eu me acanho como que uma operária.


E eu me estranho, como se fosse alguém
morrendo ...
E ainda houvesse algumas flores, alguma música
serena.

E se eu tivesse a primavera,
Ainda que fosse por um dia,
E se eu tivesse alguma chama,
Alguma veia, alguma vida,

v - 278
Construção de Valores

Então as coisas talvez fossem diferentes . . .


Então a fábri ca seria reluzente ...
Então a sala, o quarto e o meu lei to s eriam
que ntes .
Então eu, ainda que eu mesma, s e r ia
diferente."(69).

" Sentimento de inadequação e infe r i orida de ,


fal ta de conf i ança na própria efi ci ência, sensibilidade à
crític a e à ofensa pessoal prejudi cam os contactos soci a i s
que s e con s t ituem · em séria fonte de preocupa ções . a
tendênc ia à participação social e mesmo a urgência nessa
part ic i pação se vêem bloqueadas por egocentri s mo e p e l a
dificuldade no controle dos impulsos. A consequên c i a ap arece
em ati tudes de inibição , resera a rejeição do a mbien te ,
mes c ladas com decisão e de sejo d e afirmação pess o a l. Em
con j unto, p ode-s e falar em inquietude social e pos sível
s enti mento de culpa em re l a ção aos contactos sociai s " (70) .
As dimensões desta revolução emociona l i n c on-
troláve l s ã o fr ancamente observáveis no aumento grada tivo do
número de jov e n s que amargam a descrenç a abs oluta dos
valore s s oc iai s e c ulturais , entregando-se ao al coolismo , às
tox icomanias , à delinquência e às p ráti c a s s exuais
desenfr eadas ou patológicafi,. Obvi amente não se p ode
desvincular o c omportamento adol escente das c ondiç ões·
sociais, p olíticas e económicas em que a juve n t ude se
desenvo lve e amadurece .

A EMOTIVIDADE

A puberdade é um período de intensa comoção


glandu l ar , mas é durante a adolescência méd i a e final qu e a
emotividade al c ança seu ponto culminante .
Nessa época surgem com frequência os ti qu es
n erv osos e h áb itos como fumar , roer unhas, coçar a cabeça e
enrol a r o c ab e lo passam a consti t uir-se formas de alívi o
ado t ada s mu i .to amiúde .

v - 279
Construção de Valores

A emotividade é tanto mais acentuada quanto mais


o meio ambiente interferir na vida , interesses , d e s e jos e_
necessidades do adolescente .
As dificuldades famil i ares, o desenvolvmento
entre os pais e ausência de empatia deles para com o período
juvenil são algumas das causas mais frequentes de desajuste
entre os adolescentes, quando não do suicídio , do alcoolismo
precoce e das toxicomanias .
Também as constantes proibições e reStrições à
vida social juveni l provocam dolorida susceptibilidade e
~ofrimento, quando não conduzem o j ov em a um comgortamen t o
~gressivo e violento .
€'- dependência eCbnómica.;:. que obriga o j ovem a
permanecer no lar de origem , embora desesperadamente ansioso
por criar suas próprias condições de vida, mais o seu
sentimento de inadequação social , p r ofissional e sexual, são
outras das poderosas determinantes que conduzem o
adolescente ao Qesequilíbrio emocional.
Os conflitos com a família , as dúvidas
religiosas" os temores , sobretudo de fracasso na escola e na
profissão , a inadaptação social ao sexo oposto, os problemas
vocacionais e as expectativas dos outros quanto ao seu
desempenho na vida , constituem, enfim, alguns dos mui tos
fantasmas que povoam os pensamentos do adolescente,
matizando suas emoções de a ngústia, martírio e medo.

o AMOR

O amor, na adolescência , realça a ternura como


uma das condições afectivas de maior qualidade e frequência
nas relações sociais juvenis.
Em 1953 , resultados de pesquisa feita na cidade
de São Paulo , mostraram que o sentimento de amor sofre
acentuada expansão nesta idade (AGU I RRE).
Desde o nascimen to até o fim do primeiro ano de
vida, o amor existe indiferenciado entre o bebê e a mãe .
depois, com a descoberta da própria individualidade, a

V - 280
,I

Construção de Valores

criança alarga seu círculo de afe ições, elegendo, a lém da


mãe, outros obj ectos de amor: o pai, os irmãos , os demais
familiares . A segui r, guiada por um impulso que leva a sair
de si , a criança ama também seus a migui nhos e pessoas
adultas não familiares .
Ao entrar na escola, a criança depara com um
novo universo e ela o ama com grande entusiasmo. A mestra e
os coleguinhas , a directora , os serventes e até mesmo o
vendedor de doces e sorvetes, enriquecem ainda mais seu
mundo afectivo . Na puberdade, ela elege u m objecto de amor
de mesmo ou de sexo diferente do seu, continuando, assim , o
processo há muito iniciado de definição da sua sexual i dade.
"Não se trata , evidentemente, de um processo de substituição
de afeições, mas de expansão destas e de concentração em
outros ob jectos" (71).
Os principais objectos de afeição serão, agora
entre os rapazes , a namorada e os f amil i ares igualmente.
Entre as moças, predomina o afecto pelo namorado , seguido
depois pelo amor aos pais e outros famili ares (AGUIRRE).
A afeição por amigos é frequentemente lembrada fi
mais pelos rapazes do que pelas moças . O afecto por ~
Jprofessores é raramente citado.

MEDO E AGRESSIVIDADE: A VIOLÊNCIA

Os temores e arai va manifestam-se particular-


mente violentos durante os anos juvenis. São causados, quase
sempre , por factos e situações sociajs Q]le ameacam ª
integridade · do jovem, no que re s peita à sua vontade de
viver, de emanc ipar- se e de ser fe l iz.
Toda vez que o adolescente é reprimido em seus
interesses e necessi dades, ele é levado. com to da a razão . a
encolerizar-se e a agredir .
A có lera nada mais é · do que uma defesa da
dignidade pessoal e representa uma afirmação de seu poder e
de sua v ontade .

V - 281
Construção de Valores

As circunstâncias domésticas são responsáveis,


em grande parte, pelas manifestações de raiva e elas estão
ligadas invariavelmente à superproteção, aos maus tratos ou
ao excesso de proibições e normas.
A cólera é, neste período, despertada mais por
pessoas do que por situações e coisas e, com frequência,
origina-se de críticas injustas , de dificuldades com
familiares e do facto de o jovem continuar sendo tratado
pelos pais como uma criança.
A deslealdade, o sarcasmo. as zombarias e a
autoridade também provocam acentuadas manifestações de raiva
entre os adolescentes. Exemplo disso é a facilidade com que
eles se encolerizam e se aborrecem ao lembrar-se de
professores que adotam o poder, a omnisciência, a ironia e o
desprezo como comportamento sistemático e, certamente,
defensivo,
Qualquer rejeição social sofrida, a invasão de
sua intimidade, a diminuição de seus direitos e privilégios
e a crueldade alheia para com as crianças e animais, são
outros dos muitos estímulos de cólera nessa idade (HURLOK).
Além das causas sociais, são apontadas as dificuldades para
lidar com maquinismos, as interrupções de sono e de estudo,
o fracasso e os planos frustrados.

AS REACÇÕES: EXPLOSÃO OU SILÊNCIO?

o adolescente reage violentemente à pessoa que o


enraiveceu, agredindo-a física ou verbalmente. Não é - raro o
desvio da agressão para objectos ' que nada têm a ver com o
caso.
Alguns indivíduos reagem pela repressão da
cólera que, no silêncio, vai subterr~neamente envenenando o
sujeito. Outros, dirigem-na contra si mesmos, agredindo-se e
culpando-se. Outros, ainda fogem das mágoas pelo devaneio e
a fantasia.
O negativismo. a irreverência, o cinismo, a
petulância, a intolerância e o sarcasmo são outras das

v- 282
Construção de Val ores

muitas respostas de raiva e agressi v idade que o adolescente


dá ao meio que o reprime e infelicita.
Também o choro , o grito, a arrelia, o palavrão e
as pragas evidenciam a cólera juvenil de forma directa.
A expressão da agressividade pode surgir
disfarçada por uma violência substi tutiva e manifesta na
preferência dos jovens para filmes e leituras agressivas e
violentas.
A cólera intr apunitiya did ge a agressividade
para o próprio indivíduo e manifesta-se nas exigências por
demais severas que ele faz a si mesmo, na impiedosa
autocrítica, no aparecimento de doencas psico-somáticas e na
sua maior susceptíbilidade e predisp osição para acidentes e
dificuldades (JERSILD).

o MEDO

Os estímulos que provocam o medo são tanto


sociais e metafísicos, quanto de natureza sobrenatural.
Os principais temores da adolescência estão
ligados ao medo do ridículo e do fracasso, sobretudo
escolar, seguidos dos medos de si tuasões perigosas e de
desastres.
Os castigos em geral, as preocupações com o
~o, as dúvidas religiosas e os mi stérios do sobrenatural
também são causas frequentes dos medos manifestados na
adolescência.
A questão da segurança e do bem-estar presente e
futur~, a conduta pessoal e a própri a sexualidade são outras
tantas fontes de grande preocupação e temor.
A timidez e a facilidade com que o adolescente
se vê embaraçado constituem formas de comportamento das mais
comuns nessa idade, justamente porque o jovem teme fracassar
nas relações sociais (HURLOK) .
Entre os temores r elacionados à própria pessoa,
es tão o medo da morte, de doenças graves, da loucura, de
incapacidade física , da pobreza, da marginaliação social, de

V - 283
Construção de Valores

doenças venéreas, de não conseguir e saber conservar o


emprego, de fracassar na escola e nas relações sexuais, do
envolvimento amoroso, de causar sofrimentos aos pais e do
casamento (HURLOK).
Os adolescentes são extremamente inteligentes e
eficazes no disfarce ao medo. Muitas vezes, a sua violência,
impertinência e agressividade não significam nada mais que
simplesmente medo.
A quietude, a mansidão e a conformidade extremas
também são máscaras que encobrem o medo . "O adolescente
extremamente bom pode ser uma pessoa assustada, que emprega
a bondade como um meio para se proteger do medo do castigo,
da reprovação ou da rejeição" (72) .

A ALEGRIA

Apesar do caos afectivo em que se tornou seu


mundo interior, o adolescente exprimenta alegrias intensas.
Da mesma forma como ele é uma vibração total nas
ang6stias, na violência , no medo , nas contradições e nas
d6vidas, ele mostra uma vitalidade extraordinária ao
experimentar o prazer e o a felicidade.

"Minhas alegrias são anormalmente maiores e


minhas tristezas ultrapassam os limites da
normalidade. eu acredito que o prazer
está em tudo que se faça e se viva
intensamente".
(José Neumanne, 17 anos)

As pessoas, mais do que as satisfações pessoais


e a posse de objectos desejados, constituem para o
adolescente o maior motivo de felicidade.
Entretanto , p or ser ele uma criatura
emocionalmente instável , suas al e grias ami6de podem vir
misturadas à lágrima e melancolia.

V - 284
Construção de Val ores

o jovem experimenta intensa felicidade sobret!!do


·1
quando pode criar coisas e p ensamentos originais. trabalhar
inteligentemente e afirmar-se social e sexualmente como uma
identidade singular.
- Causa-lhe profunda satisfação o reconhecimento
de seus valores e potencialidades, como também são fonte de
ventura as demonstrações a] bei as de ªdmj rai;ijo, lealdade e
confiança.
o amor também produz no adolescente um estado
permanente de "alvoroço" e felicidade . Entretanto,
simul taneamente às alegrias do amor, sobrevi vem enormes e
devastadoras a insegurança, o medo, a angústia e a dúvida.
Entre os 12 e Os J 5 .30oS , as relações 'pessoais' , IJ...- (.rO;n.fr7' "') .l
os factos ligados à escola, os desportos, os presentes e a )~[). I
posse de coisas materiais e de um quarto exclusivo são r\ "(\
!
algumas das fontes de prazer experimentado pelos rapazes . )
Dos 15 aos 18 anos, . predominam as viagens, excursões e j J.-~ I~ wr\ Ih -
passeios, os desportos e os avanços pessoais na escola e ~
trabalho.
A mocinha entre 12 e 15 anos alegra-se sobretudo J2 - rra . t.'-1
com as pessoas, as viagens, os passeios e as excursões, além
de se sentir muito feliz com festas de aniversãrio, de Natal
e outras. Dos 15 aos 18 anos , as relações pessoais continuam
a felicitã-Ia mais do que qualquer outra coisa, seguidas dos
progressos feitos na escola e ná pro f issão (JERSILD) .
O nível de aspiração intelectual, social e
profissional contribui decisivamente na formação da felici-
dade. Um indivíduo que sabe do que é capaz, coloca-se
objectivos perfeitamente alcançãveis e, portanto, terã
oportunidades mais numerosas de se sentir feliz , do que
aquele que fantasia demais as próprias capacidades e
possibilidades. Imerso no devaneio, ele se propõe metas
inconquistãveis. Evidentemente, a busca sempre frustrada lhe
causarã .permanente sofrimento e serãprovãvel causa de medo,
raiva, inveja e ressentimento .
O inesperado também constitui fonte de grande
alegria.

V - 285
Construção de Valores

o
espírito juvenil, caracteristicamente propenso
à aventura, deleita-se com o imprevisível e com tudo quanto -
de gratificante e auto-afirmador possa ocorrer espontanea-
mente e sem sua participação directa .
A liberação de energi as acumuladas há longo
tempo e o sentimento de superioridade podem causar um estado
de transitória felicidade. Aliás , nada é definitivo ou
eterno para a criança e o adolescente.
Como a própria evolução -humana, tudo - felici-
dade e infelicidade, emoção e inteligência, indivíduo e
sociedade - é um processo permanente, continuamente sujeito
a revoluções e mudanças.

A MATURIDADE

Quando o adolescente descobrir e sentir que os


seres ' humanos não constituem unidades independentes terá
dado mais um passo em direcção à conquista da maturidade.
Muitos outros foram efectivados antes. O
primeiro concretizou-se com a maturação física e social .
Depois, outros passos foram dados ao concluir-se no jovem o
desenvolvimento intelectual e ao se definirem as linhas de
acção do seu sentimento religioso.
O amor heterossexual e a busca de um companheiro
através das práticas sexuais foram outros tantos passos que
o levaram a caminhar rumo à maturidade.
"O homem é entidade original, não idêntica a
outrem. Ele é sozinho e, ao mesmo tempo,relacionado com
outros. Sua felicidade depende da solidariedade que sente
com outros homens, com as gerações passadas e futuras" (73).
Quando o indivíduo sentir-se Único entre os
demais; quando os outros constituírem para ele a razão de
vi ver e de melhorar, quando entender que tudo - coisas e
pessoas, factos e situações, sonho e realidade é
estruturalmente mutável e evolucionário; quando for capaz de
tolerar as frustrações com dignidade, sem por isso cair
doente nem tornar-se amargo e destr utivo; quando puder amar

V 286
Construção de Valores

sem bl oqueios e sem preconceitos ; quando for capaz de


habilitar-se integralmente como homem ou mulher; quando
puder construir sozinho sua independência afectiva e
económica e, quando finalmente, puder traçar para si o
próprio destino e responsabilizar-se inteiramente pelos
próprios actos e escolhas , terã feito a difícil e dolorosa
conquista da maturidade .
A vida, na verdade, nada mais é do que um
nascimento constante. Pena que o c r uel destino da maioria
dos 60mesn seja , ao que parece, o de morrer antes de
nascer ...

V 287
Construção de Valores

NOTAS

(A numeração corresponde à ordem do livro)

67) Furter, Pierre. "A Juventude e o Espírito da Época:


Novas Tarefas Pedagógicas", Rev. Bras. de Est. Ped.,
Rio, 1965, 99 .
(68) Brasil, Maria Aparecida "Da Problemática da
Adolescência: o Estudante Brasileiro de Ensino -Médio",
Belo Horizonte, Fac. de Filosofia da Universidade de
Minas Gerais, 1963.
(69) De Maria Sílvia Vergue iro de Almeida, adolescente de 16
anos: "Confecções Mentais".
(70) Van Kolck, Odette L. - Sobre a Técnica do Desenho da
Figura Humana na Exploração da Personalidade". Estudo
de adolescentes de centros urbanos. S. P.: IUni v., de
São Paulo, Fac. de Filosofia, Ciências e Letras, 1963.
(71) Pfromm Netto, Samuel - "Psicologia da Adolescência",
Livraria Pioneira, São Paulo, 1968.
(72) Jersild, Arthur - "Psicologia da Adolescência", Cia.
Edit. Nacional, São Paulo, 1967.
(73) Fromm, Erick - "A análise do homem" , Editora Zahar,
Rio, 1963.

V - 288
AUTO-ESTIMA, AUTO-CONCEI TO ACADÉMICO
ALIENAÇÃO ~ SUCESSO ESCOLAR (* )

Júlia Oliveira FORMOSINHO


Conceição ALVES-PINTO

Todos aceitam que a escola deve utilizar as


experiências do aluno ao nível académico e social de tal
maneira que ele possa desenvolver uma imagem adequada da sua
competência, do seu valor.
Nós sabemos que a auto-estima é central para o
desenvolvimento da personalidade (Burns , 1979). Também
ninguém se atreveria a negar que o desenvol vimento de uma
personalidade equilibrada é um dos objectivos primeiros da
escola.
No entanto , que faz a escola para desenvolver a
personalidade e promover a auto-estima dos alunos? Que ima-
gem de si têm os nossos alunos? Como se valorizam ou desva-
lorizam? Que tem isso a ver com sentimentos de alienação?
Abordaremos estas questões neste artigo .

1. O ESTUDO DA AUTO-lMAGEM NA PSICOLOGIA

Parece ninguém poder negar o desejo que o homem


sempre tem mostrado de se conhec e r a si próprio e a
necessidade que tem de auto-conhec i mento para viver bem
consigo e com os outros e para atingir a "sabedoria".
Filósofos de origens di v ersas versaram este tema (Platão ,
Locke, Kant).

(*) - Júlia Oliveira FORMOSINHO: Assistente da Universidade


do Minho.

(*) Conceição ALVES-PINTO: Prof . Auxiliar da Faculdade de


Ciências da Universidade de Lisboa.

VI - 289
Factores Contextuais da Escola

Mesmo quando de si se esconde , se desconhece, o homem vive o


probl e ma do auto-conhecimento (mediado pelo problema da
auto-valoração que o leva a de si se esconder?) .
A psicologia , excepção feita às primeiras déca-
das do behaviorismo, tem-se interessado constantemente pelo
tema do auto-conhecimento. Podemos assim f alar da hi s t ória e
das teorias do auto-conceito na psicologia. ( Convém re ferir
que existe uma certa indefinição terminológia na área e que
os termos auto-conceito, auto-imagem, auto-estima e outros
têm sido usados d e forma indiferenciada).
Fazer , ainda que brevemente algumas referências
a essas teorias põe problemas metodológicos , quer no plano
da cronologia do desenvo lvimento das teorias e seus
postulados , quer n a escolha de autores repr esentativos
(Écuyer, 1978). Apesar desta dificuldade, parece poder
dizer- se que é dentro da perspectiva fen omeno l6gica , prin-
cipalmente a p artir dos anos quarenta. que se fizeram grande
parte dos trabalh os d e investigacão nesta área . Isto é
compreensí v el, pois, no quadro de outras teorias, tais como
a psicanalítica e a behaviorista , o estudo da experiência
consciente e vivida de s i mesmo tem muito menos relevância.
Dentro da perspec tiva fenomenológ i ca deve
referir-se que há duas fontes de inspiração:

1. a perspectiva soc ial que valoriza especialmente a


dl.mensao social do self, onde a relação indivíduo
sociedade é conside rada particularmente importante no
processo de formação do auto-conhecimento e da
auto-estima . Isto é, o "eu" vis to em relação com os
outros (Mead, Ziller , Wallon).

