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II CONGRESSO INTERNACIONAL E IV CONGRESSO NACIONAL


MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
ISSN: 2525-4588

 A busca da unidade na diversidade


 04 aDepartamento
06 de setembro de 2018
de Ciências da Educação
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas

U
UESC
ESC
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
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COORDENAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO CONGRESSO

Drª Arlete Ramos dos Santos, DCIE/GEPEMDEC/CEPECH/UESC


Drª Julia Maria da Silva Oliveira, DCIE/ CEPECH/UESC
Drª Lívia Andrade Coelho, DCIE/CEPECH/UESC

COMITÊ CIENTÍFICO

Dr. Allan Rocha Damasceno, LEPEDI/UFRRJ


Drª Amone Inácia Alves, UFG
Drª Arlete Ramos dos Santos, UESC
Drª Artemisa Odila Candé Monteiro, UNILAB
Especialista Deusdete Viana Baião, Rede Municipal de Educação/Porto Seguro
Drª Edilene Machado Pereira, Faculdade Visconde de Cairú/BA.
Dr. Emerson Antônio Rocha Melo de Lucena, UESC
Drª Fabiana de Lima Peixoto, UFSB
Drª Fernanda Barros, UFG
M.e Flavione Alves Ferreira, Rede Municipal de Educação/Porto Seguro
Drª Francisca Verônica Cavalcante, UFPI
M.e. Henrique Restier da Costa Souza, IESP/UERJ
Drª Janaína de Figueiredo, PUC/SP
Dr. Joaquim Luís Medeiros Alcoforado, Universidade de Coimbra/Portugal
M.e. José Carlos Oliveira Chaves, UFBA
Dr. José Paulo Pietrafesa, UFG
M. a. Juliana Loureiro, UFRJ
Drª Lia Pinheiro Barbosa, UECE
Drª Livia Andrade Coelho, UESC
Drª Luzeni Ferraz de Oliveira Carvalho, UNEB
M. a. Luzineide Borges Miranda, UESC
M.e. Marcos Salviano Bispo Queiroz, PUC/SP

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Drª Maria Isabel González Terreros, Universidad Pedagogica Nacional de


Colômbia/Colômbia
Drª Mighian Denea Ferreira Nunes, UNILAB
Dr. Neilton Castro da Cruz, Rede Municipal de Educação/Porto Seguro
Drª Paulina Elena Villasmil Socorro, Universidad Nacional Experimental Rafael
María Baralt/Venezuela
Dr. Ramofly Bicalho dos Santos, UFRRJ
Drª Silvana Lúcia da Silva Lima, UFRB
DrªSílvia Maria Melo Gonçalves, UFRRJ

COMITÊ EDITORIAL

Drª Julia Maria da Silva Oliveira, CEPECH/UESC


Drª Maria Nalva Araujo, UNEB
Dra. Lia Pinheiro Barbosa, UECE
Drª Silvana Lucia da Silva Lima, UFRB

SECRETARIA EXECUTIVA

Monitores/as (discentes regularmente matriculados nos cursos de licenciatura da


UESC)
Estudantes do Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Formação
de Professores da Educação Básica, UESC
Estudantes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais, Diversidade
e Educação do Campo – GEPEMDEC/CEPECH/DCIE/UESC

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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS- EJA E AS CONTRIBUIÇÕES


FREIREANA NA PRÁTICA DOCENTE

Luan Menezes dos Santos*


Bruno de Azevedo Santana Guimarães

Resumo
O tema deste artigo é as contribuições do autor Paulo Freire para a Educação de
Jovens e Adultos- EJA. Analisamos os saberes necessários para o professor que
deseja trabalhar com alunos dessa modalidade. Ao longo de sua trajetória, Freire
mostrou que os educadores de alunos jovens e adultos devem, além de seu papel
político de ajudar a desvelar o mundo, a fazer uma leitura crítica da realidade e buscar
elementos necessários à intervenção na sociedade, proporcionar aos educandos os
saberes necessários à leitura e escrita da palavra e a sua consequente apropriação
como instrumento desencadeador de novos conhecimentos que possibilitem formas
competentes de atuação nos contextos em que estão inseridos.

Palavras- chave: Educação de Jovens e Adultos. Ensino. Aprendizagem. Paulo


Freire.

* Graduado em Pedagogia pela União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime) - Campus Itabuna;
Especialista em Gestão no Trabalho Pedagógico pela Faculdade Vale do Cricaré (FVC). E-mail:
luann_menezes@hotmail.com
 Especialista em Metodologia de Ensino em Português e Literatura pela Uniasselvi. Graduado em Comunicação

Social - Jornalismo, pela União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime). Mestrando em Letras, Linguagens
e Representações pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
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Introdução

A Educação de Jovens e Adultos - EJA tem no legado de Paulo Freire a


referência para o desenvolvimento de uma prática pedagógica transformadora. Freire
foi considerado um dos grandes educadores brasileiros, suas obras foram traduzidas
em dezenas de línguas, para o autor, o aluno é um sujeito historicamente situado, a
meta da instituição de ensino é prepará-lo para ser agente de transformação.
A EJA constitui uma modalidade educativa estruturada a partir da constatação
de que seus sujeitos trazem consigo um conjunto de vivências e saberes que devem
ser tomados como norteadores das práticas pedagógicas (FREIRE, 1978, 1992,
1999). Sua proposta educacional, parte de uma análise crítica da realidade e tem
como eixo central o contexto sócio, político, econômico e cultural da sociedade.
Assim, atentando-se para tais especificidades inerentes ao campo da EJA,
presume-se que o perfil do profissional que atua nessa modalidade deve também ser
diferenciado. Entretanto, a discussão acerca das bases teóricas fundamentais para a
formação dos educadores de jovens e adultos permanece sem parâmetros que
possam orientá-la (ARROYO, 2006; VÓVIO, 2010).
Para além dessas preposições, cabe destacar que a singularidade dessa
modalidade educativa em relação às outras que exige uma dinâmica própria do
público que ela atende. Quando nos referimos ao educando jovem e adulto, não nos
atentamos a qualquer sujeito vivenciando a etapa de vida jovem ou adulta, e sim a um
público particular e com características específicas: sujeitos que foram excluídos do
sistema escolar (possuindo, portanto, pouca ou nenhuma escolarização); indivíduos
que possuem certas peculiaridades socioculturais; sujeitos que já estão inseridos no
mundo do trabalho; sobretudo, sujeitos que se encontram em uma etapa de vida
diferente da etapa da infância (OLIVEIRA, 2001). O reconhecimento de tais
especificidades também foi salientado por Silva (2010),

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Diante da proposição de se trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos –


EJA depara-se, de pronto, com uma necessidade real de olhar para esses
sujeitos de maneira diferenciada da comumente associada aos estudantes
que seguem uma trajetória escolar quando crianças e adolescentes. As
pessoas jovens e adultas, ao retornarem aos espaços de educação formal,
carregam consigo marcas profundas de vivências constitutivas de suas
dificuldades, mas também de esperanças e possibilidades, algo que não
deveria ficar fora do processo de construção do saber vivenciado na escola
(p.66).

Frente ao exposto, não se pode desconsiderar que esses alunos jovens e


adultos possuem uma grande bagagem de conhecimentos, construída ao longo de
suas histórias de vida. Eles trazem consigo saberes, crenças e valores já constituídos,
e é a partir do reconhecimento do valor de suas experiências de vida e de suas visões
de mundo que cada aluno jovem ou adulto pode apropriar-se das aprendizagens
escolares de modo crítico e original, na perspectiva de ampliar sua compreensão e
seus meios de ação e interação no mundo. Tal assertiva é defendida por Freire (1992):

O que tenho dito sem cansar, e redito, é que não podemos deixar de lado,
desprezado como algo imprestável, o que educandos [...] trazem consigo de
compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na
prática social de que fazem parte. Sua fala, seu modo contar, de calcular, de
seus saberes em torno da saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte,
da força dos santos, dos conjuros (p. 85-86).

Ao longo de sua trajetória, Freire mostrou que os educadores de alunos jovens


e adultos devem, além de seu papel político de ajudar a desvelar o mundo, a fazer
uma leitura crítica da realidade e buscar elementos necessários à intervenção na
sociedade, proporcionar aos educandos os saberes necessários à leitura e escrita da
palavra e a sua consequente apropriação como instrumento desencadeador de novos
conhecimentos que possibilitem formas competentes de atuação nos contextos em
que estão inseridos (MOURA, 1999).
A partir das questões apresentadas, pode-se afirmar que a tarefa destinada aos
educadores de alunos jovens e adultos exige deles um perfil plural, múltiplo e, mais

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do que isso, flexível, movediço. Assim, em razão desse perfil diferenciado, torna-se
necessário um estudo sobre os desafios inerentes à formação do educador de jovens
e adultos.
Diante do contexto apresentado, as reflexões acerca das práticas pedagógicas
voltadas para a EJA, trazem à tona, como implicação direta, alguns questionamentos
relacionados à formação dos educadores nessa modalidade de ensino, dentre eles
procuramos buscar respostas para quais são as bases teóricas necessárias para a
formação desses educadores.

1. A valorização dos saberes discentes da EJA

Iniciaremos abordando sobre a importância da valorização dos saberes


discentes no processo de ensino aprendizagem da EJA. A educação de jovens e
adultos é uma modalidade de ensino em que os alunos iniciam seu processo de
escolarização tardiamente ou retornam à escola após um período de suspensão das
suas atividades acadêmicas, não realizando seus estudos na idade apropriada.
Considerando como eixos da EJA trabalho, cultura e tempo, destacamos nessa
modalidade de ensino a importância de uma aprendizagem significativa, que
possibilite a (re)construção de saberes, valorizando suas experiências de vida. O foco
do trabalho está na formação permanente e preparação para o trabalho e exercício
da cidadania.
Essa modalidade que, por muitos anos, foi infantilizada necessita de um modelo
pedagógico adequado às características de seu alunado, favorecendo a reconstrução
de seus conhecimentos por meio da valorização de suas experiências, possibilitando
o desenvolvimento da autonomia para que jovens e adultos possam ocupar seu lugar
na sociedade.

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São muitas histórias de vida marcadas por diferentes saberes, culturas e pela
heterogeneidade, que são socializados no espaço escolar, após percorrem todo um
caminho onde foi acumulada uma multiplicidade de saberes de áreas diversas. Tal
assertiva constitui uma das principais premissas defendidas por Paulo Freire, que
argumenta que as práticas pedagógicas devem considerar o contexto de vida dos
educandos como conteúdo básico, levando-os a se compreenderem como seres
culturais, originários e produtores de cultura (FREIRE, 1978, 1992, 1999).
O seu perfil traz como ponto de partida, os atos mais simples e elementares da
vida, tais como: circular dentro da cidade, tomar ônibus, ler a bíblia, fazer compras,
ajudar os filhos nas tarefas escolares, viver as relações estabelecidas no seu grupo
social (família, trabalho, comunidade, igreja), buscar a inserção no mercado de
trabalho, querer melhoria de vida, buscar atualização no espaço de trabalho e etc.
Essas vivências permitem que tenham experiências bastante diversificadas e
busquem, via escolarização, a melhoria de sua condição de vida.
São detentores de muitas histórias de vida e expectativas em relação ao seu
processo de escolarização, as condições de vida e conhecimentos são variadas, é
desejável um professor com perfil para trabalhar na EJA que leve em conta a
heterogeneidade de seus alunos, as características da vida adulta e os diferentes
estilos de aprendizagem, um profissional que valorize a formação continuada.
Nas cidades, as escolas para jovens e adultos recebem alunos e alunas com
traços de vida, origens, idades, vivências profissionais, históricos escolares, ritmos de
aprendizagem e estruturas de pensamento completamente variados. A cada realidade
corresponde um tipo de aluno e não poderia ser de outra forma, são pessoas que
vivem no mundo adulto do trabalho, com responsabilidades sociais e familiares, com
valores éticos e morais formados a partir da experiência, do ambiente e da realidade
cultural em que estão inseridos (BRASIL, 2006).
Nesse sentido, a escola é o espaço privilegiado para a cultura, que considera
possível construir a “unidade na diversidade” (FREIRE, 1994, p. 157). Nessa
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perspectiva, a nossa missão é construir conhecimento por meio de metodologias


diferenciadas que promovam uma educação emancipadora e dialógica. Estatísticas
apontadas pelo MEC demonstram que os alunos da EJA, em sua maioria, apresentam
baixo poder aquisitivo, baixa autoestima que, muitas vezes foram geradas pelo não
sucesso escolar.
A valorização dos saberes desses jovens e adultos implica em mecanismos
que possam combater a discriminação e a exclusão da sociedade. A qualificação
implica uma melhor expectativa de vida para todos.
Somente o diálogo é

capaz de conceber noções ao mesmo tempo complementares e


antagonistas, e completará o conhecimento da integração das partes em um
todo, pelo reconhecimento da integração do todo no interior das partes
(MORIN, 2011, p. 93).

É necessário conhecer a individualidade, a realidade de cada aluno, a fim de


que possamos renovar seu pensamento e regenerar o ensino. Dessa forma, Morin
(2011) descreve pontos importantes relacionados à missão de ensinar, como: levar os
alunos a contextualizar e distinguir os problemas multidimensionais; prepará-los para
compreender a crescente complexidade dos problemas, prepará-los para enfrentar as
incertezas, educando-os para a compreensão humana e ensinando a cidadania.
Nesse sentido se faz necessário um ensino na EJA mais comprometido e
problematizador gerando maior significado sobre aquilo que será trabalhado com o
aluno, pois, segundo VEIGA (2007, p. 13) “o processo didático tem por objetivo dar
resposta a uma necessidade: ensinar. O resultado do ensinar é dar respostas a uma
necessidade: a do aluno que procura aprender. Ensinar e aprender envolve o
pesquisar”.

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2. Educar na EJA

O professor em sua formação profissional necessita que lhe sejam propiciadas


condições para que futuramente possa dispor de recursos cognitivos pertinentes, de
saberes, de capacidades de informações, de atitudes, de valores e consiga-os
mobilizar em momentos oportunos, sendo fundamental nesse processo a formação
continuada e a reflexão sobre a prática.
Em primeiro lugar, é preciso ter claro o que diferencia a educação de crianças
da de jovens e adultos, para aí também esclarecermos nosso papel de educadores
junto a esses grupos. E não há como pensarmos no papel da educação junto a esta
faixa etária, sem pensarmos quem são estes sujeitos.

Partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno
deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto
a outro e não ficar, permanecer. Jamais disse, como às vezes sugerem ou
dizem que eu disse, que deveríamos girar embevecidos, em torno do saber
dos educandos, como mariposas em volta da luz. Partir do ‘saber de
experiência feito’ para superá-lo não é ficar nele (FREIRE, 1992, p. 70-71).

Falar de EJA é reconhecer os diferentes grupos sociais que não são


escolarizados e seus saberes, reconhecer suas diferenças e semelhanças em relação
a outros grupos ou aos letrados. Com certeza, grupos muito mais heterogêneos que
os de crianças, para os quais o mundo ainda está se apresentando. Homens e
mulheres já têm construídas visões de mundo, já tem suas estruturas mentais
elaboradas a partir das quais compreendem o mundo e o si mesmos no mundo.
Ou seja, é imprescindível que os educadores procurem conhecer seus
educandos, suas características, suas culturas, suas expectativas, além de suas
necessidades de aprendizagem. Cabe ressaltar que estas não estão desvinculadas
das necessidades básicas da população. Nesse contexto, “a EJA deve perguntar
primeiro que realidade há de transformar, e depois o que pode fazer a educação para
que essa transformação seja de melhor qualidade” (SOARES, 2001, p. 211-212). Para
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tanto, Freire afirma que é fundamental que os docentes construam uma postura
dialógica e dialética, não mecânica, trabalhando o processo ensino-aprendizagem
fundamentado na consciência da realidade vivida pelos educandos, jamais o
reduzindo à simples transmissão de conhecimentos (FREIRE, 1992).
Trabalhar com EJA é ter tudo isso em conta e saber o que ensinar e o porquê,
levando em conta os saberes que estes educandos já têm, fazendo-os reconhecer
estes múltiplos saberes, sua validade para a vida e seus limites. Este seria o ponto de
partida para qualquer prática educativa em EJA: educadores e educandos se
reconhecerem enquanto sujeitos portadores e produtores de cultura, de saberes.
Reconhecerem o lugar de onde falam, a partir de suas trajetórias, das suas
experiências, das suas crenças, desejos e aspirações. Reconhecerem-se além disso,
enquanto sujeitos coletivos, os aspectos comuns das suas trajetórias com os de outros
colegas, sujeitos integrados em um processo histórico que ultrapassa nosso limite
individual e nos identifica com classes sociais, com raças e etnias, com religiões, com
gêneros, com partidos ou propostas políticas, com grupos sociais.
Ao afirmar que “formar é muito mais que puramente treinar o educando no
desempenho de destrezas” (FREIRE, 1999, p.14), Freire nos convida a refletir sobre
a postura dos educadores. Neste sentido, é necessário que os docentes assumam-se
como colaboradores da produção do saber e compreendam que ensinar significa criar
possibilidades para a construção do conhecimento.

3. O diálogo como referencial epistemológico da teoria freireana

Nessa perspectiva, torna-se imperativa uma reflexão mais aprofundada acerca


do diálogo como ferramenta pedagógica e das suas contribuições para a formação
dos educadores na EJA, um importante referencial epistemológico da teoria freireana.
Segundo o autor, considerando que o ato de conhecer dá-se no processo social, o
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diálogo, se configura como o principal mediador desse caminho. Assim, no processo


de aprendizagem, só aquele que escuta de fato - que encontra sentido no que foi dito,
a partir de procedimentos de apropriação, transformação, reinvenção e aplicação
concreta – aprende, constrói conhecimento.
É a partir disso que escolarização se torna educação, quando está vinculada
aos processos sociais mais amplos, nos quais a escola pode e deve ocupar este
espaço privilegiado de reflexão acerca da vida: de todas as formas de organização
humanas, de como as sociedades se organizam para manter, ampliar e qualificar a
existência humana, das concepções e valores que orientam o modo de ser e agir, dos
processos históricos, da ocupação do espaço geográfico, das relações sociais, das
relações de poder, das diversas linguagens, do conhecimento do corpo físico, etc.
Ser sujeito é fazer escolhas. É posicionar-se frente ao mundo e, ao posicionar-
se, ocorre o compromisso. Quando escolhemos ser educadores, professores de
jovens e adultos, assumimos um compromisso que nem sempre é claro para nós. A
educação problematizadora se faz, assim, num esforço permanente pelo qual os
homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em
que se encontram. Por isso, o diálogo é

o selo do ato cognoscente, desvelador da realidade. Essa dialogicidade


começa ‘não quando o educador-educando se encontra com os educandos-
educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se
pergunta em torno do que vai dialogar com estes’ (FREIRE, 1978, p. 96).

Em relação a isso, Freire propõe que o ponto de partida desse diálogo seja a
busca do conteúdo programático, em que estão implicados saberes diferentes que
não podem ser impostos por ninguém, mas podem emergir a partir da comunicação
crítica e esperançosa sobre nossa condição no mundo. Conforme apontado por
Zitkoski (2010) “o desafio freireano é construirmos novos saberes a partir da situação
dialógica que provoca a interação e a partilha de mundos diferentes, mas que
comungam do sonho e da esperança de juntos construirmos nosso ser mais” (p. 118).
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Fazer formação de professores em EJA é partir desta reflexão de quem somos,


que visões de mundo, de educação, de jovens e adultos temos, que desejos nos
levam-nos a interessarmos por esta área de atuação. É nos voltarmos para nós
mesmos, é nos reconhecermos em nossa transitoriedade e inacabamento enquanto
seres humanos, é saber da importância e da profundidade desta tarefa que é educar.
Sabemos que jovens e adultos que procuram a EJA querem saber assinar o
nome, ler a placa do ônibus, ler o jornal, a Bíblia, escrever cartas, escrever recados,
fazer contas no papel. Querem muitas coisas, na sua maioria, estão cheio de desejos.
Querem aprender a “falar direito”, aprender novos jeitos de ser, conhecer pessoas.
Querem tudo para agora. Não há tempo a perder, não há tempo para o conhecimento
ser usado no futuro, como se diz para as crianças, o futuro quase já passou. O que
vale são as necessidades e desejos do agora.
Isto exige a constituição de grupo, da instauração da solidariedade e
compromisso com o outro, antes isolado em seus próprios pensamentos, exige
aprender a ouvir e a falar, exige afeto, “querer bem” como diz Paulo Freire, desejar
que cada ser humano possa ser o máximo de suas potencialidades. Quanto mais um
aprende, mais o grupo inteiro cresce, desenvolve a reflexão crítica acerca do
conhecimento do mundo.
Trabalhar com jovens e adultos é estar aberto para conhecer seus educandos,
é estabelecer junto a eles um projeto do que e como aprender.
De acordo com Paulo Freire, o momento dessa busca é o que inaugura o
diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a
investigação do que é chamado de universo temático ou o conjunto de temas
geradores (FREIRE, 1978). O que se pretende investigar é a visão de mundo dos
educandos a respeito de determinada realidade e como cada um percebe e se
relaciona com essa realidade.
É importante explicitar que os temas geradores não são temáticas
motivacionais que se limitam a satisfazer as curiosidades dos educandos, recursos
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didáticos para melhor atrair sua atenção. São objetos de estudo selecionados no
processo de investigação junto à comunidade e a partir do seu caráter significativo,
conflituoso e contraditório. “A representação concreta de muitas destas ideias, destes
valores, destas concepções e esperanças, como também os obstáculos ao ser mais
dos homens constituem os temas da época” (FREIRE, 1978, p.107).
O diálogo impõe a superação da dicotomia ensino-aprendizagem como
compreensão para modificar práticas tradicionais da educação. É o que Freire (2001)
coloca:
Comecemos por afirmar que somente o homem, como um ser que trabalha,
que tem um pensamento-linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua própria atividade, que dele se separa, somente ele, ao
alcançar tais níveis, se fez um ser da práxis. Somente ele vem sendo um ser
de relações num mundo de relações. (...) Desprendendo-se do seu contorno,
veio tornando-se um ser, não da adaptação, mas da transformação do
contorno, um ser de decisão. (...) Daí que, para este humanismo, não haja
outro caminho senão a dialogicidade. Para ser autêntico só pode ser
dialógico. E ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se
descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não
invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na
transformação constante da realidade (p. 39).

Portanto, é necessário superar a proposta antidialógica porque é incompatível


com uma educação humanista e libertadora. Para uma educação libertadora, o
conhecimento tem que ser dialógico, sem espaço para invasões e manipulações,
ações que não cabem quando se busca compreender as relações homem-mundo, e
a transformação constante da realidade.

4. Considerações finais

Sintetizando, para Paulo Freire, a interação entre os sujeitos e objetos no


processo de ensino- aprendizagem na EJA Freire está ancorada no tripé educador-
educando-objeto do conhecimento. E, para que ele se efetive de fato, ou seja, haja a

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aproximação entre educador-educando-objeto do conhecimento, o principal


instrumento é a pesquisa do universo vocabular, cultural, e das condições de vida dos
educandos. Nesse contexto, o diálogo freireano torna-se um referencial
epistemológico de uma pedagogia que possibilita construir coletivamente uma
educação que promova a humanização e a libertação.
Ademais, é preciso ter claro o que diferencia a educação de crianças da de
jovens e adultos, para aí também esclarecermos nosso papel de educadores junto a
esses grupos. E não há como pensarmos no papel da educação junto a esta faixa
etária, sem pensarmos quem são estes sujeitos.
No legado de Freire, deixa claro nas suas bases epistemológicas que é preciso
que a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos,
adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-
se como pessoa, transformar o mundo e estabelecer com os outros homens relações
de reciprocidade, fazer a cultura e a história.
Diante do exposto, ressalta-se que a proposta de uma formação docente
pautada nas premissas da interação entre os sujeitos envolvidos na EJA encontra uma
ampla argumentação, na medida em que seus fundamentos apoiam-se em pilares que
norteiam uma educação humanizadora e para todos. Além disso, o diálogo, na
qualidade de uma categoria fundamental do pensamento freireano, tem-se mostrado
imprescindível para se pensar as práticas pedagógicas e o currículo, sobretudo no
âmbito da EJA.
Não podemos esquecer que os alunos da EJA são detentores de muitas
histórias de vida e expectativas em relação ao seu processo de escolarização, as
condições de vida e conhecimentos são variadas. Assim, é desejável um professor
com perfil para trabalhar na EJA que leve em conta a heterogeneidade de seus alunos,
as características da vida adulta e os diferentes estilos de aprendizagem, um
profissional que valorize a formação continuada e sem infantilizar o ensino.

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Por ser a Formação de Professores um campo influenciado por mudanças que


ocorre nos diferentes níveis da realidade e da cultura e considerando-se que o
professor depara-se cotidianamente, em sala de aula, com contextos de constantes
mudanças sócio culturais e econômicas, mudança de valores e com a profunda
revolução tecnológica, muitos educadores, entre eles, Paulo Freire, vêm
demonstrando a importância de esse profissional ser comprometido e detentor de
competências que o tornem capaz de desenvolver práticas transformadoras.

Referências
ARROYO, Miguel. Educação de jovens adultos: um campo de direitos e de
responsabilidade pública. In: SOARES, Leôncio José Gomes; GIOVANETTI, Maria
Amélia; GOMES, Nilma Lino (org.). Diálogos na educação de jovens e adultos.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p.19-50.

ARROYO, Miguel. Formar educadores e educadoras de jovens e adultos. In:


SOARES, Leôncio José Gomes (org.). Formação de educadores de jovens e
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ARROYO, Miguel. Uma escola para jovens e adultos. Conferência – Reflexão


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A EDUCAÇÃO FINANCEIRA E SUA RELEVÂNCIA NO CONHECIMENTO


DE JOVENS E ADULTOS DO CAMPO

Lígia Évelyn Pereira Amorim


Sidérea Santana Soares

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo informar as vantagens da inserção da
Educação Financeira no conhecimento dos jovens e adultos do campo. A escolha do
tema foi devido à observação da real importância que a Economia e a Matemática
representam, uma vez que direcionam o aluno para a vida econômica e financeira,
auxiliando-o na tomada de decisões que envolvem cálculos e conhecimentos prévios
de Economia. A educação financeira como disciplina curricular no campo é
imprescindível, visto que é um desafio que muitos jovens e adultos campesinos se
relacionarem bem com o dinheiro, é notória a necessidade da implantação desse
conhecimento. Tendo em vista que, sendo a Educação Financeira um instrumento
essencial na vida desses jovens e adultos, que se forem direcionados, poder-se-á
formar bases de uma boa relação com o dinheiro no que se refere às relações de
compra e venda de produtos agrícolas, assim como em suas relações de consumo e
bancárias para que sejam adultos comprometidos com o planejamento financeiro e
entendedores de custos, receitas e lucros.

Palavras-chave: Educação Financeira. Tomada de Decisões. Campo.

 Técnica do curso em Gerência e Saúde, do Centro Estadual em Educação Profissional em Biotecnologia e Saúde-
CEEP. Itabuna-BA. E-mail: ligia.amorim42@gmail.com
 Graduada em Economia e Licencianda em Matemática, pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC/BA.

Discente da Especialização do Campo na UESC-BA. Docente da Rede Municipal de Itabuna e da Rede Estadual
de Educação - Bahia. E-mail: sidérea.centauro@gmail.com
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Introdução

A escolha do tema de investigação desta pesquisa foi devido à importância da


inserção da Educação Financeira na formação acadêmica dos jovens e adultos do
campo, para que saibam lidar com as receitas, custos e lucros nos financiamentos
agrícolas, além de administrar as suas relações de consumo, como também na
formação cidadã, consciente e reflexiva desses, no qual eles apresentando um bom
conhecimento na área de finanças implicará direto em suas rendas e melhores
condições de vida.
Conforme Ribeiro (2013) a Educação do Campo emerge diante de uma
constatação de que aos camponeses tem sido negada uma educação que os estimule
a continuar vivendo em seus trabalhos com a Terra, que através da Educação
Financeira haverá um maior estímulo aos jovens e adultos, pois eles poderão ser
camponeses entendedores de Economia.
A Matemática Financeira foi verificada inicialmente, através dos juros que
existem desde os primeiros registros de civilizações, um dos primeiros indícios
apareceu na Babilônia no ano de 2.000 a.C, nesta época os juros eram pagos com
sementes ou com outras iguarias e conforme as necessidades foram sendo
modificadas as formas de pagamentos também. Atualmente, o tempo, as prestações
de pagamentos e o valor da taxa podem ser negociados, o que implica na necessidade
de um conhecimento prévio de finanças.
O tema Educação Financeira vem sendo bastante discutido atualmente, pois
existe um grande número de adultos endividados no Brasil. É de fundamental
importância a inserção da Educação Financeira na Educação do Campo, pois há uma
grande necessidade de se compreender a formação de preços dos produtos agrícolas,
dos financiamentos bancários, como também, porcentagens e gráficos, de difícil
compreensão.

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Por isso, quanto mais cedo o jovem for apresentado a questões pertinentes à
Educação Financeira, maior será a probabilidade de a mesma ter um futuro menos
endividado e mais organizado.
A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), apurada
pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC),
mostrou que 58% das famílias estavam endividadas.

O percentual das famílias que têm dívidas em atraso, entre cheque pré-
datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo
pessoal, prestação de carro e seguro, é de 24,4% e se mantém mais alto do
que no mês anterior (22,9%) e em agosto de 2015 (22,4%) (PEIC, 2016).

Como também, famílias que relataram não ter como pagar as dívidas e que,
portanto, permanecerão inadimplentes foi de 9,4%. O resultado também supera o de
julho (8,7%) e o registrado há um ano (8,4%). Para 76,5% das famílias endividadas, o
cartão de crédito é o principal tipo de dívida, seguido de carnês (15,3%) e
financiamento de carro (11,1%).

O tempo médio de atraso para pagar as dívidas foi de 63,3 dias. Já o tempo
médio de comprometimento com as dívidas é de 7,2 meses, sendo que 34,9%
possuem dívidas por mais de um ano. Do total das famílias brasileiras, 21,6%
têm mais da metade da sua renda comprometida com o pagamento de
dívidas (PEIC, 2016).

A importância da Educação Financeira não está somente na questão de poupar


o dinheiro, mas também de ensinar aos campesinos e agricultores familiares a
avaliarem as opções de taxas cobradas em uma compra a prazo e em empréstimos
bancários, portanto quanto menos conhecimento sobre as formas de pagamentos eles
tiverem, mais endividados ficarão.
Portanto, infere-se que a implantação da Educação Financeira no campo será
relevante na formação desses campesinos, pois além dos conhecimentos prévios
essenciais, referentes a taxas de juros simples e compostos, eles terão também
conhecimento nos custos para venderem seus produtos excedentes, assim, implicará
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em uma influência nas famílias e na sociedade, quanto ao consumo, poupança e


investimento.

2. Objetivos
2.1 Geral: Apresentar a relevância da Educação Financeira como alternativa
para compor ao Educação do Campo.

2.1 Específicos:
• Alertar sobre as vantagens do conhecimento financeiro na vida dos
jovens e adultos campesinos;

• Instigar a implantação da Educação Financeira, como disciplina e não


apenas, como conteúdo nos livros de Matemática;
• Informar que o conhecimento em finanças é de fundamental importância
para saber administrar o dinheiro;
• Contribuir com a cidadania do discente do campo.

3. Referencial teórico

Segundo Skovmose (2000) a Educação Matemática Crítica, tem como objetivo


apontar práticas de educação eficazes no dia a dia para as demandas atuais.
Preocupa-se principalmente em como a disciplina influencia os ambientes culturais,
tecnológicos e políticos e as funções que a competência matemática possa satisfazer.
A disciplina Matemática é fundamentada no método tradicional, o que interfere
no ensino aprendizagem do aluno. O autor classifica como aulas tradicionais

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exercícios organizados como uma sequência de ordens: resolva, efetue e calcule,


onde os exercícios estão fora de contexto e o material didático é pouco variado.
Skovsmose (2000) afirma que

Em geral, melhorias na educação matemática estão intimamente ligadas a


quebra de contrato didático. Quando inicialmente sugeri desafiar o Paradigma
do Exercício, isso pode ser visto também como uma sugestão de quebrar o
contrato da tradição da matemática escolar (p. 63).

O autor não pretendeu criar uma classificação estatística e rígida sobre


“Exercícios”, mas sim, facilitar as discussões sobre mudanças no ensino
aprendizagem da disciplina em questão, Skovsmose (2000) cita em seu livro “Desafio
da Reflexão em Educação Matemática Crítica” que a Educação Matemática Crítica
(EMC), está em um contínuo processo de desenvolvimento. Buscando sempre o
aperfeiçoamento de suas ideias e objetivos, para facilitar a aprendizagem dos alunos.
Tem preocupação fundamental com os aspectos políticos da Matemática, como o
posicionamento crítico e a formação democrática e cidadã.
A Matemática Crítica de Skovsmose (2000) tem como objetivo o pleno
desenvolvimento da disciplina curricular em questão, como suporte para a
democracia. Visa levar aos estudantes a produzir significados para as atividades e
conceitos matemáticos.
Sendo assim, buscou-se a Educação Matemática Crítica de Skovsmose (2000)
para a fundamentação teórica do presente artigo, com base na importância da
Educação Financeira, não como apenas conteúdo da Educação Matemática, mas
como disciplina curricular, visando a melhor compreensão dos temas abordados na
disciplina em questão, abrangendo assim, as habilidades matemáticas, econômicas e
financeiras dos alunos da Educação do Campo.

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4. Legislação

Na CEF (1988, p.116, art.205) é informado que um dos objetivos da educação


é o pleno desenvolvido da pessoa, no seu preparo para o exercício. O que está
inserida a Educação Financeira.

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida


e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho (BRASIL CEF, 1988).

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


No artigo 1º, § 2º é destacada a importância de a educação escolar está
relacionada ao trabalho e as atividades sociais e isso de alguma forma implicam direto
nas habilidades do professor em transmitir saberes da administração do dinheiro e do
exercício da cidadania.

A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática


social. (LDB, 1996, p.1).

A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-


lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (LDB,
1996, p.7).

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos,


gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por
objetivo a formação básica do cidadão, mediante (Redação dada pela Lei nº
11.274, de 2006).

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos


o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da


tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a


aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores
(LDB, 1996).

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Segundo a LDB, apud Soares (2015) a educação básica deverá apresentar os


aspectos de pensamento reflexivo e estimular o conhecimento do mundo presente,
inserindo de alguma forma também a Matemática Financeira.

5. Metodologia

Foi realizado um levantamento, através de livros didáticos de Matemática,


artigos e sites especializados no tema em questão, também foram coletados dados
de censos e institutos de pesquisa, Legislação Brasileira, os quais serviram de base
para o campo de pesquisa. Visando a melhor compreensão do tema abordado, para
melhoria do desempenho e desenvolvimento do presente artigo.

6. Resultados e discussão

Vivemos em um mundo globalizado, fazendo parte do sistema capitalista em


que se prioriza o consumo desenfreado que é o grande culpado pelo endividamento
das famílias brasileiras atualmente.
Segundo a SERASA Experian (2015), a região Norte é a que mais concentra
inadimplências, atingindo 31,1% da população, seguida do Centro-Oeste com 26,4%,
região Sudeste com 24,5% e a Nordeste com 23,6% que segundo economistas o
interior do Nordeste possui baixo número de inadimplências, pois grande parte dessa
população ainda não possui acesso ao crédito, o que resulta em poucos endividados
em relação ao tamanho da população. A região Sul é a que menos apresenta
inadimplentes com 22,4% da população estando com as contas atrasadas.
Segundo esse mesmo mapeamento a faixa etária que possui mais inadimplente
é entre 26-30 anos, onde a taxa chega a 29,9%. Parte da população brasileira
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endividada é jovem e o grande vilão é o cartão de crédito que segundo o SPC Brasil,
chega a 46% no ranking de dividas dos brasileiros.

Gráfico 1- Inadimplência por Idade

ACIMA DE 70 ANOS 10,30%

51 A 70 ANOS 17,10%

41 A 50 ANOS 24,40%

36 A 40 ANOS 28,20%
TAXA DE INADIMPLÊNCIA POR IDADE

31 A35 ANOS 29,30%

26 A30 ANOS 29,90%

18 A 25 ANOS 28,10%

0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00%

Fonte: Serasa Experian, 2015.

Embora em período de crise econômica tenha contribuído para os


consumidores até mesmo jovens tenham mais cautelas na hora de gastar o dinheiro,
nessa faixa etária existem muitas tentações por alguns desejos de consumo que
continuam tornando-se reféns.
Segundo economista e consultor financeiro Freire, (2015), uma das maiores
causas para a irresponsabilidade com o gasto excessivo é a ausência de uma
Educação Financeira ao longo da infância e da adolescência. Por não terem as noções

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básicas do quanto se gasta, sobre o que se pode ou não ter com determinada renda,
as pessoas chegam na fase adulta da vida, sem o controle do próprio orçamento.
Para uma grande parte da sociedade economizar é apenas poupar o dinheiro,
desconhecendo as formas de investimento como bolsa de valores, títulos do governo,
previdência privada, caderneta de poupança.
Segundo o gráfico 2 abaixo da inadimplência por grupos, observar-se que o
maior percentual está entre os jovens adultos da periferia, o que infere-se que esses
não obtiveram durante o ensino básico informações suficientes quanto ao
planejamento financeiro.

Gráfico 2 - Inadimplência por Grupos

Elites Brasileiras

Experientes Urbanos de Vida


2% Confortável
5% Juventude Trabalhadora Urbana
6% 7% 4%
8%
Jovens Adultos da Periferia

Adultos Urbanos Estabelecidos


17% 23%
Envelhecendo no Século XX

10% Donos de Negócios


14%
Massa Trabalhadora Urbana

Moradores de Áreas Empobrecidas do


3% Sul e do Sudeste
Habitantes de Zonas Precárias

Habitantes de Áreas Rurais

Fonte: Serasa Experian, 2015.

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Observa-se que os habitantes de áreas rurais apresentam 7% de


endividamento. Apesar do índice não se encontrar entre os maiores dos grupos,
percebe-se que poderia ser menor a partir de conhecimentos econômicos, financeiros
e matemáticos.
Infere-se que a Educação Financeira deve ser inserida nas diretrizes
curriculares para a Educação do Campo no Brasil, com temas que vão fazer parte da
rotina do indivíduo na vida campesina, para que ele seja capaz de tomar decisões
importantes. A seguir alguns deles:
 A importância e vantagens de um investimento: quanto investir, quanto
tempo aguardar o retorno esperado, o retorno real, a taxa de administração
quando houver;
 Qual o juro real de um empréstimo, considerando as taxas?
 A diferença de pagar à vista ou a prazo: pode-se esperar para comprar
depois?
 Qual o desconto à vista? O valor das prestações é atraente, mas e a soma
do total? Quanto há de gasto, em relação às receitas? Quanto restará para o
lazer?
 Qual a capacidade de poupança?
 Qual a melhor opção de comprar um automóvel? Consórcio?
Financiamento?
 Previdência Privada? VGBL ou PGBL?
 Cálculos de receitas, custos e lucros.
 Cartão de crédito? Como utilizá-lo?

Entre outros, estes exemplos devem ser abordados em sala de aula,


trabalhando com o cotidiano dos alunos para ensinar na pratica assuntos como:
capitalização, valor monetário, noções de finanças e de poupanças, taxas (nominal,

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efetiva, real, proporcional), juros simples e compostos decorridos em períodos. É


importante que esses assuntos sejam abordados de forma mais ampla e aprofundada.
Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a escola, nos dias atuais
tem como necessidade responsabilizar-se quanto à formação de cidadãos cientes e
envolvidos.
A partir da Estratégia Nacional de Educação Financeira instituída por meio do
Decreto Federal nº 7.397/2010, teve como objetivo colaborar com a consolidação da
cidadania ao prover e favorecer decisões que ajudassem a população a tomar
medidas financeiras mais autônomas e responsáveis.
Assim como, o Comitê Nacional de Educação Financeira (CONEF) deseja
implementar no Novo Currículo Nacional a Educação Financeira nas escolas. A
CONEF tem como meta gerir a execução e estabelecer projetos, propostas e
intervenções da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) que tem como
objetivo favorecer a educação financeira e previdenciária no Brasil, além de colaborar
com a consolidação da cidadania e para a eficácia e a segurança do Sistema
Financeiro Nacional.
Desta forma, as instituições de ensino do campo estariam ampliando os
saberes ao aluno para o desenvolvimento de sua capacidade de reflexão e de
relacionar o conteúdo de Matemática com sua realidade além da sala de aula.

7. Considerações finais

O presente trabalho abordou a temática da Educação Financeira, de forma a


analisar como a escola do campo pode contribuir na formação de cidadãos
economicamente conscientes. A relevância desta pesquisa justificou-se pelo fato de
que a temática a ser abordada, embora de extrema importância para a vida de
qualquer cidadão, não vem sendo realizada para toda a sociedade de forma ampla,
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nem mesmo no âmbito escolar, o qual por ser o ambiente onde os indivíduos,
geralmente, passam a maior parte de suas vidas, é o espaço privilegiado para a
socialização de saberes.
Por conta dessa realidade que se apresenta, é imprescindível uma
conscientização das escolas do campo, juntamente com o Ministério da Educação,
Secretarias Estaduais e Municipais em trabalhar a questão da elaboração de uma
proposta pedagógica direcionada para a Educação Financeira. Atualmente nos livros
de Matemática, existe uma pequena parte dedicada a área de finanças. Quando
existente, se resume a umas poucas páginas, onde são tratados os juros simples e
compostos, quando na verdade existe espaço para a aprendizagem de outros
conteúdos.
Sendo assim conclui-se que com a implantação da disciplina, os jovens e
adultos do campo tenham aprendido a lidar com finanças para saberem relacionar
com as várias situações econômicas do cotidiano, assim como modelar fenômenos
em outras áreas do conhecimento, como também, saber apreciar a importância da
Matemática no desenvolvimento científico e tecnológico. Além de se tornarem o
capazes de decidir sobre as vantagens e desvantagens do consumo, da poupança e
do investimento. Além dos custos, receitas e possíveis lucros.

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A IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE DA EJA: EM CONSTRUÇÃO

Juliana Gonçalves dos Santos*

Resumo
Este artigo propõe uma reflexão acerca da construção da identidade docente ao longo
do tempo, as relações de subjetividades na influência da formulação do seu papel, os
percalços e os ranços das heranças culturais do processo temporal na construção de
sua função. A base desse estudo tem como analise teórica metodológica a pesquisa
bibliográfica, como auxílio quanto a importância central do processo formativo
contínuo do professor, do valor preponderante de sua função docente e das
características pedagógicas essenciais como eixo centralizador de todos esses
caracteres. São utilizados autores implicados com o processo de formação docente,
Edgar Morim (2015), Francisco Imbernón (2004), Philippe Perrenud (2002), Paulo
Freire (1996), Miguel Arroyo (2006), Jorge Larrosa (2002), entre outros, agregadores
nesse processo. Esperamos que o presente artigo, possa inquietar profissionais de
forma em geral, pesquisadores e principalmente os professores da EJA em pensar e
repensar a si próprio sobre sua identidade.

Palavras-chave: Identidade profissional. Docente. EJA.

Considerações iniciais

O presente texto são frutos de inquietações como professora da Educação de


Jovens e Adultos implicadas em compreender vivências e experiências, que
perpassam pela identidade do professorado, através de seus contextos dinâmicos de
processos formativos em entrelaçar sua práxis pedagógica aos relevantes estudos
teóricos. Assim, o texto não são respostas e muito menos não são justificativas da

* Mestra em Educação de Jovens e Adultos – EJA, pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB; Professora
vinculada ao curso de Licenciatura em Pedagogia - FAMAM. E-mail: juli.goncalves10@yahoo.com.br
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crise identitária que a categoria docente, especificamente a modalidade EJA passa,


mas considero que tais descrições imprescindíveis para uma auto-reflexão-ação-
teoria para nos inquietar mais e buscar a construção ou a depender a reconstrução e
formação da nossa identidade.
A história dessa profissão, ao longo do tempo histórico, desde a Idade Média é
conflituosa acerca de seu valor e reconhecimento. O professor assim como o artista
desde esses tempos longínquos trilhou por caminhos tortuosos; mais de guerra do
que de paz. Lutas estas frequentes, corriqueiras, pelo reconhecimento de sua função
social, travada comumente nos dias atuais, em que predomina uma exigência
societária ao perfil docente.
Nóvoa (1991) já apresentava inquietudes a respeito do delineamento a
caracterização da docência, como deve ser essa identidade, o que seguir para
responder os enfrentamentos e demandas impostos pela sociedade, que também
propõem um formato associado ao papel de ser professor.
O precedente medieval perpetuado de uma função missionária atravanca os
avanços da educação, paralisando o processo de desenvolvimento do contexto, por
ser mola propulsora, pela centralidade indiscutível de importância em seu papel. A
dicotomia presente nas diversas fases do professor dentro do contexto histórico no
recorte dessa construção identitária de sua função, retrata uma diversidade de
minúcias peculiares no discorrer desse caminho. O propósito desse texto, é
apresentar uma breve discussão a respeito da identidade docente da EJA, para
entendermos como se configura ou reconfigura esse delineamento, levando em
consideração o processo histórico, para que ao analisar possamos identificá-lo na
apresentação das múltiplas subjetividades desse profissional de hoje e quanto à
impregnação de conceitos e práticas arcaicas ainda são latentes na conceituação dos
mesmos.
A base desse estudo tem como analise teórica metodológica a pesquisa
bibliográfica, para nos auxiliar quanto a importância central do processo formativo
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contínuo do professor, do valor preponderante de sua função docente e das


características pedagógicas essenciais como eixo centralizador de todos esses
caracteres. São utilizados autores implicados com o processo de formação docente,
Edgar Morim (2015), Francisco Imbernón (2004), Philippe Perrenoud (2002), Paulo
Freire (1996), Miguel Arroyo (2006), Jorge Larrosa (2002), entre outros, agregadores
nesse processo.
A profissão professor exige um conjunto de talentos que transitam entre o
tecnicismo científico e o humanismo e, um talento agregador das duas características.
O conjunto orquestrado de tais habilidade são fundamentais para o exercício e
representatividade desse profissional. Porém, uma delas possa ser o mais apurado
elemento, oportunizando a fluidez de todas as outras. Como dizia Aristóteles para
exercer o sagrado ato de ensinar é preciso “Eros”, amor, tudo o que nos propomos a
exercer ao longo do nosso caminho, precisa ter como recheio central o ingrediente;
amor. Porém, educar, conduzir, auxiliar, exige um amor incondicional, para que os
percalços eminentes do conjunto de contrafluxo, não sejam capazes de nos derrotar
nas armadilhas da arena de nossa atuação. Perfilhando Freire (1996),

É preciso, [...] reinsistir em que não se pense que a prática educativa vivida
com afetividade e alegria, prescinda da formação científica séria e da clareza
política dos educadores ou educadoras. A prática educativa é tudo isso:
afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da
mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje (p. 161).

A prática educativa emana esses combinados que nos propõe os princípios


freireanos a relatividade do amor a práxis, alegria, o cientificismo, onde os tempos
atuais nos exige todos esses indicativos. Podemos referendar como contraponto a
disposição constante, o estado de alerta, a multiplicidade do acúmulo de obrigações,
exige uma força que vai além do campo moral, intelectual e ético. A resistência há
invisibilidade social, ao menosprezo político, a indiferença cultural, talvez seja um dos
principais fatores de desistência, acomodação e decepção. E o profissional da EJA?

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Que aparentemente e real essas caracterizações que se desdobram de forma incisiva


devido a forma que são colocados para a atuação nesta modalidade, que ainda
apresentam resquícios assistencialistas (DI PIERRO, 2005).
Ser professor não é uma tarefa simples, é mover-se, todo o tempo em direção
ao conhecimento, é estabelecer um pacto interno de auto-superação, para que o fluxo
de interferências negativas não venha atingir sua identidade profissional. Quando
caminhamos dentro dessa perspectiva, a resistência se consolida, através do saber,
o conhecer se faz reconhecer, o aprender se faz o apreender, o movimento de
desconstruir para reconstruir-se, nos liberta das amarras, enganos e engodos,
construídos, ao longo do tempo para que aprisionados, aprisionemos, numa cadeia
de fracassos e fracassados. A liberdade é convidativa, e ao libertar-nos, somos chave
e não prisão. Para Morin (2015, p.52),

a liberdade de pensar é a liberdade de escolhas diante das diversas opiniões,


teorias, filosofias. A liberdade pessoal reside no grau de possibilidade de
escolha nas ocorrências da vida. A liberdade esta que está diretamente
implicada ao movimento reflexivo constante.

Ser professor em primeiro passo além de ter como pedra basilar a vocação
para a docência, também envolve um conjunto de habilidades minuciosas e uma
disponibilidade para uma constante processo formativo, onde este deverá apurar e
desenvolver e ressignificar sua prática num movimento constate de reflexão é o que
Larossa (2002, p.19), chama de

saber pensar a educação a partir do par experiência sentido”, num profundo


ato que vai além do raciocínio ou argumento acerca dos nossos pensamentos
e atitudes, contudo é dar sentido a quem somos e aos acontecimentos da
nossa vida.

Esta formação contínua deve estar além do acumulo de informações. O sujeito


da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais
o preocupa é não ter informação; cada vez mais, cada vez melhor informado. Para

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Larossa (2001) esse acúmulo, muito presente na sociedade moderna, não nos
acontece nada. A informação nos capacita para a opinião e não para a experiência,
experiência esta que nos leva a transformação, pois a mesma nos toca, nos
impulsiona à reflexão e a partir daí somos instigados a nos ressignificarmos. Para que
esse processo formativo aconteça é necessário tempo, cada vez mais escasso, o
excesso de trabalho, de ausência de reflexão por conta da automação nos distância
da experiência.
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer
um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer para parar pensar, parar para olhar, parara pra escutar, pensar
mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender, o automatismo
da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a
arte do encontro, calar muito, ter paciência, e dar-se tempo espaço
(LAROSSA, 2002, p.19).

A partir desse pressuposto do autor, a experiência formativa requer um


movimento constante, implicado nas reflexões, incertezas, saberes, dialéticas
construídas ao longo da nossa vida, através dos contextos das subjetividades que nos
compõem e nos constroem, ao longo da circulação da vida social de cada indivíduo.
“Por isso mesmo eles podem ser abandonados, modificados e reinventados em um
movimento de misturas e conexões, que não cessa” (MANSANO, 2009, p.111). Esse
constante movimento de fluxos de experiências na perspectiva da construção de
nossas identidades, valores que atribuem sentido singularizado nas experiências
formadoras das subjetividades das identidades de cada um.
Tendo o embasamento de Saviani (2013) que nos permite afirmar numa visão
dialética, pois nem tudo como está posto é o real, entendemos o sujeito como um ser
não pronto mas que se constitui nesse movimento de processualidade não definitivo,
inconstante, a mediada que a força da experiência circula em diferentes
enfrentamentos, em todos os âmbitos das singularidades de cada indivíduo, por isso,
que estamos em formação, em construção da nossa identidade ser professor da EJA.
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Esperamos que o presente artigo permita a compreensão para além das


evidências, de obter a perceptibilidade das lacunas formativas voltadas a
profissionalização docente e essencialmente, educadores da EJA, em que estamos
imbuídos a um processo de construção e formação da nossa identidade. Assim, que
este estudo possa inquietar profissionais de forma em geral, pesquisadores e
principalmente os professores da EJA em pensar e repensar a si próprio sobre sua
identidade.

1. Os desafios da identidade do professorado da EJA atrelado a formação: uma


breve discussão

Inúmeras são as considerações elencadas através das expectativas que devem


abarcar a profissão docente. O sentimento que urgência um modelo de prática
docente onde novas competências sejam consideradas, destacando conhecimentos
entre os saberes pedagógicos, científicos e culturais estabeleçam uma dialogicidade
e venham contemplar a formação de um profissional docente diferente. Tardif (2010,
p. 55) assinala que o “saber docente é um saber plural, formado por saberes da
formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”.
Os percalços históricos com os quais a formação desses educadores se
desenrolam ao logo do tempo histórico, são entraves danosos refletidos na conjuntura
que abarca essa profissão e seus espaços formativos. Apesar de não ser muito
discutido, é de fundamental relevância conhecer esse percurso temporal para que
melhor compreendamos suas mazelas, entraves, ranços e avanços. Para Labaree
(1999, p.20) citado por Imbernón (2009, p.12-13).

Há uma série de razões para crer que o caminho para a profissionalização


dos docentes encontra-se cheio de cratera, e areias, movediças: os
problemas próprios que surgem ao tentar promover os critérios profissionais
dentro de uma profissão tão massificada, a possibilidade de desvalorização
das habilitações como consequência do aumento de requisito educativos, a

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herança histórica da docência como forma de trabalho para as mulheres, a


resistência que oferecem pais, os cidadãos e os políticos à reivindicação do
controle profissional das escolas, o fato de a docência ter demorado a
incorporar a um campo infestado de trabalhos profissionalizados, a provia
profissionalização dos administradores das escolas e o excessivo poder da
burocracia administrativa a prolongada tradição de realizar reformas
educacionais por meios burocráticos (...) a de entornos em que se dá a
formação dos professores.

Historicamente as especificidades discorridas ao longo desse tempo, no âmbito


dos inúmeros percalços desde a profissionalização docente, os questionamentos
acerca das competências que devem estar presentes no modelo de profissional da
docência, perseguem a formação desse profissional, quando o mesmo não mais deve
ser um mero transmissor de conhecimento acadêmico.
Embora, os ambientes formativos ainda persistem a rotular e seguir um
tradicional modelo que não respondem as expectativas societárias, pois muitos
sujeitos de histórias de vidas difíceis ainda estão fora da escola, tiveram que
abandonar seu processo de escolarização por diversos motivos e, atualmente, uma
parcela ínfima tenta retomar ao campo educativo, que são jovens, adultos e idosos
plurais em sua cultura externamente, mas internamente singulares, que infelizmente
se deparam aos modelos tradicionais vindouros das instituições de formação docente.

Não é qualquer jovem e qualquer adulto. São jovens e adultos com rosto, com
histórias, com cor, com trajetórias sócio-étnico-raciais, do campo, da periferia.
Se esse perfil de educação de jovens e adultos não for bem conhecido,
dificilmente estaremos formando um educador desses jovens e adultos.
Normalmente nos cursos de Pedagogia o conhecimento dos educandos não
entra. A Pedagogia não sabe quase nada, nem sequer da infância que
acompanha por ofício. Temos mais carga horária pra discutir e estudar
conteúdos, métodos, currículos, gestão, supervisão, do que para discutir e
estudar a história e as vivências concretas da infância e da adolescência, com
o que a pedagogia e a docência vão trabalhar. Em relação à história e às
vivências concretas da condição de jovens e adultos populares trabalhadores
as lacunas são ainda maiores (ARROYO, 2006, p. 22).

Em suma, que identidade docente de EJA estamos construindo, estamos


formando? Já que os atuantes e os futuros profissionais não tem consolidado essa

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base formativa para o campo da EJA. Por outro lado, envolvidos há um modelo de
exigência societária, em que de

um profissional atento há exercer outras funções: motivação, luta contra a


exclusão social, participação, animação de grupos, relações com estruturas
sociais, com a comunidade e é claro que tudo isso requer uma nova
formação: inicial e permanente (IMBERNÓN, 2009, p.14).

Nesse contexto, deve-se considerar que para estas reformas precisam estar
orquestradas, instituições, espaços formativos, currículo e critérios para o acesso a
formação inicial.
Sem critérios qualquer um, desprovido de vocação docente pode designar-se
a profissão, tornando-se um dos entraves das mazelas educacionais, ter profissionais
que não possuem senso de pertencimento e reconhecimento profissional, contudo
dificultando para que processo de formação contínua possa ser construído e validado
na carreira docente, pois os mesmos desmotivados e insatisfeitos veem a sua
profissão como um bico ou algo temporário, o que se aproxima das duras realidade
da EJA, profissionais que atuam só para complementação de carga horária ou pela
necessidade do sistema educativo.

Os professores que trabalham na educação de Jovens e Adultos, em sua


quase totalidade, não estão preparados para o campo específico de sua
atuação. Em geral, são professores leigos ou recrutados no próprio corpo
docente do ensino regular. Note-se que na área específica de formação de
professores, tanto em nível médio quanto em nível superior, não se tem
encontrado preocupação com o campo específico da EJA; devem-se também
considerar as precárias condições de profissionalização e de remuneração
destes docentes (HADDAD; DI PIERRO, 1994, p. 15).

Esse ponto intensifica o que temos externados como mazelas das instituições
que promovem a formação inicial em diversos aspectos distanciam a formação desse
profissional docente de uma visão holística, no que se refere há uma bagagem que
possua interlocução nos aspectos científicos, culturais, contextual e psicopedagógico,

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numa perspectiva dialética, com experiências interdisciplinares e crítica, há


necessidade de formar atores promotores de um movimento libertário e emancipador.
Reafirmamos que a ausência dessas características na formação docente
ainda é mais agravante no que se refere às formações iniciais específicas, como o
caso, das licenciaturas. As especificidades do currículo de cada área e linguagem
especifica não prioriza, não promove uma contextualização com os saberes culturais
e psicopedagógicos, elementos de fundamental importância para um melhor
entendimento de uma sociedade multicultural, e das estruturas sociais em que
estamos inseridos. É preciso analisar o que funciona, o que devemos abandonar, o
que temos de desaprender o que é preciso construir de novo ou reconstruir sobre o
velho (Imbernón, 2009). A ausência de reformulações mais profundas nos currículos
também alijam o processo formativo inicial voltado para práticas reflexivas.

A formação de “profissionais reflexivos” deve se tornar um objetivo explícito


e prioritário em um currículo de formação de professores; em vez de ser
apenas uma familiarização com a futura prática, a experiência poderia, desde
a formação inicial, assumir a forma simultânea de uma prática ‘real’ e reflexiva
(PERRENOUD, 2002, p.104).

Tal assertiva possibilita o reconhecimento da importância da prática reflexiva do


educador, pois também em convergência a Freire (1996), assevera sobre a reflexão
crítica do real, da práxis pedagógica. Assim, para a compreensão da construção e
formação da identidade docente da EJA é preciso se debruçar em pesquisa da prática,
para discernimento dos elementos visíveis e invisíveis que compõem a categoria do
professorado.
A profissão docente desenvolve-se por diversos fatores: o salário, a demanda
do mercado de trabalho, o clima de trabalho, nas escolas em que é exercida,
a promoção na profissão, as estruturas hierárquicas, a carreira docente e a
formação que a pessoa realiza ao longo de sua vida profissional (IMBERNÓN,
2004, p.43).

Ressaltando que a realidade da EJA estigmatizada por todos esses fatores,


além do longo processo para efetivação do reconhecimento quanto modalidade,
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quanto a caracterização de política pública, enfim, esse conjunto histórico da EJA de


rejeição e lutas ainda não foi possível afirmar qual é essa identidade.

Esse caráter universalista, generalista dos modelos de formação de


educadores e esse caráter histórico desfigurado dessa EJA explica por que
não temos uma tradição de um perfil de educador de jovens e adultos e de
sua formação. Isso implica sérias consequências. O perfil do educador de
jovens e adultos e sua formação encontra-se ainda em construção. Temos
assim um desafio, vamos ter que inventar esse perfil e construir sua formação.
Caso contrário, teremos que ir recolhendo pedras que já existem ao longo de
anos de EJA e irmos construindo esse perfil da EJA e, consequentemente,
teremos que construir o perfil dos educadores de jovens e adultos e de sua
formação (ARROYO, 2006, p. 18).

Persegue-nos os questionamentos sobre a docência, os entraves ainda tão


persistentes na formação inicial e contínua, as exigências das competências
necessárias para a docência. Karl Marx, em uma de suas teses sobre Feuerbach:
“Quem educará os educadores?” Será uma minoria de educadores, animados pela fé
na necessidade de reformar o pensamento e de regenerar o ensino. São os
educadores que já tem, no íntimo, o sentido de sua missão (Morin, 2015). Será que
devemos contar com essa sentença? Mesmo que sejam necessários elementos
vocacionais sublimes para um ideal contemplação para o docente, serão tais
requisitos suficientes para que haja um bom aproveitamento de tais habilidades e
competências?
No Brasil, a identidade educadora é algo relativamente novo, a exigência da
formação específica para a docência estava presente em nosso contexto algumas
décadas atrás, qualquer um com formação superior poderia ser educador 1 . A
formação para a educação básica muito recente podia ser ocupada por um curso
técnico de magistério. Esse resquício de fatos históricos relativamente recentes, nos
deixa uma herança de distanciamento e maior aprofundamento conceitual, científico,
cultural e pedagógico, visto que o processo formativo ainda é algo extremante recente.

1Podemos observar tal inferência ao analisar os descritos da dissertação Banquete Espiritual, de Déborah Kelman
de Lima (2003).
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Segundo Arroyo (2013, p.24) “as tensões de identidade profissional estão


acontecendo em sala de aula”. Essa crise por falta de dialogicidade entre o
cientificismo e pragmatismo das formações iniciais tem gerado uma tensão identitária,
as verdades dos conteúdos que são ensinados, cobrados pela escola criam um campo
onde, “quando as verdades das disciplinas, do currículo não coincidem com as
verdades do real social, vivido por nós e pelos alunos, nossas identidades
profissionais entram em crise” (ARROYO, 2013, p. 29).

2. Considerações finais

As análises neste artigo com intencionalidade de uma breve discussão a


respeito da identidade do docente da EJA, para entendermos como se configura ou
reconfigura esse delineamento, levando em consideração o processo histórico, nos
permitiu refletir sobre o nosso chão da escola, sobre as propostas de formações e
pensar nas subjetivas experiências. Josso (2004) nos sensibiliza o processo de
formação para nossa práxis pedagógica devemos aprender pela experiência:

Formar-se é integra-se numa prática o saber-fazer e os conhecimentos, na


pluralidade de registros a que acabo de aludir. Aprender designa, então, mais
especificamente, o próprio processo de integração.
Em linguagem corrente, aprender pela experiência é ser capaz de resolver
problemas dos quais se pode ignorar que tenham formulação e soluções
teóricas (...) a aprendizagem experiencial é utilizada, evidentemente, no
sentido de capacidade de resolver problemas, mas acompanhada de uma
formulação teórica e/ou de uma simbolização (JOSSO, 2004, p.39).

A partir daí percebemos que a identidade docente da EJA está em construção,


o que implica em suas experiências, pois a cada dia as experiências se renovam,
novos conhecimentos são construídos que se dá de forma coletiva, ou seja, a
formação da identidade se reconstrói a partir dos entrelaces comunicativos que nos

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dar sentido dentro de um conjunto de trocas de conhecimentos, experiências,


vivências e subjetividades.
Para tanto, muitos desafios são enfrentados, em que podemos pontuar que as
atuações do professorado ainda se dão de modo individualizado e personalista, as
formações contínuas ainda estão presentes num movimento particular. Esse
movimento dificulta uma verdadeira transformação onde todos os sujeitos do processo
educativo devem estar implicados no processo formativo.
E quando associamos a realidade escolar, na EJA podemos perceber essa
individualidade, devido a dificuldade existencial entre os professores de se reunir para
planejar, tudo muito rápido, ora inicia aula, ora já é o término. O diálogo passa ser
limitado, devido ao cumprimento rigoroso do sistema educativo, que tem prazos, onde
a parte burocrática tem que ser cumprida em pouco tempo, como preenchimento de
diversos relatórios.
Segundo Arroyo (2010, p.1.397)

o que se pode observar é que o campo da educação e suas políticas


continuam pensando-se isoladas dessas fronteiras, onde se dá a produção
das injustiças e desigualdades mais radicais e onde os coletivos colocam
suas lutas.

Cuja, modalidade que é o nosso foco a EJA, ainda não tem consolidado sua
identidade, devido ao campo conflituoso de políticas díspares, que não atendem as
demandas dos sujeitos educandos e educadores.
Contudo, percebemos que o rompimento com a cultura profissional tradicional
e acrítica arraigada e transmitida na profissão docente só será quebrada e
impulsionada a uma nova prática cultura colaborativa através do contínuo movimento
formativo, adquirindo novos saberes, que auxiliará na transformação da identidade
individual e coletiva. “E a formação baseada na refletividade será um elemento
importante para analisar o que são ou o que acreditam ser e o que se faz e como se
faz” (IMBERNÓN, 2015, p. 75). Essa necessidade da criticidade que deve haver no
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educador é que nos elucida Freire (2014) “como posso dialogar, se alieno a
ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro e nunca em mim?” (p. 110).
Destarte a complexidade de compreender essa identidade docente da EJA,
pois como se fôssemos é necessário olhar para o nosso íntimo e tentar descobrir
nossa essencialidade, o que nos caracteriza, o que nos identifica ser um docente da
EJA, quais requisitos serão necessários para atuação de um campo de
especificidades?
Talvez, estamos distantes de saber elencar todos os critérios precisos, mas
devemos sim, refletir sobre nosso papel e função que temos desempenhados frente
todas as problemáticas que perpassam pela EJA, que recai a culpabilização em nós
professores, como os desafios da evasão escolar, fechamento de turmas,
desmotivação dos discentes e tantos outros. Como está se consolidando a formação
e construção dessa identidade? Será que está sendo construída e formada para
superação, ou preparação para mudanças e incertezas ou apenas para aceitação do
que está posto?
Desejamos que seja para um viés de alcançar as idealizações de Freire (1983)
que nos provoca:
educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem
que pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a
saber mais – em diálogo com aquêles que, quase sempre, pensam que nada
sabem, para que êstes, transformando seu pensar que nada sabem em saber
que pouco sabem, possam igualmente saber mais (p. 15).

É preciso haver um profundo exame existencial para que sejamos capazes de


identificar as necessidades mais profundas presentes numa prática autossuficiente e
atitudes reflexivas. Muitos são os caminhos a serem trilhados pela profissão docente,
inúmeros os desafios que se encontram postos a carreira docente, muitas são as lutas
que ainda serão travadas a título da busca pela emancipação e reconhecimento
profissional.

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Ressaltando, que a escola de hoje não é a mesma do tempo histórico anterior,


pois a historiografia nos mostra os detalhes da docência, onde a atuação da docência
era valorativa, voltada para religiosidade e atualmente assume diversas facetas. Nas
palavras de Arroyo (2007)

As escolas não são um espaço tranquilo onde verdades verdadeiras são


repassadas, mas questionadas. Questões que vêm da dinâmica social e
cultural, das ciências, da política, dos movimentos sociais, do movimento
docente e também dos educadores e dos educandos, das formas tão
precarizadas de viver a infância, adolescência, a juventude ou a vida adulta.
Interrogações que penetram no interior das grades curriculares e as
desestabilizam em suas certezas (p. 51).

Apesar dos avanços legais das últimas décadas, extensa é a caminhada na


busca em assegurarmos e ampliarmos as questões de ordem moral, legal curricular e
formativa do professor. Nesse contexto a emancipação só será ponto de ordem
quanto mais trilhamos pelo campo formativo, quanto mais nos apropriamos dos
saberes universais, mais estaremos conscientes e preparados para juntos educandos
e educadores alcancemos a liberdade, igualdade e o senso de pertencimento
necessário para sermos capazes de fazermos nossas próprias escolhas.
Portanto, precisamos que nossas escolhas, a identidade que assumimos sejam
conscientes embasadas numa perspectiva teórica de responsabilidade, compromisso
ético-social, para libertação política e emancipação humana. Para construção e
formação identitária dos docentes da EJA insistimos na tríade pesquisa, ensino e
formação, pois Freire (2000) nos adverte que

Ensinar exige pesquisa. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.
Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino
continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei
porque indago e me indago. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade (p. 32).

Então, que possamos ser professores-pesquisadores da nossa prática, para


compreender essa formação e construção da identidade, pois o campo teórico-prático-
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metodológico que nos redescobrimos quanto seres inacabados, que nos movimenta
a busca do mais conhecer, para o transformar nossas realidades, aqui o chão da
escola.
Desta forma, esperamos que este trabalho possa ter suscitado intrinsecamente
em cada profissional, pesquisadores, educadores da EJA, sujeitos educandos da EJA,
instituições formadoras e sociedade em geral que não vejam este trabalho como
respostas ou receitas, mas inquietudes acerca de qual identidade estamos
construindo e formando, nesse contexto de tantas especificidades a Educação de
Jovens e Adultos.

Referências
ARROYO, Miguel. Formar educadores e educadoras de jovens e adultos. In:
SOARES, L. (org). Formação de Educadores de Jovens e Adultos. Belo
Horizonte: Autêntica/ SECADMEC/ UNESCO, 2006, p. 17-32.
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ALTERNÂNCIA E AGROECOLOGIA: PROJETO DE FORMAÇÃO DE


JOVENS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Nelsimar Dias Perosini


Lia Maria Teixeira de Oliveira

Resumo
Neste artigo discutimos as novas ruralidades a partir da proposta de formação de
jovens em bases agroecológicas, estruturadas no Programa de Intervivência
Universitária – Campo e Campus – Jovens rurais, protagonizando o fortalecimento da
agricultura familiar e a construção do conhecimento agroecológico no Estado do Rio
de Janeiro, tendo a Pedagogia da Alternância como práxis formadora. Projeto que fora
idealizado pelos movimentos sociais representados pela Articulação de Agroecologia
do Rio de Janeiro (AARJ) em conjunto com os docentes da UFRRJ e com apoio/
financiamento do CNPq/MDA, esta união resultou em um material político/ cultural
pedagógico pautado na diversidade, na pluralidade de pensamentos e dos atores
sociais pertencentes de assentamentos, quilombolas, indígenas, áreas rurais e
periurbanas do Rio de Janeiro e, tem como seu principal objeto de estudo a formação
na Pedagogia da Alternância e da Agroecologia como movimento estratégico na
formação destes jovens e de todos os envolvidos no projeto ( bolsistas do CNPq,
Extensionistas da UFRRJ, integrantes da AARJ e docentes ).

Palavras-chave: Agroecologia. Educação do Campo. Jovens.

 Departamento de Educação do Campo, Movimento Sociais e Diversidade (DECAMPD), Bolsista PIBIC/CNPq


UFRRJ, Seropédica-RJ-Brasil. E-mail: nelsimarperosini@gmail.com
 Doutorado e Mestrado e em Ciências, do Programa CPDA/Ciências Sociais do Desenvolvimento, Agricultura e

Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ. Professora Associada IV da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ. E-mail: liamteixeiradeoliveira@gmail.com
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Enlaces entre temposespaços1 e atores sociais da educação do campo

Os atores sociais dos setores populares de luta pelo desenvolvimento local e a


reforma agrária tem destacado em seus discursos e práticas políticas, a participação
num determinado coletivo como sendo um princípio de base da organização para a
efetivação dos processos sociais onde estes estão militando. Compreendendo essa
especificidade foi que entre os anos de 2009 e 2012, atores políticos e institucionais
se encontraram para a organização e execução de uma proposta de formação de
jovens em bases agroecológicas estruturada como Programa de Intervivência
Universitária2, com financiamento do CNPq/MDA e a UFRRJ/Reitoria.
O projeto nasceu logo num primeiro encontro entre os movimentos sociais
representados pela Articulação de Agroecologia do Estado do Rio de Janeiro - AARJ3
e os docentes da UFRRJ das áreas de educação, economia doméstica, agronômicas,
educação do campo, ensino agrícola e ciências sociais, em agosto de 2008. Como
bolsista do Projeto de Iniciação Científica e a minha orientadora professora Lia Maria
Teixeira de Oliveira temos como uma das metas fazer o estado da arte da agroecologia
na UFRRJ. O que verificamos nos levantamentos documentais, nos levou a selecionar
o Projeto Campo e Campus – Jovens rurais protagonizando o fortalecimento da

1 Certeau (1994).
2 Campo e Campus – Jovens rurais protagonizando o fortalecimento da agricultura familiar e a construção do
conhecimento agroecológico no Estado do Rio de Janeiro é o projeto que propiciou a experiência de intervivência,
nosso objeto de reflexão no presente texto sobre alternância e agroecologia.
3 No período em que o projeto foi sistematizado pelo ator coletivo e o institucional (este coordenou o Programa

junto à UFRRJ e CNPq). A AARJ se apresentou representando as entidades e instituições tais como: Assessoria
e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Rede Fitovida de plantas medicinais, Cooperativa de Prestação de Serviços
em Agroecologia (CEDRO), Rede Ecológica de Consumo, Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio
de Janeiro (PESAGRO-RIO), Associação de Agricultores Biológicos (ABIO), Grupo de Agricultura
Ecológica/UFRRJ (GAE), Grupo de Estudos e Trabalho em Ensino e Reforma Agrária/UFRRJ (GETERRA), Mutirão
de Agricultura Ecológica/UFF (MÃE), Pastoral da Saúde, Pastoral da Criança, Instituto Terra, Verdejar, Associação
de Moradores do Quilombo Campinho, Instituto de Desenvolvimento Comunitário (IDACO). Cabe então destacar
que os 70 jovens do programa vieram dessas entidades, de regiões Sul, Norte, Metropolitana, Vale do Paraíba e
Serramar do Estado do Rio de Janeiro.
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agricultura familiar e a construção do conhecimento agroecológico no Estado do Rio


de Janeiro como representativo de uma construção coletiva em formação política pela
agroecologia, que alcançasse os jovens rurais, quilombolas e da agricultura
periurbana das regiões do Rio de Janeiro e do Estado. Ao ser estruturado o projeto foi
submetido ao edital n° 23/2008 do CNPq e MDA atendendo plenamente à UFRRJ e à
AARJ, ambas interessadas em ampliar saberes e práticas construídas nas lutas
populares pelo acesso à educação de jovens e adultos para o exercício da cidadania
de forma crítica e participativa da agroecologia do estado do Rio de Janeiro.
O processo de planejamento participativo do projeto entre instituições e
entidades resultou na sistematização de um material notadamente político-cultural e
pedagógico em bases da diversidade, pluralidade de pensamentos, perpassando pela
constituição formativa das propostas formativas da educação do campo em
Agroecologia e Agricultura Familiar. Todavia, mesmo cientes dos riscos quando se
trata de trabalhos que enlaçam espaçostempos e atores sociais instituintes e
institucionais, o projeto teria o desafio de contar com o CNPq.
Olhando sobre os enlaces institucionais e instituintes a proposta nascia de
contextos diferenciados e de expectativas de tantos atores experientes na prática e
na análise de conjuntura político-cultural de formação de sujeitos para a cidadania e
da produção de conhecimentos especializados na agricultura familiar sustentável. A
“ideia força”4 que mobilizaria os atores nos dois anos de trabalho intelectual, político-
pedagógico se voltou para a socialização da agroecologia em meio à juventude e aos
adultos da agricultura periurbana e do meio rural em áreas de conflito pela terra e
ambientais.
A intencionalidade do CNPq/MDA era de selecionar as propostas que visassem
“estimular a divulgação e apropriação de conhecimento geral e especializado
disponíveis nas Universidades, Centros Tecnológicos e Escolas Técnicas Públicas”

4Tal como Gandin (1991) emprega o termo para se referir as utopias que nos orientam e nos sustentam em
práticas participativas da educação popular.
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formando jovens estudantes e residentes da Zona Rural que, naquela época,


estivessem engajados em atividades educativas, extensionistas e organizativas para
então multiplicar os conhecimentos. Portanto, reuniram as utopias pela agroecologia
como referencial epistemológico e estratégico a Alternância como inovação
pedagógica/metodológica de ensino-aprendizagem. Por que a pedagogia da
alternância deveria ser o regime, o modelo metodológico e a práxis de formação? Por
que a alternância seria selecionada para tecer continuidades e descontinuidades na
formação entre espaçostempos dos territórios, comunitários, universitários e
escolares. Ainda que atores sociais e políticos tivessem em meio a territorialidades
constituídas por uma educação do campo que assume a luta pela reforma agrária
tendo a agroecologia como campo científico-cultural e político para o enfrentamento
das disputas pela revolução5, outro desafio se fazia inerente à formação, a saber: o
projeto trabalharia a alternância como sendo práxis, sendo a estrutura estruturante da
construção de conhecimentos e de identidades gestadas num mundo rural e urbano
contemporâneo, onde se situa a disputa, agroecologia x agronegócio.
Vale citar Mochcovitch (1995) devido a interpretação da autora sobre revolução
cultural, como categoria gramsciana, segunda a qual nos apropriamos devido a
intencionalidade dessa ao unir instituídos e instituintes para executar o projeto Campo-
Campus6. Para a autora é importante explicar que:

a reforma intelectual e moral tem seu ponto de partida na crítica do senso


comum produzido e reproduzido pela introjeção de valores da ideologia
dominante nas massas subalternas e integrado igualmente por
reminiscências das concepções de mundo que prevaleceram em momentos
de dominação já ultrapassados historicamente (...) a reforma intelectual e
moral é essa luta cultural que ultrapassa os interesses mais imediatos
(econômicos) das classes subalternas, e, com base na elevação cultural das
massas, cria formas de ver o mundo adequadas a uma nova fase histórica, a
ponto de fazer delas “forças materiais”, como dizia Marx (...) o projeto dessa

5 Entendemos essa concepção de Gramsci engendrada na mobilização de atores e intelectuais orgânicos


dispostos a dar direção política à reforma intelectual das massas.
6 De agora em diante denominação utilizada quando for necessária nominar o Programa de Intervivência da

UFRRJ, coordenado pela autora deste texto.


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reforma é, portanto, a superação das formas de consciência existentes, da


filosofia dominante e da visão de mundo das classes dominantes (p.38-39).

Estamos num espaço político-cultural onde ocorrem disputas pela hegemonia


de projeto de sociedade. A Agroecologia e Segurança Alimentar são na atualidade os
significantes dos processos sociais e produtivos da agricultura familiar na luta cultural
e política, secular, escravocrata que os povos do campo travam com os grandes
empresários (outrora categorizada como sendo oligarquia rural). É significativo
compreender os projetos de educação do campo, na escola ou no local de trabalho,
como ancorados no campo político-ideológico das classes populares, onde se
engendram nova cultura radicada na consciência de classe, no movimento por uma
educação do campo cujo resultado da produção crítica dos sujeitos na luta pela terra
e das identidades sociais dos povos do campo. Por isso que para aqueles vinculados
à organização da agricultura familiar, a agroecologia assume uma cientificidade
gestada na perspectiva crítica, nas mentalidades e dos valores culturais populares em
processo de conscientização. Para os movimentos sociais, esta é uma demonstração
de que não é somente um movimento de resistência, estes assumem que são
propositivos para a construção de outro modelo de intervenção na organização social
e produtiva que aproxima campo-cidade, natureza-sociedade, trabalho manual-
intelectual, participação-inclusão e desenvolvimento e sustentabilidade.
Então, neste texto, objetivamos revelar as nossas impressões sobre a
pedagogia da alternância e a agroecologia como movimentos estratégicos à formação
de atores e sujeitos7 não somente do Programa de Intervivência Universitária, que foi

7 Baseando-nos em Pais (2003), fazemos a distinção entre sujeitos e atores nomeando a partir do seguinte
entendimento: para nós, sujeitos são aqueles que participam de um projeto dando sentido pessoal ou não, mas
dando sentido e sofrendo os impactos das possíveis interações dessa participação, enquanto os atores seriam
aqueles representantes dos indivíduos nas ações coletivas, em entidades de classe, categorias, profissionais, etc.
Entretanto, para Pais (2003), ambos os termos podem ser concebidos como convenções sociológicas, sendo
representadas pela entidade de indivíduo social. Para nosso entendimento o mais importante é que nas redes de
subjetividade formadas pela ação de sujeitos sobre o cotidiano, micro contexto, este local de ações formativas,
compreende as “situações de interação” em que passam os jovens. Assim o livro de José Machado Pais foi
incorporado em nossa pesquisa devido ao seu enfoque nos estudos do cotidiano e das redes de subjetividades
formadas por situações de interação de sujeitos e processos sociais em ocorrência em micro contextos.
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um exemplo destacado nesse texto, que trata sobre agricultura urbana e familiar,
integrantes da AARJ, bolsistas do CNPq e de Extensão da UFRRJ, em prol de uma
formação em bases Agroecológicas e de Soberania Alimentar.

1. De onde falamos e com quem dialogamos

Como dissemos sobre a experiência, esta tem laços que vieram se estreitando
desde o final da década de 1980. Alguns parceiros do projeto Campo Campus se
conheciam de aulas e eventos na UFRRJ e mesmo na militância dentro dos ambientes
institucionais ou de rua pela reforma agrária. Naquela época, quando ainda
estudantes, tínhamos mais dúvidas do que certezas sobre os estragos do modelo
desenvolvimentista com base na industrialização, exportação e capital estrangeiro que
conformava para a dominação das estruturas do meio rural. Hoje temos clareza
quanto foi social, cultural, política e economicamente desastrosa a modernização do
campo e a tecnificação da agricultura baseada na Revolução Verde. A modernização
utilizou exaustivamente os agrotóxicos, incentivou desmedidamente a biotecnologia
para sementes geneticamente modificadas, abusou do poder político para manter o
protecionismo do estado em relação à burguesia e a posse da terra, perpetuando uma
estrutura latifundiária, que na atualidade se configura na empresa agrícola ou no
agronegócio.
Quanto ao modelo agroecológico, é uma prática comum dos agricultores a troca
de excedente de produção – além de trocar trabalhos e conhecimentos. O agricultor
familiar pratica o melhoramento vegetal quando decide fazer o seu próprio banco de
sementes, resgatando algumas espécies de plantas que outrora pertenceu à sua
comunidade, intercambiando anos após anos com os outros agricultores que
decidiram também produzir as suas sementes, quando resgatam variedades de
plantas via processos de socialização. Dessa forma, as plantas vão se reproduzindo
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e se adaptando naturalmente ao ambiente. Neste contexto, na agricultura familiar são


trocados excedentes de produção numa economia informal, que é inerente à vida
social entre os povos do campo.
Destaca-se que o paradigma da agroecologia é cultural e científico, pois vem
sendo consolidado como conhecimento e prática de base ecológica, cuja cientificidade
é explicada pelo enfoque sistêmico de compreender a natureza e a sociedade pelo
pensamento complexo e interdependente. O solo para a agroecologia é como um
sistema vivo, dinâmico que sempre está interagindo com os demais elementos da
natureza inclusive com o homem, o que remete ao entendimento segundo o qual tudo
está interligado, implicando na busca de um manejo equilibrado (sustentável
ambientalmente), que propicia aos ecossistemas agrícolas a capacidade de
autorregulação.
A mentalidade agroecológica prima à sustentabilidade ambiental, mas também
a economia solidária, estabelecida no princípio da solidariedade humana e planetária,
resgata o valor moral e ético estruturante e determinante para uma economia e um
mercado justo, que vai implicar além das trocas, formas de sociabilidade e de
produção baseadas na cooperação, associação e união de todos para ações
coletivas. Desta forma, a agroecologia como sendo a agropecuária ecologicamente
correta, toma a configuração científica, econômica, cultural e tecnicamente
comprometida com as causas campesinas pela reforma agrária.
Souza (2004) esclarece que as monoculturas comerciais destroem tradições
locais de subsistência, geralmente diversificadas. Isto implica que na educação do
campo as políticas têm se voltado para valorização das culturas dos povos das
florestas, das matas em prol de uma produção agrícola ecologicamente
contextualizada às comunidades tradicionais e as respectivas territorialidades
também. São esses povos que sempre produziram seus alimentos mantendo a
biodiversidade das sementes porque se alimentam e produzem a partir de plantas e
animais que culturalmente tem significados para eles.
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A UFRRJ sempre esteve diante do desafio de formação profissional


agronômica e agrária/territorial para atender ás demandas populares e os grupos que
se formam em prol da defesa do meio ambiente e dos valores de ser humano e da
cidadania planetária. Desta feita, encontramos no livro de Oliveira (2010) alguns
depoimentos de agricultores, pesquisadores e coordenadores de redes sociais que
tem ou já tiveram vínculos nos projetos em que a UFRRJ esteve como parceira. Vale
destacar que o professor Antônio Carlos de S. Abboud, ex-aluno da agronomia, desde
a década de 1970 vem participando ativamente dos movimentos em prol da
agroecologia na UFRRJ. Oliveira (2010) citando o depoimento do professor Abboud
destaca a maturidade da luta pela agroecologia há três décadas:

uma insatisfação com o uso excessivo de máquinas e agroquímicos, com a


destruição sistemática do meio ambiente (...) naquele momento a ecologia não
era um tema da moda, como é hoje. Mas já estava começando a haver
denúncias sobre o desmatamento da Amazônia, por exemplo (...) pouquíssimos
professores se juntaram a nós (...) por outro lado havia um rico intercâmbio desse
grupo de universitários com alguns produtores de orgânicos, especialmente os
‘novos rurais’ da região serrana” (p.65-66).

Pela experiência que a UFRRJ acumula com os atores sociais na formação em


agroecologia de jovens e adultos, arriscamos em sustentar a tese segunda a qual a
agroecologia é um conhecimento e uma prática social que se constrói na relação dos
sujeitos agindo criticamente sobre e nas suas realidades, não sendo significada como
conhecimento científico pelos agricultores, visto que vem da integração da família ao
ambiente; há de se considerar que a agroecologia é resultado das identidades e da
territorialidade dos sujeitos em seus processos de ocupação da terra e a cultura
(cosmovisão). Portanto, tem a ver com a proposta de reforma agrária dos agricultores
que desejam anteriormente a qualquer decreto-lei, participarem da reforma intelectual
e moral para transformação de mentalidades, para então fazerem a reforma nas
relações de produção (infraestrutura).

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2. Pedagogia da Alternância sistema educativo: práticas e conceitos na práxis


agroecológica

A agroecologia vista a partir de uma forma de organização da vida social e


produtiva de sujeitos torna-se capaz de promover a construção de conhecimentos
estruturantes voltados para criar condições intelectuais e objetivas de sujeitos
orgânicos dos movimentos sociais que participam de lutas por reforma agrária. No
entanto, para que saberes consolidados nas experiências cotidianas dos sujeitos e
atores políticos do campo sejam incorporados na formação fez-se condição a
construção de uma filosofia e metodologia de formação, que por muitos vem sendo
denominada de alternância. Concernente a tal compreensão, a aproximação entre
Agroecologia e Soberania Alimentar se dá na medida em que se pretende superar o
modelo de organização social e de produção excludente que ainda permanece no
campo. Assiste-se aos processos de insegurança alimentar devido a alta
concentração de terras para o agronegócio, o uso de agrotóxico, as monoculturas,
degradação do ambiente humano e natural que articuladas culminam na destituição
da soberania alimentar de povos tradicionais do campo.
As novas formas de produção de conhecimento em meio acadêmico, em
tempos de revisão e transição paradigmática, remetem à Agroecologia como sendo a
ciência contra hegemônica resultante da articulação de saberes populares, da
experiência de vida e de pesquisas acadêmicas que são geradas de redes sociais de
cientistas com agricultores. É a ação crítica sobre os ecossistemas agrícolas, de modo
a não corroborar com as formas de produção de mundo rural espoliadoras da natureza
e do ser humano. Sabemos que a agricultura familiar em grande medida não tem sido
aquela prática social acusada de ser responsável pela atual crise ecológica e social.
Pelo contrário, o agronegócio que tem a monocultura e a agricultura moderna como
sustentáculo para intervenção contumaz do homem no meio ambiente, é a que tem

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sido responsabilizada por um projeto de sociedade agrária que separa campo-cidade


e natureza-sociedade.
A formação em bases da agroecologia, normalmente, adota conteúdos e
práticas sociais de natureza diversificada, na medida em que os fundamentos e a
metodologia de cada experiência ganham realidade pelas contextualizações próprias
dos territórios e locais/regiões, dos sujeitos onde estes se situam na luta pela terra,
na territorialidade e na cultura. Observa-se que nos trabalhos universitários, os
enfoques de conteúdos e práticas têm se limitado, na maioria das vezes, à reprodução
e/ou apropriação de saberes exclusivamente científicos descontextualizados da
realidade via pedagogia tradicional. Ou seja, na escola ou na universidade os
conteúdos e valores sociais são tratados de modo a preparar os indivíduos para
desempenhar papéis e a lidar com as normas vigentes que mantém a divisão social e
técnica do trabalho. Para a academia a ciência e a técnica são respostas definitivas,
solucionam todos os problemas pela experimentação acerto e erro. Pensando assim,
foi que a tendência pedagógica tecnicista se acomodou, se mantendo em meio às
metodologias e processos educativos dotando às ações de caráter racional e
produtivista, para dirimir as interferências subjetivas ou ideológicas contra
hegemônicas no âmbito da escola, universidade, na extensão rural, no ensino
profissionalizante agrícola/agrário. Nesta perspectiva, o tecnicismo moldou as
instituições educacionais e de pesquisa subordinando a educação de jovens e adultos
às leis da sociedade industrial e do mercado, visando a formação de “mão de obra”,
“recursos humanos” para usarem as tecnologias.
A educação do campo pela tendência crítico-dialética e pluralidade cultural
adota novos espaços de construção de conhecimento socioambiental e cultural
referenciados a partir das experiências específicas dos atores e sujeitos, mediado pela
análise crítica sobre o sistema capitalista que tem finalidades sociopolíticas de
subordinação do agricultor familiar ao capital e ao determinismo econômico das
cadeias produtivas do agronegócio.
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A Pedagogia da Alternância (Zamberlan, 1995) entre práticas e conceitos


delineou e articulou todo o processo de formação dos jovens em agroecologia. A
metodologia de trabalho pela alternância permite aproximar e interagir com e nos
tempos e espaços da juventude rural/urbana e quilombola, compreendendo as
agendas de lutas, o trabalho de produção agrícola, elementos da cultura e a
sociedade.
Na atualidade a Licenciatura em Educação do Campo, curso regular da UFRRJ
que veio no esteio do projeto Campus-campo (2009/2013), atua com agroecologia,
educação popular buscando organicidade entre temposespaços com uma
programação definida pelo estreitamento teoria-prática, saber-fazer em dois tempos e
espaços que denominamos de Tempo Escola (na UFRRJ) e Tempo Comunidade (na
sua terra), com o eixo estruturante: trabalho, educação, reforma agrária,
desenvolvimento local, cultura (interculturalidade) e agricultura sendo tratados como
prática social. Vimos em Gimonet (1998) outra característica importante da
alternância para sistematização e práticas de formação, que também visualizamos
nos jovens. Eles atendiam as nossas orientações de organicidade às ações; os
jovens, tal como preconiza Gimonet (1998), respondiam positivamente as atividades
e instrumentos pedagógicos específicos para articular os tempos e espaços,
associando em sinergia as dimensões práticas e conceituais, facilitando a
problematização de suas realidades. Segundo Gimonet(1998) é indicado

articular os tempos e espaços de formação que consiste em criar liga e


ligação, isto é, interação entre os dois espaços-tempos, continuidade na
sucessão das micro-rupturas engendradas pela passagem de um para o
outro (nos planos relacionais, afetivos, epistemológicos), coerência, unidade,
integração (p.6).

A Pedagogia da Alternância como processo formativo que atende as


expectativas de associar Tempo Escola e Tempo Comunidade ou mesmo sendo
práxis pedagógica vem sendo apropriada segundo a realidade cultural e política

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brasileira. Ficou evidenciada nos períodos do tempo escola que a maior parte dos
jovens tinha acumulado a experiência de seus pais no espírito de luta pela democracia
nas decisões a serem tomadas por eles/elas. Participaram das decisões e deram
organicidade em parceria com a equipe da UFRRJ. Organizaram coordenações e
núcleos para reafirmação de seus direitos e obrigações de estudos, diversões e
momentos culturais.
O atual debate sobre a diversidade do campo, não pode ser compreendido fora
da configuração identitária de grupos contra hegemônicos, na medida em que no
espaço/tempo rural/agrário se entrelaçam em outras dimensões e processos de
socialização, como os de formação. A pedagogia da alternância tem sido empregada
usualmente porque assume a aproximação entre os espaços e tempos de estudos às
agendas de luta e trabalho que os movimentos sociais trazem como perspectivas pela
reterritorialização de subjetividades num mundo rural que os excluiu.
Por força das redes sociais contra hegemônicas constituídas de atores
coletivos de novas relações de produção e pela reforma agrária, intensificam-se
processos socioculturais e políticos visando a desconstrução de subjetividades
formadas em laços do passado, que oprimiam os indivíduos a uma visão homogênea
e hegemônica de campo e campesinato. Precisamos avançar com a dialogicidade
ancorada em princípios que solapam a disciplinaridade moderna, de modo a
seguirmos orientados para uma prática pedagógica auto-organizativa e
transdisciplinar.
No programa de Intervivência Universitária e na Licenciatura em Educação do
Campo, os educadores e educandos se transformam em meio às práticas dialógicas,
a partir de uma perspectiva política e científico-cultural enredada na diversidade e
multiplicidade de conhecimentos e saberes dos povos campesinos e das matas. Por
isso que as pedagogias que elegem a autoformação e a dialogicidade de modo que
os educando se reconheçam na práxis, estas têm sido referência para os movimentos
sociais. Vários autores, brasileiros e estrangeiros, em diferentes eventos e
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publicações, vêm defendendo essa nova postura diante da complexidade que é a


realidade atual, um deles é Edgar Morin; outros defendem processos formativos
vislumbrando uma solidariedade efetiva, pautado num outro “saber cuidar” humano e
da natureza (Carlos Rodrigues Brandão e Leonardo Boff). Assim, o componente ético
e humano com o qual a educação superior e as instituições educacionais têm que
estar afinadas não se esgota num ou noutra pedagogia, mas nas experiências e
expressões de alteridade de grupos sociais que unidos em projetos políticos e
públicos há todo momento criam e recriam a sua práxis. Em rede social e política, os
atores coletivos reivindicarem os direitos de viver e produzir com qualidade social e
ambiental, em bases Agroecológicas.
A ressignificação é inerente ao conhecimento crítico dos jovens sobre as
práticas sociais. Assim aconteceu naquele período da Intervivência no momento em
que os jovens associaram as teorias da agroecologia, da sociedade, da natureza, das
novas ruralidades, às suas trajetórias cotidianas de sujeitos/atores do campo e da
cidade. A partir de princípios solidários, participativos e de reconhecimento das
diferenças culturais dos povos do campo e da cidade, eles/elas puderam sintetizar
toda a aprendizagem passada na experiência de Intervivência e começaram a propor
ações no campo da agroecologia norteadas por pensamentos emancipados para suas
comunidades.
Os movimentos do campo, de tempos em tempos, unidos em diversas “tribos”8
(indígenas, trabalhadores rurais, agricultores familiares, ONGs, militantes na
educação, escolas agrícolas etc.), reúnem-se num discurso único, interdependente,

8 Utiliza-se o mesmo sentido de Mafessoli (1998), no Tempo das Tribos, em que se coloca a questão das
identidades na pós-modernidade. Para o autor, as identidades estão em crise por fazerem parte de processos em
que o sujeito não se apresenta tão uniformizado ou unificado, na medida em que suas referências pessoais e
coletivas da modernidade são cada vez mais questionadas, porque vivemos a desordem na instabilidade,
descentrando e deslocando o indivíduo de suas permanências, regularidades e certezas. Assim, Mafessoli (1998)
acha que a pós-modernidade traz um “tribalismo”, a emergência de “tribos”, “grupos afins em estilo de vida social
e de pensamento”. Podem ser grupos que se articulam em diversas causas, fincados no presente, sem esperar as
promessas de uma emancipação baseada na modernidade. O presente é o aqui e o agora, sem âncoras em
promessas do passado. São grupos que, esgotados pela espera da liberdade, retomam suas subjetividades em
identidades coletivas que se formam num quadro de referências dos próprios grupos afins.
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para colocarem as suas visões de cultura, educação, produção, trabalho e meio


ambiente como propostas de Educação do Campo. Em rede social e política, os atores
coletivos reivindicam os direitos de viver e de produzir com qualidade social e
ambiental, em bases agroecológicas.
Portanto, o Programa de Intervivência Universitária e a Licenciatura em
Educação do Campo como modalidades da educação básica e superior do campo
ganham espaços na UFRRJ, na medida em que tem como organicidade o eixo
primordial dos atores do campo, que é trabalhar pela agroecologia em processos
formativos relacionados às novas ruralidades, as diferenças, a política de igualdade,
o respeito à especificidade de projetos identitários e à diversidade de sujeitos
(Conferência Nacional Educação do Campo, Luziânia/GO, 2004).

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EDUCAÇÃO EM AGROECOLOGIA: UM ESTUDO DO PROJOVEM


CAMPO DO DISTRITO FEDERAL

Maria da Conceição do Nascimento Oliveira

Resumo
Este artigo apresenta um estudo do ensino da agroecologia no Projovem Campo -
Saberes da Terra no Distrito Federal, com o objetivo de compreender as relações do
ensino das Ciências Agrárias com ênfase em Agroecologia e de como os estudantes
puderam se apropriar de conceitos e princípios agroecológicos. Para fundamentação
teórica sobre a Agroecologia usamos Gubur e Toná (2012), Aquino e Assis (2005),
Alteri (2012) e Molina e Sá (2014). A pesquisa teve como metodologia a pesquisa
qualitativa e como instrumento de pesquisa foi utilizado a entrevista. Assim, pudemos
estudar, a partir dos relatos, as mudanças que o ensino da agroecologia proporcionou
nas práticas agrícolas adotadas pelos educandos, agricultores de Planaltina, Distrito
Federal - DF. No decorrer dos 24 meses de duração do ProJovem, foram
apresentados modelos e técnicas alternativas de agriculturas dentro do contexto da
Agroecologia, tanto em palestras expositivas quanto em treinamentos práticos. A
apropriação dos conhecimentos apreendidos vem mudando os métodos de produção
nas comunidades dos estudantes da Educação de Jovens e Adultos do Projovem.

Palavras-chave: ProJovem Campo. Ciências Agrárias. Agroecologia. Educação do


Campo.

Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural Sustentável – Mader. Universidade de Brasília- UNB –
FUP – Planaltina. E-mail: mariaseissa2009@hotmail.com
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Introdução

O programa Projovem Campo: Saberes da Terra foi desenvolvido no período


de agosto de 2015 à agosto de 2017, em Planaltina, Distrito Federal – DF. O programa
é o resultado de políticas públicas nacionais, visando proporcionar a conclusão do
Ensino Fundamental em 24 meses para os jovens do meio rural que já sabem ler e
escrever. Trata-se de um programa da Educação do Campo pensado em sistema de
alternância especialmente para estudantes com idade entre 18 e 29 anos. O programa
visava, ainda, a formação social desses jovens rurais, viabilizando sua qualificação
profissional em Agricultura Familiar com ênfase em Agroecologia.
O artigo proposto tem como objetivo descrever a experiência do ensino de
Agroecologia no Projovem Campo DF, bem como relatar o estudo e a pesquisa
desenvolvida com os estudantes do programa. Para uma melhor compreensão da
importância do ensino da Agroecologia no âmbito da Educação do Campo, será
necessária uma explanação sobre dois campos em disputas: de um lado, o
campesinato brasileiro e tudo que ele representa; do outro, o Agronegócio e suas
consequências sociais e ambientais.
Para falar da Educação do Campo e o ensino da agroecologia, não podemos
deixar de falar dos dois modelos de desenvolvimento do campo: de um lado, a luta
dos camponeses em manter suas tradições de produção com base na agroecologia.
Do outro lado, o agronegócio. Devido à complexidade e profundidade dos temas,
trataremos aqui, em linhas gerais, dos aspectos relacionados à disputa campesinato
e agronegócio e a formação dos educandos do Projovem em agroecologia.

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1. Material e métodos

Os dados foram coletados com 10 estudantes do curso Projovem Campo, que


acontece no Centro Educacional de Ensino Fundamental, em Planaltina DF. Como
instrumento de coleta de dados, utilizamos a entrevista. Conforme sugerem Bauer e
Gaskell (2003) a estratégia utilizada para as entrevistas foi o roteiro semiestruturado
como tópico guia. Esse roteiro tinha como função somente guiar, e não ficar preso nas
perguntas, mas registrar todas as reflexões dos participantes.

O tópico guia é, contudo, como sugere o título, um guia, e não nos devemos
tonar escravos dele, como se o sucesso da pesquisa dependesse só disso.
O entrevistador deve usar sua imaginação social científica para perceber
quando temas considerados importantes e que não poderiam estar presente
em um planejamento ou expectativa anterior, aparecem na discussão
(BAUER; GASKELL, 2003, p. 67).

Após a geração dos dados em campo, todas as entrevistas foram transcritas


para serem analisadas. Essa fase da pesquisa foi de suma importância, pois foi o
primeiro contato com os conteúdos já registrados. Surgiu, então, a necessidade de
sistematização.

As respostas fornecidas pelos elementos pesquisados tendem a ser as mais


variadas. Para que essas respostas possam ser adequadamente analisadas,
torna-se necessário, portanto, organizá-las, o que é feito mediante o seu
agrupamento em certo número de categorias (GIL, 2008 p. 157).

Após a sistematização dos conteúdos, foram selecionadas as categorias a


serem analisadas na pesquisa. A partir das categorias encontradas, iniciou-se a
análise dos conteúdos, relacionando-os com o referencial teórico da pesquisa.

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2. Referencial teórico

O emprego do termo Agroecologia era utilizado anteriormente para definir


zoneamento Agroecológico, um tipo de demarcação de área ou território com
características edafoclimáticas específicas apropriadas a determinada cultura.
Depois da década de 1980 esse conceito ganha outras conotações,
parafraseando Alberto Feiden. Outros autores provocam outras conceituações. Para
Altiere, (1989) a Agroecologia é uma ciência emergente, para Gliessmann (2001) é a
aplicação de conceitos e princípios ecológicos ao redesenho de agroecossistemas.
Há diversas interpretações e compreensões do que é Agroecologia.
Entendemos que sejam definições complementares, e que podem contribuir no
processo de apropriação deste complexo e necessário conceito. Está evidente que a
Agroecologia, tanto no meio acadêmico como nos seguimentos populares se
apresenta a partir de diversos aspectos e as interpretações e compreensões do que
é Agroecologia se diversificam e se complementam.
Partindo das definições propostas pelos acadêmicos da área, entendemos a
Agroecologia como uma ciência em construção com características interdisciplinares,
integrando conhecimentos científicos e conhecimentos práticos tradicionais validados
por métodos inovadores, um movimento ambiental em luta por um mundo resiliente.
Enfim, Agroecologia é ciência, prática e movimento.
Para tratar da formação em agroecologia no Projovem Campo, precisamos
destacar os conflitos existentes no campo brasileiro. De um lado, destacamos o
campesinato e suas diversas territorialidades constituídas, como os ribeirinhos,
quilombolas, quebradeiras de coco, indígenas, assentados de reforma agrária, e
outros tantos grupos sociais ameaçados. Do outro, o agronegócio.
Os grupos de sujeitos do campo e seus territórios se apresentam com
características peculiares, particulares em suas especificidades. Todos eles têm em
comum o fato de que estão construindo o seu lugar de viver e reconstruindo-se ao
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mesmo tempo. Estes sujeitos buscam a sonhada soberania alimentar e a manutenção


do seu modo de vida. São grupos habituados a praticar o extrativismo, uma agricultura
de subsistência onde o excedente da produção é vendido ou trocado local e
regionalmente.
Alguns destes grupos estão culturalmente adaptados a práticas agrícolas
alternativas, livre de agrotóxico, sustentável, integradas com a natureza. Utilizam-se
de práticas agroecológicas por gerações, embora sem nomeá-las dessa maneira, já
que se trata de um conceito cunhado academicamente. Colaboram para a
manutenção de sistemas de produção agrícolas menos degradantes do meio
ambiente.
Por outro lado, a partir da década de 1940, houve o processo histórico
conhecido como Revolução Verde, que incentivou o uso de um modelo de agricultura
inspirado em países do norte global. Esse modelo incentivou a utilização de insumos
agrícolas, como defensores, agrotóxicos, fertilizantes químicos, o uso de maquinários
nocivos à estrutura do solo, sementes geneticamente modificadas, produção em larga
escala, em latifúndios, entre outros elementos.
A Revolução Verde se inicia em um contexto histórico bem marcado no Brasil,
sob o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, que trabalhava com a expectativa
de fazer acontecer 50 anos em 05. Dados de Pinheiro Machado e Filho (2014). Com
o golpe militar em 1964, a Revolução Verde passa ao posto de política agrícola oficial
no novo sistema de governo, a ditadura. Segundo o dicionário de educação do campo:

A Revolução Verde foi concebida como um pacote tecnológico – insumos


químicos, sementes de laboratório, irrigação, mecanização, grandes
extensões de terra – conjugado ao difusionismo tecnológico, bem como a
uma base ideológica de valorização do progresso. Esse processo vinha
sendo gestado desde o século XIX, e, no século XX, passou a se caracterizar
como uma ruptura com a história da agricultura (PEREIRA, 2012, p. 687-
691).

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A Revolução Verde é vista também como um problema que agrega aspectos


sociais, econômicos, culturais, políticos e ambientais é e responsável por mudanças
estruturais profundas na sociedade como um todo. Abrangido nesse modelo de
agricultura está o Agronegócio, que recebeu essa nomenclatura a partir da década de
1990. Refere-se a todos os segmentos produtivos ou comerciais diretamente ligados
à cadeia produtiva do paradigma atual, resultante da Revolução Verde. O Agronegócio
objetiva a mercantilização da natureza, transformar alimento em mercadoria, tendo
desencadeado vários problemas sociais e ambientais. Assim, a Revolução Verde
estabelece o agronegócio, e este deixa atrás de si um rastro vergonhoso de
catástrofes sociais e ambientais. Promove a concentração de terras e rendimentos
econômicos, acentuando ainda mais as desigualdades sociais no Brasil.
No campo social, promove o aumento da pobreza, o êxodo rural, a
desterritorialização e a favelização dos grandes centros urbanos do país. Vinculado a
isso está o aumento da violência, marginalidade e criminalidade. No âmbito ambiental
as perdas são ainda maiores, pois implica prejuízos também para as futuras gerações:
contaminação de solo, águas e ar, desmatamento e desertificação, contaminação dos
alimentos e pessoas por agrotóxicos.
O termo agronegócio, segundo Leite e Medeiros (2012), está ligado com a
noção de agribusiness, termo americano criado pelos professores John Davis e Ray
Golbderg, da área de administração e marketing. O interesse do agronegócio não está
só no campo, existe uma aliança com outros segmentos da sociedade. Neste sentido,
os interesses estão dentro da política, dos meios econômicos, nas mídias e em
disputar o imaginário da sociedade.

Desde que seu uso se impôs, o termos agronegócio tem um sentido amplo e
também difuso, associado cada vez mais ao desempenho econômico e à
simbologia política, e cada vez menos às relações sociais que lhe dão carne,
uma vez que opera com processos não necessariamente modernos nas
diferentes áreas e regiões por onde avança a produção monocultura (LEITE;
MEDEIROS, 2012, p. 83).

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Argumentos como o aumento da produção e produtividade foram usados para


convencer os camponeses de que esse seria um modelo de agricultura viável. Assim,
muitos agricultores atualmente ainda utilizam esse modelo de agricultura. No entanto,
não houve a conscientização sobre as técnicas de proteção individual ou dos males
que estes causam ao ambiente e as pessoas. A agroecologia vem justamente
contribuir para estabelecer um modelo de agricultura baseado nos saberes históricos
dos camponeses e povos tradicionais sobre agricultura, de modo que estes possam
exercer uma agricultura que respeite seus modos de vida, sua saúde e sua autonomia,
soberania e segurança alimentar.
Existe uma grande força dos movimentos sociais do campo, dos povos
tradicionais e da agricultura camponesa que defende a agroecologia. Segundo
Michelotti (2014) são vários os dados sobre a resistência do camponês e das prática
agroecológica, sendo que os conflitos por terra envolvem diferentes ações de
resistência e enfrentamento pela utilização da terra. Assim, esse enfrentamento
avança em algumas conquistas, favorecendo o camponês que luta por terra para
sobreviver.
Essa luta por terra é o resultado da concentração de terras no Brasil. Desde a
década de 20 que se fala em Reforma Agrária. A Revolução Verde proporcionou o
aumento da produção, porém desterritorializou muitas famílias agricultoras e
camponesas.
Em consequência, esses eventos contribuíram com a formação de muitos
movimentos sociais do campo, lutando por terra, por justiça social e por um lugar para
se viver. Os movimentos sociais do campo lutam também por Educação do Campo,
por agroecologia e por qualidade e diversidade na produção de alimentos.
Para Gubur e Toná (2012), a agroecologia nasce nas questões ecológicas,
envolvendo as condições e saberes populares do campo, tornando assim, as políticas
e culturas do camponês um modelo de produção alternativo e eficaz contra a
hegemonia do agronegócio.
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A agroecologia pode ser caracterizada como uma disciplina que fornece os


princípios ecológicos básicos para estudar, desenhar e manejar
agroecossistemas produtivos e conservadores dos recursos naturais,
apropriados culturalmente, socialmente justo e economicamente viável
(GUBAR; TONÁ, 2012, p. 60).

A agroecologia objetiva não só a agricultura meramente cultivada, mas busca


outras relações sociais com os sujeitos envolvidos. Assim, em uma comunidade que
tem como princípio produtivo a agroecologia, existe uma valorização da cultura, dos
saberes, das técnicas milenares tradicionalmente valorizadas pelas comunidades,
coexistindo assim os sujeitos com a natureza, sempre com respeito.
Os princípios da agroecologia visam reconhecer a ecologia na produção
agrícola, nas ciências, na cultura e outros aspectos da produção humana. Segundo
Altiere (2012) a agroecologia ultrapassa qualquer visão unidimensional dos
agroecossistemas para desabar em conceitos ecológicos e sociais de coexistência.

3. Resultados

Os alunos do Projovem Campo são, em sua maioria, assentados de reforma


agrária, vivendo na área rural de Planaltina DF. São pessoas provenientes das
periferias urbanas, portanto um público específico com características e necessidades
específicas. Todos em busca de um lugar para dele e nele viver. Ansiosos para
aprender novas práticas de produção agrícola. Os temas tratados na formação
referentes a Agroecologia foram a base para adoção de suas práticas produtivas.
O processo pedagógico do Projovem Campo do Distrito Federal pretende estar
ligado com a vida: a vida deve, de fato, nortear os espaços e as práticas educativas
do programa. E quando tratamos de vida no campo, estamos falando da produção
familiar, do trabalho familiar, do trabalho coletivo, da cultura religiosa, dos costumes e
hábitos tão particulares que precisam ser valorizados na escola, e não ficar de fora
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dos conteúdos, das relações, do processo ensino-aprendizagem dos sujeitos


camponeses. Um processo pedagógico ligado com a vida social, buscando entender
a realidade na qual está inserida e, com ela, todas as suas contradições, para que
passemos a entender a importância de se ensinar e aprender.

Para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável e produtiva, a


agroecologia orienta práticas de: aproveitamento da energia solar através da
fotossíntese; manejo do solo como um organismo vivo; manejo de processos
ecológicos – como sucessão vegetal, ciclos minerais e relação predador –
praga; cultivos múltiplos e sua associação com espécies silvestres, de modo
a levar a biodiversidade dos agroecossistemas; e ciclagem da biomassa –
incluindo os resíduos urbanos (GUBUR; TONÁ. 2012, p 61).

O modelo de agricultura construído nas bases agroecológicas pensa uma


agricultura em equilíbrio com a natureza e forma biológica dela trabalhar,
diferentemente do agronegócio, que desmata as florestas, retirando da terra todo seu
potencial produtivo, colocando, em seu lugar, agrotóxicos para produção em larga
escala.
O Ensino de agroecologia nas ciências agrárias buscou relacionar as práticas
de produção das comunidades dos estudantes, mostrando alternativas de produção
com bases agroecológicas, uma vez que os estudantes tinham formas de produção
convencional e uso de agrotóxicos.
Dos 10 estudantes que responderam à pesquisa, 80% não conhecia o termo
agroecologia e 100% começou a usar práticas agroecológicas em sua comunidade
depois do ensino no Projovem Campo, conforme pode ser percebido no relato de um
dos entrevistados:

Depois do Projovem mudou totalmente a minha visão de agroecologia, a


importância de saber produzir com qualidade e conforto sem gastar tanto.
Produzir sem veneno. Antes nem sabia o que era agroecologia, hoje é o que
quero continuar fazendo em todos os dias da minha vida (ESTUDANTE
ENTREVISTADA).

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Há depoimentos de estudantes que relatam a importância desse aprendizado


para as mudanças das práticas agrícolas. Relatam, ainda, que aprenderam a trabalhar
com o que a natureza oferece, que fazem práticas de produção em harmonia com a
natureza. Para Molina e Sá (2014), o ponto forte da agroecologia para a preservação
da lógica camponesa é o controle e autonomia da família sobre os processos de
produção e da força de trabalho, condições primordiais para o modo de produção dos
povos do campo. É o que podemos compreender, na fala de um dos entrevistados:

Mudei muitas práticas na minha casa, e por consequência refletiu na minha


família. Mudei a forma de alimentar e produzir meus alimentos. Tenho tudo
ali, só precisamos nos organizar para aprender com a natureza e, assim, viver
melhor (ESTUDANTE ENTREVISTADO).

4. Considerações finais

Podemos observar que as práticas agroecológicas passaram a fazer parte da


vida dos estudantes após o ensino dos seus princípios e conceitos na disciplina de
Ciências Agrárias no Projovem Campo. Constatamos, assim, que a inserção do
ensino da Agroecologia nas escolas do campo repercute positivamente para uma
mudança do paradigma atual relacionado com o modo de vida e os processos
produtivos.
O ensino de Agroecologia na educação do campo contribui para uma melhor
compreensão das práticas agroecológicas alternativas adotadas pelos agricultores, e
para a criação de novas práticas. Ao mesmo tempo, fortalece o senso de
pertencimento, revalorizando o modo de vida rural, promovendo novos hábitos
alimentares que irão refletir em melhores condições de saúde e bem-estar para os
sujeitos. Ao mesmo tempo, promove novas relações dos sujeitos com o meio
ambiente, aproximando ainda mais o homem e a natureza, o que traz diversos outros
benefícios ambientais, baseado no respeito aos tempos e processos da natureza.
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O ensino da Agroecologia mostrou aos sujeitos que participaram dos processos


educativos que existem meios de produção diferentes do imposto pelo agronegócio,
e que estes viabilizam novos sistemas produtivos independentes de insumos
externos, contribuindo fortemente para a autonomia produtiva e soberania alimentar
dos sujeitos do campo.
Os resultados da pesquisa nos mostraram que foi importante e necessária a
compreensão da agroecologia para esse grupo de alunos. Isso nos possibilita inferir
que, se foi bom para estes, também o será para outros jovens rurais.
Entender a Agroecologia como ciência em construção, como movimento social
e ambiental de enfrentamento aos diversos problemas do nosso tempo, como prática
alternativa de produção de alimentos saudáveis se faz necessário, como uma
ferramenta de construção de novas relações entre o homem e o meio.

Referências
ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável.
Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.

GASKELL, G.; BAUER, M.W. Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som. 2
ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2008.

GUBUR, Dominique M.; TONÁ, Nilciney. Agroecologia. In: Dicionário da Educação


do Campo. Caldart, R. et al (orgs.) Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012, p.57-
65.

LEITE, S. P.; MEDEIROS, L.S. Verbete Agronegócio. In: CALDART, Roseli Salete,
PEREIRA, Isabel Brasil, ALENTEJANO, Paulo, FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.).
Dicionário da Educação do Campo. São Paulo, SP: Expressão Popular, 2012,
p.79-94.

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MICHELOTTI, Fernando. Resistência Camponesa e Agroecologia. In. MOLINA, M.C


et all (orgs.). Práticas contra-hegemônicas na formação dos profissionais das
Ciências Agrárias: reflexão sobre Agroecologia e Educação do Campo nos cursos
do Pronera. Brasília. NEAD. 2014. p. 60-87.

MOLINA, Mônica Castagna; Sá, Laís Mourão de. Educação Superior do campo:
contribuições para a formação crítica dos profissionais das Ciências Agrárias. In:
_______. Práticas contra-hegemônicas na formação dos profissionais das
Ciências Agrárias. Brasília: NEAD, 2014.

PEREIRA, Monica Cox de Brito. Educação do Campo. In: CALDART, Roseli Salete,
PEREIRA, Isabel Brasil, ALENTEJANO, Paulo, FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs.).
Dicionário da Educação do Campo. São Paulo, SP: Expressão Popular, 2012, p.
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IDENTIDADE DOCENTE DO PROFESSOR DA EJA E A RELAÇÃO


PROFESSOR-ALUNO

Fabrícia dos Santos Dantas

Resumo
Este artigo discute a relação professor e aluno na Educação de Jovens e Adultos –
EJA e, tem como objetivo analisar como é construída e vivenciada a relação professor-
aluno na EJA. Adota uma abordagem qualitativa, investiga-se o percurso da
construção de afetividade no processo de aprendizagem. A pesquisa contribuirá na
reflexão sobre aspectos individuais que envolvem-se no processo de aprendizagem,
e como os estudantes articulam seu modo de vida com suas vivências na sala de aula.

Palavras chave: Educação. Adultos. Relação. Afetividade. Identidade.

Introdução

O contexto histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil está fortemente


entrelaçado aos movimentos sociais e a luta do povo brasileiro por justiça e igualdade.
Para Freire (1990), a ideia de alfabetização e educação está muito próxima.
“Alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e
ler” (p. 74). Com efeito, é o domínio dessas técnicas em termos conscientes. Entender
o que se lê e escrever o que se entende “implica uma autoformação da qual pode
resultar uma postura atuante do homem sobre seu contexto” (CUNHA, 1989, p. 12
apud FREIRE, 1990, p. 72).

Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia, na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC-Ilhéus-


Bahia. E-mail: fabricia-dantas@outlook.com
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O golpe militar de 1964 interrompeu o modelo de educação proposta por Paulo


Freire, reprimindo a politização e o desenvolvimento do senso crítico.
Em 1967, o governo assume o programa de alfabetização de adultos com a
criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL, voltado para a
população analfabeta de 15 a 30 anos, com uma alfabetização funcional que não
desenvolvia o senso crítico e problematizador.
O MOBRAL se expandiu na década de 1970 e foi extinto em 1985, sendo
substituído pela Fundação Educar. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal,
que ampliou o dever do Estado com a educação de jovens e adultos, garantindo o
ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos, inclusive para aqueles que não
ingressaram na idade própria.
A classe oprimida que sempre foi e continua sendo o maior público deste
segmento, por muito tempo deixou em destaque sua invisibilidade, e mesmo depois
do fortalecimento das políticas educacionais ainda é notório que a EJA é menos
favorecida no que diz respeito aos investimentos e garantias de educação de
qualidade e de meios para sua permanência na escola.
O professor possui um papel fundamental no processo de ensino-
aprendizagem destes alunos, sendo não só mediador, mas aquele (a) que compartilha
saberes, ouve, conscientiza, e demonstra interesse pelo conhecimento de mundo
trazido por estas pessoas.

1. O saber sabor do aprender com o outro

Aluno e professor, ambos devem desempenhar um papel ativo na sala de aula.


A construção de conhecimento deve ser uma troca, num exercício permanente de
respeito aos saberes da experiência e valorização da cultura e sentimentos
partilhados neste contexto.
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Na concepção democrática, o professor trabalha com objetivos explícitos e


preocupa-se com o desenvolvimento do aluno, “partindo do princípio de que todo ser
humano é capaz de aprender (e também ensinar), a relação aluno/professor torna-se
um processo de constante ensino-aprendizagem” (GADOTTI; ROMÃO, 2003, p. 74).
Fica evidente que aprender deve ser um processo dinâmico e dialógico em que
o aprendiz é motivado a pensar ativamente sobre ação humana, as relações sociais
e o lugar onde vive que produz a realidade social a partir das experiências vividas.
O processo educativo é uma consequência dessa posição, deve ser
estruturado e organizado como alternativa válida e capaz de possibilitar aos
educandos, condições para identificar, incorporar e vivenciar, através de ações
concretas os valores que lhe permitirão encontrar-se consigo mesmo e com os outros.
É no exercício da profissão que se cumpre o papel de transformar o saber em
ações, articulando a experiência vivida com as práticas educativas desempenhadas.
Estes saberes notados por alguns alunos de pedagogia estão ligados a relação da
teoria e prática das disciplinas tornando a concepção de sua profissão como um
processo de construção e reconstrução do saber-fazer
Na experiência educativa aberta à procura, educador e alunos curiosos,
“programados, mas para aprender”, exercitarão tanto melhor sua capacidade de
aprender e ensinar, quanto mais se façam sujeitos e não puros objetos do processo.
Assim, Freire (1990) destaca que

Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um


ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De
modo que nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente.
Temos que saber o que fomos e o que somos para saber o que seremos
(p.56).

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2. Caminhos para a construção da identidade docente


A construção de saberes é o caminho para compreender a própria identidade.
É a partir do que aprendemos e apreendemos na formação inicial que construímos e
aprimoramos a nossa práxis pedagógica.
Para Freire (1990)

a práxis, sendo histórica e social, apresenta-se em formas específicas, a


saber: o trabalho, a arte, a política, a educação e etc., além de suas
manifestações individuais e coletivas concretizadas nas relações sociais e
em produtos diversos (p.89).

Historicamente, “os sujeitos sociais elevam sua consciência sobre seu mundo
imediato, transitando de uma consciência ingênua, a possibilidade da crítica e da
transcendência” (FREIRE, 1990, p. 98).
Práxis esta, que evidenciará o ser educador que estará presente na postura em
sala de aula e no desenvolvimento das técnicas, métodos e metodologia escolhidas
para nortear a identidade profissional que segundo Pimenta e Anastasiou (2002)

A identidade profissional constrói-se pelo significado que cada professor,


enquanto ator e autor confere à atividade docente no seu cotidiano, com base
em seus valores, em seu modo de situar-se no mundo, em sua história de
vida, em suas representações, em seus saberes, em suas angústias e
anseios, no sentido que tem em sua vida o ser professor (p. 77).

A universidade é o primeiro degrau para aqueles que possuem o desejo de


atuar profissionalmente na área educacional. É importante considerar as
características e expectativas dos licenciandos, tendo em vista que tais aspectos
abordam sua historicidade e, principalmente o sentido e a relevância com que
ressignificam o ato de aprender.
A compreensão e o respeito à trajetória docente, diante da oportunidade da
formação inicial envolvendo situações didáticas adequadas neste curso, demonstra
uma consciência construtivista e crítico-reflexiva dos alunos que apresentam

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atualmente competências e habilidades desenvolvidas no decorrer de sua vida


acadêmica.
Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um
ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De
modo que nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente.
Temos que saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos
(FREIRE, 1990, p.98).

É importante considerar a formação como processo indispensável na


construção de aprendizagem, visto que quem busca novos saberes estará capacitado
para atuar na área em que escolheu, desenvolvendo assim suas habilidades e
competências, que aparecem na medida em que a relação da teoria e prática torna-
se constante.
Tardif (2002) define a noção de saber “a um sentido amplo que engloba os
conhecimentos, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja,
aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser (p.60)”.
Os saberes de que fala o educador Paulo Freire são advindos da experiência,
uma práxis que fundamenta a teoria, um conhecimento que permite a reflexão crítica
da prática. Seus ensinos nos aproximam da vida, de uma condição humana que se
perfaz inconclusa, um estado de buscas para novas possibilidades.
Entender a prática educativa como parte do processo de conscientização da
inconclusão humana é fundamental para romper quaisquer determinismos, para o
reconhecimento de que o ser humano não é objeto, mas sujeito histórico, que pensa,
rompe, decide, faz opções (FREIRE, 1990).

3. Considerações finais

A construção de saberes é o caminho para compreender a própria identidade.


É a partir do que aprendemos e apreendemos na formação inicial que construímos e
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aprimoramos a nossa práxis pedagógica. Práxis esta, que evidenciará o ser educador
que estará presente na postura em sala de aula e no desenvolvimento das técnicas,
métodos e metodologia escolhidas para nortear a identidade profissional.
Os espaços de conhecimento são extremamente significativos no que diz
respeito a ensinar a pensar; comunicar-se e pesquisar. Assim, a universidade é o
primeiro degrau para aqueles que possuem o desejo de atuar profissionalmente na
área educacional.
A pesquisa será uma grande aliada nas discussões sobre o curso de Pedagogia
desta Universidade, possibilitando reflexão acerca do olhar dos alunos e de como
estes vêm construindo seus sabores na formação inicial.
Além de ser uma ótima oportunidade de repensar o curso, as disciplinas
ofertadas e dar voz aos alunos para que estes opinem a respeito dos saberes
adquiridos na instituição e de como estes acrescentarão em sua vida.
É importante considerar as características e expectativas dos licenciados,
tendo em vista que tais aspectos abordam sua historicidade e principalmente o sentido
e a relevância com que ressignificam o ato de aprender.
Assim, considero que o desafio que Freire nos deixa a reflexão que é
necessário valorizar mais e contribuir com aa EJA na perspectiva e no espírito da
educação popular e de forma a preparar o cidadão para participar ativamente do
processo democrático.
O educador é responsável por enriquecer a vida do aluno, dá mais sentido e
alegria para as suas vivências na sala de aula.
Educar é um ato político. O diálogo é fundamental na construção da educação
do sujeito, para compreensão da estrutura social de conscientização e de
transformação. O alfabetizar não é aprender a ler e escrever através de repetição de
palavras, mas sim dizer sua palavra criadora de sua própria cultura.
Para Freire (1990, p. 80)

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Crescer como profissional significa ir localizando-se no tempo e nas


circunstâncias em que vivemos, para chegarmos a ser um ser
verdadeiramente capaz de criar e transformar a realidade em conjunto com
os nossos semelhantes para o alcance de nossos objetivos como
profissionais da educação.

A prática educativa escolar na EJA deveria ser analisada de modo a considerar


os diferentes contextos geopolíticos e institucionais nos quais ela foi criada, sendo a
escola participante fundamental dessa criação. Uma análise profunda das práticas
sociais envolvidas poderia embasar as tão sonhadas mudanças.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de
outubro de 1988.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática


educativa. 36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. Educação de jovens e adultos: teoria, prática e


proposta. 6. ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003.

PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In:


PIMENTA, S. G. (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 2 ed, São
Paulo: Cortez, 2000.

TARDIF. Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ.


Vozes, 2002.

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PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA: SUSTENTABILIDADE PARA OS


JOVENS E ADULTOS CAMPONESES NA COMUNIDADE JAPUARA1

Getuliana Sousa Colares


Giselle Monteiro Silveira**

Resumo
Esta pesquisa foi desenvolvida no ProJovem Campo - Saberes da Terra na
comunidade Japuara no município de Canindé/Ceará. Temos como título: Pedagogia
da Alternância: sustentabilidade para os jovens e adultos camponeses na comunidade
Japuara. O que levou a esta pesquisa foi a seguinte questão: A pedagogia da
alternância contribui para a sustentabilidade dos jovens e adultos no campo? O
objetivo da pesquisa: Estudar a pedagogia da alternância, objetivo especifico:
Conhecer como surgiu a pedagogia da alternância, identificar as práticas
metodológicas da pedagogia da alternância. A metodologia da pesquisa foi qualitativa,
tipo entrevista com 3 alunos do ProJovem Campo - Saberes da Terra. Temos como
referencial teórico Paulo Freire (1977). Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da
Autonomia. Nos resultados apresentaremos o olhar sustentável que a metodologia
proporciona ao campesinato. O campo precisa de uma escola que desenvolva desde
cedo nas crianças e nos jovens o senso de participação, já que a realidade continua
cada vez mais injusta e discriminatória. Mas precisa existir escola que contribua para
o desenvolvimento e sustentabilidade nas aulas práticas onde produzam e valorizam
a identidade cultural dos alunos.

Palavras-chave: Pedagogia da alternância. Sustentabilidade. ProJovem Campo.

1 Este artigo foi orientado pela professora Drª Eliane Dayse Pontes Furtado.
 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Faculdade de Educação – Fortaleza,
Ceará, Brasil. E-mail: getucolares@hotmail.com
** Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Faculdade de Educação – Fortaleza,

Ceará, Brasil. E-mail: gisellemontsil@gmail.com


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Introdução

O presente artigo pretende proporcionar aos leitores uma pesquisa os que o


programa ProJovem Campo proporcionou desenvolver no ProJovem Campo-
Saberes da Terra na comunidade Japuara no município de Canindé no estado do
Ceará, onde aplica-se a pedagogia da alternância. Temos como título: Pedagogia da
Alternância: sustentabilidade para os jovens e adultos camponeses na comunidade
Japuara as comunidades camponesas que foram contemplados com o Programa,
trazendo uma proposta de Educação do Campo, fazendo com que os jovens tenham
esperança de continuar a morar em suas terras, adquirindo saberes de seu próprio
local e aprender a conviver com o semiárido.
O camponês tem direito a uma educação voltada para a realidade de seu povo,
de acordo com suas necessidades e possibilidades para o fortalecimento da cultura
camponesa. O objetivo da pesquisa: Estudar a origem da metodologia pedagogia da
alternância, objetivo especifico: Conhecer como surgiu a pedagogia da alternância,
identificar as práticas metodológicas da pedagogia da alternância. A metodologia da
pesquisa foi qualitativa, foi realizada entrevista com 3 alunos do ProJovem Campo-
Saberes da Terra, na perspectiva de conhecer os benefícios que a metodologia da
alternância trás para os jovens e adultos camponeses.
Temos como referencial teórico Paulo Freire (1977). Pedagogia do Oprimido e
Pedagogia da Autonomia. E como resultado apresentaremos olhar dos alunos em
relação a metodologia da alternância. No corpo do artigo iremos abordar O que é
Projovem? Como surgiu a pedagogia da alternância, metodologia da pesquisa e a
análise dos dados e as considerações finais. Apresenta ainda a necessidade da
discussão sobre a Pedagogia da Alternância enquanto uma prática de interação e de
significações, que é realmente praticada e não apenas modelo de mais uma proposta
de participação dos envolvidos e da importância de se tornar política para as escolas
do campo.
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1. Projovem Campo - Saberes da terra

O ProJovem Campo - Saberes da Terra oferece qualificação profissional e


escolarização aos jovens agricultores familiares de 18 a 29 anos que não concluíram
o ensino fundamental. O programa visa ampliar o acesso e a qualidade da educação
à essa parcela da população historicamente excluídas do processo educacional,
respeitando as características, necessidades e pluralidade de gênero, étnico-racial,
cultural, geracional, política, econômica, territorial e produtivas dos povos do campo.
Implementado em 2005, a ação que se denominava Saberes da Terra integrou-
se dois anos depois ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), cuja
gestão é da Secretaria Nacional de Juventude. O Projovem possui quatro
modalidades, Adolescente, Trabalhador, Urbano e Campo.
O ProJovem Campo – Saberes da Terra constitui-se no Programa Nacional de
Educação de Jovens Agricultores/as Familiares, implementado pelo Ministério da
Educação por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade(SECAD) e da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica(SETEC), numa ação integrada com os ministérios do Desenvolvimento
Agrário por meio da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) e da Secretaria de
Desenvolvimento Territorial (SDT), do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria de
Políticas Públicas de Emprego (SPPE) e da Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES), o Ministério do Meio Ambiente por meio da Secretaria de
Biodiversidade e Floresta (SBF), o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome
e a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) vinculada à Presidência da República.
Agora iremos conhecer a metodologia que o ProJovem Campo- Saberes da terra
aborda dentro da proposta de Educação do Campo.

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2. Pedagogia da Alternância

A execução da proposta pedagógica e curricular do ProJovem Campo –


Saberes da Terra ocorrerá por meio da organização dos tempos e espaços formativos,
considerando os pressupostos, os princípios e o currículo elencados neste Projeto
Base que tem como sua razão de ser a formação de jovens da agricultura familiar.
A utilização da alternância de tempos e espaços pedagógicos é considerada
matriz pedagógica de organização do trabalho para a realização do processo de
ensino e aprendizagem. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo estabelece no Art. 7º:

§ 1º O ano letivo, observado o disposto nos artigos. 23, 24 e 28 da LDBEN


poderá ser estruturado independentemente do ano civil.

§ 2º As atividades constantes das propostas pedagógicas das escolas


preservadas as finalidades de cada etapa da educação básica e da
modalidade de ensino prevista, poderão ser organizadas e desenvolvida sem
diferentes espaços pedagógicos, sempre que o exercício do direito à
educação escolar e o desenvolvimento da capacidade dos alunos de
aprender e de continuar aprendendo assim o exigirem (BRASIL, 2002, p.1).

Esta metodologia caracteriza-se pela conjugação de períodos alternados de


formação na escola e na família e pelo uso de instrumentos pedagógicos específicos.
No ProJovem Campo –Saberes da Terra a alternância acontece por meio de dois
tempos-espaços específicos: Tempo-escola e Tempo-comunidade.
A pedagogia da alternância não nasceu de uma teoria e sim de uma pratica. A
educação rural no Brasil apresenta uma série de elementos os quais aparecem na
legislação, nas instituições pedagógicas, no currículo e mesmo nas "recomendações"
dos organismos internacionais, que possibilitam traçar um esboço da educação rural
brasileira a partir dos anos 1930.
Para a maioria das famílias rurais a passagem pela escola básica rural (do
primeiro ao oitavo ano) é a única oportunidade em suas vidas de adquirir as

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competências que lhes permitiriam eliminar as principais causas internas do


subdesenvolvimento rural. Infelizmente, essas escolas não cumprem com esta
importantíssima função emancipadora de dependências e de vulnerabilidades; porque
os seus conteúdos e métodos são disfuncionais e inadequados às necessidades
produtivas e familiares do meio rural.
Alternância significa o processo de ensino-aprendizagem que acontece em
espaços e territórios diferenciados e alternados. O primeiro é o espaço familiar e a
comunidade de origem (realidade); em segundo, a escola onde o educando partilha
os diversos saberes que possui com os outros atores e reflete sobre eles em base
científica (reflexão); e, por fim, retorna-se a família e a comunidade a fim de continuar
a práxis (prática + teoria) seja na comunidade, na propriedade (atividades de técnicas
agrícolas) ou na inserção em determinados movimentos sociais. As Casas Familiares
Rurais tiveram início na França em 1935 no povoado de Lot e Garonne.
A iniciativa partiu de um grupo de pais agricultores que buscavam solucionar
dois grandes problemas. De um lado, as questões relacionadas ao ensino regular que,
por ser direcionado para as atividades urbanas, levava os adolescentes campesinos
a abandonar a terra. E de outro lado, a necessidade de fazer chegar ao campo a
evolução tecnológica de que precisavam. Criaram então a primeira “Casa Familiar
Rural”, lá chamada de Maison Familiale Rurale, onde os jovens passavam duas
semanas recebendo conhecimentos gerais e técnicos voltados para a realidade
agrícola regional e duas semanas nas propriedades rurais, aplicando os
conhecimentos recebidos. Tal prática foi chamada de “Pedagogia de Alternância”
A Pedagogia da Alternância é uma alternativa para a Educação no campo, já
que o ensino nesse contexto não contempla as especificidades e as necessidades da
população que vive no meio rural. Alguns problemas educacionais encontrados nas
escolas no meio rural dão origem à necessidade de uma proposta educacional
específica para o campo.

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Alguns problemas que podem ser enumerados são: a escola desvinculada da


realidade local, a falta de recursos para atividades básicas do campo, a necessidade
dos alunos ficarem na propriedade com sua família para trabalhar e terem dificuldades
de acompanhar o calendário tradicional das escolas, a desvalorização da escola
multisseriada e a falta de vagas nas escolas agrotécnicas.
De maneira geral, a Pedagogia da Alternância trabalha com a experiência
concreta do aluno, com o conhecimento empírico e a troca de conhecimento com
atores do sistema tradicional de educação, e também, com membros da família e da
comunidade na qual vive o aluno e que podem fornecer-lhe ensinamentos sobre
aquela realidade.
O Tempo-escola corresponde ao período em que o/a educando/a permanece
efetivamente no espaço da unidade escolar, em atividade grupal, em contato com o
saber sistematizado em áreas de conhecimentos, planejando, pesquisando,
debatendo e interagindo com os demais, com a mediação e orientação da equipe de
educadores. Neste período, são desenvolvidas aprendizagens sobre os saberes
técnico-científicos dos eixos temáticos, planejada a execução de projetos-pesquisa
que serão desenvolvidos em suas propriedades, realizadas atividades de acolhimento
e organização grupal, planos de pesquisas, círculos de leitura e diálogos, trabalhos
em grupos, entre outras atividades pedagógicas.
O Tempo-comunidade corresponde ao período em que o estudante, tendo
problematizado e confrontado no tempo-escola os conhecimentos que trouxe de casa,
é motivado a promover compartilhar na família os resultados, impressões e eventuais
conclusões deste confronto e problematização. Esta motivação e partilha também, em
alguns momentos, será promovida com a comunidade ou nas instâncias de
participação social e de classe. No Tempo-comunidade o estudante desenvolverá
pesquisas, projetos, atividades grupais, entre outras atividades, com o auxílio do
planejamento e acompanhamento pedagógico dos/as educadores/as.

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O período de trabalho na família e a vivência na comunidade é uma forma de


consolidar informações trazidas da escola para a vida e da vida para a escola,
tornando este meio um instrumento pedagógico, pois cabe à família e à comunidade
o acompanhamento e parte da avaliação do processo educativo do/a educando/a,
bem como participar na elaboração e execução das pesquisas e dos demais
instrumentos pedagógicos que são desenvolvidos neste tempo/espaço formativo, em
interação com as famílias e comunidades.
Durante a realização do Tempo-comunidade, os educandos deverão receber
orientações dos educadores para a realização de atividades práticas, estudos
dirigidos, pesquisas bibliográficas, pesquisas na comunidade, implementação de
projetos produtivos. O acompanhamento das atividades a serem realizadas durante o
Tempo-comunidade será planejado de modo a garantir a inserção dessas atividades
no desenvolvimento do curso, promovendo assim, a integração do currículo com a
realidade vivenciada pelos educandos e suas comunidades, possibilitando ainda, aos
educadores, conhecer as formas de vivência dos educandos e dessa maneira planejar
melhor o trabalho pedagógico.

3. Metodologia

A pesquisa realizada ocorreu em 2 etapas: Levantamento bibliográfico acerca


das temáticas: Pedagogia da Alternância; ProJovem Campo-Saberes da Terra e a
segunda etapa: Entrevistas individuais com três alunos do ProJovem do Campo da
Comunidade Japuara em Canindé-Ceará.
Na abordagem qualitativa, a pesquisa tem o ambiente como fonte direta dos
dados. O pesquisador mantém contato direto com o ambiente e o objeto de estudo
em questão, necessitando de um trabalho mais intensivo de campo. Nesse caso, as

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questões são estudadas no ambiente em que elas se apresentam sem qualquer


manipulação intencional do pesquisador.
A utilização desse tipo de abordagem difere da abordagem quantitativa pelo
fato de não utilizar dados estatísticos como o centro do processo de análise de um
problema, não tendo, portanto, a prioridade de numerar ou medir unidades. Os dados
coletados nessas pesquisas são descritivos, retratando o maior número possível de
elementos existentes na realidade estudada.
Preocupa-se muito mais com o processo do que com o produto. Na análise
dos dados coletados, não há preocupação em comprovar hipóteses previamente
estabelecidas, porém estas não eliminam a existência de um quadro teórico que
direcione a coleta, a análise e a interpretação dos dados.
Compreendendo que a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria
pedagógica considerando a realidade particular dos camponeses, mas preocupada
com a educação do conjunto da população trabalhadora do campo, mas amplamente,
com formação do campo (MOLINA, 2004). A abordagem da pesquisa foi a qualitativa
e o instrumento utilizado foi a entrevista.
Cada aluno respondeu cinco perguntas, sendo essas abertas de modo a
deixá-los mais à vontade podendo assim expor suas vivências com mais desenvoltura.
O nosso papel foi o de mediador do processo, estivemos presentes para indagar
alguns aspectos do programa.
As perguntas foram: De que modo a Pedagogia da alternância contribui para
a sustentabilidade do campo? As aulas do ProJovem Campo estão relacionadas com
a realidade do campo? ProJovem Campo –Saberes da Terra incentivou você a gostar
mais do campo? Durante as aulas do ProJovem Campo–Saberes da Terra foi
discutido sobre Educação do Campo? Na sua visão o Projeto tem contribuído para
melhoraria da aprendizagem dos jovens e adultos do campo
As entrevistas foram realizadas pessoalmente e individualmente pelos
entrevistadores, aos alunos na Comunidade Japuara. Foram feitas algumas reuniões
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para planejamento da pesquisa de campo, para definição em conjunto os dias que


realizamos as entrevistas. Esse artigo buscou apoio na internet e em livros de autores,
que escreveram sobre a temática do nosso trabalho. Além das fontes acima citadas
buscamos conhecimentos adquiridos em nossa experiência com os povos do campo,
vendo suas ações e ouvindo suas histórias.
A consulta bibliográfica sugerida por nossa orientadora Drª Eliane Dayse
Pontes Furtado, trouxe também uma forma de conhecer materiais mais específicos
em relação a temática da pesquisa.
Quanto aos livros aqui mencionados e que são base de nossa pesquisa,
podemos citar os livros “Pedagogia do Oprimido” do Paulo Freire, “Pedagogia da
Autonomia”, também do grande mestre Paulo Freire, além da coleção de cadernos
pedagógicos do MEC, ProJovem Campo - Saberes da Terra para educação de jovens
do campo que serão nosso auxílio no desenvolvimento de nosso trabalho.

4. Resultados e discussão

Visto que o conhecimento não é uma construção social, mas também, uma
forma de resgatar a dignidade do sujeito ao meio de sua cultura e de costumes dos
alunos do campo realizou-se as entrevistas com três alunos do Projovem Campo -
Saberes da Terra. Desta feita, como forma de resguardar a identidade dos alunos
decidiu-se identificá-los com nome de plantas medicinais existentes na região do
município de Canindé, Ceará. As plantas nativas escolhidas foram: cidreira, hortelã,
aroeira.
A primeira pergunta feita para os alunos quis saber de que modo a Pedagogia
da alternância contribui para a sustentabilidade do campo?

Contribuiu na aprendizagem de saber criar, o técnico da ciências agrarias


ensinou muita coisa boa como cuidar do solo e plantar. Agora mesmo estou
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criando mais planta, animais devido as aulas do ProJovem tenho melhorado


muito (CIDREIRA).

Eu era bem afastada da área produtiva, não plantava, mas agora estou
interessada em plantar aprendi a amar a natureza e a cuidar melhor com as
aulas práticas que o ProJovem oferece (HORTELÃ).

Melhorou pois o programa incentiva os alunos a produzir, a ter uma


sustentabilidade no campo. Ajudou bastante. Este projeto educacional veio
melhorar minha vida, a ser mais humana, a buscar mais a sustentabilidade
de minha família (AROEIRA).

Observa-se que o ProJovem Campo-Saberes da Terra contribuiu na vida dos


alunos, na produção do campo. Incentivando Jovens e Adultos a plantarem, adubarem
para continuar a sustentabilidade camponesa. Despertou nos participantes do
programa a vontade de seguir em frente, valorizando sua cultura e a permanência dos
jovens e adultos no Campo no campo. A metodologia da Pedagogia da Alternância é
uma alternativa para o camponês estudar de estudar e trabalhar em sentidos
alternados, isso faz com que os camponeses continuem morando no campo e
produzindo numa agricultura familiar sustentável.
Na segunda pergunta, quando se indagou, acerca das aulas do ProJovem
Campo estão relacionadas com a realidade do campo?

Sim. As aulas todas eram voltadas para o campo isso contribuiu bastante,
aconselhamos muito os jovens a continuar no campo e não sair, buscar
formas de cuidar do lugar e continuar coma agricultura votado para a família
(CIDREIRA).

Não é só morar no interior os jovens devem saber a importância do campo,


da agricultura e da produção. O programa trabalhou a realidade do campo
muito bem (HORTELÃ).

Sim. Mas existem jovens que não estão nem aí para o campo, que tem
vergonha das suas origens, não sabendo que: sem terra, sem solo cuidado
sem alimento, não terá vida no planeta. Mas o ProJovem fez a sua parte nos
incentivou a cuidar do lugar onde moramos (AROEIRA).

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Percebe-se que o ProJovem trabalhou muito bem os conteúdos, levando em


conta a realidade do campo e do aluno, acrescentando que o mesmo aconselhou aos
jovens e adultos sujeito do programa a permanecer e a cuidar do lugar onde vivem.
A pergunta seguinte. ProJovem Campo –Saberes da Terra incentivou você a
gostar mais do campo?

Com certeza, tanto incentivou que queremos continuar o ensino médio.


Muitas coisas que não sabíamos fazer no campo aprendi (HORTELÃ).

Sim. Porque o programa me motivou a aprender a plantar (CIDREIRA).

Sim. Porque as aulas com o professor das ciências agrarias me incentivou


bastante na vida do campo principalmente na plantação (AROEIRA).

Constata-se que os participantes do programa foram preparados através do


ProJovem para conviver com o semiárido, a valorizar nossa terra, nossa familia. É de
suma importância que os agricultores e agricultoras Rurais do Sertão saiba as práticas
de convivência para não deixar as suas origens, aprendendo a viver com sua família
no campo. Precisamos que as pessoas lute pela sua terra pela sustentabilidade do
seu lugar e de seu potencial produtivo.
A outra pergunta foi. Durante as aulas do ProJovem Campo–Saberes da Terra
foi discutido sobre Educação do Campo?

Bastante discutida, as professoras falava muito sobre educação do campo,


as lutas para conquistar essa modalidade de educação que é tão
discriminada (HORTELÃ).

Sim. Lembro que falavam das lutas, da importância de valorizar a nossa


educação (CIDREIRA).

Demais. Em todas as matérias tinha algo relacionado com a educação do


campo (AROEIRA).

Vimos que o ProJovem Campo tem um aspecto positivo, pois ajudou os jovens
e adultos a lutar pela a educação do camponês. Isso é um avanço para as

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comunidades. É uma oportunidade dos jovens e adultos retomarem seus estudos e


sustentabilizarem os saberes da terra.
A quinta pergunta foi: Na sua visão o Projeto tem contribuído para melhoraria
da aprendizagem dos jovens do campo?

Contribuiu na aprendizagem de saber criar, o técnico das ciências agrarias


ensinou muita coisa boa como cuidar do solo e plantar. Agora mesmo estou
criando mais planta, animais devido as aulas do ProJovem tenho melhorado
muito (HORTELÃ).

Eu era bem afastada da área produtiva, não plantava, mas agora estou
interessada em plantar aprendi a amar a natureza e a cuidar melhor
(CIDREIRA).

Sim. Melhorou, pois o programa incentiva os alunos a produzir, a ter uma


sustentabilidade no campo (AROEIRA).

Percebeu-se que a metodologia da alternância está condizente com a realidade


do povo do campo, isto é, os camponeses ficaram satisfeitos com as políticas públicas
que fortalecem nossa Educação do campo. Conclui-se que o ProJovem Campo traz
para os alunos que vivem no campo, uma esperança de um desenvolvimento melhor
para o jovem e o adulto, porque a proposta do programa está relacionado com lugar
onde os campesinatos vivem, gente que trabalha muito , agricultores na criação de
aves, como conviver com a seca, falta de água, nossa região é uma área muito seca,
o ProJovem trabalha em cima destas questões de como viver no semiárido, não sair
do seu lugar pra ir para outro lugar, exemplo pra ter uma visão de melhorar a qualidade
de vida de onde vive.

5. Considerações finais

Pela pesquisa realizada percebe-se que a Pedagogia da alternância contribui


para a sustentabilidade do campo e que as aulas do ProJovem Campo estão

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relacionadas com a realidade do campo que o programa incentivou os jovens e adultos


a gostarem do campo e tem colaborado para melhoraria da aprendizagem dos jovens
e adultos do campo.
Na perspectiva de reconhecimento e valorização da agricultura familiar, o
currículo, a metodologia e o fazer pedagógico do ProJovem Campo Saberes da Terra
tem seu currículo integrado sustentável e solidário.

Dada a sua vitalidade para garantir a qualidade de vida dos povos do campo,
das aguas e das florestas, a Agricultura Familiar torna-se o eixo articulador
no sistema educacional do ProJovem Campo- Saberes da Terra
simbioticamente integrada ao desenvolvimento sustentável. Ela representa a
base do fazer pedagógico, do currículo da metodologia do programa centrada
na formação de jovens e adultos com vista na construção de um novo projeto
de educação e sociedade do campo, voltada para o aprendizado e
multiplicação de conceitos, princípios e práticas necessárias na construção
de um país que socializando o trabalho, garanta os direitos promova a
solidariedade e distribua resultados de produção coletiva rumo à crescente
eliminação das desigualdades, preconceitos e injustiças (BRASIL/MEC,
2009.19).

Observa-se que o ProJovem Campo-Saberes da Terra para assegurar o


processo formativo o programa recomenda a organização de dois espaços de
aprendizagem adaptada na necessidade educativa das comunidades. No entanto a
metodologia da alternância contribui na vida dos alunos, na produção do campo.
Incentivando Jovens e Adultos a plantarem, adubarem para do programa a vontade
de seguir em frente, valorizando sua cultura e a permanência dos jovens e adultos no
Campo no campo.
A metodologia da Pedagogia da Alternância é uma maneira nova de trabalhar
com os jovens e adultos do campo, onde trabalha a realidade, as dificuldades, a
produção, permitindo a aproximação professor e aluno respeitando os espaços e suas
particularidades, motivando a continuar a sustentabilidade camponesa. Também
desperta nos participantes da alternância é uma alternativa para o camponês estudar

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de estudar e trabalhar em sentidos alternados, isso faz com que os camponeses


continuem morando no campo e produzindo numa agricultura familiar sustentável.
É de suma importância que os agricultores e agricultoras Rurais do Sertão
saiba as práticas de convivência para não deixar as suas origens, aprendendo a viver
com sua família no campo. Precisamos que as pessoas lutem pela sua terra, pela
sustentabilidade do seu lugar e de seu potencial produtivo
Percebeu-se que a metodologia da alternância está condizente com a realidade
do povo do campo, isto é, os camponeses ficaram satisfeitos com as políticas públicas
que fortalecem nossa educação do campo. Conclui-se que o ProJovem Campo traz
para os alunos que vivem no campo, uma motivação que associam a teoria da prática
camponesa. Assim, enquanto a teoria é relacionada ao tempo escola e a prática é
tempo comunidade. A ideia da alternância é uma proposta inovadora de educação
com intenção de alternar os espaços, escola diferente da regular, e que percebemos
que os jovens e adultos participantes estão satisfeito com esta metodologia e nascem
no campo a esperança de um desenvolvimento melhor para o jovem e o adulto
camponeses.

Referências
ARROYO, Miguel Gonzalez. Por um tratamento público da educação do campo.
Por Uma Educação do Campo, Brasília, n. 5, p. 91-108, 2004.

_____________. Educação Básica e Movimentos Sociais. In: VV.AA. A educação


básica e o movimento social do campo. Brasília: UnB, 1999.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. 2. Ed. São Paulo, SP:
Brasiliense, 1985.

BRASIL. Projeto base ProJovem Campo – Saberes da Terra. Secretaria de


Educação continuada, alfabetização e diversidade Secretaria de Educação
profissional e tecnológica do Ministério da Educação (SECAD/MEC). Brasília, 2009.

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________. União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil, 2008.

________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, Seção 1, p. 5, 10 de junho de 2016.

_______. Congresso Nacional. Plano Nacional de Educação. Lei nº 10.172/2001.

_______. Congresso Nacional. Decreto nº 5.154/2004.

_______. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Parecer nº 11
aprovado em 10 de maio de 2000.

____________. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica.


Diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo.
Resolução nº 1, de 3 de abril de 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

____________. Educação como prática da liberdade. 22. ed. Rio de Janeiro, Paz
e Terra. 1996.

____________Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1997.

GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal e cultura política. 2. ed. São Paulo,
SP: Cortez, 2001.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECAD. Coleção Cadernos pedagógicos, ProJovem


Campo-Saberes da Terra. Projeto Político Pedagógico. Brasília, DF, 2010.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECAD. Coleção Cadernos pedagógicos, ProJovem


Campo-Saberes da Terra: Agricultura, familiar, identidade, cultura, gênero e
etnia. Brasília, DF, 2010.

MOLINA, M. C.; JESUS, S. M. S. A. de. Educação do campo: contribuições para a


construção de um projeto de educação do campo. Brasília: UNB, 2004.

_____________. Contribuições para a construção de um projeto de educação


do campo. Brasília, DF: Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo, 2004.
(Coleção por uma educação do campo, nº 5).

