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TOCANDO O FUNDO: “PANO DE FUNDO”

DAS FIGURAS DO NOSSO VIVER

SELMA CIORNAI
(Originalmente publicado em inglês em The Gestalt Journal, Vol.XVIII, Nº 2, e
também na Revista de Gestalt nº 5 e Cahiers de Gestalt Thérapie nº 5)

INTRODUÇÃO

Há uns 22 anos atrás, por volta de 1972, tive em Israel meu primeiro contato com a
Gestalt Terapia. A lembrança desta primeira sessão está até hoje viva em mim. Eu
descrevia uma sensação de ter um fosso dentro de mim, um grande buraco que provocava
uma descontinuidade entre áreas em que eu me sentia funcionando bem, como se eu me
percebesse como uma escada que pula do 3° para o 10° andar sem ter os degraus
intermediários. Eu intuía uma área obscura, meio empacada, que me atrapalhava no meu
contato com o mundo e com os outros. E lá ia eu continuando a explicar esta sensação
àquela nova terapeuta, quando ela me interrompeu, sugerindo que eu fechasse os olhos e
visualizasse este buraco, descrevendo-o na 1° pessoa, como se eu fosse o buraco; e a seguir
me sugeriu que eu me imaginasse entrando nele.
O que se seguiu foi uma sessão onde me vi forçada a sair do “falar sobre” e “entrar
no”, onde me surpreendi com minhas próprias imagens e com o que nelas eu descobri. Para
minha surpresa não era um fosso horrível, mas um lugar frágil e delicado, e ao ir me
identificando com ele, ao “sê-lo” e ao nele entrar, fui me inundando da emoção de estar
me revelando a mim mesma, sentindo-me em encontro com aspectos meus antes pouco
conhecidos.
Esta foi a primeira de uma série de episódios terapêuticos que vivi tanto em Israel
como nos Estados Unidos, para onde fui em 78, para entre outras coisas, fazer a formação
de Gestalt terapeuta. Nos 4½ anos que lá vivi, tive a oportunidade de trabalhar com vários
terapeutas que de maneira mais ou menos sagaz, e mais ou menos suportiva, focavam no
que despontava na situação presente como figura, utilizando-se de vários recursos
terapêuticos para ajudar a revelar, iluminar, parir, e trazer à tona o conteúdo emergente.
Como treinanda, e observando Gestalt terapeutas trabalharem, aprendi que a grande
arte do terapeuta era, dado um tema, um problema, ou um desconforto, ajudar a achar o fio
e segui-lo com maestria através da metodologia Gestáltica, utilizando freqüentemente as
técnicas que Naranjo(1973) categoriza como supressivas, expressivas e integrativas, para
chegar à figura, muitas vezes latente em nível baixo e crônico de tensão e emergência, e
fazê-la vir à tona com sua força e emoção, para um nível agudo de emergência, com a
segurança dada pelo continente terapêutico. Isto se dava em processos experienciais que
em si traziam insights – reconfigurações perceptivas, emocionais e cognitivas.
Éramos treinados a identificar na situação presente do aqui e agora terapêutico
incongruências entre o conteúdo da fala e o tom da voz, entre o dito e os gestos, entre a
reação do cliente e o vivido na terapia. Éramos treinados a ajudar a trazer à tona conflitos
vividos internamente, freqüentemente entre um impulso e a resistência a este impulso. A
detectar situações inacabadas manifestas na situação presente com vistas a presentificá-las,
estimulando uma emergência segura. Enfim, a trabalhar para que o contato fosse
aumentando e as figuras emergentes tornassem-se fortes claras e definidas, facilitando
assim melhores integrações, reconfigurações, novas aberturas, e a resoluções de problemas
e conflitos. Em 1979 comecei a trabalhar como terapeuta em um centro de saúde mental
para a comunidade latina pobre de Oakland, CA. Voltei ao Brasil em 1983 e aqui
desenvolvi uma prática como Gestalt terapeuta.
No entanto, à medida em que minha prática terapêutica foi se desenvolvendo,
comecei a notar algumas limitações no que eu havia aprendido como sendo o trabalho de
Gestalt terapia, fui notando em mim insatisfações. Me parecia que aspectos importantes da
pessoa e de sua interação com o mundo não eram, ou raramente eram tocados. Quero listar
estas preocupações para a seguir relacioná-las com a noção de figura-fundo tão básica à
teoria da Gestalt terapia, pois me parece que o que muitas vezes emergia como figura ,
tornava-se uma “figura ofuscante”1, que ao ofuscar o terapeuta e eventualmente também o

1
Este termo me foi sugerido por Abel Guedes, Gestalt terapeuta.
cliente, impedia que outros aspectos da pessoa, menos imediatos, mas nem por isto menos
importantes, emergissem. Era comum, por exemplo, focar a atenção no tamborilar de um
dedinho, perguntando “o que é que seu dedinho está dizendo agora?” – e entrar na raiva ou
impaciência que este revelasse. Isto às vezes terminava em atuações catárticas, enquanto
que elementos mais profundos e sutis da história da pessoa, mitos, medos, esperanças,
significantemente ligadas àquele momento, ficavam fora de foco. Outras vezes, a falta de
atenção do terapeuta à fatores tais como o background social do cliente, contribuíam para
que estes não fossem levados em conta.
O propósito deste trabalho é portanto examinar o conceito de fundo em Gestalt
terapia. Creio que aspectos importante da vida das pessoas tais como seu background
étnico, sócio-cultural e familiar, assim como universos internos mais profundos, têm ficado
literalmente “no fundo” e fora de foco na prática de Gestalt terapeutas. Em termos
gestálticos, não têm emergido claramente como figuras dos processos de nossos clientes
em terapia, e mesmo da atenção do terapeuta. Afirmo que atenção a estes aspectos é de
suma importância, se quisermos ter uma compreensão e uma apreciação holística dos
processos de cada um em suas vidas. Listarei portanto estes fatores, discutindo algumas das
formas que encontrei de considerar e lidar com estas questões.