2. a perspectiva individualista que , reconhecendo embora, o


papel do outro na construção do conceito de si, lhe dá
uma importância mais limi tada, assentando assim sobre o
postulado da predominância da percepção individual como
realidade d e base na construção do self. Combs e Snygg
(1959) são precursores desta perspectiv a, que tem na
actual idade repres e ntantes tais como Écuyer e Bugental.

VI - 290
Fac tores Contextuais da Escola

No entanto, ambas as perspectivas centram o


estudo do auto- conhecimento na exploração da experiência
vi vida pelo sujei to, uma dando ênfase à experiência
interpessoa1 (a perspectiva social ) e outra dando ê nfase à
perspectiva intrapessoal (a individualista).
Também no quadro teórico cognitivo - desenvovi-
mentista se têm realizado trabalhos sobre o estudo do self
que são de importância decisiva na psicologia actual
(Joyce-Moniz, 1976).

2 - PROBLEMAS CONCEPTUAIS E METOOOLÓGICOS NO ESTUDO DA


AUTO-ESTDIA

Os trabalhos até aqui fei tos sobre auto- estima


sofrem de vários problemas conceptuai s e metodológicos.
Shavelson (1976) enunciou-os dizendo já datarem de há dez

o
anos antes:
Q.efinições imprecisas do próprio concei to ; CD falta de
dados acerca da equivalência dos instrumentos de medida .
Este facto é agr avado pela situação de muitos investigadores
terem construí do os seus próprios instrumentos para a
si tuação especí fica que querem estudar, de tal maneira que
os instrumentos crescem tão rapidamente c omo os estudos
sobre o auto-conceito . Torna-se assim difícil a generali-
zação dos dados recolhidos .
Isto s ignifica que há probl emas de definição e
de medida que não foram resolvidos ante s do crescimento da
investigação na área . Daqui advém o facto da investigação
sobre a validade do " constructo" se tornar indispensável
(ver estudos recentes sobre o assunto - Shavelson 1976,
Byrne 1984).
são muitas as definições do termo auto-conceito.
Para c€ge~ (1967) é um conjunto organj z;ad Q e evolutivo de
percepç ões acerca do indivíduo. Para ~omb~ (1971) é a
or aniza ão das perce ões acerca de si mesmo ue faz o
indi víduo ser quem é i para é um sistema de
crenças complexo e d i nâmico que o i ndiví duo mantém acerca de

VI - 291
Factores Contextuais da Escola

si mesmo, sendo a cada crença atribuído um valor positivo oy


um valor pe~ªtlYQ.
Em termos gerais, para ~ave~ (1976), o
auto conceito é a percepcão qye a pessoa tem de si prÓpria .
formada na sua experiência com o ambiente. particularmente
com "outros significativos". Pensa-se que o auto-conceito
individual será útil na explicação e predição do comporta-
mento , mas isto é ainda controverso. Realmente pensa- se que
a percepção que o indivíduo tem de si prÓprio influencia a
sua maneira de agir, e que os actos, por sua vez, i n fluen-
ciam a sua auto-percepção. Embora a relação percepção-acção
seja componente importante da definição . ela está ainda
núc l eo de

Para Shavelson , o auto-concei to~odé ser ainda


descri to através das suas características: Q.)- .Organizado,
ou estruturado, pois as pessoas categorizam a informação
vastíssima que têm acerca de si própria;~ Multifacetado,
pois que existem facetas várias do auto-conceito, por
exemplo, a social, a escolar, a física, 0
etc . ;
hierárquico,pois que as facetas do auto-conceito formam uma
hierarquia com as experiências individuais em sub-áreas de
base até ao auto-conceito geral no topo da hierarquia
(Figura I);0 - estável,- pois o auto-conceito geral é
relativamente estável e, quando se desce na hierarquia , ele
torna-se mais dependente do contexto e, portanto, menos
estável;@- evolutivo, pois a diferenciação self-mundo é
lenta para a criança, mas o auto-conceito torna-se cada vez
mais difer.enciado no processo de desenvolvimento; ~­
descritivo e valorativo, pois o indivíduo não sÓ faz
descrições de si mesmo numa situação, corno também faz a sua
avaliação; ~ - distinto, pois o auto-conceito pode ser
distinguido de outros "constructos".
Ao fazer a revisão sobre algumas perspectivas
teÓricas do auto-concei to, <!inny e <:FarO;; 1981, concluíram
que há consenso inter-teorias no que se refere à interaccão
com os "outros significativos" corno fonte influente no
desenvolvimento do auto-conceito. Também há consenso em

VI - 292
Factores Contextuais da Esco la

relacão ao seu carácter multifacetadq O mesmo autor refere


que a maior dis c ordânc ia inter-teori as diz respei t o ao tipo
de relações entre a fac eta mais geral do auto- concei to e as
suas facetas ma is específicas. Aí podemos distinguir, pelo
menos, quatro posições diferentes: o modelo hierárqu ico de
que já falámo s (Shav elson, 1 976 ), o modelo que vê o
auto-concei to como um constructo unid i mensional, um modelo
taxonómico. (com factore s aI tamente específicos) e o modelo
compensatório ( v er Byrne, 1984).

3 - OS ESTUDOS DE AUTO-ESTIMA NO CONTEXTO EDUCACIONAL

Os estudos da a u to-esti ma no contexto educacio-


nal aparecem , quer associados ao sucesso académico, como
variável mediadora, quer como resposta ao problema do papel
da escola no desenvolvime nto da personalidade do indivíduo.
Realmente , os mais diversos contexto s educacionais , do
pré-primá rio ao unive r sitário , das crianças com problemas às
crianças espec ialmente dotadas , da via tradic ional de ensino
à via técnico-profissional, têm suscitado estudos na á rea da
auto-estima (Byrne, 1984), (Formosinho e Alves-Pinto, 1985).
Um dos temas que se tem -revelado mais contro-
verso é o das relacõe s entre a pto-estima e r ealização
académica que necessi ta esc l arecimento ao nível conceptual,
ao nível da medida e ao nível das relações de causalidade.
A entrada da cri ança na escola abre-lhe as
portas dum mundo onde a avaliação é toda poderosa, invade
tudo, se imiscu e em todas as situações e interacções .
Passará a ser a v aliada em dois currículos - o manifesto e o
ocul to - , por vários a gentes de a valiação , pois, além dos
professores , rapidamente os colegas entram no esquema da
avaliação mútua (Burns, 1981, Alves-Pinto, 1980). Enquanto a
~çola envolve avaliação constante e põe o ênfase no sucesso
académico, a soc ieda~e em geral vi ve também o stress do
sucesso, da avaliação, d a competição . Este guadro permite
dizermos que a v ida escolar terá uma influên cia profunda na
auto-estima individual .

VI - 293
Factores Contextuai E da Escola

Os estudos e as suas revisões parecem chegar a


uma mesma concl u são mui to geral: as diferenças n a auto-
-estima estão associadas com diferenças nos resultados aca-
démicos (Purkey, 1970; Burns, 1982). Isto parece ser válido
tanto para alunos do jardim infantil, como para alunos da
escola primária e da escola secundária, como também para
alunos do ensino universitário (Burns, 1979; Espinar 1982).
Segundo alguns autores, a auto-estima parece
mesmo ser um melhor preditor do sucesso acadêmico, do Wle as
medidas de inteligência (Jones e Grieneeks , 1970).
No entanto, alguns estudos não revelaram dife -
renças mui to significativas entre a auto-es tima dos alunos
com boa realização académica e auto-estima dos alunos com má
realização académica (Jordan, 1981; Mintz e Muller 1977).
Efectivamente, a relação entre a auto-estima e o
sucesso académico parece ser uma relação complexa e requer
especificação sobre factores mediadores envolvidos e sobre a
metodologia e os indicadores utilizados nos estudos
(Hansford e Hattie, 1982). Um trabalho mui to discutido· pelo
seu rigor e volume de dados recolhidos (Brookover, Thomas e
Paterson, 1965) lança alguma luz sobre esta questão, pois
mostra uma correlação positiva entre a auto- estima e o su-
cesso, mesmo quando a variável inteligência é controlada,
mas, mostra também que não são as medidas gerais de auto-
-esti ma, mas sim as medidas específicas escolares (auto-
-concei to académico) que predizem o sucesso. , Isto é, a
auto-imagem académica será um mais adequado preditor do su-
cesso académico do que uma medida geral de auto-imagem. Esta
conclusão é confirmada por muitos outros trabalhos· (Espinar,
1982; Hansford e Hattie, 1982; Jordan 1981). Outra conclusão \
que aquele trabalho permite é a de que a auto-imagem acadé-
mica é uma condição necessária mas não suficiente para o
sucessso académ ico. A realização académica é i nfluenciada por
\ outros factores e, provavelmente, alguns interagem entre si .
Uma outra especificação que as revisões da
literatura nos permitem é a de que estão mais preditivamen.Q,.toe. rI
associadas a baixa auto-estima e o insucesso académico , II
\) que a alta auto-estima e o sucesso académico .

VI - 294
Factores Contextuais da Escola

Es tas conclusões levam-nos a um problema mui to


pol émi c o que é o das relações da causalidade, isto é: é o
auto- c onceito causa ou efeito do rendimento escolar? Como a
maioria dos estudos que temos s ão estudos correlacionais,
não podemos daí inferir a causalidade sem outros méto dos de
confirma ção . Parece que, para o momento, a interpretacão da
relaç ão tem de ser vista dentro de um modelQ de interacção

-
mútua (Burns 1979, Espinar 1982). Na verdade, parec e p oder
d izer-s e q u e os dois sentidos da relação causal existem.

4 - APRESENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO DE CAMPO KM CURSO

4. 1 - Objectivos

A quase totalidade dos estudos de auto-estima e


auto-c onceito escolar realizados em populações de estudan tes
consideram o nível de rendimento e s colar como variável
pertinente p a ra o aprofundamento de sta problemática. Com uma
certa fr equência, estes trabalhos abordam a relação entre
aquele s indi c adores e esta variavel numa perspectiva de
causa l i dade . Este trabalho não se situa nesta perspectiva.
O nosso ob iectixo é estudar a auto-estima e o
auto-concei t o escolar como elementos da construç ã o da
identi dade pessoal do aluno o que, como referido anterior-
mente, s ó p ode ser compreendido em referência ao c ontexto
socia l . Nesta perspectiva a utilização da variável rendi-
mento e scola r terá de ser completada com a inclusão neste
estudo de outras variáveis referente a esse contexto social,
tais como a relação com os colegas (que funciona m c omo
"outr os s ignificativos") e a alienação escolar (que nos d á
uma me dida do s entimento de pertença, poder e atribuição de
sentido , n o c ontexto escolar).

4. 2 - AMOSTRA

A amostra do presente trabalho é compos t a p or


2442 aluno s de cinco escolas secundárias de Braga e Lisboa.

VI - 295
Factores Contextuais da Escola

As escolas foram seleccionadas de tal modo, que ficasse


assegurada a representação de escolas com composições
sociais diversificadas.

4.3 - INSTRUMENTOS DE MEDIDA

Para medir a auto-estima usámos o ~


~o~tim.a. Qe_~~, que tem sido mui to utilizado
como uma medida geral de auto-estima e que é adequado para o
uso com crianças da escola primária e secundária . (Ver
Coopersmith, 1967).
Para medir o auto-conceito académico utilizámos
-
a escala de auto-imagem académica de J. Bark~-Lunn que
----- ~......-. ~"...., .. --
""""-
adaptámos, e que dá a percepção do estudante acerca de si
.
próprio naquilo que se refere ao trabalho escolar. (Ver
Cohen, 1976).
Para medir a alienação escolar usámos o Que~
tionárO e a erca da Escola de Cohe que tem três
sub-escalas - poder, sentido e enraizamento. ( Ver Cohen,1976).
Os indicadores utilizados atingiam valores máxi-
mos teóricos de 25 (Auto-estima), 18 (Auto-conceito acadé-
mico), 45 (Alienação escolar) e 10 (Relação com os colegas).
Para cada um destes indicadores partiu-se da
distribuição real obtida, constituindo-se os escalões em
número de 5, de modo a que o escalão médio se situe em torno
da mediana.

4.4 - HIPÓTESES

Assim as nossas hipóteses são:


1 - A auto-estima está associada com o auto-conceito
académico;
2 - O auto-conceito académico varia:
a. no mesmo sentido do nível de rendimento escolar;
b. no mesmo sentido da relação com os colegas;
c. em sentido inverso ao do nível de alienação
escolar .

VI - 296
Fa ctores Contextuais da Escola

3 - A auto-estima varia:
a. no mesmo sentido do níve l de rendimento escolar;
b . no mesmo sentido da relação c om os colegas;
c. em s enti do inverso ao nível de ali e nação
escol ar .

5 - ANÁLISE DOS DADOS

H1 : A auto-estima e s tá associada com o


auto-conceito ac adémi co revelados pelos jovens.

QUADRO 1
AUTO-ESTIMA E AUTO- CONCEITO ACADÉMICO
====--=========== ==================================== ======
AUTO- MÉDIO- MÉDIO-
BAIXO -BAIXO MÉDIO -ALTO ALTO TOTAL

BAIXO . . . .. ...... . 43 , ° '-. .,. 24 , 5


-- --~ ----------------------------
12 , 8 8,3 6,5 19 , 5
" '-...,.
----~--- ---~- ---- ----- -----------

MÉDIO-BAIXO ..... . 22 I O "- 21 , 7 ~8 , 9 14,3 7, 9 18 , 3


---------~~----,,---------------
MÉDIO . ..... .. ... . 22,9 27 , 4 ~6 , 7 "'-... 25 ,1 24, 1 25,6
----------------~-----~----------
MÉDIO-ALTO 7,2 15,7 22, 5 "'-... 24,~ 26 , 9 18 , 9
--~--------------------~----~----
'-...,.
ALTO 4 ,8 10,8 18 ,9 27 ,7 '-...,.3 4,7 17 , 7
------------- - -- - -------------~--
(1) 100 , 0% 100 ,0% 100 ,0% 100,0% 100 ,0% 100,0%
TOTAL ........ ... . (414 ) (613) (703) (483) ( 216) (2442)
==================-=================== ===============-======

A anál ise da distribuição do cruzamento dos


seores obtidos nas escalas de auto-conceito académic o e
auto-estima confirma uma clara relação entre estes dois

VI - 297
Factore s Contextuais da Escola

indicadores . O quadro mostra "qu e, estatisticamente , quanto


mais elevada é a auto-estima mai or é o auto-c onceito
académico reve l ado. Inyersame nte. h á f o rte s p robabilida des
de n í veis baixos de auto-estima c oin c idirem com v a l o r es
baixos de auto-con c eito académi co .
No e ntanto , interessa salientar que os indiví-
duos que s e s ituam longe da diagona l princ i pal do quadro ( e m
quem coex istem níveis al t os de uma variáve l com níveis
baixos da outra) constituem grupos onde esta problemática
assume características particularmente intere ssantes. Na
verdade , n o topo direito do qua dr o s ituam- s e jove ns, que
tendo níve i s elevados de auto-c o n ceito es c olar, obtive ram
n í veis e x t r e mamente reduz i dos n a auto-estima . Isto parec e
indicar qu e a auto-estima deste s jovens se construirá
essenc ial mente e m refe rência à instituição escolar . Inve r-
samente , no canto inferior esquerd o do quadro situam-s e os
jov ens qu e , tendo níve is eleva d os de a uto-estima , obtive r a m
valores mui to r e duzi dos no auto-con ceito escolar . Isto p o de
significar, por sua vez , que a identidade des tes jovens se
constrói a p art ir das imagens que lh e são r e envi a das p or
outros cont e xto s soc iais estranho s à e scola. O apro f un-
damen to da nossa problemát ica, nestas duas sub-populaç ões ,
será objecto de inves tigação ulteri o r.

H2a : O auto-conce ito académico vari a no me s mo sentido do


nív el do rendime nto e scolar.