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PEDAGOGIA DA RESISTÊNCIA CULTURAL: Um pensar a educação a partir da


realidade campesina. Nascimento, Claudemiro Godoy. Texto apresentado no VIII
Encontro Regional de Geografia (EREGEO) na Cidade de Goiás em 27/10/2003.

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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “JUVENTUDES: DESAFIOS E


PERSPECTIVAS”

FORMAÇÃO DA JUVENTUDE DO CAMPO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Natacha Eugênia Janata

Resumo
Apresentamos resultados parciais de uma investigação em fase de finalização, a qual
integra estudos e ações realizados junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação, Escola do Campo (GECA) e Agroecologia, da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Buscamos analisar a inserção no trabalho docente e na
militância de jovens egressos da Licenciatura em Educação do Campo da UFSC.
Dessa intencionalidade central, destacaram-se alguns objetivos específicos e, para
esse trabalho apresentamos reflexões decorrentes da caracterização dos egressos,
além da identificação e análise da inserção dos mesmos no trabalho docente em
escolas do campo, bem como na militância, com o foco na Turma IV – Encostas da
Serra Geral, a qual teve sua formatura ocorrida em 2016. Foram entrevistados 11
egressos com a utilização da técnica de entrevista semiestruturada. Apresentamos a
perspectiva de juventude assumida, afirmando a importância de abordá-la
devidamente na formação de professores do campo. Apresentamos aspectos da
organização do referido curso, seguido de elementos de configuração da turma
estudada, para então elaborarmos uma síntese, indicando determinantes e
contradições das inserções dos egressos nos espaços abordados e a formação da
juventude do campo nesse contexto.

Palavras-chave: Juventude do campo. Educação do Campo. Formação de


Professores.

Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Mestrado em Educação Física,
pela Universidade Federal de Santa Catarina; Licenciatura em Educação Física, pela Universidade Federal do
Paraná; Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Educação do Campo. E-mail:
natacha.janata@ufsc.br
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Apresentação

O texto apresenta resultados parciais de uma investigação ocorrida durante


dois anos e em fase de finalização, a qual integra estudos e ações realizados junto ao
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Escola do Campo (GECA) e
Agroecologia, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A questão que
norteou a investigação foi quais contradições da formação dos jovens egressos da
Licenciatura em Educação do Campo da UFSC se articulam com as suas inserções
no trabalho docente em escolas do campo e/ou na militância?
Pretendíamos analisar a inserção no trabalho e na militância de jovens
egressos dos anos de 2012 a 2018, do curso de Licenciatura em Educação do Campo
da UFSC, tendo como categorias analíticas o mundo do trabalho na atualidade do
capitalismo e a formação de jovens militantes, em especial os vinculados com o
contexto de vida e/ou trabalho no campo. Dessa intencionalidade central destacaram-
se alguns objetivos específicos e, para esse trabalho apresentamos reflexões
decorrentes da caracterização dos egressos, além da identificação e análise da
inserção dos mesmos no trabalho docente em escolas do campo, bem como na
militância, com o foco na Turma IV – Encostas da Serra Geral, a qual teve sua
formatura ocorrida em 2016. Dessas inserções trazemos a perspectiva de juventude
assumida, afirmando a importância de abordá-la devidamente na formação de
professores do campo.
Estruturamos o texto iniciando com a apresentação de aspectos da
organização do referido curso, seguido de elementos de configuração da turma
estudada, para então elaborarmos uma síntese, indicando determinantes e
contradições das inserções dos egressos nos espaços abordados e a formação da
juventude do campo nesse contexto.

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1. A Licenciatura em Educação do Campo da UFSC

Os cursos de Licenciatura em Educação do Campo foram criados no Brasil a


partir de um Programa do Ministério de Educação denominado Programa Nacional de
Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (PROCAMPO), conquistado pela luta
dos movimentos sociais do campo por uma formação de educadores que atendessem
às especificidades da vida e do trabalho no campo.
O PROCAMPO iniciou com o desenvolvimento de um projeto piloto em 2007
nas universidades federais de Brasília (UNB), Minas Gerais (UFMG), Sergipe (UFS) e
Bahia (UFBA). Estas universidades buscaram delinear estratégias pedagógicas,
didáticas, teóricas e metodológicas para instaurar cursos voltados à vida, práticas
sociais, culturais e econômicas, das diferentes populações do campo (MOLINA,
2015).
Esse programa se constituiu enquanto política de editais voltados à formação
de educadores do campo. Ainda que contraditoriamente, porque restrita a editais
lançados pelo Ministério da Educação (MEC) em conjunto com outras instâncias,
estudos (MOLINA, 2015; CARVALHO, 2011; ANHAIA, 2010; MUNARIM, 2008, entre
outros) demonstram que foi uma conquista dos movimentos sociais e outras
organizações reunidas em prol da luta pela Educação do Campo, sendo decorrente
da pressão e das demandas apresentadas ao Estado.
Destacamos que a exigência de uma política pública específica para a
formação de educadores do campo está presente nas pautas de lutas desses
movimentos e instituições organizados coletivamente em torno da Educação do
Campo desde a I Conferência Nacional por Uma Educação Básica do Campo,
realizada em 1998. Com o decorrer das lutas, foi se consolidando como uma das
prioridades requeridas por tais movimentos, ao término da II Conferência Nacional por
Uma Educação do Campo, realizada em 2004, cujo lema era “Por Um Sistema Público
de Educação do Campo”.
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Após um ano de realização das experiências piloto, o MEC lançou um primeiro


edital de chamada pública para a seleção de projetos de instituições de ensino
superior para o PROCAMPO, seguido de mais dois: Edital nº 2, de 23 de abril de 2008
(BRASIL, 2008), Edital de convocação nº 9, de 29 de abril de 2009 (BRASIL, 2009) e,
por fim, o Edital de seleção nº 2 - SESU/SETEC/SECADI/MEC, de 31 de agosto de
2012 (BRASIL, 2012).
NA UFSC o curso foi criado a partir da aprovação junto ao edital de 2008, tendo
sua aprovação interna na instituição e funcionamento da primeira turma em 2009. De
acordo com as diretrizes contidas no edital, o curso iniciou prevendo a formação de
professores do campo para duas áreas de conhecimento: Ciências da Natureza e
Matemática, e Ciências Agrárias. Entretanto, a partir de 2012, com um processo de
adaptação curricular, as Ciências Agrárias foram retiradas da habilitação (UFSC,
2012).
A carga mínima de 3.764 horas é organizada em períodos semestrais,
considerando o regime de alternância previsto no Edital nº 2, de 23 de abril de 2008,
como uma “fundamentação político-pedagógica” (BRASIL, 2008). O Trabalho de
Conclusão de Curso - TCC, escrito individualmente, sob orientação de um dos
docentes do curso, é requisito obrigatório para integralização curricular e alcance do
diploma (UFSC, 2017).
Sendo assim, das 3.762 horas, 3.114 são de Tempo Universidade (TU) e 648
de Tempo Comunidade (TC), distribuídas ao logo de oito semestres, estando a matriz
curricular organizada a partir de três eixos: Ecossistema, Fundamentos da Ciência e
Agroecologia, os quais buscam integrar a formação por área de conhecimento. A
Pedagogia da Alternância foi o método adotado para a organização da relação entre
os Tempos Universidade e Comunidade. O primeiro diz respeito às aulas
propriamente ditas acerca dos fundamentos da educação e suas teorias, questões
sobre o campo, das Ciências da Natureza e Matemática, da Agroecologia, além da
organização dos estágios na Educação Básica. Já o TC é o momento de inserção nas
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comunidades, em sua maioria, de origem dos estudantes, tendo quatro eixos de


investigação, um para cada ano: no primeiro ano, o foco é o diagnóstico do município;
no segundo a escola do campo e nos dois últimos o estágio supervisionado no ensino
fundamental – anos finais e ensino médio, respectivamente, sendo que nesse busca-
se por articular questões da escola e da comunidade, a partir de um projeto
comunitário realizado com estudantes do Ensino Médio (UFSC, 2012).
A forma de ingresso é um processo seletivo específico, anual, com provas que
buscam avaliar os conhecimentos gerais e de caráter classificatório, ocorrendo em
municípios próximos aos de origem dos estudantes, considerando a região de
abrangência de cada turma. Essa escolha de territórios começou a ocorrer a partir da
oferta da terceira turma, com uma avaliação da distância da UFSC em relação aos
sujeitos do campo, posto que a mesma se localiza no litoral do estado de Santa
Catarina. Como uma estratégia de alcançar o atendimento às diferentes regiões, bem
como às demandas de formação de professores nas áreas de conhecimento
ofertadas, passou-se então a essa organização. Os territórios abrangidos até o
momento são a região do Planalto Norte, as Encostas da Serra Geral, o Meio Oeste,
a Grande Florianópolis, tendo egressos oriundos dos seguintes municípios: Abelardo
Luz, Anitápolis, Bela Vista do Toldo, Campos Novos, Canoinhas, Descanso,
Florianópolis, Garopaba, Irineópolis, Leoberto Leal, Mafra, Major Vieira, Orleans,
Papanduva, Rio Fortuna, Rio Negrinho, Santa Rosa de Lima, Timbó e Três Barras,
entre outros.
A primeira turma se formou em 2013, seguida de mais três, com a seguinte
quantidade de egressos, conforme o quadro a seguir.

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Quadro 1: Quantidade de egressos por ano de formatura


Ano 2013 2014 2015 2016
Quantidade de egressos 11 10 11 27

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Os estudantes que tiveram entrada em 2014 ainda se encontram em processo


de finalização do curso, entretanto, em 2017 houve dois egressos, ambos oriundos da
turma que se iniciou em 2011. Há um total de 61 egressos, dos quais uma está
cursando o doutorado e sete o mestrado, todos na educação ou áreas a fins.
Para esse texto selecionamos as entrevistas semiestruturadas (Minayo, 2010)
realizadas com os egressos de 2016 oriundos da turma IV – Encostas da Serra Geral.
Importante destacar que essa turma era composta por, aproximadamente, 90% de
jovens do campo, com idade entre 18 e 29 anos, faixa etária considerada pela
legislação brasileira, tal como consta no Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013).

2. Os egressos entrevistados e formação da juventude do campo

Do total de 18 egressos com esse perfil conseguimos entrevistar 11, oito


mulheres, das quais duas casadas e três homens solteiros. Em relação à inserção no
trabalho docente, apenas duas egressas estavam atuando como professoras de
escola do campo, sendo que uma delas somente no noturno, na Educação de Jovens
e Adultos, pois também trabalhava como serviços gerais em outro local durante o dia.
Um dos rapazes havia atuado como professor temporário no ano anterior, entretanto
no momento da entrevista tinha assumido uma função junto à Prefeitura Municipal do
local de sua moradia.

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Destacamos que os três afirmaram possuir identificação com a profissão


docente. Planejar, lecionar, estar em contato com os alunos, ensinando e aprendendo
possui um sentido de realização pessoal e profissional, sobretudo por estarem
atendendo estudantes do campo, sujeitos que fazem parte também de suas trajetórias
de vida. Destacaram ainda que a formação na licenciatura possibilitou sentirem-se
seguros para lecionarem.
Ainda sobre a inserção no trabalho docente destacamos que quase todos
aqueles que não estavam dando aulas afirmaram como motivos para isso a
desvalorização, a preocupação e responsabilidade com as crianças, além dos baixos
salários, sendo mais vantajoso continuar em atividades ligadas diretamente ao
trabalho na agricultura, tais como a produção de frutas, verduras, aves, ou ainda a
agroindústria de geleias, produção de carvão, a piscicultura e o turismo
rural/agroturismo.
Outro limitante identificado nesse sentido é o fato do município onde moravam
17 dos entrevistados possuir apenas uma escola de anos finais do ensino fundamental
e ensino médio, inviabilizando estruturalmente a contratação desses egressos. Por
outro lado, o trabalho desenvolvido de organização das propriedades para o turismo
rural/agroturismo, sobretudo pelo projeto da Acolhida na Colônia (GUZZATTI, 2010)
foi apontado como responsável pelas alternativas de renda de grande parte dos
egressos que não se identificam com o trabalho docente.
No que diz respeito à inserção na militância nenhum dos egressos possuía
vínculo ou atuação em algum movimento social. A Associação dos Agricultores
Ecológicos das Encostas da Serra Geral (AGRECO), o Centro de Desenvolvimento
do Jovem Rural (CEDEJOR) e o Centro de Formação de Jovem (CFAE) foram
instituições indicadas como espaços de inserção dos egressos, os quais
possibilitaram principalmente uma visão de que, segundo o relato de uma egressa, é
“possível o jovem viver e trabalhar no campo” com a perspectiva de continuidade dos

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estudos. A Licenciatura em Educação do Campo foi também apontada como uma


formação que contribuiu nesse sentido.
Em nosso estudo de doutorado, defendemos a tese de que a escola tem uma
contribuição imprescindível a dar na formação de jovens, sobretudo de jovens com
consciência de classe, entretanto esse é um processo de múltiplas determinações,
articulando produção, educação e formação (JANATA, 2012).
A partir dos estudos da sociologia tomando como base Foracchi (1972; 1977)
e Ianni (1968) sistematizamos a compreensão da juventude enquanto um momento
da vida que se coloca em relação aos demais. O jovem está sendo na relação com
aquilo que não se é mais – uma criança, e com aquilo que se chegará a ser – um
adulto, no interior das questões postas na atualidade pelas contradições do
capitalismo. Tomamos como pressuposto que a condição etária se relaciona com a
classe e que, portanto, a juventude tem na classe suas questões fundamentais, ainda
que haja aspectos que definam esse tempo de vida, diferenciando-o dos demais e,
além disso, que existam distinções culturais.
Duarte (2017) afirma que os estudos sobre a adolescência/juventude que
tomam como base o referencial da psicologia histórico-cultural ainda são escassos,
uma vez que vêm se concentrando historicamente na infância. Esse é um dado sob o
qual chamamos a atenção, uma vez que para uma devida atuação no espaço escolar
é imprescindível uma formação de professores que viabilize a compreensão téorico-
prática dos processos que envolvem o desenvolvimento e aprendizagem dos jovens.
É nessa fase do desenvolvimento humano que ocorre um salto qualitativo no
desenvolvimento intelectual com a formação do pensamento abstrato, por conceitos,
como destaca Elkonin (2006) e desenvolve Facci (2004).
Com esse entendimento, defendemos a potencialidade desses aspectos para
a formação de uma juventude do campo com elevação do padrão cultural e com a
formação de um “jovem radical” (IANI, 1968), com compromisso nas lutas pela
emancipação humana. Essas são questões essenciais a se fazerem presentes na
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formação de professores do campo, uma vez que atuarão com esses sujeitos, porém
mais que isso, alguns dos próprios educandos das Licenciaturas em Educação do
Campo são jovens formando-se como futuros educadores.
Justificamos de antemão essa defesa tendo em vista que,

ao jovem se torna possível compreender com mais amplitude e complexidade


a realidade que o cerca e da qual ele também é membro (...). As crises
experimentadas pelo adolescente e pelo jovem, cada um a seu tempo, são
um componente que provoca mudanças, rupturas em suas personalidades.
O pensamento conceitual se transforma em normas de conduta, princípios
(JANATA, 2012, p. 126-127).

A formação do pensamento complexo, com a possibilidade de ampliação da


compreensão do mundo social, pelos conhecimentos da ciência, da arte e da cultura,
centralmente na relação com os coetâneos.

3. Considerações finais

Embora haja egressos vinculados a movimentos sociais, tais como o


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e de comunidades quilombolas, a
participação dos movimentos sociais do campo ainda é tímida, uma vez que a
universidade encontra-se no litoral do Estado e a concentração das organizações e
movimentos sociais do campo é mais presente no oeste catarinense. Considerando
que a vinculação com as lutas sociais é um dos pressupostos da Educação do Campo,
como ressalta Caldart (2008), esse é um elemento a ser trabalhado com mais cuidado
ao longo do processo formativo.
Além desse, a garantia de uma efetiva qualidade na formação de professores
do campo, sobretudo no que diz respeito à apropriação dos fundamentos das áreas
de conhecimento da habilitação, Ciências da Natureza e Matemática, considerado o
fato de que os educandos são oriundos de trajetórias escolares em grande parte
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precarizadas, e que em muitos casos não possuem um conhecimento básico


necessário ao desenvolvimento de tais fundamentos, é outro elemento. Importante
destacar aqui o risco de cair no aligeiramento da formação docente, na adoção dos
pilares do “neopragmatismo”, com os lemas “aprender a aprender, aprender a fazer,
aprender a ser e aprender a conviver”, tão caros às política neoliberais, e portanto,
antagônicos ao projeto de superação do capitalismo (SAVIANI, 2007).
Um desafio que se relaciona ao anterior diz respeito a um perfil de formação de
professor-educador que articule os conhecimentos das disciplinas de sua área com
as questões da realidade, para uma escola ainda não existente. Caldart (2011) afirma
tal desafio, levando-nos a chamar a atenção para o compromisso político e
pedagógico da Licenciatura em Educação do Campo para a contribuição na
transformação da escola, considerando seu vínculo com a classe trabalhadora do
campo.
Considerando que as elaborações iniciais da “escola de Vigostki” (DUARTE,
1996) ocorreram nas primeiras décadas dos anos 1900, portanto, sabemos da
necessidade de ampliar e aprofundar os estudos, no intuito de estabelecer relações
com o contexto de vida do início do século XIX e o que se coloca como desafio na
formação do jovem mediante as contradições do capitalismo no século XXI.
Arriscamos afirmar que a juventude constitui-se como uma fase da vida
potencialmente formativa da consciência de classe, pela necessidade da convivência
com seus pares, sendo sua vida marcada por uma condição precária, com privações.
A condição social deste segmento, em seu momento singular, coloca-o diante da
possibilidade de construção de sua vida, desde que coletivamente busque opções de
enfretamento ao que se vislumbra em um plano mais consciente e maduro.

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JUVENTUDES CONTEMPORANEAS E O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO

Janaina de Oliveira Menezes

Resumo
O presente trabalho tem por objetivo discutir as relações entre as juventudes e os
processos de escolarização na contemporaneidade. As vivências cotidianas dos
sujeitos também estão presentes na sala de aula, sendo construídas e construindo,
assim, uma teia de relações conflituosas entre as expectativas trazidas pelos jovens
e os conhecimentos científicos difundidos pela escola. Esta nova dinâmica espacial e
temporal se diferencia metodologicamente e epistemologicamente da proposta
desenvolvida na escola. Tais indicações se justificam pela necessidade de extinção
do enorme hiato que há entre a escola e as juventudes, tarefa que se coloca aos
educadores e aos profissionais que atuam na comunidade escolar e que pensam a
escola pública. Nesse sentido, é imprescindível identificar as juventudes em suas
semelhanças e diferenças, buscando perceber como essa categoria é determinada
pelas condições materiais de vida e, de outro modo, determina outros aspectos
relacionados aos seus interesses e expectativas de vida.

Palavras-chave: Juventudes. Contemporânea. Escola.

Membro do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Educação do Campo (GEPEMDEC),
do Departamento de Educação (DCIE), da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) - Ilhéus, Bahia, Brasil. E-
mail: janamez@gmail.com
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Introdução

Entende-se como importante que a educação escolar procure hoje formar o


estudante de maneira contextualizada, buscando dar conta das especificidades
pedagógicas próprias da sua faixa etária em consonância com demandas de caráter
amplo, como a formação humana e, de caráter imediato como a formação para o
mundo do trabalho. Destarte, compreende-se a escola como um espaço oportuno
para aprender o novo e para ressignificar as aprendizagens já construídas.
É possível identificar, no entanto, que a educação escolar vem deixando de ser
um espaço de construção de conhecimento. Especialmente entre os jovens, a escola
tem se tornado um espaço vazio de rituais sem sentido, uma vez que encontramos
muitas queixas desses quanto ao seu funcionamento. Além disso, os conhecimentos
adquiridos ao longo da vida por vezes se chocam com os objetivos da escola, que
assume uma postura de aburguesamento (GRINGNON, 1995), ao valorizar de forma
acrítica os conhecimentos científicos ao mesmo tempo em que deprecia os
conhecimentos que se aproximam do cotidiano desses jovens.
As vivências cotidianas dos sujeitos também estão presentes na sala de aula,
sendo construídas e construindo, assim, uma teia de relações conflituosas entre as
expectativas trazidas pelos jovens e os conhecimentos científicos difundidos pela
escola. Este conflito é acentuado pela inserção, no cenário educacional, de espaços
e tempos sociais distantes da formalidade e que oferecem novas formas de
apropriação do mundo, nos quais estão inseridos os jovens. Esta nova dinâmica
espacial e temporal se diferencia metodologicamente e epistemologicamente da
proposta desenvolvida na escola. Tais indicações se justificam pela necessidade de
extinção do enorme hiato que há entre a escola e as juventudes, tarefa que se coloca
aos educadores e aos profissionais que atuam na comunidade escolar e que pensam
a escola pública.

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Há notadamente uma relação construída entre os jovens e a escola que precisa


ser elucidada no intuito de explicar alguns fenômenos escolares, como a construção
do conhecimento socialmente valorizado e os processos de socialização vividos na
escola. A questão que se coloca é a necessidade em se conhecer a relação entre os
jovens e a escola, procurando identificar pontos de concordância e de discordância
nesta relação.
Ao ingressarem na escola, os jovens trazem uma gama de saberes
construídos ao longo da vida. Essas experiências contribuem na construção de um
sujeito que elabora permanentemente suas expectativas e as tenciona ao que lhe
interessa, o que implica em

considerar motivações, referências, significados e sentidos produzidos no


contexto das relações e, ainda, considerar um sujeito concreto, situado em
um momento ontogenético, cultural e histórico e em um tempo determinado
(TACCA, 2006, p.61).

1. De que jovens falamos?

A juventude por muitas décadas foi apresentada como um grupo social


homogêneo e com características semelhantes, porque era considerado apenas seu
aspecto geracional. Tal entendimento contribuiu para a disseminação de uma ideia
homogênea da juventude, como se formassem um grupo de sujeitos com
características semelhantes. Entretanto, os estudos de Pais (1990; 2006) relacionam
o conceito de juventude a grupos distintos de sujeitos com práticas diferenciadas,
alinhando-se apenas no sentido da geração.

a juventude tanto pode ser tomada como um conjunto social cujo principal
atributo é o de ser constituído por indivíduos pertencentes a uma dada fase
da vida, principalmente definida em termos etários, como também pode ser
tomada como um conjunto social cujo principal atributo é o de ser constituído
por jovens em situações sociais diferentes entre si (PAIS, 2003, p.44).

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As diversas marcas que os estudos sobre juventude salientam constituem


possibilidades de compreensão que se apresentam ao estado da arte sobre o tema.
Trabalhos como os de Castro (2009), Dayrell (2007; 2011) e Abramo (2007)
consideram esta multiplicidade explícita. Quanto à faixa etária, a Organização das
Nações Unidas (ONU) estabelece que indivíduos com idades entre 15 e 24 anos são
jovens. A proposta de emenda constitucional aprovada no Congresso Brasileiro em
2010 define as idades entre 15 e 29 anos.
O Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), formado por representantes
da sociedade civil, que anualmente realiza a Conferência Nacional de Juventude e
agrega representações jovens de todo o Brasil, estabelece uma definição mais
detalhada: indivíduos entre 15 e 29 anos divididos em adolescentes jovens (15 a 17
anos); jovens (18 a 24 anos) e jovens adultos (25 a 29 anos) (CONSTANZI, 2009).
É presumível, portanto, que o conceito de juventude só possa ser
compreendido em sua amplitude se é considerado como perpassado por categorias
diversas, com características historicamente determinadas. As juventudes são
tomadas aqui “como uma categoria social transversalizada pelas categorias de
gênero, de classe social, de etnia e de geração, dentre outras variáveis.” (DAYRELL;
MOREIRA; STENGEL, 2011, p.12). Além disso, consideramos que por tais categorias
perpassam o conceito de juventude de modo diferente em cada momentos histórico,
uma vez que as experiências interferem na vivencia de tais categorias.
É este o conceito de juventude aqui considerado: a partir de uma perspectiva
histórica e geograficamente situada, reconhecendo que o próprio conceito é
modificado se o situarmos em determinado contexto específico, bem como é
perpassado pelas categorias que são usadas para sua análise. Por essa razão é
preferível utilizar o termo com um s no final, indicando um grupo de sujeitos que são
sempre plurais, indefinido isoladamente. Desse modo, utilizamos a palavra
juventudes.

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Por conseguinte, os jovens aqui estudados estão situados em um contexto


concreto, definidos em termos etários, mas, considerando suas diferenças, são, por
isso mesmo capazes de interferir em seu meio contribuindo para enriquecer de
sentidos a vivencia escolar. Compreender as juventudes a partir dessas
características ajuda-nos, portanto, a desvelar a complexa dinâmica das relações
entre os jovens e a escola.

2. Juventudes e conflitos contemporâneas

Segundo Sposito (2005 apud DAYRELL; MOREIRA; STENGEL, 2011), a


condição de ser jovem nas sociedades contemporâneas se afirma junto a duas
importantes agências sociais: a família e a escola. Estas instituições definem
comportamentos e amparam o sujeito na tarefa de migrar do mundo privado para o
público. Por essa razão, para a autora é imperativo considerar três óticas no estudo
sobre juventude: a compreensão de que a família e a escola passam por processos
de mudanças; a importância de considerar a existência de diversos fatores
socializadores na vida juvenil, além da família e da escola, e, por último, o ato de
procurar entender os sentidos que os jovens atribuem à sua relação com essas
esferas.
Tais considerações não exclui o imperativo de pensarmos nas mídias sociais e
outros grupos de convívio não formais e, o trabalho, do ponto de vista formal, como
agencias de socialização que também determinam processos de identificações.
No que se refere ao trabalho, grande parte das juventudes brasileiras vive sob
a ótica dessa necessidade, primeiro como condição ontológica que o trabalho,
entendido como produção material da vida, representa. No segundo momento, como
inserção no mundo do trabalho como forma de garantir acesso a bens materiais e
culturais e de ajuda na renda familiar. Não é possível, portanto, esquecer que a
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questão social brasileira está presente na vida destes sujeitos: “as desigualdades
econômicas continuam a delimitar os horizontes possíveis de ação dos jovens nas
suas relações com a escola e o mundo do trabalho” (SPOSITO, 2005, p.103 apud
DAYRELL; MOREIRA; STENGEL, 2011). Seus projetos e suas expectativas por certo
se encontram na envergadura das questões do emprego e do não emprego, conforme
atesta Pais (2003):

Historicamente e socialmente, a juventude tem sido encarada como uma fase


da vida marcada por uma certa instabilidade associada a determinados
“problemas sociais”. Se os jovens não se esforçam para contornar esses
“problemas”, correm os mesmo riscos de serem apelidados de
“irresponsáveis” ou “desinteressados”. Um adulto é “responsável”, diz-se,
porque responde a um conjunto determinado de responsabilidades. [...] A
partir do momento em que vão contraindo estas responsabilidades os jovens
vão adquirindo o estatuto de adultos. Os problemas que,
contemporaneamente mais afetam a “juventude” - fazendo dela, por isso
mesmo, um problema social, são correntemente derivados da dificuldade de
entrada dos jovens no mundo do trabalho (PAIS, 2003, p.30-31).

Porque esses problemas são sentidos, apercebidos e reconhecidos


socialmente, a juventude - quando referida a uma fase de vida - pode e deve
ser encarada como uma construção social (PAIS, 2003, p.34, grifos do autor).

É perceptível que a escola, assim como o trabalho, ocupa papel importante nas
identificações que estes sujeitos apresentam. Mesmo na crítica à escola os jovens
identificam-se com ela. Essas identificações, no entanto, podem revelar outro aspecto
desta questão, no que tange à autorresponsabilização pelos processos educativos,
reproduzindo processos de opressão que culpabilizam os sujeitos pela permanência
ou não na escola e pelo acesso ou não ao emprego.

3. Juventudes e o processo de escolarização

Segundo Sposito (2005, apud DAYRELL; MOREIRA; STENGEL, 2011) há


uma ambiguidade entre a promessa de futuro e a falta de sentido do presente:
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Nesta tensão, pode ocorrer uma relação predominantemente instrumental


com o conhecimento, resposta mínima para se evitar a deserção ou o
retraimento total em relação ao processo de sua apropriação (SPOSITO,
2005, p.124, apud DAYRELL; MOREIRA; STENGEL, 2011).

Parece premente reconhecer que o que há em nossas escolas são jovens


voltados meramente para a sobrevivência, a porque não conseguem se desvencilhar
de um presente carregado de vicissitudes e dificuldades de acesso a bens culturais e
ao emprego. São jovens que precisam aliar estudo e trabalho, para garantir de que
esse balanço lhe ofereça melhores condições no futuro. Nas reflexões de Pais (2006),
essas orientações axiológicas apresentam uma balança injusta quanto aos projetos
de vida destes sujeitos, uma vez que para alguns, a única possibilidade parece ser a
ausência de projetos.
Quando se trata de juventudes deve-se também falar em condição juvenil, o
que requer pensar nas múltiplas dimensões do ser jovem: existem diversos fatores
socializadores e a escola se coloca apenas como um deles. A definição da condição
juvenil ainda nos mostra que esses jovens não são objetos que estão estaticamente
incluídos nestas agências ou que são apaticamente influenciados nestes fatores, mas
são sujeitos que significam estas experiências.
Essas múltiplas dimensões que compõem a condição juvenil convivem, ainda,
com seus próprios processos de mutações, como a sociabilidade na escola, que
sofreu modificações a partir de novos referenciais sobre o trabalho e sobre o
conhecimento. Nesta amálgama, o que se coloca é como os jovens estão vivenciando
estas mudanças e como significam seu comportamento na escola.
Estes jovens vivem condições bastante adversas no conjunto de suas
experiências. Segundo Cassab (2009, p.207) há uma vivência da “infância
precocemente amadurecida e sexualizada” e uma juventude estendida, com os
ideários de beleza e produtividade permeando toda a vida. “Esse imaginário da
juventude esvazia a apreensão do real e sobrepõe-se às condições de grande

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adversidade que tem sido vivida de fato pelos jovens” (CASSAB, 2009, p.207).
Esvaziam-se assim as possibilidades de uma condição juvenil onde os sujeitos não
se anulem abandonando outras vivências, no intuito de se adequar a este cenário.

Neste jogo de soma zero, os jovens pobres e suas famílias, em muitos casos,
assumem o conformismo como forma de sobrevivência, e ainda, e por causa
disso, são chamados de alienados e imediatistas. Difícil posição, pois o
horizonte de realização do projeto social, envolvido pela anulação dos
sujeitos em contextos de rarefeito espaço público, é sua eliminação.
(CASSAB, 2009, p.208).

4. Considerações finais

A partir do 1ᵃ Conferência Nacional de Políticas Públicas para Juventude,


realizada em 2008, em Brasília e conforme registro de Castro e Abramovay (2009),
encontramos que dentre as inquietações e reivindicações feitas pelos jovens, a
educação aparece em primeiro lugar, sendo uma importante bandeira de luta para
22,76% deles. Em segundo lugar, estão as políticas públicas para 7,93% deles. A
participação juvenil em diversos espaços sociais implica em formas diferenciadas de
percepção do real, o que pode empoderá-los na construção de espaços mais plurais,
inclusive a própria escola.
A condição juvenil, incluindo as possibilidades de participação nas diversas
esferas, contribui na constituição das expectativas dos jovens quanto à escola e ao
conhecimento. O papel da instituição escolar na acolhida de seus reais interesses e
na construção de novas expectativas pode alterar essa balança perversa, que abriga
os jovens no peso máximo dos problemas sociais e empoderá-los, dando-lhes assim,
melhores condições de participação crítica no seu meio social, e avalizando uma
vivência escolar com reais garantias de aproximação entre os sujeitos.
Um caminho pedagógico possível, no intuito de minorar este cenário de que
fala Cassab (2009) talvez seja estimular a participação dos sujeitos, não apenas do
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ponto de vista da ação política pública embora estas sejam importantes, mas também
a ação participativa nos espaços de decisão e na escola. Esta mobilização se dá no
sentido de reconhecer seu lugar no mundo e se questionar sobre a naturalidade das
coisas e das relações. Um modo de operacionalizar tal intento, ainda segundo a autora
é
denunciar o silêncio que os emudece e desqualifica, produzir alternativas de
reconhecimento, por meio de enriquecimento das narrativas da experiência
concreta desta geração, reconhecer as possibilidades de sua efetiva
participação social através do dissenso que os qualifica como interlocutores
válidos [...] (CASSAB, 2009, p.210).

Nesse sentido é imprescindível identificar as juventudes em suas semelhanças


e diferenças, buscando perceber como essa categoria é determinada pelas condições
materiais de vida e, de outro modo, determina outros aspectos relacionados aos seus
interesses e expectativas de vida. Primeiro porque é preciso sair do lugar comum que
empobrece a condição juvenil classificando-os (as) como iguais e desdobrando essa
classificação a partir de nossa interpretação adulta, como desinteressados,
desorganizados. Segundo porque é mais necessário ainda superar o mito da
ineficiência da escola como espaço de produção do conhecimento e de socialização.
Tal constatação aligeirada e, consequentemente equivocada, reforça a desesperança
e o desrespeito com a escola e com as juventudes que, do ponto de vista específico,
só dificulta as relações escolares porque as mantem em uma nevoa de preconceitos
e do ponto de vista amplo, contribui para a desistência coletiva de nossas ações de
transformação cotidianas, enquanto educadores e enquanto cidadãos. Afinal

A escola é o lugar não só de acolhimento das diferenças humanas e sociais


encarnadas na diversidade (...), mas fundamentalmente o lugar a partir do
qual se engendram novas diferenças, se instauram novas demandas, se
criam novas apreensões sobre o mundo já conhecido. Em outras palavras, a
escola é, por excelência, a instituição da alteridade, do estranhamento, da
mestiçagem - marcas indeléveis da medida de transformabilidade da
condição humana (AQUINO, 1998, p.45).

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JUVENTUDES: EMOÇÕES, CONFLITOS CONTEMPORÂNEOS E PROJETO DE


VIDA

Carine de Miranda Santos

Resumo
O presente artigo busca refletir como as emoções desenvolvidas socialmente
interferem nos projetos de vida de jovens pertencentes às áreas periféricas de
Salvador. Este trabalho é de fundamental importância para o entendimento do lugar
ocupado pelos jovens pobres dos grandes centros urbanos, bem como a
compreensão dos projetos de vida desenvolvidos por esta juventude. Buscamos saber
entre esses jovens de que forma as emoções interferem na capacidade de sonharem
com um futuro melhor. Tomamos como porto de partida as experiências, falas,
vivências e representações de jovens de bairros periféricos de Salvador buscando
dialogar com a sociologia das emoções. O conhecimento sociológico abrange as
múltiplas realidades vividas por diferentes sujeitos. Sabemos que as sociabilidades
urbanas interferem fortemente na construção das emoções dos indivíduos. Neste
trabalho, oferecemos respaldo teórico às reflexões sobre o quanto os conflitos
contemporâneos têm atingido as emoções e a capacidade de sonhar e de criação de
um projeto de vida entre a juventude.

Palavras-chave: Juventudes. Conflitos Contemporâneos. Projeto de Vida. Sociologia


das Emoções.

Cientista Social pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, Mestre em Família na Sociedade Contemporânea
(UCSAL), Especialista em Metodologia de Pesquisa, pela Universidade do Estado da Bahia -UNEB. Professora de
Sociologia no Ensino Médio, na Rede Pública do Estado da Bahia. E-mail: carine.mir123@gmail.com
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Introdução

Ao pensarmos nas juventudes e nas suas emoções e projetos de vida 1 ,


precisamos situá-las em tempo e espaço que as aproximam de um determinado
momento histórico e lugar, mas, ao mesmo tempo, devemos levar em consideração
toda uma construção e experiências de vida que são muito particulares, dependem da
condição econômica e social, da inscrição de gênero e de raça/etnicidade, entre
outras. Sendo assim, deixamos claro que as nossas reflexões sobre as juventudes
dizem respeito aos jovens contemporâneos, pobres, em sua maioria negra, moradores
de bairros periféricos de cidades brasileiras, mais especificamente a cidade de
Salvador.
Este artigo surgiu de algumas experiências de pesquisas realizadas com as
juventudes2 de bairros periféricos de Salvador. Através dessas experiências tivemos
a possibilidade de traçar o perfil de cerca de duzentos jovens de bairros periféricos de
Salvador. São estudantes entre 15 e 17 anos, negros (as) de pai e mãe, em sua
maioria com nível médio completo. Pudemos, através de grupos focais e
questionários, ouvir esses jovens sobre questões ligadas a realidade dos bairros em
que vivem violência, lazer, educação e projeto de vida. Embora saibamos que o
objetivo deste artigo não é tratar de todas essas questões, precisamos deixar claro
que foi através das falas desses jovens que tivemos o interesse de compreender as
emoções ligadas a eles e o quanto essas emoções contribuem ou atrapalham no
processo de construção de sonhos e projetos de vida.

1 Capacidade de olhar para o futuro e imaginar determinadas realizações. Um projeto de vida diz respeito aos sonhos
que os indivíduos buscam realizar. Para isso, precisam traçar meios e metas para que possam realizar os seus
objetivos.
2 O conceito de juventude, ainda para a OMS, se resumiria em uma categoria essencialmente sociológica que

indicaria o processo de preparação para os indivíduos assumirem o papel de adulto na sociedade tanto no plano
familiar quanto no profissional estendendo-se dos 15 aos 24 anos.
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Através dessas vivências com as juventudes, pudemos perceber o quanto os


conflitos ligados à falta de acesso a condições básicas, econômicas, educacionais,
saúde e problemas como a discriminação racial e a violência interferem nas emoções
e projetos de vida desses sujeitos.

1. Sociologia das Emoções

Segundo Mauro Koury3 (2004) a Sociologia das emoções surgiu na década de


1970 como uma subárea da Sociologia e Antropologia. No Brasil, ganhou espaço na
década de 1990, sem deixar de lado as leituras sociológicas clássicas, buscam
oferecer visibilidade as emoções e o quanto elas são influenciadas e geradas por
questões sociais e culturais.
A definição da emoção não representa uma tarefa fácil. Durante muito tempo
as emoções ficaram ligadas estritamente a área da psicologia. Psicólogos como
Robert Plutchik, chega a afirmar que os seres humanos desenvolvem oito tipos de
emoções: confiança, tristeza, raiva, aversão, alegria, medo, surpresa e antecipação,
são através delas que surge uma infinidade de outras emoções. Segundo ele, as
emoções geram sensações físicas e emocionais, geradas por algum reconhecimento
cerebral. Esse reconhecimento é gerado por alguma experiência vivida, ou seja, é
provocado por estímulos sociais e culturais. Daí a necessidade das emoções serem
estudadas para além da psicologia, partindo também para a Sociologia e Antropologia.
Marcel Mauss (2001), através dos seus estudos relacionados às expressões
das emoções que são motivadas por atrações culturais e sociais, demostra o quanto

3Doutor em Sociologia e Professor dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) e de Direitos


Humanos (PPGDH) da Universidade Federal da Paraíba. Coordenador do GREM – Grupo de Pesquisa em
Antropologia e Sociologia das Emoções da mesma universidade.
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a exibição do sofrimento e da tristeza podem ser movidas por costumes e práticas


sociais.
O ritual oral dos cultos funerários australianos que, num considerável grupo
de população bastante homogênea e bastante primitiva, não só o choro, mas
também outras expressões orais não são só fenômenos psicológicos e
fisiológicos, mas sim fenômenos sociais marcados por manifestações não-
espontâneas e de mais perfeita obrigação (MAUSS, 2001, p. 147).

Dessa forma, percebemos o quanto as emoções estão ligadas as vivências


sociais, influenciadas até pelo apelo ao consumo. São inúmeras as motivações que
levam os indivíduos a sentirem uma emoção que os levam a agirem ou deixarem de
agir a favor de si mesmos. Emoções positivas como a confiança, segurança e
amorosidade, tendem a contribuírem para que os indivíduos tenham uma vida mais
saudável e consequentemente um pouco mais de otimismo e autoconfiança diante de
questões do dia a dia. Já as emoções ligadas ao sofrimento, angústia e medo, geram
desconforto e ações menos arriscadas. Os indivíduos tendem a não confiar nas
próprias potencialidades.

1.1 Padrões emocionais socialmente aceitos

As sociedades normalmente estabelecem os padrões econômicos, familiares,


educacionais e religiosos que são vistos como mais adequados. Em relação as
emoções também existem os padrões que são mais aceitos socialmente. Sendo
assim, os indivíduos que se enxergam fora desses padrões tendem a querer se
adequar ou a aceitarem o fato de estarem fora dos padrões. Qualquer uma das opções
gera desconforto e falta de pertença.
Quando tratamos de projeto de vida, estamos falando dos sonhos que temos
para o futuro e quais os planos que estamos traçando para realiza-los. A sociedade
espera que os adolescentes, normalmente, no final do ensino médio, já tenham em
mente qual a profissão que desejam atuar. Para grande parte desses jovens as
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emoções provocadas por esta cobrança social geram insegurança e medo. Como já
dissemos neste artigo, ao falarmos de juventudes estamos tratando de realidades
muito diversas. Uma parcela dos jovens é preparada emocionalmente para passarem
por essa fase de tomada de decisão em relação ao projeto de vida, mesmo diante das
orientações e todo o aparato oferecido pela escola e pela família, ainda enfrentam
momentos de insegurança, desmotivação e medo. E como será que se sentem os
jovens das classes populares nesse momento tão significativo em suas vidas? Esses
jovens não possuem os referenciais de profissões que exigem cursos superiores
porque poucos são os familiares e amigos que alcançaram o curso superior. A
educação escolar, no caso brasileiro, não recebe os investimentos públicos
necessários para que as escolas ofereçam aos seus estudantes uma educação de
qualidade.
Os padrões emocionais estão presentes em vários campos da vidad os jovens.
A vida contemporânea através dos novos meios de comunicação e interação,
representados em grande medida por diversas redes sociais, deixam transparecer
entre os indivíduos determinadas emoções que não são reais. Através das redes não
percebemos com clareza quais as reais emoções de nossos pares (amigos), isso só
contribui para disseminar os padrões emocionais socialmente aceitos.
Quase sempre esses padrões estão relacionados as vidas que são expostas
virtualmente. Famílias unidades, pessoas bem vestidas, festas, baladas, amigos,
consumo de todo tipo e uma juventude linda e feliz. Segundo Bauman (2013) o apelo
pelo consumo aumenta o sentimento de exclusão de uma parcela da população,
causando baixa estima por não poderem consumir.

Para os consumidores excluídos, versão contemporânea dos que não têm,


não comprar é o estigma desagradável e pustulento de uma vida sem
realizações – de ser uma não entidade e não servir para nada. Significa não
somente a falta de prazer, mas a falta de dignidade humana. De significado
na vida. Em última instância, de humanidade de quaisquer outras bases para
o autorrespeito e para o respeito das pessoas à sua volta (BAUMAN, 2013,
p.83).

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Todos esses padrões geram emoções diversas, quase sempre relacionadas a


falta de capacidade para ser como os outros. Essa falta de confiança em si próprio e
na própria realidade, tende a impedir que os jovens, principalmente das classes
populares, sonhem. E sem sonho, não existe projeto de vida.

2. Juventude e projeto de vida

Ao refletirmos sobre a vida dos jovens na sociedade contemporânea


precisamos estar atentos a uma série de questões simbólicas e materiais, que
envolvem a vida desses indivíduos e que contribuem profundamente para a
construção de sua juventude e de seus projetos de vida. Como já mencionamos, não
existe um padrão de juventude. Segundo Pais (2006), ao falarmos de juventude de
classe média ou popular, operária ou estudante, estamos nos referindo à juventude
no sentido de “diferente”. Ela aparece socialmente dividida, em função de seus
interesses, das suas origens sociais, das suas perspectivas e aspirações. Assim,
jovens que pertencem às classes sociais diferentes, mesmo que estejam na mesma
cidade, possuem padrões comportamentais e emocionais diferentes.

A adolescência é vista em diversas culturas e épocas como importante


momento de domínio das regras e dos valores da vida social, de ganho de
autonomia, de maturidade física e psíquica e de gradativa incorporação de
papéis sociais do mundo. Independentemente das diversas nuances e
singularidades transculturais e históricas que possam existir nessa etapa da
existência, pode-se considerar que, atualmente, a adolescência é uma fase
extremamente especial do desenvolvimento humano. Nesse período, o
adolescente vai construindo uma imagem de si e várias competências
cognitivas e socioculturais rumo à inserção nas relações da sociabilidade
adulta (IMPACTO DA VIOLÊNCIA NA SAÚDE, 2005, p. 80).

São muitas as correntes teóricas e pesquisadores das áreas das ciências


sociais, da psicologia, da educação, do direito, entre outros, que fazem diferentes
recortes sobre as juventudes e buscam compreender as questões contemporâneas
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que giram em torno desses sujeitos e que ajudam a constituir esse grupo. Segundo
Bourdieu, sempre existirá alguém considerado mais jovem ou mais velho a depender
da idade que tenha, a depender das questões culturais e do período histórico do qual
se fala. Além do que, experiências socialmente marcadas por ambiências em
desigualdades, como por raça, classe, gênero e sexualidades, repetimos,
condicionam processos de maturidade e vivências que se afastam de idealizações
sobre tal ciclo de vida.
Gilberto Velho (2003), ao tratar das questões relacionadas ao projeto de vida,
esclarece que nenhum sujeito está isento do meio e das experiências que têm ao
longo da vida. A vida de grande parte dos indivíduos está repleta de condicionamentos
e determinações sociais. Ele chama de campos de possibilidades circunscrito. Este
campo pode impulsionar certos indivíduos a emoções que geram otimismo e
sentimento de pertença enquanto outros podem ser “direcionados” às emoções que
os limitem. A questão do projeto é apresentada por Velho (2003) como sendo uma
capacidade que os indivíduos desenvolvem para a realização de objetivos, tomadas
de decisões, esquematizando um caminho para a concretização de sonhos.
Os jovens que nos referimos neste artigo se vêm com muitas dificuldades
quando o assunto é refletir sobre um projeto de vida. Alguns dos sonhos que têm
parecem distantes demais para serem concretizados. As emoções geradas pelas
faltas em suas vidas geram sentimentos de inseguranças, angústias e medos. A vida
em grande parte dos bairros periféricos tendem a limitar as experiências infantis e
juvenis, dificultando o acesso desses indivíduos a vivências como o lazer, a educação,
a saúde e a segurança. O conhecimento de outras áreas da cidade, condições que
contribuiriam para a ampliação de visão de mundo desses futuros adultos, quase
sempre é tomado pela estranheza das pessoas do “centro” que não se sentem
confortáveis com a presença de figuras da periferia. O shopping é citado pelos jovens
como um dos espaços mais desejados por eles (as), e é nesse mesmo espaço que
esse jovem percebe fortemente a barreira social que existe entre alguns indivíduos.
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Ao serem notados por frequentadores e acompanhados por seguranças, eles (as) têm
a impressão que não deveriam fazer parte daquele lugar. Experiências como essa só
aumentam as emoções que tendem a criar barreiras para futuras projeções sociais.
Esses jovens sabem que precisam pensar em projeto para suas vidas, mas não
sabem como começar e como podem criar meios para seguir em direção a um futuro
melhor. Muitos são levados ao mundo do trabalho muito precocemente pelas
necessidades econômicas e isso só limita os avanços nos estudos e uma real projeção
futura. Muitas vezes, desde o fundamental 2, esses jovens já estão realizando algum
trabalho para ajudar a família. Seja ajudando os pais, no mercadinho do bairro,
operando caixa, sempre em funções de baixa escolaridade. Infelizmente, esses jovens
terminam por acreditar que são esses espaços que eles (as) devem ocupar ao longo
da vida. Ainda são poucos os estudantes que acreditam que podem superar as
barreiras sociais que prejudicam a concretização dos seus projetos de vida.
Diante de nossa realidade, poderíamos falar na existência de dois grupos de
jovens: um ciente das dificuldades que enfrentarão com seus projetos de vida, mas
repletos de sonhos e de estratégias para superarem os obstáculos; e outro, que não
se permite sonhar e restringem-se as emoções e sentimentos que os imobiliza. Neste
caso, não se permitem acreditar em um futuro melhor, pensam que certas conquistas
do mundo não são para eles (as).

3. Considerações Finais

Através dos estudos e reflexões realizados neste artigo, podemos afirmar que
intimamente são muitos os desejos e inquietações desses jovens de classes
populares. No fundo todos desejam conquistar uma vida mais digna. Contudo diante
dos sofrimentos vividos por muitos deles, percebemos que a opção por demostrar não
sonhar é o meio encontrado para evitar frustrações e sofrimentos futuros.
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Não é fácil ser jovem e perceber que existem questões sociais e culturas que
desfavorecem a concretização dos seus desejos e projetos de vida. Segundo
Machado Pais (2006), é difícil falar em sonhos juvenis em uma sociedade que os
exclui, em que a educação pública não é de qualidade, em que a busca por emprego
não oferece igualdade de oportunidades. A falta de acesso aos serviços públicos e
privados de qualidade têm contribuído para a falta de esperança desses jovens.
As memórias dessas faltas geram emoções que não contribuem para a
projeção desses jovens através de um projeto de vida bem construído. Mesmo assim,
observamos uma parcela desses jovens que acreditam que podem romper com as
barreiras impostas pela sociedade e que sonham em ocupar espaços que lhes foram
negados durante a vida. São esses jovens que têm o potencial de incentivar outros
jovens a acreditarem em um futuro melhor.

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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “DESENVOLVIMENTO REGIONAL,


AGROECOLOGIA E SUSTENTABILIDADE”

A NATUREZA COMO INDUTORA DO CONHECIMENTO: POSSIBILIDADES


PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA

Gerson Luiz Buczenko


Maria Arlete Rosa

Resumo
Este artigo tem como objetivo geral analisar a presença da Educação Ambiental (EA)
na escola, com base nas observações realizadas durante os estágios obrigatórios do
curso de Pedagogia e no decorrer da atividade profissional como docente da
educação básica, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Parte-se
do pressuposto de que a natureza é indutora de conhecimento pela condição inicial
do ser humano, que é natureza, embora esteja apartado dessa realidade pela lógica
da sociedade capitalista. Os objetivos específicos foram assim definidos: conhecer o
conceito de EA; analisar as políticas públicas existentes em relação à EA; e avaliar a
presença ou abordagem da EA na escola, por meio das observações e contatos com
os projetos político-pedagógicos. A indagação de pesquisa estabelecida foi:
considerando as observações realizadas e partindo do pressuposto de que a natureza
é indutora do conhecimento, é perceptível a abordagem da EA na escola? Existem
várias correntes teóricas quando se pensa nesse campo, segundo Sauvé (2005),
porém, entre elas, se destaca a corrente crítica, que tem como fundamentos a
dialogicidade, a emancipação e a transformação social.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Escola. Crítica. Emancipação.

 Doutor em Educação. Docente da Faculdade CNECE Campo Largo. Campo Largo, Paraná, Brasil. E-mail:
buczenko@uol.com.br
 Doutora em Educação. Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Tuiuti do

Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: mariaarleterosa@gmail.com


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Introdução

Este artigo tem como objetivo geral analisar a presença da Educação Ambiental
(EA) na escola, com base nas observações realizadas durante os estágios
obrigatórios do curso de Pedagogia e no decorrer da atividade profissional como
docente da educação básica, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino
médio. Assim, parte-se do pressuposto de que a natureza é indutora de conhecimento
pela condição inicial do ser humano, que é natureza, embora esteja apartado dessa
realidade pela lógica da sociedade capitalista.
Os objetivos específicos foram assim definidos: conhecer o conceito de EA;
analisar as políticas públicas existentes em relação à EA; e avaliar a presença ou
abordagem da EA na escola, por meio das observações e contatos com os projetos
políticos pedagógicos. Já a indagação de pesquisa estabelecida foi: considerando as
observações realizadas e partindo do pressuposto de que a natureza é indutora do
conhecimento, é perceptível a abordagem da EA na escola?
Existem várias correntes teóricas quando se pensa nesse campo, segundo
Sauvé (2005), porém, entre elas, se destaca a corrente crítica, que tem como
fundamentos a dialogicidade, a emancipação e a transformação social, entre outros
aspectos que procuram dar maior visibilidade às relações entre ser humano e
natureza e aos obstáculos impostos por uma sociedade capitalista que coisifica a tudo
e a todos.
É importante salientar que este trabalho é decorrente do estágio curricular
supervisionado, um dos componentes curriculares obrigatórios do curso, constituindo,
também, um elemento relevante para a formação inicial do licenciado, ao aproximá-lo
do contexto educacional em que atuará. Para os alunos que já atuam como docentes,
oportuniza vivenciar a relação entre os conteúdos trabalhados durante o curso de
Pedagogia e a prática cotidiana dos professores em sala de aula, favorecendo a
análise reflexiva sobre a docência e, por conseguinte, a própria educação básica.
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1. Natureza como indutora do conhecimento

O ambiente natural circundante sempre foi motivo de inspiração para a


humanidade, além de atender praticamente a todas as suas necessidades.
Atualmente, na vida urbana agitada das grandes cidades, esse meio ambiente pouco
é percebido; restam algumas árvores em bosques e em canteiros de grandes
avenidas, que são vistas, às vezes, como um incômodo em razão das raízes e folhas.
Os jardins das residências e condomínios estão minimizados, devido ao custo de
manutenção, optando-se pela artificializacão, calçadas, grama sintética, brinquedos
pré-fabricados, entre outras novidades. Dessa forma, as novas gerações veem a
natureza como algo distante, presente em parques ou percebida em passeios de lazer
nos fins de semana ou, ainda, nas férias escolares. No entanto, esse mesmo meio
ambiente, no passado, além de ter sido o nascedouro da própria humanidade,
propiciou inúmeros saberes, à medida que o ser humano passou a perceber como
interagir com o meio natural e dele tirar a subsistência, aprimorar as armas de caça e
pesca, construir ferramentas e entender o fluxo de cheias e vazantes dos grandes
rios; assim, consolidou-se uma condição que possibilitou ao ser humano sua
sedentarização.
Para alguns povos, o meio ambiente foi uma fonte intensa de reflexões, após o
espanto, estranhamento e admiração pelos fenômenos físicos até então inexplicáveis.
Do predomínio inicial dos mitos e dos diversos deuses, sobreveio o pensamento
racional, a explicação lógica para tudo que cercava o ser humano; assim, a natureza
sofreu, com o passar dos séculos, uma intensa transformação, sendo moldada pelo e
para o ser humano. Da passagem da alquimia para a indústria, o meio ambiente
passou a servir de forma total aos seres humanos, tornando-se uma coisa, assim
como o próprio ser humano, na lógica racional do modelo econômico em vigor.

No processo de ação e transformação da natureza, o homem produz sua


existência, modificando a natureza e, por consequência, a si mesmo, e acaba
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criando novas necessidades. Ao atuar sobre ‘a natureza externa e


modificando-a, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza. Desenvolve
as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das
forças naturais’ (MARX, 1982, p. 202).

O ser humano, ao alcançar avanços tecnológicos, científicos e bélicos


extraordinários, passou a depender totalmente do meio ambiente, que foi o indutor de
todas as conquistas. Agora, esse mesmo meio ambiente emite sinais de que está em
transformação, em razão da ação do ser humano. A natureza, em seu caminho
histórico no planeta Terra, sobreviverá sem o ser humano, porém o contrário não é
verdadeiro.
As relações da humanidade com o socius, com a psique e com a ‘natureza’
tendem, com efeito, a se deteriorar cada vez mais, não só em razão de
nocividades e poluições objetivas, mas também pela existência de fato de um
desconhecimento e de uma passividade fatalista dos indivíduos e dos
poderes com relação a essas questões consideradas em seu conjunto.
Catastróficas ou não, as evoluções negativas são aceitas tais como são
(GUATTARI, 2012, p. 23).

Mesmo sendo maltratado, o meio ambiente continua induzindo o ser humano a


novos saberes, sendo a EA uma das portas de acesso; ela pode e deve estar presente
em todo currículo escolar de forma interdisciplinar, oportunizando às novas gerações
também o espanto, o estranhamento, a admiração, constituindo um caminho para os
saberes historicamente construídos pela humanidade.

2. EA: conceito e correntes teóricas

A EA, segundo Reigota (2012), não deve ser vista apenas na perspectiva dos
aspectos biológicos da vida, pois não se trata apenas de garantir a preservação de
espécies animais, vegetais e recursos naturais. Para o autor, o que deve ser uma
prioridade na EA são as análises econômicas, sociais e culturais entre a humanidade
e a natureza e as relações entre os seres humanos, com o objetivo maior de superar
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os mecanismos de controle e de dominação que impedem a participação consciente


e democrática de todos. A EA

deve procurar favorecer e estimular possibilidades de se estabelecer


coletivamente uma ‘nova aliança’ (entre os seres humanos e a natureza e
entre nós mesmos) que possibilite a todas as espécies biológicas, inclusive a
humana) a sua convivência e sobrevivência com dignidade (REIGOTA, 2012,
p. 14).

De acordo com Gonçalves (1990 apud GUIMARÃES, 2007), ela é um processo


de aprendizagem longo e contínuo que procura aclarar conceitos e promover valores
éticos, visando a desenvolver atitudes racionais, responsáveis e solidárias entre os
homens, para instrumentalizar indivíduos, dotando-os de aptidões para agir de forma
consciente e responsável sobre o meio ambiente, por meio da interpretação correta
da complexidade que envolve a EA e de sua inter-relação com os fatores políticos,
econômicos e sociais.
Maia (2015), por sua vez, afirma que se pode entender EA como um processo
de recuperação de valores perdidos na relação histórica dos seres vivos com a
natureza. Dessa forma, evidencia-se à medida que potencializa os seres humanos
para ações cotidianas que favorecem a integração do indivíduo em sua corporeidade,
esteticidade, sociabilidade, emotividade e inteligência com seu entorno, superando a
dicotomia entre sociedade e natureza.
Com base nesses conceitos, percebem-se fatores correlatos que identificam a
necessidade de reaproximação entre o ser humano e o meio natural, porém o
pensamento reflexivo e a ação que considerem as questões econômicas, sociais e
políticas devem se fazer presentes no ensino e debate sobre a EA, principalmente no
ambiente escolar.
É importante ressaltar que, diante de conceitos que são abrangentes, com o
decorrer dos debates que constituem a historicidade da EA, se manifestaram várias
visões teórico-ideológicas sobre o papel a ser desempenhado por ela, bem como

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sobre a natureza. Nesse sentido, Sauvé (2005) percebe diversas correntes da EA, ao
considerar as distintas maneiras de promover a ação educativa ambiental. A autora
agrupa as correntes com características semelhantes, embora cada uma possua
pontos determinados, específicos, não sendo, ainda, excludentes. Existem, assim,
dois grandes grupos: as correntes tradicionais, concebidas entre as décadas de 1970
e 1980, e as mais recentes (SAUVÉ, 2005).

Exploraremos brevemente quinze correntes de educação ambiental. Algumas


têm uma tradição mais antiga e foram dominantes nas primeiras décadas de
EA (1970;1980); outras correspondem a preocupações que surgiram
recentemente. Entre as correntes que têm uma extensa tradição em
educação ambiental, analisaremos as seguintes: a corrente naturalista; a
corrente conservacionista/recursista; a corrente resolutiva; a corrente
sistêmica; a corrente científica; a corrente humanista; a corrente moral/ética.
Entre as correntes mais recentes: a corrente holística; a corrente
biorregionalista; a corrente prática; a corrente crítica; a corrente feminista; a
corrente etnográfica; a corrente da ecoeducação; a corrente do
desenvolvimento sustentável1 (SAUVÉ, 2005, p. 18, tradução nossa).

Para visualizar em melhor medida as características de cada uma das correntes


citadas por Sauvé (2005), expondo a concepção de meio ambiente e objetivos da EA,
elaborou-se o Quadro 1, que traz contribuições de Sato e Carvalho (2005); Albanus e
Zouvi (2013) e Alencastro e Souza-Lima (2014).

1 Texto original: “Exploraremos brevemente quince corrientes de educación ambiental. Algunas tienen una tradición
más ‘antigua’ y han sido dominantes en las primeras décadas de la EA (los años 1970 y 1980); otras corresponden
a preocupaciones que han surgido recientemente. Entre las corrientes que tienen una larga tradición en educación
ambiental, analizaremos las siguientes: la corriente naturalista; la corriente conservacionista/recursista; la corriente
resolutiva; la corriente sistémica; la corriente científica; la corriente humanista; la corriente moral/ética. Entre las
corrientes más recientes: la corriente holística; la corriente bio-regionalista; la corriente práxica; la corriente crítica;
la corriente feminista la corriente etnográfica; la corriente de la eco-educación; la corriente de la
sostenibilidad/sustentabilidade” (SAUVÉ, 2005, p. 18).
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Quadro 1 – Correntes de EA.


Corrente Concepção de meio Objetivos da EA
ambiente
1. Naturalista Natureza. Reconstruir uma ligação com a
natureza.
2. Conservacionista/recursista Recurso. Adotar comportamento de
conservação. Desenvolver
habilidades relativas à gestão
ambiental.
3. Resolutiva Problema. Desenvolver habilidades de
resolução de problemas: do
diagnóstico à ação.
4. Sistêmica Sistema. Desenvolver o pensamento
sistêmico: análise e síntese
para uma visão global.
Compreender as realidades
ambientais, tendo em vista
decisões apropriadas.
5. Científica Objeto de estudo. Adquirir conhecimentos em
ciências ambientais.
Desenvolver habilidades
relativas à experiência
científica.
6. Humanista Meio de vida. Conhecer seu meio de vida e
conhecer-se melhor em
relação a ele. Desenvolver um
sentimento de pertença.
7. Moral/ética Objeto de valores. Dar prova de ecocivismo.
Desenvolver um sistema ético.
8. Holística Total. Todo. O ser. Desenvolver as múltiplas
dimensões de seu ser em
interação com o conjunto de
dimensões do meio ambiente.
Desenvolver um conhecimento
“orgânico” do mundo e um
atuar participativo em unidade
com o meio ambiente.
9. Biorregionalista Lugar de pertença. Projeto Desenvolver competências em
comunitário. ecodesenvolvimento
comunitário, local ou regional.
10. Prática Ensaio – cadinho de Aprender em, para e pela
ação/reflexão. ação. Desenvolver
competências de reflexão.
11. Crítica Objeto de ação/reflexão. Desconstruir as realidades
socioambientais, visando a
transformar o que causa
problemas.

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12. Feminista Objeto de solicitude. Integrar valores feministas à


relação com o meio ambiente.
13. Etnográfica Território. Lugar de Reconhecer a estreita ligação
identidade. Natureza/cultura. entre natureza e cultura.
Clarear sua própria
cosmologia. Valorizar a
dimensão cultural de sua
relação com o meio ambiente.
14. Ecoeducação Polo de interação para Experimentar o meio ambiente
formação pessoal. Cadinho para experimentar-se e formar-
de identidade. se no e pelo meio ambiente.
Construir uma melhor relação
com o mundo.
15. Projeto de desenvolvimento Recursos para o Contribuir para esse
sustentável desenvolvimento econômico. desenvolvimento. Recursos
Recursos compartilhados. para o desenvolvimento
econômico respeitoso dos
aspectos sociais e do meio
ambiente.
Fonte: Adaptado de Sato e Carvalho (2005); Sauvé (2005); Albanus e Zouvi (2013) e Alencastro e
Souza-Lima (2014).

Para Mota (2015), essas correntes parecem ser distintas entre si no que tange
às suas especificidades, algumas, porém, possuem aspectos semelhantes. A esse
respeito, Sauvé (2005) expõe que a caracterização por meio de correntes é muito mais
uma ferramenta de análise do que um grilhão que obriga a classificar tudo em
categorias rígidas, com o risco de deformar a realidade; dessa forma, uma proposição
de EA pode se enquadrar em uma ou mais correntes.
Segundo Lima (2011), o campo demarcado pela EA é plural, refletindo, assim,
as principais tendências políticas, éticas e culturais do atual debate sobre
sustentabilidade. O autor propõe uma análise das principais matrizes político-
pedagógicas, que acabam por orientar uma vasta diversidade de leituras e atividades
de EA, no Brasil e no exterior, sugerindo uma polarização do debate em duas grandes
concepções político-culturais, que estruturam o diálogo da sustentabilidade e, por
consequência, também da EA. Assim, tem-se predominância, por um lado, de uma
EA mais discreta em suas críticas em relação ao modo de produção capitalista,
congregando várias correntes de pensamento, e, por outro, de uma abordagem em
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seu viés crítico, que se estabelece na descrença do modo de produção capitalista,


defendendo a transformação social e a emancipação do ser humano, vislumbrando
outro patamar social que venha a harmonizar a humanidade e sua relação com a
natureza.
Para Loureiro (2002) e Carvalho (2012), que se posicionam a favor de uma EA
crítica e transformadora2, a educação é uma práxis social que contribui no processo
de construção de uma sociedade sustentável pautada por patamares civilizacionais e
societários diferentes dos atuais, sendo a sustentabilidade da vida e a ética ecológica
seu cerne. Segundo ainda Loureiro (2002), a EA transformadora é aquela que possui
um conteúdo emancipatório3 em que a dialética entre forma e conteúdo realiza-se de
tal maneira que as alterações da atividade humana, vinculada ao fazer educativo,
implicam mudanças individuais e coletivas, locais e globais, estruturais e conjunturais,
econômicas e culturais.
Assim, no âmbito do que se chama EA emancipatória, podem-se incluir outras
denominações como sinônimos ou concepções similares: “Educação Ambiental crítica;
Educação Ambiental popular; Educação Ambiental transformadora” (LOUREIRO,
2012a, p. 39). Salienta o autor que, nessa perspectiva, é estritamente histórico e
cultural o modo como se define e entende a natureza, a partir das relações sociais e
do modo de produção e organização em dado contexto. Se isso for ignorado, a
atuação será marcadamente ingênua, sem a capacidade de historicizar a ação

2 No que se refere à EA crítica e transformadora, considera-se que “o mundo do capital, para ser reproduzido pela
prática teleológica dos sujeitos, gera e a mesmo tempo necessita de determinada ontologia ou, caso se queira, de
certo composto de ontologias que referenda tais práticas reprodutivas. Por contraste, as práticas emancipatórias
dessa forma de sociabilidade, práticas efetivamente transformadoras, têm de estar fundadas em outra ontologia.
Uma ontologia crítica da primeira. Segue-se, portanto, que a crítica ontológica é condição necessária, ainda que
não suficiente, para a emancipação das estruturas sociais estranhadas, opressoras, iníquas e infames. Por essa
razão, como se afirmou acima, a ontologia crítica marxiana precisa ser restaurada. Deve voltar a ser o referente
da crítica ao capitalismo, de modo a permitir que as ações práticas contra ele possam confluir para um movimento
capaz de abalá-lo e superá-lo. Tal restauração, no entanto, tem por pressuposto retomar a dimensão essencial da
crítica, ou seja, crítica ao modo de produzir sob o capital” (DUAYER, 2015, p. 125).
3 A emancipação é assumida como “o objetivo central dos que lutam contra a sociedade mercantil, a alienação e

a intolerância é a emancipação humana” (SADER, 2008, p. 15).


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educativa, e, por vezes, poderá parecer até mesmo antagônica ao que é defendido
como inerente à EA (LOUREIRO, 2012a).
Para Guimarães (2007), a proposta de EA crítica volta-se para um processo
que desvela e desconstrói os paradigmas da sociedade moderna em suas armadilhas.
Por outro lado, é um processo engajado de transformações da realidade
socioambiental, que passa a construir novos paradigmas constituintes de uma
sociedade ambientalmente sustentável e seus sujeitos. Ainda, de acordo com Maia
(2015), a EA crítica evidencia que a educação não pode ser instrumento ideológico a
serviço de interesses majoritários. Todos que trabalham nessa concepção buscam
constituir sujeitos históricos comprometidos com a construção social, diferentemente
da que ocorre atualmente, injusta e excludente. Destaca o autor que deve haver uma
predisposição para o embate com o conformismo reinante na coletividade educacional,
buscando a mudança de pensamento, o descortinar de verdades e a emancipação
pelo conhecimento. É necessária uma renovação política, ética e cultural da
sociedade, interessada no máximo desenvolvimento da condição humana, rompendo
definitivamente com o atual modo de produção centrado no neoliberalismo globalizado
(MAIA, 2015).

3. Política de EA no Brasil e Paraná

A história da EA possibilita visualizar uma evolução da política pública, que


percebe os apelos da sociedade devidamente organizada e busca atendê-los, pelo
menos em parte. Portanto, a política pública é um instrumento que, como afirma Souza
(2007), põe o governo em ação e/ou possibilita analisar as ações desse governo,
propondo ou não mudanças necessárias. Loureiro (2009, p. 39) disserta que

uma Educação Ambiental que assume seu caráter político exige a


problematização da realidade, a crítica e autocrítica permanente, a
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construção dialógica e democrática de alternativas, posicionamento e


intervenção na esfera pública e um conhecimento complexo da totalidade
socioambiental.

Pensando em uma sociedade democrática que caminha para um equilíbrio


socioambiental, há a necessidade de análise constante das ações do Estado e do
engajamento da sociedade para, se necessário, ampliar ou redirecionar suas ações.
Ao analisar a política pública, Morales (2009) entende que, com a publicação
da Lei nº 9.795/1999, que instituiu a Política Nacional de EA, houve um grande impulso
para as questões ambientais no território brasileiro, reafirmando-se no texto legal um
caráter integrador e sistêmico da EA. No entanto,

apenas em 2002 há a regulamentação da Lei nº 9795/99 e do órgão Gestor


da Política Pública Nacional de Educação Ambiental, que definem as bases
para sua execução. Aqui, fica explícito que a educação ambiental é ainda
muito inconsistente no ambiente político, dependendo do interesse de cada
representante político e partidário vigente no âmbito nacional (MORALES,
2009, p. 46).

Assim, ganham importância o movimento e a união de esforços da sociedade


ou, pelo menos, de parcela desta para reivindicar ações do Estado no sentido de
melhor encaminhar os anseios por uma EA. Quintas1 (2000 apud LOUREIRO, 2012b)
reforça a ideia de que, ao favorecer o direito democrático da sociedade na elaboração
e execução de políticas públicas que venham a interferir no ambiente e em
empreendimentos que possam alterar as condições do território, que é comum a todos,
o Estado assegura uma condição necessária e vital à vida humana.
Para Loureiro (2011), a EA adquiriu projeção no âmbito social e o devido
reconhecimento público na década de 1990, no Brasil, mesmo figurando de forma
substancial na Carta Constitucional de 1988, em que lhe foi dedicado um capítulo
específico. Afirma o autor que ocorreu, assim, uma busca por coerência por meio de

1QUINTAS, J. S. (org.). Pensando e praticando a educação ambiental na gestão do meio ambiente. Brasília,
DF: IBAMA, 2000.
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princípios e sua implementação em condições alinhadas com as diretrizes mundiais


já estabelecidas, como, por exemplo, o Programa Nacional de Educação Ambiental
(ProNEA), em 1994; os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1996; a
Conferência Nacional de EA, em 1997; e a Política Nacional de EA, implementada
pela Lei nº 9.795/1999.

Em termos genéricos e conceituais, a educação é essencialmente política,


pois político é o espaço de atuação humana em que nos formamos e
moldamos as características objetivas que nos cercam. Uma das graves
falhas dos processos educativos denominados ‘temáticos’ ou ‘transversais’
(Educação Sexual, Educação em Saúde, etc.), que reproduz na Educação
Ambiental, é a falta de significado da dimensão política em educação. Esse
fato se verifica se observarmos que a atuação dos educadores vem tomando
as iniciativas educacionais ambientalistas, limitados à instrumentalização e à
sensibilização para a problemática ecológica, mecanismo de promoção de
um capitalismo que busca se afirmar como verde e universal em seu processo
de reprodução, ignorando-se, assim, seus limites e paradoxos na viabilização
de sociedade sustentável (LOUREIRO, 2011, p. 74, grifo do autor).

Percebe-se que os desafios propostos estão presentes e materializam-se dia a


dia no contexto político, econômico, social e, até mesmo, educacional2, reforçando a
ideia de que há a necessidade de um grande empenho, principalmente da educação,
no sentido de desvelar essa realidade para as futuras gerações, impulsionando-as
para a busca do conhecimento, que pode, aos poucos, vencer os desafios presentes.

A Educação Ambiental tem a responsabilidade de formar cidadãos e cidadãs


do Brasil e do mundo que saibam que a natureza-projeto somente poderá se
tornar realidade pela política. E se essa está sendo desvirtuada, pertence à
nova geração de lhe devolver a natureza de ferramenta voltada a construir no
planeta solidariedade, liberdade, igualdade, cuidado, carinho, humildade
(LEROY; PACHECO, 2006, p. 68).

2 O efeito do atraso escolar também pode ser observado entre os jovens de 15 a 17 anos de idade que estavam
fora da escola. No Brasil, em 2015, 15,0% dos jovens dessa faixa etária não estudavam, totalizando cerca de 1,6
milhão de indivíduos. Entre aqueles que evadiram a escola precocemente sem terminar o ensino médio (1,3 milhão
de jovens), 61,4% abandonaram-na sem concluir o ensino fundamental, 22,1% concluíram o ensino fundamental
e 16,4% tinham ensino médio incompleto. Isso significa que a maioria sequer estava apta a ingressar no ensino
médio (61,4%), evidenciando que parte significativa da evasão escolar dessa faixa etária ocorre em etapas que
antecedem esse nível (IBGE, 2016).
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Assim, a política de EA é manifestada de forma geral pelo aparato legal, que


se estende a todos os estados da federação, sendo recepcionada também no estado
do Paraná, no qual, por meio de ações imbuídas no sentido de fortalecer uma política
estadual de EA, levou à conclusão de uma deliberação 3 por parte do Conselho
Estadual de Educação, que instituiu normas complementares às Diretrizes Nacionais
para a EA, destinadas às instituições de ensino públicas e privadas que atuam nos
níveis e modalidades do sistema estadual de ensino do estado.

O texto desta Deliberação Estadual expressa avanços importantes em


relação ao estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, ao
considerar que a educação ambiental deve buscar o cuidado e conservação
das comunidades de vida, como sujeitos de direto, visando: à integração da
educação ambiental formal e não formal, a partir da Lei da Política Estadual
de Educação Ambiental; a territorialidade da bacia hidrográfica para
integração das ações de política pública; a articulação de ações entre a
educação básica e ensino superior; fortalecimento do papel da escola;
participação e controle social no monitoramento dos resultados das políticas
públicas; constituição de redes socioambientais para divulgação e
socialização de ações (ROSA; CARNIATTO, 2015, p. 347).

O aspecto da integração mencionado na deliberação estadual reforça a ideia


de que as ações por políticas públicas não ocorrem de forma solitária, mas unificada,
pela ação em conjunto dos vários sujeitos envolvidos no espaço territorial delimitado
pela bacia hidrográfica4, principalmente daqueles que representam as instituições de
ensino.

3Deliberação nº 04/2013 (PARANÁ, 2013a).


4“Em síntese, o uso da bacia hidrográfica (BH) como unidade de gerenciamento da paisagem é mais eficaz
porque: (i) no âmbito local, é mais factível a aplicação de uma abordagem que compatibilize o desenvolvimento
econômico e social com a proteção dos ecossistemas naturais, considerando as interdependências com as esferas
globais; (ii) o gerenciamento da BH permite a democratização das decisões, congregando as autoridades, os
planejadores e os usuários (privados e públicos) bem como os representantes da comunidade (associações sócio
profissionais, de proteção ambiental, de moradores etc.), e (iii) permite a obtenção do equilíbrio financeiro pela
combinação dos investimentos públicos (geralmente fragmentários e insuficientes, pois o custo das medidas para
conservação dos recursos hídricos é alto) e a aplicação dos princípios usuário-pagador e poluidor-pagador,
segundo os quais os usuários pagam taxas proporcionais aos usos, estabelecendo-se, assim, diversas categorias
de usuários” (SCHIAVETTI; CAMARGO, 2002, p. 20).
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Destaca-se no texto da deliberação, no Capítulo II – “Dos objetivos da


Educação Ambiental no Sistema Estadual de Ensino do Paraná, para a Educação
Básica e Superior” –, o § 3º, que define as funções do coletivo da bacia hidrográfica:

I – Articular regionalmente a representação dos Comitês Escolares de


Educação Ambiental, por Bacia Hidrográfica, território onde se processam
todas as ações humanas relativas às suas modificações (naturais e
antrópicas), e que permitem a análise qualitativa e quantitativa dos fluxos de
matéria e energia, a fim de que os impactos ambientais sejam minimizados;
II – promover o diálogo e a integração das ações realizadas pelos Comitês
Escolares de Educação Ambiental e demais representatividades dos
segmentos sociais, públicos e privados, no âmbito da bacia hidrográfica;
III - contribuir para a articulação e interface entre as ações do Grupo Gestor
SEED/SETI de Educação Ambiental e os Comitês Escolares de Educação
Ambiental;
IV - acompanhar, integrar e monitorar os resultados das ações da Educação
Ambiental e de políticas públicas que expressem a melhoria das condições
socioambientais no território da bacia hidrográfica (PARANÁ, 2013a).

Sob a mesma égide, o governo do estado aprovou a Lei nº 17.505/2013, que


instituiu a Política Estadual de EA e o sistema de EA, também em consonância com
os princípios e objetivos da Política Nacional de EA e do ProNEA.

4. EA na escola

Diante do contexto das políticas públicas sobre EA já delineadas no âmbito


federal, bem como no estado do Paraná, percebem-se alguns avanços no cenário
educacional, uma vez que essa temática faz-se presente geralmente na disciplina
Ciências, nos anos iniciais da educação básica ou fundamental I. Nos anos finais ou
fundamental II, consta também nas disciplinas Ciências, Geografia e, inclusive, Arte,
principalmente quando do uso de materiais recicláveis para atividades em sala de aula
ou, ainda, em trabalhos que envolvem toda a instituição escolar. No ensino médio,
geralmente a EA continua atrelada à Geografia e algumas vezes à Arte, embora seja

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uma temática presente no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e Exame


Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), além dos diversos vestibulares.
Em relação às instituições escolares observadas durante o estágio
supervisionado, sendo um colégio privado com turmas do maternal ao ensino médio
e uma instituição pública que atende à modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(EJA), verifica-se que a primeira, em razão da estrutura, apresenta uma abordagem
da EA em seu projeto político-pedagógico, que se materializa em alguns projetos
voltados para a educação infantil e demais etapas da educação básica. Entretanto,
apesar da estrutura, dos projetos e da disponibilidade de lixeiras coloridas que
sugerem o descarte correto, as práticas por parte dos alunos, corpo docente e
funcionários não caminham na mesma direção, uma vez que o descarte correto não
acontece, seja em sala de aula, seja nos corredores, além do direcionamento das
ações para as disciplinas já citadas de Geografia, Ciências e Arte. Embora as ações
interdisciplinares estejam demarcadas no currículo escolar, estas não se materializam
na prática.
Em relação à segunda instituição, várias dificuldades materiais inviabilizam os
procedimentos corretos em relação à EA, como a ausência completa de lixeiras
adequadas ao descarte correto. Além disso, no projeto político-pedagógico, não está
presente a temática ambiental, seja por meio de projetos, seja no conteúdo
programático das disciplinas. Assim, não se vislumbra qualquer oportunidade para
que a EA seja abordada de forma adequada, conforme prevê a política pública vigente.
Em razão da modalidade desenvolvida por essa instituição, que atende a jovens e
adultos que retornam aos estudos, seria vital um aprofundamento dessas questões,
pelo potencial multiplicador desse público, que já se encontra no mercado de trabalho.

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5. Considerações finais

Verifica-se, no fim deste trabalho, que o objetivo geral inicialmente proposto de


analisar a presença da EA na escola, com base nas observações realizadas durante
os estágios obrigatórios e no decorrer da atividade profissional como docente da
educação básica, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, foi
devidamente atingido, denotando uma realidade que ignora em parte o que preconiza
a política pública de EA, tanto no âmbito federal quanto no estadual.
A EA, quando ocorre nos ambientes educacionais observados, dá-se de forma
pragmática e disciplinar, sem oportunizar processos interdisciplinares que possam
despertar no aluno a consciência crítica e o repensar de sua relação com a natureza.
Se a natureza está distante do debate educacional, mais ainda afastado está o
estudante, que continua a pensar na lógica padronizada pela sociedade do consumo,
sem considerar que é parte integrante da natureza que o cerca. Distancia-se também
das temáticas atuais sobre o meio ambiente, uma vez que estas não estão
contempladas no debate no meio educacional, seja em uma disciplina, seja no
desenvolvimento de um projeto escolar.
Em relação à indagação de pesquisa, que partiu do pressuposto de que a
natureza é indutora do conhecimento, diante do quadro observado nas instituições
educacionais, identificou-se que tal relação não ocorre, ou seja, a natureza continua
sendo vista de forma distante por parte do aparato educacional observado. Mesmo
diante dos apelos pelo meio ambiente de cunho nacional e internacional, a EA está
por se consolidar no ambiente educacional. Quando ocorre, dá-se de forma a atender
a práticas consolidadas que não despertam a reflexão sobre a condição humana e
sua relação direta com o meio que a cerca, do qual necessita para sua sobrevivência
no planeta.

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A POLÍTICA TERRITORIAL E A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO


SOCIAL PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL

Vanessa Costa dos Santos


Fátima Moraes Garcia**
Fernanda Viana Alcantara***
Eliane Nascimento dos Santos****

Resumo
O desenvolvimento do território nos âmbitos econômico e social é de grande
relevância a mobilização das forças sociais interessadas na valorização do território e
principalmente a ação do Estado. Porém, ainda existe uma preocupação com a
maneira que estas políticas estão sendo propostas e colocadas em prática, já que
muitas vezes não estão voltadas exatamente para superar os problemas existentes.
Nesta perspectiva a investigação teve como objetivo analisar a importância da política
territorial e da participação social para o desenvolvimento regional. Realizou-se
levantamento bibliográfico sobre a temática. As informações coletadas e analisadas
apontam como resultados que a política territorial em sua prática tem dificuldades na
organização e mobilização das pessoas. É preciso que as lideranças sociais estejam
preparadas, técnica e politicamente para atuarem. É essencial repensar o papel do
Estado enquanto um órgão articulador e provedor das políticas públicas de
desenvolvimento regional.

Palavras-Chave: Política Territorial. Participação social. Desenvolvimento Regional.

 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ensino – PPGEn, da Universidade do Sudoeste da Bahia - UESB.
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo/GEPEC - CNPQ – UESB, Vitória da Conquista
– BA/Brasil. E-mail: vanessacosta792@gmail.com
** Professora Titular na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB, no Departamento de Filosofia e

Ciências Humanas/DFCH - UESB; Professora no Programa de Pós graduação em Ensino/PPGEn – UESB;


Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo/GEPEC - CNPQ-UESB - Vitória da
Conquista – BA/Brasil. E-mail: fmg.2009@hotmail.com
*** Professora Titular na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB, no Departamento de Geografia/DG -

UESB; Professora no Programa de Pós graduação em Geografia/PPGEO – UESB - Vitória da Conquista –


BA/Brasil. E-mail: falcantara17@hotmail.com
**** Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ensino/PPGEn - UESB. Membro do Grupo de Estudos e

Pesquisa em Educação do Campo/GEPEC - CNPQ – UESB - Vitória da Conquista – BA/Brasil. E-mail:


lika_enascimento@hotmail.com
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Introdução

A política de desenvolvimento territorial deve ser compreendida por meio de um


processo que envolve uma gama de sujeitos heterogêneos e está relacionado ao
âmbito de uma nova forma de organização política do território. Assim, as diversidades
encontradas no território devem ser consideradas nas intervenções do governo.
Dessa maneira, o problema central que motivou a realização desta pesquisa refere-
se a seguinte questão: Qual a importância da política territorial e da participação social
para o desenvolvimento regional? Visto que o Brasil é um país onde a desigualdade
social é um fato estabelecido em todo território.
A pesquisa em questão vem no sentido de contribuir tanto para a comunidade
acadêmica quanto para os que interessam pelo tema, pois os resultados poderão
servir como referencial para outros trabalhos. Colaborará de forma decisiva nas
discussões em relação à questão do desenvolvimento e a política territorial. Dessa
maneira, poderemos refletir acerca da importância da mobilização e participação dos
sujeitos nos diversos espaços sociais. Adotou-se como procedimentos metodológicos
o levantamento bibliográfico sobre a temática, com autores que discutem essa
questão, a exemplo de Araújo (2000), Alcantara (2013), Delgado (2010) Saquet
(2011), Ortega (2008), dentre outros autores fundamentais para o entendimento da
problemática em questão.
Assim, em seguida, o leitor encontrará uma abordagem sobre a política
territorial no Brasil, o conceito de desenvolvimento no âmbito da ciência geográfica e
a relevância da participação social, da organização e gestão, pautadas na articulação
entre as instâncias locais, nacionais, e federais. E, por fim, foram elaboradas as
considerações finais acerca do conjunto de questões apresentadas neste trabalho.

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1. Política pública e desenvolvimento regional

Alcantara (2013) afirma que a conceito de desenvolvimento não deve ser


sinônimo de crescimento e/ou apenas acumulação de riqueza, mas está relacionada
a um processo complexo de múltiplas dimensões, pautados na questão social dentre
outros.

O debate do desenvolvimento não pode se fechar somente no aspecto


econômico e produtivo. Do ponto de vista do papel da Ciência Geográfica,
reconhece-se o avanço da abordagem territorial, que impõe a necessidade
de se pensar e compreender o desenvolvimento a partir de um processo, que
apresenta múltiplas dimensões. Assim, pode-se mudar o quadro de sempre,
que muitas vezes apresentou propostas que não estavam de acordo com a
realidade, ou não auxiliaram na superação de problemas que historicamente
impediam o desenvolvimento no Brasil (ALCANTARA, 2013, p.3).

O avanço econômico não significa o progresso, nem tão pouco a superação


das desigualdades, pois “a viabilidade econômica não é um fim em si, é um
instrumento para lograr os objetivos sociais” (SACHS, 2009, p. 17).
Somente “quando se tem um processo inclusivo, em que todos participam do
reparto das riquezas geradas, podemos dizer que o crescimento se transforma em
desenvolvimento” (ORTEGA, 2008, p.28). O autor chama a atenção para o fato de
que somente os indicadores quantitativos, como por exemplo, o Produto Interno Bruto
(PIB) não é suficiente para representar a realidade concreta e evidenciar de fato se a
população está tendo acesso a bens e serviços públicos de qualidade, pois esse
indicador considera apenas a dimensão econômica, dessa forma, esconde a
concentração da riqueza.

Ao longo do século XX, por exemplo, o Brasil conseguiu um dos maiores


crescimento do PIB de todo o mundo e um razoável aumento da renda per
capita, isso ocorreu, porém, de maneira a concentrar ainda mais a riqueza
entre poucos (ORTEGA, 2008, p.27).

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Assim, torna-se evidente que apenas os indicadores econômicos não são suficientes
para representar as realidades vivenciadas por diferentes sujeitos e países. Segundo
Corrêa et al (2007)

Esses aspectos nos remetem então a três questões importantes. A primeira


delas é a de que a mediação de condições de desenvolvimento por meio de
indicadores é um tema altamente complexo, que deve envolver aspectos que
não se enceram na definição de resultados de quantum econômico. A
segunda é que as análises de impacto de políticas púbicas implementadas
devem seguir a mesma preocupação, ou seja, a de que os impactos
porventura utilizados devem ser capazes de espalhar diferentes aspectos, a
depender do objetivo a ser perseguido por cada política. A terceira questão
está relacionada às duas anteriores e se refere ao fato de que nunca existirá
um indicador único a ser adotado, pois, mesmo que englobe diferentes
aspectos, dificilmente será capaz de captar a totalidade das questões que se
podem levantar, dependendo do objetivo que se tenha (p. 121).

Em contraponto, como observa Ortega (2008), o Índice de Desenvolvimento


Humano (IDH) abrange uma maior e melhor representação, pois considera os
indicadores sociais, tais como: educação, saúde e renda. Dessa maneira, há uma
maior possibilidade de expressar a realidade de um determinado país. Mesmo assim,
deve-se ter a clareza de que uma única técnica de análise, seja esta baseada em
dados quantitativos ou não, é pouco para representar a realidade concreta, com todas
as suas dimensões e heterogeneidades.
Para Saquet e Briskievicz (2009) empregar o conceito de desenvolvimento
territorial requer o entendimento dos componentes do território como processo social,
que valorizem as identidades de cada território. Segundo os autores

é necessário ter clareza das principais concepções de território e


territorialidade e de seus elementos constituintes, como orientação teórico-
conceitual, importante nos processos de pesquisa e na elaboração de
projetos de desenvolvimento territorial” (SAQUET; BRISKIEVICZ, 2009, p.4).

Pois, essa compreensão vai conduzir o modelo de desenvolvimento, os


projetos e programas elaborados e instalados em um determinado território. Isso
significa dizer, que pensar o desenvolvimento requer a consideração dos elementos
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sociais, naturais, políticos e culturais existentes em cada território. Sendo este, mais
que simples base física no qual é projetado um trabalho, e sim um local de complexa
organização social formado por diferentes sujeitos.
O desenvolvimento territorial não é algo imediato, apoia-se, em atores
trabalhando para a valorização dos atributos de um território, envolve um processo
difícil de profundos embates políticos e correlação entre as forças políticas local,
nacional e federal, pois, se um projeto ficar restrito a âmbito local corre o risco de estar
fadado ao fracasso. Abramovay (2000, p.11) afirma que possivelmente “projetos de
desenvolvimento terão tanto mais chances de sucesso quanto mais forem capazes de
extrapolar um único setor profissional”, é nesse sentido que

Promover o desenvolvimento territorial é imperativo e árduo. Território


envolve, necessariamente, arbítrio, criação, nexo, poder. Não se pode
negligenciar a incerteza, pelas trajetórias em aberto que são construídas
pelas coalizões sociais em disputa, que não estão predominantemente pelo
consenso territorializado, mas dependem da correlação de forças políticas a
cada conjuntura social e escala espacial especifica (Brandão, 2007b). Essas
estratégias territoriais devem ser desdobradas em várias escalas (locais,
regionais, rurais etc.) (BRANDÃO, 2007, p.37).

Como já exposto, não se deve analisar o desenvolvimento de um determinado


território somente por seu crescimento econômico, pois, essa transformação não
significa melhoria das condições de vida para todos. Por mais que um local tenha um
desenvolvimento econômico elevado, pode conviver com a fome aguda de milhões de
habitantes. Pois as riquezas do território não estão distribuídas de forma igual. Isso é
algo que desafia os governantes e a população a cada ano que passa. O fato é que
no Brasil as políticas governamentais nem sempre são capazes de atender a maior
parte da população, pois estamos em uma sociedade capitalista, em que existem os
exploradores e os explorados.
Por mais que o Brasil tenha uma economia dinâmica, essa dinamicidade não
traz benefício para toda a sociedade. Para Araújo (2000) o Brasil não é desenvolvido,
sendo impossível concebê-lo assim, pois há uma grande fratura social no país, em
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que apresenta um dos mais elevados graus de concentração de renda. Segundo a


autora “os 10% mais ricos têm quase a metade da renda (48%), e os 20% mais pobres
têm apenas 2%” (ARAÚJO, 2000, p. 244). Não é difícil perceber essa mesma
realidade nos dias atuais, em que há desigualdades sociais no país. Novos caminhos
políticos podem ser seguidos, mas é preciso que o Estado não mais se ausente do
campo social. A respeito disso a autora afirma que

o Brasil nunca foi um Estado essencialmente provedor de saúde, educação,


saneamento básico etc. Foi um Estado que constituía estradas, montava
sistemas de comunicação, estatizava empresas para modernizá-las e ofertar
insumos básicos, muitas vezes a preços mais baratos que os custos de
produção. O Estado era o grande condutor do que os marxistas chamariam
‘desenvolvimento das forças produtivas’. Por isso mesmo, tem-se o Estado
muito ausente no campo social (ARAÚJO, 2000, p.248).

O Estado como um agente (re) organizador da sociedade que produz o espaço


distribui e comanda a gestão dos equipamentos sociais, é parte fundamental no
processo de desenvolvimento regional, não se pode, portanto, desconsiderar a ação
intervencionista do Estado por meio dos projetos de desenvolvimento territorial, pois
este assume um papel de órgão regulador/supervisor do processo. O Estado deve ser
a expressão dos anseios da população, promovendo atividades cruciais que
conduzam o bem estar econômico e social, mas isso de fato não acontece. O Estado
não deve ser inexistente e alheio às necessidades da população, uma vez que
representa uma estrutura de poder, sendo assim, esse tem a responsabilidade de
efetivar e consolidar as políticas públicas, reduzindo as disparidades econômicas e
sociais existentes. Porém, enquanto o Estado estiver apenas a favor do capital isso
se torna impossível e as políticas se tornam uma ideologia desenvolvimentista.
O Brasil é constituído por uma sociedade multicultural, na qual se estabelecem
múltiplas relações de poder, com rivalidades e hierarquias. Segundo Brandão (2007)
é nítido que, devido à grande extensão territorial do país, há necessidade de um
aparato governamental na construção de estratégias multiescalares de

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desenvolvimento. Entretanto, torna-se difícil pensar nessa concretização, pois a


desigualdade no território está relacionada ao sistema de produção vigente.

O Brasil construiu, provavelmente, a mais potente máquina de degradação


ambiental e predação de pessoas do planeta. É preciso pesquisar a potência,
os mecanismos e as persistências do funcionamento desta máquina de
produção de múltiplas desigualdades e de preservação de estruturas
socioeconômicas de exploração e marginalização. Como homogeneidade
que temos é extremamente perversa: é a distribuição uniforme das
desigualdades em todo o vasto território nacional (BRANDÃO, 2007, p.38).

Na contemporaneidade, verifica-se a necessidade da reafirmação de


identidades locais, suas culturas e crenças, que na maioria das vezes vão sendo
esquecidas e apagadas por conta da lógica do mundo globalizado. Construir um
mundo menos excludente e fraturado é essencial. Superar esses problemas é um
desafio possível, mas primeiramente é necessário almejar e desenvolver “um modelo
que distribua melhor a renda e a riqueza, criando mais oportunidades” (ARAÚJO,
2000, p.258).
Num mundo crescentemente globalizado, em busca da homogeneização das
regras econômicas e da flexibilidade que facilite o movimento dos fluxos
econômicos em escala mundial, a busca da reafirmação de identidades e da
afirmação de culturas, crenças e valores locais divide a humanidade, numa
ambivalência que provoca guerras. A certeza crescente de que está se
esgotando o padrão consumista e predador do meio ambiente pelos países
ricos e pelas classes ricas dos demais países recoloca o debate mundial
sobre o desenvolvimento. Fala-se cada vez menos em desenvolvimento
sustentável ou em desenvolvimento humano (ARAÚJO, 2000, p.257).

Para Saquet (2011, p. 92) “O conhecimento e o saber são estratégicos num


processo de gestão territorial e de desenvolvimento”, só assim será possível uma
organização social e territorial inclusiva, na busca da transformação por equidade
social e ações cooperativas a favor de todos os habitantes, reconhecendo,
desigualdades, ritmos e diferenças de cada sujeito que compõem o território. As ações
devem ser pautadas nos princípios de valorização dos conhecimentos e das

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especificidades de cada lugar. A orientação na elaboração de projetos que visam o


desenvolvimento territorial depende muito do posicionamento político adotado.
A busca do desenvolvimento exige, evidentemente, uma práxis diferente no
âmbito do planejamento governamental e não governamental. É fundamental definir
novas práticas, subsidiar a construção de novas iniciativas. Para tanto, a
multiplicidade de ideias e saberes contribuem decisivamente na construção de
projetos na finalidade do desenvolvimento. Para Saquet (2011),

o desenvolvimento comporta sempre a intervenção-atuação de sujeitos locais


em processos interativos, que possam inovar sem destruir o patrimônio
histórico e sem degradar o ambiente, que possam gerir autonomamente o
local sem ignorar as relações e redes extralocais, numa concepção
prospectiva para a gestão participativa do desenvolvimento que valorize as
especificidades de cada lugar-território, tanto econômicas, como políticas,
culturais e ambientais (p.93).

Para o autor supracitado (2011, p. 93)

a territorialidade é um dos componentes fundamentais do desenvolvimento


envolvendo sempre processos políticos, econômicos, ambientais e culturais,
ou seja, interações entre os sujeitos e a (i)materialidade do território.

Isso significa, superação da politicagem em favor de melhorar a eficiência e a


eficácia da ação governamental brasileira. Processos construtivos que requerem
acompanhamento constante e avaliação. Para tanto, “o homo economicus precisa ser
cada vez mais homo politicus, consciente e em favor do bem estar social” (SAQUET,
2011, p.103), em busca de romper com a ordem vigente a favor dos direitos que são
negados à maioria da população.
Para Alcântara (2013), ao longo da história do Brasil foram realizadas inúmeras
tentativas por parte dos governantes de promover uma melhor distribuição de renda e
reduzir as desigualdades econômicas e sociais, mas, infelizmente as políticas não
procuram solucionar as causas dos problemas e sim suas consequências. Dessa

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forma, a raiz do problema não é solucionada e, as políticas acabam tornando-se algo


paliativo.
As políticas públicas na maioria das vezes, na história do Brasil, apareceram
apenas como algo “compensatório” que não altera a situação dos cidadãos
marginalizados na sociedade. Na teoria, são traçadas várias metas a serem
alcançadas nos territórios, mas devido a diversos fatores não são concretizadas de
fato. O Estado tem relações que priorizam o setor privado e suas exigências,
reforçando assim, o desenvolvimento desigual e contraditório.
Assim, sabe-se que o planejamento e as escolhas corretas fazem toda
diferença na hora de executar uma política, que vise à obtenção de bons resultados.
Pois, de acordo com Araújo (2000), cada local tem suas particularidades e
potencialidades, propícias ao desenvolvimento social.

é a escolha das prioridades que definem as ações mais importantes a serem


realizadas em nível local. Essa escolha reflete, sobretudo, as espacialidades
de cada local, e indica que cada um tende a tirar partido de suas
potencialidades e a usar os atributos e características locais na promoção do
desenvolvimento desejado. A forma de atuar, por sua vez, é a mais
influenciada pela visão que os gestores têm de seu papel e dos resultados
que querem obter (ARAÚJO, 2000, p.51).

De acordo com Araújo (2000) o Estado brasileiro ao longo dos tempos


promoveu grandes políticas de desenvolvimento, porém, essas políticas tinham um
caráter desenvolvimentista e conservador, dessa forma, as políticas públicas na
verdade eram políticas econômicas. A autora ao falar sobre o Nordeste questiona que:

o Nordeste moderno é de poucos. Mas o Brasil de outras regiões é diferente?


O fato é que as políticas governamentais não têm sido capazes de atender à
maior parte da população” (ARAÚJO, 2000, p. 240).

As políticas não devem ficar apenas no discurso de um Estado forte para o


desenvolvimento, as políticas públicas devem expressar os anseios e as
necessidades da população:

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É preciso nutrir com nossas pesquisas a construção de políticas públicas não


ortodoxas economicamente, não presas a interesses institucionais que não
representem os anseios e as necessidades do povo. Políticas que tenham
um caráter participativo, valorizando experiências locais e ativando sinergias
já existentes entre os sujeitos, grupos e classes. Políticas que tenham as
singularidades e particularidades de cada lugar-território, bem como aspetos
comuns trans-multiescalares, em redes de cooperação (SAQUET, 2011,
p.96).

No Brasil existe uma desigualdade entre as regiões, tanto econômica quanto


social. A região Nordeste aparece no cenário brasileiro como uma das regiões mais
pobres do país. Há pessoas vivendo na linha da pobreza extrema, pois ainda nos dias
atuais existe grande centralização dos recursos econômicos em outras regiões, a
exemplo da região Sudeste.
Nesse sentido Araújo (2000) afirma que é preciso superar esse modelo de
centralização para o de descentralização, com um processo de integração, isto é, que
os investimentos não tenham um caráter seletivo, em que, alguns territórios são
privilegiados e outros não, ampliando ainda mais as disparidades existentes. Araújo
afirma que vivemos em um país onde há pessoas que concentram grandes riquezas
econômicas e pode desfrutar de melhores escolas, infraestrutura, maior segurança e
acesso a saúde de qualidade e, outros sobrevivendo em uma situação de pobreza e
miséria extrema.

2. A inserção da política de desenvolvimento territorial no Brasil

A desigualdade existente no Brasil se reforça com a concentração e


centralização de terra e de renda nas mãos de poucos. Araújo (2000), afirma que a
desigualdade no país não é por capacidade técnica, econômica ou falta de
conhecimento, o Brasil tem a capacidade de resolver seus problemas, mas o Estado

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e as entidades empresariais desconsideram a desconsiderar as necessidades da


população.
A autora ainda observa que, as políticas públicas no Brasil são definidas como
se o país fosse homogêneo, seguem o mesmo padrão cultural, social, físico, e entre
outros, mas sabe-se que o país apresenta uma heterogeneidade riquíssima. Sendo
assim, algo que é aplicado em uma determinada região pode não servir para outra,
pois, essa provavelmente apresentará diferenciações.
Em busca de uma mudança e integração territorial surge no cenário brasileiro
à ideia de descentralização da ação pública, por meio, de políticas com enfoque
territorial, com vistas ao desenvolvimento. A política de Desenvolvimento Territorial
tem o propósito de adequar às ações governamentais de acordo com a necessidade
de cada território, de oferecerem alternativas inovadoras aos problemas encontrados.
Mas é preciso questionar se realmente essas políticas trazem benefícios para todas
as regiões, município?
Segundo Ortega e Sabel (2007) nos anos 1950, 1960 e 1970 o planejamento das
políticas no Brasil eram deliberadas de forma ainda mais centralizada, mas nos anos
de 1980 as estratégias de desenvolvimento territorial começaram a mudar, por cinco
razões:

1. A reformulação do papel do Estado, a partir de meados dos anos 80,


fruto de uma nova realidade histórica de falência do sistema centralizado
estatística; 2. A demanda vindas das comunidades locais, querendo
participar da formulação e implementação dos programas; 3. A promulgação
da constituição de 1988, iniciando um processo de descentralização político
administrativa com distribuição de responsabilidades e poder decisório para
os Estados e municípios, reduzindo, assim, o peso da União; 4. As
recomendações de instituições internacionais, como Banco Mundial, que
passou a recomendar o desenvolvimento local como política de redução das
obrigações dos Estados e tentativa de equilibrar as contas públicas; 5. A
influência das experiências da Terceira Itália e do Programa LEADER 20

20Liaison entre Actions de Développement Rural – LEADER. (Programa Ligações entre Ações de Desenvolvimento
da Economia Rural – LEADER), o programa tem por objetivo apoiar os atores rurais na busca de investimentos e
iniciativas à valorizar as potencialidades de suas localidades, do território.
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– política de desenvolvimento territorial europeu – no Brasil (ORTEGA;


SABEL, 2007, p. 67, grifo nosso).

A quarta razão é questionável, pois o desenvolvimento local não se concretiza


com a redução das obrigações do Estado, mas, por meio da junção da ação
governamental com os atores locais, uma vez que, as políticas de desenvolvimento
territorial se baseiam tanto nas ações internas quanto externas. Na perspectiva do
desenvolvimento territorial a participação entre o Estado e a sociedade é algo de
fundamental relevância, abre caminho para iniciativas de diálogo entre o governo e a
sociedade, na elaboração, implementação e no acompanhamento das políticas
públicas. Se houver de fato essa participação permitirá o aumento da transparência e
da eficácia da administração pública. Mas, isso não é algo fácil, pois, muitos sujeitos
que estão no poder, não querem abrir mão dos seus privilégios e mecanismos
ditatoriais.
A Constituição Federal de 1988 no Brasil, possibilitou a instauração de novos
caminhos em busca da participação social, estímulo à descentralização e atuação do
poder local. Delgado (2010) diz que a Constituição foi uma conquista fundamental,
visto que possibilitou a criação das esferas públicas de participação tanto do Estado
quanto da sociedade civil, com o objetivo de promover a democratização e
descentralização de várias políticas públicas setoriais. Nesse contexto, foram
constituídos os conselhos municipais e estaduais, urbanos e rurais, como também
alguns conselhos nacionais: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(CONSEA), Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS), que
passou a ser Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF)
no Governo Lula, para auxiliar a formulação das políticas de responsabilidade do
Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).
Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 passa a contribuir para a
efetivação da seguridade social, que abarca Previdência Social, Saúde e Assistência

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Social. A participação e o conhecimento dos atores sociais locais passaram a ser


fatores decisivos nas políticas de desenvolvimento territorial.

Vários elementos do ambiente mundial e nacional, [...] atuam, nos anos 90,
como estimuladores da crescente presença do poder local, como ator
relevante do patrocínio de políticas de desenvolvimento (ARAÚJO, 2000,
p.46).

Nesse sentido o planejamento centralizado perde o seu protagonismo, com a


inserção, ainda que de forma tímida, da participação social e a descentralização das
políticas públicas.
Dessa forma, a temática de desenvolvimento territorial foi ganhando força no
cenário brasileiro, na perspectiva da valorização das diversidades sociais, políticas,
econômicas, ambientais e culturais de cada território. Nesse sentido, Ortega (2008)
diz que
É nesse contexto que a temática de desenvolvimento territorial despertou o
interesse de diferentes segmentos sociais, que reivindicavam o
desenvolvimento local como estratégia para ampliar a participação nos
processos decisórios. Foi assim que as experiências de desenvolvimento
territorial, que enaltecem a necessidade de organização e pactuação da
sociedade em torno de objetivos comuns para a construção de seus projetos
de desenvolvimento, ganharam legitimidade (p.40).

Assim, a mobilização de diferentes movimentos sociais é fundamental para a


democracia no processo de organização do país. O trabalho em conjunto torna-se
uma peça chave para o desenvolvimento local, pois, a descentralização ocorre por
meio de estratégias advindas da articulação de diferentes atores que trazem consigo
experiências, e novas ideias.
Partindo da análise de Brandão (2007) percebe-se que o Brasil é uma
sociedade multicultural, com heterogeneidades sociais, políticas e escalares,
fragmentada por várias realidades, portanto, qualquer projeto de desenvolvimento
territorial tem pela frente enormes desafios, pois é preciso entender e abordar
devidamente as complexidades presentes em um território, visto que são espaços

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construídos por atores diferentes que ao mesmo tempo tem algo em comum, estar
naquele espaço, construindo-o e desconstruindo-o a cada momento conforme suas
relações políticas, simbólicas e de poder, marcado muitas vezes por conflitualidades.
Por isso, promover a mobilização desses sujeitos é essencial. Brandão (2007) afirma
que o desenvolvimento envolve uma gama de procedimentos, tais como:

abordar devidamente: a interurbanidade; a ruralidade; a intersetorialidade


produtiva e a inter-regionalidade territorial. Ter presente nas análises ações
nos meios rural e urbano, não apenas como contexto, mas como espaço
construído conflituosamente. Discutir relações interurbanas e intra-urbanas,
mas também, no âmbito produtivo, as relações microdinâmicas. Analisar os
encadeamentos, os nexos de complementariedade, as inter e
intravinculações setoriais, para trás e para frente, ao longo dos elos das
malhas produtivas espalhadas pelo continental território. Ativar recursos
materiais e simbólicos, revelados ou ocultos e mal utilizados e, sobretudo, a
mobilização de sujeitos sociais e políticos, buscando ampliar o campo de
ação da coletividade, aumentando sua autodeterminação e liberdade de
decisão. Promover mudanças em relações de propriedade, buscando
habilitar os atores mais destituídos e marginalizados de determinado território
(p.37).

As políticas devem promover mudanças positivas em um determinado espaço,


viabilizando a inserção de todos os cidadãos no processo de desenvolvimento. Para
Leite (2010) as políticas com o enfoque territorial ganham destaque no Brasil, com o
desígnio de formularem e oferecerem soluções inovadoras frente aos desafios
encontrados na sociedade, tais como: a desigualdade entre as regiões, a pobreza e,
também, problemas relacionados à questão ambiental. Por sua vez, a implementação
dessa abordagem tem sido na perspectiva de não mais priorizar as “grandes regiões
do país”, mas de planejar levando em consideração as regiões desfavorecidas
economicamente, instituindo assim, políticas públicas específicas a está realidade.
Delgado (2010) diz que o processo de mobilização da década de 1980
contribuiu decisivamente para a revitalização e surgimento de novos movimentos
sociais no campo. Nesse período, muitos movimentos fizeram críticas ao modelo de
modernização agrícola adotado na época, no qual, entendia o rural como sinônimo de

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agrícola e desenvolvimento rural como modernização agrícola. Surgiram assim, lutas


políticas por projetos e concepções alternativas sobre desenvolvimento rural e por
democratização das relações sociais e políticas do campo,

tratava-se de democratizar não apenas o aparato formal do Estado, mas


também a sociedade, e de implementar processos de descentralização das
atividades governamentais e da relação entre Estado e sociedade
(DELGADO, 2010, p.33 a 34).

O autor ainda evidencia que no Governo Lula, no primeiro mandato em 2003,


houve continuidades de projetos neoliberais, entretanto, teve contribuições
significativas a favor do avanço de projetos de democratização e, de visibilidade da
população do meio rural, por meio de política de desenvolvimento territorial, que
procurou articular e mobilizar a sociedade civil em torno de objetivos comuns, assim
como também criar novos espaços públicos de participação.

3. A participação social na perspectiva do desenvolvimento territorial

O desenvolvimento territorial tem duas bases de sustentação. O primeiro


refere-se ao empenho do Estado, pois, esse, expressa uma condição de poder político
sobre o território. O segundo diz respeito à participação e cooperação da sociedade
civil envolvida nesse processo, assim

a articulação só por cima não é suficiente. Para promover o desenvolvimento


territorial, não podemos nos omitir de criar nos territórios uma capacidade de
planejamento participativo local (SACHS, 2009, p. 17).

Segundo o autor, supracitado, a articulação entre os atores contribuirá para


identificar os problemas e potencialidades que existem no local. Assim, para o mesmo,
o primeiro passo nessa direção consiste na organização de diagnósticos
participativos, nos espaços públicos de caráter territorial.
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A participação social nas políticas públicas contribui significativamente no


processo de democratização política do Brasil. Entretanto, muitos atores da sociedade
brasileira são contra a participação social, haja vista que muitos sujeitos teriam maior
possibilidade de reivindicar os seus direitos.
Para Delgado (2007) deve-se ter o entendimento de que os espaços de
participação, não são espaços onde existem harmonia e consenso a todo instante,
pelo contrário, são lugares muitas vezes de conflitos, visto que é composto por um
quadro de sujeitos heterogêneos, fato que contribui também para o planejamento
estratégico como a descentralização e desconcentração das ações governamentais.
Visto que a lógica da política de desenvolvimento territorial está sedimentada no
planejamento e construção de projetos alternativos, e não simplesmente na
implementação de ações prontas para serem instaladas nos territórios.
Delgado (2007) traz indagações relevantes como, por exemplo, será que em
todos os territórios há atores sociais minimamente articulados, capazes de ação
coletiva? O autor argumenta que os atores locais e regionais tem uma forte
capacidade de criar procedimentos inéditos, por isso, percebe-se que há necessidade
de definir novos espaços de governança pautados na participação da população.
Nesse sentido, torna-se evidente que os sujeitos compõem um quadro importante na
articulação e no avanço das regiões.

4. Considerações finais

A política Territorial tem o propósito de adequar às ações governamentais de


acordo com a necessidade de cada território, de oferecerem alternativas inovadoras
para buscar o desenvolvimento. Entretanto, deve-se ter a noção que apenas a
mudança do enfoque governamental, privilegiando o local ou o território não implica
necessariamente o desenvolvimento.
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A sociedade civil organizada pode e deve construir uma força grandiosa que
impacte nas decisões do Estado. Porém, as pessoas precisam estar bem informadas
e organizadas politicamente, é necessário construir novas relações sociais, com maior
representatividade. Visto que, infelizmente, os interesses políticos, muitas vezes se
sobressaem às necessidades das localidades.
É preciso tomar cuidado para que o discurso territorial não caia na prática
setorial. Dessa maneira, é importante avaliar criticamente os projetos implementados,
as políticas e programas, visando identificar as falhas e possíveis reajustes, para que
no futuro obtenham-se resultados expressivos e significativos para a sociedade.
Portanto, é preciso reavaliar as estratégias, as escolhas, o potencial e os problemas,
sempre priorizando os sujeitos, a sua participação.
O caminho para a eficácia das políticas públicas é bem longo e complexo, por
isso, a sistematização, metodologia, planejamento e avaliação devem ser vistos como
algo essencial. A articulação e mobilização social devem unir as pessoas em prol de
um objetivo maior, da igualdade para todos na sociedade. Para conseguir o
desenvolvimento é preciso que todos tenham oportunidades.

Referências
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A SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO DA JORNADA DE TRABALHO: UMA


ABORDAGEM SOB A ÓTICA DO DIREITO DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

Ricardo Bezerra de Oliveira*


Marcelo Lamy**

Resumo
O presente artigo aborda a problemática da Sustentabilidade na gestão da jornada de
trabalho, sendo esta, reflexo do direito à saúde no meio ambiente, preconizado pela
Constituição Cidadã de 1988. A gestão sustentável e a valorização do trabalhado
digno são conquistas dos trabalhadores por meio das lutas de classe, dos movimentos
sociais, que a história do capitalismo, aqui delineada, registrou. A gestão sustentável
da jornada de trabalho, é de todas as formas, estratégica, para a questão do aumento
das demandas judiciais, acidentes profissionais, acesso a benefícios previdenciários
e aos serviços de saúde, temas de Saúde e Segurança do Trabalhador. A educação
ambiental, tendo por paradigma a Sustentabilidade, é a chama e esperança para uma
gestão ética, transparente em que o trabalhador é concebido como sujeito, como
agente em pleno desenvolvimento cognitivo, detentor de conhecimentos e
habilidades. Seguindo, de forma interdisciplinar e intersetorial, as lições de Freire
(1992), Chiavenato (2012) Rodrigues (2016) e Delgado (2017) entre outros, numa
pesquisa bibliográfica e documental, faz-se uma revisão acerca do tema, numa
pesquisa do tipo descritivo-explicativa. Através do método histórico-dialético: o fator
econômico e o social enfrentam-se numa ponderação de valores explicitando, assim,
as categorias do Direito Social e Trabalhista.

Palavras-chave: Sustentabilidade. Direito da Saúde. Trabalho. Educação.

* Mestrando no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Saúde: dimensões individuais e coletivas,
na Universidade Santa Cecília – UNISANTA – Santos, SP.
** Doutor em Direito Constitucional, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP; Professor na

Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Saúde: dimensões individuais e coletivas na Universidade Santa
Cecília – UNISANTA; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Santa Cecília – UNISANTA – Santos,
SP.
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Introdução

O presente artigo discorrerá acerca da sustentabilidade como direito e


fundamento social, conquistado e reivindicado pelos movimentos de luta de classes e
sindicais do trabalho. Busca-se investigar e caracterizar a gestão sustentável de um
dos institutos mais controversos e caros para a saúde e segurança do trabalhador: a
jornada de trabalho. Para isso, faz-se necessário abordar o tema em questão, tendo
como pano de fundo, os direitos da saúde e sociais que integram o contrato de
trabalho na gestão desta jornada, além disso busca-se analisar também o instrumento
transformador de realidade social que é a Educação Ambiental, tendo por paradigma
a sustentabilidade, que é a chama e esperança para uma gestão ética, transparente
em que o trabalhador é concebido como sujeito, como agente em pleno
desenvolvimento cognitivo, detentor de conhecimentos e habilidades
Além disso, é imprescindível, que se faça um recorte histórico-estrutural do
trabalho na sociedade capitalista, identificando como se dava a exploração do homem
pelo homem, os instrumentos de dominação da Antiguidade até a Idade Pós-moderna.
Encarando o direito à jornada justa de trabalho como um Direito da Saúde,
discutiremos algumas disposições de legislação ordinária e internacional do trabalho
que preconizam o emprego justo, condições dignas, erradicação da pobreza e
diminuição dos riscos físicos e ambientais e a temática dos determinantes sociais.
Na perspectiva de gestão da jornada de trabalho e na aquisição de direitos,
abordaremos, também, os grandes desafios que os empresários, por determinação
constitucional e legal têm de encarar e considerar o trabalhador como integrante e
protagonista mais precioso para a empresa e para o processo produtivo, garantindo
seus direitos, seu desenvolvimento profissional e cultural.
A metodologia de nossa pesquisa baseou-se em fontes bibliográficas, onde
recorremos a referenciais teóricos, fontes documentais, numa verdadeira revisão
bibliográfica sobre o tema. Nossa pesquisa é de cunho descritivo-explicativa, porque
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analisamos, observamos, registramos e classificamos os fatos sociais que permeiam


a história do capitalismo, as lutas de classes, os efeitos da gestão sustentável da
jornada de trabalho, através de uma descrição de determinado fenômeno jurídico-
legal. Recorreremos à pesquisa histórico-jurídica onde se busca recortar por meio da
historiografia os fatos históricos da sustentabilidade como paradigma para a educação
ambiental no trabalho. Utilizaremos para fundamentar e subsidiar algumas obras
indispensáveis para a construção do marco teórico deste trabalho no campo do Direito
do Trabalho, da Saúde e da Educação: as orientações teóricas de Paulo Freire (2009),
Maurício Godinho Delgado (2011); Henrique Correia (2011); de Idalberto Chiavenato
(2008), dentre outros, que trazem importantes conceitos e discussões sobre a
problemática social, jurídica e educacional para gestão sustentável da jornada de
trabalho.

1. O trabalho na sociedade capitalista e suas repercussões jurídico-sociais

A história da exploração do homem pelo homem em nome da mais valia, da


acumulação de bens e recursos e, sua consequente desigualdade social tem por
determinante o capital, e um de seus substratos e alicerces: o trabalho. A sociedade
dominada pelo capital valoriza-se e desenvolve-se através da dominação e da
exploração da força física e mental de pessoas no desempenho de tarefas
predeterminadas em troca de, para o trabalhador, uma contraprestação, muitas vezes,
ínfima, iníqua e injusta. A exploração do trabalhador e a degradação ambiental sempre
foram marcantes no sistema capitalista, tanto que “as terras ficavam tão exaustas
quanto os trabalhadores: das terras roubavam o húmus, do trabalhador os pulmões”
(GALEANO, 2013, p. 56).
Para Osvaldo Coggiola (2016), a sociedade que assume o valor “capital” tem
sobre seus ombros a supervalorização dos meios de produção, técnicas de

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organização e divisão do trabalho. Ao longo dos séculos, esse valor, perpassou de


forma, imperceptível, lenta, progressiva e num deslizar quase que sincrônico, com
normas de produção e reprodução de técnicas e fazeres, que transformavam a
exploração do homem pelo homem em troca do poder, ter e acumular, um prazer
quase que inesgotável de aniquilação social. Desta forma, o trabalho indigno sempre
foi a base de sustentação para a estrutura do capitalismo, que se assenta em métodos
e modos de produção:

O capitalismo, a sociedade dominada pelo capital, é um modo de produção


da vida social que, nas suas características gerais (as comuns a todas as
formações econômico-sociais modernas) se constitui como objeto da análise
teórica, que o caracteriza pelas forças produtivas que ele suscita e mobiliza,
e pelas relações de produção sobre as quais se assenta (COGGIOLA, 2016,
p. 1047).

A sociedade capitalista, apesar de não existir de fato no Egito Antigo, tem sua
gênese e forma embrionária encontrada no trabalho assalariado das construções das
pirâmides e que eram pagos pelo tempo a disposição dos trabalhadores aos reis ou
por empreitada ou por obra global. Encontra-se, assim, apenas reflexos do que, no
futuro, significaria o trabalho compulsório, árduo, sem limitações de jornada e com
escravidão. Isso acontece, porque o capitalismo busca a acumulação desregrada e
fria sem levar em consideração a dignidade do trabalhador, pois “as formas de
acumulação de riqueza no capitalismo desvinculam o trabalhador de qualquer tipo de
propriedade” (NETO, 2016, p. 66), assim, os trabalhadores eram expostos à luz do sol
sem proteção ou limites.
Segundo Friedrich Engels (1884) citado por Leandro Konder (2012) a
escravidão, de certa forma, foi precursora do trabalho assalariado e deixou um
espinho venenoso: o trabalho produtivo tornado ignóbil para os homens livres.
Na Grécia Clássica e no Império Romano, com a expansão das sociedades
urbanas, com a identificação das rotas de comércio entre o Mediterrâneo, a Grécia e
Oriente Médio, bem como as novas negociações e vendas de mercadorias, observou-
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se um novo passo para o capitalismo, que já trazia consigo as moedas metálicas como
facilitadores de pagamento e de troca. Além disso, verifica-se o surgimento dos
empréstimos, da mora e da usura, institutos estes pertencentes ao Direito Comercial.
Com relação ao conceito de labor, alertamos para o fato de que:

O conceito de trabalho não existia na Grécia antiga, onde se distinguia


[conceitualmente] entre as atividades do camponês, do artesão, do guerreiro
e do cidadão... Os gregos nominaram as atividades humanas significativas,
as definiram e hierarquizaram sem um termo equivalente ao termo trabalho
como categoria universal e abstrata. As atividades do escravo não podem ser
assimiladas ao trabalho (como fez [Hannah] Arendt), pois o escravo não é
humano, é um ‘instrumento vivo’, as atividades dos escravos não são
atividades humanas (COGGIOLA, 2016, p. 1017).

Prosseguindo-se neste percurso histórico, na Idade Média, sobretudo nos


séculos IX a XIV, nossa história registrou um grande palco de invasões bárbaras, de
vinkings, germânicos e hunos trazendo seus métodos de tortura e exploração do
trabalhador, fomentando, assim, a formação dos núcleos feudais, de glebas e da
aquisição de propriedade sob a força, locais estes onde as negociações aconteciam.
Os trabalhadores se achavam vinculados à atividade e ao poderio do seu senhor que
os autorizava a plantar e colher em sua terra. Os rendimentos eram entregues ao
senhor feudal que concedia segurança e habitação para o seu servo que era
“vinculado vitaliciamente com seus familiares à pessoa de seu senhor e à terra que
trabalhava” (COGGIOLA, 2016, p. 1.020). É o que chamamos então de Pré-
capitalismo.
A partir do século XIV, registramos o declínio do sistema feudal e o surgimento
do grande comércio externo Europeu Ocidental, da economia monetária e mercantil.
Com o Renascimento Urbano e Comercial surge então uma nova classe social, a
burguesia, que se ocupava deste comércio negociando com moedas, lucrando,
explorando e ampliando seus espaços de venda nas feiras e nas ruas. Nesta fase de
nossa história, as relações são baseadas na contratação do trabalho livre, produzindo

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a mais valia, os produtos e gêneros e assalariando os trabalhadores em troca desta


energia dispendida.
No decorrer do século XVIII, a Europa Ocidental passa por muitas mudanças
nos setores de consumo de produção, em decorrência do surgimento de novas
técnicas de comercialização, armazenamento, cultivo e de mecanização das fábricas,
a que foi denominado de Revolução Industrial.
Após a Segunda Guerra Mundial, que marca o Capitalismo Financeiro, várias
empresas cresceram exponencialmente como os bancos, industrias e casas
comerciais. O capitalismo se consolida, internacionalizando e expandido a economia
que são as grandes molas mestras para o desenvolvimento mundial dos sistemas de
produção. Surge então o grande fluxo de informações, de investimentos em menor
tempo e de técnicas globalizadas. Frente a essa conjuntura, os ordenamentos jurídico-
sociais impulsionados pelas lutas e cobranças dos movimentos sociais e a noção do
Estado Social de direito exigem uma nova formatação do sistema capitalista inserindo
direitos sociais para atenuar essa desigualdade de classes empresariais e de
operários. As disposições internacionais apregoam, assim, a nova ordem laboral nos
meios de produção com uma nova concepção de trabalhador, de segurança, de
dignidade e de respeito, valores estes, não encontrados nos sistemas anteriores.
Miguel Reale (2002) alerta para o fato de que é preciso que haja um movimento
dialético entre as estruturas jurídicas laborais vigentes e a Economia, portanto, os
fatores de produção. Desta forma,

Há, em suma, uma interação dialética entre o econômico e o jurídico, não


sendo possível reduzir essa relação a nexos causais, nem tampouco a uma
relação entre forma e conteúdo. Rudolf Stammler, um dos renovadores da
Filosofia do Direito contemporânea, em obra célebre, publicada em fins do
século passado, contrapunha-se ao materialismo histórico afirmando que, se
o conteúdo dos atos humanos é econômico, a sua forma é necessariamente
jurídica (REALE, 2002, p.30, grifo do autor).

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Existe dentro da seara trabalhista uma ponderação de ordem econômica e


social. O empregador não deve utilizar seu poder de mando, comando e gestão
apenas para articular os fatores de produção atingindo o lucro e o desenvolvimento
de sua empresa conforme as diretrizes desiguais e de exploração do capitalismo.
Antes de qualquer situação, ele tem sobre seus ombros o desafio de cumprir as
normas internacionais e nacionais de Segurança e Medicina do Trabalho, fazendo
com que o direito não seja visto de forma isolada mas “casado” com todos os
determinantes sociais, pois o mesmo disciplina questões que extrapolam o viés
econômico.

1.1 A Sustentabilidade e o Direito do Trabalho na CRFB/1988

O Direito do Trabalho, é o ramo do direito privado, com a peculiaridade de,


entre suas normas de natureza privatista, contemplar disposições estatais de ordem
pública que disciplinam o comportamento social entre empregador e trabalhador nas
mais variadas configurações de contrato de trabalho. Através de institutos, princípios,
regras e disposições de ordem supralegal e internacional, a vida do empregador e
trabalhador se desenvolvem no tecido sócio econômico das relações jus laborais e de
poder. Nessa perspectiva, ainda convém lembrar que o Direito do Trabalho “é o
conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e
situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador”
(DELGADO, 2017, p. 46), o poder e o lucro, esbarram, na condição social a ser
valorizada.
Para melhorar a condição social do trabalhador, surge a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, contemplando em seu corpo normativo de
princípios e normas jurídicas direitos sociais jamais vistos na história de luta de
classes no país. Este ramo jurídico especializado, tendo por base vários princípios
condicionantes e irradiadores, abre as portas para o Direito Constitucional do Trabalho
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com seu “inquebrantável tripé conceitual: a pessoa humana, com sua dignidade, a
sociedade política, democrática e inclusiva e a sociedade civil” (DELGADO, 2017, p.
63), perfazendo assim o rol de direitos e garantias do trabalhador. Mas não basta
apenas ter um direito expresso e previsto na Constituição, é necessário que o mesmo
se concretize, se realize e seja desenvolvido no âmbito das empresas. Surge,
portanto, a gestão dos institutos ligados ao trabalho, à jornada, à segurança, proteção
e ao salário digno.
Historicamente, o Direito do Trabalho transformou-se e muitos institutos,
relacionados à negociação, jornada e rescisão, foram também alterados pelos
desígnios da Reforma Trabalhista, pela situação política do país, pelas ideologias das
classes políticas detentores do poder e pela liberdade de atuação do legislador. Tudo
isso causou diversos impactos na sua formatação, gestão e justiciabilidade. Com isso,

entrou em vigor a tão polêmica Lei 13.467/2017, conhecida como Lei da


Reforma Trabalhista, que implementou uma série de mudanças no que se
refere à relação contratual entre empregadores e empregados. Embora a
nova lei seja alvo de críticas, especialmente por parte dos trabalhadores
(CLT) (SIQUEIRA, 2017, p. 78).

Uma severa crítica a esta reforma ou retrocesso social, como muitos a


chamam, é que o poder de negociação autorizado pela mesma apenas beneficia o
empregador, detentor dos meios de produção e hipersuficiente, e não ao trabalhador
com a precarização, terceirização e informalidade no contrato de trabalho. Mas há
aqueles que defendem a implementação das alterações trabalhistas:

A reforma trabalhista, uma luta de décadas de empregadores brasileiros,


enfim fora concretizada, aperfeiçoando pontos críticos da CLT e
proporcionando intensas e indispensáveis modificações no mercado e nas
relações de trabalho. Entretanto, como os efeitos de suas mudanças ainda
não podem ser aferidos, é primordial que empresas e trabalhadores ajam com
cautela, paciência e boa vontade. É apenas o começo de um novo tempo
(SIQUEIRA, 2017, p. 87).

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O grande desafio é avaliar os impactos positivos e negativos que esse poder


novo e ainda em construção da negociação da jornada de trabalho tem no âmbito das
organizações.

1.2 A Jornada de Trabalho como Direito Social da Saúde

Além das alterações trabalhistas e seus reflexos para o trabalho e jornada, é


preciso olhar para o labor enquanto reflexo para a saúde. Podemos apontar vários
fundamentos de saúde pública, além dos princípios que permeiam a jornada de
trabalho, tais como: a questão psíquica e psicológica (jornadas excessivas podem
causar de forma direta o esgotamento mental, estresse, perda da concentração
laboral e síndrome do esgotamento profissional), o lado físico (fadiga, riscos de
acidente do trabalho), o determinante social (vida familiar e assistência familiar), o
prisma econômico (jornadas excessivas a um trabalhador, fazem com que não se
insira novos trabalhadores nos meios de produção, gerando quebra na economia,
desemprego e trabalho excessivo) e o viés humano (dignidade atingida), temas a
serem enfrentados pela reforma. Pode-se perceber que,

A jornada de trabalho, a qual é regulada pelo Direito, tem natureza de ordem


pública pois há interesse social na sua limitação, em proteção da saúde, da
segurança e da vida do trabalhador, preservando e concretizando a sua
dignidade como pessoa (GARCIA, 2017, p. 510).

O desafio de se gerir, no âmbito das organizações empresariais, tão importante


instituto para a saúde e vida do trabalhador, é de todas as formas, estratégico, para a
questão do aumento das demandas judiciais, acidentes profissionais, acesso a
benefícios previdenciários e aos serviços públicos e privados de saúde, além das
repercussões de ordem econômica para a saúde financeira da empresa que devem
ser considerados. É por isso que os novos modelos de gestão empresarial, que
alinham o capital social e o econômico da empresa, apontam para o fato de que:
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Tratar as pessoas como recursos organizacionais é um desperdício de massa


encefálica produtiva. Assim, hoje se fala em Gestão de Pessoas e não mais
em recursos humanos, exatamente para proporcionar essa nova visão das
pessoas – não mais como mero funcionários remunerados em função do
tempo disponibilizado para a organização – mas como parceiros e
colaboradores do negócio da empresa (CHIAVENATO, 2012, p. 34).

A legislação ordinária e internacional do trabalho preconiza o emprego justo,


condições dignas, erradicação da pobreza e diminuição dos riscos físicos e
ambientais. Além disso, no plano nacional, prega-se o aproveitamento e melhora das
oportunidades de trabalho. São os determinantes sociais, portanto, que permeiam a
área trabalhista e de direitos sociais.
Com relação à controle e supervisão da jornada, a mesma, depois de ser
executada precisa ser comprovada. Os seus registros de entrada, intervalo e
finalização necessitam ser devidamente arquivados nos registros do empregador e
acessíveis ao empregado para que possam no futuro consultar e imprimir e
eventualmente postular diferenças corrigindo injustiças e distorções sociais, assim:

É importante destacar que o empregador deve disponibilizar meios para a


emissão obrigatória do Comprovante de Registro de Ponto do Trabalhador
no momento de qualquer marcação de ponto. Assim, o Comprovante de
Registro de Ponto do Trabalhador é um documento impresso para o
trabalhador acompanhar, a cada marcação, o controle de sua jornada de
trabalho (GARCIA, 2017, p.517).

As doenças, transtornos e abalos ocupacionais estão cada vez mais atingindo


os trabalhadores, segundo relatórios oficiais da Organização Internacional do
Trabalho e dos órgãos oficias na área da saúde e de assistência, como a Organização
Mundial da Saúde.

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2. A gestão ética e sustentável da jornada de trabalho

A gestão da jornada ou pelo menos alguns reflexos disso permearam a história


do capitalismo. Quando falamos de gestão da jornada de trabalho, precisamos, antes
de tudo, analisa-la sob a ótica dos determinantes sociais do trabalho, pois as
intervenções estatais e de gestão pública nessa área são decisivas para uma boa
política pública de saúde na área jus laboral e no combate das arbitrariedades e
iniquidades sociais que assolam a má gestão da jornada de trabalho no País: fraudes
no registro, horas trabalhadas e não pagas, coações, assédios e desmandos.
O estudo e a análise dos Determinantes Sociais nos ajudam a compreender e
combater as iniquidades, que assolam o Sistema de Saúde Pública e Privada, que
recebe diariamente esses trabalhadores acometidos dos mais diversos agravos por
conta da má gestão de sua saúde e jornada de trabalho. As iniquidades sociais,
podem ser conceituadas como as formas de arbitrariedades, corrupções, ações de
segregação e marginalização das populações em situação de vulnerabilidade social,
pois são “deficiências de estruturas políticas de governanças” (CARVALHO, 2013. p.
78) que assolam o país e que restringem as políticas socioambientais e de saúde. As
condições econômicas e sociais condicionam, determinam a qualidade e oferta de
saúde para os sujeitos destinatários das políticas e grande parte dos agravos
acontecem em virtude da falta de governança político-estrutural, planejamento e
engajamento de forma intersetorial dos poderes, bases da gestão pública.
As condições e determinantes de trabalho adversas e prejudiciais colaboram
para os efeitos negativos na saúde: riscos físicos e mentais para a saúde;
incapacidade para o trabalho e doenças ocupacionais. A situação laboral precária
gera empregos informais e trabalhos domésticos desprovidos de garantias. Assim “as
condições de emprego e trabalho têm efeitos dramáticos sobre a igualdade na saúde”
(CARVALHO, 2013, p. 80), e assim a legislação trabalhista precisar ser realinhada às
necessidades em Saúde e Segurança do Trabalhador. Um sujeito saudável produz
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mais e melhor e, muitas vezes, sente-se empoderado a crescer mais na organização


desde que detentor de políticas laborais que o favoreça e que o reconheça enquanto
trabalhador digno e essencial ao desenvolvimento da empresa.
A gestão da vida do trabalhador com todas as suas consequências,
repercussões, sentidos e processos caberá, precipuamente, ao empregador através
de seus poderes concedidos pela legislação específica laboral de poder hierárquico,
disciplinar e de gestão com a colaboração dos trabalhadores. A administração da
jornada de trabalha perpassa, necessariamente pelas hipóteses de sua limitação e
prorrogação pois “a limitação da jornada de trabalho é uma das maiores vitórias
conquistadas pelos empregados” (CORREIA, 2017, p.463). Todo esforço físico e
mental possui limitações e, enquanto sujeito, o trabalhador não é uma máquina e
precisa de descanso e limites em seu labor, por isso a necessidade de uma gestão
eficiente que planeja as necessidades de prorrogação e limitação da jornada.

2.1 Os limites e desafios para a gestão da jornada de trabalho

O grande desafio para a sustentabilidade no trabalho é fazer que com que o


Empresário, detentor dos meios de produção, encare o trabalhador como integrante e
protagonista mais precioso para a empresa. Deve-se observar como os trabalhadores
estão operando e executando suas tarefas, o tempo de trabalho, a forma de trabalho,
as ameaças ao trabalho; tudo de forma planejada e socializada aos trabalhadores
dentro da organização, para que tais ameaças sejam detectadas e não possam atingir
a saúde do trabalhador e, ainda que isso aconteça, que se implante medidas eficazes.
O instrumento da gestão estratégica é uma medida eficaz e deve estar a serviço desta
finalidade de proteção e pode ser conceituada como:

Gestão Estratégica empresarial que envolve definição de objetivos, análise


do ambiente competitivo e da organização, avaliação de estratégias,
implantação e acompanhamento. Em um processo de Gestão Estratégica é
identificada como a organização se posiciona em comparação com os seus
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concorrentes, reconhecendo oportunidades e ameaças, sejam internas e


externas (CAMARGO, 2017, p. 88).

As organizações, também, precisam ser mais transparentes no que diz respeito


a organização do trabalho produtivo, implantação de ações de redução de agravos e
também nas ações de acompanhamento do cumprimento de suas metas e de jornada
de seus trabalhadores.
O desafio de gerir a jornada de trabalho é grandioso porque é medida
constitucional e dever de Responsabilidade Social, Moralização e busca do emprego
digno e pleno. As empresas públicas e sociedades de economia mista também
possuem esse dever e também a peculiaridade de terem recursos públicos
disponíveis e usados para pagamento de seus trabalhadores. O dinheiro público não
pode ser utilizado para fins de custeio de contratos de trabalhos repletos de injustiças
e iniquidades sociais. O direito normatiza situações sociais complexas que extrapolam
as disposições vazias e normativas. O direito do trabalho, sobretudo, normatiza
situações fundamentais de vida do trabalhador. Seguindo, assim, as Lições de
Noberto Bobbio (1995) observamos que,

O direito pode disciplinar todas as condutas humanas possíveis, isto é, todos


os comportamentos que não são nem necessários, nem impossíveis, isto,
precisamente, porque o direito é uma técnica social, que serva para influir na
conduta humana (BOBBIO, 1995, p. 145).

Quando o gestor dessas condutas humanas no trabalho está ciente de todas as


implicações e agravos que o trabalhador está exposto nas extrapolações de jornada,
outrora autorizadas pela Reforma Trabalhista, precisa tomar para sim a responsabilidade
e compromisso de construir medidas de governança adequadas ao setores buscando dar
legitimidade, justiça social e responsabilidade em suas ações, não como mero gerente
empresarial mas como um governante corporativo dentro de sua empresa. Desta forma,
a linha de atuação do gestor deve ser de um administrador que implementa ações
colaborativas, que promove a participação e o diálogo com seus pares e que negocia e
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facilita a vida do trabalhador, gerando o bem estar no meio ambiente do trabalho. Desta
forma,
A implantação de respostas políticas dedicadas à redução de iniquidades em
saúde demanda uma governança que explicite as responsabilidades
individuais e conjuntas dos diferentes atores e setores (por exemplo, o papel
a ser desempenhado por indivíduos, por partes diferentes do estado, pela
sociedade civil, por agências multilaterais e pelo setor privado) na melhoria
da saúde e do bem-estar enquanto metas coletivas relacionadas a outras
prioridades da sociedade muitas das políticas necessárias para a
implementação de ações sobre os determinantes sociais demandam ações
intersetoriais (KIENY, 2011, p.3).

Portanto, o desafio da gestão da jornada de trabalho não é apenas um


mandamento e resposta do administrador aos desígnios das legislações ordinárias,
mas é uma verdadeira política de saúde voltada para a redução dos riscos sociais,
das doenças e agravos. Tal esforço exige contribuição e participação conjunta do
setores estratégicos, diretorias e superintendências, pelo trabalhador e pela
sociedade na cobrança e controle sociais autenticados pelo Ministério Público do
Trabalho e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pois as políticas públicas de
gerenciamento da jornada de trabalho:

Para que sejam bem sucedidas, é preciso que preencham uma série de
condições, entre elas: desenvolver um quadro político e uma abordagem que
conduzam à saúde; enfatizar valores, interesses e objetivos compartilhados
entre as partes; ter a capacidade de assegurar apoio político sufi ciente e
trabalhar a partir dos aspectos positivos já existentes no ambiente; engajar
as partes principais desde o início, todas sob o princípio da inclusividade;
compartilhar a liderança, a responsabilidade e os benefícios entre as partes;
e facilitar a participação do público (KIENY, 2011, p.3).

2.2 A Sustentabilidade como paradigma para a Educação Ambiental nas


relações de trabalho

A Educação é a chave de libertação para que práticas medievais de exploração,


negação de direitos e isolamento deixem de inundar a relação laboral. O atraso
cognitivo e intelectual e a falta de humanidade nas ações do Empregador que geram

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riscos físicos e psicológicos e prejuízos para a saúde do trabalhador são causados


em virtude da falta de implantação de práticas educativas no meio ambiente do
trabalho.
Percebe-se a falta de consciência de que todas as práticas empresariais nos
meios de produção devem ser economicamente viáveis, socialmente justas e
ambientalmente corretas, formando assim o tripé sólido da sustentabilidade no
planejamento e execução da gestão laboral. A sustentabilidade, tem por base o
respeito às diversidades culturais e de vida do trabalho, com seu substrato ético. A
verticalização das decisões e a hierarquização rígida do poder militam contra as bases
compartilhadas da sustentabilidade. Neste contexto, o ordenamento jurídico brasileiro
preceitua que “a educação ambiental e a conscientização pública são algumas das
mais importantes ferramentas” (RODRIGUES, 2016, p. 153), portanto é um dever dos
empregadores a implantação de práticas socialmente justas nos meios de produção.
O grande desafio da educação para o trabalho, como medida de justiça e
compensação imposta aos grandes desmandos do Empregador, é proporcionar à
classe operária o desenvolvimento de suas habilidades, de seus valores, a aquisição
e valorização do conhecimento e visão de mundo para que possam estar engajados
e “armados” contra negociações fraudulentas e retrocessos legais aplicados pelos
governantes. A classe trabalhadora precisa estar preparada para transitar nos
espaços de diálogo e de poder, sugerindo alterações que melhorem sua condição
social de vida, dando vez e voz aos desígnios do bem estar social. A luta e a
resistência contra opressões de jornadas excessivas e desgastantes deve ser uma
chama de esperança de dias em que a exploração do capital diminua.
A educação é a chama e esperança para uma gestão sustentável e ética em
que o trabalhador é visto e valorizado como sujeito, como agente em
desenvolvimento, como protagonista e destinatários das políticas de valorização do
trabalho humano, de habitação e de salário digno. A educação e conhecimento de

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seus direitos são a arma contra a repressão e opressão que a classe trabalhadora
sofre.
Segundo Paulo Freire (1921),

Ai está uma das tarefas da educação democrática e popular, da Pedagogia


da Esperança, - a de possibilitar nas classes populares o desenvolvimento de
sua linguagem, jamais pelo blábláblá autoritário e sectário dos “educadores”,
de sua linguagem, que emergindo da e voltando-se sobre sua realidade,
perfile as conjecturas, os desenhos, as antecipações do mundo novo. A
linguagem como caminho de invenção da cidadania (p.20).

O empregador sempre tentou, e conseguiu, muitas vezes “educar” o


trabalhador com base na vara, no castigo, na supressão de salários e no autoritarismo.
São práticas inaceitáveis no Estado de Direito. A educação verdadeira fornece
ferramentas de libertação do comportamento opressor muito comum aos detentores
dos meios de produção. É preciso que a liberdade de pensamento, de contestação e
de atuação dos trabalhadores dentro destes espaços de exploração, nos sindicatos,
nas ruas e nas escolas sejam reconhecidos e exercidos por atores sociais envolvidos
com o ideal de valorização do trabalho humano. Para Paulo Freire (1921) é preciso
conhecimento, mudança de comportamento e respeito às diferenças que só a leitura
de mundo, adequada, sólida e humana, da Pedagogia da Libertação e Esperança
podem fornecer.
A sustentabilidade, como o paradigma da esperança das futuras gerações de
trabalhadores, prega o equilíbrio que se deve dar à ordem econômica e à ordem
social, ou seja, o país precisa desenvolver-se economicamente para que o bem estar
possa ser alcançado para todos e em iguais níveis de oportunidade, de acordo com o
princípio da Igualdade, Isonomia e Liberdade insculpidos no texto da Constituição da
República de 1988, portanto, não admite-se nenhum direito social a menos. Isso
significa que até dentro dos meios de produção, onde reina o egoísmo, o ódio e a
perseguição, os direitos à vida, segurança, dignidade e todos os valores sociais

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precisam ser valorizados, ampliados e acessíveis a todos os sujeitos enquanto


trabalhadores.
Segundo Marcelo Abelha Rodrigues (2016):

O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual,


sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as
suas próprias necessidades. Dentro da visão ambiental, o desenvolvimento
sustentado está diretamente relacionado com o direito à manutenção da
qualidade de vida por meio da conservação dos bens ambientais existentes
no nosso planeta (p. 441).

Além da noção de desenvolvimento sustentável faz-se necessário ainda


abordar a questão da educação ambiental enquanto conjunto de saberes holísticos,
de realidade e que atinge todos os setores da sociedade de forma interdisciplinar e
intersetorial. A educação ambiental demanda “uma abordagem holística e um método
interdisciplinar que permitam a integração das esferas do ideal, material, de economia
e cultura” (PHILIPPI JR, 2000, p. 19), ou seja, no âmbito da empresa o trabalhador
precisar conhecer, contribuir e ser um protagonista nas decisões fundamentais que
comandam o setor de produção e que sofrem influências externas da economia,
sociedade e cultura
Além disso, a educação ambiental em sua visão holística, proporciona ao
trabalhador o gozo integral e completo dos direitos ambientais do trabalho. Esse gozo
integral significa meios de acesso à cultura, ao progresso material e econômico seu e
de sua família e o desenvolvimento de recursos tecnológicos pelo trabalhador e uma
remuneração justa.
Nessa perspectiva de tomada de decisões e de conhecimento de mundo e da
empresa em que labora, é preciso que haja transparência, companheirismo e
compartilhamento de saberes e informações entre empregador e empresa num
esforço de governança corporativa consciente e humana. É preciso que haja o diálogo
de saberes dentro da empresa considerando e valorizando as habilidades e
conhecimentos que a classe operária pode oferecer. Este diálogo deve acontecer não
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somente às metas da empresa, mas também, aos desafios, prejuízos, problemas,


avanços, conquistas, negociações que concedam novos benefícios, verbas e auxílios
ao trabalhador, tudo de forma sinérgica que emana do setor produtivo e vai até a base
do fator trabalho, com o trabalhador, para que este possa intervir de forma ativa e
consciente apontando soluções para a empresa e reivindicando sempre atenção aos
seus direitos que a ordem laboral os concedeu por lutas e conquistas em movimentos
sociais e sindicais. Para Arlindo Philippi Jr (2000) no âmbito da gestão deve haver um
fluir de diálogos a qual denomina de

diálogo de saberes que funciona em suas práticas, e que não conduz


diretamente à articulação de conhecimentos disciplinares, onde o disciplinar
pode referir-se à conjugação de diversas visões, habilidades, conhecimentos
e saberes dentro de práticas de educação, análise e gestão ambiental, que,
de algum modo, implicam diversas “disciplinas”– formas e modalidades de
trabalho (PHILIPPI JR, 2000, p. 22).

O trabalhador precisa ser visto e valorizado com um ser, como agente e sujeito,
responsável pela produção, circulação e expansão das riquezas de uma país e não
como uma peça de uma engrenagem substituível. A educação que irradia a mente do
empregador os leva a crer que a classe operária tem o direito de “serem respeitados
como gente e como trabalhadores, criadores de riqueza, e que exigem acesso à
cultura e ao saber (FREIRE, 1921, p.21).
Nesta teoria aplicada ao âmbito das relações de trabalho e ainda com relação
ao acesso ao saber e cultura, o empregador precisa identificar as visões de mundo,
habilidades, conhecimentos e saberes que o trabalhador tem em seu patrimônio
cultural e intelectual, inserindo-o nas decisões fundamentais da empresa, no
gerenciamento dos riscos do negócio e aplicando tal conhecimento para melhorar o
clima organizacional e de meio ambiente do trabalho, potencializando as forças do
trabalhador e reduzindo esforços desnecessários.
Para Aldo Paviani (2014),

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Trabalho e Educação têm muitos vínculos, e são inseparáveis na nossa


busca pela rota do bem-estar humano. Os chamados países desenvolvidos
colocaram a Educação como prioridade por décadas e, com isso, evoluíram
tecnológica, cultural e economicamente, com a manutenção de elevadas
possibilidades de trabalho para as pessoas que se apresentam para qualquer
atividade. Assim, a almejada equidade social, pela rota educacional, estará
disponível para a ascensão se o trabalho contar com o suporte da Educação
plena (p.88).

A educação precisa ser promovida no ambiente de trabalho através da


construção de valores que permitam o avanço tecnológico, cultural e tornem o
trabalhador um sujeito ativo e consciente dos valores sociais do trabalho, da
capacidade de iniciativa que perpassa pela dedicação, pelo preparo, pelo êxito na
produção e nas atividades pedagógicas que amplie e socializem o conhecimento,
promovam a ascensão profissional e a difusão do conhecimento. A educação
ambiental para o trabalho, como medida de justiça e compensação imposta aos
grandes desmandos do Empregador.

3. Considerações finais

À luz do exposto, e compartilhando do entendimento que o Estado Democrático


e Social de Direito tem por marcas as conquistas dos direitos sociais como educação,
saúde, meio ambiente, desenvolvimento e trabalho digno, como resultado do processo
de resistência e lutas pautadas pelos movimentos sociais, consideramos que tais
conquistas consagram e materializam o intitulado “Estado de Direitos” quando tais
conquistas saem de uma base teórica (ordenamento jurídico) e passa a ser uma
constante materializada nas necessidades da população. Tais direitos formam o
núcleo existencial mínimo para um bem-estar social completo. A educação promove
a evolução tecnológica, o surgimento de novas técnicas de saúde, controle de
qualidade dos produtos.

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Como vimos, as políticas sociais igualitárias geram emprego justo, renda e


diminuem as iniquidades sociais, além de construírem uma rota segura e de acesso a
informação que todos necessitam nas suas relações e tecidos sociais. A gestão
sustentável leva em consideração os determinantes econômicos, sociais e culturais
que levam o trabalhador, na mais nova ordem jus laboral, a não ser encarado como
objeto. O trabalhador é um sujeito detentor de direitos e garantias fundamentais.
Por fim, o desenvolvimento sustentável, subdivisão e linha de atuação da
sustentabilidade, deve desenhar uma política capaz de adotar, dentro da empresa,
práticas no sentido de valorizar o trabalhador de forma integral nas questões salarias,
de ascensão profissional, de segurança e qualidade de vida, proporcionando o gozo
e garantia de todos os seus direitos sociais e trabalhistas, principalmente nas
condições adversas de insalubridade e periculosidade que afetam o contrato a saúde
dos trabalhadores. A organização dos trabalhadores enquanto categoria, a nosso ver,
é uma importante estratégia e ferramenta de luta pela conquista e garantias de que
os direitos sociais sejam respeitados pelos empregadores quando dos contratos de
trabalhos. Compreende- se que as condições de fazer parte do meio ambiente do
trabalho práticas empresariais e ambientais que tornem o empregado um sujeito
empoderado, estratégico para os valores da empresa e que tem este poder,
conquistado e não dado, de tomar decisões e fazer escolhas no seu contrato de
trabalho é objetivo da sustentabilidade que busca não só o progresso econômico mas
“ o progresso social, que seja mais racional a utilização dos recursos, para satisfazer
as necessidades das gerações futuras e presentes” (RODRIGUES, 2016, p. 445).

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EDUCAÇÃO E SANEAMENTO BÁSICO: O QUADRO BRASILEIRO E SEUS


REFLEXOS SOBRE O ENSINO

Joanna Ísis Chaves Carvalho*

Resumo
O presente artigo tem por finalidade relacionar o atual quadro de precariedade na
infraestrutura sanitária nas escolas com os impactos que esse cenário apresenta no
ensino e na formação do indivíduo enquanto ator social. Para tanto, foram utilizados
levantamentos em fontes revisionais, documentais e estatísticas para a
fundamentação deste trabalho de cunho predominantemente bibliográfico. O
ordenamento jurídico é vasto ao dispor sobre a importância de políticas públicas que
visem a garantia dos direitos fundamentais e humanos. Uma das áreas que mais se
destaca para o progresso nacional é a educação, uma vez que, em um mundo
globalizado, a criação de novas tecnologias é um imperativo. Entretanto a situação da
infraestrutura das escolas brasileiras é alarmante e está bem distante do alcance das
metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas a respeito da
universalização do saneamento básico de qualidade. Além disso, o desinformação
social a respeito dos seus direitos faz com que a concretização da justiça
socioambiental fique comprometida. A solução para a quebra desse paradigma
imposto pelo modelo capitalista perpassaria, portanto, pela educação de caráter
libertador.

Palavras-chave: Saneamento básico. Desenvolvimento. Educação.