A NECESSIDADE DE CONSIDERAR FATORES SÓCIO-CULTURAIS EM


GESTALT TERAPIA

Tendo formação em Sociologia, sempre fui muito sensível ao indivíduo em relação,


à influência dos aspectos sociais, micro e macro sistêmicos sobre o indivíduo, ao fato que
somos ao mesmo tempo, seres únicos e interligados. Tinha necessidade de entender o
“fundo” histórico, social e cultural de onde emergem as figuras do nosso viver, e de como
estes, figura e fundo, se relacionam. E eu não via estes aspectos sendo abordados na maior
parte do que eu conhecia como prática de Gestalt terapia, com raras exceções.
Mas neste sentido, a teoria da Gestalt terapia enfatiza claramente que o indivíduo só
pode ser compreendido como parte do sistema indivíduo-meio. Por exemplo, Perls,
Hefferline e Goodman (1951), autores de um dos livros mais sérios e importantes de
Gestalt terapia escrevem:

Apenas o intercâmbio organismo-meio constitui a situação psicológica que não pode ser
concebida tomando qualquer um deles de forma isolada. (p.XII)

Chamemos a esta interação organismo-meio, de campo organismo-meio em função, e


recordemos que não importa como teorizemos sobre impulsos, drives, etc, é sempre a este
campo interacional que estamos nos referindo, e não a um ser isolado. (P.228).

E em um livro posterior, “A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular de


Terapia” Perls (1973) escreve:

É na fronteira de contato que os eventos psicológicos ocorrem (p.16)... Nossa abordagem


que considera o ser humano como simultaneamente e por natureza, um indivíduo e um
membro do grupo social, nos dá uma base operacional mais ampla.(p.52)

E de forma eloqüente Perls, Hefferline e Goodman assim concluem o 3° capítulo da


2° parte de seu livro:

Nossa situação presente, seja para que esfera da vida que olhemos, precisa ser
vista como um campo de possibilidades criativas, ou é francamente intolerável. Ao
dissensitizar-se e inibir seus potenciais humanos mais belos, a maior parte das pessoas
parece se persuadir, ou se deixa persuadir, que esta situação é tolerável, ou mesmo
razoavelmente boa. Julgando pelos seus tipos de preocupações, parecem ter a concepção
de uma realidade que é tolerável, para a qual podem se ajustar com uma certa medida de
felicidade. Mas este padrão de felicidade é muito baixo, tão desprezivelmente baixo que a
gente se envergonha de nossa própria humanidade...
O fato é que de modo geral existimos numa emergência crônica, e que a maior
parte de nossas forças de amor e coragem, raiva e indignação, estão reprimidas ou
amortecidas.
Os que vêm mais aguçadamente, sentem mais intensamente, e agem mais
corajosamente, acabam se desgastando e estão sofrendo, pois é impossível que alguém seja
extremamente feliz até que sejamos mais felizes de modo geral. Ao mesmo tempo, se
entrarmos em contato com esta situação terrível, existe nisto também uma possibilidade
criativa (p.251).

No entanto, apesar deste aspecto interacional ser enfatizado na teoria mais básica da
Gestalt terapia, esta unidade organismo-meio, na prática dos trabalhos terapêuticos, tem
sido reduzida aos processos intrapsíquicos de cada um, ou, às relações entre o indivíduo e
seus outros significantes.*
John Frew (1992), num artigo intitulado “Da Perspectiva do Meio”, escreve :

A Gestalt terapia procurar transcender a dicotomia - central em outras abordagens


teóricas - que separa o indivíduo do seu meio circundante... ...infelizmente, apesar
de inegáveis boas intenções, a literatura da Gestalt terapia freqüentemente resvala
para um material descritivo que leva o leitor a pensar apenas em termos
individuais(p.39).

Cita por exemplo a famosa “curva do Zinker” – o ciclo de awareness excitação e


contato delineado por Zinker (1977) como uma curva ondeada, onde os episódios de
contato se desenvolvem a partir de sensações do indivíduo, passando pela awareness,
excitação e ação do indivíduo, para retornar ao ponto de retraimento.
Outro exemplo que cita é o da concepção de nosso equilíbrio organísmico como
sendo continuamente interrompido pela experiência de nossos desejos e necessidades, que
usualmente são preenchidos através de ações do indivíduo sobre o meio. E finalmente
aponta que, como terapeutas, tendemos a ver nosso objetivo terapêutico como o de elevar
a awareness individual. E conclui dizendo que é difícil escrever com uma linguagem que
reflita este “entre”, ou, usando a linguagem de Friedman (1985), “a esfera do entre como a

*
Uma exceção à isto foi o “Gestalt Community Action Project” (Projeto Gestáltico de Ação Comunitária) -
um grupo de Gestalt terapeutas que iam à centros de saúde de comunidades pobres e minoritárias, a fim de
fornecer treinamento em Gestalt terapia a seus profissionais, e assim desenvolver uma “Gestalt Social”
(Rubenfeld 1978), e o movimento “Psychotherapists for Social Responsability”( Psicoterapeutas pela
Responsabilidade Social) - , um grupo de terapeutas que buscava mobilizar pessoas quanto aos possíveis
perigos de uma guerra nuclear, através do uso de técnicas grupais utilizadas em psicoterapia (Rubenfeld 1986).
fonte central de cura”, escrevendo que “é nossa natureza adaptar a perspectiva do
indivíduo para a compreensão e descrição de nossos próprios processos e os processos dos
outros” (p.40). Frew desenvolve a seguir seu artigo, apontando como nós somos tanto
indivíduos como meio, se considerarmos que servimos como meio que pode responder ou
não às necessidades e desejos de outros, e discute o papel do Gestalt terapeuta como meio
em relação aos clientes, apresentando várias possibilidades, e.g., impositivo, competitivo,
confirmador ou co-dependente.
Outro autor, Raymond Saner, terapeuta suíço, membro do Instituto de Gestalt
Terapia de Nova York, e consultor da ONU para Ásia, África e outros países, num trabalho
intitulado “Bias Cultural da Gestalt Terapia feita nos EUA” (Saner, 1989), inicia seu artigo
com a seguinte afirmação : “Como Gestalt terapeuta europeu, preocupo-me com a ênfase
exagerada em valores e comportamentos individualistas de Gestalt Terapia
Americana”(p.57). Afirma que há uma ênfase na formação de gestalts individuais sem
atenção à gestalts e campos sociais, dizendo que, apesar da terapia gestáltica postular que a
energia para a formação figural vem de ambos pólos, organismo e meio, aplicado ao setting
terapêutico, fala-se mais da fenomenologia ou da patologia do paciente, do que de uma
fenomenologia interacional que reflita a situação existencial diádica de formação de
gestalts (p.60). Diz que existe uma grande ênfase no “eu” com uma evitação do “nós”. Ele
pergunta:

“Será esta exclusão de dinâmicas importantes do desenvolvimento... um resultado natural


da estrutura teórica eclética da GT, ... ou isto é indicador de uma preferência americana
por autonomia e independência emocional de qualquer organização social ou
institucional, sejam estas ‘intra’- ou ‘inter’- pessoais por natureza?”(p.59)

E afirma:

“É minha hipótese que a maior parte dos membros do movimento de Gestalt terapia
Americano, super enfatizaram a individualidade, porque não estão cônscios de sua

Ambos se iniciaram na região da baía de São Francisco na época em que eu lá vivia, e participei de algumas de
suas atividades.
predisposição cultural para o individualismo, com a aversão ou evitação de intimidade
mais duradoura, ou comprometimento mútuo, como corolário.”(p.59)

Saner pergunta sobre processos tais como os de valorar, de tomar decisões, normas
sociais e herança cultural, e usando um termo emprestado da psicanálise, afirma que
encontramos na Gestalt terapia “pouca informação sobre o socializado (civilizado)
superego”. Recomenda que devemos incorporar elementos que nos permitam melhor
considerar influências culturais no comportamento social e individual., sugerindo a
inclusão da Psicologia Social de Levin, da antropologia cultural, e de alguns aspectos do
neo-Freudismo tais como teorias de relações objetais, para que possamos realmente
“transformar a Gestalt terapia ‘made in USA’, em uma teoria transculturalmente válida da
organização e do desenvolvimento humano e social” (p.67).
E Gary Yontef (1992), um dos mais proeminentes teóricos atuais da GT, escreve
que o exame de processos e questões sociais, assim como de estruturas sociais, tem sido
muito pouco desenvolvido e negligenciado na teoria e na prática da GT, afirmando que
necessitamos tornar estes processos figurais.
Aqui no Brasil, Keila Macário Pavani procurou unir a Psicologia Social à
Psicoterapia. No trabalho intitulado “O Implícito e o Explícito na Praxis da Gestalt
Terapia: Contribuições das Ciências Sociais para uma Visão Holística” (1992), escreve que
o papel das psicoterapias tem sido freqüentemente o de desenvolver uma compreensão de
que conflitos e sofrimentos têm suas origens apenas na existência privada, como um
problema individual do sujeito e de sua família, e adverte:

“A não contextualização ou consideração de questões culturais e sócio-políticas,


impede que se conceitue claramente que homem e que mundo se toma como
referência quando falamos de individualização, bem estar, saúde, patologia, ajuda
e cura”(p.35)

Penso que esta é uma advertência extremamente importante pois corremos o risco
de, às vezes, sobrecarregar o indivíduo e seu mundo interno como fatores determinantes de
conflitos e situações que estão, de fato, além de sua responsabilidade.
Estes são alguns dos autores no campo da GT com os quais tenho compartilhado
preocupações sobre a necessidade de uma consideração mais efetiva de fatores sócio-
culturais em GT.
Minha história pessoal, de ter vivido em vários países e convivido com distintos
valores e culturas, me levaram a sentir uma grande necessidade de compreender processos
de diferenças culturais e diferenças de valores, pois passei pelos processos às vezes
solitários e dolorosos, de chegar a um lugar novo e ter que aprender a perceber, a dar
sentido a regras sociais implícitas, e a reconhecer valores não nomeados porém existentes
em uma sociedade. Tive portanto que aguçar minhas antenas para estes aspectos por uma
necessidade humana de pertinência, inclusão, troca, confirmação e convivência.
Também no consultório tenho sentido como a situação nacional que vivemos, de
deseperança, corrupção e recessão tem afetado pessoas agudamente. Me parece portanto
imperativo incluir atenção à estes fatores em nossa prática psicoterápica, assim como em
nosso papel potencial de facilitadores de cura em processos comunitários.
Nesse sentido encontrei no trabalho de David Feinstein e Stanley Krippner (1998a)
sobre “Mitologia Pessoal”, uma contribuição importante tanto à teoria como à prática da
Gestalt terapia, pois articula de forma consistente na prática da psicoterapia, dimensões e
fatores sócio-culturais, históricos e transgeracionais, com as noções de liberdade de escolha
e movimentos pessoais tão centrais à nossa fundamentação filosófica.

MITOLOGIA PESSOAL: UMA CONTRIBUIÇÃO RELEVANTE À TEORIA E À


PRÁTICA DA GESTALT TERAPIA

O que são mitos pessoais? No sentido usado por Feinstein e Krippner, não são
falsidades. “São modos pelos quais os seres humanos codificam e organizam suas vidas
interiores”( 1988b, p.27). São crenças profundas que guiam nossas vidas, e servem para
inspirar, orientar ações e escolhas, e dirigir o desenvolvimento pessoal. “É através dos
nossos mitos que interpretamos a experiência dos nossos sentidos, ordenamos novas
informações, encontramos inspiração e direções, e nos orientamos em relação a poderes no
universo que estão além da nossa compreensão”(1988b, p.27).
Nas sociedades primitivas, o indivíduo não existia como uma entidade à parte, os
mitos eram apenas culturais e não pessoais. Mas no que as sociedades foram se tornando
por demais complexas para que uma visão uniforme do mundo fosse aceita por todos os
seus membros, mitos pessoais foram se formando para cada indivíduo. Mesmo que mitos
culturais, vistos na TV ou vividos em festividades folclóricas, por exemplo, sejam
absorvidos pelo indivíduo, estes são absorvidos de modo único e individual por cada um.