VI - 298
~~~ ~----------~-------------

Factores Contextuai s da Escola

QUADRO 2
AUTO-CONCEITO ACADÉMICO E RENDIMENTO ESCOLAR
-===================================================--======
RENDIMENTO
ESCOLAR MÉDIO- MÉDIO-
BAIXO -BAIXO MÉDIO -ALTO ALTO TOTAL

ACADÉMICO
Escalão:
----,-----------------------------
BAIXO 25,2 ' 22,0 18,7 11,5 5,0 17,0
, '
---,------ ~-------- -- ------ -------
MÉDIO-BAIXO 29 , 5 '
,
34, 1 "- 26, 3
........
---------- -,------~---------- -----
19 , 3 11 , 8 25,1

MÉDIO 29,1 26 , 3 ' 33, 9 30 ,0 23 ,4 28,8


,
---------------- -- -------~--- -----
'
MÉDIO ALTO 13,6 13,4 15,1 . . . . 30, 4 ........ 29,7 19,8
---------------- - --------------- ~-
" , "-
"-
ALTO 2 ,4 3,6 5,5 8 , 2 " 29 ,4 8,8
------~--------- -------------------------------~--
....
(1 ) 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% ' 100,0%
TOTAL (420) (528) (578) (497) (364) ( 2442 )
================-===================================--======

A análise do qua dro 2 mostra que há uma forte


relação entre a avaliação que a instituição escolar realiza
e a representação que o jovem fa z de s i mesmo enquanto
aluno .

H2b. O auto-conceito académico varia no mesmo sentido da


relação ~ os colegas .

VI - 299
Factores Contextuais da Escola

QUADRO 3
AUTO-CONCEI TO ACADÉMICO E RELAÇÃO COM OS COLEGAS
==================================== ===== == ======== =========
RELAÇÃO COM
COLEGAS MÉDIO- MÉDIO-
BAIXO - BAIXO MÉDIO -ALTO ALTO .TOTAL
AUTO-

ACADÉMICO
Escalão:

BAIXO 30 ,2 20 , 8 18 ,8 13 , 8 6,2 17, 0

MÉDIO-BAIXO 31,4 28 , 2 27 ,4 25 , 5 16 ,4 25 , 1

MÉDIO 24 , 3 27 ,7 3 2 ,4 30 , 8 27,8 28 , 8

MÉDIO-ALTO 10 , 6 16 ,9 15 , 0 21 , 7 30 , 6 19,8
----------- - -- -------- - ---- --- - - - - - --- -- -- --- ---- -- --- - -~ ---

ALTO 3,2 5,8 6,1 7,5 18 ,5 8,8

(1) 100 , 0% 1 00 , 0% 100 ,~~ 100 , 0% 100 , 0% 1 00,0%


TOTAL .. .... . . (407) (379) (521 ) (545) (568 ) ( 2442)
============================ ======== ========================

No contexto esco lar portuguê s z em que a orga-


nização escolar gira à v o l ta da t r ansmissão dos con teúdos
dos programas , em que o desenvolv imento s o cial do aluno não
constitui um ob j ectivo r eal do s is tema e scolar, em que a
avaliação invade , expl i c íta ou i mpli citamente, a quase
!otalidade da v ida na i n s ti tuição , sabendo já que e x iste
relação forte e n tre o n í ve l de ren d imento escolar e o
auto-conceito , admi t i mos qu e a percepção que o jovem t em da
sua relação com os colegas n ão pode de ixa r de v ariar com o
auto-conceito esc o l ar .
A a n álise do quadro 3 confi rma esta hipó t ese.
Este resultado é tanto mais interes sante quant o n ão é
generalizável à r ealidade e ducativa de outros paí s es, on de a

VI - 300
Factores Contextuais da Escola

vida da escola apresenta uma maior multiplicidade de


aspectos valorizados.

H2c : O auto-conceito académico varia em sentido inverso do


nível de alienação escolar revelado pelo jovem .

A percepção que o jovem tem como aluno variará


com a percepção que ele tem sobre a sua ligação à
insti tuição escolar (aqui medida em termos de alienação
escolar) .

QUADRO 4
AUTO-CONCEI TO ACADiMICO E ALIENAÇÃO ESCOLAR
-===========================================================
ALIENAÇÃO
ESCOLAR MÉDIO- MÉDIO-
BAIXO -BAIXO MiDIO -ALTO ALTO TOTAL

ACADÉMICO
Escalão :

BAIXO 31 , 0 21,9 16,8 9,8 7,6 17,0

MÉDIO-BAIXO 27 , 9 25,8 27,5 21,2 7,6 25,1

MiDIO 21 , 7 26,1 33,6 36,4 28 , 8

MiDIO-ALTO 13,2 17,3 19,3 23,9 30,3 19, 8


---------- ------ ~----- -- ------------- -- ----- - -- -------------
1\LTO 6,2 8,3 8,0 10,6 18,2 8,8
---------------------- --------- -------------- ----------- ----
(1 ) 100 , 0% 100,0% 100 , 0% 100 , 0% 100 , 0% 100 , 0%
TOTAL .... .. . . (129) (590) (1106) (539) (66) (2442)
============================================ =========== =====

A análise dos resultados confirma a hipótese


atrás anunciada .

VI - 3 01
Factores Contextuais da Escola

Passemos a um comen tári o global dos re sul t ados


dos quadros 2, 3 e 4, relativos à hipótese 2. Gl obalmente,
os resultados confirmam a importância da avaliação na expe-
riência esco lar do jovem.
Nes te contexto, em que a escola se revela for-
temente reducionista da globalidade da experiência social
que o jovem faz no quadro da instituição escolar, admitíamos
que a percepção e valorização que o jovem fa z de si mesmo (e
de que é ind i c ador a auto-estima) v ariaria , quer com o ren-
dimento esco lar, quer com a relação com os colegas, quer com
a alienação escolar. Os resultados, realmente, confi rmam
estas hipóteses.

H3a . A auto-estima varia no mesmo sentido do ren d imento


escolar.
QUADRO 5
AUTO-ESTIMA E RENDIMENTO ESCOLAR
-===========================================================
RENDIMENTO
ESCOLAR MÉDIO- MÉDIO-
BAIXO -BAIXO MÉDIO -ALTO ALTO TOTAL
AUTO-
ESTIMA
Escalão :

BAIXO 22 , 4 24,8 19 ,4 16 ,7 12 ,1 19 , 5

MÉDIO-BAIXO 18,3 18,8 19 , 2 19,5 14 , 6 18,3

MÉDIO 24, 8 25 , 8 26 ,3 2 5,8 24,7 25,6

MÉDIO ALTO 17, 6 16,3 18 , 9 20,1 22 , 8 18,9

ALTO 16, 9 14,3 16,3 17,7 25,8 17,7

(1) 100, ~~ 100, 0% 100 , 0% 100 , 0% 100 ,0% 100, 0%


TOTAL .•.. .... (420) (526) (578) (497) ( 364 ) (2442)
=========================================== == ========~ ======

VI - 302
Factores Contextuais da Escola

Os níveis mais reduzidos de auto-estima coin-


cidem mais frequentemente com as claRsificações negat ivas .
Inversamente, os ni veis superiores de auto-estima ocorrem
nos jovens com os melhores resultados escolares.

H3b. A auto-estima varia no mesmo sentido da ~~lação com os


colegas.

QUADRO 6
AUTO- ESTIMA E RELAÇÃO COM OS COLEGAS
=== === = ======================================~=====~====~=~~

MÉDIO- MÉDIO-
BAIXO - BAIXO MÉDIO - ALTO ALTO TOTAL

Escalão:

BAIXO 38 ,1 26,9 19 ; 6 14 , 7 5,5 19 , 5

MÉDIO-BAIXO 22 , 9 20 ,6 20,5 17,1 12,7 18,:1

MÉDIO 20,6 28,5 27,3 28,6 23,2 25,6

MÉDIO ALTO 10,1 14 ,5 18,0 20,7 27,1 18, 9

ALTO 8 ,4 9,5 14,4 18,9 31,5 17,7


- ------- ------------------------ ----- ----------------- ~._----

(1) 100,0% 100 ,0% 100,~~ 100,0% 100,~~ J. OO,O%


TOTAL ... ... .. (407) (379) (521) (545) (568) (2442)
====================================================~= ======

A análise do quadro 6 · mostra que. quanto mais


elevado for o score obtido na auto-estima, mais positiva se
mostra a representação que o jovem tem da sua relação com os
colegas . Na mesma lógica , os valores mais fracos na auto-

VI - 303
Factores Con textuais da Escola

-estima vêm muitas vezes associados a relações menos


positivas com os colegas .

H3c. A auto-estima varia em sentido inverso da alienação


escolar.

QUADRO 7
AUTO-ESTIMA E ALIENAÇÃO ESCOLAR
=========================== =================================
ALIENAÇÃO
ESCOLAR MÉDIO- MÉDIO-
BAIXO -BAIXO MÉDIO -ALTO ALTO TOTAL
AUTO-
CONCEITO
ACADÉMICO
Escalão:

BAIXO 38,8 28 , 6 18 , 4 9,1 6,1 19,5

MÉDIO-BAIXO 27 , 9 22,9 18,1 12,2 9,1 18,3

MÉDIO 17,8 23 , 4 27 , 4 26,5 19,7 25,6

MÉDIO-ALTO 9,3 13,4 20,0 24,9 21,2 18 , 9

ALTO 6,2 11 , 7 16,2 27,1 43,9 17,7

(1 ) 100,0% 100 , 0% 100 , ao~ 100,0% 100,0% 100,0%


TOTAL .. • . •• •. (129 ) (690) (1106) (539) (66) (2442)
============================================================

A alienação escolar e a auto-estima variam em


sentidos inversos, isto é . qUanto maior é a auto-estima,
maior é a probabilidade de a alienação expressa explici ta-
mente ser reduzida. Noutros termos, há pouca probabilidade
de se encontrar jovens que , tendo níveis elevados de auto-
-estima, tenham também revelado altos níveis de alienação.

VI - 304
Factores Contex tuais da Escola

6 - DIRECÇÃO FUTURA DA INVESTIGAÇÃO

Algumas direcções do trabalho de investigação


que a confirmação das hipóteses a ponta estão já a ser
exploradas; e o utras sê-Io-ão no futuro.
Assim temos em curso a análise da intensidade da
associação entre as variáveis aqui estudadas, atravé s de
análise s de correl ação . Procederemos também a análises de
variância com vista ao estudo de d iferenças em relação a
au to- estima , auto-conceito a cadémico, alienação escolar e
sucesso escolar , tendo como variáve is independentes a origem
regional, o sexo, a composição social da escola, a formação
sócio-cultural dos pais, a idade, etc ..
Como anunciámos previamente, estamos também
interessados na análise dos pequenos grupos que se desviam
dos padrões normais da relação entre as seguintes variáveis:
auto-estima/auto-conceito académico; alienação/auto-estima,
alienação/realização académica, etc.
A aná lise dos padrões n ormais de relações entre
variáveis, sendo muito útil, parece, no caso deste trabalho,
ficar mui to enriquecida pelo estudo do perfil dos suj ei tos
que se desviam desses padrões .

7 - ALIENAÇÃO ESCOLAR, AUTO-ESTIMA E AUTO-CONCEITO ACADÉMICO

Um dos grandes interesses do nosso trabalho é o


estudo da alienação esco l ar descrita pelo jovem. O con t exto
escolar português é um contexto re dutor. como já dissémos
(vej a-se o grande ênfase no estudo disciplinar z o peso da
avaliação e a ausência de preocupações com o desenvolvimento
sócio-pessoal do aluno ). Um contexto educacional redutor do
jovem é um contex to artific ialmente criado pelos adultos e
pelas circunstância~.
A organização da escola não só não i n clui
mecanismos de part icipação discen t e com significado para os
alunos, como os percepciona e trata c omo meros receptáculos
vazios, disponíveis para s erem cheios de conhecimentos pelos

VI - 305
Factores Contextuai s da Escola

professores que por eles sucessivamente desfilam.


O jovem passa mui to tempo na escola, depende
dela s er valorizado socialmente, para ser gratificado pelos
pais, para ser "olhado" p elos colegas e para ser certificado
com vi sta ao acesso a empregos e à universidade . Se pouco
pode fazer para influenciar a sua vida na escola, ele sabe
que a escola influencia , e mui to, a sua vida presente e a
sua vida futura.
.:. Assim, é natural que o jovem não compreenda as
finalidades e os valores da escola e -estes lhe pareçam quase
estranhos. Tudo isto lhe dificulta os meios para se suceder
academicamente.
É, pois, natural que se encontre nos jovens que
são alunos da escola secundãria portuguesa altos niveis de
alienação . . Mesmo . que, num esfDrço de sobrevivência, o jovem
se identifique com os meios sem ter previamente identificado
as finalidades (ritualização), não quer dizer que deixe de
se sentir alienado. Veja-se os acentuados níveis de
alienação escolar nos alunos com bom rendimento escolar
(Alv es-Pinto e Formosi nho 1985).
Se a maioria dos jovens não dã sentido à escola,
não a valoriza, não se sente lã bem, mas sabe que em parte a
escola é decisiva na sua vida, is to deve ter influência ao
nível da sua imagem de si mesmo. O esforço de uma pessoa
para se ver posi ti vamente, para a si se atribuir valor,
faz-se na interacção com "outros significativos" (p ais,
professores, colegas, etc) nos vãrios contextos sociais que
atravessa. Logo, uma escola onde essa pessoa se sinta alie-
nada parece ser o lugar menos desejãvel para a sua identi-
ficação, para a construção positiva de si (ve ja-se quadr07).
Exploraremos, no futuro, estas pistas, através de estudos
das estruturas psicológicas do jovem, os seus sentimentos de
alienação, a sua auto-imagem, a imagem que dele têm alguns
professores e a imagem que dele têm os colegas.
Estamos também interessadas na anãlise da imagem
de si que o jovem tem à saída da escola, e da forma como ela
evolui ao longo dos primeiros anos em que dela estã liberto.

VI - 306
Factores Contextuais da Escola

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Factores Contextuais da Escola

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NOTAS

(1) As não respostas a cada uma das variáveis utilizadas não


foram apresentadas nestes quadros, assim como não foram
consideradas nos cálculos estatísticos realizados .
No entanto, as percentagens de coluna
apresentadas foram calculadas relativamente ao total de
coluna, incluindo as não respostas. Assim, salientamos que:
a ) o total de cada escalão de determinada variável mantém-se
constante em todos os quadros que a consideram. b) Num
quadro que relaciona as variáve i s A e B, o total das
percentagens da coluna de um escalão variável A é inferior a
100% cada vez que um ou mais dos inquiridos respondeu à
variável A não tendo respondido à variável B.

VI - 308
o DESINTERESSE ESCOLAR NO ENSINO SECUNDÁRIO (*)

lN. P. ROBINSON

Embora a investigação no campo educacional


pareça frequentemente caracterizar-se por uma abordagem mais
positiva do que a das ciências sociais aplicadas em geral,
muito do seu entusiasmo gira em torno do sucesso imediato de
qualquer novo aparelho, esquema ou modelo. Estas invenções
estão, porém sujeitas a sofrer devido a introduçõesI

demasiado rãpidas e avaliações demasiado lentas - correndo


mesmo o risco de serem postas de lado perante, uma nova
moda, antes que se complete, a seu respeito alguma avaliação
razoável. De facto, são simples mudanças. que aparecem
mascaradas de progresso.
.
Por outro lado, se a investigação teórica geral
a longo prazo nem sempre é bem aceite - pois não é fácil,
muitas vezes, traduzir as suas implicações em sugestões
específicas relativas ao procedimento na escola -- a verdade
é que, a longo prazo, ela tem a vantagem de ultrapassar o
domínio dos sintomas superficiais para se aproximar das
doenças em si.
Assim, as nossas investigações sobre o
desinteresse escolar não produziram um aparelho criador de
interesse perpétuo, nem conduziram a sugestões precisas no
domínio das tãcticas a usar . Contudo, pensamos que elas nos
fornecem uma base para alguns comentários preceituais e nos
autorizam a levantar algumas questões que podem ser úteis
para os que estão implicados no processo de educação. Mas,
se estes comentãrios se dirigem aos professores e aos res-
ponsãveis pela formação de professores (são eles que cons-
tituem os quadros docentes) não faz sentido que se considere

(*) - Professor de Ciências da Educação na Universidade de


Bristol Divisão de estudos Avançados da mesma
Universidade.

VI - 309
Factores Contextuais d 9 Escola

que eles sejam particularmente responsáveis pela actual


situação. Os alunos, os pais, os administradores e os
políticos, todos podem contribuir para reduzir a incidência
do desinteresse escolar nas escolas secundárias - o que não
nos impede, contudo, de nos interrogarmos, aqui, sobre o que
poderão fazer os professores, tendo em conta que as suas
acções estão condicionadas pelos outros personagens em j ogo,
assim como pelas suas próprias limitações . Se o modelo do
desinteresse escolar que descrevemos for válido, serão
provavelmente os professores Quem terá maiores possibili-
dades imediatas de levar as crianças a escapar ao ciclo dos
acontecimentos que conduz ao desinteresse.
Este trabalho teve as suas origens remotas na
verificação dos resultados das teses de Bernstein sobre as
diferenças de classe social no uso da linguagem (Bernstein,
1971) . A princípio, procurámos ver como respondem as mães às
perguntas dos filhos, encontrando, a este respeito, dife-
renças significativas e previsíveis entre as classes soci-
ais. Em comparação com as mães das classes baixas, as mães
da classe média são mais susceptíveis de responder às per-
guntas feitas e de dar r espostas esclarecedoras e exactas .
Respondendo aos "porquês?" , teriam uma maior tendência para
mencionar as causas e as consequências dos factos, sendo
portanto menos susceptíveis de responder com asserções do
tipo " porque sim" ou de recorrer à regularidade e tradição
("é sempre assim"; "sempre foi assim"). É também com maior
frequência que relacionam os acontecimentos uns com os
outros, especificando as suas diferenças e semelhanças.
Quais as consequênc i as para as crianças?
Concluímos, através de um modelo de aprendizagem válido
unicamente em contextos de conversação, que as c~ianças das1C
classes médias tinham maiores · possibilidades de adquirir
conhecimentos transmitidos verbalmente, ligados com precisão
ao mundo extra-linguístico, e que esses conhec i mentos
estariam mais sistematicamente organizados. Também a p rende-
1t
riam a ver que fazer perguntas é um meio de obter"
conhecimentos, servindo estes , por sua vez, para fazer mais
perguntas. Na medida em que esta sua experiênc i a for

VI - 310
Factores Contextuais da Escola

satisfatória, estas crianças teriam, futuramente, uma maior


propensão para perguntar.
Os conhecimentos, o método e o desejo de os
adquirir, deveriam ligar-se entre si, num sistema dinâmico
que contribuisse para o desenvolvimento.
Entretanto, em relação às crianças das classes
trabalhadoras, nem as componentes desse sistema, nem as suas
ligações entre si, são conhecidas com a mesma amplitude .
Pode-se presumir que o recurso à regularidade e à tradição
assim como às respostas de tipo "porque sim" dadas às
perguntas do tipo "porquê?", desencorajariam, no mínimo, a
expressão da curiosidade . Não procurámos saber até que ponto
fazer perguntas era definido como comportamento impróprio
e/ou punido, mas pode acontecer que assim seja em algumas
famílias.
Dados posteriormente obtidos, confirmaram a
existência de diferenças de classe soçi al nas qJJaJ j riades e
hábitos de pergunta-resposta (Herber , 1974; Robinson, 1972;
Robinson e Arnold, 1977, Robinson e Rackstraw, 1972), com
excepção das crianças de seis anOB e fj lhas de operários
especializados, que fazem tantas perguntas quanto as crian-
ças da mesma idade da classe média. Contudo, demonstrámos
que, independentemente da classe social, as crianças que
faziam maior número de perguntas tinham mães que davam
respostas informativas com maior frequência - respostas que
iam além das respostas da própria criança; estas mães
procuravam apontar e corrigir os erros no que os seus filhos
diziam e confirmavam as asserções correctas destes.
Por esta altura , o nosso interesse alargou-se,
de modo a incluir, além das respostas das mães, o estudo da
curiosidade e das próprias perguntas das crianças. Assim,
embora prosseguindo o inquérito a crianças das escolas pri-
márias , debruçámo-nos sobre o reverso do tema da curiosidade
Havia diversas razões para isso. As nossas
observacões casuais sugeriam que as cri ancas mudavam a sua
maneira de fazer perguntas à medida que cresciam. Se as
crianças em idade pré-escolar faziam mui tas perguntas! as
crianças das escolas primárias só já mostravam ocasional

VI - 311
I
I.

Factores Contextuais da Escola

mente um tão vivo interesse pelo que as rodeia, e as


crianças mais velhas, por seu turno, faziam poucas perguntas
e, na sua maioria, não mostravam os menores sinais de
curiosidade. Entrevistas com alunos e professores tendiam a
confirmar a existência destas diferenças.
A esta nossa evolução , do tema da curiosidade
para o tema do interesse, não são decerto alheias as
mudanças de tónica que se podem encontrar nos relatórios
governamentais.
De facto, os Comités Reais ligados ao ensino
primário produziram documentos optimistas. Plowden (1967)
exul tou com o sucesso da liberalização nas escolas primá-
rias, sucesso este que avalizou as orientações estabelecidas
a partir das recomendações do Comité Hadow (1926). Afirmava
este que o aparecimento nas escolas de uma confiança geral
nas motivações intrínsecas das crianças para aprender, tinha
melhorado a sua educação e viria melhor ao encontro das
necessidades da sociedade. Uma acção efectiva para superar
os pontos fracos das Áreas educacionais .prioritárias
completaria esses sucessos .
Ora, sem nos comprometermos com a exactidão
deste tão idílico ponto de vista, podemos po-lo em contraste
com os tenebrosos relatórios sobre o Ensino Secundário .
Crowther (1959) mostrava-se desolado com a elevada inci-
dência de alunos que cedo abandonavam os estudos, embora não
os tivesse interrogado sobre as razões que .os levavam a
fazê-lo. Newson (1963), mostrando-se igualmente perturbado,
interrogou professores mas não alunos. O Comité perguntou
aos professores quais os pontos de vista dos alunos e foi
. informado de que estes consideram o curriculum uma coisa
académica, irrelevante e inútil. Apesar de tudo, estranha-
mente, todos estes relatórios recomendavam o aumento dos
anos de escolaridade.
Um inquérito posterior feito pelo Conselho das
Escolas, em colaboração com o Oepartamento de educação e
Ciência, ouviu tanto os professores como os pais e os alunos
(Morton-\\Iilliams . e Finch, 1958). A maioria dos professores
pôs reservas ao aumento dos anos de escolaridade mínima -

VI - 312
-.. = ~I

Factores Contextuais da Escola

mas "estes professores não sentiam confiança na sua


capacidade em vencer a apatia, o desinteresse e a falta de
curiosidade dos alunos relativamente a tudo o que se referia
à escola" (op.Cit.,p. 89) . (C omeça a perceber-se por que
razão muitos investigadores se mo straram tão irri tados
quando, perante este relatório e sem qualquer proposta
construtiva nem nenhum acordo concl u ído quanto ao conteúdo e
justificação do ano extra , o gç've:~no 'cri e;âuicu aumentou a
esr.;ol:::.ritiade obrigató r ia. Os cínicos disseram que a medida
fora oportuna para diminuir , pelo menos temporariamente, a
elevada taxa de desemprego actual. Os realistas concordaram
com os cínicos.)
Estes relatórios sobre o ensino secundário não
se limitam a referir o desinteresse, mais do que a
curiosidade; viram na sua vasta incidência a principal
determinante do abandono precoce da escola. ora, devendo a
Psicologia da curiosidade ligar-se à Psicologia do desin-
teresse, começamos a interessar-nos por este aspecto do
problema, tanto mais que uma adequa da análise dos factores
do desinteresse esclarecia quais os meios para a sua
eliminação e para o desenvolvimento da aprendizagem motivada
pela curiosidade .
Mas o que é o desinteresse? Ou melhor, a palavra
~~~~~~~~======~~~~~~~n~i~f_i~~~~~~~? Os psicólogos,
nomeadamente com base nos
seus antecedentes, consequências e contrastes com a cyrio-
~e . Quando aos antecedentes. considera-se que ele seja
resul tado de uma falha de novidade , complexidade, incon-
gruência, surpresa ou ambiguidade de estimulação, e conse-
quência de uma ausência de estímulos ou de uma estimulação
cronicamente repetiti v a. Quanto aos seus próprios resul-
tados, verifica-se que conduz à "exploração de diversão"
(por exemplo, o jogo) e que motiva a pessoa a "deambular"
física ou intelectualmente até que qualquer estímulo novo
consiga captar a sua atenção . Se é verdade que o cansaço, a
agitação e a pe~turbação emocional são mencionados nôrmal
mente como sintomas de desinteresse, na · linguagem comum
também · se diz que o desinteresse p ode produzir apatia e