*Graduada em Direito. Discente do Programa de Pós–Graduação (Mestrado) em Economia Regional e Políticas


Públicas, do Departamento de Economia, na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Ilhéus/Bahia/Brasil.
E-mail: jichaves@hotmail.com
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Introdução

A educação é o pilar da humanidade. Não se faz ciência e progresso sem


adentrarmos no quesito educação. Dentre os maiores exemplos de progresso através
da educação temos o Japão que, após a devastação trazida pela II Guerra Mundial,
investiu fortemente no setor educacional e na infraestrutura, com o intuito de promover
o reerguimento da nação.
Entretanto, formar cidadãos sem uma estrutura de saneamento básico que
possibilite o seu pleno desenvolvimento e aprendizagem constitui em uma barreira
que compromete o progresso social, político e econômico do país. Conforme afirma
Camillo (2017), em matéria publicada na revista Nova Escola em 2017, o saneamento
básico é uma área estratégica para o desenvolvimento educacional. Todavia, é tido
como um direito “invisível”, sem muito brilhantismo e divulgação sobre suas
legislações e preceitos. Parte disso, pode-se atribuir ao maior interesse dos políticos
em políticas públicas que causem a visibilidade que garanta sua reeleição, o que faz
com que o saneamento seja colocado em segundo ou terceiro plano, posto que suas
obras não possuem o apelo visual que a construção ou reforma de uma praça pública
possui, por exemplo.
O acesso ao saneamento básico é um direito protegido e previsto na Lei
Federal nº 11.445/2007. Para além disso, as Organizações das Nações Unidas (ONU)
considera o saneamento básico um direito humano e a Constituição Federal a entende
como um direito fundamental necessário para garantir o mínimo existencial. Em 2002,
o Comitê Internacional das Nações Unidas para os interesses econômicos, sociais e
culturais, em seu comentário geral nº15, apontou a necessidade do acesso à água de
qualidade de forma universal, complementando o quanto disposto na Resolução nº
16/2012, a qual afirma que o saneamento básico deve ser contínuo e suficiente a fim
de que seja assegurada e mantida a dignidade da pessoa humana (UNW-DPAC,
2011)
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A realidade brasileira no tocante ao estado do saneamento básico, é bem


distante dos ideais que sustentam os diplomas jurídicos nacionais e internacionais a
respeito dos direitos humanos e fundamentais. De fato, conforme a pesquisa mais
recente, a qual se teve acesso, realizada em 2014 pelo Trata Brasil e o Conselho
Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, o país figura na posição
112ª dentre os 200 países analisados, estando atrás de outras nações como o Egito
e a Síria (BENEVIDES; RIBEIRO, 2014).
A situação agrava-se quando são observadas as situações das escolas,
mormente públicas e rurais, que ainda convivem com a falta de abastecimento de
água, banheiros e tratamento de esgoto adequados. Segundo dados do relatório de
Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro de 2014, lançado pelo
Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, 6,8% dos atrasos
escolares são reflexos da não universalização do saneamento básico, afetando o
ganho de produtividade de trabalho e aumento da remuneração futura (CONSELHO
EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL,
2014).
Atualmente, o Brasil ocupa o lugar de destaque entre as dez economias mais
expressivas do mundo, conforme apontam as previsões do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Todavia, ainda perpetua uma triste realidade que apresenta mais
de 35 milhões de brasileiros não possuidores de acesso à água tratada e 49% da
população não tendo acesso ao sistema de coleta de esgoto, segundo o Instituto Trata
Brasil (ASSIS, 2018).
Nesta senda, a partir de revisões bibliográficas e dos dados obtidos em
diferentes bases a respeito do saneamento básico no Brasil, objetiva-se traçar
algumas reflexões a respeito dos aspectos legais que permeiam o saneamento básico
no Brasil e como o cenário atual brasileiro impacta na ensino e desenvolvimento do
indivíduo.

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1. Aspectos legais sobre o saneamento básico no Brasil

Conforme definição apresentada pelo instituto Trata Brasil (2013), o


saneamento consiste em conjunto de medidas que visam garantir uma condição
ambiental propícia para o desenvolvimento da qualidade de vida da população, saúde,
produtividade do indivíduo e facilitação da prática econômica. Nesse sentido, destaca
o instituto Trata Brasil (2013) em seu site: “Embora atualmente se use no Brasil o
conceito de Saneamento Ambiental como sendo os 4 serviços citados acima, o mais
comum é o saneamento seja visto como sendo os serviços de acesso à água potável,
à coleta e ao tratamento dos esgotos” (p.56)
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 21, inciso XX a
competência da União para instituir diretrizes sobre o saneamento básico, objetivando
a manutenção do bem-estar social, do desenvolvimento, igualdade e justiça
anunciados no caput do artigo. Para além disso, é possível elencar o art. 1º, III da
Constituição Federal que versa a respeito do direito fundamental à proteção da
dignidade da pessoa humana. Direito este já utilizado pela própria Organização das
Nações Unidas (ONU) para fundamentar e destacar a necessidade global de atingir a
universalização dos serviços de saneamento básico, sendo uma meta a ser alcançada
até o ano de 2030 (UNW-DPAC, 2011).
O Estado brasileiro não pode se desincumbir de ofertar os serviços básicos
necessários para o desenvolvimento humano e garantia dos direitos fundamentais
uma vez que submete-se ao poder Constitucional. Conforme leciona Barcellos (2005),
tal submissão está intrinsicamente ligada ao Estado de Direito, ficando a norma
constitucional incumbida de limitar o poder Estatal, estabelecendo, também, normas
no que compete à concretização dos direitos fundamentais. Entretanto, a existência
de gastos públicos que, são inerentes às políticas públicas, cria a necessidade de
priorizar as políticas “mais importantes” ou “urgentes”, seguindo a ótica disposta na
Constituição Federal.
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Ocorre que, em se tratando de saneamento, é importante destacar a sua


importância não apenas como um dos pilares para a promoção dos direitos
fundamentais, mas principalmente para o respeito aos tratados internacionais de
proteção aos direitos humanos. Segundo Gomes e Mazzuolli (2009), o tratado
internacional em direitos humanos, o qual vincula a nossa Constituição, também
assume o status constitucional, consoante o entendimento da corrente doutrinária que
defende a primazia dos tratados de direitos humanos na hierarquização das normas.
Vale destacar que esta é a tese acolhida pela Corte do Supremo Tribunal Federal.
Desde 1988, a Magna Carta prevê em seu corpo o direito ao saneamento e o
dever do Estado em criar diretrizes para a sua oferta à população. Entretanto, apenas
em 2007 a lei de saneamento básico (Lei Federal nº 11.445/2007) foi criada. A lentidão
em criar uma lei que tratasse de saneamento deixa claro dois pontos no contexto do
saneamento brasileiro: a) durante esse intervalo (1988-2007) não foram observados
avanços expressivos no fomento do saneamento no país. Conforme afirma Ribeiro
(2013) apesar dos avanços institucionais e legais, ainda há muito que progredir em
relação a um sistema ambiental adequado; d) a demora é condizente com a lentidão
dos avanços sanitários brasileiros, tornando-se evidente quando confrontamos dados
como os trazidos pelo Instituto Trata Brasil (2015) e o Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (2016), os quais destacam que mais de 100 milhões
de brasileiros ainda não possuem acesso ao saneamento básico (TRATA BRASIL,
2016).
À sombra do enfoque direcionado à proteção infanto-juvenil, o acesso à uma
vida de qualidade através de políticas públicas eficientes e que visem a proteção das
crianças e adolescentes são abarcadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), destacando no seu artigo 4º a garantia da prioridade absoluta:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder


público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,

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à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à


convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:


a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com
a proteção à infância e à juventude.

A presente garantia do art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente sustenta


a prioridade das política públicas que abarcam os interesses das crianças e
adolescentes. Percebe-se que a legislação buscou resguardar os interesses desses
atores a fim de que garantir seu direito ao desenvolvimento pleno e sadio,
destacadamente por meio de políticas educacionais.
Não obstante, o cenário no qual parte dos educadores e alunos brasileiros
estão inseridos reflete uma realidade diferente do anunciado em leis que, em sua
essência, representam o compromisso internacional entre o Brasil e as Nações
Unidas. Na teoria, temos uma escopo legal que garante e reconhece a importância da
proteção através de um saneamento básico adequado. Contudo, a realidade não
possibilita o desenvolvimento das totais potencialidades e do progresso social destes
alunos, que frequentam escolas com infraestruturas sanitárias precárias.

2. O quadro brasileiro e os impactos no ensino

A qualidade da estrutura física escolar guarda uma relação estreita com o


desenvolvimento do aluno. De acordo com Escolano (1998, apud SOUZA; SOUZA,
2014), o espaço escolar é responsável por exercer influência em determinados
discursos, sendo este espaço físico um elemento significativo no processo de
construção da experiência e aprendizagem.

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Sob essa mesma perspectiva, podemos citar o posicionamento sustentado por


Elali (2003, apud MIRANDA; PEREIRA; RISSETTI, 2016) ao afirmar que as condições
ambientais podem interferir não apenas no desempenho do aluno, bem como na sua
saúde, uma vez que fatores externos como temperatura e luminosidade implicam no
aproveitamento didático. Neste ponto, é importante trazer à lume o quanto exposto
por Barbosa (2016, apud DRECHSEL, 2016, p. 45):

Não é ponto pacífico que a infraestrutura da escola vai influenciar de forma


definitiva na aprendizagem dos alunos, mas é possível perceber que a
existência de alguns recursos básicos para o bom andamento escolar
influencia no desempenho.

No tocante ao cenário nacional, os dados do Censo Escolar mais recente a que


se teve acesso, ano de 2016, afirmam que 95,3% das escolas básicas contavam com
acesso à esgotos ou fossas. Com relação ao abastecimento de água, 93,6% das
escolas tem acesso à agua, mas esse serviço só é efetivo para apenas 72% dessas.
O total de alunos matriculados nas escolas básicas brasileiras no ano de 2016 foi de
48,8 milhões de matrículas, o que implica afirmar que 2.256.000 milhões de alunos
não possuem acesso ao sistema de esgotamento sanitário ou até mesmo fossas. Em
relação ao não acesso efetivo à agua, esse número sobe assustadoramente para
13.440.000 milhões (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2016)
O acesso à agua e à rede de esgotamento eficiente confirma e acompanha o
retratado das desigualdades entres as áreas urbanas e rurais. Ao analisar os dados
da Comissão Econômica para América Latina e Caribe em relação ao saneamento
básico da área rural brasileira, constata-se que em 2015 apenas 51,5% da população
da área rural brasileira tinha acesso ao serviço de saneamento melhorado (CEPAL,
2018). Ainda no tocante à população rural, é importante lembrar que conforme a
Pesquisa apoiada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2015, o índice da
população rural é de 36%, contrariando o valor de 16% estimados pelo IBGE (LEAL,
2015).
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Neste ponto, o saneamento precário não apenas reflete o quadro de


desenvolvimento geográfico desigual entre essas áreas, mas também, as
disparidades no trato com que o poder público efetiva às políticas públicas que visem
atenção às escolas do meio rural. Da análise dos dados do Censo Escolar de 2016,
depreende-se que as escolas rurais figuram bem atrás no tocante a infraestrutura
quando comparadas com as urbanas. Se observamos a percentagem de alunos da
área urbana e rural sem acesso ao banheiro dentro do prédio da escola, teremos a
seguinte tabela:

Tabela 1 – Situação das escolas rurais e urbanas nos anos finais do ensino
fundamental em relação ao acesso à banheiros dentro do prédio - Matrículas Totais –
12,2 milhões

ÁREA RURAL ÁREA URBANA


11,8% da matrícula total 88,2% da matrícula total
1.439.600 milhões de alunos 10.584.000 milhões de alunos
Acesso aos banheiros dentro do prédio: Acesso aos banheiros dentro do
89,7% dos matriculados prédio: 96,5% dos matriculados
Alunos sem acesso aos banheiros Alunos sem acesso aos banheiros
dentro do prédio: 10,3% dentro do prédio: 3,5%

Fonte: Censo Escolar 2016 – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2016, p.16).

Para além dos impactos na saúde que a falta do saneamento pode causar, na
visão de Nascimento e Orth (2008) o ambiente físico exerce ampla influência no
desenvolvimento da criança, sendo essa realidade mais expressiva em situações
precárias, a exemplo de periferias nas quais as casas são pequenas e sem
infraestrutura, por exemplo. O espaço físico, quando saudável, é componente
importante para o bom desenvolvimento infantil. Ainda conforme as autoras,
pesquisas comprovaram que o ambiente físico é responsável pela significação,

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podendo causar nas crianças sensações de medo, apatia, atividade, dentre outras
respostas (NASCIMENTO; ORTH, 2008).
É possível ainda identificar um processo de reprodução da realidade vivenciada
e os contornos do capitalismo que, como vimos, influem nas escolhas das políticas
públicas, mormente com enfoque nas mais “visíveis” e “elegíveis”. Assim, o indivíduo
que se encontra em processo de formação da consciência social, ambiental e política
ao ser inserido nesse cenário de precariedade do ambiente físico que o circunda,
tende a encarar a possibilidade de aprimoramento daquela realidade com descrença,
não desenvolvendo o espírito crítico de protagonismo social capaz de modificar a sua
realidade ao desconhecer seus próprios direitos. Segundo aduz Gomes (2008),

O que precisamente parece estar em causa, nessa trajetória da humanidade,


é a situação do risco à autodestruição, imposta pela condição do homem
alienado, no sentido de que, assim, o homem se encontra apartado de seu
poder de crescimento, da consciência do seu ser social, de seu universo de
interações, de sua história e seu lugar, seus valores e cultura e de sua
cidadania. A sociedade que lhe abriga o torna homem reduzido, sem as reais
dimensões de sua humanidade e, por isso, ela própria, sociedade, tende a se
degenerar nas armadilhas dos modelos corruptíveis do menor esforço
descompromissado, do maior proveito material e da renovação travestida de
convencionalismo, de uma ação inconvenientemente dirigida etc. (p. 45).

O padrão capitalista de urbanização e política reforça as desigualdades e


fomenta a segregação de classe através de suas interações sociais e arranjos
espaciais. Na visão de Harvey (2014, apud DIAS; RAIOL; NONATO, 2017), a cidade
deve ser encarada como um corpo político o qual deve ter como escopo a
transformação humanizadora a partir de ideias e ideais participativos, possibilitando o
alcance da justiça socioambiental. A luta pelo direito à cidade deve se consubstanciar
no direito de criação e plena fruição do espaço social.
O pensamento preconizado por Paulo Freire (1999, apud SILVA JÚNIOR;
NASCIMENTO, 2015) torna-se de fundamental importância para essa nova visão da
educação sob o enfoque emancipatório e socioambiental, ao afirmar que o homem
destaca-se dos demais animais por sua capacidade de transformar a realidade e, a
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educação figuraria como a principal via emancipatória do indivíduo ao desenvolver o


seu pensamento crítico. Em suas palavras, o homem inserido sob as limitações do
modelo capitalista possuiria certa “rigidez mental” ao não assumir uma postura crítica
perante a vida.
Diante dessa dinâmica capitalista padronizada que impõe o exercício do
opressor sobre o oprimido, limitando o acesso desses às melhorias e modernidades
tecnológicas de áreas estratégicas como a educação, é imperativo que o rompimento
desse paradigma perpasse não apenas pelo entendimento do homem enquanto
cidadão possuidor de direitos, mas também enquanto ator e aprendiz na
concretização de uma educação socioambiental promovedora da crítica e da
renovação da interação indivíduo-meio ambiente.

3. Conclusão

O ordenamento jurídico prevê o saneamento básico como meio essencial para


a promoção do respeito à dignidade humana. O Estatuto da Criança e Adolescente
não menciona explicitamente a respeito do saneamento básico, mas impõe como
garantias prioritárias as criações de políticas públicas que garantam os direitos
previstos no caput do art.4º do ECA. Todas essas previsões legais ainda esbarram
em um arranjo de interesses políticos, que impedem o alcance mais acelerado das
metas do milénio propostas pela Organização das Nações Unidas, destacadamente
com a universalização do saneamento básico.
A realidade do saneamento nas escolas brasileiras reflete as disparidades
existentes entre o campo e a cidade. Nota-se que os números apontados pelas
pesquisas em relação à precariedade do saneamento básico no território brasileiro e,
principalmente, nas escolas brasileiras são alarmantes. Essa realidade é muito mais
severa quando observadas as estimativas para as escolas localizadas na área rural.
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Os impactos que a falta dos serviços de saneamento básico provocam nas


escolas que se localizam nessas áreas negligenciadas não afetam apenas a saúde
dessas crianças e adolescentes, mas também os inserem em uma realidade injusta
que perpetua as condições discriminatórias e limitantes impostas pelo modelo
capitalista.
É expressiva a relação estabelecida entre os meios capitalistas de urbanização
e suas implicações no ensino e na formação do indivíduo. O Estado ao manter as
limitações de acesso de parcela da população às infraestruturas modernas,
principalmente no tocante ao saneamento básico, constrói um efeito segregador, mais
evidente na medida que mantém as desigualdades entre as escolas do campo e da
cidade.
De fato, é utópico a ideia de extirpar completamente as diferenças sociais e
educacionais, uma vez que, enquanto o sistema capitalista existir, tais diferenças se
sustentarão. Afinal, o próprio sistema impõe essa dinâmica. Entretanto, a
universalização das condições sanitárias condizentes com os direitos humanos
significaria um avanço nas possibilidades de educar indivíduos com mais equidade e
com vistas ao reconhecimento do seu direito à justiça socioambiental.

Referências
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INTERFACES ENTRE A ESCOLINHA DE AGROECOLOGIA DE NOVA


IGUAÇU E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Gabriela dos Santos Silva*

Resumo
Ao longo da história, a agricultura tem sido adotada como um elemento valioso no
âmbito da arrecadação no sistema capitalista. Na contemporaneidade, a crescente
onda do agronegócio representa um novo modelo de sociabilidade da elite no país,
apresentando um padrão de agricultura que visa atender aos interesses do capital.
Contrários a este modelo subordinado ao capital, movimentos de luta e resistência
tem obtido destaque e, pensando nestes movimentos, nossos olhares se atentam as
ações desenvolvidas pela Escolinha de Agroecologia de Nova Iguaçu/RJ (EANI) e em
sua especificidade na oferta de compartilhamento de preceitos agroecológicos com
base nas demandas dos pequenos produtores. Deste modo, a notoriedade do projeto
no âmbito da educação não formal, tem sido reconhecida por corroborar com práticas
de transformação social, sobretudo, na região da baixada fluminense do Rio de
Janeiro, região marcada por desigualdades sociais e pela ausência de políticas
públicas.

Palavras-chave: Escolinha de Agroecologia de Nova Iguaçu. Educação Popular.


Educação Não Formal. Transformação Social.

*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares


(PPGEduc), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. E-mail: gabrielasansil@hotmail.com
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Introdução

As desigualdades sociais estão arraigadas à história do país. É um fenômeno


que possui relação direta com a má distribuição de terras, visto que este é um fator
que representa um dos maiores conflitos sociais na contemporaneidade. O sistema
capitalista concentra terras nas mãos de uma pequena fração populacional elitizada,
que detém os meios de produção e faz uso de uma propaganda midiática que defende
a propriedade privada como direito natural e constitutivo dos indivíduos.
A partir da concepção teórica obtida por Marx (1988), compreendemos que o
fenômeno da desigualdade social está diretamente atrelado à desigualdade de renda,
de modo que as condições econômicas vivenciadas pelo sujeito influenciam seu meio
social. A relação entre o homem e a natureza é indissociável, de modo que o sujeito
possui o poder de transforma-la em prol de sua subsistência.
No sistema capitalista, este poder de transformação é ressignificado para
atender aos interesses de produção, atendendo aos objetivos de manutenção e,
sobretudo, de reprodução e hegemonia do capital. Assim, o conjunto de
transformações ocorridas no espaço urbano e rural não ocorre de forma natural, mas
sim, como resultado de uma dinâmica histórica que engloba os meios sociais,
culturais, econômicos e políticos.
No âmbito da acumulação capitalista, na contemporaneidade, o latifúndio vem
sendo substituído pela crescente onda do Agronegócio. Conforme explicita Lamosa
(2014), a ideologia do agronegócio tem sido amplamente difundida desde 2001,
principalmente, por intermédio da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG).
A expansão do agronegócio tem intensificado os impactos ambientais e tem
sido objeto de debate no campo da biodiversidade. Para além, o mesmo eleva o
pauperismo e ocasiona o “esmagamento” dos pequenos produtores rurais, sobretudo
por meio da difusão do discurso de certificação de segurança alimentar: burocracia
necessária para beneficiar aos grandes empresários.
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Historicamente, o produtor campesino tem tido sua identidade associada ao


atraso como principal estereótipo, pondo-a em um local de inferioridade. Todavia,
precisamos reconhecer que as subjetividades campesinas existem, são múltiplas e,
que os valores e as culturas do “povo da roça” estão presentes em todos nós, em
nossas raízes e as herdamos de nossos antepassados.
A hegemonia de valores voltados para a produção de subjetividades
competitivas e individualistas, que não reconhecem (ou inferiorizam) as culturas dos
meios camponeses, tornam o trabalho de educação popular com outras subjetividades
bastante complexo. Assim, o presente estudo visa analisar a importância das ações
em oposição ao modelo do agronegócio.
Neste sentido, a protagonista de nosso estudo é a Escolinha de Agroecologia
de Nova Iguaçu (EANI). Projeto de educação não formal que tem ultrapassado a
função de capacitar pequenos agricultores sobre preceitos agroecológicos, através da
práxis da educação popular, da valorização de saberes, da identidade e do
pertencimento ao território e a cultura.
A escolha deste objeto de pesquisa ocorreu devido à necessidade de conhecer
e se atentar às ações desempenhadas por projetos sociais, sobretudo, na região da
baixada fluminense do Rio de Janeiro, território marcado pela desigualdade social e
pela ausência de políticas públicas ao longo da história. Poucos são os estudos
científicos que abordam a atuação de projetos sociais nesta região, principalmente,
quando voltadas aos pequenos produtores (de áreas urbanas e rurais).

1. Metodologia

Pesquisar é uma tarefa complexa que requer a escolha de ferramentas


metodológicas que permitam que o pesquisador compreenda a realidade à luz das
teorias. O universo de nossa pesquisa é o curso de formação em preceitos
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agroecológicos oferecido pela Escolinha de Agroecologia de Nova Iguaçu/RJ. Como


ponto de partida, destacamos que esta é uma pesquisa qualitativa e, nos baseamos
em Minayo (1993) compreendendo que:

ela se ocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode
ou não deveria ser quantificado (...) ela trabalha com o universo dos
significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das
atitudes. Esse conjunto de fenômenos é entendido aqui como parte da
realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por
pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da
realidade vivida (p. 21 – grifos da autora).

Para execução da pesquisa, utilizaremos como recurso a pesquisa documental


nos arquivos da EANI, tais como: o projeto piloto ordenador (Projeto Caritas),
entrevistas disponibilizadas a acesso público e também, concedidos pela própria
instituição e no âmbito da pesquisa bibliográfica, nosso embasamento concentra-se
em estudos voltados ao estudo da educação popular e na dissertação de mestrado
de Soares (2015), do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial
(PPGDT) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Também serão realizadas observações de campo, utilizando o registro como
fonte. Para tal, utilizaremos o Diário de Campo como um instrumento de pesquisa
muito rico para compreensão da dinâmica existente na EANI. Nesta perspectiva, com
base em Araujo et al (2013), entendemos o diário de campo como uma prática
investigativa qualitativa, similar a um bloco de notas, que visa captar a experiência do
pesquisador.

2. Resultados e discussão

A história está em constante movimento e, a partir dela, outras novas histórias


são construídas. Neste sentido, é fundamental conhecer a trajetória da Escolinha de

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Agroecologia de Nova Iguaçu (EANI), pois através dela, analisamos os caminhos


expressos por uma bandeira de lutas, de comprometimento com os pequenos
agricultores de zonas rurais e urbanas, sobretudo, da baixada fluminense.
O projeto é fruto de uma experiência da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
realizada em Campos dos Goytacazes/RJ junto aos pequenos agricultores daquela
região, com a proposta de oferecer métodos teóricos e práticos alternativos ao uso de
agrotóxicos, através de encontros mensais. Em 2007, a Escolinha de Agroecologia de
Nova Iguaçu iniciou as suas atividades, por intermédio de uma parceria entre a CPT
e a Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu.
Segundo Soares (2015), no início, as ações desempenhadas pela EANI
ocorreram em uma escola situada no bairro de Marapicu, em Nova Iguaçu/RJ. Cabe
salientar que este território foi marcado pela luta de terras, com forte apoio da CPT no
movimento e em consonância as participações do Padre Geraldo de Lima, Sônia
Ferreira e Generosa da Silva. A ocupação possuía apoio da Caritas e da Diocese de
Nova Iguaçu e, coletivamente, somaram forças e no ano de 1985, a região de
Marapicu foi assentada.
A parceria entre a Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu e a CPT findaram após
um ano, visto que a Prefeitura não permitiu o envolvimento da CPT e da Emater-Rio.
Isto nos traz uma reflexão sobre qual modelo interessa aos gestores públicos apoiar:
dissociado da bandeira de lutas dos movimentos sociais, com caráter interligado
apenas a educação formal em agroecologia e em muitos momentos apresentada
distante da realidade dos participantes.
Em 2008, um novo modelo é delineado na EANI, através da parceria entre a
CPT, Emater-Rio e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de
Seropédica/RJ para ministrar palestras aos alunos. Em 2009, a coordenação da
Escolinha passou a ser compartilhada entre a CPT e Emater-Nova Iguaçu/RJ.
Conforme entrevista concedida ao “Catraca Livre” e disponibilizada internamente pelo
projeto, a partir deste momento a EANI passou a se caracterizar, efetivamente, como
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um curso sequencial e com progressão dos conteúdos ministrados, expandindo o que


antes eram ciclos de palestras.
Em 2009, o “Prêmio Baixada” na categoria “Meio Ambiente” foi conferido pelo
Fórum de Cultura da Baixada Fluminense à EANI. No ano seguinte, mais um prêmio
foi concedido: “Prêmio CREA-RJ” de Meio Ambiente. Destaques de reconhecimento
à seriedade do trabalho desenvolvido na EANI.
A questão territorial também foi repensada, com o intuito de promover maior
facilidade de acesso e, concomitantemente, a ampliação do número de alunos
residentes dos demais municípios do Rio de Janeiro, sobretudo da Baixada, as aulas
passaram a ser ministradas na Catedral de Santo Antônio e, durante alguns anos, na
Igreja São Jorge, ambas na região central do município de Nova Iguaçu.
Este remanejamento proporcionou que o número de alunos triplicasse e até os
dias atuais, a CPT realiza a coordenação administrativa e cabe à Emater-Nova Iguaçu
a coordenação técnico-pedagógica.
Destaco um trecho do diário de campo pessoal que relata o último dia de aula
da turma de 2017, como um espaço que promove o desenvolvimento da capacidade
pessoal e coletiva dos sujeitos em transmitir suas experiências de vida, de modo
participativo. A atuação da EANI visa responder as demandas apresentadas pelos
participantes, bem como seus interesses e necessidades. Não há um modelo
educacional verticalizado, ou seja, impositivo. As relações presentes na instituição
visam a participação, baseadas em igualdade, respeito, na valorização dos saberes
próprios adquiridos e o compartilhamento dos mesmos, promovendo um espaço de
reflexão crítica.
Em um espaço diversas relações são construídas. Relações de afeto,
amizade, solidariedade, empatia, trocas, dentre outros. Estou participando
hoje da exposição do trabalho final do curso em preceitos agroecológicos da
turma de 2017 na parte da manhã, onde cada grupo de alunos relata o
resultado da aplicação de uma técnica aprendida no curso. (...) Além de
compartilhar os resultados das experiências, a maioria dos alunos está
expondo a satisfação com o curso, relatando mudanças que não se resumem
a atos individuais, mas coletivos. Este é um espaço de trocas, de

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compartilhamento de experiências, de reflexão e de posicionamento acerca


de uma leitura crítica de mundo (DIÁRIO DE CAMPO PESSOAL, 9 de
dezembro de 2017).

A participação no curso é gratuita e os encontros são quinzenais, na maior parte


do curso. A carga horária de aulas ao dia totaliza 7h, entre os meses de março a
dezembro, correspondendo a aproximadamente 175h. O público prioritário da
Escolinha são pequenos agricultores e produtores rurais, estudantes e técnicos das
áreas de ciências agrárias, engenheiros florestais e ambientalistas.
A presença dos pequenos agricultores em uma sala de aula possibilita maior
interação, fortalecimento crítico para compreender os antagonismos e subjetividades
existentes em nossa sociedade. Estes encontros estimulam a capacidade de
resolução de problemas e ampliação territorial, pois, é muito mais fácil resolver um
problema quando se conhece a rede que está no entorno.
Acerca da metodologia de ensino da EANI, destacamos a sua especificidade,
pois os conteúdos trabalhados no curso surgiram da necessidade dos pequenos
agricultores. Deste modo, o método foi sendo desenvolvido a partir de uma
problematização e os conteúdos aplicados são colocados frente às carências e aos
desafios trazidos pelos participantes. Assim,

O método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo


que circunda as pessoas. Penetra-se, portanto, no campo do simbólico, das
orientações e representações que conferem sentido e significado às ações
humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. Ela
não se subordina às estruturas burocráticas. É dinâmica (...), tem caráter
humanista. (...) Mas como há intencionalidades nos processos de educação
não formal, há caminhos, percursos, metas, objetivos estratégicos que podem
se alterar constantemente (GOHN, 2010, p. 47).

A EANI também possui relação importante, ainda que de modo indireto, com
as “Feiras da Roça”. Segundo o IBGE (2015), a região da baixada fluminense agrega
uma população de aproximadamente 3,6 milhões de pessoas e possui a maior

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incidência cartográfica ¹1de pobreza. Este é um fator de suma relevância para nosso
trabalho, visto que no país, o percentual de extrema pobreza está concentrado nas
regiões rurais.
Uma grande porcentagem de alunos e ex-alunos da EANI integram as Feiras
da Roça do Rio de Janeiro, sobretudo, da região da Baixada Fluminense,
apresentando produtos sem agrotóxicos, naturais e atendendo qualitativamente às
demandas alimentares de forma saudável, cujas bases educacionais foram
compartilhadas através da Escolinha, de modo multiplicador.
Na atualidade, a conjuntura política e econômica iniciada em 2016 no país tem
representado aumento do índice de desemprego e, consequentemente, de elevação
da pobreza. Deste modo, tem sido crescente a procura da população urbana por
novas alternativas para geração de renda visando tornar seus quintais produtivos com
base na agricultura familiar.

3. Conclusões
As ações da Escolinha de Agroecologia de Nova Iguaçu representam um
diferencial no território da baixada fluminense. Sua especificidade em promover um
conteúdo educacional diferenciado dos demais modelos voltados para a agroecologia,
através da práxis da educação popular faz com que este projeto seja enriquecedor. O
conteúdo surge do pequeno agricultor para o pequeno agricultor.
Desenvolvemos o ciclo abaixo para sinalizar os principais valores envoltos na
Escolinha:

¹ Os dados relativos à incidência cartográfica da pobreza têm por objetivo estipular índices numéricos da
desigualdade da distribuição de riqueza entre a população abarcada por dois índices: pobreza absoluta e subjetiva.
A partir deste censo, por exemplo, é possível mensurar quantas pessoas vivem abaixo da linha da pobreza.
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Figura 1 - Ciclo com os principais valores trabalhados na EANI

Assim, quando estes valores funcionam em conjunto, corroboram para a


transformação social. Estes conceitos não podem ser vistos de modo isolado, mas
sim, em uma engrenagem conjunta. Quando somadas aos Movimentos Sociais,
representam mais força de luta e resistência, pois somente através da organização
coletiva podemos alcançar mudanças efetivas na sociedade.

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OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS: O CASO DO MOVIMENTO ODS


SANTA CATARINA - NÓS PODEMOS

Regina May de Farias*


Diego Fiel Santos**

Resumo
O presente estudo busca compreender a realidade constitutiva de uma ação coletiva
voltada para construção de um movimento pelos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) em Santa Catarina. A investigação é direcionada pelos matizes do
paradigma dos novos movimentos sociais e se propõe a analisar a composição e
identidade coletiva, descrever as ações e objetivos do movimento. É um estudo de
caso, desenvolvido a partir da realização de observação participante e entrevistas
semiestruturadas. O Movimento possui como identidade coletiva a ação voltada para
o desenvolvimento sustentável, a partir da transformação cultural da sociedade. O
alcance de atuação do movimento é considerado positivo, apesar de ainda ser um
desafio atingir a plenitude de mudança cultural e solidariedade da sociedade, através
do envolvimento de organizações e pessoas.

Palavras-chave: Novos Movimentos Sociais. Identidade Coletiva. Desenvolvimento


Sustentável. Ação Coletiva. Mudança Cultural.

* Atua no Movimento ODS Santa Catarina. Especialista MBA em Consultoria e Gestão Empresarial. Graduada em
Biblioteconomia, pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
** Mestre em Administração, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN -Brasil. Discente do

Doutorado em Administração, na Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Brasil. Professor Assistente no
Departamento de Ciências Administrativas, Campus de Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz
de Fora-UFJF.
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Introdução

Os movimentos sociais são expressos pela ação coletiva voltada pelo objetivo
de serem constituídas mudanças sociais. Essas transformações na sociedade se
referem a enfrentamentos travados entre indivíduos, por distintos temas que
possibilitem o melhor convívio social. O movimento social representa anseios
manifestados pela sociedade, que questiona os direitos e o espaço comunitário. Cada
movimento social se caracteriza pela bandeira que carrega e, configura sua identidade
enquanto coletivo. Compreender a prática, a forma e as motivações que definem os
movimentos sociais são importantes para entender as ações coletivas constituídas
para a promoção ou defesa de diferentes temas e objetivos que vislumbram a
instauração de uma sociedade harmônica.
Os novos movimentos sociais representam a manifestação de diferentes
direitos humanos, que vão além dos movimentos sociais voltados aos direitos civis e
políticos. Diante dessa complexa realidade estabelecida pelos novos movimentos
sociais, surgem distintas percepções sobre ações coletivas voltadas à transformação
e preservação dos direitos humanos. Nesse sentido, o presente estudo busca
compreender a realidade constitutiva de uma ação coletiva voltada para construção
de um movimento pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em Santa
Catarina. A partir de uma investigação direcionada pelos matizes do paradigma dos
novos movimentos sociais, esta investigação se propõe a analisar a composição e
identidade coletiva do movimento, descrever as ações e objetivos apresentados pelo
mesmo, verificar o alcance de sua atuação frente aos objetivos determinado pela ação
coletiva.
A escolha do objeto de investigação do estudo, foi motivada pelo fato do
Movimento ODS Santa Catarina - Nós Podemos, ser constituído a partir de uma ação
coletiva em rede para a promoção e preservação de direitos humanos. O estudo parte
do entendimento que esse movimento representa as características presentes pelo
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paradigma dos novos movimentos sociais ao tratar de temas que estão associados
aos direitos humanos, que configuram uma identidade coletiva voltada para a temática
do desenvolvimento sustentável. O fato do Movimento ODS Santa Catarina - Nós
Podemos ser alicerçado nas dimensões econômica, social, ambiental e institucional
demonstra que a ação coletiva desempenhada abrange diferentes temáticas que vão
além dos tradicionais temas abordados pelos denominados antigos movimentos
sociais.
A pesquisa se constitui a partir do levantamento bibliográfico referente ao corpo
teórico do paradigma dos novos movimentos sociais para direcionamento das etapas
de investigação. Com a determinação do escopo teórico foram utilizadas a técnicas
de levantamento de documentos sobre o movimento e os objetivos de
desenvolvimento sustentável. A partir das análises bibliográficas e documental foram
concebidas as ações para o desenho da entrevista semiestruturada realizada com
membros do Movimento ODS Santa Catarina - Nós Podemos. Através das entrevistas
foi possível abordar questões relacionadas à constituição do Movimento e aspectos
associados ao corpo teórico dos novos movimentos sociais. Vale salientar que a
pesquisa de abordagem qualitativa possui características de uma pesquisa
participante pelo fato de um de seus pesquisadores fazer parte do movimento que é
objeto da pesquisa. Também é importante considerar o cunho de pesquisa história
oral pelo fato das entrevistas realizadas proporcionarem um levantamento de dados e
informações a partir das narrativas obtidas pela memória dos entrevistados. Por fim,
a investigação se refere a um estudo de caso, visto que se buscou explorar em
profundidade características específicas de um caso, como forma de realizar uma
análise detalhada das informações e dados obtidos a partir das contribuições teóricas
utilizadas pelo estudo.
O delineamento do escopo de realização dessa pesquisa é composto por esta
introdução, que consiste em uma apresentação sobre os movimentos sociais e a
exposição dos objetivos e motivações para a realização da pesquisa, bem como as
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técnicas e métodos empregados pela investigação. A próxima seção corresponde a


fundamentação teórica referente a matizes teóricas do paradigma dos novos
movimentos sociais. A terceira seção apresenta uma descrição e histórico referente
os Objetos de Desenvolvimento Sustentável originados a partir do desdobramento dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e o movimento para serem estabelecidas
ações voltadas para a sustentabilidade. A quarta seção apresenta uma caracterização
e mostra a trajetória desde sua origem do Movimento ODS Santa Catarina - Nós
Podemos. A penúltima seção se refere à análise investigativa realizada a partir dos
métodos e técnicas estabelecidos pela pesquisa para o alcance de seus objetivos
estabelecidos. Finalmente, o estudo termina apresentando suas considerações sobre
a pesquisa realizada frente a problematização da investigação destacando um
posicionamento sobre o tema e mostra as contribuições alcançadas pela investigação
e expõe possibilidades de novas pesquisas sobre a temática.

1. Os novos movimentos sociais

A proposta dessa seção é expor o contexto e características associadas aos


novos movimentos sociais. Os novos movimentos sociais estão associados à
abordagem culturalista-acionalista e segundo Gohn (2006) podem ser agrupados em
três correntes: a histórico-política, a psicossocial e a acionalista. Cada uma dessas
linhas configuram uma lógica de raciocínio em relação a configuração e constituição
dos novos movimentos sociais, apresentando distinções e aproximações em seus
trabalhos teóricos. A terminologia “novos movimentos sociais” está recorrentemente
associada aos movimentos sociais que emergem na década de 1970 e representa
uma crítica à abordagem clássica marxista (GOHN, 2006).
Os novos movimentos sociais atuam no campo da cultura a partir das
expressões de suas práticas, considerando a importância da consciência em relação
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a solidariedade, lutas sociais e valores existentes na ação coletiva. A partir do que os


autores produzem pela ação coletiva no ambiente em que estão inseridos é possível
constatar a lógica e a criação da sua identidade coletiva. No corpo teórico dos novos
movimentos sociais a identidade coletiva possui centralidade em suas explicações, “a
identidade é parte constitutiva da formação dos movimentos, eles crescem em função
da defesa dessa identidade” (GOHN, 2006, p.124). Para compreender a dinâmica dos
novos movimentos sociais é preciso entender a identidade a partir do processo de
geração de seu conteúdo como fator que motiva os distintos atores sociais. A real
compreensão da identidade coletiva presente no paradigma desses movimentos
sociais serve como meio para entender o que existe de “novo” e se contrapõe ao
“antigo”. Os novos movimentos sociais se propõem à configuração das ações
coletivas a partir de uma nova forma de fazer política, numa busca pela neutralização
das mazelas que configuram a política “antiga” e principalmente pela politização de
novos temas.
A pluralidade de ideias e valores constituem as ações coletivas que
caracterizam os novos movimentos sociais, de forma que segundo Gohn (2006, p.126)
“os movimentos passaram a atuar mais como redes de troca de informações e
cooperação em eventos e campanhas”. E diante dessa pluralidade e da percepção
sobre a ação dos atores sociais se configuram os conflitos internos e externos no
processo de constituição da identidade coletiva. De acordo com Gohn (2006, p.129),
os novos movimentos sociais são “um diagnóstico das manifestações coletivas
contemporâneas que geraram movimentos sociais e a demarcação de suas
diferenças em relação ao passado”, a autora ainda relata que “estes movimentos, por
sua vez, geraram certas mudanças significativas, tanto na sociedade civil como na
política”.
Para Touraine (2001) um movimento social possui como elementos
constitutivos o tema conflituoso, o ator e o adversário. A partir desses elementos é
possível interpretar os movimentos sociais pela ótica de sua identidade, oposição e
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totalidade, sendo realizada uma análise enfatizando os sistemas macrossociais. A


vontade expressa pela ação coletiva constitui o movimento social que revela desejos
da sociedade frente ao conflito para conquista de seu campo cultural. Compreender
esses movimentos sociais consiste na tarefa de uma investigação que esteja voltada
pela descrição e análise dos modelos culturais, das relações e interações que
perfazem os atores sociais na ação coletiva perante a historicidade.
Em um enfoque psicossocial, Melucci (1996), apresenta no plano da ação
coletiva dos indivíduos, que a análise dos novos movimentos sociais se diferencia dos
movimentos sociais anteriores a partir do campo cultural como fator central dos
estudos. As práticas sociais que são desenvolvidas pelas interações entre indivíduos
ou grupos, sendo consideradas as ações de forma contínua no tempo espaço,
configuram o campo de relacionamentos sociais frente o sentido posto compreendido
pelos atores diante do tema reivindicado. Compreender essas ações frente às
interações estabelecidas por sistemas de ação coletiva são importantes para distinguir
os novos movimentos sociais de outras configurações da prática social.
A partir do espaço em que ocorrem as ações, a identidade coletiva é constituída
pela interatividade e compartilhado em um determinado grupo, em uma construção
configurada por um sistema de ação. Um fator importante a ser considerado na
identidade coletiva está relacionado ao fato de ser inteiramente negociável, pois a
ação e participação coletivas são constituídas de significados que não podem ser
simplesmente reduzidos a perspectiva do cálculo utilitarista. A identidade coletiva
também consiste em um processo de aprendizagem a partir das interações que
viabilizam as ações coletivas dos movimentos. Através da identidade coletiva novas
definições são constituídas a partir da trajetória de ação dos atores coletivos.
De acordo com Gohn (2006, p.165), os novos movimentos sociais se
constituem pelo fato que “as demandas e reivindicações não são apenas dos ativistas,
mas compartilhadas por uma ampla comunidade de pessoas, competentes e bem
informadas, e que não estão envolvidas em movimentos políticos”. Os novos
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movimentos sociais possuem um campo de ação em um espaço de política não-


institucional, sendo resultado de uma ação coletiva que reivindica uma categoria
intermediária. Diante de suas limitações buscam formas alternativas de reivindicação
para valores básicos que são defendidos e associados a questões que configuram
sua identidade. Os novos movimentos sociais buscam estabelecer alianças que
possibilitem o alcance de suas reivindicações e posições em uma constituição de
composição social que seja consensual em sua ação e identidade coletiva.

2. Objetivos de desenvolvimento sustentável

O objetivo desta seção é apresentar os Objetivos de Desenvolvimento


Sustentável (ODS), causa mestra do Movimento ODS Santa Catarina – Nós Podemos.
Neste estudo abordaremos apenas a evolução do conceito adotado nas conferências
e estudos realizados por agências e organismos das Nações Unidas, que
impulsionaram a construção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O termo desenvolvimento sustentável foi consagrado em 1987 com o relatório
publicado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, comandada pela médica e
ex-Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. O documento Nosso Futuro
Comum, ou Relatório Brundtland como ficou mais conhecido, traz o conceito de
desenvolvimento sustentável para o debate público.
Cinco anos após chefes de mais de 100 países membros da ONU se reuniram
no Rio de Janeiro para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento. A Eco 92, como ficou conhecida, promoveu um debate acerca do
desenvolvimento sustentável tendo como prioridade o bem-estar dos seres humanos

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e a proteção ao meio ambiente. Adotando pela primeira vez uma agenda de


compromissos com a futura geração, a Agenda 211.
No ano de 2000, durante a Assembleia Geral da ONU que ficou conhecida
como a Cúpula do Milênio, 189 nações e 23 organizações internacionais assumiram
um conjunto de 8 objetivos visando a erradicação da pobreza e centrado no desafio
de propor um mercado global mais inclusivo no século que se iniciava. Nasceram
assim os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), ou 8 Jeitos de Mudar o
Mundo como ficaram mais conhecidos no Brasil.
Em 2010, conforme o relatório do World Bank Group publicado em 2015, a
proporção da população que vivia na extrema pobreza caiu de 36% em 1990 para
16%, com isso a meta foi alcança 5 anos antes do prazo estabelecido, o que motivou
a ONU a perceber como viável a erradicação da extrema pobreza até 2030. Os ODM
mostraram que a adoção de metas foi uma ótima estratégia.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(Rio+20) foi realizada em 2012 no Rio de Janeiro, momento em que se comemorou
20 anos da Eco 92 e contou com a presença de vários órgãos das Nações Unidas, de
chefes de estado e representantes da sociedade civil de mais de 190 países. O
objetivo da Rio+20 “foi superar as dificuldades encontradas nos anos anteriores,
renovar os compromissos políticos firmados rumo ao Desenvolvimento Sustentável e
avaliar o progresso ambiental” (FERREIRA PIMENTA; NARDELLI, 2015). O
documento final da Conferência afirma que o estabelecimento de objetivos e metas,
como o modelo adotado com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, seria
fundamental para o alcance do desenvolvimento sustentável. Definiu-se, também, o
estabelecimento de um compromisso intergovernamental transparente e participativo
visando a elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

1“No Brasil, a Agenda 21 foi desdobrada por meio de um processo de planejamento participativo semelhante a um
plano nacional de desenvolvimento sustentável, e em diversas instâncias (governamental, empresarial e outros
setores da sociedade) tornou-se um importante documento com princípios, compromissos e objetivos”
(MALHEIROS; PHLIPPI JUNIOR; COUTINHO, 2008, apud FERREIRA PIMENTA; NARDELLI, 2015, p. 56).
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Após três anos de debates e participação da sociedade civil por meio da


plataforma online My World2, foram definidos os 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável. Um conjunto de objetivos e metas para serem alcançados até 2030,
visando erradicar a extrema pobreza em todas as suas formas. Os ODS nascem
valendo-se do legado deixado pelos ODM e firmam-se como uma agenda de
desenvolvimento ambiciosa, constituindo um conjunto conexo e indissociável de
prioridades globais para o desenvolvimento sustentável (ONU, 2015). Em contraponto
aos ODM, que foram direcionado aos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento, os ODS são para todos. Todos os países e todos os seres humanos.
Com isso, a exemplo da prática bem-sucedida adotada no Brasil, com a união
de diversos atores dos mais variados segmentos para a disseminação e mobilização
da sociedade para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, supõem-se ser
fundamental a adesão de todos os setores da sociedade para o sucesso dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável.

3. O movimento ODS em Santa Catarina

Esta seção apresenta um relato histórico do Movimento ODS Santa Catarina –


Nós Podemos, por meio da observação participante.
Durante a 1ª Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade, realizada em
2004 por iniciativa do Instituto Ethos para homenagear o sociólogo Hebert de Souza,
o Betinho, por todo o legado deixado por ele com a Ação da Cidadania pela Fome, foi
instituído o Movimento Nacional Cidadania e Solidariedade (MNCS) com o objetivo de
mobilizar o país em prol do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

2My World, ou Meu Mundo, é uma plataforma online (http://www.myworld2015.org/) liderada pela ONU com o
objetivo de ouvir a opinião dos indivíduos, suas prioridades e pontos de vista para auxiliar os líderes globais na
construção dos ODS
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(ODM). Na época, o Governo Federal, o Programa das Nações Unidas para o


Desenvolvimento (PNUD) e a sociedade civil se tornaram parceiros do Movimento, e
no ano seguinte lançaram a Campanha “Nós Podemos – 8 Jeitos de Mudar o Mundo!”.
Criada pelo publicitário brasileiro Percival Caropreso, a campanha apresentou os
ícones dos 8 ODM que foram rapidamente adotados pelas Nações Unidas, tornando-
se assim os símbolos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio mundialmente
conhecidos.
Em Santa Catarina, um grupo formado por organizações da sociedade civil,
empresas e universidades atuava desde 2006 com o objetivo de disseminar a cultura
da responsabilidade social corporativa. Esse grupo chamava-se Diálogos Pela
Responsabilidade Social e era formado por voluntários representantes de 10
organizações. Algumas delas já desenvolviam ações de disseminação dos ODM
isoladamente. Em 2008, durante um processo de planejamento, o grupo definiu que
abraçaria a Campanha “Nós Podemos – 8 Jeitos de Mudar o Mundo” e adotaria os
ODM como principal causa de mobilização. Em 2009, com a união de outras
organizações, nascia então o Movimento Nós Podemos Santa Catarina. A partir daí,
tornou-se um Núcleo do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade em
Santa Cataria. Com isso, passou a disseminar os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio e mobilizar a sociedade catarinense para o alcance das metas dos 8 Objetivos.
Desde então, o Movimento catarinense tem se destacado diante dos demais
estados, estabelecendo métodos de atuação que foram incorporados pelo Movimento
Nacional pela Cidadania e Solidariedade, como o Termo de Adesão – documento que
comprova a participação da organização no Movimento – e a estruturação em
Coordenação Estadual e Comitês locais.

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Figura 1 – Governança do Movimento ODS Santa Catarina


Fonte: Movimento ODS Santa Catarina – Nós Podemos

Em 2015, visando a incorporação dos Objetivos de Desenvolvimento


Sustentável a partir do ano seguinte e o fortalecimento do Movimento, a Coordenação
Estadual decidiu definir os papeis dos membros do Movimento. Com isso, foi aprovado
um estatuto que passa a reger a atuação do Movimento em todas as instâncias.
Conforme o Estatuto, a governança do Movimento ODS Santa Catarina - Nós
Podemos, representada pela figura 1, é constituída por uma Coordenação Estadual
composta por 10 membros, sendo 5 efetivos e 5 adjuntos, com mandato de dois anos.
Esses membros são eleitos em votação direta, por candidatura individual, durante a
Assembleia Geral; e um Conselho Fiscal composto por três conselheiros, também
eleitos em Assembleia.
A Assembleia é constituída por todos os signatários do Movimento e reúne-se
anualmente para aprovação da prestação de contas, eleição e demais deliberações
estatutárias. O Movimento tem abrangência em todo o Estado catarinense,
articulando-se por meio de Comitês Locais, que podem ser municipais ou regionais,
constituídos por uma coordenação local composta de, no mínimo, três coordenações.
Segundo o Estatuto, a constituição de um Comitê Local somente pode ser realizada

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com o número mínimo de cinco signatários. Caso não haja o número mínimo, o
signatário do Movimento deve vincular-se ao Comitê Local mais próximo de seu
endereço.

4. Análise do movimento ODS Santa Catarina – Nós Podemos

Esta seção corresponde aos resultados obtidos com os levantamentos


documentais, registros de informações obtidas pelas entrevistas semiestruturadas
com pessoas que atuam no Movimento ODS Santa Catarina - Nós Podemos e as
percepções da observação participante. Os dados levantados foram analisados a
partir da teoria dos novos movimentos sociais de forma a compreender a constituição
do movimento social a partir de sua configuração de ação coletiva e práticas
desenvolvidas. Dessa forma foi possível observar a trajetória histórica constitutiva e
compreender as configurações e concepções que estão associadas ao Movimento
ODS Santa Catarina - Nós Podemos enquanto movimento social. Sendo observados
os valores, formas e normas que constituem a ação coletiva e influenciam o
comportamento dos atores sociais envolvidos no movimento social.
A partir dos relatos é possível caracterizar o surgimento do movimento social
que teve como marco o interesse de pessoas em desenvolver um papel voltado para
a temática da responsabilidade social no Estado de Santa Catarina. As pessoas que
estavam fazendo parte da composição inicial do movimento atuavam em diferentes
áreas e organizações que possuíam um interesse em desenvolver um papel que fosse
importante para a sociedade catarinense. O grupo buscava a mobilização social e de
certa forma representava um movimento social em que os atores buscam ajudar ao
próximo diante dos desafios que o sistema proporciona. Esse fato pode ser observado
através de Melluci (1996) que apresenta a ação coletiva enquanto movimento pela
solidariedade que busca espaço diante das limitações que estão presentes no
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sistema. O relato dos entrevistados possibilita verificar a composição inicial do


movimento.
antes de 2009 a gente tinha em Santa Catarina [...], um movimento que
chamava-se Diálogos pela responsabilidade social [...] a gente ingressou no
Diálogos pela responsabilidade social, que era um grupo formado por
diferentes atores da área social, mas também por empresas e por governos.
O objetivo do Diálogos era debater o tema da responsabilidade social em
Santa Catarina, e levar informação sobre esse tema [...] para sociedade como
um todo (ENTREVISTADO A).

A gente sentou e reunimos um grupo de gente boa, falando sobre


responsabilidade social e fundamos então, criamos o Diálogos pela
Responsabilidade Social (ENTREVISTADO B).

Em uma das suas falas, o Entrevistado B, enfatiza que seus interesses de certo
modo já buscavam outros horizontes que provavelmente se distinguiam dos caminhos
apresentados pelo sistema dominante. Se pode interpretar que ao mencionar atuar
“um pouco fora da caixa” (Entrevistado B) seria um passo em direção oposta ao
sistema hegemônico em que a sociedade estava constituída. De acordo com Touraine
(2001), a composição do movimento social é caracterizada por atores que estão em
uma relação de conflito e dominação, onde existem interpretações que se opõem ao
tratarem de um mesmo campo cultural. O interesse apresentado pelos entrevistados
em relação ao tema, pode ser interpretado como uma manifestação de um grupo
disposto a discutir um assunto e fazer a sociedade despertar sobre a importância do
tema.
A gente já tem um grupo formado, a gente já tem um debate enriquecedor,
mas a gente tem que fazer uma entrega maior para a sociedade, na condição
que cada um tinha ali. A gente entendia que tinha um papel relevante, de
potencializar as discussões, sobre temas relevantes, no aspecto social para
a sociedade (ENTREVISTADO A).

a gente começou a reunir gente boa dentro do Estado que estava pensando
sustentabilidade, querendo pensar um pouco fora da caixa, falar sobre
responsabilidade social [...] (ENTREVISTADO B).

A formação inicial do Movimento se caracteriza por um interesse de distintas


pessoas por um mesmo tema. Para a atuação era necessário a definição de um
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modelo que possibilitasse o alcance do objetivo almejado pelo grupo, que permitisse
um engajamento efetivo das pessoas envolvidas na construção do Movimento.
Durante as discussões sobre a forma de atuação do movimento, o grupo que estava
à frente do processo teve acesso a informações sobre ações voltadas para a
sociedade que estavam sendo trabalhadas nos âmbitos nacional e internacional.
Diante dessa constatação, o grupo ampliou seus horizontes em relação ao tema a ser
trabalhado para a sociedade.
A proximidade de um integrante do movimento com o governo Federal
possibilitou o acesso aos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Esse contato
inicial desencadeou as alterações na atuação do Movimento frente à sociedade de
Santa Catarina. Nesse contexto de facilidade individual, é importante destacar que as
falas dos entrevistados retratam a preocupação que o Movimento não fosse
personificado. Entretanto, pode-se inferir que os contatos e habilidades individuais
eram importantes e necessários para o Movimento, mas assim mesmo existia a
atenção para que não houvesse uma confusão ou associação direta do Movimento
com determinada pessoa. O vínculo existente entre as pessoas e o Movimento
correspondia a uma representação de instituições e organizações através dessas
pessoas.
nós representávamos na época, sem personificação, pois se não tivesse eu
na época a Fulana estava lá também, ou a Fulana ou outra pessoa estaria ali
e teria essa cadeira dentro do Movimento (ENTREVISTADO A).

Era um grupo que de pessoas, não era de pessoas, mas de organizações


representadas por pessoas que na sua grande maioria nós tínhamos nas
grandes organizações, privadas, públicas [...] (ENTREVISTADO B).

Ter a ciência da separação entre os interesses individuais e públicos é algo que


pode ser apreendido das entrevistas realizadas. O Movimento representa uma
unidade que não deve ser confundida com os interesses de uma ou algumas pessoas.
Mesmo na existência de conflitos sociais é importante que os atores sociais sejam
capazes de construir identidade coletivas, que além de serem novas retratem o
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coletivo e não sejam espaços de manipulação de interesses individuais ou de


determinados grupos. Conforme apresentado por Touraine (2001), os movimentos
sociais representam relações que proporcionam interações manifestadas pela ação
coletiva e sistema social. Sendo assim, a visualizar por parte das entrevistadas a
preocupação de compreender que o movimento não é uma personificação, mas
pessoas que estão envolvidas em uma ação coletiva, buscando inserir na sociedade
um olhar diferenciado sobre uma temática que corresponde a uma nova identidade
coletiva.
O importante é que existe uma rede de relacionamento ativa de interações
entre os atores, como destacado por Melucci (1996), que consiste em um dos
mecanismos para constituição da identidade coletiva do movimento. A própria
constituição inicial do movimento Diálogos pela Responsabilidade Social representava
um ideal que estava sendo compartilhado pelas organizações signatárias, pois as
mesmas já possuíam em suas práticas organizacionais o tema da responsabilidade
social. Partindo dessa situação, conforme relado nas entrevistas, seria um movimento
natural a adesão aos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. As organizações já
possuíam uma compreensão sobre do que tratavam os temas abordados e possuíam
o interesse em poderem colaborar com a bandeira que estava sendo colocada pelo
movimento Diálogos pela Responsabilidade Social. Existia o entendimento que o
trabalho que já estava sendo gestado pelo Movimento correspondia aos princípios
apresentados pelos ODM.
É possível perceber pelos relatos que o envolvimento de pessoas e
organizações com o Movimento está associado ao conhecimento que muitos possuem
em relação ao tema. A experiência que as empresas pública, privadas e do terceiro
setor possuem é algo que ajuda na formação do Movimento, pois existe uma história
de atuação associado ao tema trabalhado pela ação coletiva. Segundo relato do
entrevistado B, temas como a responsabilidade social e desenvolvimento sustentável
não são apenas explorados pelo terceiro setor, mas possuem o interesse de outras
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entidades organizativas, que por meio de suas instituições possuem interesse em


participar e colaborar com o movimento.

Ensinar e ajudar as pessoas e organizações a entenderem como se faz


movimento sustentável. Eu já vinha fazendo isso pela minha empresa e então
assumi como voluntária a coordenação estadual de mobilização do
movimento Nós Podemos, pelo período de dois anos (ENTREVISTADO B).

A gente tem se envolvido bastante. Através da competência profissional da


empresa, a gente pode ser o responsável por realizar um planejamento do
movimento. O primeiro planejamento institucionalizado. Com a análise de
propósito, nós fizemos um alinhamento sobre a questão de voluntariado, de
mobilização de horas de voluntário. O que é ser voluntário dentro desse
movimento? (ENTREVISTADO B).

Os desafios para o Movimento se constituíam desde a compreensão da


atuação dos seus signatários até a obtenção de recursos. Mesmo diante das distintas
orientações da ação coletiva, que de acordo com Melucci (1996), podem envolver
solidariedade ou agregação, é necessário configurar a rede de relações sociais. Os
parceiros do Movimento possuíam interesses que precisavam ser convergentes na
atuação do Movimento, desde a obtenção de recursos, como o entendimento de sua
ação enquanto voluntário. Os incentivos que são originários das empresas são fruto
do entendimento da importância que os colaboradores possuem em relação ao
movimento e que visem, conforme apresentado por Melucci (1996), alterar as regras
que regulam o sistema social, em sua reprodução e reivindicar novas possibilidades
para a sociedade.
A sensibilização pela causa foi um fator de motivação para que organizações
fizessem adesão ao Movimento. A importância da inserção de membros que
pudessem ajudar financeiramente o Movimento era necessário para que fossem
realizadas as atividades voltadas para a disseminação da temática entre a sociedade.
Sendo resguardada a importância de que exista uma lógica de gestão e estrutura,
mas como enfatizado pelos relatos das entrevistas, o Movimento não se constituía
como personalidade jurídica.

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Quando observado o contexto constitutivo de um movimento social, de acordo


Touraine (2001), o movimento ao adotar a bandeira dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio e posteriormente os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável será possuidor de um tema conflituoso, pois a ação coletiva dos membros
que compõem o movimento pode ir de encontro aos interesses de outros atores
sociais. As entrevistas apresentaram de forma subliminar a existência de conflitos e a
evidência de adversários que se opõem por distintos fatores da bandeira que é
levantada pelo Movimento ODS Santa Catarina – Nós Podemos. Em uma das falas
da entrevistada A, ela relata que “não deu (risos), a gente buscou inúmeras vezes a
parceria tanto dos governos municipais [...] mas a gente nos ODM, nunca teve um
apoio efetivo, nem dos governos municipais, nem do governo estadual”. Por
observação participante, na atualidade, se constata uma aproximação do governo
estadual e um distanciamento do governo federal, que demonstra ações que podem
ser compreendidas como um “boicote velado” a atuação do movimento.
A vontade expressa pelo Movimento pode ser deturpada por ações dos próprios
membros, que diante de situações de embates políticos ou falta de compromisso
podem agir de forma desfavorável a bandeira da ação coletiva. Esses membros
acabam sendo “adversários internos”, pois não demonstram um efetivo interesse pela
bandeira ou se sentem prejudicados pelas decisões que são levadas pelo grupo.
Pelos relatos das entrevistas é possível evidenciar a existência do esforço individual
dos membros do Movimento para promover o engajamento social.

A gente fez um trabalho de formiguinhas e teve várias iniciativas para levar


informação. Tanto do ponto de vista da comunicação, quanto do ponto de
vista de engajamento social [...] a minha avaliação é de que a gente não
conseguiu alcançar a expectativa que a gente tinha de adesão da sociedade
como um todo ao tema. Eu não sei se é uma característica do Brasil. Eu não
sei exatamente o que é, mas as pessoas, elas se envolvem, mas não se
envolvem tanto sabe. Eu me envolvo até aqui. Ah legal! Isso é bacana, mas
é até aqui que eu vou, daqui para adiante eu já tenho muita coisa para fazer
(ENTREVISTADO A).

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Apesar do Movimento possuir um tema importante a ser discutido, existe o


desinteresse e adversários na sociedade que desestruturam a ação coletiva. Mesmo
com essas evidências, os entrevistados relatam otimismo como observado na fala do
entrevistado A: “Eu acredito no formato de trabalho. Eu acredito na bandeira. Eu
acredito que se a gente tem uma ampla discussão sobre temas e consegue chegar
no consenso que os dezessete temas são os mais relevantes para o mundo”. O
entrevistado B destaca: “participar desse movimento traz aderência, de dizer ‘opa eu
me identifico com essas pessoas que estão querendo fazer desse jeito’”. A ação
coletiva por mudança e a crença positiva no Movimento, também está presente no
relato do entrevistado B que: “o que motiva não mudou, desde os Diálogos pela
Responsabilidade Social até hoje é estar entre estas pessoas que estão pensando de
modo inovador, que querem fazer um mundo melhor”. Que é corroborado pelo
entrevistado A ao explicar suas motivações para abraçar a causa, ao relatar que: “um
movimento que envolve diferentes temas que são relevantes para a sociedade e que
podem fazer com que a gente tenha uma sociedade mais justa, mais igualitária e enfim
uma sociedade melhor”. Essas falas ajudam a compreender os fatores que contribuem
e influenciam para a ação coletiva a partir dos interesses expostos pela vinculação ao
Movimento ODS Santa Catarina - Nós Podemos.

5. Considerações finais

A realização da pesquisa proporcionou um olhar sobre a questão da ação


coletiva desenvolvida para temas de interesses da sociedade a partir da abordagem
teórica dos novos movimentos sociais. A partir do estudo de caso realizado sobre o
Movimento ODS Santa Catarina - Nós Podemos foi possível observar a caracterização
da bandeira que configura sua identidade coletiva. A partir da investigação delineada
pela observação participante, entrevistas e análise documental foi possível
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compreender a prática, a forma e as motivações que definem o Movimento. Através


das memórias apresentadas pelo relato dos entrevistados foi possível entender que a
ação desempenhada pelos atores sociais está associada as habilidades e
capacidades pessoais e profissionais relacionadas aos temas da responsabilidade
social e desenvolvimento sustentável. A prática relacionada à ação coletiva representa
um conjunto de motivações que moldam o movimento para o alcance do seu objetivo.
O Movimento ODS Santa Catarina - Nós Podemos apresenta uma bandeira de
luta que está associado ao interesse da sociedade pela conquista de direitos
humanos, que estão presentes em lutas sociais que buscam uma transformação
cultural. O tema de interesse do movimento é fruto do interesse de distintas ações
coletivas que possuem novas identidades coletivas. Na atualidade, os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável é a materialização da complexa realidade associada às
diferentes percepções e posições sobre a forma como a sociedade deve transformar
e preservar os direitos humanos.
A realidade constitutiva do movimento se depara com essa complexidade
desde sua concepção, enquanto ação coletiva que possa ser delimitada enquanto
movimento social, e diante dos desafios que se deparam continuamente. A adesão do
movimento aos ODS representa um movimento de apoio a movimentos sociais que
possuem bandeiras de luta que estão presentes nos dezessete objetivos
apresentados mundialmente. A identidade coletiva do movimento está representada
através da temática do desenvolvimento sustentável, que é a sua bandeira de luta e
fator que convergem o interesse dos atores sociais que são signatários ao movimento.
As ações do grupo são norteadas por esta identidade coletiva, onde as estratégias
estabelecidas estão voltadas para a disseminação, compreensão e envolvimento da
sociedade com a importância do desenvolvimento sustentável para a humanidade.
Conforme o relato dos entrevistados é perceptível o movimento gerar
transformação cultural. Uma transformação que está associado ao esforço individual
dos membros do Movimento para promover o engajamento social. De forma que seja
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estabelecida uma ação coletiva que consiga disseminar o sentido da bandeira de luta
do movimento. Para tanto, é importante que haja uma comunicação eficiente para
publicização do tema, através das campanhas realizadas pelo movimento para
transmitir a mensagem do significado dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A experiência na área de sustentabilidade e responsabilidade social que os
integrantes do movimento possuem, faz sentido a partir do momento que começar a
pensar fora da caixa. Pois dessa forma é possível a geração de uma transformação
cultural que rompa com os sistemas sociais hegemônicos. O movimento é forte
quando existe compromisso com as pessoas ao lutar por temas que não possuíam
espaço para o debate e reflexão. De forma que sejam realizadas ações inovadores
que possibilitem a constituição de uma visão de transformação do mundo. Possa ser
que o movimento, mesmo não sendo uma personalidade jurídica, necessite de
eficiência, eficácia e efetividade na gestão do grupo que possibilite o alcance de seus
ideais. E assim possa fortalecer a construção da percepção da importância dos ODS,
através da maior identificação dos apoiadores com a temática.
A trajetória de constituição do Movimento, iniciada a partir do Grupo Diálogos
pela Responsabilidade Social, foi o primeiro passo para a compreensão da
importância de ser trabalhado uma bandeira que represente uma agenda global. Uma
bandeira baseada em problemas do mundo todo e concebida a partir da
sustentabilidade e suas dimensões econômico, ambiental e social. Sendo um
movimento voltado para a humanidade, com o compromisso de levar para a sociedade
o significado do desenvolvimento sustentável.

Referências

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biodiversidade, economia e bem-estar humano. Brasília: IPEA, 2010.

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PASSOS, Priscilla N. C. de. A conferência de Estocolmo como ponto de partida para


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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “GÊNERO, GERAÇÕES E CORPO NA


CONTEMPORANEIDADE”

AS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE PRESENTES EM


REVISTA PARA ADOLESCENTES: UMA DISCREPÂNCIA COM OS
MOVIMENTOS LGBT E FEMINISTA

Gabriel da Rocha Souza*

Resumo
Há diversas revistas, em versão impressa ou online, voltadas ao público feminino
adolescente. Dentre estas publicações, destaca-se a revista Capricho, que apesar de
ser cinquentenária e ter vivenciado diversos contextos sociais, políticos e econômicos
da história brasileira, apresenta pouca evolução durante todos esses anos em relação
às formas com as quais trata as questões de gênero e sexualidade. Embora as
percepções contemporâneas de gênero, rompam com conceitos de identidade fixa e
apresentem visões identitárias mais fluidas, a revista demonstrou, ao longo de suas
publicações, forte discrepância com os movimentos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais) e feminista acerca das concepções do feminino e do
masculino. Foram analisadas publicações dos anos 1996, 1999 e 2007, para verificar
a forma que a respectiva revista aborda as representações de gênero e sexualidade.
Com este artigo, objetiva-se analisar como a revista Capricho realiza a manutenção
do modelo tradicional e dicotômico de gênero e, também, como reforça a
heteronormatividade por meio de discursos que compõem as suas matérias, capas e
campanhas publicitárias.

Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. LGBT. Feminismo. Revista Capricho.

*Graduado em Psicologia, participou de PIC sobre representações de gênero e sexualidade presentes em mídias
para adolescentes (Universidade Paranaense/UNIPAR/Campus Cascavel/PR). Atualmente é militante LGBT e
aluno especial do programa de mestrado em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São
Carlos/SP. E-mail: gabriel.rds@gmail.com
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Introdução

Há mais de 40 anos, a indústria cultural começou a oferecer uma atenção


especial e crescente à adolescência e à juventude, desse modo, em decorrência do
processo de modernização social desencadeada nos anos 1950, criou-se a chamada
cultura juvenil (COUTO; MENANDRO, 2003). Conforme sugerem os autores citados
anteriormente, por este motivo e por outros desenvolvimentos históricos e sociais, a
indústria do entretenimento (ou indústria cultural) direcionou cada vez mais os seus
esforços aos jovens, uma vez que estes obtiveram significativa ascensão social por
meio do acesso ao trabalho e à escolarização. Sendo assim, surgiram diversos
formatos midiáticos e culturais direcionados ao público juvenil, sobretudo às
adolescentes femininas. Dentre os formatos midiáticos citados, destaca-se as mídias
de comunicação, como as revistas e a televisão, que estão entre as principais fontes
de informação para os jovens, destacando-se o seu caráter impessoal como
favorecedor desta preferência (MINAYO et al., 1999; MIRANDA-RIBEIRO; MOORE,
1997). Atualmente, inclui-se a internet como fonte priorizada pelos adolescentes, uma
vez que, por meio do seu advento, este meio de comunicação digital foi extremamente
disseminado e popularizado, sobretudo entre os jovens, e, assim sendo, tornou-se
uma importante fonte de informação e um significativo referencial identitário ao público
em tela.
Especificamente no caso das adolescentes, a revista tinha grande relevância,
pois além de trazer informações para consumo individual sobre relacionamentos e
sexualidade, apresentava prescrições de comportamentos conectadas com a
realidade da época, já que devia responder às dúvidas e demandas reais de
adolescentes daquela geração, desse modo, “tais revistas contribuem não só para
legitimar, mas também para transformar e recriar padrões de comportamentos,
interesses e valores relativos à adolescência e, especialmente, à adolescência
feminina”. (COUTO; MENANDRO, 2003, p. 75-76). Destaca-se que a citação anterior
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descreve situações encontradas em análises de publicações de revistas direcionadas


ao público adolescente que foram veiculadas durante a década de 1990 e no começo
dos anos 2000. Optou-se por inclui-la neste manuscrito, levando em consideração que
durante as décadas mencionadas anteriormente, as publicações impressas destas
revistas alcançaram grande sucesso e influenciaram de modo significativo as
vivências identitárias das adolescentes.
No hall das mais significativas e simbólicas revistas deste âmbito, destaca-se a
Capricho, haja vista que suas publicações tiveram grande aceitação por parte do
público-alvo e, consequentemente, foram altos os números de tiragens do respectivo
magazine. Assim, a revista Capricho configura-se como uma importante representante
das mídias direcionadas ao público jovem feminino, mesmo tendo encerrado suas
atividades enquanto publicação impressa em 2015 e, atualmente, encontrar-se em
versão online. Esta revista assume um papel de mantenedora do padrão sociocultural
de “ser mulher”, adotando, de modo sistematizado, linhas editoriais equivalentes a
manuais sobre como as meninas devem comportar-se. De acordo com o portal
Dicionário do Aurélio (2016), o termo manual pode representar um guia prático
utilizado para explicar o funcionamento de algo. Tal característica é visualizada nas
publicações da revista em tela por meio das manchetes produzidas nas capas que,
muitas vezes, são elaboradas com o intuito de chamar a atenção do público-alvo e
servem como uma síntese do conteúdo da revista. Nos pequenos, mas “chamativos”,
ícones, são tratados assuntos do universo da beleza (e.g., penteados e maquiagens)
e, também, temas sobre os comportamentos que devem ser instituídos para que os
garotos se interessem pelas jovens, isto é, geralmente são assuntos relacionados à
objetificação do corpo feminino, aos padrões estéticos dominantes
(comercial/social/cultural/midiático) e à submissão da mulher perante o homem
(CAPRICHO, 1996, 1999, 2007). Estas características denotam que o ato de maquiar-
se, vestir-se, comportar-se e, até mesmo, pensar estão relacionados à “conquista” do
homem.
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Em suas publicações, a revista Capricho explicita claramente a matriz


heterossexual na qual se baseia, uma vez que as leitoras “devem” conquistar somente
os meninos e não há a possibilidade de alguma delas interessar-se ou apaixonar-se
por uma de suas pares, afinal, a homossexualidade e/ou bissexualidade femininas
não são abordadas pela revista e, ainda, configuram-se como tabus sociais.
Claramente a revista direciona suas publicações às meninas cisgêneros1, haja vista
que a transgeneridade sequer é citada em suas edições. Dessa forma, a revista ignora
os padrões sexuais e identitários “desviantes” da heteronormatividade, e.g.,
homossexuais femininas, bissexuais femininas, assexuais, travestis, transexuais,
transgêneros não-binários, pessoas com gênero neutro ou fluido, pessoas agênero e
pessoas com gênero queer. Estas categorizações sexuais consistem,
respectivamente, em: mulheres que se sentem atraídas afetivo e/ou sexualmente por
outras mulheres; pessoas que se sentem atraídas afetivo e sexualmente por mulheres
e homens; indivíduos que não apresentam a necessidade de manter relações sexuais
com outros indivíduos, no entanto, isso não significa que não tenham ou que não
exerçam suas sexualidades de algum modo.
No caso das classificações de gênero, as pessoas transgêneros (ou pessoas
trans) são aquelas que experimentam uma discrepância entre o gênero que lhes foi
atribuído no nascimento e sua identidade de gênero, sendo que homens trans são
pessoas que foram designadas como mulheres ao nascerem, com base em suas
características sexuais, entretanto, identificam-se como homens; mulheres trans são
pessoas que foram designadas como homens ao nascerem, também com base em
suas características sexuais, no entanto, identificam-se enquanto mulheres; destaca-
se que as pessoas trans podem identificar-se ou não com o espectro binário de gênero
(JONES et al., 2018).

1 Para Jesus (2012), o termo “cisgênero” refere-se aos indivíduos que se identificam com o sexo/gênero que lhes
foi determinado ao nascerem, isto é, sujeitos não-transgêneros.
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Em outras palavras, existem transexuais que não se consideram nem


mulheres, nem homens. Estas são as pessoas que se autodeclaram não-binárias, ou,
então, que apresentam gênero neutro. Há também pessoas trans que são agêneros,
ou seja, não consideram-se detentoras de algum gênero. Alguns transgêneros se
autodenominam “gender queer” (gênero queer), haja vista que apresentam
identidades que vão além da dicotomia de gênero masculino-feminino (ARCELUS;
BOUMAN, 2017; RICHARDS; BOUMAN; BARKER, 2017; RICHARDS et al., 2016).
Isto é, as pessoas trans que se consideram não-binárias, ou que apresentam gênero
fluido (ou queer), de certo modo, rompem com a binaridade de gênero, haja vista que
suas performances e vivências identitárias estão além das dicotomias mulher-homem
e feminino-masculino.
Em relação às publicações da Capricho, as jovens que estampam as capas da
revista são consideradas modelos a serem seguidos pelas demais, dado que, via de
regra, são brancas, magras e correspondem ao padrão feminino tradicional, estando
implícito o modelo conservador de gênero que a sociedade e o magazine impõe às
mulheres. Em outras palavras, a revista atua como uma linha de produção de
“feminilidades” 2 , pela qual a revista introduz as leitoras às normas sociais pré-
estabelecidas. Desse modo, as adolescentes devem encaixar-se no “mundo feminino”
para serem aceitas e obterem “sucesso” social, haja vista que precisam,
necessariamente, ser delicadas, consumistas, agradáveis aos olhos dos homens,
bonitas (de acordo com a norma estética vigente), magras, preferencialmente
brancas, heterossexuais, cisgêneros e felizes. Esta forma de apresentar supostas
“feminilidades” está em desacordo com os movimentos feministas, levando em
consideração que, de certo modo, a emancipação feminina na sociedade já foi

2O autor desde artigo optou por utilizar o termo “feminilidades” entre aspas, pois considera que as características
que tradicionalmente são tidas como femininas não necessariamente, de fato, são. Haja vista que os femininos
são amplos e não há como categorizar de modo rígido, binário e fixo.
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conquistada e algumas questões referentes à submissão da mulher perante o homem


foram superadas (PINTO, 2010).
Este modo de “ser mulher” também é discrepante com relação ao movimento
LGBT, uma vez que por meio de lutas, diversos avanços sociais foram conquistados
por este movimento, como o aumento da visibilidade das identidades sexuais e de
gênero dissidentes da norma social, bem como a conquista do casamento civil
igualitário no Brasil e, em outros países, e a conquista do direito à adoção de crianças
e adolescentes por parte de casais homossexuais ou pessoas homossexuais. Embora
as identidades transexuais ainda sejam consideradas patologias (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2010),
as travestis, sobretudo as pessoas transexuais, ganharam visibilidade e atingiram
importantes níveis de discussão social. Entretanto, o Brasil segue liderando o ranking
mundial de assassinatos de transgêneros (TRANSGENDER EUROPE, 2015).
Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA, 2018) e o Grupo
Gay da Bahia (GGB, 2018), apenas em 2017 foram registradas 179 mortes de
pessoas trans no país. As entidades salientam que os dados são subnotificados, pois
são levados em consideração apenas os relatos da população e as notícias veiculadas
na mídia, isto é, em decorrência da ausência de políticas públicas do Estado brasileiro
para a população LGBT, não há estatísticas oficiais nem tipificação penal para crimes
de ódio motivados por homofobia, transfobia e outros preconceitos. Os assassinatos
de LGBTs, sobretudo de travestis e transexuais, contém requintes de crueldade e,
frequentemente, são precedidos por métodos de tortura (ANTRA, 2018; GGB, 2018;
REDE NACIONAL DE PESSOAS TRANS, 2018). Em síntese, a população LGBT,
especialmente a população trans, está sendo dizimada da sociedade brasileira, no
entanto, pouco ou quase nada, está sendo feito em relação a esta cruel realidade.
A revista Capricho, espaço midiático que deveria se ater às questões sociais,
ou, ao menos, deveria informar a população acerca da diversidade humana, isenta-se
deste papel e assume outra postura já mencionada anteriormente. Salienta-se que a
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Ciência (campo que deveria propor soluções para as mazelas sociais) está fazendo
pouco, ou nada, em relação à violência e aos assassinatos cometidos contra LGBTs.
Nota-se que este assunto não é do interesse de diversas áreas científicas, uma vez
que preferem diagnosticar e patologizar as identidades sexuais e de gênero que
“fogem” à regra social.

1. Breve histórico da sexualidade humana

Modesto (2013) relata que, historicamente, a sociedade fundou-se nos


binarismos mulher-homem e feminino-masculino, que são resultados da compreensão
naturalizada e essencialista de gênero: os indivíduos são biologicamente mulheres
(fêmeas) ou homens (machos) e, por meio da categorização ideológica dos
fenômenos, esses binarismos clássicos foram concebidos como normais, logo, os
padrões desviantes destes modelos foram e são considerados anormais, imorais,
pecaminosos e patológicos. A autora pontua que a ordem social é regida pelo
dualismo masculino/feminino e pelo binômio heterossexual/homossexual, sendo que
a masculinidade e a heterossexualidade foram priorizadas por meio de dispositivos
discursivos que as naturalizam e lhes dão maior poder (MODESTO, 2013).
Miskolci (2009) informa que nesse trabalho ideológico, a heterossexualidade
tornou-se obrigatória, compulsória, na sociedade brasileira e na maioria das culturas.
Com base nas exposições anteriores e na literatura abordada, é possível dizer que
também há a vigência do binômio cisgênero/transgênero na sociedade brasileira, uma
vez que a conceituação e a discussão de gênero trouxeram à luz tais categorizações
e, posteriormente, nota-se que a cisgeneridade foi naturalizada e priorizada, em
detrimento da transgeneridade, por meio de práticas culturais, biológicas e
discursivas. Assim, concebe-se que a cisgeneridade tornou-se obrigatória na

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sociedade brasileira, tendo em vista que a transgeneridade ainda é rechaçada nesta


sociedade e em diversas outras.
Toneli (2012) sinaliza que os desenvolvimentos teóricos permitem pensar que
o binarismo sexual é uma produção cultural e, assim, o corpo deixa de ser uma
constante e passa a ser visto como uma variável. Nesse sentido, Lacquer (2001)
estudou a história da noção de corpo e verificou que, a partir do século XVII, na
percepção ocidental as características físicas passaram a ser tidas como a origem das
distinções feminino/masculino, gerando, assim, a noção contemporânea do corpo
binário. Isto é, antes deste período não haviam distinções claras e físicas sobre o
masculino e o feminino e, desse modo, as pessoas não eram separadas de modo
rígido e binário. Esta informação revela que a percepção do que vem a ser masculino-
feminino e homem-mulher é uma construção histórica e cultural, não um processo
natural.
A partir do momento histórico citado anteriormente, as diferenças físicas
passaram a ser compreendidas em termos de descontinuidade e oposição, não mais
como continuidade e hierarquia – eram concebidas assim no modelo de sexo único
no qual compreendia-se as diferenças como sendo de grau (COSTA, 1996;
NICHOLSON, 2000; LACQUER, 2001). Este processo também criou nomes
diferenciados para os órgãos sexuais, isto é, “linguisticamente os instituiu como
distintos, permitiu a ideia da ‘identidade sexual’ enraizada em um corpo diferenciado”
(TONELI, 2012, p. 149).
Em relação às construções de gênero, Nicholson (2000) e Butler (2003)
afirmam que o gênero não é um conceito apenas da ordem cultural (significação)
sobre um sexo previamente posto, sendo que, anteriormente, o corpo e o sexo são
interpretados e instituídos pelo gênero. Nicholson (2000) sinaliza que em algumas
culturas africanas, indivíduos com genitália feminina podem ser vistos como maridos
e, em determinados grupos indígenas americanos, uma pessoa com a genitália
feminina pode ser vista como meio-mulher ou meio-homem. Isto é, não se pode
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presumir a diferença entre os sexos em termos de substância, mas sim enquanto uma
ação performativa, sem status ontológico, gerada pelas práticas discursivas que são
responsáveis pelas categorizações como mulheres e homens (BUTLER, 2003;
LACLAU; MOUFFE, 1985). O gênero é performatizado por meio de atos que,
reiterados, expressam a impressão da existência de um tipo de essência fixa e natural
que manifesta-se nos corpos dos sujeitos. Esses atos compõem o conjunto de
comportamentos padronizados para o gênero, apresentando variações de acordo com
a época e o local (ANTUNES, 2010).
Segundo Goellner e Figueira (2002),

pensar a identidade de gênero como algo que se constrói ao longo de nossa


existência e que, portanto, não é dada a partir de nossa materialidade
biológica, pressupõe entender que essa é uma identidade produzida na e pela
cultura” (p. 1).

Desse modo, “é pensar, sobretudo, que a expressão gênero, ainda que possa
ser observada a partir de diferentes olhares (marxista, estruturalista, psicanalítico,
feminista radical, pós-estruturalista, entre outros)” diz respeito, fundamentalmente, “à
construção social do sexo, evidenciando, portanto, que masculinidade e feminilidade
são construções sociais e históricas” (GOELLNER; FIGUEIRA, 2002, p. 1). Enquanto
uma categoria analítica, gênero possibilita a reflexão acerca do caráter relacional dos
sexos, evidenciando, sobretudo, “que não é apenas o sexo biológico que estabelece
diferenças entre homens e mulheres mas, também, aspectos sociais, históricos e
culturais” (id, ibid). Pensar desse modo desestabiliza, portanto, “a noção da existência
de um determinismo biológico cuja noção primeira afirma que homens e mulheres
constroem-se masculinos e femininos pelas diferenças corporais” e, logo, que essas
diferenças “justificam determinadas desigualdades, atribuem funções sociais,
determinam papéis a serem desempenhados por um ou outro sexo” (id, ibid).
Isto é, não há de fato, um determinismo biológico que rege como mulheres e
homens devem ser e/ou como devem comportar-se e pensar. Desse modo, pode-se
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inferir que a revista Capricho instituiu os moldes “femininos” expostos neste artigo
unicamente com base em uma estrutura sociocultural, não em algo natural. No
entanto, esta revista (e muitas outras) categorizam como suas leitoras devem
apresentar-se ao mundo, sempre de modo a conquistar algum homem para que,
assim, seja submissa a ele e cumpra a sua “função social”, o seu papel secundário de
auxiliar do marido, de dona de casa e de mãe dos filhos biológicos. Ressalta-se que
ser esposa de um homem e/ou mãe de filhos biológicos, e/ou, então, cuidar do lar não
são deméritos, nem características depreciáveis. O que buscou-se elucidar é o
processo de naturalização3 do papel de gênero que é tradicionalmente imposto às
mulheres.
Acerca da origem dos preconceitos sexuais e de gênero, Antunes (2010)
informa que estes advêm do processo de “organização social que estipula o que é
considerado normal e o que é considerado anormal”, desse modo, “aqueles que não
se enquadram no funcionamento desejado sofrem preconceito” (p. 10). O autor
salienta, também, que o conhecimento científico sobre o que se chama sexualidade
foi construído sobre os corpos e ditou como esses deveriam ser. O respectivo
pesquisador realiza uma contextualização histórica acerca das normatizações da
sexualidade, afirmando que:

A sociedade disciplinar surgiu na Europa por volta do século XVIII e


apresentava a finalidade de tornar os corpos dóceis e produtivos,
corroborando com a Revolução Industrial. O princípio era vigiar, identificar,
classificar, punir e corrigir para extrair lucros. Os saberes sobre sexualidade
foram construídos pela religião, ciências biomédicas, políticas públicas, leis
com o objetivo de disciplinar a espécie humana (ANTUNES, 2010, p. 11).

3Com base em Thompson (1995), Accorssi, Scarparo e Guareschi (2012) sinalizam que a naturalização, enquanto
um modus operandis da Ideologia, “se produz quando um estado de coisas, que é uma criação social e histórica
de grupos humanos em certo momento histórico-social, é tratado e abordado como um acontecimento natural ou
como um resultado inevitável de características naturais” (p. 536).
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A ciência, nesta época, tinha como principal fonte de financiamento os


burgueses capitalistas, logo, sua construção levou em consideração a moral que regia
esse grupo (id, ibid). Antunes informa que:

A família passa a ser considerada célula fundamental para o funcionamento


do sistema socioeconômico que surgia na Europa no século XVIII e se
espalhava pelo mundo. A vida será gerida pelas biopolíticas que estipularão
regras sobre como se deve viver para atingir a tão sonhada qualidade de vida.
Dentre os aspectos abordados por essa política está a definição do que seria
uma sexualidade normal e saudável. As práticas sexuais que não atendiam
aos padrões eram submetidas à punição e tratamento para que fossem
corrigidas e normalizadas (ANTUNES, 2010, p. 11).

Após a sociedade disciplinar, emerge a sociedade de controle, sendo que o


importante para esta sociedade é que haja produção, consumo e reprodução, a ordem
é a de que os corpos sejam ágeis, sarados, adaptáveis e sempre jovens (ANTUNES,
2010). Em relação à visão que a sociedade contemporânea apresenta sobre as
travestis, para o pesquisador supracitado, elas ainda são consideradas fora do padrão
de normalidade, “pois infringem as normas de gênero que fundamentam a sociedade”
(p. 11). Segundo Carvalho (2018), de acordo com a moralidade social, as travestis
são seres perversos, “safados”. Nesse sentido, Juliani (2017) sinaliza que se não
ocorrerem profundas reflexões e mudanças sociais,

As pessoas LGBT, principalmente as travestis, com seus “corpos indecisos”,


perturbadores das fundações da heteronormatividade, permanecerão, ad
infinitum, como abjetos, monstros, excessos escatológicos sociais a serem
descartados, expulsos, marginalizados, violentamente assassinados e
eliminados para que os demais, os “normais”, possam se construir como
grupo coeso, como sociedade (p. 165).

Michel Foucault (1999), na obra A História da Sexualidade I: a vontade de


saber, realiza uma importante análise sobre as sexualidades ao afirmar que:
Toda esta atenção loquaz com que nos alvoroçamos em torno da
sexualidade, há dois ou três séculos, não estaria ordenada em função de uma
preocupação elementar: assegurar o povoamento, reproduzir a força de
trabalho, reproduzir a forma das relações sociais; em suma, proporcionar uma
sexualidade economicamente útil e politicamente conservadora? (p. 36-37).
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2. Síntese sobre as principais ondas feministas

O movimento feminista apresenta uma característica peculiar: é um movimento


que produz sua própria teoria e suas próprias reflexões críticas (PINTO, 2010).
Segundo a autora referenciada anteriormente, o feminismo da segunda metade do
século XX foi impulsionado por um tipo social característico: mulheres de classe média
e com instrução educacional, sobretudo nas áreas das Humanidades, da Psicanálise
e da Crítica Literária. Conforme sugere Pinto (2010), é possível conhecer o movimento
feminista a partir de duas vertentes: da história do feminismo e da produção teórica
feminista nas áreas das Humanidades. Desse modo, nota-se que tanto a teoria quanto
o movimento transcenderam seus limites, provocaram embate e reordenamento de
“diversas naturezas na história dos movimentos sociais e nas próprias teorias das
Ciências Humanas em geral” (PINTO, 2010, p. 15).
A primeira onda feminista ocorreu a partir das últimas décadas do século XIX,
por meio da organização de mulheres que lutaram por seus direitos, sendo que o
primeiro direito que conseguiram conquistar e que tornou-se popular foi o direito ao
voto, conquistado em 1918 no Reino Unido (PINTO, 2010). As sufragetes, termo que
designa como essas mulheres ficaram conhecidas, “promoveram grandes
manifestações em Londres, foram presas várias vezes, fizeram greves de fome”
(PINTO, 2010, p. 15). Um fato marcante na história dos feminismos é a morte de Emily
Davison, mulher feminista que atirou-se à frente de um cavalo durante uma corrida de
cavalos em Derby, em 1913 (id, ibid).

No Brasil, a primeira onda do feminismo também se manifestou mais


publicamente por meio da luta pelo voto. A sufragetes brasileiras foram
lideradas por Bertha Lutz, bióloga, cientista de importância, que estudou no
exterior e voltou para o Brasil na década de 1910, iniciando a luta pelo voto.
Foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino,
organização que fez campanha pública pelo voto, tendo inclusive levado, em
1927, um abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação do Projeto de
Lei, de autoria do Senador Juvenal Larmartine, que dava o direito de voto às

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mulheres. Este direito foi conquistado em 1932, quando foi promulgado o


Novo Código Eleitoral brasileiro (PINTO, 2010, p. 15-16).

Este feminismo inicial perde força, a partir da década de 1930, em diversos


países europeus, nos Estados Unidos e também no Brasil, e volta a aparecer, de modo
relevante, na década de 1960 o livro “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir (1949)
marcou as mulheres e foi fundamental para o surgimento da nova onda feminista
(PINTO, 2010). Nesta obra, Beauvoir alcunha uma das máximas do feminismo: “não
se nasce mulher, se torna mulher” (id, ibid), e, desse modo, desconstrói a tese do
determinismo biológico que era usada até então para justificar a submissão da mulher
perante o homem.
Em meio à efervescência histórica do período, Betty Friedan (1963) lança uma
obra que se tornaria a “bíblia” do feminismo que emergia: o livro “A mística feminina”
(id, ibid). Durante a década de 1960, o movimento surge com toda a força e as
mulheres falam, pela primeira vez, diretamente acerca das relações de poder entre
homens e mulheres, desse modo, o feminismo apresenta-se como um movimento
libertário, que não reivindica apenas espaço para a mulher no trabalho, na vida pública
e na educação, mas, também, que luta “por uma nova forma de relacionamento entre
homens e mulheres, em que esta última tenha liberdade e autonomia para decidir
sobre sua vida e seu corpo”, isso acaba configurando-se como o que há de mais
original no movimento, haja vista que existia (e existe) um outro modo de dominação
além da clássica dominação de classe: a dominação do homem sobre a mulher, esta
dominação “não pode ser representada pela outra, já que cada uma tem suas
características próprias” (PINTO, 2010, p. 16).
A autora supracitada não escreve explicitamente os termos “terceira onda
feminista”, no entanto, é possível apurar que as conquistas históricas obtidas por
mulheres, que organizavam-se em movimentos sociais, representam o que seria uma
nova onda dos feminismos. Especificamente no Brasil, uma dessas importantes
conquistas é a criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM) em
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1984 que, juntamente com importantes grupos como o Centro Feminista de Estudos
e Assessoria (CFEMEA), promoveram uma campanha nacional para a inclusão dos
direitos femininos na Constituição Federal de 1988, este movimento resultou em uma
característica especial: em relação ao mundo, a “Constituição Cidadã” de 1988 é uma
das que mais garante direitos às mulheres (PINTO, 2010, p. 17). Outra importante
conquista feminista brasileira é a criação da Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006),
uma vez que, por meio dela, foram criados “mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher” (id, ibid). Ressalta-se que ocorreram duas
Conferências Nacionais para a Política da Mulher, em 2005 e 2007, e esses encontros
foram de suma importância para o movimento, haja vista que mobilizaram mais de
3.000 mulheres e produziram documentos de análise acerca da situação da mulher
brasileira (id, ibid).

3. Método

Para a elaboração deste estudo, foram utilizadas as pesquisas bibliográfica e


documental acerca dos seguintes assuntos: gênero; sexualidade; teoria Queer; dados
sobre violências e assassinatos contra a população LGBT; meios de comunicação
impressos e virtuais; indústria cultural; adolescência e juventude. Também foram
utilizadas, como fonte de dados, análises de 5 edições da revista Capricho que foram
publicadas nos anos 1996, 1999 e 2007. Realizou-se estas análises com base na
técnica metodológica Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977), dessa forma, foram
seguidas as seguintes fases cronológicas propostas por este procedimento: 1) pré-
análise; 2) exploração do material; e 3) tratamento dos resultados, inferência e
interpretação.

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4. Considerações finais

Por fim, nota-se que a revista em tela reproduz e busca manter padrões
socioculturais arcaicos e binários em relação ao feminino e ao masculino,
considerando que, ao ditar como as mulheres devem ser, indiretamente, a Capricho
também dita como os homens devem ser, por meio de aparatos ideológicos e
discursivos que visam manter o status quo de gênero (tradicional, fixo e rígido) da
sociedade brasileira. Desempenhando, assim, um importante papel de mantenedora
dos padrões identitários opressores e ultrapassados, que são reforçados
cotidianamente pela cultura vigente e dominante no Brasil e em diversos países.

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ENTRE DOGMAS MARIANOS E CORPO FEMININO: A CONSTRUÇÃO DE


UM MODELO DE FEMININO PELA IGREJA CATÓLICA A PARTIR DO VATICANO
II1

Manoelle Lopes Fontes*


Augusto Marcos Fagundes Oliveira**

Resumo
Pensando a religião enquanto uma construção social produtora e reprodutora de
significados e simbolismos, este artigo buscou compreender em que medida houve a
construção de um modelo feminino pela Igreja Católica a partir dos dogmas marianos
reafirmados pelo Concílio Vaticano II e como isso interferiu na tentativa de
manutenção do controle sobre o feminino, em destaque os de identidade católica –
seja praticante ou não praticante, mas que se autoafirmam enquanto pertencente a
essa comunidade. Buscando ainda problematizar de que forma a legitimação desse
modelo teve como objetivo dar continuidade ao exercício do controle sobre o feminino,
investindo principalmente sobre a manutenção de um imaginário que o limitava a
condição de subalternidade a partir de um discurso androcêntrico que se considerou
dominante dentro dessa Igreja, interferindo sobre o feminino por considerá-lo
principalmente como corpo para a reprodução, negando a vivência da sexualidade e
o direito sobre a autonomia e a reprodução.

Palavras-chave: Dogmas marianos. Corpo feminino. Vaticano II.

1 Esse estudo resulta de parte do trabalho de conclusão de curso apresentado no curso de Licenciatura em
Ciências Sociais no ano de 2018, intitulado como: “MARIA, AQUILO QUE TODA MULHER DEVERIA SER”: Uma
análise sobre a construção de um modelo feminino baseado nos dogmas marianos a partir do Vaticano II.
* Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). E-mail:
manufonts19@gmail.com
** Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor na Universidade

Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus-Bahia, do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail:
fagundes@uesc.br
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Introdução

As religiões, de modo geral, são construções sociais que funcionam como


produtoras e reprodutoras de significados e simbolismos, promovendo influências
tanto nas relações sociais quanto na subjetividade do indivíduo por possuírem a
capacidade de perpetrar seus ideais e assim promover estímulos para que a realidade
seja apreendida a partir de suas normas e valores. Nesse sentido, independente das
crenças que compartilham e das visões de mundo que defendem, elas possuem
códigos que visam gerir suas comunidades religiosas, garantindo a integração e a
reprodução dos seus valores.
A tentativa de compreender como elas são mantidas perpassa pela
necessidade de partir pela busca dos elementos que as compõem e que dão sentido
ao modo como são construídas e vivenciadas. Nesse sentido, considerando a Igreja
Católica Apostólica Romana aqui serão pensados os dogmas, que são códigos
importantes que fazem parte da sua doutrina, limitando-se especialmente aos dogmas
marianos.
Pensando a partir de uma possível utilização desses dogmas enquanto
elemento de sustentação para a construção de um discurso sobre o feminino algumas
problemáticas foram estabelecidas: Por que uma Igreja com lideranças
predominantemente masculinas proclamou dogmas sobre Maria, uma mulher? Em
que se baseia a necessidade desses dogmas? Por que eles foram reafirmados no
momento do Concílio Vaticano II? E como eles contribuíram para reforçar o discurso
da Igreja sobre um exemplo de feminino a ser seguido, constituindo-se assim em um
modelo?
Empreendendo pela tentativa de responder a essas questões esse artigo
objetiva compreender em que medida houve a construção de um modelo feminino
pela Igreja Católica, a partir dos dogmas marianos quando reafirmados pelo Concílio
Vaticano II e como isso interferiu na tentativa de uma possível manutenção do controle
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sobre o feminino, em destaque, os de identidade católica – seja praticante ou não


praticante, mas que se autoafirmam enquanto pertencente a essa comunidade.
Assim, os desdobramentos desta reflexão foram possíveis através da pesquisa
bibliográfica, utilizando como aporte teórico Foucault (1970), Weber (2004) e Bourdieu
(2014) para pensar poder e dominação, bem como as pontuações de Ary (2016),
Gebara (2017) e Rosado (2006) para pensar a produção de uma hegemonia
masculina na religião. Recorrendo também ao acesso a documentos publicados pela
própria Igreja Católica, por serem fontes bibliográficas produzidas diretamente pelos
seus líderes e disponíveis no site oficial do Vaticano, como o Catecismo da Igreja
Católica (2000), a Constituição Dogmática Lumen Gentium (1964) e a Carta
Apostólica Misericordia et Misera (2016).
A justificativa desse estudo se deu pela tentativa de pensar o modo com a
religiosidade pode ser um marcador de influências sobre um sistema social,
contribuindo para a construção de imaginários que por muitas vezes podem ser
absorvidos por ele, com destaque as relações entre feminino e masculino ou de forma
mais ampliada, as questões de gênero, que são importantes para pensar as relações
humanas e suas complexidades.

1. Dos conceitos ao contexto: refletindo dogmas, feminino e Vaticano II na Igreja


Católica

Em termos práticos, dogmas podem ser compreendidos como verdades


estabelecidas e de pouquíssima ou nenhuma flexibilidade, localizados em
determinado tempo e/ou espaço, obedecendo a princípios que orientam normativas
sobre o mundo ou sobre uma dada realidade. De acordo com Fergusos et al (2011)
no mundo pré-cristão eles eram compreendidos como regulamentos de caráter
público, decisões judiciais e verdades pregadas pela filosofia e pela ciência que

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tinham como objetivo gerir a vida em sociedade. Com a consolidação do Cristianismo


no Ocidente eles passaram a fazer parte também do campo religioso estabelecendo-
se como verdades formuladas pela doutrina religiosa, até então dominante.
No que se considera a Igreja Católica Romana, a construção de um dogma
pode se dar de duas formas: ou através de concílios ou por decisões de papas, que
os institui por meio de decretos variando de acordo com o contexto do qual a própria
Igreja se encontra e com seus valores ideológicos dominantes. De modo geral, a
proclamação de um dogma parte da necessidade de manter o tradicionalismo
religioso, diante da recusa pelos valores mundanos. Assim, para essa Igreja os
dogmas são percebidos como orientações que conduzem a comunidade religiosa para
a verdade por serem baseados em princípios de “revelações divinas” carregadas de
simbolismos que possuem muito significado para sua própria doutrina, rejeitando
nesse sentido qualquer aspecto da vida humana que aponte para o que ela considera
como erro ou pecado, estabelecendo o limite entre o sagrado e o profano e regulando
a vida da própria comunidade para as crenças e condutas definidas por ela como
verdadeiras.
Assim, a efetividade dos dogmas na comunidade católica1 tem se dado pelo
modo como são operacionalizados, estabelecidos enquanto verdades que devem ser
aceitas e internalizadas por seus membros, por serem conduzidas como “balizas
orientadoras do fiel na passagem pela ponte que religa o profano ao sagrado, a
criatura ao criador, o Homem a Deus” (MANOEL, 2013, p. 10).
Já o que tem sido considerado enquanto identidade feminina na tradição
católica dominante tem perpassado pela crença em valores morais centralizados em
duas figuras muito recorrentes nas suas narrativas: Eva e Maria. No entanto, de
acordo com Laraia (1997) faz-se importante pontuar que na tradição judaica e islâmica
outra figura feminina obtém destaque, Lilith. Segundo o misticismo dessas duas

1Considerando aqui o conjunto de pessoas que se consideram enquanto católicos praticantes ou que mesmo não
praticante compartilham dos valores e crenças desta Igreja.
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tradições, ela teria sido a primeira mulher de Adão, que por não ter se submetido a ele
foi expulsa do paraíso e transformada em uma força do mal. Porém, a tradição católica
suprimiu as narrativas sobre Lilith, considerando Eva como a primeira e única mulher
de Adão.
De certo também que há outras figuras femininas presentes na tradição bíblica
católica e que compõem o fluxo das narrativas do Antigo Testamento (AT) e do Novo
Testamento (NT), atuando no reforço à construção do que pode ser considerada como
moralidade judaico-cristã, e mais especificamente, moralidade cristã. Contudo
tomamos por base a centralidade de Eva, por ser considerada a primeira figura
feminina e Maria por ser a que ressignificou o lugar desse feminino.
Partindo do que tem sido posto por essa tradição, Eva foi quem deu
possibilidade de abertura ao desejo e instituiu a indisciplina advinda da tentação. Já
Maria, numa condição santificada, emergiu enquanto agente reprodutora biológica e
culturalmente por seu caráter maternal. Nesse sentido, é possível perceber que essas
duas configurações de feminino estão direcionadas as condições de seus corpos, que
em Eva interpretou-se como instrumento para pecado e em Maria como possível fonte
de santidade.
Zaíra Ary (2000) contribuiu com pontuações importantes nesse sentido,
considerando que a (des)valorização do feminino baseado em Eva na religião católica
tem se apoiado em determinadas interpretações bíblicas que a associa a uma imagem
negativa, principalmente por estabelecer relação com a ideia de inferioridade frente
ao masculino. Estas interpretações se baseiam no livro do Gênesis do Antigo
Testamento, quando pontua que Eva foi criada depois de Adão, a partir de uma parte
do seu corpo (a costela), para ser sua companheira na terra e não deixar que vivesse
em solidão. Outro fato seria a associação dela a um sexo frágil que contribuiu
diretamente para a perda do paraíso, por ter incitado Adão a cometer o “pecado
original”.

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No entanto, a imagem de Maria foi associada por outro aspecto, a partir do que
foi considerado positivo sobre o feminino. Ela representou para a Igreja outra
possibilidade das mulheres de se relacionarem com corpo e consequentemente com
o mundo. A aceitação a partir de uma ordem divina, a relação com o corpo na
preservação da virgindade e o caráter fundamental de mãe, cuidadora e intercessora
fizeram com que a representação negativa da mulher transcendesse para um ideal de
santidade feminina, recebendo Maria certo destaque na Igreja. Sobre esse “destaque”,
de acordo com Oliveira (2015) pela honra dada a Maria a sua condição enquanto “Mãe
de Jesus” a hiperdulia foi estabelecida pela doutrina católica como um culto exclusivo
a ela, diferenciando-se da dulia que é um culto destinado aos santos católicos e da
latria, que é direcionado única e exclusivamente para o Deus soberano presentes na
crença católica.
Desse modo, pensar o feminino pelo viés católico é compreender essa relação
entre o sagrado e profano presente na dualidade entre Eva e Maria, em que a
identidade feminina considerada positiva está associada a um ideal de pureza e
santidade, em relação à fragilidade do feminino negativo e pecador. Essas identidades
então estão cobertas por valores morais que se mantém enquanto elemento da
tradição católica e se propagam pelos discursos introduzidos pela instituição Igreja na
esfera pública.
Sobre Concílio é possível conceituar enquanto uma reunião de líderes de uma
igreja responsáveis por promover a manutenção da tradição religiosa, tendo como
objetivo discutir temáticas que se relacionem com sua doutrina e consequentemente
com a vida da comunidade religiosa, emergindo muitas vezes em momentos de
tensão, em que surge a necessidade de refletir e debater determinadas questões que
se envolvam com a dinâmica da instituição religiosa. Assim, de acordo com Fergusos
et al (2011, p. 207),
são convocados para decidir disputas de interpretação ou promover o
julgamento de assuntos não encontrados nas Escrituras*. Suas decisões são
consideradas obrigatórias se “recebidas” pela igreja que os promove como
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estando de acordo com as Escrituras e sua interpretação tradicional. Um


concílio geral, ecumênico ou universal é aquele do qual se espera uma
“recepção” universal pela igreja de Cristo.

Nesse aspecto, o Vaticano II foi um concílio ecumênico, realizado pela Igreja


Católica de 11 de outubro de 1962 a 8 de dezembro de 1965, que teve como objetivo
promover reflexões e discussões necessárias, que possibilitassem soluções às
tensões advindas do concílio anterior, o Vaticano I 2 , e outras da sua
contemporaneidade histórica. Localizado em um contexto moderno-contemporâneo,
buscou revisitar os elementos doutrinários da fé católica em diálogo com as culturas
e sociedades nas quais a Igreja estava inserida. Nesse momento, havia dois grupos
opostos intra-igreja: os de caráter conservador que se baseavam na necessidade de
uma rigidez dogmática para pensar as questões do momento vivenciado, e os que
aspiravam ares de renovação, apontando para a necessidade de promover
transformações na Igreja através de sua abertura.
Assim, utilizando dos pressupostos do grupo que visava à abertura da Igreja e
baseado no ideal de “atualização” o Vaticano II foi realizado entre 1962 e 1965. Um
número significativo de líderes religiosos, até mesmo de outras Igrejas cristãs e
professores universitários foram ouvidos e puderam participar do concílio. Ao mesmo
tempo não houve números significativos com relação à participação de mulheres,
ainda que inúmeras questões estivessem relacionadas diretamente a elas, como por
exemplo, a família, as novas relações sociais, as relações de consumo e até mesmo
a reafirmação dos dogmas de Maria.
No que se consideram os choques de ideias entre essas duas correntes no
momento do Vaticano II, destacou-se o reconhecimento da condição humana junto
com o discurso sobre a necessidade de promover justiça social que resultou não
inocentemente pela “Opção pelos Pobres” no intuito de sanar as desigualdades que

2 Realizado entre 1869-1970.


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deslegitimava uns em relação a outros. De acordo com Oliveira (2015) essa opção
resultou da condição de agenciamento por parte da Igreja, por reconhecer nos grupos
menos favorecidos locais propícios para evangelização e fortalecimento de suas
bases.
Desse modo, o Vaticano II foi baseado na compreensão por parte da Igreja
Católica de que a resolução dos problemas advindos com a modernidade só poderiam
ser sanandos através de suas ações, por afirmarem seu papel de evangelizadora
fudamental para levar os homens a superação dos seus dilemas. Diversos
documentos foram publicados no final do concílio, como constituições, declarações e
decretos que trazem em seu corpo os posicionamentos dos representantes da Igreja
sobre diversos assuntos, tanto do que se trata do interior da comunidade religiosa
como da administração da vida de modo geral.

1. Vaticano II e a sustentação de um modelo feminino

Na eminência da realização do Vaticano II as questões sobre Maria entraram


em pauta, marcando um momento importante para a mariologia 3 pois de acordo com
Iwashita (2014) o Concílio tratou de forma aprofundada dedicando estudos
sistemáticos sobre ela, resultando deste a publicação da Constituição Dogmática
Lumen Gentium (1964), um documento doutrinário de muita significância para pensar
Maria na Igreja Católica. Essa oportunidade para tratar de Maria incidiu sobre a
necessidade de firmar a unidade de todos os cristãos, de modo que as diversas
tendências que se propunham a pensar seu papel na Igreja não promovessem
separações dentro e nem fora dela.

3 Conjunto de estudos sobre Maria.


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A realização do Congresso Mariológico de Lourdes em 1958 foi o momento


em que se confrontaram duas tendências da Mariologia na época, a
tendência cristotípica e tendência eclesiotípica, que se apresentaram como
caminhos exclusivos. Mas na verdade, essas tendências procuravam
caracterizar o modo como era concebida a cooperação de Maria na obra da
salvação, tema ligado também ao da corredenção, ou participação de Maria
na obra redentora (IWASHITA, 2014, p. 557).

A partir de estudos sobre as escrituras presentes no Novo Testamento (NT) e


Antigo Testamento (AT), as lideranças que compunham o Vaticano II estabeleceram
a afirmativa: Maria é “Mãe da Igreja”. Segundo essa colocação a contribuição de Maria
para a Igreja foi considerada para além do fato dela ter sido mãe de Jesus, mas
também por seu importante apoio para a salvação da humanidade, por ter buscado
viver de acordo com uma vida santa juntamente com ele e por isso sua centralidade
deveria ser reconhecida. De modo que o concílio acreditou ter dado início a tentativa
de sanar os questionamentos ou pontos de divergências sobre Maria, até mesmo os
que derivavam de bases protestantes (IWASHITA, 2014).

O concílio Vaticano II assumiu a corrente patrística de renovação que estava


em andamento na época como a publicação da coleção Sources
Cherétiènnes e de outras obras, que sinalizavam a grande fecundidade desse
campo de pesquisa, que não significou somente uma volta ao passado, mas
se tratou de compreender, como a nossa fé, no que se refere à Mãe de Deus,
fez parte da fé dos padres [...] (IWASHITA, 2014, p. 564).

Utilizando-se do viés da corrente patrística, o Vaticano II reavivou então a


reflexão sobre a figura de Maria em paralelo a de Eva, a partir da compreensão de
que para elas haviam lugares opostos na Igreja Católica. Sobre esse ponto de vista,
Maria tornou-se a representação de uma vida de luta contra o pecado e foi
considerada a Nova Eva. O “Nova” associou-se à afirmação do positivo com relação
a anterior, de modo que a sua santidade tomou o lugar do negativo que por muito
esteve associado ao feminino. E ainda de acordo com Iwashita (2014) foi nesse
momento que os quatro dogmas marianos (maternidade divina, virgindade divina,

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imaculada conceição e imaculada assunção) 4 foram reafirmados, desconsiderando


qualquer dúvida que ainda houvesse sobre eles e sobre sua importância para a Igreja.
Ficando estabelecido através do discurso dominantes do Vaticano II que as verdades
proclamadas sobre Maria ao longo do tempo deveriam ser legitimadas por toda Igreja,
pois se pautavam tanto na sua tradição quando nas escrituras, contribuindo
essencialmente para a manutenção da sua doutrina.
Situados no meio doutrinário, os dogmas marianos estiveram a serviço da
manutenção da tradição e consequentemente da uniformidade das crenças sobre
Maria na Igreja Católica. Assim, localizado num contexto que aspirava por ares de
renovação, o Vaticano II ao reafirmar esses dogmas estabeleceu conexão entre os
valores que permearam sua criação e a necessidade de assertivas sobre a idealização
de uma vida santa, que por ter sido protagonizada nesse caso por uma mulher
direcionava-se principalmente sobre o feminino.
A Maria foi dada o status que nunca antes foi dado a nenhuma outra mulher na
história da Igreja Católica, considerando que as qualidades que possibilitaram seu
reconhecimento foram essencialmente a vida de obediência, serviço e a abnegação
do seu corpo quanto aos desejos da carne. Ela foi associada a um exemplo de vida
santa e o “novo” representou a possibilidade de discurso sobre um feminino idealizado
pela Igreja.

Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e
pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente
ligada, à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé,
da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava S. Ambrósio.
Com efeito, no mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe
e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente
e único de virgem e de mãe (LUMEN GENTIUM, 1964, p. 32-33).

4De acordo com Boff (2010) os dogmas da maternidade divina e da virgindade divina foram proclamados por
concílios nos primeiros séculos do cristianismo no Oriente e foram aceitos nas igrejas cristãs de modo geral. Os
da imaculada conceição e assunção foram proclamados nos séculos XIX e XX, resultando das decisões de papas
no Ocidente tendo como foco principal combater o que foi considerado pela Igreja Católica enquanto desafios dos
novos tempos.
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No entanto, na tentativa de compreender sociologicamente essa atitude do


Concílio para com os dogmas marianos faz-se necessário considerar o contexto
histórico e social de sua realização, que não por acaso foi um período marcado por
intensas mobilizações sociais ao redor do mundo, como resultado das diversas formas
de desigualdades e opressões as quais subordinavam determinados grupos sociais
em relação a outros.

A década de 60 caracterizou-se por intensa mobilização na luta contra o


colonialismo, a discriminação racial, pelos direitos das minorias, pelas
reivindicações estudantis. Estes movimentos ampliaram o campo do político,
alargando a compreensão das contradições sociais para além do
estritamente econômico, revelando a existência de outras formas de exercício
do poder. Tais movimentos trazem o individual para o campo do político,
tornando-o coletivo, demonstrando que o ser social não se esgota na
experiência de sua classe. Não é apenas por relações sociais de produção
que o indivíduo está impregnado, mas também por relações de sexo, raça,
instâncias estas que também se concretizam numa distribuição desigual de
poder (ALVEZ; PITANGUY, 1985, p. 58).

Incluído nesse momento histórico do pós-guerra, de guerras de libertação, de


reivindicações sociais, o feminismo que contestava os direitos das mulheres apontava
para os indícios de uma segunda onda 5 . A primeira onda ficou conhecida pelas
reivindicações a respeito do sufrágio feminino, tendo início no Inglaterra, na França,
nos Estados Unidos e na Espanha entre os séculos XIX e XX. As reivindicações do
movimento se pautavam na conquista do poder políticos e do direito ao voto, contra a
discriminação das mulheres e pela conquista do espaço público, tendo ainda de forma
tímida a reivindicação por direitos reprodutivos, sexuais e econômicos das mulheres.
No entanto, a luta pelo direito ao sufrágio universal não garantiu que as mulheres da
primeira onda conquistassem autonomia em relação aos homens (ALVES;
PITANGUY, 1985).

5 A segunda onda marcou o período de 1960 até 1980.


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Essa segunda onda que deu seus primeiros passos no início nos anos 60 em
continuação à primeira, voltou-se para os questionamentos sobre as diversas formas
de opressão a que estavam submetidas às mulheres. Seu slogan “o pessoal é político”
criado por Carol Hanisch destacou que a vida privada estava diretamente associada
ao político, dando espaço para as contestações a respeito da violência, da
sexualidade e do direito ao prazer das mulheres, sobre a saúde das mulheres, sua
atuação na educação e no mercado de trabalho (ALVES; PITANGUY, 1985).
Nessa direção, mulheres de diversos países, tanto os de tradição cristã como
não cristã, passaram a utilizar o cenário social para promover reivindicações sobre
seus direitos e a necessidade de conquistarem autonomia com relação aos homens,
principalmente sobre o próprio corpo. Essa limitação da mulher a sua condição
biológica, serviu para que por muito tempo elas estivessem limitadas ao ambiente
doméstico, enquanto os homens ocupavam o espaço público. Questionando assim a
divisão dos papéis sociais entre homens e mulheres, o feminismo dessa segunda
onda buscou desnaturalizar as estruturas culturais do patriarcado que legitimava a
dominação sobre as mulheres. Organizado como movimento político e teórico esse
movimento trouxe para a vida pública e política diversas questões sobre a situação na
mulher no mundo
En esta segunda ola feminista el quehacer teórico y activista ya no se dirigirá
únicamente a rebatir los planteamientos antifeministas, sino que se irá
sumergiendo también poco a poco en debates intrafeministas que empezarán
a configurar distintas corrientes en el interior del movimiento. La
diversificación de planteamientos feministas y de debate entre ellos no dejará
de crecer a partir de este momento (BARAHONA, 2013, p. 29).

Desse modo, essa segunda onda significou avanços no que se considera como
ampliação da atuação da mulher no espaço público e a conquista de certa autonomia
com relação à dominação exercida pelos homens. No entanto, a generalização da
categoria “mulher” trouxeram questões importantes para dentro do próprio feminismo,
de modo que a terceira onda surgiu no final dos anos 1980 a partir de

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problematizações acerca do sujeito do feminismo e tendo como pauta a análise das


diferenças na revisão dos paradigmas estabelecidos nas fases anteriores, com o foco
voltando-se para as relações de gênero e não apenas para a mulher, sendo abordado
a partir de intersecções em que alertam para a necessidade de pensar a partir das
diversidades.
Foi nesse sentido que determinadas pautas que apontavam para o início da
segunda onda do feminismo na década de 1960 entraram em descompasso com a
concepção de feminino defendida pela Igreja Católica. As questões ligadas
principalmente às reivindicações por autonomia sobre o corpo e sobre a sexualidade
que consideravam a necessidade das mulheres serem livres para vivenciarem o gozo
dos desejos, decidirem sobre si mesmas e optarem sobre assumirem a maternidade
ou não, fatos que foram potencializados com o surgimento da pílula anticoncepcional
em 1960 que possibilitava a mulher exercer o controle sobre seu corpo no que se
considera a reprodução negando assim o determinismo biológico que as limitavam,
partiam para uma direção contrária do ideal de feminino formulado a partir da
legitimação dada aos dogmas marianos no momento de realização do Vaticano II, que
não ingenuamente investiu sobre a idealização de uma conduta feminina voltada para
os valores cristãos católicos em um período em que as devidas reivindicações
feministas começam a ganhar força no cenário público.
A partir da divergência de valores e ideais entre as investidas do movimento
feminista e da Igreja Católica, no seu momento de reflexão e discussão para uma
atualização, pensar sobre a atitude de afirmação de Maria enquanto modelo de
feminino para a moral religiosa é pensar relações de poder que estão envoltas de
complexidades, envolvendo interesses e hierarquias dentro de um determinado
contexto, conectando assim fatos que não se deram aleatoriamente.
Nesse aspecto, aqui se faz importante trazer a luz a perspectiva de Foucault
sobre poder. Na sua visão o poder é algo que está sempre em constante negociação
e que não se apresenta de forma cristalizada, ou centralizada necessariamente em
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alguma instituição ou pessoa. Ele está espalhado, ou melhor dizendo difuso, presente
nas diversas práticas e relações sociais que se estabelecem entre os indivíduos e
pode ser exercido a partir de diversas facetas, podendo muitas vezes estar implícito
em gestos e atitudes de modo que seja pouco perceptível. Desse modo, é possível
considerar que o poder possui várias formas e para que o indivíduo compreenda sua
própria constituição enquanto sujeito se faz necessário decodificar essas relações e
refletir em que medida elas podem ser exercidas. Foucault (1971) aponta ainda que
das diversas relações de poder que possivelmente possa existir, o discurso se
caracteriza em uma possibilidade delas.

o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo


que manifesta (ou oculta) o desejo; é também, aquilo que é o objeto do
desejo; é visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não
é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas
aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar
(FOUCAULT, 1971, p. 10).

Nessa lógica, os discursos são produzidos por diversos objetivos, que


carregados de intencionalidade direcionam-se para o poder pelo qual visam adquirir,
eles não são produzidos aleatoriamente. Então, compreendendo essas duas
perspectivas sobre poder e discurso torna-se possível pensar que a produção de um
modelo feminino baseado nos dogmas marianos no contexto do Vaticano II perpassou
pela produção de um ideal de santidade, de modo que a intencionalidade reflete sobre
o estabelecimento de um padrão de comportamento submetido a um controle
direcionado nesse caso exclusivamente sobre as mulheres, na tentativa de exercer
controle e dominação sobre elas. Para Weber (2004, p.188) a dominação está
relacionada com poder, sendo assim a “possibilidade de impor ao comportamento de
terceiros a vontade própria”. Ainda de acordo com ele, ela pode ser manifestada de
diversas formas, no entanto ele destaca dois tipos que são radicalmente opostos “por
um lado, a dominação em virtude de uma constelação de interesses (especialmente

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em virtude de uma situação de monopólio), e, por outro, a dominação em virtude de


autoridade (poder de mando e dever de obediência)”.
A partir daí é possível pensar que a condição de feminilidade atribuída à mulher
no contexto deste Concílio liderado exclusivamente por homens, contribuiu para a
tentativa de promover a manutenção da dominação baseada em uma virtude de
autoridade estabelecida do masculino sobre o feminino na Igreja Católica, de modo
que esta só se realiza a partir do momento em que os discursos produzidos são
absorvidos pelas mulheres, o que se deu enquanto sua própria afirmação enquanto
dogmática necessária para esta tradição religiosa e assim imposta como verdade para
todos os seus membros. Nesse aspecto se faz importante considerar que os discursos
por ele mesmo não se impõe a dominar aleatoriamente, há a necessidade de sua
absorção pelo meio em que ele foi direcionado.
Bourdieu (2014) aponta que a naturalização das divisões sociais entre os
sexos, baseadas no corpo biológico em que a mulher foi considerada como inferior,
contribuiu para a criação de uma ordem social masculina. Esta quando naturalizada
possibilitou a dominação dos homens sobre as mulheres, de modo que seus discursos
não precisaram ser justificados, pois baseada numa lógica de superioridade masculina
se afirmou por si só. E a partir dessa “autoridade” a hierarquia masculina católica
produziu por muito tempo narrativas que foram legitimadas sobre o feminino.
Assim, é possível considerar que a produção do discurso sobre esse modelo
feminino teve como objetivo estabelecer um padrão de comportamento sobre a
feminilidade, no qual a Igreja utilizou-se de seu alcance no meio social para
desenvolver determinada influência sobre a vida das mulheres que compõe a
comunidade religiosa e em consequência as que estão fora dela, sendo também uma
assertiva para a regulação de seus corpos percebidos enquanto agente reprodutor.

No que diz respeito ao fornecimento de um modelo ideal de mulher por parte


da Igreja Católica, põe-se a questão da dominação. É preciso que se permita
à mulher a possibilidade de Salvação, porém esta é dada a partir de um
protótipo de virtude que é necessário seguir mas que, simultaneamente, é
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impossível de ser seguido. O que é que a tentativa de aproximação do ideal


origina? Salvação ou dominação? Só existe um modelo a seguir mas é
impossível segui-lo. Veicula-se um padrão daquilo que a mulher deveria ser,
mas como poderia sê-lo? Nesta difícil situação de ambiguidade entre um ser
concreto e um dever ser inatingível, as mulheres acabam por se deixar conduzir
e “docilizar”, conscientes que estão da sua imperfeição, face a Maria e àquilo
que deveriam ser, e da sua herança de pecado, legado de Eva e marca daquilo
que são. Assim, cada mulher terá de viver com uma imagem de si sempre
incompleta, sempre imperfeita, face à impossibilidade de fugir da sua natureza
humana identificada com Eva e de ascender à natureza imaculada e virtuosa
de Maria (RIBEIRO, 2000, p. 20).

Por mais que a idealização de um feminino baseado Maria aparecesse no


discurso da Igreja como positivo e o retirasse de uma condição negativa que por muito
tempo marcou sua desvalorização e inferiorização, ainda de acordo com os ideais do
feminismo, o limitava ao determinismo biológico voltado para a reprodução por
ressaltar seu caráter materno e cuidador, como também por considerá-lo enquanto
um corpo que deveria ser disciplinado, destituído de desejo, no qual a sexualidade
não deveria ser vivenciada de modo a produzir o prazer carnal.
Assim, é possível pensar que essa “restauração” da figura feminina baseada
nos dogmas marianos serviu para a construção por parte da Igreja de um modelo
feminino voltado para a obediência, a maternidade e acima de tudo a santidade, que
norteou o discurso sobre o que era esperado para a vida das mulheres que buscavam
a santidade. Um fato importante apontado por Iwashita (2014) é que a partir da
proclamação dos dois últimos dogmas marianos no século XIX e XX, a devoção
popular aumentou consideravelmente.
O marianismo, por exemplo, é um dos cultos que faz parte dessa devoção, que
baseado na ideia de superioridade espiritual feminina, tem levado inúmeras mulheres
a dedicarem suas vidas a seguirem a imagem e semelhança de Maria, de modo que
internalizam o modelo de feminino formulado pela Igreja e abdicam da autonomia
sobre seu corpo. Regulando todas as esferas da vida: investindo sobre as
vestimentas, o modo de falar, de apresentar-se perante a sociedade, a utilização de
véus nas missas, como também na forma de se relacionar. De acordo com Ary (2000)
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esse culto serviu para a internalização e reprodução do machismo por parte das
mulheres. Nesse sentido, a reafirmação dos dogmas de Maria no Vaticano II contribuiu
para que esse discurso de santidade fosse absorvido por uma parcela de mulheres
membros da comunidade religiosa, como também as que estão fora dela, pois ainda
de acordo com Iwashita (2014) este foi construído envolto de muito simbolismo e
afetividade.
No entanto, mesmo a Igreja possuindo uma estrutura em que o poder desde
sempre esteve centralizado, se faz importante pontuar que nem sempre houve
unidade de pensamento e de aceitação para tudo que era colocado por todos seus
membros, nem mesmo que se relaciona a uma possível passividade feminina frente
a este controle. É nesse aspecto que esse modelo de feminino, baseado na
subalternização da mulher com relação ao homem, começa a ser questionado com
mais expressividade no século XX, por mulheres, religiosas ou não, que, em contato
com o feminismo, passam a compreender como a Igreja Católica foi estruturada por
homens e como a partir disso tem se dado o exercido de controle sobre a vida das
mulheres. Posicionando-se no contra discurso sobre a dominação masculina essas
mulheres passam a problematizar a teologia que se fez dominante criando a partir
disso uma nova teologia voltada para a ressignificação do feminino no campo
religioso, transcendendo o modelo de feminino que foi direcionado para elas.

2. Conclusão

Partindo da reflexão de como a interpretação sobre uma imagem de Maria


utilizada pelo discurso dominante e masculino da Igreja Católica marcou um novo
período para o feminino no campo religioso a partir de sua associação a um imaginário
positivo, este trabalho buscou demonstrar de que modo se deu a reafirmação dos
dogmas marianos no contexto do Concílio Vaticano II, legitimando um lugar para Maria
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nesta Igreja e contribuindo para a construção de um modelo feminino que obedeceu


aos princípios de uma santidade cristã marcada pelo moralismo e pelo controle para
com este.
A criação de um modelo feminino se deu a partir da interpretação sobre uma
imagem de Maria pela Igreja Católica como exemplo de feminino religioso a ser
seguido, em que em contraposição com a representação negativa baseada em Eva
marcou um novo momento do feminino para a Igreja, considerado positivo por um
discurso que salientou como suas características principais a obediência e zelo por
uma vida santa, de modo que os dogmas marianos serviram para justificar sua
legitimidade na tradição e nas escrituras católicas, estabelecendo-se por sua própria
natureza enquanto códigos gerenciadores da vida dessa comunidade religiosa.
Esse modelo teve como objetivo dar continuidade ao exercício de controle do
masculino sobre o feminino, investindo principalmente sobre a manutenção de um
imaginário que o limitava a condição de subalternidade a partir da criação de um
discurso que se considerou dominante dentro dessa Igreja, interferindo sobre o
feminino por considerá-lo principalmente como inferior e submisso, destinado para a
reprodução baseado no determinismo biológico que o caracteriza como um corpo que
pode possível a gestação, mas o qual deve ser negado o prazer e a vivência da
sexualidade, além do direito a sua autonomia, no que se considera o direito de decidir
sobre a escolha da reprodução ou não.
Assim, a reafirmação desses dogmas no contexto do Vaticano II serviu para
justificar esse modelo feminino baseado em Maria, instituindo sua legitimidade tanto
para a comunidade religiosa quanto para além dela, considerando a atuação política
desta Igreja na esfera pública em que mesmo não possuindo para sim o monopólio
da fé ainda considera-se como detentora das verdades sobre esta.
Essa reafirmação dos dogmas marianos esteve também ligada a iniciativa
diante da negação sobre determinadas pautas que emergiram no desenrolar da
segunda onda do feminismo que entraram em choque com os valores morais
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defendidos pela Igreja, principalmente no que se relaciona com a sexualidade e o


direito ao corpo, num momento em que as mulheres passaram a considerar público
as questões que antes se limitavam ao privado, como por exemplo, a subordinação
em relação aos homens e as violências cometidas contra ela.

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ONDE ESTÃO AS NEGRAS? CABELO, CORPO, COR/ VIOLÊNCIA E


RACISMO (RE) EXISTÊNCIAS DE MULHERES NEGRAS NO BRASIL

Thalita Santos Reis Luduvico*

Resumo
Este texto pretende discutir o histórico do racismo no brasil e suas consequências
para a população negra e principalmente as mulheres negras, desde a abolição a
população tem sofrido com seu com os resquícios de uma vida de subalternidades,
violência e exclusão. Onde essas mulheres negras foram parar? Um relato da
escolarização, e de como o racismo afeta o corpo, o acesso e a vida dessas mulheres.

Palavras chave: Trajetórias. Resistencia. Gênero. Racismo

Onde elas foram parar?

Mulheres do mundo todo ainda tem dificuldades no acesso à educação saúde,


trabalho e demais direitos sociais. A última pesquisa do Fundo de População das
Nações Unidas mostrou que a desigualdade entre homens e mulheres tem aumentado
tanto quanto a diferença entre ricos e pobres e, isso atinge principalmente as mulheres
negras.
Quando pensamos sobre a vida das mulheres negras é preciso deixar claro que
é sobre ela que incidem os piores índices sociais no Brasil. São as principais vítimas
de feminicidios, são a maior parte da população que está fora do mundo do trabalho,
e, também, fora da educação formal. Quando entram no mercado de trabalho ocupam

*Mestranda do Programa Pós- graduação em Ensino para as Relações Étnico-raciais, da Universidade Federal do
Sul da Bahia (UFSB). E-mail: preta_1007@hotmail.com
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os piores postos com os salários mais baixos e vínculos empregatícios bastante


frágeis a população negra tem um atraso de 10 anos no Índice de Desenvolvimento
Humano em relação a população branca, o que está por trás disso é o racismo que
dificulta o acesso da população negra e, principalmente das mulheres negras à
cidadania plena, o que precisa mudar não é uma ou outra política é o racismo que
estrutura nossa sociedade.
O Brasil está atrasado no que diz respeito ao trato no documento firmado pela
ONU por igualdade e desenvolvimento, para que as mulheres ganhem ¼ menos do
que é pago aos homens. Esse dado vale para o mundo segundo a ONU e para o Brasil
segundo o IBGE, nessa média de salários o Brasil é o 129º de 144 países, no ranking
de igualdade de salários entre gêneros feito pelo Fórum Econômico Mundial, e apesar
de estar entre os 193 países que há 2 anos atrás firmaram na ONU a agenda 2030
para o desenvolvimento sustentável, o Brasil está longe de fazer seu dever de casa,
para a Organização das Nações Unidas o fim das disparidades de gênero passa pela
garantia plena dos direitos reprodutivos das mulheres, o mesmo relatório aponta que
1 em cada 5 bebes são de mães adolescentes e 7 em cada 10 dessas mulheres são
negras, ou seja a cor da pele é fator de desigualdade e ajuda a perpetuar a pobreza.
As assimetrias raciais colocam as mulheres negras em situação de maior
vulnerabilidade em todos os âmbitos sociais. Segundo pesquisa realizada pelo IPEA,
no ano de 2009, as famílias que se declararam chefiadas por mulheres negras eram
51,1%; mulheres negras recebiam 51,1% do rendimento das mulheres brancas; de
cada cem mulheres negras chefes de família, onze estavam desempregadas, entre
as brancas eram sete. Esses dados são bastantes preocupantes e só mostram que o
racismo já está estruturado em nossa sociedade e que não basta ações afirmativas
para combater o mesmo, é preciso políticas educacionais, reflexões e construções no
campo epistemológico que deem conta de fomentar ações para a mudança no status
quo.

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As diferenças entre gêneros existem e quando se trata de mulher negra ela é


ainda maior, pois a cor da pele vem junto com a ideia da interseccionalidade entre
diferentes origens de discriminação de racismo, de sexismo que é muito perversa,
pois a partir dela são determinados papeis sociais, questionadas suas capacidades e
habilidades e as mulheres negras acabam ficando nessa base ficam mais atrás das
que estão atrás. Bell Hooks (1995, p.468) afirma que,

O sexismo e o racismo, atuando juntos, perpetuam uma iconografia de


perpetuação da representação da negra que imprime na consciência cultural
coletiva a ideia de que ela está neste planeta principalmente para servir aos
outros. Desde a escravidão até hoje, o corpo da negra tem sido visto pelos
ocidentais como o símbolo quintessencial de uma presença feminina
“natural”, orgânica, mais próxima da natureza, animalística e primitiva.

Em se falando do mercado de trabalho muitas mulheres não concluem no


tempo “certo” sua vida acadêmica e as que entram na academia para se qualificar não
está certo que ao sair elas irão se inserir nesse mercado, principalmente se foram
mulheres negras. Não é sua qualificação profissional que lhe põe e lhe tira do mercado
no Brasil, é a cor da pele que é fator determinante para tal.
Esse racismo que estrutura nossa sociedade está em todas as esferas da
pirâmide usando uma analogia em que as mulheres têm o teto de vidro e só
conseguem ver quem está acima quando se trata de mulheres negras esse teto é de
concreto, pois a elas são negadas o acesso a entender, por isso não conseguem ver
que estão abaixo das que estão abaixo. E quando conseguem adentrar nesses
espaços é onde vemos o racismo de forma mais acentuada, pois o sistema pode até
permitir o acesso, mas o sucesso e permanência se tornam desafios para essas
mulheres, pois são espaços mais brancos que não estão habituados com essa
diversidade. O racismo se expressa de formas distintas no quantitativo nas relações
no sucesso do embranquecimento dos negros que estão nesses espaços. Para
Santos (2002, p. 277), o racismo é um mecanismo de diferenciação que estabelece
diferenças e separações entre os grupos humanos, sendo “uma ideologia e, como tal,
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também foi concebido como uma estratégia de poder em acordo com as expectativas
de parte de uma determinada sociedade”.
Os conceitos de raça e racismo devem ser compreendidos como construções
ideológicas, cujas práticas se concretizam nos diferentes processos de discriminação
racial e exclusão, que tem se perpetuado e reinterpretado de acordo com os interesses
dos que dele se beneficiam (GONZALEZ, 1982).
O Brasil criou ações afirmativas para reduzir a desigualdade, porém isso não
quer dizer que isso acabará com o racismo, apenas pode diminuir seus impactos
garantindo acesso a espaços que outrora não era permitido. Ou seja o fato de eu estar
na academia por exemplo como uma mulher negra estudante de mestrado, não quer
dizer que terei sucesso, pois o sistema nele empregado tenta a todo momento me
empurrar para fora desse espaço.
Diálogos tem sido levantados e precisam mais ainda serem fomentados em
relação a esse acesso dos negros aos espaços por exemplo em relação a cotas um
grande discussão foi levantada no Brasil pessoas contra e pessoas a favor uma
grande mascara caiu em relação ao que Munanga (2014) quando foi entrevistado pela
Folha de São Paulo fala sobre racismo cordial, citando uma pesquisa que foi feita no
Brasil em 1995 onde foi perguntado ao brasileiro se racismo existe:

Mais de 80% disseram que sim. Perguntaram para as mesmas pessoas:


‘você já discriminou alguém?’ A maioria disse que não. Significa que há
racismo, mas sem racistas. Ele está no ar. Como você vai combater isso?
(...) já ouviu falar em crime perfeito? Nosso racismo é um crime perfeito,
porque é a própria vítima que é responsável pelo racismo1 (MUNANGA,
2014, p. 15, grifo nosso).

Portanto essas ações afirmativas além de tentar permitir o acesso aos espaços
também contribuem para desfazer o mito da igualdade racial tão presente nos nossos
discursos pois é nesse discurso que se revela e se permite a reflexão sobre o racismo
e a segregação.

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1. Violência e racismo no acesso à educação

A palavra violência no dicionário Aurélio quer dizer ação ou efeito de empregar


força física ou intimidação moral contra; ato violento, em se tratando de racismo ele
pode ser de várias formas institucional, interpessoal, subjetiva e negação de direito
também é uma forma de violência, quando falamos de acesso à educação a
população negra mais especificamente as mulheres negras sofreram uma grande
violência no que diz respeito a negação de seu direito à educação.
Tendo em vista que a educação é lócus de privilegio para a mudança nas
relações de desigualdade de cor e gênero falar sobre o acesso de mulheres negras e
seus processos se torna de fundamental importância para mudanças.
Ávila (2000) destaca que somente nos séculos XIX e XX as mulheres
conquistaram o direito à educação e ao voto, sendo que a partir dos anos de 1960 há
a incorporação de outras concepções e reivindicações de igualdade de direitos, para
além dos direitos políticos, trabalhistas e civis em se tratando da mulher negra o
mesmo não aconteceu. Seu acesso e permanência nos bancos escolares ainda
passam pelos marcadores de cor e gênero.
As desigualdades na educação, a partir dos grupos de cor e gênero, se
explicitam nas análises históricas, que revelam as distâncias entre mulheres negras e
brancas, e das negras em relação aos homens brancos, conformando assim a
estratificação social resultante de desvantagens históricas sofridas pela população
negra (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013). Dados de IBGE/PNAD de 2012 a população do
Brasil neste ano aproximava-se de 196, 9 milhões de pessoas, deste a população
branca era de 46,2 %, pardos eram 45,0%, 7,9% negros e, indígenas e amarelos
somavam 0,8%. Somando os pardos e pretos a população era em maioria negra. Em
se tratando de acesso à educação o relatório produzido pela Secretaria de Políticas
para as Mulheres-SPM no ano de 2013, a partir de dados de 2011, afirma que a partir
do marcador de gênero as mulheres estão em maior percentual inseridas na
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educação, porém quando o marcador passar a ser cor, as mulheres negras estão em
desvantagens no ensino fundamental soma 91,8% em relação a 92,1 % das mulheres
brancas, no ensino médio o percentual é de 52,1% da mulheres negras enquanto as
mulheres brancas somam 64,7%, já no ensino superior as mulheres brancas estão
23,6% enquanto as mulheres negras somam somente 10,9% de sua participação. Isso
prova que a educação brasileira enquanto um componente que viabiliza
transformações e mantem a desigualdade de gênero e entre gêneros.
Vale lembrar que em se tratando de escolarização ao longo do processo de
colonização e descolonização do Brasil a escola insere e exclui a mulher
discriminadamente, a trajetória das mulheres na educação tem um histórico de
restrições e impedimentos, regido por convicções seja cientifica, religiosas, culturais
o fato é que a participação das mulheres negras passam pela barreira da condição de
subalternidade empregada a essas mulheres, essa afirmação se fortalece com o
período colonial onde a ausência de educação para as mulheres é marcado
construção social da mulher, cujo papel esteve voltado a servir aos interesses dos
senhores da época, representados pelos donos de terras e pelos religiosos, que
realizaram no Brasil uma educação que excluía as mulheres do processo de
escolarização
Desde a primeira escola de ler e escrever, erguida incipientemente lá pelos
idos de1549, pelos primeiros jesuítas aqui aportados, a intenção da formação
cultural da elite branca e masculina foi nítida na obra jesuítica. As mulheres
logo ficaram exclusas do sistema escolar estabelecido na colônia. Podiam,
quando muito, educar-se na catequese. Estavam destinadas ao lar:
casamento e trabalhos domésticos, cantos e orações, controle de pais e
maridos (STAMATTO, 2002, p.2)

Podemos então afirmar que a condição da mulher branca era de completa


sujeição enquanto da mulher negras era de completa escravidão. Segundo
Vasconcelos (2011), a diferença entre os gêneros se dá pelas convicções da elite que
constituía a mulher para o casamento enquanto as mulheres negras era para os
serviços práticas que exigiam pouca ou nenhuma educação escolar e quando essas
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mulheres eram inseridas na educação ela tinha o intuído de dar-lhes uma educação
doméstica que lhe ensinasse o seu papel social de dominação e subjugação,
superioridade e dominação sendo que as mulheres negras eram reservadas a
segunda parte dessa dualidade.
A escravidão no Brasil durou 300 anos e era um sistema validade inclusive pela
Igreja que afirmava que os negros eram uma raça inferior, o negro vivia em situação
penosa e vexatória inclusive as mulheres negras época em que as mulheres brancas
viviam no confinamento do lar e as mulheres negras e indígenas eram dadas todos os
tipos de serviço, trabalho pesados e sexuais, para Lacerda (2010, p. 45) “a mulher
escrava, inclusive do ponto de vista dos serviços sexuais que era forçada a prestar,
era um instrumento, animalizada, reificada, longe da esfera humana dos sentimentos.”
Sobre essa conjuntura em que viviam os negros Carneiro (2003) afirma que a
profanação do homem branco contra as mulheres negras e indígenas e a
miscigenação como resultado disso fortaleceu o mito da democracia racial, insiste em
habitar o imaginário da sociedade engendrando novos contornos e contribuindo com
pareceres sobre as relações de gênero segundo a cor na sociedade.
Apesar de ser proibido e negado ao escravo ir à escola existiu alguns casos em
que como afirmam Goncalves e Silva (2000, p. 135) escravos e indígenas foram
alfabetizados pelos jesuítas a fim de submetê-los a um rígido controle de seus
senhores missionários. Em 1758 segundo Stamatto (2002) que houve mudanças com
a escola para homens e mulheres separadamente que com objetivos diferentes,
mudanças visíveis na educação das mulheres brasileira foram percebidas com a
chegada da corte real no brasil pois havia a necessidade se se formar apoio
administrativo para o exército. A Constituição de 1824, a primeira do Império do Brasil,
afirmou a instrução primária como gratuita a todos os cidadãos. Contudo a cidadania
estava restrita às pessoas livres, impossibilitando os escravizados da frequência às
aulas e o acesso ao saber. A educação então estava restringida a uma pequena

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parcela de mulheres brancas já as mulheres negras continuavam em regime de


escravidão, violência, subjugação, trabalho forçado e inferiorização social.

2. Alisando nosso cabelo Bell Hooks corpo e cabelo como violência: relato
individual de uma história igual

Desde muito pequena ouvia que meu cabelo é ruim, que tinha que ser domado,
que era feito passava o tempo inteiro com trancinhas, mas não eram trancinhas soltas
eram aquelas pegadas no couro cabeludo, pois meus cabelos eram duro, fui
crescendo sonhando com o dia que poderia sair com meus cabelos soltos, brincava
de colocar toalhas na cabeça para fazer de conta que eram cabelos lisos, com o dia
que eu poderia passar o pente quente, assim como via minha mãe fazendo todos os
fins de semana, ela me dizia que quando fosse minha vez que eu também iria ter o
cabelo bonito, aquela vontade não fazia parte de um sonho de ser branca, não eu nem
sabia o que era isso não tinha ideia que era diferente das outra Bell Hooks (2005) diz
que

Esse processo não estava associado na minha mente ao esforço de


parecermos brancas, de colocar em prática os padrões de beleza
estabelecidos pela supremacia branca. Estava associado somente ao rito de
iniciação de minha condição de mulher. Chegar a esse ponto de poder alisar
o cabelo era deixar de ser percebida como menina (a qual o cabelo podia
estar lindamente penteado e trançado) para ser quase uma mulher. Esse
momento de transição era o que eu e minhas irmãs ansiávamos (p. 105).

Eram somente para me sentir bonita, igual a todas as outras não queria mais
passar por situações tristes na escola por exemplo era chamada de cabelo de Bombril,
tuim, certa vez ao me defender de um colega que me provocava eu acabei
machucando uma colega que passou na hora errada, fui agarrada pelos dois braços
como uma criminosa e levada a diretoria em nenhum momento conseguiam ouvir o
que eu estava dizendo sobre o que sofri, fui jugada e condenada.
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Crescer era um sonho para mim e alisar os meus cabelos era um rito de
passagem da fase, era deixar de usar tranças que são muito comuns na infância de
meninas negras e começar a parecer uma mulher sobre esse processo não era
embranquecer era para me sentir mais bonita ser integrada aos padrões de beleza
sobre o qual Bell Hooks (2005) afirmou:

Levando em consideração que o mundo em que vivíamos estava segregado


racialmente, era fácil desvincular a relação entre a supremacia branca e a
nossa obsessão pelo cabelo. Mesmo sabendo que as mulheres negras com
cabelo liso eram percebidas como mais bonitas do que as que tinham cabelo
crespo e/ou encaracolado, isso não era abertamente relacionado com a ideia
de que as mulheres brancas eram um grupo feminino mais atrativo ou de que
seu cabelo liso estabelecia um padrão de beleza que as mulheres negras
estavam lutando para colocar em prática (p.6).

Logo essa segregação não era dita com todas as palavras, era dita e posta nas
entrelinhas uma mulher com cabelo alisado era mais bonita do que as que usavam
seus cabelos naturais. A partir dos 10 anos comecei a modificar meus cabelos, eram
cremes alisantes, pente quente, logo veio as escovas e pranchas, passei uma vida
inteira nesse processo. Segundo Bell Hooks (2005) foi dentro do patriarcado
capitalista que surge o costume entre negros de alisar o cabelo. Uma colonização
perfeita fez que que as inferioridades de seus aspectos naturais fizessem uma massa
de mulheres e meninas negras a modificarem a textura dos seus cabelos.
Cabelos naturais eram sinal de resistência nos anos 1960, pessoas que
criticavam o patriarcado, o capitalismo, assim como o processo de embranquecimento
da população negra, usavam seus cabelos naturais para assim manifestarem seu
valor político, e sua inconformidade diante da expectativa da sociedade. Fazer parte
do mundo branco não era só um desejo mas também uma necessidade, para se inserir
no mundo do trabalho era necessário ter uma boa aparência o que na época era ter
os cabelos alisados chegando ao ponto de muitas mulheres usavam seus cabelos
naturais a terem perucas quando iam à procura de um emprego.

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Aos 27 anos resolvi fazer a transição capilar, resolvida pessoalmente


profissionalmente e politicamente voltar as minhas raízes era mais um passo para
minha realização pessoal, não fui bem recebida em casa, ouvi muita piadinha, mas
também fui referência para muitas alunas que se inspiraram em mim para também
passarem pela transição, apesar de ter havido muitas mudanças o cabelo ainda
continua sendo um “problema” a ser resolvido sobre isso Bell Hooks (2005) vai dizer
que o
alisamento ainda é considerado um assunto sério. Por meio de diversas
práticas insistem em se aproveitar da insegurança que nós mulheres negras
sentimos a respeito de nosso valor na sociedade de supremacia branca.
Conversando com grupos de mulheres em diversas cidades universitárias e
com mulheres negras em nossas comunidades, parece haver um consenso
geral sobre a nossa obsessão com o cabelo, que geralmente reflete lutas
contínuas com a auto estima ne a auto realização (p.4).

3. Considerações finais

O Brasil tem uma dívida histórica, desumana e cruel com nós mulheres negras
que fomos toda a vida abusadas violentadas taxadas por sua condição, cor, sexo,
gênero a lugares que não tiveram escolha, submetidas a padrões que a todo tempo
dita o belo , padrões esse que afirmam que não somos modelos de beleza, nosso
nariz não é fino, nossa boca é muito grande o cabelo então é de Bombril, fomos
estupradas, animalizadas, objetificaram nosso corpo e quando chegamos a uma certa
idade não merecemos ter companhia, nas nossas costas colocaram o peso da força,
da raiva da loucura, nos delegaram criar nossos filhos sozinhas, nos jogaram nas
cozinhas com vassouras e rodos nas mãos, e quando lutamos para não seguir a
maioria nos intitulam de “negrinha metida” temos que todo momento provar nossa
capacidade, provar que somos mulheres que merecem respeito, que não somos
“fáceis”, que podemos exercer funções, que temos sentimento que queremos ser
amadas.
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REGULAMENTAÇÃO DAS PRÁTICAS HOMOSSOCIAIS NA DITADURA


MILITAR BRASILEIRA

Iago dos Santos Moura-Melo*


Ricardo Afonso-Rocha**

Resumo
A ditadura hétero-militar brasileira de 1964-1988, trouxe contornos expressivos para
a regulação das sexualidades e dos corpos, assumindo, obliquamente, uma política
estatal de sujeição/produção sexual. Isto porque, essa política não foi assumida pelo
regime militar, embora utiliza-se da expressão “moral e bons costumes” com intuito de
regular os dissidentes morais, os subversivos, dentre tantos, os homossociais. Como
de fato fez, ao estruturar seu aparato repressivo contra a homossocialidade. A
homossocialidade, aqui entendida para além das práticas sexuais entre sujeitos do
mesmo sexo, compreendendo atitudes, gestos, afetos, sensibilidade, sentimentos,
emoções, linguagem corporal, que transgridam as normas rígidas pré-estabelecidas
como masculinas ou transitem entre o masculino e feminino, é lida com imoral, uma
afronta à ordem “democrática” cristã. Potencializa-se, dessa forma, as expressões e
experiências de resistência à sujeição/produção dos corpos, num movimento contra-
hegemônico.

Palavras-chave: Homoeroticidade. Ditadura civil-militar. Sensibilidade homossocial.

* Mestrando do programa de Pós-graduação em Linguagens e Representações com ênfase em Análise do


Discurso, do Departamento de Letras e Artes, da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC.
** Graduando em Direito, na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC.