“Os mitos pessoais estão geralmente fora de awareness, e são resultado da


influência do ambiente cultural, étnico, social e político, assim como da influência
familiar, das gerações passadas e de todos os eventos vividos pelo indivíduo, todas
as suas experiências, compartilhadas ou não por outros, filtradas pela
subjetividade única de cada pessoa. Assim alguns mitos pessoais são também mitos
grupais compartilhados, e outros são unicamente individuais. Mitos pessoais
servem ao indivíduo de modo semelhante à forma com que mitos culturais servem à
sociedade. A mitologia pessoal de uma pessoa inclui todos os pensamentos
interativos e às vezes conflitivos que esta tem sobre o mundo, tanto consciente
quanto inconscientemente. Estes pensamentos e sentimentos formam sua
compreensão do que é o mundo, e qual lugar pode nele ocupar. Estes mitos
formatam as ações das pessoas e as interpretações que conferem às suas
experiências” (Krippner, 1986, p. 454[324]).

Portanto:
“Mitos pessoais são modelos internos que, para o indivíduo, interpretam o passado,
explicam o presente e orientam o futuro... Mitos pessoais dizem respeito a questões
de identidade (Quem sou eu?), de direção ( Para onde vou?), e de objetivo ( Para
que vou?) (Feinstein e Krippner 1988b, p.29).

Como escrevem Feinstein e Krippner(1988a):


“A orientação silenciosa de sua mitologia pessoal confere significado a toda
situação que você encontra, e determina sua atitude em relação a ela. Sua
mitologia pessoal atua como uma lente que colore suas percepções, segundo seus
próprios valores e suposições, ressaltando certas possibilidades e obscurecendo
outras” (p.1).

Os mitos pessoais de uma pessoa podem ser conflitantes, e evoluem ao curso da sua
vida à medida em que novas experiências de vida se adicionam. A nossa compreensão do
mundo é constantemente revisada, e nossas mitologias internas se tornam complementares
ou conflitivas. Na medida em que somos desafiados pela vida a incorporar novas
informações e experiências, as pessoas ou adaptam suas mitologias internas para se
acomodar à estas novas informações, ou as reformulam. Portanto, ao compreender e tornar-
se “aware” de seus mitos latentes, as pessoas podem tornar-se menos limitadas e começar
a modificar padrões de vida que antes lhe pareciam incontestáveis. A awareness das
escolhas possíveis cresce quando se reconhece que padrões de nosso viver são dirigidos por
mitos internos que podem ser questionados e modificados.
Tenho dirigido workshops de Mitologia Pessoal e Gestalt em vários lugares, e me
dado conta de como esta perspectiva realmente provê um gancho de união tanto teórica
quanto prática, entre os aspectos psíquicos, e os aspectos sociais, culturais, étnicos e
familiares do comportamento. Esta conexão media o que temos de comum com nossas
culturas, famílias, etc com aquilo que temos de singular, único, de incomum, pois a
mitologia pessoal traz justamente a perspectiva de como estas influências são filtradas por
cada pessoa de maneira própria.
É interessante notar que em sessões de Gestalt terapia, perguntamos usualmente
aos nossos clientes “O que você sente?”, “Que sensação está presente?”, “O que você
experiência agora?,” mas muito raramente “Em que você acredita?”. Trabalhar nossas
crenças mais profundas, nossa mitologia pessoal, tem sido um caminho muito fértil que
tenho inserido em meu trabalho terapêutico, de estar encontrando um meio de trabalhar e
trazer à tona aspectos que usualmente não são considerados. Trabalhando com grupos com
características culturais semelhantes, tenho percebido como às vezes os mitos pessoais de
uma pessoa acabam assumindo a dimensão de mitos grupais, ao se revelarem
compartilhados por outros membros do grupo, o que tem enriquecido a “awareness” tanto
pessoal quanto grupal para a forte influência de fatores até então pouco considerados.
Tenho tido feedback dos que participaram destes trabalhos de quanto que estas descobertas
se constituíram em fontes de revelações das mais profundas e significantes sobre si às quais
não haviam chegado em terapias prévias.
Por exemplo, coordenando um workshop de Mitologia Pessoal e Gestalt em
Curitiba, Paraná, trabalhei com um grupo de pessoas de descendência européia, a maioria
de origem alemã.
Algumas destas pessoas, descobriram em suas mitologias pessoais o mito que tempo
para lazer era errado e pura proscratinação, que se deveria empregar o tempo livre em
trabalho e atividades úteis. Ouviam freqüentemente: “Tempo livre?! Costure suas meias,
faça um bolo, faça algo útil!”. Mas, na medida em que cada um compartilhou com o grupo
esse mito familiar e transgeracional, puderam notar que compartilhavam uma
comunalidade, que isto era na realidade, um mito coletivo, desconhecido até aquele
momento, que estava permeando tanto suas vidas pessoais como a sua dinâmica grupal.
Esta awareness foi muito liberadora, pois puderam redimensionar os aspectos funcionais e
disfuncionais que este mito lhes infligia.
Trabalhando com um grupo de descendentes de judeus europeus, o mito de ter
sempre que estar num estado de vigilância, sempre em alerta porque cedo ou tarde pode-se
ter que lidar com o inesperado – hostilidades, animosidades, e até deportação e fuga - era
comum. No entanto, isto foi uma surpresa para os participantes, pois não haviam se dado
conta até então, de como padrões de pensamento e sentimento de seus ancestrais e família
imediata, ainda estavam presentes em suas vidas.
Isto chamou a minha atenção para a relevância deste referencial para o trabalho
terapêutico com pessoas de diferentes culturas. Tornar-se consciente de sua mitologia
pessoal e cultural aumenta a habilidade do terapeuta de trabalhar com clientes de forma
culturalmente sensível. Podemos explorar nossa própria identidade cultural, valores e
vieses, e seu impacto nas nossas interações terapêuticas, na medida em que nos tornamos
mais sensíveis às mitologias sócio-culturais, valores e crenças de nossos clientes.
INTERAÇÃO DE MITOS CULTURAIS E PESSOAIS

Um belo exemplo desse tipo de preocupação no trabalho terapêutico, desenvolveu-


se na “Clínica de la Raza” em Oakland, na Califórnia.
A orientação filosófica da clínica foi desenvolvida por Roberto Vargas e Francisco
Hernandes e foi denominada “Razalogia” (Vargas, 1979, 1981). Sua proposição básica é a
de que serviços de saúde mental devem ser direcionados no sentido de ampliar a
capacidade de todas as pessoas de tornar mais saudável tanto a si mesmos, como à suas
famílias e comunidades.
A Razalogia criou o conceito do “El No” (O Não), que em termos de mitologia
pessoal, pode ser visto como um mega-mito que permeia as vidas individuais e coletivas
da comunidade pobre de imigrantes latinos, e eu diria, provavelmente de todas as minorias
sujeitas à discriminações. Por minoria eu me refiro a grupos de pessoas consideradas
minorias em termos de poder político e social nos países em que vivem.
“El No” é um instrumento conceitual para compreender a dinâmica pela qual a
discriminação e a opressão psico-cultural, instila nos oprimidos uma atitude de coibição em
relação ao seu poder pessoal e coletivo (Ciornai, 1983).