VI - 313
Factores Contextuais da Escola

sonolência. Uma comparação de três respostas hipotéticas a


uma situação que envolva estímulos monótonos pode ajudar a
clarificar o problema. Uma pessoa em vias de se aborrecer
pode escapar a essa situação começando a fazer alguma coisa
que a interesse; mas também podemos supor que ela tenha
outras estratégias de controle (1), sendo livre de as
adoptar; e ainda que, caso não haja para isso nenhum
impedimento, se entregue ao sono ou ao devaneio. Mas se ela
não puder escapar por estes meios à situação, o que poderá
fazer? Pode esfoçar-se por manter o interesse, ou adoptar
actividades de diversão, sendo provável que venha a ficar
cansada, agitada e emocionalmente perturbada.
Caso estas distinções sejam palpáveis, a apli-
cação da palavra "desinteresse" para cada um dos casos
referidos será compreensível, embora se preste a confusões.
Acentuar a semelhança dos estímul os indutores encoraja a
adopção de um termo único, mas dar atenção às diferentes
respostas possíveis conduz à ideia de que um tal termo não
será apropriado. Porém, a retenção de um termo único não
implica necessariamente dificuldades. Ele permite asserções
do . tipo: "foi levar o cão a passear porque estava a abor-
recer-se", "adormeceu porque estava aborrecido", e "como
estava a ficar aborrecido, começou a atirar aviões de papel"
Provavelmente é este último o problema das salas de aula.
A imagem imediata que nos surge é a do professor
a reci tar uma lenga-lenga - com um olho de água sempre
alerta, à procura de menor distracção. A ameaça de sanções
imediatas, as normas escolares, e finalmente a tradição
determinam que os alunos fiquem onde estão, que escutem e
aprendam. Os professores não são obrigados a fazer assimilar
o programa de estudos - mas simplesmente a cumpri-lo.
A existência e o uso de sanções introduz com-
plicações numa análise conceptual do desinteresse escolar.
Algumas entrevistas que fizemos indicam que, por vezes, as
crianças podem dizer que estão aborrecidas quando de facto
querem dizer que estão aIV3iosas; dizem que um assunto não
lhe interessa quando de facto estão amedrontadas pelas
consequências da reprovação. Tinhamos de ignorar esta

VI - 314
Factores Contextuai s da Escola

complicação na nossa análise e, em primeira instância,


tratar o referido desinteresse como um fenómeno unitário,
embora considerado que ele tem uma grande diversidade de
respostas associadas .
Mas não têm os etudan t es do ensino secundário
interesse pelas actividades escolares? E se de facto não
têm. quem se desinteressa mais por quê? Quais são os
antecedentes e as consequências do desinteresse?
CMõr~~ e<:fi~~ ( op.cit.) conseguiram estimar a
incidência de interesse, em cada uma das matérias escolares
(pp.59 e 74) . indicar a natureza da covariação entre
inutilidade e desinteresse para di v ersos assuntos (p.60) e
apontar o que, segundo os alunos . tornava as matérias
aborrecidas (p. 79): "sempre a mesma coisa", "os professores
de um lado para o oytro ", e a "falta de variedade" foram
factores mencionados por mais de 40% dos alunos, referindo
ainda um número semelhante . a "não-compreensão" , o "não
servir para nada", e "o não ter matérias suficientemente
explicadas". 44% dos alunos afirmaram aborrecer-se com mais
de um quinto das matérias dadas pa escola. 21% consideravam
aborrecido mais de 3Qo~ dO QlIe faziam . Achamos estes números
suficientemente eJ evados parª inferir a existência de um
problema tão grave quanto digno de estudo.
Na nossa análise (Rob i nson, 1975) procurámos
especificar alguns antecedentes e consequências possíveis do
desinteresse. Inicialmente desenvolvemos um modelo e uma
série de hipóteses. Incluímos neste as características sobre
as quais pensámos ter alguma informação para análise (ver
figura 1).
Forçosamente. o modelo não deve ser considerado
completo. Nem pode ser visto como uma sequência causal
rígida; por exemplo, não afirmamos que a presença do factor
A é uma condição necessária ou suficiente para se induzir o
desinteresse. As setas têm o significado "aumenta a possi-
bilidade", e mesmo a isto talvez se deva acrescentar "dadas
as actuais condições nas escolas". Por exemplo, a probabi-
lidade de um aluno se esforçar pouco no estudo de uma
matéria será afectada por factores diferentes do "desin-

VI - 315
Factores Contextuais da Escola

teresse", mas, mantendo-se as mesmas condições, se não tem


interesse por essa matéria provavelmente farã menos esforços
do que se estivesse interessado. E se ele se esforça menos,
aumentarã a plausibilidade de se interessar. Torna-se então
inaprppriado, dentro deste ciclo , interrogarmo-nos sobre
quais as causas e quais os efeitos pois as possíveis
consequências são igualmente possíveis causas.

Noç:i$) de
que 3,S
m3.lêri:ls
ga inüu:is

Fall"cie
objecti\·os

Insuccno
no sistema. de
Falt:l de
ambiente
'----:;r--------:;;:---------.--------t ccmpetiç:io
individual
familia.
(~\.'orjvel

Pouco Faltado
in,rcrcuc sinais Po uco intcfasc Pouco
nos do valor DO ei) aluno interesse
pros· ..·os b)ensino nos
do :lluno auuntos

Bai"o
rendimento
cc:on6mico

~ Significa: aúmento das probabilidades d. ocorrência •• quenei"l


Figura I. Reprcsc:otaç:io .da dinSmica do desinteresse escolar c: outr:lS varlt.,·::is

vidas em ciclos tais que, por exemplo, as tentativas dos


professores para inspirar maior entusiasmo poderão ser

VI - 316
..~....:-_.... - -...=.

Factores Contextuais da Escola

entravadas pela ausência de resposta dos estudantes , c rí- l


ticas dos colegas. despero quanto à validade dg G!IrricpJlIm.
Qualquer mudança é difíci l, mas uma vez realizada impulsiona
mais facilmente novas mudanças. O desinteresse terá mais
meios de expressão do que os que e stão regist.a dos . A forma
de os superar, geralmente adoptada pelos estudantes, será
provavelmente função da lei do menor esforço e do princípio
do custo mínimo, em interacção com a experiência passada e a
percepção presente.
° ponto central do mode l o é o "desinteresse pe-
las matérias escolares" . As suas expressões imediatas seriam
o afastamento, a agressão (actividades de diversão) e/ou o
reduzido esforço para aprender essas matérias. ° esforço
reduzido pode associar-se ao abaixamento ou abandono das
aspirações a melhorar, centradas nos r esultados escolares , e
cada um destes factores , ou ambos, conduziriam a perfor
mances mais baixas . Na ausência · de atracções extra-apren-
dizagem, na escola, a falta às aulas é um meio intermitente
de evitar o aborrecimento , consumando-se a fuga no facto de
abandonar a escola o mais depres s a possível. As conse-
quências dos baixos resultados são susceptíveis de ter um
efei to contingente sobre os valores atribuídos ao sucesso
escolar pela própria escola. pelos pais ou pelos colegas,
mas a manterem-se iguais os restantes factores, pode espe-
rar-se que sejam mais pronunciados o s sentimentos de insu-
cesso enquanto a escola for formalmente competitiva . A
existência de vários escalões e a elevada incidência de
alunos que fazem exames nacionais, são dois sintomas de
competição. Uma história crónica de reprovações e a expec-
tativa de futura reprovação, como já se sugeriu, pode fazer
aumentar alternadamente o desinteresse e os estados de an-
siedade . registados como desinteresse. Deve notar-se que , uma
vez activado, o sistema tenderá a manter-se a si próprio.
Contudo, há influências externas que podem afectá-lo.

~
O.s professores podem tgrnar se modelos para os \\
estudantes. Se os professores se desinteressam pelas maté-
rias que dão, os estudantes terão menos probabilidades de se
ntusiasmarem com elas. Os professores também podem mostrar
\

VI - 317
Factores Contextuais da Escola

não ter o menor respeito nem interesse quer pela · apren-


dizagem dos seus alunos, quer pelos alunos como pessoas. A
falta de exemplo, assim como de encorajamento, por parte dos
professores, tenderá a manter ou a aumentar ·0 desinteresse.

~
o comportamento dos professores será sem dúvida condicionado \
Relas meios da · escola .e pelos comportamentos dos outros
professores e directores - e por aí adiante até chegar ao
ministro da Educação. Tanto o interesse como o encorajamento
dado pelos colegas e pelos pais podem também afectar o
desinteresse, sendo aqueles, por sua vez, expressões de uma
confiança mais geral no valor da educação para a vida . . Tal
como em relação aos professores, não se deve esquecer t"ambém
o poder dos pais e colegas enquanto modelos.
Podem faltar às crianças meios materiais capazes
de evitar ou de atenuar o ciclo desinteresse-baixos resul-
tados - como acontece quando, por exemplo, há excesso de
gente em casa. O bom ambiente familiar pode, em parte, mas
só em parte, depender dos meios económicos das famílias. O
concei to de "classe social" normalmente abrange mui tas ca-
racterísticas covariantes de estilos de vida diferentes, que
afectarão o desinteresse das crianças · em relação às matérias
'l escolares. As crianças das classes trabalhadoras mais baixas _)
são particularmente vítimas do ciclo do desinteresse. . .
--- Graças aos bon's ofícios de Roma Morton-Williams
e Stewart Finch, e com a autorização do Conselho para as
Escolas e do Departamento da Educação e Ciência, pudemos
realizar uma segunda análise dos seus dados, coligidos a
partir de entrevistas a 4618 estudantes de treze a dezasseis
anos. No seu relatório podem ver-se os pormenores dos pro-
cessos de amostragem, da recolha .e codificação dos dados.
Não pudemos ter em conta todas as variáveis por
eles retidas. Por razões económicas e administrativas, fomos
obrigados a limitar a nossa análise a três das suas seis
di visões dos dados. Dentro dos condicionalismos aceites,
tentámos seleccionar as fichas com os dados mais imediata-
mente relevantes, assegurando-nos que as três fontes de
informações (estudante, professor e pais) estavam represen-
tadas em todas.

VI - 318
F~ctores Contextuais da Escola

Tivemos de calcular uma pontuação sumária para o


desinteresse. Partindo de uma base de dezassete matérias
I .
escolares, perguntou-se aos alunos se as estudavam todas ou
não. Entre as matérias estudadas; aquel es seleccionavam as
que consideravam úteis e as que consideravam inúteis, dei-
xando de lado, num terceiro grupo, qS que não classificavam
nem como úteis, nem como inúteis. Depois disto, designavam
as matérias que consideravam interessantes, as que não
achavam nem interessantes nem aborrecidas, e finalmente as
que para eles eram aborrecidas (pp.260-261, q.7).
Calculou-se um índice de Desinteresse com base
no número de matér ias assinaladas c omo aborrecidas, expresso
em aprendizagem, em relação a todas as matérias estudadas.
Para a análise geral. usou se uma divisão em quatro
escalões: de O a 10 por cento (Baixo Desinteresse), de 11 a
20 por cent~ (AI to Desinteresse). Els tudaram-se as relações
entre o Índice de Desinteresse e cada uma das outras
varl.aveis, e a signifi cância das diferenças foi calculada
por intermédio do teste Xl. Os resultados apresentados não
são mais do que exemplos. As percentagens obtidas são ilus-
tradas pelo contraste entre a percentagem mais elevada (AD)
do Índ ic e de Desinteresse, e a mais baixa (BD). Dos factores
de influência imediata assinalados, 66% dos estudantes AD e ~
só 39% dos estudantes BD (X 2 = 166, P ~ 001) consideraram ser
a escola "sempre a mesma coisa di a após dia" 55% de AD, z)
assim como 26%de BD (X 2 = 195, P ~ 001) pensam não haver
muitas coisas interessantes para fazer na escola. Pouquís-
simos estudantes AD consideraram . úteis a maior parte das
matérias escolares (X = 139, P ~ 001 ). O Índice de Inutili-
2

dade das matérias estudadas estava intimamente ligado ao do


Desinteresse (;( = 946, v = 9, P <
001, C = 41). Dos estu-
dantes que classificaram de inúteis menos de 1~~ das
matérias estudadas , apenas 7% eram AD, enquanto 43% dos que
as classificaram inúteis na sua maioria eram BD. Embora nem
o cons i derar uma matéria inútil nem a aparente repetição
resul tem necessariamente em desinteresse, aqui surgem como
factores relevantes para o seu aparecimento.

VI - 319
Factores Contextuais da Escola

Que podem fazer os professores para persuadir os


estudantes de · gue as matérias que estudam não são inúteis?
Que podem para fazer introduzir nov i dades na experiência dos
estudantes?
Entre as consequências imediatas previsíveis,
verifica-se que os professores consideravam agressivos 16%
dos estudantes AD, contra 9% do BD (X 2 = 22, P ~ 005). São
pouco frequentes as classificações r etativas aos alunos, por
parte dos professores, de isolamento ou timidez, e só muito
ligeiramente associadas ao Índice de Desinteresse (X 2 = 11,
p. < 1). Contudo, o afastamento manifestado sob a forma de
falta às aulas, era mais comum no grupo AD (155) do que no
BD (5%) (X 2 : 56, p.(. 001). O "afastamento" final na idade
mínima para abandonar a escola e r a também mais caracte-
rístico dos AD: 23% destes deixaram a escola com essa idade,
contra apenas 13% dos BD - e dos que com tal idade ainda a
frequentavam, 59% de AD e 40% de BD declararam ter a
intenção de a deixar assim que pudessem (X 2 : 115, p < 001).
Embora não possamos c i tar dados relativos ao
sentido da influência, podemos notar que os estudantes AD se
desiludiram mais com a esco l a no seu todo e com a vida fora
da escola; são menos susceptíveis de procurar continuar a ir
à escola por muito tempo (X 2: 121, p ~ 001); fartam-se mais
frequentemente de ouvir o professor dizer o que eles podem
ou não fazer (X 2 : 120, p ~ 001); ficam mais satisfeitos do
que os seus colegas BD quando têm oportunidade de não ir um
2
dia às aulas (X : 187, p ~ 001); o número dos que . pensavam
que os professores esqueciam que eles estavam a crescer · é
maior entre os AD que entre os BD (X 2 = 125, p , ~ 001).
Estas diferenças eram tão amplas quanto esta-
tisticamente significativas. Elas levantam a questão · de
saber (embora não constituam uma r esposta!) até que ponto
compreendem os professores o mundo dos seus alunos. Será que
aqueles podem compreender os pontos de vista destes , embora
discordando deles? Ou, pelo contrário, será que não sabem o
sufic i ·e nte sobre os seus alunos para poderem ver o mundo
segundo a sua perspectiva? Não podemos fazer nada quanto à
possível discordância, mas a ignorância pode ser corrigida.

VI - 320
Factores Contextuais da Escola

Têm os professores conhecimento e respeito pelo que os seus


alunos pensam? De um modo geral, encontrámos a tão profe-
tizada falta de aspirações académicas, o reduzido esforço e
as reduzidas capacidades associadas ao des interesse, mas com
uma peculiaridade: é que se o entusiasmo pelo próximo aban-
dono da escola indica uma ausênc i ·a de objectivos educa-
cionais, as únicas medidas posi ti vas da aspiração eram as
estimativas, por parte dos professores, da intenção dos
alunos de obterem pelo menos duas classificações de nível
"O". Desta forma apenas 21% do AD aspiravam a obter mais de
três "O", contra 36% dos BD (X 2 = 96, p < 001). Somente 38%
dos AD eram classificados de "trabalhadores", contra 48% dos
2
BD (X = 96, p ~ 001) 53% dos pais · d e alunos AD pensavam que
os seus filhos faziam uma grande quantidade de trabalhos
escolares em casa, enquanto a percentagem dos pais de BD que
pensavam o mesmo era de 71% (X 2 = 86, p ~ 001). Os profes-
sores consideravam os mais desinteressados como os menos
aptos: julgavam 34% . dos alunos AD capazes de obter pelo
menos duas classificações de nível " O", mas esta percentagem
2
era de 50% no grupo BD (X = 78, P ~ 001).
Os resultados a testes de i nteligência feitos com la
anos de idade, só estavam disponíveis para 53% da amostra. A
associação com o índice de desinteresse não era tão for.t e (X -2
= 26 , P -' 025) e a sua natureza não era simplesmente linear ;
os Qls elevados pareciam fornecer uma imunidade contra o
desinteresse escolar, mas por outro lado quanto mais baixo
era o QI mais elevado o desinteresse indicado .
O facto de a associacão negativa entre a capa-
cidade actual avaliada e o desinteresse, ser mais forte do
que a associação entre a anterior medida da capacidade da
criança e o desinteresse, pode-se i n terpretar sugerindo que
os estudantes têm frequentemente resultados inferi·ores às
suas verdadeiras capacidades. Se a s sim é, os seus baixos
resultados não podem ser atribuídos só a falta de aptidões.
A competição v em exacerbar o problema, em v ez de
o atenuar, como sugerem os resultados seguintes : 79% dos
estudantes AD estavam em turmas gigantes, o que acontecia
com 75% dos BD (X2 = 10, p < 025).