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Ditadura hétero-militar brasileira: produção/sujeição do corpo homossocial

Não é novidade que os Estados dispõem de tecnologias não só para disciplinar,


mas para regulamentar e gerir as condutas, os corpos, a sexualidade, os desejos, os
prazeres, os sonhos e as faltas das pessoas, individualmente consideradas, ou da
população (FOUCAULT, 2009; 2017), uns em maior, outros em menor grau de
regulação das práticas sociais. Segundo Quinalha (2017), isso não é uma
característica exclusiva de regimes de restrição a direitos civis e liberdades públicas.
Todavia, os regimes mais fechados apresentam maior intensidade dessas técnicas de
controle e disciplina.
Sendo, por certo, conhecido o modo de como o regime nazista tratava as
sexualidades dissidentes, nesse, houve uma política de extermínio aos sujeitos
homoeróticos assumida pelo Estado. Outro triste exemplo é o do regime ditatorial
socialista da União Soviética após a ascensão de Stálin, que marcou um retrocesso
conservador na Revolução Socialista de 1917, criminalizando novamente as práticas
homoeróticas. Ambas as ditaduras se caracterizam por assumirem uma política
estatal de punição à homossocialidade, inclusive com tipificação penal para essas
práticas.
A Itália fascista de Mussolini, embora não tenha assumido uma política estatal
de extermínio e perseguição às pessoas homossexuais, através da criminalização da
homossocialidade, assumiu, de forma sub-reptícia, a repressão às sexualidades ditas
subversivas, a partir de uma revolução antropológica, que criou o conceito de “Homem
devoto ao Estado”, tendo, a produção legislativa italiana, limitado-se a criminalizar
certos fenômenos “antissociais” genéricos. Sob essas rubricas, os laços societais
desviantes foram estigmatizados e condenados à prisão, ao exílio forçado.
Caso semelhante ocorreu na Espanha de Francisco Franco (1939-1977) e no
Estado Novo português de António Salazar (1933-1974), marcados pelo conceito
antropológico de “Novo Homem”. Nesses regimes, marcados pela repressão indireta

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e oblíqua, isto é, sem a sustentação de uma política estatal, é mais dificultoso saber,
com exatidão, sobre o número de mortos, condenados, desaparecidos e vitimados por
seus laços e vínculos homossociais. Além disso consagraram o mito de que, nesses
regimes, não houve perseguição aos sujeitos desviantes, afinal, não existia uma
política coerente e assumida por esses Estados com fito de proibir a
homossocialidade.
O regime ditatorial brasileiro aproxima-se mais da repressão, sub-reptícia,
ocorrida na Itália, Portugal e na Espanha, vez que não houve uma política estatal
coerente de extermínio dos sujeitos desviantes. Isto não significa, todavia, que a
repressão às sexualidades dissidentes não ocorreu, ou que fora um incidente menor
da ditadura hétero-militar (1964-1988). Ao contrário, a repressão aos sujeitos
homossociais foi uma prática comum, incentivada, corriqueira na ditadura brasileira,
que visualizava a homossocialidade como um obstáculo ao fortalecimento do Brasil
enquanto nação.
A partir disso, é preciso entender que, no caso brasileiro, as repressões contra
a homossocialidade apresentam-se sob as mais variadas formas, dimensões e
contornos. Os relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Comissão
Estadual Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” (CEV/SP) e Comissão
Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV/RJ) esclarecem-nos que, embora não
houvesse uma política estatal formal e coerente de discriminação/eliminação das
práticas e dos sujeitos homossociais, como, de fato, existia para o extermínio dos
grupos de oposição de esquerda, evidentemente, houve instrumentos e aparelhos
ideológicos (ALTHUSSER, 1985) e físicos que visavam legitimar o golpe e a cassação
de direitos e liberdades individuais, em nome de valores conservadores, relacionados
à utopia autoritária. A partir desses aparelhos, o governo ilegítimo assumiu uma

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perspectiva homofóbica 1 , ao relacionar a homossocialidade às esquerdas e à


subversão.
Engana-se quem pensa que sujeição/produção dos corpos e o gerenciamento
das condutas da população (FOUCAULT, 2009; 2017) é expressão de um
irracionalismo anacrônico. Ao revés, seu funcionamento é expressão de um
racionalismo que leva aos limites extremos suas faculdades, pois a razão abstrata é
violenta (MAFFESOLI, 2004).
A ditadura brasileira (1964-1988) foi expressão do racionalismo extremo aceito
e querido por uma parcela significativa da população - vide as manifestações ocorridas
entre março e junho de 19642, que abrolharam a base da retórica moralidade pública
e dos bons costumes, para a construção da estrutura ideológica que deu sustentação
à ditadura hétero-militar (1964-1988), a utopia autoritária.
Conforme nos demonstrou Foucault (2017), o poder não é um corpo material e
unitário, centralizado em determinada instituição. O poder funciona a partir de
microrelações sociais, é um emaranhado, não é centralizado, não é possível possuí-
lo, visto que ele não está em nenhuma instituição; o poder é capilar e cirúrgico – está
em todos os lugares. Logo, entende-se que a ditadura não foi um acontecimento
isolado, um golpe orquestrado por uma minoria burguesa com apoio gerencial dos
militares. O golpe foi o resultado de uma série de fatores e de condições endógenas
(econômicas, políticas, sociais, morais, religiosas, individuais, etc.) envolvendo
diversos setores da sociedade brasileira, bem como influências de vários fatores
exógenos.

1 Homofobia, aqui, é entendida como a rejeição, medo, ódio, repressão, opressão contra experiências afetivo-
sexuais partilhadas entre pessoas do mesmo sexo, uma aversão aos laços e vínculos de homossocialidade
(JUNQUEIRA, 2012).
2 Aqui fazemos alusão às manifestações da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorridas entre março

e junho de 1964 com ampla participação de católicos conservadores, grupos femininos, moralistas, grandes
proprietários rurais, empresariado e setores das classes média e baixa que ocuparam as ruas de diversas cidades
brasileiras contra o governo João Goulart clamando por uma intervenção militar.
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Nesse sentido, faz-se importante argumentar que Foucault (2017) discordava


da análise marxista sobre os regimes fascistas europeus. Para o autor, tais
abordagens eram demasiadamente simplista, isto porque tomavam tais governos
como ditaduras burguesas, explicadas simplificadamente pelo determinismo
econômico. Essas análises carecem de uma explicação sobre o exercício do poder
nesses regimes. Pensar uma ditadura a partir da perspectiva marxista impede, alude
Foucault (2017), a reflexão sobre o desejo popular por esses regimes, isto é, impede
visualizar que a sustentação do regime é socialmente construída com apoio de
parcelas expressivas da população.
Com o regime brasileiro não foi diferente, pois na ditadura hétero-militar (1964-
1988), o poder não foi exercido por um único órgão ou tão somente pelo Estado, mas
foi exercido por setores amplos da vida social (igrejas, imprensa, empresariado,
produtores rurais, classe média, militares, judiciário, entidades de classe, advocacia,
etc.), que foram investidos nas funções de controle, repressão, denúncia, de polícia,
de matar, violar, delatar. Sendo, por certo, essencial analisar como o poder estava
esparramado pela população.
A sujeição/produção dos corpos na ditadura hétero-militar (1964-1988) apoiou-
se em institutos penais com definições vagas e abstratas, utilizando-se de conceitos
jurídicos vagos como “vadiagem” e “atentado ao pudor” para criar um ambiente
inflexível de punição para todos aqueles que ousaram transgredir ou transitar nos
padrões sexuais e de gênero estabelecidos socialmente.
O direito, então, funcionou como técnica de sujeição para o gerenciamento
eficaz da vida da população de acordo com o padrão almejado pelos golpistas. Não
se pode olvidar que as relações de poder ganham conotação jurídica, entretanto,
entende-se que o direito é mais seu estágio final do que centro produtor. (FOUCAULT,
2017). Partindo dos pressupostos teóricos desenvolvidos por Foucault em sua
analítica do poder, percebe-se que o regime ditatorial de 1964 foi um minucioso
sistema disciplinar e regulamentar que visava obter a coesão do corpo social, bem
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como sua homogeneidade. “Ora, este sistema disciplinar não pode absolutamente ser
transcrito no interior do direito que é, no entanto, o seu complemento necessário”
(FOUCAULT, 1985, p.189).
Nesse sentido, a lei passa a funcionar em um continum regulamentar, não
sendo, na perspectiva do governo, o instrumento principal. Traduzindo, a rede capilar
de poderes disseminou-se, formando um sistema social de constante vigilância,
sujeição e controle. “Quem está submetido a esta engrenagem de poder, acaba
submetendo-se de forma voluntária, acaba se tornando vigia de si mesmo, ‘torna-se
princípio de sua própria sujeição’.” (SOUZA, 2011).
A ditadura hétero-militar 3 brasileira de 1964-1988 4 trouxe contornos
expressivos para a regulação das sexualidades e dos corpos, assumindo,
obliquamente, uma política estatal de sujeição/produção sexual (FOUCAULT, 2017).
Isto porque, essa política não foi assumida pelo regime militar, embora utiliza-se da
“moral e bons costumes” com intuito de regular os dissidentes morais, os subversivos,
dentre tantos, os homossociais, como de fato fez, ao estruturar seu aparato repressivo
contra a homossocialidade.
Conforme, pontualmente, explica-nos Fico (2015), o preconceito contra
lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros (LGBTQIAP+ 5), por
certo, não surgiram com a ditadura de 1964, “Ela apenas forneceu aos moralistas e
conservadores, então no [gerenciamento das condutas], os meios para agirem” (FICO,
2015, p. 15). Isto porque, a ditadura “reforçou o poder da polícia, a censura sobre

3 Termo utilizado por Renan Quinalha (2017) para assinalar e destacar a repressão moral às dissidências sexuais
durante a ditadura hétero-militar (1964-1988).
4 Adota-se o ano de 1988 como marco final da ditadura hétero-militar (1964-1988), a despeito da historiografia

majoritária, por ser o ano do advento de uma nova ordem constitucional democrática e por ser o ano em que o
aparato censório foi extinto. Em sentido idêntico, Quinalha (2017) adota esse ano.
5 Embora no período da ditadura todos os “desviantes sexuais” eram vistos, hegemonicamente, como forma de

homossexualidade, optou-se, neste trabalho, que pese o anacronismo, para se referir às multiplicidades de
expressões sexuais e de gênero, o uso da sigla mais contemporânea LGBTQIAP+ que significa lésbicas, gays, bi,
trans, queer/questionando, intersexo, assexuais/arromântiques/agênero, pan/poli, e mais. Note-se que este
trabalho, entretanto, tem como foco principal o estudo da homossexualidade masculina como resistência aos
valores morais da ditadura militar.
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diversas esferas da vida e as arbitrariedades da repressão estatal, instituindo uma


notória permissividade para a prática de graves violações dos direitos humanos de
pessoas LGBT” (BRASIL, 2014, p. 300).
Indo além dessa evidente constatação, o Relatório Final da Comissão Nacional
da Verdade (CNV)6 afirma que o aparato repressivo da ditadura brasileira dificultou a
organização dos homossexuais entre as décadas de 1960 e 1970. Ou seja, o Estado
brasileiro reconhece em 2014, tardiamente, que a ausência de uma rede de
solidariedade bem-estruturada em torno dos direitos políticos e civis da população
LGBTQIAP+, como ocorria na Europa, Argentina e Estados Unidos, deve-se a adoção,
ainda que implícita, de uma política de Estado de repressão aos desviantes sexuais;
“afinal, a censura não permitia esse nível de liberdade de expressão e de ação política”
(BRASIL, 2014, p. 300).
A ausência dessa rede, dificultou, senão impediu, o monitoramento e a
denúncia das situações de violações de direitos humanos da comunidade
LGBTQIAP+.
A falta de informações e registros de uma ditadura que buscou apagar seus
rastros, sobretudo sob o recorte específico LGBT nesse período, torna ainda
mais difícil dimensionar o alcance e o sentido das violências praticadas
(BRASIL, 2014, p. 301).

“Muitas pessoas LGBT perderam seus empregos ou cargos públicos pelo


simples fato de terem uma orientação ou práticas sexuais contrárias aos padrões
hegemônicos de acordo com a moral conservadora da época” (BRASIL, 2014, p. 303).
Como exemplo dessa repressão, cita-se: a expulsão de diplomatas homossexuais
realizada pelo Itamaraty – Magalhães Pinto, um dos principais líderes civis que

6O texto “Ditadura e Homossexualidade”, integrante do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, foi
elaborado sob a responsabilidade do conselheiro Paulo Sérgio Pinheiro com apoio em pesquisas e investigações
desenvolvidas pelos pesquisadores James N. Green, professor de história e estudos brasileiros na Brown
University (EUA); Carlos Manuel de Céspedes, professor de História Latino-Americana, Brown University; e Renan
Quinalha, advogado na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”. Desde sua instalação, em
16 de maio de 2012, a CNV ouviu 1.121 depoimentos, 132 deles de agentes públicos, realizou 80 audiências e
sessões públicas pelo país.
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apoiaram a derrubada do governo de João Goulart, quando nomeado, por Costa e


Silva, para chefiar a pasta do Ministério das Relações Exteriores, determinou um
exame minucioso para detectar os casos de homossexualismo comprovado de
funcionários do ministério. O objetivo dessa ação era o de preservar o “decoro e o
bom nome da casa”, isto amparado no Ato Institucional nº 5 de dezembro de 1968. A
determinação do ministro Pinto ocorrera após, apenas, um mês da edição do AI-5.
Quinze diplomatas foram cassados, dentre os quais sete o foram sob a justificativa de
prática de homossexualismo.
A Comissão de Investigações Sumárias instaurada por Magalhães Pinto
terminou seus trabalhos em um mês, decidindo acusar inúmeros funcionários pela
prática de homossexualismo, incontinência publica escandalosa, instabilidade
emocional, embriaguez, uso de drogas, dentre outras condutas lidas como perigosas
à segurança nacional e incompatíveis com as exigências morais e o decoro da carreira
diplomática. Dentre as punições recomendadas pela Comissão, a mais indicada era a
aposentadoria compulsória; interessante que no caso envolvendo Vinicius de Moraes,
à época ocupava o cargo de primeiro secretário, a Comissão recomendou, por seu
envolvimento com álcool, sua transferência para o Ministério da Educação e Cultura,
isto porque o “poetinha” já era, na época, bastante conhecido. “Devem ter pensado
que Vinicius seria menos danoso lá. Tais práticas não poderiam macular o respeitável
Itamaraty, guardião da imagem do Brasil no exterior” (FICO, 2015, p. 15).
Absurdamente, o chefe do Serviço de Assistência Médica e Social do
ministério, Fernando Cardoso de Souza, recomendou que para se verificar se os
indiciados eram, de fato, homossexuais, fossem realizados exames proctológicos e
psiquiátricos. Tal episódio traduz “com muita clareza a lamentável mescla de
conservadorismo, moralismo e ânimo punitivo que se verificou diversas vezes durante
a ditadura militar” (FICO, 2015, p. 13).

Este relatório revela uma vigilância pessoal e detalhada. Mas, indo além, sua
importância reside na forma como articula embriaguez, homossexualidade,
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insanidade e outras categorias médico-patológicas depreciativas para a


compreensão dos desvios ligados à degeneração e a ameaças à segurança
nacional e às políticas diplomáticas do Brasil (BRASIL, 2015, p. 304).

Outro triste exemplo é o processo judicial movido contra o jornalista Celso Curi
por promover o “homossexualismo” e a licença dos costumes. Curi foi o responsável
pela “Coluna do Meio” entre fevereiro 1976 e novembro de 1977, do jornal Última Hora
dirigida aos leitores gueis7. Na denúncia oferecida à 14ª Vara Criminal da Comarca de
São Paulo, a Promotoria Pública alegou que “o homossexualismo é claramente
exaltado, defendendo-se abertamente as uniões anormais entre seres do mesmo
sexo, chegando inclusive a promovê-las através da seção Correio Elegante” (BRASIL,
2014, p. 306). Assim como Cassandra Rios, Curi não teve o apoio dos setores de
oposição à ditadura, sendo absolvido somente em março de 1979.
Em São Paulo, no ano de 1978, foi instaurado inquérito policial contra onze
jornalistas da revista IstoÉ responsáveis pela publicação da matéria “O poder
homossexual”. Acusados de fazer apologia ao homossexualismo.
Antônio Chrysóstomo, jornalista que integrava o conselho editorial do Lampião
da Esquina, que conseguiu, em 1979, a guarda provisória de uma criança em situação
de rua que ficava próxima ao local onde o grupo se reunia. Em seguida, foi denunciado
por abuso sexual e maus tratos por sua vizinha, denúncia posteriormente retirada,
todavia “o promotor de justiça, ex-agente do DOPS, manifestou uma visão claramente
preconceituosa que associava homossexualidade à pedofilia, empenhando-se
pessoalmente na condenação” (GREEN; QUINALHA, 2015, p. 67).
Chrysóstomo teve sua prisão preventiva decretada, ficando 180 dias recluso,
até que foi condenado definitivamente. Após dois anos preso, foi absolvido em decisão

7 Alguns intelectuais brasileiros preferem a grafia guei, numa apropriação aportuguesada, em substituição ao
termo gay, como exemplo citamos João Silvério Trevisan. Conforme Moreno (2007, p. 123) “Intitular-se gay é aderir
a uma comunidade sem fronteiras; intitular-se guei é, além disso, reforçar uma identidade nacional [...], assumir
uma postura politizada”.
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da segunda instância por ausência de provas. Entretanto, sua vida já estava muito
abalada, faleceu meses depois da absolvição.
Livros, jornais, peças de teatro, músicas, filmes, novelas, programas de
auditórios foram censurados pela ditadura hétero-militar, sendo obrigados a retirar
personagens homossexuais, cenas, diálogos ou frases lidas como subversivas, em
termos morais.8
A censura foi um dos instrumentos mais utilizados pelos golpistas para reprimir
os homossexuais, dificultando o desenvolvimento da cultura homossexual. A
preocupação em eliminar os obstáculos morais que impediam o crescimento do país
justificou o controle dos setores culturais pelo Estado.
Falar em censura moral na ditadura militar é falar em Cassandra Rios, escritora
mais censurada nesse período. Cassandra teve, pelo menos, trinta e seis obras
proibidas. Só contra um de seus livros, Eudemônia, sofreu dezesseis processos
judiciais.
As acusações iam sempre no sentido de que seus textos continham conteúdo
imoral e aliciavam o leitor à homossexualidade. Os danos financeiros para ela
e suas editoras eram enormes (BRASIL, 2014, p. 304).

O regime hétero-militar que estava fundamentado na perspectiva da utopia


autoritária 9 (FICO, 2004). Para esse projeto, havia óbices que impediam o
crescimento/fortalecimento do Brasil enquanto nação, e deveriam ser eliminados
(comunismo, imoralidades, corrupção, subversões, etc.). As fincas dessa perspectiva
fixavam-se na valorização da família heteronormativa, através de uma moral
conservadora que repelia os desejos e prazeres homossexuais.
As práticas homossociais são vistas, então, como subversivas, por atentarem
contra a moral e os bons costumes, constituindo-se um risco à família e, portanto, ao

8 Sobre a censura moral no período da ditadura brasileira (1964-1988), minucioso é o trabalho de doutoramento
de Renan Quinalha (2017).
9 Para Fico (2003), a utopia autoritária é a dimensão menos elaborada da doutrina da segurança nacional, por ser

intelectualmente diluída entre todas as instâncias militares.


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próprio futuro da nação. Isto porque o laço societal de conotação homossocial supera
a associação racional, é um predicado do ser-com-outro-no-mundo, assinalando a
solidariedade e o instante eterno como vínculo carismático em superação ao idealismo
contratual.
A homossocialidade, aqui deve ser entendida para além das práticas sexuais
entre sujeitos do mesmo sexo, compreendendo atitudes, gestos, afetos, sensibilidade,
sentimentos, emoções, linguagem corporal, que transgridam as normas rígidas pré-
estabelecidas como masculinas ou transitem entre o masculino e feminino, é lida
como imoral, uma afronta à ordem “democrática” cristã. Nesse viés, Foucault (1982)
afirma que somos mais tolerantes em relação às transgressões às leis, do que somos,
com as práticas que “insultam ‘a verdade’: um homem ‘passivo’, uma mulher ‘viril’,
pessoas do mesmo sexo que se amam [...] estamos sempre prontos a acreditar que
há nelas um ‘erro’”.
É o sentimento de pertencimento a um lugar ou grupo que permite a cada um
sentir-se deste mundo e entrar em contato com o outro de um modo natural, sem
apagamento da história e singularidades do sujeito, é a fugacidade do presente, o
eterno retorno ao trágico. São as expressões, afetos e emoções vivenciadas por
sujeitos homossociais em seu constante processo de assujeitamento. Dessa forma, o
que está em jogo é o “‘MAIS-QUE-UM’, fazendo com que todos participem de algo
pré-individual. O mundo e o indivíduo não podem mais, desde então, ser pensados a
partir da ‘reductio ad unum’ [...]” (MAFFESOLI, 2012, p. 90).
A tribo é, assim, traduzida por um sentimento de estar-junto, ou seja, vivenciar
emoções de forma conjunta (MAFFESOLI, 1987). Há, nesse momento, um
deslocamento do ideal de indivíduo para a realidade da pessoa. A pessoa (persona =
máscaras), enquanto plural (“eu sou os outros”) de identificações múltiplas, marcado
pelo “instante eterno”, o presente vivido, aqui e agora, cuja consequência da
pluralização é a multiplicação das emoções compartilhadas e a fugacidade do social
(MAFFESOLI, 2005).
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A sensibilidade trágica de conotação homossocial, aqui pensada com Maffesoli,


como um ethos constituído a partir de emoções e afetos partilhados em comum, foi
uma experiência singular de oposição ao sistema ditatorial brasileiro, em específico à
“moral e os bons costumes” afervorados pelos defensores do regime de exceção.

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VISÕES SOBRE O FEMININO E O CORPO SECULARMENTE

Domingos Apostolo de Sousa*


Luiz Mott**

Resumo
As visões sobre o gênero feminino na Idade Média, período marcado pelo predomínio
do Cristianismo e a sua influência profundamente com relação ao imagético feminino
ao longo do tempo. Abordando um período em que se percebia que era vigente um
sistema que perseguiu, secularmente, milhares de mulheres, a partir de uma visão e
interpretação do corpo e do feminino relacionados ao mal e à figura do demônio. Isso
vem perpassando ao longo dos séculos e, hoje, ainda observamos como isso
influencia a onda de negatividade e exclusão com relação a tudo que tem relação ao
gênero feminino.

Palavras-chave: Mulheres. Inquisição. Demônio. Sociedade. Cristianismo.

Introdução

Nos dias hodiernos, em razão do grande número de feminicídios verificados,


principalmente, nos grandes centros urbanos, vistos como evoluídos – capitais, muito
se tem discutido sobre a condição da mulher na sociedade contemporânea – chamada
por alguns de pós-moderna – e as circunstâncias e perspectivas nas quais ela é
entendida, tanto sociais quanto relacionadas ao corpo.

* Universidade do Estado da Bahia – UNEB / Núcleo de Gênero e Sexualidades - NUGESEX; Salvador – BA. E-
mail: doda99@bol.com.br
** Prof. Titular aposentado da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Decano do Movimento LGBT do Brasil.

Fundador do Grupo Gay da Bahia.


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Reportando-nos à Idade Média, época em que as visões sobre o corpo e o


feminino verificadas, remetiam-nos, a um período marcado pelo predomínio da religião
cristã em todas as esferas sociais e cotidianas, e que influenciou fortemente a
construção da imagem da mulher ao longo do tempo.
Nessa época, a Inquisição europeia estabeleceu-se enquanto um sistema ou
instituição que perseguiu, por muitos séculos, milhares de mulheres, fundamentada
numa visão e interpretação do corpo e do feminino relacionados ao mal e à figura do
“demônio”.
É importante dizer, que a especificidade adquirida pelo discurso misógino no
contexto da Idade Média, repousa numa visão masculina pessimista, herdeira de
tradições clássicas que foram acentuadas no período medieval. Ou seja, a imagem
da mulher que pretendemos tratar neste trabalho, não foi um constructo exclusivo e
pertencente à Idade Média, mas um processo bem mais longo, onde se mesclaram
elementos presentes no discurso aristotélico (LIEBEL, 2004) e outros presentes na
Antiguidade Clássica, que situam o homem e a mulher em uma hierarquia funcional
de superioridade e inferioridade, atribuindo as características de seco, quente, alto e
reto ao masculino; e frio, úmido, baixo e curvo ao feminino, extrapolando os limites de
uma suposta inferioridade física para uma inferioridade moral. Dessa forma, a imagem
da mulher medieval é construída a partir da oposição entre feminino e masculino, na
qual o ser homem liga-se à virilidade, ao senso de honra, à retidão, e a mulher à
desonra, a ausência de retidão no comportamento.

1. Fundamentação teórica

No mundo greco-romano, o imaginário misógino relegava à mulher a condição


de ser frágil e tutelado, indigno de exercitar a sua cidadania. Restando-lhe apenas a

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sublime tarefa de trazer ao mundo varões de que necessitava a pólis para garantir sua
continuidade (NOGUEIRA, 1991, p. 15).
O homem relaciona-se à espiritualidade, sendo considerado o portador de um
caráter superior perturbado pela natureza feminina. A mulher é, em sua essência,
instintiva, dionisíaca, e o homem, racional, apolíneo (LIEBEL, 2004, p. 8).
O feminino em geral apresenta entre suas principais características a ira.

Não há veneno pior que o das serpentes; não há cólera que vença a da
mulher. Seu destempero a leva a inverter as posições de mando, ousando
desafiar a autoridade do marido, e, segundo Cícero, o homem torna-se
escravo da mulher, que o governa. O perigo de ceder autoridade às mulheres
é exposto com os exemplos daquelas que destruíram reinos: Helena,
Jezebel, Atália, Messalina e Cleópatra, “a Serpente do Nilo, a pior de todas
as mulheres (KRAMER; SPRENGER, 1991, p. 119).

O mundo social imprime no corpo dos sujeitos esquemas de percepção e ação


que funcionam como uma segunda natureza, instituindo a diferença biológica entre os
sexos em termos desiguais e discriminatórios, produto de uma relação arbitrária de
dominação, fundamentada na manutenção da ordem social. A mulher constitui-se em
entidade negativa pelo defeito da ausência de propriedades masculinas. Uma
identidade negativa, que condenou a mulher a carregar continuamente os estigmas e
marcas de sua malignidade, justificando, assim, as atribuições que o sistema
simbólico dominante lhe imputou como integrantes de sua natureza. Ela é tentadora,
cuja lubricidade afasta os homens da salvação de sua alma (LIEBEL, 2004).
Em linhas gerais, o padrão comportamental que regia a postura feminina na
época medieval era determinado pelos didáticos cristãos, entre eles Santo Agostinho
e São Tomás de Aquino. Baseados na interpretação das Escrituras, eles ditavam as
normas para o procedimento da mulher no âmbito social, que era principalmente o
familiar e privado. Neste ambiente, a mulher e os filhos estavam sujeitos ao poder e
domínios masculinos. Dentro desta perspectiva, a primeira virtude a ser ensinada às
meninas era a obediência, não convinha a elas saber ler ou escrever.

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Como o feminino representa perigo, até mesmo no espaço familiar sua


liberdade era limitada (GONÇALVES, 2009). No medievo, eram pregados os valores
da castidade do celibato, desta forma, a mulher representava uma tentação constante,
e os homens que desejassem permanecer intocados no espírito, deveriam dela se
afastar. Relações frequentes são feitas entre a mulher e o demônio, figura
fundamental e indispensável no universo medieval.
Consideramos importante dizer que, apesar de o estereótipo medieval sobre a
mulher ser majoritariamente relacionada à luxúria e ao pecado, havia paralelamente
a imagem da santa, ou Ave, que contrasta completamente com a imagem da bruxa.
Cria-se assim, neste período, uma oposição entre as mulheres que não se
guiam pelos moldes impostos pela Igreja e as mulheres que suplantavam suas más
tendências naturais ligadas à carne e se faziam santas.
Percebemos neste último grupo a influência da imagem de Maria Madalena,
como uma pecadora redimida pela religião. Assim, nem todas as mulheres se
entregavam às práticas mágicas e de bruxaria. Uma parte delas, mesmo que
pequena, conseguia se livrar dos enlevos a carne, da enganação de seus sentidos e
se consagrar à religião e à Cristo. Mas a maior parte delas não era capaz de se auto
desafiar e resistir à sua feminilidade, vista como inferior, se opondo à natureza
masculina, mais ligada ao espírito (GONÇALVES, 2009).
Os intelectuais eclesiásticos medievais estavam certos de que mulher era quem
mais se entregava à bruxaria e às práticas mágicas, pois acreditavam que ela, seja
na bondade ou vício, não conhecia a moderação, poderia ser virtuosíssimas ou
afundar nos piores vícios (KRAMER; SPRENGER, 1991). Essas afirmações partem
de uma percepção que pressupunha a existência de uma “essência” masculina e uma
feminina, ou seja:
uma categoria social fixa, uma entidade separada, um fenômeno conhecido
– eram pessoas biologicamente femininas que se moviam dentro e fora de
contextos e papéis diferentes, cuja experiência mudava, mas cuja essência –
como mulher – não se alterava (SCOTT, 1992, p. 82, apud PIMENTEL, 2012,
p. 43).
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Dessa forma, independente do contexto e dos grupos sociais ocupados pelas


mulheres, sua essência era sempre a mesma, frágil e moralmente debilitada. O
desenvolvimento do culto à Virgem Maria acentuou ainda mais o misoginíssimo, na
medida em que exaltou a mulher excepcional, para a qual a sexualidade foi uma
eterna ausente.
Tais distinções são feitas invocando passagens da Bíblia e de autores como
Cícero e Sêneca.
De acordo com Gonçalves (2009) existem mulheres que podem se fazer
incrivelmente santas, suplantando suas “más tendências” e tornando-se até
superiores aos homens por isso, sendo semelhantes à Maria Madalena. Contrária à
santa aparece à mulher incontrolável, não confiável, apelativa e até enganadora dos
sentidos: note-se que Eva convence Adão a comer do fruto proibido através de suas
palavras.
Apesar destas interpretações, a que prevaleceu e foi intensamente difundida a
partir do século XIII através dos sermões foi a da mulher pecadora “- Messalina” - que
abandonava a fé cristã, se entregava aos deleites da carne e tinha poderes para
causar malefícios aos bons cristãos. Esta difusão, além de implantar o pânico em
relação ao diabo e aos terrores da danação eterna, imprimiu nas consciências o medo
da mulher (NOGUEIRA, 1991).
A raiz do medo que os homens sentiam pelas mulheres estava ligada aos
segredos do parto, da cura e da fabricação de “mezinhas”, termo do qual se originou
a palavra medicina. Ela ainda conhecia os segredos dos venenos, das poções e dos
filtros, espécie de chá, que enfeitiçavam e matavam, sendo a senhora da vida e da
morte.
Os elementos constituintes de uma visão masculina de mundo herdados da
Antiguidade foram amplificados pelo cristianismo, para explicar e demonstrar a
inferioridade feminina e fornecer os dispositivos intelectuais necessários para a
construção da imagem da serva do diabo. De acordo com Silva Liebel (2004), o
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discurso misógino medieval se faz a partir de três elementos principais, uma visão
masculina de mundo; a ideia da culpa humana, principalmente a da mulher; e os
manuais inquisitoriais.
Assim, a cultura dirigente elaborou uma mitologia demoníaca, na qual efetuou
uma sistemática e meticulosa leitura da discordância, em especial de manifestações
das tradições populares de acordo com uma ótica demonológica. De acordo com
Carlos Roberto F. Nogueira (1991), o universo passou a ser percebido como dividido
entre reinos completamente antagônicos, o de Cristo e o do Diabo, imersos em um
combate que data da Criação. A Igreja, tendo o poder a seu serviço, dividiu o mundo
em duas partes também antagônicas, os servidores de Deus e os servos do Diabo,
majoritariamente mulheres.
É interessante destacar o papel dado à culpa da mulher pela introdução do mal
no mundo, juntamente com as heresias que ameaçavam a cristandade. Eva é o
primeiro exemplo dos malefícios causados pela mulher, das desgraças da
humanidade, devido à sua curiosidade natural. Pandora é outro mito de origem, a
libertação dos males no mundo, tirando o homem do paraíso que era seu por
merecimento. Outros personagens também são resgatados da literatura clássica para
retratar o caráter desviante da mulher, como por exemplo, feiticeiras que matavam
crianças e devoravam seus filhos, com um apelo violento e erótico. Eva carrega a
semente do Diabo, e, a Virgem Maria, a de Deus (LIEBEL, 2004).
A Eva tentadora foi quem tragou o destino de sua descendência para a morte,
a sedutora de Adão que com ele consuma o “Pecado Original”. Este acabou por
sucumbir aos encantos de sua companheira que, como toda fêmea, usa de sua beleza
enganadora. Portanto, não se deveria admirar uma mulher pela sua beleza, pois
“embora seja bela aos nossos olhos, deprava ao nosso tato e é fatal ao nosso
convívio” (KRAMER; SPRENGER, 1991, p. 120).
A mulher atrai com sua fala macia, induzindo os homens à fornicação e ao
adultério,
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sua voz é como o canto das Sereias, que com sua doce melodia seduzem os
que se lhe aproximam e os matam. E os matam esvaziando as suas bolsas,
consumindo as suas forças e fazendo-os renunciarem a Deus (KRAMER;
SPRENGER, 1991, p. 120).

Autores como André Michels (2001) e Samanta Piton Vargas (2010), acreditam
que o poder e alcance da Inquisição eram tão grandes que se transformaram numa
histeria coletiva, se difundindo no imaginário social da Idade Média e Moderna. Como
contraponto a esta ideia, Gonçalves (2009, p. 9-10) diz que “a perseguição às bruxas
e aos heréticos nada tinham de histeria coletiva, mas, ao contrário foi uma perseguição
muito bem calculada e planejada pelas classes dominantes, para chegar à maior
centralização do poder”. Assim, podemos concluir que a finalidade do Santo Ofício era
manter o controle sobre a população.
No processo de centralização de seus poderes, conduzido pela Igreja em
sintonia com o Estado, foi imposto um modelo de mulher como cópia imperfeita do
homem, feita a partir de uma costela recurva, contrária a retidão deste (KRAMER;
SPRENGER, 1991). Dessa forma, foram sendo criadas identidades fixas e
estabelecidas generalizações que valorizavam as características masculinas e
desclassificavam as femininas. É importante lembrar que, o discurso eclesiástico, que
possibilita e perpetua a inferioridade do feminino, na medida em que mantém a ordem
simbólica, contribui também para a manutenção da ordem política, ou seja, o homem
destinado ao espaço externo e público e a mulher ao doméstico e privado.
O homem não foi criado pela mulher, mas o contrário, o que a colocava em
uma posição sumariamente submissa. O Malleus Maleficarum, obra escrita por
inquisidores em 1484, em relação à mulher e ao diabo diz

Já que o principal objetivo do diabo é corromper a fé, prefere então atacá-las


são mais impressionáveis e mais propensas a receberem influência do
espírito descorporificado mas a razão natural está em que a mulher é mais
carnal que o homem, o que se evidencia pelas muitas abominações carnais
(KRAMER; SPRENGER,1991, p.115-116).

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A mulher é a introdutora do pecado original, o portão por onde entra o demônio,


responsável direta pela condenação dos homens aos tormentos deste e do outro
mundo, constituindo assim a vítima e ao mesmo tempo, a parceira consciente do
Diabo (NOGUEIRA, 1991). O Diabo é capaz de realizar os seus malefícios sem
necessitar de ajuda ou participação de nenhum agente, mas se utiliza “das bruxas
para causar-lhes a sua própria destruição” (KRAMER; SPRENGER, 1991, p. 70).
A condição de vítima significa sua entrega ao mal, que mesmo de forma
consciente – algumas vezes para obter benefícios materiais ou simplesmente para
causar mal a alguém – significa sua condenação futura, garantia de castigo e punição
eterna. Dessa forma, havia uma relação dual, a mulher enquanto perpetradora de
males aos homens, parceira e ao mesmo tempo, vítima deste mal. O mesmo Malleus
Maleficarum diz, em relação aos homens e à carnalidade, que Deus “até agora tem
preservado o sexo masculino de crime tão hediondo: como Ele veio ao mundo e sofreu
por nós, deu-nos, a nós homens, este privilégio” (KRAMER; SPRENGER, 1991, p.
101).
A sexualidade era o primeiro e fundamental meio de perdição, mesmo na
relação sancionada pela sociedade e Igreja, o casamento. Não poderia haver
extravagâncias no ato sexual, responsável apenas pela reprodução. As mulheres
eram as representantes máximas da carnalidade, simbolizavam o inimigo da
comunidade cristã. A Igreja se utilizou, também, de tradições judias que atribuíram à
existência de demônios ao fato de as mulheres terem seduzido os anjos. Exemplo
parecido é encontrado nas Escrituras, na relação carnal entre mulheres e os anjos
caídos.
Deste modo, na teologia cristã, a natureza feminina caiu do lado negativo dos
dualismos entre a carne e o espírito, entre os demônios e os anjos (MACIEL, 2004).
Segundo Gonçalves (2009) na Idade Média permanecia a ideia que o “invólucro
carnal era prisão da alma”, o prazer manteria o espírito prisioneiro do corpo e as
mulheres eram consideradas inferiores devido a sua fraqueza aos “perigos da carne”.
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Tal mulher era vista como a inspiradora do desejo que destrói o homem, levando este
a pecar e romper seu elo com Deus. Nos padrões de conduta da Igreja Católica
medieval, tudo o que estivesse relacionado ao corpo deveria ser tratado com
desconfiança, ainda mais quando se tratasse de suas capacidades sexuais, as quais
trariam a perdição.
O mais importante era que o diabo conhecia a fragilidade do sexo feminino,
destes seres absolutamente corporais. De acordo com estas postulações, as
mulheres eram excluídas dos sacerdócios, pois seus corpos constituíam um obstáculo
ao exercício da razão. Todo ser humano possuía uma alma espiritual assexuada e um
corpo sexuado. No homem, o corpo reflete a alma, pois ele foi formado a partir da
imagem de Deus, o que não acontece com a mulher, que foi criada a partir de uma
parte do homem, então deve se submeter a ele (NOGUEIRA, 1991).
De doadora e geradora da vida, a mulher passa a ser vista como a primeira e
maior pecadora, a origem de todas as ações nocivas ao homem, à natureza e aos
animais (KRAMER; SPRENGER, 1991).
O Malleus Maleficarum – livro oficial de uma época - é repleto de exemplos que
“descrevem” com riqueza de detalhes como as bruxas podiam agir sobre as pessoas.
Esses exemplos são casos “testemunhados” por leigos que juram ter presenciado ou
até mesmo participado de atos de bruxaria. O texto é, assim, um documento carregado
de depoimentos pessoais que expressam ideias tanto das classes consideradas mais
cultas como das mais populares. Nessa conjuntura, queimar bruxas representa, na
verdade, a Igreja Católica medieval, numa tentativa desesperada de manter-se no
poder, resgatando sua autoridade, que parecia ameaçada à medida que a sociedade
burguesa se desenvolvia.
Em relação à sexualidade da bruxa, diz o Malleus Maleficarum:

a própria bruxa muitas vezes tem sido vistas deitadas de costas nos campos
ou nas matas, nuas até o umbigo, e vê-se pela disposição dos membros que
se relacionam ao venéreo e ao orgasmo, como também pela agitação das
pernas e das coxas, que, de maneira inteiramente invisível para os
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circunstantes, estão copulando com demônios íncubus (KRAMER e


SPRENGER, 1991, p. 253).

Através da acusação de bruxaria, os inquisidores conseguiram unir a


transgressão sexual à transgressão da fé, e punir as mulheres por esses pecados.
Para os inquisidores, a cópula com uma entidade desencarnada – como o demônio
masculino íncubus – era uma transgressão especialmente atroz, pois se tratava de
uma blasfema paródia do parto de Maria (BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard, 2001).
De acordo com Muraro (MALLEUS, 1991) esse ódio à mulher se misturou à Inquisição
e ao Malleus juntamente com a atração mórbida pela sexualidade culturalmente
reprimida e à sua desvalorização pela Igreja.
Procedimentos absolutamente comuns e de grande importância social, como
os de cura através de ervas mais conhecidas das mulheres, foram transformados em
desvios comportamentais e em riscos para o poder político e para a ortodoxia.
Tornaram-se crimes e instrumentos de malefícios, o que foi possível graças a sua
vinculação – estabelecida pela Igreja – entre tais práticas e as ações do diabo, com a
consequente transformação de seus agentes em inimigos do Estado e da Igreja
(PIMENTEL, 2012). Tais mulheres, conhecidas em sua aldeia ou comunidade pela
ajuda que forneciam, curandeiras, parteiras e idosas, passaram a ser vistas como
bruxas.
A redução das práticas mágicas ao fenômeno da bruxaria, dotando-as de um
caráter evasivo e destrutivo, formou o imaginário acerca das bruxas que eram vistas
como mulheres geralmente velhas, pobres e de aparência horrenda – descuidadas /
maltrapilhas - que cediam às tentações da demonolatria para alívio material ou
espiritual, ou ainda para se vingarem de desafetos.
Dizendo de outra forma, a crença em forças sobrenaturais interferindo na vida
dos homens era um fenômeno generalizado atingindo todas as camadas sociais,
gêneros, etnias e faixas etárias. Seus agentes, porém, foram sendo gradativamente
selecionados, principalmente, entre populares e predominantemente mulheres.
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Práticas de curandeirismo e outras tradições populares foram sendo


ressignificadas pela civilização cristã, em conformidade com uma determinada visão
de mundo partilhada por diferentes instâncias sociais.
Em conformidade com o imaginário social medieval, a mulher foi em larga
medida representada como um ser perigoso por ser mais vulnerável às investidas do
Diabo. Antigas divindades pagãs continuaram sendo adoradas, mesmo com o invento
do cristianismo. Os camponeses podiam ir à missa no domingo e assimilar
determinados elementos do cristianismo, mas, ao mesmo tempo, deixavam leite em
pires e faziam inúmeros tipos de oferendas para aplacar as antigas forças à espreita
na floresta em volta. Observavam os solstícios e os equinócios, ritos de fertilidade,
festas e carnavais onde os deuses das antigas religiões figuravam com destaque,
mesmo disfarçados de cristianismo.
Em quase todas as comunidades, havia uma mulher idosa referenciada por sua
sabedoria, capaz de ler o futuro e a sorte, com o conhecimento de ervas, meteorologia
e habilidade de parteira. Muitas vezes confiavam mais nela que no padre local. A
“velha” da aldeia oferecia um canal para poderes mais imediatos e prontamente
acessíveis, ao contrário do padre que parecia intimidador e severo (BAIGENT,
Michael; LEIGH, Richard, 2001).
Estas práticas populares, denominadas de heresias, cujo alcance era
acompanhado da perseguição, forneceram os elementos que construíram o
estereótipo do Sabbat e da bruxa e, ainda no século XII, é relatada a ligação entre o
Diabo, hereges e desvios sexuais. Existe grande participação de mulheres nos
movimentos heréticos em virtude de uma série de fatores que intervieram
conjuntamente ao chamamento para o ascetismo: maior porcentagem de mulheres
nas populações, as poucas vocações que lhes eram destinadas e a não-ordenação.
Para os inquisidores do século XV, era consenso que todas as bruxas firmavam um
pacto com o diabo, por meio do qual renunciavam a fé cristã (ZORDAN, 2005). Muitas
mulheres admitiam, sob tortura, que tiveram contatos sexuais com demônios. As
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naturezas destas relações não eram “carnais”, pois os demônios são espíritos.
Portanto, mesmo as que estavam em suas camas com seus maridos participavam dos
Sabás. Para Zordan (2005), rituais de sexo e luxúria, os Sabás eram tidos como odes
a Satã, festas macabras nas quais se comia carne de recém-nascidos, entravam-se
em transe e após danças frenéticas as bruxas copulavam com o diabo. Foram
descritos como missas negras, nas quais os adeptos renegavam a fé cristã por meio
do que a Inquisição supunha ser um arremedo das práticas católicas (ZORDAN, 2005)
Nos Sabás, ritos católicos eram transfigurados em orações que violavam os
principais símbolos da fé cristã. Aconteciam principalmente em dias sagrados como o
Natal, a Páscoa, Pentecostes e outros dias santos. Procediam dessa maneira,
segundo os inquisidores, para melhor ofender o Criador e para não se impregnarem
da fé cristã. Acreditava-se que através grupos “hereges” que se opunham
inflexivelmente a Roma e à Igreja Romana. Viam em Roma a encarnação do mal, a
bíblica “Prostituta da Babilônia. Sobre os Sabás, ver os trabalhos de Jorge Pinheiro
dos Santos, “Prazer & Religião: Adélia e Bataille num diálogo pertinente”; Ariovaldo
Padovani, “Os medos escatológicos: a representação do demônio e dos seus agentes
no imaginário medieval; Carloginzburg, “Decifrando o Sabá” dos unguentos, com os
quais cobriam o corpo para irem ao Sabá, as bruxas podiam levantar vôo ou ir de uma
cidade para outra em poucos instantes (ZORDAN, 2005). Para Maciel (2004), as
cerimônias agrícolas noturnas poderiam ter contribuído para a gestação do conceito
de “Sabá das Bruxas”.
Segundo Ginzburg (1991) na Europa os processos de lei sobre a feitiçaria,
entre os séculos XV e XVII, revelam um estereótipo criado com base em
conhecimentos do senso comum sobre o Sabá, reconhecido como uma seita de
bruxas e feiticeiras:
Há, nas perguntas dos juízes, alusões mais que evidentes ao “Sabat das
Bruxas”, que era, segundo os demonologistas, o verdadeiro cerne da feitiçaria.
Quando assim acontecia, os réus repetiam mais ou menos espontaneamente os
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estereótipos inquisitoriais então divulgados na Europa pela boca de pregadores,


teólogos, juristas, etc. (GINZBURG, 1991, p. 206).
De acordo com Freire e Sobrinho (2006):

Os Sabás eram reuniões noturnas, geralmente realizadas no meio das


florestas, onde as mulheres dançavam para os demônios e copulavam com
ele. Então, se supunha que era pelo sexo que ela se fazia bruxa, sexo este
considerado, por “natureza”, impuro e maléfico. Portanto, não era porque se
distinguiam das demais mulheres, ou por possuírem uma natureza diferente;
era a própria “natureza” feminina que ardia nas fogueiras. Como diz o Malleus
Maleficarum, “se hoje queimamos as bruxas é por causa de seu sexo
feminino” (KRAMER e SPRENGER, p. 364).

As bruxas, depois de Lúcifer, excedem a todos os maiores pecados, visto que


além de pactuarem com o demônio, mantém relações carnais com este, espalham
ódio e injúrias a todos os seres e negam o Cristo crucificado. “Seus pecados são
maiores que os do próprio diabo” (KRAMER; SPRENGER, 1991, p.164).
Acreditava-se também, que a própria beleza feminina era motivo de
desconfiança, pois podia enfeitiçar os homens, implicar em mentira, veleidade e
dissimulação. Poderiam também praticar cavalgadas noturnas, com a deusa Diana –
uma das manifestações de demônios – metamorfoses, entre outras proezas.
Para Ginzburg (1991), no século XV estava estabelecida entre os letrados a
suspeita de que existiria uma conjuração reunida para arruinar os reinos cristãos e
condená-los à tirania diabólica.
Se mulheres bonitas eram suspeitas, também o eram as parteiras, com seu
íntimo conhecimento do que os inquisidores chamavam de mistérios femininos.
Acreditavam que os natimortos haviam sido assassinados pela parteira bruxa
em uma oferenda ao demônio. As deformadas, desfiguradas, doentias e todas que
apresentassem traços físicos e comportamentais divergentes dos aceitos também
eram relacionadas à bruxaria da parteira. Apesar de inspirar confiança às mulheres
das aldeias, as parteiras representavam – para a Igreja – forte concorrência com os

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padres por autoridade, e por isso eram o alvo ideal (BAIGENT, Michael; LEIGH,
Richard, 2001).
De acordo com o pensamento medieval, além do comportamento grotesco e
maligno, como uma clara oposição à Igreja e a Cristo, a bruxa também possui
características físicas que as diferenciam das pessoas honestas e cristãs. Desta
forma, ela
uma figura que transita no pantanoso terreno do irracional, da carne e da
animalidade. Andrógina, a bruxa é monstruosa porque traz consigo a mistura
das espécies e a mistura de sexos diferentes. Mulher-árvore encarquilhada
pelo tempo, mulher-loba correndo pela floresta nas noites de lua cheia,
mulher e besta, a bela e a fera.

A bruxa, como todos os monstros, é híbrida. Bissexual, a promiscuidade da


bruxa mostrava o quanto era perversa e animalesca. Disfarçando seus pés com
formas de garras, a bruxa engana fazendo com que todo seu hibridismo pareça ilusão,
pois seu aspecto monstruoso esconde-se por baixo das saias. Como solucionadora
ou culpada dos problemas, sua figura faz parte de acontecimentos drásticos: o
desespero de certos apaixonados, o acometimento de enfermidades, acirradas lutas
pelo poder e outros abalos, como tempestades, a morte do gado ou o extravio de
colheitas. Este é o plano dos pensamentos, uma superfície na qual estão colocados
os conceitos e suas incontáveis possibilidades de composição. A bruxa é aquela que
se compõe junto a uma grande variedade de pré-conceitos pensados sobre o
feminino, sobre o corpo, a natureza e os ciclos de nascimento, vida e morte (ZORDAN,
2005).
Com a construção da figura da feiticeira ou bruxa, deslocava-se o foco gerador
das catástrofes naturais e de toda espécie de mal que ocorresse a alguém. Não mais
eram causados pela vontade divina ou pelo demônio, havia, a partir dessa construção,
personagens a ser responsabilizados e castigados.
Corroborando esta situação, existe também um agravante fisiológico. A mulher
era mais resistente às epidemias, sobrevivendo em números maiores que os homens,
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o que as tornava – em uma sociedade predisposta a encará-las como dotadas de


caráter maligno – elementos suspeitos de provocarem as doenças ou restringirem às
mortes ao sexo masculino (RUSSEL, 1985, p. 114-115, apud: NOGUEIRA, 1991).
Nos séculos XV e XVI, todo o processo gerador da misoginia irrompe em um
grande genocídio contra as mulheres, acusadas de bruxaria. Promovido pelos
tribunais da Santa Inquisição, cujo objetivo era extirpar a ameaça das heresias e dos
hereges, tanto realizadas por homens, mas, majoritariamente por mulheres, que de
variadas formas, não se adequavam aos padrões religiosos e morais da sociedade
europeia ocidental. O discurso do Tribunal do Santo Ofício foi fundamental para que
a Igreja alcançasse tanto poder, nas esferas cultural, econômica e política.

2. Objetivo

Discutir sobre a demonização do gênero feminino secularmente.

3. Metodologia

O artigo foi construído a partir do que observamos durante o passar dos


séculos, o quão é demonizado o sexo feminino. Além disso, foram realizadas leituras
em livros e textos, comparadas com a observação nos fatos passados e os da
contemporaneidade, os quais apresentam dados alarmantes de feminicídio.

4. Resultados alcançados

Sensibilizar a sociedade para um problema que atravessa séculos que é a


discriminação de qualquer pessoa que pertença ao gênero feminino, identificando
todo o processo que resultou na demonização da mulher, dialogando sobre o assunto,
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numa perspectiva de denúncia contra as injustiças oriunda da subalternização da


mesma, através dos séculos passados à contemporaneidade.

5. Conclusão

Séculos se passaram e as denominações pejorativas atribuídas às mulheres


certamente adquiriram variantes. É fato que a forte atuação da Igreja Católica, tanto
no sentido de impor as diretrizes adotadas pela sociedade da época, quanto com
relação à pena imposta aos que transgrediam a lei, é marca registrada da baixa Idade
Média (séc. XIV). Esse período é notoriamente imbuído pelo medo, próprio da crença
no sobrenatural e advindo do verdadeiro pavor da figura do “Demônio”, ou a “BRUXA”,
atualmente adjetivo pejorativo em decorrência da visão hollywoodiana tão difundida
das telas de cinema.
Discorrer sobre o contexto medieval apenas com o intento de demonstrar que
a inferiorização e estigmatização feminina possui raízes distantes, certamente
encontradas em períodos muito anteriores à Baixa Idade Média. Entretanto, esse
período, por ser marcado pela demonização, literalmente falando, do sexo feminino,
contribuiu (e muito) para difundir esse discurso embelezado pelo patriarcado. Com
efeito, as mulheres continuam sendo as bruxas e queimadas na fogueira da
intolerância machista diariamente, desde cada assovio aparentemente inofensivo ao
atravessarmos a rua até casos extremos de relacionamentos abusivos, homofobia,
violência sexual e o feminicídio.

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Referências

BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro: Imago Editora,


2001;

FREIRE, Mariza Scheffer; SOBRINHO, Vilma Pereira. A figura feminina no contexto


da inquisição. Educere et Educare, v. 1 n. 1, p. 53-58, jan./jun. 2006.

MICHELS, André. Histeria e feminilidade. Revista Ágora [online], Rio de Janeiro:


UFRJ, v. 4, n. 1, p. 33-51, jan./jun., 2001.

NOGUEIRA, Carlos Roberto F. As companheiras de Satã: o processo de diabolização


da mulher. Revista Espacio, Tiempo y Forma [online]. Série IV, t. IV; Madri: UNED,
1991.

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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “EDUCAÇÃO EM ESPAÇOS


NÃO ESCOLARES”

A CENTRALIDADE DA QUESTÃO NACIONAL NA EDUCAÇÃO POLÍTICA


DOS COMUNISTAS EM PETRÓPOLIS-RJ: FORMAÇÃO MILITANTE NA
CONJUNTURA DO GOLPE DE 1964

Diego Grossi*

Resumo
Buscando colaborar com o entendimento sobre os processos de educação política
desencadeados nas organizações populares em escala local, o presente artigo
apresenta um estudo sobre os mecanismos de formação implementados pelo Partido
Comunista Brasileiro (PCB) na cidade de Petrópolis-RJ durante a acirrada conjuntura
política que foi palco do golpe de 1964. Apesar de, em geral, ter sua história reduzida
à "Cidade Imperial", Petrópolis possuiu, ao longo do século XX, um forte (e esquecido)
movimento operário dirigido principalmente pelos comunistas, que entre as diversas
atividades se preocuparam em fornecer formação teórica e prática tanto para
militantes quanto para a população em geral, merecendo menção a atuação direta do
conhecido revolucionário Apolônio de Carvalho (veterano da Guerra Civil Espanhola
e da Segunda Guerra Mundial) em cursos ministrados no município nos anos 1960. A
partir da análise dos documentos da repressão se observa que a temática da questão
nacional, que possuía central importância para os pecebistas no período (integrados
ao movimento nacionalista), também ocupava papel fundamental na educação política
municipal em Petrópolis ao consolidar uma linha de pensamento e atuação focada no
anti-imperialismo e na defesa de uma revolução nacional-democrática.

Palavras-chave: Educação política. Formação política. Questão nacional. Partido


Comunista Brasileiro (PCB). Petrópolis-RJ.

*Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Doutorando no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro - UERJ. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ. Colaborador
da Comissão Municipal da Verdade na cidade de Petrópolis-RJ. E-mail: diegogrossibr@gmail.com
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Introdução

O presente trabalho tem como orientação analisar a educação política dos


comunistas brasileiros em escala local durante a conjuntura do golpe de 1964, com
atenção especial para a temática da questão nacional no processo e com foco na
cidade de Petrópolis-RJ. A opção por esse recorte específico se deu por conta de três
fatores: a) a tradicional força do (infelizmente marginalizado na memória, como será
visto) movimento operário nessa cidade ao longo do século XX (RIBEIRO, 2014;
MACHADO, 2011); b) o grande acirramento político observado na conjuntura em
questão, trazendo, também, o fortalecimento da esquerda como um todo antes do
golpe, com mais de 430 paralisações deflagradas em todo o Brasil entre 1961 e 1963
comparadas com 177 greves no triênio anterior, 1958-1960 (TOLEDO, 2004). Só no
Rio de Janeiro, por exemplo, ao longo de 1963 foram registradas 50 greves, enquanto
apenas nos primeiros 15 dias de janeiro de 1964 ocorreram 17 (BANDEIRA, 1978); c)
a inserção desse momento no ápice dos conflitos em torno da questão nacional
durante o período da história brasileira classificado por Christian Edward Cyril Lynch
como "paradigma do nacionalismo periférico" (1930-1970) (LYNCH, 2013, p. 731).
As fontes históricas analisadas para tal empreitada são compostas
principalmente pela documentação da repressão política organizada no acervo do
projeto Brasil: nunca mais (BNM) 1 e, portanto, incorpora-se a preocupação
metodológica de que tais fontes precisam ser analisados como expressão de um
discurso surgido e filtrado a partir do aparato de repressão do Estado, interessado em
criminalizar seus opositores (ROSEMBERG; SOUZA, 2009). Dessa forma, tais
processos são lidos com cautela enquanto mecanismos de construção de uma versão
em disputa entre segmentos conflituosos (ROSEMBERG; SOUZA, 2009). Também se

1Projeto organizado por lideranças progressistas de várias denominações religiosas ainda no final da Ditadura
Militar (1964-1985), que elencou e registrou, de maneira oculta, milhares de documentos da repressão política.
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recorre a livros de memória sobre o período (BOMTEMPO, 2006; QUADROS, 2011),


que, por serem escassos, aparecem de maneira pontual em caráter complementar.
O artigo está dividido em, para além dessa introdução e da conclusão, três
partes. Na primeira, Petrópolis: entre a "Cidade Imperial" e o "Cinturão Vermelho", se
contextualiza a atuação do movimento operário e do Partido Comunista Brasileiro
(PCB) na cidade, discorrendo também sobre as implicâncias desse fator e da pesquisa
aqui apresentada para as disputas em torno da memória deste município inclusive no
campo do ensino de História. Segue-se com A formação dos trabalhadores na base,
em que são demonstradas várias iniciativas de formação política ocorridas em
Petrópolis no período abarcado; com a última e principal parte, Forjando anti-
imperialistas por via da educação política, discutindo mais detalhadamente o papel da
questão nacional na linha de educação política pecebista.

1. Petrópolis: entre a "Cidade Imperial" e o "Cinturão Vermelho"

A cidade de Petrópolis é internacionalmente conhecida por conta da sua


história relacionada ao desenvolvimento do Império Brasileiro (1822-1889), quando,
anos após ter suas terras (então uma fazenda de propriedade do Padre Correia)
adquiridas por Dom Pedro I, foi edificada enquanto cidade por seu filho, Dom Pedro
II, e feita local de veraneio da corte durante os anos de reinado. A consolidação e
formalização da imagem do município enquanto "Cidade Imperial" se deu durante os
anos da Ditadura Militar, quando, através do decreto nº 85.849, de 27 de março de
1981, o presidente-ditador Figueiredo formalizou tal título. Segundo historiadores
locais, como Paulo Henrique Machado (2011) e Norton Ribeiro (2014), esse processo
de galvanização da imagem de Petrópolis como uma "Cidade Imperial" se insere em
importantes disputas de memória, na qual as implicações para a produção
historiográfica sobre o município são evidentes ao se eclipsar relevantes processos
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históricos que estão para além dessa visão de "Cidade Imperial", especialmente o
período republicano (1889-atualmente), com destaque para o movimento operário -
muito presente devido à industrialização ocorrida na cidade desde o final do século
XIX. Além dessa tendência à restrição temporal, se observa também que a mesma
costuma ser feita numa perspectiva historiográfica conservadora, concentrada na
história das "grandes" personalidades aí envolvidas (como Dom Pedro II e Princesa
Isabel).
Paulo Henrique Machado chegou a essas conclusões após analisar, em sua
dissertação de mestrado em História orientada por Anita Leocádia Prestes na UFRJ e
publicada no livro "Pão, Terra e Liberdade na Cidade Imperial" (2011), a atuação da
Aliança Nacional Libertadora (ANL) na cidade. Machado informa que, na época,
Petrópolis possuía o segundo maior núcleo da ANL no Brasil e foi palco de protestos
de solidariedade em várias regiões do país após o assassinato do operário Leonardo
Candu por militantes integralistas numa passeata contra o fascismo ocorrida no centro
de Petrópolis em 9 de junho de 1935 (que também desencadeou uma greve geral de
uma semana em todo o município). Norton Ribeiro reconhece, expõe e se engaja
nessa disputa ao propor para a cidade a denominação de "Cidade Operária" no título
do seu livro voltado para o estudo do movimento dos trabalhadores têxteis em
Petrópolis durante os anos 1930-1964 (2014)2, quando também observou a vitalidade
do movimento operário local. Como lembrou Hobsbawm (2005), “a memória é menos
uma gravação que um mecanismo seletivo, e a seleção, dentro de certos limites, é
constantemente mutável” (p. 221).
Faz-se mister mencionar que um importante instrumento de reprodução de tal
memória seletiva no campo da História vem se dando no campo educacional. No
referencial curricular do último governo em Petrópolis se constata que, mesmo com o
município possuindo uma disciplina específica sobre sua história no conjunto de

2"Petrópolis, Cidade Operária: a trajetória do movimento operário na indústria têxtil (1930-1964)"


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disciplinas ofertadas nas escolas municipais (História, Geografia e Turismo de


Petrópolis - HGTP), não há qualquer menção aos movimentos populares durante a
República (SED, 2014). Se René Rémond (2003) estiver certo e os concursos
voltados para o recrutamento de professores forem bons indicadores das tendências
intelectuais, o último processo seletivo para professores de História, realizado pela
cidade ainda em 2011, é revelador, já que a maior parte do conteúdo referente à
história do município tem como foco o período imperial. Mesmo entre as exceções
nota-se que prevalece ainda a valorização das "grandes" personalidades (como
Santos-Dumont). Não há nada sobre o movimento operário local (SED, 2011).
Todavia, a relevância do movimento popular local jamais pode ser ignorada
pela repressão política. Conforme notou Felipe Ribeiro (2015), historiador de uma
cidade vizinha, Magé-RJ, em 1947, quando, com as eleições, o PCB se sagrou
vitorioso em vários lugares do país, os pecebistas locais, juntos dos comunistas de
Magé, Caxias e outras cidades próximas, foram acusados pelo chefe do Gabinete Civil
da Presidência da República, José Pereira de Lima, de integrarem um suposto
“Cinturão Vermelho” em torno da capital federal (RIBEIRO, 2015, p. 123).
Terminologia esta retomada pelo próprio exército brasileiro poucos meses após o
golpe de 1964 para se referir à organização e ao enraizamento dos comunistas na
região (RIBEIRO, 2015).
Segundo os processos da própria repressão (BNM 279, fls. 1.822; 1.843), o
"elo" do "Cinturão Vermelho" em Petrópolis em 1964 seria composto por cerca de uma
dezena de bases do PCB na cidade, algumas em fábricas (como Werner, Cometa,
Santa Isabel e Quitandinha), uma entre os ferroviários da Leopoldina e outras em
bairros/distritos (de concentração operária, como Alto da Serra, Morin e Cascatinha,
ou rural, como Saudade do Sertão) (BNM 279, fl. 10.603). A base dos ferroviários se
reunia mensalmente e, entre as atividades, em 1963 manteve uma linha entre
Petrópolis e Três Rios contra a vontade da direção da Leopoldina, visando, assim,
atender aos moradores dessa região (muito afastada do centro da cidade) (BNM 303,
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fl. 1.387). Além disso, os comunistas também desempenharam importante papel na


eleição de candidaturas de esquerda em 1962, apoiando e elegendo o vereador José
de Araújo Aranha (Partido Socialista Brasileiro – PSB), liderança sindical local e
presidente da Frente de Mobilização Popular (FMP) na cidade, assim como outra
liderança sindical, o médico da Leopoldina, Rubens de Castro Bomtempo, para a vice
prefeitura, na chapa encabeçada por Flávio Castrioto (PTN – Partido Trabalhista
Nacional) (BNM 279, fl. 10.603). Sobre a força dos trabalhadores, especialmente os
ferroviários, lembrava Bomtempo (2006) em suas memórias:

Do ponto de vista socioeconômico, era uma cidade operária, com fábricas de


tecidos produzindo a todo vapor e empregando milhares de pessoas em
bairros como Alto da Serra, Morin, Bingen e Cascatinha. [...] O Alto da Serra
era um reduto proletário. Nos anos 1950, funcionavam no bairro e no vizinho
Morin várias fábricas têxteis e uma metalúrgica que produzia pregos e
parafusos. [...] Pela manhã, na hora do almoço e no fim da tarde, que eram
horas de entrada e de saída de turno, multidões de trabalhadores iam e
vinham pela ponte e ruas adjacentes, em um burburinho típico do cotidiano
operário. Os silvos das fábricas soavam como verdadeiras melodias que
encantavam a todos nós. Os ferroviários despontavam como liderança entre
os trabalhadores não só do Alto da Serra, mas de toda a cidade (p. 58-59;
63-64).

Com o desencadear do golpe, no dia 01 de abril a FMP aderiu à convocação


da greve geral e, com ativa participação dos comunistas, promoveu piquetes nas
fábricas. O próprio Rubens de Castro Bomtempo é acusado de ter conclamado à
resistência na sede do sindicato dos ferroviários em Petrópolis nos primeiros
momentos do golpe. Por conta da resistência, José de Araújo Aranha, assim como
seus suplentes comunistas, foram cassados pelo legislativo petropolitano. Várias
arbitrariedades, incluindo mais de centena de detenções e prisões, foram
desencadeadas contra a esquerda local e até 1966 mais de 500 pessoas haviam sido
atingidas pela ditadura (GRUPO PRÓ-CMV, 2015). Flávio Castrioto e Rubens de
Castro Bomtempo também terminaram cassados pelo regime militar.

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Nota-se, portanto, que a repressão não poupou esforços para desmantelar a


organização popular em Petrópolis ao encontrar uma esquerda ativa e organizada na
época do golpe de 1964. Entre as diversas atividades da esquerda até então, que
permitiram esse grau razoável de engajamento, estão as diversas atividades de
formação política organizadas pelo PCB local e outras entidades populares – grande
parte destas inseridas nas lutas nacionalistas e anti-imperialistas daquele momento.

2. A formação dos trabalhadores na base

O PCB, como partido de filiação, orgânica e ideológica, marxista-leninista,


desde sua fundação deu especial destaque à luta contra o imperialismo, uma das
perspectivas principais da Terceira Internacional (ou Internacional Comunista) forjada,
entre outros, pelos aportes de Lenin acerca do imperialismo enquanto nova etapa do
modo de produção capitalista3. Assim, a adesão do partido ao movimento nacionalista
se deu principalmente pela via do anti-imperialismo. A questão nacional era para os
pecebistas, conforme será demonstrado, basicamente a questão da luta contra a
dominação imperialista no Brasil. Assim, era constante o esforço de se ressaltar
exemplos de sucesso da luta contra o imperialismo em outras terras como forma de
se estimular, pela via da solidariedade internacionalista, o anti-imperialismo no Brasil.
No campo da formação política, palestras e conferências sobre experiências
internacionais de caráter anti-imperialista eram realizadas em todo o Brasil, incluindo
Petrópolis. No início dos anos 1960, por exemplo, Geraldo da Costa Mattos, um dos
principais dirigentes ferroviários do país, secretário geral da Federação Nacional dos
Trabalhadores Ferroviários, proferiu uma conferência sobre Cuba na cidade como
parte de um circuito nacional realizado após viagem política à Cuba (BNM 303, fl.

3Logo, haveria uma potencial correlação entre as lutas anti-imperialistas e o anticapitalismo.


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1.386). A pauta da defesa do anti-imperialismo e do socialismo da Revolução Cubana


era, aliás, muito presente entre a esquerda em Petrópolis. No Congresso Continental
de Solidariedade à Cuba, realizado em 1963 em Niterói, estiveram presentes
representantes dos sindicatos dos metalúrgicos, dos têxteis e dos aposentados de
Petrópolis, entre eles Alencar Thomas Gonçalves, importante liderança operária local
(BNM 279, fl. 6.404).
Outros países socialistas eram também pautados. O mineiro Braulio Rodrigues
da Silva, que havia morado em Petrópolis nos anos 1950, proferiu, na década
seguinte, uma palestra para os sindicatos locais intitulada "Os sindicatos nos países
socialistas", onde expôs o que havia aprendido e visto após viagem aos países do
Leste Europeu, quando foi acompanhado por operários de várias partes do Brasil
(BNM 279, fl. 14.616).
Eventos que, ao que parecem, não possuíam vinculação com atividades de
partidos comunistas também eram presentes, como aqueles relacionadas ao
cristianismo de esquerda. Nos anos 1960 o livro "Cristianismo hoje" fora lançado em
atividade realizada pelo Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia da
Universidade Católica de Petrópolis (UCP), contando com a presença de Herbert de
Souza e líderes sindicais (BNM 279, fl. 10.797). Nessa época, Padre Alípio também
teria ministrado palestras na cidade (BNM 279, fl. 10.797).
Um caso curioso é o do médico Ulysses Motta de Aquino, atingido pela
repressão por ministrar palestras sobre a medicina soviética (uma delas em Petrópolis
em 1960), Ao ser acusado de comunista se defendeu declarando não ter feito parte
do Partido Comunista, apesar de ter visitado a União Soviética por conta de um convite
feito por membros da organização que conheceu no Ministério da Saúde, onde
trabalhava. Na União Soviética teria divulgado em seminários e revistas suas
pesquisas sobre doenças dermatológicas, recebendo em troca um curso sobre
micologia (BNM 279, fls. 1.756-17.58). No retorno ao Brasil quis divulgar sua peculiar
experiência. Outro caso exótico, não confirmado, é a acusação de que, em 1963, o
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PCB local manteria uma escola de guerrilhas em funcionamento numa academia de


judô em Petrópolis (rua Paulo Barbosa, centro) (BNM 279, fl. 18.355).
Uma acusação menos duvidosa, mas entendida como tão válida quanto a
anterior para justificar a repressão golpista pós-1964, foi um convite da FMP
panfletado na cidade em que se chamava a população para uma conferência sobre
as reformas de base - que, segundo Jacob Gorender (1987) "correspondia a
aspirações das massas trabalhadoras, de vastos setores das camadas médias e do
setor nacionalista da burguesia" e, apesar de não ter ganhado forma em "um programa
único aprovado pelas várias correntes [...] havia pontos de consenso reiterados.
Falava-se em reformas econômicas, tributária, administrativa, universitária, urbana".
Dentre estas, a "proposta econômica mais polêmica e rumorosa era a da reforma
agrária [...]. Mesmo formulações moderadas suscitavam a reação agressiva da
coalizão latifundiária" (GORENDER, 1987, p. 50). Seria realizada pela Frente de
Mobilização Popular de Petrópolis em conjunto com o movimento sindical no sindicato
dos têxteis em 4 de abril de 1964, às 19 horas (BNM 279, fl. 19.442) e um dos
indivíduos escalados como conferencista do evento não realizado por conta do golpe
era o deputado Afonso Celo Nogueira Monteiro, descrito caricaturalmente como
"comunista habilidoso, doutrinador e dotado de grande lábia demagógica" (BNM 279,
fl. 19.442).
O mesmo tom caricatural se mostra presente na descrição que a repressão
política faz do papel dessas conferências na educação política e na cooptação de
novos militantes pelo PCB:

A técnica usada pelos comunistas a fim de arranjar novos adeptos foi


praticamente a mesma em todas as cidades e locais:
Primeiro procuravam aquele que desejavam tornar comunista e exaltavam
suas qualidades dizendo-lhes: você é muito esperto, muito inteligente (...);
A seguir convidavam para assistir uma conferência sobre qualquer das
reformas;
Os convites se sucediam e quando o indivíduo percebia estava
completamente envolvido (BNM 303, fl. 1.386).

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Saturnino da Silva, em seu depoimento, alega, porém, um processo mais


simples e diz que,
para sua admissão no Partido Comunista não fez o depoente nenhum
juramento nem prestou qualquer compromisso, tendo lido os estatutos do
Partido, leitura efetuada na própria sede do Partido; que pode verificar, nas
reuniões iniciais a que compareceu, que nos elementos que tinham ingresso
efetivo no Partido eram feitos testes sobre assuntos de socialismo,
capitalismo e comunismo; que também era recomendada a leitura de "Novos
Rumos", a fim de que pudessem ser realmente doutrinados (BNM 279, fls.
10.725-10.726).

Saturnino pode ter sido um dos comunistas petropolitanos a ter tido aulas com
Apolônio de Carvalho, já que as fontes policiais acusam o histórico revolucionário,
veterano das Brigadas Internacionais organizadas pela Terceira Internacional na
Guerra Civil Espanhola e da resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, de ter
ministrado alguns cursos de formação pelo Brasil, com pelo menos três ocasiões em
Petrópolis. O dirigente pecebista, antes responsável pela fundação da União da
Juventude Comunista e então responsável pelo setor "militar" do partido, assim como
a missão de "nacionalizar" o marxismo no campo teórico, esteve, no meio tempo entre
uma atividade e outra, por anos em países socialistas, realizando na União Soviética
um curso de quatro anos sobre Economia Política e outro, que interessa mais ao tema
aqui abordado, de Educação Política que durou dois anos (BNM 279, fl. 11.948). Um
dos seus supostos episódios em Petrópolis melhor descritos é a realização do curso
básico do PCB ("O Partido Comunista, sua política e organização") entre 10 de maio
de 1961 até 16 de agosto do mesmo ano. Na sede do partido, presente na sala 108
do Edifício Santa Inês, localizado no centro da cidade, Apolônio teria divido com dois
dirigentes locais, Alcebíadres de Araujo Romão e Bolíviar Miranda, a responsabilidade
por esse curso, que foi composto por sete aulas e três conferências (BNM 279, fl.
10.599). As cinco primeiras aulas dialogam de forma direta e declarada com a questão
nacional por via da já citada correlação entre esta e o anti-imperialismo: as duas
primeiras aparecem voltadas para a compreensão da realidade nacional, em nível

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estrutural e conjuntural; a terceira traz a relevância do anti-imperialismo na conjuntura


global de então e permite com que as duas seguintes galvanizem as anteriores na
constatação de que o imperialismo estadunidense e seus aliados internos
(especialmente os latifundiários) seriam o principal bloco adversário da revolução
brasileira, que, por isso, deveria unir amplos setores numa frente única nacionalista e
democrática em prol da revolução anti-imperialista e antifeudal. Já as duas últimas
encerrariam o curso falando especificamente sobre a história e o funcionamento do
PCB. Além desse curso, Apolônio teria ministrado outros no mesmo local em 1962 e
1964 (BNM 279, fl. 27.183).

3. Forjando anti-imperialistas por via da educação política

Antes de se aprofundar no material possivelmente usado pelo PCB no seu


curso básico e apontar o caráter central da questão nacional no mesmo, vale voltar à
trajetória da atuação comunista na cidade para se perceber como o anti-imperialismo
já fazia parte, há tempos, do cotidiano de formação da militância petropolitana. Os
dois dirigentes citados como parceiros de Apolônio de Carvalho nos cursos, o médico
Alcebíades de Araujo Romão e o engenheiro Bolíviar Miranda, possuíam histórico
nesse campo, assim como outros pecebistas locais.
Alcebíades, "a pessoa mais influente do Partido Comunista na cidade" (BNM
279 fl. 13971), fora acusado pela polícia de ter participado da Campanha de Defesa
do Petróleo (com atuação, inclusive, no Congresso Fluminense e na Primeira
Convenção Nacional em Defesa do Petróleo), estado em eventos contra o acordo
militar Brasil-Estados Unidos e na Convenção Municipal pela Emancipação Nacional
- tendo ajudado a organizar em Petrópolis no final dos anos 1950 entidades como a
Liga de Emancipação Nacional, o Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz, a
Comissão de Defesa dos Minérios e outras (BNM 279 fls. 13972-13973). Em 1955
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teria, inclusive, percorrido casas de industriais petropolitanos buscando arrecadação


financeira para a Campanha do Petróleo (BNM 279, fl. 17.018).
Os outros dois principais dirigentes do PCB petropolitano na época analisada,
o também médico Nelson Correa de Oliveira e o agricultor Fabrício Alves de Quadros,
compartilhavam o "currículo" de Alcebíades Romão.
Nelson Correa de Oliveira era arrolado pela repressão como "chefe dos
comunistas em Petrópolis" desde 1948 (BNM 279, fl. 17.017) e chegou a exercer a
função de Secretário de Educação e Propaganda do PCB na cidade tendo como tarefa
"divulgar o material de propaganda em geral, como sejam livros, panfletos, prospectos
e jornais" (BNM 279, fl. 17.017). Em 1949 distribuiu nas fábricas boletins anti-
imperialistas referentes ao Congresso Mundial da Paz. No ano seguinte assinou
panfletos atacando o governo e os embaixadores estadunidenses. Já em 12 de abril
de 1951 é acusado de ser dono de um caderno perdido ao tentar pixar uma estação
de trem em que se dizia "A baixo (sic) a conferência dos chanceleres" e "A baixo (sic)
o imperialismo" "Pela paz abaixo a guerra" (BNM 279, fl. 17.018). Fabrício Quadros,
chamado de "mito do comunismo em Petrópolis" (QUADROS, 2011), veterano de
1935 e um dos principais acusados por ter reagido à convocação da greve geral contra
o golpe dirigindo piquetes e greves 4 , participou de conferências referentes à
campanha do Petróleo é nosso e apoiou a candidatura nacionalista do general
Henrique Teixeira Lott chegando a fornecer até um caminhão para transportar
pessoas ao comício (BNM 279, fl. 5.070).
Já Bolívar Miranda tem histórico mais curto. É acusado de ser mentor
ideológico de estudantes supostamente comunistas da Universidade Católica de
Petrópolis, se reunindo com eles em bares no centro para "doutriná-los"5. Porém, o

4Foium dos acusados de dirigir a mencionada suposta escola de guerrilhas numa academia de judô em Petrópolis,
acrescentando no seu caso um, assim entendido pela repressão, campo de treinamento de tiro em Três Rios (BNM
279, fl. 15.185).
5A acusação na cidade foi, ao que parece, frequente: "Também vários professores comunistas do Ginásio Estadual

continuam pregando comunismo, sem terem sido incomodados pela política" (BNM 279, fl. 10.798).
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anti-imperialismo dessa acusada "doutrinação" incomodou a repressão: "Vive


atacando os Estados Unidos e os 'gorilas' - como ele chama os oficiais democratas
do Exército, Marinha e Aeronáutica" (BNM 279, fl. 10.797). Fora isso, chamou a
atenção da repressão mesmo por conta mesmo das aulas proferidas no curso de
formação do PCB.
Tal curso, por conta da descrição do seu conteúdo, parece ter sido aplicado de
forma universal pelo PCB em todo o Brasil e acompanha a orientação de um material
semelhante a uma apostila, de 72 páginas, utilizado nacionalmente sendo
disponibilizado no jornal "Novos Rumos" (e presente na pasta 279 do acervo BNM).
Com base no mesmo, também intitulado "Curso básico. O Partido Comunista, sua
política e sua organização", se nota o caráter didático e introdutório do curso, pois é
frequente que nas suas passagens de conteúdo mais específico apareçam sugestões
para o professor responsável pela aula citar exemplos para ilustrar a questão
abordada, assim como em quase todos os capítulos (um capítulo para cada aula) se
encerra com uma revisão formada por um bloco de 10 perguntas sobre os elementos
básicos e principais da respectiva aula.
O material demonstra que as aulas partiam da explicitação da realidade
brasileira para combiná-la com a conjuntura mundial e assim justificar a centralidade
da luta nacionalista e anti-imperialista naquela fase da história do Brasil, terminando
por concluir sobre a necessidade do Partido Comunista Brasileiro para a
materialização dessa luta por meio de uma revolução nacional-democrática.
A aula 01 parte de um princípio: "para alcançar o socialismo, a classe operária
brasileira deve partir da situação atual de nosso pais, deve afastar primeiramente os
obstáculos que entravam o seu desenvolvimento" (p. 6). Nessa leitura, a primeira
contradição que saltaria aos olhos seria o fato de o Brasil possuir muitas riquezas
naturais, como minérios e petróleo, enquanto, mesmo assim, a massa da população
viveria na pobreza. A explicação encontrada aponta para a culpabilização da
exploração do país por parte das potências imperialistas, que saqueariam nossas
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riquezas. "Quais as causas desse contraste entre um país rico e um povo pobre? A
primeira causa é a exploração do Brasil pelo imperialismo, pelas potências
imperialistas" (p. 7). Recorrendo à História, se explica essa condição por conta do
atraso na evolução histórica do país, que teria facilitado a entrada do capital
imperialista no Brasil e o domínio da sua economia pelos monopólios estrangeiros (p.
7). O imperialismo exploraria o Brasil através (a) do comércio exterior, vendendo caro
seus produtos industriais e comprando barato gêneros alimentícios e matérias-primas;
(b) através de empréstimo, quando "os Estados Unidos fazem com o Brasil o que o
agiota faz com o trabalhador"; e (c) por via das inversões de capital com os lucros
sendo remetidos para capitalistas estrangeiros. Dessa forma, "a exploração
imperialista pesa sobre toda a nação. Entrava o progresso do país e agrava a situação
de pobreza do povo. Prejudica numerosos capitalistas nacionais, que não podem
expandir seus negócios" (p. 9). A única conclusão restante, então, seria a de que "para
que o desenvolvimento econômico siga um caminho independente e progressista,
deve dirigir-se no sentido da liquidação do domínio imperialista e do monopólio da
terra" (p. 11).
Na segunda aula se aprofunda o entendimento sobre a realidade nacional para
conseguir identificar quais seriam os agentes inseridos nessa disputa. A base de todo
o capítulo é uma tradicional análise marxista das classes sociais no país, em que, na
época, se aponta: de um lado os latifundiários, com interesses alinhados à exploração
estrangeira do imperialismo por conta da sua propensão a produzir gêneros primários
para a exportação ("são fortes os seus laços com o imperialismo") (p. 13) e a
burguesia multinacional-associada (identificados no material do PCB não com esses
termos, mas como "capitalistas que têm seus interesses entrelaçados com os dos
monopólios imperialistas na indústria, nos bancos e no comércio de exportação e
importação") (p. 13); de outro, na luta contra a dominação imperialista, a classe
operária, os camponeses, a pequena burguesia urbana e a burguesia nacional,

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composta pela parte majoritária da burguesia brasileira que teria no poder estrangeiro
um obstáculo à expansão dos seus negócios (p. 14).
Assim, a principal linha argumentativa de correlacionar a questão nacional ao
anti-imperialismo, que vai se desenvolver nas aulas seguintes, já fica estabelecida nas
duas primeiras aulas do curso básico de formação dos comunistas. A conclusão é a
de que o principal inimigo do progresso brasileiro seria o imperialismo estadunidense
e seus agentes internos, pois através da dependência estrangeira estes impedem a
emancipação e o progresso da economia nacional e, com a intervenção política no
governo, cria obstáculos para os avanços na democracia e na política externa de
maneira independente (p. 34). O Brasil necessitaria, então, de uma revolução anti-
imperialista e antifeudal para conquistar uma verdadeira liberdade e melhores
condições de vida para o povo (p. 31). Todavia, naquela conjuntura, "não se trata
ainda de uma revolução socialista, porque não há condições para realizar
imediatamente transformações socialistas em nosso país" (p. 32). Eixo importante de
toda a lógica exposta, é a defesa do caráter não-socialista da revolução a ser
desencadeada de imediato no Brasil, já que a combinação entre atraso econômico
(com baixo desenvolvimento das forças produtivas) e a supremacia das forças
imperialistas na perpetuação desse atraso apontariam para a possibilidade da
formação de uma ampla aliança de classes nacionais para serem capazes de, ao
mesmo tempo, somar esforços para derrocar o imperialismo e o latifúndio e promover
um desenvolvimento alternativo (p. 32). "Como a dominação imperialista afeta os
interesses de amplas camadas e fere os sentimentos nacionais de todos os patriotas,
é contra ela que se podem unir as maiores forças sociais e políticas" (p. 35).
Por conta do poder do imperialismo e do latifúndio junto ao Estado brasileiro
seria necessário realizar uma revolução de fato, com a tomada do poder pelas forças
nacionalistas (p. 32), a classe operária, os camponeses, a pequena burguesia e a
burguesia ligada aos interesses nacionais; com a primeira devendo ser a dirigente por
ser a mais consequente (p. 34). As tarefas dessa revolução seriam: a) libertar o Brasil
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da dependência econômica e política em relação ao imperialismo (por exemplo,


nacionalizando empresas estadunidenses como a Light e a Bond and Share); b)
realizar a reforma agrária; c) desenvolver a economia nacional de forma
independente; d) elevar o nível material e cultural do povo; e, e) garantir e ampliar as
liberdades democráticas (p. 33).
As forças interessadas em tais transformações deveriam se unir numa frente
única nacionalista e democrática (p. 36), que poderia assumir várias formas, não
necessariamente uma instituição única. Possuiria, aliás, a principal manifestação de
então no próprio difuso movimento nacionalista que, agrupando vários setores, estava
presente na luta por causas como a defesa do petróleo e das riquezas nacionais, o
controle e a regulamentação do capital estrangeiro no país, a ampliação do
intercâmbio com os países socialistas, a proteção à indústria nacional e a mudança
na política e na composição do governo (p. 37)
Um governo nacionalista e democrático poderia ser conquistado através de
diversas formas (desde a pressão sobre João Goulart para a mudança na composição
de sua equipe - tida, num primeiro momento, como conciliadora e alvo de oposição do
PCB -, passando pela eleição de outros candidatos, até mesmo uma possível reação
violenta a tentativas golpistas da direita), sendo caracterizado como "aquele capaz de
realizar medidas dirigidas contra a dominação imperialista e em benefício do povo,
embora se trata ainda de medidas parciais" (p. 48). Portanto, a revolução nacional-
democrática poderia se dar de forma pacífica, mas em caso de reação violenta a luta
armada poderia vir como resposta (p. 52). Nesse sentido, aliás, a reação do
imperialismo estadunidense e seus agentes internos ante um governo nacionalista e
democrático forçaria a radicalização rumo às transformações revolucionárias (p. 50)
e, em tal processo, a direção da frente nacionalista pelo proletariado, seu setor tido
como o mais interessado na radicalização do processo por conta das necessidades
de sobrevivência, seria condição para assegurar uma transição ao socialismo após
completadas as tarefas nacionalistas e democráticas (p. 51)
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A conjuntura mundial apresentaria também condições favoráveis para uma


revolução nacionalista no Brasil, já que as forças progressistas estariam ganhando
cada vez mais espaço e acirravam as lutas entre capitalismo versus socialismo e da
libertação nacional contra o imperialismo e o colonialismo (p. 21). O material dedicado
à terceira aula do curso básico é explícito em seu otimismo:

O sistema colonial do imperialismo desagrega-se. Nos quinze anos do pós-


guerra surgiram na Ásia e na África cerca de 40 novos Estados soberanos.
Mais de um bilhão de seres humanos libertaram-se da dependência política
em face das potências imperialistas. A humanidade entrou em um novo
período histórico de sua vida (p. 23).

Assim, todas as forças revolucionárias estavam se unindo numa só direção


contra o imperialismo: os povos socialistas, os trabalhadores revolucionários dos
países capitalistas, o movimento democrático e as lutas de libertação nacional (p. 24).
Na própria América Latina, a Revolução Cubana, alvo do mencionado interesse, era
considerado o primeiro exemplo na história de derrota do imperialismo estadunidense
na região (p. 24).
Já nas últimas aulas, voltadas ao assunto do Partido Comunista Brasileiro em
si, a preocupação quanto à questão nacional assume caráter defensivo: buscam
responder aos que acusavam o comunismo de ser um produto exótico e estranho à
realidade brasileira – uma linha frequente do anticomunismo no país, conforme notou
Rodrigo Patto Sá Motta (MOTTA, 2002). Para o PCB, "os inimigos do comunismo
repisam constantemente a calúnia de que o Partido Comunista é uma criação artificial
de um punhado de agitadores, dos 'agentes de Moscou' [...], estranha ao povo
brasileiro e aos seus interesses" (p. 55). Todavia, a prova cabal de que o partido não
seria mero produto oriundo da interferência estrangeira estaria na vitalidade e na força
do PCB ante as inúmeras tentativas de repressão, pois, de acordo com os comunistas,
só sendo muito enraizado no povo brasileiro para enfrentar e sobreviver a tais
condições adversas (p. 55). Se faz questão de apontar também o histórico de atuação

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da entidade na defesa da classe trabalhadora e da libertação nacional, como, por


exemplo, a "insurreição nacional-libertadora de 1935; a luta ilegal durante o Estado
Novo; a atuação patriótica na guerra contra o nazi-fascismo; as campanhas pela paz,
em defesa do petróleo, contra o envio de tropas para a Coreia, etc." (p. 57).
Dessa forma, se nota como a questão nacional cumpriu papel na politização da
militância comunista através do curso básico do PCB ao combinar o entendimento do
que seria a realidade brasileira com as condições dadas pela conjuntura mundial na
direção de defender e justificar a inserção da militância no amplo campo nacionalista
composto pelo partido até 1964 por entenderem que seria este capaz de desencadear
a sonhada revolução brasileira - naquele momento voltada primordialmente para a
luta contra o imperialismo estadunidense e os elementos tidos como seus aliados
internos, especialmente a classe dos latifundiários. A simbiose entre a questão
nacional e o anti-imperialismo presente em toda essa lógica encontrava condições
favoráveis de recepção ante a tradição da militância pecebista, inclusive em
Petrópolis, marcada por décadas de atuação em prol de bandeiras como a defesa do
petróleo e os protestos contra a intervenção estadunidense nos assuntos internos
brasileiros.

4. Conclusão

Na conjuntura do golpe de 1964, a cidade de Petrópolis, seguindo sua tradição


de "Cidade Operária" (que contrasta fortemente a memória socialmente construída da
mesma enquanto apenas "Cidade Imperial") foi palco de um ativo e organizado
movimento operário, com destaque para os comunistas do PCB. A esquerda local
realizou várias atividades de educação política, como conferências, palestras e
cursos. Em grande parte delas se percebe a importância da questão nacional à época,
que, apesar de geralmente reduzida à questão do anti-imperialismo, ganha destaque.
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No caso do PCB, a formação de uma militância capaz de, ao mesmo tempo, ser fiel
ao partido e à sua linha teórico-ideológica marxista-leninista era elemento
indispensável para a inserção do partido no campo nacionalista de então; assim, o
anti-imperialismo aparece como mecanismo galvanizador da tradição comunista com
as demandas nacionalistas ao se colocar no horizonte imediato a formação de uma
ampla frente nacionalista entre a classe trabalhadora da cidade, os camponeses, a
pequena burguesia urbana e burguesia nacional para se desencadear uma revolução
nacional-democrática contra o imperialismo e seus aliados internos, condição para
uma futura passagem ao socialismo.

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PREVENÇÃO AOS MAUS TRATOS CONTRA PESSOA IDOSA ATRAVÉS DA


INTERGERAÇÃO PROMOVIDA NOS ESPAÇOS FORMAIS E NÃO FORMAIS DE
APENDIZAGEM

Deysiene Cruz*
Patricia da Hora**

Resumo
O presente trabalho objetiva conhecer como a intergeração se articula nos espaços
formais e não formais de aprendizagem e como esta intergeração pode contribuir para
prevenção dos maus tratos contra pessoa idosa no contexto contemporâneo. O artigo
contou com um percurso metodológico partindo da pesquisa exploratória e
bibliográfica, de abordagem qualitativa, tendo como campo empírico um coletivo da
EJA, bem como grupos de convivência participantes do serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos – SCFV onde ocorreram algumas experiências sócio
assistenciais compreendida como espaço não formal de aprendizagem. A presente
pesquisa está apoiada em estudos que abordam a temática (in) tergeracional, tais
como: Goldmam (2002), Magalhães (2000), sobre espaços formais e não formais
Gohn (2006), e por fim, na categoria de maus tratos, contaremos com Minayo (2007)
e algumas legislações específicas das temáticas citadas. A investigação propiciará no
final dos seus descritos o conhecimento sobre as diversas gerações encontradas em
espaços formais e não formais onde a interlocução entre jovens, adultos e idosos,
pode promover pontos de transmissão de saberes, construção e (re) construção de
valores, de memórias, convivências, fortalecimento de vínculos e conhecimentos
acerca do processo de envelhecimento e dos maus tratos que acometem a este
segmento etário.

Palavras-chave: Espaço Formal e Não Formal. Intergeração. Maus Tratos.

* Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Educação de Jovens e


Adultos (MPEJA), da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa Programa de
Educação Inclusiva – PROGEI, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. E-mail: deysienecruz@hotmail.com
** Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professora Assistente da Universidade do

Estado da Bahia. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Programa de Educação Inclusiva – PROGEI, da


Universidade do Estado da Bahia – UNEB. E-mail: patricia@inclusaodahora.com.br
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Introdução

O presente artigo traz como problemática a importância de práticas


intergeracionais desenvolvidas nos diversos espaços de educação formal e não formal
de aprendizagem como possibilidades da quebra de preconceitos e possíveis
prevenções em relação aos maus tratos que a pessoa idosa vivencia no contexto
contemporâneo.
Como objetivo central o estudo busca a compreensão dos diversos espaços de
aprendizado, sejam eles formais e não formais, como meio onde ocorrem práticas
intergeracionais e de que forma essas práticas podem contribuir para prevenção de
mau tratos e preconceitos em relação a pessoa idosa.
Para sua construção, este trabalho científico tem como suporte teórico Freire
(1988), Gonh (2006), Magalhães (2000) e Minayo (2005). Apresenta-se através de
uma investigação de abordagem qualitativa, exploratória, pautada na pesquisa
bibliográfica e pesquisa de “in loco”.
Como conexões resultantes do estudo, o trabalho aponta a articulação de
ações educativas entre espaços formais e não formais de aprendizagem como
potencial que promove a intergeração não só capaz de alcançar resultados no
processo de ensino e aprendizado, mas principalmente como possibilidade de
desenvolver atitudes de solidariedade e cidadania no que diz respeito a pessoa idosa.

1. Pessoa idosa x maus tratos

Envelhecer é um processo dinâmico vivido pelo ser humano no decorrer da sua


existência. É um processo que ocorre inerente à vontade humana e envolve diversos
fatores.
O curso da existência humana inicia-se em seu nascimento, passando para a
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infância, perpassando pela adolescência, daí segue até a juventude, depois a etapa
adulta chegando então à faixa etária idosa. Esse processo de desenvolvimento
humano se destaca como uma realidade dinâmica e progressiva na qual ocorrem
modificações morfológicas, fisiológicas, bioquímicas e psicológicas.
O processo de envelhecimento pressupõe alterações físicas, psicológicas e
sociais no indivíduo, as quais ocorrem naturalmente e gradativamente. Mendes (2005)
ainda afirma que envelhecer é “um processo natural que caracteriza uma etapa da
vida do homem e dá-se por mudanças físicas, psicológicas e sociais que acometem
de forma particular cada indivíduo com sobrevida prolongada”. Podemos analisar o
processo de envelhecimento caracterizado pelas modificações biopsicossociais,
tendo suas peculiaridades subjetivas dependendo da genética e da vida de cada
indivíduo.
Zimerman (2005) caracteriza o processo de envelhecimento humano em três
aspectos: os aspectos biológicos ou senescência, aspectos psicológicos e aspectos
sociais. Os aspectos biológicos se traduzem pelas alterações físicas as quais
Zimerman (2005) caracteriza como:
Modificações externas, ou seja, visíveis ao corpo humano como:
- -Bochechas enrugadas
- -Manchas senes
- -Perda de tônus na pele
- -Aparecimentos de verrugas
- -Olhos umedecidos
- -Modificações na postura
- -Estruturas desgastadas entre outras.

Têm-se também as modificações internas as quais são invisíveis e


sensitíveis como:
- -Endurecimento dos ossos
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- -Metabolismo lento
- -Cérebro com possíveis atrofiações;
- -Insônia com maior frequência;
- -Os cincos sentidos degeneram-se;
- -Arteriosclerose entre outros.

O aspecto que Zimerman caracteriza como aspectos psicológicos


traduzem-se pelas:
- -Dificuldades de adaptar-se a novos papéis;
- -Falta de motivação;
- -Necessidades de trabalhar as perdas orgânicas, afetivas e sociais;
- -Depressões, hipocondria, somatização, paranoia, suicídios;
- -Baixa autoestima entre outras.

E o terceiro aspecto caracterizado por Zimerman é o aspecto social


traduzido pelas:
- -Crise de identidade, esta provocada pela falta de papel na sociedade
contemporânea e consequentemente provocando a baixa estima do idoso;
- -Mudanças de papeis na família, no trabalho e na sociedade;
- -Aposentadorias;
- -Perdas diversas;
- -Diminuição dos contatos sociais entre outras.
A partir de todo esse contexto, que faz uma breve incursão no processo de
envelhecimento, podemos perceber que as modificações biopsicossociais do ser
humano estão relacionadas com a hereditariedade assim como também com a história
de vida de cada um, ou seja, relacionado com o nível socioeconômico, atividade
intelectual, saúde, cultura, educação, religião, trabalho entre outros aspectos
pertinentes à qualidade de vida do ser humano.
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Desta forma, reconhece-se como pessoa parte do processo do envelhecimento


humano a pessoa idosa, que de acordo com o Estatuto do Idoso (2003), idoso é todo

o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos, “Art. 1º É instituído o Estatuto do


Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou
superior a 60 (sessenta) anos” (Estatuto do Idoso, 2003).
Conforme também a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), o idoso é
todo indivíduo a partir de 60 anos ou mais na expectativa de vida do Brasil como um
país subdesenvolvido, vale destacar que nos países desenvolvidos as pessoas idosas
são indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos.
Segundo dados do Censo Demográfico (2010), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o país possui cerca de 16 milhões de pessoas com
mais de 60 anos, ou seja 9,3% da população total. A expectativa de vida, que antes
era em torno de 33,7 anos em 1950/1955, passou para 50,99 em 1990, chegou até
66,25 em 1995 e deverá alcançar 77,08 em 2020/2025. Dados ainda demonstram que
o envelhecimento populacional no cenário brasileiro é um dos mais acelerados do
mundo, somente comparável, na atualidade, ao do México e da Nigéria, em termos
proporcionais. Isto faz com que haja estimativa de, até o ano de 2025, o Brasil ocupar
o quinto ou sexto lugar dentre as nações mundiais, devendo passar para o contingente
de 33 (trinta e três) milhões de idosos. É uma transição epidemiológica bastante
crescente e, dados ainda apontam que em 2050, este grupo etário deverá responder
por cerca de 19% da população brasileira.
Diante de tais mudanças do perfil demográfico, evidenciam-se também as
significativas transformações em relação ao indivíduo idoso. Com demanda de
políticas públicas que atendam à expansão populacional dos idosos, tanto no ponto
de vista da vida individual, quanto coletivo, como também na qualidade da sua
inserção social. A ONU considera o período de 1995 a 2025 a Era do Envelhecimento.
Com este crescimento da população etária e, consequentemente com as mudanças

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de grande porte nos campos da economia, da política, da cultura e do social ocorrem


repercussões significativas com contextos das instituições.
No Brasil, mudanças ocorrem ao longo dos últimos decênios e entre elas
mudanças no cerne da instituição chamada família que segundo Kaloustian (2000), é
o espaço indispensável para a garantia de sobrevivência, de desenvolvimento e de
proteção integral de todos os membros, independentemente do arranjo familiar ou da
forma como vêm se estruturando.

A família, por ser o lugar da primeira socialização e por desempenhar funções


socialmente importantes junto aos seus membros, constitui um ponto
nefrálgico com relação a um amplo conjunto de necessidades. Com efeito,
quando a família se encontra em situação de fragilidade e ausente da
existência das pessoas, os problemas enfrentados tendem a agravar-se.
Pelo contrário, à proporção que a família consiga interagir nas novas
circunstâncias socioculturais, pode contribuir para amenizá-las (FALEIROS,
2001, p. 80).

A família tem um papel crucial enquanto cuidadora, afetiva, amorosa e


comunicativa, possui mais chances de promover condições de possibilidades para o
desenvolvimento saudável entre os componentes familiares. A questão da estrutura
familiar, a importância do ambiente é, portanto fator fundamental no desenvolvimento
de uma questão denominada de resiliência no que diz respeito aos enfrentamentos
cotidianos das questões materiais e subjetivas introduzidos no ambiente familiar.
Sendo assim, o espaço familiar é onde o idoso enquanto pessoa digna de
sobrevivência deve ter seus valores respeitados e observados.
Este espaço, denominado família, representa um grupo social primário em que
crianças, adolescentes, adultos e idosos estão ligados entre si por laços afetivos.
Sendo então a família a instituição aqui destacada, podemos perceber que na
sociedade brasileira as famílias contemporâneas não se encontram preparadas para
lidar com este aumento da população de idosos e, concomitantemente, com as
peculiaridades sociais, físicas e psíquicas deste segmento.
Frente a esta realidade emerge esse fenômeno chamado maus tratos contra o
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idoso, maus tratos que também é entendido com a nomenclatura violência que se
destaca também no âmbito familiar ou doméstico se referindo-a como maus tratos
intrafamiliar ou seja ocorridas no âmbito doméstico, no interior dos lares, e destaca-
se mais ainda pelo crescimento de forma marcante no cenário contemporâneo.

A violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar,


a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno
desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou
fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a
assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e em
relação de poder à outra (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).

Esse fenômeno denominado violência contra os idosos se classifica por várias


formas conforme Minayo (2005, p. 15), “as violências e os maus tratos familiar contra
os idosos se referem a abusos físicos, psicológicos e sexuais; a abandono,
negligências, abusos financeiros e auto – negligências”.
Abuso físico, maus tratos físicos ou violência física são expressões que se
referem ao uso da força física para compelir os idosos a fazerem o que não desejam,
para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte.
Abuso psicológico, violência psicológica ou maus tratos psicológicos
correspondem a agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar os
idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio social.
Abuso sexual, violência sexual são termos que se referem ao ato ou jogo
sexual de caráter homo ou hetero relacional, utilizando pessoas idosas. Esses abusos
visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento,
violência física ou ameaças.
Abandono é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou
deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem
socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção.
Negligência refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos e
necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou institucionais. A
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negligência é uma das formas de violência contra os idosos mais presente no país.
Ela se manifesta, frequentemente, associada a outros abusos que geram lesões e
traumas físicos, emocionais e sociais, em particular, para os que se encontram em
situação de múltipla dependência ou incapacidade.
Abuso financeiro e econômico consiste na exploração imprópria ou ilegal
dos idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e
patrimoniais. Esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar.
Autonegligência diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça sua
própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si mesma.
De acordo com diferentes autoras Beauvoir (1990), Falcão (2010), que se
dedicaram ao seguimento etário aqui estudado e considerando-se as experiências
profissionais com este público, destaca-se como exemplos dos aspectos apontados
por Minayo (2005) que a violência contra a pessoa idosa como uma violação de
direitos humanos é uma causa relevante de lesões, doenças, perda de produtividade,
isolamento e desespero.

2. A intergeração nos espaços formais e não formais de aprendizagem

Falar sobre intergeração, inicialmente nos faz imaginar falar sobre as gerações
familiares, onde particularmente se inicia este convívio que se enfatiza a dimensão
das relações entre genitores e filhos/as como aponta Ramos (2006).
No entanto, falar de intergeração no contexto atual onde apesar da longevidade
de vida é um marco sobretudo contemporâneo e a ideia da intergeração ainda é muito
tímida nos meios acadêmicos é um tanto desafiador. Brito da Motta (2004) defende
que os estudos parecem mais voltados à análise de formas de interação
marcadamente intrageracional do que intergeracional.
Sobre modos de sociabilidade na velhice, temática de seu interesse, considera

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como fenômeno próprio da contemporaneidade “o encontro de pessoas idosas em


grupos organizados, de propostas variadas, desenvolvendo uma sociabilidade
marcadamente intrageracional” (BRITTO DA MOTTA, 2004, p.109), já sobre a
intergeração a autora faz a alusão que

O reencontro e a solidariedade geracionais são grandes e bons momentos


iniciais na trajetória do idoso em busca da redefinição de seu lugar social,
mas deverão ser também base e fortalecimento para a busca - que deveria
ser da sociedade inteira - da convivência, privada e pública, com outras
gerações. E desse tipo de movimento, de passagem do encontro
intrageracional para o intergeracional pouco se tem notícia (BRITO DA
MOTTA, 2004, p.118).

Partindo da necessidade dessa discussão, em especial nos viés acadêmicos,


surge falar das relações entre distintas gerações e para tanto destaca-se Salles
Oliveira (1999) que reflete sobre a convivência entre avós e netos/as. O autor defende
que, independentemente da condição etária, pode-se aprender e mudar a partir da
experiência do outro, tendo como premissa básica a igualdade de direitos e respeito
às diferenças. Salles Oliveira (1999, p.14) mostra que através da convivência, avós e
netos/as “são capazes de criar práticas originais, de reinterpretar ideias e sugestões,
de reinventar o que já vem pronto e de fazer de suas vidas uma travessia de partilhas
e mudanças”. Ainda segundo o autor os idosos e crianças de maneiras distintas se
educam reciprocamente.
Já Ferrigno (2003) defende a interação entre os idosos e adultos, sejam
professores /as e estudantes, sejam estudantes e estudantes, sempre uma interação
de forma intergeracional a qual o autor afirma a importância na medida em que
flexibiliza relações, valores e comportamentos, bem como diminui o preconceito etário
uma vez que possibilita incrementar a inclusão social de velhos e jovens, prevenir
situações de violência, principalmente no ambiente familiar e claro é uma interação
que busca principalmente o enriquecimento mutuamente, através das aprendizagens
compartilhadas. Observa-se que ambos os autores destacam a ideia de que sujeitos

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de diferentes gerações (velhos, criança, jovens e adultos) juntos modificam seus


modos de pensar e ser desde que este convívio se estabeleça.
É notório, que no campo da educação formal, as escolas passam a se
preocupar com a ideia de organizar as turmas conforme os recortes do segmento
etário e por muitos anos na história da educação foi-se determinante esta proposta de
formação de turmas no contexto educacional até que surge a Educação de Jovens e
Adultos – EJA no Brasil que passa a se constituir em uma modalidade de ensino tendo
Diretrizes Curriculares Nacionais regulamentadas pelo Conselho Nacional de
Educação através da aprovação do Parecer n° 11, de maio de 2000.
Neste contexto, percebe-se que pensar o processo envelhecimento nestes
espaços de aprendizagem, dar-se uma possibilidade de pensarmos a questão do
processo como algo inerente a existência humana e por essa questão pensar este
processo com o envolvimento de segmentos etários inseridos no processo e
indivíduos que serão há alguns anos, pode contribuir para entender de forma prática
e reflexiva o processo natural de envelhecer.
Além dos espaços formais, temos também os espaços informais que de acordo
com Gohn (2006) caracteriza-se o processo não formal da educação como um método
de aprendizagem constante, onde a interação se faz presente como afirma Gohn
(2006, p. 78)
a uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e de
transmitir ou trocar saberes. É a possibilidade de interagir com o mundo que
está a sua volta e suas relações sociais, criando assim um processo
educativo.

Assim como citamos alguns espaços formais de aprendizagem, faz-se


necessário citar também um exemplo de espaço não formal de aprendizagem que é
o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV (BRASIL, 2011). O
Serviço é ofertado de forma complementar ao trabalho social com famílias realizado
por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias – PAIF e Serviço

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de Proteção e Atendimento Especializado às Famílias e Indivíduos – PAEFI (BRASIL,


2011). O SCFV possui um caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e
afirmação de direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades dos
usuários, com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento
das vulnerabilidades sociais.
As atividades intergeracionais, as quais aqui neste presente relato de
experiência está conceituada como prática socioeducativa, repercute em atender as
atribuições e competências de profissionais multiprofissionais que em especial na
experiência vivenciada é o professional de Serviço Social, que desenvolve entre
tantas atribuições a prática de cunho socioeducativo, que de acordo com
Faleiros(2010) e Iammamoto (2008), são práticas educativas que através das relações
sociais, ou seja através dos grupos podem promover a convivência, democratizar
informações, estimular as trocas culturais e a partilha de vivências, desenvolver o
sentimento de pertença e de identidade, fortalecer os vínculos familiares, sempre sob
a perspectiva de incentivar a socialização e a convivência familiar e comunitária.
Nos espaços acima indicados como exemplos de espaços de formais e não
formais, percebe-se que existem a intergeração e parafraseando Arnaldo Antunes
(2000, p. 57), “antes de mim vieram os velhos, os jovens vieram depois de mim e
estamos todos aqui no meio do caminho dessa vida vinda antes de nós” e, assim,
pode-se construir uma espécie de troca onde todos são e serão velhos. Esta deve ser
uma realidade a qual devemos suscitar sempre nas pessoas e a intergeração
trabalhada pode e promove tal experiência.
É importante referenciar Freire (2000, p.58), quando defende “só existe o saber
na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os
homens fazem do mundo, com o mundo e com os outros” ou seja, o ato pedagógico
a partir da vivência cultural, social, política, econômica e ideológica do/a educando/a
e que na EJA esse ato pode se dá com as experiências partilhadas entre seu público
intergeracional internamente inserido.
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O fenômeno social do compartilhamento de espaços sociais, nesse estudo a


EJA como referência desse espaço, está intrinsecamente ligado às determinações de
moldes de idade ou pelo molde geração como é epistemologicamente conhecido.
Para tanto, faz-se necessário conceituar a terminologia geração.

As gerações são mais que coortes demográficos. Envolvem segmentos


sociais que comportam relações familiares, relações entre amigos e colegas
de trabalho, entre vizinhos, entre grupos de esportes, artes, cultura e
agremiações científicas. Implicam estilos de vida, modos de ser, saber e
fazer, valores, ideias, padrões de comportamento, graus de absorção
científica e tecnológica. (MAGALHÃES, 2000, p. 37).

É um fenômeno que destaca as relações sociais entre grupos etários distintos


onde não se considera apenas a cronologia, mas deve considerar os estilos de vida,
o saber, valores, memória, com intuito de viabilizar uma relação entre as distintas
gerações. Partindo deste pressuposto, surge a intergeração que segundo Goldman
(2002, p.28) é

um conceito que se vive, que se aplica à vida cotidiana. É uma forma de


aproximação entre as gerações para melhor compreender e buscar,
solidariamente soluções aos problemas que envolvem todas as faixas etárias.

Para a existência da intergeração é necessário retomar o senso de coletividade


e solidariedade, ultrapassando o individualismo, ou o recorte geracional predominante
na sociedade contemporânea. Como afirma Magalhães (2000, p. 153) “aproximar
gerações é objetivo do trabalho social que busca quebrar barreiras geracionais,
eliminar preconceitos e vencer discriminações”.
É perceptível a intergeração como possibilidade de trocas, pois como afirmado
pelos teóricos e legislações, propõe-se o partilhamento de gerações diversas como
jovens, adultos e idosos e é uma realidade onde se percebe a troca de solidariedade,
a troca de saberes, a troca de valores de forma como Oliveira (1999); Barros (1987),
quando referem-se a relações entre as gerações, ou seja, relações intergeracionais
como o repasse do conhecimento dos mais velhos para os mais novos, reproduzindo
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as relações sociais do início do século em que o idoso era o dono do saber,


perpetuador do conhecimento muitas vezes transmitido através de ordens e ausência
de diálogo.

3. Procedimento metodológico

Este trabalho tem uma abordagem qualitativa que procurou investigar o espaço
formal de educação, a escola, em suas diversas modalidades, e o espaço não formal
de educação que permite o compartilhamento de experiências, principalmente de
situações interativas construídas coletivamente.
Segundo Minayo (2012), a abordagem qualitativa responde a questões muito
particulares. Trabalha com o universo de significados, aspirações, crenças, valores e
atitudes. O que concerne em conhecer a qualidade do objeto estudado, apropriar-se
do maior número de informações no intuito de adquirir um melhor resultado ao fim da
observação.
Partindo da característica dessa abordagem de cunho qualitativo, construímos
a identidade desta investigação com uma breve pesquisa de campo, que se configura
a partir de “meios para definir e resolver não somente problemas já conhecidos, como
também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizam suficientemente”
(MARCONI; LAKATOS, 1996, p.66).
Segundo Fonseca (2002) é característica dessa abordagem metodológica,
investigações em que, além da pesquisa bibliográfica e/ou documental, se realiza
coleta de dados junto a pessoas. Esse cruzamento de recursos nos permitiu atrelar
informações do campo teórico com o prático, o que enriqueceu o resultado do estudo.
Os sujeitos e o lócus desta pesquisa são os alunos e alunas da educação formal,
de uma unidade de ensino de uma rede municipal, na modalidade de Educação de

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Jovens e Adultos – EJA, de uma cidade do interior do Recôncavo da Bahia1, bem


como participantes de grupos de convivência de crianças, adolescentes, jovens e
pessoas idosas, pertencentes a um serviço da Política de Assistência Social do
mesmo município.
É importante ressaltar que a realidade exploratória vivenciada, se deu pela
experiência viva, através de entrevistas não padronizadas, estudos de caso,
observações de forma que os procedimentos de amostragem e técnicas quantitativas
de coleta de aproximativo, acerca do estudo e na perspectiva da observação
participante que de dados foram desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão
geral, de tipo acordo com Proença (2008) requer que o observador seja parte do
universo investigado para entendimento do contexto das ações e apreensão dos
aspectos simbólicos que o permeiam. É um método de coleta de dados que se
pretende apreender o máximo de conhecimento dinâmico sobre dada situação ou
fenômeno Minayo (2012).
Portanto, uma técnica que possibilita o conhecimento através da interação
entre o pesquisador e o meio, propiciando uma visão detalhada da realidade e neste
artigo a realidade se dá através espaços de educação formal e não formal que
proporcional a intergeração.

4. Reflexões encontradas: discussões

O envelhecimento populacional é um dos maiores desafios da atualidade, mas


nem todos os países estão preparados para lidar com esta realidade. No que diz
respeito a realidade brasileira, é inegável que nos últimos tempos com as grandes
inovações científicas e tecnológicas, ocorreram progressos nos cuidados à saúde

1O Recôncavo baiano é uma sub-região (divisão) da Zona da Mata do Nordeste Brasileiro. O Recôncavo Baiano
está localizado ao redor do município de Salvador (capital da Bahia). É composta por 33 cidades.
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ocasionando assim um grande aumento da longevidade no centro da população


brasileira.
A Organização das Nações Unidas (ONU) considera o período de 1995 a 2025
a Era do Envelhecimento e desta forma o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) problematiza que no Brasil possui cerca de 16 milhões de pessoas com mais
de 60 anos, ou seja, 9,3% da população total. É uma realidade recente dentro da
nossa realidade brasileira, e muitas ações, principalmente na área de educação,
saúde, área econômica e de assistência social, precisam ser prioridades para o
enfrentamento as demandas desta população.
Além do aumento demográfico das pessoas idosas, têm-se também outras
gerações que apesar de não tão crescente quanto a população idosa, encontra-se no
centro da sociedade contemporânea.
Desta forma, destacamos na ponta da pirâmide demográfica populacional as
crianças, que apesar de evidente a queda da fecundidade e natalidade ter provocado
a diminuição desta população etária, sabemos que se configuram componentes de
uma geração que pertence a um segmento etário.
Temos ainda, não de forma tão crescente os jovens, que apesar de ser uma
fase atualmente considerada de risco devido às questões da violência externa pela
falta de segurança, pelo contexto das drogadições e paralelamente pela ausência de
vínculos cotidianamente com suas famílias, por toda esta diversidade biopsicossocial
da própria fase etária, pela falta de oportunidade do diálogo com os avós (avôs), é
uma população existente e que demanda também de políticas evidentes. É justamente
no contexto das gerações e em especial dentre as demandas que surgem para o
enfrentamento quanto ao crescimento da população idosa neste meio que as práticas
intergeracionais surgem.
As práticas intergeracionais nos diversos espaços promovem as possibilidades
de ressignificar a aproximação entre as diversas gerações, de restabelecer os
vínculos que o afastamento afetivo provoca, de modificar o sentimento de estranheza
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e de desconhecimento frente ao processo de envelhecimento como processo inerente


a existência humana e consequentemente pode modificar o elevado comportamento
estereotipado e preconceituoso das pessoas de diversas gerações acerca da pessoa
idosa, realidade a qual se apresenta no contexto brasileiro a partir de comportamentos
justamente por esta falta de uma maior aproximação de membros das diversas
gerações, a exemplo de netos e avós e outros sujeitos das demais gerações.
Para melhor compreensão, faz-se necessário brevemente abordar que a
geração segundo Magalhaes (2000) são mais que recortes demográficos, mas
envolvimento de segmentos sociais no contexto familiar, contexto da comunidade em
que reside, no ambiente de trabalho e em grupos onde e articula cultura, esporte, lazer
e espaços de participação social.
A partir desta relação social entre a diversidade de indivíduos de uma geração
tem-se a chamada prática intergeracional que tem sua centralidade no intercâmbio
entre grupos etários distintos e na troca que pode se estabelecer entre eles e ainda
para Magalhães, conceitua-se a relação intergeracional ou intergeração como práticas
intergeracionais, ou seja, a relação entre as gerações utilizando-se de campos de
ações próprios, como métodos e técnicas utilizado através de educadores, agentes
sociais e catalisadores de aproximações e troca de afetividade.
Percebe-se ser o convívio entre as gerações em diversos espaços e
inevitavelmente estas práticas principalmente ocorrem nos espaços formais e não
formais de aprendizagem que para Gohn (2006) os espaços formais de aprendizagem
são as escolas que se desenvolve em uma organização sistemática de ordem
sequencial e disciplinar que se divide por nível de conhecimento. Como exemplo deste
espaço, podemos citar a modalidade da Educação de Jovens e Adultos – EJA, a
escola regular de aprendizagem desde o ensino infantil, ao ensino médio, que fazem
a modalidade de ensino da educação básica que mais reflete a dívida do sistema
educacional brasileiro com os coletivos populares.
Ainda para Gohn (2006) o espaço não formal de educação é aquele que
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permite o compartilhamento de experiências, principalmente de situações interativas


construídas coletivamente. É o processo de aprendizagem que não se organiza em
níveis de escolaridade, idade ou conteúdo, mas na participação dos indivíduos
motivada por circunstâncias históricas de vivências pessoais e para esta proposta
temos os grupos de convivências de diversas idades, como a exemplo dos Grupo de
Convivências de Crianças, Adolescentes e Pessoas idosas que ocorre na Secretaria
Municipal de Assistência Social de um município do recôncavo da Bahia. Esta
experiência é uma convivência onde ocorrem atividades intergeracionais que se
pautam na ideia de Magalhães (2000) que é a aproximação entre as diversas
gerações com o objetivo de troca de saberes, quebra de paradigmas, eliminação de
preconceito e melhor compreensão sobre uma fase etária da vida que é processual e
todos deverão naturalmente acessá-la.
Nestes espaços formais e não-formais de aprendizagem, onde ocorrem a
intergeração, podem e devem utilizar a oportunidade e possibilidade de aproximação
das gerações, de articulação de saberes, da troca de valores e principalmente da
compreensão do processo de envelhecimento e então de respeito a esta fase da vida
como ações educativas que favoreçam a promoção de uma melhor interação social
capaz de alcançar atitudes de solidariedade, de cidadania e principalmente de
prevenção aos maus tratos ocasionados contra as pessoas idosas.

5. Considerações (In) Conclusivas

A proposta nos leva a refletir sobre a temática e é justamente uma proposta


reflexiva (in)conclusiva por tratar-se de um estudo pioneiro e ainda muito tímido, o
qual pretende enfrentar todas os limites e possibilidades naturais de novas propostas
científica.

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Percebe-se como resultados da modalidade dos espaços formais e não formais


de aprendizagem tem grupos intergeracionais, mesmo com estudos ainda inexistentes,
é notório que esta aproximação intergeracional sinaliza a “ressignificação” do convívio
entre crianças, adolescentes, jovens e idosos, sobretudo, onde as histórias pessoais
de vida são valorizadas e transmitidas de forma que os comportamentos são
renovados já que a memória cultural e de valores “domésticos” são multiplicados e
repassados dos velhos para os jovens.
Em suma, pode-se afirmar que a convivência intergeracional através desses
espaços podem sim contribuir para a reflexão e mudança de cenário social no que diz
respeito ao processo de envelhecimento com mais respeitos a esta fase
biopsicossocial da vida e aos pontos demandantes que afetam este processo, como
os maus tratos e/ou violência intrafamiliar contra pessoa idosa, uma vez que as
pessoas que acometem são pessoas da família, da comunidade, além de vivenciar
podem semear o respeito e compreensão das peculiaridades da pessoa idosa como
aspectos positivos e inerentes a existência humana e não mais com a impaciência e
desconhecimento do processo de envelhecimento e existência da pessoa idosa.

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EDUCAÇÃO DO CAMPO E MOVIMENTOS SOCIAIS: INTERFACE COM A


PRIVATIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E AS NARRATIVAS SOBRE O
“GOLPE” DE 2016

Elinete Pereira dos Santos*


Domingos Rodrigues da Trindade

Resumo
Este texto surge das leituras e reflexões tecidas na disciplina: Educação, Movimentos
Sociais, Formação e Trabalho, cursada no mestrado em Educação da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Está estruturado em quatro partes.
Discussão sobre a Educação do Campo e sua relação com os movimentos sociais; o
espaço de aprendizagem que é forjado no movimento social; a privatização das
instituições públicas e; o “golpe” de 2016 e as disputas de narrativas. As discussões
permitem compreender as tensões que a sociedade brasileira passa na conjuntura
atual em suas diversas dimensões, as quais atingem sobremaneira a Educação do
Campo e que os movimentos sociais agem na constituição e formação do sujeito
social na perspectiva de se contrapor ao modelo político estruturado na sociedade
brasileira. Nesse sentido, questionamos: Para onde caminhamos? Fica a incerteza
diante da disputa de narrativas que tem ganhado ênfase pós “golpe” de 2016.

Palavras-chave: Educação do Campo. Movimento Social. Privatização. Golpe.

* Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB. Graduada em História.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa em
Educação do Campo – CNPq. E-mail: elinetepsantos@gmail.com
 Doutor em Educação pela Universidade de Brasília. Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia,

Departamento de Educação, UNEB-Campus XII, Guanambi-Bahia. Professor colaborador do Mestrado em


Educação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Participante do Núcleo de Estudos, Pesquisa e
Extensão Educacional Paulo Freire/NEPE. Linha de pesquisa: Educação do Campo, Educação de Jovens e
Adultos e Movimentos Sociais (UNEB). Grupo de Pesquisa Educação do Campo: trabalho, contra - hegemonia e
emancipação humana (UNEB). Linha de pesquisa: Políticas Públicas de Educação do Campo. E-mail:
rodrizex@hotmail.com
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Introdução

A Educação do Campo possui uma proposta de formação que difere das


demais modalidades de educação. Entre os elementos que a particulariza citam-se,
por exemplo, a vinculação e o diálogo com os movimentos sociais que
consequentemente, mantém uma vertente com a comunidade. Além da relação com
os movimentos sociais e sindicais, a Educação do Campo, fundamenta-se a partir da
identidade de classe e, portanto, do trabalho como princípio educativo. Tais elementos
estão presentes em seu projeto de sociedade do qual decorre a concepção de
educação e de desenvolvimento. Sendo assim, falar em educação do campo ou está
atuando na Educação do Campo nos tempos atuais é estar no “olho do furação”, como
afirma Taffarel (2018).
Após o golpe de 2016, em que parlamentares, juristas, grandes empresários e
mídias, destituíram o cargo de presidenta de Dilma Rousseff, eleita com mais de 54
milhões de votos, a situação política, social e econômica no país ganhou nova face.
Os movimentos sociais se encontram enquadrados como organização criminosa pelo
Projeto de Lei nº 13.260/2016, aprovado para as olimpíadas de 2016, o que restringe
sua atuação no meio social. As escolas do campo estão sendo fechadas, as escolas
públicas e as empresas estatais privatizadas de forma extremamente rápida.
Neste texto recorremos aos autores como Caldart (2012), para a reflexão sobre
Educação do Campo, Gohn (2012) sobre movimentos sociais e sua constituição e
Saviani (2017) com a discussão sobre o golpe e seus impactos na vida social brasileira
e, a privatização das instituições públicas.
O artigo está estruturado em quatro partes. A primeira reflete sobre o conceito
Educação do Campo e a relação com os movimentos sociais, a segunda parte esboça
sobre o espaço de aprendizagem que é forjado no movimento social, a terceira sobre
a privatização das instituições públicas e a quarta parte sobre o “golpe” de 2016 e a
disputa de narrativas. E, por fim, algumas considerações finais.
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1. Educação do Campo: e a imbricada relação com os movimentos sociais

A Educação do Campo surge da luta dos Movimentos Sociais e Sindicais


representantes dos povos que vivem no meio rural para assegurar o acesso e a
permanência dos/das camponeses/das à educação pública de qualidade.
Segundo Caldart (2012), o conceito Educação do Campo ainda está em
construção, por tratar-se de um fenômeno latente, que se faz a partir da luta dos
Movimentos Sociais camponeses pela efetivação do direito à educação.

A Educação do Campo nomeia um fenômeno da realidade brasileira atual,


protagonizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa
incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das
comunidades camponesas (CALDART, 2012, p.259).

A autora interpreta a Educação do Campo como um fenômeno da realidade


brasileira, cujo conceito é forjado nas lutas sociais. Essa é uma necessidade de um
grupo específico, socialmente excluído, que se organiza a partir da urgência de incluir-
se em um espaço social que contribui para o entendimento e consolidação de suas
pautas e reivindicações.
A Educação do Campo nasce da necessidade dos trabalhadores do campo por
uma escola pública de qualidade. Ao longo de sua história tem proposto reflexões
acerca de metodologias e organização do trabalho pedagógico, que sejam coerentes
com o tipo de escola que formará os intelectuais orgânicos do campo brasileiro.
Ainda de acordo com Caldart (2012), a expressão meio rural foi substituída pela
palavra campo, que incorpora a luta e a cultura de todos aqueles e aquelas que vivem
na e pela terra: os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais,
os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores
assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos, os
açaizeiros e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do
trabalho no meio rural.

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Lutar por políticas públicas parece ser agenda da “ordem”, mas, em uma
sociedade de classes como a nossa, quando são políticas pressionadas pelo
polo do trabalho, acabam confrontando a lógica de mercado, que precisa ser
hegemonizada em todas as esferas da vida social para garantir o livre
desenvolvimento do capital. O Estado não pode negar o princípio
(republicano) da universalização do direito à educação, mas, na prática, não
consegue operar a sua realização sem que se disputem, por exemplo, os
fundos públicos canalizados para a reprodução do capital, o que, no caso do
campo, significa, hoje especialmente, fundos para o avanço do agronegócio,
inclusive em suas práticas de EDUCAÇÃO CORPORATIVA (CALDART,
2012, p. 262). (Grifo da autora).

A partir dos constructos de Caldart (2012), podemos perceber que a identidade


com a classe trabalhadora do meio rural é um dos grandes elementos da Educação
do Campo. Portanto, conhecer as grandes questões que perpassam este espaço e a
realidade agraria brasileira, se faz um dos caminhos necessários para compreender o
projeto formativo, expresso nessa modalidade educativa.
Assim, a escola do campo deve buscar uma inserção orgânica com as grandes
temáticas do campo, com os movimentos sociais, e para isso, propor concepções
pedagógicas e teóricas que possam garantir a relação entre educação e trabalho, de
modo que a escola seja compreendida como o espaço de formação dos intelectuais
da classe, conforme cita Molina (2015, p. 149),

a Escola do Campo deve ser uma aliada dos sujeitos sociais em luta para
poderem continuar existindo enquanto camponeses; para continuar
garantindo a reprodução material de suas vidas a partir do trabalho na terra,
é imprescindível que a formação dos educadores que estão sendo
preparados para atuar nestas escolas considere, antes de tudo, que a
existência e permanência (tanto destas escolas, quanto destes sujeitos)
passa, necessariamente, pelos caminhos que se trilharão a partir dos
desdobramentos da luta de classes.

Vale lembrar que a Educação do Campo não é uma teoria educacional que
nasce no meio acadêmico, ela surge nas questões práticas da necessidade de um
grupo social, cujos desafios permanecem sendo práticos e refletidos continuamente
como forma de responder as demandas sociais, implícitas nas lutas camponesas. E,
como afirma Caldart (2012), a Educação do Campo não é para, nem apenas com,
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mas sim, dos camponeses. Ela é legítima de uma pedagogia do oprimido. Combina
luta pela educação com luta pela terra, pela Reforma Agrária, pelo direito ao trabalho,
à cultura, à soberania alimentar, ao território.
Como podemos observar, a Educação do Campo conseguiu constituir-se em
política pública, mas garantir orçamento para a execução da proposta é uma realidade
desafiadora. Deve disputar os fundos públicos com o agronegócio que está
apropriando dos conceitos dos Movimentos para propagar, difundir e ganhar adeptos
de sua cultura.
Por isso, esta especificidade educativa, está imbricada com os Movimentos
Sociais. Os sujeitos que lutam por terra, também lutam pela educação e na disputa
por fundos públicos estes sujeitos veem o encontro das duas pautas do Movimento
fundirem- se; isto cria a consciência política da importância pela bandeira de luta e da
educação, visto que o sistema sociometabólico 1, que se reconfigura e permeia todas
as áreas de organização da sociedade capitalista e, por isto, a educação não está
fora.

2. Movimento social e espaço de aprendizagem que forja o sujeito social

Pensar o movimento social na atual conjuntura em que são criminalizados é de


extrema importância, principalmente porque os movimentos sociais surgem em
resposta ao capital, como forma de mediar a exploração do sistema sobre a classe
trabalhadora. Como afirma Gohn (2012, p. 17) “à medida que o capitalismo se
consolida, as lutas sociais vão deixando de ser apenas pela subsistência e surgem
como concepções alternativas dos direitos”. Esta discussão apresentada pela autora
é importante para a compreensão das demandas apontadas pelos movimentos na

1 Sistema sociometabólico é um termo utilizado por Mészáros (2002) no livro Para além do Capital.
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atualidade. À medida que a compreensão dos direitos avança, complexifica as lutas


por políticas que possam atender as necessidades do movimento.
Entende-se movimentos sociais na perspectiva de Sousa Júnior (2015, p. 32,
apud MELUCCI, 1989, p. 52) “como formas de ação coletiva baseadas na
solidariedade, desenvolvendo um conflito e rompendo os limites do sistema em que
ocorre a ação”.
A resistência, as forças contra hegemônicas sempre existiram na sociedade, e
cada tempo recebem expressões correspondentes a seu momento histórico.
Atualmente esta força é compreendida, como movimentos sociais.

Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram, e cremos que


sempre existirão. Isso porque representam forças sociais organizadas,
aglutinam as pessoas não como força-tarefa de ordem numérica, mas como
social campo de atividades e experimentação social, e essas atividades são
fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais (GOHN, 2011,
p.335).

No processo de luta, aprendizagem e resistência, forja-se o sujeito social que


caracteriza os movimentos sociais como educativo e formador de consciência política,
como define Tourraine (2006, p. 136, apud SOUSA JUNIOR, 2015, p.31), “quem se
torna sujeito retorna a si mesmo, àquilo que confere sentido à sua vida, aquilo que
cria sua liberdade sua responsabilidade e sua esperança.” O sujeito social é
compreendido como alguém que ganha autonomia na gestão da própria existência.
Ao se perceber sujeito e expressar, no coletivo, conquista e referência de vida, cria
sua própria liberdade e ganha esperança.
Os integrantes dos movimentos sociais ganham identidade no coletivo e
desenvolve a consciência de cidadania. Assim, o movimento é instrumento de
formação e aprendizagem.

A cidadania não se constrói por decretos ou intervenções externas,


programas ou agentes pré-configurados. Ela se constrói como um processo
interno, no interior da prática social em curso, com fruto de acúmulo das
experiências engendradas. A cidadania coletiva é constituidora de novos
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sujeitos históricos: as massas urbanas espoliadas e as camadas medias


expropriadas. A cidadania coletiva se construí no cotidiano através do
processe de identidade político-social que as lutas cotidianas geram. (GOHN,
2012, p. 21).

Segundo Gohn (2012), a pratica do cotidiano dos movimentos sociais, gera o


acúmulo de experiências de rejeição, negação que são resgatadas no imaginário
coletivo e usadas como elementos para a leitura do presente. Essa relação, passado
e presente, se torna uma força social coletiva organizada.

Aprende-se a não se ter medo de tudo aquilo que foi inculcado como proibido
e inacessível. Aprende-se a decodificar o porquê das restrições e proibições.
[...]. Ou seja, elabora-se estratégias de conformismo e resistência,
passividade e rebelião, segundo os agentes com os quais se defrontam
(GOHN, 2012, p, 23).

A formação do sujeito social dentro dos movimentos é pensada de forma


integral, a humanidade é privilegiada. Como ressalta a autora aprende-se a lutar e a
recuar como forma de luta. A vida e a realidade são percebidas, analisadas e
incorporadas à prática e à ação dos movimentos. Assim, “a experiência recria-se
cotidianamente, na adversidade das situações que enfrentam” (GOHN, 2011, p, 336).
Portanto, os espaços formativos dos movimentos sociais extrapolam as
reuniões, assembleias. Eles estão presentes desde a lona que é erguida nos
acampamentos, as resistências, as marchas e manifestações. Realizam análises de
conjuntura com frequência, para compreender as forças hegemônicas nas ações
governamentais.

3. A privatização conquistando aprovação dos gestores públicos

Ao buscarmos, no dicionário, da língua portuguesa a palavra privatização,


encontramos como resultado: ação ou efeito de privatizar, de tornar algo público em

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particular ou privado. Assim, vem acontecendo em nosso país. Várias empresas


públicas que prestam serviços relevantes como água e energia estão sendo cotadas
à privatização. No entanto, na educação, a privatização vem acontecendo por outros
meios.
Destacamos que na relação de forças, imposta pelo capital, existe resistência
e luta constante, o mesmo consegue adentrar os espaços escolares tanto urbanos
quanto rural.
A privatização da educação, não acontece pela apropriação de prédios
públicos, mas pelo domínio das decisões do setor privado para o público como afirma
Ball e Youdell (2008, apud Peroni, 2017, p. 148) “a privatização endógena, [...] envolve
a importação de ideias, técnicas e práticas do setor privado a fim de tornar o setor
público mais mercadológico e mais parecido com as empresas”. Notamos que a
ofensiva do setor privado sobre o público tem se apresentado, entre outros fatores,
como uma forma de imputar os elementos do mercado sobre a dimensão pública.
Esse interesse no público, objetiva a ampliação das fronteiras do capital na educação,

As mudanças no papel do Estado, no Brasil, ocorreram não somente na


questão jurídica, que passou a usar ainda mais os contratos de convênios e
parcerias, como veio também propor um novo modelo de gestão da coisa
pública. Trata-se da gestão gerencial, nos moldes empresariais, que tem seus
princípios expressos em uma série de programas e projetos educacionais
disponibilizados pelo Ministério da Educação, desde os anos 1990. Esta
forma de gestão aplicada à educação pública, também é amplamente
defendida pelo movimento empresarial, que inclusive passa a oferecer
consultoria nas escolas com o fito de passar a sua expertise na área da
gestão. Some-se a isso o fato de que, em tempo atual, presenciamos no
Brasil um movimento no qual o setor privado deixa de se apresentar a partir
de sujeitos isolados e passa empreender suas ações de forma articulada em
redes políticas, envolvendo diversos grupos econômicos, os quais atuam por
meio de suas associações, organizações sociais, ou fundações privadas e
criam redes políticas de relações (PERONI, 2017, p 149).

Desde 1990, essa intervenção do privado na esfera pública vem acontecendo.


A forma como as empresas vendem sua expertise, convence muitos gestores que
realmente trata de uma boa proposta, parece simples e fácil seguir a orientação de
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um grupo de empresários para que a escola desenvolva seu potencial de eficiência e


qualidade tão valorizada pelo mercado. Os educadores, ao aceitarem essas propostas
perdem a autonomia sobre o desenvolvimento das aulas, os conteúdos, a
metodologia; tudo pronto, determina qual orientação pedagógica e qual conteúdo o
mercado deseja que os futuros empregados dominem (PERONI, 2017).
Na privatização da educação são as ideias e ideologias que são subtraídas da
educação pública. Os meios de comunicação, jornais, revistas corroboram com a
difusão de ideias que o público é ruim. Eles constroem consenso social de que a
instituição privada é organizada, eficiente e qualificada, ao mesmo tempo em que
desconstrói e desqualifica a instituições públicas.

Nesse novo contexto a educação assume uma função explicitamente política.


A escola passa a ser entendida como um instrumento para transformar os
súditos em cidadãos, portanto, um instrumento de participação política, a via
efetiva para se implantar a democracia. Tratava–se de uma proposta que
representava os anseios não apenas da classe dominante, mas também da
classe dominada. Eis aí o caráter hegemônico da burguesia: seus interesses
são expressos de modo a abarcar também os interesses das demais classes;
a ideologia liberal se torna consenso. Isso, porém, não ocorre de forma
tranquila, linear, mas de maneira contraditória, conflituosa (SAVIANI, 2017,
p.223).

No cenário de privatização do público, a atuação dos movimentos sociais é de


suma importância, pois eles levantam a bandeira contra a privatização e defendem
escola pública, gratuita e de qualidade, convoca a sociedade a refletir sobre a
historicidade e a intencionalidade dos acontecimentos.

4. O “Golpe” em 2016: disputa de narrativas

O Brasil passou por uma série de golpes, uns com mais e outros com menos
expressão social. Podemos dizer que tivemos uma média de dez golpes no país,

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desde a Independência em 1822, quando D. Pedro de Alcântara rompe a união com


o Rei de Portugal.
Em 1823, na noite da agonia, quando D. Pedro I, com a ajuda dos militares,
dissolve a assembleia constituinte que escrevia a nova constituição e um ano após
aprova a constituinte imperial, sem a participação da assembleia. Depois o golpe da
maior idade, no período Regencial, 1840, que trata da mudança da maior idade de D.
Pedro II de dezoito para quinze anos, com o objetivo de subir ao trono mais cedo, visto
que o país vivia marcado por intensas disputas políticas. Assim, o grupo que desejava
a presença do jovem Rei, o “induz” a assumir o trono.
O terceiro golpe foi com a Proclamação da República em 1889, momento em
que os militares colocam fim ao regime de monarquia no Brasil. Em 1891, Deodoro da
Fonseca presidente eleito por eleições indiretas, dissolveu o Congresso Nacional, que
lhe fazia oposição e decreta estado de sítio ao Brasil, permitindo que o exército
cercasse a câmara e prendesse os deputados. Após esse ato, Deodoro renúncia e
Floriano Peixoto, o vice, devia convocar novas eleições, mas não o faz.
Em 1930, com a vitória do Júlio Prestes para presidência do Brasil. Os
revoltosos liderados por Getúlio Vargas, não aceitam o resultado da eleição e
investem contra o governo destituindo-lhe o poder. Em 1937, Getúlio Vargas, fecha o
Congresso e suspende as eleições justificando a existência de uma tentativa de golpe
por forças internas do país. Dá-se aí o Estado Novo, onde a ditadura varguista dura
até 1945. Em 1945, Vargas é pressionado a renunciar ao cargo, e, refugia-se em São
Borja, sua cidade natal, quando não conseguiu dialogar com as forças opositoras.
Em 1964, o golpe militar que durou vinte anos, consistiu na derrubada de João
Goulart, deposto do cargo pelo Congresso Nacional que declarou vaga a cadeira da
presidência, em seguida os militares assumiram o poder. João Goulart, possuía ideias
nacionalistas que desagradava os norte-americanos e empresários brasileiros
(GOMES, 2013).

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Com base na explanação acima, golpes no Brasil aconteceram em períodos de


divergência da elite com o representante eleito pela sociedade, caso este, adotasse
princípios regulatórios da vida social, política e econômica que difere dos padrões
aceitáveis da elite. A democracia brasileira é uma procuração com data de vencimento
entregue aos brasileiros. Procuração passível de revogação a qualquer momento.
Em 2016, a sociedade brasileira vivência nova ruptura no processo
democrático. Há narrativas que defende que o impeachment da Presidenta Dilma
Rousseff não foi golpe porque seguiu os tramites legais e está previsto na Constituição
Federal, mediante o artigo 51, “compete à Câmara dos Deputados autorizar por dois
terços um processo contra o Presidente, o Vice-Presidente e Ministros de Estado”. Na
sequência, o artigo 85 enumera os crimes considerados de responsabilidade por parte
do presidente da República. No entanto, há intelectuais, cientistas políticos e
estudiosos que afirmam que o fato ocorrido foi golpe, jurídico, midiático, parlamentar
travestido de impeachment, porque o ato que acarretou a saída da Presidenta, as
pedaladas fiscais, eram práticas recorrentes de todos os presidentes da República
que antecederam Dilma Rousseff, e questionam por que somente na atual conjuntura
de descoberta da maior reserva de petróleo do mundo, as pedaladas tornaram-se
crime contra a nação? Essa questão, os opositores não respondem de forma
convincente a ponto de construir consenso. Sem dúvida vivemos uma disputa de
narrativas.
Saviani (2017) compreende que o fato ocorrido em 2016 foi golpe e rompeu a
ordem democrática levando o país ao estado de exceção.

Consumado o golpe quebrou–se a institucionalidade democrática e


passamos a viver uma verdadeira escalada de arbítrio com constantes
violações dos direitos dos cidadãos ao arrepio do que dispõe a Constituição.
Nesse contexto perdeu vigência o Estado Democrático de Direito e nos
encontramos num verdadeiro Estado de Exceção (SAVIANI, 2017, p. 220).

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O autor registra que após o golpe, a sociedade entra em Estado de Exceção,


onde a ordem natural pré-estabelecida pela Constituição Federal, responsável por
regular os limites sociais são constantemente violados.
No golpe de 1964, as pesquisas apontam que parte da sociedade brasileira,
não compreendeu o acontecido, as propagandas desviavam o foco das reais
intenções das ações dos governos na ditadura.

No que se refere especialmente aos governos ditatoriais, a utilização da


propaganda política enquanto artificio de manutenção das massas faz parte
do cotidiano de vários Estados autoritários que pretenderam, de modo geral,
impor socialmente projetos políticos que atendiam aos interesses de grupos
econômicos específicos disfarçados de projetos “nacionais”, e que requeriam
união entre as classes sociais enquanto pressuposto de sua realização
(MARTINS, 1999, p.1).

As propagandas tentam promover, uma imagem positiva do governo ditador.


Desenvolvem uma narrativa no intuito de convencer e aceitar uma ideologia ou no
mínimo a incerteza do real, “assumiram a tarefa de ajustar os públicos de massa ao
status quo social e político” (LAZARSFELD, 1997, apud MARTINS, 2017, p.1). Os
meios propagandistas podem ser compreendidos teoricamente como um tipo de
aparelho ideológico de Estado na perspectiva de Louis Althusser, que ao interpretar
Marx descreve que a ideologia “é apenas o pálido reflexo, vazio e invertido, da história
real” (ALTHUSSER, 1970, p. 74).
Em 2016 a situação social, política, econômica e tecnológica do Brasil difere de
1964. As mídias alternativas, Facebook, Instagram, Blogs, WhatsApp, disputaram a
narrativa do impeachment com os grandes veículos de comunicação, o que explica a
polaridade nas discussões.

No Brasil de 1964, o engodo foi denominado de ‘revolução’. Nenhum golpista


admite que se denomine sua ação em português claro: golpe de Estado. Em
2016 isso se repete no país. A presidente legitimamente eleita foi derrubada
por um processo político baseado em leituras elásticas da Constituição e
artimanhas jurídicas de diversos matizes, que tentam mostrar como lícito o

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conluio do judiciário com um Parlamento em sua maior parte corrupto e uma


mídia corporativa a serviço das elites financeira (JINKINGS, 2016, p.7).

As informações são repassadas com velocidade e atinge um número maior de


pessoas. As denúncias de corrupção dos partidos e a prevaricação com grandes
empresas, os partidos PSDB, DEM, PMDB eram delatados por empreiteiros e não
recebiam as mesmas punições que os partidos tidos como de esquerda, provocaram
polêmicas e debates que vão desde a conivência do judiciário com o golpe a juiz
super-herói.
No início do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, haviam
brasileiros insatisfeitos com o baixo crescimento econômico que começava a impactar
a economia, aliado a campanha realizada pela grande mídia nacional, intitulada pelo
jornalista Paulo Henrique Amorim, mídia golpista, gesta os manifestoches2 que foram
conduzidos às ruas como se fossem autônomos na decisão. Pedindo o impeachment
da Presidenta.
o que ocorreu no Brasil é um golpe. Claro que o impeachment está previsto
na Constituição não podendo, pois, por si mesmo, ser caracterizado como
golpe. Mas quando esse mecanismo é acionado como pretexto para derrubar
um governo democraticamente eleito sem que seja preenchida a condição
que a constituição prescreve para que se acione esse mecanismo, ou seja, a
ocorrência de um crime de responsabilidade, então não cabe tergiversar. O
nome apropriado nesse caso não é outro. É, mesmo, golpe de estado, pois a
constituição não será mais respeitada, mas violada (SAVIANI, 2017, p. 217).

Com a interrupção do mandato da presidenta eleita, em meio a sociedade


polarizada podemos dizer que o impeachment fragiliza a democracia brasileira, por
não haver consenso nem expressão da maioria, como rege a Constituição, de
cinquenta por cento mais um terço, para legitimar o representante. O parlamento
brasileiro decidiu pelo impeachment, deixou de lado o povo. Tirado do centro das
discussões o povo perde o voto e fere a democracia. A constituição de 1988, logo no

2 Termo criado pelo carnavalesco, Jackson Nascimento, da escola de samba Paraíso da Tuiuti em 2018.
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Artigo 1º, parágrafo único: diz que “todo poder emana do povo”. Então, perguntamos,
porque o povo não foi chamado para a discussão?
A sociedade brasileira segue polarizada, a disputa de narrativa continua, o
plano de governo implementado por Michel Temer, a ponte para o futuro, não passou
pelas urnas, os direitos trabalhistas ameaçados, reforma da previdência em
discussão, a Petrobrás sendo vendida. Aguardamos o fim dessa história.

5. Considerações finais

Tentar esboçar uma reflexão articulando as categorias Educação do Campo,


privatização e “golpe” é no mínimo desafiador, apesar do contexto social, político,
econômico e educacional que o Brasil vive.
A educação de modo geral desempenha um importante papel na construção e
organização social, política e econômica de uma sociedade. No contexto de
privatização e “golpe” que fragiliza a democracia, a Educação do Campo estar sendo
duramente atacada pelas políticas do atual governo, as quais são direcionadas para
a exclusão dos povos do campo e pobres de modo geral do acesso aos bens
produzidos pela sociedade, a exemplo a educação pública.
Frente a esse modelo de política, os movimentos sociais agem na constituição
e formação do sujeito social, e também como força que freia a ação voraz do capital,
tencionam as estruturas do capitalismo e da política brasileira. Nesse sentido,
questionamos: Para onde caminhamos? Fica a incerteza!

Referências

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ENTRE O POPULAR E O FORMAL: DESAFIOS DO PROJETO TECENDO


A CIDADANIA NO CAMPO - PRONERA EJA

Cláudia Valéria de Assis Dansa*


Joice Marielle da Costa Moreira**

Resumo
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) é uma política
pública de Educação do Campo que desenvolve ações em diversos níveis, podendo
ser desenvolvido em espaços não escolares na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O Projeto Tecendo a Cidadania no Campo, financiado pelo Pronera, exerceu, de 2012
a 2014, um trabalho de alfabetização e escolarização de 600 educandos e formação
de 50 educadores populares nos assentamentos de Reforma Agrária do DF e Entorno,
transitando entre o formal e popular. Buscou-se realizar um fazer educativo atendesse
às demandas da política pública, às expectativas dos sujeitos participantes sobre
educação e qualidade da educação, realizando simultaneamente uma educação
emancipatória. Aqui discutimos as características, desafios e possibilidades
educativas que ocorreram no âmbito deste projeto e suas contribuições para a
construção de uma educação para além dos muros escolares. Apontamos para a
necessidade de os Movimentos Sociais trabalharem no fortalecimento da Educação
do Campo, dentro do imaginário dos sujeitos e das ações concretas do Pronera
visando romper com as dicotomias perceptíveis entre o popular e o formal, garantindo
o caráter de Educação do Campo dessas ações, bem como proceder uma revisão
permanente do próprio Pronera para garantir espaços de continuidade e inovação.

Palavras-chave: Educação do Campo. Educação Popular. Educação de Jovens e


Adultos (EJA). Pronera. Educação em Espaços não escolares.

* TEF – Teorias e Fundamentos, FE – Faculdade de Educação, UnB, Brasília – DF, Brasil.


claudia.dansa@gmail.com
** PPG-MADER – Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, FUP – Faculdade

UnB Planaltina, UnB, Brasília - DF, Brasil. joice.marielle@live.com


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Introdução

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a experiência do Projeto Tecendo
a Cidadania no Campo (TeCiCampo) - EJA nos assentamentos rurais do DF e
Entorno. O projeto foi financiado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
desenvolvido no período de 2012 a 2014 pela Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília (UnB) em parceria com os movimentos sociais do campo e
sindicatos de trabalhadores rurais que atuam no âmbito da Superintendência Regional
28 do INCRA (SR28), e foi certificado pela Prefeitura do Município de Padre Bernardo
- GO.
Seu objetivo foi dar suporte aos processos de alfabetização e escolarização de
600 educandos/as do 1º segmento do ensino fundamental EJA em 38 assentamentos
de Reforma Agrária da região, e formar em serviço 50 educadoras populares de
assentamentos para conduzir este processo. Conforme orientações contidas no
Manual de Operação do Pronera (BRASIL, 2012, p. 23), estes projetos podem ocorrer
em diferentes espaços escolares e não escolares, porém devem “assegurar a
certificação dos educandos nos níveis de ensino, condicionada ao reconhecimento do
curso pelo Ministério da Educação e/ou conselho estadual ou municipal de educação”.
Neste texto, pretendemos refletir sobre as ações do Projeto TeCiCampo que,
apesar de seu caráter formal (escolarização), ocorreram em espaços não escolares e
abarcaram intencionalidades que vão além da educação hegemônica, ao terem como
base os princípios da Educação do Campo e da Educação Popular. Buscamos pensar
sobre as possibilidades e limites de organizar um processo pedagógico que rompa
com as dicotomias colocadas pelas nomenclaturas tradicionais que definem os
processos como formais, não formais e informais ou escolares e não escolares, e
verificar as possibilidades e limites de se traduzir as propostas de Educação do Campo
em práticas pedagógicas coerentes.
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1. O Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária como política pública


de Educação do Campo

A Educação do Campo é uma concepção educativa nascida das demandas dos


movimentos sociais do campo, em especial o MST, em parceria com setores da
sociedade civil, sindicatos de trabalhadores rurais, organizações não governamentais
e órgãos governamentais, em especial as universidades. Tem uma vinculação com o
projeto de emancipação dos sujeitos do campo, e é construída por eles, com eles e
para atender às suas demandas por terra, trabalho e um novo modelo de campo, na
perspectiva das lutas contra o modelo hegemônico do agronegócio (BENJAMIN;
CALDART, 2000; MOLINA; FREITAS, 2011).
No bojo da construção da Educação do Campo, um dos primeiros programas
de governo (1998) transformado posteriormente em política pública (2010) foi o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) que financia projetos
educativos desenvolvidos em conjunto por movimentos sociais, universidades e
outros parceiros como secretarias de educação, etc. O Pronera foi construído a partir
do diálogo entre Estado e movimentos sociais do campo e, destina-se a assentados
e acampados da Reforma Agrária, além de envolver outras populações tradicionais
em luta pela terra.
Em seu manual de operações, constam os princípios da Educação do Campo
como norteadores dos projetos desenvolvidos, e um modelo de organização dos
atores e seus papéis no processo pedagógico e de gestão. Envolve professores e
estudantes da Universidade, assentados e suas lideranças, entre outros. É financiado
pelo INCRA, órgão responsável pela implementação das políticas de Reforma Agrária,
e por ele acompanhado através de seus asseguradores. Cada um dos parceiros tem
funções bem definidas, porém é possível alguma variação em relação à forma de
distribuição dos papéis pedagógicos e de gestão dos recursos financeiros.

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As ações do Pronera são desenvolvidas em diversos níveis, da alfabetização


até a pós-graduação, e seguem, no geral, a metodologia de alternância 1 ou dos
tempos alternados de ensino-aprendizagem, em que as ações acontecem
parcialmente na escola e parcialmente nos assentamentos (tempo escola - tempo
comunidade). No caso da EJA, essas ações podem, em alguns níveis, ser
desenvolvidas fora das escolas, embora demandem uma parceria das redes públicas
de ensino para o seu reconhecimento formal.
O Pronera é uma política pública gestada no contexto de construção da
Educação do Campo, em uma lógica que enxerga a escola e a vida como dimensões
complementares do processo pedagógico, e os espaços-tempos escolares e não
escolares como parte de uma educação mais ampla que conecta o homem ao
trabalho, à natureza e à sociedade. Neste contexto, os termos escolar e não escolar,
formal, informal e não formal2 ganham novas significações.
Nesta proposta, o que dá sentido à educação é o seu caráter popular, que a
vincula a um projeto de crítica ao sistema vigente e a uma compreensão da educação
como construção da práxis (ação – reflexão – ação) dos trabalhadores, a partir do
reconhecimento de sua condição de classe e de luta. Assim, podemos falar de uma
Educação Popular do Campo no sentido dado por Ribeiro (2008)3 e Paludo (2006)4.
Nesse sentido, a principal tarefa da Educação Popular seria

criar condições entre os ‘dominados’ para a contestação e rejeição da


estrutura social dividida entre os que pensam, decidem e controlam e os que
executam as tarefas decididas por outros em função dos seus interesses,
para que aqueles que tradicionalmente executam tarefas passem a pensar e

1 Segundo Benjamin e Caldart (2000, p. 53), a pedagogia da alternância “brota do desejo de não cortar raízes. É
uma das pedagogias produzidas em experiências de escola do campo [...]. Busca integrar a escola com a família
e a comunidade do educando”.
2 Gohn (2006) apud Moura e Zucchetti (2010, p. 635) entende Educação Formal como aquela que é “desenvolvida

nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela em que os indivíduos aprendem
durante seu processo de socialização [...] e a não formal é aquela que se aprende no “mundo da vida” via os
processos de compartilhamento de experiências[...]”.
3 Ribeiro (2008) entende que a Educação Popular se define por sua historicidade, e tem um caráter de classe, que

a diferencia do conceito mais geral de educação.