“O bombardeamento diário de mensagens racistas e negativas sobre as crianças,


as famílias e as comunidades latinas, vitimizam o oprimido com uma percepção
desvalorizante de si que conseqüentemente o faz sentir-se impotente ... atitudes de
apatia, competição, indiferença, insegurança, materialismo e impotência, são
conseqüências desta opressão internalizada” ( Vargas 1979).
Apesar de que Vargas não utiliza o termo “mito”, no meu entender esta atitude de
coibição é experienciada pelo indivíduo como mitos pessoais e coletivos internalizados.
“No puedo”, não posso (fazer o que outras pessoas fazem); “No quiero”, não quero ou não
gosto ( da família, da cultura); “No tengo”, não tenho (os atributos necessários para ter
sucesso na vida) ; “No soy”, não sou, (daqui, como os outros); “No valgo”, não valho ( e
portanto sou mal pago etc), e “No se”, não sei (o que outras pessoas sabem). O não posso
pessoal torna-se o coletivo não podemos, não temos etc., na medida em que a sensação de
falta de valor pessoal é generalizada para o grupo (Vargas 1979).
A partir desta compreensão, Vargas (1981) definiu os princípios da saúde mental
“progente”, literalmente significando saúde mental “parcial às necessidades do povo”,
onde o terapeuta procura facilitar a exploração e liberação do “El No” em uma percepção
pessoal e coletiva de “Si puedo” ou “Si podemos”- sim posso ou sim podemos.
Quando eu trabalhei neste centro de saúde mental, workshops de conscientização
pessoal e grupal eram organizados para a equipe. Estes workshops eram muito úteis por
várias razões: primeiramente, porque apesar de sermos todos de origem latina, haviam
várias subculturas dentro do contexto de uma mesma origem cultural e necessitávamos nos
familiarizar com estas diferenças; segundo, porque haviam vários níveis de aculturação e
contato com outras culturas entre nós; e finalmente, porque ao lidar com minorias, não
podíamos escapar ao fato de que a opressão externa freqüentemente se torna internalizada
inclusive nos terapeutas. Desta maneira, exploramos nossas identidades culturais , valores,
e nossos próprios preconceitos nestes workshops, tornando-nos mais sensíveis à estas
questões.
Me parece portanto que o conceito de Mitologia Pessoal de Feinstein e Krippner
pode potencialmente ser uma contribuição importante à Gestalt terapia, no sentido de
prover um enquadre articulado para a consideração de fatores pessoais e sócio-culturais
concomitantemente. Neste sentido, o trabalho de Carpenter e Krippner( 1990) “A Interação
entre Mitos Culturais e Pessoais nos Sonhos de um Artista Balinês”, é um bom exemplo de
como a Mitologia Pessoal provê um marco para esta interação. Neste artigo descrevem os
sonhos de um artista balinês, e como se deu uma combinação criativa entre seus mitos
pessoais e a tradição da mitologia cultural balinesa.
Carpenter e Krippner afirmam que apesar de que “poucos psicoterapeutas se deram
ao trabalho de explorar as raízes sociais dos sonhos de seus clientes, aqueles que o fizeram
o acharam de valor”(p.160). Insights úteis e poderosos podem resultar do exame da
interação entre mitos pessoais e culturais.
Em termos gestálticos, seria interessante observar a dinâmica figura-fundo entre os
elementos pessoais e culturais desta interação. Talvez às vezes mitos pessoais fiquem de
fundo para mitos culturais, e outras, mitos culturais fiquem de fundo para os pessoais.
Portanto a atenção do terapeuta flutuaria de acordo com a configuração figura-fundo entre
estes elementos.
Além disto, os conceitos e a metodologia de Feinstein e Krippner , são compatíveis
e possíveis de serem integrados ao marco teórico e metodológico da Gestalt terapia.
Um exemplo é o conceito de contra-mito, que é a estrutura que se opõe ao mito
prevalecente, e que geralmente emerge para fortalecer aspectos da personalidade que não
foram apropriadamente desenvolvidos, compensando desta forma as limitações do mito
antigo. Mesmo que no campo da “não awareness”, contra-mitos estão presentes
pressionando por expressão. Isto é muito similar ao conceito Gestáltico de polaridade.
Feinstein e Krippner( 1988a) afirmam que do confronto dialético entre o mito antigo e o
mito emergente, i.e., entre a continuidade com o passado e o envolvimento com novas
possibilidades, um novo mito resulta, que idealmente inclui as partes mais funcionais para
o indivíduo tanto do mito antigo quanto do contra-mito, o que é muito similar ao que em
Gestalt conceitualizamos como trabalho com polaridades.
Isto é estendido ao que denominam de processo de cinco estágios no trabalho com
mitos pessoais. Estes estágios são descritos como:

1) “Reconhecendo quando um mito - guia não é mais um aliado.”