VI - 321
Factores Contextuais da Escol a

Infelizmente , só temos escassos d ados sob r e os


p r óprios professores. 4~~ dos estudan t es AD não pensam que
os s eus p ro fessores tenham grande interes se por eles ou que
os a j u dem muito, mas somente 25% dos BD tinham esta op i n i ão
(X 2 161, P ~ 001). Já mencionámos outros a s p e ctos da
d e s ilusão em relação ao s professores. Tal facto foi apoiado
e a mpliado através de discussões de grupo com pequenos nú-
meros de estudantes . (Fi guei surpreendi do com a situ a ção de
a dolescentes preferirem que os professores se inter essassem
l
p or eles como pessoas, mas as discussões d e gru p o fo r am

J categ óric a s - e indicaram que eles desejariam mesmo que os


pro fe sso re s gostassem mais de l es . Foram também unâni mes e
pl e n am ente convincentes ao referir q ue mu itos dos seus
f
pro f es sores estava m fartos do processo de e nsino e das
t ~t ér i as que ensinava m).
Tínhamos poucos dados sobre os p ai s enquanto
modelos e a valiadores. Os pais dos estuda ntes AD l iam habi-
t ua lmente menos livr os do que os dos estudantes BD (p < 01)
e tinham menos livros em casa (p 4. 001). Os pro f e ssores
pensav a m que era menor o número de pai s dos AD i n tere ssados
na e ducação do s filhos (p <.001).
P ouqu i s s í mas características demográf i c as do lar
estavam a s socia das ao desinteresse escolar. Porém, facto
in t ere ssan t e , vive r em vivendas e em casas com g r and e número
de as soalhadas está re l acio n ado com a ausên cia de des i n-
teresse - mas baixas condições ma teria i s, dentro dos l imites
desta amos t r a n ac ional, não estavam l igadas c om e levado
des i nteres se .
Enqua nto a e ducação e a classe soci a l dos pais , \
me d i da em se te e s cal ões profi ssionais, e s tavam re lac ionadas

l com o desi n ter e ss e, os meios económic o s da famí lia não


es tavam . A relação era monótona, embora não line ar (X 2= 50,
V = 18, P ( 001). As profissões dos e s c a lões 1 a 3 n ão es-
tav am d i f erencialmente associadas a o desinteres s e. O e scalão
profi s si on al quatro (capatazes, supervisores, trab a lhadore s
manu a i s por conta própria) tinha uma proporção mai s e levada
de estudantes AD que as profissõ e s dos escalões 1 a 3 ( p
05 ); o escalão 5 (operários especializados) t i nha uma

VI - 322
Factores Contextuais da Escola

proporção de AD maior que os escalões 2 a 4 (p ~ 05) j os


escalões 6 e 7 (semi-especializados ) uma porção maior que os
escalões 1 a 6 (p ~ .001). Assim, era na classe mais baixa
que o grupo AD se fazia representar com maior peso.
Os resultados obtidos deixam sem resposta ques-
tões importantes sobre o d~sinteresse escolar, mas corres-
pondem intimamente ao modelo propos t o em que os dados rele-
vantes estão presentes. Se aceitarmos os resultados pe l o seu
aspecto exterior, há poucos motivos para presunções. Os
Departamentos de Educação , os pais e estudantes terão de
exercer apropriadamente as suas i nfluências se qui serem
melhorar a actual situação. O model o ajuda a localizar os
pontos de intervenção. Mencionámos de passagem algumas das.
possibilidades de acção dos professores. É claro que estes
têm menos influência potencial sobre certos factores do gue
outras pessoas e instituições . Individualmente, eles não
podem mudar um sistema gue conduz só alguns ao sucesso à
custa do fracasso de muitos - mesmo que o desejassem fazer .
Nem conseguem influenciar muito os pais.
Mesmo dentro da esfera de acção em que podem ter
um maior impacto, não podem esperar obter um sucesso rápido
e brilhante. Terão de perseverar nos seus esforcos perante a
contínua oposição de todas as forças · que têm razões para
manter a actual situação. Quando mudar a maré, porém, estes
esforços multiplicarão os seus efeitos .
O modelo põe a questão de saber se os profes-
sores estão interessados em ensinar os estudantes . Querem
ver os seus alunos aprender, e actuam para facilitar isso?
Ou são alguns completamente indiferentes ao ensino, de modo
a dever-se encorajá-los a mudar de profissão e a procurar um
outro trabalho que satisfaça melhor os seus interesses e não
prejudique tanto as crianças? Confiam os professores nas
possibilidades que os seus alunos têm de aprender? Mui tos
afirmam explici tamente e parecem a c tuar como se realmente
acreditassem que os seus alunos nem querem nem são capazes
de aprender coisa alguma. Um momento de reflexão mostrará,
por redução ao absurdo, que isto não é verdade. A questão
deve ser sempre, o que e como podem esses alunos aprender,

VI - 323
- ---~

Factores Contextuais da Escola

aqui e agora, e não quais são as ' suas características em


comparação com os outros es tudantes . Porfessores que não
acreditam que os a lunos que têm a seu cargo possam e queiram
aprender, deveriam procurar descobrir factos que os a judem a
mudar de opinião, ou p edi r transferência para outros alunos
em quem tenham alguma confiança - ou então mudar de ofí cio.
E os professores que têm uma opinião positiva da
matéria que dão ou dos aspe ctos del a que se espera que eles
ensinem? Ou nem sequer s e interessam por isso? Se eles não
têm o menor gosto pela materia, porque sup Õem que os estu-
dantes hão-de ter interesse por ela? Actuam por acaso como
vendedores em relação às suas disciplinas? Tanto no mundo do
comércio como no políti co , os vendedores têm de elogiar as
suas mercadorias aos . consumidores e de contar com a p r ocura
acti va por parte destes últimos de artigos e produtos de
interesse intrínseco para el es. Ou então terão de indicar
como as suas mercadorias e serviços são relevantes para os
fins que os consumidores têm em vi sta. Ora porque razão as
crianças hão-de querer " comprar " a mercadoria e os servi ços
dos professores? Isto não implica que se deva encora j ar os
estudantes a exigir a j u sti ficação de um curriculum como
~s~ão de princípio} mas sim qu~ com honestidade ' e boa
vontade de ambas as partes o proces so educacional pode ser
uma ocasião para. haver cooperação e não conflito I Se os
professores têm resposta para as perguntas "porque ensinam,
o que ensinam , do modo como o fazem ", porque não apresentar
essas razÕes aos estudantes? Às crianças de cinco a n os de
idade, as mães da classe média davam respostas que a s sa-
tisfaziam e que estimulavam a sua curiosidade ; elas ev i tavam
responder: "porque eu digo que é assim", "porque é bom para
. ti", "porque sempre foi assim". Talvez também mais estudan-
tes devessem ser introduzidos às s e cretas razÕes do actual
curriculum ser 'como é ,
Mas sabem os próprios p r ofessores porque estão a
ensinar o que ensinam? Provav elmente aumentariam tanto a sua
satisfação como a sua eficiên cia , s e o descobrissem.
Se eles não são capazes de encontrar sentido e
relevância no programa , p o r si pró prios , os que têm mais

VI - 324
Factores Contextuais da Escola

autoridade do que eles deveriam ser capazes de responder a


estas questões. Se mesmo assim ainda continuam incapazes de
ver os "porquês", pelo menos têm probabilidades de estarem
melhor informados para oferecer e exigir aI ternati vas
justificadas, ou então mudar de profissão.
É verdade que nem os cursos de formação de
professores nem a experiência escolar facilitaram aos
professores as respostas a essas questões. Na profissão,
pode não ser fácil arranjar tempo disponível para analisar
os "porquês". Contudo é só quando começamos a responder a
esses "porquês" que podemos começar a sentir satisfação com
um trabalho valioso e bem exercido. Temos esperança de que
tais questões possam eventualmente conduzir a uma redução do
desinteresse escolar imposto durante um tempo excessivo a
demasiados estudantes do ensino secundário.
No fim da nossa investigação ficámos muito
impressionados pela capacidade de resistência dos seres
humanos. Uma criança de quinze anos das classes trabalhado-
ras mais baixas, passa pelo menos dez anos na escola. Hã
todas as possibilidades de que tenha começado a ficar mal
desde a primeira avaliação por que tenha passado. Tem difi-
culdades na aritmética, na leitura, na escrita e na maior
parte das matérias que encontra. Na maioria dos dias da
quase totalidade das semanas da mai oria dos anos as suas
insuficiências serão evidenciadas. E, .mesmo assim. continua
a assumi-las e a ajustá-las à sua experiência. Conseguiremos
fazer uma ideia do que é ser "falhado" dentro de tal sistemâ,..
por um tempo tão longo?
E os profesores do ensino secundário? Têm de
enfrentar estes estudantes desinteressados, dia após dia,
fornecendo aquilo que é visto como um conhecimento inútil e
irrelevante. O que será para eles esta situação?
Parece absurdo e inacreditável. E também trágico
uma miséria mútua, com que fim?
Em Portugal, desejar-se-ia imaginar que tudo isso
fosse simplesmente uma outra manifestação do estado doentio
da Inglaterra, mas o padrão e a extensão do vosso próprio
abandono da escolaridade é provavelmente semelhante ao da

VI - 325
Factores Contextuais da Escola

Inglaterra e, se assim for, não deixa margem para


complacências. Mas talvez venham a mostrar maior entusiasmo
em ter em conta e em ultrapassar estas dificuldades.

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VI - 326
AUTO-ESTIMA. DESINTERESSE E INSUCESSO ESCOLAR EM ALUNOS DA
ESCOLA SECUNDÁRIA (*)

w. P. ROBINSON
Carol A. TAYLER

EXAMES DE REFERÊNCIA NORMATIVA E INSUCESSO ESCOLAR

Presentemente , nenhuma sociedade oferece acesso


indiscriminado ao ensino superior. O número de lugar es é
limi tado , normalmente , a uma pequena minoria da população
potencial. Frequentemente são usados padrõe s de resultados
nos exames nacionais como principal critério de selecção
para tal entrada.
Em inglaterra, Paí s de Gales e Irlanda do Norte
está estabelecido que são necessárias 2 aprovações no
"General Certificate of EducatiQ!l" (nível a vançado) , ou seus
equivalentes, para a candidatura a . um lugar na universidade.
No entanto, para mui tas pessoas, em várias universidades,
são, de facto, necessárias 3 aprovações com níveis bastante
acima do exigido para passar, para assegurar um lugar.
O nível avançado , normalmente alcançado aos 18
anos ou mais, é destinado a cerca de 15% dos melhores da
população e a graduação entre os suj eitos é definida norma-
tivamente': x% de candida.tos recebem o nível A, y% o nível B
e assim por diante . As instituições não universitárias têm
os seus ciitérios.
A primeira filtragem, a os 16 anos, é feita
através do "~Certificate_of Education" (níve l normal)
e do sobreponível , mas ~feri;~ "C~rtificate of Secondarx."
------_
-cw;s "-'
Education".
... O níve l "O" é destinado a 25% dos melhores da
população, mas aprox i madamente 40% da coorte de cada idade

(*) - Uni versidade de Bristol. ln ANÁLISE PSICOLÓGICA


(1986), l(V) : 105-11 3.

VI - 327
Factores Contextuais da Escola

consegue pelo menos uma aprovação. Cerca de 10% da população


escolar em geral deixa a escola sem GCEs ou GSEs. É provável
que cerca de 20% saia da escola com tão poucos CSEs e de um
nível tão baixo que os certificados não têm nenhum valor
para os seus possuidores.
Com percentagens predeterminadas de aprovações e
níveis, todos estes exames são essencialmente competições
interindi viduais nas quais o sucesso de um candidato é o
insucesso de outro.
Quais serão as consequências motivacionais e
conceptuais de um tal sistema de referência normativa?
Em particular , quais serão as consequências para
estes alunos a quem não se permite o acesso aos exames ou
que entram mas esperam falhar e realmente falham?
Naturalmente, as defini ções de insucesso, num
certo sentido , são apreciações subjectivas feitas por
indi víduos, e as de.finições culturais e subcul turais de
"insucesso" variam em clareza e nível de indivíduo para
indivíduo, grupo para grupo e cultura para cultura.
A forma como o insucesso é explicado e como se
reage a ele também varia. Quem está especialmente em risco
de insucesso, devido a caracteristi cas individuais ou per-
tença a um grupo social, pode variar também de sociedade
para sociedade.
No trabalho a ser aqui relatado usámos mais
índices objectivos de insucesso eicolar do que subiectivos.
embora compreendendo as limitações de tais medidas.
A nossa preocupação foi com a psicologia e a
psicologia social desses alunos que foram sujei tos a um
insucesso escolar relativamente permanente, com um ênfase
especial nas consequências motivacionais para esses alunos e
nas suas possibilidades de adaptação posi ti va a ·esta
situação.
o modelo original (Robinson, 1975) defendia que \
o insucesso assim como expectativas permanentes de insucesso
levam ao desinteresse e que esta conjugação introduz o aluno
num ciclo de influências que actuam para manter ou aumentar
tanto o insucesso como as expectativas de insucesso.
li

VI - 328
-~-

Factores Contextuais da Escola

Posteriormente, mostrou-se (Robinson, 1983 ;


Talyer, 1982) que a experiência de tais condições é incons-
istente com a man~tenção de uma auto-estima positiva baseada
em valores escolares.
Isto aumenta a probabilidade dos alunos se sen-
tirem obrigados a reconceptualizar a sua relação com as suas
carreiras escolares ; em especial, tais alunos deveriam
adoptar valores e práticas indiferentes ou anti téticas às
institucionalizadas pelo sistema escolar.
Embora estes argumentos possam ser válidos,
especificam apenas um de um conjunto de caminhos possíveis.
Se tivermos em c onta o conceito de "alienação" e
o aplicarmos a um sujeito na escola , então esse sujeito pode
nunca ter aceitado os fins como os meios do sistema escolar
- psicologicamente pode nunca ter sido um aluno . No outro
extremo, os alunos podem aceitar tanto meios como os fins
das suas carreiras escolares. No meio há várias possibili-
dades: os alunos podem falhar em vários pontos , mas
esforçar-se bastante e recuperarem . Alguns podem tornar-se
desinteressados com os meios, mas, como aceitam os fins,
continuam a aplicar-s~.
Sem descrever todas as possibilidades, é t alvez
importante notar que a sequência "desinteresse - insucesso -
redefinição do self" tem as mesmas consequências que "insu-
cesso - redefinição do self", "desinteresse - redefinição do
self" "insucesso - desinteresse - defenição do self". Não é
difícil imaginar circunstâncias nas quais cada uma destas
possibilidades possa ocorrer. Nem podemos ignorar a possi-
bilidade de outros factores mediadores levarem os alunos a
rejeitar valores baseados na escola e a adoptarem outros.

o CICLO DO DESINTERESSE

Um de nós deu já uma contribuição sobre o esta-


tuto conceptual do desinteresse e a ligação possível entre o
·desinteresse nos alunos e 41 variáveis nos alunos, nos seus
professores e nos seus lares. (Robinson, 1978).

VI - 329
Factores Contextuais da Escola

Os dados empíricos de uma amostra nacional de


mais de 4000al'unos de 13 a 16 anos deram associaçõeS
signifi cativas em 36 dessas variáveis (ver Fig. 1).
Contudo, mesmo que queiramos aceitar que o ciclo
do desinteresse ofere'c e uma contribuição essencialmente
válida de algumas das consequênci a s da manutenção de um
sistema educaci.onal baseado forte mente em definições de
referência normativa de sucesso e insucesso, podemos ver
imediatamente que muito é omit ido da questão. A omissão mais
notáve l é o próprio. aluno .
Os rectângulos e as setas no. diagrama' referem-se
aos processos e produtos intra e in t erpessoais, mas não aos
alunos enquanto pessoas .
. Evidentemente que acre scentar uma concepção
válida do aluno, enquanto indivíduo e ser social, melhoraria
a contribuição, mas é necessário primeiro dizer algo sobre
os processos psicológicos que se presumem subjacentes ao
próprio ciclo do desinteresse.
Os princípios que se julgam influenciar - a
aprendizagem e o comportamen to são essencialmente baseadoas
no condicionamento clássico e op erante. São processos
pavlovianos e skinnerianos, como os apresentados por Berlyne
-
(1960, 1967). Mantendo-se -constantes outros factores, uma
experiência permanente de "punição" e ausência de recompensa
pela sua produção escolar devia reduzir a moti vaGão dos
alunos opara o sucesso escolar. Será que a redução na moti ~
vação se relaciona 'com a intensidade, com a direcção ou com
ambas? Será que os alunos estão simplesmente a esforçar-se
menos ou a sua força motivacional e stará a ser contida ou
canalizada ~outrosentido? Não sabemos como podem ser
respondidas estas questões. Certamente alguns destes alunos
adolescentes parecem estar reduzidos a um estado apático .
Outros parecem ter contido o seu int eresse , mas aplicam-no a
actividades não relacionadas com o trabalho escolar .
. Uma. das fragilidades do ciclo do desinteresse e l-I
da análise do desinteresse de Berlyne é que não predizem com
nenhuma precisão quem fará o quê quando se torna desinte-
ressado.

'
VI - 330
~--

Factores Contextuais da Escola

Difusão para- Abandono precoce da escoia'


desinteresse geral Falta às aulas·

Desilusão geral
com a escola·
Esforço reduzido·

/ Baixos
NoçOes de --"'*~:"-_:"'_..!:""'------"'\7f,-~----tresultadoslll
inutilidade
das matérias- Afastamento t_
Insucesso no
Monotonia --~~------"'--~Agressão. sistema
das aulas· competitivo
interindividual*

Ausência
de ambiente
familiar
favorável- Baixo interesse Baixo·
ai no aluno· interesse
bi no ensino· na matéria
Baixo
interesse
no progresso
do aluno.

Baixos recursos
motivacionais
e de interesse
Baixo (sem dados)
rendimento

l'I
económico Crenças sobre
o valor da educação
e o papel dos pais·

CLASSE
BAIXA-
SOCIAL~ '
,
significa aumento da probabilidade de
• significa diferenças significativas encontradas

Fig. 1 - kpre:rentação de dindmica do desinteresse e outras variáveis

"

VI - 331
Factores Contextuais da Escola

Berlyne menciona a actividade desviada com a


implicação de que isso originará experiências interessantes
que podem ser confirmadas mas para alunos a quem a lei exige
que permaneçam nas salas de aula durante várias horas por
dia, já referimos que essa actividade livre não é passiveI.
O afastamento e a agressão mencionados no ciclo
de desinteresse são reacções que têm pouca possibilidade de
serem transformadas em actividades substitutas satisfa-
tórias. Dai que ficámos sem meios para especificar o que é
provável que alunos .desinteressados adoptem como soluções
~atisfatórias aos seus problemas.
Saber que é provável que eles · se desviem do
trabalho escolar e se disponham tanto a . afastarem-se como a
ser agressivos não é, por vezes, suficiente.