4 Paludo (2006) defende que há uma indissociabilidade entre Educação Popular e processos históricos e sociais.

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a decidir a respeito de tudo o que lhes disser respeito (PAIVA, 1984, p. 250
apud RIBEIRO, 2008, p. 47).

Conforme apontam Moura e Zuchetti (2010, p. 246), referindo-se ao debate


sobre as divisões entre educação formal, informal e não formal, escolar e não escolar,
é necessário superar a lógica binária de classificar a educação, devendo o foco das
discussões residirem na dimensão ético-política da educação, e nos “sujeitos da
educação e as formas como são afetos às práticas educativas”. Nesse sentido, a
Educação Popular está vinculada, em seu significado e existência, à história da luta
popular por educação, assim como a um projeto de mundo específico.

Do mesmo modo que a expressão “campo” remete às lutas históricas do


campesinato, educação popular carrega o sentido das organizações
populares do campo e da cidade que, na sua caminhada histórica, participam,
realizam e sistematizam experiências de educação popular. Estão
compreendidas nessas experiências, entre outras, a criação do Método Paulo
Freire de alfabetização (FREIRE, 1979; PALUDO, 2001) e a educação do
campo (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004), em que os movimentos
camponeses desempenham papel central (RIBEIRO, 2008, p. 42).

Ribeiro (2008) fala de três períodos da Educação Popular no Brasil,


identificando o último com a gênese da Educação do Campo pelos movimentos
sociais. Nestas idas e vindas, as relações entre a Educação Popular e o espaço
escolar ganham diferentes contornos, que passam por uma completa negação da
instituição escolar como espaço apropriado pela educação hegemônica, até seu
reconhecimento como um espaço em disputa que precisa ser ocupado e transformado
pelo campo popular. Nesse sentido, a escola pública é uma importante conquista dos
trabalhadores nas suas lutas de meados do século XIX e início do século XX e, como
tal, não faz sentido que os trabalhadores abram mão do que é, apesar das
contradições, uma conquista de sua própria luta. Todavia, ao se pensar uma educação
popular do campo, trata-se de:

resgatar a relação da educação com o mundo do trabalho, no qual se constituem os


sujeitos políticos coletivos que, nas suas práticas sociais e pedagógicas, definem esta

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educação popular. Como já afirmamos, trata-se, aqui, dos movimentos sociais


populares do campo, que reinventam a relação entre trabalho e educação através da
pedagogia dos tempos e espaços alternados de trabalho agrícola e aprendizagem
escolar (RIBEIRO, 2008, p. 45).

A Educação do Campo, ao mesmo tempo em que aponta para a dimensão da


Educação Popular, constrói-se também como a efetivação do direito à educação
pública de qualidade, socialmente referenciada, trabalhando na perspectiva de acesso
ao sistema público de ensino instituído, o que possibilita ao sujeito ter seu processo
educativo reconhecido institucionalmente.
A partir desta compreensão da Educação do Campo como lugar de reinvenção
dos sentidos, dos tempos-espaços e da lógica de institucionalização dos processos
educativos, podemos compreender que, entre esta proposta instituinte e a educação
instituída, cria-se um campo de disputa pelas intencionalidades da educação
(SEVERO, 2015; MOURA E ZUCCHETTI, 2010.) e pela configuração do seu território.
É neste contexto que precisamos nos situar para compreender as
possibilidades e limites das relações vivenciadas dentro das experiências do Pronera,
em especial do Projeto TeCiCampo. Como afirma Ribeiro (2008, p. 60) este é um
percurso que se faz com avanços e retrocessos e “Os conceitos se constroem, e as
práticas se realizam em um campo de relações de forças antagônicas, portanto, com
avanços e retrocessos. Conquistas como o Programa Nacional de Educação da
Reforma Agrária – Pronera mostram isso”.

2. Os sujeitos do Projeto Tecendo a Cidadania no Campo.

As práticas educativas dos projetos de EJA apoiados pelo Pronera, como o


Projeto TeCiCampo, são financiadas pelo INCRA e executadas pela ação conjunta
das universidades e dos Movimentos Sociais, de modo a proporcionar o acesso à
educação aos assentados e acampados de Reforma Agrária dos locais onde tais

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ações são desenvolvidas. Cada um desses atores tem um papel e atribuições


específicas e fundamentais para a realização dos projetos e seus processos
educativos. Por isso, consideramos ser necessário caracterizar esses sujeitos e suas
atribuições. No caso do projeto TeCiCampo, foram atores dos processos os
educandos, as educadoras, os coordenadores locais, os monitores, as coordenadoras
geral e pedagógica, os professores e pesquisadores de áreas específicas, entre
outros.
Os educandos, razão de ser do projeto, eram assentados e acampados de
Reforma Agrária. Muitos estavam participando de um processo de educação, com fins
de alfabetização e escolarização, pela primeira vez. Alguns desejavam concluir o
processo que iniciaram há muitos anos. No geral, os educandos eram idosos, com
idade entre 49 e 69 anos, embora também houvesse educandos com idades inferiores
e superiores a essas. Por serem já idosos, alguns desafios se colocaram no seu
processo ensino aprendizagem, como baixa visão, além de outras questões de saúde,
que interferem nos processos pedagógicos. O projeto tinha entre suas funções a
realização de exames de vista e distribuição de óculos para quem necessitasse, de
modo a superar esse desafio.
As educadoras populares atuavam dentro dos assentamentos e
acampamentos, e eram moradoras das próprias comunidades nas quais lecionavam.
Foram selecionadas no início do projeto, a partir de sua própria disponibilização para
tal, da recomendação dos Movimentos Sociais, além dos critérios propostos pelo
projeto, como nível mínimo de escolaridade. Embora o processo de seleção estivesse
aberto para educadores e educadoras, quase a totalidade dos inscritos e selecionados
foram mulheres, compondo 47 das 50 vagas. O trabalho das educadoras consistia em
conduzir e acompanhar as turmas e lecionar as aulas, além de participar dos
processos formativos (Cursos e Encontros de Formação) realizados pelo projeto.
Os Movimentos Sociais presentes nos acampamentos e assentamentos onde
havia turmas escolhiam um representante que atuaria como Coordenador Local. Os
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coordenadores locais eram mais politizados, e seu trabalho consistia em fazer a ponte
entre os Movimentos Sociais e os assentados/acampados, e entre estes e a
Universidade, nos assuntos referentes ao projeto e ao Pronera. Além disso, se
encarregavam de mobilizar e articular diálogos com o INCRA quando havia a
necessidade.
Na Universidade havia uma coordenadora geral e uma coordenadora
pedagógica, que trabalhavam na gestão dos recursos e dos processos pedagógicos,
além de guiar as atividades de toda a equipe pedagógica. Parte das atividades
pedagógicas era realizada pelos Monitores e Monitoras, estudantes universitários, no
geral ainda cursando a graduação, que acompanhavam os processos educativos e a
própria formação das educadoras. Desempenhavam funções diversas, como
organização dos Cursos de formação, grupos de estudo, contribuíam para a
elaboração dos materiais didáticos, e acompanhavam as educadoras e as turmas nos
assentamentos e acampamentos, por meio de viagens regulares (geralmente
mensais) a esses espaços. Os monitores, assim como as educadoras e os
coordenadores locais, eram contemplados com uma bolsa mensal para que
desempenhassem suas funções.
Havia também uma equipe pedagógica, contando com representantes das
diversas áreas do conhecimento, composta por professores da Universidade de
Brasília, professores da Secretaria de Educação do Distrito Federal e pesquisadores.
Eram professores de diversos níveis de formação e atuação, com diferentes níveis de
experiência na Educação de Jovens e Adultos e na Educação do Campo, com
diversas habilidades, em especial no que se refere à forma de comunicação com os
sujeitos do projeto, o que demandou ‘traduções’ para que o diálogo entre os
participantes de fato ocorresse.

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3. O contexto

A região na qual o Projeto TeCiCampo foi realizado é composta por partes de


três estados (Nordeste de Goiás, Noroeste de Minas Gerais e o Distrito Federal), na
região que Dansa (2008) denominou de Sertão Mineiro-Goiano. Esta região, apesar
das particularidades de cada parte que a compõe, apresenta certa similaridade
cultural e também padrões migratórios mais ou menos semelhantes, o que lhe confere
uma certa identidade, em especial com relação às populações dos assentamentos de
Reforma Agrária.
Além disso, há certa semelhança nas distâncias entre os espaços e as
condições de chegada aos locais. São locais que ora tem escola, ora não, ou em que
as escolas às vezes se situam muito longe das moradias. A educação, quando chega,
geralmente vem por meio de projetos sociais de alfabetização e escolarização.
Nesses espaços, é possível ofertar educação de acordo com a demanda que
os educadores consigam atender, em especial devido às distâncias a serem
percorridas para esse fim, de modo a manter um ritmo e frequência das ações
educativas. Isso é essencial para o bom funcionamento dos processos educativos, já
que se destina a educandos adultos e idosos, que não têm como deixar seus afazeres
para passar muito tempo dentro de um ônibus indo e voltando da escola. Além disso,
geralmente não há um sistema público de transporte nesses locais, o que faz com que
as distâncias tenham que ser percorridas a pé ou em formas alternativas de
transporte.
Segundo relatos de educandos e educadoras, as questões relativas às
distâncias a serem percorridas para se chegar aos locais onde as aulas eram
realizadas constituíram alguns dos maiores desafios, pois aliadas a outros fatores (o
clima, queda de árvores, pontes danificadas, etc.), as pessoas ficavam
impossibilitadas de chegar aos locais. Por isso, consideramos que estas sejam

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informações fundamentais para caracterizar o contexto no qual as ações educativas


do Projeto TeCiCampo se realizaram.

4. As experiências de escolarização do Projeto Tecendo a Cidadania no Campo


em espaços não escolares

Alguns dos pressupostos da Educação Popular do Campo dizem respeito à


forma como se organizam os processos de aproximar as práticas pedagógicas do
projeto de emancipação1. Fala-se da relação trabalho-educação, no caso o trabalho
do campo, e da alternância como forma de construção do tempo-espaço pedagógico,
que relaciona trabalho e reflexão (RIBEIRO, 2008).
Também se aponta para algumas metodologias gestadas a partir da Educação
Popular, como o uso de temas geradores, rodas de conversa e práticas dialógicas em
geral, que são considerados fundantes das pedagogias emancipatórias, de modo a
aprofundar a compreensão dos projetos de mundo e a consciência de classe dos
sujeitos (ANTÔNIO; LUCINI, 2007).
Fala-se também da gestão compartilhada dos processos e espaços educativos
envolvendo educandos, educadores, gestores, servidores, famílias, comunidades e
movimentos sociais em uma estrutura participativa e autogestionável. Nessa proposta,
a escola é um dos possíveis espaços onde se dá o processo pedagógico que não se
limita a ela.
Ao trabalhar com tais pressupostos, vários projetos têm tido a escola como
centro das atividades reflexivas, e a comunidade como parte integrante do fazer
educativo, igualmente importante. Nesta perspectiva, podemos vislumbrar uma série

1Entendemos o conceito de emancipação em seu sentido de emancipação social, conforme construção feita
anteriormente por nós em Freitas, Dansa e Moreira (2016).
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de possibilidades de ação que têm sido postas em práticas por projetos de Educação
do Campo e Pedagogia da Alternância (BENJAMIN; CALDART, 2000).
Todavia, no caso específico do projeto TeCiCampo, as condições de
movimentação dos educandos, em sua maioria adultos e idosos, bem como a
distância da rede central de certificação, e ainda as distâncias entre os próprios
assentamentos, nos colocaram o desafio de construir os espaços pedagógicos de
forma alternativa, trazendo-os para dentro dos assentamentos, o que demandou uma
organização pedagógica também particular e diferenciada.
Nossa questão central foi compreender como realizar um fazer educativo
escolar em espaços não escolares, de modo a preservar seu caráter de Educação
Popular do Campo e, ao mesmo tempo, garantir seu caráter formal e inclusivo de
educação pública.
No Projeto TeCiCampo, os processos educativos para os educandos se deram
exclusivamente nos assentamentos, no que podemos definir como espaço não
escolar, dividindo-se entre “sala de aula” (nos mais variados espaços) e ações na casa
ou na comunidade. Embora algumas poucas salas ocupassem espaços escolares
dentro dos assentamentos, suas ações não mantinham nenhum vínculo com a escola
propriamente dita. A maioria das salas, por sua vez, estava em outros espaços, como
associações, galpões, igrejas e mesmo casas de educadores e educandos.
Apesar de ocorrer em um espaço fundamentalmente não escolar do ponto de
vista concreto, a formulação do programa, assim como as expectativas dos
educandos, era de uma educação formal, chancelada por um certificado ao final do
processo. Assim, cabia à Universidade, em parceria com a Secretaria de Educação e
com os Movimentos Sociais e associações de assentamentos, desenvolver um
sistema de ensino-aprendizagem que, simultaneamente, correspondesse à demanda
de uma Educação do Campo de caráter popular e emancipatório e a um processo de
formalização inclusiva no sistema de ensino tradicional, desenvolvidos em um espaço

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não escolar com envolvimento do Estado em dois níveis: o municipal (certificador) e o


estadual e federal (financiador e organizador de diretrizes orientadoras).
É evidente que a presença da prefeitura no processo demandaria um
alargamento do conceito de escola formal para além do espaço escolar e, neste
sentido, algum parâmetro de reconhecimento desta formalidade seria necessário.
Após as negociações, ficou claro que este parâmetro seria dado pelos exames de
certificação, que deveriam conter algumas das demandas básicas feitas pela rede de
ensino para que o educando fosse classificado em relação à turma para a qual estava
apto. Em outras palavras, exames de aptidão para um determinado grau ou série
deveriam ser realizados com os estudantes para formalizar sua certificação.
Esta negociação possível traçou um rumo de exigência para os conteúdos de
ensino-aprendizagem que nos manteriam atrelados aos conteúdos do ensino formal,
porém conseguimos a liberdade de poder construir e aplicar conjuntamente estes
exames, levando em conta o desenho de nosso próprio processo pedagógico.
Considerando este como um dos limitadores do desenvolvimento do processo
pedagógico em questão, partimos para compreender como realizar o outro lado do
trabalho, ou seja, o caráter emancipatório demandado no projeto de Educação
Popular do Campo.
Neste sentido, o estudo de Paulo Freire, em especial com relação à construção
de uma educação onde a leitura do mundo, a historicidade do sujeito e a dialogicidade
como fonte de transformação fossem aspectos relevantes, passou a ser tema das
reuniões da equipe de professores e monitores, que estavam concebendo a
organização curricular e os caminhos pedagógicos do processo em questão, bem
como a formação e orientação dos educadores.
A formação de educadores foi fortemente pautada por esses elementos e pelo
próprio debate sobre educação e emancipação social. Entretanto, quando se organiza
um processo de educação emancipatória, o primeiro passo é fazê-lo com os sujeitos,
e não por eles (CALDART, 2008). Para tal, as práticas pedagógicas precisam ser
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utilizadas como proposta, e têm de servir também para o diagnóstico do que estão
produzindo em um determinado contexto.
Para nós do projeto TeCiCampo, o primeiro momento central foi o de perceber
o que se passava com as educadoras no seu processo de formação ao experimentar
práticas emancipatórias e o que acontecia quando voltavam para suas salas de aula
e tentavam aplicar aquilo que estávamos propondo a elas. Foi nesta observação e no
diálogo com elas que fomos percebendo algumas questões importantes para reflexão.
Em pouco tempo ficou claro que, apesar de considerarem produtivas as
aprendizagens vividas em processos alternativos de formação, as educadoras se
sentiam inseguras quando os desenvolviam em suas salas de aula. Em inúmeros
casos, pudemos perceber isso em seus discursos. Foram frequentes os relatos de
educadoras que manifestaram sua insegurança ao ouvir, por parte dos educandos, a
seguinte frase em relação a processos que partiam de temas geradores: “A conversa
está boa, mas quando é que a aula vai começar?” O mesmo acontecia diante de
outras tentativas que buscavam trazer novos elementos para dentro do processo
pedagógico, como colocar as carteiras em círculos, ou partir de elementos do
cotidiano para refletir sobre a realidade dos sujeitos.
Aos poucos, fomos percebendo que, apesar de estarmos desenvolvendo
nossos processos em espaços não escolares, a escola, na sua expressão mais
formal, estava presente, no seu viés mais tradicional, no imaginário dos educandos e
educadoras, e consequentemente, na valorização e validação dos processos
educativos por nós desenvolvidos.
Percebemos que, durante as atividades pedagógicas realizadas, as referências
de legitimidade do processo pedagógico por parte dos educandos, mesmo aqueles
que nunca tinham ido à escola, se dava fortemente na busca de elementos simbólicos,
a partir dos quais reconheciam os processos escolares. Elementos como mesas,
carteiras, quadros de giz, cadernos, conteúdos de disciplinas reconhecidamente
escolares, como língua portuguesa e matemática, e práticas docentes tradicionais que
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envolviam transmissão de conteúdos, deveres de casa, textos para copiarem etc.,


eram constantemente demandados por estes sujeitos nas aulas de que participavam.
Por outro lado, elementos alternativos como rodas de conversa, práticas mais
vivenciais e conteúdos transdisciplinares eram, muitas vezes, vistos como espaços
interessantes de relacionamento, mas que não constituíam, por si só, a atividade
central de que deviam participar. Do mesmo modo, no imaginário das educadoras,
embora pudessem vislumbrar, a partir de sua formação em serviço, alguns caminhos
alternativos, a volta ao caminho tradicional feito pelas suas professoras na escola
parecia mais confortável e segura, dando melhores resultados com relação à
confiança dos educandos no processo que estavam desenvolvendo, e ao próprio
sistema de validação delas do que eles estavam aprendendo (o certo e o errado).
Algumas se arriscavam desenvolver algo mais alternativo. Outras não.
O que nos chamou atenção, aqui, foi o fato de que a escola, para este grupo,
não era um espaço geográfico, mas uma construção imaginária de algo a que eles
não tiveram acesso na idade adequada. Guardavam dela uma lembrança, e avaliavam
o seu valor pela similaridade da estrutura, do currículo e das práticas tradicionais que
conheciam.
Entrevistas realizadas por alguns dos nossos monitores em seus Trabalhos de
Conclusão de Curso ajudam a compreender melhor por que a escola aparece para
esses sujeitos com esta configuração. Ao entrevistar os educandos da região de
Padre Bernardo, Oliveira (2013) nos revela que muitos não frequentaram a escola por
que seus pais entendiam que ela não era necessária para a vida no campo. A
experiência desses sujeitos, porém, é por eles referenciada por um sentimento de
sofrimento causado pela carga de trabalho que lhes foi atribuída desde muito jovem,
vergonha por estar fora do mundo letrado, o que implica num sentimento de exclusão
e dor por não terem tido a chance de escolher o seu caminho, uma vez que não tinham
uma preparação específica para enfrentar nem o trabalho rural, nem o mercado de
trabalho formal urbano.
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Ao educarem seus filhos, porém, eles optaram por outra forma de lidar com a
questão da escola e da vida. Assumiram a crença de que seus filhos deveriam estudar,
de preferência para sair do campo e ter o reconhecimento social e a preparação para
o mercado de trabalho. Ao viver a escola a partir da experiência dos filhos, eles
guardam dela não a dinâmica de ensino-aprendizagem que não viveram, mas a
imagem do que viram e acompanharam neste percurso, que mais se identifica com a
educação urbana e rural do que com a Educação do Campo e reflete a ideologia de
que o campo representa atraso e que estudar para sair do campo é o que confere
valor ao sujeito.
Quando voltam ao campo e começam a vivenciar as propostas de educação
dos Movimentos, estas abrem para eles um novo espaço educativo vivido no cotidiano
como Educação do Campo numa perspectiva não formal de Educação para a
militância e para a construção de outras propostas de produção e vida, e o sujeito
assume e aceita este processo. Porém, ao ser confrontado com o desafio da
alfabetização e da escolarização, sua primeira atitude é voltar ao padrão escolar
conhecido e começar a se pautar novamente por ele. Poderíamos falar da força do
habitus 2 , para usar o conceito de Bourdieu (1996), que reflete as contradições
presentes nos sujeitos entre reprodução e transformação social, em especial quando
o “capital escolar” dos sujeitos é muito baixo. De alguma forma, podemos levantar a
hipótese de que muitos dos nossos educandos consideram processos de Educação
Popular e educação escolar como distintos, e lhes conferem diferentes propósitos,
não tendo ainda introjetado profundamente a dialética feita entre o popular e o escolar
pela Educação do Campo.
Da mesma forma as educadoras, embora consigam vislumbrar melhor a
relação Educação Popular - educação escolar - Educação do Campo, por estarem

2Segundo Bordieu (1996, apud OLIVEIRA, SANTANA; OLIVEIRA, 2014, p. 107) “O habitus preenche uma função
que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo
estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse
mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo quanto a ação desse mundo” (p. 144).
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refletindo sobre isto na formação em serviço, ainda assim tem dificuldades no fazer
cotidiano, por também não encontrarem com facilidade o ponto de articulação entre a
Educação Popular e a educação formal que, na prática, demanda um acúmulo de
capital cultural e experiência pedagógica com processos alternativos. Do ponto de
vista de sua experiência, a maioria vinha de espaços escolares ou evangelizações e,
por isso, não tinham experiências substantivas com Educação Popular ou Educação
do Campo.
Neste sentido, o processo de implementação de um modelo coerente com a
Educação do Campo demandou uma desconstrução do modelo tradicional, no qual a
referência ao espaço escolar não dialoga com o mundo da vida (MOURA;
ZUCCHETTI, 2010) e uma reconstrução desses parâmetros em uma perspectiva mais
emancipatória aceitável para os sujeitos nessa transição. Assim, o tempo se tornou
um fator crucial trabalhando contra nós.
O caminho encontrado para uma tentativa de desenvolver aspectos
emancipatórios, neste contexto, foi o trabalho de articulação de experiências da vida
cotidiana dos sujeitos com os conteúdos essenciais de aprendizagem das disciplinas
tradicionais. Este foi um dos caminhos que se mostrou promissor, tanto para o trabalho
das educadoras como para a satisfação das expectativas dos educandos.
Muito tempo foi investido em mapear atividades produtivas, associativas e de
observação que poderiam gerar questões, problemas, exercícios e produções textuais
que fizessem com que os educandos pudessem reconhecer-se como sujeitos em
meio às aprendizagens demandadas para sua certificação final, e para que nós,
enquanto equipe pedagógica, pudéssemos investir em propostas mais concretas para
apoiar o trabalho das educadoras. Finalmente, optamos por trabalhar com o que
chamamos de conceitos integradores, e escolhemos basicamente dois desses
conceitos para desenhar um referencial curricular que conectasse temas geradores,
atividades pedagógicas vinculadas à realidade do cotidiano de produção e vida dos
sujeitos. Foram eles os conceitos de Identidade e Territorialidade.
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A construção desses conceitos, aqui, não parte de uma lógica abstrata, mas
vem da conexão que vai se estabelecendo entre a vida do sujeito e os conteúdos
escolares no tempo dado do projeto. Se a vida pode gerar temas e eles serem ponto
de partida, percebemos que, no nosso caso, era preciso ter também pontos de
chegada. Esses pontos de chegada não podiam ser apenas ensinar o que era
necessário para passar nos exames, mas tinham de apontar para algo que ajudasse
o sujeito a fazer uma síntese, a partir das suas problematizações.
Para Paulo Freire, na sua primeira fase, cultura e natureza eram os conceitos
que faziam este papel, e que eram desenvolvidos a partir das fichas de cultura do
sistema de alfabetização. Essa proposta foi associada ao desenvolvimento do
humanismo existencialista e à sua proposta de homem e de mundo (Ribeiro, 2008).
Ao colocarmos os conceitos integradores como ponto de chegada, nossa intenção
apontou para uma leitura de mundo que remete ao multiculturalismo, mas não há uma
intenção de aprisioná-los nesta perspectiva, e sim de fazer a ponte com debates que
estão na base da Educação do Campo e das concepções de homem e de mundo dos
Movimentos Sociais do campo. Entendemos que este processo era fundamental para
uma nova conexão entre os velhos conteúdos disciplinares demandados, e também
para possibilitar uma releitura da escola pelos sujeitos do projeto.
Simultaneamente, o trabalho pedagógico com os conceitos integradores
poderia ser feito a partir do desenvolvimento daquilo que, em essência, seria esperado
dos educandos ao prestarem seus exames para certificação, uma vez que nos
possibilitaria fazer as necessárias pontes com os conteúdos curriculares da escola e
seus pressupostos de ensino-aprendizagem para cada nível de ensino. Esta forma de
trabalho, em si, era nova para todos, incluindo a equipe pedagógica, e demandou um
grande tempo para conseguirmos traduzi-lo em processo formativo e material de apoio
para as educadoras, e, mais ainda, para que elas ensaiassem desenvolvê-la com os
educandos.

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5. Os tempos-espaços da educação no Projeto TeCiCampo

Conforme já dissemos, a região do Sertão Mineiro-Goiano guarda alguma


semelhança histórica em relação à sua construção cultural e étnica, mas também
apresenta uma série de especificidades na forma como se organizam suas
temporalidades, seja em relação aos aspectos culturais que se expressam nas festas
locais, datas comemorativas, religiosidades, seja em aspectos produtivos ou mesmo
de ações políticas e de luta desenvolvidas pelos diferentes movimentos que atuam
com diferentes intensidades nos diferentes espaços da região.
Em termos produtivos, a região divide-se em sub-regiões, sendo a produção de
leite importante no noroeste mineiro, e dos produtos agrícolas, como mandioca, feijão,
milho, hortaliças e outros que compõem a base da alimentação, importantes nas
demais regiões. Muitos dos espaços em que ocorreram as atividades, em especial no
Distrito Federal, eram espaços de acampamentos que, por não terem ainda suas
parcelas de terra divididas, não tinham ainda uma produção, o que fazia com que
muitos dos moradores ainda tivessem que trabalhar fora, tanto na cidade quanto em
outras propriedades rurais, para poder se sustentar.
O trabalho de caracterizar uma alternância baseada nas atividades culturais,
produtivas ou de comercialização mostrou-se infrutífero pela diversidade de atividades
desenvolvidas pelos diferentes sujeitos em diferentes tempos. Além disso, um
calendário baseado nas atividades de luta também se mostrou difícil, tanto pela
multiplicidade de movimentos sociais envolvidos quanto pelo fato de que muitas das
atividades não tinham, e nem podiam ter, calendários definidos. Ainda, nem sempre
educandos e educadores eram escalados para participar destas atividades, e nem
sempre todos os movimentos participantes tinham atividades conjuntas.
Assim, a alternância possível nos processos de formação de educadoras foi
pautada pelo próprio ritmo do processo pedagógico, que foi sendo verificado pelos
resultados parciais da formação em serviço, pela avaliação em processo e pela
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quantidade de recurso disponível para financiar os cursos e encontros presenciais. Da


mesma forma, as atividades de cada assentamento tiveram que ser marcadas de
acordo com a conveniência de cada comunidade local. Aparentemente, o horário das
aulas foi determinado pelas atividades do cotidiano que compõem o dia de trabalho
das famílias. Mesmo neste caso, as questões individuais da vida de cada educando,
como médicos que precisam ser regularmente consultados, visitas aos parentes e de
parentes, atividades específicas de plantio e colheita, papéis do sujeito junto à família,
necessidade de ir à cidade, entre outras, interferiram na presença ou ausência dos
sujeitos na sala de aula, e também na construção de atividades comunitárias.
Do mesmo modo, as atividades desenvolvidas pelos demais membros do
projeto, em especial os monitores, que eram estudantes de cursos presenciais,
dificultou a construção de uma alternância das visitas às salas de aula, que tiveram
que atender também à demanda pedagógica e financeira, tendo estes sujeitos que
trabalhar nos tempos de folga em seus cursos, como fins de semana, feriados, férias
etc.
Assim, para este grupo, a construção das relações entre processos escolares
e comunitários foi difícil de ser estabelecida, uma vez que a lógica da vida individual
e familiar, ou mesmo de ligação com seus movimentos, era extremamente
heterogênea. Algumas ações coordenadas puderam se tornar efetivas em alguns
espaços, especialmente de acampamentos, ou em comunidades mais articuladas,
nas quais a proximidade e a lógica da vida dos sujeitos possibilitava um ritmo mais
semelhante. O mesmo se deu a partir de processos internos do projeto, que
permitiram, por exemplo, a transformação da resposta à demanda de exames de vista
e óculos pelos educandos em tempo pedagógico, ou ainda as oficinas e palestras
projetadas para a comunidade como um todo.
No lugar de buscar construir processos mais complexos de alternância,
buscamos trabalhar mais uma vez com a lógica da vida do sujeito e com o ritmo dos
indivíduos, tentando criar condições para que pudessem estar presentes nas
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atividades de sala de aula, e usassem seu espaço de vida para colher materiais de
observação para o desenvolvimento das reflexões pedagógicas, fazendo do seu
trabalho do dia a dia tema gerador de aulas e espaço de problematização.

6. Gestão compartilhada

De todos os aspectos desenvolvidos na perspectiva da Educação do Campo,


podemos dizer que aquele em que mais pudemos perceber o crescimento do grupo
foi com relação à gestão compartilhada dos processos pedagógicos.
De fato, o trabalho de envolvimento dos representantes de todos os segmentos
no colegiado gestor do projeto, as reuniões semanais de avaliação e planejamento, a
articulação entre coordenadores locais e monitores para as visitas e acompanhamento
às salas de aula e para organização dos processos de formação, a participação de
todos, incluindo as educadoras, no planejamento e avaliação dos materiais
pedagógicos e a constante troca de experiências entre as educadoras nos espaços
de formação, a presença constante da equipe coordenadora nos assentamentos e os
diversos processos de buscar parcerias nas comunidades, nos sindicatos e nos
espaços dos Movimentos foi criando um clima de confiança e credibilidade que ajudou
a organizar ritmos e possibilitar que o projeto continuasse suas ações mesmo em
momentos de dificuldades financeiras, quando os recursos demoraram para chegar.
A própria construção de um caminho que permitiu reunir todos os segmentos
com os setores financeiros da UnB e do INCRA para debater a necessidade de não
descontinuar os recursos e garantir o necessário ritmo do processo pedagógico foi um
exemplo de como o grupo foi se constituindo como grupo, dando sustentabilidade ao
projeto.
A riqueza do encontro entre os diferentes sujeitos, ouvir diferentes perspectivas
e pontos de vista, construir parcerias e, mesmo em momentos de crise, conseguir
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sustentar o processo, mostrou como o modelo de estrutura organizativa proposto pelo


Pronera pode, na prática, reconstruir as relações de poder e os espaços dos saberes
dentro do ambiente pedagógico e caminhar para uma transformação das relações.
Entretanto, entendemos que ainda é possível irmos além na relação com as
associações dos assentamentos, que nem sempre contribuíram de fato para que as
condições de desenvolvimento das atividades e os espaços pedagógicos tivessem a
qualidade necessária para seu desenvolvimento, e para que as educadoras tivessem
o suporte local. Em alguns casos, as disputas e conflitos entre lideranças e grupos
nos assentamentos dificultaram o desenvolvimento dos processos, e mesmo
acarretaram no fechamento de algumas salas. Todavia, mesmo nestas ocasiões, a
parceria entre coordenadores locais e asseguradores foi de extrema importância para
possibilitar o diálogo entre educadores, educandos e lideranças comunitárias, no
sentido de negociar a superação dos conflitos.
Todo este processo foi também inspirador para as educadoras, para referenciar
suas ações de administração das questões do seu cotidiano local e busca de
parcerias, e representou um passo importante em relação ao aprofundamento das
leituras de mundo, da construção do diálogo com os diferentes atores sociais e na
construção da autonomia para buscar resolver os problemas e propor alternativas
para sua solução. Em alguns espaços, a organização da sala de aula foi feita por
educadoras e educandos, que construíram ou reconstruíram cadeiras a partir de
estruturas de metal antigas cedidas pelo poder público, ou organizaram bibliotecas a
partir de livros doados, ou fizeram mutirões para garantir a estrutura do espaço de
trabalho.

7. Considerações finais
Voltando à questão central de explorar as possibilidades de realizar uma
Educação Popular do Campo com caráter formal nos assentamentos a partir dos
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projetos do Pronera, podemos dizer que, apesar dos inúmeros desafios que se
colocam em função da quantidade e diversidade de sujeitos e contextos abrigados no
projeto, a possibilidade de realizar ações em um espaço mais próximo dos sujeitos
camponeses permite que possamos perceber que, para além do universo concreto da
escola e das contradições que se dão entre os sujeitos nestes espaços, há também
as contradições que habitam o imaginário dos sujeitos camponeses e os contextos
nos quais estão inseridos, que compõe sua visão de escola e os sentido da educação
formal.
Estas contradições, longe de significarem que os Movimentos sociais não têm
avançado nas suas propostas, indicam os pontos de conservação de crenças, valores
e hábitos que pertencem ao passado, e que precisam ser desconstruídos na lógica
dos novos processos pedagógicos propostos. Trata-se, mais do que tudo, de uma
Pedagogia do Oprimido3. A escola, como espaço de conservação social dentro dos
sujeitos, é habitus, e remete a um campo que não é o da Educação do Campo, porque,
também para esses sujeitos, Educação do Campo é uma nova construção identitária.
O Pronera nos desafia a colocar em diálogo estas questões e, neste sentido, é
preciso compreender o contexto em que ele se desenvolve dentro do cenário maior
de luta da Educação Popular. Como aponta Ribeiro (2008, p. 44 apud RIBEIRO, 1987,
p. 47 - 48):
Entendemos que as formas através das quais os trabalhadores e
trabalhadoras se organizam, dando origem aos movimentos sociais
populares, como sujeitos políticos coletivos de transformação social e de
educação popular, conferem conteúdo a esta realidade histórica e social.
Estas formas, porém, são contraditórias, uma vez que as mesmas se
constroem no interior de relações onde se confrontam interesses
antagônicos: capital/ trabalho. [...] O processo educativo, iniciado na luta
contra a expropriação/proletarização, é marcado pelas práticas contraditórias
daqueles que constituem uma consciência de classe na medida em que se
organizam, lutam, refletem, se reorganizam. Alguns voltam atrás. Alguns
ficam no meio do caminho. Alguns tomam a dianteira, mas a maioria vai
avançando, se disciplinando e reconhecendo como classe.

3 (FREIRE, 1970).
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A nosso ver, as constatações deste trabalho apontam para a necessidade de


que os Movimentos Sociais do campo assumam, cada vez mais, junto com as
Universidades e demais parceiros, o fortalecimento dos processos de EJA e a
educação dos adultos e idosos, que têm um importante papel na realidade imediata e
cotidiana dos espaços de Reforma Agrária. Nesse sentido, uma releitura permanente
destas ações dentro da política pública do Pronera, de forma a repensar os espaços
e tempos, o caráter da formalização e a continuidade dos processos, tanto de
escolarização como de formação de educadores, são fundamentais, e devem ser
debatidos tanto em nível pedagógico como dos processos jurídico-administrativos que
o compõe, para um permanente redesenho e aperfeiçoamento dessa política pública,
que muito tem contribuído para a emancipação dos sujeitos do campo.

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MOVIMENTO HOMOSSEXUAL EM ITABUNA: A (IN) VISIBILIDADE


LÉSBICA NOS TEMAS DAS PARADAS DA DIVERSIDADE

Raiany França Oliveira*

Resumo
Este estudo dedica-se a análise da (in) visibilidade lésbica através dos temas
abordados nas paradas da diversidade LGBT, realizadas pelo Grupo Humanus,
no período que abrange a primeira parada em 2004 até a décima primeira
realizada em 2014. A partir da leitura da superfície discursiva dos materiais,
folders e panfletos, produzidos e distribuídos nos momentos que antecedem a
parada, considerando temas e representações gráficas, foi possível perceber
uma representação mínima da identidade lésbica neste evento considerado o
mais expressivo para o movimento homossexual. Partindo dessas matrizes,
identificamos o espaço da militância homossexual como um ambiente de
reprodução de um sistema androcêntrico e sexista, que apesar de lutar pelo fim
das discriminações contra o público LGBT, não está livre da interferência da
manifestação do poder masculino construído e legitimado enquanto normal na
nossa sociedade. A identidade lésbica é vista nesse processo enquanto
subversiva e de resistência, pois a sua vivência é encarada como estratégia de
transformação da norma imposta.

Palavras-chave: Movimento LGBT. Paradas da Diversidade. Invisilidade


lésbica.

*Licenciada em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC – Ilhéus – BA – Brasil.
Graduanda em Direito pela UESC – Ilhéus – BA – Brasil. E-mail: raianyoliveira06@hotmail.com
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Introdução

Este texto explora a (in) visibilidade lésbica contida nos temas de discussões
propostos pelas 10 primeiras “Paradas da Diversidade LGBT”, que nem sempre
tiveram esse nome, realizadas na cidade de Itabuna pelo Grupo Humanus, no período
de 2004 a 2013. O recorte temporal desta pesquisa, porém, vai de 2004 a 2014,
quando é realizada a 11ª parada, e a primeira a ter como tema a visibilidade lésbica,
e luta destas mulheres por direitos.
Quando esta pesquisa foi pensada a sua intenção inicial era investigar de que
maneira as lésbicas participavam da organização das paradas. Porém, a dificuldade
em encontrar mulheres lésbicas que integraram o grupo durante esse período
impossibilitou que essa abordagem fosse realizada. A partir de então, as fontes para
este trabalho passaram a ser os panfletos e folders das paradas, que mostram o
discurso do movimento, e o que este considera como reivindicações e temas
educativos.
O pensamento central é de que a ausência de visibilidade da identidade lésbica
ocorre por conta da limitação de grupos homossexuais mistos, que não conseguem
abordar as necessidades e prioridades das mulheres lésbicas, e reforçam um sistema
de poder, que perpassa vários campos das relações sociais, baseado no
androcentrismo e sexismo.
O movimento homossexual em Itabuna, através de sua principal manifestação
pública, a parada da diversidade, popularmente conhecida como “parada gay”,
apresentando a função da linguagem de reforçar exclusões, pois o termo gay não
contempla todas as identidades LGBTs, se mostra como um espaço de reprodução
da centralização e exaltação das identidades masculinas, onde o masculino ainda
assegura lugares hierarquicamente estabelecidos.
As militantes lésbicas vivenciam a sua identidade, através de uma organização
discursiva em volta da sexualidade, em um movimento de inclusão e exclusão que
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confronta discursos presentes na sociedade baseados na heteronormatividade, no


androcentrismo e nos outros mecanismos de opressões encontradas dentro do
próprio movimento.

1. O grupo Humanus e os 10 anos de Parada da Diversidade em Itabuna

Após a consolidação do movimento homossexual brasileiro na década de 1990


como vimos anteriormente, vários grupos surgiram no cenário nacional com uma
política não só voltada para a combate à discriminação sofrida pelos homossexuais,
mas também preocupados com as questões das Doenças Sexualmente
Transmissíveis - DSTs e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/Acquired
Immunodeficiency Syndrome - AIDS a que esse público era vulnerável. O Grupo
Humanus surgiu neste contexto, norteado por estas questões como vemos no folder
em que o texto descreve o grupo como:

Uma ONG, G.L.B.T. fundada em 2001, visando o trabalho de prevenção em


DST/HIV e AIDS, e cidadania de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros,
na construção de políticas que visem agregar, todos G.L.B.Ts no seio da
sociedade, através de projetos que tenham o cunho de educar, conscientizar
e politizar (Grupo Humanus, Iguais no amor e na raça. Cidadania e Direitos
Humanos).

Como característica dos grupos da segunda onda do movimento homossexual,


as atuações destes são mais politizadas, na busca da garantia dos direitos da
população homossexual. Além de fazer um trabalho educativo e de prevenção às
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), a Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida/Acquired Immunodeficiency Syndrome - AIDS e as Hepatites Virais, o grupo
dispõe de uma assessoria jurídica que recebe denúncias de direitos violados do
público LGBT e dos portadores de DSTs/AIDS/HV e, gratuitamente assume as
medidas legais cabíveis. O grupo Humanus foi declarado em 2007 como uma

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Entidade de Utilidade Pública Municipal, é filiado em âmbito estadual ao Fórum Baiano


de ONGs/ Aids (FOBONG), e no âmbito nacional à Associação Brasileira de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). No folder apresentado no 7º
Seminário de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT realizado pelo Humanus
como evento pré-parada podemos ver um pequeno histórico da atuação do grupo e
seus objetivos:
O Grupo Humanus desenvolve ações há doze anos e atualmente em parceria
com a Associação da Parada da Diversidade LGBT de Itabuna promove
atividades na construção de cidadania LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais). Atua nos níveis municipal, estadual e federal para que
todos os direitos das pessoas que vivem com HIV/AIDS sejam respeitados e
garantidos. Trabalha também com direitos humanos da população LGBT
(Grupo Humanus, Nosso Manifesto Começou há 10 anos, 2013)

A Revolta de Stonewall que ocorreu em 28 de julho de 1969 em Nova York, nos


Estados Unidos, quando um grupo de homossexuais foi às ruas, com cartazes e
palavras de ordem, foi um marco para o movimento, a data foi considerada dia do
orgulho gay, e influenciou outros grupos a saírem às ruas reivindicando direitos iguais
entre heterossexuais e homossexuais. Assim surge a Parada do Orgulho Gay ou
simplesmente, Parada Gay. No Brasil a primeira parada aconteceu na cidade de São
Paulo em 1996, sendo considerada frustrante devido à quantidade, considerada
pequena, de 2.000 participantes.

A estratégia política adotada pelo movimento LGBT, de maior importância no


Brasil, foi à organização das chamadas Paradas Gay. Em meados dos anos
1990 foram realizadas as primeiras paradas, no Rio de Janeiro e em São
Paulo. Estas paradas foram inspiradas em outros países e têm por objetivo a
celebração do orgulho gay (gay pride) e a visibilidade do movimento,
inaugurando um estilo diferenciado de fazer política (BILA; RODRIGUES,
2009).

A primeira parada gay de Itabuna foi realizada em 12 de junho de 2004, com


concentração no Jardim do Ó a partir das 10 horas da manhã. O Grupo Humanus
aparece no folheto desta parada como um dos apoiadores, o GAPA (Grupo de Apoio

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a Pessoas com AIDS) é o responsável pela realização. O tema desta 1ª Parada do


Orgulho Gay foi “O órgão que o gay mais usa: cérebro” (desenho do cérebro). No
verso do folheto encontramos um texto sobre a importância de se prevenir contra a
AIDS intitulado: “Não leve a AIDS para casa”, além de dicas sucintas de “como se
cuidar” e de como usar a camisinha masculina. No folheto e no cartaz desta primeira
parada não percebemos nenhuma referência às mulheres lésbicas, e percebemos que
o foco é a prevenção às DSTs e a AIDS.

Figura 1 – Folder distribuído na Figura 2 – Folder distribuído na Parada


primeira Parada do Orgulho Gay Gay do Sul da Bahia – Itabuna-Bahia
Fonte: Acervo Grupo Humanus Fonte: Acervo Grupo Humanus

No folder distribuído ainda na primeira parada, no seu conteúdo percebemos


uma referência às lésbicas ao descrever o significado da palavra homossexual como
“sendo, portanto aplicável tanto para o homem que transa com outro homem (gay)
como para a mulher que transa com outra mulher (lésbica)” no texto intitulado “Ser
Homossexual”. Além deste texto, o folder possui ainda um outro chamado “As 10

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verdades sobre a homossexualidade” que dentre outras coisas, defende as ideias de


que a homossexualidade não é crime, doença ou pecado.
A segunda parada deixa de ser intitulada “Parada do Orgulho Gay”, como a
primeira, e passa a ser chamada de “Parada Gay do Sul da Bahia”, abrangendo não
só a população homossexual de Itabuna, mas de toda a região sul da Bahia. Esta
parada aconteceu em 20 de agosto de 2005, com concentração do público no Jardim
do Ó em Itabuna, a partir das 10 horas da manhã. O tema escolhido para aquele ano
foi “Cidadania – Direitos Humanos”. O Grupo Humanus, agora com o slogan
“Liberdade e Expressão”, a partir de então passou a ser o responsável pela promoção
da parada e permanece sendo o realizador até os dias atuais, e o GAPA se encontra
entre um dos apoiadores do evento. A arte do cartaz desta segunda parada é um
coração segurando duas placas com as palavras CIDADANIA em uma, e DIREITOS
HUMANOS em outra, com um arco-íris, um dos símbolos do movimento LGBT ao
fundo. Neste cartaz não encontramos nenhuma referência às mulheres lésbicas, como
também não ocorreu no cartaz da primeira parada.

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Figura 3 – Cartaz da Parada Gay do Sul da Bahia-Itabuna-Bahia


Itabuna
Fonte: Acervo Grupo Humanus

A “3ª Parada da Diversidade GLBT do Sul da Bahia”, como podemos perceber


novamente com um novo nome, agora dando destaque não só aos homossexuais
masculinos, já que muitas lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, não se sentiam
contemplados com o nome gay, mas através da utilização da sigla GLBT destaca os
Gays, as Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros. Esta parada aconteceu em 26 de
agosto de 2006, com concentração ainda no Jardim do Ó, a partir das 11 horas da
manhã, e o tema foi “Oriente-se”.

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Figura 5 – Verso do Folder da 3ª Parada da


Figura 4 – Folder da 3ª Parada da
Diversidade GLBT do Sul da Bahia
Diversidade GLBT do Sul da Bahia
Fonte: Acervo Grupo Humanus
Fonte: Acervo Grupo Humanus

Pela primeira vez, na arte do cartaz da parada percebemos uma


referência às lésbicas, pois contém no mesmo, dois casais um representando
dois homens e outro representando duas mulheres juntas, ao que se resume a
isso. Pois no texto do folheto distribuído, em que são dadas 12 orientações de
precauções a ser tomada em um encontro para evitar a violência do parceiro,
extorsões ou golpes como o “Boa Noite Cinderela”, percebemos que tais
recomendações são voltadas para o público de gays e/ou de travestis femininas.
A “IV Parada da Diversidade GLBT” realizada em 02 de setembro de 2007,
teve como tema “Iguais no amor e na raça”, porém não percebemos nenhuma
alusão a discussões de questões raciais nas fontes encontradas. Esse mesmo

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tema passa a ser utilizado a partir desse momento, como o novo slogan do Grupo
Humanus e ainda é utilizado atualmente. O local de concentração, bem como o
horário, foi modificado, tendo saído a aglomeração da Rótula do Banco Raso, no
bairro São Caetano em Itabuna a partir das 14 horas. Um folheto referente a esta
parada possui apenas a programação com os outros eventos realizados pelo
grupo além da parada, como a feira de saúde, uma festa pré-parada e o primeiro
seminário de políticas públicas para a população GLBT.

Figura 7 – Programação da IV Parada da


Figura 6 – Folder da IV Parada da
Diversidade GLBT
Diversidade GLBT
Fonte: Acervo Grupo Humanus
Fonte: Acervo Grupo Humanus

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Em 31 de agosto de 2008 foi realizada a “5ª Parada da Diversidade GLBT” com


concentração às 15 horas na Rótula do Banco Raso e seguindo o percurso pela
Avenida Aziz Maron. O tema deste ano foi “Deixe-me Viver”, que abordou a
discriminação e a violência sofrida pelos homossexuais que muitas vezes acabam em
mortes. O panfleto distribuído continha a programação dos demais eventos que faziam
partes das ações realizadas pelo grupo, onde destacamos o segundo seminário de
políticas públicas realizado na FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências) de Itabuna,
com o tema: Do Local ao Global – O Papel do município no combate as discriminações
e violência. Neste mesmo ano pela primeira vez o grupo realiza a entrega do Troféu
Humanus, uma homenagem às pessoas e instituições que apoiaram e lutaram pela
igualdade de direitos para os homossexuais e/ou também apoiaram a luta contra a
AIDS.

Figura 8 – Folder da 5ª Parada da Diversidade GLBT


Fonte: Acervo Grupo Humanus

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A “VI Parada da Diversidade LGBT do Sul da Bahia” ocorreu em 30 de agosto


de 2009, com concentração e percurso igual a anterior, porém com início previsto para
uma hora antes, às 14h. Essa parada traz como tema “Da Festa a Cidadania” –
PREVENÇÃO – UNIÃO ESTÁVEL – ADOÇÃO – DIREITO AO TRABALHO –
SEGURANÇA, trazendo à tona algumas das reivindicações do movimento
homossexual no período. Houve mudança mais uma vez no nome da parada, dessa
vez, referindo-se a sigla. A letra L é posicionada a frente do G. O que parece ser
apenas um detalhe, é resultado de uma reivindicação nacional das lésbicas por
visibilidade dentro do movimento homossexual. Essa mudança ocorreu durante a
primeira Conferência Nacional GLBT, que aconteceu em Brasília em 2008:

As lésbicas argumentaram que elas tinham menor visibilidade do que os


outros sujeitos políticos dentro do movimento e que também tinham menos
poder de decisão no interior do movimento. Travestis reivindicaram que, se
adotado o critério de exclusão, o T deveria encabeçar a sigla. Venceu a
justificativa de que internacionalmente o L vem na frente. A votação durou
mais de uma hora e, no final, 190 delegados votaram a favor do LGBT e 160
contra (BILA, 2009, p.154).

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Figura 9 – Folder da VI Parada da Diversidade LGBT do Sul da Bahia


Fonte: Acervo Grupo Humanus

Em 2010 aconteceu a “7ª Parada da Diversidade LGBT do Sul da Bahia”, o


tema: “Itabuna 100 homofobia” é um trocadilho com os 100 anos de emancipação da
cidade, completados em julho. A data escolhida para a realização da parada foi 29 de
agosto e, não encontramos em nenhum registro dos anúncios da parada uma
referência às lésbicas, mesmo que nacionalmente se considere esta data como o dia
nacional da visibilidade lésbica:

Apesar de algumas divergências, o dia 29 de agosto passa a ser considerado


a partir do V SENALE pela maioria das militantes lésbicas como o “dia
nacional da visibilidade lésbica”, contando com muitos projetos de lei em
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vários estados e municípios. A reivindicação de um dia específico vem de


encontro à bandeira de luta dos movimentos de lésbicas que é a visibilidade
(SELEM, 2007, p.92-93).

Figura 10 – Folder da 7ª Parada da Diversidade LGBT do Sul da Bahia


Fonte: Acervo Grupo Humanus

“Educando na Diversidade” foi o tema da 8ª Parada da Diversidade LGBT do


Sul da Bahia, que aconteceu em 16 de outubro de 2011. No material gráfico distribuído
nesta parada notamos quatro imagens: uma representação de um casal de lésbicas
se beijando, bem como de um casal negro de gays, um cadeirante, e um garoto, tendo
em vista que os assuntos abordados na parada e nos eventos que precederam esse
período foi a preocupação do movimento LGBT com o respeito à diversidade dentro
do ambiente escolar.

Onde estão as mulheres, os negros, os índios, as pessoas com deficiências,


os LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), dentro deste
projeto de educação? De fato as suas demandas são contempladas
respeitando as suas especificidades enquanto sujeitos e cidadãos portadores
de direitos e multiculturais?

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Neste contexto fazemos um recorte junto à população LGBT (Lésbicas, Gays,


Bissexuais, Travestis e Transexuais), suas vivências e existência dentro do
universo escolar, e a construção deste diálogo, com a exposição do mosaico
de vida que esta população traz em todas as suas múltiplas formações
(Grupo Humanus, 2011).

Em 16 de setembro de 2012, aconteceu a 9ª Parada da Diversidade do Sul da


Bahia, ano em que aconteceram as eleições municipais. A Parada e os eventos pré-
parada aconteceram no mês anterior às eleições. Vale aqui destacar que no 7º
Seminário de Políticas Públicas foi promovido um debate entre os candidatos a
prefeitos da cidade de Itabuna, que apresentaram as suas propostas para a população
LGBT. “País Laico, Voto pela Diversidade, em um mundo de Paz” trouxe à tona a
preocupação do Movimento LGBT, naquele período, com a interferência de
fundamentalistas religiosos na construção de políticas públicas para as minorias, esse
tema:
Nasce de um pensar coletivo onde todos desejam um lugar fraterno e
harmônico para o exercício da cidadania plena entre todos os gêneros, no
respeito pelas diferenças, diminuindo as desigualdades que separam as
pessoas. (...) O processo de construção de políticas públicas afirmativas em
prol de minorias perpassam diretamente pelo ato de votar, de uma leitura
crítica e reflexiva acerca de metas e planos onde a saúde, a educação, a
segurança, o trabalho, a habitação e por que não dizer a felicidade sejam
pensadas como metas políticas na construção de novas sociedades (Grupo
Humanus, 2012).

A arte gráfica criada para a 9ª parada foi composta pelo mapa do Brasil tendo
em seu centro uma urna de votação eletrônica com a sigla LGBT em seu painel. A
partir da urna, uma espécie de prisma se forma, com as palavras: “gay”, “cidadão”,
“travesti”, “bissexual”, “lésbica”, “gente”. A ideia foi apresentar o público LGBT
enquanto eleitores que necessitam que seus direitos sejam garantidos por seus
representantes eleitos.

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Figura 11 – Folder do 7º Seminário de Políticas Públicas – Itabuna-Bahia


Fonte: Acervo Grupo Humanus

Em 2013, várias manifestações populares ocorreram no Brasil. Influenciado


pelas convocações feitas principalmente pelas redes sociais para estas
manifestações, o Grupo Humanus, realizou em 22 de setembro a 10ª Parada da
Diversidade com o tema: “Nosso manifesto começou há 10 anos #vemprarua”. Em um
dos panfletos distribuídos na campanha desta parada, pela primeira vez, dentro do
cronograma de eventos pré-parada é registrado um evento em comemoração ao Dia
da Visibilidade Lésbica, intitulado “Café com Bolacha”, que ocorreu no dia 28 de
agosto de 2013. No folder do seminário de políticas públicas realizado antes da parada
percebemos também uma mudança na abordagem dos temas, ampliando o discurso
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e as áreas de interesses do grupo, o folder foi confeccionado com informações, por


exemplo, sobre a assessoria jurídica que o Humanus fornece em caso de violação
dos direitos humanos, informações sobre a violência contra a mulher e o casamento
civil entre pessoas do mesmo sexo.

Figura 12 – Cartaz do “Nosso manifesto começou há 10 anos”


Fonte: Acervo Grupo Humanus

Concluímos a análise dos materiais gráficos de 10 edições da parada da


diversidade realizada em Itabuna pelo Grupo Humanus, e percebemos que mesmo
sendo um evento voltado para a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais, a invisibilidade da identidade lésbica nas representações aconteceu
na maioria das edições, e mesmo quando houve referências a essa identidade, esta
foi apresentada como um detalhe, sem destaque, camuflado pela justificativa de o
Humanus ser um grupo misto.

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2. Considerações Finais

A 11ª Parada da Diversidade LGBT do Sul Bahia, que aconteceu em 21 de


setembro de 2014, foi um marco para a luta das mulheres lésbicas por garantia de
direitos e visibilidade. “Sou lésbica, sou mulher bissexual, eu te deixo ser, deixe-me
ser então” foi o enunciado que precedia o anúncio do tema desta parada.

Figura 13 – Cartaz da 11ª Parada da Diversidade LGBT do Sul Bahia


Fonte: Acervo Grupo Humanus

“Pelo fim da lesbofobia e por mais visibilidade das mulheres lésbicas e


bissexuais.” foi o tema apresentado na 11ª parada da diversidade realizada pelo
Grupo Humanus. A arte confeccionada foi a representação de duas mulheres, que
tem destaque em todo o material gráfico distribuído. No folder que justificou a escolha
do tema, o grupo apresenta a invisibilidade histórica sofrida pelas mulheres, e o quanto
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a situação de discriminação se agrava quando à condição de mulher, são


acrescentados outros marcadores sociais, como neste caso a identidade lésbica ou
bissexual.
Historicamente as mulheres são invisibilizadas e têm os seus direitos
negados, se acrescentarmos a isso a condição de uma mulher lésbica ou
bissexual, a situação se agrava. Além da ausência de políticas públicas
voltadas para esse público, temos ainda as várias situações de lesbofobia,
como por exemplo: os inúmeros casos de “estupro corretivo” dentre outros
tipos de violências: espancamentos, assassinatos, agressões verbais, além
do descaso na saúde pública. Por isso a importância de termos uma
campanha que trate deste tema tão específico. ‘Somos lésbicas, somos
mulheres bissexuais, existimos e resistimos. Somos LGBTs e lutamos pelo
fim da homo/lesbo/bi/transfobia’ (Grupo Humanus, 2014).

Observando o tema da parada: Pelo fim da lesbofobia e por mais visibilidade


das mulheres lésbicas e bissexuais percebemos que, o termo “mulheres” antecede o
termo “lésbica”. Diferentemente do enunciado encontrado também na arte da parada:
Sou lésbica, sou mulher bissexual, eu te deixo ser, deixe-me ser então, onde “mulher”
antecede apenas o termo “bissexual”. A segunda frase mencionada corrobora com a
teoria de Wittig (1980, p.3, citado por SELEM, 2007, p 81),

O que é a mulher? Pânico, alarme geral para uma defesa ativa. Francamente,
este é um problema que as lésbicas não têm por causa de uma mudança de
perspectiva, e seria incorreto dizer que as lésbicas se associam, fazem amor,
vivem com mulheres, pois "mulher" tem significado apenas em sistemas de
pensamento heterossexuais e em sistemas econômicos heterossexuais. As
lésbicas não são mulheres.

Entretanto, percebemos através do texto apresentado pelo Grupo, que a


percepção que este tem sobre a identidade lésbica, é de que esta está sim relacionada
à condição de mulher. Este discurso apresenta outro contexto em que a relações entre
mulheres são tidas como naturais e livres da apropriação masculina.
Diante da verificação de uma sociedade falocêntrica, que utiliza várias
estruturas de relações de poder para legitimar sua superioridade, a discussão que
essa parada propôs é de desconstrução desse sistema, com caráter subversivo. O

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simples fato de duas mulheres se relacionarem entre si, já é visto como um ato político,
dando visibilidade e denunciando uma sociedade androcêntrica e sexista.
A partir deste momento percebemos o fim do silenciamento do movimento
homossexual acerca das questões que envolvem as vivências e experiências
pertencentes às lésbicas, e entendemos que este silêncio também atua na produção
de sentidos.
As lésbicas garantem o direito à voz, e são empoderadas a partir do momento
em que constatam as desigualdades que surgem do modelo heteronormativo e
sexista, e criam mecanismo para minar esse sistema. Para Selem, (2007, p. 128) a
“invisibilização das lésbicas no processo político do movimento homossexual integra
as dinâmicas de apropriação masculina dos espaços de visibilidade e representação”.
Acabar com as discriminações de gênero e identidade sexual, para além da
quebra do silenciamento das mulheres lésbicas, requer também um processo de
desconstrução do imaginário social que reproduz em várias e diferentes instâncias,
inclusive na militância homossexual, o poder masculino ancorado no sexo biológico.
A invisibilidade lésbica, portanto, é produto da normatização da heterossexualidade e
da opressão das mulheres.
A visibilidade lésbica é uma reivindicação dentro de todo movimento
homossexual, e não só no movimento em Itabuna. Essa visibilidade só será alcançada
quando houver e entendimento de que mesmo sendo um grupo que abarca diversas
identidades sexuais e de gênero, algumas dessas identidades falam de um local de
privilégios e estabelecem algum tipo de relação de opressão sobre outra.

Referências
BILA, Fábio P. Cidadania Sob o Sol de Ipanema: os gays da Farme de Amoedo e
suas estratégias de afirmação. 2009. 218 p. Dissertação (Mestrado) –Programa de
Pós-graduação em Sociologia Política, Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro - UENF, Campo dos Goytacazes, Rio de Janeiro, 2009.
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BILA, Fábio P.; RODRIGUES, Wagner de O. O movimento e a luta por direitos


LGBT: O reconhecimento da diferença no campo social e jurídico brasileiros.
Parlatorium: revista eletrônica da FAMINAS-BH, 2009. Disponível em:
<http://www.faminasbh.edu.br/upload/downloads/201112061943159622.pdf> acesso
em: 26 ago. 2015.

GRUPO HUMANUS. Educando na Diversidade. Itabuna, 2011

GRUPO HUMANUS. Iguais no amor e na raça: Cidadania e Direitos Humanos.


Itabuna, 2007 e 2012.

GRUPO HUMANUS. Nosso Manifesto Começou há 10 anos. Itabuna, 2013

GRUPO HUMANUS. País Laico, Voto pela Diversidade, em um mundo de Paz.


Itabuna,2012.

GRUPO HUMANUS. Pelo fim da lesbofobia e por mais visibilidade das


mulheres lésbicas e bissexuais. Itabuna, 2014

SELEM, Maria Célia O. A Liga Brasileira de Lésbicas: produção de sentidos na


construção do sujeito político lésbica. 2007. 195 p. Dissertação (Mestrado)-
Programa de Pós-graduação em História, Universidade de Brasília - UnB. Brasília,
DF, 2007.

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O PAPEL DO ESPAÇO ESCOLAR NA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO


SEGUNDO AS CONCEPÇÕES DE ÉMILE DURKHEIM E MARCEL MAUSS

Rafaela Magalhães de Paula*


Rafael Ribeiro de Almeida**

Resumo
O artigo desenvolvido pretende destacar o papel do espaço escolar nas sociologias
de Durkheim e Mauss, no que diz respeito especificamente à formação do indivíduo.
Para tanto, examinaremos a posição de Durkheim segundo a qual a função da
educação, centrada no espaço da escola, consiste em criar no sujeito um estado de
vida coletiva almejado por determinada sociedade, e a perspectiva de Mauss que, por
caminho contrário, considera que o social só é possível de ser realizado se integrado
em sistema, daí por que o espaço escolar representa apenas uma parcela ínfima da
realidade simbólica capaz de contribuir para a formação do indivíduo no corpo social.
Deste modo, procuraremos exercitar a análise comparativa das próprias reflexões
textuais de Durkheim e Mauss, com o propósito de indicar, de alguma forma, a
diferença fundamental no modo como ousaram pensar a educação, e mais
especificamente o papel próprio da escola.

Palavras-chave: Durkheim. Mauss. Sociedade. Indivíduo. Sociologia da Educação.


Instituição escolar.

* Estudante de graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Ilhéus- BA.
Bolsista de iniciação científica. E-mail: paularafaelamagalhaes@gmail.com
** Estudante de graduação em Filosofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Ilhéus – BA. Bolsista

de iniciação científica. E-mail: estudosrafael@gmail.com


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Parte I: Émile Durkheim e a formação do indivíduo a partir da instituição escolar

Segundo Durkheim (1978, p.36), o conceito de educação deve ser


compreendido não de forma abstrata, como um ideal a ser alcançado, mas, pelo
contrário, vinculado a seu contexto social e histórico. O autor coloca-se no sentido de
pensar a ação educativa de uma determinada sociedade, implicada necessariamente
com o conjunto de valores morais então produzido por ela.
Neste sentido, um sistema educacional (especialmente a instituição escola, no
caso de Durkheim) tem seu norte orientador precisamente nas produções
culturais/sociais então sedimentadas pela consciência coletiva – trata-se das formas
como são pensadas e praticadas, por exemplo, a organização política, a organização
religiosa, como se encontra o grau de desenvolvimento das ciências da linguagem
etc. Assim, como parece sugerir Durkheim (1978, p.37), desvincular a educação de
seu próprio contexto social significa o mesmo que torná-la impraticável e irrealizável.
Em vista disso, o autor indica ser a tarefa do sistema educacional (então em
consonância com seu contexto social), o exercício contínuo de interiorizar na
consciência individual o currículo de valores morais almejados pela consciência
coletiva. Mas em que consiste a interiorização desses valores por parte da educação?
Para Durkheim (1978, p.37), precisamente em encarar a educação como um fato
social, quer dizer, uma prática generalizada, externa e coercitiva, contra a qual não
cabe qualquer forma de resistência particular. O sujeito que se pretende antagonista
a este fato social, na verdade coloca-se, no limite, em desarmonia com o corpo social
– numa palavra, acaba por ter um estado anormal de vida, sofrendo, com isso,
sanções.
Assim, o exame deste raciocínio parece-nos indicar qual o papel e a
importância do espaço escolar na formação educacional, a saber: o de imprimir a
consciência coletiva no sujeito particular. Com isso, Durkheim coloca-se, de algum
modo, no sentido de compreender somente a escola (e não outras esferas e

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instituições) como um espaço capaz de criar no indivíduo uma consciência coletiva,


educando-o e preparando-o, deste modo, para vida social.
Assim, nota-se não só a decisiva importância, mas mesmo a preponderância
da instituição escola na concepção durkheiminiana de educação. Não obstante, a
maneira pela qual o corpo social renova sua própria existência (a cada nova geração
de indivíduos), depende, em última instância, da educação, em especial o espaço
escolar: “É preciso que a educação assegure, entre os cidadãos, suficiente
comunidade de ideias e sentimentos sem os quais nenhuma sociedade subsiste”
(DURKHEIM, 1978, p.48). E mais: “A educação é o meio pelo qual a sociedade renova
perpetuamente as condições de sua própria existência” (DURKHEIM, 1978, p.82). Ou
seja, o espaço próprio da escola é o meio pelo qual a consciência coletiva é
interiorizada na individual, e, além disso, o meio pelo qual a sociedade renova-se
perpetuamente.
Através da educação garante-se, então, a homogeneidade de referências e
valores sociais sem as quais, diga-se de passagem, a sociedade acaba por
desembocar em desordem e desorganização, exatamente o que Durkheim procura
rejeitar com sua sociologia da educação:

A sociedade não poderia existir sem que houvesse em seus membros certa
homogeneidade. A educação a perpetua e reforça, fixando na alma da
criança certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida social
(DURKHEIM, 1978, p.41) (grifo nosso).

Além disso, a concepção durkheiminiana de educação reforça a importância e


a necessidade imprescindível do espaço escolar, especialmente pelo autor estar
diante de uma sociedade em crescente processo de especialização, dividida por
estamentos e complexificada em uma maior divisão e especialização do trabalho. Eis,
então, a problemática: visto que o corpo social precisa de uma homogeneidade
mínima que garanta sua estabilidade e ordem, como pode, pois, a escola garantir que
os indivíduos compartilhem um conjunto comum de referências e valores, se eles
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advêm de classes e estamentos diferentes? Segundo Durkheim (1978, p.41), o


espaço escolar também tem como função promover uma educação especializada ao
indivíduo (no que diz respeito à divisão do trabalho), de modo que, mesmo ele
pertencendo a uma determina categoria ou grupo específico, ainda sim possa
cooperar com indivíduos de estamentos diferentes (de outras especializações), a fim
de alcançar estabilidade e coesão social: “A sociedade se mantém pela divisão do
trabalho de que necessita. A educação trabalha por ela na especialização desses
indivíduos” (DURKHEIM, 1978, p.78). Cada estrato recebe um tratamento educativo
específico em vista de certa função em que o indivíduo será solicitado a preencher
para a cooperação social.
Assim, nota-se o desdobramento da centralidade da escola na educação:
encarnar nos indivíduos (independentemente de sua categoria social) um conjunto
comum de referências morais, que correspondam sempre a sua dada delimitação
social. Neste sentido, se é verdade, como quer Durkheim, que o arcabouço de
referenciais morais não está isento das mudanças de processos históricos
(DURKHEIM, 1978, p.38) – logo, a mercê de reformulações – pode-se afirmar, do
mesmo modo, que cabe à educação, especificamente no espaço escolar, acompanhar
e sincronizar-se com tais remodelações de modo a buscar com isso a sua atualidade.
Na medida em que a educação, centrada no espaço da escola, tem que acompanhar
(a possibilidade de) mudanças de valores, com o propósito de manter-se atual – a
ação educativa, como parece sugerir a proposta de Durkheim, precisa buscar de
maneira contínua instrumentos e mecanismos que a façam (re)significar a prática de
interiorizar na consciência individual os valores estabelecidos pela mentalidade
coletiva.
Sendo assim, Durkheim entende que edificar no indivíduo egoísta o ser-social
é o fim da educação, o qual só pode ser alcançado através do espaço escolar. Vê-se,
então, a supremacia da instituição escola na formação do indivíduo, já que ele, de

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modo algum, não nasce constituído com as práticas sociais de seu contexto e,
tampouco é capaz de desenvolvê-las espontaneamente:

O homem que a educação quer realizar, em cada um de nós, não é o homem


que a natureza fez, mas o homem que a sociedade quer que ele seja, e ela o
quer conforme o reclame a sua economia interna, o seu equilíbrio
(DURKHEIM, 1978, p.81).

Por esta via se revela a fecundidade da escola no trabalho educativo: o êxito


de uma convivência social resulta, por excelência, do processo educacional que,
lançando o indivíduo fora de si, no sentido de sua natureza instintiva e (a)moral, forma-
o de modo a se relacionar com outros interesses que não só os seus próprios, tendo
em vista a capacidade da educação (centrada no espaço escolar) de criar nele (pelo
exercício coercitivo, se preciso) um ser novo capaz de vida social. A partir daí, então,
a conduta moral do indivíduo se edifica em prol das necessidades sociais.

1. Parte II: Marcel Mauss e a formação do indivíduo integrado ao fato social total

Embora se insira no mesmo contexto e linha conceitual de Durkheim, Mauss


acaba por se distanciar de seu percursor no sentido de desenvolver suas categorias
a patamares ainda não abordados. De saída, pode-se notar, no caso de Mauss, a
ausência de uma delimitação conceitual do que seja educação, por assim dizer, visto
que não existe uma separação propriamente dita entre indivíduo e sociedade em sua
sociologia. O que isto possa significar? O foco de interesse de Mauss parece não
residir, pois, em pensar se a sociedade deve suas representações institucionais às
formulações individuais de seus membros, ou, pelo contrário, se essas personalidades
individuais se explicam a partir da sociedade (da ordem social) – na verdade, Mauss
parece se concentrar na interação entre o individual e o coletivo, atribuindo, com isso,
peso e medida iguais tanto para um quanto para outro.

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Neste sentido, a consciência individual, isto é, o psiquismo individual, não


reflete o conjunto social das representações simbólicas (e tampouco o pré-forma),
mas, isto sim, estabelece uma relação de reciprocidade com esse conjunto, de modo
a serem mesmos complementares.
Diga-se de passagem, a troca (um sistema bilateral) é exigida pela necessidade
de reciprocidade, e esta, por sua vez, é demandada pela necessidade de troca – quer
dizer: Mauss está no sentido de descartar o elemento sociocêntrico (unilateral e
causal), típico das investigações durkheiminianas acerca da realidade social, para
com isso elaborar uma teoria segundo a qual os baluartes da sociedade se dão
através da interação. Neste raciocínio, o papel da educação em Mauss está
diretamente relacionado com a interação contínua e simbólica entre o sujeito particular
e o sistema social total – ou, como sugere a citação abaixo, interação entre indivíduo
e fato social total.

Foi considerando o conjunto que podemos perceber o essencial, o movimento


do todo, o aspecto vivo, o instante fugaz em que a sociedade toma, em que
os homens tomam consciência sentimental de si mesmo e de sua situação
frente a outrem. Há, nessa observação concreta da vida social, o meio de
descobrir fatos novos que apenas começamos a entrever. Em nossa opinião
nada é mais frutífero do que esse estudo dos fatos sociais (MAUSS, 2003,
p.311).

Assim, mesmo quando o psiquismo individual é, de certa forma, submerso por


uma representação coletiva, ainda sim se constitui, como parece indicar Mauss, como
fonte de ação e de impressão particulares. Quanto a isto, pode-se observar a questão
dos (possíveis) usos do corpo exemplificado por Marcel Mauss1: o corpo pode ser
interpretado como instrumento suscetível às possibilidades mais variadas de projeção
dadas pela educação. Ora, pode-se pensar, com isso, que o indivíduo se posiciona,
por assim dizer, como agente dócil e passivo o qual apenas apreende o que lhe seja

1O uso do corpo é outro elemento chave para articular o pensamento de Mauss no espaço da educação, uma vez
que é por meio deste uso que se faz a transmissão da troca recíproca entre consciência individual e fato total.
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imposto pelo sistema total (visto que cada sociedade tende a impor ao indivíduo um
uso rigorosamente determinado de seu corpo). No entanto, o indivíduo, enquanto ator
independente e singular, também se constitui como criador (simbólico) de tal sistema.
Conclui-se, então, que se trata na verdade de uma recíproca relação (e não de
imposição), e, a partir precisamente dela, jaz o conjunto simbólico expresso por um e
por outro, que nada mais é que o espaço a partir do qual o corpo (como instrumento)
se movimenta para se constituir como parte integrante do todo social.
Além disso, é preciso destacar o imprescindível papel do símbolo dentro da
perspectiva maussiana acerca da educação: os símbolos são importantes para a
reflexão da educação em Marcel Mauss, porque neles se expressam (através de ritos,
palavras, exclamações, isto é, a comunicação/interação), as traduções daquilo que é
propriamente social.

São signos e símbolos as exclamações as palavras, os gestos e os ritos, por


exemplo, da etiqueta e da moral. No fundo, etiqueta e moral são traduções.
Com efeito, elas traduzem primeiramente a presença do grupo; mas elas
exprimem também as ações e as reações dos instintos de seus membros, as
necessidades diretas de cada um e de todos, de sua personalidade, de suas
relações recíprocas (MAUSS, 2003, p.332).

E, por outro lado, os símbolos não estão restritos apenas ao espaço de uma
instituição social (escola, por exemplo), mas se movimentam e se constituem dentro
de uma integração total para formar o indivíduo.
Assim, a formação dentro de um parâmetro de educação se realiza a partir de
uma interação recíproca do indivíduo com seu próprio contexto de representação
simbólica. Portanto, se a educação está, por excelência, relacionada com a
complementariedade entre psíquico e sistema social total, conclui-se disso, pois, que
o espaço escolar, longe de se constituir como o único lugar de formação do indivíduo,
na verdade representa apenas uma parcela do aspecto simbólico que compõe toda
uma sociedade

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consegue-se assim [através do fato total] ver as próprias coisas sociais, no


concreto, como são. Nas sociedades, apreendemos mais que ideias ou
regras, apreendemos homens, grupos e seus comportamentos. Vemo-los
moverem-se como em mecânica se movem massas e sistemas, ou como no
mar vemos polvos e anêmonas (MAUSS, 2003, p.311).

Como sugere a passagem acima, a educação não parece ser o único meio pelo
qual se formam os homens, uma vez que a própria interação/circulação destes em
seu espaço social integral (“como em mecânica se movem massas e sistemas”),
interfere diretamente na formação destes homens.
Seguindo o fio condutor, compreender o espaço da escola como possibilidade
única de estabelecer reciprocidade entre indivíduo e sua realidade social, constitui um
equívoco, já que a proposta de Mauss parece estar no sentido de apreender esta
interação de modo total e integral – a formação escolar iniciada desde a primeira
infância é apenas uma das várias parcelas possíveis. Não obstante, a formação da
consciência coletiva não se restringe somente a um espaço determinado – a uma
instituição com função específica –, mas, sim, se faz a partir da interação do indivíduo
com todas instituições simbólicas.
Nesta perspectiva, a formação do indivíduo e sua relação de reciprocidade com
a consciência coletiva está além do simples espaço escolar. O social não é realizável
senão integrado em sistema2. Ademais, a instituição escolar não pode ser o único
espaço de formação já que o fato social total, enquanto síntese de diversos fatores,
tais como “motivações estéticas, morais, religiosas, econômicas, [...] fatores materiais
e demográficos” (MAUSS, 2003, p.314), é o que permite a formação do indivíduo 3 e a
própria vida em comum da sociedade.

2 “O princípio e o fim da sociologia é perceber o grupo inteiro e seu comportamento inteiro” (MAUSS, 2003, p.312)
(grifo nosso).
3 Formar o indivíduo em Mauss diz respeito aos meios pelos quais os grupos modelam o uso do corpo.

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2. Considerações finais

O conceito durkheiminiano de educação está diretamente vinculado com o


conjunto de valores morais produzidos por determinado contexto social. Assim, o
sistema educacional é orientado por esses valores morais, de modo mesmo a tornar-
se irrealizável caso seja desvinculado de tal contexto.
A partir disso, é possível afirmar que a tarefa da educação, enquanto fato social,
consiste em interiorizar no indivíduo determinados valores morais aspirados pelo
corpo social, e, mais especificamente, a instituição escolar se constitui como o espaço,
por excelência, adequado para criar no indivíduo um estado de vida social através da
transmissão dos valores da consciência coletiva – neste sentido, cabe à educação
estar em sincronia com as mudanças causadas por processos históricos, buscando
instrumentos e mecanismos que garantam a atualidade na transmissão de valores.
Além disso, nota-se a centralidade da escola na sociologia da educação de Durkheim,
quando até mesmo a renovação e perpetuação do corpo social dependem, em última
instância, da efetividade da ação ocorrida dentro do espaço escolar.
Reforça-se a centralidade da escola, uma vez observada a garantia que ela é
capaz de realizar quanto à homogeneidade de valores sociais a qual conserva a
sociedade, ao invés de criar uma desordem (diga-se de passagem, capital
preocupação da sociologia durkheiminiana). E mais: visto o contexto de complexidade
da divisão do trabalho, o espaço escolar é importante para realizar a especialização,
ao educar os indivíduos em vista de uma função que seja solicitado a realizar para a
coesão do corpo social.
Marcel Mauss, todavia, encaminha-se por via diferente. Em primeiro lugar,
nota-se a ausência de um conceito estrito sobre educação já que não há separação
entre indivíduo e sociedade em sua sociologia, o que descarta, então, a necessidade
de uma instituição (escolar) que os integre. Pelo contrário: o indivíduo e o conjunto

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social estabelecem uma relação precisa de complementariedade e reciprocidade e,


assim, ambos se fazem necessário.
Por isso, é possível afirmar que o lugar da formação educacional, segundo a
concepção de Mauss, reside na interação permanente entre psiquismo individual e o
sistema social total – a base da sociedade é dada pela interação entre indivíduo e
sociedade. Nota-se uma diferença mais acentuada com Durkheim, seu percursor, a
partir da observação de que o psiquismo individual ainda que em estreita interação
com uma representação coletiva, por assim dizer, ainda assim é um criador simbólico
de tal sistema.
No que diz respeito mais exatamente ao lugar do espaço escolar, é preciso
trazer à tona a importância dos símbolos para esta perspectiva: estes se constituem
como representações daquilo que é propriamente social e decisivos para a formação
do indivíduo no corpo social. No entanto, os símbolos não estão restritos apenas a um
espaço determinado (escola), mas sim ao espaço total que integra todas as
instituições simbólicas – vide, então, a descentralização definitiva da instituição escola
na sociologia maussiana. A formação educacional do indivíduo é dada pela sua
interação recíproca com seu contexto (total) de representações simbólicas, isentando
o espaço escolar como único meio de educação do indivíduo.
Daí a diferença fundamental entre Durkheim e Mauss no que diz respeito ao
papel do espaço escolar na formação do indivíduo: enquanto que para o primeiro a
função da educação, centrada no espaço da escola, incide em criar no sujeito, a
princípio (a)moral, um estado de vida coletiva almejado pela sociedade a qual se
refere – ou seja, tornando-o um ser com conduta moral dirigida às necessidades
sociais –, para Mauss, pelo contrário, o social só é realizado se integrado em sistema,
daí por que o espaço escolar representa apenas uma parcela ínfima da realidade
simbólica capaz de contribuir para a formação do indivíduo no corpo social. Diferente
de Durkheim, Marcel Mauss compreende que o espaço escolar não é o único capaz

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de estabelecer uma condição de formação do indivíduo, mas, isto sim, a relação deste
com o conjunto integral e simbólico que compõe o seu contexto.

Referências
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Paulo: Martins Fontes, 1999;

BADCOCK, C. R. Lévi-Strauss: estruturalismo e teoria sociológica. Trad. Maria


Isabel da Silva Lopes. Rio de Janeiro: Zahar, 1976;

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1996.

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Melhoramentos, 1978;

______. As regras do método sociológico. Trad. Maria Isaura Pereira de Queiroz.


4. ed. São Paulo: Nacional, 1966;

______. Os pensadores. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.

GIDDENS, A. Sociologia. Trad. Alexandra Figueiredo. 6. ed. Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian, 2008;

______. As ideias de Durkheim. Trad. Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix,
1981;

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Trad. Ruy Juhgmann. Rio de janeiro: Zahar, 1997.

MAUSS, M. Sociologia e antropologia. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac &
Naify, 2003.

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OUTHWAIT, W. Dicionário do pensamento social do século XX. Trad. Álvaro


Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

SANTOS, W. Dicionário de sociologia. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

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PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CONHECIMENTO ECOLÓGICO: O


PROCESSO DE RUPTURA DE UMA PERSPECTIVA DISCIPLINAR DURANTE A
EXECUÇÃO DA ESCOLA DE GESTÃO COMUNITÁRIA, NO EXTREMO SUL DA
BAHIA

Danielle Ferreira Medeiro da Silva de Araújo*

Resumo
O texto apresenta o relato de prática de gestão social desenvolvido pela Escola de
Gestão Comunitária, projeto de educação popular da organização não-governamental
Gerando Vida, realizado nos anos de 2014 a 2016 no bairro Alecrim II, na cidade de
Eunápolis, extremo sul da Bahia. A iniciativa apresenta uma trajetória que se inicia em
uma educação verticalizada, pautada na racionalidade técnico-cientifica, e que se
transforma paulatinamente em uma experiência fundamentada na ecologia dos
saberes, no respeito à autonomia dos educandos e na democratização do
conhecimento e dos direitos, através de uma perspectiva dialógica envolvendo os
agentes locais de transformação e diferentes atores sociais. A pesquisa utiliza-se da
metodologia da teoria fundamentada, que une teoria e experiências, e o método
utilizado será a pesquisa bibliográfica em fontes digitais e impressas e dados
institucionais da ONG Gerando Vida.

Palavras-chave: Autonomia. Ecologia de saberes. Educação popular.

Introdução

Os saberes de que fala o educador Paulo Freire (1996) são advindos da


experiência, um conhecimento que permite a reflexão crítica da prática, seus ensinos
nos aproximam da vida, de uma condição humana que se perfaz inconclusa, um
estado de buscas para novas possibilidades. A experiência de uma formação popular,

*Mestra em Estado e Sociedade, no Centro de Formação em Ciências Humanas e Sociais, da Universidade


Federal do Sul da Bahia - UFSB, Campus Porto Seguro - Bahia-Brasil. E-mail: dannymedeiro@hotmail.com
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aberta e não disciplinar acontece por meio da gestão social1 possibilita a construção
de um conhecimento ecológico, que pressupõe o respeito à autonomia dos sujeitos, a
partir do encontro de diferentes agentes sociais em um espaço social complexo,
irregular e de múltiplas transformações.
A descrição da prática e vivência no contexto comunitário privilegia a
valorização dos diferentes saberes, uma postura que não se limita a uma transferência
de conhecimento, mas possibilita a criação de espaços para sua produção e
construção (FREIRE, 1996). O objetivo do relato é a apresentação de uma experiência
em educação popular desenvolvida no bairro periférico do Alecrim II, na cidade de
Eunápolis, extremo sul da Bahia. A Escola de Gestão Comunitária (EGC) foi
idealizada e executada pela Organização Não-Governamental Gerando Vida (ONG
GV) no período de 2015 a 2017.
A metodologia da pesquisa baseia-se na teoria fundamentada2 que consiste
em unir teorias a experiências e dados com a finalidade de ampliar a compreensão
sobre conceitos e possibilitar um guia significativo para a ação. O método utilizado
será uma pesquisa bibliográfica realizada a partir dos registros disponíveis em fontes
impressas e digitais sobre a temática e dados institucionais da ONG Gerando Vida.

1. A metodologia da Escola de Gestão Comunitária: um conhecimento ecológico


para a transformação social

1.1 Gênese da Escola de Gestão Comunitária (EGC)

1Compreendido como um processo gerencial dialógico, democrático e participativo na formulação de políticas


públicas ou nas relações de caráter produtivo, em que os participantes da ação compartilham a autoridade
decisória (TENORIO, 2012).
2A teoria deriva da união de uma série de conceitos baseados em experiências e dados, possibilitando
novos conhecimentos, o aumento da compreensão e proporcionando um guia significativo para ação
(STRAUSS, 2012).
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Fundada no ano de 2008 a ONG GV surgiu com a missão de desenvolver


projetos sociais com foco na inclusão socioeconômica de mulheres, crianças e
adolescentes, moradoras de regiões periféricas nos Estados do Rio de Janeiro e
Bahia. A EGC perpassou por todos os projetos institucionais com o objetivo de
fortalecer as lideranças e referência locais no gerenciamento de ações sociais e
culturais que visassem o desenvolvimento local. Apesar de a Escola prever em sua
formulação o intercâmbio de saberes técnico-científicos e comunitários dentro do
âmbito comunitário, inicialmente esteve focada em um formato estático, pautado em
uma perspectiva verticalizada de educação, ainda privilegiando um conhecimento
racional e os códigos lógico-verbais. Esta metodologia reafirma a visão de mundo
dominante a partir do estimulo à reprodução imitativa do conhecimento posto, limita
os modos de expressividade e se perfaz em uma operacionalização disciplinar
(GIANNELLA, 2012).
Assim, em sua primeira experiência da EGC 3, em 2012, na favela da Casa
Branca4, zona norte do Rio de Janeiro, dez jovens líderes comunitários locais (que já
desenvolviam atividades de cunho, social, ambiental ou cultural ou apresentavam-se
como referências ou influenciadores para a juventude) tiveram a oportunidade de
participarem de oficinas de direitos humanos, gestão de projetos socioambientais,
empreendedorismo, desenvolvimento de habilidades pessoais e profissionais,
produção cultural, palestras ministradas por distintos intelectuais, gestores públicos e
administradores, como o então Diretor Financeiro e Administrativo da TRANSPETRO,
Rubens Teixeira. Neste contexto, a previsão de uma possível interação entre saberes
acabou sendo sufocada pela mera transferência de um conhecimento pouco

3 Projeto mapeado pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. Catálogo de Recursos Comunitários
das favelas na Grande Tijuca no Rio de Janeiro. Disponível:
<http://www.rj.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=d7dcfa7c-60ea-4ced-a1c6-
c14b8522e4a8&groupId=132962> Acesso em: 26 mar. 2018.
4 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Censo 2010), a favela possui uma

população residente em aglomerados subnormais de 2.539 habitantes. Disponível:


<https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/aglomerados_subnormais/tabelas_pdf/tab2.pdf>
Acesso em: 26 mar. 2018.
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contextualizado pelos participantes, evidenciando-se, entretanto, a importância de um


primeiro passo para a possibilidade de acesso a novos referenciais na vivencias dos
atores envolvidos. Diferente das expectativas iniciais para o projeto, a EGC na
comunidade pouco influenciou em transformações sociais reais no território 5 ,
sinalizando a necessidade de uma revisão e reflexão crítica.
A passagem de uma abordagem disciplinar para uma perspectiva ecológica,
que dissolve a complexidade pela simplicidade, pautada nos pilares princípios lógicos
da ordem, da separação, da redução, e do caráter absoluto da lógica indutivo-
dedutivo-identitária acontece paulatinamente na imersão dos gestores da ONG GV
nos contextos comunitários e na ampliação das lentes de visão sobre os processos
de constituição dos diferentes modos de vida que se constituíam no espaço social6. A
segunda edição da EGC foi realizada na execução do Projeto Bebel – Inclusão
Socioeconômica de Mulheres na Praça da Bandeira - RJ, projeto executado pela ONG
GV em parceria com a ONG Planet Finance, financiado pela Comissão Europeia,
atendeu 150 (cento e cinquenta) mulheres através de atividades como alfabetização
de adultos, gestão empresarial, profissionalização, cursos de idiomas, além de
acompanhamento psicológico, social e jurídico. O projeto abriu espaço para a criação
de um Grupo de Trabalho (GT), a EGV abarcou capacitações e discussões sobre
assuntos de interesse local e busca de soluções coletivas para desafios comuns,
contando com a participação de dez lideranças e referências comunitárias. Temas
como transporte, educação, saúde, moradia e direitos das mulheres e crianças e
adolescentes foram tratados em encontros semanais com especialistas que,

5 Compreendido como um espaço-tempo demarcado pelas intenções e ações humanas, o território acaba por
exteriorizar a existência individual e coletiva. Nele, a sociedade compartilha o domínio das condições de produção
e reprodução social da vida, promovendo a construção de laços, dos instrumentos simbólicos, estéticos, éticos
que revelam o sentido da própria sociedade instituída (BARBOSA, 2014).
6 Para Bourdieu (2009), compreende-se como espaço multidimensional de posições composto por relações de

forças objetivas impostas a todos os que entrem nesse campo e irredutíveis às intenções dos agentes individuais
ou mesmo às interações diretas entre os agentes.
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juntamente com as participantes, desenvolviam ações concretas para a resolução dos


problemas locais.
O Projeto Bebel se localizava na parte periférica do bairro Praça da Bandeira,
espaço estigmatizado pela presença de centros de prostituição7. No dia 1º de março
de 2013 a ação teve início e contou com a parceria da Secretaria de Direitos Humanos
e a Universidade UNISUAM. Um Levantamento Socioeconômico – LSE foi elaborado
e aplicado a 200 (duzentas) mulheres e instituições da Praça da Bandeira nos meses
de abril e maio de 2013. O produto final do LSE foi apresentado ao público no dia 24
de outubro de 2013 na Semana de Extensão do CEFET no Maracanã e foi publicado
na Revista Conexões PSI do Departamento de Psicologia da Universidade
UNISUAM8.
Neste espaço, a abertura para um processo de construção coletiva do
conhecimento direciona para uma importante lição pedagógica, “o ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção” (FREIRE, 1996, p.22). Os saberes se encontravam no sentido de
contextualizar-se, no caminho desafiante de reflexão crítica sobre o conteúdo
abordado. Assim, quando o tema abordado era a educação, era discutido sobre os
efeitos da descontinuidade das aulas na qualidade do ensino, uma situação concreta
que permitia a análise crítica das relações de poder9 que se reproduzem através da
educação e de diferentes formas no espaço social. Educadores e educandos
envolviam-se com os problemas locais, com o contexto comunitário, afastando assim
o risco da mera memorização de informações desconexas (ARAÚJO, 2017). Para
Freire (1996), a realidade concreta, a violência constante e o descaso dos dominantes
pelas áreas pobres da cidade devem ser discutidas no âmbito da educação.

7 Os dados da Prefeitura do Rio de Janeiro (2010) apontam que na região vivem quase 9000 pessoas com uma
população feminina majoritária (56,5%).
8 Disponível em: http://apl.unisuam.edu.br/revistas/index.php/conexoespsi/article/viewFile/294/399. Acesso em: 26

mar. 2018.
9 De acordo com Stengers (2002, p.33) “é sempre a poder que se dissimula atrás da objetividade e da racionalidade

quando elas se tornam argumento de autoridade”.


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É a partir da contextualização que se torna possível explicar e conferir sentido


aos fenômenos isolados. Assim, a multiplicidade dos elementos interagentes em um
fenômeno revelam a existência de diversos níveis da realidade, abrindo a
possibilidade de novas visões sobre a mesma realidade. A nova representação do
conhecimento deixa de ser uma árvore dividida em ramos para se revelar como uma
raiz rizomática, ou seja, interconectada. O sentido do conhecimento para a vida
revela-se na relação entre o todo e as partes. A realidade objetiva e subjetiva são
complexas10 e interativas (SANTOS, 2008).
A nova EGC, atualizada na abertura para novas visões e concepções de mundo
foi paulatinamente se delineando a partir do respeito e compreensão dos saberes
comunitários, um processo de luta simbólica entre a enunciação da visão legítima de
mundo enunciada pelas classes dominantes através do conhecimento científico, nas
normas legais11 e nas relações sociais. Trata-se de uma tentativa de se expor os
desafios e limites para a construção de um conhecimento coletivo, próprio da crítica
da prática, postura essa incentivada por Freire (1996, p.39), “é pensando criticamente
a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. O caminho foi
a dialogicidade tão cara para a inteligibilidade do outro. Freire (1996, p. 39) assevera
que “não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não
se funde na dialogicidade”. Assim, uma comunicação para transformação social
assume a postura de um diálogo que reconhece as desigualdades sociais e as coloca
como ponto-chave nas discussões e reflexões do grupo ao resgatar as
subjetividades12, privilegiando as histórias de vida.

10 O complexo é aquilo que é tecido simultaneamente, aí subentendido ordem/desordem, um/múltiplo, todo/partes,


objeto/meio ambiente, objeto/sujeito, claro/escuro. Tudo é complexo, a realidade física, a lógica, a vida, o ser
humano, a sociedade, a biosfera, a era planetária (MORIN, 2000).
11 De acordo com Bourdieu (2009) a norma jurídica enquanto conjunto de normas universalizantes acaba por impor

uma cultura legítima que consideras todos os outros modos de vida diferentes como patológicos e desviantes.
12 Refere-se a uma compreensão do desenvolvimento da subjetividade como a expressão dos contextos sociais e

relacionais em que o mesmo encontra-se inserido e os sentidos subjetivos que estes processos assumem (REY,
1999).
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Os resultados advindos desta versão da EGC evidencia a abertura da equipe


institucional para a compreensão das normas sociais13 presentes no contexto local, a
valorização dos saberes comunitários na construção e ressignificação de valores
comunitários, além de potencializar a educação de pares 14 como recurso para a
democratização de direitos e informações de interesse social. Por fim, cabe ressaltar
que a experiência em âmbito de micropolítica instrumentalizou as lideranças
populares para a participação em redes comunitárias 15 e espaços deliberativos na
esfera de planejamento e execução de políticas públicas16.

1.2 Novos saberes em novo contexto comunitário: o Alecrim II, na cidade de


Eunápolis - BA

Na Bahia, de acordo com o Relatório Institucional (2015/2017) n. 01 da ONG


GV, o bairro Alecrim II é um espaço social marginalizado e associado à violência,
localizado na cidade de Eunápolis17, extremo sul da Bahia. O retrato do território se
compõe por moradias precárias, as famílias atendidas pela instituição possuem baixa
escolaridade e poder aquisitivo. A economia informal é forte principalmente através

13 Segundo Bichieri (2013), as normas sociais se apresentariam como um padrão de comportamento que influencia
as pessoas a tomarem como determinadas ações quando acreditam que sua rede de referência comporta-se de
determinada forma, e aquelas pessoas acreditam que pessoas como elas deveriam comportar-se desse jeito.
14 Araújo. Danielle. A educação de pares como estratégia para promoção, proteção, defesa e reparação dos

Direitos Humanos. Revista Gueto. 8 ed. mar/maio, 2017. Disponível em:


<https://www2.ufrb.edu.br/revistaacademicagueto/images/8ª_edição_REVISTA_GUETO_2017.1.pdf>. Acesso
em: 26 mar. 2018.
15Redes comunitárias compostas por organizações públicas e privadas que desenvolvam projetos

socioambientais. Nestes espaços acontecem capacitação, informação e trocas entre as instituições:


Rede do Bem, Metrô RJ, Rede Grade Tijuca, ASPLANDE, Rede Sesc Tijuca.
16 Conselho Estadual de Assistência Social – RJ, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente-

RJ, Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo (RJ).


17 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o município de Eunápolis tem

população estimada de 115.290 pessoas. Em 2015, o salário médio mensal era de 2.3 salários
mínimos. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa,
tem 38.3% da população nessas condições. Apenas 37.4% de domicílios com esgotamento sanitário
adequado. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/eunapolis/panorama>. Acesso
em: 26 mar. 2018.
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de mercados e lojas acoplados às moradias. A mobilidade urbana é realizada por uma


linha de ônibus que liga o bairro ao centro da cidade e lotações informais e moto-táxi.
No campo familiar, casos de violência contra a mulher, abusos sexuais e violência
física contra crianças e adolescentes, casamento infantil, por exemplo, são noticiados
pelos participantes do projeto social. Existem aproximadamente (30) trinta instituições
religiosas protestantes com predomínio da ala neopentecostal, uma igreja católica e
pouca representação de religiões de matriz africana. No meio comunitário, as crianças
tem o hábito de brincar na rua, espaço também de livre acesso às drogas e aliciamento
infanto-juvenil para o tráfico de drogas18. A solidariedade entre as pessoas se verifica
principalmente no empréstimo de insumos materiais entre as famílias e no cuidado
com as crianças. O poder público se faz presente nos equipamentos de educação,
escola de ensino fundamental 19 , creche 20 , um posto de saúde 21 e pelo Centro de
Referência de Assistência Social - CRAS. De acordo com a instituição social o bairro
carece de atividades culturais e de incentivo à educação e leitura para crianças e
adolescentes, instituição de profissionalização e educação para jovens e adultos,
melhor atendimento de transporte público, e melhora nas qualidades de serviços de
saúde e educação (ARAÚJO, 2017).
O diferencial da EGC na Bahia, a partir das reflexões críticas sobre as práticas
desenvolvidas anteriormente, foi a compreensão de um universo mais amplo de
aprendizagem que ia além dos encontros formais, mas que se concretizava na própria
vivência do Projeto, nas visitas nas casas, nas atividades com as crianças, nos

18 ARAÚJO, Danielle F. M. S. Segurança cidadã como fundamento garantidor do direito social de


proteção à infância. Revista Extensão. v. 12. n. 01. Julho. Cruz das Almas: BA. 2017.
19 A ONG GV aponta que 70% das cinquenta crianças atendidas pelo projeto, na idade de seis a 10

anos, tinham dificuldade na leitura e interpretação de textos, não sabiam ler ou liam e não com
compreendiam o sentido da leitura.
20 A estrutura já estava concluída desde o ano de 2014 e apenas a partir de outubro de 2015 o

espaço foi entregue a comunidade, fruto das manifestações sociais ocorridas na localidade.
21 O espaço esteve fechado no ano de 2015 obrigando a população a procurar por atendimento

médico em bairro vizinho, distante de suas residências. O posto foi reaberto após manifestações
populares em 2015.
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encontros informais entre equipe externa e lideranças locais, a “leitura de mundo” de


que fala Freire (1996) acontecia de forma dinâmica e não institucionalizada,
configurando-se como um espaço efetivo de trocas de saberes, de participação
democrática e crescimento para todos.
Este processo de construção aberta do conhecimento evidencia a beleza do
valor humano para a superação dos limites impostos pelas condições sociais,
econômicas e culturais. O caminho 19 no bairro Alecrim II, na cidade de Eunápolis,
conhecido pela violência e marginalização, carência dos serviços públicos e
empobrecimento da população, foi capaz de reconhecer sua própria força e de seus
líderes para reflexão e proposição de alternativas para a solução dos problemas
locais. Os líderes comunitários atuavam junto com gestores sociais externos, como
educadores sociais no Projeto Mais Nordeste que atendeu, no período de 2014 a
2016, (50) cinquenta crianças e adolescentes em atividades de incentivo à leitura,
cultura e matemática, realizou atividades de profissionalização para (15) quinze jovens
(em parceria com o Ministério Público do Trabalho na cidade de Eunápolis) e
alfabetização de (10) dez adultos (Programa Todos pela Alfabetização – TOPA).
A EGC constituiu-se como um espaço participativo que reconheceu a equipe
formada por gestores sociais externos e agentes locais de transformação como
educadores-educandos, na perspectiva de que todos os envolvidos na ação formavam
parte ativa em um processo irregular e inacabado de mudanças sociais que, ora
envolviam o ensino, ora a aprendizagem. Para Freire (1996, p.69), “toda a prática
educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que,
aprendendo, ensina”. Um espaço participativo e democrático é aquele que reconhece
o tempo e as escolhas de cada um, segundo Freire (1996), deve-se respeitar a pessoa
que queira mudar e também aquela que se recusa. Foi difícil romper com o ensino
hierárquico de caráter verticalizado, somente com o tempo a confiança passa a ser
construída, os estigmas e a marginalização caem como capa diante de uma reflexão

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crítica da realidade, em face da desnaturalização 22 do espaço social. Freire (1996,


p.72) ensina que “a desproblematização do futuro, não importa em nome de quê, é
uma violenta ruptura com a natureza humana social e historicamente constituída”.
Quando as lideranças se perceberam, em meio a um intercâmbio de saberes e novos
referenciais, capazes de ir além das condições sociais, econômicas e culturais em que
estavam inseridas, elas passaram a se ver como sujeitos históricos e educadores
sociais de uma geração de crianças e adolescentes que tinham neles a fonte e a
esperança de um novo referencial.

2. Uma reflexão sobre saberes indispensáveis à prática pedagógica na


perspectiva do respeito à autonomia dos educandos

Um primeiro saber que Paulo Freire aborda em seu livro Pedagogia da


Autonomia (1996) é de que ensinar não é transferir conhecimento, o educador
assevera a importância de saber que ensinar é criar as possibilidades para a produção
ou a construção do conhecimento. A Escola de Gestão Comunitária na versão que se
estabeleceu no bairro Alecrim II se moldou por um caráter dinâmico, que não se
limitava aos encontros no espaço físico e nem a um determinado horário pré-
estabelecido, mas compreendia a convivência na rua, nas visitas em moradias, nas
atividades do projeto, nas reuniões da equipe, encontros formais e informais que
fortaleceram vínculos para que a troca de saberes e novos conhecimentos fossem
possíveis. Tratava-se de um espaço educativo participativo e democrático, aberto a
diferentes saberes numa perspectiva de educação processual, construída no dia-a-
dia, em uma vivência que se perfazia pelo respeito à autonomia dos educandos.

22Desta forma, torna-se ainda mais necessário o reconhecimento deste espaço como um objeto pré-construído
seja nas normas legais, ou inscrita nos modos de pensamento social, o que requer uma conversão do olhar, uma
mudança de toda a visão do mundo social (BOURDIEU, 2009).
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A EGC se fortaleceu a partir dos vínculos e relações humanas, trazendo para


cada um dos agentes locais de transformação (ou educador-educando), sejam eles
externos ou moradores da comunidade, uma consciência de inacabamento,
característica apontada por Paulo Freire (1996) para que se abra a possibilidade de ir
além. O reconhecimento das influências sociais, culturais e históricas, segundo Freire,
não impedem a superação de barreiras de difícil superação para a concretização
histórica de uma missão de mudar o mundo (FREIRE, 1996). A identificação das
normas sociais fundamentadas na desigualdade de acesso ao capital23 econômico,
educacional e cultural, fator importante para compreender como se dava o processo
de sociabilização comunitária e como distintos modos de vida se constituíam no
contexto local, dando diferentes sentidos e significados à vida.
Nas trocas, nos intercâmbios, nas novas experiências e oportunidades de
acesso à cultura, direitos e espaços, as lideranças comunitárias do bairro passaram a
construir outros referenciais de educação, cultura, linguagem, que, em meio a um
processo de crítica da realidade vão se constituir como motivadores para descobertas,
mudanças ou afirmações, transformações. Para Freire “na inconclusão do ser, que se
sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (FREIRE, 1996,
p.58), assim, quando cada uma das lideranças se percebeu como parte de um
processo histórico de mudanças possíveis, passos novos foram dados, um novo
caminho que não se pode mensurar ou controlar, por exemplo, houve o retorno ao
espaço educacional formal, busca por oportunidade de crescimento e capacitação
profissional, procura por melhores oportunidades de emprego em funções que antes
os mesmos não se consideravam capazes de ocupar).
A autonomia é fruto de uma relação respeitosa. Se, em um primeiro momento
a EGC se pauta em uma perspectiva de educação verticalizada (o saber científico dos
gestores e visitantes externos era privilegiado em relação aos saberes comunitários),

23Para Bourdieu (2009), o capital pode existir no seu estado objetivado, em forma de propriedades materiais,
dinheiro, ou, no estado incorporado, como no caso do capital cultural e educacional.
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paulatinamente o processo passa a caminhar em direção a uma ecologia de saberes


indispensável para a produção e construção do conhecimento. De acordo com Santos
(2007, p.87), “não existe uma unidade de conhecimento”, a ecologia dos saberes tem
por fundamento a diversidade de conhecimentos no mundo. Assim, a superação da
ignorância do outro pressupõe a permanente superação da minha, o saber ensinado
deve ser vivido concretamente com os educandos. É fundamental conhecer o
conhecimento existente, mas da mesma forma torna-se imprescindível estar sempre
aptos e abertos para a produção do conhecimento ainda não existente (FREIRE,
1996). O pensar novo, as estratégias alternativas para solução de desafios
contemporâneos apontam para um revisitar das teorias e, concomitantemente, para a
coragem para construir de novos guias de ação para as demandas do tempo
presente24.
A compreensão da relação que existe entre os pré-conceitos do que é saber e
o que é ignorância podem afastar a arrogância e a superioridade de um saber sobre
o outro. Segundo Paulo Freire (1996, p.121), “se me sinto superior ao diferente, não
importa quem seja, recuso-me escutá-lo ou escutá-la”. Com este pensamento, o
diferente não seria o outro a merecer respeito e sim um isto ou aquilo, destratável ou
desprezível. A dialogicidade verdadeira se opera quando os sujeitos dialógicos
aprendem e crescem na diferença (FREIRE, 1996). O crescimento se opera para
todos, pois o conhecimento científico se instrumentaliza e ganha vida na experiência
inacabada e irregular25, como afirma Bondía (2002, p.19), “o saber da experiência se
dá na relação entre o conhecimento e a vida humana”. Para Freire (1996), nenhuma
imposição de saber verdadeiro dever imposta aos grupos populares (FREIRE, 1996).

24 Exemplo prático foi a manifestação popular em 2015 que aconteceu no bairro em busca da efetividade dos
direitos como pavimentação das ruas, reabertura do posto de saúde e abertura da creche pública. O manifesto
resultou na criação da Associação de Homens e Mulheres Guerreiros do Alecrim. Ação noticiada em mídias sociais.
Disponível em: http://www.rota51.com/home/2015/09/25/moradores-doalecrim-reclamam-do-abandono-sofrido-
principalmente-pelo-vereador-eleito-pelo-bairro/Acesso:26 mar. 2018.
25 É a partir de uma articulação complexa que se propõe a construção de uma narrativa mais local, fundamentada

em singularidades socioculturais, que evidencia o caráter inacabado do conhecimento, que possibilita enxergar no
campo social as irregularidades e contradições do real (NEUBERN, 2000).
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A beleza da educação popular está na proximidade entre os educadores-educandos,


na imersão no território e na impossibilidade de fechar os olhos para as condições
sociais, culturais e econômicas de todos os participantes.
Todavia, existem também pontos conflituosos, como a dificuldade de
compreensão da equipe comunitária para com os códigos lógico-verbais da equipe
externa (a fala formal como instrumento privilegiado de exteriorização de ideias e
pensamentos), e vice-versa. De ambas as partes havia o respeito e intenção de se
fazer compreensível, mas em determinados momentos, os agentes locais se sentiam
inferiorizados por não dominarem os códigos lógico-verbais da equipe externa, o que,
com o passar do tempo, essa situação se transformou em motivação para o
crescimento pessoal e profissional, valorizando sempre a existências de outros
códigos linguísticos locais (tal incompreensão de uns aos outros, tratada sem
arrogância e respeito, acabou por se tornar um fator de crescimento para todos os
envolvidos).
Dois pontos se apresentam: a questão da identidade comunitária e a qualidade
da educação formal em comunidades periféricas. No primeiro ponto, Freire (1996)
aponta que precisamos nos abrir para a escuta de outros pensamentos e outras
formas de falar e escrever fora dos padrões da gramática dominante, assim “como
estar alheio às formas de ser, de pensar, de valorar, consideradas por nós demasiado
estranhas e exóticas de outra cultura?” (FREIRE, 1996, p.121). Sobre o segundo
ponto, cabe uma reflexão sobre a desigualdade quanto a qualidade da educação e a
falta de contextualização do conteúdo ensinado com a realidade dos educandos, este
ponto se apresenta como mais um fator de exclusão social, uma vez que pode afastar
o aluno da educação formal e, seja para os que ficam, seja para os que saem,
dificultará o acesso ao mercado de trabalho e ao acesso a níveis superiores de
educação. O que Freire (1996) sinaliza é para a necessidade de apoiar o educando
para que ele mesmo vença as suas dificuldades na compreensão do objeto, e para

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que alcançada essa inteligência, sua curiosidade seja mantida em um processo


permanente de conhecer.
Fala-se também da importância de se trabalhar a extrojeção da culpa indevida
de responsabilização pela situação desvantajosa inculcada pela classe dominante
sobre os dominados (FREIRE, 1996). A EGC tem como principais objetivos a
democratização dos direitos humanos e dos direitos sociais garantidos pela Carta
Constitucional de 1988, passo importante para uma discussão profunda sobre o papel
do Estado e a administração política local. Neste sentido, “a mudança do mundo exige
a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua
superação” (FREIRE, 1996, p.79).
Pontua-se mais uma questão conflituosa relacionada a uma resistência por
parte das lideranças e comunidade de compreender o papel do poder público, uma
vez que as relações pessoais e afetivas insistem em se perpetuar na esfera pública,
sendo caracterizada pela compra de votos e na distribuição de cargos públicos 26. A
própria continuidade do Projeto restou ameaçada, tanto por democratizar o acesso
aos direitos e comprometer interesses eleitorais locais, quanto por não se curvar ao
poder político-econômico para realizar suas ações27. Freire (1996) rejeita a política
assistencialista que, anestesiando a consciência oprimida, prorroga a necessária
mudança social. A EGC questionava tanto a manutenção das desigualdades sociais
em função da gana eleitoral (manter as pessoas na miséria para periodicamente
comprar o seu voto), quanto ao pensamento dominante de que as políticas pública

26 No Brasil, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares
que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. As
relações pessoais, presentes na vida doméstica, sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição
social entre nós (HOLANDA, 2004).
27 As relações entre governo e sociedade são marcadas pela assimetria de recursos – organizacionais,

educacionais, informacionais, financeiros, dentre outros – o que limita as possibilidades do exercício da autonomia.
Assim, os atores sociais entram no jogo político em condições marcadamente subalternas, encontrando terreno
propício para o seu desenvolvimento e atualização através de uma cultura política marcada pelo clientelismo, a
cooptação, a troca de favores, etc (TATAGIBA; TEIXEIRA, 2006).
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devem figurar de forma verticalizada nos territórios, deixando de lado a escuta ativa
dos interesses, valores e opiniões dos envolvidos na política.
O componente religioso também foi uma questão conflituosa no processo. O
contexto comunitário era composto por mais de trinta instituições religiosas
protestantes, que apesar de institucionalmente distintas nutriam algumas
características comuns como: ritos linguísticos, atividades religiosas diárias,
vestimentas diferenciadas, por exemplo. O projeto teve dificuldades em alcanças
algumas crianças e adolescentes vinculadas a estas instituições, pois as famílias não
estavam abertas para participarem de ações sociais fora deste círculo e mantinham
certo distanciamento de pessoas que não professavam o mesmo credo (essa atitude
era comum mesmo entre as instituições protestantes). Além das crianças e
adolescentes, jovens e adultos também tinham dificuldades em participar de cursos
de profissionalização, alfabetização e eventos informativos por estarem vinculados
diariamente aos encontros de cunho religioso. Outro efeito prático no território era a
forte pressão social destes grupos para o casamento das adolescentes, o que por
vezes afetava a continuidade da educação formal (metade das adolescentes
atendidas pela ONG GV estavam casadas e abandonaram a escola, principalmente
porque engravidavam ou por exigência dos maridos). Cabe ressaltar, que sinalizar a
problemática faz parte da reflexão crítica da prática desenvolvida em um universo
amplamente religioso, todavia, pontua-se que, diante de um ambiente comunitário
hostil e violento, essas instituições possuem um papel importante na valorização do
indivíduo excluído socialmente, na promoção da cultura (aulas de música e dança
eram ofertadas em alguns espaços), na prédica do amor e da paz, e no conforto
emocional e espiritual da população.
É a vivência no contexto comunitário que vai proporcionando a “leitura do
mundo” que precede a “leitura da palavra” (FREIRE, 1996). Essa leitura se dá na
abertura com o outro, para novos saberes e novas experiências. O respeito à leitura
de mundo do educando reconhece a historicidade do saber, o caráter histórico da
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curiosidade, rejeitando a arrogância cientificista, elitista e antidemocrática. Também


se dá pela escuta, por ouvir as histórias de vida, as tristezas e alegrias, violências e
vitórias, assim “ao escutá-lo aprendo a falar com ele” (FREIRE, 1996, p.123). Um
escutar que significa permanentemente a abertura para fala, gesto e diferenças dos
outros (FREIRE, 1996). Na EGC a relação entre a equipe se deu em uma leitura de
mundo dialética e processual, os gestores externos se abriram para o novo conhecer
enquanto aprendiam novos saberes, da mesma forma que os agentes comunitários
se abriram para conhecer novos modos de vida e também aprenderam outros
conhecimentos. O educador-educando, o que ensina e aprende não em uma sala e
um horário determinado, mas na vivência cotidiana, um espaço que permita as
manifestações de virtudes como amorosidade, respeito aos outros, humildade, gosto
pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança,
persistência na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à
justiça (FREIRE, 1996).

3. Ponderações finais

Neste trabalho se relata uma experiência onde o caminho inicial, focado na


racionalidade, vem integrando progressivamente a afetividade. Falou-se da beleza de
um processo de construção de conhecimento que privilegia a alegria. Saberes que só
ganham sentido na beleza do espaço social, em seus inacabamentos e
irregularidades, um conhecimento que se perfaz contextualizado, aprofundando a
reflexão crítica sobre o valor da dignidade humana e o papel da educação aberta,
popular e informal para a transformação social. Olhando para trás reconhecemos que
ao longo do processo se deu a construção de dois importantes saberes, a saber, de
que todo conhecer é um fazer (percebendo assim a identidade entre ação e

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conhecimento), e que só temos o mundo que criamos com os outros, sendo o elo que
permite essa construção comum é o amor (MATURANA, 2001).

Referências

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PLURIATIVIDADE DA AGRICULTURA FAMILIAR: O ARTESANATO COMO


PRÁTICA EDUCATIVA QUE GERA RENDA

Giselle Monteiro Silveira*


Getuliana Sousa Colares**

Resumo
Sabe-se que o artesanato é um bem cultural que comumente é repassado de geração
em geração. Esta pesquisa trata-se de uma prática naturalmente educativa, pois quem
ensina o artesanato não está ensinando apenas uma técnica, mas, também,
transmitindo valores familiares, sociais e culturais. No meio rural, o artesanato tem se
desenvolvido como uma atividade secundária. Nesse contexto, a pluriatividade é
importante, pois contribui para a permanência de trabalhadores e, principalmente, de
trabalhadoras rurais no seio de suas famílias. O artesanato já tem sido nosso objeto
de estudo há algum tempo. Por isso, o presente trabalho é um recorte de outros
trabalhos já realizados. Tem por objetivo apresentar informações acerca do artesanato
como pluriatividade da agricultura familiar. Além disso, estando inseridas em um
Programa de Pós-Graduação em Educação, para nós também é importante ressaltar
a prática educativa imbuída na produção do artesanato. Dessa forma, percebe-se que,
como ferramenta educativa, o artesanato também se mostra uma alternativa muito
relevante em relação às habilidades que podem ser desenvolvidas durante o seu
processo de produção, além de sua grande contribuição na complementação da renda
familiar de muitas famílias rurais.

Palavras-chave: Pluriatividade. Agricultura. Artesanato. Prática Educativa.

* Mestranda em Educação pela Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Ceará (UFC) –– Fortaleza –
Ceará – Brasil. E-mail: gisellemontsil@gmail.com
** Mestranda em Educação pela Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Ceará (UFC) –– Fortaleza –

Ceará – Brasil. E-mail:getucolares@hotmail.com


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Introdução

Alguns estudos sobre a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas no


Brasil demonstram que em algumas regiões do país, muitas famílias rurais eram
levadas a buscar algum tipo de atividade fora de suas propriedades, que levassem a
complementar suas rendas.
Para estudiosos como Marafon (2006) e Schneider (2009) a pluriatividade que
incide no meio rural refere-se a um fenômeno que pressupõe a combinação de pelo
menos duas atividades, onde uma delas é a agricultura.
De maneira mais simplificada encontramos a definição de agricultura no Mini
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2008) como a arte de cultivar os campos,
com vistas à produção de vegetais úteis ao homem. Sabe-se, porém, que se trata de
um conceito muito mais amplo. Para Schneider (2009) a atividade agrícola, ou
simplesmente a agricultura, compreende uma miríade diversificada e complexa de
tarefas, procedimentos e operações que envolvem o cultivo de organismos vivos
(animais e vegetais) e o gerenciamento de processos biológicos dos quais resulta a
produção de alimentos, fibras e matérias-primas.
Schneider (2009) reforça que em função dessa diversidade e complexidade,
torna-se difícil e muito relativo definir onde começa e onde termina uma atividade
agrícola, pois nem sempre estas atividades são realizadas no interior de um único
estabelecimento.
A pluriatividade tem se tornado cada vez mais comum nas famílias brasileiras.
Em tempos de crise, essas múltiplas atividades têm garantido a renda familiar. No
caso da agricultura, são elas que têm sustentado as famílias nos longos períodos de
dificuldades (SCHNEIDER, 2009).
O artesanato tem se desenvolvido como uma atividade secundária no meio
rural. Nesse contexto, a pluriatividade é importante, pois contribui para a permanência

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de trabalhadores e, principalmente, de trabalhadoras rurais no seio de suas famílias


e, consequentemente, para o desenvolvimento local.
Como ferramenta educativa, o artesanato também se mostra uma alternativa
muito relevante em relação às habilidades que podem ser desenvolvidas durante o
seu processo de produção. Quando associada à produção do artesanato, a educação
pode proporcionar o desenvolvimento local, possibilitando o resgate do patrimônio
cultural de uma comunidade e promovendo a inclusão de pessoas em vários ciclos
sociais.
De acordo com Brandão (1992)

quando o homem sabe e ensina o saber, é sobre e através das relações de


objetos, pessoas e ideias que ele está falando. E é no interior da totalidade e
da diferença de situações através das quais o trabalho e as trocas de frutos
do trabalho garantem a sobrevivência, a convivência e a transcendência, que,
no interior de uma vida coletiva anterior à escola, mas plena de educação, os
homens entre si se ensinam-e-aprendem (BRANDÃO, 1992, p. 20).

O artesanato já tem sido nosso objeto de estudo há algum tempo. Logo, o presente
trabalho é um recorte de outros trabalhos já realizados e tem por objetivo apresentar
informações acerca do artesanato como pluriatividade da agricultura familiar,
legitimando-o como representação de uma fonte rentável para produtores e
produtoras rurais, destacando-se como prática educativa, indagando sua
popularidade e demonstrando como este se configura um instrumento complementar
a renda familiar dentro do desenvolvimento da agricultura.

1. Metodologia

Segundo Prodanov (2013), o resultado de uma pesquisa pode colaborar


significativamente para a melhoria do conhecimento humano, uma vez que desperta

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no pesquisador um anseio de investigação diante dos problemas a serem estudados


além de contribuir para trabalhos futuros.
Para a elaboração deste trabalho, foi feito um levantamento de subsídios
conceituais sobre, pluriatividade, agricultura, artesanato e prática educativa utilizando
livros, revistas, artigos e a rede mundial de informações – internet, levando em conta
temáticas como a agricultura familiar, geração de trabalho e renda e a produção de
artesanato como estratégia de melhoria dos recursos da família e do desenvolvimento
da agricultura.
Dentre as fontes pesquisadas, foram utilizadas informações de uma pesquisa
realizada em 2015, na região do Território Maciço de Baturité, que abordava algumas
das contribuições do artesanato para a diminuição de impactos ambientais
provocados por resíduos têxteis.
Dessa forma, esta pesquisa caracteriza-se como pesquisa bibliográfica, tendo
em vista a natureza das fontes utilizadas.
Severino (2007) define a pesquisa bibliográfica como aquela que se obtêm a
partir do registro disponível, resultante de pesquisas anteriores, em documentos
impressos, como livros, artigos, teses, dentre outros. Esse tipo de pesquisa utiliza-se
de dados ou categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e
adequadamente historiados.

2. Artesanato como pluriatividade e prática educativa

De acordo com Marafon (2006) a pluriatividade familiar pode ser entendida


como uma novidade importante para os agricultores, melhorando a renda da família e
aumentando a preocupação com questões relacionadas ao meio ambiente, fazendo
com que as famílias rurais permaneçam no campo, desenvolvendo atividades como a

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agricultura orgânica, agroecologia, turismo rural, artesanato e beneficiamentos de


alimentos.
Mesmo que a pluriatividade seja dependente da possibilidade de combinação
das atividades agrícolas com as não-agrícolas em um determinado contexto social e
econômico, sustenta-se que a manutenção das múltiplas inserções ocupacionais
depende de um conjunto de variáveis e fatores relacionados à dinâmica das famílias
e dos indivíduos que as compõem (SCHNEIDER, 2009).
Marafon (2006) ainda cita que a pluriatividade não deve ser vista como uma
situação nova, mas uma característica histórica importante de agricultores familiares,
que sempre, no intuito de incrementar sua renda, desenvolveram atividades não-
agrícolas ou para-agrícolas (beneficiamento de alimentos e bebidas).
O que podemos perceber é que em tempos de crise o artesanato se mostra
uma excelente alternativa de geração de renda, podendo ainda contribuir para o
desenvolvimento do trabalho coletivo. Em alguns municípios cearenses, como
Baturité, por exemplo, o artesanato se relaciona perfeitamente com a agricultura, pois
as mulheres da região utilizam fibras da bananeira para desenvolver seus produtos,
como mostram as figuras a seguir.

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Figura 1: Artesanato com fibras naturais

Fonte: SILVEIRA, 2017.

Figura 2: Almofadas com retalhos e fibras da bananeira.

Fonte: SILVEIRA, 2017.

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Para Souza (1994), a região Nordeste conservou por mais tempo um trabalho
artesanal bem conceituado. Mesmo que seu retorno financeiro não fosse satisfatório,
do ponto de vista da produção o artesanato sempre desempenhou um papel
fundamental para a economia, tanto na zona rural, principalmente em regiões sujeitas
a variações climáticas e a consequentes períodos de estagnação, quanto na zona
urbana, amenizando as tensões sociais e concentrando um contingente significativo
de mão-de-obra excedente do sistema industrial.
O artesanato é uma prática universal, que se distingue no modo de fazer, não
só pelos materiais como na técnica aplicada, caraterística própria de cada região e
cultura. Dessa maneira, percebe-se que

a natureza, sempre generosa, colocou à disposição de todos aqueles que


estivessem dispostos a respeitá-la, uma quantidade e variedade de materiais
e possibilidades, apenas limitada pela nossa imaginação. O artesão
aproveitou essa dádiva e [...] deformou, cortou, talhou, teceu, fundiu, deu cor,
conjugou odores e, sabores (CUNHA, 2011, p.96)
.

Partindo para a prática educativa, compreendemos que a educação pode ser


entendida como um processo sucessivo de socialização que acontece desde o
nascimento até o fim da vida. Ao longo do tempo vamos absorvendo habilidades,
concentrando valores e transmitindo conhecimentos.
Segundo Gadotti (2017),

a educação é um fenômeno complexo, composto por um grande número de


correntes, vertentes, tendências e concepções, enraizadas em culturas e
filosofias diversas. Como toda educação é política, como nos ensinou Paulo
Freire, ela não é neutra, pois, necessariamente, implica princípios e valores
que configuram uma certa visão de mundo e de sociedade. [...] Toda
educação é necessariamente situada historicamente (GADOTTI, 2017, p.1).

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Complementando essa percepção podemos citar Paulo Freire em sua obra


Educação como prática da liberdade, sobre a relação do homem com o mundo. Para
ele,
a partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela
e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele
dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a.
Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai
temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o jogo destas
relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiado e
respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade,
a não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades nem
das culturas (FREIRE, 1967, p.43).
.
É possível perceber que dentro da produção de qualquer tipo de artesanato
existe um processo educativo muito forte e que é justamente a educação, a
responsável pela “manutenção” de muitas atividades produtivas artesanais. Dessa
maneira, torna-se fundamental demonstrar sua relevância, tanto que, pensando nesse
“processo educativo/produtivo”, é difícil não se lembrar da Pedagogia do Oprimido, de
Paulo Freire (2016), quando trata da dialogicidade e afirma que a educação legítima
não ocorre de A para B ou de B para A, mas de B com A, mediatizados pelo mundo.
Logo, a prática educativa inserida no processo de produção artesanal é uma
educação, ao que nos parece, trabalhada horizontalmente, onde as pessoas
envolvidas absorvem os ensinamentos se relacionando umas com as outras.
Libâneo (1994) reforça que

através da ação educativa o meio social exerce influências sobre os


indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-se
capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao
meio social. Tais influências se manifestam através de conhecimentos,
experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes
acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos,
assimilados e recriados pelas novas gerações (LIBÂNEO, 1994, p.17)

Segundo Brandão (1992) a prática pedagógica sempre existiu durante quase


toda a história da sociedade, embutida em outras práticas como as atividades de caça,

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pesca, agricultura, pastoreio, artesanato e construção. Essas atividades eram


vivenciadas por pessoas mais velhas, que faziam de modo a ensinar os mais jovens
e, assim, sucessivamente, promovendo a perpetuação desses ensinamentos.
Libâneo (1994) novamente contribui ao afirmar que

a educação – ou seja, a prática educativa – é um fenômeno social e universal,


sendo uma atividade humana necessária à existência e funcionamento de
todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação dos
indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e
espirituais, prepará-los para a participação ativa e transformadora nas várias
instâncias da vida social. Não há sociedade sem prática educativa nem
prática educativa sem sociedade. A prática educativa não é apenas uma
exigência da vida em sociedade, mas também o processo de prover os
indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos
a atuar no meio social e a transformá-lo em função de necessidades
econômicas, sociais e políticas da coletividade (p.16-17).

Tendo em vista a educação que envolve a produção do artesanato, entende-se


que tal relação se destaca a partir do desenvolvimento da capacidade de trabalhar
com coletividades, da criatividade, da paciência, da organização, do planejamento e,
muitas vezes, do desenvolvimento da capacidade de liderança. É através da prática
educativa que os indivíduos se relacionam com o meio social tornando-se capazes de
estabelecer relações de transformação dentro do próprio meio. Essas transformações
ocorrem através das vivências e da produção de conhecimentos que são absorvidos
por várias gerações, sendo transmitidos ou reproduzidos pelas próximas gerações.
Com isso, a prática educativa se configura numa grande variedade de
instituições, escolares ou não, que envolvem atividades sociais, econômicas, políticas,
culturais e não só. É uma forma de mostrar que a educação compreende processos
que naturalmente ocorrem no meio social e que envolve pessoas mediante ações que
objetivam aprender ou ensinar.

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3. Considerações

O artesanato é responsável pela apresentação cada vez mais frequente de


mulheres rurais nos espaços públicos e no desenvolvimento econômico dos territórios,
contribuindo para o seu protagonismo e empoderamento social. A pesquisa se mostra
satisfatória, pois ressalta a importância do artesanato e sua popularidade dentro da
pluriatividade da agricultura ao longo dos anos.
Além disso, o artesanato encerra por abordar uma dimensão social, gerando
trabalho e renda; econômica, beneficiando a comercialização com base em uma
demanda; ambiental, permitindo a utilização de resíduos; e cultural, respeitando as
particularidades locais da comunidade, respeitando o (a) agricultor (a) e o artesão (ã).
A pluriatividade torna-se um fator relevante diante da crescente preocupação
mundial com assuntos relacionados à economia, e nos leva a pensar em alternativas
de desenvolver o meio rural brasileiro. Dessa forma, contribui para uma produção que,
além de, na maioria das vezes, ser ecologicamente correta, permite que as famílias
rurais permaneçam no campo, desenvolvendo atividades como agroecologia,
agricultura orgânica, turismo rural, beneficiamento de alimentos e o próprio
artesanato.
Estando o artesanato ligado à cultura de uma comunidade, seu valor é
transmitido de geração para geração, revelando não somente uma arte, mas refletindo
as vivências e a tradição de um povo. Ele compete num mercado globalizado agora
de forma mais admirada, pois seu valor não está apenas em sua beleza, mas em sua
contribuição em tirar pessoas de categorias sociais menos favorecidas da situação de
miséria, incluir idosos em programas de revitalização e resgatar jovens em situação
de ociosidade. Usando um pouco de criatividade e utilizando técnicas adequadas, o
artesanato pode sim, ser uma excelente fonte de renda e uma ótima ferramenta
educativa. Valorizar o artesanato é perceber sua importância cultural, econômica e
social.
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É válido ressaltar também a influência do artesanato na vida social das


pessoas. Sua produção permite aos artesãos e artesãs ampliarem seus horizontes,
conhecerem novas oportunidades de trabalho e se sentirem parte importante do
processo de desenvolvimento econômico local.
Conclui-se que a sabedoria de se saber fazer, a beleza que floresce, que nasce
por dentro com uma força intrínseca de um saber rico de talentos, o artesanato se
apoia em um conjunto de ações interdisciplinares integradas de uma arte. Pode-se
mencionar que o artesanato tem o desafio de fortalecer, manter vivas as habilidades
de aumentar a produção, ampliando os horizontes do fazer artesanal, sem perder a
perspectiva de sua história de gerações e costumes locais.

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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “A Educação das Relações Étnico-


raciais”

A PERSPECTIVA DA CULTURA E IDENTIDADE NEGRA NA ESCOLA

Laís Melo de Andrade*


Thyalla Sena Solon**

Resumo
A identidade negra na escola é um contexto atual que integra a educação, tem se
apresentado com uma problemática em relação à implementação da Lei 10.639/2003
que visa à obrigatoriedade do ensino a temática História e Cultura Afro-Brasileira. Este
artigo tem como objetivo discutir a real importância da cultura e identidade negra na
escola, o colorismo no âmbito escolar e a legislação educacional. O método utilizado
foi o estudo documental exploratório, qualitativo com aspectos dinamizado a caráter
social. Utilizou-se pesquisa bibliográfica, do tipo exploratória, com coleta de dados,
método de abordagem dedutivo e, como técnica de pesquisa a documentação indireta
e direta. O entendimento desse contexto revela a construção da identidade negra no
campo educacional, principalmente na formação de crianças e adolescentes e
diversidade étnico-cultural.

Palavras-chave: Identidade negra. Colorismo. Legislação educacional.

*Graduada em Serviço Social pela Unime – Itabuna – BA. Especialista em Serviço Social, Saúde, Seguridade e
Políticas Públicas pela Unigrad – Itabuna - BA; Especializanda em Gestão Cultural na UESC - Ilhéus/Bahia/Brasil;
E-mail: ass.laismelo@gmail.com
**
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Especializanda em História do Brasil,
na Universidade Estadual de Santa Cruz/ Ilhéus/ Bahia. E-mail: thyalla_solon@hotmail.com
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Introdução

Este artigo aborda a cultura e suas perspectivas quanto à identidade negra que
durante anos foi escondida e vista com olhos preconceituosos na história do Brasil,
porém, nos dias hodiernos a uma expectativa e movimento de reparo e reconstrução
de 500 anos de atraso, estabelecendo vínculos educacionais que possibilitam o
acesso dos alunos à outra face muitas vezes desconhecida e escondida da
população.
A cultura está entrelaçada com a formação das identidades sociais, é por meio
da educação formal e informal que se aprende sobre os signos das representações
culturais e a formação identitária, dessa forma a escola é um dos espaços em que a
cultura é apreendida, além de possuir o poder de valorizar ou estigmatizar
determinadas formações culturais.
A lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, determina a obrigatoriedade do ensino
da História e Cultura-afro brasileira, que é resultante da luta do movimento negro
brasileiro, que reivindica a valorização da história, do papel das pessoas negras na
sociedade, diante desse contexto é perceptível que esta lei foi e é necessária para a
escola, pois esta ainda não supriu as demandas e necessidades da comunidade
negra.
Partindo dessas explanações este artigo levanta o seguinte problema: como a
cultura e a escola podem contribuir para reparar os 500 anos de história desvalorizada
e sucumbida por outros modelos de cultura e identidade?
Com base neste questionamento observa-se que por meio de lei nº 10.639 visa
à obrigatoriedade do ensino a temática "História e Cultura Afro-brasileira", nota-se a
militância de vários movimentos étnicos- raciais e políticas públicas voltadas para o
acesso à educação como as cotas, e a desconstrução do colorismo como face a
pigmentocracia.

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Por consequência, objetiva-se discutir a real importância da cultura e identidade


negra no âmbito escolar como agente construtor e empoderador das questões raciais,
no que diz respeito ao resgate da história e sua contribuição na formação do país e, a
vista disso, analisar a lei em pauta.
Esta pesquisa justifica-se no âmbito escolar das escolas públicas e privadas
dos ensinos fundamental e médio, percebe-se neste público a falta de compatibilidade
que muitas vezes há do aluno (principalmente o(a)s negro(a)s na falta da identificação
de seus ancestrais, signos e referências, à forma “correta” da história suas razões e
percepções acabam não se adequando ao padrão modelo exigido pela sociedade.
Através da luta do movimento negro ao longo do tempo houve o aumento da
valorização e reconhecimento da participação da cultura africana na construção da
sociedade, fato que pode condicionar a ampliação dos horizontes dos alunos quanto
à aceitação, reconhecimento e aprendizado, para isso surge à necessidade dos
educadores conhecerem os impactos sobre a luta antirracista no Brasil.

1. Metodologia

Na elaboração do presente estudo foi realizada uma discussão sobre o tema


vigente abordado na escola e no dia a dia das crianças e adolescentes, tendo em
pauta a cultura e identidade negra e, as leis que encaminha essa estrutura.
A discussão sobre o racismo na escola será debatida com um levantamento
bibliográfico através de livros, revistas virtuais, periódicos nacionais, internacionais e
sites oficiais. Segundo Medeiros (2014) a pesquisa bibliográfica é um caminho para
pesquisas científicas, ou seja, a desmitificação de algo não comprobatório.
Através deste levantamento usufruímos documentos como leis federais ligadas
a questão da educação étnico-racial, especialmente a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de
2003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB - nº 9.394, de 20 de
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dezembro de 1996, dentre outras, formando desta maneira um complexo de


fundamentos necessários à consecução deste estudo.
Destarte essa pesquisa é classificada como um estudo documental de cunho
exploratório com características flexível, criativa, formal e informal, conduzida em
nível qualitativo com aspectos dinamizado a caráter social.

2. Identidade negra

A identidade negra na escola sempre foi um tabu a ser quebrado, algo que
durante muitos anos fora escondido da sociedade e, em especial das escolas, seja,
nas expressões culturais ou em outras formas. No momento presente vê-se que a
aceitação está cada vez mais crescente em termo populacional em questão de etnia.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o percentual
de autodeclarados negros foi de 54,9%, entre pardos aumentou de 45,3% para 46,7%
e, pretos de 7,4% para 8,2%, isto ratifica “o reconhecimento da população negra em
relação à própria cor, que faz mais pessoas se identificarem como pretas”.
A identidade é um processo ou qualidade de identificação segundo o
dicionário, é um ato político social, que reativa questões de origem, apropriação e
memórias; por muitos anos identificar-se negro era equivalente a um escravo, algo
subalterno, baixo, sujo.
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão e o primeiro a proclamar uma
democracia racial, porém a imagem do negro foi e ainda é a de um povo sofrido que
luta por um espaço melhor na sociedade, com visibilidade e valorização.
As políticas públicas e a atuação de entidades negras foram às causas de
muitas pessoas se autodeclararem negras, por questões de interesse próprio ou
autorreconhecimento. E assim vai crescendo as estatísticas em questão populacional

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negra, dando voz a um estilo fincado na resistência, principalmente quando se tem


uma base familiar que sustenta e constitui estas afirmações.
A desvalorização da história das pessoas negras do Brasil na escola, é
constante, as referências históricas, na maioria dos casos, estão sempre subjugadas
ou conformados com a escravização. A narração quase sempre é de como o povo
negro foi raptado de suas terras e, que foram obrigados a trabalhar sob péssimas
condições, no entanto, seu trabalho não é creditado, evidenciando outro estilo cultural
e étnico totalmente diferente.
Contudo, a existência do racismo na escola já é algo reconhecido por uma
ampla parte da sociedade, a luta contra o racismo institucional é uma das principais
bandeiras do movimento negro. Mesmo com o advento da lei nº 10.639, de 09 de
janeiro de 2003, muitas escolas ainda não conseguiram implementá-la, esta situação
pode ser lida como resultante de um racismo estrutural ainda existente na escola, ou
a falta de suporte e formação dos professores para trabalhar com as temáticas
exigidas na lei apresentada.
A busca para adentrar na realidade dos adolescentes que vivem em dilemas
conflitantes em seu dia a dia, por causa da questão racial, é por que estes, em muitos
casos, não se identificam como negro(a)s, já que a forma de como é visto a beleza
e a cultura como um todo, ainda é estereotipada e inferiorizada pelas demais.
Para Silva (2014, p. 266) “a Europa era o ponto central da civilização, centro de
cultura e conhecimento, abarcamos em nossa cultura, os termos utilizados pela alta
cultura europeia, que se estrutura e se mantém a partir do discurso da superioridade
colonial” e nessa superioridade faz surgir uma cultura secundarizada e sem valor.
A ideologia racista é algo que foi aprendido pela sociedade, por isso a
circunstância de não se declarar, ainda em vários casos, e pelo fato da escravidão
que os nossos antepassados sofreram, faz com que a cultura e história sejam
secundarizada. É observado que parte do (a)s adolescentes negro(a)s são vítimas

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do racismo, pois estes ainda estão em formação e aprendizado da sociedade e suas


expressões.
A maneira como a história das pessoas negras é retratada no ambiente
escolar, como o corpo e a estética são tratados e julgado podem resultar na
valorização da diferença, ou no contrário. Nas escolas o racismo pode ser evidente,
tanto quanto a negação identitária.
Em paralelo, a discussão sobre identidade e estética negra é essencial para o
aumento da autoestima e afirmação identitária, já que, as relações existentes entre
o corpo e o cabelo crespo são precedentes para esta construção, “o corpo pode ser
considerado como um suporte da identidade negra e o cabelo crespo como um forte
ícone identitário”.

3. Colorismo no meio escolar

A onda colorista ou o termo colorismo surgiu em 1982 e foi usado pela


escritora Alice Walker, no seu livro If the Present Looks Like the Past, What Does the
Future Look Like? Traduzido em português para “Se o presente se parece com o
passado, como será o futuro?”
O colorismo cria tonalidades como se fosse uma classificação de lápis de cor
em tons claros e escuros. Na contemporaneidade esse estilo pode facilitar a vida de
quem tem a pele mais clara e dificultar o dia-a-dia quem tem a pele mais escura. A
sociedade cria válvulas para que o preconceito continue presente nos espaços sociais
como: trabalho, locais de laser e escolas, provocando insegurança, desestabilidade e
falta de identidade e pertencimento a cultura.

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Nas escolas o colorismo afeta as crianças e adolescentes na falta da


identificação da cultura negra, uma vez, que é tida como uma subcultura e na proposta
de algo bonito ser sempre voltado para o estilo europeu, traz um conflito interno para
essas pessoas que estão em formação e desenvolvimento físico, mental e social.
A escola é um local de aprendizado, onde crianças e adolescentes frequentam
boa parte do tempo, é como se fosse um estágio para a sociedade, onde elas ensaiam
suas primeiras decisões, angustias, amores, valores, medos e preconceitos.
Contudo, seria ingênuo nomear a escola como a única instituição responsável
de mudar valores e erradicar o racismo, concordamos com Pereira (2009) ao enfatizar
que as mudanças antirracistas nesta instituição não iriam sanar todos os problemas
raciais da nossa sociedade, já que, a escola faz parte de uma “superestrutura” em que
se inter-relaciona. Como a religião, na igreja católica embranqueceram a figura de

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Jesus Cristo e todos os outros que fizeram parte da história. E nesse proposito que é
pensado o racismo elaborado, vinculado as estruturas para as grandes massas da
sociedade.
A valorização da cultura e identidade negra é imprescindível dentre a colocação
sobre os símbolos de inferioridades que foram direcionados propositalmente ao corpo
negro ao longo do tempo.
Para Silva (2014, p.269):

O estereótipo estrutura a imagem do sujeito, transforma a sua autoimagem e


o seu corpo, tornando este em um ser desajustado na sociedade. As
populações atingidas por estereótipos têm na constituição de sua identidade
o peso dessas visões. São instituídos rótulos, padrões de comportamentos e
ações que acabam por marcar a corporeidade do indivíduo na sociedade.
Estas diferenciações instituídas a partir das características físicas dos
indivíduos acabam por modificar os corpos destes. Assim, toda a linguagem
e imagem corporal que é construída pelo indivíduo a partir de seu corpo e de
seu contato com o meio onde vive, é influenciada pela atuação dos
estereótipos. Os Comportamentos e atitudes deste corpo obedecem às
ordens impostas pela cultura e pelos olhares que o Outro mantém sobre ele,
neste caso, olhares estereotipados, que influenciam diretamente em seu
autoconhecimento.

4. Legislação educacional

Em 2003 a lei nº 10.639, busca adentrar a história e cultura negra na escola,


pareando as demais histórias que é ensinada dentro da sala de aula, criando a
possibilidade de reparação para os futuros e atuais estudantes.
O Parecer do CNE/CP 03/2004, aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-raciais, do Ensino de História e Cultura Afro-
brasileiras e Africanas; e através da resolução CNE/CP 01/2004, que tem como
objetivo os direitos, obrigações na implementação da lei que compõem dispositivos
considerados como indutores de uma política educacional voltada para afirmação da
diversidade cultural e educação das relações socioculturais.

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Segundo a resolução CNE/CP 01/2004:

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-


Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento,
execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação
de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e
pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à
construção de nação democrática. § 1° A Educação das Relações Étnico-
Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem
como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à
pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar
objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e
valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia
brasileira. § 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem
por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura
dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de
valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas,
europeias, asiáticas.

A lei nº 10.639/2003 legitima as afirmativas no contexto de direito a diversidade


étnico-racial no ambiente escolar, altera a lei nacional e universal, Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996 – (LDB), incluindo o cumprimento da
educação enquanto direito social, democrático a diversidade étnico-racial com
posicionamento político de superação do racismo e desigualdades raciais,
compreende-se a Lei nº 10.639/2003 representa uma alteração na LDB dando
obrigatoriedade a todas as escolas seja ela pública ou privada.
O que vale ressaltar é que essas políticas educacionais foram criadas para
gerar conforto, empoderamento e igualdade de tratamento aos alunos que se sentem
inferiorizados na questão do racismo, da falta de informação dos livros de histórias e
no contexto da aceitação de sua própria identidade cultural.
O sistema educacional possui um caráter denso que propõem uma diversidade
étnico-racial na educação escolar, que consiga romper com o preconceito e ajustar a
realidade brasileira, que por muito tempo foi deixada de lado, contando história
coerente no que condiz com a realidade, reaviva a memória e introduz identidade para
crianças, adolescentes, jovens nessa temática das relações étnico-raciais.
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5. Considerações finais

Observa-se que a escola é um dos principais espaços em que se perpetua o


racismo sobre o corpo negro, estereótipos são disseminados, e o cabelo crespo por
vezes é visto como marca de inferioridade. No entanto não podemos deixar de
pontuar que atualmente existem grandes avanços em muitas escolas sobre a
discussão da representatividade do(a) negro(a), porém ainda temos muitos desafios
Contudo, concordamos com Brandão (1981) quando ele ressalta que a
educação pode ocultar a necessidade de certos conhecimentos. A problemática
dessa situação é que a identidade negra também é construída por meio da trajetória
escolar dos sujeitos (GOMES, 2003), já que a identidade é entendida como uma
construção social, histórica e cultural.
Desse modo, seria imprescindível debates sobre a história das pessoas negras
no Brasil, de uma maneira que, permita para os estudantes desmistificar a ideia de
que o lugar dos indivíduos negros em nossa sociedade foi apenas a escravização, já
que a construção das representações raciais no Brasil foi dada no contexto das
relações de poder, a submissão de outrora cultura enraizada na Europa.
Contudo Domingues (2007), afirma que as resistências sempre existiram:

Em momento de maior maturidade, o movimento negro se transformou em


movimento de massa, por meio da Frente Negra Brasileira. Na segunda fase
(1945-1964), o Movimento Negro retomou a atuação no campo político,
educacional e cultural. Com a União dos Homens de Cor e o Teatro
Experimental do Negro, passou-se a enfatizar a luta pela conquista dos
direitos civis. Na terceira fase (1978-2000) surgiram dezenas, centenas de
entidades negras, sendo a maior delas o Movimento Negro Unificado (p. 121).

O racismo ainda está presente em nossa sociedade justamente por conseguir


se materializar e fazer parte da atuação de várias instituições sociais, como visto, a
escola está inserida nesse contexto. De acordo com o raciocínio de Pereira (2009) a
eficácia do racismo é resumido pelas estratégias da classe dominante em favor da

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sua perpetuação, em que a escola seria um dos ambientes da reprodução do “modo


de pensar da classe capitalista” que é excludente e consequentemente racista.
Desse modo, não diferente das outras instituições sociais, a escola também é
palco de disputas ideológicas, situação que justifica a não implementação de forma
eficaz da Lei 10.639/03, por isso, apesar dos avanços, ainda existe um caminho longo
a percorrer, em que as mudanças na educação é um dos protagonismos deste
processo.
O resultado deste presente artigo permitiu adentrar a realidade do sistema
educacional brasileiro em relação a identidade negra na escola e seus caminhos
desde a lei que foi alterada a favor de uma educação multicultural assim como o país
é.

Referências

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da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm> Acesso em: 10 maio
2018.
BRASIL. Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm> Acesso em: 10 maio 2018.

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<http://www.febac.edu.br/site/images/biblioteca/livros/O%20Que%20e%20Educacao
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A UESC E O DEBATE SOBRE AÇÕES AFIRMATIVAS: UM ESTUDO DE CASO


SOBRE AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NA UNIVERSIDADE

Valéria Soares Martins*


Uigue Santos Souza Nunes**
Jeanes Martins Larchert***

Resumo
As políticas de ações afirmativas voltadas para a promoção da igualdade étnica na
sociedade brasileira encontram-se em debate constante há duas décadas,
especificamente no ensino superior. Quem inaugura esse debate nas universidades é
o sistema de Cotas, modalidade de seleção que compõe o quadro de programas
constitutivos das políticas. Essa pesquisa objetivou analisar como a Universidade
Estadual de Santa Cruz-UESC promove essa política, mapeando as diversas
atividades referentes às ações afirmativas na UESC, suas contribuições e sua
relevância para o fortalecimento dos grupos étnico-raciais do sul da Bahia. A pesquisa
de abordagem qualitativa do tipo estudo de caso consistiu na sua fase exploratória,
em catalogar as atividades que abordaram a temática proposta nos diversos setores
da instituição. Após o levantamento das atividades foi enviado questionário eletrônico
aos/as possíveis colaboradores/as com o objetivo de conhecer as atividades voltadas
para as ações afirmativas: seus conteúdos e finalidades. Coletamos 61 atividades,
sendo 22 de pesquisa, 16 de ensino e 23 de extensão. Na análise consideramos a
existência de atividades de caráter afirmativo em diferentes áreas da universidade, o
entendimento, por parte dos/as colaboradores/as sobre as ações afirmativas na UESC
é o de que o sistema de cotas abrange a totalidade desta política, pois é engendrada
pelo Estado e possui caráter institucional. No entanto, a invisibilidade curricular sobre
as relações étnico-raciais é uma realidade em grande parte dos cursos existentes na
instituição, não existe uma normativa que inclua as relações étnico-raciais nos
ementários, assim como é incipiente a política de ações afirmativas da instituição, pois
não prevê ações que visem o reconhecimento das diversas formas de atividades
acadêmicas e de práticas culturais no seu cotidiano e na sua estrutura que valorize a
promoção da igualdade étnica.

*Graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Sociais, na Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC,
bolsista ICV, membro pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-baianos – Kàwé, na Universidade Estadual de
Santa Cruz-UESC-Ilhéus-Bahia. E-mail: valeriasmartins3@gmail.com
** Graduando em Administração/UESC, bolsista da FAPESB, membro pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-

baianos – Kàwé, na Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC-Ilhéus-Bahia. E-mail: uigue.souza@live.com


*** Docente do Departamento de Ciências da Educação - DCIE/UESC; Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-

baianos – Kàwé- Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC-Ilhéus-Bahia. E-mail: jelarchert@yahoo.com.br


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Palavras-chave: Políticas afirmativas. Ensino superior. Relações étnico-raciais.

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Introdução

As políticas públicas realizadas pelo poder público ou pela iniciativa privada


cuja finalidade é de corrigir desigualdades raciais presentes na sociedade,
historicamente construídas e naturalizadas criando exclusões e invisibilizando os
negros e indígenas do cenário sócio educacional são conceituadas como políticas de
ação afirmativa, impulsionadas a partir das pesquisas de intelectuais negros ativistas,
contribuindo para que a visão neutra sobre relações raciais no país seja superada e
cobrando do Estado a implantação efetiva de programas de ações afirmativas na
formação escolar das populações subalternizadas.
Para contextualizar a trajetória da população negra em relação à demanda por
uma educação de qualidade e diversificada faz-se necessário compreender a
mestiçagem étnico-racial na qual a sociedade brasileira se formou.
No Brasil, as políticas de ações afirmativas ainda são consideradas recentes.
Adotadas, inicialmente, por parte das instituições públicas de educação superior, com
base na autonomia dos seus conselhos universitários, a legislação nacional sobre
ações afirmativas, só foi promulgada de fato, onze anos após a primeira adoção de
uma das modalidades desta política, a reserva de vagas (CARVALHO, 2016). No
estado da Bahia, a Política de Ação Afirmativa - PAA das instituições públicas se
configura enquanto política de reserva de vagas e acréscimo de vagas em cursos de
nível superior. Na Universidade Estadual de Santa Cruz, a PAA aprovada mediante
resolução CONSEPE 064 em 2006, assegura 50% das vagas em todos os cursos de
graduação para candidatos da escola pública, sendo 75% delas destinadas aos
candidatos que se autodeclaram negros ou pardos. Ainda, o sistema de cotas da
UESC garante o acréscimo de duas (2) vagas, em todos os cursos, para estudantes
indígenas e quilombolas reconhecidos pelos órgãos competentes. Essa PAA é uma
conquista de discentes, docentes e funcionários, organizados ou não em movimentos
sociais.
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Entretanto, somente a garantia de acesso não é suficiente para superar as


barreiras do racismo estrutural e institucional. Em consonância com a intelectual
Andrea Lopes da Costa Vieira (2003), entendemos que se faz necessário outros
mecanismos, para que aliados às oportunidades de acesso, negros e negras
comecem a escrever outras narrativas sobre si nesse processo de construção de uma
igualdade plena.
Esse debate, impulsiona-nos para essa pesquisa com o intuito de mapear as
produções bibliográficas, as ações de extensão, programas de pós-graduação, grupos
de pesquisa e atividades de coletivos de negros/as, a fim de analisar se estas estão
inseridas como parte de uma política de ações afirmativas, ainda que não sejam
apresentadas e/ou entendidas como tal pela comunidade acadêmica em geral.
Algumas perguntas nortearam a pesquisa: há, na UESC atividades diversas
sobre a temática étnico-racial? Onde se encontram e de que forma essas atividades
contribuem para o avanço no debate conceitual sobre as ações afirmativas? É
possível que as atividades contribuam para fortalecer e abranger o entendimento
sobre as ações afirmativas na Universidade?
Ao responder essas perguntas, através da análise das atividades
desenvolvidas na UESC, iremos considerar suas contribuições para a ampliação
conceitual das ações afirmativas e o fortalecimento dos grupos étnico-raciais.