2) “Focalizando as raízes do conflito mítico” - o que inclui a descoberta de contra-
mitos.
3) “Concebendo uma visão mítica unificadora.” Este estágio diz respeito ao
estabelecimento de um diálogo interno entre o mito prevalecente e o contra-mito, iniciando
um processo de interação dialética entre esta polaridade.
4) “De visão à comprometimento.” Neste estágio chega-se a uma resolução mítica,
escolhendo-se um novo mito-guia.
5) “Tecendo uma nova mitologia na vida cotidiana.” Neste estágio experiencia- se o
novo mito , aplicando-o à situações da vida cotidiana.
Tenho entremeando Mitologia Pessoal em minha prática como Gestalt terapeuta,
percebendo as duas abordagens complementares e harmônicas.
Minha experiência tem sido de que o trabalho de Mitologia pessoal provê
instrumentos conceituais e metodológicos para lidar com o que eu estava descrevendo na
primeira parte deste trabalho: a necessidade de efetivamente considerarmos fatores étnicos,
socioculturais e transgeracionais em Gestalt terapia. Ou, utilizando uma linguagem
gestáltica, eu poderia dizer que necessitamos buscar estes fatores no “fundo” e torná-los
“figura”, entremeando-os com nosso foco nos processos pessoais de nossos clientes, a fim
de que nosso trabalho seja uma abordagem holística que realmente mereça ser assim
denominada.

A NECESSIDADE DE UMA COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA MAIS EFICAZ EM

GESTALT TERAPIA

Uma insatisfação de ordem diversa, que tenho compartilhado com outros


gestaltistas, é a necessidade de uma compreensão diagnóstica mais ampla dentro da
abordagem Gestáltica. Esta necessidade caracteriza muito do que tem sido a Gestalt terapia
dos anos oitenta e noventa, e tem sido expressa na literatura da Gestalt terapia por vários
autores, entre os quais Deslisle (1991,1993), Frazão(1991,1992), Jacobs(1992), Tobin
(1982, 1985) e Yontef (1981,1983,1987,1992).
Na medida em que a Gestalt terapia passou dos anos sessenta para os oitenta,
passou de uma “cultura de workshops”, com sua ênfase em trabalhos curtos e intensos, para
uma prática de processos terapêuticos longos e contínuos. Estes exigiam reflexões teóricas
mais profundas, tais como a consideração de fatores temporais, a consideração de como as
observações do terapeuta se modificam ou se reforçam ao longo do tempo, e a atenção à
padrões repetitivos, seqüências, e estágios na relação cliente-terapeuta.
Os conceitos Gestálticos de disfunções de contato - projeção, introjeção,
retroflexão, etc., (Perls 1973, Polster & Polster 1974), e de interrupções no ciclo de


(Nota escrita em 7/96) Como este trabalho foi escrito a quatro anos atrás, algumas coisas já não
correspondem ao meu pensamento atual. Hoje, ao invés de “diagnóstico”, prefiro falar em “compreensão
clínica”, que me parece um termo mais abrangente, que possibilita um texto mais longo do que comumente se
entende por diagnóstico. Sob esta perspectiva, a lista de autores citados sem dúvida seria mais ampla.
contato-retraimento (Perls, Hefferline & Goodman 1951, Zinker 1977), necessitam ser mais
desenvolvidos em direção a um marco teórico que possa fundamentar um pensamento
diagnóstico por parte de Gestalt terapeutas.
Há uma necessidade de compreender a partir de que parâmetros indivíduos
organizam suas experiências e estabelecem relações de significado entre elas, como se
articulam e se configuram os padrões de relacionamento do indivíduo consigo mesmo, com
os outros e com o mundo, e de como estes padrões, muitas vezes repetitivos e
internalizados, articulam-se em “gestalts” mais amplas que ficam de “pano de fundo” em
nossas vidas.
Tobin (1982), escreve sobre a necessidade de uma compreensão em nível estrutural
das dificuldades pessoais. Yontef (1981) em um artigo intitulado “Mediocridade e
Excelência: Uma Crise de Identidade no Treinamento --em Gestalt Terapia”, escreve que
necessitamos de uma teoria diagnóstica e de desenvolvimento que possa nos fornecer uma
compreensão da estrutura de caráter de nossos clientes, defendendo a inclusão de
pensamento diagnóstico no treinamento de Gestalt terapeutas. Em 1983, em “Resposta a
Tobin”, afirma que necessitamos relacionar a interação presente do cliente ao background
histórico-experiencial que se reflete no presente.
Retornamos portanto à questão do fundo. Como Frazão( 1991) escreve em seu
trabalho sobre pensamento diagnóstico em Gestalt terapia, “é necessário buscar no fundo,
no duplo sentido que a palavra pode ter, a compreensão da figura que nos afigura em nosso
contacto com o cliente.”
Alguns Gestalt terapeutas estão atualmente tentando preencher esta sentida lacuna ,
através da integração da Gestalt terapia com compreensões provenientes das teorias das
relações objetais, que mudaram a ênfase psicanalítica em uma teoria pulsional para uma
teoria relacional.
Porém, como assimilar estas perspectivas diagnósticas e psicanalíticas, sem perder a
coerência com os fundamentos filosóficos da Gestalt terapia ? Esta questão tem sido
discutida (Alexander et al. 1992; Breshgold e Zahm 1993; Frazão 1992; Jacobs 1993;
Yontef 1998). Outros Gestalt terapeutas pensam em termos de compreensão e categorias
fenomenológicas (Penteado 1990; Rehfeld 1991,1993) . Naranjo (1989) propõe uma
integração das categorias diagnósticas protoanalíticas de Oscar Ichazo com a Gestalt
terapia. Acredito que a Mitologia Pessoal, com seus conceitos de mito-guia, mega-mito,
contra-mito e constelações míticas, também nos fornece um marco compreensivo que pode
nos ajudar a apreender os universos das interioridades de nossos clientes.
Ressalto aqui que em Gestalt terapia, ao falarmos de pensamento diagnóstico,
estruturas de caráter ou dificuldades estruturais, não nos referimos à estruturas estáticas
pré-existentes às experiências , mas a processos que, tendo uma organização interna,
podem apresentar elementos ou aspectos que continuam a se repetir. Estamos sempre
falando de processos dinâmicos, em desenvolvimento e em transformação, de estruturas
que podem estar constantemente em processo. Em Gestalt terapia, funcionamento saudável
é definido como funcionamento criativo, como um constante fluir de energia. É exatamente
quando processos de crescimento saudável e criativo são interrompidos e cristalizados em
padrões crônicos de pensamento, sentimento e/ou comportamento, que estamos lidando
com funcionamento não saudável, com padrões neuróticos ou patológicos.
É importante portanto, compreender melhor o fundo de onde o que eu percebo
como figura em meus contatos com os clientes pode emergir. Necessito olhar no fundo, no
duplo sentido da palavra como diz Frazão, para ver e perceber melhor o que é presente.
Preciso tornar visível o que está invisível, e o que era fundo, em figura da atenção tanto
do terapeuta como do cliente.
Em resumo, me parece que em relação à questão da compreensão diagnóstica, da
necessidade de apreensão do universo subjetivo e interno do cliente com todas as suas
sutilezas, uma visão que transcenda a figura imediata de awareness e que penetre nos
mistérios do background da pessoa, é necessária à prática da Gestalt terapia.