AUTO-ESTIMA E INSUCESSO ESCOLAR: TEORIA

Gostariamos, assim, de explorar as consequências


de acrescentar, à questão do desinteresse, duas afirmações
sobre os alunos enquanto pessoas e ligar este quadro alar-
gado a alguns aspectos da análise de Taj fel e Turner dos
fenómenos intra e intergrupo (Tajfel e Turner, 1979; Turner,
1981) .
A primeira dupla afirmação é que os seres
humanos podem reflectir (e mui tos fazem-no) sobre as suas
eróprias caracteristicas e têm algum poder para se ajustarem
às situações de maneira a reduzirem a insatisfação, se
passiveI para alcançarem satisfação.
A segunda afirmacão é que os seres humanos
esforçam-se realmente para conseguir auto-estima positiva
e/ou para escapar e/ou evitar baixa auto-estima. Esta
segunda afirmação é também usada por Tajfel e Turner na sua
análise das dinâmicas da identidade social.
As duas afirmações podem ser aplicadas ao aluno
que se torna desinteressado como resultado da experiência
permanente de insucesso escolar. S i mplificando: o presente
argumento será aplicado só aos alunos que refectem · sobre as

VI - 332
Factores Contextuais da Escola

suas condições e que inicialmente desejavam ter sucesso,


. sendo aqui o insucesso escolar tratado como um problema
individual, isto é, experimentado pelos indivíduos enquanto
indivíduos e não enquanto membros de grupos sociais (um
raciocínio semelhante podia ser aplicado ao último caso, mas
a . questão torna-se mais complicada) . Taijfel e Turner
(1979,págs. 40-41) dizem:
"1. Os indivíduos esforçam-se por manter ou
aumentar a sua auto-estima : esforçam-se por
um auto-conceito positivo.
2. Os grupos o u categorias sociais e os seus
membros estão assoc iados com conotações de
valor positivo ou negativo. Assim, a iden-
tidade social pode ser positiva ou negativa,
de acordo com as a v aliações (que tendem a
ser socialmente consensuais, dentro dos
grupos que contribuem para uma identidade
social do indivíduo.)
3. A avaliação que .u ma pessoa faz do seu
pr óprio grupo é determinada por referência a
outros grupos específicos através das
comparações sociais em termos de atributos e
características carregados de valor . De
forma positiva as comparações discrepantes
entre" in-groupl! e "out-groupll produzem aI to
prestígio; de forma n egativa, as comparações
entre "in-group" e " oú t-group" resultam em
baixo prestígio ."
Destas afirmações podem derivar alguns prin-
cípios relacionados teoricamente:
1. Os indivíduos esforçam-se para conseguir ou
manter uma identidade social positiva.
2. A identidade social positiva é baseada
sobretudo em comparações favoráveis que podem
Ser feitas entre "in-group" e outros
"out~groups" apropriados: o "in-group". deve
ser percebido como positivamente diferente ou
distinto dos "out-groups" apropriados .

VI - 333
. Factores Contextuais da Escola

3. Quando a identidade social não é satisfató-


ria, os indivíduos esforçar-se-ão por deixar
o seu ' grupo actual e juntar-se a um grupo
distinguido mais positivamente e/ou tornar o
seu grupo actual mai s pos~tivamel'lte distinto.
Tajfel e Turner (1979) procedem à listagem de
uma variedade de reacções à identidade social negativa ou
ameaçada:

1. Mobilidade individual: implica a mudança de


um individuo para um grupo com estatuto
social satisfatório .
2. Criatividade social: envolve uma redifinição
da situação que deu origem a comparações
desfavoráveis e pode implicar o encontrar:
a) dimensões alte r nativas valorizadas que
originam comparações mais favoráveis;
b) inversão de val ores das características
que levam a comparações desfavoráveis;
c) mudar o " out-group(s) com que o "in-group"
é comparado.
3. Competição social: os membros do "in-group"
podem procurar inverter as posições relativas
do "in-group" e do "ou t-group " em dimensões
pertinentes.

Estas proposições focam as situações que envol-


vem relações intergrupo onde já existem grupos, mas as
-ideias podem ser estendidas à análise dos fenómenos intra-
grupo e interindividual e à formação dos grupos sociais.
Se as ·aplicarmos aos alunos com insucesso perma-
nente, então a mobilidade individu?l nã~ é um escape viável;
podem ter tentado este meio mas, para muitos, é impossível
por definição. (Devemos recordar que, num sistema obri-
gatoriamente referenciado à norma , a existência e extensão
do insucesso é completamente determipada pelos organizadores ·
do sistema; para cada criança que muda de categoria, outra,
de outro lado qualquer, deve ocupar o seu lugar).

VI - 334
-.-. _- ,

Factores Contextuais da Escola

A competição social não é uma possibilidade


sociologicamente praticável é improvável que uma minoria de
adolescentes se organize para vencer a estrutura social.
Os alunos que fracassam na escola secundária têm
que aceitar o ' seu estatuto ou tornarem-se socialmente
criativos. A primeira hipóte.<i-e é incompatível ,com a
necessidade postulada de auto-estima posi ti va. Poderiam, ·
individualmente, criar uma redefinicão de si próprios em
relação com o seu mundo social e manter essa construcão.
Contudo, se Berger e Luckmann (1966), entre
muitos outros, estão correctos, uma definição da realidade
social é mais facilmente mantida se for apoiada por confir-
mações frequentes na interacção com outros semelhantes .
Espera-se, no entanto, que os alunos construam e
mantenham uma nova realidade se ex i stirem alguns deles na
mesma situação, de modo que um grupo social possa ser
formado, o que confere uma identidade social que não conduz
a comparações desfavoráveis com "out- groups .
Por outro lado isto será conseguido mais facil- /
mente se houver modelos disponíveis. Uma vez que alunos mais
velhos com insuce~so emergem como uma subcultura na escola,
( eles constituem um tal modelo para os alunos mais novos .
\
.Nestas circunstâncias podemos predizer que ~ .
alunos com insucesso procurarão mitigar o desinteresse e
remediar as ameaças à auto-estima através de:
~ - inversão da dimensão · crítica de valor, de modo
a que a incompetência escolar se torne uma
fonte de auto-estimaal taj ou
~- encontrar e aceitar dimensões aI ternati vas de
valor que originam comparações favoráveis e
não desfavoráveis com " out-groups"; ou
- ambas
Além disso, espera-se que isto seja conseguido
através da formação de grupos sociais que podem manter a
identidade social e pessoal positiva .

Ah ll.4sí:t:; ~ No caso da primeira hipótese, os alunos com in-


7-J' ~
4f~M . f sucesso escolar devem começar por negar o valor positivo do
0'zIli"~ ,k l4IIt.. . -

VI - 335
Factores ' Contextuais da Escola

sucesso educacional e realçar as s u as características nega-


ti vas , ou sej a, terem ' 'de t rabalhar mui t o na , escola , e em
casa, 'não terem tempo para se divertirem dentro ou fora da
escola, continuarem a ser tratados como crianças e não como
adul tos, não terem poss'ibi li dade de ganhar dinheiro e falta
de liberdade.
, Na medida em que um "out-group" de alunos com
sucesso escolar pode ser identificado, os seus valores e
membros devem ser depreciados .
Da mesma forma, na s e gunda hipótese, podemos
esperar que as vantagens da emanç; llacão s ej am acen tyadas.
nomeadamente os prazeres de comportamento característi cas do
estatuto adylto. ou seja, t er divertimentos, beber álcool,
fumar, ter relações sexuais , usar r oupas que estão na moda,
ter meio de transporte. Esta constelação podia ser chamada
"maturidade precoce" . Dentro da escola , tais alunos
esforçar-se-:-iam por converter a sala de aula numa s i tuação
em que se poderiam ' di verti r , fa z er troça e desafiar as
normas de instituição educacional . Na medida em , que tais
prazeres são menos agradáveis do qu e aqueles obtidos f ora da
escola a falta às aulas deve aumentar. Assim, deixar a
escola precocemente fornece um esca pe "bem vindo.
A auto-estima individual torna-se uma questão de
acei tação e admiração pelo grupo de pares , de outros com
insucesso escolar, e de r ejeição, medo e ' hostilidade de
outros alunos e professores . A motivação será canalizada
para este's objectivo's .
Tal interpretação é c onsistente com os dados
obtidos em estudos de casos de certas escolas secundári as em
Inglaterra, desde ' a Lumley Secondary Modern School
(Hargreaves, 1967), à Beachside Comprehensive (Ball, 1981).
É também consistente com análises de desvio de adolescentes
e de li nquência (Hargreav e s, Hester e Mellor, 1975). Estas
análises fornecem retratos ricos que inspiram respeito ; são ,
no entanto, mais fracas na teori a psicológica social para
explicar os processos . Em geral, não referem o papel da
aUto-estima nestes processos. '

VI - 336
Factores Contextuais da Escola

Os estudos que se referiram à auto-estima (ver


Burn, 1982, para uma revisão recente) adoptaram uma
perspectiva que afirma que deve haver uma associação
positiva entre auto-estima e resultados escolares
(Coopersmi th, 1967). (A ideia de que a aI ta auto-estima
devia estar fortemente correlacionada com aI tos resultados
escolares é um exemplo claro de um sociocentrismo
subcultural ele próprio uma ilustração da teoria de
Tajfel-Turner. Os membros da instituição escolar constituem
um grupo social, que presumivelemente, mantém a sua estima e
identidade social fazendo ·comparações com "out-groups"
baseadas em dimensões que os seus membros valorizam e que
originam comparações favoráveis para o próprio grupo e para
os seus membros).
A análise aqui feita refe~iu, da mesma maneira,
que as crianças, inicialmente, esforçam-se por ter sucesso
na escola, mas esta afirmação não pretende ser avaliat i va -
é afirmada como uma proposição emp í rica de aplicabilidade
geral, mas hão universal.
Mas será que, de facto, os alunos adolescentes
que falham, se comportam do modo aqui sugerido, mantendo a
sua auto-estima através da inversão dos valores escolares ,
partilhando valores alternativos de maturidade precoce e
formando grupos para sustentar tudo isto? Um pequeno estudo
começou a explorar estas hipóteses (Tayler, 1982).

AUTO-ESTIMA E INSUCESSO ESCOLAR: DADOS EMPÍRICOS

Foi utilizada uma escola secundária média tanto


do ponto de vista social como escolar. A escola estratificou
ós seus alunos desde o seu 2º ano em 3 largas faixas, com
base no resultado do exame de fim de ano. Participaram
alunos de 14 anos de uma das 3 classes da faixa mais aI ta
(n=30) e de uma das 3 classes da faixa mais baixa (n=28). No
início do 1º período estes alunos de 14 anos estimaram as
notas que esperavam ter em 8. disciplinas nos exames finais e
a média de todos os alunos . (As suas notas reais foram

VI - 337
Factores Contextuais da Escola

registadas posteriormente). Estes alunos realizaram também o


Inventário de Auto-Estima deCoopersmith e um Diferenciador
Semântico de 27 .i tems sobre "Eu - O ' que pareço ser", que
abrangia atitudes e actividades relacionadas com a escola,
relações com professores, comportamento interpessoal, per-
sonalidade e comportamento em geral, preferências e
interesses.
Para os presentes objectivos só os dados de uma
subamostra destas crianças são .pertinentes.
Foram extraídos 9 alunos da classe da faixa mais
baixa com as expectativas mais baixas (X = - 1.39 abaixo da
média) e classificados como grupo de valores aI ternati vos
(VA) com base nas predições teóricas. O seu resultado real
nos exames das 8 disciplinas foi consistente com as suas
estimati vas (Z = - 1.00 abaixo da média). Como grupo de
controlo contrastante (C) foram escolhidos nove colegas da
classe com as expectativas mais altas (Z +.58 para a
expectativa; Z = +.04 para o resultado). Estes 18 alunos
foram entrevistados individualmente acerca de uma variedade
de questões: amizades, pertença -a um bando, percepção de
formação de grupos na escola, o que se gosta ou não na
escola, preocupação com o progresso escolar e satisfação
consigo próprios.
As predições da teoria de Tajfel-Turner eram de
que, em comparação com o grupo C, os alunos VA:

P1)ver~se-iam com menos sucesso escolar - no


Coopersmith e Diferenciador Semântico, mas
P2) não registariam resultados mais baixos de
auto--es"tima;
P3) teriam mais probabilidades de desenvolverem
actividades alternativas e -anti-escolares na
sala de aula, e
P4) actividades de grupo fora da escola,
especialmente as indicadoras de maturidade
precoce, não dispendiosas.

VI - 338
Factores Contextuais da Escola

Os resultados reais estavam de acordo com estas


predições.
Em 7 - dos 8 i tems do inventário de Coopersmi th
relacionados com a escola, que abordavam mais as percepções
dos alunos sobre si próprios na escol a do que as suas preo-
cupações sobre inadequações percebidas, não foi surpre-
endente que o grupo VA tivesse resultados mais baixos n~ste
subconjunto PI) (t = 2.0, p 05); no resultado total e nos
outros subconjuntos de i tems os grupos não diferiam signi-
ficativamente. Tanto no Diferenciador Semântico como na
entrevista os resultados foram semelhantes. No grupo VA
classificaram-se a si próprios (correctamente) como menos
eficazes escolarmente, mas não estavam menos satisfeitos
consigo próprios PI) e P2) .
Quanto a P3), o Diferenciador Semântico e/ou os
dados da entrevista mostram que o grupo VA prefere
disciplinas práticas, enquanto que o grupo C prefere as
académicas . O grupo VA não gostava de trabalhar mui to, de
professores severos, do uniforme escolar e de alunos que
gostavam de fazer tudo bem, Disseram q ue gostavam da escola ,
mas porque lhes dava oportunidades de conversar com os
amigos, de rirem juntos e gozarem os p rofessores . Não
gostavam de fazer tudo bem, mas gostavam de criar confusão
na sala de aula e de fazer batota. Em contraste o grupo C
gostava da escola pelas oportunidades de trabalho que dava .
Quanto a P4), o grupo VA preferia estar num
bando, e era mais provável verem-se como pertencendo a um .
Tinham mais probabilidade de gostarem da companhia do sexo
oposto; -:rora da escola os rapazes VA gostavam de criar con-
fusão em campos, parques e nas ruas da zona; as raparigas VA
gostavam de ir à cidade ver as modas nas lojas. Mais membros
do grupo VA do que do grupo C admitiram fumar e beber á l cool
(mas as diferenças não eram significativas estat i sti-
camente) .
Recordando que estes alunos tinham só 14 anos
estes resultados aparecem certos tanto. em direcção como em
força. Tudo isto aparece apenas como uma simples cena de um
filme cujo desenvolvimento posterior está ainda por ver.

VI - 339
Factores Contextuais da Escola

As origens da diferenc iação são evidentes. j


provável que esta diferenciação aumente com o tempo. Se
assim for, então os dados serão consistentes com a ideia de
que é o resultado escolar baixo, real e p ercebido, que actua
como um estímulo p ara o desenvo lvimento de um modo de
adaptação que se centra na manu tencão da auto-estima,
através duma rejeição dos v alores escolares e a construção
de um sistema de valor aI ternati vo baseado no grupo que
acentua a adop ção percoce de características possíveis do
comportamento adulto .
É difícil i maginar outras opções rac i onais em
crianças que se tornaram persistentemente desinteressadas
por exposições contínuas à sua relativa incompetênc i a,
defin i da por um sistema escolar de referência normati v a .

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TURNER, J. (1981) - "Towards a cognitive redefinition of the
social group", Cahiers de Psychologie Cognitive, 1981, 1,
93-118.

VI - 341
---------
AS COMPETÊNCIAS INTER-PESSOAIS DO PROFESSOR (*)

Santos BREDERODE

"II se passai t autre chose que la guerre en


Norvege et mes petits rendez-vouz: chaque jour à
peu pres, j'avais deux ou trois heures de classe
avec Canguilhem . J I aurais dO en parler, et je
n I en dis rien, quand toute ma vie en a été
influencée, alors que Jeanette et la Norvege ont
compté si peu. ( . .. ) toujours plus simple,
ouvert, pass i onant, pensant devant nous en
liberté. II m'a appris à me poser des questions
sur tout et à ne chercher des réponses qu'à la
soure e ( ... ) J e ne pense guere me tromper, si
j I ai le sentiment que dans ces mois d' hi ver et
ce début de printemps en 1940, juste avant la
catastrophe, les heures passées au lycée et o~
souvent je m'ennuyais, furent pour moi les plus
décisives. Je croyais que toute autre chose
m'occupai, et apres tout j'ai quitté le lycée le
coeur léger. Mais j'avais écouté Canguilhem avec
une avidité que je n'ai plus jamais retrouvé en
écoutant personne".

José Cabanis, Les Années Profondes (1)

Quase todos nós temos, assim como Cabanis, a


recordação de um bom professor que nos marcou profundamente.
Muitos dos estudantes, quando convidados a recordarem-se do
seu "melhor professor", dize'm que foi ele que neles desper.;..

(*) - _ BREDERODE SANTOS, M. E . , Os aprendizes de, Pigmaleão,


Lisboa, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
1985 Pág. 33-52.

VI - 343
Factores Cont extuai s da Escola

tou o desejo de virem a ser pro f essores ou explicitam a


vontade de o tomarem c omo modelo.
Parece-me evidente gue h á " períodos críticos" na
formação dos alunos em Qll e OS p r ofesso res sãO "Qll trO:::'
significativos" particularmente relevantes. Um desses
"períodos críticos" será nos primeiros anos da esco.la
primária, mas outroJ talvez não men os importante e em que o
papel do professor p oderá ser até mais relev ante. é
certamente - e mbora isso c ontrarie a doutrina fo r mulada por
muitos psiquiatras da adolescênc ia para quem a escola
secundária, a nível do complementar , deixa de ter grande
importância na vida dos adolescentes o perído Que
corresponde ao nosso "Complementar" .
Fundamento estas afi r mações não apenas nas
minhas próprias recordações pessoais e em testemunhos
literários como o de Cabanis, mas também nos trabalhos que
os estudantes deste Curso têm real i zado ao longo dos anos.
Assim, geralmente , no pri meiro dia de aulas,
para além de um jogo "quebra-gelo" , distribuo aos estudantes
uma ficha de apresentação para preencherem, ficha onde
incluo uma questão propondo-lhe que se recordem de
"experiências felizes e infelizes ocorridas na sua escola-
ridade". Nos prime i ros anos pedia-lhes que descrevessem "as
experiências de aprendi z agem mais p ositivas ou mais felizes
e as mais negativas ou mais infelizes ". Mas constatei - e
podia tê-lo previsto - que a expressão" "experiência de
aprendizagem" era entendida como referindo-se exclusivamente
a aprendizagens cognitivas (e mesmo estas limitadas a
aprendizagens de conhecimentos e deliciei-me, muitas
vezes, vendo estudantes de Matemáti ca confessarem ter sido a
aprendizagem da divisão na escola primária a sua aprendi-
zagem mais difícil!). Para evitar induzi-los nessa via (já
que, para o senso comum , aprender parece só significar
adquirir conhecimentos c ognitivos escolares), nos anos
seguintes passei a retirar a pal avra "aprendizagem" e a
pedir-lhes simplesmente que descrevessem as suas "experiên-
cias felizes/infelizes na escola".