1. Da construção da identidade negra às políticas de ações afirmativas no Brasil

A formação do Brasil nos remete a uma discriminação racial marcante. Ainda


hoje, o país que recebeu o maior contingente de africanos escravizados no mundo
(ANDREWS, 1998) e possui a maior parte da sua população negra, não conseguiu
diminuir as desigualdades de cunho racial. O quadro que se apresenta atualmente
tem raízes fincadas no processo de construção histórica do país, marcada pela

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escravidão e os processos de negligência ao quais negros e mestiços foram


submetidos no período pós-abolição (ANDREWS, 1998).
Esse contexto sócio político educacional está alicerçado numa ideologia
eurocêntrica de branqueamento físico e intelectual das brasileiras/os, pensamento
que traduz a força da colonialidade do poder-saber institucionalizada pelo colonialismo
e a partir da Europa (QUIJANO, 2010; SANTOS, 2010). A colonialidade do poder-
saber é um dos sustentáculos, junto à ciência e o direito moderno, do pensamento
abissal que divide o mundo em linhas invisíveis, separando os “deste lado da linha”
dos “do outro lado da linha”. A zona abissal localizada ao norte representa o modelo
ideal de mundo e sua existência dá-se a partir da invisibilidade e da negação do outro
lado da linha: o sul epistemológico (SANTOS, 2010).
O Brasil caminha a pequenos passos para a superação das desigualdades
raciais e sociais no qual foi fundado. O racismo científico que baseou o mito da
democracia racial é colocado em cheque a partir da atuação do movimento negro que
contribui para o avanço da população negra, até então vítima de três aspectos de
extermínio: o genocídio, o etnocídio e o epistemicídio (SANTOS, 2010).
Para a superação do imaginário racista e pensando estratégias para garantir
melhores condições de vida para a população negra, é que a educação torna-se
uma reinvindicação primordial e inevitável para os Movimentos Sociais Negros, pois
de acordo com Santos (2007), “era vista como um instrumento de luta contra o
racismo, bem como um instrumento para conquistar melhores condições de vida
numa sociedade racista” (p. 155).
É nesse sentido que se insere o debate acerca das políticas de ações
afirmativas. Essas políticas configuram-se enquanto resposta ao enfrentamento
sistemático do movimento negro ao racismo. Voltada para a superação das
desigualdades raciais e sociais, e quando analisadas a partir da ótica do ensino
superior, coloca em cheque uma série de questões sobre o acesso, permanência e
grade curricular das universidades públicas no país (PASSOS, 2015).
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2. Percurso metodológico

Amparando-nos em Minayo et al. (2013), a pesquisa insere-se no campo das


investigações qualitativas, que visam trabalhar as motivações, crenças, condutas e
significados que fazem parte da realidade social, pois “o ser humano se distingue
não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações (...)”
(p. 21). A forma de pesquisa qualitativa assumida é o estudo de caso, tendo a
entrevista no formato de formulário eletrônico, a principal fonte de coleta dos dados.
A pesquisa foi realizada com atores sociais que atuam na UESC
denominados aqui de colaboradores, por acreditarmos que as informações
coletadas fazem parte de uma dinâmica onde circula o conhecimento colaborativo
em um sistema de troca entre a/os pesquisadora/es e as/ colaboradoras/es.
Na primeira fase da pesquisa realizamos um mapeamento dos possíveis locais
onde as atividades desenvolvidas poderiam ser encontradas. Visitamos os
departamentos, colegiados e programas de pós-graduação que de alguma forma
poderiam trabalhar com a temática, assim, coletamos informações nos setores através
dos e-mails institucionais disponibilizados no site da instituição e nas respectivas
secretarias.
Como resultado da visita física aos setores, obtivemos a resposta de que
muitos não possuem nenhuma atividade ligada à temática proposta, outros possuem
mais não sabem informar ou não tem as informações sistematizadas, esse momento
da pesquisa alertou-nos para um cuidado sobre as informações emitidas pelos setores
da instituição. Junto ao Diretório Central dos/das Estudantes Livre Carlos Marighella
identificamos os coletivos e os grupos que compõe os movimentos sociais que atuam
a favor das políticas de ações afirmativas na UESC. Destacamos que em 2016, a
universidade reconhece essa participação, atribuindo duas vagas titulares para o
movimento social na composição da Comissão de Acompanhamento e Avaliação da
Reserva de Vagas da UESC.
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O resultado desse mapeamento foi à identificação de sessenta e quatro


possíveis colaboradores/as, dos quais conseguimos o contato de quarenta e dois aos
quais enviamos o convite para participarem da pesquisa. Desses, trinta responderam
o formulário eletrônico.
O formulário eletrônico foi dividido em três partes: 1) buscou levantar os dados
dos atores sociais quanto ao vinculo institucional, formação profissional e
autodeclaração étnico-racial; 2) verificou as informações acerca das atividades
desenvolvidas: resumo, ementa, ano de desenvolvimento, duração; 3) evidenciou a
contribuição e relevância das atividades em referência a ações afirmativas, análise
das/os colaboradoras/es sobre a política de ações afirmativas na UESC e de que
forma suas atividades poderiam ser identificadas enquanto PAA.
Para análise dos dados, primeiro identificamos as produções e organizamos
conforme as modalidades em que se inseriram: pesquisa, ensino e extensão. Em
seguida, organizamos as atividades conforme a apresentação dos resumos e as
respostas das perguntas abertas, o que possibilitou identificar os conteúdos
recorrentes apresentados nas respostas; subsidiando a terceira etapa da organização
dos dados, que consistiu na análise dos conteúdos, segundo o sentido e a significação
referente ao objeto de estudo dessa pesquisa.
O perfil dos colaboradores indica que os docentes somam 62,07% das
respostas, os discentes totalizam 27,59% e aparecem em segundo lugar. A categoria
movimento social não apareceu sozinha entre as respostas, mas em conjunto com a
categoria discente, totalizando 6,9%. Num quadro geral, mais de 50% das
colaboradoras/es se autodeclaram negras/os, possuem formação na área das
ciências humanas e são docentes da UESC.

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3. Identificação e mapeamento das atividades

Das vinte e duas atividades de pesquisa analisadas, treze foram desenvolvidas


por docentes e correspondem a oito projetos de pesquisa, quatro orientações de TCC
e uma orientação de dissertação. Os projetos de pesquisa estão alocados nos
seguintes departamentos: Ciências da Educação (DCIE), Letras e Artes (DLA),
Filosofia e Ciências Humanas (DFCH) e Ciências Exatas e Tecnológicas (DCET). Os
discentes indicam nove atividades que correspondem a cinco trabalhos de conclusão
de curso, uma iniciação científica, dois artigos e uma pesquisa de pós doutorado.
Entre os temas trabalhados encontramos: a formação de identidade negra em Itabuna,
as relações étnico-raciais no ensino de ciências (Química e Biologia), análises da
representação do negro no livro didático, e a aprovação das AF na UESC, tradição
oral quilombola e estratégias para o desenvolvimento sustentável de terreiro.
A atividade da pesquisa aparece de forma articulada com a atividade de ensino
em dois formulários, cujos colaboradores são docentes, e transformam os resultados
de suas pesquisas em conteúdo para disciplinas, seminários e orientação de
monografias.
Totalizando dezesseis atividades, a modalidade de ensino apresenta dez
disciplinas, uma orientação de monografia em curso de especialização, dois
congressos/encontros, um seminário e dois projetos de ensino. As disciplinas
aparecem com mais facilidade no DFCH, totalizando cinco das dez apresentadas. O
DLA possui três disciplinas informadas, e o DCIE uma disciplina. Entendemos que
algumas das disciplinas só aparecem nesse trabalho por conta da atuação do
docente, visto que a maior parte do conteúdo programático das referidas disciplinas
não focaliza a temática étnico-racial ou as ações afirmativas enquanto política pública.
As atividades de ensino aparecem de forma articulada com a atividade de
extensão em três formulários. Os colaboradores demonstram que para além da sala
de aula, a temática aqui analisada necessita e pode ser desenvolvida num campo
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prático que é a extensão universitária, através de seminários e projetos com a


comunidade externa.
Na modalidade de extensão estão contidas as atividades desenvolvidas por
núcleos de estudantes, coletivos e movimentos sociais, tal qual a atuação dentro de
comissões e eventos. No total foram informadas vinte e três atividades; doze dessas
realizadas por docentes, sendo quatro projetos de extensão, alguns citados três
vezes, totalizando sete (“Bantu-iê: África-Brasil”; “Educação e Multiculturalismo”;
“Laikós”, e Seminário de Ciências Sociais); uma formação de professores
quilombolas, organização de seminários e palestra e o programa “aula aberta” do
Núcleo de Estudos Afro-baianos e Regionais – Kàwé. Entre as nove atividades
realizadas por discentes, encontramos a realização de um minicurso, dois estágios
em projetos de extensão, organizou duas palestras, oito encontros formativos/fóruns.
Como contribuição dos movimentos sociais foram informadas a realização da “I
jornada negra da UESC” e a participação no Comitê Pró-cotas e de elaboração da
reserva de vagas da UESC.
As atividades foram desenvolvidas a partir do DFCH, DCIE, DLA, DCB e
DCIJUR e aparecem articuladas com a pesquisa em cinco formulários, sendo dois
discentes e três docentes. Entende-se que os conhecimentos produzidos nas
pesquisas por vezes subsidiam ações extensionistas. Esse percurso pode ser
compreendido como uma forma de devolutiva, onde os colaboradores ao obter
informações para suas pesquisas retornam esse conhecimento ao ministrar
formações, orientações e aulas.
Quatro colaboradoras docentes desenvolvem atividades nas três modalidades,
articulando projetos de pesquisa como forma de “driblar” o engessamento dos
currículos em salas de aula e realizando atividades de extensão com forma de
expandir o conhecimento para a comunidade acadêmica e externa a academia. Essas
docentes encontram-se alocadas no DLA, DCIJUR, DFCH e DCIE.

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4. O não lugar das ações afirmativas na UESC

Após a organização desses dados foi possível observar semelhanças em seus


conteúdos, ressaltados a fim de analisarmos de que maneira eles correspondem a
uma ação afirmativa. Aqui também iremos abordar as justificativas apresentadas pelos
colaboradores ao afirmarem que suas atividades podem ou não ser entendidas
enquanto ações afirmativas, além de analisarmos as contribuições que essas
atividades trouxeram para um grupo social e/ou para os colaboradores.
De acordo com Gomes (2005) os termos e conceitos apresentados aqui,
contribuem para revelar a teorização e a interpretação que os atores sociais possuem
a respeito das relações raciais. Nesse sentido, acreditamos que o grupo de conteúdos
destacado representa o percurso pelo qual as atividades em análise nesse trabalho
estão percorrendo e buscamos evidenciar que a diversidade de conceitos
apresentados possui uma congruência a respeito do nosso objeto de estudo.
O quadro abaixo apresenta essa relação de conteúdos e quantidade de
ocorrências ao longo das três modalidades analisadas:

Quadro 1- Conteúdos recorrentes dos resumos nas três modalidades


Nº de ocorrência Conteúdos
01 Acesso, Cotas, Direitos, Discriminação Racial, Diversidade, Efetividade,
Enfrentamento, Étnico-Racial, História, Invisibilidade, Juventude, Poder,
Práticas Sociais, Produção Acadêmica, Reconhecimento, Reparação,
Resistência, Simbólico, Tradição.
02 Visibilidade, Gênero, Racismo, Quilombolas, Preconceito.
03 Movimentos Sociais, Representação, Discurso, Permanência, Políticas
Públicas, Currículo, Aplicabilidade.
04 Religião, Comunidades, Interlocução.
05 Ações Afirmativas.
06 Identidade, Escola.
07 Formação
08 África (Inclui o termo africanidade)
10 Lei (Inclui os termos legislação, 10.639/03, 11.645/08)
14 Cultura
19 Educação
Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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As ações afirmativas enquanto conteúdo é citado diretamente cinco vezes,


seguida por identidade e escola, que aparecem seis vezes. Educação é o conteúdo
com mais ocorrência ao longo dos resumos, demonstrando que as atividades
desenvolvidas consideram essa área como uma das fundamentais para se trabalhar
a questão étnico-racial. Este é um dado que não nos surpreende, uma vez que ao
analisarmos o processo histórico de invisibilidade da população negra no cenário
educacional percebemos que este sempre foi um caminho difícil de ser trilhado e uma
demanda política do movimento negro. É bastante simbólico que neste trabalho, onde
a maior parte das/os colaboradoras/es se autodeclaram negros, tenhamos a educação
como o ponto estratégico de atuação e enfrentamento ao racismo.
Outro conteúdo recorrente é cultura e as leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008.
Essas leis abordam a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira,
africana e indígena no país. No ensino superior e mais precisamente na Universidade
Estadual de Santa Cruz, observa-se a partir dos colaboradores desse trabalho um
esforço para fazer valer as referidas leis no momento que estes articulam as práticas
educacionais e sociais para a aplicabilidade da mesma. Acreditamos que
propositalmente os termos escola, currículo, formação, África e cultura aparecem por
vezes de forma articulada nos resumos.
Conectada ao objeto de estudo desse trabalho, a lei 10.639/03 é importante e
necessária para o combate à discriminação racial, pois é fruto de uma demanda de
valorização, visibilidade e reconhecimento dos direitos da população negra, conforme
explicitado no parecer CNE/CP 003/2004, conhecido também como “Parecer
Petronilha 87 ” (BRASIL, 2013). Com atuação diretamente na educação, propõe
mudanças nos currículos e nas práticas educacionais e sociais. Entretanto, a
aplicabilidade dessa lei ainda é insatisfatória, ficando a cargo, na maioria das vezes,

87Em Silvério e Trinidad (2012) os autores afirmam que o parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana ficou
conhecido pelo nome de sua relatora, Petronilha B. G. e Silva. Iremos utilizar a nomeação para citar o parecer.
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da atuação dos atores sociais que adequam e aplicam o conteúdo obrigatório da lei
em suas atividades. Essa é uma das formas que a lei nº 10.639/2003 aparece na
Universidade Estadual de Santa Cruz quando analisadas as atividades presentes
neste trabalho.
Os conceitos que aparecem apenas uma vez também estão presentes no
debate racial de ações afirmativas. Ao analisarmos a história do povo preto brasileiro
percebe-se como os processos de construção da identidade negra e de luta pela
educação no Brasil foi demarcado por processos de resistência contra a discriminação
racial. As cotas, outro conteúdo que consta nos resumos das atividades, é a
modalidade dentro da política de ações afirmativas adotada na Universidade Estadual
de Santa Cruz em 2006.

5. Contribuições e avaliação das ações afirmativas na UESC

No que tange a contribuição das atividades em relação às ações afirmativas e


o fortalecimento da população negra no sul da Bahia, os colaboradores ressaltam que
a compreensão teórica sobre racismo, enquanto elemento estruturante da sociedade
auxilia na construção de novas epistemologias. Um deles coloca a produção de
conhecimento como uma forma de humanização e democratização da universidade.
Os argumentos a seguir demonstram isso:

Pra mim acho que o processo de produção de conhecimento me ajuda


a me humanizar, pra universidade e pra mim contribui para que a
universidade seja mais democrática, coloca em cheque a universidade
e a dimensão dessas questões. Participar desses projetos me ajuda a
pensar intelectualmente a formação de professores e produção de
conhecimento porque o conhecimento produzido é eurocentrado e
limitado e a participação me trouxe muito aprendizado de uma
realidade que não tava presente na universidade (LÉLIA).

Na minha compressão teórica sobre o racismo e sua estrutura na


sociedade. Também possibilitou uma maior interação em sala de aula,
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buscando mecanismo para uma prática inclusiva e participativa


(CLEMENTINA).

Os colaboradores entendem que suas atividades servem de base para análise


do que está posto enquanto política de ações afirmativas na universidade e o que
pode ser ampliado e implementado, quais as lacunas existentes na referida política.
Bem como consideram que a valorização cultural por meio das atividades
desenvolvidas atua como forma de fortificar as epistemologias negras invisibilizadas
no conhecimento científico do país, o que possibilita a mudança de focos de poder,
conforme enfatiza Gomes (2010)

Considero que a análise dos dados levantados permite iluminar o


panorama do que ainda precisa ser feito para termos uma efetiva
política de permanência — em suas dimensões curriculares e materiais
— para estudantes cotistas na universidade (ZEFERINA).

A possibilidade de contribuir com a salvaguarda de expressões


culturais afrodescendentes conservadas e transmitidas pela tradição
oral, visto que os saberes e fazeres do povo negro vem sendo
sistematicamente apagado da história oficial. Usar da pesquisa
científica para registrar essas memórias é algo valorativo para a
comunidade pesquisada, e para mim, como pesquisadora e como
membro da comunidade negra de Itacaré (ESPERANÇA G.).

Ao questionarmos as/os colaboradoras/es se conhecem a política de ações


afirmativas na UESC e como avaliavam tal política, descobrimos que 20,7% não
conhece a PAA “uesquiana”, enquanto que 79,3% afirma conhecer a política.
Das/os colaboradoras/es que conhecem a política de ações afirmativas na
UESC, 55,17% considera insuficiente, enquanto que 24,13% deles avaliam a política
aderida na universidade como satisfatória. 17,3% dos colaboradores que não
conhecem a PAA “uesquiana” não emitiu uma opinião sobre o assunto, enquanto que
3,4% consideram razoáveis.
No geral percebemos que existe uma congruência argumentativa de que a
referida política na universidade ainda não atingiu de fato sua abrangência, pois deixa

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a desejar quando o assunto é permanência qualitativa dos estudantes beneficiários


da reserva de vagas e, consequentemente, da política de ações afirmativas. Algumas
respostas são expressivas nesse sentido, e ressaltamos algumas abaixo:

Não conheço uma política de ação afirmativa, embora saiba que a


UESC tenha aderido ao sistema de cotas étnico-raciais. A meu ver, não
basta aderir ao sistema de cotas e parar nele. É pouco, e me arriscaria
a dizer nada, posto que estabelecer sistema de cotas sem garantir a
permanência dessas pessoas na instituição parece-me uma
"simulação" de aplicação de política afirmativa. Quantxs estudantes
que adentraram à UESC via referido sistema não puderam prosseguir?
Não tenho o número exato, mas sei que foram muitos, infelizmente. Já
vi em salas de aulas estudantes cotistas "desaparecerem" por falta de
condições para permanecer. A universidade, se de fato tivesse uma
política de ações afirmativas criaria seu próprio sistema com o objetivo
de promover a permanência dessas pessoas. A UESC sequer exigiu
que seus cursos contemplassem, em suas matrizes curriculares,
história e cultura afrobrasileiras, uma medida simples... Esse
comportamento, a meu ver, já demonstra a falta de uma política
afirmativa na instituição, que, seguindo uma lógica política e
socialmente estabelecida em todo o país, com raríssimas exceções,
tem como gestoras pessoas que não se mostram sensíveis a essas
questões, provavelmente por suas origens (em geral de classes
privilegiadas) (AQUALTUNE).

Insuficiente, pois a garantia de acesso não significa efetividade da


política. Diante das minhas discussões sobre políticas de ações
afirmativas tenho observado que a UESC tem privilegiado o acesso,
mas não tem oferecido uma permanência de qualidade para os
estudantes cotistas que em sua maioria vivem em condições de
pobreza. Historicamente a UESC nunca possuiu boas condições de
assistência estudantil desde o tempo em que era discente, tal realidade
deveria ter sido modificada com a aprovação do sistema cotas em
2006, conforme as promessas feitas na aprovação (ESCOLÁSTICA
MARIA).

No período de 2007-2016, ineficiente, no que tange à política de


permanência para estudantes cotistas; reformas de currículos, bem
como no fomento de produção científica a respeito do tema, visto que
as produções acadêmicas existentes até então não são fruto de
demanda institucional, mas de iniciativa particular dos estudantes e/ou
professores de graduação e pós-graduação (ZEFERINA).

Os discursos ressaltam que a política na universidade está longe de ser uma


referência quando se fala em políticas de ações afirmativas. Uma das colaboradoras
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ressalta que não houve movimentação institucional para inclusão de uma matriz
curricular mais diversificada, em suas palavras “uma medida simples”. Essa fala é
demonstrativa do que levantamos no capítulo anterior. Pudemos perceber que é a
partir da atuação e motivação político-pessoal dos colaboradores que temos a
inclusão da temática étnico-racial nos currículos de algumas disciplinas. Pois, como
afirma a contribuinte “A UESC sequer exigiu que seus cursos contemplassem em suas
matrizes curriculares, história e cultura afro-brasileiras” (AQUALTUNE).
Outra questão abordada ao longo desse trabalho e ressaltada pela segunda
colaboradora citada acima é que as atividades desenvolvidas no contexto da
Universidade Estadual de Santa Cruz, que possuem um caráter afirmativo e
contribuem para o fortalecimento dos grupos étnico-raciais do sul da Bahia, não são
propostas institucionais e sim, usando as palavras da colaboradora Zeferina, “inciativa
particular dos estudantes e/ou professores”.
Aqueles que consideram a política aderida na UESC de forma satisfatória
avaliam que a reserva de vagas desempenha um papel fundamental para mudar o
cenário social existente na universidade. Para eles, a política de ações afirmativas da
universidade foi

Importante, principalmente as cotas universitárias. Após a adoção das


cotas em 2006, a paisagem humana da UESC mudou bastante, temos
maior diversidade de características fisionômicas, pessoas de
diferentes cores, cabelos de diferentes tipos, manifestações culturais
indígenas, negras (ANASTÁCIA).

Inclusiva, reparadora e bem sucedida, sobretudo no aspecto


socioeconômico (GANGA ZUM).

Acho que foi fundamental pra trazer um alunado que estava fora dos
cursos de prestígios. Não estava fora totalmente da UESC porque a
pesquisa de 2006 mostra que a UESC tinha um perfil popular, mas
estava fora dos cursos de maior prestigio e maio status. Nesses dez
anos de cotas se popularizou e a UESC que temos hoje atende muito
mais essa realidade do que há dez anos (LÉLIA).

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Entendemos com as respostas apresentadas que, para os colaboradores, a


política de ações afirmativas na Universidade Estadual de Santa Cruz atende com o
objetivo que se propõe: o de oportunizar o acesso de estudantes oriundos de grupos
sócio-étnico-raciais que historicamente não possuíam o direito a um ensino superior
de qualidade.

6. Considerações Finais

Através dessa pesquisa conseguimos levantar sessenta e uma atividades,


desenvolvidas por colaboradores docentes e discentes da UESC, sendo que este
último também se identifica como enquanto movimento social. Entendemos ser
importante destacar que parte dos colaboradores é militante dos movimentos sociais,
que adentram a universidade e percebem a importância da contínua atuação política
dentro desta. A história demonstra que a participação do movimento social foi crucial
para a formação das políticas de ações afirmativas na UESC ao ponto de optarem
para serem reconhecidos enquanto movimento.
Identificar as atividades levou-nos a questionar onde elas estavam localizadas
na instituição, se havia uma distribuição nos setores da universidade. Conforme
mostramos ao longo deste trabalho, os departamentos DFCH, DCIE, DLA, DCB,
DCET, DCAA e DCIJUR sãos os que apresentam vínculo às atividades analisadas
nesta pesquisa e correspondem ao vínculo institucional das/os colaboradoras/es da
mesma. Percebemos que embora a área das ciências humanas permaneça com o
maior número de desenvolvimento na temática analisada nessa pesquisa, as áreas
das ciências exatas e das ciências naturais também estão desenvolvendo atividades
que abarcam as ações afirmativas com recorte étnico-racial destacando a população
negra. Este é um dado significativo para nós, pois demonstra que na instituição há
indícios de atividades com a temática para além das ciências humanas.
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Entendemos que a política de ações afirmativas da Universidade Estadual de


Santa Cruz ainda é incipiente, pois não prevê ações que visem o reconhecimento das
diversas formas de conhecimento, e de práticas culturais no seu cotidiano e na sua
estrutura. O apagamento curricular sobre as relações étnico-raciais ainda é uma
realidade em grande maioria dos cursos existentes na instituição, pois, tal qual afirma
uma das colaboradoras, não existe uma normativa que inclua as relações étnico-
raciais no ementário de todos os cursos da universidade, incluindo a pós-graduação.
Como nos mais de quinhentos anos de Brasil e conforme demonstrado no
nosso estudo teórico, a população negra nunca teve nada com facilidade e por simples
conscientização social, acreditamos que se faz necessário à adesão, para início de
conversa, de disciplinas obrigatórias que abarquem a reeducação para as relações
étnico-raciais em todos os cursos, como forma de visibilizar esse tema e assim ampliar
o conhecimento e o conceito sobre ações afirmativas na UESC.
O processo de produção de conhecimento não é neutro, pois a escolha da
temática a ser trabalhada permeia a identidade do indivíduo, transformando-se assim
num processo político. Ao visibilizarem as contribuições da população negra no
conhecimento de diversas áreas, os colaboradores disputam epistemologias e
poderes estruturais que mantém currículos engessados e constroem o imaginário e
os conhecimentos sobre a população negra brasileira.
Garantir o acesso é o primeiro passo para uma mudança estrutural, mas para
fortalecer o combate ao racismo em todas as suas faces é necessário deslocar focos
de poder (GOMES, 2010). Essa ação é realizada pelos colaboradores desse trabalho
que também entendem que suas atividades possuem caráter afirmativo. Dessa forma,
acesso, produção e oportunidade de conhecimento viabilizarão o combate ao racismo
e o fortalecimento da identidade negra dentro e fora dos muros da universidade.
Quanto à questão norteadora dessa pesquisa verificamos que a UESC não
estagnou seu processo de promoção de igualdade étnico-racial ao apenas aprovar as
cotas. Existem, no interior da instituição, diversas atividades isoladas realizadas por
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professores e alunos que contribuem para as políticas de ações afirmativas. Porém


acreditamos que neste período de dez anos de resolução CONSEPE 064/2006 essas
atividades não representam o quantitativo necessário para a universidade, de forma
institucional. A pesquisa detectou que na UESC não há programas integrados entre
os diversos setores e dado a presença significativa dos alunos cotistas é imperativo a
institucionalização de programas voltados para ações afirmativas.

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Tradução: Magda Lopes. Revisão técnica e apresentação: Maria Lígia Coelho
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AS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS EM PESQUISAS NA REGIÃO SUL DO BRASIL

Greicimára Samuel do Nascimento Zick*


Marlina Schiessl**
Tacila Nascimento Vasconcelos***

Resumo
Este artigo apresenta inventário de produção acadêmica realizado em Universidades
Federais dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, entre os anos
de 2007 a 2017 na perspectiva das relações étnico-raciais. Indaga-se como estão as
discussões acerca do papel da educação escolar e o que se têm apresentado
enquanto objeto de estudo nessa temática. Trata-se de uma pesquisa de abordagem
qualitativa, de caráter exploratório e interpretativo, sob a configuração de pesquisa
documental. A abordagem se deu apenas em Cursos de Pós-graduação Stricto Sensu
na área de Educação (Mestrados e Doutorados em Educação). Diante dos achados
identificou-se que a Lei 10.639/2003 trouxe novos vieses e fôlego a esse campo de
pesquisa, porém evidenciou-se que na região sul do Brasil pesquisas na perspectiva
das relações étnico-raciais apresentam-se de maneira ainda tímida. Por meio das
categorias levantadas constatou-se que as produções existentes circulam em meio à
diferentes temáticas como: legislação, literatura, formação de professores, educação
indígena e quilombola, relações sociais, identidade racial, preconceito e racismo. Por
fim, evidencia-se as potencialidades desse campo para além da investigação, como
agente e instrumento de combate ao preconceito e racismo.

Palavras-chaves: Relações Étnico-Raciais. Pesquisa. Produção Acadêmica.

* Mestre em Educação, pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. Especialista em Educação
Interdisciplinar, pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai - Faculdade IDEAU de Getúlio
Vargas-IDEAU. Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões –
URI. Professora da rede municipal de Erechim-RS - Escola Cristo Rei. E-mail:greicimara@yahoo.com.br
** Mestre em Educação, pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. Especialista em Educação Infantil e

Anos Iniciais, pela Faculdade Internacional de Curitiba – FACINTE. Licenciada em Pedagogia, pela Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Coordenadora Pedagógica da rede municipal de Brusque
- SC - CMEI Pequenos Pensadores. E-mail:marlinaschiessl@gmial.com
*** Mestre em Educação, pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. Licenciada em Ciências Agrícolas,

pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul – IFRS. E-mail: tacilavasconcelos@hotmail.com


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Introdução

É inegável que se vive um momento importante para o combate à discriminação


racial. Atualmente, discute-se cada vez mais abertamente as tensas relações étnico-
raciais vividas no Brasil, diante de todo o contexto histórico e social que o mesmo
apresenta. Nesse contexto, surgem inúmeras tentativas a fim de garantir os direitos
das pessoas, destacando-se também iniciativas em âmbito educacional.
Relações étnico-raciais são aquelas estabelecidas entre os distintos grupos
sociais, e entre indivíduos destes grupos, formadas por conceitos e ideias sobre as
diferenças e semelhanças relativas ao pertencimento racial deles e dos grupos a que
pertencem.
A educação das relações étnico-raciais refere-se a processos educativos que
possibilitem às pessoas superar preconceitos raciais, que as estimulem a viverem
práticas sociais livres de discriminação e contribuam para que compreendam e se
engajem em lutas por equidade e igualdade social entre os distintos grupos étnico-
raciais que formam a nação brasileira.
É importante ressaltar que a educação deve estar engajada nesta luta, pois é
a melhor e mais eficaz ferramenta para superar esses preconceitos e formar cidadãos
conscientes de seus direitos e deveres, com formação de uma identidade racial
positiva e oportunidades de relações sociais saudáveis.
Nesse viés questionamos: como estão as discussões acerca do papel da
educação escolar nas relações étnico-raciais? O que se têm apresentado enquanto
pesquisa na área de educação acerca desta temática?
Dentro dessa perspectiva é que surge o estudo ora apresentado que tem por
base a pesquisa bibliográfica e documental, que objetiva investigar e refletir sobre a
questão das relações étnico-raciais nas pesquisas de pós-graduação stricto sensu na
região sul, compreendendo mestrados e doutorados das Universidades Federais nos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
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1. Refletindo Sobre a Temática Relações Étnico-Raciais

Na teia da complexidade educacional, muitas são as temáticas que requerem


atenção no processo de ensino e aprendizagem, pois não é possível falar em
educação, sem olhar a volta e perceber a infinidade de questões imbricadas neste
processo.
Associada a um conjunto de diversidades, expressos na sexualidade, cultura,
religião, faixa etária, necessidades especiais e tantas outras formas de diferenças, as
relações étnico- raciais fazem parte do contexto plural e multicultural existentes em
nossas escolas.
Ao considerar a relevância da temática, concordamos com Candau (2010),
acerca da necessidade de se reinventar a educação escolar, para que se possa
oferecer espaços e tempos de ensino-aprendizagem significativos e desafiantes.
Onde o negro, o branco, o índio, o estrangeiro, o menino, a menina, o homossexual,
o nordestino, o sulista, o deficiente físico, o rico ou o pobre, possam encontrar-se, e
nas suas diferenças, SER, ser valorizado, ser respeitado, e ter possibilidade de
construir-se enquanto sujeitos sociais, desde a mais tenra idade.
Quando falamos em “Relações étnico-raciais”, é importante termos ciência de
que, o debate vai além do combate ao racismo. Ao abordar este assunto é necessário
voltar nossos olhares a questões como culturas dominantes, culturas socialmente
aceitas, identidade, diversidade, heterogeneidade e homogeneidade.
Trazer essa problemática ao centro das discussões no campo educacional é
também promover o surgimento de uma escola plural, onde todos tenham
oportunidade, respeito e valorização cultural. Conforme Candau (2010, p.13) nos
alerta é “impossível uma educação que não esteja imersa nos processos culturais do
contexto em que se situa”.
Historicamente a educação é marcada pelo duelo entre: a contribuição para a
manutenção de uma estrutura social, que segundo Candau (2010, p. 13) possui
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“caráter em geral padronizador, homogeneizador e monocultural” ou então pela


catalisação de ações transformadoras, que visam o rompimento de estruturas
socialmente postas.
Apostando neste viés transformador da educação, nos reportamos a McLaren
(2000) que define a escola como espaço culturalmente complexo que contribui para a
formação da identidade dos indivíduos.
Para Câmara (apud Moreira; Candau, 2010) faz-se necessário trazer ao diálogo
das relações étnico- raciais, a identidade enquanto objeto de estudo para as
teorizações acerca da educação, pois segundo o autor qualquer teoria pedagógica
precisa examinar de que modo espera alterar a identidade do estudante, pois:

Ao longo da vida, em meio às interações e identificações com diferentes


pessoas e grupos com que convivemos ou travamos contato, construímos
nossas identidades, que se formam mediante os elos (reais ou imaginários)
estabelecidos com essas pessoas, grupos, personalidades famosas (...).
Identificamo-nos, em maior ou menor grau, com familiares, amigos, colegas
de trabalho, torcedores do time de futebol de nosso coração, pessoas que
compartilham conosco elementos étnico raciais, seguidores de nossa
religião, pessoas de nossa geração, pessoas do mesmo sexo que nós,
moradores de nossa cidade, assim como procuramos nos distinguir das
pessoas diferentes de nós. Nossa identidade, portanto, vai sendo tecida, de
modo complexo, em meio às relações estabelecidas, que variam conforme
as situações que nos colocamos (CÂMÂRA, apud MOREIRA; CANDAU,
2010, p.41).

Inspirados nas considerações do autor questionamos acerca das identidades


que ajudamos a “tecer” a partir de nossas salas de aula. Questionamos de que
maneira são tratadas as diferenças e as subjetividades em nossas salas de aula? Mas
acima de tudo, questionamos de que maneira vêm sendo abordadas as relações
étnico-raciais na escola, nos currículos, nas práticas pedagógicas, na formação de
professores e, em especial, nas pesquisas de cursos de pós-graduação stricto sensu
na área da educação.
É nesta perspectiva que no ano de 2003 é inserida na legislação educacional
brasileira a abordagem às relações étnico-raciais, por meio da Lei nº 10.639/2003,
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uma medida de ação afirmativa, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
e torna obrigatória a inclusão do Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
em escolas públicas e privadas e ainda institui o Dia da Consciência Negra, dia 20 de
novembro, no calendário escolar.
Para efetivar esta Lei, no ano de 2004 o Conselho Nacional de Educação
aprova a Resolução CNE/CP 01/2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana, a fim de orientar o trabalho escolar e efetivar o cumprimento
da Lei. Para além da letra da lei, a inserção do ensino da Cultura Afro-brasileira e
Africana nos currículos escolares trata-se de uma conquista na luta contra racismo,
visto que no Brasil, estamos caminhando a pequenos passos em direção da
superação da desigualdade entre negros e não negros.
A Lei nº 10.639/2003 além de ser observada, nos currículos da Educação
Básica, destina-se a fazer parte da formação inicial e continuada de professores e traz
consigo a urgência de se romper com o imaginário do negro escravizado, impotente,
de mãos e pés amarrados no tronco, tão presentes nos livros didáticos, de um tempo
não tão distante assim.
Trazer os aspectos históricos acerca da constituição da população negra
brasileira, apresentar as raízes africanas, abordar o legado histórico cultural, discutir
conceitos como racismo, preconceito e discriminação, contribui efetivamente para a
construção das identidades de nossos estudantes e corrobora com Gomes (2010)
quando diz que atinge não só a subjetividade dos negros, como também as
subjetividades de não negros e também outros grupos étnico- raciais. Sendo assim
concordamos com o autor quando diz que

Compreender de fato que o racismo e a desinformação sobre a ascendência


africana no Brasil constituem sérios obstáculos à promoção de uma
consciência coletiva que tenha como eixo da ação política a construção de
uma sociedade mais justa e igualitária para todos os grupos étnico raciais
desse país. No caso da educação escolar, o racismo e a desinformação são

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também obstáculos ao cumprimento da função social da escola (...) (GOMES,


2010, p.71).

Neste sentido, analisar produções acerca deste tema é uma possibilidade de


percebermos e constatarmos como vem sendo abordada questões como racismo,
identidade, empoderamento, valorização cultural, igualdade e justiça em nosso
sistema educacional em busca de uma escola onde todos possam SER e vivenciar
uma educação que construa pontes, dialogue, valorize e respeite as diferenças.

2. Percurso metodológico

Toda pesquisa parte de um problema, de uma interrogação em que se quer


construir compreensões. Marconi e Lakatos (2007, p.05) afirmam que a pesquisa "é
um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo, que requer tratamento
científico e se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir
verdades parciais”.
Então, a finalidade da pesquisa é conduzir à compreensão do problema
levantado por meio de métodos científicos.
Nesse sentido, a proposta deste trabalho insere-se numa abordagem
qualitativa, classificando-a como exploratória e interpretativa, sob a configuração de
pesquisa documental.
Para Chizzoti (2006, p.79),

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação


dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o
sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte
integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro, está
possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas
ações.

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Buscando conhecer e diagnosticar a quantidade e o teor das pesquisas de pós-


graduação realizadas a partir da temática "Relações étnico-raciais" na Região Sul,
realizamos uma pesquisa nas Universidades Federais desta região, compreendendo
os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
A coleta das informações para o estudo foi desenvolvida a partir das seguintes
etapas: num primeiro momento, fizemos um levantamento para saber quais eram as
instituições públicas federais da região sul do Brasil.
Num segundo momento, partimos para a realização da investigação em cada
estado, e para tal, buscamos como fonte de dados as bibliotecas digitais de cada
universidade. Para fins de delineamento de pesquisa, a abordagem se deu apenas
em Cursos de Pós-graduação Stricto Sensu na área de Educação (Mestrados e
Doutorados em Educação), investigando teses e dissertações com a temática
"relações étnico-raciais". Utilizamos ainda para a pesquisa, as palavras-chave como
racismo, educação racial, educação indígena e educação quilombola.
As dissertações e teses pesquisadas compreenderam um período de dez anos
(2007 a 2017), selecionando dez teses e dez dissertações de cada estado para
posterior análise.
Para fins de análise de dados, priorizamos em cada dissertação e/ou tese: o
título, o problema, os objetivos, a metodologia e os resultados finais, para a partir
destes dados podermos realizar a análise por categorias.
Primeiramente apresentamos os resultados da pesquisa em cada estado da
região sul. Num segundo momento realizamos uma análise por estado de acordo com
as categorias definidas (Currículo, literatura e legislação; Políticas Públicas; Relações
sociais na escola; Relações Sociais na Universidade e cotas raciais; Identidade racial;
Formação de professores; Educação Indígena e Quilombola), seguida de uma análise
geral da região sul, configurando as categorias encontradas em porcentagens e em
gráficos, a fim de conhecer a temática mais pesquisada nas teses e nas dissertações

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desta região. Salientamos que as categorias foram definidas por critério de


aproximação das temáticas encontradas nas teses e dissertações.
Apresentamos a seguir os resultados deste trabalho.

3 Pesquisa em Relações Étnico-Raciais na Região Sul

3.1 Rio Grande do Sul

O estado do Rio Grande do Sul possui seis (6) Universidades Federais:


 Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS)
 Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)
 Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
 Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

Todas estas universidades oferecem Mestrado em Educação e três delas oferecem o


doutorado.
 Doutorado: Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal de Santa Maria
e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) obtivemos o maior


número de teses (53) e dissertações (41) que abordam esse tema. As demais
universidades apresentaram poucas pesquisas. Desse modo, foram selecionadas
para esta investigação todas as teses e algumas das dissertações encontradas nestas
universidades e complementando a investigação com os trabalhos da UFRGS de
modo que não houvesse repetição dos assuntos e que fossem selecionadas 10 teses
e 10 dissertações para esta análise.
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3.2 Santa Catarina

O estado de Santa Catarina possui 02 Universidades Federais:


 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
 Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

As duas Universidades oferecem Mestrado Acadêmico em Educação e apenas


a Universidade Federal de Santa Catarina oferece Doutorado em Educação.
Foram identificadas o total de três (03) teses de doutorado e nove (09)
dissertações, todas do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de
Santa Catarina - PPGE.
Em um universo de 125 teses, apenas três atenderam ao requisito do ano de
publicação: duas (02) teses no ano de 2014 e uma (01) no ano de 2010. Em relação
às dissertações, temos o total de 444 produções, porém as que atenderam os espaço
temporal pré-determinado foram nove dissertações, sendo que uma (01) em 2007,
quatro (04) dissertações no ano de 2011, duas (02) no ano de 2013, uma (01) em
2014 e uma (01) em 2016.

3.3 Paraná

O estado do Paraná está constituído por 03 universidades federais.


 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
 Universidade Federal do Paraná (UFPR)
 Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)

Considerando apenas os mestrados e doutorados em educação, temos apenas uma


Universidade que oferece o Mestrado Acadêmico em Educação e o Doutorado em Educação,
a Universidade Federal do Paraná.

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A investigação na Universidade Federal do Paraná em busca dos trabalhos


sobre "Relações étnico-raciais" encontrou vinte e uma (21) dissertações e cinco (05)
teses. Das vinte e uma dissertações três (03) não eram da área da Educação
(Ciências Políticas, Antropologia Social e Sociologia) e cinco (05) não estavam dentro
do período de recorte da investigação (2007-2017), restando treze (13) dissertações.
Destas, dez foram selecionadas para serem analisadas, utilizando como critério de
descarte a proximidade das pesquisas.
Partindo então deste levantamento de dados, apresentamos a seguir a análise
geral da pesquisa, a fim de compreendermos e discutirmos os dados obtidos com esta
investigação.

3.4 Análise Geral da Pesquisa

A partir do que encontramos nesta investigação é possível fazer uma breve


análise das pesquisas em Relações étnico-raciais nos programas de pós-graduação
stricto sensu da região sul.
Para fins de análise elencamos 7 categorias que definem as temáticas e
problemáticas encontradas nas teses e dissertações: Currículo, literatura e legislação;
Políticas Públicas; Relações sociais na escola; Relações Sociais na Universidade e
cotas raciais; Identidade racial; Formação de professores; Educação Indígena e
Quilombola.
De acordo com as categorias estabelecidas temos:

 Rio Grande do Sul:


RIO GRANDE DO SUL
CATEGORIAS TESES DISSERTAÇÕES
Currículo, literatura e legislação 0 02
Políticas Públicas 01 0

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Identidade racial e preconceito 02 03


Relações sociais na escola 01 03
Relações sociais na universidade e cotas 02 01
raciais
Formação de professores 01 0
Educação indígena e quilombola 03 01
Total de trabalhos 10 10

No Rio Grande do Sul, observamos que a categoria identidade racial e


preconceito aparece em maior quantidade de trabalhos (05 no total), sendo que as
dissertações (03) trabalhadas da seguinte maneira: a primeira trata das práticas para
o fim do preconceito no Brasil, a segunda aborda a construção da identidade de cor e
raça para as crianças da educação infantil e a terceira dissertação discorre sobre a
construção de sua identidade e como os estudantes negros compreendem essa
identidade. A primeira tese sobre essa temática trata-se sobre o combate ao racismo,
a partir do questionamento de qual cultura negra está sendo ministrada no sistema de
ensino do país e a segunda tese relata as implicações da inclusão do ensino de
história e cultura africana e afro-brasileira na identidade dos estudantes.
Dentre as teses predomina a questão da educação indígena e quilombola: a
primeira trazendo as políticas públicas com o intuito de elevar o grau emancipatório
dos quilombolas em luta pelos direitos sociais; a segunda tese o autor procura saber
quais os discursos que estão circulando entre os estudantes de ensino superior sobre
os povos indígenas e a terceira o autor procura compreender as interações
interétnicas entre sujeito sociais vinculados a tradições socioculturais distintas.

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 Santa Catarina:
SANTA CATARINA
CATEGORIAS TESES DISSERTAÇÕES
Currículo, literatura e legislação 01 02
Políticas Públicas 0 01
Identidade racial e preconceito 0 01
Relações sociais na escola 01 03
Relações sociais na universidade e cotas 0 0
raciais
Formação de professores 0 01
Educação indígena e quilombola 01 01
Total de trabalhos 03 09

Em Santa Catarina observamos que predominou a categoria: relações sociais


na escola com três trabalhos. Percebemos que as teses versaram sobre temáticas
diferentes. Já as dissertações tiveram bastante presente a questão das relações
sociais na escola, apresentando estudo de caso de escolas públicas de ensino
fundamental e educação infantil. A questão do currículo e legislação também
apareceram em duas dissertações, uma voltada para o currículo na diversidade e na
relações raciais da rede municipal de Florianópolis, buscando refletir como esse
currículo se articula e se movimenta nas escolas municipais, e a outra apresenta
orientações e leituras para a implementação da legislação nas instituições de
educação infantil.

 Paraná:
PARANÁ
CATEGORIAS TESES DISSERTAÇÕES
Currículo, literatura e legislação 0 05
Políticas Públicas 01 0
Identidade racial e preconceito 0 0
Relações sociais na escola 01 02
Relações sociais na universidade e cotas 01 01
raciais
Formação de professores 0 01
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Educação indígena e quilombola 02 01


Total de trabalhos 5 10

No estado do Paraná, das cinco (05) teses, uma (01) aborda a questão das
políticas públicas, trazendo como objeto de análise as políticas educacionais
antirracistas com foco na população negra de dois países: Brasil e Colômbia,
objetivando comparar tais políticas educacionais, entre os anos 1980 e 2016. Outra
fala sobre como trabalhar as relações sociais na disciplina de Ensino Religioso. Três
(03) abordam a educação indígena, porém uma delas se enquadra na categoria das
cotas raciais por tratar do ensino superior para os índios, e as demais versam sobre
as trajetórias dos estudantes e formação de profissionais indígenas.
Nas dez (10) dissertações analisadas, predominam as que versam sobre a
categoria currículo, literatura e legislação, com cinco (05) trabalhos. Uma delas faz
uma análise das relações sociais na escolas após a Lei 10.639/2003 quanto à questão
da história e cultura afro. Uma aborda o Programa PNBE (Programa Nacional
Biblioteca na Escola), analisando os livros de educação infantil e a presença da cultura
afro na literatura oferecida pelo programa. Duas (02) fazem uma análise dos livros
didáticos (geografia, ciências) a partir das legislações sobre relações étnico-raciais e
cultura afro-brasileira e ainda, uma delas traz as diretrizes do ensino de artes para as
relações étnico-raciais. A categoria relações sociais da escola aparece com dois
trabalhos relevantes, versando sobre o trabalho das professoras negras nas escolas
e a promoção da igualdade racial na infância.
Assim, partindo desta investigação nos três estados da região sul, podemos
fazer uma análise geral dos dados em porcentagens de cada categoria:

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Total de trabalhos: 18 teses

A presença da categoria " Ensino Indígena e quilombola" predominou nas


pesquisas em teses de doutorado da Região Sul com 33%. Notamos uma
preocupação em relação à inserção do indígena e do quilombola no Ensino Superior,
uma vez que as teses versaram a respeito da distribuição das cotas, acesso e
permanência.
É importante ressaltar que embora haja tamanha predominação desta
categoria, não foram encontrados números expressivos de teses dentro da temática
Relações Étnico Raciais, especialmente nos estado de Santa Catarina (03 teses) e
Paraná (05 teses). Assim, num universo de dezoito (18) teses, foram identificados seis
(6) trabalhos abordando o ensino indígena e quilombola.

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Total de trabalhos: 29 dissertações

Em relação às dissertações de mestrado na região sul, encontramos o maior


número de pesquisas na categoria Currículo, Literatura e Legislação com 31% das
pesquisas (09 trabalhos), sendo mais expressivo no estado do Paraná.
Esse resultado se deve a grande preocupação, a partir da Lei 10.639/2003, de
como seria abordado as questões étnico-raciais nos livros didáticos e nos currículos
escolares. As 09 pesquisas realizadas dentro desta categoria (Currículo, Literatura e
Legislação) tiveram como problema analisar os livros didáticos a partir da legislação
e também os currículos das disciplinas, objetivando compreender como está sendo
trabalhado nas escolas a cultura afro-brasileira.
A categoria Relações Sociais na escola também obteve uma expressiva
porcentagem (28%). São pesquisas relacionadas a estudos em escolas, no sentido
de investigar como estão sendo abordadas as relações raciais e o preconceito

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existentes nestes locais, bem como as estratégias já realizadas no combate ao


racismo e na construção da identidade racial das crianças e jovens.

4. Considerações finais

A partir da análise das produções encontradas é possível tecer algumas


considerações, que longe de serem conclusivas elucidam ainda mais a necessidade
de estudantes, pesquisadores, professores e gestores educacionais firmarem o
compromisso de efetivar no contexto educacional a política de valorização e
reconhecimento da cultura Africana na constituição da sociedade brasileira.
É perceptível que a Educação das relações étnico-racial introduzida no
contexto educacional, devido promulgação da Lei 10.639/2003 trouxe novos vieses às
pesquisas desta área. A fim de pontuarmos algumas considerações é necessário
retomarmos a problemática que desencadeou esta pesquisa, e novamente nos fazer
os questionamentos iniciais, como estão as discussões acerca do papel da educação
escolar nas relações étnico-raciais? O que se têm apresentado enquanto pesquisa na
área de educação a cerca desta temática? Será que debater as questões étnicos
raciais no ensino fundamental auxiliaria na formação da identidade de sujeitos livres
de preconceitos?
Na tentativa de equacionar a problemática posta, percebemos que não é
possível trazermos um conjunto de respostas, pois o resultado de nossa pesquisa
trouxe consigo mais questionamentos.
No bojo das considerações é necessário compreender claramente que a Lei
10.639/2003 e as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico Racial,
tratam-se de um “marco legal, político e pedagógico de reconhecimento e valorização
das influências africanas na formação da sociedade brasileira” (BRASIL, 2014, p.07).

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Ao longo de quase uma década e meia da vigência da legislação, pode-se dizer


que o número de produções que abordam a temática das relações étnico racial é
inexpressivo na região Sul do Brasil, mas ponderamos, que embora poucos, os
estudos existentes conseguiram contemplar diferentes vieses da Educação, e isto é
positivo pois nos indica que a temática possui diversas possibilidades de investigação.
Evidenciou-se que a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana ocasionou uma reorganização do currículo escolar e impulsionou
o surgimento de pesquisas voltadas a análise destas legislações atreladas aos
conteúdos dos livros didáticos e obras.
A presença desta temática, em grande número das produções pesquisadas
apontou que a análise crítica aos conteúdos promove uma reprodução da visão
naturalizada e estereotipada do negro e da cultura afro-brasileira.
Um número expressivo de trabalhos encontrou-se na categoria Relações
Sociais na Escola e versavam especialmente sobre o trabalho para a promoção da
igualdade de raças, a construção da identidade racial na educação de crianças e
jovens e como os professores trabalham isso na escola. Esta problemática ocupa um
espaço importante em meio às pesquisas justamente por ser algo detectável e se
configurar como algo corriqueiro nas escolas brasileiras, conforme Brasil (2014)
pesquisas realizadas desde a década de 1980 apontam que atitudes racistas e
discriminatórias se dão inclusive entre as crianças da educação infantil.
E que em relação ao grupo de professores as posturas discriminatórias
evidenciam-se pela “pela ausência de reconhecimento das diferenças de origem e
principalmente pelo silêncio diante de situações de discriminação vivenciadas pelas
crianças negras no espaço escolar” (BRASIL, 2014, p.08).
Neste sentido, destaca-se que as produções que abordam as questões de
identidade racial e preconceito demonstram preocupação em averiguar o quanto
nossas escolas, salas de aulas e professores estão contribuindo para que não
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somente as crianças negras tenham suas origens e cultura valorizadas, mas também
as crianças não negras, compreendam a significativa contribuição do povo africano
para a constituição social, histórica e econômica deste país, fortalecendo assim a
construção de uma cultura antirracista.
Considerando a totalidade dos três estados do sul, e o período compreendido
das pesquisas, os resultados nos mostraram que apesar da importância e atualidade
do tema, a produção científica ainda é pouco explorada, no estado do Rio Grande do
Sul foi encontrado um número mais expressivo tanto de teses como de dissertações,
porém, nos estados de Santa Catarina e Paraná, o número de trabalhos foi mais
reduzido, especialmente se tratando de teses de doutorado.
Será que devemos nos perguntar o porquê do Rio Grande do Sul ser o estado
com maior volume de pesquisa que aborde essa temática? Ou então a pergunta
deveria ser porque a região sul brasileira apresenta poucas pesquisas abordando as
relações étnico-raciais? Ou por que esta temática não chama a atenção de nossos
pesquisadores? Ou quem sabe a pergunta deveria ser, nossos professores realmente
conhecem a lei nº 10.639/2003, bem como as diretrizes curriculares para a educação
das relações étnico-raciais?
Diante destes novos questionamentos arriscamos em dizer, que a educação
em relações étnico-raciais ainda se encontra no campo dos desafios, tanto sociais
como educacionais, já que as pesquisas demonstram a forma tímida de como as
questões étnicas no cotidiano das escolas da região sul vão se configurando. Desafio
posto, novas perguntas lançadas, concluímos por hora que pesquisar é preciso!

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Ministério da Educação. Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

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Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2004. Disponível


em: <http://www.acaoeducativa.org.br>. Acesso em 12 jan. 2018.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,


Alfabetização, Diversidade e Inclusão. História e cultura africana e afro-brasileira
na educação infantil. Brasília: MEC/SECADI, UFSCar, 2014.

CÂMARA, Michelle J. Reflexões sobre currículo e identidade: implicações para a


prática pedagógica. In: MOREIRA, A. F. B.; CANDAU, V. M. (org.).
Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes,
2010.

CANDAU, Vera Maria; MOREIRA, Antônio Flávio. Multiculturalismo: diferenças


culturais e práticas pedagógicas. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

CHIZZOTI, A. Pesquisa qualitativa em Ciências Humanas e Sociais. 3. ed.


Petrópolis: Vozes, 2006.

GOMES, Nilma L. Diversidade étnico-racial e educação no contexto brasileiro:


algumas reflexões. In: GOMES, Nilma (org.). Um olhar além das fronteiras:
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MACLAREN, Peter. Multiculturalismo revolucionário: pedagogia do dissenso para


o novo milênio. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. São


Paulo: Atlas, 2007.

SILVA, Lidiane et al. Pesquisa documental: alternativa investigativa na formação


docente. Disponível em:<http://www.pucpr.br/eventos/educere2009/anais/pdf/3124_1712.pdf>.
Acesso em 17 dez. 2016.

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BRANQUITUDE: PERTENCIMENTO ÉTNICO DE ESTUDANTES DO


CURSO DE MEDICINA DA UESB

Julia Borba Caetité Algarra*


Regina Marques de Souza Oliveira**

Resumo
Neste trabalho buscou-se compreender como se dá a construção da identidade étnica
dos estudantes do curso de Medicina, tendo em vista a investigação da branquitude
no contexto das relações étnicas na contemporaneidade. Os dados foram construídos
por meio de entrevistas de História de Vida, na Psicologia Social, com estudantes do
4º ano do curso de Medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB,
e através de observações participantes e caderno de campo. Teve-se como objetivo
central, compreender como esses estudantes evidenciam o seu pertencimento étnico,
sob aporte das discussões sobre branquitude. A presente proposta de pesquisa
ancora-se numa perspectiva qualitativa, em que é possível (re)pensar, (re)refletir e
(re)analisar hipóteses e investigações, a partir do contato com o que se propôs
investigar e, neste caso, com os estudantes entrevistados. Os estudos realizados nos
permitem, ainda, compreender a importância de se discutir e problematizar as
relações étnicas incluindo a noção de branquitude no contexto brasileiro, tendo em
vista os poucos estudos voltados para a população branca, sendo a branquitude um
prejuízo às relações étnicas em nossa sociedade, porque mantêm os privilégios
(materiais e simbólicos) e, consequentemente a pobreza, a segregação, o racismo e
as desigualdades.

Palavras-chave: Relações Étnicas. Identidade étnica. Branquitude. Estudantes de


Medicina.

* Pedagoga, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Campus de Jequié – Bahia. Mestranda
em Relações Étnicas, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Campus de Jequié – Bahia. E-
mail: juuh_algarra@hotmail.com
** Docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Professora do Mestrado em Relações Étnicas

e Contemporaneidade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Pós-doutora (Bolsa capes, 2016)
pelo Instituto dos Mundos Africanos IMAF, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais – EHESS – Paris –
França.
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Introdução

Quem sou eu? Quem é você? Esta é uma pergunta que, inicialmente, parece
fácil de responder, mas que, quando paramos para pensar, se torna algo mais
complicado do que imaginamos. Envolve a nossa identidade, enquanto pessoa,
enquanto ser humano com personalidades diferentes, com defeitos e qualidades, com
os erros e acertos.
Algo importante do qual discute Ciampa (1984, p. 59), é que “a identidade do
outro reflete na minha e a minha na dele”, ou seja, ao me identificar, eu identifico “o
outro” enquanto “diferente” ou “igual” a mim, e isso é algo que reflete na construção
da identidade humana e abarca uma série de outras coisas.
Se é difícil nos definirmos e pensarmos sobre a nossa identidade enquanto
seres humanos que somos, imagina nos percebermos etnicamente? Enquanto
sujeitos brancos e detentores de privilégios? Por isso, a importância de discutirmos
sobre o que não é problematizado: que é a população branca e os sentidos da
branquitude, tendo em vista o contexto sócio histórico ao qual estamos inseridos e
que perpassa por diversas questões que precisam ser discutidas, principalmente no
contexto brasileiro em que é possível haver uma “negociação” da identidade, pois no
Rio Grande do Sul, por exemplo, posso ser vista como negra/preta, mas na Bahia eu
posso ser branca, nesse caso vai depender do contexto social.
Perceber-se enquanto sujeito “branco” num mundo em que a identidade racial
branca é a “norma”, é difícil. Envolve processos subjetivos que são construídos e
estruturados durante toda uma vida, a partir dos primeiros contatos que temos e
também das relações que vamos construindo ao longo de nossas vidas,
principalmente através de uma transmissão sociocultural que é “herdada” de geração
em geração, compondo o quadro psíquico do ser humano em formação.
Ao abordar sobre os processos de genocídio do negro africano e massacres
dos povos indígenas das Américas, e suas consequências (marcas históricas) para a

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saúde mental humana, Oliveira (2016) considera tais processos como primordiais para
o desenvolvimento da sociedade, uma vez que a construção da identidade humana
se dá desde as primeiras trocas afetivas do bebê e na infância, que impactarão
fortemente na vida dos sujeitos humanos, sejam eles brancos, negros, amarelos,
indígenas, e em uma “transmissão” psíquica e cultural que se perpetuará pelas futuras
gerações.
Entende-se, portanto, que a construção da identidade se dá a partir dessas
“trocas” e “contatos” do sujeito com a sociedade. Uma sociedade que é estruturada
pelo racismo e que insiste em manter as “hierarquias raciais” através da manutenção
de privilégios e do ideal de superioridade que permeia o subjetivo dos sujeitos
considerados “brancos”.

Aqui, no Brasil, a segregação mantém vantagens materiais e simbólicas aos


segmentos sociais brancos. Aos negros, sobretudo aos subproletários, são
destinados os últimos lugares das cidades no Brasil, em condições de
precariedade ou de ausência de infraestrutura urbana (OLIVEIRA, 2013, p.
45).

Tendo em vista que a segregação racial é algo que beneficiou a população


branca, inclusive atualmente nota-se isso em relação às desigualdades urbanas,
como discute Oliveira (2013), em que os centros periféricos das grandes cidades, por
exemplo, são áreas compostas em sua maioria pela população negra, já os bairros
mais “nobres” a maior presença é da população branca.
Esta circunstância acontece no cotidiano do brasileiro. Em geral, o branco não
se percebe como detentor de privilégios e isso faz com que adquiram um discurso de
“mérito”, justificando assim uma situação de privilégio (material ou simbólico), em que
muito dificilmente as pessoas brancas querem enfrentar, ocasionando com isso um
silenciamento, que se perpetua para a manutenção dos mesmos, uma vez que “os
estudos silenciam sobre o branco e não abordam a herança branca da escravidão,
nem tampouco a interferência da branquitude como uma guardiã silenciosa de
privilégios” (BENTO, 2009, p. 41).

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Quando buscamos (des)construir “elementos” que sustentam a branquitude e


o privilégio de ser branco, automaticamente, passamos por um processo de
(re)construção de nós mesmos, da nossa identidade (individual) enquanto pessoa. É
um processo que exige, como afirma Schucman (2014),

uma tomada de posição sobre seu racismo latente, sobre perceber seus
privilégios e, portanto, a um trabalho para desconstruir o racismo e os
significados racistas apropriados por cada sujeito, produzindo, assim, novos
sentidos para o que significa ser branco e o que significa ser negro
(SHUCMAN, 2014, p. 92).

Para assumir a branquitude inserida em nós, é preciso sair do lugar de


“privilégio”, para poder problematizá-la num contexto em que os negros são
discriminados por haver uma branquitude que possui o “privilégio da brancura”, em
que o debate sobre as relações raciais é analisado pelos brancos, a partir e
principalmente pela classe social, tornando-se uma “saída” para justificar as
“diferenças”, desigualdades e injustiças existentes.
Tendo em vista que é um tema difícil de ser discutido e pouco estudado no
Brasil, esta será é uma pesquisa importante para as diversas áreas de conhecimento
e para a população de um modo geral uma vez que a branquitude, por ser considerada
“a norma”, não é problematizada e discutida. Portanto, percebemos o quanto é
importante mostrar à sociedade essa “neutralidade” da identidade branca, que
contribui para que parte da população (brancos) possuam privilégios, mas não os
perceba como privilégios, e este é justamente o ponto principal para que possamos
dar continuidade a uma luta antirracista, em que os brancos não percebem seus
privilégios e muitas vezes reproduzem atitudes e pensamentos racistas em uma
estrutura de poder e privilégio que constitui a sociedade e os mantêm “no topo” da
pirâmide.
O conceito de branquitude foi cunhado pela Psicologia Social, e, por isso, as
pesquisas e estudos sobre o tema serão de estudiosos no campo da Psicologia, como

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Aparecida Bento (2009), que afirma a importância de discutirmos sobre a população


branca em nossa sociedade, uma vez que

A falta de reflexão sobre o papel do branco nas desigualdades raciais é uma


forma de reiterar persistentemente que as desigualdades raciais no Brasil
constituem um problema exclusivamente do negro, pois só ele é estudado,
dissecado, problematizado (BENTO, 2009, p. 26).

Além disso, utilizou-se autores que abordam as questões étnicas e raciais para
melhor compreensão da branquitude neste contexto, já que para falar sobre o tema
precisa-se compreender, antes de tudo, o período de colonização e escravização de
negros e africanos.
Aparecida Bento (2009) é uma das autoras precursoras das discussões sobre
branquitude no Brasil, e pensa a identidade branca a partir das ideias sobre o
branqueamento:
Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de
toda uma espécie, a elite fez uma apropriação simbólica crucial que vem
fortalecendo a auto-estima e o autoconceito do grupo branco em detrimento
dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia
econômica, política e social. O outro lado dessa moeda é o investimento na
construção de um imaginário extremamente negativo sobre o negro, que
solapa sua identidade racial, danifica sua auto-estima, culpa-o pela
discriminação que sofre e, por fim, justifica as desigualdades raciais (BENTO,
2009, p. 25-26).

Portanto, esta pesquisa está sendo desenvolvida com estudantes do 4º ano do


curso de Medicina da Universidade Estadual o Sudoeste da Bahia - UESB, e tem como
objetivo compreender como esses estudantes evidenciam o seu pertencimento étnico,
sob aporte das discussões sobre branquitude.
O curso de Medicina foi escolhido por ser o de maior prestígio tanto na UESB,
quanto em outras universidades do país, tendo em vista que é considerada uma
profissão que promove ascensão social e garante aos sujeitos um futuro promissor e
uma rentabilidade financeira. O curso, geralmente, é o mais concorrido das
Universidades brasileiras, e esse também é um dos motivos da escolha, pois se

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buscará discutir como se deu o ingresso desses estudantes no curso de Medicina, e


de como se dão as relações interétnicas entre esses estudantes, tendo como
premissa a identidade étnica dos entrevistados e a investigação da branquitude.

1. Abordagem metodológica

Esta pesquisa ancora-se em um aporte metodológico qualitativo, uma vez que


permite uma aproximação mais tranquila com o campo e sujeitos que colaboraram e
ainda colaborarão com a mesma, tendo em vista o caráter não estrutural, em que é
possível (re)pensar, (re)refletir e (re)analisar hipóteses e investigações, a partir do
contato com o que se propôs investigar, e com o objeto de estudo.
Para Minayo (1994), a pesquisa qualitativa explicita, em seu desenvolvimento
e no interior da análise, elementos subjetivos e objetivos, sentidos, significados,
valores, fatos, conflitos, ordens, contradições e, principalmente, as vozes e os sujeitos
que dela participaram, voltando-se a um nível de realidade que não pode ser
mensurável, controlado, retificado, mas compreendido em processo, sobretudo.
Utilizando-nos das palavras da própria autora, diríamos: “trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1994, p. 22).
A partir de uma orientação com base no desenvolvimento epistemológico da
Psicologia Social, utilizou-se como método a História de Vida, que é usado por Antônio
da Costa Ciampa, e consiste na realização de entrevistas em que os sujeitos falam
sobre as suas experiências/vivências.
Com as histórias de vida, buscamos perceber como os estudantes brancos e
negros – pretos/pardos – (IBGE, 2010) do curso de Medicina evidenciam o seu
pertencimento étnico, tendo em vista a branquitude como objeto de estudo. Buscamos

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verificar a partir de suas histórias de vida, se existe um “sentimento de superioridade”


ou atitudes e falas que remetam ao desejo de “branquear-se”, não se tratando da cor,
mas nesse caso, por exemplo, da escolha pelo curso de Medicina, e da posição dentro
desse espaço, na sociedade, e na relação com “o outro”.
Entende-se, portanto que, a história de vida desses estudantes nos possibilita
compreender contextos e histórias diversificadas, dando voz a diferentes sujeitos,
tendo em vista que “cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma
identidade pessoal. Uma história de vida. Um projeto de vida. Uma vida-que-nem-
sempre-é-vivida, no emaranhado das relações sociais” (CIAMPA, 2005, p. 132).
É importante levar em consideração, as experiências individuais dos sujeitos,
pois são consideradas relevantes para se entender a experiência das pessoas em
situações semelhantes. Mas, apesar disso, é preciso saber que

nas entrevistas, não encontramos apenas a reprodução ou representação do


conhecimento existente (que possa ser julgado por sua veracidade), mas uma
interação com relação a um tema que faz parte do conhecimento produzido
nessa situação (UWE, 2009, p. 108).

Tendo em vista a ética na pesquisa, tomou-se como aporte ético um termo de


consentimento assinado por esses estudantes, os quais estavam livres para seguirem
ou abandonarem a colaboração, quando assim desejarem.
As entrevistas de Histórias de Vida priorizam a abordagem subjetiva, através
das narrativas, uma vez que para Ciampa (2005), o dia-a-dia do sujeito é determinado
por condições sociais e materiais, mas que é possível haver “transformações” sociais,
que partem do próprio sujeito, ao perceber-se no mundo social, nas condições de vida
as quais se encontra, e no desejo de “mudar”, de alterar a sua realidade, e
consequentemente, a sua identidade. Pois, “na verdade, a realidade sempre é
movimento, é transformação” (CIAMPA, 2005, p. 141).
Apesar de não ser o mais prevalente, utiliza-se também do método da
observação participante, que consiste em dizer que

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o pesquisador assume um papel perfeitamente digerível pela sociedade


observada, a ponto de viabilizar uma aceitação senão ótima pelos membros
daquela sociedade, pelo menos afável, de modo a não impedir a necessária
interação (OLIVEIRA, 2000, p. 24).

Buscou-se participar de atividades em que os estudantes do curso de Medicina


da UESB estivessem presentes, como festas, aulas, debates, etc., na tentativa de
observar os espaços de convivência e estudo dos mesmos. A partir desse contato,
busca-se perceber como se dá a “interação” entre esses estudantes, uma vez que a
observação participante permite ao pesquisador ampliar o seu olhar através do que
foi observado nos contextos em que estão inseridos os sujeitos.
Para registrar os dados, utilizou-se um aparelho de gravação digital e caderno
de campo como ferramentas durante as entrevistas e observações participativas. O
caderno de campo consistiu em registrar tudo o que foi possível e considerado
importante para a pesquisadora, levando em consideração que “a memória constitui
provavelmente o elemento mais rico na redação de um texto, contendo ela mesma
uma massa de dados cuja significação é melhor alcançável quando o pesquisador a
traz de volta ao passado, tornando-a presente no ato de escrever” (OLIVEIRA, 2000,
p. 34), uma vez que os registros feitos consistiram em análises posteriores para as
discussões que serão engendradas durante esta pesquisa.
A interpretação dos dados se deu através da leitura analítica, escuta, registro e
interpretação dos resultados, buscando a obtenção das respostas para o problema da
pesquisa.

2. Discussão teórica

Não podemos falar sobre a cultura e a história nacional sem que falemos dos
africanos e indígenas, pois fizeram/fazem parte da construção social e cultural do país,
mas que foram tidos como “inferiores” – negros – frente aos europeus (brancos).

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Atualmente vivemos em uma sociedade de “hierarquização racial”, em que, segundo


Oliveira (2013):
não há igualdade entre brancos e negros no Brasil; sendo assim, não
havendo igualdade, a separação entre classe social e raça ganha amplas
dimensões de forma naturalizada, informal e com a ação do Estado, que é a
instituição expressiva das práticas de segregação, controle e dominação
(OLIVEIRA, 2013, p. 44).

Por isso a importância de abordarmos as questões que remetem às


desigualdades, pois é um marco fundador da história do país e que precisa ser
discutido e problematizado, principalmente por sabermos que a marginalização da
população negra no contexto atual não pode ser justificada através do marcador
econômico, uma vez que existe uma população branca que possui privilégios
simbólicos e materiais.
É a partir dessa discussão histórica e reflexão sobre a estruturação do racismo
na sociedade, que conseguiremos chegar às questões que envolvem a branquitude,
ou seja, o privilégio da brancura, que serão discutidas no contexto da universidade,
mais especificamente no curso de Medicina da UESB.
Devemos nos atentar para o período histórico em que o país foi “povoado” por
diversas etnias que, consequentemente tornou o Brasil um país multicultural. Isso
influenciou na identidade nacional brasileira, e “justificou” o Mito da Democracia
Racial, em que o país foi considerado “pacífico” de discriminação.
Sabe-se que os indígenas - como assim foram denominados pelos
portugueses, foram explorados desde os primeiros engenhos de cana-de-açúcar e em
outras atividades produtivas da época. As diferenças culturais foram um dos
“requisitos” para que os “invasores da nova terra” categorizassem os povos das
Américas como selvagens e primitivos. Assim, os colonizadores tomaram a missão de
integrar esses povos em sua cultura (considerada superior), a partir de uma missão
de “civilização” (BASTOS, 2016, p. 215).

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Pode-se dizer que o Brasil é um país multicultural e de diversidade étnica plural,


uma vez que no período de escravização, foram trazidos africanos de diversas partes
da África: Guiné, Angola, Congo, etc., e, consequentemente de várias etnias (bantos,
sudaneses, daomeanos, iorubás), e isso influenciou na formação étnica e cultural do
nosso país.
De acordo com Oliveira (2017), os africanos, no período pós-abolição,
migraram para diversas regiões do país, como o Rio de Janeiro e São Paulo, mas
foram “substituídos” intencionalmente pela mão de obra de imigrantes europeus, que
somente pelo fato de serem brancos, tinham o direito de uma doação em dinheiro e
terras para que pudessem se organizar no Brasil:

Estabelece-se uma política de ação afirmativa para as populações europeias


em nosso território, em detrimento e menosprezo à população negra que no
pós-abolição encontrava-se desempregada, sem direito a comprar terras –
além de não ter recebido nada após a abolição da escravização do africano
– nada lhe foi ofertado para que pudesse prover o sustento fora das fazendas
dos senhores brancos que os expulsaram. Ao contrário, foram oprimidos
através das legislações que prendiam os que não possuíam emprego e
trabalho, taxando os negros de desocupados, vagabundos e desordeiros
(OLIVEIRA, 2017, p. 32).

Apesar dessa substituição proposital, sabemos que os africanos é quem foram


os responsáveis pela construção das riquezas do território brasileiro, mas foram
praticamente expulsos e jogados à própria sorte, na intenção de “branquear” a
população.
Ao contrário do que se esperava, arruinou-se a condição de vida e trabalho dos
negros. Foram os serviços relacionados ao artesanato urbano que possibilitaram aos
libertos as condições de ascensão econômica e social, mas quando começa o
desenvolvimento das grandes cidades, o pequeno comércio é monopolizado pelos
brancos, como estratégias para o acúmulo de riqueza.
Atualmente, a pobreza negra, em sua maioria, é reforçada através de um
discurso impregnado de passividade, em que se atribui à situação da população negra
em sua maioria, não à questão racial, mas à situação socioeconômica. E este é um
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discurso que contribui para a manutenção dos privilégios de uma branquitude no


contexto da contemporaneidade (OLIVEIRA, 2016).
As ideias sobre o “branqueamento” do povo brasileiro se deram durante o
período pré-abolicionista que culminou com a assinatura da Lei Áurea, uma vez que
em 1869, Joseph Arthur Gobineau fez uma visita ao Brasil e afirmou que era um país
em que ninguém possuía sangue puro, pois o casamento entre brancos e negros
disseminou nuances de cores, causando a perda da pureza do sangue da raça branca
e ocasionando a produção de seres inférteis e incapazes (CARONE, 2009), sendo
essa uma visão extremamente preconceituosa e discriminatória que traz
consequências até os dias atuais, se pararmos para refletir no contexto em que
vivemos.
Atualmente, quando falamos em “raça” partimos da ideia de que: “não se trata
de um dado biológico, mas de constructos sociais, formas de identidade baseadas
numa ideia biológica errônea, mas eficaz socialmente, para construir, manter e
reproduzir diferenças e privilégios” (SCHUCMAN, 2014, p. 85 apud GUIMARÃES,
1999, p. 153), uma vez que o termo foi, segundo Guimarães (2003), um conceito
nativo no Brasil (hoje não mais), e durante muito tempo se perpetuou como uma
categoria de posição social, pois o nosso país foi formado pela população
escravizada, denominada “negros”.
Quando falamos em branquitude, não nos referimos a questões genéticas, mas
a um ideal de superioridade racial branca, que perpassa um contexto histórico de
colonização e escravização de africanos e que “neutraliza” e coloca como “norma” o
“ser branco”, em que esses sujeitos ocupam o lugar simbólico de branquitude, e
adquirem privilégios.
No Brasil, o negro de pele clara, por exemplo, pode “negociar” sua identidade
negra, passando a considerar-se “moreno claro”, e não como negro. O processo de
militância e afirmação da identidade negra não é fácil, tendo em vista que existe uma
branquitude que é tida como “norma” e considerada “padrão”, ou seja: quanto mais

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clara for a tonalidade da cor da pele, maior possibilidade de participar dos privilégios
de ser branco.
É importante saber que se nos períodos pré e pós-abolicionistas a ideologia do
branqueamento era

uma espécie de darwinismo social que apostava na seleção natural em prol


da ‘purificação étnica’, na vitória do elemento branco sobre o negro [...], hoje
em dia é considerado um discurso que atribui aos negros o desejo de
branquear ou de alcançar os privilégios da branquitude por inveja, imitação e
falta de identidade étnica positiva (CARONE, 2009, p. 17).

Como diz Bento (2009, p. 25), consideram-se as dimensões da branquitude a


partir dos traços da identidade racial do branco brasileiro e das ideias acima
mencionadas sobre branqueamento, que está entrelaçado com as discussões sobre
as relações raciais no Brasil.

3. Análise dos dados

3.1 “Pardo, negro ou indígena? As relações com a branquitude”

T.F tem 21 anos e se autodeclara “pardo”, mas ele não entende o “ser pardo”
como “ser negro” de acordo com o IBGE (2010), pois assim como a maioria dos seus
colegas de sala, ele inicialmente se pauta na “tonalidade” da cor da pele, mas só
depois com a entrevista, é que surgem os elementos culturais que são parte da
construção da identidade étnica de T.F e também dos outros sujeitos entrevistados.

Sobre a questão do “pardo” foi porque tava na minha certidão, e eu nunca


pesquisei, pra falar a verdade, sobre isso... mas eu sempre coloco porque eu
sei que literalmente branco eu não sou, mas também tem um pouco de
influência, é... por isso que... mas é a questão da certidão mesmo... eu nunca
pensei sobre isso, eu nunca parei pra refletir sobre isso... a única vez que eu
parei pra colocar, foi em vestibular. Então eu sempre colocava... era meio que
automático. Tudo que eu vou preencher eu coloco “pardo” (T.F).

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Existe uma questão importante para pensarmos a partir da história de vida de


T.F: o conflito de identidade. Durante a entrevista, ele relata que tem uma avó e uma
tia-avó que são filhas de uma indígena, mas em momento nenhum ele se identifica
como indígena. Existe um problema de identidade, pois fenotipicamente considero
que T.F tenha uma origem que não é branca, a partir do que eu pude perceber nos
seus traços.
T.F só conta sobre essas avós quando vai falar sobre o racismo. Ele diz que
tem avós que são filhas de uma indígena, e que elas têm “a pele mais enegrecida”,
mas que mesmo assim são racistas, só que as pessoas não levam isso em
consideração pela questão do respeito, por serem pessoas mais velhas, e que ele não
concorda com isso. T.F acaba confundindo a identidade indígena com o fato de “ser
negro”, com a identidade negra:

Hoje em dia os comportamentos racistas não são mais tão tolerados,


principalmente pela população mais jovem. Só que, por exemplo, eu tenho
avós em casa que são... uma avó minha que é filha de índia e... uma tia-avó
minha... no caso, minha avó também é, mas elas são filhas de índia. A avó
delas era índia, e são pessoas de pele mais enegrecida e têm racismo... é...
(pausa)... expressivo assim. Não ficam falando toda hora... tentam não julgar,
mas quando é pra dar alguma opinião... as pessoas não levam em
consideração porque são pessoas que já tem uma certa demência, já são
pessoas mais velhas... então eu acho que ainda existe um respeito, só que
eu acho que isso não deveria ser tolerado, mesmo com essas pessoas (T.F).

O fato de T.F “confundir” essas identidades (negra e indígena) pode ser


pensada a partir de algo importante, uma vez que, segundo Azevedo (1996, p. 36), no
período pré-descoberta dos portugueses, no período colonial, os indígenas eram
chamados de “negros”, e isso fez com que houvesse uma confusão por parte daqueles
que estudavam a história desse período. Isso mudou após uma lei portuguesa em
1755 que determinou que os indígenas não fossem chamados de negros, já que isso
significava inferioridade, e mais “inferiores” seriam os “negros da Guiné”, como assim
eram denominados os africanos.

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Através das observações que fiz e a utilização do caderno de campo como


instrumento de pesquisa, trago algo importante para discutir sobre a identidade de
T.F, principalmente para pensar no quanto o ideal de superioridade branca (a
branquitude) perpassa no inconsciente das pessoas e a forma como isso afeta as
relações e contribui para a perpetuação e manutenção do racismo no Brasil, ou mais
especificamente, nesse caso, dentro da própria universidade, no curso de Medicina.
Estava indo em direção à sala da turma do 4º ano de Medicina para fazer as
observações e encontrei com T.F no corredor, enchendo a sua garrafinha de água.
Parei e comecei a conversar com ele. Perguntei como tinha sido a festa que eles
organizaram para comemorar a conclusão dos 50% do curso (a festa “Meio Médico”),
pois alguns dos estudantes, inclusive ele, haviam me convidado para ir, mas não pude
comparecer.
A festa é aberta ao público, mas você paga o valor de R$ 20,00 a entrada, fora
o consumo lá dentro. Já as outras festas que também são organizadas por alunos dos
diversos cursos da UESB, você paga o mesmo valor, ou até menos e, é “open bar”,
então os estudantes preferem essas festas, por envolver um menor custo menor.
Conversando com um amigo meu e também com T.F, ambos disseram que as festas
de Medicina quase não iam estudantes da UESB, que o público maior é de fora. Por
um momento fiquei sem entender.
Nessa conversa informal com T.F, falando sobre essa festa “Meio Médico”, ele
me disse que tinha sido boa, mas que foram poucas pessoas, que foi um pessoal de
fora (Itabuna) que gastaram muito no bar e que “deu um pessoal mais selecionado,
pessoas mais bonitas, diferente do que se vê na UESB”. Essa fala de T.F me chocou
bastante, pois fiquei pensando no que ele estava querendo dizer quando afirma que
a festa deu pouca gente, mas que foram pessoas mais bonitas e diferente do que se
vê na UESB.
Senti um peso muito grande da branquitude presente na fala de T.F, desse
ideal de superioridade que perpassa a construção da identidade branca e que

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contribui com o racismo, pois apesar de T.F não ser branco e se identificar enquanto
pardo, ele tem um discurso da branquitude.
Na fala dele ficou evidente algo que Schucman (2014) discute sobre o fato de
a mídia passar uma ideia de que a estética branca que é bonita, ou seja, ter o cabelo
liso, a pele clara, os olhos claros e os traços finos, pois são considerados “modelos
de beleza” e isso se perpetua na sociedade, fazendo com que os sujeitos se apropriem
desse discurso (SCHUCMAN, 2014, p. 88).

3.2 “Branquitude e o desejo da brancura”

T.S tem 25 anos e se autodeclarou “pardo”. Quando eu pergunto por que ele
se considera pardo, ele diz que ele não se declara “branco” porque entende o “ser
branco” como o “estilo europeu”, só que não deixa claro porque se declara pardo.
Nesse caso, entendi que ele se refere também à tonalidade da cor da pele, não se
considerando “branquíssimo” ao ponto de se declarar branco.
Thales de Azevedo (1996) ao discutir sobre “os tipos étnicos baianos” fala sobre
as expressões/designações que eram utilizadas na época para abordar sobre as
diversas etnias, sendo essas: branco, preto, mulato, pardo, moreno e caboclo, sendo
designações que descreviam, assim como hoje, tipos físicos determinados, mas que,
segundo Azevedo (1996, p. 34), “o sentido dos mesmos é condicionado, muito embora
basicamente relacionado com os traços raciais, especialmente a cor da pele, o cabelo
e as formas raciais”. Essa é uma discussão que cabe pensar a fala de T.S e que
mesmo havendo alterações nessas classificações (raça/cor), a ideia continua sendo
a mesma.
T.S tem a pele clara, mas fenotipicamente possui traços de descendência negra
como o tipo do cabelo, lábios e nariz.
Talvez ele não queira estar no lugar de “oprimido”, mas também não quer
admitir uma identidade “opressora”, então o “pardo” seria o “meio termo”, ou mais

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provavelmente “um caminho para a brancura”, para alcançar os privilégios de ser


branco por estar cursando medicina.

o negro brasileiro pode branquear-se, na medida em que se eleva


economicamente e adquire os estilos comportamentais dos grupos
dominantes. O “peneiramento” social brasileiro é realizado mais em termos
de cultura e de “status” econômico do que em termos de raça (AZEVEDO,
1996, apud RAMOS, 1946 p. 35).

Ou seja, o Brasil é um país miscigenado e mesmo aquele que possui uma


ascendência negra, mas tendo a pele clara, ele consegue “se passar” como branco.
Como já dizia Fanon (2008, p. 34), em um exemplo que cabe pensar aqui: “o
negro antilhano será tanto mais branco, isto é, se aproximará mais do homem
verdadeiro, na medida em que adotar a língua francesa”, ou seja, nesse caso o curso
de medicina seria uma “aproximação” da brancura e dos ideais da branquitude, uma
vez que, quando se perde a “originalidade cultural” de um povo (a partir da
colonização), nasce um “complexo de inferioridade” que só existe diante de um ideal
de superioridade (branquitude), e a civilização se vê obrigada a tomar uma posição
diante do que é considerado “a norma”; não é a toa que os portugueses consideraram
a sua cultura superior à cultura indígena e africana. Portanto, fazer o curso de
Medicina tornaria T.S “mais branco”, por ser um curso “elitizado”, de status social
elevado.
Segundo Bento (2009, p. 39), uma boa maneira de compreendermos melhor a
branquitude – pensada a partir do processo e ideologia do branqueamento –, é
entender a projeção do branco sobre o negro, que é estruturada por um silencio que
contribui para manutenção dos privilégios.
Pensando nisso, buscamos compreender com as entrevistas de história de vida,
como os efeitos psicológicos dessa branquitude incidem sobre o processo de
construção da identidade desses estudantes, uma vez que nos identificamos diante
do “outro”, diferente de nós e, portanto, existe no mundo uma intolerância contra tudo
e todos que representam “a diferença”.

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A branquitude possui também privilégios materiais, como por exemplo, o acesso


à educação e a cultura formal, que neste caso, possibilitam aos estudantes brancos,
alcançarem o sonho de fazer medicina, pois é um curso muito concorrido, e que
geralmente exige muita preparação:

Eu comecei o colégio com 3 anos de idade numa escola particular aqui do


município, e eu estudei desde os 3 anos até os 14 nessa escola. É uma escola
elitizada né... é uma escola mais tradicional, e... fiz muitos amigos nessa
escola. Os amigos que eu tenho hoje em dia são de lá... as amizades mais
fortes que eu tenho são de lá, e foi uma escola que foi muito importante pra
mim, na minha formação. Agora algumas coisas que eu percebia nessa
época foi a questão do racismo né, que sempre tava presente... tinha alguns
colegas negros, que sofriam de racismo, ganhavam apelidos por conta disso,
e isso na década de 90, principalmente... e... foi uma das coisas que me
marcou né... que mesmo a escola sendo elitizada, você ter essa questão da
pessoa sofrer bullying por conta de questão racial mesmo... (T.S).

Nota-se a que “o acesso à educação e a cultura formal são ainda bens e legados
restritos a uma minoria nas sociedades globais” (OLIVEIRA, 2016, p. 33), ou seja, uma
“minoria branca” que possui tanto privilégios materiais quanto simbólicos.
T.S demonstra em sua fala que a justificativa para que os brancos possuam
privilégios em relação aos não brancos se dá através do fator socioeconômico. A
sociedade de modo geral insiste em afirmar que o país é pacífico de discriminação e
que não existe privilégio por ser branco, ou seja, o privilégio simbólico da brancura,
muito menos o privilégio material, de possuir maior acesso à saúde e educação por
exemplo.
Bento (2009) denominou isso de “pactos narcísicos” entre brancos, que se dá
através de uma luta silenciosa pela manutenção dos privilégios raciais. A autora busca
mostrar como se dá esse “silenciamento” do branco sobre o negro; sobre o lugar do
branco, afirmando que “Este processo é revelador do peso da branquitude na
manutenção e reprodução das desigualdades raciais, sistematicamente tratadas
como um problema de negro” (BENTO, 2009, p. 01).
Partindo nisso, como nos refere Fanon (2008), podemos pensar: o “ser pardo”
para T.S teria haver com o desejo de “branquear-se”? Será que assumir uma
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identidade branca tem haver com o curso de Medicina, tornando-se um “passe” para
a brancura? São questionamentos que fazemos a partir do que se pode refletir sobre
a fala tanto de T.S quanto de T.F, pois ambos se autodeclaram “pardos”, mas se
identificam como brancos, ou seja, possuem um discurso de branquitude.

4. Conclusão

Conclui-se que, o curso de medicina é determinante para que esses sujeitos


saiam dessa posição do “pardo”. Apesar de que tanto T.F, quanto T.S, ambos
assumem essa identidade parda, mas não querem ser negros e também não admitem
ser brancos; só que por traz de tudo isso, existe o “desejo da brancura” que permeia
a identidade dos mesmos.
Precisa-se, portanto, compreender a branquitude no contexto das relações
étnicas como um aspecto importante para a contemporaneidade, uma vez que
revelará vivências emocionais dos sujeitos (através das histórias de vida) bem como
a questão da identidade como fator primordial da formação humana, pois trata-se de
um assunto pouco discutido e desprezado em uma sociedade que busca “ocultar” os
privilégios da branquitude através de um silenciamento que se perpetua todos os dias,
interferindo nas relações sociais e afetivas de todos os sujeitos, sejam eles brancos,
negros ou indígenas, uma vez que a investigação da branquitude perpassa por todos,
sendo assim, um prejuízo às relações étnicas no contexto brasileiro, porque mantêm
os privilégios e consequentemente a pobreza, a segregação, o racismo e as
desigualdades.

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Referências

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ascensão social e classes sociais e grupos de prestígio. Apresentação e prefácio de
Maria de Azevedo Brandão. 2. ed. Salvador: EDUFBA: EGBA, 1996.

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CIAMPA, Antonio da Costa. A estória do Severino e a história da Severina. São


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FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira.


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MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e


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OLIVEIRA, Regina Marques de. Psicologia, psicanálise e relações étnicas no Brasil


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(Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Instituto de Psicologia,
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SCHUCMAN, Lia Vainer. Sim, nós somos racistas: estudo psicossocial da


branquitude paulistana. Psicologia & Sociedade. v. 26, n. 1., p. 83-94, 2014.

UWE, Flick. Desenho da pesquisa qualitativa. Tradução Roberto Cataldo Costa.


Consultoria, Supervisão e Revisão técnica desta edição Dirceu da Silva. Porto
Alegre: Artmed, 2009.

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I CICLO DE VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS NO MAFRO - MUSEU


AFROBRASILEIRO: REFLEXÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAL

Ariane Araujo Oliveira*


Ilmara Gonçalves dos Santos**

Resumo
As turmas do Quinto Semestre do Curso de Licenciatura em Educação do Campo
visitaram o MAFRO- Museu Afro-brasileiro em Salvador Bahia, como requisito
avaliativo do componente de Relações Étnico-raciais, ministrada pelo docente Carlos
Adriano de Oliveira no dia vinte e sete de julho de dois mil e dezessete. A fim de
compreender a história afro-brasileira e a sua contribuição na nossa cultura. Fazendo
uma interdisciplinaridade das Relações étnico-raciais, educação do campo e currículo
e demais disciplinas já ministradas no curso.

Palavras-Chave: Afro-brasileiro. Culturalidade. Orixás.

Introdução

O presente relato será sobre o I Ciclo de Vivências e Experiências no MAFRO


- Museu Afro-brasileiro: Reflexões acerca da Educação das Relações Étnico-Raciais,
em Salvador, que aconteceu no dia vinte e sete de julho de dois mil e dezessete, onde

* Técnica em Agropecuária, Graduando do curso de Licenciatura em Educação do Campo com ênfase em Ciências
Agrárias, no Centro de Formação de Professores – CFP, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB,
Campus Amargosa - Bahia.
** Graduando do curso de Licenciatura em Educação do Campo com ênfase em Ciências Agrárias, no Centro de

Formação de Professores – CFP, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Bahia - UFRB, Campus
Amargosa - Bahia.
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as turmas do quinto semestre do Curso de Licenciatura em Educação do Campo, com


Ênfase em Ciências Agrárias no Centro de Formação de Professores de Amargosa
Bahia, visitaram o Museu Afro-brasileiro – MAFRO, em Salvador Bahia, como requisito
avaliativo do componente de relações Étnico-raciais, ministrada pelo docente Carlos
Adriano da Silva Oliveira.
O Museu Afro-brasileiro é instalado no prédio da Faculdade de Medicina, sendo
administrado atualmente pela Universidade Federal da Bahia. Foi inaugurado no ano
de 1982, através da diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais, Yeda Pessoa de
Castro, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, o Ministério da Educação
e Cultura, o governo da Bahia e a prefeitura de Salvador, a partir de uma cooperação
entre Brasil e alguns países da África.
A visita teve como objetivo conhecer um pouco sobre a cultura afro-brasileira,
fazendo a relação com nossas leituras e discussões em sala de aula. Ao mesmo
tempo podemos ver as contradições nas construções da nossa sociedade e em todos
seus campos, econômico, social e político.
Durante a vivência tivemos a oportunidade de visitar o Senhor Clarindo e a casa
do escritor Jorge Amado, além de andar pelos corredores históricos de Salvador,
palco de muita resistência do povo negro e indígena.
As turmas viajaram até Salvador, chegando realizaram a visita ao MAFRO,
dividindo-se em dois grupos, para visitar as salas. Após a visita, paramos para o
almoço e conversa com seu Clarindo. Nos percursos da visita foram realizadas
anotações em Caderno de Campo, filmagens e fotografias, como registro para auxilio
nas informações e complementação do conhecimento. Depois seguimos conhecendo
o Pelourinho, a casa de Jorge Amado e uma exposição que acontecia. Após tudo isso,
retornamos para Amargosa.

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1. Fundamentação Teórica e Descrição da Atividade

O Museu Afro-brasileiro é instalado no prédio da Faculdade de Medicina, sendo


administrado atualmente pela Universidade Federal da Bahia. Foi inaugurado no ano
de 1982, através da diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais, Yeda Pessoa de
Castro, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, o Ministério da Educação
e Cultura, o governo da Bahia e a prefeitura de Salvador, a partir de uma cooperação
entre Brasil e alguns países da África.
O MAFRO é dividido em quatro salas, duas salas permanentes e duas
temporárias. No dia da visita a primeira sala sendo esta temporária expunha obras do
artista plástico Terciliano Junior, que trabalha com matriz africana em arte, utilizando
três técnicas, acrílico sobre tela, acrílico sobre papel e acrílico sobre madeira,
expressando através da pintura os elementos vivos do Candomblé.

Imagem 1. Sala Temporária: Exposição de artes de Terciliano Junior.

Foto: OLIVEIRA, 2017.

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A segunda sala sendo permanente, expondo objetos afro-brasileiros e africanos


dos quatro países que tiveram maioria de negros trazidos para o Brasil no período
colonial, República Democrática do Congo, Benin, Nigéria e Angola.
Os objetos são relíquias que foram trazidos desses países que cooperaram
com a construção do MAFRO, retratam a cultura e a organização social desses
países, são feitos de cerâmica, madeira, pedra, metal fundido (cera perdida) e sempre
estão ligados as divindades, a lideranças comunitárias, representados por cones
desenhados na cabeça, que ligam a orum (céu).
Na África também usavam instrumentos musicais de corda, produzidos com
cabaça e couro de animais, além do trabalho com a metalurgia, mostrando que a
história é contada pela elite, que essas descobertas não são originárias da Europa.
Pois toda história contada é feita através da versão dos colonizadores e deixam
marcas na sociedade, negando ou usurpando os conhecimentos dos povos
escravizados. Como é o caso de Yemanjá que se tornou uma sereia branca de
cabelos loiros, quando na cultura afro (da qual era é originaria) ela é retratada como
uma mulher negra de seios fartos. Nos estudos feitos por Maria Aparecida Silva Bento
(2002), ela descreve no texto Branqueamento e branquitude no Brasil, que “o olhar do
europeu transformou os não-europeus em um diferente e muitas vezes ameaçador
Outro. Este Outro, construído pelo europeu, tem muito mais a ver com o europeu do
que consigo próprio (p. 6).
Por isso, muitas histórias das culturas africanas não são contadas pelas
pessoas que vivem, ou viveram tornando uma verdade somente a versão dos
colonizadores, nesse caso os Europeus. No vídeo “o perigo de uma única história”
Chimamanda Ngozi Adichie diz que o jeito como se conta pode destruir a dignidade,
do mesmo jeito que pode reconstruí-la a partir do seu reconhecimento. As populações
africanas trazidas ao Brasil foram separadas de sua cultura e o MAFRO é um meio de
interligar essas culturas e mostrar para a população afro-brasileira quão importante é
sua história e descendência.

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Podemos encontrar ainda na segunda sala, objetos festivos como as máscaras


feitas com cerâmicas que eram usados em festas de culto as feiticeiras, como forma
de agradá-las e evitar maldições/feitiços que elas pudessem jogar. Para os africanos,
as máscaras só terão efeito (ganhar vida) se a música e o timbó estiverem tocado ao
mesmo tempo e em harmonia, sendo que para eles não se resumem apenas a objetos
colocados nos rostos, mas ao que são colocados nas cabeças e vestimentas.
As vestimentas, objetos de ornamentação corporal e marcas, têm muitos
significados sociais, em sua maioria significa a posição social da pessoa ou família
que os usam. No MAFRO estavam expostos dois tecidos, o Adiré, e o Pano da Costa,
o primeiro é um tecido nobre que é “tinturado” com o uso da goma de mandioca, e o
Pano da costa também é um tecido nobre muito usado na África e nos terreiros de
candomblé brasileiro, o processo de fabricação dele é bastante peculiar para não falar
diferente, comparado aos dos outros tecidos ou até mesmo a divisão de trabalhos
agrícolas em outras culturas, na confecção do Pano da Costa, são as mulheres que
plantam, cuidam e colhem o algodão e são os homens que confeccionam o tecido
(tece).

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Imagens 2 e 3 - Sala Permanente: Exposição de Artes Afro-brasileiras e africanas

Fotos: OLIVEIRA, 2017.

A terceira sala era uma sala temporária que estava expondo sobre a vida e
trabalho de Benjamin Chaves, mais conhecido como Benjamin de Oliveira, foi um
artista, compositor, cantor, ator e palhaço de circo brasileiro. Ele é mais conhecido por
ser o primeiro palhaço negro do Brasil. Segundo a história ele nasceu em 1870, filho
de uma escrava de “estimação” (mucama, mucamba ou mocamba) que teve todos
seus filhos alforriados ao nascerem, e de um capitão do mato do qual não tem boas
lembranças por ser um homem muito violento e cruel. Aos 12 anos foge de casa e se
junta à tropa do Circo Sotero, tendo como mentor o artista Severino de Oliveira, de
quem posteriormente adotou o “Oliveira” ao seu nome.
A última sala é permanente, considerada o coração do MAFRO. É a sala que
deu origem ao Museu Afro-Brasileiro, com vinte sete painéis entalhados em madeira
de cedro retratando os Orixás. As obras foram feitas a mais de 50 anos pelo artista
plástico Hector Julio Paride Carybé, conhecido popularmente e artisticamente como
Carybé, que fez sobre encomenda do Banco Econômico da Bahia – BANEB, para
serem expostas em uma sala do Banco, porém o mesmo decretou falência e fechou,
e fizeram a doação das peças para o Museu, daí surge o Museu a partir dessas peças.

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Imagem 4 - Sala Permanente: Exposição de Artes Afro-brasileiras e africanas

Foto: OLIVEIRA, 2017.

É importante lembrar que o Candomblé é uma religião endêmica do Brasil, na


África não existe, ele é o resultado da junção de diversas religiões, tradições e culturas
que os negos escravizados trazidos de diversas partes do continente Africano tinham.
Os Orixás, por exemplo, na África são cultuados separadamente, cada região, cidade,
país, adoram um ou mais Orixás, mas não todos de uma só vez como aqui no Brasil.
Candomblé significa casa de culto, os Orixás não são pessoas, são a própria natureza.
Exu é o principal Orixá do Candomblé, antes de alguém possa se comunicar
com algum Orixá tem que primeiro pedir-lhe permissão, por ser tão importante na
cultura negra, ele foi um dos principais alvos da igreja católica, sendo mistificado como
algo ruim, ideias negativas, ideias pejorativas, quando na verdade ele é o Orixá dos
caminhos, Orixá mensageiro, o que mais se parece com os seres humanos que erra
e acerta, é o Orixá do sim e do não. Esse Orixá foi mistificado como a famosa figura
do demônio. Foram apresentados os vinte e sete painéis, conhecendo as histórias de

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cada Orixá e ancestrais/espíritos de pessoas importantes que viveram em alguma


comunidade especifica, também são chamados de Egum.
Visitar a sala nos proporcionou emoções, conhecimentos que ajudam na
construção de uma nova imagem sobre o candomblé, compreendendo o que são de
fato os Orixás. Percebendo que o preconceito foi dando lugar ao fascínio pela
descoberta, permitindo muitos caminhos de descobertas e de aproximação,
permitindo conhecer mais nossos amigos do Candomblé.
O candomblé é uma expressão cultural que permiti a diversidade, a resistência
e a identidade unificadora em busca de transformação da realidade dos negros do
Brasil, Munanga sempre se preocupou com o biologismo do conceito de raça por ser
um conceito carregado de ideologia que permite essa resistência das populações
negras no Brasil,

Podemos observar que o conceito de raça tal como o empregamos hoje, nada
tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as
ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de
dominação (MUNANGA, 2003 p. 6).

Ao sairmos do MAFRO, almoçamos na companhia do Senhor Clarindo,


momento em que ele nos contou sua trajetória de vida, ressaltando suas conquistas
educacionais. Falando do preconceito que enfrentou para poder entra na escola
desejada. Suas palavras foram fontes de inspiração, de forma simples nos falou e
ensinou que o caminho é complicado, que vamos mesmo encontrar pessoas que
duvidem da nossa capacidade, mas que precisamos ter foco, determinação, e muita
luta, acreditando sempre em nós mesmo, pois nossas conquistas são nossas e
sempre valem a pena lutar por elas.

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Imagens 5 e 6 - Conversa com Seu Clarindo e almoço

Foto: OLIVEIRA, 2017.

Imagens 7 e 8 - Casa de Jorge Amado e Pelourinho

Foto: OLIVEIRA, 2017.

Imagem 9 - Foto Oficial do Grupo da Visita

Foto: OLIVEIRA, 2017.

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2. Considerações Finais

A visita ao MAFRO foi maravilhosa, com muitos ganhos pessoais e


acadêmicos, mas não podamos deixar de observar algumas contradições, pequenas
coisas, como não ter uma sala com os Nkisis (Inquices), o fato de o museu ter sido
construído por quatro países do continente africano, e se reconhecendo que no Brasil
não temos apenas os Orixás como guias espirituais no candomblé, não temos outras
referências a não ser os Orixás no MAFRO, levando em consideração que nem todos
os países que contribuíram para a construção do museu cultuam os Orixás.
O prédio que o museu foi implantado foi a primeira escola de medicina da
América Latina, e até hoje ele funciona como um centro para o curso de medicina,
uma parte do prédio encontra-se o museu com todas referencias negras, e do outro,
uma parte restrita, é para o curso de medicina, onde é frequentada em sua maioria
por pessoas brancas, para essa segunda área, foi reservado além de mais de 50% do
prédio, está uma das partes mais linda que é o jardim que por conta própria conta
parte da história do local.
Essas contradições começaram a ser observada assim que saímos do
Elevador Lacerda. É visível a comercialização da nossa cultura, nossas tradições,
nossa história, consequentemente do nosso povo, sem nos considerar como sujeitos
históricos. Como pessoas que tiveram seus antepassados escravizados, mortos,
mutilados, que tem hoje seus irmãos de cor e raça passando pelas mesmas situações.
Não temos acesso a muito de nossa cultura e acabamos sendo uma cultura
banalizada, sem ao menos mostrar o quanto isso é importante para a população O
valor pago como mercadoria não é representado pelas histórias de vidas que
carregam a culturalidade do povo baiano.
A visita ao MAFRO contribuiu na compreensão do conteúdo, em vista do
conteúdo estudado em sala de aula. Conhecer a nossa história é fazer parte dela e

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construí-la com o nosso ponto de vista, contada a partir de quem a vive. E conhecer
a resistência do povo negro se reconhecendo nela é construir nossa história.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Vídeo “o perigo de uma única história”.


https://www.youtube.com/watch?v=qDovHZVdyVQ, acessado em 23 de setembro de
2017.

CARONE Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva (orgs.). Psicologia social do


racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. 4 ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2009. p. 25-57.

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça,


racismo, identidade e etnia. Texto da palestra proferida no 3º Seminário Nacional
Relações Raciais e Educação-PENESB-RJ, 2003.

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O CENÁRIO DAS ESCOLAS E OS CAMINHOS DAS AFRICANIDADES

Maria D’Ajuda Viana Lima*

Resumo
O objetivo geral deste texto foi relatar uma experiência de educação não racista, no
âmbito da educação básica das escolas camponesas atendidas pela EACMA. Os
objetivos específicos do trabalho pedagógico estiveram voltados para analisar as leis
nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 e suas implicações metodológicas na educação
básica; refletir acerca das práticas discriminatórias da educação escolarizada e as
políticas educacionais que visem promover a igualdade racial nas escolas e elaborar
ações de cunho pedagógico que visem incluir a cultura, os saberes e a história dos
africanos e suas diásporas nas Américas e, principalmente, no Brasil. O silenciamento
sobre a história e cultura afro-brasileiras em escolas do campo situadas no Baixo Sul
da Bahia impulsionou a realização de uma intervenção pedagógica que valorizasse a
identidade e cultura negra dos estudantes e educadores(as). O artigo conta com o
apoio de bibliografias sobre o tema e relatos de experiências dos participantes do
curso.

Palavras-chave: Educação do Campo. Africanidades. Ensino.

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre uma experiência de


extensão em educação do campo com recorte em africanidades para educadoras e
educadores. O curso surge através do trabalho que a Escola Agrícola Comunitária

*Graduada em Turismo pela Universidade Norte do Paraná - UNOPAR. Especializanda em Educação do Campo,
na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. E-mail:dudulima2@hotmail.com
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Margarida Alves88 desenvolveu na região a partir da formação e o acompanhamento


dos professores de escolas do campo no Território Baixo Sul e Litoral Sul da Bahia.
Durante o trabalho de acompanhamento às escolas do campo, foi observado
que a temática africanidades só era vista nas salas de aula e ainda como tema
transversal ou até mesmo explorado superficialmente em datas comemorativas. Foi
também constatado que África era o último continente a ser estudado nas escolas,
quando na verdade este deveria ser visto primeiro, considerando que majoritariamente
os estudantes são negros e os primeiros vestígios de vida humana foram encontrados
no continente africano, como revela a professora Maria das Graças dos Santos
Nascimento:
Conheço pouco sobre esse assunto essa realidade, trabalho em sala de aula
mais bem pouco, tem dificuldade de passar. E até medo de falar sobre esse
assunto. O trabalho na escola se dá a partir das datas comemorativas 20 de
novembro e 13 de maio89.

A educadora relata que possui dificuldade em abordar a temática étnico racial


em sala e até mesmo medo, ambos fazem parte de uma tendência a silenciar os temas
nas escolas o que por sua vez corrobora para a permanência do mito da democracia
racial. Além disso, a ausência de debates sobre a questão étnico racial “Silencia o
despreparo do grupo para o enfrentamento do problema, visto que essa geração
também aprendeu o silêncio e foi a ele condicionado na sua socialização
(CAVALLEIRO, 2014, p.100). Tal silenciamento omite a necessidade do Estado de
propor políticas educacionais que valorizem a identidade e cultura dos povos
afrobrasileiros e ajuda a sustentar o mito da democracia racial

A ideologia da democracia racial aparece como um elemento complicador da


situação do negro. Essa ideologia, embora se tenha fundamentado nos
primórdios da colonização e tenha servido para proporcionar a toda a

88A Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves está localizada na Rodovia Ilhéus- Uruçuca – km 6. Funcionou
como Ensino Fundamental II de 1997 a 2012. Atualmente funciona como Formação para Jovens, Mulheres e
Proteção à Infância.

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sociedade brasileira o orgulho de ser vista no mundo inteiro como sociedade


pacífica, persiste fortemente na atualidade, mantendo os conflitos étnicos fora
do palco das discussões. Embora ainda exerça muita influência na sociedade,
pouco contribui para melhorar concretamente a situação dos negros
(CAVALLEIRO, 2014, p. 29).

Na ausência de atividades pedagógicas sobre questões étnico raciais, o


continente africano ainda era visto como lugar de pobreza e fome, e não como espaço
de produção de conhecimento cultural, econômico, político e tecnológico. A
passividade em relação ao tráfico de povos africanos para o Brasil, como se a
presença deles por aqui fosse uma decisão espontânea, e não a cruel realidade de
que foram capturados de sua pátria para serem escravizados, lhes sendo negado o
direito de viver em sua terra, exercendo suas profissões e com seus familiares também
era uma ideia difundida.
A partir desse contexto surgiu a discussão de um curso de pós-graduação em
2015, mas isso implicaria numa demanda maior de recursos. Então, foi firmado o
contrato de parceria entre a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), através do
Núcleo de Estudos Afro Baianos Regionais (Kàwé), o Departamento de Ciências da
Educação (DCIE), a Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves (EACMA) e as
Secretarias Municipais de Educação de Camamu, Igrapiúna, Ituberá e Jussari para
ofertar o curso de extensão centrado na formação de professoras e professores da
educação do campo.
O curso abordou conceitos e práticas concernentes à temática África e
africanidades e a composição afro-brasileira tendo como base as expressões
regionais, religiosas, intelectuais e artísticas com aprofundamentos nas Teorias de
Currículo e nas metodologias que envolvem, sobretudo, a oralidade e outros sistemas
de classificação diferentes daqueles instituídos pela ciência ocidental. Intencionou-se,
portanto, estimular professores a buscar/criar novas referências para as suas ações
amparadas nos princípios de alteridade, ética e promoção das diversas identidades e

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culturas, utilizando este arcabouço como instrumentos efetivos de valorização da


cultura afrodescendente e ressignificação do currículo escolar.
Dessa forma, o objetivo geral do curso foi promover a educação não racista, no
âmbito da educação básica das escolas camponesas atendidas pela EACMA. Os
objetivos específicos estiveram voltados para analisar as leis nº 10.639/2003 e nº
11.645/2008 e suas implicações metodológicas na educação básica; refletir acerca
das práticas discriminatórias da educação escolarizada e as políticas educacionais
que visem promover a igualdade racial nas escolas e elaborar ações de cunho
pedagógico que visem incluir a cultura, os saberes e a história dos africanos e suas
diásporas nas Américas e, principalmente, no Brasil.
A questão racial discutida “nada tem de biológico”, pois o conceito de raça “é
um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, ele esconde uma
coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação” (MUNANGA, 2003, p. 56).
Sabemos que para a Biologia não existem raças humanas, logo o conceito é utilizado
para pensar o ensino das relações étnico raciais nas escolas.
Abaixo, o perfil de participantes do curso:

Tabela 2 - Perfil de participantes


GÊNERO PERFIL
09 Mulheres Coordenadores, gestoras, técnicas.
12 mulheres Coordenadores, gestoras. Coordenadores,
42 mulheres/ 05 homens gestoras.
24 mulheres/ 04 homens Coordenadores, gestoras.
06 mulheres e 01 homens Coordenadores, gestoras.

Fonte: a autora, 2017.

Durante o ano foram realizadas duas etapas do curso na EACMA, a primeira


tendo como tema a Educação e Diversidades Étnico-Raciais/Trabalhando o Currículo
e a segunda, Apresentação da Proposta de projeto para atuar nos municípios.

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No primeiro módulo foi abordado o seguinte conteúdo; O currículo e a Didática


nas Relações Étnico-Raciais, atentando-se para a forma como a temática ministrada
e discutida na sala de aula. Percebeu-se que a prática educacional diária apontava
para um distanciamento das discussões sobre a Diversidade Étnico-Raciais, seja por
falta de uma compreensão filosófica do mundo e do educando, seja pela não
compreensão de uma teoria do conhecimento norteadora da prática educativa, ou
ainda pelo mau entendimento do material didático, que subsidia o ensino e a
aprendizagem, considerando que educador passa a ocupar um papel central de
transmissor de conteúdos e, implicitamente, de ideologias oficiais.
Mesmo com a implementação das lei nº 10.639-03 e a nº 11.645-08, percebe-
se que há uma grande carência na excursão deste conteúdo na sala de aula, há uma
deficiência em todo sentido tanto das disciplinas quanto nos materiais didáticos, que
segundo os estudiosos;
Pensar propostas de implementação da lei 10.639-2003 é focalizar e reagir a
estruturas escolares que nos enquadram em modelos por demais rígidos.
Atentarmos para a interdisciplinaridade nesta proposta é estarmos abertos ao
diálogo, a escuta, a integridade de saberes, a ruptura de barreiras, as
segmentações disciplinares estanques (MEC, 2010, p. 57).

Já na segunda etapa as educadoras e educadores agruparam-se de acordo


com suas respectivas secretarias de educação e apresentaram seus projetos de
atuação, trazendo aspectos específicos de cada um. Observou-se que dentre os
projetos apresentados, um tinha a perspectiva de ser uma proposta curricular para
atender todo o município e os demais tinham como propósito desenvolver um projeto
piloto nas escolas do campo e quilombola.
Com o curso em exercício surgiu uma preocupação do grupo de gestores e
coordenadores de Camamu e Igrapiúna, relacionada à necessidade de estender a
formação para os professores. Com isso, foram realizados seis momentos de
formação, assim chamado de nivelamento.

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1. Nivelamento

O nivelamento foi uma estratégia utilizada para os momentos de estudo sobre


africanidades nas unidades escolares. Isso possibilitou conhecer a realidade das
educadoras e educadores, estreitar os laços com a equipe formadora, bem como a
apropriação da temática. Para cada realidade foram planejadas vivências e
metodologias acerca do trabalho com os temas. “A formação só veio para fortalecer
minhas raízes quilombola” atestou a professora Jamile (informação verbal)90.

1.1 A Escola Idalina

A Escola Idalina está localizada na comunidade quilombola de Laranjeira, no


município de Igrapiúna. Nessa unidade escolar foram realizados três momentos
formativos com as seguintes temáticas: diretrizes curriculares para a educação das
relações étnico raciais; identidade quilombola: o sujeito coletivo e diálogo inter-
religioso que contribuíram para que as educadoras e educadores refletissem sobre
quilombo, a escola no quilombo e a lei que define uma comunidade enquanto
quilombo. Esses momentos de reflexão e trocas de experiências, contribuíram para
que assumir a identidade quilombola é também entender a luta da comunidade e sua
resistência em existir enquanto grupo. Essas discussões se estenderam para pensar
a estrutura da escola e do fazer cotidiano em sala de aula, uma vez que

nosso papel hoje é construir uma ideia de comunidade quilombola, pois


identificar-se como quilombola é ressignificar a escravidão. A história do
negro é negada a todos. Não somente aos alunos, mas também aos
professores. Não devemos ter medo ou vergonha de dizer que temos uma
comunidade negra, retinta91.

90 SANTOS, Jamile Soares dos. Entrevista I. Registro no Encontro de Nivelamento: Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, na Escola Idalina. [abr. 2015].
91 FRANÇA, Janira Jesus Souza de. Entrevista II. Registro no Encontro de Nivelamento:

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, na Escola Idalina. [abr. 2015].
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Considerando que o conhecimento letrado nos foi negado historicamente,


sendo que a escola deve ser um elo do conhecimento e dos direitos, a escola tem que
dialogar com as instâncias políticas da comunidade. Temos que ter consciência de
nós e dos outros. “Quilombola não é descendente de escravos negros. Quilombola é
sinal de resistência e luta”92.
Outro tema que exigiu estudo da equipe foi sobre o diálogo Inter-religioso,
entendendo a importância da religião na vida dos seres humanos, tendo como objetivo
a união e não a divisão, pois a religião é a forma de ver, compreender e relacionar-se
com o mundo e com o divino.

a EACMA soma muito na minha vida, pois além de aprender também venho
resgatando minhas raízes. O curso é uma fonte onde quanto mais bebo da
água mais eu quero. Sugiro que na próxima formação estejam presentes
pessoas de religiões diversificadas para auxiliar nas discussões e no
entendimento (informação verbal) 93.

1.2 O Núcleo Baía de Camamu

O trabalho de formação ocorreu em três etapas: diretrizes curriculares e


identidade quilombola; conhecendo a África, e identidade afrodescendente. Na
primeira etapa os professores estavam inibidos e receosos em falar sobre a temática,
devido a uma formação que tiveram e que contribuiu para terem uma visão negativa
do que é estudar africanidades em sala de sala de aula, o que fica compreensível na
fala da professora Mytsa 94 , “sinto angústia, medo de falar deste assunto. Acho
desafiador”.
Assim, o trabalho de formação da EACMA exigia uma metodologia que
contribuísse para apropriação e a discussão do conteúdo a partir da vida,

92 CUNHA, Hundira. Entrevista III. Registro no Encontro de Nivelamento: Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais, na Escola Idalina. [abr. 2015].
93 JESUS, Maria das Dores de. Entrevista IV. Registro no Encontro de Nivelamento: Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, na Escola Idalina. [abr. 2015].
94 SILVA, Mytsa Carla da. Entrevista V. Registro no Encontro de Nivelamento: Antecedentes da Lei 10639/03, em

Camamu-BA. [maio 2015].


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considerando a identidade, a origem, a história, mas também o contexto que a escola,


as professoras e professores e estudantes estavam envolvidos. Assim, durante os
momentos da formação foram realizadas vivências que ajudaram a refletir o espaço
da sala de aula, foram passados filmes que dialogavam com as realidades das escolas
e realizados trabalhos em grupo para que as educadoras e educadores ficassem mais
à vontade para falar sobre o assunto.

2. Reflexões, aprendizagens e desdobramentos

O trabalho de formação das escolas do campo e quilombola apontam a


necessidade de aprofundar leituras e estudos sobre a temática africanidades,
devendo as discussões acerca das relações étnico-raciais perpassar por todas as
disciplinas. Outra questão que merece atenção refere-se ao fato de que a escola ainda
tem um calendário totalmente ocidental, não respeitando os períodos de chuva e de
colheita, há a necessidade de uma escola criada por nós, possibilitando às educandas
e educandos conhecerem a história, as técnicas de produção, valores sociais e
econômicos.
Deve-se abordar a história da África e dos africanos buscando e/ou produzindo
material que colabore para efetivar a prática docente. O plano de ação deve ser
elaborado conjuntamente pela equipe pedagógica da escola, para que objetivos e
metas sejam alcançados. Todos os momentos de formação das educandas e
educandos devem ser pensados em consonância com o currículo escolar, que deve
obedecer à realidade cultural da comunidade onde a escola está inserida. Desde a
confecção de um cartaz, à aula propriamente dita, problematizando cada ação e
alertando para as políticas de reparação, de reconhecimento e de valorização das
ações afirmativas.

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Outro fator importante a ser considerado diz respeito ao cuidado com os


“projetos” realizados na escola, que muitas vezes são pontuais e não parte integrante
do currículo escolar. Um problema sinalizado e enfrentado pelas educadoras é a
grande quantidade de programas e projetos que as unidades escolares estão
envolvidas e, que, precisam preencher formulários e executar inúmeras atividades
distintas para responder às questões especificas de cada um.
Assim, estudar o continente africano era uma necessidade, pois contribuiu para
desconstruir o imaginário nessas unidades escolares, estigmatizado pelo preconceito
racial, que foi construído ao longo do tempo e reproduzido no ambiente escolar.

3. Considerações finais

Entendendo a escola como um ambiente de construção e reconstrução de


conhecimentos, deve-se dar uma atenção maior à Africanidades, uma vez que a
temática está de acordo com a lei nº 10.63903 e contribui para aprendizagem escolar
em todos os aspectos: cognitivo, físico, psicológico, moral ou social, proporcionando
um desenvolvimento perceptivo no educando. Sobre suas vantagens, foram
destacados o aprendizado dos conteúdos, a socialização, a comunicação, a
criatividade e as disciplinas em gerais. Estabelecendo a relação entre os dados,
observamos a importância em trabalhar a africanidades na sala de aula. Pois,
corrobora com a desconstrução do mito que brancos e negros convivem em harmonia
no Brasil. Pois o discurso da democracia racial cai por terra quando se observa que a
diferença é, extremante diferente; os negros estão nos piores patamares de
desigualdade racial. Por isso, há uma grande necessidade de estudar as Diretrizes
Curriculares para a educação das relações étnicos raciais, ações afirmativas em que
a comunidade negra, demanda e requer a adoção de políticas educacionais, propõe
a democratização dos espaços e reconhecimento dos negros e negras. É importante

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construir orientações pedagógicas que considerem que o currículo macro da escola


deve está de acordo com a realidade cultural da comunidade onde está inserida a
escola. Por fim, acredita-se que a africanidades, especificamente no que diz respeito
ao fortalecimento da identidade, deve ser uma atividade que propicie sentimentos,
emoções e aprendizagem, necessitando de uma ação sistematizada e planejada, para
promover o desenvolvimento integral dos educandos, tornando o indivíduo crítico,
criativo, consciente.

Referências

CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito


e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 20 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

MEC. Orientações e Ações para a Educação da Relações Étnicos-Raciais. 2010.

Pina, Rute. Brasil de Fato. São Paulo, SP, 2017.

Ministério da Educação. Plano Nacional Implementação das Diretrizes


Curriculares. 2013.

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,


identidade e etnia. In: SEMINÁRIO NACIONAL RELAÇOES RACIAIS E
EDUCAÇÃO-PENESB. Rio de Janeiro, 2003. Anais... Rio de Janeiro, 2003.
Disponível em https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-
abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf. Acesso
em 15 jun., 2018.

NÓVOA, António (org.) Vida de professores. 2 ed. Coleção Ciências da Educação.


Porto: Porto Editora, 1995.

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POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO INTERCULTURAL:


UMA REFLEXÃO SOBRE RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS

Luan Menezes dos Santos*


Bruno de Azevedo Santana Guimarães**

RESUMO
O artigo aborda as possibilidades e desafios de se desenvolver relações étnico-
culturais nas práticas pedagógicas para a formação intercultural. Objetivamos discutir
as implicações entre relações étnico- culturais e práticas pedagógicas e sugerir
medidas capazes de ensejar práticas democráticas de respeito à diversidade. Foi
realizada uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico. Percebemos que a
educação sempre foi centrada na dominação cultural da elite branca, sendo assim,
destaca-se a importância de se trabalhar as questões étnicas e outras, por ser uma
estratégia de orientação educacional para os problemas das diferenças culturais na
instituição escolar, como forma de reconhecer a alteridade e o direito à diferença dos
grupos minoritários, como negros, índios, homossexuais, mulheres, deficientes físicos
e outros, que se sentem excluídos do processo social. Nesta perspectiva, precisa se
confrontados os pressupostos que fundamentam a prática pedagógica e o debate
sobre relações étnico-raciais, buscando pontos de convergência e/ ou divergência
entre os dois processos, com a finalidade de articulá-los, de modo que tal conexão
promova o combate às desigualdades e o fortalecimento das diferenças culturais.

Palavras-chave: Relações étnico-culturais. Práticas docentes. Formação


intercultural.

* Graduado em Comunicação Social – Jornalismo, pela União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime);
Especialista em Metodologia de ensino em Português e Literatura pela Uniasselvi; Mestrando em Letras,
Linguagens e Representações pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
** Graduado em Pedagogia pela União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime) – Campus Itabuna;

Especialista em Gestão no Trabalho Pedagógico pela Faculdade Vale do Cricaré (FVC).


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Introdução

A abordagem do termo diversidade cultural torna-se um tema atual e relevante


a partir do momento em que a escola desenvolve um ensino que procura atender a
diversidade cultural de sua clientela.
Sendo assim, em um retrospectivo histórico, Fernandes (2009) afirma que
apesar da influência marcante da cultura de matriz europeia por força da colonização
ibérica 95 em nosso país, a cultura tida como dominante não conseguiu, de todo,
apagar as culturas indígena e africana. Muito pelo contrário, o colonizador europeu
deixou-se influenciar pela riqueza da pluralidade cultural de índios e negros. No
entanto, o modelo de organização implantado pelos portugueses, também, se fez
presente no campo da educação e da cultura.
Contudo, apesar desse fato incontestável de que somos, em virtude de nossa
formação histórico-social, uma nação multirracial e pluriétnica, de notável diversidade
cultural, a escola brasileira ainda não aprendeu a conviver com essa realidade. “Numa
sociedade hierarquizada como a brasileira, todos encontram dificuldades para
mobilizar seus membros em torno da luta comum para transformar a sociedade”
(MUNANGA, 1999, p. 13).
Historicamente falando a escola tem dificuldades para lidar com a diversidade.
Nesse sentido:
É preciso que a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas e em
seus métodos, adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar
a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo e estabelecer
com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história
(FREIRE, 1987, p.42).

Contudo, as diversidades culturais tornam-se problemas ao invés de


oportunidades para produzir saberes. Isso porque a escola está inserida em relações

95 A colonização ibérica, inicialmente, foi muito parecida, principalmente porque Portugal e Espanha eram as
nações, que na altura, dominavam o mundo, tendo-o dividido com o Tratado de Alcáçovas. A América foi
oficialmente descoberta, excetuando as descobertas vikings, pelos europeus, em 1492, por Cristóvão, numa
tentativa de chegar ao Oriente (FERNANDES, 2009).
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de poder e apaga as oportunidades que lhe são constitutivas, visto que o modelo
instituído não considera as singularidades e as diversidades expressas na cultura
local.
“Para uma pedagogia crítica cabe buscar uma educação que interrogue os
discursos racistas, xenófobos e machistas” (McLAREN 96 , 1997b, p. 69). Partindo
dessa realidade e contextualizando os currículos nacionais, percebe-se que na escola
as pluralidades culturais sofrem uma ruptura com seus modos próprios de ser para
assimilar uma cultura ideologicamente eleita como superior. “A escola reproduz o
darwinismo social. Através de processos analíticos psicologizantes ou argumentos
preconceituosos contra os pobres, negros, mulheres e imigrantes, imputa-se o
fracasso à própria vítima” (McLAREN, 1997a p.12).
Sendo assim, Matos (2004, p.23) diz que

Devemos formar educandos pela diferença para a igualdade, e mostrar como


algumas atividades lúdicas sobre a questão racial feitas em sala de aula
podem, com isso, proporcionar aos alunos: conhecimento e valorização das
diversidades culturais presentes na constituição do Brasil como nação,
reconhecendo sua contribuição no processo de constituição da identidade
brasileira; repudiação da discriminação baseada em diferenças de raças
entre outras; compreensão de que não existem raças superiores e que o
racismo não tem lógica científica, levando-o a concluir que a cor da pele, o
tipo de cabelo ou o formato do nariz não definem o caráter nem a inteligência
das pessoas; posicionamento com dignidade diante de situações de
preconceito e de discriminação, utilizando-se do diálogo, com argumentos
inteligentes, sem fazer uso da violência.

Percebe-se, cada vez mais, o quanto é urgente das instituições educacionais,


em todos os níveis, reafirmarem o compromisso com a construção de uma escola
inclusiva, cidadã, solidária e de qualidade social para todas as crianças, adolescentes
e jovens brasileiros.
Quando Gonçalves e Silva (2006) dizem que durante vários anos os
educadores foram formados através de uma visão homogeneizadora e linear, essa

96Peter McLaren é um canadense radicado nos Estados Unidos, que segundo Moacir Gadotti (2000), antes de ser
professor universitário lecionou nas escolas da periferia de Toronto no Canadá, aprendendo com os filhos dos
imigrantes de diferentes nacionalidades as fronteiras de um ensino multicultural.
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neutralidade imposta através de sua formação fez com que valores básicos da
composição pluriétnica da sociedade brasileira fossem ignorados. A valorização de
um currículo eurocêntrico, que privilegiou a cultura branca, masculina e cristã,
menosprezou as demais culturas dentro de sua composição do currículo e das
atividades do cotidiano escolar. Sobre esta temática salientam que a valorização de
um currículo monocultural e eurocêntrico, dando prioridade a cultura embranquecida,
masculina e cristã, diminui na corporação curricular e nas atividades do dia a dia
escolar as demais culturas.
Diante do exposto, da relevância e das nuances relacionadas ao problema, no
presente projeto desenvolvido, foi realizada uma revisão de literatura focada. Ao fazê-
lo, fui balizado pelo questionamento: quais são as possibilidades e desafios para os
professores desenvolverem atividades de valorização da diversidade cultural em sala
de aula?
Na perspectiva de reconstrução das práticas e resultados escolares como parte
de um processo mais amplo de recriação social, não podemos esquecer que somos
importantes, pois nós professores somos sujeitos capazes de amenizar a realidade,
pois, somos atuantes na sala de aula e nas possibilidades concretas de elaboração
de práticas pedagógicas cotidianas capazes de contribuir com a construção do
sucesso escolar de todos que chegam à escola. A construção dessa nova consciência
não é possível, sem colocar no ponto de partida a questão da auto-definição: quem
somos nós? De onde viemos e aonde vamos? Qual é a nossa posição na sociedade?
quem são eles? De onde vieram e aonde vão? Qual a posição deles na sociedade?-
vai permitir o desencadeamento de um processo de sua identidade ou personalidade
coletiva, que serve de plataforma mobilizadora (MUNANGA, 1999).
Com base nesses pressupostos, surgiu a intenção de estudar as implicações
das relações étnico- culturais e práticas pedagógicas, mais especificamente no âmbito
escolar, procurando inicialmente, encontrar aportes teóricos - metodológicos que nos

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permitam desenvolver um estudo que sirva de base para fundamentar teoricamente o


trabalho docente.

1. Aspectos históricos e superando as contradições da prática

A busca de uma identidade étnica- cultural brasileira tornou-se interesse para


vários intelectuais do nosso país. Entre eles podemos destacar Sílvio Romero,
Euclides da Cunha, Alberto Torres, Manoel Bonfim, Nina Rodrigues, Oliveira Viana
entre outros. Todos estavam preocupados em transformar essa pluralidade de raças
e mesclas, de culturas e valores civilizatórios diferentes numa só nação, a brasileira.
Segundo Munanga (1999), como acontece geralmente na maioria dos países
colonizados, a elite brasileira do fim de século XIX e início do século XX foi buscar
seus quadros de pensamento na ciência europeia ocidental, tida como desenvolvida,
para poder, não apenas teorizar e explicar a situação racial do Brasil, mas também, e
sobretudo, propor caminhos para a construção de sua nacionalidade, tida como
problemática por causa da diversidade racial e cultural. Assim, a pluralidade racial do
processo colonial representava, na cabeça da elite branca brasileira, uma ameaça e
um grande obstáculo no caminho de uma nação que se pensava branca.
De acordo com Munanga (1999, p.40), em um retrospecto histórico,

o desenvolvimento das culturas depende, segundo as doutrinas do racismo,


da pureza da raça. Influenciados pelo determinismo biológico do fim do século
XIX e início deste, acreditavam na inferioridade das raças não brancas,
sobretudo a da negra, e na da degenerescência do mestiço.

Pesquisas sobre DNA realizadas recentemente ratificaram que a humanidade


descende de um tronco comum, portanto não existem raças biológicas, ou seja, a raça
humana é única.
Contudo, percebe-se que ainda apesar da confirmação científica de que existe
apenas uma raça – a humana –, diferenças físicas como textura de cabelo, formato
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do nariz e cor da pele ainda funcionam como marcadores que privilegiam


determinados grupos sociais, desfavorecendo outros. Muitas pessoas imaginam que
estes sinais indicam profundas diferenças biológicas, comportamentais e intelectuais.
Este modo distorcido de encarar as diferenças tem gerado, historicamente, sérios
processos de exclusão.

A falsa ideologia de raça pura nasceu da necessidade política de


autoglorificação de certos povos. Não é difícil entender a aceitação da ideia
por aqueles cuja necessidade de valorização supera o pensamento lógico.
Basta recordar que 70% dos genes são iguais em todas as raças e que os
30% que variam, o fazem sem perda das características básicas. Além disso,
a história registra que a ocorrência de mistura entre povos e raças foi a regra
geral nos últimos milênios (AZEVEDO, 1987, p. 30).

Porém, hoje em dia, a relação do conhecimento com as formas de


representação mudaram. Os indivíduos estão submetidos e através deles têm suas
vidas ressignificadas. Determinadas etnias, apesar de suas mudanças e dos
acontecimentos traumáticos que as afetam, como a conquista, a escravidão, a
dispersão, a conversão religiosa, mantêm um senso de sua própria continuidade: a
origem comum e a luta pela sobrevivência de sua cultura (POUTIGNAT; STREIFF-
FENART,1998). Há uma série de processos que traduzem essa diferenciação, como
incluir/excluir (identificando e representando/marcando/simbolizando quem pertence
e quem não pertence); demarcar “fronteiras” (que definam e separem “nós” e “eles”);
classificar; normalizar (POUTIGNAT; STREIFF- FENART,1998).
Gomes (2002) reforça ainda que no país, no que relaciona com a problemática
educativa destes povos, vão sendo esquecidos ao longo do tempo. Temas e fatos
históricos que poderiam nos ensinar bastantes informações sobre as experiências de
escolarização de vários povos, sendo eles indígenas ou dos afrodecendentes, vão
sendo esquecidos. Percebe-se que hoje no Brasil temos basicamente uma sociedade
multicultural, onde convivem inúmeras etnias e já não é mais aceito que só o
conhecimento proporcionado pela visão de mundo eurocêntricos, branca, católico, e

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masculina esteja representado de apenas uma única forma. Muito se tem discutido
sobre o respeito às diversidades e os direitos humanos.
Partindo para a análise da história da educação, a formação de muitos
profissionais muitas vezes é marcada por atitudes de preconceitos que, sem sombra
de dúvida, contribuem para produzir exclusão. Fomos acostumados, devido à
formação histórica do Brasil, a não escutar vozes que vem sendo reiteradamente
silenciadas, como a dos afrodescendentes e de outras. Aprendemos nos livros, nos
meios de comunicação, na grande mídia, nos filmes, revistas, outdoors, jornais... a
idealizar algumas características humanas como as representações legítimas e
naturais do que seja ser humano, ou seja, um padrão estereotipado de modelo de
homem ideal. Normalmente homens, brancos, padrão europeu, heterossexual e etc.
Percebe-se o quanto as culturas não brancas foram relegadas a uma
inferioridade imposta no interior da escola; concomitantemente, a esses povos foram
determinadas as classes sociais inferiores da sociedade. Logo, a proposta de uma
educação voltada à diversidade coloca a todos nós, educadores, o grande desafio de
estar atentos às diferenças econômicas, sociais, raciais, culturais e de buscar o
domínio de um saber crítico, que permita interpretá-las e operacionalizar
transformações.
McLaren (1997b) destaca as possibilidades que o multiculturalismo crítico
exerce numa pedagogia de resistência 97 , interrogando os sistemas culturais
estabelecidos em uma lógica fixa e unitária. Na lida com os diferentes grupos

97 Pedagogia de resistência nesse aspecto é colocada como uma crítica advinda da pedagogia crítica. A Pedagogia
Crítica ainda é minoritária no meio acadêmico e escolar. Esta teoria pedagógica não é homogênea: ela incorpora
contribuições teóricas desde a Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Marcuse etc), as teorias da reprodução,
as análises de Gramsci, Foucault, à pedagogia do oprimido de Paulo Freire. Não é, portanto, uma teoria que se
pretende pronta e acabada. “É mais correto dizer que os teóricos críticos estão unidos em seus objetivos: fortalecer
aqueles sem poder e transformar desigualdades e injustiças sócias existentes” (McLAREN, 1997ª, p. 192).
“Ela [a pedagogia crítica] é, na verdade, um movimento que não professa nenhum guru ou “mestres intérpretes”.
É importante ressaltar que não existe uma pedagogia crítica, mas sim várias tendências de pedagogias feministas,
pedagogias pós-coloniais e pedagogias pós-modernas que, muitas vezes, são descritos sob o nome genérico de
pedagogia crítica”. A Pedagogia Crítica é uma pedagogia engajada, uma pedagogia que faz uma opção política.
Ela não vê a escola apenas como espaço de reprodução das desigualdades sociais, mas como esferas públicas
abertas à luta política (McLAREN, 1997a p. 259).
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presentes na escola, a pedagogia deve ser cuidadosamente conduzida por


educadoras/es que assegurem o desenvolvimento de um ambiente e de um currículo
escolar capazes de formar discentes aptas/os ao exercício da autocrítica, do
constante reexame das próprias afirmações e da práxis opressiva de si e do outro. É
nesse processo que são construídas identidades críticas narrativas, em contraposição
às identidades meramente combativas ou reativas (McLAREN, 1997b). O autor diz
ainda que:
Contra os arquivos de conhecimento do colonialismo ocidental, do
vocabulário herdado da pedagogia tradicional e da narratologia [...]
Precisamos apresentar às/ aos educadoras/es narrativas que sejam
politicamente contrárias àquelas prescritas pelo regime de verdade
dominante, contra-narrativas definidas por uma teleologia politicamente
inspirada, cujos fechamentos narrativos sejam sempre contingentes e,
portanto, sempre abertos ao criativo e ao novo. Como educadoras/es,
precisamos nos tornar teóricas/os de um pós-modernismo de resistência que
possa ajudar as alunas e alunos a fazerem as conexões necessárias entre os
seus desejos, suas frustrações e com as formas sociais e culturais que os
informam (McLAREN, 1997b, p. 211).

Os estudos comprovam que por um longo período, o processo de formação de


professores se restringiu ao campo das denominadas disciplinas clássicas, cujo
objetivo era a adaptação dos indivíduos às necessidades da sociedade,
independentemente da sua história particular e cultural. Com isso, uma prática
docente tradicionalista contribui para o preconceito étnico-racial e destrói a autoestima
de determinados grupos, de diferentes maneiras, às vezes, de modo imperceptível;
distorcendo conhecimentos, desvalorizando crenças, veiculando imagens negativas,
e, em alguns casos, focalizando apenas as mazelas.
Fundamental para o educador crítico é ter consciência de que a vida não se
resume ao espaço escolar e qualquer perspectiva de transformação social exige uma
prática coletiva contra-hegemônica que não se restringe à escola (McLAREN, 1997a,
p.299). Portanto, para evidenciar e valorizar essas diferenças, é necessário uma
reflexão contextualizada sobre a cultura social em que está inserida a escola,

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compreendendo os sujeitos como construtores e não meros contempladores da sua


educação.

2. Possibilidades e desafios para a formação intercultural

Tomando como base a proposta da autora Maria Zilá Teixeira Matos (2004) no
livro Bonecas Negras, Cadê? ressalta-se, na educação e na formação docente, a
importância do papel dos discursos e práticas curriculares na preparação de
professores e de futuras gerações nos valores de apreciação da diversidade cultural
e de desafio a preconceitos ligados a determinantes de gênero, raça, religião,
"deficiências", padrões culturais e outros. A autora trata não só a questão do racismo,
como também de outras formas de exclusão social. Segundo ela, o campo do
multiculturalismo, com suas múltiplas formas de expressão (questões de gênero,
sexualidade, etnia, identidade etc.) cresce a cada dia e ocupa lugar privilegiado nas
discussões educacionais.
Afirma-se que a proposta de uma educação voltada para a diversidade como a
autora fundamenta no seu livro, coloca a todos nós, educadores, o grande desafio de
estar atentos às diferenças econômicas, sociais e raciais e de buscar o domínio de
um saber crítico que permita interpretá-las. Nessa proposta educacional será preciso
rever o saber escolar e também investir na formação do educador, possibilitando-lhe
uma formação teórica diferenciada da eurocêntrica. A escola terá o dever de dialogar
com tais culturas e reconhecer o pluralismo cultural brasileiro.
A educação sempre foi centrada na dominação cultural da elite branca, sendo
assim, destaca-se a importância de se trabalhar as questões étnicas e outras, por ser
uma estratégia de orientação educacional para os problemas das diferenças culturais
na instituição escolar, como forma de reconhecer a alteridade e o direito à diferença
dos grupos minoritários, como negros, índios, homossexuais, mulheres, deficientes

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físicos e outros, que se sentem excluídos do processo social. Com isso, “faz surgir
novas identidades modernas descentradas e deslocadas” (HALL, 2005, p. 8).
Matos (2004) nos diz que no nosso contexto histórico, a escola sempre foi
reprodutora do conhecimento da classe dominante, classe esta, que dita as regras e
determina o que deve ser transmitido aos alunos. Mas, se o professor for detentor de
um saber crítico, poderá questionar esses valores e saberá extrair desse
conhecimento o melhor jeito de diminuir essas desigualdades através de atividades
práticas em sala de aula.
Ressalta-se a importância da proposta educacional do livro Bonecas Negras,
Cadê? de Maria Zilá Teixeira de Matos (2004). Segundo ela, devemos formar
educandos pela diferença para a igualdade, e mostrar como algumas atividades
lúdicas sobre a questão racial feitas em sala de aula, podem, com isso, proporcionar
aos alunos:
• Conhecimento e valorização das diversidades culturais presentes na
constituição do Brasil como nação, reconhecendo sua contribuição no processo de
constituição da identidade brasileira;
• Repudiação da discriminação baseada em diferenças de raças entre outras;
melhoramento da autoestima, tomando consciência de que todos nós somos
diferentes e que não há seres humanos iguais na Terra, reconhecendo-se como ser
único, que merece respeitar e ser respeitado, independe de sua raça, estereótipos,
condição social e outros;
• Compreensão de que não existem raças superiores e que o racismo não tem
lógica científica, levando-o a concluir que a cor da pele, o tipo de cabelo ou o formato
do nariz não definem o caráter nem a inteligência das pessoas; posicionamento com
dignidade diante de situações de preconceito e de discriminação, utilizando-se do
diálogo, com argumentos inteligentes, sem fazer uso da violência;
• Resgate da verdadeira história de luta do povo negro e suas contribuições
para a formação da identidade do povo brasileiro; exercício da sua cidadania em

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defesa dos direitos dos carentes de oportunidades, sem assistencialismo, pois há


muito o que fazer pela comunidade negra e reconhecimento como cidadão
respeitando o próximo sempre.
Assim, percebemos que pedagogos e demais profissionais da educação,
podem trabalhar muito o enfoque na literatura a situação do negro na tentativa de
amenizar tais preconceitos. Partindo da ideia de que literatura negra no Brasil ou
literatura afro-brasileira seriam as produções de escritores engajados na discussão da
problemática da vida dos excluídos por questões de ordem étnico-raciais, faz-se
necessário analisar com os alunos algumas produções literárias que estão ligadas de
alguma forma a essa temática. Um exemplo de atividades práticas que pode ser
realizada por professores em sala de aula seria a análise de poemas da nossa
literatura, trabalhos sobre as comidas típicas, a religião, a moda e vários outros
aspectos da nossa diversidade cultural.
Novamente Matos (2004) nos diz que, para alcançar tais objetivos, deverá
conter também, o estudo da ética, que proporcionará ao aluno o entendimento do
conceito de justiça baseado na equidade e ainda sensibilizá-lo para a necessidade de
construção de uma sociedade justa, adotando atitudes de solidariedade, cooperação
e repúdio às injustiças sociais. A educação tem tido o papel de socialização da cultura,
do conhecimento e dos valores. A moral e a ética devem, portanto, ser transmitidas
às novas gerações e essa difusão do conhecimento ocorre dentro da escola.
Porém, os desafios como argumenta Sacristán (1995) que a prática pedagógica
se molda em diferentes contextos e recebe a influência de práticas concorrentes:

Trata-se de práticas não estritamente pedagógicas que, mesmo fora do


sistema escolar, exercem grande influência direta sobre a própria atividade
técnica dos professores. Todo desenvolvimento curricular, formulado e
elaborado fora das salas de aula e das escolas, regulado pela administração
educativa, traduzido e concretizado em materiais didáticos, transforma os
professores em consumidores de práticas pré esboçadas fora do teatro
imediato da ação escolar. Ao nível da realidade das salas de aula, as editoras
de manuais escolares e outros produtores de materiais didáticos têm mais
influência do que os próprios professores (SACRISTÁN, 1995, p. 74).

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Na busca do respeito à diversidade cultural, precisa-se desmontar a ideologia


hegemônica que menospreza as minorias. Isso pode contribuir para o processo de
reconstrução da identidade étnico-racial e da autoestima da criança negra, com
consequentes efeitos positivos para sua aprendizagem. Sendo assim, a pluralidade
cultural assume a tarefa de avançar em direção à construção de uma proposta
pedagógica efetivamente multicultural.
A partir disso, o que se espera é uma escola que aconteça a aprendizagem
com a percepção de que, no espaço público, ocorre a coexistência dos diferentes, e
que busquem alternativas que incluam a todos, na tentativa de amenizar preconceitos
e discriminações decorrentes de diferenças raciais, étnicas e culturais. Isso,
entretanto, só ocorrerá a partir do trabalho com alunos, professores e demais
membros da escola e comunidade, tomando-se como base o contato com
informações e discussões não somente durante um período pré-definido, mas sempre
que necessário.
Afirma-se o quanto a escola é diversamente cultural, e pode desempenhar um
papel relevante na preparação para a diversidade, para o respeito, e, sobretudo, para
a prevenção do racismo e da intolerância e outras formas de exclusão.

3. Considerações finais

Verificamos que no campo educacional, as relações étnico-raciais e as práticas


pedagógicas se apresentam de modo indissociável. Existem muitas semelhanças no
desenrolar destas práticas sociais: ambas se fundamentam no poder e se
desenvolvem no confronto entre os sujeitos, influenciando-os emocional e
intelectualmente.
Apesar desta farta produção, as dúvidas permanecem. A literatura mostra que
os professores continuam argumentando que têm dificuldades para combater o

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preconceito e a discriminação étnico-raciais, notadamente os praticados contra


crianças negras, ao mesmo tempo em que afirmam que estas possuem baixa
autoestima.
Outra questão que se investigou nesta pesquisa, foi a problematização que
existe na relação entre educação e minorias e fizemos uma reflexão sobre as relações
étnico-culturais e práticas pedagógicas na tessitura de uma proposta de educação
vinculada à problemática de uma sociedade multicultural e intercultural. Mostramos
como no processo educacional as minorias, especialmente as negras, entre outras,
foram esquecidas, pois há uma forte tendência de se tratar todos na sala de aula como
iguais. Ademais, inicialmente, retornamos a história para lembrar que nossa
sociedade adotou um modelo de escola que ignorando as diferenças promovem a sua
produção e reprodução.
As crianças negras, indígenas, quilombolas e do campo precisam exercitar o
poder de “serem mais”, ouvindo histórias positivas a respeito de seu povo, vendo
rostos parecidos com os seus estampados nas revistas, nos livros didáticos e nos
cartazes da escola. É necessário ensinar-lhes os segredos de mitologias indígenas e
africanas, assim como lhes ensinam sobre a mitologia grega. Todos os seres
humanos, conforme Freire, possuem a vocação para serem mais, ou seja, têm o
desejo de serem reconhecidos e respeitados em seu saber.
Precisamos, pois, propiciar, por meio do ensino em todos os níveis, o
conhecimento de nossa diversidade cultural e pluralidade étnica, bem como a
necessária informação sobre os bens culturais de nosso rico e multifacetado Brasil.
Só assim estaremos contribuindo para a construção de uma escola plural e cidadã e
formando cidadãos brasileiros conscientes de seu papel como sujeitos históricos e
como agentes de transformação social.
Cientes das dificuldades envolvidas no que se refere à diversidade cultural em
sala de aula, sugerimos que procuremos novas formas de abordagem étnico-raciais
em sala de aula, através de brincadeiras, dinâmicas, jogos ou quaisquer outras

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possibilidades de atividades que venham incluir a todos. Pensamos que lucraremos


muito com pequenos gestos de amor e respeito às crianças “silenciadas”. Com isso,
só enriqueceremos nossas práticas.
Embora saibamos que seja impossível uma escola igual para todos,
acreditamos que seja possível a construção de uma escola que reconheça que os
alunos são diferentes, que possuem uma cultura diversa e que repense sobre as suas
práticas pedagógicas, a partir da realidade existente dentro de uma lógica de
igualdade e de direitos sociais. Assim, possamos deduzir que a exclusão escolar não
está relacionada somente com o fator econômico, ou seja, por ser um aluno de origem
pobre, mas também pela sua origem étnico-racial e, também, pelo fato de ter muitos
professores maus caratês.

Referências

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Princípio, 1987.

FERNANDES, Ricardo Luiz da Silva. Movimento negro no Brasil: mobilização social


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GOMES, Nilma Lino. Educação e identidade negra, v. 6, n. 9, p. 38-49, dez., 2002.


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MATOS, Maria Zilá Teixeira de. Bonecas Negras, Cadê: o negro no currículo
escolar, sugestões práticas. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2004. 80p.

McLAREN, Peter. A Vida nas Escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos
fundamentos da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997a, 353 p.

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MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade


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Seguido de Grupos Étnicos e suas Fronteiras de Fredrik Barth. Tradução de Elcio
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profissional dos professores. In: NÓVOA, Antonio. Profissão Professor. 2. ed.
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UM OLHAR DECOLONIZADOR E MULTICULTURALISTA SOBRE


EDUCAÇÃO E INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Ademar Oliveira Cirne Filho

Resumo
Este artigo, apresenta observações sobre a intolerância religiosa nas escolas, como
consequência do processo colonizador que marcou a ocupação das Américas,
particularmente no que se refere à diáspora dos povos africanos submetidos à
escravidão. Para esses povos a preservação de sua cultura tem sido uma das formas
de resistir à colonização, especialmente por meio da prática de sua religiosidade,
porém enfrentam o preconceito quando se apresentam como praticantes de Religião
de Matriz Africana, especialmente nas escolas frequentadas pelas crianças e jovens,
que são mais vulneráveis. Aborda também como as políticas públicas recentes e uma
visão multiculturalista da educação pode contribuir para a descolonização e
consequente inclusão e respeito às diferenças, em especial dos descendentes dos
africanos trazidos involuntariamente para o trabalho escravo nas terras americanas,
especialmente no Brasil, ocupadas anteriormente pelos europeus.

Palavras-chave: Intolerância religiosa. Decolonização. Multiculturalismo.

Introdução

O processo de expansão e dominação colonial do mundo moderno pode ser


dividido claramente em dois momentos bem distintos. O primeiro ocorreu a partir do
século XVI, quando os países da península ibérica deram início ao processo de
expansão marítima e comercial através do oceano atlântico que culminou com a

Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB, Programa de Pós-graduação em Educação e Relações Étnico
Raciais- PPGER.
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descoberta dos caminhos para o Oriente assim como para as terras do novo mundo,
a América. O segundo, durante o século XIX, quando, às vésperas da Primeira Guerra
Mundial, os países capitalistas do continente europeu precisaram expandir seus
domínios em busca de matéria prima, exportação de capitais e de população, na
tentativa de superação da crise de superprodução que atingia a Europa nesse
momento.
O primeiro momento ficou conhecido como a época de acumulação primitiva
do capital, quando, através de um modelo de dominação capitalista via práticas
mercantilistas, garantiu-se a exploração de muitas riquezas do continente americano,
principalmente através da utilização da mão de obra escrava dos habitantes do
continente (povos indígenas) inicialmente e, posteriormente, a dos negros retirados
da África, através do tráfico negreiro. Cerca de treze milhões de negros foram
transportados nos tumbeiros98 para o continente americano, o que constituiu um dos
maiores processos de diáspora conhecidos.
O texto de Uelber Barbosa Silva (2012) analisa como esta acumulação primitiva
de capitais contribuiu para a construção desse processo de escravidão e dominação
colonial da América, nesse primeiro momento.

O escravismo moderno, porém, tem sua gênese na acumulação primitiva e


uma de suas particularidades é a escravização de grupos sociais negros
oriundos de nações africanas. A utilização de mão de obra em tal período
histórico certamente tem suas justificativas no plano do pensamento humano.
O nascimento da modernidade, que, como vimos, tem origem na acumulação
primitiva, teve na violência da expropriação econômica e racial uma importante
arma para transformação das relações sociais em relações capitalistas. A
violência desempenhou papel fundamental na construção da sociedade, tanto
através da proletarização de milhares de camponeses europeus e na
escravização de ameríndios e africanos nas Américas, como pela colonização
de quase todo continente africano (SILVA, 2012, p.43).

O segundo momento do processo de dominação colonial apresentou


características bem distintas da expansão dos séculos XVI ao XVIII. Já não se vivia o

2 Navios negreiros que faziam o transporte dos negros retirados da África.


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nascimento do sistema capitalista, que buscava áreas comercias com intenção principal
de encontrar matérias primas e metais preciosos, transferindo-os para o continente
europeu através de transações comerciais, com o objetivo de acumulação de riqueza.
Era outra época, o mundo se transformara e o capitalismo se consolidou a partir do
século XVIII, com a Revolução Industrial, fazendo surgir grandes potências econômicas
que, a partir da segunda metade do século XIX, passaram a disputar os territórios não
só da América como da África e da Ásia. Era a fase do imperialismo e do
neocolonialismo, quando as colônias não só tinham o papel de fornecedoras de
matérias primas, mas também receberiam os capitais e a população excedente do
continente europeu. Relata Caneto (1985):

No século XIX, ¨Os burgueses capitalistas¨, como os denominou o historiador


Charles Morazé, senhores do capital, da ciência e da tecnologia, saíram pelo
mundo e se apropriaram direta e indiretamente das terras e mares do globo
terrestre. A questão não era mais, como na época mercantilista, somente a
troca de manufaturas europeias pelos produtos tradicionais do Oriente e dos
trópicos (p. 7).

As situações de dominação e exploração apresentadas nos dois momentos não


foram aceitas de forma tranquila e cordial pelos povos dominados, sendo as reações a
estes processos construídas, com uso de violência, através dos movimentos
emancipacionistas ocorridos no final do século XVIII, assim como nas guerras
libertadoras do século XX, e também de forma silenciosa e pacifica, através da
organização social, da manutenção da ancestralidade e preservação da cultura e dos
princípios religiosos do continente africano, por exemplo. É sobre essa última forma
apresentada de descolonização das práticas imperialistas, sem uso de violência e sim
pela resistência e afirmação de cultura, costumes e espiritualidade, que tratamos neste
artigo.