POSSIBILIDADES DE CONSIDERAR COMPLEXIDADES SIMBÓLICAS NA


FORMAÇÃO FIGURA-FUNDO ATRAVÉS DO TRABALHO DE ARTE


(Nota escrita em 7/96) Gostaria de acrescentar à esta lista os trabalhos de Fátima Barroso ( 1991,1992 ).
Desenvolvi como arte terapeuta que também sou, experiências onde me utilizo de
recursos artísticos e expressivos para explorar e melhor entender a situação existencial de
meus clientes; por exemplo, pedindo um desenho que expresse como a pessoa se sente. Me
percebo me surpreendendo a cada vez com a riqueza e complexidade simbólica das
imagens que surgem, com a riqueza e diversidade das formas do mundo interno de cada
um, e com a complexidade das possíveis danças entre figuras e fundos que se apresentam e
se revelam inusitadamente.
O uso de linguagens não verbais e recursos artísticos não é novo na prática da
Gestalt . Fritz Perls foi pintor e teve experiências com teatro; Laura Perls foi dançarina;
Paul Goodman foi poeta e escritor. Experimentos gestálticos com freqüência usam recursos
plásticos, expressão corporal e dramatização em sua prática.
Na arte, figura-fundo não é um modelo de compreensão ou uma metáfora ; pode ser
visto e sentido concretamente. Da mesma forma, as ambigüidades de uma pessoa,
experiências que não podem ser traduzidas em palavras por serem predominantemente
sensoriais ou imagéticas, podem ser expressas. As artes permitem a expressão de uma
diversidade e simultaneidade de níveis de significados, que usualmente caracteriza nossas
experiências subjetivas e internas. Assim me parece que a exploração destas realidades
através de recursos artísticos, pode facilitar nossa apreensão das riquezas e complexidades
que se encontram tanto no que é figural, no que é fundo em nossas vidas, assim como nas
danças e interações entre figura e fundo que ocorrem durante nossos processos de vida.

A NECESSIDADE DE REVISAR O CONCEITO DE “FUNDO” EM GESTALT


TERAPIA

Precisamos portanto olhar mais atentamente para o que chamamos de “fundo” em


Gestalt terapia, que eu vejo como um “pano de fundo” carregado para as figuras de nossas
vidas.
“Fundo” tem sido um conceito tão amplo quanto vasto em Gestalt terapia. Abarca
um espectro do que é irrelevante ao que é relevante; de dinâmicas e processos internos
nunca reconhecidos e raramente percebidos (gestalts ocultas de difícil acesso), a conteúdos
mais fácil e rapidamente dados à percepção.
Em termos de conceituação da psicologia da Gestalt, nem a figura nem o fundo têm
existência própria, mas estão sempre em coexistência dinâmica (Perls,Hefferline &
Goodman 1951,p.25; Yontef 1992). No entanto, alguns autores têm escrito sobre o perigo
de se transpor ao pé da letra as noções de figura e fundo das teoria da percepção da
psicologia da Gestalt, para a compreensão da Gestalt terapia de funcionamento humano.
Melnick (1990), escreve:

“A Gestalt terapia tem se apoiado maciçamente nas teorias da percepção dos


psicólogos da Gestalt,” [e estas] “ têm uma limitação em relação a serem
generalizadas para ... as complexidades do comportamento humano... O que são
no máximo metáforas criativas, têm sido incorretamente tratadas como axiomas
inquestionáveis. A simples análise de figura e fundo, não lida eficazmente com
valores, com os processos de relacionamento e sentido ... com conteúdos
complexos, objetivos a longo prazo, passado e futuro, e a continuidade da
experiência de figura à figura” (p.103).

E estes são aspectos que devem ser levados em conta em psicoterapia,


especialmente em terapias mais duradouras.
Já Sherrill (1986), em um artigo sobre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt terapia,
escreve que à exceção de Goldenstein, os psicólogos da Gestalt usavam a terminologia de
figura e fundo apenas para descrever os processos de percepção visual, observando que :

“ampliamos figura/fundo para incluir eventos internos tais como imagens e idéias...
Escolhemos ampliar conceitos, e arriscamos imprecisão, na esperança de
resultados frutíferos na compreensão do amplo âmbito de funcionamento das
pessoas” (p.60, 61).
Fui procurar então o livro dos Polsters ( Polster & Polster 1974), outro livro
respeitado por todos, e para minha surpresa encontrei a mesma crítica quanto à
transposição direta e automática de conceitos da teoria da percepção da psicologia da
Gestalt à Gestalt terapia. Dizem eles:

“O que estamos chamando de figura ou de fundo, é algo muito maior do que


as simples atividades perceptuais de que os psicólogos da Gestalt falavam....
A totalidade da vida de um indivíduo é de certa forma, “fundo” para o seu
momento presente” (Polster & Polster, 1973, pp 31,32)

Eles relacionam três aspectos que compõem o fundo assim concebido:

1) Experiências vividas anteriormente: todas as vivências concretamente


vividas pelos indivíduos, que vão lhe dar suporte para experiências futuras
compondo a riqueza e fertilidade do “fundo de suas vida”, assim como os
valores, tabus, filosofia de vida, religião, mitos, processados e digeridos pelas
suas individualidades ou internalizados de forma automática.