VI - 344
Factores Contextuais da Escola

Através desses trabalhos c onstatei q ue as


experiências infelizes na escola, tal como são recordadas
por estes estudantes da Faculdade de C., se situam mai ori-
tariamente na escola primária e consistem em geral em
castigos considerados injustos e humilhantes . As transições
de uma escola para outra também apar ecem com frequência ( da
escola primária para o ciclo preparatório, deste - sobretudo
quando telescola - para o secundário, do secundário para a
faculdade, principalmente quando es t as transições são acom-
panhadas de outras mudanças: da aldeia para a cidade, da
.casa dos pais para casa de outros familiares, para l ares,
e tc ) . Por vezes os estudantes mencionam também experi ê ncias
infelizes na Faculdade que consistem, em geral, em experiê-
ncias relacionadas com exames, sobretudo orais.
É curioso notar que quase não referem expe-
riênci a s infelizes no preparatório e no secundário (à
excepç ã o dos anos de transicão iá ap ontados) ~ ara o que pode
haver mui tas explicações desde uma menor sensibilidade do
aluno a possíveis injustiças que o feririam se fosse mais
novo, a uma mepor dependência (a possível in justica de um
professor sendo contrabalançada pe l o seu menor peso entre
!,antos outros), a um maior r espeito pel o s al ll DOS por parte
dos professores ( os castigos recordados pelos estudantes na
escola primária são de facto impensáveis noutros graus de
ensino ... ) ou a uma neutralidade afectiva mais geral para o
que contribuiram tanto a idade mais elevada dos alunos como

-
o ambiente das escolas, muito maiores, mais anónimas, mais
frias ...
Em contrapartida, a maioria das "experiências
felizes", de que os estudantes se recordam, si tua-se no
ensino secundário e refere-se principalmente ao convívio com
colegas e ao contacto com determinado professor que eles
consideram tê-los "marcado" especialmente. No curso geral,
as referências aos professores "marcantes" dizem-nos que são
os que conseguiram criar um "ambiente de à-vontade",
"simpático", onde se podia "conversar de tudo' ~ ao mesmo
tempo que explicavam bem a matéria e conseguiam interessar
os alunos. O convívio com colegas é tanto ou mais ~ eferido e

VI - 345
Factores Contextuais da Escola

as experiências felizes são mui tas vezes aquelas em que o


protagonista conseguiu realizar um feito (geralmente
extra-curricular: desportivo, artístico ... ) que o impôs ao
reconhecimento e admiração dos colegas.
Já no complementar - e há mais referências a
professores "marcantes" no complementar os estudantes
recordam sobretudo professores que lhes "abriram horizon-

-
~, contribuíram "para a sua formacão humanística e
ç ientífica", ~ "deram a ler livros não escolares",-2!!
desafiaram para o teatro ou o cinema. os convidaram "para
conversarem em sua casa", eram "estimulantes", "tinham
confiança" neles. Ou seja: professores que tratam os alunos
como adultos e que ao mesmo tempo funcionam como iniciadores
noutros campos culturais extra-escolares.
De qualquer forma, o que decorre essencialmente
destes trabalhos - e para isso chamo a atenção dos estudan-
tes na apreciação geral sobre eles - é qúe aquilo que eles
recordam da escola com mais prazer qu mais desgosto · são
experiências de inter-acção aluno-alunos ou aluno-professor.
Uma segunda dedução que avanço a título de hipótese é que
essas experiências são diferentes consoante a idade dos
alunos, ou seja, que as exigências dos alunos quanto a essas
inter-acções variariam com a idade.
Porque me pareceu que estas eram constatações
importantes que interessaria aprofundar, nos últimos anos
tenho proposto aos estudantes que se tentem recordar de um
professor particularmente mau, que descrevam o seu
comportamento e os efeitos que esse comportamento tinha na
turma em geral e nos seus sentimentos em particular.
Destes trabalhos, já exclusivamente centrados
sobre o professor, verifico Qpe. enquanto a maioria das boas
r:.ecordações de professores se si tua! de novo, no comple-
~entar, a maioria das "más recordações" divide-se entre os
~rofessores da escola primária e os da faculdade. Períodos
particularmente sensíveis? Situações em que o desnível
professor-alunos é demasiadamente acentuado? Ou haverá que
procurar razões diferentes para o desagrado nesses níveis
tão diferentes também?

VI - 346
1

Factores Contextuais da Escola

Seja como for , o que nos interessa aqui é : Que


torna uma pessoa um bom ou mau professor?
É bem conhecida a distinção entre "conhecimentos
científicos" (o "bom profesor" tem que conhecer bem a
matéria que ensina), "competências metodológicas" (o "bom
professor" tem que saber como transmitir aqueles conheci-
mentos) e "competênci as pesso aj s" (o bom professor tem que
ter qualidades humanas e um bom relacionamento com os
alunos) - classificação que correspon de aproximadamente à de

-
Gilles Ferry; "Saber", "saber fazer" e "saber ser".
Mas se as duas primeiras categorias têm sido
estudadas e recebem uma atenção razoável na formação dos
professores, o mesmo não se pode dizer da última. De facto ,
como pode alguém aprender a "ser"? Ou, pior ainda, como se
pode ensinar alguém a "ser"?
Rogers foi um dos primeiros autores que aceitou
este desafio impossível e que avançou propostas atinentes ao
"ser" (ou, na sua perspectiva, ao "tornar-se") do professor,
aliás mais especificamente às suas capacidades de relacio-
namento. Com base em Rogers (1957) e em outros investiga-
dores como Truax, Berenson , Mitchell, etc . , 8~ck::iED (2)
desenvolveu um modelo sequencial de competências i n ter-
-pessoais constituído por uma fase de auto-exploracão (em :r
que as características inter-p essoa i s do "facilitador". são
essencialmente a empatia, o calor e o respeito). uma fase de
transição para a acçãp (especifi cidade, autenticidade, ~
auto-exposição) e uma fase de acção prop riamente dita ~
(confronto, imediaticidade) ,
No Seminário que descrevo não tomamos em conta
com rigor este modelo nem esse seu eventual carácter
sequencial. Pessoalmente interessa-me esta classificação das
"oito competências inter-p essoais" como instrumento que
permita aos estudantes tomarem consc i ência das suas próprias
capacidades e incapacidades no domínio relacional z
apontando, · e sempre que possível praticando, processos de
aperfeiçoamento. Ou seja, compreender que também aqu i é
possível aprender.

VI - 347
Factores Contextuais da Escola

Na descrição dos efeitos que o comportamento dos


professores tinha sobre as turmas e os sentimentos dos
alunos, os estudantes referem consequências a curto orazo -
sobre o clima da aula, a participação dos alunos, as rela-
ções entre si e com os professores; sobre as aprendizagens
realizadas e o gosto pela matéria; e sobre os alunos como
pessoas. E conseguências a longo prazo (desde efeitos sobre
a orientação profissional tomada à manutenção da imagem do
professor como modelo a seguir ou a evi tar ou ainda e
sobretudo sobre a sua formação humana, moral e cultural).
Assim, o "bom professor" conseguia criar um "bom A-
clima" em que "as aulas de 50" pareciam durar 10''', em que
"nos sentíamos bem", em que havia uma "boa disciplina" que
os alunos sentiam como "criada por todos", em que os alunos
se sentiam "à vontade", - "partic i pavam livremente" , "sem
qualquer receio de exporem as suas dúvidas". Quanto ao
professor "tínhamos nele uma confiança enorme", "tinha o
-resI'eito e a quase adoração dos alunos", "sempre vi nela uma
amiga, alguém com quem podia contar".
"bom , _
Relati vamente às
..
aprendizagens, o
professor" des,,~rtava o "interesse pela matéria". os aJuDap
tinham "bom rendimento escolar", "boa preperacão" e as
aprendizagens "faziam-se sem esforço" e "sentíamOS - que o que
fazíamos nos dizia resp eito", " gue se fazia porgue se
gostava e não porque se era obrigado a fazer", "sentia-me a
aprender imenso". Nos pontos "ninguém copiava".
Também de um ponto de vista pessoal, o bom pro- C-
fessor fazia os "sentirem se alguém". "vi que também per
tencia à escola", "deu-me um certo ar de pessoa", "cresci",
"fazia-nos sentir nós próprios", "dava-nos conselhos
pessoalizados", "deu-me confiança em mim e nos outros" ...
A longo prazo , os estudantes referem efeitos, ]) _
quer sobre a sua orientação profi ssional ("foi por causa
dele que vim para este curso"), quer como modelo ( " é como
ela que eu tento ser hoje quando dou as minhas ' aulas"), quer
quanto à sua formação geral ("contribuiu imenso para a nossa
formação" , "marcou-me mui to até em relação à minha vida
futura") .

VI - 348
~- .

Fac tores Contextuais da Escola

Embora as frases citadas provenham de trabalhos


de vários alunos diferentes, para quase todos os "bons
professores" descritos é possível encontrar referências
correspondentes a cada uma daquelas categorias, isto é, o
bom professor é , simultaneamente ,. aquele que ensina bem, que
torna as aprendizagens significativas para cada aluno , que
cria em bom ambiente na aula e uma boa relação com cada um
dos seus alunos, promovendo o seu desenvolvimento como
pessoa e exercendo influência sobre a sua formação futura.
Antes de passarmos à análise mais minuciosa das
competências (ou incompetências . . . ) inter-pessoais dos seus
bons/maus professores , pe ç o aos estud antes · que respondam a
um teste ·para auto-avaliação das sua s próprias competências
nesse domínio. Realizado este dou-lhes então a lista das
oito competências inter-pessoais :

1. Empatia (aprox imadamen te compreensão do outro


e comunicação ao outro dessa compreensão).
2. Respeito (aprox imadame nte confiança no outro)
3. Calor (aprox i madamente amizade, simpatia) .
4. Autenticidarle (apro ximadamente coerência
entre o que se diz e o que se sente).
5. Especificidade (aproximadamente ser concreto
sobre o que se está a falar) .
6. Auto-exposi ç ão (aproximadamente ser capaz de
se expor , de se abrir sobre as sua"s expe-
riências pessoais).
7. Confronto (aproximadamente mostrar constru-
tivamente aos outros o seu comportamento
negativo) .
8. Imedíaticidade (aproximadamente focar a
relação "aqui e agora" entre os dois
protagonistas da relaç ão).

Estudamos estas competênc ias através de exemplos


práticos. A verificação desta aprend i zagem faz-se através da
classificação, a que procedemos em conjunto, das perguntas
do teste (trata-se de 48 p erguntas, correspondendo cada

VI - 349
Factores Contextuais da Escola

grupO de seis a . uma das oito competências mas apresentadas


de forma desordenada. A identificação da competência a que
cada ·uma das perguntas se refere é, assim, um bom
exercício) .
Dou depois .a "chave" do teste correspondente ao
número total. A classificação total do teste vai de O a 192
pontos dividindo-se em 6 categorias. A quase totalidade dós
alunos si "t\.la-se nas duas categorias acima da média (4a . e
5a. ), não tendo nenhum atingido até hoje a mais elevada
(6a. ). Nota-se também um predomínio dos estudantes do sexo
feminino na 5a. e do sexo masculino na 4a ..
O teste apela não só ao comportamento real dos
estudantes mas também ao seu comportamento ideal. Permite
assim várias comparações, não já para o nível global das
respostas mas pé;l.ra cada uma das competências:

1) Comparação entre aquilo que os estudantes


consideram que deveria ser o seu cgmporta-
mento (o seu comportamento "ideal") e aquilo
que os autores do teste consideram como
comportamento ideal.
Analisando os resultados verifica-se que a
maior diferença entre esses dois níveis
ideais diz respeito à "autentic i dade",
seguindo-se a "auto-exposição", enquanto que
a maior semelhança se situa no "calor",
seguido da "empatia" - o que parece atestar a
dificuldade, já apontada por Maria Amália
Borges de Medeiros, em conciliar autentici-
dade e empatia. No caso dos nossos estudantes
a empatia parece ser preferida, pelo menos a
nível ideal, em prejuízo da autenticidade.
2) Comparação entre O compgrtamento real dos
estudantes e o seu :comportamento ideal.
Aqui a maior diferença parece situar-se na
"imediaticidade"! ou seja. esta competência
seria reconhecida como importante mas de
prática difícil.

VI - 350
Factores Contextuais da Escola

A maior semelhança entre o comportamento real


e o comportamento ideal dos estudantes
si tua-se no "respeito", seguido da "autenti-
cidade" (este sem grande significado pois,
como vimos, o seu nível ideal é bastante
baixo) .
3) Entre o nível ideal dos autores do teste e o
nível real dos estudantes.
A maior diferença si tua-se, como çiecorre do
acima exposto, na "autenticidade". seguido da
"auto-exposição" e a maior semelhança si tua-
-se no "respeito".

Para além destas observações gerais peço aos


estudantes que verifiquem quais os seus pontos "fortes" e
"fracos" (segundo esta perspectiva evidentemente),
procurando reflectir sobre o seu significado. A diferença
entre os "níveis ideais" é particularmente propícia a uma
discussão de fundo sobre os implícitos desta teoria já que
revela um desacordo quanto pos valores que ela propõe.
Esse desacordo pode incidir sobre a possibili-
dade de àprendizagem destas competências (como escrevia · um
estudante: "As capacidades de auto-exposição, de autentici-
dade, de calor mesmo, são características de uma personali-
dade que, de uma forma ou de outra, já está formada, e
dificilmente poderão ser adquiridas por alguém que as não
exercitou noutro tempo e local") e sobre este assunto
voltaremos no final deste capítulo - mas pode incidir também
sobre os seus pressupostos. Como escrevia o mesmo estudante:
"Quanto à empatia eu próprio desconfio bastante desta
capacidade. Quantas vezes a "pedagogia do sorriso" é a arma
para uma ausência de autenticidade e desarma alunos que,
face a um ensino autoritário seriam capazes de criar as suas
auto-defesas? Quantas vezes a "pedagogia do sorriso" não faz
passar situações mais repressivas em que, ao anular o
confronto, cria dependências que não favorecem o desenvol
vimento de uma capacidade autónoma? 'I

VI · - 351
Factores Contextuais da Escola

Eu próprio , ao usar · a empatia junto dos meus


alunos, por vezes, sem que disso me aperceba, estou- lhes a
criar ilusões de facilidade, não lhes crio condições para
praticarem o espírito crítico, desarmo-os perante uma
estruturá escolar que deveria exigir deles uma recusa firme
quanto ao seu modo de funcionamento ... "
Observações como estas merecem uma discussão
aprofundada. Eu própria reconheço as minhas dúvidas : há
coisas que disti ngo - a "empatia" não é, nem pretende ser , a
"pedagogia do sorriso" ; não é também, é óbvio, uma
"preparação para a · guerr a" mas o exercício exclusivo do
sentido crítico não pode ser também um bloqueador da acção?
No entanto, reconheço que, nestas oito competências , não
vejo contemplado aque le carácter estimulante e quase
iniciador de mui tos professores que os estudantes recordam
sobretudo nos finais da adol escênc ia.
Incompletas que sejam , continuo a açhá-Ias. úteis
para alertar· ·os estudantes para esta dimensão relacional do
seu ofício e proponho-lhes o trabal ho seguinte: retomarem os
seus textos sobre "o professor bom" e "o professor mau" e
analisarem os seus comportamento s à luz das competências
estudadas, procurando rec ordarem-se de episódios que
ilustrem a presença ou ausência de . cada uma daquelas
competências.
Destes novos trabalhos dos estudantes ressaI ta
que as competências mais importantes ou, p elo menos, aquelas
cuja presença ou ausência é mais facilmente identi ficada ,
são as três p rimeiras e pela seguinte ordem: "respeito",
"calor", "compreensão" , seguidas do "confronto". A
"auto-exposição" aparece por vezes mas não parece ser
essencial . Os estudan tes têm dificuldade em recordar
episódios que exemplifi quem a "especificidade" e a "imedia-
ticidade" , ou p or serem competências e.fecti vamente menos
praticadas pelos professores ou p or eles terem sido menos
sensíveis a elas.
Quanto aos professores de quem menos gostaram, a
incompetência que mais frequen temen te aparece referida é a
"ausência de respeito" para com os alunos.

VI - 352
Factores Contextuais da Escola

Vejamos agora como se traduz na prática (nas


recordações dos estudantes) cada uma destas competências -
ou a sua ausência.

Entendida de uma form a genérica como o considerar


como pessoas, dignos de consideração e de con-
fiança, o acreditar no valor e no potencial de cada aluno,
na sua capacidade para assumirem r esponsabilidades, para
resolverem os seus problemas e para se aperfeiçoarem.
Esta parece ser a competência mais prezada e
mais indispensável.
A falta de respeito pelos alunos traduz-se, nas
recordações dos estudantes, por atitudes por vezes extremas
como algumas formas de agressão física (puxões de orelhas ,
uso do ponteiro como "armas") e de insultos ("irresponsá-
veis", "ignorantes ", "mandriões" e até "estúpidos") e outras
formas menos chocantes mas que parecem bem frequente :
"Considerar o aluno como um livro branco a
encher, ignorando ou menosprezando os seus
conhecimentos e interesses".
"Dar grandes lições de moral".
"Ignorar os alunos fora das aulas".
"Mostrar predilecção por uns e antipatia por
outros" .
"Ameaçar com castigos e reprovações".
"Fal tar sistematicamente a determinada hora e
nunca avisar os alunos".
"Ser incapaz de aceitar críticas e sugestões" .
e sobretudo:
Inferiorizar , humilhar os alunos, ridiculari-
zando-os em público, não apenas pela sua
ignorãncia mas até pela ~ua aparência (esta-
tura, maneira de vestir, e falar, de se
sentar, de se pentear. denotando mui tas vezes
preconceitos relativamente ao sexo "vai
coser peúgas", "pareces uma menina" à
classe social - "vai mas é trabalhar para o
campo ou para a fábrica, isto não é para

VI - 353
Factores Contextuais da Escola

todos" - e à geração - "no meu tempo ... havia


respeito/limpeza/arranja ... ", etc.).
Traduz-se ainda por uma desatenção ao trabalho
dos alunos:
"Mandava fazer os trabalhos e nem sequer os
lia".
- "Corrigia os pontos nas aulas . ( ... ) ficavam
pessimamente corrigidos. Cheguei a ter 11 num
teste e, depois de lhe ter mostrado que estava
mal corrigido, subiu-me para 16".

Quanto às manifestacÕes de "respej to" identi-


ficadas pelos estudantes, referem-se exclusivamente aos
professores "bons" e não há professor "bom" que não possua
essa competência. De novo aparecerem referências ao facto de
os professores os reconhecerem fora das aulas e com eles
conversarem; à disciplina ser a necessária para o trabalho e
criada por todos e não por imposição unicamente do professor
à custa de castigos e ameaças. Màs a manifestação de
respeito mais apontada refere-se de novo às dúvidas ou
dificuldades de aprendizagem:
Os professores respeitadores encaram "as difi-
culdades dos alunos como sendo naturais", "compreendem-nas",
"não dexam uma dúvida sem resposta ou esclarecimento mesmo
que não imediato", "não pÕem de parte os alunos mais
fracos", "valorizam as aspectos positivos de um aluno",
"manifestam confiança nas possibilidades dos alunos".
Algo que sensibliza particularmente os alunos é
parecer-lhes que o professor os considera merecedores de uma
atenção individual, o poderem sentir-se alguém dentro dá
escola,: "interessava-:se por nós", "dava importância ao que
nós dizíamos", "considerava-nos como adultos", "tratava-nos
de igual para igual", "prestava-nos atenção individual-
mente" ...
<g?lor) - O "calor" é uma competência tão
mencionada -pelos estudantes como o "respeito" mas com uma
diferença importante:
Há recordações de professores "bons" que não

VI - 354
'-o . .