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1. Construção religiosa como forma de resistir

A África é o continente onde surgiu a humanidade e a civilização. No entanto,


tem sua história constantemente negada no espaço formal de educação vigente no
Brasil, baseado no pensamento eurocêntrico. A essa história foram atribuídos até
mesmo elementos que não fazem parte originalmente de sua cosmologia como, por
exemplo, a figura do diabo nas religiões afrodescendentes. O próprio nome é fruto de
relações exógenas e sua etimologia é de difícil caracterização (KI-ZERB apud
SILVÉRIO, 2013).
A tradição familiar africana é um dos instrumentos de compreensão das
articulações de pequenas e/ou grandes redes de sociabilidade entre grupos étnicos
com algum tipo de afinidade, que geravam riscos e benefícios, na “disputa pelo acesso
aos rios”, no “controle sobre as estradas ou rotas” e na construção de impérios e reinos
importantes, tais como os impérios egípcio e mali, o reino Kongo, os povos Banto,
Iorubá, Sudanês e Moçambique (ALBURQUEQUE; FILHO, 2006, p. 14).
As navegações europeias e as trocas comerciais estabelecidas com os africanos
no século XVI deram origem ao sistema colonial escravista brasileiro, o qual se
fundamentou no trabalho forçado de mais de 6,5 milhões de homens e mulheres
arrancados de suas terras. Durante mais de três séculos, a relação entre tráfico de
africanos, captura de indígenas no interior e utilização de mão de obra escravizada nas
atividades laborais foi fundamental para o desenvolvimento da economia portuguesa.
Ocorre que apesar de tamanha desumanidade durante os séculos de cativeiro,
a população africana e afro-brasileira conseguiu manter um intenso processo de
resistência, em vários âmbitos. Segundo Schwartz (2001),

A recalcitrância cotidiana, a lentidão no ritmo de trabalho e a sabotagem eram,


provavelmente, as formas mais comuns de resistência, ao passo que a
autodestruição por meio de suicídio, infanticídio ou de tentativas manifestas de
vingança eram as mais extremas no sentido pessoal. No Brasil, os exemplos
mais drásticos de atos coletivos foram as inúmeras rebeliões de escravos
ocorridas no início do século XIX na Bahia, porém rebeliões como a dos malês,

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em 1835, foram episódios verdadeiramente extraordinários. A forma mais


comum de resistência escrava no Brasil colonial era a fuga e um dos problemas
característicos do regime escravista brasileiro era a existência contínua e
generalizada de comunidades de fugitivos, que recebiam diversas
denominações: mocambos, ladeiras, magotes ou quilombos (p. 219-220).

Observa-se, portanto, que não se pode conceber a escravidão sem a forte


presença de uma resistência que perpassou todos os aspectos da vida social e cultural
dos cativos. Entretanto, segundo Reis e Gomes (1996), isto não significa que todo o
processo de resistência teve como princípio a “criação de uma sociedade alternativa
livre” (REIS; GOMES, 1996, p. 45).
A especialização das forças repressivas contra a resistência da população
negra, inclusive contra as suas manifestações culturais, teve influência também no
surgimento das religiões de matriz africana no Brasil, em meio à proibição religiosa
que se estabeleceu devido à predominância das religiões de matriz judaico-cristã na
colônia. Era proibida qualquer tipo de manifestação religiosa dos negros livres ou
escravizados, o que fez surgir entre esta população a perspectiva do sincretismo
religioso que, dentro das senzalas, era usado para continuar reverenciando os deuses
africanos (orixás), sem que os senhores brancos percebessem o verdadeiro sentido
da manifestação, como se pode verificar por meio do entendimento de R. Bastide
(1971, p. 87):
O assim chamado sincretismo resulta de três modalidades de relação:
estrutural, cultural e sociológica. O africano leva o panteão católico,
transbordante de santos e virgens-marias, a partir da relação entre os orixás
intercessores e Olorum, deixando de lado, no entanto, a ideologia católica
do ¨sofres aqui para gozar além”. Portanto, ao menos no início, será a religião
africana a purificar o catolicismo quando aceita o culto ao santo.

É neste contexto de resistência que as religiões de matriz africana, em uma


abordagem multiculturalista, podem ser consideradas como um dos principais
elementos de socialização e educação para as crianças e jovens negros que, durante
praticamente toda a existência, são tratados com indiferença e mesmo discriminação
no seu cotidiano, principalmente no ambiente escolar.

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2. Educação e multiculturalismo

Pensar e entender multiculturalismo e educação pressupõe analisar


concepções e experiências pedagógicas baseadas em um movimento teórico que
teve início em meados do século XX, nos Estados Unidos e que se difundiram no
mundo Ocidental como forma de enfrentamento dos conflitos gerados em função dos
problemas econômicos, políticos, etnicorraciais e culturais, na tentativa de combater
discriminações e preconceitos sofridos pelas minorias raciais e sociais como negros,
índios, mulheres e gays, haja vista as dificuldades de indivíduos e grupos em
conviverem com a pluralidade e as diferenças (VALENTE, 1999, p. 63).
Partindo da perspectiva econômica atual, nesse mundo que tem como base
uma economia completamente globalizada e de trocas instantâneas, percebe-se que
o local e o global se misturaram trazendo o distante para o perto, e ao mesmo tempo,
nos levando para o distante. A cada momento somos impelidos a pensar em uma
unidade humana baseada na ideia multicultural em convivência pacifica e tolerante, o
que não é nada fácil, visto que, não raro, a alteridade é vista com preconceito. Assim,
o que é diverso e plural torna-se inferior e passa a representar uma ameaça aos
padrões eurocêntricos estabelecidos no processo de colonização.

Os (as) educadores (as) não poderão ignorar, no próximo século, as difíceis


questões do multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do
conhecimento, da ética e do trabalho, que na verdade, as escolas já estão
tendo de enfrentar. Essas questões exercem um papel importante na
definição da escolarização, no que significa ensinar e na forma como as (os)
estudantes devem ser ensinados (as) para viver um mundo que será
amplamente mais globalizado, high tech e racialmente mais diversos do que
outra época da escola (GIROUX, apud CANDU,2002, p. 88).

Sendo assim, entendemos que a proposta de uma educação multicultural pode


vir a ser a solução para que, através da escola, possamos desfazer o processo de
discriminação, intolerância e racismo por que passam as crianças e os jovens de
religiões de matriz africana no ambiente escolar, preparando para estes uma

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convivência mais saudável, igualitária e com sua autoestima bem mais elevada. Este
pensamento se aproxima bastante do que diz Kabengele Munanga neste trecho do
texto educação e diversidade cultural.

Qualquer que seja a sua forma, o multiculturalismo está relacionado com a


política das diferenças e com o surgimento das lutas sociais contra as
sociedades racistas, sexistas e classistas. Por isso, a discussão sobre
multiculturalismo deve levar em conta os temas da identidade racial e da
diversidade cultural para a formação da cidadania como pedagogia
antirracista. [...] A questão da identidade é de extrema importância para
compreender os problemas da educação. Num país como o Brasil, ou melhor,
em todos os países do mundo hoje pluralista, as relações entre democracia,
cidadania e educação não podem ser tratadas sem se considerar o
multiculturalismo. No entanto, cada país deve formular os conteúdos do seu
multiculturalismo de acordo com as peculiaridades de seus problemas sociais,
étnicos de gênero de raça e etc. (TORRES, 2001, p. 195-245).

3. Decolonizando a educação

Descolonizar a intolerância religiosa nos espaços de educação formal no Brasil


é mais um grande desafio para os educadores brasileiros. É preciso construir um projeto
de educação que priorize a diversidade, o respeito, a tolerância com todos os
segmentos sócias e raciais que fazem parte do contexto escolar. Esta ação não é fácil,
apesar de já se ter conseguido avanços significativos nos últimos anos com a
implementação de leis, a exemplo da nº 10.639/2003, das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Etnicorraciais, do Estatuto da Igualdade Racial e da
ampliação de políticas públicas para a população negra da nossa república.
Analisando-se a história da educação brasileira observa-se que a mesma ainda
está atrelada a um modelo que foi implantado no pais há muito tempo (desde a chegada
dos jesuítas) e teve como referência principal a associação à religião, mais
precisamente à religião cristã na sua modalidade católica, a qual funcionou mais como
instrumento de instrução para garantir a associação dos colonos índios e negros ao
projeto colonizador do que como formadora da sociedade. Na verdade, este modelo

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educacional funcionava como mecanismo de dominação do branco sobre os demais


componentes etnicorraciais participantes do nosso processo histórico-civilizacional.
Assim sendo, os índios e os negros passaram a fazer parte de uma engrenagem
construída pelo dominador para o funcionamento da máquina colonizadora,
perpetradora de relações raciais desiguais através das quais os brancos dominavam
completamente os elementos de outras etnias, dificultando a expressão artística,
cultural e religiosa destes segmentos sociais.
Portanto, a escola que se pauta em uma educação monocultural, desprezando
a proposta multiculturalista, ainda desempenha, segundo Patrício Araújo, um papel de
mera reprodutora das estruturas sociais existentes e da cultura hegemônica. Funciona,
assim, como veículo disseminador da cultura e ideologia dominantes e dos valores que
determinados grupos sociais, culturais, políticos e religiosos consideram que devem ser
repassados às gerações futuras. Olhando a escola dessa perspectiva, podemos
mesmo afirmar que, no que tange a questão aqui em análise, a respeito da forma de
como o negro e sua cultura têm sido tratados pela escola, essa relação tem sido
marcada por práticas e condutas que revelam o quanto a escola continua presa à
disseminação ideologicamente enviesada de valores ligados aos grupos historicamente
majoritários, a saber, as classes social e economicamente mais favorecidas e aos
valores religiosos e culturais relacionados com o universo católico evangélico. (Araújo,
2015).
Pouco depois da lei nº 10.639/2003 ser sancionada, o Conselho Nacional de
Educação aprovou a resolução 01, de 17 de março de 2004, que instituía as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e, com isso, as escolas de educação básica
brasileira passaram a ter um documento que discute e aprofunda o teor da lei, com
possibilidades de orientar a sua aplicabilidade. Vale lembrar que todos estes avanços na
perspectiva de uma educação mais diversificada e multiculturalista, capaz de promover
modificações na forma de ensinar para o entendimento das diferenças e diminuição da

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prática de racismo na escola apresentam relação direta com os movimentos sociais


negros, que tiveram papel fundamental na construção de grande parte das políticas
públicas para inclusão social do povo negro.
Imaginava-se que, com essas legislações e demais políticas públicas citadas,
em pouco tempo o sonho de uma educação revolucionária, crítica e transformadora,
que não mais discrimine, maltrate ou humilhe os povos colonizados, pudesse ser
realizado e que se construísse uma relação de respeito, diversidade cultural, artística,
social e religiosa com o amparo da lei. Porém, apesar de muitos esforços, tanto por
parte do Estado, quanto dos movimentos sociais, as práticas de um tradicionalismo
monocultural permanecem, o que dificulta muito a efetivação das políticas públicas na
educação, além da falta de uma formação continuada para os profissionais da área.
A produção de material didático que apresente a história escrita com um viés africano,
e a construção dos currículos, ainda são um grande entrave para consolidação deste
projeto de educação transformador. Segundo a doutora Nilma Lino Gomes (2008):

Mais em que consiste tal desequilíbrio? Refiro-me ao lugar ocupado pela


discussão e práticas que tematizam a diversidade etnicorracial nos currículos,
principalmente aquelas desenvolvidas pelos centros de formação de
professores (a). De um modo geral, essa discussão não tem conseguido
ocupar um lugar relevante nos currículos de graduação no país nas diversas
áreas. Mesmo que as universidades públicas estejam passando por um
momento de restruturação dos cursos de licenciatura e de pedagogia, em
função das diretrizes curriculares nacionais específicas de cada área, a
diversidade etnicorracial enquanto uma questão que deveria fazer parte da
formação do docente continua ocupando lugar secundário (p .96).

Concordando com Gomes (2008), esse lugar secundário se expressa,


inclusive, no texto das diretrizes específicas para licenciatura e a pedagogia.
Lamentavelmente os cursos de formação docente ainda mantêm uma estrutura
curricular de caráter disciplina, gradeada e fechada à introdução dessas e de outras
questões tão caras aos movimentos sociais e tão presentes em nossa vida cotidiana.

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4. Decolonização religiosa na escola

Esta problemática apresentada, relacionando colonialismos, imperialismos e


descolonizações com educação, mostra como ainda estamos longe de atingir uma
maturidade na educação, que faculte a implantação de um modelo educacional de
respeito às diversidades. Essa realidade se apresenta ainda mais difícil de ser
superada quando se trata de crianças e jovens de religiões de matriz africana.
Estudos feitos por muitos pesquisadores em escolas e espaços sagrados de
matriz africana, assim como observações por meio de conversas nos espaços de
terreiros que tenho mantido com essas crianças e jovens há algum tempo vêm
demonstrando que o desrespeito, a discriminação racial e a intolerância que eles
sofrem no ambiente de educação formal, muitas vezes fazem estas crianças e jovens
assumir identidades completamente diferentes na vida cotidiana. A primeira no terreiro
de candomblé ou na casa de umbanda, onde são alegres e respeitados e têm funções
fundamentais para o desenvolvimento do bom andamento das atividades da casa,
dentro de uma hierarquia de cargos. A segunda na escola, onde escondem seu
pertencimento religioso, e com ele sua ancestralidade, suas roupas, suas contas, seus
rituais, seus momentos de recolhimento para obrigações religiosas. Quando dão
sinais dessa religiosidade, como a cabeça raspada ou o contra egum, sofrem
preconceito.
Essas atitudes de discriminação nos remetem ao período da escravidão,
quando o silenciamento das práticas religiosas africanas pelos negros era contornado
através do sincretismo religioso. Os orixás eram escondidos por trás dos santos da
igreja católica, e assim continuavam a ser cultuados. Essa técnica permanece até hoje
nos jovens pertencentes a essas religiões, como forma de resistir à dominação
colonial eurocêntrica, com a garantia da preservação de valores, cultura e
ancestralidade, como seus pais e avós faziam antigamente.

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Em sua tese de doutorado defendida em 2012 na Universidade Estadual do Rio


de Janeiro, a Doutora Stela Guedes Caputo traz relatos de várias entrevistas com
jovens e crianças de terreiros que contam, com muita propriedade, o que se analisa
neste texto. Seguem alguns desses relatos:

Quando vou para a escola sempre uso camisas de manga para esconder as
‘curas’ O depoimento foi dado por Joice Eloi dos Santos, aos 13 anos, na
mesma época que, como vimos, afirmou não ir para a escola com seus
colares e guias do candomblé justamente por se sentir envergonhada e para
evitar mais discriminação. Hoje, 27 anos, vimos que Joyce continua no
candomblé. Ela diz que, ao longo de toda a sua adolescência, principalmente
na escola, teve que conviver com alguma discriminação (CAPUTO, 2012,
p.199).

Jailson dos Santos tem 12 anos, dizia: ‘Sou Amúìsan, mas eu não digo que
sou’. Oito anos depois, ao entrevistar novamente Jailson, ele me diz que
nunca se sentiu discriminado na escola. ‘A não ser aquele preconceito
normal’. ‘Como assim, preconceito normal?’ pergunto. ‘De me chamarem de
macumbeiro e de acharem que macumbeiro está sempre pronto para fazer o
mal para alguém’. Para Jailson, ‘antigamente’ o preconceito era maior.
Pergunto como é que ele verifica isso e ele responde: ‘Não falo que sou do
candomblé. Se ninguém souber, ninguém discrimina’. Na escola durante toda
sua infância e adolescência, quando perguntavam a Jailson qual a sua
religião, ele não tinha dúvida de responder da mesma forma que sua irmã
Joyce: ‘sou católico’ A estratégica adotada pelos dois irmãos é o silêncio.
Lembremos que Jailson desempenha duas importantes funções no
candomblé: é Ogan e Amúìsan (CAPUTO, 2012, p. 201).

5. Considerações finais

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos povos afrodescendentes,


particularmente nas instituições de ensino pelas crianças e jovens, não se pode dizer que
o candomblé não adentrou a escola. Embora possa não ter efetivamente ocupado a sala
de aula, silenciosamente, alguns professores e lideranças sociais do movimento negro
introduzem estudos sobre História da África, cultura e religiosidade africana. A
necessidade de aplicação da Lei nº 10.639/2003 faz com que, em alguns momentos, esta
temática seja discutida, mas, mesmo assim, ainda é muito pouco desenvolvida.

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Desse modo, embora os meninos e meninas de religiões de matriz africana sintam


a proteção e a força dos orixás nos corredores, a intolerância religiosa persiste dentro da
sala de aula, afetando sua autoestima.
Atualmente o combate à intolerância religiosa sofre um retrocesso na medida em
que o Supremo Tribunal Federal aprova a medida que torna educação religiosa parte da
grade curricular do ensino básico no Brasil. Essa medida, que já era Lei em alguns
estados, deverá fortalecer ainda mais a discriminação e o racismo religioso, visto que
essas aulas de ensino religioso seguramente irão priorizar de modo doutrinário a
religiosidade de matriz judaico-cristã, em detrimento das religiões africanas e de outras
matrizes, apesar da Constituição Cidadã Brasileira de 1988 estabelecer a laicidade do
Estado.

Referências
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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “TECNOLOGIAS NOS ESPAÇOS


EDUCATIVOS”

POLÍTICAS E FORMAÇÕES CONTINUADAS SOBRE AS TECNOLOGIAS


NO ESPAÇO ESCOLAR DA REDE MUNICIPAL DE ILHÉUS/ BA

Janille da Costa Pinto*


Arlete Ramos dos Santos**

Resumo
Esse texto apresenta um panorama crítico inicial sobre as políticas e formações
continuadas referentes as tecnologias no espaço escolar da rede municipal de ensino
de Ilhéus/Ba. Buscando conhecer a efetividade das políticas públicas relacionadas as
tecnologias através das ações propostas pelo Plano de Ações Articuladas (PAR) que
estão em consonância com o Plano Nacional e Municipal de Educação e demais
legislações. Visa identificar como está sendo concretizada a formação continuada do
professor para inserir as tecnologias no espaço escolar de forma consciente. A
pesquisa bibliográfica e documental com abordagem qualitativa e enfoque descritivo
está em andamento, e se encontra vinculada a pesquisa macro: “O Plano de Ações
Articuladas (PAR) e as políticas educacionais em municípios da Bahia” que
possibilitou o esteio para a reflexão do tema abordado, fornecendo elementos
consistentes para o olhar relativo as tecnologias no município estudado. Até o
presente momento as reflexões e análises realizadas demonstram o olhar sensível da
gestão educacional do município para a inclusão das tecnologias no espaço
educativo. Contudo, necessita de maior investimento em infraestrutura tecnológica
para atender a demanda e estimular os professores a participarem das formações e
se verem como agentes sociais capazes de transformar a sua realidade.

Palavras-chave: Políticas. Formação continuada. Tecnologias.

* Professora da Rede Municipal de Ensino de Ilhéus-BA-Brasil. Membro do Centro de Estudos e Pesquisas em


Educação e Ciências Humanas – CEPECH/DCIE/UESC. Membro do Grupo de Estudos Movimentos Sociais,
Diversidade e Educação do Campo – GEPEMDEC/DCIE/UESC. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Infantil – GEPEI/DCIE/UESC. Integrante do Coletivo Paulo Freire DCIE/UESC.
** Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Educação, da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC

- BA). Coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Ciências da Educação – CEPECH/DCIE/UESC;


Coordenadora Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo –
GEPEMDEC/DCIE/UESC, com registro no CNPQ. E-mail: arlerp@hotmail.com
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Introdução

Quando falamos sobre as tecnologias no ambiente escolar há uma inquietação


em relação a sua implementação e aceitação dos profissionais da área em incluir tais
ferramentas na sua prática pedagógica, pois os professores não são capacitados para
utilizá-las, necessitando de uma formação específica de como agregar essas
tecnologias ao seu plano de aula. Sem isso, as mesmas ficarão guardadas nas caixas
e /ou armário na sala do gestor.
Vivenciando tais atitudes docentes de não incorporação das ferramentas
tecnológicas em sala de aula durante a caminhada profissional foram surgindo
inquietações relacionadas as formações desses professores e a efetivação das
políticas públicas que abordam a temática de inovação tecnológica no ambiente
escolar.
Em virtude disso, o presente artigo busca conhecer a efetividade das políticas
públicas relacionada as tecnologias que chegam até o município através das ações
propostas pelo Plano de Ações Articuladas (PAR) que é uma estratégia do
planejamento plurianual das políticas de educação, visando com que os entes
subnacionais elaborem seus planos de trabalho a fim de desenvolver ações que
contribuam para a ampliação da oferta, permanência e melhoria das condições
escolares (BRASIL, 2018).
Além de analisar essas políticas públicas, busca-se refletir sobre documentos
oficiais nacionais e locais que versam sobre a formação do professor relacionada as
tecnologias no ambiente escolar como por exemplo o Plano Municipal de Educação
(PME), Plano Nacional de Educação (PNE), Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), bem como parâmetros, diretrizes, leis e decretos que mencionam a
necessidade de inclusão tecnológica na educação, visando traçar um panorama
dessa inovação no Município de Ilhéus a partir de 2017.

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Partindo dessa premissa, surgiu o seguinte questionamento: como o Município


de Ilhéus articula as políticas e formações continuadas referentes a inovação
tecnológica na rede municipal de educação? Pois, encontramos muitos referenciais
que apontam a importância do uso dessas tecnologias no ambiente escolar, visando
a melhoria da práxis pedagógica do professor articulando as ações educativas e o
contexto social que estamos inseridos.
Para responder aos questionamentos acima apresentados, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica e documental, por meio da qual refletiu-se à luz de teorias e
pesquisas já realizadas que abordam a temática em tela. Tendo consciência que as
reflexões aqui fomentadas não são e jamais poderiam ser as únicas compreensões
existentes a respeito do fenômeno estudado, mas apresentamos um ponto de vista a
respeito da temática, mostrando a sociedade como o município de Ilhéus articula suas
políticas e formações continuadas referentes a inovação tecnológica nas unidades
escolares públicas.
Contudo, permitirá também a reflexão crítica sobre a postura dos dirigentes
municipais enquanto elementos detentores do poder local, capazes de fazer a
diferença, se implantarem efetivamente as políticas públicas que chegam até esse
ente federado para promover mudanças inovadoras na educação, visto que é salutar
ter consciência de que as tecnologias estão presentes em todo espaço histórico social
contemporâneo, devendo chegar até o fazer pedagógico educativo, que necessita
tanto inovar e incorporar as tecnologias como uma ferramenta não alienante, mais
sim, capazes de empoderar os atores que estão nesse lócus visando sua formação
enquanto cidadãos de direitos.

1. Metodologia
Visando responder aos objetivos elencados nesse artigo, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica, isto é de fontes secundárias que abrange alguns autores da

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bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, que tem por finalidade:
“colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado
sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham
sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas“ (MARCONI;
LAKATOS, 2006, p. 183).
Incorporada a essa pesquisa foi realizada a pesquisa documental, que tem
como fonte de coleta de dados restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o
que se denomina de fontes primárias (MARCONI; LAKATOS, 2006).
Desse modo, foi realizada na perspectiva de pesquisa qualitativa, pois “não se
preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da
compreensão de um grupo social, de uma organização, etc.” (GERHARDT; SILVEIRA,
2009, p.3). Logo, busca-se explicar o porquê das coisas, não quantificam os valores
pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e se valem de
diferentes abordagens (GERHARDT; SILVEIRA, 2009).
Assim, a pesquisa se desenvolveu sobre o cunho descritivo, pois visa descrever
as políticas públicas relativas a tecnologias na educação, analisando a sua efetividade
no espaço geográfico, histórico e social da rede municipal de Ilhéus, que segundo Gil
(2002, p.116) “consiste em traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem
redigidos”.
Por fim, os dados coletados foram analisados e refletidos, estabelecendo
parâmetros embasados nos objetivos, teorias e legislação vigente sobre as a inclusão
tecnológica no ambiente escolar e na formação continuada do professore, a fim de
elaborar as considerações propositivas e recomendações.

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2. Conhecendo as políticas públicas e formações continuadas sobre


tecnologias

Ciente de que as políticas públicas são “um conjunto de ações do governo que
irão produzir efeitos específicos” (LYNN, 1980 apud SOUZA, 2006, p. 24) e que se
materializa através dos conjuntos de programas e atividades desenvolvidas pelo
Estado diretamente ou indiretamente, visando assegurar direitos de cidadania, em
determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico.
Ao mesmo tempo sabe-se que as políticas públicas é um campo holístico e se
torna um campo ideológico de reprodução da dominação burguesa, que detêm o
poder para assim articular tais ações nos diversos níveis administrativos de uma
sociedade.
Nesse contexto, no Brasil está em vigência o Plano de Ações Articuladas (PAR)
que é uma estratégia do planejamento plurianual das políticas relacionadas a
educação, que engloba três dimensões: a gestão educacional, formação de
professores, dos profissionais de serviço e apoio escolar e as práticas pedagógicas e
de avaliação e infraestrutura física e recursos pedagógicos (BRASIL, 2018).
Esse Plano se pauta na Carta Magna de 1988, bem como na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/1996, que em seu artigo 32 prevê o
ensino fundamental gratuito nas escolas públicas, sendo obrigatório, possuindo como
objetivo a formação básica do cidadão, em que essa educação deve ser pautada na
compreensão: do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das
artes e dos valores em que se fundamentam a sociedade como destacando no inciso
II da LDB (1996).
Nesse sentido, comunga com as ideias destacadas na BNCC (2017), pois a
mesma apresenta como uma de suas 10 competências, que consubstanciam no
âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento:

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e


comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas

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práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e


disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e
exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (BNCC-
COMPETÊNCIA 5, 2017).

Assim, percebemos que a legislações e os planejamentos das políticas públicas


estão com o olhar sensível para a necessidade de incorporar as tecnologias no
ambiente escolar, bem como na formação do aluno e professor.
Tendo em vista esses aspectos sabemos também que ao longo da história
foram criados no Brasil diversos programas relacionadas as políticas públicas voltadas
para a tecnologia, como podemos destacar o Programa Nacional de Informática na
Educação (PROINFO), criado pela Portaria nº 522/MEC, de 9 de abril de 1997,
surgindo no cenário brasileiro com o fito de distribuição de computadores para as
escolas públicas e “promover o uso pedagógico da informática na rede pública de
ensino fundamental e médio” (NASCIMENTO, 2007, p. 33).
Por intermédio desse programa chegaram às escolas computadores, recursos
digitais e conteúdos educacionais e caberia aos entes federados garantir a estrutura
adequada para “receber” os laboratórios e capacitar os educadores para uso das
máquinas e tecnologias. No entanto, essa parceria não se concretizou com sucesso
nas escolas brasileiras.
Com esse programa, as escolas teriam a possibilidade de utilização de
softwares livres, produção de conteúdos específicos, voltados para o uso didático-
pedagógico, pois, cada computador do laboratório já vinha instalado o Linux-
Educacional conforme menciona o MEC (BRASIL, 2018).
Nesse período, também foi criado os Núcleos de Tecnologias Educacionais
(NTE’s) que eram responsáveis pela formação de técnicos, professores e pelo suporte
técnico e pedagógico nas escolas. De acordo com Nascimento (2007, p. 33), “os
NTE’s são locais dotados de infraestrutura de informática e comunicação que reúnem
educadores e especialistas em tecnologia de hardware e software”, com a finalidade

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de “apoiar tecnologicamente e garantir a evolução das ações do programa em todas


as unidades da Federação.”
Logo, o NTE deve ser um parceiro mais próximo da escola no processo de
inclusão digital, prestando orientação aos gestores, professores, e alunos, quanto ao
uso e aplicação das tecnologias, sua utilização e manutenção dos equipamentos.
Sabemos que na Bahia existem atualmente 16 Núcleos - três na capital e 13 no interior
- que compõem a estrutura do Instituto Anísio Teixeira – IAT, e juntos constituem uma
rede de experimentação em informática educativa e tecnologias audiovisuais (Núcleos
de Tecnologia Municipal- NTM, 2018). No âmbito municipal de Ilhéus esse NTE é
denominado NTM que comunga os mesmos princípios e funções dos NTE’s.
Com o tempo, as estratégias do governo em democratizar o acesso as
tecnologias no ambiente escolar foi ampliando, segundo Brito e Purificação (2015, p.
75) em 2005, o governo federal iniciou as investigações da possibilidade de doação
de laptops nas escolas, onde “até hoje existem diversos projetos estaduais e
municipais de informática na educação vinculados ao PROINFO/SEED/MEC”.
Já em 2007, iniciou a primeira fase do programa “Um Computador por Aluno
(UCA)”, em cinco escolas brasileiras, visando avaliar o uso de equipamentos portáteis
pelos alunos em sala de aula. Em 2010, foi realizada sua segunda fase. E em 2012,
surge a política de distribuição de tablets para professores do ensino médio pelo
projeto Educação Digital do Ministério da Educação.
Em 2014, nasce o Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia
Educacional (PROINFO INTEGRADO) da Secretaria de Educação Básica do
Ministério da Educação (BRITO; PURIFICAÇÃO, 2015).
E, finalmente, em 2017, por meio do Decreto nº 9.204, de 23 de novembro, o
governo institui o Programa de Inovação Educação Conectada, uma política que
propõe a articulação com demais políticas públicas, relacionadas como as metas do
Plano Nacional de Educação (PNE) 2014 – 2024, pois nesse PNE, estão elencadas

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metas que comungam com as ideias da inclusão tecnológica nas escolas, como
podemos destacar a estratégia 3.1 da meta 3:

3.1: Institucionalizar programa nacional de renovação do ensino médio, a fim


de incentivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares
estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos
escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos
obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho,
linguagens, tecnologia, cultura e esporte, garantindo-se a aquisição de
equipamentos e laboratórios, a produção de material didático específico, a
formação continuada de professores e a articulação com instituições
acadêmicas, esportivas e culturais (PNE- 2014-2024).

Podemos também visualizar o olhar sensível para o uso das tecnologias


educacionais na sala de aula nas estratégias 5.3 e 5.4 da meta 5:

5.3- Selecionar, certificar e divulgar tecnologias educacionais para


alfabetização de crianças, assegurada a diversidade de métodos e propostas
pedagógicas, bem como o acompanhamento dos resultados nos sistemas de
ensino em que forem aplicadas, devendo ser disponibilizadas,
preferencialmente, como recursos educacionais abertos.

5.4-Fomentar o desenvolvimento de tecnologias educacionais e de práticas


pedagógicas inovadoras que assegurem a alfabetização e favoreçam a
melhoria do fluxo escolar e a aprendizagem dos alunos, consideradas as
diversas abordagens metodológicas e sua efetividade (PNE- 2014-2024).

Por fim, nas estratégias 7.12 e 7.20 abordam também as questões dos recursos
tecnológicos digitais no ambiente escolar como podemos verificar abaixo:

7.12-Incentivar o desenvolvimento, selecionar, certificar e divulgar


tecnologias educacionais para a educação infantil, o ensino fundamental e o
ensino médio e incentivar práticas pedagógicas inovadoras que assegurem a
melhoria do fluxo escolar e a aprendizagem, assegurada a diversidade de
métodos e propostas pedagógicas, com preferência para softwares livres e
recursos educacionais abertos, bem como o acompanhamento dos
resultados nos sistemas de ensino em que forem aplicadas

7.20- prover equipamentos e recursos tecnológicos digitais para a utilização


pedagógica no ambiente escolar a todas as escolas públicas da educação
básica, criando, inclusive, mecanismos para implementação das condições
necessárias para a universalização das bibliotecas nas instituições
educacionais, com acesso a redes digitais de computadores, inclusive a
internet (PNE- 2014-2024).

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Referindo-se ao âmbito Municipal, podemos destacar o Plano Municipal de


Educação (PME) de Ilhéus, aprovado por meio da lei nº 3.629, de 23 de junho de
2015, estando este em consonância com PNE, ressalta a necessidade da inclusão
tecnológica nas escolas públicas da rede municipal desde a Educação Infantil como
aborda a estratégia 1.14:

1.14 Assegurar a criação e ampliação do acervo literário, de brinquedos, de


jogos, de instrumentos musicais/sonoros, de tecnologias educacionais, de
materiais e objetos educativos nas escolas de Educação infantil, para garantir
à criança o acesso a processos de construção, articulação e ampliação de
conhecimentos e aprendizagens em diferentes linguagens (ILHÉUS, 2015);

Assegura também nesse documento a formação inicial e continuada dos


professores “para a alfabetização de crianças, com o conhecimento de novas
tecnologias educacionais e práticas pedagógicas inovadoras” (PME- ILHÉUS,
ESTRATÉGIA 5.3, 2015). Acrescenta que a educação deverá:

possibilitar a diversificação curricular, a formação à preparação para o mundo


do trabalho, a inter-relação entre teoria e prática, integrando os eixos da
ciência, do trabalho, da tecnologia e da cultura, de modo a adequar ao tempo
e à organização do espaço pedagógico da escola (PME, ILHÉUS,
ESTRATÉGIA 8.3, 2015).

Além dessas proposições elencadas acima o presente Município garante por


meio da estratégia 8.6 “o uso de tecnologias educacionais e práticas pedagógicas,
que assegurem a alfabetização e a aprendizagem”. Destacando que no primeiro
semestre da aprovação do PME - aprovado em 2015- estaria assegurado “a utilização
de pelo menos 50% dos recursos do salário-educação para investimento na rede
física, em aquisição de tecnologias de informação para as unidades escolares,
formação continuada e material didático (PME- ILHÉUS, ESTRATÉGIA 20.7, 2015).
Contudo, o que está garantido nesta estratégia do PME (2015) em relação a
aquisição de recursos tecnológicos infelizmente não está sendo assegurado. Logo, o
município não alcançou a meta, necessitando, assim, rever e estipular novo prazo e
articular recursos financeiros para investir em tecnologias nos espaços escolares de
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sua rede municipal, não esperando somente das ações provenientes das parcerias
com o governo estadual ou União.
Em relação as políticas públicas articuladas através do PAR, o município aderiu
em 2017 a Política de Inovação Educação Conectada que propõe uma articulação
com demais políticas públicas e como as metas do PNE, apoiando o desenvolvimento
das competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Mediante esse programa o MEC disponibilizará recursos digitais e incentivará
a aquisição e socialização dos recursos entre todas as redes de ensino. Para tanto,
existe uma nova Plataforma Integrada de Recursos Educacionais Digitais do MEC que
agrega os diversos materiais digitais e programas já desenvolvidos pelo Ministério da
Educação e produzidos por outros parceiros. Tendo uma conexão para acesso à
internet de alta velocidade por infraestrutura terrestre, que contemplará escolas
localizadas em distritos e conexão por satélite, que poderá atender às demais escolas
públicas da educação básica (BRASIL, 2018).
Dessa forma, o MEC irá integrar as diversas políticas relacionadas ao uso das
tecnologias na educação, dando apoio técnico e financeiro às escolas e às redes de
educação básica para a inclusão da inovação e da tecnologia na prática pedagógica
das escolas, ofertando formações para professores, além de disponibilizar de
materiais pedagógicos digitais gratuitos e aquisição de recursos educacionais digitais
ou suas licenças (BRASIL, 2017).
Podemos então, visualizar que atualmente o Brasil possui políticas públicas
relacionadas a inserção das tecnologias no ambiente escolar, no entanto, muitas
políticas não se efetivaram/efetivam como estão traçadas nos documentos
normatizadores.

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3. Conhecendo a efetividade das políticas públicas e formações continuadas


sobre tecnologias no espaço escolar da rede municipal de Ilhéus/ BA

Sabe-se que as tecnologias educacionais têm gerado novas demandas ao


contexto escolar, onde o uso dessas tecnologias exige transformações radicais no
campo da educação, sendo preciso reavaliar teorias e reinventar estratégias e práticas
pedagógicas que as integrem.
Desta forma, para o domínio dessas tecnologias, exige-se do professor uma
nova qualificação que atenda às expectativas requeridas pelo novo panorama,
excluindo a ideias de que as tecnologias assumirão o seu papel ou irá desumanizar o
processo de educação. Mas sim, exigindo mudanças nas práticas pedagógicas, pois
segundo Demo (2007, p.50) “não faria sentido educar a nova geração com estratégias
velhas”.
Nessa perspectiva, as políticas públicas relacionadas as tecnologias e
formações continuadas do professor devem se efetivar atendendo a todos os
requisitos impostos pelos documentos que a normatizam. Desta forma, o município
de Ilhéus, desde 2017 até o presente momento possui consciência de que o professor
deixou de ser somente um lecionador para ser um gestor do conhecimento social
(GADOTTI, 2007), necessitando letrar-se digitalmente para poder utilizar as
ferramentas tecnológicas.
Nesse sentido, o presente Município, através das ações da Secretaria
Municipal de Educação e do Núcleo de Tecnologia Municipal (NTM), vem
proporcionando a efetivação de algumas políticas públicas relacionadas as
tecnologias e também formações continuadas dos atores educacionais. Momentos
esses que viabilizaram reflexões na e sobre a ação (Schön,2000) e como utilizar essas
ferramentas na prática pedagógica de forma concreta, além de selecionar e criar
estratégias que tornam as aulas mais dinâmicas e significativas.
Levando em consideração essas necessidades, em 2017 o NTM assistia a 46
unidades escolares da rede municipal de ensino de Ilhéus. Esse núcleo vem

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implementando ações, de fomento à realização de práticas educativas que


contemplou o uso das tecnologias educacionais por meio de oficinas realizadas nas
escolas que possuíam laboratório de Informática.
Essas oficinas fizeram parte das ações do NTM-Ilhéus apresentadas no seu
Plano de Ação 2017 que tinha como objetivo: “Implementar a formação continuada
dos educadores para utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação
nas diversas modalidades de ensino, fomentando a realização de práticas educativas
que contemplem o seu uso (ILHÉUS, 2017).
Cabe, então, destacar que esses laboratórios de informática chegaram até as
escolas por meio do programa PROINFO. Conforme o documento: “Dados levantados
em 21-03-2012 e atualizados em 07-08-2017” do NTM (2017) foram instalados 39
laboratórios de informática. No entanto, nem todos estão funcionando como deveriam.
Existem laboratórios que foram desativados e o espaço transformou-se em sala de
aula e/ou depósito. Outros foram desativados por rachaduras nas paredes
decorrentes de reformas e problemas no telhado que geraram alagamento do espaço,
havendo até um laboratório que foi desativado por infestação de cupins nas bancadas.
Nos laboratórios que estão ativos, os equipamentos estão em quase sua
totalidade apresentando diversos defeitos e/ou faltam peças que impedem o seu
funcionamento.
Infelizmente, conforme dados apresentados pelo NTM tiveram 4 (quatro)
laboratórios que nem chegaram a ser instalados, devido a falta de adequação das
estruturas físicas, elétricas e de segurança, como por exemplo instalar grades, ar
condicionado e trocas de fiações elétricas.
Essas informações são ratificadas na fala de Pinto (2017, p. 129) quando diz:
“possui um laboratório de informática desabilitado, com computadores, impressoras e
ar condicionado ainda lacrados em caixas” na Creche Municipal Dom Eduardo onde
possui:
uma sala planejada desde 2009 para funcionar o laboratório de informática,
porém, os 18 computadores e 01 impressora não foram instalados devido a

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fragilidade da segurança no local (não havendo grades nas janelas e portas,


nem fiação elétrica adequada), por isso, essa sala foi transformada em
brinquedoteca, onde os computadores estão nas caixas “escondidos”
embaixo das bancadas.

Figura 1 - Fotos A e B dos computadores e impressoras da sala do laboratório


de informática (atual brinquedoteca)

Foto A Foto B
Fonte: Janille da Costa Pinto, 2016.

Contudo, sabemos que esses laboratórios de informática foram custeados pelo


PROINFO, voltado para a introdução da tecnologia no processo ensino-aprendizagem
visando a implantação dos computadores nas escolas públicas, no entanto nem todos
os alunos tiveram a oportunidade de ter esse contato com esses suportes tecnológico
e o professor fazer uso em sua práxis pedagógica.
Mediante esses dados entendemos que o município possui 50 (cinquenta)
unidades escolares, sendo 13 localizada no campo, 6 (seis) atendem aos anos finais
do Ensino Fundamental, 9 (nove) somente Educação Infantil, sendo que 5 (cinco) são
conveniadas com o município. 22 (vinte e duas) atendem os anos iniciais, no entanto,
dentre essas, existem 11(onze) que atende também a Educação Infantil. E em 2017
só foram instalados somente 39 laboratórios. Logo, essa política pública não se
efetivou, como está posto nos documentos já analisados acima.
Em 2017 foi realizado também no Município de Ilhéus formações continuadas
para os atores do processo educativo, viabilizadas pelo NTM- Ilhéus. Essas formações
foram realizadas nos momentos de planejamento pedagógico nas escolas que

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possuíam os laboratórios de informática ativos, sendo concretizadas por meio das


seguintes oficinas: “Bem-vindos ao Linux Educacional”, ofertada para todos os
docentes e equipe gestora da unidade escolar. Nessa oficina abordou questões
referentes a otimização do Espaço Digital de Aprendizagem (EDA) da escola,
familiarização com a interface do Linux Educacional, além de apresentar sugestão de
uso dos aplicativos e jogos em atividades pedagógicas de acordo os níveis de ensino,
sendo realizada de forma presenciais e também com atividade à distância.
Foi realizada em 2017 a oficina “Blog na escola” para representantes das
unidades escolares da rede municipal, que tinha o objetivo de criar o blog da escola
para socializar as atividades educacionais desenvolvidas no contexto escolar.
E, por fim, e não menos importante, foi realizada a formação gestores escolares
para uso das TIC’s, que visava “sensibilizar os gestores escolares para a importância
do envolvimento na incorporação das tecnologias da informação e da comunicação
(TIC) na escola” (ILHÉUS, 2017).
Já em 2018, o NTM e a Secretaria de Educação Municipal redimensionaram as
ações relacionadas as tecnologias criando quatro projetos estruturantes que:

norteiem a prática de ensino e de aprendizagem de educadores e aprendizes


com o uso das tecnologias existentes na escola e no cotidiano desses sujeitos
da prática educativa. São eles: Rádio na escola; Produção de vídeos e
fotografia digital; Conteúdos digitais, jogos e aplicativos educacionais; e
Redes sociais na Educação (ILHÉUS, 2018).

Nesse contexto formativo, as ações pretendem estimular práticas educativas


que contemplem o uso das Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação nas
unidades escolares da rede municipal de ensino de Ilhéus. As ações dos quatros
projetos se desenvolvem realizando primeiramente um diagnóstico inicial para traçar
o perfil pedagógico e tecnológico das escolas, após realiza a formação continuada por
meio de oficinas, estudos etc., além de proporcionar momentos de planejamento de
ações, pesquisa de materiais, realização de reuniões, produção, acompanhamento e
suporte pedagógico e tecnológico.
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Esses projetos foram apresentados para os gestores escolares e os mesmos


em conjunto com a comunidade escolar fizeram a adesão tendo em vista a realidade
tecnológica da unidade de ensino que gesta. Sendo que os projetos são
desenvolvidos tanto nos momentos das atividades complementares (AC) quanto em
outros momentos previamente definidos e articulados com a equipe escolar.
No que tange ao projeto estruturante “Produção de vídeos e fotografia digital
na escola”, o mesmo é ofertado para professores e alunos de escolas da Rede
Municipal de Educação, visando “produzir trabalhos em formato de imagem e de vídeo
digital, possibilitando o desenvolvimento intelectual, criativo, estético, de expressão e
de consciência de si mesmo, do outro e dos ambientes físicos e virtuais em âmbito
local e global” (ILHÉUS, 2018)
Em relação ao projeto “Conteúdos digitais, jogos e aplicativos educacionais”, o
mesmo “fomenta a utilização dos conteúdos digitais educacionais, jogos e aplicativos
na prática pedagógica”. (ILHÉUS, 2018)
Já o projeto “Rádio na escola”, intenta possibilitar ao educando e professores o
conhecimento da trajetória do rádio até os tempos atuais “considerando todas as
modificações no tempo e espaço, fazendo o aluno perceber o valor social, político e
artístico do rádio” (ILHÉUS, 2018). Esse projeto também busca “desenvolver
habilidades e competências de comunicação social, por meio da criação de uma rádio
na escola, promovendo aprendizagens, informação, entretenimento e interação na
escola, com a participação de toda a comunidade escolar” (ILHÉUS, 2018).
Por fim, o projeto “Redes sociais na educação busca” se propõe “utilizar as
redes sociais mais comuns na atualidade, visando a construção de redes
colaborativas de aprendizagem, com a participação da equipe pedagógica, gestora,
discentes e comunidade escolar” (ILHÉUS, 2018). Então, nas oficinas serão
disponibilizados acompanhamento pedagógico e suporte tecnológico, a fim de
viabilizar as ações planejadas de maneira satisfatória, além de criar grupos de estudo
e/ou páginas onde os alunos e professores possam interagir compartilhando

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conhecimentos, apresentando sempre as potencialidades da utilização das redes


sociais, como recurso pedagógico na produção do conhecimento.
Percebe-se que as ações relacionadas as tecnologias educacionais no
presente município, abrange todos os atores do processo educativo, implicando,
assim, que todos precisam se permitir a inovação, participando de formação
continuada, a fim de familiarizar-se com as tecnologias educacionais, não resistindo a
entrada de ferramentas tecnológicas em suas salas de aula.
Felizmente, o Município pesquisado reconhece que as tecnologias
educacionais devem transcender a vida social, adentrando aos muros das unidades
escolares, precisando ser mediada para realizar sua função de inovar o processo do
ensino e aprendizagem que são exigências atuais da sociedade da informação e
comunicação.
Contudo, torna-se imprescindível agregar a essas formações as condições
físicas, estruturais, de manutenção e aquisição de novas ferramentas tecnológicas
para o professor em seu planejamento pedagógico poder usá-las com seus alunos e
assim tornar as aulas mais significativa.

4. Encaminhando uma conclusão

Em face das informações coletadas nos documentos relativos as políticas


públicas de inovações tecnológicas e a sua concreticidade no Município de Ilhéus,
percebe-se, que a partir de 2017 o município teve um olhar diferenciado para a
inovação tecnológica no ambiente escolar e, principalmente, no que tange sua
inserção na prática pedagógica do professor.
O Município apresenta ações realizadas através da Secretaria de Educação
conjuntamente com o NTM que proporcionam a efetividade das políticas de inovação
tecnológica, além de criarem projetos de intervenção com cunho tecnológico,

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formativo e pedagógico que corroboram com as ideias dos programas federais, pois
o Município trabalha em regime de colaboração com os demais entes federados.
No entanto, torna-se necessária a participação, engajamento e apropriação
dessas tecnologias por parte dos professores, para, assim, realizarem um novo
modelo pedagógico de ensinar e aprender, com interações mediadas pelas
tecnologias que o município disponibiliza. Justamente por que, o professor deve
incorporar as tecnologias na sua práxis pedagógica, visando a transformação da ação
educativa que integre as demandas sociais, o currículo e a emancipação política dos
indivíduos que estão em desenvolvimento e formação de identidade no espaço
escolar.
Contudo, sabemos que em muitas unidades escolares há dificuldades de
efetivação dessas ações por vários motivos, como exemplo: o acesso as redes da
internet, falta de reposição dos suprimentos tecnológicos e principalmente a
manutenção dessas ferramentas tecnológicas, pois a demanda do município é grande
para a quantidade de colaboradores que trabalham no NTM.
Assim, faz-se necessária a ampliação desses projetos para todas as escolas,
independente de possuírem ou não os equipamentos, devendo o Município ofertá-los,
para, assim, poderem se efetivar, visto que esses projetos locais são salutares para a
concretização das estratégias mencionadas no PME que abordam as tecnologias e
formação do professor.
Portanto, o Município de Ilhéus articula as políticas e formações continuadas
referentes a inovação tecnológica na rede municipal de educação em consonância
aos documentos oficiais, tentando atingir as metas estabelecidas pelo PNE e PME
que abordam as tecnologias com ações que enfatizam a formação continuada do
professor, para, assim, poderem realizar mudanças em sua prática pedagógica,
visando a adequação das demandas da sociedade da informação e conhecimento que
vivemos.

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do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em
regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação
das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e
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CÍRCULOS DE DIÁLOGOS “POVOS INDÍGENAS: TERRITORIEDADE


E EDUCAÇÃO”

POSSIBILIDADES EDUCATIVAS DO FILME COMO ERA GOSTOSO O


MEU FRANCÊS

Clarissa Damasceno Melo*


Paula Regina Siega**

Resumo
Organizados, sociedade civil e movimentos sociais ligados à causa indígena no Brasil
conseguiram potencializar o debate acerca dos direitos dos povos originários e, em
2008, foi aprovada a lei nº 11.645, que determinou a inclusão, nos currículos escolares
da Educação Básica pública e privada, o ensino da História e Culturas Afro-brasileiras
e Indígenas. No entanto, no que se refere à educação escolar indígena, ainda muitos
impasses, irregularidades e desafios se impõem cotidianamente diante do efetivo
cumprimento desta lei. O presente artigo pretende apresentar um roteiro de trabalho
em sala de aula baseado em Ricci (2008), que contemple as possibilidades de efetiva
aplicação da lei 11.645/2008 nas escolas, apresentando o filme Como era gostoso o
meu francês (1971), de Nelson Pereira dos Santos, como um potencial material
pedagógico a ser utilizado; visto que, diante de diversos materiais estigmatizadores,
incompletos, superficiais e/ou preconceituosos, esta película apresenta um outro olhar
para a relação existente entre colonizados e colonizadores, oxigenando o debate
sobre a imagem e a representação dos povos originários.

Palavras-chave: Povos originários. Educação escolar. Cinema. Nelson Pereira dos


Santos.

* Graduada em Letras, com habilitação em língua portuguesa e inglesa e suas respectivas literaturas, pela
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, Ilhéus - BA. Mestranda em Letras, Linguagens e Representações,
na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus – BA. E-mail: clarissam870@gmail.com
** Professora do Departamento Letras e Artes – DLA. Professora do PPG-Letras, Linguagens e Representações,

na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus – BA. E-mail: paula.siega@gmail.com


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Introdução

O presente artigo é um recorte da pesquisa de mestrado em andamento


“Imagens da antropofagia nos relatos de viagem e em Como era gostoso o meu
francês” e está afiliado ao projeto de pesquisa “Gente tragadora de gente, textos
tragadores de textos: a constante temática da antropofagia na literatura brasileira
(séculos XVI ao XVIII)” coordenado pela professora Drª Paula Regina Siega na
Universidade Estadual de Santa Cruz e fundamenta-se, sobretudo, nas discussões
que pertencem ao entendimento da relação construída entre colonizadores europeus
e povos originários desta terra. O objetivo é apresentar uma proposta simplificada de
sequência didática voltada para uma turma de terceiro ano do ensino médio utilizando
um material cinematográfico, o filme Como era gostoso o meu francês (1971), como
material pedagógico.
Sabemos que muito já se foi discutido sobre a conquista e garantia de direitos
dos povos e comunidades tradicionais, como o acesso a justiça, educação própria e
regularização fundiária; mas apenas em 2008 a lei nº 9.394/1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, foi alterada em prol da educação escolar
indígena, estabelecendo a lei nº 11.645 que preconiza o ensino, nas escolas públicas
e privadas, urbanas ou rurais, o ensino de História e Culturas afro-brasileira e
indígena. No entanto, fruto de séculos de colonização, dizimação e etnocídio; a
estigmatização dos povos tradicionais impede a plena contemplação desta lei, pois
ainda vigora, inclusive em salas de aula, mitos sobre os povos indígenas que não só
desrespeitam toda sua história, mas aprofundam preconceitos e validam violência.
Assim, é dessa forma que, baseados na proposição de trabalho pedagógico
com audiovisual da pesquisadora Cláudia Sapag Ricci (2008), objetivamos apresentar
o filme Como era gostoso o meu francês (1971), de Nelson Pereira dos Santos, como
um potencial material para uma aula de ensino de História e Cultura indígena voltada
para o ensino médio, pois diverge das representações universalizantes e

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preconceituosas. É elementar que, sabendo da ausência da disciplina História e


Cultura Indígena nas escolas de ensino básico, apesar da vigência da lei, construímos
este artigo pensando no filme enquanto possibilidade educativa em diversas outras
disciplinas que pretenderem contemplar a temática indígena em sala de aula.
Para tal, este artigo se organiza nas seguintes partes: a) comentário geral sobre
a utilização do cinema em sala de aula, tendo o filme Como era gostoso o meu francês
(1971) como norteador desta discussão, b) considerações e descrição comentada do
filme e, finalmente, c) a apresentação de um roteiro de trabalho com filmes e vídeos
em sala de aula (RICCI, 2008), apresentando a película de Nelson Pereira dos Santos
como material pedagógico.

1. Cinema e ensino

É ponto fulcral deste trabalho a constatação de que, vivendo em uma realidade


multimodal, o domínio das imagens sobre as palavras, no mundo moderno, é inegável.
As ruas, o comércio, os livros didáticos, os jornais, revistas e todo e qualquer material
cotidiano estão impregnados de imagens, utilizadas para chamar atenção, fazer
comércio, educar etc. Sobre isso, Robert Rosenstone (1997) afirma que, por causa do
domínio da imagem, “a principal fonte de conhecimento histórico para a maioria da
população é o meio audiovisual” (p. 3), justamente porque a imagem, diferente dos
livros, domina as esferas do cotidiano do indivíduo urbano. Desta maneira, não é
absurda a ideia de utilizar o material cinematográfico como potencial material
pedagógico, não pretendendo anular o cinema em si mesmo, mas instrumentalizá-lo
como grande facilitador no processo de ensino-aprendizagem.
Sabemos, porém, que a) a realidade estrutural para a utilização do filme em
sala de aula é heterogênea, pois boa parte das escolas do país não conta com

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aparelhagem adequada de transmissão de vídeo 99 e que b) os filmes atrativos, por


conta de um enraizamento cultural de consumo de audiovisual, desprivilegia o
consumo de filmes que, comparados às produções hollywoodianas, são considerados
heterodoxos. No entanto, estas questões, apesar de serem de inegável importância,
por não pertencerem ao bojo de discussões que pretendemos levantar neste trabalho,
terão, a seguir, respostas restritivas.
No que se refere à situação de heterogeneidade de distribuição de materiais
tecnológicos em escolas brasileiras, consideramos que, enquanto profissionais de
educação, não podemos deixar de refletir sobre possibilidades pedagógicas sempre
que um problema estrutural aparece. Se assim fizermos, perderemos não só a
ferramenta educativa, mas o enfrentamento prático para a superação destes
problemas. E em relação à segunda questão, podemos interpor uma outra, que é a
norteadora deste artigo: de que forma um filme heterodoxo e importante para a
cinematografia nacional, mas ao mesmo tempo de considerável grau de
complexidade, pode ser transformado como potencial objeto educativo em uma sala
de aula de ensino médio?
Para responder esta questão, partiremos exatamente dessa ideia de que,
apesar de complexo, Nelson Pereira dos Santos construiu um filme essencial não
apenas para a nossa cinematografia, mas para nossa cultura, de modo geral. Dessa
forma, apesar da difícil compreensão de sua obra, em um primeiro momento, por parte
de um público mais jovem; é por ser formatada em cima de metáforas e reflexões
sociais e políticas muito densas, que se torna imprescindível torná-la conhecida logo
no ensino médio.
Não se trata, porém, de apenas conhecer a Nelson Pereira dos Santos, sua
obra e sua importância para o cinema nacional; mas reconhecer que Como era
gostoso o meu francês (1971) possibilita uma discussão renovada e não-

99Segundo Jairo Carvalho do Nascimento (2008, p.7), apenas 27,7% das escolas de educação básica possuem kit
tecnológico completo.
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estigmatizadora acerca dos povos originários. Sendo assim, aqui, a


instrumentalização educativa do filme poderá ocorrer de duas formas: a) a reflexão
sobre a relação colonizador versus colonizado, prescrita nos primeiros anos de
formação do Brasil, em que se tenha como finalidade a compreensão, por parte dos
alunos, de que o Brasil foi construído a partir de um etnocídio e b) um outro olhar sobre
os povos originários e a reflexão sobre duas questões: quem seria o verdadeiro herói
no filme, a personagem do francês ou os povos indígenas? A resposta desta pergunta
converge ou diverge da versão cristalizada e estigmatizada da história dos povos
originários?
A seguir, apresentamos considerações gerais e descrição comentada do filme
a fim de, antes de apresentar um roteiro de trabalho utilizando-o, possamos refletir
sobre suas contribuições educativas.

2. Como era gostoso o meu francês, e diferentes, os povos do Brasil

Se analisarmos os relatos de viagem de europeus que estiveram no Brasil


durante o período de colonização, perceberemos que a figura dos índios é
apresentada para que se acredite que se trata de povos violentos, estranhos e, por
isso mesmo, bárbaros a serem domesticados. Em Viagem ao Brasil de Hans Staden,
de 1557, edição original de Marburg, tem o frontispício em forma piramidal com as
seguintes palavras:

Descrição verdadeira de um país de selvagens nus, ferozes e canibais,


situado no Novo Mundo América, desconhecido na terra de Hessen antes e
depois do nascimento de Cristo, até que, há dois anos, Hans Staden, de
Homberg, em Hessen, por sua própria experiência, o conheceu (...) (apud
STADEN, 2006, p.11).

Fica claro, desde então, que seus relatos de viagem serão entrecortados por
um olhar que, horrorizado, não compreendeu os costumes das sociedades que nesta

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terra viviam. Trata-se de um relato cheio de desenhos autorais e descrições do que


viu enquanto esteve em cativeiro tupinambá. Os relatos vão desde a vida cotidiana e
habitações dos “selvagens” até as batalhas travadas entre diferentes povos, noções
de estratégias de guerra aplicadas durante estas batalhas e os rituais antropofágicos.
Staden dividiu seu livro em dois: As viagens e A terra e seus habitantes e conclui
sendo ele o vencedor, vez que, com sua astúcia e fé, consegue livrar-se do cativeiro.
Outro que registrou suas experiências no Brasil colonial foi o francês Jean de
Léry que publicou, em 1578, A História de uma viagem a terra do Brasil, de quem
Nelson Pereira dos Santos cooptou o nome:

A fonte de inspiração [para o argumento do filme] mais importante foram as


aventuras de Hans Staden, o alemão, que no século XVI, servindo como
artilheiro para os portugueses, caiu preso em poder dos índios tupinambás.
(...) Nelson pesquisou intensamente a literatura existente sobre esse tema
(...). Mas na história de Nelson o herói tem destino bem diferente do de
Staden. Para começar, o alemão vira francês (SALEM, 1987, p. 265).

Em entrevista a Helena Salem, Nelson justifica a mudança de nacionalidade da


personagem principal dizendo que

Ele (Staden) experimentara uma aventura individual. Pareceu-me mais


indicado um personagem francês, já que os franceses participaram
diretamente da colonização, (...) mais interessante para a apreciação de um
choque de culturas (SANTOS apud SALEM, 1987, p.265).

Ou seja, para NPS interessava fazer um filme cujo argumento principal é o contato
entre diferentes, colonizadores e colonizados, construindo um debate sobre os frutos
dessa relação.
Seu filme começa com europeus e índios caminhando pelo cenário tropical de
uma praia deserta. Enquanto se movimentam, uma voz over de radialista anuncia as
“Últimas notícias da França Antártida enviadas pelo almirante Villegaignon” enviadas
a Ítalo Calvino, cujos relatos evidenciam o olhar horrorizado no homem europeu sobre
os povos indígenas. Trata-se da leitura de um documento histórico trazido por Nelson,
para o filme:
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O país é deserto e inculto, não há casas nem tetos, e quaisquer acomodações


de campanha, ao contrário, há muita gente arisca e selvagem, sem nenhuma
cortesia ou humanidade, muito diferente de nós em seus costumes e
instrução, sem religião, nem conhecimento da honestidade nem da virtude,
do justo ou do injusto, verdadeiros animais com figuras de homens
(VILLEGAIGNON apud NELSON P DOS SANTOS, 1971, s/p).

No entanto, enquanto a voz over narra o texto, o plano sequência de Nelson


Pereira dos Santos mostra uma realidade diversa da anunciada: há, no lugar, e
contrariando a narração, nativos dóceis, servis e que aparentam acolher os europeus
que ali estavam. A voz de radialista prossegue a narração afirmando que “como as
mulheres só vem acompanhas dos maridos, a oportunidade de pecar contra a
castidade se encontra afastada”, e novamente as imagens na tela contradizem o
documento com ironia, mostrando homens brancos avançando sexualmente sobre as
índias que ali estavam.
Já é possível perceber, desde a introdução, o tom de jocosa ironia com que
NPS vai tratar estes textos históricos nos quais baseou seu filme. Em toda a película
Nelson fará referências diretas a estes relatos históricos, sendo eles de Hans Staden,
Jean de Léry, os padres jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega e André
Thevet, finalizando com Mem de Sá. Todos estes documentos históricos serão
contrariados, reprogramando ironicamente a visão que fora impressa por eles através
das imagens.
O filme segue e a figura do francês aparece logo após se livrar de um
afogamento; mas é capturado pelos tupiniquins, que, na época, eram aliados dos
portugueses. Há um conflito entre tupiniquins e tupinambás e, durante a batalha, Jean
torna a ser capturado, mas, desta vez, pelos tupinambás. Estes eram aliados dos
franceses, mas não conseguiram compreender que Jean não era português, mas um
francês – e por isso, também aliado. Logo depois da cena em que Jean, em vão, tenta
comunicar que é um francês, aparece um letreiro preto com letras brancas com a
seguinte frase de Abade Thévet: “Em São Vicente, habitam os portugueses, inimigos
dos franceses, os selvagens desse lugar são inimigos dos que habitam o Rio de

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Janeiro”. A citação de Thévet dá um caráter historiográfico sobre as relações entre


sociedades indígenas e colonizadores, em alianças próprias. No entanto, nossa
interpretação desta cena é a de que NPS construiu uma crítica sobre o olhar do
colonizador sobre os colonizados que vigora muito fortemente ainda hoje: a de que os
povos originários do Brasil eram, na verdade, um povo só, igual em costumes e
organização social. Esta visão uniformizadora constitui parte do etnocídio desses
povos que aqui viveram e acontece também sobre o continente africano, por exemplo,
na tentativa de homogeneizar as diversidades culturais e sociais de povos distintos,
gerando apagamento das culturas dessas sociedades. No filme, NPS devolve esse
apagamento, e não tupinambás e tupiniquins são homogeneizados, mas os europeus,
apresentados sem distinções entre um português e um francês.
Adiante, Jean é apresentando a Seboipep, que será sua mulher até o momento
de ser devorado100, Cunhambebe, o chefe, aparece reconhecendo-o como português
e afirma: “os franceses trazem facas, machados e pentes, que trocam por madeira e
pimenta. Ele não trouxe nada, por isso é português”. O letreiro que esta cena
contrapõe traz uma citação de Padre Anchieta, que diz: “são como tigres, porque estão
soberbos com as coisas que lhes dão os franceses, sua natureza é cruel, amiga da
guerra e inimiga de toda paz”. A ironia construída por NPS está justamente na
adjetivação, atribuída aos índios por Anchieta, de “soberbos”, quando na verdade
aceitam coisas banais, como facas, machados e pentes em troca de coisas valiosas,
levadas pelos colonizadores, como madeira e pimenta.
E assim, todas as vezes em que NPS recorre ao letreiro como recurso de
construção argumentativa de seu filme, a ironia e sarcasmo é quem constroem as
cenas. O próprio destino de Jean é uma grande ironia: os viajantes que aqui estiveram
puderam escrever seus relatos porque não foram devorados; portanto, nesta relação

100Hans Staden (2006) menciona que aos prisioneiros eram ofertadas mulheres, que seriam suas companheiras,
até o momento de ser devorado: “Dão-lhes uma mulher para os guarda e também ter relações com eles. Se ela
concebe, educam a criança até ficar grande; depois, quando melhor lhes parece, matam-na a esta e a devoram”
(p.160)
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inter-cultural, os europeus que publicaram suas visões acerca dos povos originários,
saíram vitoriosos para contar a história. No entanto, em Como era gostoso o meu
francês, Jean é devidamente devorado, apesar de diversas vezes ter tentado enganar
aos índios e até mesmo fugir. O ritual fora encenado de acordo com os seguintes
escritos de Hans Staden:

Trançam também uma corda comprida a que chamam Messurana (muçurana) com a
qual os amarram até morrer (...) conduzem o prisioneiro uma ou duas vezes pela praça
e dançam ao redor dele. (...) amarram a muçurana ao pescoço do prisioneiro. No
mesmo dia, pintam e enfeitam o bastão chamado Iwera Pemme (ibirapema), com que
o matam (p.160).

No filme, Jean aparece amarrado pela muçurana, e então é mostrado o


ibirapema. Ouve-se o golpe contra o francês, e então a imagem abre em plano geral,
encerrando o filme. Sendo o francês devorado, NPS inverteu esses papeis de vitória:
no filme, os índios é quem mantém seus valores culturais, neste caso, a antropofagia,
em detrimento dos costumes europeus. Assim, NPS constrói uma narrativa em que
não o colonizador, mas o colonizado quem sai como vencedor na disputa étnica:

A verdade (visualizada) do colonizado, contraposta pelo ponto de vista


etnocêntrico do colonizador europeu, que não consegue (nem tenta)
compreender uma cultura desconhecida e diferente da sua, preocupado
apenas em dominá-la. Por um lado, os índios se maravilham com a
supremacia tecnológica (...), por outo, permanecem fiéis a sua própria cultura,
comendo o europeu tido como inimigo, por mais bonzinho que ele se revele.
(SALEM, 1987, p. 268)

Ao construir a cena de antropofagia, Nelson brinca com as emoções de seu


espectador, que até se comove com a morte do francês, mas que, logo em seguida,
é surpreendido com um novo letreiro, desta vez de Mem de Sá, Governador Geral do
Brasil em 1557, que diz: “Lá no mar pelejei, de maneira que nenhum tupiniquim ficou
vivo. Estendidos ao longo da praia, rigidamente, os mortos ocuparam cerca de uma
légua”.

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Dessa maneira é que, ainda com ironia, NPS conclui sua película, impondo uma
reflexão a respeito da correlação de forças neste contato entre diferentes, que acabou
por ser um genocídio dos povos originários que habitaram esta terra. A seguir,
desenvolveremos um roteiro de trabalho, seguindo o modelo proposto por Cláudia
Sapag Ricci (2008), em que o professor poderá levar para uma turma de terceiro ano
do ensino médio tais reflexões aqui levantadas.

3. Roteiro de trabalho com filmes e vídeos em sala de aula

Como a contribuição de Ricci (2008) contempla apenas a análise fílmica,


propomos que o professor faça, antes da visão da película, uma aula introdutória.
Aqui, por questões práticas, não nos prenderemos a delimitar o tempo de cada
atividade sugerida. Elas podem ocorrer em mais ou menos aulas a depender de seu
público, ou seja, como cada turma reagirá a elas. Dessa forma, escolhemos
apresentar uma sequência didática, simplesmente, a fim de apresentar um passo a
passo possível, a ser adequado e dividido para aplicação de uma ou de outra forma.
É preciso, porém, atentar-se ao tempo de exibição fílmica, pesquisa, diálogos etc,
deixando claro a impossibilidade de aplicar a seguinte sequência em um período de
uma ou duas aulas apenas.
Para começar, sugerimos que os alunos acessem os documentos históricos
que aparecem no filme: o professor poderá sugerir uma pesquisa prévia ou até mesmo
levar alguns trechos impressos para sala de aula, para uma leitura conjunta e
orientada. É elementar que se contextualize o momento histórico, os contrastes
culturais entre povos indígenas e europeus, a colonização etc. Assim, os textos terão
um sentido histórico mais claro aos alunos. Depois desse acesso inicial, o professor
poderá passar o filme em sala, pedindo que a partir das reflexões levantadas pela

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leitura dos textos históricos, eles os percebam no filme. Depois de assistido, é hora
de iniciar a análise sob o modelo proposto por Ricci (2008).
Quando apresenta um modelo de roteiro de trabalho com filmes e vídeos em
sala de aula, ela propõe dois momentos de reflexão sobre qualquer material assistido:
um momento de análise oral e outro, escrito. Para o momento inicial da fase oral, ela
defende que haja 1) uma comunicação espontânea por parte dos alunos, quando
deverão responder as seguintes perguntas: a) que lhes pareceu o filme? Que
sensação lhes provocou? O que sentiram ao assisti-lo? b) Do que mais gostaram? E
do que menos gostaram? c) o que mais lhes chamou atenção? d) que imagens ou
sons os impactaram mais? e) que reações lhes provocaram os personagens, as
situações, os fenômenos mostrados no filme?
Assim, é possível que o professor colha o máximo de informações possíveis
sobre os conhecimentos prévios dos alunos e como eles articulam esses
conhecimentos com o conteúdo mostrado no filme. Uma polêmica interessante e que
pode nortear as primeiras reflexões, é a nudez. Em entrevista a Helena Salem, Bigode,
o assistente de direção, conta que a escolha da figuração foi tumultuada; tanto que
atores, eles e Nelson tiveram de ir, todos, a delegacia:

Eu estava encarregado de escolher a figuração, e o Nelson tinha me dito para


ver que os índios e índias não tivessem marca de operação de apendicite.
Então, a gente chamava as pessoas e pedia para ficarem nuas. Um vizinho
(...) viu pela janela e achou que era uma agencia de sacanagem. Nós éramos
muito desligados, quer dizer, nem desligados, não tínhamos essa coisa de
pecado. (...) eu estava lá com um monte de figurantes, e chegou um
delegado, fomos todos para a delegacia (SALEM, 1987, p. 270).

Ainda segundo Salem, a nudez também incomodou o regime militar, que vetou
Como era gostoso o meu francês em todo território nacional, liberando-o apenas
quando Nelson argumentou com a censura de que índio brasileiro no século XVI não
usava roupa – assim, a censura contra a nudez dos índios foi liberada, mas a do
homem branco permaneceu. Consideramos que já aqui há um bom ponto de
discussões com a turma: o professor pode explorar as diferenças, entre índios e
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homem branco, na lida com o corpo em pleno século XVI. O professor deve lembrar
que na Europa ainda o dogmatismo medieval pairava sobre o corpo, condenando-o,
tornando-o pecaminoso; coisa que nenhuma civilização originária das Américas
jamais conheceu.
Depois, dando seguimento a primeira fase de análise, Ricci (2008) orienta que
deva haver 2) uma análise das impressões do filme, quando os alunos deverão dizer
a) as ideias que mais marcaram; e assim, o professor poderá mencionar aquelas que
passaram despercebidas. Neste momento, já é possível relacionar as imagens do
filme com os documentos históricos estudados por eles anteriormente. Ricci (2008)
aponta que este também é o momento em que os alunos deverão dizer os elementos
fílmicos que lhes ficaram confusos, e então o professor deverá apontar os equívocos,
tirar dúvidas, complementar as análises elaboradas por eles etc. Depois desse
momento, deve haver 3) a reflexão crítica de tudo que foi levantado coletivamente,
devendo haver a) diálogo, b) debate e c) reflexão. Aqui, sugerimos que o professor
arremate as discussões propostas por NPS, dialogando com as impressões pessoais
dos alunos. Por fim, Ricci (2008) aponta para a última etapa da fase oral, que é 4) a
recapitulação e síntese. Neste momento, o professor deverá revisar tudo que até
então já foi visto e dito e sintetizar essas informações a fim de, desde então, preparar
sua turma para a fase escrita da análise fílmica.
Por sua vez, o roteiro de análise escrita proposto por Ricci (2008) conta com
cinco passos: a) apresentação de sinopse do filme e dados sobre sua produção,
direção e atores, b) apresentação de informações complementares sobre o assunto e
solicitação para que se estabeleçam relações com o filme, c) elaboração de questões
que exijam pesquisa em outras fontes, d) solicitação para que o aluno relacione o filme
com outros tipos de material já trabalhados em aula (artigos de jornal, textos didáticos,
etc) e, e) elaboração de questão aberta para que os alunos expressem suas opiniões,
impressões e sentimentos.

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Baseando-se nesse último passo a passo, sugerimos que o professor leve


cópias da sinopse de Como era gostoso o meu francês, com demais dados apontados
por Ricci. Neste momento, é ideal que o professor pergunte se algum de seus alunos
já ouviu falar em Nelson Pereira dos Santos. Em resposta negativa, deve-se
contextualizar o movimento artístico ao qual NPS estava ligado, o movimento Cinema
Novo, e sua importância para a cinematografia nacional, por a haver projetado
internacionalmente. Depois, mencionar a própria importância de NPS, que venceu
importantes festivais de cinema falando sobre temas nacionais. Assim, os alunos terão
acesso ampliado a um repertório cinematográfico de reconhecida importância.
A seguir, a proposta é a de que o professor apresente informações
complementares, no entanto, essas informações já foram apresentadas em fase
introdutória desta sequencia; assim, avançamos para a fase seguinte: elaboração de
questões que exijam pesquisas em outras fontes. Sugerimos que o professor reveja
os textos históricos que aparecem no filme e peça para que os alunos pesquisem
quais outros viajantes estiveram no Brasil colonial e escreveram sobre os povos que
encontraram nesta terra. Os alunos poderão colher imagens, fazer desenhos das
interpretações desses viajantes sobre o Brasil e seus diversos povos, criar releituras
etc, desde que alarguem seus conhecimentos acerca da visão do colonizador sobre o
colonizado, trazendo essa visão sob uma perspectiva crítica e reflexiva sobre a
situação dos povos originários em nosso tempo.
Por fim, Ricci (2008) propõe a elaboração de uma questão aberta. A depender
da disciplina ministrada pelo professor que utilizar esta sequencia, esta fase pode
ganhar nuances diferenciadas. Em uma aula de História, talvez as discussões possam
ser encerradas na etapa anterior, quando os alunos já apresentaram novos textos
históricos e suas respectivas interpretações sobre eles. Numa aula de Português,
Redação ou Literatura, por sua vez, a etapa anterior pode ser uma fase preliminar
para a construção de um texto de caráter dissertativo, em que os alunos poderão
organizar as informações, ideias e reflexões debatidas por eles; por exemplo.

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Sugerimos que, seja qual for a solicitação do professor nesta última etapa, essa
deve contemplar obrigatoriamente uma reflexão geral não apenas do filme aqui
discutido, mas que se alargue a debater os direitos dos povos indígenas, a violência
com que o Estado brasileiro tem tratado esses povos e sua dívida histórica que se
nega a ser pagada, reflexões de como a sociedade civil e os movimentos sociais
podem atuar para diminuir tais violências etc. Ou seja, é fundamental, para nós, que
a utilização de Como era gostoso o meu francês ultrapasse a mera visão etnocêntrica
e preconceituosa com que a temática indígena comumente é tratada, e possa, em seu
lugar, construir uma reflexão rica para todos.

4. Considerações finais

Toda a trajetória de lutas dos povos originários no Brasil foi entrecortada pelo
desafio de estabelecer, socialmente, o debate sobre sua cultura, História, garantia de
direitos, autodeterminação etc, justamente porque o olhar do colonizador naturalizou-
se, atravessando os séculos de colonização e desrespeito. Apesar das conquistas,
sobretudo na área de educação, esses povos seguem organizados para que tais
conquistas sejam permanentes, além de pautar tantas outras demandas encontradas
cotidianamente numa sociedade que os marginaliza, exotifica e esquece. O objetivo
desse trabalho foi apresentar uma outra forma de narrar a história indígena em que
os índios permanecem com seus costumes respeitados. Assim, consideramos que o
filme aqui debatido apresenta um outro olhar sobre esses povos, pois rasura as
narrativas que compõem o imaginário criado pelos europeus.
Outrossim, consideramos que o cinema é um competente material de apoio do
processo de ensino-aprendizagem, pois dinamiza o espaço escolar, diversificando o
ambiente e os usuais recursos pedagógicos dos professores. E, como um dos
expoentes do movimento Cinema Novo no Brasil, Nelson Pereira dos Santos é,

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também para a escola, imprescindível. Dessa forma, Como era gostoso o meu francês
apresenta, em sua construção, diversificadas possibilidades de construção de debate
capaz de reverter a estigmatização enfrentada pelos povos indígenas: ao explorar a
argumentação irônica de Nelson Pereira dos Santos, o professor poderá, em sala de
aula, desconstruir o velho e reconstruir um novo olhar.

Referencias
COMO era gostoso o meu francés. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Produção:
Klaus Manfred, Nelson Pereira dos Santos. Luiz Carlos Barreto. Intérpretes: Arduíno
Colassanti, Ana Maria Magalhães, Gabriel Archanjo, Eduardo Imbassahy. Roteiro:
Nelson Pereira dos Santos. Condor Filmes, 1971.

RICCI, Cláudia Sapag. Historiografia e ensino de História: saberes e fazeres na sala


de aula. In: OLIVEIRA, M.M.D.; CAIMELI, M.R.; OLIVEIRA, A.F. Ensino de História:
múltiplos ensinos em múltiplos espaços. Natal: Editora da UFRN, 2008. p. 115.125.

ROSENSTONE, Robert. História em imagens, história em palavras: reflexões sobre


a possibilidade de plasmar a história em imagens. O olho da história, Salvador, v.
1, n.5, p.106, set., 1997.

SALEM, Helena. Nelson Pereira dos Santos: o sonho possível do cinema


brasileiro. Rio de Janeiro: Ed Record, 1996.

STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. 2 ed. São Paulo: Martin Claret, 2006.

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CÍRCULO DE DIÁLOGOS “POVOS QUILOMBOLA:


TERRITORIEDADE E EDUCAÇÃO”

OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO


PEDAGÓGICO NO ENSINO FUNDAMENTAL DAS ESCOLAS QUILOMBOLAS DO
MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BAHIA

Niltânia Brito Oliveira


Arlete Ramos dos Santos
Lisângela Silva Lima 
Jaciara de Oliveira Sant´anna Santos

Resumo
Este artigo faz parte de uma pesquisa maior em andamento com objetivo analisar os
impactos das Políticas Educacionais no PAR101 em municípios da Bahia: Vitória da

 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Educação Básica - PPGED/UESC. Especialista em


Psicopedagogia Clínica e Institucional com complementação em Magistério Superior, pelo Instituto Brasileiro de
Pós-graduação e Extensão-IBPEX. Especialista em Docência Universitária, pela Universidade Tecnológica
Nacional – UTN- Buenos Aires/Argentina. Professora da Educação Básica na rede municipal de ensino de Vitória
da Conquista/BA, da Faculdade Uninassau de Vitória da Conquista/BA e do PARFOR da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia, Campus Vitória da Conquista/BA e Universidade do Estado da Bahia, Campus XX
Brumado/Bahia. Integrante do Grupo de Estudos Movimentos Sociais Diversidade Cultural e Educação do Campo
– GEPEMDEC/CEPECH/DCIE/UESC, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências
Humanas - CEPECH/DCIE/UESC, com registro no CNPQ. E-mail: africa.niltania@gmail.com
 Prof.ª. Adjunta, no Departamento de Ciências e Educação – DCIE/UESC. Doutora e Mestre em Educação pela

FAE/UFMG. Coordenadora do Centro de Estudo e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas –


CEPECH/DCIE/UESC. Coordenadora do Grupo de Estudos Movimentos Sociais Diversidade Cultural e
Educação GEPEMDEC/CEPECH/DCIE/UESC, com registro no CNPQ. E-mail: arlerp@hotmail.com
 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Educação Básica - PPGED/UESC; Especialista em

Educação de Jovens e Adultos, pela UESC. Especialista em Gestão Escolar, pela FaculdadeVasco da Gama.
Professora Efetiva da Rede Municipal de Itabuna-Bahia. Integrante do Grupo de Estudos Movimentos Sociais
Diversidade Cultural e Educação do Campo – GEPEMDEC/CEPECH/DCIE/UESC, o qual está inserido no Centro
de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas – CEPECH - do Departamento de Ciências da
Educação – DCIE/UESC – BA, com registro no CNPQ. E-mail: lisangelalivre@hotmail.com
 Mestranda em Docência Universitária, pela Universidade Tecnológica Nacional, Buenos Aires, Argentina.

Pedagoga pela Faculdade de Educação Montenegro. Graaduada em Geografia pela Universidade Estadual de
Santa Cruz. Especialista em Planejamento Educacional, pela Universidade Salgado de Oliveira. Especialista em
Planejamento e prática de Ensino pela UNIBA e Faculdades Montenegro e Psicopedagogia pela Faculdades de
Ciências e Letras Plínio Augusto do Amaral. Diretora do Campus XX da Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
Professora - Extensão universitária- UNEB. Rede UNEB. Coordenadora Pedagógica do Colégio Modelo Luís
Eduardo Magalhães de Vitória da Conquista BA, da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. E-mail:
jaciarasantanna@yahoo.com.br

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Conquista, Ilhéus e Itabuna. O recorte está nos resultados preliminares dos Desafios
da Construção do Projeto Político Pedagógico no Ensino Fundamental das Escolas
Quilombolas do município de Vitória da Conquista-Bahia, objetivando avanços
pedagógicos dessas escolas. A metodologia é de cunho qualitativo utilizando
instrumentos para coletar dados: revisão bibliográfica, análise documental e
entrevistas semi estruturadas. Os resultados apontam contradições com o previsto na
Resolução nº 08, de 20 de novembro de 2012, preconizando a necessidade da
participação efetiva dos escolares e comunidade na construção do PPP para
atendimento das particularidades e singularidades étnicas, socioculturais, identitárias
dos quilombolas. Também a inexistência do PPP construído originalmente pelos
quilombolas.

Palavras-chave: Ensino Fundamental. Escolas Quilombolas. Projeto Político


Pedagógico.

Introdução

Este artigo faz parte de uma pesquisa maior intitulada: As Políticas Públicas
Educacionais e os Impactos do Plano de Ações Articuladas – PAR em Municípios da
Bahia, a qual compreendem os municípios de Vitória da Conquista, Ilhéus e Itabuna.
Para este artigo os resultados preliminares fazem parte da investigação intitulada de:
Os Desafios da Construção do Projeto Político Pedagógico para o Ensino
Fundamental nas Escolas Quilombolas de Vitória da Conquista-Bahia. E tem como
objetivo contribuir para o avanço didático-pedagógico das escolas quilombolas no
referido município.
Localizado na região econômica do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista
possui a quinta maior economia do estado, com participação de 2,29% no Produto
Interno Bruto (PIB) estadual. A população total é de 315.884 habitantes, sendo 10%
rural. Quanto à cor, 9,8% dos habitantes são classificados como pretos e 55,2% como
pardos, possui atualmente trinta (30) comunidades remanescentes de quilombos

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certificadas e localizadas pela Fundação Cultural Palmares, em área rural do


município e concentradas em cinco (5) dos onze (11) distritos da região, distantes, em
média, 31,2Km da sede do município. Suas origens remontam à permanência de
pessoas escravizadas negras na região após a falência de empreendimentos
agrícolas.
Assim, o Município de Vitória da Conquista possui uma população de 65% de
ascendentes negros. Destes, estima-se que nove mil (9.000) vivem nas comunidades
quilombolas rurais. Estas comunidades são formadas majoritariamente por pequenos
produtores rurais com baixo nível de escolaridade e com baixa renda. A média de
membros por família é de cinco pessoas. A oferta de acesso à escolarização às
comunidades negras rurais não alcança duas décadas, e logo são extintas (IBGE,
2010).
Até o ano de 2008, eram apenas 25 comunidades nas quais estavam inseridas
18 escolas que formavam um conjunto de unidades de ensino especificas
denominadas de Núcleo das Escolas Quilombolas onde se propunha um trabalho
pedagógico diferenciado com uma gestão e supervisão específica e orientadas pela
secretaria municipal de educação através do seu núcleo pedagógico (SMED, 2012).
O referido artigo está divido em três etapas na primeira etapa faremos o
panorama da educação quilombola no Brasil e na Bahia, seguido da importância do
projeto político pedagógico para as escolas quilombolas e a terceira etapa, será a
análise e resultados dos dados coletados nesta investigação.

1. O panorama da educação quilombola no Brasil e na Bahia

Como ação reparadora do Estado, o Governo Federal fez um mapeamento em


2002 onde constatou-se a existência de setecentos e quarenta e três (743) quilombos.
Atualmente, este número subiu para três mil quinhentos e vinte e quatro (3.524)

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comunidades quilombolas devido ao seu processo de auto reconhecimento a partir


das políticas provindas do Programa Brasil Quilombola. Destas, hum mil trezentos e
quarenta e duas (1.342) foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares (BRASIL
QUILOMBOLA, 2007).
O artigo nº 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da
Constituição Federal de 1988, garante o direito à propriedade definitiva às
comunidades quilombolas que estivessem ocupando suas terras, e se caracteriza
como norma de direito fundamental, uma vez que não apresenta marco temporal
quanto à antiguidade da ocupação, nem determina que haja uma coincidência entre a
ocupação originária e atual. Este artigo, bem como o artigo 231 do mesmo documento
normativo, referente aos povos indígenas, atribui um status especial na legislação
para terras que se constituem em outra perspectiva, uma vez que o uso da terra no
Brasil é bastante heterogêneo.
Há outros artigos na CF de 1988 que fundamentam a aplicação dos direitos
quilombolas, como é o caso dos Artigos 215 que diz, “O Estado garantirá a todos o
pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes da cultura nacional e
incentivará a difusão e a valorização das manifestações culturas”; e o Art. 216, no qual
configuram patrimônio

as formas de expressão; os modos de criar; as criações científicas, artísticas


e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; além de conjuntos urbanos e
sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.

bem como, a Seção II7, que tratam da dimensão cultural das comunidades
quilombolas e do direito à preservação de sua própria cultura.
A Educação Escolar Quilombola no Brasil surgiu das contradições e pressões
contra as políticas neoliberais e também das organizações do Movimento Quilombola
e do Movimento Negro que trazem essa problemática à cena pública e política, e a
colocam como importante questão social e educacional. Existem princípios

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constitucionais que atestam o direito das populações quilombolas a uma educação


diferenciada através das Diretrizes para a Educação do Campo. Por vez, sua origem
encontra-se nas lutas dos movimentos sociais que filtraram na conjuntura
neoliberalista, as possibilidades de lutas para a melhoria dos povos do campo, através
de uma nova proposta para a educação rural, como prática social, vinculando a luta
por terra, trabalho e educação como direito, numa perspectiva de igualdade social. É
nesta conjuntura que a Educação Escolar Quilombola começa a se a se organizar
As normatizações que contribuíram significadamente para a educação escolar
quilombola tiveram respaldo na LDBEN nº 9394/1996 que alterou os artigos 26-A e
79-B para tornar obrigatório o estudo das relações étnico raciais, história e cultura afro
brasileira africana e indígena. Conteúdo das Leis nº 10.639/2003 e a nº 11.645/2008.
Logo após o Conselho Nacional de Educação aprova CNE/CP nº 16/2012 e 08/2012
que trata do Plano Nacional de implementação das Diretrizes da Educação Escolar
Quilombola instituída pela Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012. O texto das
diretrizes compreende toda a organização necessária para implementação da política
pelos respectivos entes da federação (governo federal, estados e municípios):
concepção, princípios, objetivos, etapas e modalidades, projeto político pedagógico,
currículo, gestão, avaliação, formação de professores, dentre outros.
Na Bahia, as discussões sobre a necessidade de construção de uma política
estadual de Educação Escolar Quilombola surge quase que paralelamente a outros
estados como Maranhão e Brasília. Oliveira (2017) salienta que na Bahia
especificadamente essa proposição das políticas interestaduais se deram através da
Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI), a qual teve a
responsabilidade de elaborar propostas conjuntas com e estado e municípios para
aplicabilidade dessa política. Várias audiências públicas foram realizadas até chegar
à proposta educacional para as comunidades quilombolas do estado da Bahia.
Assim como no Brasil, as reivindicações do Estado da Bahia iniciaram com a
luta dos movimentos negros e quilombola para implementação da Lei nº 10.639/2003

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a qual trata da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e


Cultura Afro-brasileira e Africana na educação básica e ensino médio das instituições
públicas e privadas do país. O CEAFRO contribuiu para implementação dessa política
no estado da Bahia sobre à aplicação da Lei nº 10.639/2003, também no município de
Salvador. Oliveira (2017) contextualiza que

em 2005 foi realizado o Fórum Estadual Educação e Diversidade Étnico-


Racial, na cidade de Salvador, por iniciativa da Coordenadoria-Geral de
Diversidade e Inclusão Educacional da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC). A partir deste evento foram
criados Fóruns nos estados brasileiros para tratar da temática.

Contudo o Decreto nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, dispõe sobre o


reconhecimento das especificidades sociais, culturais, ambientais, políticas e
econômicas do modo de produzir a vida no campo.

I – populações do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os


pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da
reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os
caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas
condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural.
II – escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela
situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações
do campo (BRASIL, 2010).

O Decreto supracitado tornou-se um instrumento de fortalecimento, da política


de Educação do Campo e abre para a modalidade da Educação Escolar Quilombola
quando situa quem são as populações originárias do campo, pois dentre estas se
encontra os quilombolas por terem seu modo de produção material associado ao trato
com a terra, do seu modo de resistência, as suas especificidades culturais, sociais e
ambientais do homem do campo.

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Partirmos da compreensão da totalidade de que os camponeses quilombolas102


vivem em uma sociedade capitalista com interesses antagônicos os quais, aparecem
nas contradições de suas lutas em prol de uma Educação Escolar Quilombola de
qualidade. A partir das políticas públicas educacionais institucionalizadas pelo Estado
brasileiro, contrariando assim, aos interesses do próprio Estado.
Santos (2016) afirma,

Com a mudança da política econômica a partir a década de 1980, passou a


fazer parte da meta governamental a migração dos moradores do campo para
as cidades, para que a terra ficasse à disposição dos grandes latifundiários e
empresas multinacionais, como propõe o modelo neoliberal globalizado
adotado como política econômica de governo. Ou seja, se na primeira metade
do século XX as políticas públicas do Estado brasileiro tinham como meta a
fixação do homem no campo para atender aos interesses da classe
dominante, na segunda metade do mesmo século, a intencionalidade dos
defensores das políticas educacionais conservadoras vão à direção contrária,
no intuito de expulsar o homem do campo, para atender aos interesses do
agronegócio. Com o êxito alcançado na implementação dessa política, muitos
camponeses passaram a ver na cidade a única alternativa de sobrevivência,
mas, acabaram engrossando as fileiras dos excluídos sociais no espaço
citadino.

A autora reflete sobre a política econômica do Estado brasileiro que desde a


década de 1980 tem como meta a migração dos camponeses para os centros
urbanos, possibilitando, assim, que a terra fosse utilizada pelos latifundiários, logo
após este período no século XX vê a necessidade de para o bem do capital, lançar
mão de políticas educacionais conservadores para proporcionar aos camponeses
uma educação também conservadora a serviço agora do agronegócio.
A partir dessa análise é correto afirmar que os camponeses quilombolas aqui
pesquisados pertencem a essa gama de excluídos, que sofrem todas essas mazelas
do capitalismo que disponibiliza políticas públicas educacionais não para
emancipação dos sujeitos, mas para torná-los qualificados para o agronegócio. Mas

102Camponeses quilombolas é uma categoria que a autora Niltânia Brito Oliveira cria para caracterizar o camponês
que vive no e/ou do Campo com modos de produção peculiares com relação ao trato com a terra, com vínculos
familiares distintos que se fortalece cotidianamente e com pertencimento étnico próprio, bem como saberes e
experiências vinculadas a sua prática social dentro dos quilombos.
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contraditoriamente ainda resistem em seus territórios com seus modos de vida


peculiar e almejam uma Educação Quilombola que os retratam a partir de suas
próprias experiências historicamente construídas nas relações sociais cotidianas.

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2. A Importância do Projeto Político Pedagógico nas Escolas Quilombolas do


Município de Vitória da Conquista-Bahia

As escolas quilombolas necessitam legitimar os saberes, as relações étnicas e


culturais bem como, o modo de produção dos camponeses quilombolas e para isto,
torna-se de grande relevância a construção coletiva do projeto político pedagógico
nestes espaços onde abrigam sujeitos que contraditoriamente reivindicam a
manutenção da sua própria história.
Entretanto ainda estamos distante desta realidade quando o que temos visto
são, práticas tradicionais regulatórias e centralizados das ações pedagógicas por
parte do Estado e das gestões municipais.
Veiga (2003, p.10) afirma,

A inovação regulatória ou técnica tem suas bases epistemológicas


assentadas no caráter regulador e normativo da ciência conservadora,
caracterizada, de um lado, pela observação descomprometida, pela certeza
ordenada e pela quantificação dos fenômenos atrelados a um processo de
mudança fragmentado, limitado e autoritário; e de outro, pelo não
desenvolvimento de uma articulação potencializadora de novas relações
entre o ser, o saber e o agir.

A autora critica o que temos visto no cenário educacional brasileiro onde a ação
do Estado em promover inovações e técnicas regulatórias com bases epistemológicas
conservadoras, não possuem o caráter emancipatório do projeto político pedagógico.
E sim, seu atrelamento a um processo de mudança dentro das escolas brasileiras de
uma práxis fragmentada, limitada e autoritária a serviço da quantificação dos
resultados obtidos pela escola.
As Diretrizes Operacionais para a Educação Escolar Quilombola na Resolução
8, de 20 de novembro de 2012 versa sobre os princípios desta educação quilombola
com ações para fortalecimento e legitimação no Art. 8º, Parágrafo VIII -
implementação de um projeto político pedagógico que considere as especificidades
históricas, culturais, sociais, políticas, econômicas e identitárias das comunidades

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quilombolas. Acrescido do artigo 31º compreende o projeto político-pedagógico como


a expressão da identidade e da autonomia da escola.
Contudo, há uma constante disputa entre os camponeses quilombolas e suas
reivindicações e as definições do Estado representante da sociedade capitalista que
prioriza os dados quantitativos, engessados pela burocracia, desvinculados com a
realidade empírica e social na construção do projeto político pedagógico, sem uma
materialização ao que prevê a normatização em análise.
Na obra do manifesto do partido comunista (escrito entre 1847 e 1848) Marx
(2001), já defendia a educação pública e gratuita para todas as crianças, baseadas
nos princípios: da eliminação do trabalho delas na fábrica; da associação entre
educação e produção material; da educação politécnica que leva à formação do
homem omnilateral, abrangendo três aspectos: mental, físico e técnico, adequados à
idade das crianças, jovens e adultos; da inseparabilidade da educação e da política,
portanto, da totalidade do social e da articulação entre o tempo livre e o tempo de
trabalho, isto é, o trabalho, o estudo e o lazer.
São estes princípios explicitados acima que deverão se materializar na
construção coletiva do projeto político pedagógico das escolas quilombolas para que
não haja dissociação entre o trabalho manual e o intelectual, a participação da
comunidade escolar e local, é preponderante para esse desafio da construção coletiva
dentro das escolas quilombolas do município de Vitória da Conquista- Bahia.

3. Procedimentos metodológicos e análises dos resultados

Como procedimento metodológico está intimamente relacionado com o


materialismo histórico dialético por compreender que importante se faz o
estabelecimento de um enfoque que se relacione à necessidade de obter uma
aproximação com sujeitos que desvelem a essência de suas experiências, que

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possibilite a captura das perspectivas dos participantes, buscando entendê-los numa


totalidade concreta.
Inicialmente, realizamos a revisão bibliográfica e análise documental referente
ao projeto político pedagógico das escolas quilombolas observando os princípios,
objetivos e fundamentos previstos na Resolução nº 08 de 2012 a qual regulamenta as
(Diretrizes Operacionais) logo após, análise dos dados coletados nas entrevistas
realizadas junto aos professores.
A Rede Municipal de Ensino de Vitória da Conquista /Bahia é composta
atualmente de quarenta e dois mil alunos (42.000) matriculadas na Educação Infantil,
Ensino Fundamental I e Ensino Fundamental II, distribuídos no campo e na cidade. O
mesmo conta com um quantitativo de unidades escolares num total de (189) cento e
oitenta e nove unidades escolares no campo e na cidade, destas cento e dezessete
(117) escolas estão localizadas no meio rural (SMED, 2017). O quadro abaixo
compreende a realidade pesquisada da educação quilombola quanto ao quantitativo
de quilombos, escolas e CEI, professores e alunos atendidos:

Quadro 1 - Quantitativo de quilombos, escolas e CEI, professores e alunos atendidos


2017
QUILOMBOS ESCOLAS ALUNOS CEI QUE PROFES ALUNOS
MATRICULA-DOS ATENDEM SORES MATRICULA-
FUNDAMENTAL I ALUNOS DO DO
E II FUND. II FUNDAMEN
-TAL II
30 25 1529 10 82 601

Fonte: Secretaria Municipal de Educação - Vitória da Conquista-BA, 15 de setembro de 2017.

O quadro retrata a realidade administrativa e organizacional da educação


quilombola dos trinta (30) quilombos apenas vinte e cinco (25) possuem escolas, o
que retrata que na organização de nucleação das escolas estas foram dissolvidas em
núcleos nas demais escolas. São oitenta e dois (82) professores para atender Hum

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mil e quinhentos e vinte nove (1.529) alunos. Dez (10) círculos escolares integrados
atendem os seiscentos e um (601) alunos do fundamental II os quais são
transportados para estes espaços.
Percebe-se que a política de educação escolar quilombola no município em
análise cumpre algumas determinadas políticas regulamentadas através Resolução
nº 08 de 20 de novembro de 2012 quanto ao atendimento da educação escolar
quilombola na educação básica, garante o transporte, porém existe uma contradição
em relação ao projeto político pedagógico o qual, encontra-se afastado das exigências
legais, o que caracteriza que a legitimação desta educação produzidas dentro dos
quilombos não é materializada, pois segundo a fala da coordenadora pedagógica,
nenhuma das vinte e cinco (25) escolas possui projeto político pedagógico próprio.
Em entrevista a mesma revela que estas escolas utilizam o projeto político
pedagógico dos dez (10) CEI- Círculos Escolares Integrados que atendem os alunos
oriundos das comunidades quilombolas.

Elas possuem o Projeto Político Pedagógico do círculo e esse Projeto Político


Pedagógico há previsão dessa discussão e do trabalho com essas questões
étnico-raciais, mas como geralmente as escolas quilombolas elas são escolas
multisseriadas, escolas e de uma sala, as vezes escolas de duas salas,
então, tanto pode ser multisseriadas, ou bimodular, duas series em uma, dois
anos em uma turma. Elas não têm aquele projeto Político Pedagógico
especifico daquela escola, mas tem um projeto do circulo, as escolas, a qual
a escola faz parte. O PPP é um só, porém nesse projeto, tem a previsão do
trabalho com questões étnico-raciais (TRANSCRIÇÃO LITERAL DA FALA
DA COORDENADORA PEDAGÓGICA).

A fala da coordenadora pedagógica retrata uma realidade até então


desconhecida, pois se as escolas não possuem PPP próprio e se, elas utilizam o PPP
de escolas dos CEI como legitimar uma história específica daquela comunidade
quilombola, seus saberes, sua práxis que por essência é educativa sem a participação
desses sujeitos nesta construção. Gadotti (2004, p. 35) salienta, “a autonomia e a
gestão democrática da escola fazem parte da própria natureza do ato pedagógico. A
gestão democrática da escola é, portanto, uma exigência de seu projeto político-

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pedagógico”. Assim, a fala revela a contradição e o estágio de alienação da gestão


que compreende a gestão democrática a partir das experiências de outras realidades
e não das especificidades dos quilombolas pertencentes nestas localidades.
No artigo 32º explicita que o projeto político-pedagógico deva estar
intrinsecamente relacionado com a realidade histórica, regional, política, sociocultural
e econômica das comunidades quilombolas. § 2º Na realização do diagnóstico e na
análise dos dados colhidos sobre a realidade quilombola e seu entorno, o projeto
político-pedagógico deverá considerar:

I - os conhecimentos tradicionais, a oralidade, a ancestralidade, a estética, as


formas de trabalho, as tecnologias e a história de cada comunidade
quilombola;
II - as formas por meio das quais as comunidades quilombolas vivenciam os
seus processos educativos cotidianos em articulação com os conhecimentos
escolares e demais conhecimentos produzidos pela sociedade mais ampla.

Estas especificidades destacadas pelas Diretrizes Operacionais a qual,


preconiza uma totalidade de ações com o reconhecimento e valorização as
peculiaridades dos camponeses quilombolas encontram-se negadas pela fala da
coordenadora a qual, representa a gestão municipal das escolas quilombolas.
Na entrevista realizada com a professora Laura é notória a discrepância de
objetivos da gestão e dos professores:

A gente sabe que a construção do projeto politico pedagógico, não é


individualizado, ele é coletivo, se a gente tem essa noção de que ele tem que
ser construído de forma coletiva, e justamente dar a essa própria comunidade
respaldo para eles estarem participando, então assim, em algumas
comunidades da nossa mesmo, as pessoas participam, são pais que já estão
participando, claro que pra a construção de um projeto também teria que ter
uma formação, explicação, a própria comunidade compreende a importância
desse documento para vida deles. Então assim, eu acredito que seria esse
engajamento que as escolas principalmente novas que são chamadas de
escolas nucleadas e as escolas isoladas. Outra coisa, que nós não temos
tempo nem mesmo de estarmos de estar participando das coisas que
acontece, tem reuniões na comunidade mesmo que são reuniões
interessantes da própria associação quilombola e que nos não podemos
participar e nos não temos esse tempo de participar, eu acho que essa junção
da própria associação, do próprio núcleo, do próprio município deveria estar
preocupado que as políticas para implementar as diretrizes na pratica, ai sim,
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as pessoas daquela comunidade iriam ter esse conhecimento, de que forma


elas políticas poderiam melhorar a própria comunidade (TRANSCRIÇÃO
LITERAL DA FALA DA PROFESSORA LAURA).

A coordenação atesta a existência de um PPP construído das escolas sedes


que são desenvolvidos pelas escolas quilombolas. No entanto a fala da professora
aponta necessidade da construção de um projeto político pedagógico que tenha uma
participação direta da comunidade, que eles possam compreender que através desta
construção coletiva, o projeto poderá melhorar a vida de todos nesta mesma
comunidade. A professora demonstra o desejo do envolvimento político pedagógico
com a comunidade, mas, a carga horária de atividades a serem cumpridas e as
exigências da gestão, não as autoriza a está participando da vida da comunidade.
Relevando a contradição entre o que é compreendido como projeto político
pedagógico, e a sua falta, completamente dissociada da realidade da comunidade.
Não há escola autônoma se nela não se reconhece esses sujeitos autônomos para
construção necessariamente coletiva.

4. Considerações Finais

Em sua totalidade a Educação Escolar Quilombola não reflete e não atende as


Diretrizes Operacionais que a orienta no Município de Vitória da Conquista-Bahia. As
análises realizadas desvela as contradições oriundas das lacunas existentes na
execução da política municipal para implementação da Educação Escolar Quilombola.
Neste artigo destacamos o projeto político pedagógico para as escolas quilombolas.
O mesmo está inexistente das peculiaridades das comunidades quilombolas porque
são trazidos de outras unidades de ensino com outras especificidades. Encontra-se
em discrepância política e pedagógica que não reflete a valorize e a identidade cultural
dos camponeses quilombolas.

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Destarte, compete ao município a materialização de uma política municipal da


educação escolar quilombola versada nas Diretrizes Operacionais de 2012 com a
construção coletiva do projeto políticos pedagógicos das escolas quilombolas
envolvendo as lideranças da comunidade, os alunos e professores, os gestores, a
coordenação pedagógica e todos os membros da comunidade quilombola. Para a
obtenção de um PPP emancipatório dentro das escolas a serviços de todos.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei Federal nº


9.394/1996. Brasília: Congresso Nacional, 1996.

________Diretrizes Operacionais para a Educação Escolar Quilombola.


Resolução CNE nº 08, de 20 de novembro de 2010.

_______IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico


2010/IBGE. Vitória da Conquista-BA, 2017.

_______Ministério da Educação. Plano de Ações Articuladas (PAR). Relatório


Público, 2007b. Disponível em:
<http://simec.mec.gov.br/cte/relatoriopublico/principal.php>. Acesso em: 10 jan.
2017.

______. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do


Campo. Resolução CNE nº 01, de 03 de abril de 2002. (Educação do Campo –
cultivando um Brasil melhor). Brasília, 2002.

______. Lei nº 10.639/03. Diretrizes /Curriculares Nacionais para a Educação


das Relações Étnicas- Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Brasília, 2003.

______Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB nº 1/2006. Dias Letivos para a


aplicação da Alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância.
Brasília, 2006.

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______. Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB nº16/2012. Institui o Plano


Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares para Educação Escolar
Quilombola. Brasília, 2012.

______. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Decreto


nº 6.261/2007. Dispõe sobre a gestão integrada para o desenvolvimento da Agenda
Social Quilombola no âmbito do Programa Brasil Quilombola, e dá outras
providências. Brasília, 2007.

_______. Lei nº 11.645/08. Diretrizes/Curriculares Nacionais para a Educação


das Relações Étnicas-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira, Africana e Indígena. Brasília, 2008.

______Ministério da Educação. Resolução nº 2/2008. Estabelece Diretrizes


Complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas
de atendimento da Educação Básica do Campo. Brasília, 2008.

______. Ministério da Educação. Decreto nº 7.352/ 2010. Dispõe sobre o


reconhecimento das especificidades sociais, culturais, ambientais, políticas e
econômicas do modo de produzir a vida no campo. Brasília, 2010

______. Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares


Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília, 2010.

GADOTTI, Moacir. Projeto político-pedagógico da escola: fundamentos para a


sua realização. In: GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José Eustáquio (Org.). Autonomia
da escola: princípios e propostas. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2004. p. 33-41

MARX, Karl. ENGELS. Frederich. Manifesto do Partido Comunista, CPV- Centro


de documentação e pesquisa Vergueiro, São Paulo, 2001.

SANTOS, Arlete Ramos dos. Aliança (neo) desenvolvimentista e decadência


ideológica no campo: movimentos sociais e reforma agrária do consenso. Curitiba:
CRV, 2016.

VEIGA, I.P.A. Projeto político-pedagógico: novas trilhas para a escola. In: VEIGA,
I.P.A.; FONSECA, M. (org.). Dimensões do projeto político-pedagógico: novos
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VITÓRIA DA CONQUISTA. Secretaria Municipal da Educação. Setor de


Legalização e Estatística da SMED. Vitória da Conquista, 2016.

VITÓRIA DA CONQUISTA. Secretaria Municipal da Educação. Setor de


Legalização e Estatística da SMED. Vitória da Conquista, 2017.
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CÍRCULO DE DIÁLOGOS “MOVIMENTO DE LUTA PELA


TERRA E EDUCAÇÃO DO CAMPO”

A EDUCAÇÃO DO CAMPO DO MUNICÍPIO DE ITABUNA / BA

Vívian Azevedo Alcântara*


Arlete Ramos dos Santos**
Polianna Almeida Costa***

Resumo
As escolas do campo são muito importantes na formação do indivíduo que está no
campo, porém, ainda hoje os órgãos públicos insistem em não enxergar esta
necessidade deixando de lado a qualidade na oferta dos serviços garantidos por leis.
Este artigo é parte do projeto de pesquisa, intitulado Políticas Públicas educacionais
do PAR em municípios da Bahia, nele analisamos a estrutura física de escolas do
município de Itabuna Bahia, tendo como referência a Dimensão 4 do Plano de Ações
Articuladas – PAR. Buscaremos também conceituar Educação Rural e Educação do
Campo, além de abordarmos os aspectos legais da educação campesina . Utilizamos
a metodologia de pesquisa de campo qualitativa, cujos instrumentos de coleta de dados foram
entrevistas semiestruturadas, análise documental e questionários. Os resultados
demonstraram a insatisfação dos entrevistados em relação aos serviços oferecidos no âmbito
escolar, e que apesar da importância dos programas implementados pelo PAR a teoria ainda
não está em harmonia com a prática.

Palavras-chave: Educação do Campo. Infraestrutura. Políticas Públicas. Transporte


escolar.

* Graduanda em Pedagogia pela UESC. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do
estado da Bahia - FAPESB.
** Doutora em Educação, pela Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG). Professora Adjunta do

Programa de Pós Graduação – Mestrado Profissional em Formação de Professores para a Educação Básica -
DCIE/UESC. Coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas –
CEPECH/DCIE/UESC. Coordenadora do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Educação
– GEPEMDEC/CEPECH/DCIE/UESC. E-mail: arlerp@hotmail.com
*** Graduanda em Pedagogia pela UESC; Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do

estado da Bahia - FAPESB.


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Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados preliminares de uma


pesquisa intitulada: “As políticas educacionais do PAR em municípios da Bahia”.
Neste texto apresentamos um recorte desta, destacando os obstáculos para
frequentar e/ou trabalhar enfrentados por estudantes, professores, entre outros
profissionais que fazem parte das escolas do campo no município de Itabuna -
Ba.Outro aspecto analisado no nosso recorte se trata da estrutura física das escolas
do campo no município pesquisado, tendo como referência a Dimensão 4 do Plano
de Ações Articuladas – PAR, sobre a qual destacaremos à frente.
O ambiente escolar tornou-se um espaço formador de personagens de
diferentes perfis. Sua estrutura física deve ser atrativa aos educandos de maneira que
eles possam desenvolver suas atividades socioeducativas e ampliarem seu
pensamento crítico. O espaço escolar pode ser considerado como um lugar com
grande potencial para o desenvolvimento de atividades cognitivas e motoras. Quando
se fala em acomodações físicas refere-se ao ambiente físico escolar, composto pelo
espaço educativo, pelo mobiliário e pelo equipamento escolar. A carência de
infraestrutura, a inexistência de projetos arquitetônicos apropriados, a deficiência de
recursos públicos e até mesmo a utilização de instalações impróprias dos prédios
escolares são dificuldades enfrentadas por grande parte das escolas públicas
brasileiras e a escola do campo não é uma exceção.
A necessidade de promover o alcance de padrões mínimos de funcionamento
por todas as escolas públicas de ensino fundamental resulta de uma visão mais ampla
acerca da universalização desse nível de ensino: não se trata, apenas, de garantir às
crianças e jovens oportunidades de escolarização; é necessário trabalhar para
garantir oportunidades de aprendizagem, atuando sobre as condições da oferta do
ensino (FUNDESCOLA/MEC, 2006).

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O PAR faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o qual foi


apresentado pelo Ministério da Educação em 24 de abril de 2007. Esse Plano colocou
à disposição dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, instrumentos de
avaliação e implementação de políticas de melhoria da qualidade da educação,
sobretudo da educação básica pública103.
O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, um programa
estratégico do Programa de Desenvolvimento da Educação - PDE, instituído pelo
Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, inaugurou um novo regime de colaboração,
conciliando a atuação dos entes federados sem lhes ferir a autonomia, envolvendo
primordialmente a decisão política, a ação técnica e atendimento da demanda
educacional, visando à melhoria dos indicadores educacionais. Sendo um
compromisso fundado em 28 diretrizes e consubstanciado em um plano de metas
concretas e efetivas, compartilha competências políticas, técnicas e financeiras para
a execução de programas de manutenção e desenvolvimento da educação básica
(BRASIL, 2007).
A partir da adesão ao Plano de Metas, os estados, os municípios e o Distrito
Federal passaram à elaboração de seus respectivos Planos de Ações Articuladas
(PAR). Desde 2011, os entes federados puderam fazer um diagnóstico da situação
educacional local e elaborar o planejamento para uma etapa (2011 a 2014), com base
no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB dos últimos anos (2005,
2007 e 2009) (MEC,2018).
O PAR contempla ações em todos os níveis e modalidades da educação, e
está dividido em quatro dimensões, quais sejam: 1. Gestão Educacional; 2. Formação
de Professores e dos Profissionais de Serviço e Apoio Escolar; 3. Práticas
Pedagógicas e Avaliação, e 4. Infraestrutura Física e Recursos Pedagógicos.
Entretanto, nesse trabalho nos detemos apenas na última dimensão, que trata da
infraestrutura escolar, que está organizada da seguinte forma: “Área 1 - Instalações

103 Disponível em:http://simec.mec.gov.br/cte/relatoriopublico/principal.php


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físicas gerais; Área 2 - Integração e Expansão do uso de Tecnologias da Informação


e Comunicação na Educação Pública; Área 3 - Recursos Pedagógicos para o
desenvolvimento de práticas pedagógicas que considere a diversidade das demandas
educacionais”.

1. Conceituando educação rural e educação do campo

Os ruralistas pedagógicos colocaram a educação rural no cenário nacional, sob


o viés ideológico do que hoje denominamos de “concepção da educação rural”,
decidindo, com isso, estrategicamente como deveria ser a formação para os povos do
campo. Não era a formação deles, com eles e para eles, como se defende na
Educação do Campo. Faltava reconhecer os povos do campo em sua diversidade, em
sua potencialidade de pensar, propor e partilhar processos educativos formais e não
formais, e assentava-se em três pilares: professor, método de ensino e currículo
(SANTOS, 2017).
Em consequência da crise cafeeira nas décadas de 1920 - 1930, o país vivencia
um processo de migração campo-cidade, neste mesmo momento o escolanovismo
indagava sobre a escola rural acreditando que era necessário conter o êxodo rural e
oferecer uma educação centrada no trabalho do campo. Este foi um período
importante no qual colocou a educação do campo no cenário da política educacional,
porém os processos de exclusão ainda continuavam vigentes, sem o reconhecimento
de toda a diversidade destes povos (Idem).
Para Caldart (2009, p. 12), a Educação do Campo,

é um movimento real de combate ao ‘atual estado de coisas’: movimento


prático, de objetivos ou fins práticos, de ferramentas práticas, que expressa
e produz concepções teóricas, críticas a determinadas visões de educação,
de política de educação, de projetos de campo e de país, mas que são
interpretações da realidade construídas em vista de orientar ações/lutas
concretas.

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Nesse sentido, a Educação do Campo retoma o ideário marxista de uma


educação emancipatória, que nasce das lutas dos trabalhadores camponeses para
buscar mecanismos de superação do eclipse ideológico que garante a dominação
vigente do sistema capitalista. Tal origem com a participação dos sujeitos se constitui
em crítica não só para os liberais, mas também para os esquerdistas ortodoxos que
colocam o conhecimento científico acima de tudo. A partir das relações da educação
com o modo de produção camponês recoloca em cena na pedagogia a concepção da
práxis como princípio educativo, no sentido de constituidora fundamental do ser
humano (MARX, 1982).

2. Aspectos legais da Educação do Campo

Pode-se afirmar que a história da educação no Brasil se iniciou com a chegada


da expedição do primeiro Governador Geral do Brasil do Brasil, Tomé de Souza, em
1549. A educação no período colonial ocupou um lugar secundário nos interesses
político-administrativos da coroa portuguesa, já que a mesma não tinha interesse em
formar uma massa pensante.
Segundo Caio Prado Júnior (apud PILLETI, 1996, p. 133),

a relação do Brasil com Portugal, no período colonial, determinava que o


Brasil fosse uma simples colônia [...] produtora e fornecedora de gêneros
úteis ao comércio metropolitano e que pudessem vender com grandes lucros
nos mercados europeus. Este será o objetivo da política portuguesa até o fim
da era colonial.

Houve melhorias, mas a escola continuou com uma realidade dividida em


princípios antagônicos, servindo a ideologias que iriam beneficiar as elites brasileiras
e o Governo. Segundo Ghiraldelli (2006), apenas a partir de 1930, a educação, de
caráter geral, chamou mais a atenção, sobretudo em função do Manifesto
escolanovista (1932), e até porque com a urbanização e industrialização do país, uma

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parcela da população brasileira acreditou que seus filhos poderiam, estando fora da
zona rural, fugir do trabalho braçal.

A educação do campo tem sido historicamente marginalizada na construção


de políticas públicas. Tratada como política compensatória, suas demandas
e sua especificidade raramente têm sido objeto de pesquisa no espaço da
academia e na formulação de currículos nos diferentes níveis e modalidades
de ensino. A educação para os povos do campo é trabalhada a partir de um
currículo essencialmente urbano e, geralmente, deslocada das necessidades
e da realidade do campo. Mesmo as escolas localizadas nas cidades têm um
currículo e trabalho pedagógico, na maioria das vezes, alienante, que difunde
uma cultura burguesa e enciclopédica. É urgente discutir a educação do
campo, mas especialmente a educação pública no Brasil (SOUZA; REIS,
2009, p. 19 - 20).

Porém, a educação rural ainda é uma realidade permanecendo a serviço do


agronegócio, do latifúndio, do agrotóxico, dos transgênicos e da exportação, mesmo
diante de alguns avanços.
Com a aprovação da Constituição de 1988 e do processo de redemocratização
do país, um amplo debate acontece em volta dos direitos sociais da população
campesina, ao mesmo passo em que se consegue aprovar políticas de direitos
educacionais bastante expressivas, solidificando o acordo do Estado e da sociedade
brasileira em promover a educação para todos, respeitando suas singularidades
culturais e regionais. Em harmonia com essas concepções foram preparadas e
implementadas reformas educacionais que desencadearam alguns documentos
fundamentais, dentre eles: a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -
LDBEN nº 9394/1996.
A LDBEN nº 9394/1996, em seu primeiro artigo anuncia que o conceito de
educação não se restringe ao ensino escolar, definindo que:

Art, 1º - A educação deve abranger os processos formativos que se


desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996).

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Portanto, nossa atual LDBEN proclama que o ensino ministrado nas escolas
compreende apenas um dos processos formativos do ser humano. Com relação à
educação dos povos do campo, a LDBEN nº 9394/1996 traz alguns artigos
específicos. Constitui-se um progresso significativo, o artigo 28, o qual faz referência
especificamente à oferta da educação para a população rural, prevendo currículos e
metodologias adaptadas aos interesses dos estudantes da zona rural; organização
escolar própria, com adequação do calendário escolar as condições climáticas e fases
do ciclo agrícola e adequação à natureza do trabalho da zona rural (Idem).
A partir da concepção de uma educação para todos, a implementação da nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/1996, apresenta o
reconhecimento da diversidade e singularidade do campo, uma vez que a partir desta,
vários instrumentos legais estabelecem orientações para atender esta realidade de
modo a “adequar” as suas especificidades, como exemplificam os artigos 23, 26 e 28,
que tratam tanto das questões de organização escolar como de questões
pedagógicas. A LDB nº 9.394/1996 em seu artigo 28 estabelece as seguintes normas
para a educação no meio rural:

Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino


proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da
vida rural e de cada região, especialmente: I- conteúdos curriculares e
metodologia apropriada às reais necessidades e interesses dos alunos da
zona rural; I- organização escolar própria, incluindo a adequação do
calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; I-
adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).

Nesse sentido, com base na referida Lei, podemos notar um avanço nos
aspectos educacionais, políticos e culturais indicativos à educação no campo, com
destaque na obrigação do Estado em desempenhar alguns deveres, entre eles:
educação básica para toda população; conteúdos curriculares e metodologias
integradas aos interesses e necessidades dos educandos, assim como, a autonomia
dos espaços educativos, que poderão organizar seu calendário de acordo com as
atividades e trabalhos desenvolvidos na comunidade. Essa foi uma conquista se
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tornou uma realidade por meio do Parecer CNE/CEB nº 1/2006, aprovado em 1º de


fevereiro de 2006.
Segundo Pinho (2008), ao alternar períodos na escola e na vivência de sua
comunidade, o jovem constrói conhecimento no diálogo entre o saber cotidiano,
fomentado na prática e no trabalho passado de gerações a gerações e o saber
escolarizado. Essa relação pode possibilitar a apropriação de saberes historicamente
defendidos e o acesso às técnicas cientificamente comprovadas. Deste modo, a
pedagogia da alternância propõe aos jovens momentos de conciliação das atividades
profissionais com as atividades escolares, proporcionando assim uma formação
integral, desenvolvendo o pensamento com análise crítica da realidade, fortalecendo
o vínculo comunitário e familiar. A Constituição de 1988, na LDB nº 9.394/1996, além
de decretos e pareceres, trouxe avanços, porém com alguns retrocessos.
Segundo Ramos (2004, p. 7) houve algumas falhas, pois de acordo com a
história as políticas designadas para a educação do meio rural, não deram importância
aos seguintes aspectos: “formulação de diretrizes políticas e pedagógicas específicas
que regulamentassem como a escola deveria funcionar e se organizar; Dotação
financeira que possibilitasse a institucionalização e manutenção de uma escola em
todos os níveis com qualidade”.
A história da educação do campo foi marcada pelo abandono do poder público.
Foi se opondo a esta conjuntura que nasceram diversas iniciativas de movimentos
sociais, sindicais e populares que paralelamente construíram inúmeras experiências
educativas de reflexão acerca da realidade e interesses dos povos do campo.
A educação do campo nascida dos movimentos sociais do campo tomou
alcance nacional e gerou o que Munarim (2008) batizou de Movimento Nacional de
Educação do Campo. O autor salienta que:

a experiência acumulada pelo Movimento Sem Terra (MST) com as escolas


de assentamentos e acampamentos, bem como a própria existência do MST
com o movimento pela terra e por direitos correlatos, pode ser entendida
como um processo histórico mais amplo de onde deriva o nascente
Movimento de Educação do Campo (p. 59).
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Ao final dos anos 1990, espaços públicos foram instituídos para debate sobre
a educação do campo, como: o I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma
Agrária – I ENERA, em 1997, organizado pelo MST e com o apoio da UnB –
Universidade de Brasília, entre outras entidades. Pensar a educação pública para os
povos do campo, levando em consideração o seu contexto em termos políticos,
econômicos, sociais e culturais foi o desafio lançado nesse evento. A maneira como
se concebe o tempo, o espaço, o meio ambiente e sua produção, além da organização
coletiva, as questões familiares, o trabalho, entre outros aspectos.
Segundo Caldart (2002), durante o I ENERA foram colocadas em pauta as
reflexões e práticas pedagógicas possíveis para o meio rural. Utilizava-se uma nova
perspectiva de pensar a Educação do Campo, descentralizando as discussões nos
estados e municípios. Nesse encontro surge a ideia de uma Conferência Nacional Por
Uma Educação Básica do Campo. Sendo esse um espaço no qual os movimentos
sociais ajudaram na construção de ideias e participaram das discussões e debates
que influenciariam as políticas públicas do país.
Toda vez que houve alguma sinalização de política educacional ou de projeto
pedagógico específico para o meio rural, poucas vezes houve a participação dos
sujeitos do campo. “Além, de não reconhecer o povo do campo como sujeito da
política e da pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeitá-lo a um tipo de
educação domesticadora e atrelada a modelos econômicos perversos” (CALDART,
2002, p.28).
E é neste contexto onde acontecem embates de forças entre a classe
dominante e o proletariado, que será feito uma análise sobre a situação da estrutura
física da escola do campo no município de Itabuna. Porém, é importante
compreendermos conceitualmente a palavra Estrutura. Epistemologicamente, de
acordo com o Dicionário Online de Português104, “Estrutura vem do verbo struere, que
significa construir; Modo como alguma coisa é construída, organizada ou está

104 Significado de Estrutura. Disponível em: https://www.dicio.com.br/estrutura/


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disposta”. Dessa forma, o funcionamento escolar compreende alguns elementos, a


saber: recursos materiais, número de turmas, edifício escolar, organização dos
espaços, entre outros, fazem parte da estrutura física das escolas. Vieira (2001)
afirma:
Se é verdade que tanto a estrutura quanto o funcionamento podem mudar, o
primeiro possui um caráter determinante sobre o segundo. Quando uma reforma
educacional modifica a organização do ensino provendo novas formas de
acesso, de financiamento, etc, podemos dizer que esta é uma reforma estrutural.
Com certeza implicará mudanças no seu funcionamento do ensino. O contrário
não é verdadeiro, várias formas de funcionamento podem corresponder a uma
mesma estrutura (p. 22).

A infraestrutura da escola é um dos elementos básicos que pode melhorar o


desempenho dos alunos, e quando esta ação básica é ignorada, os profissionais da
educação experimentam dificuldade para realizar seu trabalho com melhores
resultados e os alunos são sem dúvida os que mais perdem. Por isso, a necessidade
de políticas públicas que tenham o compromisso efetivo de não somente construir
escolas no campo mas operar de forma que a escola tenha suas necessidades físicas
estruturais supridas com qualidade.Combatendo a ideia de que a escola por fazer
parte de uma área no meio rural seria um lugar de atraso e desestimulante
contribuindo até mesmo para um possível afastamento do estudante da escola.
O ambiente físico escolar é muito importante para os alunos já que eles passam
parte de sua vida presente nesta atmosfera e não exclusivamente para serem
educados, mas também para aprenderem a se socializar com as demais pessoas ao
seu redor.

3. Um olhar sobre o espaço escolar e sua realidade estrutural

Foram utilizados os dados de uma pesquisa de Iniciação Científica, realizada


na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), a qual traz como objeto principal

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“Políticas Públicas educacionais do PAR em municípios da Bahia”. A pesquisa é de


cunho quali/quantitativa de natureza exploratória, cujos instrumentos de coleta de
dados foram: realização de entrevistas com diretores, professores, coordenadores de
escolas do campo e secretários de educação dos municípios de Vitória da Conquista
e Itabuna na Bahia. Porém, nesse artigo destacamos apenas os resultados sobre o
município de Itabuna, no que se refere à estrutura física das escolas.Neste município
realizamos 22 entrevistas e aplicamos questionários de perguntas abertas e fechadas.
Itabuna é um dos municípios do Estado da Bahia. O município se estende por
432,2km² e conta com 204 710 habitantes no último Censo. A densidade demográfica
é de 473,6 habitantes por km² no território do município. Vizinho dos municípios de
Itajuípe, Ilhéus e Buerarema. Situada a 63 metros de altitude, Itabuna tem as seguintes
coordenadas geográficas: Latitude: 14º 47’ 21” sul, Longitude: 39º 16’ 40” Oeste.
Itabuna possui um quantitativo de 25 escolas no campo, atendendo a alunos
da educação infantil, ensino fundamental e o Programa de Educação de Jovens e
Adultos - PROEJA I, sendo que o PROEJA é ofertado em apenas algumas escolas
que ocorrem em períodos diurnos ou noturnos. Segundos os dados levantados a
educação do campo do município não oferecem o fundamental II (6º ao 9º ano), como
também o ensino médio, ou seja, se o aluno optar por continuar sua trajetória
acadêmica, terá que se deslocar para os centros urbanos ou terá que deixar o campo.
Informações que podem ser confirmadas na fala do coordenador da Educação do
Campo, transcrita a seguir.

No município de Itabuna são 25 escolas, a maioria delas são de multi-idades,


multietapas, não pode ser multiseriadas, porque não é seriação é por ano
escolar, 1° ao 5° ano, então essas escolas, 22 escolas são de multietapas,
tendo algumas, sendo cinco ou seis escolas onde a gente consegue separa
ensino fundamental de educação infantil, a maioria delas da educação infantil,
pré-escola, até o 5° ano do ensino fundamental, com uma única professora,
e outras seis escolas tem uma professora para a educação infantil, uma
professora com o 1° ao 3° ano e a outra com 4° e 5° ano, são três turmas
nessas escolas, com exceção de outras três escolas que é a escola Roça do
Povo, a Zacarias Dantas e a escola Mariana de Carvalho, então tem um maior
número de alunos, portanto temos educação infantil, 1°,2°,3°,4° e 5° ano, são
escolas que são acompanhadas pela proposta do ciclo de formação humana,

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ciclo da pré infância, ciclo da infância, da adolescência (TRANSCRIÇÃO DA


FALA DO COORDENADOR DAS ESCOLAS DO CAMPO EM ITABUNA,
2017).

No que se refere à estrutura física, quando questionados sobre as condições


de funcionamento das escolas, obtivemos os dados demonstrados conforme Gráfico
01 abaixo:

Gráfico 1- Adequação da estrutura física das escolas


O prédio da escola em que trabalha é adequado ao funcionamento da
modalidade de ensino em que trabalha?

32%

Sim
68% Não

Fonte: Elaboração das autoras, 2018.

Observa-se que 32% dos sujeitos afirmam que a estrutura física das escolas
são adequadas, enquanto que 68% afirmam que são inadequados. Ou seja, a grande
maioria das escolas do campo município pesquisado ainda funciona em condições
precárias.

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Outra aspecto investigado foi sobre a garantia do que preconiza a Resolução


nº 2, de 28 de abril de 2008, do transporte escolar para escolas do campo. O referido
instrumento legal garante no Art. 5º § 1º; “Sempre que possível, o deslocamento dos
alunos, como previsto no caput, deverá ser feito do campo para o campo, evitando-
se, ao máximo, o deslocamento do campo para a cidade”. Entretanto, os dados
evidenciaram um desrespeito ao que está garantido na legislação, cujos dados podem
ser constatados no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Transporte escolar para alunos do campo


Como é realizado o transporte escolar dos alunos do campo?
De ônibus intracampo das
fazendas para a escola do
campo
De ônibus do campo para a
cidade, vila ou povoado
0%
0%
De van ou micro-ônibus
5% 5%
5% intracampo: das fazendas para
28%
a escola do campo
14% De van ou micro-ônibus do
campo para a cidade, vila ou
povoado
De camionete, pick-up ou
caminhão intracampo: das
43% fazendas para a escola
De camionete, pick-up ou
caminhão do campo para a
cidade, vila ou povoado
Nenhum, minha escola não é
atendida pelo transporte
escolar
Não responderam

Fonte: Elaboração das autoras, 2018.

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Como está disposto, percebemos que 43% dos professores que responderam
o questionário demonstraram que os alunos do campo são transportados para a
cidade. Nesse caso, percebemos que trata-se dos alunos do Ensino Fundamental II,
uma vez que o município de Itabuna não possui escolas que atendem a esse público
no campo. Os demais sujeitos investigados que se referem ao transporte intracampo,
responderam observando o atendimento ao Ensino Fundamental I.
Outra questão a ser observada foi sobre a qualidade do serviço prestado no
atendimento do transporte escolar. Os dados do Gráfico 3 demonstra que mais de
50% dos sujeitos não estão satisfeitos com as condições do transporte, uma vez que
responderam que este serviço prestado é de péssima qualidade.

Gráfico 3 – Condições do transporte escolar


Como você avalia o transporte escolar no campo?

Bom, transporte de boa


qualidade e atende as
expectativas

10% 0% Ótimo, transporte de excelente


14%
qualidade e atende as
expectativas
24%
Ruim, transporte de qualidade
razoável e não atende as
expectativas
52% Péssimo, transporte de péssima
0% qualidade e não atende as
expectativas
Nada consta, minha escola não é
atendida pelo transporte escolar

Não responderam

Fonte: Elaboração das autoras, 2018.

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Sabemos que o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar –PNATE


é reconhecido como uma importante política pública educacional por parte da União
que, com a participação dos demais entes governamentais e o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), busca desenvolver soluções com o objetivo
de enfrentar e tentar melhorar situações desiguais que existem entre as regiões do
Brasil.O PNATE foi implantado através da Medida Provisória n° 173, de 16 de março
de 2004, referendado pela Lei n° 10.880, de 09 de junho de 2004, via Ministério da
Educação – MEC, e sobre o crivo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação - FNDE. O mesmo tem como intuito, oferecer uma política educacional mais
igualitária e responsável, ofertando aos alunos do Ensino Fundamental do campo a
utilização do transporte escolar, a acessibilidade e a estadia nas escolas.

4. Considerações finais

Com base nestes dados percebe-se que nas escolas mesmo com as políticas
atuais tem se evidenciado a continuação de velhas dificuldades como o caráter
centralizador, normativo e tecnocrático nos processos de planejamento da educação.
A instituição escolar ainda é um dos aparelhos ideológicos do Estado e não é
uma instituição imparcial que zela pelo bem comum, mas continua a ser uma
instituição classista.
Marx acreditava que a educação era parte da superestrutura de controle usada
pelas classes dominantes. Por isso, ao aceitar as ideias passadas pela escola à classe
dos trabalhadores (que Marx denominava classe proletária) cria uma falsa
consciência, que a impede de perceber os interesses de sua classe. Assim, Marx
concebia uma educação socializada e igualitária para todos os cidadãos.
Estes resultados apresentados retratam a realidade atual das escolas do
campo no município de Itabuna onde foi verificado que a teoria das políticas públicas

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não está em harmonia com a prática. Ficou evidenciado que a Educação do campo
ainda enfrenta desafios, por isso, faz-se necessário debates e questionamentos
buscando construir melhores condições de trabalho para os profissionais da educação
e um melhor atendimento aos estudantes, para que desta forma a educação aconteça
de uma maneira que ela seja transformadora diminuindo as desigualdades sociais.

Referências

BRASIL, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L939
4.htm >. Acesso em 01.08.2007.

BRASIL. Lei n°10.880, de 09 de junho 2004. Institui o Programa Nacional de Apoio


ao Transporte do Escolar – PNATE e o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino
para Atendimento de á Educação de Jovens e Adultos dispõe sobre o repasse de
recursos financeiros do Programa Brasil Alfabetizado, altera o art. 4° da lei n°4.924,
de 24 de dezembro de 1996, e dá outras providências. Disponível
em:<http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.880.htm.Acesso em:
23 mai.2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da


Educação. Disponível em:http://www.fnde.gov.br/index.php Data de acesso: 23
mai.2018.

BRASIL. Padrões Mínimos de Qualidade do Ambiente Escolar, Fundo de


Fortalecimento da Escola FUNDESCOLA/MEC. Brasília, 2006.

CALDART, R. S. Por uma educação do campo: traços de uma identidade em


construção. In: Educação do campo: identidade e políticas públicas. Caderno 4.
Brasília: Articulação Nacional “Por Uma Educação Do Campo” 2002.

CALDART, Roseli Salete. Educação do Campo: notas para uma análise de


percurso. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 35-64, mar./jun.2009.

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ARQUITETURA ESCOLAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: ESPAÇO DE


VALORIZAÇÃO DO POVO CAMPESINO

Valéria Prazeres dos Santos*


Cândida Maria Santos Daltro Alves**
Ana Paula Queiroz de Araújo Santana***

Resumo
O presente artigo surge com a motivação dos estudos realizados pela Disciplina
Gestão dos espaços públicos e relação com a comunidade105 e tem como objetivo
discutir a arquitetura das escolas do campo numa perspectiva de valorização das
especificidades dos povos campesinos. A modificação dos espaços escolares é
importante porque a questão do espaço é também uma relação entre dominantes e
dominados. Este trabalho objetiva levantar dados acerca das condições físicas da
Escola Municipal Manii106, município de Nazaré-BA e apontar caminhos para uma
transformação. A metodologia abordada é quali-quantitativa, tomando como
referência os preceitos do materialismo histórico-dialético.

Palavras-chave: Arquitetura Escolar. Educação do Campo. Transformação.

* Mestranda no Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Formação de Professores da


Educação Básica, da UESC. Especialista em Coordenação Pedagógica – FSC. Técnica Pedagógica na
Rede Municipal de Nazaré. Integrante do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural
e Educação do Campo, GEPEMDEC/do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências
Humanas – CEPECH, no Departamento de Ciências da Educação – DCIE, da UESC – BA. Email:
prof.valeriah@gmail.com
** Mestrado e Doutorado em Educação, pela Universidade Estadual de Campinas. Professora com

dedicação exclusiva, no Departamento de Ciências da Educação – DCIE, na Universidade Estadual


de Santa Cruz – UESC. Graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia.
*** Mestranda no Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Formação de Professores da

Educação Básica, da UESC. Especialista em Educação para as relações étnico-raciais e em Gestão


Escolar. Professora de História do Estado da Bahia. Email: anasantanahistoria@bol.com.br
105 Disciplina ofertada pelo Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Formação de

Professores da Educação Básica, linha 2, Políticas Educacionais. Disciplina atualmente ministrada


pela professora Cândida Maria Santos Daltro Alves.
106 Nome fictício.

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Introdução

O presente artigo objetiva discutir a Arquitetura escolar das escolas do campo,


tendo em vista que a mesma não deve seguir um modelo urbano e sim priorizar as
características e os modos de vida do povo campesino. Para isso, fizemos uma
pesquisa bibliográfica acerca do assunto com o referencial teórico estudado durante
a disciplina Gestão dos espaços públicos e relação com a comunidade, ofertado pelo
Mestrado Profissional em Educação, linha 2, políticas educacionais da Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC) e da análise de uma escola do campo do município
de Nazaré-BA.
Para isso partimos da compreensão do termo espaços escolares como espaços
políticos e cercados de significação discute-se, neste trabalho, a importância do
respeito às especificidades do campo nas estruturas das escolas campesinas uma
vez que a desvinculação entre o espaço e a vida do aluno pode fazer com que ele não
dê significação positiva ao que a ele pertence. Afinal, por que gostariam de afastá-lo
de algo que é bom? Se o espaço da escola em nada lembra a identidade do campo,
essa identidade também está sendo furtada do aluno.
As discussões acerca da ressignificação dos espaços são necessárias, mas
mais do que isso, a tomada de consciência e a luta para que essa mudança aconteça.
Nessa perspectiva, este artigo vem elucidar no item subsequente acerca da
Arquitetura escolar e aponta como caminho para a transformação a atuação dos
conselhos escolares perante o problema da escola analisada e a persistência da luta
enquanto marca dos povos campesinos.

1. A arquitetura escolar
Nesse item introduzimos uma ideia central que perpassa no texto “Espaços
cerrados: as marcas da violência e do controle na arquitetura das escolas”, de Zan e

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Possato, a partir do seguinte questionamento: o que a arquitetura de nossas escolas


tem dito aos nossos alunos? Esta reflexão é profunda e sua análise consubstancia
diversas nuances que muitas vezes parecem ser ignoradas por nós educadores. O
papel político da arquitetura escolar, as marcas que trazem a sua configuração, os
motivos pelos quais o ambiente escolar se mantém, na maioria das vezes, engessado,
são algumas das questões que perpassam a organização do espaço escolar e que
fazem parte do currículo (chamado currículo oculto), tal como afirma Alves (1998)
quando diz que o espaço escolar deve ser considerado como uma dimensão material
do currículo. Essas questões precisam ser levantadas quando se quer, por exemplo,
uma escola embasada em uma formação crítica.
Segundo as autoras Zan e Possato (2014, p. 2181) “o espaço físico traduz as
relações de poder existentes, tanto em seu interior, como em seu exterior”. Assim, é
necessária uma imagem mais apurada da forma como percebemos ou não a
influência dos espaços escolares e de como eles podem ficar marcados em nossas
vidas. Numa monografia para a conclusão do curso de Pedagogia, pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, Melo (2012), dissertou sobre Arquitetura escolar e suas
relações com a aprendizagem, na sua pesquisa ela chegou à seguinte constatação
ao pedir que os alunos desenhassem a planta da escola:

Todas as figuras das salas de aula foram feitas de forma padronizada e sem
ocupantes revelando o aspecto de uniformidade e impessoal muitas vezes
vividos na escola. Os alunos não reconhecem a sala de aula como um local
dinâmico e humanizado. As salas são representadas da mesma forma sem
nenhuma diferença entre elas, até as carteiras foram desenhadas todas
iguais (MELO, 2012, p.23)

Esse resultado contradiz e dificulta uma abordagem mais crítica por parte do
aluno e o seu reconhecimento no espaço. Segundo Kowaltowski (2011, p.115), “os
estudos de psicologia ambiental em escolas demonstram que a individualização do
uso de espaços é importante na busca por uma satisfação psicológica com o ambiente
físico” e como afirma Gifford (1976) o homem tanto modela quanto é modelado pela

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sua criação, desta forma a padronização impossibilita a riqueza da relação homem


versus ambiente e tudo o que está relacionado ao comportamento humano.
Como afirmam Funari e Zarankin (2005), a arquitetura pode ser compreendida
como um tipo de comunicação não verbal. Desta forma, cabe, mais uma vez, a
indagação: o que se lê como constituição do espaço escolar? O que essa organização
diz aos nossos corpos? Às formas de ver as coisas? Ao incentivo à criatividade? Às
nossas relações interpessoais e até intrapessoais?
Nesta discussão acerca da importância do espaço escolar, cabe-nos então
conceituar espaço, conforme apresentado por Santos (1997, p. 110), como

Uma reunião dialética de fixos e fluxos; o espaço como conjunto contraditório,


formado por uma configuração territorial e por relações de produção, relações
sociais; e, finalmente o que vai presidir à reflexão de hoje, o espaço formado
por um sistema de objetos e um sistema de ações.

Quando Milton Santos (1997) define o espaço considerando ser ele um


conjunto de fixos e fluxos, vem ressaltar que além da estrutura material (planta e
construção concreta) fazem parte do “ser” espaço aquilo que o movimenta, as ações,
as pessoas que ali passam um tempo e criam significados, deixam marcas.
A partir do momento que o espaço não possibilita esse movimento dialético, ele
pode estar deixando de cumprir completamente o seu papel social. Ainda sobre o
resultado da pesquisa de Melo (2012), uma escola onde os alunos não vejam a sua
marca, que não consiga ser enxergadas nada além de salas e mais salas, banheiros,
cozinhas e refeitórios, que não vá além disso, ela deixa de ser viva e de mexer de
uma forma positiva, marcante na vida do aluno.
Essa pode ser mais uma lacuna que fica na educação, nesse panorama vale
destacar que não se trata apenas de a educação ser um direito, como o artigo 205 da
Constituição Federal de 1988 coloca, mas de fazer com que esse direito seja efetivado
com qualidade. Neste sentido, Gonçalves (1999), colabora dizendo que

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O direito à educação, para tornar-se realidade, precisa materializar-se em um


sistema que comporte programa, currículo, métodos, espaços físicos,
professores e condições de trabalho, entre outros. Mas, é exatamente na
concretização destas condições que o direito declarado não se efetiva. O
espaço físico compõe a vida escolar como parte de suas multi-
determinações. Articulado ao empobrecimento dos salários, da formação,
das condições de trabalho e de vida de professores e alunos, a degradação
e empobrecimento dos espaços físicos escolares constitui-se em mais um
elemento excludente e desqualificador da educação. É possível afirmar-se
que o empobrecimento da rede física escolar pública é resultado visível do
modelo de desenvolvimento econômico, social e político do Brasil
(GONÇALVES, 1999, p.47).

Nesse sentido, a arquitetura escolar pode ser um importante fator a ser


observado para uma aprendizagem significativa e uma educação transformadora.
Sendo assim, Kowaltowski (2011, p. 78) salienta que “o nível de satisfação com a
escola deve ser alto, para uma permanência mais duradoura de docentes e alunos,
com maior produtividade e níveis mais altos de desempenho escolar”. É preciso então
preocupar-se em enriquecer estruturalmente as escolas, oferecendo um espaço rico
e singular às pessoas que ali passam boa parte de seu tempo. O olhar homogêneo
deve ser substituído por um olhar heterogêneo, o espaço pode e deve mudar para
atender às especificidades de cada turma, não apenas na estrutura física em si
(compreendemos que reformas estruturais não são passíveis de serem feitas com
constância), mas na riqueza dos espaços, nas cores, na iluminação, no cheiro, nos
sons. Torna-se necessário criar ambientes receptivos107.
Em continuidade a essa discussão, mas com foco na especificidade da
temática aqui em questão, iremos nos ater nas linhas a seguir aos espaços escolares
presentes na educação do campo.

1.1 Espaços escolares e a educação do campo

107 Discussão completa, mais adiante no tópico 4.


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A educação do campo, por muito tempo foi inviabilizada no Brasil, aparecera


apenas antes da constituição de 1988 em situações espaças e onde a sua
responsabilidade cabia aos patrões, proprietários de empresas rurais que deveriam
oferecer formação inicial aos filhos dos empregados, como afirma o Parecer
CNE/CEB, nº 36/2001

Na Constituição de 1967, identifica-se a obrigatoriedade de as empresas


convencionais agrícolas e industriais oferecerem, pela forma que a lei
estabelece, o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos
destes. Ao mesmo tempo, determinava, como nas cartas de 1937 e 1946,
que apenas as empresas comerciais e industriais, excluindo-se, portanto, as
agrícolas, estavam obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos
seus trabalhadores menores.
Em 1969, promulgada a emenda à Constituição de 24 de janeiro de 1967,
identificavam-se, basicamente, as mesmas normas, apenas limitando a
obrigatoriedade das empresas, inclusive das agrícolas, com o ensino primário
gratuito dos filhos dos empregados, entre sete e quatorze anos (BRASIL,
2001, p.10).

Eis que surge a promulgação da Constituição Federal de 1988, e traz em seu


artigo 205, que a Educação é “Direitos de todos e dever do Estado e da família”,
universaliza o direito a todos (ricos e pobres, pessoas que moram no campo ou na
cidade) à educação. Com isso, abre-se precedentes para a cobrança do cumprimento
da Lei. Contudo, garantir a universalização, apesar de ser um passo importante, não
abrange a qualidade que era uma das principais preocupações dos movimentos
sociais em prol da Educação do Campo.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996, há a
ampliação das especificidades da Educação do Campo nos artigos 23, 26 e 28, e a
mesma passa a ser modalidade de ensino. Ressalta-se, sobretudo o artigo 28 que diz:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino


promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades
da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades
e interesses dos alunos da zona rural;
II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

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III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. Lei de diretrizes e bases


da educação nacional
Parágrafo único. O fechamento de escolas do campo, indígenas e
quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do
respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela
Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a
manifestação da comunidade escolar (BRASIL, 1996).

A organização dos movimentos sociais em prol de uma educação do campo de


qualidade ganha força em 1997, no I Encontro Nacional de Educação na Reforma
Agrária – ENERA, através dele a educação do campo pôde se consolidar com a
participação dos movimentos sociais do campo. A luta por uma Educação campesina
reconhece
o povo do campo como sujeitos das ações e não apenas sujeitos às ações
de educação, de desenvolvimento, e assumem como sua tarefa educativa
específica a de ajudar às pessoas e às organizações sociais do campo para
que se vejam e se construam como sujeitos, também de sua educação”
(CALDART, 2002, p. 26, grifos da autora).

O amparo da lei às especificidades da educação é uma conquista proveniente


do processo de luta dos movimentos sociais campesinos por uma educação de
qualidade, pois através dessas formas de mobilização surgiram outros documentos
complementares à LDB nº 9394/1996, buscando efetivar a garantia dos direitos
negados por tanto tempo. Em 2001, as Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas escolas do Campo foram aprovadas; em 2006, pelo parecer CNE/CEB nº
1, de 2 de fevereiro foi homologado o documento que trata da aplicação de dias letivos
para a Pedagogia de alternância; em 2008, pela Resolução nº 2, de 28 de abril, foram
estabelecidas as diretrizes complementares, normas e princípios para o
desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do
Campo; em 2010, o Decreto nº 7.352, de 4 de novembro que Dispõe sobre a política
de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -
PRONERA, esse decreto definiu também quem são os povos do campo, no seu artigo
1º, § 1º

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I - populações do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os


pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da
reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os
caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas
condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural (BRASIL,
2010).

Esses são alguns dos documentos que expressam resultados de luta por uma
educação diferenciada para os povos do campo, com respeito à sua forma de vida, às
diferenças dos povos que nele vivem e produzem o bem viver. Por isso, a luta é por
uma educação no e do Campo. No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde
vive; Do: o povo tem direito a uma educação resultante das reivindicações dos
processos formativos, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e
sociais (CALDART, 2004).
Tendo em vista todo o processo de lutas para que a Educação do campo
tivesse as garantias legais que têm hoje, a questão da arquitetura escolar, ainda é
uma preocupação nova, bastante incipiente em estudos. Tanto é que boa parte dos
espaços escolares campesinos ainda não oferecem condições básicas de
infraestrutura. Dados do Censo de 2017, extraídos do Portal Brasileiro de Dados
Abertos (Qedu), mostraram que apenas 30% possuíam água via rede pública,
enquanto que nas escolas urbanas esse número foi para 93%, havia energia via
pública em 87% das escolas do campo (13% ainda não possuíam energia elétrica),
quando nas escolas da sede 100% das escolas foram atendidas.
Entretanto, é possível perceber em documentos oficiais novos olhares para a
estrutura física das escolas do campo e a sua relação com os saberes desses povos,
a exemplo, o documento Referência para uma Política Nacional de Educação do
Campo (2003) traz 7 (sete) princípios para a Educação do Campo, entre eles, o II
aponta para
A Educação do Campo e o respeito às organizações sociais e o
conhecimento por elas produzido A educação do Campo pode ocorrer tanto
em espaços escolares quanto fora deles. Envolve saberes, métodos, tempos
e espaços físicos diferenciados. Se realiza na organização das comunidades
e dos seus territórios que se distanciam de uma lógica meramente

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produtivista da terra e do seu próprio trabalho. Nas formas de organização se


vivencia o direito de relacionar-se com a terra como cultura através dos
diferentes conhecimentos e raízes históricas (BRASIL, 2003, p.33).

O fragmento acima demonstra uma preocupação com o caráter diverso da


Educação do campo. O espaço escolar na educação do campo deve preservar as
características desse local, devem aproximar e não distanciar o aluno da sua
localidade. Para isso, deve-se distanciar de uma educação urbanocêntrica.
A Lei 12.695, de 25 de julho de 2012, que dispõe sobre o apoio técnico ou
financeiro da União no âmbito do Plano de Ações Articuladas, no seu processo de
elaboração, a ser efetivado pelos entes federados e pactuado com o Ministério da
Educação, a partir das ações, programas e atividades definidas pelo Comitê
Estratégico do PAR, traz no artigo 2ª, eixo IV, a preocupação com a infraestrutura
física dos ambientes escolares

§ 1º A elaboração do PAR será precedida de um diagnóstico da situação


educacional, estruturado em 4 (quatro) dimensões:
I - gestão educacional;
II - formação de profissionais de educação;
III - práticas pedagógicas e avaliação;
IV - infraestrutura física e recursos pedagógicos.

Com isso, o projeto de uma escola do campo deve ter o diferencial de valorizar
o local onde se vive, possibilitar ao aluno conviver e apreciar positivamente sua
localidade para que ele consiga perceber que a preservação e a resistência dos povos
do campo são importantes armas de luta contra o capitalismo que se instala através
do agronegócio e dos grandes donos de terra que objetivam expulsar os povos do
campo. Neste sentido, Cândida (2013) corrobora

A Educação do Campo, assim como a pedagogia do MST possuem


formulações acerca das demandas e necessidades do ambiente escolar,
contudo essas estão no plano pedagógico, senão, no social. Dessa forma, a
elaboração e construção de um projeto arquitetônico de uma escola no
campo exigem ao arquiteto/a um esforço e certa sensibilidade na
compreensão das pedagogias que envolvem esse ambiente e as possíveis
contribuições desse às próprias pedagogias (p.34).

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Assim, a emancipação humana, através da valorização de sua noção de


pertencimento, faz-se essencial e o espaço escolar contribui nessa transformação.
Neste sentido, Gonçalves (1999) traz à reflexão que:

A organização do espaço escolar, como expressão de uma concepção de


homem e de mundo, tanto pode contribuir para a manutenção e reprodução
do imaginário social legitimando uma “ordem”, cuja raiz se baseia em uma
relação de dominação, como pode suscitar a reação e a construção de uma
alternativa de mundo e sociedade (p.47).

Nessa perspectiva, a Educação do Campo deve, realmente, buscar meios que


despertem nos camponeses e camponesas uma apreciação positiva e uma
perspectiva positiva de vida no campo. A escola é um local muito importante nesse
processo, porque ela é da comunidade e a mesma deve conseguir enxergar-se na
escola. Para isso, uma edificação, feita pensada em atender a esse público, que
respeite sua realidade, que valorize nos seus espaços as marcas da vida no campo
são essenciais.
Nas linhas a seguir, iremos apresentar aspectos relacionados à metodologia e
aos resultados desse estudo.

2. Aspectos metodológicos e resultados do estudo

O presente estudo configura-se como quali-quantitavivo caracterizado pela


descrição, compreensão e interpretação de fatos e fenômenos. Segundo Minayo
(1994, p.22) “a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das
ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações,
médias e estatísticas” e quantitativas, pois a presente pesquisa se debruçou sobre os
resultados numéricos, visando quantificar para atribuir significado ao que foi
pesquisado. Para a autora, o conjunto de dados quantitativos e qualitativos não se

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opõem. Ao contrário, se complementam, pois, a realidade abrangida por eles interage


dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia.
Os resultados aqui apresentados fazem parte de um estudo desenvolvido ao
longo de seis meses durante a disciplina Gestão dos espaços públicos e relação com
a comunidade, sobre a arquitetura escolar na Educação do Campo e seus campos de
significações. Pretende-se através de uma pesquisa bibliográfica (estudo teórico),
análise do espaço da Escola Municipal Manni, e do diálogo com a coordenadora da
escola, localizada na área rural do município de Nazaré, discutir sobre as relações
entre o espaço e a emancipação dos sujeitos campesinos. Para a análise dos dados
da rede municipal, as análises iniciam-se em 2013 e vão até 2017.
A dialética marxista compreende que os fenômenos devem ser analisados
através de uma concepção de realidade e tomando como base o papel das
transformações histórico-sociais na determinação da consciência humana. Sobre isso
escrevem Marx e Engels (2007):

Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra,


aqui se eleva da terra ao céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens
dizem, imaginam ou representam, tampouco dos homens pensados,
imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne
e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de
vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos
ecos desse processo de vida (p.94).