2) Situações inacabadas : em Gestalt terapia chamamos de situações


inacabadas aqueles eventos da vida que, por serem muito traumáticos, e
portanto não tendo podido ser resolvidos na época de forma satisfatória,
ficaram em nossas mentes como situações inacabadas. Os Polsters escrevem
que temos a capacidade de acumular uma infinidade de situações inacabadas,

“... porque no curso de nossas vidas não se pode evitar ficar com
várias delas. No entanto, apesar de poder-se tolerar uma quantidade
considerável de experiências inacabadas, estas direções incompletas
procuram completude, e quando adquirem força, o indivíduo é assolado
por preocupações, comportamento compulsivo, ansiedade, energia
opressiva e atividades auto- destrutivas ... o fechamento deve-se dar
através ou de um retorno à situação antiga, ou relacionando-a à
circunstâncias paralelas no presente” (Polster & Polster 1974, pp36,37)
Por exemplo, uma pessoa pode nunca ser capaz de confrontar seu
verdadeiro pai, mas pode fazê-lo ou através do confronto com outras pessoas,
ou através da fantasia de interagir com o pai imaginário. Uma vez que um
fechamento tenha sido alcançado, e a situação inacabada possa ser plenamente
experienciada no presente, a pessoa é livre para caminhar no presente com toda
a sua energia , e com abertura a novas possibilidades.

3) O fluir da experiência presente: este item refere-se à necessidade de “por


entre parênteses” aqueles pensamentos, impulsos etc., que temos enquanto
estamos envolvidos em alguma experiência. Pensamentos que pomos de lado
ao ouvir alguém falar, um desejo de perguntar ou dizer algo enquanto ouvimos
uma palestra, uma reação que seguramos enquanto algo está acontecendo,
guardando o que for que esteja emergindo para manifestar-se em ocasião
apropriada ou no momento adequado.

Portanto podemos ver que o que guardamos no “fundo”é muito mais do que o que
foi concebido pelos psicólogos da forma.
Quando falamos de “fundo” em termos apenas de percepção visual, no que uma
figura se abrilhanta e emerge com toda sua energia, na terminologia da psicologia da
Gestalt pode-se dizer que o fundo praticamente se esvazia. Mas quando falamos de seres
humanos, os elementos que compõem o fundo não são externos nem concretos, mas
internos e muitas vezes subjetivos, o que demarca uma diferença importante que necessita
ser levada em conta.

CONCLUSÃO

Creio que na teoria e na prática da Gestalt terapia temos negligenciado uma atenção
apropriada a aspectos do fundo que são mais obscuros e de mais difícil acesso, tais como os
mencionados anteriormente neste trabalho: nossa história de vida e nossas experiências
anteriores, nossas influências socio-culturais, nossa mitologia pessoal com seus mitos,
contra-mitos e mega-mitos, às vezes nem vislumbrados, padrões de sentir e de nos
relacionar que estão fora de “awareness”, assim como valores, sonhos, fantasias, feridas
internas, e outras partes de nosso universo interior, organizadas em gestalts maiores e
freqüentemente ocultas. Ao trabalhar em grupos, muitas vezes me surpreendo ao me
perceber entrando em contacto com aspectos meus eliciados pelo trabalho de outros, e que
dificilmente viriam à tona se eu estivesse trabalhando sozinha. Outros, de mais difícil
acesso, emergem apenas em trabalhos delicados e mais longos, processos terapêuticos mais
contínuos.
Creio que necessitamos hoje, de uma atenção mais voltada para o social, o
econômico, e para o momento nacional em que vivemos , porque estão diretamente
afetando nossas vidas, tanto do ponto de vista pessoal quanto grupal. Noto que face à forte
recessão econômica que vivemos as pessoas hoje se encontram menos; nós nos enrustimos,
nos entristecemos enquanto grupo social. Já não se escutam mais no Brasil tantas piadas
quanto antigamente. É freqüente em situação de consultório ouvir as dificuldades
financeiras encontradas e como isso tem afetado a auto-estima das pessoas. Recentemente
ouvi de um cliente que embora se sentisse como um cavalo branco altivo, indomável,
vigoroso e potente interiormente, sentia -se também sem valor, como um cansado pangaré,
massacrado e impotente, com a cabeça baixa frente às pressões que vem sofrendo, tendo
que exercer trabalhos abaixo de sua capacidade para sobreviver.
Acredito que a situação nos Estados Unidos e na Europa também são preocupantes.
Existe uma forte recessão nos Estados Unidos e na maioria dos países Europeus; existem
guerras na Europa Oriental; há um crescimento preocupante de movimentos nazi-fascistas
por toda a Europa que afeta a vida das pessoas e são uma ameaça a todos nós como
comunidade global.
Necessitamos incluir este foco em nossa prática , porque se não o fizermos, nosso
papel de ajuda será distorcido e diminuído.
Creio também que necessitamos de uma atenção delicada para a complexidade que
constitui nossos mundos internos, para como fomos construindo e elaborando nossas
paisagens e realidades internas, para poder nos deter com mais atenção na tessitura do
pano de fundo de onde emergem as figuras do nosso viver, com suas linhas, suas tramas,
seus nós e seus esgarços. Pano este existente e em transformação, sempre fazendo-se e
refazendo-se, mágico e misterioso, onde encontramos nossas histórias, nossas estórias,
nossos mitos, nossos sonhos - os cantos e encantos de nossas vidas. Como o vestido de
noiva de Narizinho ao casar-se com o Príncipe das Águas Encantadas no livro de Monteiro
Lobato, um pano cheio de peixinhos vivos e de cores que sempre se alteram - um pano
vivo, mas que era um vestido de casamento, tinha uma identidade.
Retorno então ao título deste trabalho. Necessitamos em Gestalt terapia mais
atenção ao fundo que serve de pano de fundo às figuras do nosso viver, a fim de que
possamos ter uma compreensão verdadeiramente holística e profunda da existência de
nossos clientes. Tenho encontrado na Mitologia Pessoal de Feinstein e Krippner um
caminho para isto que me parece frutífero. Porém, acredito que outros caminhos possam
também ser descobertos por Gestalt terapeutas, e incorporados à nossa prática, na medida
em que as preocupações que listei neste trabalho possam ser a propriamente examinadas e
levadas em conta. Necessitamos de abordagens terapêuticas que considerem
simultaneamente aspectos sociais e espirituais de indivíduos e comunidades. A este
respeito, acredito que a Gestalt terapia, que teve um papel tão importante nos movimentos
de contra-cultura dos anos sessenta, possa também agora, quando adentramos o século 21,
ter um papel inovador e revolucionário.

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