Factores Contextuais da Escola

eram calorosos e nem por isso os estudantes, enquanto


alunos , ·deixam de os apreciar. É o caso de um professor de
"ar sério, sisudo, que raramente se ria" mas que tinha uma
grande disponibilidade e interesse p elos alunos. Ou o caso
de outro que era "um pouco introvertido e não se manifestava
muito, o que cedo percebemos ser devido à sua timidez e não
a desinteresse ou falta de afecto por nós".
No entanto, a grande maioria dos professores
preferidos são professores "calorosos":
"Era humano, nosso amigo, tratava-nos como
seus filhos" . .
"Era amigo de todos".
"Mantinha sempre um ar calmo e um sorriso nos
lábios mostrando-se sempre interessado por
nós".
"Tinha um ar descontraído e estava sempre bem
disposta" .
"Bastava um olhar, um sorriso, uma festa .. . ".
"Cumprimentava os alunos ao entrar na aula,
sorrindo, criando logo um clima de boa
disposição ... ".
"Tinha uma cara sempre alegre ( ... ) um tom
brincalhão "
"um olhar que transmitia calor, aberto,
comunicativo ... ".
"Dialogava com os alunos" .
"Dava 'vida' até aos p r ocessos matemáticos ... "

Estas algumas das expressões que os estudantes


empregam notando-se a referência frequente a formas de
comu~icação não verbal (sorriso, olhar, carícia, "ar", etc .. )
através das quais se transmitiria o "c alor" .
A ausência de " calor" nos professores menos
amados é também uma referênc i a constante:
"Não sabia rir".
"Sempre com ar pesado , com "cara de pau" .
"Mal disposto , zangado, resmungando, nunca
sorrindo ... " .

VI - 355
Factores Contextuais da Escola

"Aspecto desagradável, tipo 'fera' ... ".


"Sempre sentada muito direita, lançando-nos um
olhar que não era nada caloroso nem amistoso".
"tom de voz áspero, irritado .. . ".
"Sorriso distante e superior ... ".
" a agressividade com que se dirigia aos
alunos .. . ".
"De expressão fechada e ponteiro na mão . .. ".
" de semblante vincado e rígido nunca tendo
para com os alunos uma meiguice ou sequer uma
expressão de aprovação, nem mesmo um sorriso".
"A sua voz, que embora fosse baixa, tinha um
timbre agudo que era irritante o que a l evava ,
quando falava mais alto, a sair num tom
bastante esganiçado ... ".
- "Chegava à aula não cumprimentando nem
sorrindo para ninguém ... ".
"Nunca deu uma aula sem ser sentada, sem
percorrer toda a caderneta, sem apresentar a
sua cara carrancuda e desagradável e o seu tom
de voz áspero em todos os momentos ... ".

Por estes exemplos se vê que outros índices não


verbais são apreendidos pelos alunos para além do sorriso ,
3,,0 olhar, da carícia: é a pos ição , o objecto usado como
arma, o tom da voz ...
É interessante notar que, embora o "aspecto". a
"aparência" p areçam ser cruciais p ara a comunicação do
"calor", nem a idade do professor, nem o sexo, nem a beleza,
nem a maneira de vestir parecem desempenhar qualquer papel
notório.

Compreensão Empática Em terceiro lugar na


lista das s frequentemente mencionadas
aperece a que podemos chamar "compreensão" e que
hesito em classificar de "empátia" . De facto, a "empatia" é
um termo definido já com um certo r igor (compreender o ponto
de vista do outro como se se estivesse no seu lugar - mas

VI - 356
Factores Contextuais da Escola

não esquecendo que não se está - e de lhe transmitir essa


compreensão) e se, nalguns dos exempl os apres.e ntados pelos
estudantes, ela parece ser de facto uma característica do
"bom professor", nem sempre é possí v el afirmar com segurança
que é este o tipo de compreensão que está presente . Talvez
seja mais correcto falar apenas . de "compreensão".
competência que se traduziria , nas recordações dos alunos,
tanto em termos mais académicos, na adequação da matéria às
dificuldades e aos interesses dos alunos, como, de uma forma
mais lata, na disponibilidade para os ouvir e ajudar noutros
problemas.
Alguns exemplos desta "presença de compreensão":
"Preocupava-se em adequar a matéria aos n ossos
interesses e à nossa escolha profissional ... ".
"Dava a entender que se preocupava com o que
nós sentíamos. Por exemplo: às segundas.fe iras
tínhamos aula com ela ao último tempo; ela
ententia que , a essa h ora do dia e depois de
tantas aulas , estaríamos cansados e sem
paciência para iniciar um novo assunto e ass im
reservava essa hora para exercícios de
aplicação ou para falar de alguma questão
pendente extra-matéria."
Era nosso pro fe ssor de Matemática mas ouviu-
~nos comentar que estávamos a estudar , em
Ciências, o morcego, mas que nunca tínhamos
visto nenhum. No dia seguinte trouxe-nos um
. morcego ·para a aula e ensinou-nos imensa coisa
sobre ele ... ".
Aceitava muitas das nossas sugestões e tentava
reso'l ver problemas pessoais dos alunos (so-
bretudo ' no caso dos estudantes trabalhadores)
desde que não prejudicassem o andamento da
cadeira" .
- Procurava sempre comp reender as dificuldades
dos alunos, saber com eles se sentiam, não só
no aspecto eS.colar, como também os seus
problemas de carácter p essoal ".

VI - 357
Factores Contextuais da Escola

-"Mesmo fora das horas das aulas estava ao nosso


dispor e cheia de boa vontade para nos ajudar
. a resolver qualquer dificuldade. Recebia-nos
da mesma forma mesmo para assuntos. que nada
tinham a ver com a disciplina".
Escutava atentamente aquilo que lhe
dizíamos ... "
Escutava os nossos problemas, compreendia como
nos sentíamos e procurava connosco uma
s 'o lução" .
Encorajava-nos a falar daquilo que nos
preocupava" .
"O mais importante é que ele se interessava
por nós .. . "
Sabia . ouvir e olhar-nos. Por vezes a
distribuição de um determinado trabalho ou um
olhar funcionava como que a dizer-nos que
compreendia como nos sentíamos".
A "ausência de compreensão" é, por sua vez, uma
característica comum aos "maus professores" . Apenas alguns
exemplos:
"A professora nem .sequer tentava compreender o
que quer que fosse em relação aos alunos. Por
o,' exemplo, quando alguém. chegava atrasado, fosse
qual fosse o motivo , não podia assistir à
aula".
"Não quer ia ouvir a desculpa do aluno que
chegava atrasàdo ou do que não trazia
material" .
"Quando marcava .pontos nunca lhe interessava
saber se tínhamos outros pontos já marcados
para o mesmo dia".
"Alunos que aparecessem queimados da praia ou
que ele tivesse visto na véspera no cinema já
sabia que seriam as vítimas das terríveis
chamadas" .
"Sabia perfeitamente que . os alunos não
gostavam dele nem das suas aulas, no entanto

VI - 358
Factores Contextuais da Escola

isso não parecia preocupá-lo nunca tentou


mudar a sua maneira de dar as aulas ou de
falar com os alunos".
- "Ignorava-nos com"p letamente como pessoas com
sentimentos ... ".

o "confronto" é aqui entendido como saber


fazer respeitar os seus direi tos, ser capaz de
confrontar os alunos com o seu comportamento negativo e com
os efeitos negativos desse comportamento sem os humilhar nem
agredir. Esta competência é mui tas vezes ignorada pelos
professores mais jovens . Sobretudo os estudantes que nunca
ensinaram têm tendência para acreditar que basta ir armado
de boas intenções para nunca se colocarem problemas com os
alunos e tendem a ver o "confronto " como uma manifestação
negativa de agressividade .
No entanto, é interessante verificar que c nas
suas recordações, o "confronto"aparece logo a seguir à
"compreensão", embora nem sempre esteja presente no "bom
professor" e embora por vezes surja no "mau professor".
Eis alguns exemplos de presença de "confronto"
no "bom professor":
"Quando se fazia alguma coisa com a qual ele
não concordava discutia-se o assunto entre
todos".
"Havia dois colegas no fundo da sala que
faziam, às vezes, um pouco de barulho quando
ela estava a explicar algum assunto. Nessas
ocasiões ela dizia-lhes que não deviam falar
pois estavam a prejudicar-se a si e aos
colegas e impediam que ela própria se
concentrasse".
- "Quando se fazia alguma coisa com a qual ela
não concordava discutia-se sem pressa de fazer
um juízo de valor".
"Ia " directo aos assuntos, quer fossem
agradáveis ou desagradáveis".

VI - 359
Factores Contextu~is da Escola

- "Não se inibia de responder quando algum aluno


estava distraído ou a perturbar a aula, mas
não me lembro que alguma vez tenha posto
qualquer de nós "de rastos" ~ por motivos
fúteis. Às vezes gostava de entrar em disputa
com os alunos relativamente a problemas
ligados à matéria ou a outros assuntos da vida
escolar e social".
- "Quando algum aluno está com trabalhos em
atraso fala-lhe no assunto directamente .
Quando os entrega diz-lhe b que pensa deles · e
o que considera correcto ou não".
"Não deixa ultrapassar os limi tes, como se
costuma dizer".
- "Se algum falhava nalgum aspecto ela dizia-lhe
imediatamente, fazendo-lhe sentip o seu erro
de uma forma que ele não se sentia ferido e
sim ·com desejo de se corrigir".

A ausência de "confronto" no "bom professor" é


apontada como um defeito ou suscita dúvidas sobre qual seria
a melhor atitude a tomar.
- "Penso que normalmente ele se coibia de agir
directamente sobre os acontecimentos, fechando
os olhos ou deixando-os passar. É o caso do
seu comportamento durante os testes "copiar",
ou durante aulas barulhentas nas quais nunca
mandava calar esperando calmamente que se
deixasse de falar alto"

A ausência de confronto no "mau professor" apa-


rece como uma consequência da ausência das primeiras
competências: .
- "Ele fugia aos conflitos com os alunos ... ".
- "A professora exigia silêncio absoluto utili-
zando a sua autoridade e nem sequer dando
oportunidade à existência de qualquer
conflito".

VI - 360
Factores Contextuais da Escola

Quando a competência do . "confronto" está


presente sem as competências prévias, torna-se uma ... i ncom-
petência:
- "Não se limitava a afirmar os seus di r ei tos
como professor , abusava deles impondo a sua
autoridade . "

Pode-se, no entanto, discutir se aqui se trata


de verdadeiro "confronto" já que a dimensão "construt iva",
apontada a propõsi to da definição desta competência, se
encontra ausente.
Creio que, dos exemplos apontados, duas
conclusões são possíveis:
* Para que exista verdadeiramente confronto como
uma competência inter-pessoal é indispensável que assente
numa relação caracterizada pelo respeito, pelo calor e pela
compreensão.
* Assim como o respeito, calor e empatia
aparecem mui to interligados! sendo por vezes difíc i l ou
artificial estabelecer uma diferença entre essas
competências, assim também, ou ainda mais, o confronto
aparece mui to ligado à autencidade e, em menor grau, à
especificidade e à imediaticidade.
Esta interligação entre "confronto" e
"autenticidade" é ilustrada , por exemplo, no seguinte caso
passado com um "bom professor":
- "Um dia a aula estava mui to barulhenta e o
professor queria explicar uma determinada
matéria. O barulho não parava apesar dos seus
sucessivos apelos e avisos para que nos
calássemos. Então, de repente, o professor, já
irritado, bateu com o livro de ponto na
secretária e deu um grito. Todos nos calámos e
a aula decoreu sem mais incidentes".

Não é fácil de definir. Rogers reconhece-lhe


~d~o~!!iii~~~~~' autenticidadeenvolveria a coerência entre o
que se e o que se pensa, mas tamb~m, mais do que isso, a

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- --
Factores Contextuais da Escola

coerência entre o que se sente e a consciência que se tem do


·que se sente.
Os estudantes referem a presença de autentici-
dade, quer a propósito dos professores de quem mais
gostaram •. quer dos de quem menos gostaram e parecem ter
entendido este conceito sobretudo como coerência entre
palavras e acção e como coerência entre pensamento e
palavras.
Eis alguns exemplos de manifestações de
"autenticidade" nos . "bons professores" recordados pelos
estudantes:
"Pôs-se à prova fazendo aquilo que dizia:
aulas sem ser na aula, assuntos a discutir
incluindo problemas dos alunos. Sempre se
mostrou como era".
- "Dizia sempre o que pensava".
- "Era sincero connosco".
"Não se furtava a declarar "de caras" quando
se encontrva "chateado" com qualquer aluno ou
com qualquer problema da escola. As vezes
zangava-se mas regressava à calma rapidamente,
não sendo daquelas pessoas que estão horas ou
dias para lhes passar a birra".
"Embora a sua ati tude não fosse mui to
expansiva era bastante espontânea (forma de
olhar, de se mover, de falar) o que me leva a
dizer que havia coerência entre o que dizia e
o que sentia".

Mas também os "maus professores" podem


manifestar "autenticidade":
"Se estava mal disposto dava a aula de cara
fechada" .
"Era ·agradável para os 'alunos de quem gostava
e desagradável para os outros",
parecendo, portanto. que a autencidade. como o confronto. só
se torna uma verdadeira competência inter-pessoal quando
assente nas três primeiras (respeito, calor, compreensão).

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Factores Contextuais da Escola

Por outro lado, se alguns estudantes não se


recordam de manifestações de "autenticidade" da parte dos
seus "bons professores", nunca referem manifestações dt;!
ausência desta competência nestes professores, fazendo-o no
entanto, frequehtemente para os "maus professores" através
de adjectivos como "cínica", "hipócrita" ou de expressões
como:

.....
- "Dizia uma coisa e fa zi a outra".
~_,/IWi~ ~v~a~
Auto-Exposição
os alunos de frente", etc. ·
A auto-exposição é aqui
entendida como a revelação de uma experiência pessoal
delicada que possa servir de ajuda ao interlocutor,
nomeadamente por semelhança com uma experiência difícil que
este esteja a sofrer.
É uma competência poucas vezes mencionada nas
recordações dos ' estudantes, mas, sempre que surge ! é como
uma característica positiva do "professor bom" e nunca do
~au'~
Exemplos:
"Mui tas vezes apresentava casos por ele vi-
vidos, partilhava a s u a experiência connosco".
"Contava-nos experiências de quando era
aluna".
- "Contava histórias da vida dela e de situações
que tinha vivido como professora".
"Sempre o vi como uma pessoa aberta, que não
escondia certas falhas eventuais que pudesse
ter, que procurava fazer sentir aos alunos que
"errar é humano", ao mesmo tempo qu e gostava
de nos falar das suas experiências pessoais.
Recordo-me perfeitamente de numa ocasião nos
ter di to o seguinte: Não tenho "peneiras" em
considerar que vocês me poderão pôr dúvidas ou
trazer problemas que eu não poderei resolver
ou ajudá-los a resolver logo na altura, mas o
que vos posso garantir é que em casa estudarei
essas questões pormenorizadamente para os
esclarecer na aula seguinte".

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Factores Contextuais da Escola

. A ausência da "auto-exposição" é pouco notada


p:elos estudantes ou é-o de passagem sem que constitua uma
"queixa". Por exemplo: "Nunca o ouvi falar de si nem das
suas experiências pessoais . . . " .
. De facto! a "auto-exposição" é uma competência
particularmente delicada de aplicar, já que facilmente perde
e pode-

A especificidade ou a
capacidade de tornar a conversa concreta, de pedir
esclarecimentos até compreender bem o interlocutor em vez· de
"deixar a conversa pairar em generalidades", é a menos
referida das competências mencionadas pelos estudantes. ·
Em todo ó caso a sua presença é notada de vez em
quando no "professor bom" como nos exemplo seguintes:
- "Por vezes solicitava aos alunos Que lhe
repetissem certas perguntas ou guest-ões que
não entendia à p rimeira para melhor
compreender a dúvida".
"Quando um a l uno põe um problema de um modo
muito vago pede-lhe que seja mais concreto" .
- "Quando não percebe bem algo que se esteja a
dizer, faz perguntas até se esclarecer" ,

A sua presença nunca é registada no " professor


mau" mas a sua ausência sim :
Se um aluno , a respon der a uma pergunta, não
sabia muito bem o que estava a dizer ou
trocava umas coisas pelas outras, ele, em vez
de pedir mais esclarecimentos para perceber a
ideia do alun o, mandava-o calar e passava a
outro" .
A sua ausência é também por vezes apontada no
"professor bom" como um pequeno defeito:
- "Acho que, por vezes, não era suficientemente
claro nos diálogos com os alunos, não por
querer ocultar algo, mas por timidez".
C!frediaticida!!> Quando à imediaticidade, ou

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Factores Contextuais da Escola

"capacidade de uma pessoa se debruçar sobre a relação


imediatamente entre ela e o interlocutor". não encontrei
qualquer referência nos textos dos estudantes que pudesse
clarificar como tal, à excepcão dos exemplos apontados a
próposito do confronto em que aparece um pouco subjacente a
esta outra competência.
De facto é uma competência que, podendo embora
ser praticada de uma forma intuitiva, é talvez menos
detectável pelos estudantes, sobretudo referindo-se a
recordações. Por outro lado, a relação professor-alunos
talvez não seja mui to prop íc ia ao execrícib deste tipo de
competência nem lhe seja muito essen cial.
Em conclusão e segundo a análise que efectuámos
das recordações dos estudantes dos seus professores, as
competências inter-pessoais indispensáveis a qualquer
~ofessor para criar um clima acolhedor, aberto e propício à
aprendizagem, para se relacionar bem com os alunos e para
promover o seu desenvo lvimento integral parecem ser o
"respeito", a "compreensão". o "calor" e a "alltenticidade" -
sendo o "respei to" a atitude fundamental sem a qual nenhuma
=
das outras competências é possível.
Resta saber se é possível desenvolver nos
professores e nos futuros professores estas
competências. Ou seja: sensibilizados os estudantes para a
existência de certas competências inter-pessoais, para a sua
influência no ambiente geral da turma, na relação com o
professor, no rendimento do trabalho e nas aprendizagens no
"crescimento" global do aluno - será isso suficiente para
que os estudantes adquiram tais competências?
E se não for, como conseguir que as desenvolvam
ou adquiram?
A prática de exercícios de "treino de observação
e de escuta", por exemplo, ou de técnicas de micro-ensino
parece-me importante. (Um.a das competências que pode ser
praticada com alguma ' eficácia através do micro-ensino - e
que parece bem necessarla é a reacção a respostas
incorrectas dos alunos) .

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Factores Contextuais da Escola

No entanto, não se correrá -o risco, apontado por


exemplo por Bettelheim (3} de se adquirir de facto uma
técnica, mas em vão, se não for aplicada com as · emoções
apropriada~ ou genuínas? Mas como agir sobre as emoções?
Parece-nos que, sem menosprezar tais exercícios
(que aliás também utilizamos), este processo de procurar que
os estudantes · recorram primeiro às suas vivências , se
auto-analisem e depois se interessem por um aluno em
particular, estabelecendo com ele uma boa relação, perdendo
o receio e a insegurança na aproximação com os jovens,
implicando-se e ao mesmo tempo anal i sando-se, permite agir a
um nível mais profundo e, esperemos , desenvolver as "emoções
adequadas e genuínas".
Mas a passagem da atitude ao comportamento
necessi ta também ds ser praticada e, por outro lado, o .
comportamento pode também engendrar atitudes, pelo que
passada esta fase em que os estudantes reconhecem
vi vencialmente a importânci.a destas competências, considero
que é possível e útil praticá-las , através de exercícios
sistemáticos e artificiais na aula, paralelamente ao seu
trabalho de ajuda a um aluno em dificuldades. Desses
exercícios se tratará no capítulo seguinte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) José CABANIS, Les Années Profondes, Paris, Gallimard,


1976, p. 141.
(2) R. CARKHUFF, D. BERENSON, R. PIERCE, The Skills of
Teaching: Inter-personal Skills, Amherst, Mass, Humart
ResourceDevelopment Press, 1977.
(3) B. BETTELHEIM, Só Amor Não Basta, Lisboa, Moraes Ed.,
1976.

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