Na busca por um conhecimento do real, a dialética se constrói em torno da


totalidade. Segundo Kosik (1989, p.42), “a realidade é um todo estruturado que se
desenvolve e se produz, o conhecimento dos fatos, ou do conjunto de acontecimentos
da realidade, vem a ser o lugar que ocupam na totalidade desta realidade [...]”, esse
conhecimento não se dá de forma fragmentada, mas sim “num processo de
concreção, que precede do todo às partes e das partes ao todo” (IBDEM, 1989, p.42).
Assim, compreender determinado fenômeno, pressupõe compreendê-lo como um
todo, para isso, é necessário analisar as múltiplas determinações que compõe esse
todo.
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Assim, na nossa análise das políticas educacionais para as TIC’s, utilizamos as


seguintes categorias: totalidade, práxis, contradição e mediação. Compreende-se que
a escolha, a relação e o entendimento das categorias far-se-ão essenciais para a fase
de análise dos dados e teorização dos resultados.
As categorias serão utilizadas com objetivo de compreender o objeto dentro de
uma visão de realidade concreta, ou seja, de um todo em constante modificação. Para
explicar as categorias Masson (2012) expõe que

Captar a realidade em sua totalidade não significa, portanto, a apreensão de


todos os fatos, mas um conjunto amplo de relações, particularidades e
detalhes que são captados numa totalidade que é sempre uma totalidade de
totalidades. A categoria mediação é fundamental por estabelecer as
conexões entre os diferentes aspectos que caracterizam a realidade. A
totalidade existe nas e através das mediações, pelas quais as partes
específicas (totalidades parciais) estão relacionadas, numa série de
determinações recíprocas que se modificam constantemente. A práxis
representa a atividade livre, criativa, por meio da qual é possível transformar
o mundo humano e a si mesmo. A contradição promove o movimento que
permite a transformação dos fenômenos (p. 4-5).

Assim, o fenômeno estudado deverá pautar-se nas categorias dialéticas porque


se compreende que ele é o que melhor abarca a realidade das relações humanas no
caráter ontológico de suas relações históricas e sociais.
O método em questão visa um enfrentamento da situação educacional atual,
em específico para a situação das políticas educacionais para Arquitetura na
Educação do Campo do município de Nazaré-BA. De acordo com Frigotto (1991), o
que realmente importa para o materialismo histórico-dialético é a produção de um
conhecimento crítico que altere e transforme a realidade anterior, tanto no plano do
conhecimento como no plano histórico social, de modo que a reflexão teórica sobre a
realidade se dê em função de uma ação para transformar.
O município de Nazaré faz parte do Território de Identidade 21 – Conhecido
como Recôncavo baiano. Possui uma área de aproximadamente 253,780 km2, com
população estimada em 29.297 habitantes (IBGE, 2014). Localiza-se a 239 km de
Salvador pelas rodovias BR-101 e BA-324, possuindo um acesso alternativo com

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percurso de 60 Km pela BA-001, através da Ilha de Itaparica, até o terminal marítimo


de Bom Despacho, onde se faz a travessia da Baía de Todos os Santos, pelo Sistema
Ferry-Boat, de cerca de 7,048 km (aproximadamente 4,0 milhas marítimas), para se
chegar à Capital.
Segundo o Portal brasileiro de Dados Abertos (Qedu), no ano de 2017, a rede
municipal possuía 28 escolas, entre as situadas em áreas urbanas ou rurais, o total
de alunos era de 4.396. A rede municipal de ensino ofereceu o atendimento da creche
aos anos finais do ensino fundamental e EJA (também até os anos finais do ensino
fundamental). Sendo que 9 (nove) delas localizavam-se na área rural, ou seja, eram
escolas do campo. No gráfico 1 apresenta a descrição da quantidade de escolas da
rede municipal (sede e campo) e no gráfico 2 apresenta apenas a quantidade de
escolas do campo de 2013 a 2017.

Gráfico 1- Quantidade de Escolas (sede e campo)


40
Total de Escolas (sedeTotal de Escolas (sedeTotal de Escolas (sede
30 e Campo); 2013; 36 e Campo); 2014; 36 e Campo); 2015; 34 Total de Escolas (sede
Total de Escolas (sede
e Campo); 2016; 31
20 e Campo); 2017; 28
10
0
2013 2014 2015 2016 2017

2015 2016 2017

Gráfico 2- Quantidade de Escolas (sede e campo)

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Quantidade Quantidade Quantidade Quantidade


escolas do escolas do escolas do escolas do
campo; 2013; campo; 2014; campo; 2015; Quantidade
campo; 2016;
14 14 12 escolas do
12
campo; 2017;
9

2013 2014 2015 2016 2017

Pela análise dos dados apresentados nos dois gráficos podemos inferir que
nestes 5 anos, foram fechadas oito escolas, cinco delas (a maioria) escolas do campo.
É preciso atentar-se a esses dados, uma vez que o fechamento das escolas do campo
já foi abordado pela LDB nº 9.394/1996, em consonância com a nossa discussão, tal
fechamento e/ou de migração do aluno do campo para a cidade só dificulta a
construção positiva para o aluno da convivência em um espaço no qual ele se
reconheça e queira nele permanecer.
O gráfico 4 abaixo mostra o movimento de matrículas na educação do campo
no município de Nazaré-BA. É possível analisar como a matrícula na pré-escola e nos
anos iniciais têm caído, colaborando para a análise feita anteriormente.

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Gráfico 3 - Matrículas Educação do campo


2013; Total de Alunos;
de Alunos;
de Alunos;
de Alunos;
de Alunos;
MAT RÍ CUL A S E DUCA ÇÃ O DO CA MP O

263Anos iniciais;
2013 2014 2015

2013; Anos iniciais;

242 iniciais;
iniciais;

2017; Anos iniciais;


518
469
442
395
509

341
2014; Total
2015; Total
2016; Total
2017; Total

2014; Pré-escola; 149


2013; Pré-escola; 134

2014; Anos292
2016; Pré-escola; 123
2015; Pré-escola; 119

2015; Anos

2017; EJA; 197


2016;

235
2017; Pré-escola; 59

2017; Educ. Especial; 7


2016; Educ. Especial; 0
2013; Educ. Especial; 0
2014; Educ. Especial; 0
2015; Educ. Especial; 0
2013; Anos Finais; 0
2014; Anos Finais; 0
2015; Anos Finais; 0
2016; Anos Finais; 0
2017; Anos Finais; 0

2013; EJA; 92
2014; EJA; 88
2017; Creche; 11

2015; EJA; 60
2015; Creche; 0
2013; Creche; 0
2014; Creche; 0

2016; Creche; 0

2016; EJA; 31
No município de Nazaré, os alunos do campo só são atendidos no campo nas
etapas de Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais e na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os alunos do Ensino Fundamental anos finais
são transportados para escolas municipais da sede e o Ensino Médio é de
responsabilidade do Estado que só ofertam escolas na zona Urbana.
A escolha da Escola Municipal Manii não foi arbitrária, ela fornece um rico
campo de análise, uma vez que se objetiva neste trabalho tecer reflexões sobre as
condições físicas das escolas do campo e a importância de dar a esses espaços um
caráter emancipador, de acordo com as especificidades do campo.
É importante salientar que todas as escolas da área rural são multisseriadas,
as escolas possuem coordenação e direção compartilhada, em 2017, duas diretoras
e duas coordenadoras dividiam a direção e a coordenação das escolas do campo. A
equipe de coordenação e direção da escola é nova, apontamos aqui mais um
problema de “fluxos” da escola do campo, a alta rotatividade do pessoal dificulta uma
sequência de trabalho. Ao procurar fazer uma análise do Projeto Político Pedagógico
- PPP, foi constatado que a escola ainda não o possuía, mas que era um grande
desejo da coordenadora que conseguissem iniciá-lo e concluí-lo ainda este ano. A
falta dos Projetos Políticos na escola do campo do município faz com que a
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organização do trabalho escolar seja dificultada, Pedro Demo (1998, p.248), afirma,
neste sentido que

Existindo projeto pedagógico, próprio, torna-se mais fácil planejar o ano letivo,
ou rever e aperfeiçoar a oferta curricular, aprimorar expedientes avaliativos,
demonstrando a capacidade de evolução positiva crescente. É possível
lançar desafios estratégicos, como: diminuir a repetência, introduzir índices
crescentes de melhoria qualitativa, experimentar didáticas alternativas, atingir
posição de excelência.

Toda a instrumentalização de uma educação voltada para a educação do


campo, bem como currículo com características próprias, avaliações,
instrumentalizações de metas e estratégias ficam soltas sem um projeto político
próprio, além do enfraquecimento das relações democráticas, uma vez que é um
documento construído em cooperação com a comunidade escolar. O levantamento
do lugar, a organização das salas e demais espaços, o mobiliário e os desejos, sonhos
para a mudança também devem constar no PPP. A falta dificulta o movimento de
emancipação dos alunos e da comunidade perante a educação campesina.

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Figura 2 - Planta da escola

A Escola Municipal Manii, possui, atualmente, três salas de aula. O atendimento


escolar está distribuído da seguinte forma: uma sala para atender ao 4º e 5º (quarto e
quinto) anos, uma para 2º e 3º (segundo e terceiro) anos e outra que atende à
educação infantil e ao 1º (primeiro) ano do ensino fundamental. Conta atualmente com
8 funcionários: três professore/as (duas do sexo feminino, um do sexo masculino),
uma estagiária de Educação Infantil, duas auxiliares de serviços gerais, diretora e
coordenadora escolar. A escola, atualmente, só funciona durante o período matutino.
Levando em consideração que o espaço escolar é elemento essencial no
processo de aprendizagem e de que os usuários desses espaços precisam sentir-se
bem, concordamos com Kowaltowski (2011) quando ela diz que

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A arquitetura escolar e satisfação do usuário em relação à qualidade do


ambiente estão diretamente ligadas ao conforto ambiental que inclui os
aspectos térmico, visual, acústico e funcional, proporcionados pelos espaços
externos e internos. […]. Essas características são discutidas no programa
escolar, pois as pesquisas desenvolvidas na área demonstram a relação
entre o desempenho acadêmico e os elementos arquitetônicos dos ambientes
de ensino (p. 111).

Nesse sentido, a estrutura da escola analisada tem aspectos que não


contribuem para o bem-estar, a autonomia do aluno, uma formação crítica e uma
aprendizagem motivadora.
Quanto à estrutura física da escola é a seguinte: três salas, um corredor, dois
banheiros e uma cozinha. As salas de aula não possuem janelas e são muito quentes
no verão. Inclusive, uma das salas nem possui os blocos vazados (que são as únicas
entradas de luz que as outras salas recebem). Entre as salas e o corredor da escola,
há um muro alto que impossibilita a vista exterior da escola.

Imagem 1 – Frente da escola e lateral de Imagem 2 – lateral das escolas e fundo das
uma das salas salas

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Imagem 3 – Muro entre as salas e corredor (única visão do aluno para o exterior
da escola)

Nas fotografias acima é possível perceber que a estrutura não é atrativa.


Levando em consideração que é uma escola do campo, são tirados dos alunos todos
os contatos com o ambiente externo, o que pode reforçar o afastamento do homem
do campo de sua realidade, uma separação do mesmo deste. Quando se constata
que, apesar da lei, o fechamento das escolas do campo é hoje um dos maiores
problemas enfrentados pela modalidade e de que são ainda trabalhados, em boa parte
das escolas, uma perspectiva que valoriza o urbano e invisibiliza o rural, esse é um
ponto forte a questionar, como colabora Kowaltowski (2011, p.11) “o edifício escolar
deve ser analisado como resultado da expressão cultural de uma comunidade, por
refletir e expressar aspectos que vão além da sua materialidade”, a autora diz ainda

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que “o conforto visual é importante para a saúde e a produtividade das pessoas”


(p.146).
A baixa luminosidade e o calor são fatores que dificultam a aprendizagem,
como coloca Kowaltowski (2011, p.141)

Situações de desconforto causadas seja por temperaturas extremas, falta de


ventilação adequada, unidade excessiva combinada com temperaturas
elevadas ou por radiação térmica de superfícies muito aquecidas podem ser
prejudiciais e causar sonolência, alteração nos batimentos cardíacos,
aumento da sudação, psicologicamente, provoca apatia e desinteresse pelo
trabalho. Essas situações são extremamente desfavoráveis num ambiente
escolar.

Tendo em vista que o processo histórico pelo qual a educação do campo


passou e as suas dificuldades atuais, é raro ver uma escola do campo com uma
estrutura que tenha relação com os anseios da comunidade, para tanto tempo de
descaso, uma pintura, por vezes, torna-se motivo para felicidade, todavia, tendo em
vista o processo de democratização que possibilita à comunidade escolar, por meio
dos conselhos escolares, ter voz de ação, não é impossível uma mudança na referida
escola.

3. Considerações finais

Diante das discussões acerca da educação do campo e da importância da


arquitetura escolar para o processo educativo, seu significado e implicações é
necessário problematizar as questões inerentes ao currículo tanto o oculto, quanto o
normativo, estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9.394/1996, que traz em seu artigo 28 que às escolas devem ser resguardadas as
suas características próprias, sendo assim, a escola do campo deve ser feita para o
povo do campo em todas as suas particularidades, isso abarca também a estrutura
física.
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Trazer à tona um projeto arquitetônico que traga mais dignidade e autonomia


aos alunos do campo torna-se possível através da luta, para isso é preciso
mobilização dos órgãos colegiados. O conselho escolar pode e deve encaminhar
sugestões de melhorias, principalmente em uma questão de saúde como é o caso de
uma escola que não possui janelas e que funciona diuturnamente à base de luz
artificial.
Os povos do campo são sujeitos de direito tão como quaisquer outros. Isso é
tão certo que a eles foi dado o direito de estudar próximo a sua residência, a busca
agora é que esse ambiente possa suprir todas as suas necessidades.

Referências
ALVES, N. O Espaço Escolar e suas Marcas: o espaço como dimensão material
do currículo. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.

BRASIL. Constituição Federal. República Federativa 1988, Brasília, DF, 1988.

________. Ministério de Educação. Diretrizes Operacionais para a Educação


Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB nº 01, de 03 de Abril de
2002. Grupo de Trabalho Permanente de Educação do Campo. Decreto 1.374, de
03 de junho de 2003. Brasília, DF, 2003.

________. Senado Federal. Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


9394/1996.

________. Ministério de Educação. Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008:


Estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento
de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. Brasília, DF,
2008.

________. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política


de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária –
PRONERA. Brasília, DF, 2010.

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________. Ministério da Educação. Referências para uma política nacional de


educação do campo. Brasília, DF, 2004.

________. Lei nº 12.695, de 25 de julho de 2012. Dispõe sobre o apoio técnico ou


financeiro da União no âmbito do Plano de Ações Articuladas; altera a Lei no 11.947,
de 16 de junho de 2009, para incluir os polos presenciais do sistema Universidade
Aberta do Brasil na assistência financeira do Programa Dinheiro Direto na Escola;
altera a Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, para contemplar com recursos do
FUNDEB as instituições comunitárias que atuam na educação do campo; altera a
Lei no 10.880, de 9 de junho de 2004, para dispor sobre a assistência financeira da
União no âmbito do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à
Educação de Jovens e Adultos; altera a Lei no 8.405, de 9 de janeiro de 1992; e dá
outras providências. Brasília, DF, 2012.

CALDART, R. S. Por Uma Educação do Campo: traços de uma identidade em


construção. In: KOLLING, E. J.; CERIOLI, P. R.; CALDART, R. S. (orgs.). Por Uma
Educação do Campo: Identidade e Políticas Públicas. Brasília, DF: articulação
nacional Por uma Educação do Campo. 2002, p. 25-36. (Coleção Por uma Educação
do Campo, v. 4).

CÂNDIDA, M. A. Arquitetura escolar e Educação do Campo: contribuição à


elaboração de um edifício escolar no assentamento Ulisses de Oliveira. Minas
Gerais. 2013.

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FUNARI, P. P.; ZARANKIN, A. Cultura Material escolar: o papel da arquitetura. Pró-


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GIFORD, R. Environmental numbness in the classroom. The jornal of


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MELLO, L. G. Arquitetura escolar e suas relações com a aprendizagem. São


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MINAYO, M. C. de S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In:


MINAYO, M. C. de S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade.
Petrópolis: Vozes, 1994.

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<https://www.qedu.org.br/>. Acesso em 14 maio 2018.

SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico. São


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AS MATRIZES PEDAGÓGICAS DO MST. UMA 'NOVA' ESCOLA OU A


'VELHA' RESSIGNIFICADA?

Monaliza Meira Simões*


Tânia Regina Braga Torreão Sá**

Resumo
É a partir do intuito de oferecer conhecimento acerca das matrizes pedagógicas do
MST que construímos as balizas dessa proposta de trabalho a ser comunicada. Ela
tem o objetivo de problematizar o caráter inovador das 5 matrizes pedagógicas que
dão sustentação a já reconhecida pedagogia do MST, a saber estruturada, a partir da
pedagogia da luta social; da pedagogia da organização coletiva; da pedagogia da
terra; da pedagogia da cultura; e da pedagogia da história. Tais matrizes pedagógicas,
em nosso entendimento, exigem um olhar sobre a totalidade, contradição e
movimento da realidade concreta da sociedade essa proposta está inserida.
Assentindo tratar-se, portanto, de um conceito novo (educação do campo), e que
ainda ‘está em construção’, os educadores “sem terra”, ainda por cima, ensejam que,
na fundação dessa pedagogia, ela expresse as características da escola sem terra, e
que esteja balizada nos princípios que regem a proposta freiriana de corroborar a
conscientização, para fundamentar a formação política dos aprendentes. Mas será
que em tempos de criminalização dos movimentos sociais, tal pedagogia tem
encontrado espaço? É essa a questão fulcral que debateremos nesse trabalho.

Palavras-chave: Educação do Campo. Matrizes Pedagógicas do MST. Emancipação.


Sociedade Capitalista.

* Bolsista de IC, Departamento de Ciências Humanas e Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(DCHL/UESB), Jequié, Bahia, Brasil. Membro do Núcleo de Estudos Sobre Memória, Trabalho e Educação -
NEMTrabE – (GP/CNPq e NEPE / Pedagogia). E-mail: monasimoes11@gmail.com
** Docente adjunta no Departamento de Ciências Humanas e Letras, da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (DCHL/UESB). Líder e Coordenadora do Núcleo de Estudos Sobre Memória, Trabalho e Educação -
NEMTrabE (GP/CNPq e NEPE / Pedagogia). Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: taniatorreao68@hotmail.com
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Introdução

Quando os educadores do MST reiteram a existência de uma pedagogia que


se identifica com o movimento “sem terra” e que a caracteriza, ao que tudo indica, eles
fazem isso considerando que essa pedagogia se inscreve com algum grau de
insubordinação no cenário da educação brasileira. A insubordinação talvez,
parametrizando a opção epistemológica dos educadores do movimento por um
conjunto de práticas educativas, e não somente práticas pedagógicas. O que se quer
dizer com isso é que, muito embora as místicas, as marchas, os gritos de luta tenham
como território para a sua exposição à escola, na escola as práticas educativas não
encerram as suas contribuições para a formação do sujeito “sem terra”. A pedagogia
do MST, nesse sentido, procura reiterar não apenas uma formação exclusivamente
pedagógica, mas uma formação humana, a formação dos sujeitos sociais “sem terra”.
Tendo claro, portanto, que o trabalho educativo da pedagogia do MST não se
restringe ao espaço escolar, partir de agora, passaremos a tratar das 5 principais
matrizes pedagógicas que o MST põe em movimento no processo de formação dos
“sem terra”, começando pela pedagogia da luta social.
A pedagogia da luta social é reconhecida enquanto matriz mais
intrinsecamente vinculada ao MST. Essa ligação sendo explicada pela própria
natureza do MST que se define enquanto movimento social de luta pela terra.
A luta social, tomada na perspectiva da pedagogia do MST assume
características dialéticas, pois, é a partir dela que tanto se projeta o movimento da
realidade concreta, quando a conformação. E o que isso significa? Significa que,
enquanto prática política e educativa, a configuração do “ser sem terra”, implica em
se colocar em movimento constante em prol da luta contra o sistema capitalista, mas,
dialeticamente, também implica na conformação com a condição “ser sem terra”, aí
não importando, inclusive, se o sujeito alcançou, por meio da luta, o acesso a essa
terra ou não. Isso ocorre porque, na concepção da pedagogia da luta, tudo se

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conquista com ela, porque a luta, no final das contas, educa as pessoas.
As práticas educativas anteriormente citadas, portanto, servem para manter os
“sem terra” em estado de permanente alerta. E mais que isso, corroboram o
entendimento que “essa grande luta se traduz nas pequenas coisas [...]” (CALDART,
2000, p. 209), também. Em pequenas coisas que, somadas as grandes coisas,
acabaram por transformar a realidade.
Reproduzimos a partir daqui, um questionamento feito por Caldart (2000), e que
parece fundamental para entendermos a matriz da pedagogia da luta. Caldart (2000)
num determinado momento de seu texto se interroga sobre ela: “Mas por que dizer
que isto é educativo [...]?” (p.209). Respondendo a essa questão, é a própria Caldart
(2000) quem explica que a pedagogia da luta é propedêutica porque potencializa a
capacidade do ser humano fazer-se a si próprio, enquanto transforma a realidade.
Pari passu da ideia de que nada deve parecer impossível de mudar, por meio
da pedagogia da luta social insinua-se, também, a necessidade de aprender a
construir utopias que projetem um futuro balizado na convicção ulterior. A experiência
educativa da pedagogia da luta, nesse sentido, tenta recuperar a potencialidade
transformadora da produção coletiva de tais utopias que, ao que tudo indica, não
aparecem enquanto modelos sociais ou humanos a serem perseguidos, mas muito
mais como um exercício permanente da construção parâmetros sociais e humanos
que orientam cada ação na direção do futuro transformador. É por todas essas
intencionalidades combinadas que a pedagogia da luta social contribui com a luta pela
terra, com a luta pela reforma agrária, com a luta pela transformação do país.
Já no que diz respeito à pedagogia da organização coletiva, tem-se claro que
a luta social é o fundamento que mais intrinsecamente está colado ao MST,
conquanto, nesse movimento haja o reconhecimento, que o enraizamento seja
condição fundamental da formação humana e, portanto, um processo educativo,
também.

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O enraizamento é considerado uma prática educativa do MST porque, a base


social desse movimento é formada, em sua maioria, por pessoas ou famílias que
foram desenraizadas, por terem sido expulsas de suas terras. Ademais, o MST é
formado por um conjunto de processos de exclusão social a que isto acabou levando.
A trajetória do MST, nesse sentido, tem sido marcada pelos desafios de cada
momento histórico, pois, a medida que os “sem terra” se enraízam na organização
coletiva que os produz como sujeitos, passam a viver experiências de formação
humana, encarnadas nesta trajetória. Assim, mesmo que cada pessoa não tenha
consciência disso, toda vez que toma parte das ações do movimento, fazendo uma
tarefa específica, ela está ajudando a construir esta trajetória e a identidade “sem
terra” que lhe corresponde e está se transformando e se reeducando como ser
humano, enraizando-se, por conseguinte.
Caldart (2000) reiterando a importância do enraizamento para o MST, põe em
relevo que para considerá-lo enquanto processo educativo, é fundamental ter em
conta que a coletividade, ajuda a promover uma identidade coletiva desse movimento,
esse fato se explicando porque o pertencimento está estreitamente vinculado a
disciplina coletiva; a unidade da ação que é observada quando da realização das
jornadas de luta; a valorização do coletivo, em detrimento do individual; a valorização
das místicas; e a concretização de objetivos que expressem valores sobre “ser sem
terra”.
Quando pensamos na organização coletiva “sem terra”, e, nesse caso,
especificamente na organização coletiva do MST, então, não podemos nos esquecer
que a prática da organização coletiva é sustentada na família “sem terra” composta,
inclusive, por crianças que são provocadas a participar ativamente do cotidiano do
movimento. No MST trabalha-se a compreensão que lugar de criança não é apenas
na escola. “seu lugar é na escola, mas também nas ocupações, no trabalho, nas
festas, nas marchas, no cotidiano do movimento” (CALDART, 2000, p. 218).

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De tudo o que foi apresentado, fica evidente que a organização coletiva educa
os sem terra, na medida em que se faz presente em todas as dimensões do
movimento. E conquanto, no movimento não deixemos de reconhecer a contribuição
das famílias, das bases e de suas lideranças, os educadores desse movimento,
também abonam a inspiração tomada de autores como Anton Makarenko (1888 –
1939), Antônio Gramsci (1891 – 1937) e Karl Marx (1818 – 1883) que, por seus
legados teóricos fulcrais, reinscrevem o peso formador (ARROYO, 2003) das relações
sociais para o enraizamento do coletivo MST.
Na pedagogia do MST, por isso mesmo, objetiva-se a formação do homem
omnilateral, indicado por Marx 108 que é o homem que, diferentemente do homem
unilateral, não é feito só para trabalho alienado. O homem do MST, forjado pela
pedagogia da organização coletiva no MST é um homem que está sendo preparado
para vida, para o mundo e para o coletivo. É um homem formado para não tornar-se
um mero “agente do capital”.
Na ilação de Marx destaca-se a contradição entre a sociabilidade produzida
pela burguesia e que se revela em sua unilateralidade, e a totalidade do amplo
desenvolvimento humano enquanto condição de produção da omnilateralidade.
Evidencia-se que a omnilateralidade se opõe a unilateralidade ao propor uma
formação universal que anuncia um homem emancipado. É por conta dessa
ominilateralidade que, no MST as místicas, as marchas, as ocupações são momentos
onde a organização coletiva torna-se evidente. São momentos aonde os sujeitos
aprendem sobre trabalho coletivo e se constituem enquanto ser “sem terra”.
Despertar a consciência e a reflexão acerca deste processo é um dos grandes
desafios pedagógicos do MST, e uma das razões de se valorizar cada vez mais as
atividades específicas da educação. Sem isto, pelo que compreendemos, os novos

108 Apesar do autor não definir de forma precisa a omnilateralidade, ele sempre associa este conceito a
descontinuidade do modelo de homem produzido pela sociedade capitalista e, mais que isso, da construção de
um homem emancipado. (MARX, K. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857 – 1858. Esboços da crítica da
economia política. Boitempo: 2011).
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sujeitos sociais não conseguirão se tornar sujeitos políticos, capazes de efetivamente


fazer diferença no desenrolar da luta de classes, e na reconstrução de nosso projeto
de humanidade.
A pedagogia da terra se apresenta enquanto matriz pedagógica que mais
diretamente oferece sustentação a luta social e a organização coletiva, isto ocorrendo
por conta de uma forte compatibilidade dessa matriz, com a identidade camponesa.
Identidade essa que é considerada divergente da que tem sido produzida no modo de
vida tradicional.
No MST a ligação com a pedagogia da terra e, portanto, do que se tira de
educativo do trabalho com essa é inequívoca, porque a terra, para o camponês do
MST, é muitas vezes um instrumento favorecedor do desenraizamento que esse sofre,
ao ser obrigado a abrir mão da posse, do trabalho e do cuidado com ela. É quando
esse camponês se re-enraiza, seja no acampamento ou no assentamento, que é
reinstaurada a importância do trabalho com a terra.
Mas não é só isso! No trabalho educativo com a pedagogia da terra há que se
considerar também os matizes políticos, culturais e ideológicos do trabalho educativo
com essa terra, pois, é esse trabalho não alienado e coletivo que ratifica a
compreensão que o mundo está para ser feito e que, portanto, o sistema capitalista
pode ser derrotado.
Fica claro pelas palavras preliminares que lutar pela terra, tal como fazem no
MST tem uma intencionalidade pedagógica que implica em favorecer os meandros da
formação humana em sua vinculação com o trabalho, no caso específico, com a terra.
Assim é que, manter-se camponês, assume o sentido político de não negar o passado
de trabalhador que é “filho da terra” para, tornar mais fácil, a aceitação de mudanças
que incidirão, principalmente, no estilo de vida do camponês. Mudar seus hábitos
alimentares, cultivar traços da valorização da vida em família e da vida comunitária
que permitirão, a reboque a prática de melhores experiências de cooperação sociais.

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Mas o MST não luta somente pela terra. O que aparece claramente é que no
MST luta-se por “reforma agrária e se quer alterar o modelo de desenvolvimento da
agricultura, e do campo como um todo” (p. 225), por isso, o camponês assentado não
pode fugir do compromisso com as questões de produção que referem a totalidade. A
questão que tudo indica, se impõe aqui é, portanto, pensar um novo modelo camponês
de produção, modelo esse que se insira no desafio de compreender o lugar do
campesinato nos processos de transformação não somente do acampamento ou
assentamento, mas na sociedade como um todo.
É nessa senda que o enfrentamento com a sociedade burguesa torna-se
inevitável, isso porque o modo como os “sem terra” lidam com a realidade, confrontam-
se diretamente com a estrutura fundiária, tragicamente desigual que marca a
sociedade, e em especial a escola. No modelo produtivo do assentamento do MST,
apoia-se a diversidade na produção agrícola, apoia-se a produção da comida sem
veneno, apoia-se a “soberania alimentar”, que nada mais é que a defesa do direito de
cada nação de manter e desenvolver os seus alimentos a partir da diversidade cultural
e produtiva de sua localidade.
A ideia de produção cultural, instada dentro do MST ‘dá a deixa’ para refletirmos
mais acuradamente sobre a pedagogia da cultura, reconhecidamente a matriz que
mais está relacionada com as pedagogias anteriormente descritas, bem como, com
essa pedagogia e a pedagogia da história, que trataremos a seguir. Há, no entanto,
uma exigência a ser considerada antes de prosseguir com tal apresentação: situar a
concepção de cultura de acordo com a concepção pedagógica do MST.
Quando o MST conceitualiza cultura, ao que tudo indica, ele o faz com o
objetivo de estabelecer os traços distintivos entre a concepção supramencionada no
parágrafo anterior – sustentada na ideia de união da classe trabalhadora – e a cultura
burguesa, lastreada no individualismo e na competição. Pela diferença, então, tem-se
expostas, as concepções contraditórias de mundo, porque o entendimento do modo,
como esse mundo é reproduzido, também expõe uma oposição entre modelos de

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sociedade diferentes. Daí que, para analistas do movimento, torna-se fácil perceber
que intencionalmente o MST pensa a cultura como que ele próprio encarnasse um
modo de produzi-la.
A cultura MST definindo-se por um jeito determinado de viver “sem terra”
explicita-se, portanto, através da reprodução da ideia que tudo está em movimento. E
o movimento da cultura no MST se insurge contra a cultura burguesa e suas balizas
fundamentais.
Caldart (2000) a esse respeito aliás, afirma que “a base da cultura da classe
trabalhadora é a coletividade ou a ideia do coletivo” (p. 227), e, por essa assertiva,
asseveramos que a cultura produzida pelos “sem terra”, é uma cultura que foi ideada
para provocar inquietação na lógica instaurada pelo modelo capitalista de produção.
E é por esse jeito de produzir a cultura, reificada no coletivo, que o MST assume um
caráter revolucionário, vez que essa coletividade representa o oposto do que se
preconiza nos moldes da sociedade na qual o movimento atua.
É por essa razão também, que o MST, ao ocupar a escola, ao instar uma
pedagogia do movimento, edifica um outro modo de fazer educação, pondo em relevo
as suas pegadas educativas (p.228). Para que a valorização de tais pegadas
educativas se realize concretamente, o movimento não prescinde de evidenciar a
importância da escola enquanto instância fulcral para a formação dos sujeitos do
movimento. A escola é importante, mas não só ela, posto que, reconhecidamente os
“sem terra” entendem que, através das práticas educativas, tais como, as místicas, as
marchas, as ocupações, os gritos de luta, nos cursos de formação, no cultivo coletivo
da terra, os “sem terra” se educam também.
E quem são as referências mais importantes para pensar a pedagogia da
cultura? Na pedagogia da cultura, Caldart (2000) reitera a importância da contribuição
de Paulo Freire mormente, evidenciando-a a partir do momento em que esse autor
publica a Pedagogia do oprimido (1987). Caldart (2000) toma a obra de Freire como
lastro, conquanto, faça questão de esclarecer que, a intencionalidade de sua menção

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não é promover um escrutínio acerca do potencial revolucionário dessa contribuição,


mas sim refletir sobre o quanto a pedagogia do oprimido enseja provocar a discussão
acerca da ação / reflexão, enquanto constitutivas de uma unidade reificada pela práxis.
Práxis entendida enquanto razão nova da consciência oprimida, e, portanto, fio
condutor da realização do processo revolucionário.
É na perspectiva da educação como prática da emancipação e da liberdade
(1967) que o processo educativo de luta se inscreve dialeticamente no MST.
Combinando elementos pedagógicos há formação humana também, a pedagogia da
cultura, no movimento, se inscreve, isso acontecendo porque dentro do MST se
promove o olhar sobre a coletividade. Coletividade que, por sua vez, se coloca
enquanto gesto fundamental, patrocinador do entendimento que as práticas
educativas do MST sancionam processos que são atravessados por vivências que
afirmam o modo de ser e viver “sem terra”.
O atrelamento entre a pedagogia da história e a pedagogia da cultura é
inequívoco, no entanto, isso não é feito no MST, em primeiro lugar porque, tal
pedagogia tem uma intencionalidade que lhe é própria e, em segundo lugar, porque o
trabalho com a história, tem uma potencialidade pedagógica que é reconhecidamente
fundamental para a educação, ainda mais no momento em que a sociedade brasileira
– mais abertamente a partir do golpe de 2016 – assume uma postura de denegação
de fatos importantes e dolorosos do passado e requisita a volta do regime de exceção
– intervenção militar – para dar a tônica do sistema de organização social. Essa
ligação inequívoca explicita-se por meio do cultivo da memória e o conhecimento mais
amplo da história, que infelizmente, nós não temos sido capazes de fazer. Mas por
que cultivar a memória? Porque o cultivo da memória ajuda no melhor entendimento,
na celebração e na conciliação com o passado. Acredita-se, também, que esse cultivo
seja capaz de devolver a vida a certos rituais que podem ser cristalizados com o
passar do tempo no movimento. Na descrição que Caldart (2000) faz acerca do gesto
de reinscrição da memória na ordem pedagógica do MST, inclusive, a autora evidencia

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a importância de rememorar e:

Fazer uma ação simbólica em memória de um companheiro que tenha


tombado na luta, ou de uma ocupação que tenha dado início ao Movimento
em algum lugar, é educar-se para sentir (mais do que para saber) o passado
como seu, e, portanto como uma referência necessária às escolhas que tiver
que fazer em sua vida, em sua luta. É também dar-se conta de que a memória
é uma experiência coletiva: ninguém ou nada é lembrado em si mesmo,
descolado das relações, sociais, interpessoais, que constituem sua história
(CALDART, 2000, p.236).

E se age desse jeito porque isso ratifica o nível de dificuldade que se tem na
luta na própria identidade do MST.
A pedagogia da história é desenvolvida no MST com os seguintes objetivos:
resgatar permanentemente a memória do MST, a memória da luta pelos pequenos
agricultores e a luta coletiva dos trabalhadores do Brasil e no mundo e, por fim, ajudar
os “sem terrinha” a perceber nesta memória, suas raízes.
João Luiz Quadros Magalhães (2000) se associa a ideia de valorização da
história e da memória, na medida em que, põe em destaque que o MST estruturou-se
a partir do histórico de lutas pela terra acontecidas no Brasil, ou seja, a relação do
MST com a história, enquanto um processo formativo se deu desde a constituição do
movimento, o processo de reestruturação da luta apontando para o curso da reforma
agrária e a reforma agrária necessita de modo primordial da história e da memória
para que se saiba, a forma como esses processos têm progredido no cenário nacional
e internacional.
A pedagogia da história, tomada enquanto matriz pedagógica do MST, portanto,
fundamenta-se no cultivo da memória por meio do exercício das práticas educativas,
entretanto, não se limita a conhecer meramente o próprio passado, mas torná-lo uma
experiência além do racional, pois está entranhada em todo ser humano. Assim como
as outras matrizes pedagógicas, a pedagogia da história destaca a construção do
sujeito no seu mais amplo sentido, sempre combinando os aspectos formativos aos
aspectos da formação humana no seu sentido integral.

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1. A escola do assentamento: como é?

A questão que dá nome a esse subtítulo, instaura a primordialidade de conhecer,


para viabilizar as condições de reconhecer, as matrizes pedagógicas do MST, daí nos
interrogarmos: a pedagogia do MST tem sido capaz de realizar as mudanças na
escola, oferecendo resistência a sociedade burguesa que ela critica? Para responder
a essa questão, estivemos imersas por 7 dias no Assentamento Boa Sorte, do dia 11
a 18 de maio de 2018, no município de Iramaia – Bahia. Antes de reconhecer,
conhecer, por isso, passamos agora a descrição do Assentamento Boa Nova.
A história do Assentamento Boa Sorte teve início no ano de 2003, quando a
terra foi ocupada e levantou-se o acampamento. A emissão de posse da terra saiu em
2006, mas apenas em 2011 foi concedido o crédito habitacional que permitiu a
construção das 354 casas que compõem o assentamento. O Assentamento Boa Sorte
se divide em 4 agrovilas, a saber: Sede Velha, Sede Nova, Floresta Rio Una e
Limpansol.
No Assentamento Boa Sorte está instalada a Escola Municipal Valdete Correia
que atende a maior parte das crianças e adolescentes, assim como alguns jovens e
adultos. A Escola Municipal Valdete Correia foi construída antes em 2006, mas foi em
2007 que os sem terra passaram a utilizá-la. Antes disso, as aulas aconteciam em um
galpão, uma casa, ou qualquer outro local que estivesse disponível, mas desde que a
terra foi ocupada, a educação se faz presente.
Durante o turno matutino, funciona na Escola Municipal Valdete Correia, as
turmas do 6º, 7º, 8º e 9º anos do ensino fundamental. Durante o turno vespertino, a
Escola Municipal Valdete Correia recebe turmas da pré escola e duas classes de
turmas multisseriadas, uma comportando alunos do 1°, 2° e 3° ano do ensino
fundamental e outra turma, comportando alunos do 4° e 5° ano do mesmo nível de
ensino. Durante o turno noturno, tem-se a EJA e funcionam 3 salas, 1° a 5° ano, 6° e
7° e 8° e 9°. A escola acolhe o total de 128 alunos.

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2. Matrizes pedagógicas do MST: resistência ou continuidade?

Apresentado o espaço, passamos agora a realizar uma análise das matrizes


pedagógicas do MST. Uma análise prospectada a partir da nossa vivência de 7 dias –
nos dias 11 a 18 de maio de 2018 – no Assentamento Boa Sorte, Iramaia, Bahia e que
visa compreender como as balizas fundamentais da educação no movimento tem
instado mudanças ou não, dentro desse.
O Assentamento Boa Sorte vive um momento de reestruturação, pois, desde
que foram assentados, houve uma desmobilização expressiva dos “sem terra” da
região, motivada principalmente, pela atração que a sede do município de Iramaia e
outras cidades da microrregião exercem sobre os assentados. Um outro motivo que
os leva a abandonar a luta social, é o receio de sofrerem violência, por serem
identificados como “sem terra”, dentro de um contexto em que o latifúndio e a
monocultura se instalaram desde muito cedo.
Um outro fator que aparece nas entrevistas realizadas com os assentados do
Boa Sorte, expõe a perniciosidade da relação entre o Estado e movimentos sociais.
Para alguns assentados, os mecanismos de dominação que o ente mais poderoso (o
Estado) exerce sobre o ente subordinado (o MST), “contamina” de tal modo o
movimento “sem terra”, que esse perde muito de sua autenticidade, a ponto de,
algumas lideranças utilizarem o movimento para aparelhar partidos políticos e em
nome de seus interesses, promoverem práticas como a manipulação de documentos
na esfera municipal para evitar o acesso ao título de posse. E ao que tudo indica, esse
não é um fenômeno que ocorre exclusivamente no Assentamento Boa Sorte.
Acerca dos compromissos que enviesam o prosseguimento da luta “sem terra”,
os assentados também, depõem que, nos rincões dos assentamentos do MST
espalhados pelo Brasil algumas lideranças têm adotado posturas imobilistas, que
colocam o MST em posição de dependência direta de conjunturas eleitorais locais,
impedindo o movimento de se posicionar frente a questões políticas maiores, e que

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não são necessariamente partidárias. Em seu sentido mais amplo, tal contaminação
limita a possibilidade de autonomia do MST, tornando-o um movimento dependente e
desqualificado para constituir mudanças significativas na perspectiva de ações diretas
contra as estruturas que oprimem aos “sem terra”.
Como já mencionado anteriormente, os “sem terra” são pessoas que
costumeiramente foram desenraizadas e reencontram-se no movimento de luta pela
terra. Lutar pela terra, conquistar a terra, nesse sentido, está para além do subsídio
necessário para sobreviver, realizar este percurso é retomar a sua identidade,
fincando as suas raízes enquanto camponês. E é por isto mesmo que a pedagogia
da organização coletiva contribui de forma tão expressiva para o movimento, visto
que a luta acontece porque os camponeses organizam-se a partir da coletividade de
ideais.
No Assentamento Boa Sorte, esse sentido de coletividade está tão presente
quanto a luta que dá forma ao MST, no entanto, com algumas peculiaridades.
Pudemos perceber, através das falas das pessoas que entrevistamos, que na época
em que eram acampados, a organização coletiva era mais acentuada. Segundo a
entrevistada, S.C.C.S “parece que alguns assentados depois que recebe a terra fica
um pouquinho sossegado, mas sabendo que a luta continua, né?! Não deixou de ser
‘sem terra’, porque tem a sua terra. Ainda tem a luta pelos outros, né (?!) que a gente
tem que tá junto” (SANTOS, 2018).
Sempre que questionávamos as diferenças entre “ser acampado” e “ser
assentado”, os “sem terra” destacavam as modificações da organização coletiva do
Boa Sorte desde o tempo em que estavam acampados e, hoje, quando são
assentados. Eles citavam exemplos, tais como: as plantações coletivas, que não
acontecem mais; os mutirões de limpeza coletivas da estrada que dá acesso ao
assentamento e a frente da escola, que não acontecem mais; e o sentimento de
compromisso com a luta pela terra, que muitos deixaram de lado.
E tal como ocorre na prática educativa da luta social, apesar dos problemas,

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ainda resistem as decisões coletivas dentro da Escola Municipal Valdete Correia,


Nesse espaço, nada é decidido de forma individual. Todas as ideias são discutidas em
grupo e as decisões acontecem de maneira coletiva. No Assentamento Boa Sorte os
“sem terra” se conhecem e estão sempre dispostos a ajudarem uns aos outros. E
assim como, muitos dos entrevistados reconhecem problemas no sentido da
coletividade, instada no MST, eles mesmos indicaram que na base, a organização do
movimento se reconhece como ‘uma grande família’.
Já a pedagogia da terra, se apresenta enquanto matriz pedagógica que mais
diretamente oferece sustentação a luta social e a organização coletiva que é instada
dentro do MST. Ela cumpre o seu papel de anunciar uma relação com a terra, uma
relação de caráter subversivo, uma vez que os “sem terra” posicionam-se contra a
monocultura, cultivando a diversidade na produção agrícola, a produção de alimentos
sem agrotóxicos, encorajando uma soberania alimentar, e, apesar de não fazerem
plantações coletivas, auxiliam uns aos outros de acordo com as necessidades dos
companheiros.
Na Escola Municipal Valdete Correia, empenhados em fortalecer o vínculo com
a terra, tem-se a disciplina da agroecologia, incorporada ao currículo da escola básica.
Tal incorporação se explicando porque os assentados, compreendem a necessidade
dos conteúdos escolares absorverem também, dimensões da prática com a “lida” com
a terra e a luta pela terra, para o aprimoramento da formação “sem terra”.
A pedagogia da cultura se efetiva a partir das práticas e experiências instadas
dentro do MST, tais práticas e experiências revelando-se a partir dos costumes,
valores, convicções e saberes, efetivados pelos “sem terra”. Na particularidade do
Assentamento Boa Sorte, a cultura camponesa representa-se a partir da singularidade
do MST.
Na perspectiva da pedagogia da cultura, um problema que tem sido enfrentado
é a rejeição da cultura “sem terra”, conforme os “sem terrinha” vão crescendo. Os
professores relataram que por vezes, criar um vínculo de pertencimento dos

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adolescentes e jovens “sem terra” com a própria cultura se mostra demasiadamente


difícil. Acerca dessa contrariedade, a professora E.F.C. diz que “é uma luta constante,
né ?!... é difícil (!), não é fácil. As vezes os alunos tem aquela rejeição, para a gente
conseguir levar a eles a identidade, porque muitos não aceitam a identidade de sem
terra” (COSTA, 2018)
Para melhor compreender essa dificuldade, é preciso rememorar o que já
indicamos anteriormente: a pedagogia da cultura produz uma cultura inteiramente
distinta da cultura instada na sociedade capitalista. Propagá-la, todos sabemos,
demanda tempo e persistência. No entanto, essa luta tem rendido bons frutos, pois a
maior parte dos “sem terra” que residem no Assentamento Boa Sorte dão testemunho
de se orgulhar da identidade “sem terra”.
Durante as entrevistas realizadas e no cotidiano da nossa vivência no
Assentamento Boa Sorte foi perceptível o orgulho dos militantes do MST ao
afirmarem: “sou sem terra”. Apesar do esforço de descaracterização do movimento,
tudo indica que os “sem terra” resistem na preservação de sua cultura, ainda que
tenham sido confrontados com questões, tais como, a criminalização do movimento e
o aumento vertiginoso da violência praticada contra seus membros. Márcio Matos de
Oliveira, último “sem terra” a tombar pelo assassinato no Estado da Bahia, era líder
do Assentamento Boa Sorte. No seu falecimento, e por todo o repensar o movimento
que esse episódio carreia, é que assentados do Boa Sorte tem urdido estratégias para
recomporem-se coletivamente.
A pedagogia da história manifesta-se no dia a dia dos “sem terra” e nas
práticas na escola – que carrega o nome de uma “sem terra” que já faleceu – e nas
reuniões.
O nome da “sem terra” Valdete Correia foi o nome escolhido para a escola do
Assentamento Boa Sorte. Valdete Correia foi uma militante que desde a sua mocidade
engajou-se na luta pela terra. Antes mesmo que o MST existisse, ela ocupou terras
junto ao seu pai, e conseguiu atingir os seus objetivos. Valdete também ocupou terras

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na região de Itaetê – município vizinho a Iramaia –, e em 1997 voltou para Iramaia e


ocupou a região onde hoje está o Assentamento Dandara que se situa próximo ao
Assentamento Boa Sorte.
Valdete Correia não chegou a fazer parte da ocupação do Assentamento Boa
Sorte, pois já havia falecido quando esta aconteceu. Hoje, seus filhos são militantes
do MST e lutam pela terra, carregando o seu legado de luta.
O legado de D. Valdete Correia e o ato de rememorar as lutas dos
companheiros que contribuíram para as conquistas do MST, é considerado de muito
valor dentro do movimento. Sustentando a pedagogia da história, a escola do
assentamento desenvolve projetos que buscam valorizar a memória dos “sem
terrinha” e fortalecer a sua identidade. São projetos como o ‘Abril vermelho’ onde
lembra-se dos 21 companheiros que foram mortos no Massacre de Eldorado dos
Carajás, no Estado do Pará (1996).
Valorizando o legado de luta que eles deixaram, assim como, discutindo a
respeito da impunidade que perdura por 22 anos no caso dos 155 acusados no caso
de Eldorado dos Carajás – 142 foram absolvidos, 11 foram retirados do processo e
apenas dois foram condenados –, os “sem terra”, urdem as suas estratégias para
preservar a memória de seu movimento.
Além dessa iniciativa, ainda há o Projeto Identidade, uma gincana onde cada
sala precisa realizar as atividades propostas, estas atividades baseando-se na criação
de gritos de ordem, místicas, produção textual, dentre outras ações que se vinculem
ao MST e a identidade dos “sem terrinha”. Os professores reconhecem o significado
da pedagogia da história e, por essa razão, incentivam ações dentro da escola que
versem sobre a história do MST e o significado das lutas e conquistas realizadas
através da luta social.

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3. Considerações Finais

Somando os estudos realizados em fontes bibliográficas e documentais e mais,


o que extraímos de 7 dias de vivência na Escola Municipal Valdete Correia do
Assentamento Boa Sorte, Iramaia, Bahia, tudo indica que o caráter potencialmente
revolucionário da pedagogia do MST esteja impresso na sua escola, conquanto, não
se possa negar, também, que sob o prisma da análise da realidade concreta, esse
caráter (revolucionário), diuturnamente esteja sendo contestado, fragilizando assim
todo o ordenamento subversivo das práticas educativas o movimento quer instaurar.
E se nos interrogam acerca do potencial revolucionário de tal pedagogia, é
fulcral pôr em evidência que, não se espera aceitação da escola burguesa, com
relação a escola do MST, visto que, tal pedagogia contradiz a ordem escolar vigente.
O que surpreende, no entanto, é que tenhamos chegado ao ponto legitimar a
criminalização de tal movimento, simplesmente pelo fato desse empreender a luta por
outro modelo de sociedade.
Por fim, queremos evidenciar o nosso entendimento que, do que vimos, é
evidente que o MST está fragilizado, mas se na luta o movimento se robustece, os
últimos episódios – assassinato de uma das suas principais lideranças, criminalização
do movimento, abandono da terra e da luta, por parte de alguns assentados – dão
prova que esse robustecimento e ação concreta está sendo programado.

Referências

ARROYO, M. G. Pedagogias em Movimento? o que temos a aprender dos


movimentos sociais? Currículo sem Fronteiras, v. 3, p. 28-49, 2003.

CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 2. ed. Petrópolis, RJ:

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Editora Vozes, 2000.

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COSTA, E.F. Depoimento [mai. 2018]. Entrevistadora: Monaliza Meira Simões.


Bahia, 2018. 1 audio (18m27s), arquivo 3GPP. Entrevista concedida para
elaboração da pesquisa de iniciação científica da entrevistadora.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 23. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

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transição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967.

MAGALHÃES, J. L. Q. Direitos Humanos: sua história, sua garantia e a questão da


indivisibilidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

MARX, K. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857 – 1858. Esboços da crítica


da economia política. Boitempo: 2011.

SANTOS, S.S.C. Depoimento [mai. 2018]. Entrevistadora: Monaliza Meira Simões.


Bahia, 2018. 2 audios (7m48s e 9m28s), arquivo 3GPP. Entrevista concedida para
elaboração da pesquisa de iniciação científica da entrevistadora.

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL DO CAMPO NO


MUNICÍPIO DE ILHÉUS: REALIDADES E DESAFIOS

Bárbara Cristina Feitosa Oliveira*


José Carlos Sena Evangelista**
Arlete Ramos dos Santos***

Resumo
O presente artigo é um recorte do projeto de pesquisa sobre Políticas Públicas
Educacionais para a Educação Infantil em escolas no campo do município de Ilhéus,
Bahia, no período de 2010 a 2018, coordenado pela profa. Dra. Arlete Ramos Santos.
O objetivo deste artigo é analisar as políticas públicas de Educação Infantil,
implementadas e executadas no referido município, no período estudado, avaliando
qualitativamente o impacto social das políticas educacionais na Educação Infantil das
escolas do Campo. A metodologia utilizada é qualitativa, de natureza exploratória,
com coleta de dados, entrevistas semiestruturadas e questionários. No entanto, neste
trabalho destacamos a revisão de literatura sobre o assunto. A Educação Infantil,
primeira etapa da educação básica, ainda enfrenta muitos desafios no meio rural,
como desvalorização de seus princípios, vínculo entre cuidar e educar, estruturação
inadequada do currículo, baixa preparação dos professores e falta de infraestrutura
de espaços educacionais reservados para esta fase educacional. Por fim,
reafirmamos a que é urgente e necessária a construção de políticas públicas
educacionais que possam assegurar boas práticas de gestão escolar que possam
reduzir a segregação socioespacial.

Palavras-chave: Educação Infantil. Educação do Campo. Políticas Públicas.

* Professora de Educação Infantil em Ilhéus-Bahia. Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa
Cruz – UESC. E-mail: barbaraoliveira84@hotmail.com
** Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Graduado em Geografia

pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Integrante do Fórum Estadual de Educação do Campo e do
Grupo de Estudos e Pesquisa Movimentos Sociais e Educação do Campo – GEPEMDEC/CEPECH/DCIE/UESC.
E-mail: jcarlossena@gmail.com
*** Pós-Doutorado pela UNESP; Doutorado em Educação pela FAE/UFMG; Profª. Adjunta, no Departamento de

Ciências da Educação, da Universidade Estadual de Santa Cruz. Coordenadora do Grupo de Estudos Movimentos
Sociais, Diversidade E Educação do Campo (GEPEMDEC) que faz parte do Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação e Ciências Humanas do DCIE/UESC. E-mail: arlerp@hotmail.com
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ISSN: 2525-4588

Introdução

Em nossos estudos, verificamos que a discussão sobre a Educação Infantil


do/no Campo é um desafio muito grande, considerando as inúmeras dificuldades
encontradas nele: ambiente escolar inadequado, alimentação escolar imprópria,
ausência de brinquedos educativos e de material pedagógico para a Educação Infantil,
currículo descontextualizado para a modalidade, além de transporte escolar
inadequado, a indiferença entre os alunos do campo e da cidade, professores sem
formação adequada para trabalhar com as realidades do campo, entre outros.
Neste momento a pesquisa se encontra na fase de pesquisa bibliográfica e
coleta de dados, posteriormente vão ocorrer entrevistas semi-estruturadas com
membros da Secretaria de Educação de Ilhéus, do Conselho Municipal de Educação
de Ilhéus e da Câmara Municipal de Ilhéus e análise documental. Com o intuito de
investigar se a Educação Infantil no Campo no Município de Ilhéus está sendo tratado
com dignidade e o devido respeito que essa fase tão importante da educação merece,
contribuindo assim para que seus direitos sejam garantidos.
O presente trabalho tem por objetivo: Analisar as políticas públicas para a
Educação Infantil no Campo, aprovadas e executadas no município de Ilhéus-Bahia,
no recorte temporal de 2010 a 2018, avaliando qualitativamente o impacto social que
essas políticas educacionais tiveram na modalidade em Escolas no Campo
pesquisadas.

1. A educação do campo e suas realidades

A Educação do e no Campo não é apenas uma modismo, mas surge quando


os movimentos camponeses começaram a reivindicar uma política de educação
específica para o espaço campesino. O conceito de Educação do Campo foi criado

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neste processo para se opor ao estigma da Educação Rural, porque a última se


relacionava a uma proposta de subalternidade, enquanto a primeira nasce como
proposta de emancipação. A professora Roseli Caldart (2002, p. 19) afirma que “a
perspectiva da Educação do Campo é exatamente a de educar este povo, estas
pessoas que trabalham no campo, para que se articulem se organizem e assumam a
condição de sujeitos da direção de seu destino”. Por sua vez, a escola do campo
deveria incorporar a valorização de modos de vida e os conhecimentos sobre os
processos de trabalho que o meio rural tem como cultura própria, não para ensinar
essas pessoas, mas para também aprender com elas (WHITAKER, 2008).
A pressão social que a Educação do Campo coloca sobre as relações
produtivas e sobre o Estado também conduziu à gestação de uma política educacional
direcionada para os camponeses, onde as propostas pedagógicas além da
escolarização no processo de ensino e aprendizagem também buscam fortalecer os
laços culturais no quais as comunidades se inserem. Um exemplo destacado é o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA, que alcançou as
comunidades com alfabetização, níveis básicos de educação, graduação e pós-
graduação, em alguns casos mais exitosos.
Devido ao grande crescimento da economia primária de exportação e do
agronegócio, conseqüência do padrão de especialização produtiva estabelecido no
país, os movimentos sociais do campo, coletivamente, pensaram em uma nova forma
de lutar e refletir sobre a educação das pessoas que nele vivem. De acordo com
Arroyo, Caldart e Molina (2004, p. 16) “este evento foi uma espécie de ‘batismo
coletivo’ da luta dos movimentos sociais e dos educadores do campo pelo direito a
educação”.
Ainda que o direito à educação para todos seja assegurado por dispositivos
constitucionais e legais, o projeto de origem popular que engendrou a Educação do
Campo esteve muito tempo distante das preocupações encontradas nas agendas

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governamentais. A primeira vez que a Educação Rural foi mencionada em uma


constituição foi em 1934, que em seu Artigo 121, parágrafo 4º afirmava:

O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial em que se


atenderá, quanto possível, ao disposto nesse artigo. Procurar-se-á fixar o
homem ao campo, cuidar de sua educação rural, e assegurar ao
trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das
terras públicas (BRASIL, 1934).

Neste mesmo texto, no Artigo 156, parágrafo único, vem ressaltar que “para
realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento
das quotas destinadas a educação no respectivo orçamento anual” (BRASIL, 1934).
A Constituição de 1934 durou apenas três anos por conta da insatisfação sentida entre
as classes dominantes, cuja repercussão acabou também por provocar insegurança
na presidência, sob o comando do presidente Getúlio Vargas. O caráter trabalhista
das políticas getulistas deste período contrastava nitidamente com o perfil exploratório
da força de trabalho rural, cujo volume era muito mais expressivo que atualmente.

O Brasil mesmo considerado um país eminentemente agrário, sequer


mencionava acerca da educação rural em seus textos constitucionais de 1824
e 1891, o que evidencia dois problemas de governança pública, a saber: o
descaso por parte dos dirigentes com a educação destinada aos camponeses
e resquícios de uma cultura política fortemente alicerçada numa economia
agrária com base no latifúndio e no trabalho escravo (NASCIMENTO, 2009,
p.160).

Na Constituição de 1937, outorgada pelo Estado Novo ditatorial, a educação


deixa de ser dever do Estado, cristalizando a formação profissional de mão de obra
para as camadas pauperizadas, e a educação intelectual para as classes médias e
altas. O passo seguinte para a Educação no Campo foi o texto constitucional de 1946,
onde o Estado passa a responsabilidade da Educação Rural paras empresas
agrícolas, definindo que estas deveriam assegurar o ensino primário gratuito para os
trabalhadores e seus filhos. Com a Constituição de 1967, marco de um período de
muitas dificuldades para a democratização e qualidade da educação, a ditadura militar

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lançou projetos para erradicar o analfabetismo. No mesmo processo político, foi


aprovada a Lei de Diretrizes e Bases nº 5.692/1971, que não cita em nenhuma
passagem a população rural ou a infância rural como grupo de identidade e
necessidades específicas.
Finalmente, no texto da Constituição de 1988, a educação alcançou um marco
significativo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 9.394/1996,
também elevou a Educação do Campo na pauta oficial dos governos, criando terreno
para se aproximar das gestões e legislações municipais. No Artigo 215, estabelece
que:
A educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

O reconhecimento constitucional ampliado da educação não alterou


substancialmente a situação das zonas rurais brasileiras. A Educação no Campo
continua muito precária, coexiste a negligência com as políticas públicas oficializadas,
a falta de estrutura física e pedagógica e a situação precária do professorado sem
formação adequada, resultando num fluxo de décadas do deslocamento de alunos
para as zonas urbanas, retiradas do seu espaço de vivências culturais, materiais e
históricas. Também convive com a realidade das escolas multiseriadas, resultante da
confluência de populações escolares pequenas e dispersas, restrições orçamentárias
e indisponibilidade de professores.

O Brasil mesmo considerado um país eminentemente agrário, sequer


mencionava acerca da educação rural em seus textos constitucionais de 1824
e 1891, o que evidencia dois problemas de governança pública, a saber: o
descaso por parte dos dirigentes com a educação destinada aos camponeses
e resquícios de uma cultura política fortemente alicerçada numa economia
agrária com base no latifúndio e no trabalho escravo (NASCIMENTO, 2009,
p.160).

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E assim, a Educação do Campo só vai entrar na agenda política governamental


no final do Século XX por reivindicação e manifestações constantes dos Movimentos
Sociais.

2. Os desafios da educação infantil do campo

A Educação Infantil consiste na primeira etapa da educação básica e que se


tornou obrigatória para as crianças de 4 a 5 anos a partir de 2016, de acordo com a
Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Refletir sobre a educação
infantil é uma tarefa complexa porque esta é formada por muitas variáveis,
destacando-se por integrar uma fase elementar na vida do indivíduo, pois será na
primeira infância que se construirá a base formadora da sua orientação educacional e
social. Atualmente, as instituições formais de Educação Infantil atendem crianças de
0 a 5 anos de idade, sobre as quais as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (Resolução nº 5, 17de dezembro de 2009) estabelecem que:

Art. 5 A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, e oferecida


em creches e pré-escola, as quais se caracterizam como espaços
institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais
públicos ou privados que eduquem e cuidem de crianças de 0 a 5 anos de
idade em período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e
supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a
controle social (BRASIL, 2009).

O processo de reconhecimento do campo e da Educação do Campo se destaca


no âmbito da Educação Infantil para esse espaço através da definição do Grupo de
Trabalho Interinstitucional (GTI) para a Educação Infantil no Campo, instituído pela
Portaria Interministerial nº 6, de 16 de maio de 2013.

É direito de todas as crianças residentes nas áreas rurais do país ser


considerada na sua diversidade populacional – filhos/as de agricultores/as
familiares, extrativistas, pescadores/as, artesanais, ribeirinhos/as,
assentados/as, e acampados/as da reforma agrária, quilombolas, caiçaras,
povos da floresta, das águas, dentre outros – bem como nas especificidades
da educação na faixa de 0 a 5 anos e onze meses de idade (BRASIL, 2013).
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Nesta formulação está fortemente presente a atuação, influência e


enfrentamento ao longo do tempo em que os movimentos sociais e povos tradicionais
atuaram sobre a negação da identidade do campo e por políticas educacionais que
atendessem suas carências. Participam, portanto, como iniciativas que defendem o
meio rural como espaço de diversidade cultural e indentitário, sendo territórios que
pedem por políticas direcionadas a sua própria realidade e não uma mera adequação
improvisada do que é elaborado no meio urbano (SANTOS, 2011).
A educação nas áreas rurais de unidades territoriais como os municípios,
enquanto área específica de problemas educacionais, bem como a intervenção na
política educacional, tem avançado em visibilidade, seja nos espaços de produção
acadêmica ou mesmo no campo de elaboração de políticas públicas. Embora seja um
movimento positivo, também levanta desafios que nos leva a fazer os seguintes
questionamentos: como é definida na prática a Educação do/no Campo? Ou como
essas definições são incorporadas na criação e execução de políticas educacionais?
A degeneração das escolas rurais e os efeitos sociais e econômicos da expressiva
evasão rural ao longo dos anos impactaram negativamente a Educação Infantil do
Campo, percebida de forma sensível no município de Ilhéus, por exemplo. A oferta de
vagas é escassa, o espaço físico dramaticamente inadequado, o material didático é
precário, além da falta merenda escolar e mobilidade para as crianças atendidas,
atacando diretamente sua permanência na escola. Diante das informações colhidas
pelo professor Pascoal João dos Santos (2007), reverberadas abaixo:

A educação do campo tem sido historicamente marginalizada na construção


de políticas públicas. Tratada como política compensatória, suas demandas
e sua especificidade raramente têm sido objeto de pesquisa no espaço da
academia e na formulação de currículos nos diferentes níveis e modalidades
de ensino. A educação para os povos do campo é trabalhada a partir de um
currículo, essencialmente urbano e, quase sempre, deslocado das
necessidades e da realidade do campo (SANTOS, 2007, p.95).

As crianças do campo vivem numa dinâmica muito particular, têm seus


costumes, rotinas, experiências estéticas, ambientais, políticas, sociais e afetivas
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muito próprias. Constroem sua identidade e autoestima atreladas ao espaço e as


pessoas com quem convive. A Educação Infantil do campo depende de propostas que
valorizem suas experiências, modo de vida, cultura, história, hábitos, grupo familiar,
respeitando suas vivências e convivências, e os saberes do seu povo.
Nesse sentido, as “Orientações Curriculares para a Educação Infantil do
Campo”, vem defender a concepção de uma Educação do Campo que preconiza:

Uma educação infantil que permita que a criança conheça os modos como
sua comunidade nomeia o mundo, festeja, canta, dança, conta histórias,
produz e prepara seus alimentos. Creches e pré-escolas com a cara do
campo, mas também com o corpo e a alma do campo, com a organização
dos tempos, atividades e espaços organicamente vinculados aos saberes de
seus povos (SILVA; PASUCH, 2010. p. 2).

Portanto, os sujeitos da Educação no Campo precisam se sentir parte daquele


espaço, livres para criar e recriar as suas próprias idéias e historias se tornando
produtores de conhecimento de cultura, de uma educação com qualidade e com
valorização.
Nesse sentido, há a necessidade de que sejam elaboradas políticas públicas
educacionais afirmativas que assegurem o processo de igualdade no Direito
à Educação para avançar no sentido de garantir a qualidade da educação
(EVANGELISTA, 2017, p. 73).

3. As políticas públicas e as suas várias designações

Na atualidade, o conceito de política se reporta ao Estado moderno capitalista,


voltando-se para o poder do Estado em tomar decisões, planejar, decidir, atuar,
legislar. Porém, tratamos da política do Estado, dando várias designações: políticas
públicas, políticas sociais, políticas educacionais, dentre outras. Para compreender
esse cenário, faz-se necessário contextualizá-lo reportando às origens do Estado
capitalista. Sobre o surgimento do Estado capitalista, Engels e Marx (1981) afirmaram
que este surgiu como resposta à necessidade de mediar o conflito de classes e manter
a “ordem”, uma ordem que reproduz o domínio econômico da burguesia.

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As políticas públicas são ações desenvolvidas pelo Estado em âmbitos Federal,


Estadual e Municipal para atender a determinados setores da sociedade civil e
envolvem recursos públicos. São definidas, conforme o professor Elenaldo Teixeira
(2002), quanto à sua natureza (estrutural ou emergencial), abrangência (universais,
segmentais, fragmentadas) e impacto (distributivas, redistributivas e regulatórias).
Nesse sentido, Teixeira (2002) salienta que

As políticas Distributivas são aquelas que fornecem bens e serviços aos


cidadãos, tais como serviços recreacionais, de policiamento ou educacionais.
As Redistributivas retiram recursos ou bens de um grupo e os dá a outro
grupo, tais como as políticas de imposto e de bem-estar. As Regulatórias:
indica o que o indivíduo pode ou não fazer, tais como proteção ao meio
ambiente e a política de segurança pública (p. 3).

No que se refere à política educacional, e aqui se inclui a Educação Infantil e a


Educação do Campo, estas se direcionam para as leis, regulamentos, pareceres,
decretos sobre a educação. Estão situadas no âmbito das políticas públicas de caráter
social. São dinâmicas, ou seja, vão mudando de acordo com a conjuntura política,
econômica e social de cada país e são construídas nos embates do Estado com a
sociedade civil (TEIXEIRA, 2002).
Nesse contexto, inclui-se a Educação do Campo que ultrapassa o sentido de
uma simples categorização ou modalidade sobre o sistema educacional próprio de
espaços rurais. O ensino regular em áreas rurais surgiu com o fim do Segundo Império
e se ampliou na primeira metade do século XX, com lento desenvolvimento. A
educação no meio rural, ainda denominada de Educação Rural, era rapidamente
relacionada às capacidades ou atribuições laborais dos indivíduos, que ainda
compunham expressivo contingente da força de trabalho brasileira, à época. Havia
um desequilíbrio notável sobre a educação que se estruturava na cidade em
detrimento do campo, que “além de submeter o trabalhador rural a uma situação de
inferioridade, o fazia acreditar que seu aprendizado era desnecessário, pois para

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pegar no cabo da enxada não se precisava de leitura” (BEZERRA NETO, 2003, p.


121).
Um número significativo de crianças e jovens que viviam e vivem nas zonas
rurais brasileiras não teve ou tem acesso garantido à escola, pois os processos de
exclusão educacional no campo foram bastante evidentes e a negação do direito a
uma educação de qualidade é uma realidade para as populações que nele vivem.
Conforme Caldeira (1957), a falta de escolas, a precariedade das condições
estruturais, altas taxas de analfabetismo, a insuficiência total dos conteúdos
curriculares para as necessidades e interesses do campo, a ignorância sobre as
populações indígenas, a baixa qualificação do professor para atender às
necessidades educacionais desta população e a ausência de políticas de preparação
específicas para atenuar essas deficiências, a falta de apoio para iniciativas de
transformação pedagógica promovidas por grupos,movimentos e atores organizados
da sociedade civil, são algumas das marcas mais óbvias do atraso educacional. Um
estudo estatístico promovido pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos sobre
menores no meio rural, também, elenca outros fatores sobre a baixa escolaridade dos
municípios investigados:

Pauperismo das populações rurais; dispersão demográfica e, em relação com


este aspecto, à distância a residência do menor e a escola; qualidade do
ensino e, em consequência, ceticismo e desinteresse dos pais e dos próprios
alunos; má distribuição das escolas; desestímulo do professor em face de
vencimentos exíguos; mobilidade das populações, em especial de suas
camadas mais pobres, sem terras próprias (CALDEIRA, 1957, p. 139).

Em perspectiva sociológica, é sensível perceber como o problema da infância


nas zonas rurais, particularmente da Educação Infantil, está vinculado visceralmente
ao da família, em que não seria exigente demais esperar o bom desenvolvimento
como resultado direto ou indireto da mudança das condições de vida dos pais,
elevação da renda agrícola, somente possível com o recrudescimento de reformas
ainda maiores no campo. É nessa movimentação das lutas campesinas que surge o

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conceito da Educação do Campo, pautado na necessidade de definir um território


teórico que se opusesse ao paradigma instalado e identificado com o entendimento
da educação como um direito humano universal. O primeiro pressuposto deste
conceito é que as pessoas têm direito e devem ser educadas no lugar onde vivem.
Além disto, a Educação do Campo deve ser refletida pela sua própria realidade e com
sua própria participação, respeitando sua cultura e suas demandas específicas. Este
modelo pedagógico, baseado na experiência dos sujeitos que serão formados, é
intimamente relacionado a uma perspectiva do campo como um lugar para viver e não
apenas como uma zona meramente produtiva e voltada ao mercado.

A identidade do movimento Por uma Educação do Campo é a luta do povo


do campo por políticas públicas que garantam o seu direito à educação, e a
uma educação que seja no e do campo. No: o povo tem o direito a ser
educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada
desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais (CALDART, 2002. p. 18).

Nos últimos anos, a escola do campo, conceitualmente, tem disputado espaço


para aperfeiçoar seus métodos e práticas, preocupados com a realidade dos seus
educandos. No entanto, diagnósticos sobre o que verdadeiramente ocorre em muitos
municípios brasileiros, entre os quais o município de Ilhéus pode representar um
importante exemplo, diante de sua extensa área rural, revelam dificuldades. Sobre a
docência, especialmente, existem conclusões negativas.

A partir dos dados é possível concluir que os docentes não têm


conhecimentos sobre os pressupostos teórico metodológicos subjacentes à
Educação do Campo. Fica subentendido que tais políticas estão sendo
trabalhadas na perspectiva educacional voltada para o que propõe a
educação rural, cuja perspectiva é formar mão de obra na perspectiva
mercadológica para o agronegócio no campo (SANTOS; NUNES; RAMOS,
2016, p. 17).

Existe um distanciamento notável entre o conteúdo legal e a realidade prática


da Educação do Campo. Segundo a LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
por exemplo, tem-se que

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Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de


ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).

A substituição do conceito de adaptação para adequação expõe um maior


reconhecimento da diversidade cultural e respeito pela diferença, possibilitando o
planejamento de diretrizes operacionais específicas para a Educação do Campo. A
respeito do município de Ilhéus, no entanto, é importante incluir uma crítica
interpretação histórica, social e regional para compreender como se deu a trajetória
de sua educação básica rural. A monocultura cacaueira e seus vícios, o absenteísmo
dos grandes e médios proprietários rurais e o isolamento dos grupos humanos
também contribuíram para construir o complexo de uma estrutura escolar e
educacional rural no qual se sacrificou a qualidade à quantidade (SANTOS, 2017).
Em observação a todos os problemas encontrados no passado e no presente,
se impõe a necessidade de respeitar as diferenças no plano urbano/rural e buscar
atender às necessidades da infância do campo para que não seja diminuída no seu
processo de ensino-aprendizagem, tendo o cuidado de como se ensina e o que se
ensina, valorizando o debate e a participação das comunidades. Portanto, é premente
questionar: que tipo de pessoas queremos formar? O que elas realmente precisam
aprender? Que processo de ensino-aprendizagem se adéquam a essas crianças?
A compreensão freireana acerca deste fluxo positivo de conhecimentos e
práticas parece imprescindível para a construção e constante renovação do processo
educacional do campo: “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 68). É
preciso investir na formação dos professores do campo, principalmente em atuações
sobre escolas multiseriadas.

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Uma das estratégias que tem demonstrado êxito na Educação do Campo é a


pedagogia da alternância, que ocorre de forma mais flexível e onde o calendário é
adaptado às rotinas dos alunos e conteúdos alternados para intercalar a prática com
os saberes escolares. De acordo com Santos, Nunes e Ramos (2017, p. 3):

As políticas públicas para a Educação Infantil do/no campo no âmbito do


estado, têm abarcado todos os níveis e modalidades da educação, e no que
se refere à educação infantil, especificamente para a formação de
professores, aconteceu no período de 2009-2011, o Programa Proinfantil;
para a construção, melhorias na estrutura física e aquisição de mobiliários
para as instituições de educação infantil, foi implementado o Programa
Proinfância. Ainda na última década podemos citar a implementação do
Programa Brasil Carinhoso, que surge com a defesa da ampliação da oferta
de matrícula para as crianças de 0 a 48 meses; e do Programa Caminho da
escola, que inclui na proposta o apoio ao transporte escolar intracampo,
dentre outros.

Importante ressaltar que os programas destacados pelos autores nesta última


citação se inserem no âmbito do Plano de Ações Articuladas – PAR, o qual faz parte
do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, um programa estratégico do
Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE, instituído pelo Decreto 6.094, de 24
de abril de 2007, no governo Lula, que inaugurou um novo regime de colaboração,
conciliando a atuação dos entes federados sem lhes ferir a autonomia, envolvendo
primordialmente a decisão política, a ação técnica e atendimento da demanda
educacional, visando à melhoria dos indicadores educacionais
As políticas educacionais para a Educação Infantil do/no campo, subsequentes
ao PAR, visaram contemplar as propostas contidas no referido Plano, quando se
observa que o parágrafo 3º, do artigo 8º, nas Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Infantil (DCNEI), detalha e aprofunda os direitos a Educação Infantil das
crianças do território rural:

Art. 3º - As propostas pedagógicas da Educação Infantil das crianças filhas


de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos,
assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos
da floresta, devem:

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I – reconhecer os modos de vida no campo como fundamentais para


a constituição da identidade das crianças moradoras em territórios rurais;
II - ter vinculação inerente à realidade dessas populações, suas
culturas, tradições e identidades, assim como as práticas ambientalmente
sustentáveis;
III – flexibilizar, se necessário, calendário, rotinas e atividades
respeitando as diferenças quanto à atividade econômica dessas populações;
IV – valorizar e evidenciar os saberes e o papel dessas populações
na produção de conhecimentos sobre o mundo e sobre o ambiente natural;
V – prever a oferta de brinquedos e equipamentos que respeitem as
características ambientais e socioculturais da comunidade (BRASIL, 2010).

A responsabilidade do Estado em fornecer as condições de infraestrutura e


recursos necessários para garantir aos sujeitos do campo o desenvolvimento das
condições educacionais plenas, associadas à alguma autonomia para definição de
conteúdo e práticas adquiridas pelo cotidiano educacional representam o eixo da
orientação que tanto carece a educação infantil do campo. A Educação do Campo é
fundamentalmente reivindicada como um guarda-chuva de políticas públicas que,
garantidas pelo Estado, expressam as necessidades, interesses e especificidades das
populações do campo. A Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008, traz em seu texto,
diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de Políticas
Públicas que atendem a Educação Básica do Campo:

Art. 3º A educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental serão


sempre oferecidos nas próprias comunidades rurais, evitando-se os
processos de nucleação de escolas e deslocamento das crianças (BRASIL,
2008).

E no § 2º as Diretrizes Complementares, reforçam: “Em nenhuma hipótese


serão agrupadas em uma mesma turma crianças de Educação Infantil com crianças
do Ensino Fundamental”.
A Educação Infantil do Campo foi inserida lentamente na legislação brasileira e
pouco pesquisada nos grupos de estudos e espaços acadêmicos pedagógicos.
Barbosa, Gehlen e Fernandes (2012) afirmam que existe um processo de ocultamento
das dificuldades vivenciadas pelas crianças do campo. Portanto, é importante

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CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA EM EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
II CONGRESSO INTERNACIONAL E IV CONGRESSO NACIONAL
MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
ISSN: 2525-4588

defender uma Educação Infantil do Campo que seja refletida e projetada para a
emancipação das crianças, constituindo um espaço e uma experiência em que elas
possam se reconhecer como sujeitos de direitos, de desejos e de reconhecimento
(PASUCH; SANTOS, 2012).
Realizar a prospecção e análise das políticas públicas empenhadas na
educação infantil do campo é fundamental para compreender as experiências de
sucesso e fracasso, ou ainda, se existe ou não esforços neste âmbito. A principal
dificuldade das organizações e grupos que atuam sobre as políticas educacionais na
defesa do direito à Educação do Campo parece estar na maior apropriação de
espaços e instâncias de ação e na busca de atores estratégicos que garantam a
viabilidade de suas propostas. A heterogeneidade no teor do impacto das políticas
públicas para a educação também é consequência da subordinação aos processos
de negociação entre governos estaduais e municipais, alianças e vontade política das
autoridades. Buscar compreender as dinâmicas, as contradições e relações presentes
nesses processos são fundamentais para o fortalecimento e consolidação de projetos
educacionais de qualidade para a infância no campo.

4. Considerações finais

A educação brasileira se encontra pautada em leis, documentos, parâmetros,


resoluções, entre outros. E mesmo amparados por essas leis vivenciamos grandes
problemas na área da Educação, principalmente nas escolas do campo, espaços com
experiências ricas e inovadoras em práticas contextualizadas de um lado, e de outros,
experiências de negação de direitos. O meio rural é um lugar tão rico em cultura,
produção e vivências, entre outras qualidades e riquezas, mas contraditoriamente,
percebemos o quanto a sua população do é excluída dos seus direitos fundamentais.

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Não obstante, quando há um projeto de pesquisa que se propõe a realizar um


diagnóstico da existência e atuação de políticas públicas em Educação Infantil em
escola no campo de municípios com histórico de negação de direitos, como o
município de Ilhéus, essa pesquisa assume grande relevância social, política e
científica. Nesse sentido, essa pesquisa vem com o propósito de amadurecer o
discurso para a busca da efetivação real, necessária e urgente das Políticas Públicas
de Educação do Campo no município de Ilhéus. Pois é necessário um
amadurecimento de propostas governamentais onde faça valer os direitos garantidos
por leis para as crianças, bem como verificando se vem sendo assegurados os direitos
à creche no campo, escola com infraestrutura adequada, alimentação escolar
diariamente, transporte com segurança, professores qualificados, currículo voltado
para a sua cultura e realidade, infraestrutura adequada com espaços externo e
internos, brinquedos pedagógicos, dentre outros aspectos, onde seja possível práticas
pedagógicas emancipadoras, humanizadas e humanizadoras.

Referências

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BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO RURAL


NO BRASIL E PRINCIPAIS CONTRASTES COM A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA
ATUALIDADE

Francisco das Chagas Barbosa do Nascimento*


Ramofly Bicalho dos Santos**

Resumo
Este artigo faz uma breve contextualização a partir de revisões bibliográficas e
consultas de artigos em plataformas virtuais sobre o surgimento da Educação Rural
no Brasil, e os principais contrastes com a Educação do campo, buscando assim situar
acerca do surgimento desses modelos de educação numa perspectiva histórica,
política e social, caracterizando os sujeitos atendidos por essas educações e suas
inserções sociais. Percebendo desta feita, como as forças políticas dominantes
impuseram seus modelos ideológicos de educação aos povos do meio rural nesse
País e como a escola agiu para reproduzir esse ideário de educação. Busca também
refletir sobre os principais contrastes existentes entre a educação rural e a educação
do campo, vislumbrando perceber as principais implicações desses contrastes na vida
dos sujeitos presentes nas comunidades rurais e os distintos contextos de
operacionalização entre essas formas de educar.

Palavras-chave: Educação rural. Educação do campo. Movimentos sociais.


Alienação.

*Professor efetivo no Departamento de Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência.


**Professor Adjunto-IV, no Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade - (DECAMP),
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ - Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
ramofly@gmail.com
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Introdução

Atualmente, mais do que nunca, torna-se cada vez mais necessário refletir
sobre o papel da educação e da escola na vida humana. Não obstante, sabe-se que
o cotidiano, as experiências, podem e muito contribuir para a melhoria da educação
formal, escolarizada, tornando-a mais valiosa na vida de todos nós. Mediante tal
premissa, é urgente conhecer e entender como se deu o surgimento da educação
rural nesse país para filhos de trabalhadores e trabalhadoras habitantes nas zonas
rurais deste vasto Brasil. Tal análise se faz buscando elementos históricos de uma
época em que o contexto social e político que ora se firmava no país era de completa
dominação e submissão das classes ricas, sobre as classes empobrecidas. Uma
época de crescente demanda de mão-de-obra especializada em propalar uma forma
de desenvolvimento agro mercantilista, sobretudo voltada para a oferta de
escolarização formal aos filhos dos trabalhadores rurais com a ideia clara e
incontestável de fazê-los trabalhadores dos grandes latifundiários desse país e, assim,
se tornarem forçados a vender sua mão-de-obra por preços ínfimos, além de submetê-
los a um tipo de educação que visava tão somente a reprodução dos interesses
políticos ideológicos dos grandes senhores donos das terras, figuras coronelistas bem
presentes em todo o contexto político e social que permeava essa oferta de educação
no Brasil.
A ideia base do referido artigo é citar após estudos de revisão bibliográfica e
consultas a artigos publicados em ambientes virtuais de aprendizagens o contexto de
surgimento e oferta da educação rural no Brasil e seus principais contrastes com a
educação do campo, modelo este que surgiu logo após a ER, como uma alternativa
de educação para os filhos dos agricultores como algo pensado por eles próprios e
com potencialidade para a partir das demandas locais de suas comunidades gerar
desenvolvimento e inserção social de modo sustentável, algo possível para esse
público.

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Diante disso, é preciso fazer um resgate de algumas características, definições


e atribuições desses dois modelos de educação, numa perspectiva de entender os
fatos históricos, sociais e políticos que envolviam dominadores e dominados e o papel
da educação e escola diante de tais contextos, buscando para tanto, os elementos
necessários para que possamos compreender as intencionalidades e causas que
ficaram nos bastidores da oferta da educação rural e suas principais implicações na
vida dos povos campesinos desse imenso País.

1. Contexto histórico do surgimento da educação rural no Brasil

A educação rural no Brasil quando do seu surgimento estava atrelada a um


papel pedagógico advindos de uma elite ruralista baseada em objetivos nacionalistas,
exaltação da natureza e vocação agrária do brasileiro, visando sobretudo o princípio
da “adequação e ajustamento” da classe trabalhadora rural aos interesses
dominantes. O movimento ruralista revela-se na face político-ideológica nesse
contexto acima descrito, colocando-se ao lado dos interesses das oligarquias rurais.
Nessa perspectiva, os preconizadores do “ruralismo pedagógico”, ensejaram com
suas ideias a formação do ensino agrícola no País e que se estende até a década de
1940 com o pensamento de que a escola rural deveria ser um aparelho educativo
organizado em função da produção (KREUTZ apud CALAZANS, 1993).
Neste período, o Ministério da Agricultura do governo Vargas patrocina vários
projetos destinados à capacitação da população rural, dentre os quais se destacam:
as colônias agrícolas de núcleos coloniais para incentivar e fomentar o cooperativismo
e crédito agrícola (1934), os cursos de aprendizado agrícola, com o objetivo de formar
capatazes rurais (1934) e os cursos de adaptação e qualificação profissional do
trabalhador rural.

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As propostas educativas para o meio rural, voltadas para o desenvolvimento


nacional e a educação profissionalizante delineada pelos governos militares,
acabaram por reforçar a concepção de educação que visa preparar trabalhadores
para as novas tarefas que a divisão social do trabalho lhes impõem: “preparam-no
para o cultivo de um produto determinado ou adestram-no para a execução de uma
determinada fase do processo produtivo” (Relatório Fundação Getúlio Vargas apud
CALAZANS, 1993, p. 80).
Destarte, fica notório que o ensino rural no Brasil serviu apenas para produzir
mão-de-obra para ser empregada nas grandes propriedades rurais, além de ser
ofertado um ensino apenas com o interesse de manter os filhos dos agricultores
conformados, alienados a uma condição de subordinação social e econômica ditada
por aqueles que historicamente dominaram os sistemas de produção agrícola nesse
país.
Em profunda análise, percebe-se que as velhas oligarquias políticas que
sempre se mantiveram no poder aqui no Brasil, ancoraram na educação sua
sistemática perversa de atuação, principalmente no que tange a educação rural
ofertada para os povos campesinos os quais foram estigmatizados como atrasados,
subdesenvolvidos, remetidos a um modelo de educação que busca continuar
alienando esses sujeitos, uma educação que a mando desses grupos políticos se
mantém fiel em reproduzir suas ideologias e continuarem a perpetrar tais práticas
desumanas de espoliação e debanda de tais pessoas de suas comunidades, isso no
intuito de se manterem no poder. Para tanto, nesse propósito vil, relegaram as
populações rurais nesse país por décadas o direito a uma educação que apenas
mantenham-nos acalmados, rotineiramente acostumados, vivendo um cerceamento
do direito a uma educação que os instiguem a refletir com criticidade e percebam o
mundo com possibilidades reais de desenvolvimento e inserção social. Nesse interim,
Freire (2011) assevera que

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A educação é processo sociolibertador, e se faz verdadeira pedagogia capaz


de construir a nova cultura, a nova política, a nova história na práxis dos (as)
educandos (as) como sujeitos: Práxis amorosa que nasce da nova lei,
centrada na ética em favor da vida e do respeito às diferentes culturas, que
organiza o povo, promove a autonomia e a liberdade possibilitando a
esperança em sonhar e realizar um novo mundo, mais justo, bom e humano
para todos e todas (FREIRE, 2011, p.65).

Esse tipo de educação acima citada por Paulo Freire, certamente não é a
educação rural, que surge na tentativa de sanar uma demanda crescente de força de
trabalho voltadas para atividades agro-silvo-pastoris no Brasil, pois essa forma de
educar, desconsidera e descontextualiza os sujeitos de suas práticas sociais, de suas
identidades, de suas comunidades. Isso desconstrói os seus vínculos com a terra e
com as comunidades ali presentes. Vejamos o que nos afirma Mendonça (2006),
acerca do principal meio de ensino da época:

Entre 1911 e 1930, o Ministério manteve de cinco a oito Aprendizados,


espalhados por distintas regiões do país, matriculando anualmente entre 150
e 250 jovens. Sua maior incidência, no entanto, verificou-se nas regiões
açucareiras e cotonicultoras do Norte e do Nordeste, contempladas com 50%
desses totais. [...] A importância dos aprendizados residiu em difundir os
princípios do ensino agrícola como instrumento de poder, material e
simbólico, dos grupos dominantes agrários sobre o trabalhador rural, já que,
colocando à porta do rurícola um saber presidido pela noção de progresso,
naturalizava-se a oposição entre uma agricultura “moderna” e outra “arcaica”,
bem como a subordinação desta à primeira, sendo ambas despidas de seu
conteúdo de classe. Os Aprendizados mantinham seus internos numa
imobilidade própria a viveiros de mão-de-obra, onde fazendeiros da
vizinhança recrutavam, gratuitamente, trabalhadores para tarefas sazonais
(p. 92).

Depreende-se assim pela citação acima, que as regiões Norte e Nordeste


principalmente, tiveram as maiores experiências em vivenciar esse tipo de educação.
Necessário é citar que essas regiões sempre foram tidas como as que emperraram
e/ou dificultaram o “desenvolvimento” do Brasil. Assim sendo, foi ideologicamente bem
planejado pelo Ministério da Agricultura implantar algo que no pensamento da elite,
serviria para levar à falsa e ilusória ideia de que os filhos dos agricultores estariam

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tendo um ensino que servisse para promover o progresso e o desenvolvimento da


região e consequentemente do país.
No entanto, esse tipo de educação ofertada, serviu apenas e tão somente
para legalizar e legitimar uma prática de dominação, um tipo de escravidão moderna
dos trabalhadores, e a completa subserviência dos mais ricos sobre os mais pobres,
que constituíam a grande parte da população.
Salienta-se, ainda, que os atuais modelos ofertados de educação rural
carregam em suas entrelinhas até hoje uma educação que se molda completamente
aos interesses dos ricos, interessada em sanar uma demanda de mão-de-obra de
mercado, que possui na escola a sua maior aliada. Uma educação que não prepara e
nem projeta os estudantes para assumirem seu papel na sociedade, que visa mantê-
los na condição de passividade, de alienação, alheios aos fatos históricos e sociais,
algo que não os possibilitem serem reflexivos, questionadores e assim, não possam
ser participantes ativos do processo de construção social de um desenvolvimento
verdadeiramente inclusivo.
O que temos no tocante à educação rural ofertada nesse país, sobretudo nos
cursos técnicos em agropecuária de nível médio, é ainda a formação de “capatazes”
(MENDONÇA, 2006, p. 96 apud SALLES, 1941, p. 333), claro, insta afirmar, que numa
roupagem mais moderna, diria até que voltada às novas técnicas de produção, melhor
relacionamento entre líderes e liderados margeados por um processo de evolução
social natural. De forma geral, uma educação que ainda mantém um abismo, ou um
distanciamento abissal entre as classes neste país.
Ainda para Freire (1980)

Educação como processo social para a libertação é contrária ao esquema


tradicional cujo objetivo era mudar a mentalidade dos (as) oprimidos (as),
segundo os interesses escusos de tais libertadores e não mudar a realidade
que os oprimia. A educação libertadora sendo profética (anuncia e denuncia),
leva aos seres humanos oprimidos (as) à consciência crítica de seu estado
de coisificação e a se reconhecerem como vitimam manipuladas, procurando
promover por suas próprias mãos, o processo de libertação pela sua práxis.
Deste modo, ela restaura a vocação ontológica e histórica dos seres humanos

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perdida nos regimes opressores. A consciência critica tem como objetivo


levar os seres humanos a assumirem o seu papel de conhecerem a
desumanização, este conhecimento leva a tomadas de atitudes diante do
mundo desumanizado, este conhecimento leva os (as) oprimidos (as) a
enfrentarem situações desumanas nas quais se encontram como vitimas
manipuladas, procurando promover por suas próprias mãos, o processo de
libertação pela sua práxis. O ponto de partida da educação como processo
de libertação e autonomia, [...] é o ser humano oprimido (a): E caso ele esteja
ausente deste processo então se pode incorrer no risco da adoção de
métodos e formas de ação que o reconduzam à condição de objeto. Esse
homem essa mulher são seres de raízes espaço temporais, consciente de
sua incompletude e em busca de ser mais no mundo e com o mundo,
somente mulheres e homens autônomos podem construir criticamente e
coletivamente sua emancipação (p. 57-58.).

Se não possuirmos uma educação que verdadeiramente possa projetar os


sujeitos para o pensar com autonomia, para a percepção de serem sujeitos históricos
no processo de construção social e político que os permeiam, continuaremos apenas
formando mão-de-obra barata para reforçar a indústria de desigualdades sociais que
assolam esse país.

2. Contexto histórico da educação do campo e seus contrastes com a educação


rural

Não se concebe mais a ideia de se pensar em educação para os povos do


campo se não com vistas à sustentabilidade, se não pelos vieses das mudanças de
atitudes e ações, isso inclui pensá-la numa visão macro, ampla, integradora, não
segregada entre cidade e campo, tendo no segundo elemento, uma forma de
educação ainda estereotipada, recheada de preconceitos e discriminação
historicamente vivenciadas neste país, constituindo-se assim em algo que necessita
urgentemente ser corrigido. Deste modo, segundo Castagna e Azevedo (2004)

Os povos do campo e da floresta têm como base de sua existência o território,


onde reproduzem as relações sociais que caracterizam suas identidades e
que possibilita a permanência na terra. E nestes grupos há forte centralidade
da família na organização não só das relações produtivas, mas da cultura, do

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modo de vida. Esses grupos sociais para se fortalecerem, necessitam de


projetos políticos próprios de desenvolvimento socioeconômico, cultural e
ambiental. E a educação é parte essencial desse processo (p. 36.).

Compreende-se assim que o campo necessita de uma educação que valorize


a realidade particular dos camponeses, sua formação humana contextualizada com
sua identidade e realidade local. Nesse aspecto, à educação para o desenvolvimento
sustentável (EDS), torna-se uma forma eficaz de gerar desenvolvimento humano, com
vistas às práticas que respeitam e preservam os recursos naturais. Nisto, a Carta da
Terra em Ação (2005 apud GADOTTI 2010) nos traz excelente conceito do que é
sustentabilidade: A sustentabilidade é, para nós, o sonho de bem viver;
sustentabilidade é equilíbrio dinâmico com o outro e com o meio ambiente, é harmonia
entre os diferentes.
A Educação do Campo trabalha com o que (GADOTTI, 2001) chama de
pedagogia da terra, dentre outras, e nasceu em julho de 1977, quando da realização
do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (ENERA),
no campus da Universidade de Brasília, (UNB) promovido pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem- Terra (MST), em parceria com o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para Educação
Ciência e Cultura (UNESCO) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
(CASTAGNA; AZEVEDO, 2004.) Assim, o tipo de Educação do Campo presente no
País ancora-se sobre modo, nas formas de valorização e respeito à terra e aos seus
recursos naturais, o reconhecimento da vital importância do outro nesse processo de
construção de conhecimento e acima de tudo na histórica luta de resistência
camponesa, que tem seus valores singulares e que vão em direção contrária aos
valores burgueses, o que em suma constituem a sua essência na trajetória histórica
de luta social encampada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST.
(ARROYO; MANÇANO, 2004.)
A história da educação do campo, inegavelmente surgiu a partir da luta, do
inconformismo de uma massa de trabalhadores e trabalhadoras, jovens e até crianças
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dos movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária, onde foram aos poucos
descobrindo que as escolas tradicionais não têm lugar para sujeitos como eles, assim
como não costumam ter lugar para outros sujeitos do campo, ou porque sua estrutura
formal não permite o ingresso, ou porque sua pedagogia desrespeita ou desconhece
sua realidade, seus valores, seus saberes, sua forma de aprender e de ensinar.
(BENJAMIM; CALDART, 2000.)
Pode-se dizer que no contexto originário da Educação do Campo há como
elementos principais: o campo e a situação social objetiva das famílias trabalhadoras
nessa época, com o aumento da pobreza, a degradação da qualidade de vida, o
aumento da desigualdade social e da exclusão; a barbárie provocada pela
implantação violenta do modelo capitalista de agricultura; ausência de políticas
públicas que garantam o direito à educação e a escola para os camponeses,
trabalhadores do campo; ao mesmo tempo, a emergência de lutas e de sujeitos
coletivos reagindo a esta situação social; especialmente as lutas camponesas e, entre
elas, a luta pela terra e pela reforma agrária como antes já citado. Além disso, o debate
de uma outra concepção de campo e de projeto de desenvolvimento que sustente
uma nova qualidade de vida para a população que vive e trabalha no campo;
vinculadas ou não a estas lutas sociais, a presença significativa de experiências
educativas que expressam a resistência cultural e política do povo camponês frente
às diferentes tentativas de sua destruição. Nesse interim,

A educação do campo talvez possa ser considerada uma das realizações


práticas da Pedagogia do oprimido, à medida que afirma os pobres do campo
como sujeitos legítimos de um projeto emancipatório e, por si mesmo,
educativo.” (CASTAGNA; AZEVEDO, 2004, p. 15).

Sabe-se que a visão de campo da educação do campo é um processo ainda


em construção. É um dos desafios do debate político e teórico em curso. Assim sendo,
vejamos algumas questões e posições que já foram incorporadas a esse ideário
segundo Castagna e Azevedo (2004)

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a) A Educação do Campo é incompatível com o modelo de agricultura


capitalista que combina hoje no Brasil latifúndio e agronegócio, exatamente
porque eles representam a exclusão da maioria e a morte dos camponeses.
[...] Combina com reforma agrária, com agricultura camponesa, com
agroecologia popular;
b) A Educação do Campo tem um vínculo de origem com as lutas
sociais camponesas;
c) A Educação do Campo defende a superação da antinomia rural e
urbana e da visão predominante de que o moderno e mais avançado é
sempre o urbano;
d) A Educação do Campo participa do debate sobre desenvolvimento,
assumindo uma visão de totalidade, em contraposição à visão setorial e
excludente que ainda predomina em nosso país, e reforçando a ideia de que
é necessário fazer do campo uma opção de vida digna (CASTAGNA;
AZEVEDO, 2004, p. 15-16).

Compreende-se assim que a educação do campo possui um histórico de


resistência às formas elitizadas de dominação do grande e hegemônico capital e sua
consequente expropriação dos sujeitos do campo, que possui suas raízes fincadas no
seio dos movimentos sociais, especialmente os que lutam pela terra, onde pode-se
afirmar, concordando com Castagna e Azevedo (2004), que “somente se tornará uma
realidade efetiva, como ideário, projeto educativo e política pública de educação, se
permanecer vinculada aos movimentos sociais” (p.20). É portanto nesse universo que
ela se reforça e se fortalece como algo possível de mudar uma difícil realidade de
dominação e exclusão social posta a séculos neste país aos povos campesinos.
Mediante as principais diferenças entre o que propõe a educação do campo e
a educação rural, tradicional, voltada a sustentação das elites, analisemos a seguir a
que se propõe cada uma delas, de um lado a educação do campo tendo como sua
prioridade maior a defesa das lutas sociais, as questões históricas e culturais das
comunidades e a agricultura de base familiar, do outro lado, a educação rural a serviço
do grande capital, dos latifundiários, dando prioridade ao agronegócio, que diga-se de
passagem sempre sustentou as classes abastadas deste país. Para confirmar tais
informações analisemos o pensamento de: Castagna; Azevedo (2004)

O paradigma da educação do campo é fruto e semente desse processo


porque é espaço de renovação dos valores e atitudes, do conhecimento e

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das práticas. Instiga a recriação de sujeitos do campo, como produtores de


alimentos e de culturas que se constitui em território de criação e não
meramente de produção econômica. O campo não é somente o território do
negócio. É, sobretudo, o espaço da cultura, da produção para a vida (p. 50).

A educação rural no Brasil foi pensada sob uma óptica verticalizada, criada por
aqueles que predominam o poder e que buscam manter jovens, adultos, homens e
mulheres, vivendo no campo sob aspectos de condições subumanas de
sobrevivência. A educação rural sempre buscou criar um modelo de educação aonde
os sujeitos não se percebam capazes de agirem por si mesmos, uma educação que
não desperta e nem potencializa a criatividade e a criação. Nessa perspectiva, e
embora ainda vivenciando um quadro de desmantelamento e sucateamento pelo
abandono e fechamento de diversas escolas do campo no Brasil, a educação do
campo surge no seio dos movimentos sociais, principalmente naqueles que lutam
pelas questões de reforma agrária no Brasil, os pequenos produtores rurais de base
familiar, os sindicatos de trabalhadores rurais e tantas outras instituições, valendo
ressaltar o MST (1999), que possui a seguinte concepção sobre educação do campo
voltada aos reais interesses dos povos rurais desse país:

Queremos que os educandos possam ser mais gente e não apenas


sabedores de conteúdos ou meros dominadores de competências ou
habilidade técnicas. Eles precisam aprender a falar, a ler, a calcular,
confrontar, dialogar, debater, duvidar, sentir, analisar, relacionar, celebrar,
saber, articular o pensamento próprio, o sentimento próprio, e fazer tudo isto
sintonizados com o projeto histórico do MST, que é um projeto de sociedade
e de humanidade. Por isto em nossa Escola é vital que as educadoras
cultivem em si e ajudem a cultivar nos educandos a sensibilidade humana, os
valores humanos (MST n.9, 1999, p. 205).

Nessa perspectiva e pensando em alternativas para o desenvolvimento social


no campo, o setor de Educação do MST (Movimento Social de uma população em
luta, em transição e que estabelece as condições de existência) possui várias
experiências nas escolas de ensino fundamental, no curso de magistério e agora no
curso de pedagogia, sendo assim trazem como exemplos concretos na perspectiva

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de construção desse projeto de educação a defesa dos seguintes pontos segundo


afirma Arroyo e Mançano (2004)

1. Criação de um projeto para a educação no meio rural por uma escola do


campo, 2. Produção de materiais didáticos voltados para a realidade da
agricultura camponesa, 3. Uma educação que valorize a vida no campo: uma
escola com identidade própria, 4. Uma pedagogia que se preocupe com todas
as dimensões de vida, para promoção humana, 5. Uma escola pública em
todos os acampamentos e assentamentos, 6. Uma gestão pedagógica da
comunidade, 7. Uma escola solidária com as pessoas e as organizações que
tenham projetos de transformação social (ARROYO; MANÇANO, 2004,
p.35.).

Percebe-se claramente que diferentemente da educação rural pensada e


proposta pelas elites como um modelo de educação dominador, a educação do campo
surge das demandas da própria comunidade, busca desenvolver um sujeito pensante,
capaz de intervir e mudar a sua difícil realidade. Além disso, a educação rural
centraliza no favorecimento do agronegócio e na valorização do latifúndio por formar
trabalhadores para gerar desenvolvimento econômico à estes empreendimentos
rurais, possui à terra e os recursos naturais como geradores de bens capitais tão
somente, enquanto a educação do campo, percebe esses elementos como condição
indispensável de manutenção da vida. Enquanto uma faz questão de privar os sujeitos
do livre pensamento, de privá-los do pensamento autônomo e busca da politização, a
educação do campo busca projetá-los para assumirem no campo, nas comunidades
os seus papeis de agentes de desenvolvimento ético, humanístico,
consequentemente sustentável. Nessa perspectiva, Mançano (2008) assevera que

A Educação do Campo nasceu tomando/precisando tomar posição no


confronto de projetos de campo: contra a lógica do campo como lugar de
negócio, que expulsa as famílias, que não precisa de educação nem de
escolas porque precisa cada vez menos de gente, a afirmação da lógica da
produção para a sustentação da vida em suas diferentes dimensões,
necessidades, formas. E ao nascer lutando por direitos coletivos que dizem
respeito à esfera do público, nasceu afirmando que não se trata de qualquer
política pública: o debate é de forma, conteúdo e sujeitos envolvidos. A
Educação do Campo nasceu também como crítica a uma educação pensada
em si mesma ou em abstrato; seus sujeitos lutaram desde o começo para que

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o debate pedagógico se colasse a sua realidade, de relações sociais


concretas, de vida acontecendo em sua necessária complexidade (p. 69.).

Assim, construir uma educação realmente comprometida com os valores e


carências dos povos do campo, é assegurar nessas localidades possibilidades de
ascensão social, é encontrar formas de desenvolvimento nas comunidades sem ser
preciso abandoná-las, é possibilitar aos jovens e aos adultos ali presentes maneiras
de viver com mais dignidade, onde se sintam sujeitos ativos na construção e
reconstrução desse espaço.

3. Considerações finais:

Conceituar educação rural no Brasil e apontar os seus principais contrastes


com a educação do campo não tem se constituído tarefa fácil e nem simples,
principalmente por esse modelo de educação inicialmente citado possuir uma lógica
de alienação e dominação das classes menos favorecidas e estar localizada também
na zona rural como a educação do campo. A educação rural, preocupava-se em
formar capatazes que tinham uma função mais especializada no processo de
desenvolvimento agro-silvo-pastoril, sobretudo era um executor das ideias
dominantes, ajudando a fiscalizar e a determinar certas funções aos demais, sempre
de encontro aos interesses dos latifundiários, coronéis que dominavam a política e
suas formas inescrupulosas de domínio dos filhos dos trabalhadores, uma educação
que se propunha a desenvolver métodos e técnicas que já se sabem degradam e
desrespeitam a terra e os demais recursos naturais, tendo-os apenas como meios de
produção, a serviço do agronegócio e latifundiários brasileiros. Uma visão de
educação segregadora entre campo e cidade, ultrapassada, descontextualizada,
diante uma demanda crescente que surge no campo por uma educação que priorize
o outro, a terra e os demais elementos naturais como manutenção da vida.

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Em contrapartida, a educação do campo tenta se consolidar, se manter forte,


como um modelo de educação que surge no âmbito dos movimentos sociais que lutam
pela terra como um lugar de sobrevivência, de perpetuação da vida em toda a sua
complexidade, uma educação que visa formar sujeitos críticos e reflexivos, capazes
de entender o seu contexto histórico e político, que lutem por inclusão social sem ter
que abandonarem suas raízes, suas culturas e tradições, suas comunidades.
Assim, o que fica como elemento norteador entre essas duas formas de educar
os povos campesinos é a certeza de que esses sujeitos precisam ser ouvidos, é a
necessidade de se voltar para uma demanda que sempre existiu nessas localidades
rurais, é sobretudo a urgência de criação de políticas públicas que potencializem
formas de desenvolvimento nas zonas rurais desse País por meio da oferta de uma
educação valorada e realmente preocupada com o pleno desenvolvimento dessas
pessoas. Um conhecimento que possa de fato projetá-los para o pensamento
autônomo e para a reflexão sobre o seu papel como agentes de mudanças da dura
realidade que ora enfrentam. Uma educação que não produza apenas e tão somente
mão-de-obra barata, más que produza desenvolvimento com vistas à inclusão social,
à sustentabilidade, ao uso racional dos recursos naturais, uma educação que não
segregue campo e cidade, que não os instiguem a uma relação de medida de forças,
más que os ajudem a se complementarem, se integrarem pela promoção social, uma
educação que seja em seu aspecto maior essencialmente libertadora.

Referências

ARROYO, M.G.; MANÇANO, F. B, Por uma Educação Básica no Campo. Brasília,


DF Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo, 2000. (Coleção por
uma Educação Básica do Campo, vol-II).

BENJAMIN, C e CALDART, R.S. Projeto popular e Escolas do Campo. Brasília,


DF: Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo, 2000. (Coleção por
uma Educação Básica do Campo, nº. 3).

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CALAZANS, M. J. C. Para compreender a educação do Estado no meio rural. In:


DAMASCENO, M. N.; THERRIEN, J. (org.) Educação e escola no campo.
Campinas, Papirus, 1993.

CASTAGNA, M. M e AZEVEDO, S. M. S. J, (orgs.), Contribuições para a


Construção de um projeto de Educação do Campo. Brasília- DF: Articulação
Nacional por uma Educação do Campo, 2004. (Coleção por uma Educação do
Campo, nº. 5).

FREIRE, P. Conscientização. São Paulo: Moraes 1980.

__________Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra,


2011.

GADOTTI, M. A Carta da terra na educação. São Paulo; Editora e Livraria Instituto


Paulo Freire, 2010. (Cidadania planetária; 3).

KREUTZ, I. T. L. Educação Rural: política pública e a educação que interessa ao


Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Simpósio Nacional de Educação,
XX Semana da Pedagogia. Cascavel/ PR- 2008. Anais... Disponível em:
<www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/evento/2008/2/artigo%2001.pdf>
Acesso em: 18 jul. 2017.

MANÇANO, F. B. (org.) Campesinato e agronegócio na América Latina: a


questão agrária atual: São Paulo: CLACSO/Expressão popular, 2008.

MENDONÇA, S.R. de. A dupla dicotomia do ensino agrícola no Brasil (1930-1960).


Estudos Sociedade e Agricultura, v. 14, n. 1, p. 88-113, abr. 2006, Disponível em:
<http://www.ia.ufrrj.br/ppgea/conteudo/conteudo-2010-2/Educacao-
MII/2SF/Dicotomia.pdf> Com adaptações. Acesso em: 28 mar. 2017.

MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Como fazemos a Escola de
Educação Fundamental. Caderno de Educação nº 9, 1. ed. São Paulo: 1999.

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CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: SUPERAÇÃO DA


EDUCAÇÃO URBANA NO MEIO RURAL

Gabriela Jesus de Amorim*

Resumo
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, de cunho
bibliográfico, acerca da construção da identidade da Educação do Campo em
superação da Educação urbana no meio rural. Este artigo parte do anseio de
compreender como as ideológicas das classes dominantes estiveram e estão
presentes nas discussões de educação do Campo e como os movimentos de luta pela
Terra construíram a identidade da educação do Campo, frente a presença constante
da classe Burguesa e suas concepções neoliberais, e como na contemporaneidade
as elites se reinventam na perspectiva do Agronegócio em prol do enfraquecimento
da agricultura familiar e em favor da soberania da exportação. Com isso, iremos
abordar como as questões ideológicas estiveram presentes nas concepções de
educação no Campo e como ainda hoje com a forte presença dos movimentos de luta
pela Terra e educação do Campo as concepções ideológicas Burguesas Neoliberais
se reinventam para conquistar espaço nas políticas de Educação do Campo. Para
tanto, os estudos se deram por meio das pesquisas de Caldart (2013), Fernandes
(2004;2008), Frigotto (2013), Kolling, Cerioli, Caldart (2002), Melo (2008), Molina
(2008), Oliveira e Campo (2013), Ribeiro(2013), Saviani (1994).

Palavras- chave: Educação. Campo. Identidade.

Introdução

Ao longo da história, o campo se tornou referência na visão Etnocêntrica de se


pensar sociedade, o lugar do atraso. Com isso, Saviani (1994), relata que com a forte

*
Discente da Especialização em Educação do Campo, na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus,
BA, Brasil. E-mail: gabriela_ayoa@hotmail.com
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reprodução da sociedade capitalista cresceu a compreensão do campo como um não


lugar, lugar do atraso enquanto a concepção de cidade se remete a um sentido
positivo referente a ser sujeito de direitos. Sendo assim, há uma negação dos sujeitos
do campo.
Segundo Caldart (2013), a educação do campo se reinaugura como uma forma
de enfrentamento, uma vez que sua luta é por políticas públicas que assegurem aos
trabalhadores do campo o direito a uma educação no de do campo. Ainda segundo a
autora, dessa forma, a educação do campo é dos camponeses. Estes assumem a
dimensão de pressão coletiva por políticas públicas para educação e, lutam também
pela reforma agrária, pelo direito ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar.
O presente trabalho se apresenta enquanto pesquisa bibliográfica de cunho
qualitativo. Tem como objetivo analisar através de um recorte histórico da construção
da identidade da educação do campo em superação da educação urbana no meio
rural. Com isso, buscamos compreender como as questões ideológicas estiveram
presentes nas ações neoliberais em relação a educação do campo até os dias atuais.
Mesmo com a forte presença dos movimentos de luta pela Terra, as concepções
ideológicas burguesas neoliberais se reinventam para conquistar espaço nas políticas
de educação do campo. Dessa forma iremos contextualizar em dialogo com livros e
artigos, que contemplem nossa temática, buscamos relacionar a história da
concepção de Campo e a relação do trabalho e educação, e dialogar com o contexto
atual e as discussões acerca da educação rural e educação do campo e os
movimentos sociais, e as ações e ideologias do agronegócio em relação a disputa
pela terra. Abordaremos em nosso trabalho pesquisas como de Brasil (2010), Caldart
(2013), Fernandes (2004;2008), Frigotto (2013), Kolling, Cerioli, Caldart (2002), Melo
(2008), Molina (2008), Oliveira e Campo (2013), Ribeiro(2013), Saviani (1994).
Esperamos que os leitores possam compreender como a educação do campo
enquanto campo de disputa, de cultura, de vivencias, de saberes, que ao longo da
sua história se resinificaram, e mais que escola, a luta é pela educação do campo, é

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luta pela emancipação dos homens, mulheres, jovens, crianças, idosos sujeitos da
Terra.
Compreendemos que é de suma importância esse dialogo entre diversos
teóricos que abordam a historicidade da educação do campo enquanto conquista dos
movimentos sociais, luta que continua dia após dia. Com isso, pesquisas como essas
podem possibilitar aos professores, estudantes do campo e demais interessados a
refeltirem acerca das concepções que a sociedade nos passa e que muitas vezes são
reproduzidas pelos sujeitos justamente por não se enxergarem enquanto povo. Uma
vez que a mídia está cada dia mais a serviço das classes dominantes, o povo acredita
que o agronegócio é “pop” como a propaganda anuncia e descrimina a agricultura
familiar por concepções carregadas de ideologias perversas. Então, nossa pesquisa
espera contribuir para a superação da visão da educação do Campo marginalizada e
contribuir pela valorização da história e luta da educação do Campo.

1. Construção da relação do trabalho e educação nos moldes da sociedade


capitalista

De acordo com Saviani (1994), relação da educação, o trabalho e as condições


de poder que são estabelecidos por meio desses campos, se se iniciam
principalmente quando a educação passa a ser diferenciada entre as classes. A
educação inicialmente estava vinculada as relações com os outros indivíduos, com a
natureza, no trabalho. Ainda de acordo com Saviani (1994), na Antiguidade com o
início da propriedade privada, alguns indivíduos passaram a sobreviver a partir do
trabalho do outro. A educação deixou de ser vinculada a prática do trabalho para
todos, sendo assim diferenciada.

Os homens produziam sua existência em comum e se educavam neste


próprio processo. Lidando com a terra, lidando com a natureza, se
relacionando uns com os outros, os homens se educavam e educavam as

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novas gerações. A medida em que se fixa na terra, que então era considerada
o principal meio de produção, surge a propriedade privada. A apropriação
privada da terra divide os homens em classes (SAVIANI, 1994, p. 2).

Segundo Saviani (1994), a educação passa a ser diferenciada com a separação


de classes, aqueles que trabalham e aqueles que vivem o ócio. Com isso, se dá a
origem a escola para aqueles que detêm o ócio, enquanto a grande maioria, aqueles
que trabalhavam continuaram e se educavam por meio do trabalho, e para aqueles
que detiam o ócio era destinada a educação escolar, práticas de esporte. Dessa
forma, podemos perceber que desde os primórdios a escola foi pensada a partir das
necessidades das classes dominantes, enquanto as classes oprimidas se destinava a
educação que servisse para exerceu o trabalho.
Ainda de acordo com Saviani (1994), a forma de produção feudal do campo
como forma de viver, com núcleos subordinados chamados “cidade”, locais onde se
desenvolviam o artesanato que servia de indústria rural para atender a vida no Campo.
Com o desenvolvimento do artesanato se fortaleceu a corporação dos ofícios, aliados
a acumulação de poder e crescimento mercantil, acarretou a origem do capital. Com
o desenvolvimento mercantil as cidades foram se concentrando e as negociações de
trocas foram se fixando, originando as cidades, os burgos, “através do comércio, ele
foi acumulado capital que, em seguida, passou a ser investido na própria produção”
(SAVIANI, 1994, p. 3).
De acordo com Saviani (1994), diferente da Idade Média, na Idade Moderna o
campo passa a ser subordinado à cidade

é a agricultura, que se subordina à indústria. Por isso, na sociedade


capitalista, a agricultura tende a assumir cada vez mais a forma da indústria,
tende a se mecanizar e adotar formas industriais e a se desenvolver segundo
determinados insumos, insumos esses que são produzidos segundo a forma
industrial. De outro lado, dado que a indústria é a base do desenvolvimento
das cidades, a sociedade moderna vai se caracterizar pela subordinação do
Campo à cidade ou, dizendo de outra maneira, por uma crescente
urbanização do campo. O próprio campo passa a ser rígido por relações do
tipo urbano (SAVIANI, 1994, p. 4).

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Esse período marca uma nova fase na organização da sociedade, no qual a


Cidade se destaca sobre o Campo de acordo com os interesses de crescimento
industrial e econômico.
Com isso, Saviani (1994), ainda relata que esse período rompe com a ideia de
comunidade e traz a concepção de sociedade, as relações deixam de ser naturais
para ser sociais, com estratificações em classes. A sociedade passa a ser regida por
meio de um contrato social onde todos são sujeitos de direitos. No contexto liberal a
liberdade ideológica pregada, está diretamente relacionada a o direito de propriedade,
onde cada um é livre o suficiente para conquistar sua propriedade. Agora, o
trabalhador tem o direito de vender sua força de trabalho para o capitalista por meio
de um contrato. Com isso, o homem é retirado da terra e se desvincula da natureza,
do seu meio de existência, tendo apenas força de trabalho para vender. Nesse
contexto de “direitos”, a opressão e exploração da força de trabalho dos sujeitos que
se vem se condições de negociar, aceitam o pouco que te pagam por jornadas de
trabalhos e alta produção, enquanto a minoria que detém o poder lucra.
Conforme Saviani (1994), essa nova sociedade centrada na cidade e indústria,
trouxe também a exigência de generalização escolar. Dessa forma, a centralidade da
cidade, desenvolvimento da indústria, a educação será generalizada para atender aos
interesses capitalistas. O autor ainda relata que a escola esteve historicamente ligada
às necessidades das classes dominantes, e com o discurso de universalização por
parte da classe burguesa se dá justamente devido a expansão industrial e a
necessidade de mão de obra. Desse modo, uma formação pautada na cidadania e
servidão industrial. O que antes era função da familiar passa a ser assumida pela
escola.
É sabido que a universalização da educação, ainda que uma conquista a
educação pública aos cidadãos, não garantia o mesmo padrão e objetivos da
educação, principalmente quando formos discutir a educação rural e educação do
Campo. Ao longo da história a educação para classe trabalhadora, foi sendo

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repensado de acordo com as necessidades do mercado, ora apenas instruções


básicas para manusear as maquinas, ora alguns conhecimentos específicos. Na
contemporaneidade com o crescimento da tecnologia a uma inserção maior da
qualificação voltada para uso e desenvolvimento das tecnologias, através do
crescimento da implantação de curso técnico vinculado ao ensino médio, ou formação
técnica profissionalizante de acordo, com as necessidades atuais das indústrias.
Enquanto a classe burguesa estuda a partir da ótica da concepção de gerir todo o
processo, e continuar no topo da pirâmide e divulgar a concepção de liberdade, de
meritocracia, e com ações empresariais cada dia mais forte nas escolas, muitas vezes
atuando desde a educação Infantil.
Nesse processo a educação escolar passa a ser dominante e os outros tipos
de educação passam a ser subordinada a educação escolar, sendo compreendida
educação através da escola. Dessa forma, podemos abordar um paralelo com o que
iremos dialogar a seguir a relação concepção de Educação do rural, uma vez que com
essa concepção de sociedade altamente industrial, capitalista, o espaço rural se torna
um lugar do atraso, que precisa inovar com uso das tecnologias e alta produção o
chamado advento do agronegócio.
Segundo Frigotto (2013), a educação pensada nos moldes da sociedade
capitalista, carrega a compreensão do ser humano na visão burguesa, que respalda
e propaga o individualismo, competitividade. “Sendo o trabalho a atividade vital e
criadora mediante a qual o ser humano produz a si mesmo” (FRIGOTTO, 2013, p.
266). De acordo com Frigotto (2013), ao contrário da educação omnilateral que propõe
a emancipação dos sujeitos, a sociedade capitalista e sua forma de manipular a
educação de acordo com seus interesses, constituiu uma forma mais sutil da
expropriação do trabalho alheio por meio da suposta igualdade que o liberalismo e
depois o neoliberalismo pregam, e por meio dessa, o trabalhador vende a sua força
de trabalho em um processo alienador.

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Podemos compreender que desde as primeiras relações, os homens


desenvolveram por meio do trabalho: conhecimentos, a própria existência, cultura,
histórias. E nesse processo havia uma relação com a natureza, com seus próximos,
contrario do que acontece com a lucratividade e crescimento econômico. Não
pretendemos taxar que as práticas precisam ser as mesmas, mas que existe a
necessidade do homem cultivar a terra, produzir seu alimento de forma saudável,
sustentável e sabemos que mesmo com a propagação do agronegócio e grande
produção de “alimento” milhares de famílias não tem o que comer, não tem trabalho,
não tem a terra e sua dignidade é negada dia após dia pelo latifúndio burguês.

2. Concepções ideológicas e resistência pela terra: educação rural e da


educação do campo

a. Educação Rural

De acordo com Ribeiro (2013), a educação rural se destina aqueles que


residem ou trabalham em zonas rurais que de certa forma vivem em uma situação de
exploração, uma vez que recebem os menores rendimentos dos seus trabalhos. A
esses sujeitos e seus filhos se oferta uma educação na mesma modalidade da
oferecida as populações urbanas. Com isso, não se pensa um currículo, propostas
que contemplem as especificidades do campo, seus saberes e culturas locais.

Os filhos dos camponeses experimentam uma necessidade maior de


aproximação entre o trabalho e o estudo, visto que a maior parte deles
ingressam cedo nas lidas da roça para ajudar a família, de onde se retira a
expressão agricultura familiar (RIBEIRO, 2013, p. 293).

O que acontece na educação rural é a supervalorização da forma de viver na


cidade e desconstrução da identidade do campo, uma vez que os livros didáticos, por
exemplo, trazem realidades do meio urbano como o ideal, como bom, enquanto

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inferioriza a cultura, fala, seu trabalho, características das comunidades rurais. Ainda
segundo Ribeiro (2013), nessa escola apenas se estuda, e o que se estuda nada é
relacionado com o trabalho desenvolvido pelo camponês na terra.

não é da escola a tarefa primordial de formar as crianças camponesas, tanto


porque estas quase sempre ingressam mais tarde no processo de
escolarização e permanecem pouco tempo nela envolvidas quanto pelas
deficiências peculiares à instituição escolar (RIBEIRO, 2013, p. 294).

Essa escola ainda segundo Ribeiro (2013), oferece conhecimentos básicos de


leitura e escrita e conteúdos matemáticos simples, porém é destacado que nem isso
as escolas rurais estão conseguindo fazer, visto o alto índice de analfabetismo e
evasão escolar. Os sujeitos do campo, desde cedo relacionam-se com o trabalho e
esse se articula enquanto um princípio educativo, tanto que, historicamente é por meio
do trabalho que o processo educativo acontece nas comunidades camponesas, e
passam de pai para filho, de geração em geração o oficio do trabalho, com esse
processo as relações históricas e culturais são produzidas.
É discutido também na pesquisa de Ribeiro (2013), a questão da formação de
professores. Na maioria das vezes não acontece formação adequada para atuação
nas realidades campesinas. Ribeiro (2013), ainda elucida acerca da escola rural e
urbana em sua relação com a sociedade capitalista e a visão do campo nessa ótica
mercadológica burguesa:

Compreendida na interior das relações sociais de produção capitalista a


escola tanto urbana quanto rural tem suas finalidades, programas, conteúdos
e metodologias definidos pelo setor industrial, pelas demandas de formação
para o trabalho nesse setor, bem como pelas linguagens e costumes a ele
ligados. Sendo assim, a escola não incorpora questões relacionadas ao
trabalho produtivo, seja porque, no caso, o trabalho agrícola é excluído de
suas preocupações, seja porque sua natureza não é a de formar para um
trabalho concreto, uma vez que a existência do desemprego não garante este
ou aquele trabalho para quem estuda. E, ainda, como a escola poderia
valorizar a agricultura tão desvalorizada nas concepções que sustentam o ser
camponês um produtor arcaico e um ignorante em relação aos
conhecimentos básicos de matemática, leitura e escrita? (RIBEIRO, 2013, p.
294).

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Na história conforme a sociedade começou a ser separadas em classes umas


em detrimento de outras as relações de poder passaram a ser reproduzidas nas
escolas também. Como já mencionamos Saviani (1994), relata acerca da história da
relação do trabalho e a educação. O trabalho como forma de exploração da força de
trabalho, a educação relacionada aos interesses capitalista e o crescimento
econômico.
De acordo com Oliveira e Campos (2013), a educação do rural desempenhou
o papel de inserir os sujeitos do campo na cultura urbana capitalista. Ainda de acordo
com Oliveira e Campos (2013), os movimentos sociais carregam a necessidade de
políticas públicas que medem os problemas de acesso e permanência dos povos do
campo na educação básica e superior. Os fatores determinantes nas dificuldades de
acesso e permanência dos sujeitos do campo na escola segundo os autores Oliveira
e Campos (2013), vão desde: condições precárias das escolas, fechamento de
escolas e transferências dos alunos para escolas urbanas, aos quais vão por meio de
transporte escolar, com isso passam horas nas estradas. O que contribui para
distorção idades-série. Nucleação como uma suposta forma de garantir o acesso,
porém, acabam por violar os direitos das crianças a uma educação de qualidade. Com
isso, vemos a forma presença da ideologia neoliberal, uma vez que o discurso de
igualdade de condições não considera as realidades, aborda dessa forma o fracasso
como culpa do sujeito. Sabemos que esses tipos de práticas buscam na verdade
enfraquecer a identidade dos povos do campo.

b. Movimentos sociais e conquista da educação com direito dos povos do


Campo

De acordo com Oliveira e Campos (2013), o contexto brasileiro de educação


pós ditadura militar, final da década de 1980, marcado por lutas democráticas por
direitos como a educação do campo, a educação enquanto direito de acesso e
permanência que se consagrou na Constituição Federal de 1988. Ou seja, a
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Constituição é marcada pela participação popular. Considerada devido as lutas dos


movimentos como a Constituição cidadã.
Ainda de acordo com Oliveira e Campos (2013), a garantia de universalização
e implementação da educação deve se pautar assim como propõe a constituição com
base no respeito às diferenças, e ao se tratar dos povos do campo principalmente.
Com isso, as autoras ainda relatam que a década de 1990, foi marcada pela
consolidação das lutas dos movimentos sociais que ampliaram as conquistas de
direitos a educação com universalização da educação e a educação como direito
básico a todas as modalidades como aos jovens e adultos, aos povos do campo, a
educação especial. “As elaborações referentes ás modalidades incluem uma atenção
sintonizada com as diretrizes de fóruns internacionais, a grupos sociais historicamente
excluídos e que representam dívida social.” (OLIVEIRA; CAMPOS, 2013, p. 237). Em
relação também a educação do campo enquanto conquista Caldart (2013) discute:

O esforço feito no momento de constituição da Educação do Campo, e que


se estende até hoje, foi de partir das lutas pela transformação da realidade
educacional específica das áreas de Reforma Agrária, protagonizadas
naquele período especialmente pelo MST, para lutas mais amplas pela
educação do conjunto dos trabalhadores do campo. Para isso, era preciso
articular experiências históricas de luta e resistência, como as das escolas
família agrícola, do Movimento de Educação de Base (MEB), das
organizações indígenas e quilombolas, do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB), de organizações sindicais, de diferentes comunidades e
escolas rurais, fortalecendo-se a compreensão de que a questão da
educação não se resolve por si mesma e nem apenas no âmbito local: não é
por acaso que são os mesmos trabalhadores que estão lutando por terra,
trabalho e território os que organizam esta luta por educação. Também não é
por acaso que se entra no debate sobre política pública (CALDART, 2013, p.
259).

Ainda de acordo com Caldart (2013), anterior a denominação educação do


Campo, muito foi discutido em Conferências como a Conferencia Nacional. Ele ainda
discute a influencia dos interesses neoliberais nas discussões acerca das discussões
da educação do Campo:
Durante a I Conferência Nacional, houve um debate acalorado pela reentrada
do campo na agenda nacional, o que acabou acontecendo na década

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seguinte, mas não pelo polo do trabalho, e sim, pelo polo do capital,
materializado no que se passou a denominar AGRONEGÓCIO o,
promovendo uma marginalização ainda maior da agricultura camponesa e da
Reforma Agrária, ou seja, das questões e dos sujeitos originários do
movimento por uma Educação do Campo (CALDART, 2013, p. 259).

Ainda segundo Caldart (2013), incialmente foi intitulada como educação básica
do campo, posteriormente passou a ser educação do campo. Aconteceram outros
encontros como o Encontro Nacional dos Educadores e educadoras da Reforma
Agrária (enera), MST. Com isso, o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera), que tem com objetivo a oferecer a educação formal a jovens e
adultos que são beneficiados pelo plano de reforma Agrária, bem como proporcionar
melhora no desenvolvimento dos assentamentos (BRASIL, 2010).
De acordo com Caldart (2013), na segunda Conferência Nacional Por Uma
Educação do Campo no qual contou com a participação de entidades, sindicatos de
trabalhadores rurais e professores, foi formulado o tema Educação do Campo: direito
nosso, dever do Estado. Nesse contexto, a luta se deu por uma educação especifica
para os trabalhadores do campo enquanto direito real. No mesmo foi reafirmado o
vínculo do trabalho, e os interesses da agricultura camponesa na educação do campo.
Em relação a concepção de educação e de direito de acordo Melo (2008) o MST:

O Movimento Sem Terra busca desconstruir a idéia assistencialista de que


ao pobre cabe o papel de receber, de ser atendido em suas necessidades
básicas. Em sua estrutura organizativa busca provocar os sujeitos a lutarem
em comunhão para conquistar o que é de direito de todo ser humano, a partir
da crença nas potencialidades de homens e mulheres tornando-se sujeitos
da história. [...] os movimentos sociais acreditam que, mesmo em condições
de extrema exclusão e falta de perspectiva, todas as pessoas são capazes
de desenvolver as suas potencialidades, a partir de um processo organizativo
que propicie a participação (MELO, 2008, p. 25).

Desse modo, os movimentos sociais apresentam um forte determinante na


conquista por uma educação campo, pensado pelos sujeitos do campo, uma
educação da emancipação e não da aceitação. Em relação a participação do
movimentos na década de 1990 segundo Oliveira e Campos (2013), apresentam

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enquanto um momento de articulação de saberes cuja a essência se dá devido “a


participação campesina na construção de um ideário político-pedagógico e de
diretrizes operacionais que orientam as politicas públicas para educação do campo.
(OLIVEIRA; CAMPOS, 2013, p. 238).
Diferente da educação rural, segundo Caldart (2013),

A Educação do Campo nomeia um fenômeno da realidade brasileira atual,


protagonizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa
incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das
comunidades camponesas (p. 253).

A educação do campo carrega consigo a militância dos camponeses, dos


trabalhadores, dos movimentos sociais, por direitos e garantias em prol do direito pela
terra, de uma educação pensada pelas comunidades camponesas, o direito a terra,
diferente do que acontece na educação rural. Como já mencionado acima, a escola
rural o currículo, material didático, tudo acontece de cima para baixo, sem considerar
as realidades e historicidade dos povos.
Em reflexão a isto e em dialogo com a educação enquanto direito, no que tange
a educação do campo, Molina (2008) discute a educação enquanto direito humano,
assim como os outros direitos são frutos das construções e lutas de pessoas que
consequentemente se tornaram conquistas da sociedade, em especial as classes
oprimidas. “Eles são dados, eles são construídos, são uma invenção humana, e está
em permanente processo de construção, desconstrução, reconstrução” (MOLINA,
2008, p. 21).
A educação do campo se identifica pelos seus sujeitos: é preciso
compreender que por trás da indicação geográfica e da frieza de dados
estatísticos está uma parte do povo brasileiro que vive neste lugar e desde
as relações sociais específicas que compõem a vida no e do campo, em suas
diferentes identidades e em sua identidade comum; estão pessoas de
diferentes idades, estão famílias, comunidades, organizações, movimentos
sociais... A perspectiva da educação do campo é exatamente a de educar
este povo, estas pessoas que trabalham no campo, para que se articulem, se
organizem e assumam a condição de sujeitos da direção de seu destino.
(KOLLING; CERIOLI; CALDART, 2002, p. 19).

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De acordo com Kolling, Cerioli e Caldart (2002), a construção de uma escola


do campo, expressa estudar para viver no e do campo. Segundo os autores a
educação do campo é contraria a concepção de educação para se sair do campo e ir
para cidade, o que acontece na educação urbana no meio rural, uma vez que o campo
é visto como lugar do atraso. Ainda segundo Kolling, Cerioli e Caldart (2002), a escola
do campo precisa ser um local onde os sujeitos possam sentir orgulho da sua origem
para que frente as dificuldades possam coletivamente enfrentá-las.
Kolling, Cerioli e Caldart (2002), discutem a importância e a necessidade de
políticas e projetos de formação para educadores do campo, visto que a construção
de uma educação do campo significa também formar educadores do campo
pertencentes do campo e através do campo, juntos pelo cultivo da identidade e luta
pelas culturas dos povos, em prol de políticas públicas que ajudem no
desenvolvimento de projetos do Campo.
De acordo com Caldart (2013) a criação do conselho nacional de educação
(CNE), diretrizes operacionais do campo, secretaria de educação continuada,
alfabetização e diversidade são frutos da mobilização dos movimentos sociais. Dessa
forma, Oliveira e Campos (2013), contribuem ao apresentar como os movimentos
sociais foram decisivos nas políticas para educação do campo:

Os movimentos sociais se configuram como sujeitos produtores de direitos,


contribuindo para o estabelecimento de novas leis e políticas educacionais,
bem como para abertura de políticas de trabalho e renda para a agricultura
familiar. Alguns fatos ais recentes ilustram estas conquistas dos atores: um
exemplo foi a inclusão da educação do campo nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Básica, por meio da resolução nº 3, de 14 de julho
de 2010, da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de
Educação, (CNE/CEB) (Brasil, 2010) e do decreto presidencial nº 7.326/2010,
que institucionalizou o Pronera como ferramenta de implantação de políticas
de educação do campo (OLIVEIRA; CAMPOS, 2013, p. 239).

Essas e outras conquistas são importantes uma vez que Caldart (2013),
também discute que quando se fala em educação do campo, se pensa em uma
educação voltada para os trabalhadores do campo, considera assim: quilombolas,

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indígenas, ribeirinhos enquanto sujeitos históricos e políticos, uma educação que


considera os valores, cultura, uma formação de pessoas voltadas como sujeitos das
suas histórias.
Ainda de acordo com Caldart (2013), a educação do campo é a educação dos
camponeses se legitima na forma de pressão por politicas publicas, e caminha junto
com a luta pela terra, pela reforma agraria, pela cultura, soberania alimentar. Ainda
segundo Caldart (2013) nunca a luta se dará apenas pela educação em si, mas por
meio dela.
E o modo de fazer a luta pela escola tem desafiado os camponeses a ocupá-
la também nessa perspectiva, como sujeitos, humanos, sociais, coletivos,
com a vida real e por inteiro, trazendo as contradições sociais, as
potencialidades e os conflitos humanos para dentro do processo pedagógico,
requerendo uma concepção de conhecimento e de estudo que trabalhe com
essa vida concreta. Isso tem exigido e permitido transformações na forma da
escola, cuja função social originária prevê apartar os educandos da vida,
muito mais do que fazer da vida seu princípio educativo (CALDART, 2013, p.
263).

Os movimentos sociais e lutas dos povos do campo, levantam a bandeira pela


terra, por uma educação dos sujeitos históricos, que vivem situações de conflitos e
que junto com a luta por uma educação pensada pelos sujeitos do campo, se luta pela
terra, pela superação das condições de exploração da força de trabalho dos
trabalhadores rurais, da exploração da terra por parte dos grandes proprietários de
terra, que cada dia mais se articulam pela tomada da terra e apropriação dos bens
naturais em prol da alta produção que cresce com a miséria da população.

3. Agronegócio e sociedade capitalista e educação do campo

De acordo com Fernandes (2008), desde o inicio da sociedade capitalista


passou a modificar as relações do homem com a terra, intensificou a exploração de
ambos. O agronegócio se apresenta enquanto conceito atual do desenvolvimento

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econômico da agropecuária capitalista. Ainda segundo Fernandes (2008), o conceito


de agronegócio é uma construção ideológica que substitui o latifúndio da agricultura
capitalista. Uma vez que o latifúndio carrega a imagem de exploração.

É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório e


excludente para dar relevância somente ao caráter produtividade,
destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas tecnologias. Da
escravidão à colheitadeira controlada por satélite, o processo de exploração
e dominação está presente, a concentração da propriedade da terra se
intensifica e a destruição do campesinato aumenta (FERNANDES, 2008, p.
48).

Ainda segundo Fernandes (2008), o agronegócio apresenta a imagem de


produtividade, geração de riqueza para o país. Com isso, não pode ser ameaçado por
políticas de Reforma Agrária. Isso nos possibilita a reflexão da importância da mídia
como forma de alienação das massas, uma vez eu a agricultura familiar se tona algo
ultrapassado e difundido nas mídias, enquanto o “agronegócio é pop, é tec” expressão
amplamente difundida em campanha nas mídias.
Diante disto Fernandes (2008), ainda discute que o agronegócio busca
controlar as politicas e territórios. Um exemplo é o controle da reforma agrária por
parte do agronegócio, traz a reforma agrária do mercado como forma de controlar e
até tirar a luta popular do campo da política e empurrá-la para o campo do mercado.
“Para tentar evitar o enfrentamento com os camponeses, o agronegócio procura
convencê-los que o consenso é possível. Todavia, as regas proposta pelo
agronegócio são sempre a partir do seu território: o mercado” (FERNANDES, 2008, p.
50).
Podemos ainda, refletir acerca da atuação da classe dominante a fim de
corromper os campesinos por meio de políticas de mercado, a serviço da sociedade
capitalista, produção e crescimento econômico dos grandes proprietários, enquanto
os trabalhadores continuaram na condição de explorados frente a alienação do capital:

Na construção ideológica dos princípios do capitalismo agrário, o capital deve


ser visto como amigo e não como inimigo, como explica a construção

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ideológica dos princípios da reforma agrária. [...] Assim, os camponeses ou


agricultores familiares são incorporados ao agronegócio, esse conceito que
coloca todos num mesmo saco: capitalista e camponeses. Mas esse saco
tem dono, que não é o camponês. A produção agrícola camponesa passa a
ser contada como produção do agronegócio, de modo a parecer que os
camponeses nada produzem (FERNANDES, 2004, p. 13).

Ainda de acordo com Fernandes (2008), como forma de resistir as pressões do


agronegócio, o enfraquecimento do pequeno agricultor, o desemprego, as
desigualdades enfrentadas a ocupação de terras é uma forma encontrada contra a
concentração de riqueza, a exploração ampliando-se aas possibilidades de lutas
coletivas contra esse modo de produção. A luta é desigual, é perversa e a mídia das
massas joga cada dia mais a população contra os pequenos agricultores, contra a
agricultura familiar, o militante, o Sem Terra, acampado. Os sujeitos em suas vidas
cada dia mais distantes uns dos outros, em suas condições de exploração não
conseguem enxergar como o sistema, como a sociedade capitalista enfraquece a
humanidade na sua essência das relações, das culturas, e das histórias, dos saberes,
dos povos e da emancipação.

4. Considerações

Podemos fazer uma reflexão inicial, visto que o debate acerca da educação do
Campo e o contexto atual neoliberal, não se encerra aqui. Compreendemos que a
sociedade em suas raízes tomou rumos em prol da apropriação de bens de consumo,
e crescimento econômico desproporcional, as custas da exploração tanto dos bens
naturais, como da força de trabalho das classes oprimidas. A relação do homem com
a terra como foi discutido incialmente no trabalho perpassa por questões históricas,
culturais, educativas e com isso, o homem escreve sua história conforme constrói
relações com a natureza e com os outros. Porém, a construção de uma sociedade
que limita e faz uso das condições dos outros em prol do enriquecimento e dominação,

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esquece dos sujeitos da terra e suas tradições. Com isso, os movimentos sociais, os
trabalhadores do Campo, mulheres, crianças lutam contra a hegemonia capitalista,
contra a exploração e privação de direitos. Nosso trabalho dessa forma buscou traçar
um paralelo de como tudo começou, como as relações elas carregam valores,
aprendizagem e como o sociedade a qual vivemos se organizou e criou alicerces por
meio da exploração do trabalho alheio, da utilização da natureza, da soberania de
poucos e fome de muitos.
Então a educação do Campo mais do que nunca junto aos movimentos sociais,
gritam, não só por uma escola, sua luta é por uma terra sadia, uma terra onde se
planta, se cuida, se alimenta, se aprende. O que no agronegócio não acontece, hoje
a máquina planta, a máquina envenena, a máquina colhe, a máquina leva pra fora
alimento carregado de veneno, a terra se enfraquece, pessoas morrem, sangue é
derramado, a fome bate na porta de quem nem casa tem. A luta da superação da
educação rural se dá justamente junto a luta pela superação da acomodação, do
conformismo, pela construção da consciência crítica dos sujeitos, tanto discutida por
Paulo Freire em seus livros. E a busca por uma educação que junto as relações dos
sujeitos da Terra.
A educação do campo representa a autonomia, vida, trabalho, democracia
mesmo em um contexto histórico de direitos conquistados, mas negados muitas vezes
também. E mais do que nunca os movimentos sociais, os sujeitos do campo precisam
se fortalecer para lutar contra o agronegócio e suas investidas contra a agricultura
familiar.

Referências

BRASIL. Decreto n. 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de


educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária:
PRONERA. Brasília, DF, 2010. Disponível

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em:<http://portal.mec.gov.br/docman/marco-2012-pdf/10199-8-decreto-7352-de4-de-
novembro-de-2010/file>. Acesso em: 26 maio 2018.

CALDART, Roseli Salete. Por uma educação do Campo: traços de uma identidade
em construção. In: KOLLING, Edgar Jorge. CERIOLI, Paulo Ricardo. CALDART,
Roseli Salete. (org.). Educação do campo: identidade e politicas públicas. Brasília,
DF: Articulação Nacional Por uma Educação Básica do Campo, 2002. Cap.2, p. 18-
25. (Coleção por uma educação do campo, n.4).

______. Educação do Campo. In: CALDART, Roseli Salete. PEREIRA, Isabel Brasil.
ALENTEJANO, Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Dicionário da Educação do
Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Fiocruz, Expressão Popular, 2013. p. 257-64.

FERNANDES, Bernado Mançano. A questão Agrária no Brasil hoje: subsídios para


pensar a educação do campo. Seminário Estadual da Educação do Campo. Faxinal
do Céu, PR., Anais... 2004. p. 11-20.

______. Educação do Campo e Território Camponês no Brasil. In: Fernandes,


Mançano et al. SANTOS, Clarice Aparecida do Santos (org.). Educação do
Campo: campo- políticas públicas. Brasília: Incra, MDA, 2008. Cap. 4. p. 39-66.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação Omnilateral. In: CALDART, Roseli Salete.


PEREIRA, Isabel Brasil. ALENTEJANO, Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio (org.).
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MELLO, Marco (org). Paulo Freire e a Educação Popular. Porto Alegre:


IPPOA/ATEMPA, 2008.

MOLINA, Mônica Castagna. A Constitucionalidade e a Justicibilidade do Direito à


Educação dos Povos do Campo. In: FERNANDES, Bernardo Mançano; SANTOS,
Clarice Aparecida do Santos (org.). Educação do Campo: campo- políticas
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OLIVEIRA, Lia Maria Teixeira de. CAMPOS, Marília.In: CALDART, Roseli Salete.
PEREIRA, Isabel Brasil. ALENTEJANO, Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio (org.).
Dicionário da Educação do Campo. Fiocruz, Expressão Popular: Rio de Janeiro,
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RIBEIRO, Marlene. Educação rural. In: CALDART, Roseli Salete. PEREIRA, Isabel
Brasil. ALENTEJANO, Paulo. FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Dicionário da
Educação do Campo. Fiocruz, Expressão Popular: Rio de Janeiro, São Paulo,
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SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas


tecnologias. In C. J. Ferretti, D. M. L. Zibas, F. R. Madeira, & M. L. P. B. Franco
(orgs.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar.
Petrópolis: Vozes, 1994. p. 151-68.

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CULTURA, POÍTICA E MODERNIDADE: REFLEXÕES CRÍTICAS DA


PRIMEIRA DÉCADA PÓS GOLPE DE 1964

Jean Moura*

Resumo
Devido aos cinquenta anos de maio de 1968 e o atual cenário político do Brasil, este
trabalho transitará através dos primeiros anos posteriores ao golpe de 1964, com
objetivo de compreender como o panorama cultural da época influenciou o contexto
político, e vice-versa, não só do referente período, mas da contemporaneidade. A
partir da obra de Roberto Schwarz, “Cultura e Política”, que norteará a reflexão, este
dialogará com o conceito de modernidade na visão de Marshall Berman, para mostrar
como a modernização conservadora tenta abortar a predominância da produção
cultural de esquerda, que mesmo após os primeiros anos do regime militar ainda
crescia. Surgem na mesma época, movimentos culturais que engenham uma reflexão
crítica do momento, como o Movimento de Cultura Popular (MCP) no Recife, os
Centros de Cultura Popular (CPC’s) no Rio de Janeiro, e o Tropicalismo em esfera
nacional. Vale ressaltar a importância do Método Paulo Freire de Alfabetização, que
surge como ferramenta emancipatória no período. Em esferas distintas estes
movimentos são potentes em contra hegemonia, entretanto, já que a influência
modernista torna complexo o debate, e o campo intelectual amordaçado pouco
produz, alguns setores se beneficiam da subjugação das populações periféricas,
enquanto outros a denunciam.

Palavras-chave: Cultura. Contracultura. Política. Brasil. Regime Militar.

Introdução

Atualmente a Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro


está sob controle das forças armadas, assim como a polícia e os demais setores

*Discente no curso de Licenciatura em Educação do Campo, Departamento de Educação do Campo Movimentos


Sociais e Diversidade – Instituto de Educação (DECAMPD-IE); na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) de Educação do Campo com abrangência interdisciplinar.
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ligados a ela. O atual presidente da república, Michel Temer, em seu mandato


considerado ilegítimo segundo diversos estudiosos, e que tem reprovação de 82% da
população nacional segundo o Instituto de Pesquisas Datafolha109, utilizou do decreto
nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, para por em vigor a intervenção. Já passaram-
se mais de cinquenta anos desde o golpe civil militar de 1964, e desde o seu fim (1985)
a democracia permanece um equívoco. O contexto político-econômico atual se difere
do de 1964 em diversos fatores, um deles é a modernização e ampliação dos meios
de comunicação, que tornou a sociedade brasileira altamente informada e com opinião
sobre quase tudo, entretanto, com excessiva falta de conhecimento. No cenário
cultural o que não foi absorvido pela indústria cultural, não tem expressão significativa
no combate ao capital. Entretanto, mesmo tragados pelo mercado, existem debates
que vem ganhando espaço na sociedade como o empoderamento da mulher, a
liberdade sexual, erradicação do racismo, herança colonial, entre outros. No campo
cultural, artístico e literário muito se produz a respeito, além de uma forte organização
por parte do meio acadêmico.
Talvez não seja uma hegemonia, mas atualmente a produção dos seguimentos
pró-esquerda têm disputado espaço com as correntes do conservadorismo, assim
como no período que antecedeu o golpe do século passado. O populismo do governo
de João Goulart (1961-1964) preparou o terreno para que as questões culturais
verdadeiramente democráticas surgissem. Campanhas de alfabetização promovidas
pelo Movimento de Cultura Popular (MCP), criado no Recife em 1960, e o teatro
político desenvolvido pelo Centro de Cultura Popular (CPC), criado em 1962 no Rio
de Janeiro, eram algumas das organizações culturais importantes da época. Roberto
Schwarz dedicou um capítulo de sua obra “Cultura e Política” à crítica reflexiva do
período entre 1961 e 1969, e segundo o autor: “o país estava irreconhecivelmente
inteligente” (SCHWARZ, 2005, p. 21) frente não só aos movimentos culturais mas a

109 Veja em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/reprovacao-ao-governo-temer-e-de-82-aponta-pesquisa-


datafolha.ghtml> Acesso em: 10 maio 2018.
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toda uma produção cultural e intelectual que começava a se reorientar com as


massas. Ainda segundo Schwarz (2005) “o vento pré-revolucionário
descompartimentava a consciência nacional e enchia os jornais de reforma agrária,
agitação camponesa, movimento operário, nacionalização de empresas americanos
etc.” (p. 21).
A contrarrevolução, como alguns autores se referem ao Golpe de 1964, de
início não frenou desenvolvimento da cultura de esquerda e “apesar da ditadura da
direita há relativa hegemonia cultural da esquerda no país” (SCHWARZ, 2005, p. 8).

Se em 1964 fora possível à direita “preservar” a produção cultural, pois


bastara liquidar o seu contato com a massa operária e camponesa, em 1968,
quando os estudantes e o público dos melhores filmes, do melhor teatro, da
melhor música e dos melhores livros já constituem massa politicamente
perigosa, será necessário trocar ou censurar os professores, os encenadores,
os escritores, os músicos, os livros, os editores – noutras palavras, será
necessário liquidar a própria cultura vida do momento (SCHWARZ, 2005, p.
09-10).

A partir de 1968, impulsionados pelo espírito do tempo de maio, os debates


internacionais contra o imperialismo e o consumismo aumentam significativamente, o
que torna o panorama cultural brasileiro potencialmente perigoso, justificando a ação
repressiva das autoridades e da censura. Face ao endurecimento do regime militar
em 1968, Caetano Veloso, músico e compositor associado ao movimento tropicália
(ou tropicalismo), compôs a música considerada um hino: “É Proibido Proibir”, em
conjunto com uma série de artistas do movimento que desenvolviam arte contra
hegemônica na época.
Atualmente no Brasil não existe um censura rígida propriamente dita,
entretanto, isso não quer dizer que a produção cultural de esquerda diminuiu, mas,
atualmente, ela não se apresenta como uma ameaça ao interesses do capital, fazendo
inclusive parte da lógica deste a partir da sua absorção pela indústria do espetáculo.
Existe uma obra de Marshall Berman chamada “Tudo que é Sólido Desmancha no Ar”
(1982), que discute o conceito de modernidade, esta pode ser utilizada, e torna-se

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muito importante no debate do desenvolvimento da cultura brasileira na época a qual


este trabalha se debruça. As influencias da modernidade, constantemente associadas
ao desenvolvimento capitalista, apontam as contradições de quase todos os
movimentos culturais. A dialética pela qual se faz o estudo deste fenômeno ambíguo
permite compreender a importância da cultura no cenário econômico e o seu inverso.
Berman diz:
O problema do capitalismo é que, aqui como em qualquer parte, ele destrói
as possibilidades humanas por ele criadas. Estimula, ou melhor, força o
autodesenvolvimento de todos, mas as pessoas só podem desenvolver-se de
maneira restrita e distorcida. As disponibilidades, impulsos e talentos que o
mercado pode aproveitar são pressionados (quase sempre prematuramente)
na direção do desenvolvimento e sugados até a exaustão; tudo o mais, em
nós, tudo o mais que não é atraente para o mercado é reprimido de maneira
drástica, ou se deteriora por falta de uso, ou nunca tem uma chance real de
se manifestar (BERMAN, 1982, p. 123).

Talvez hoje não haja chance real de uma contracultura florescer, entretanto, a
década de 1960 foi berço de movimentos que, mesmo dentro das suas contradições,
foram os com maior potencial revolucionário. Mais a frente este trabalho vai abordar
estas contradições, as potencialidades, e como a modernidade deu seu “beijo da
morte” nos movimentos culturais de um país do terceiro mundo.

1. Moderno e Arcaico

A consolidação ideológica de esquerda que surge nos primeiros anos do golpe


se dá em função de diversos fatores, dentre estes, vale ressaltar a importância dos
que se referem a cultura. É o momento de redenção entre a intelectualidade e os
oprimidos, sua aproximação e valorização da cultura e dos saberes da plebe. O
contato político com o povo enche o cenário econômico-social de símbolos da
revolução, ao invés de uma revolução propriamente dita, entretanto, muito se
desenvolve no campo cultural reflexivo. Roberto Schwarz (2005) cita:

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Davam-se combates imaginários e vibrantes à desigualdade, à ditadura e aos


EUA. Firma-se a convicção de que vivo e poético, hoje, é combater ao capital
e ao imperialismo. Daí a importância dos gêneros públicos de teatro, música
popular, cinema e jornalismo, que transformavam este clima em comício e
festa, enquanto a literatura propriamente dita saía do primeiro plano
(SCHWARZ, 2005, p. 38).

Se a classe dominante é dividida e a parte de baixo da pirâmide se agarra a


uma delas para combater a outra, o que temos não é a recusa ao capital, mas sim a
crítica aos símbolos arcaicos da sociedade (até certo ponto), e a valorização da
necessidade de se modernizar a partir de um campo industrial para combater os males
que a sociedade contraiu, mas que não sabia como. O fato do anti-imperialismo ser
forte nas áreas das artes, teatro, música e cinema, talvez confirme a opinião de
Roberta Lobo110, quando diz que o cinema nacional retrata muito mais a história do
Brasil do que a produção bibliográfica.
Falando de cinema, foi no contexto dos primeiros anos do golpe que Glauber
Rocha escreveu os textos: “Uma Estética da Fome”, apresentada durante discussões
em torno do cinema novo em 1965, e “A Revolução é uma eztetyka” em 1967. Em
ambos os textos o autor fala muito a respeito do subdesenvolvimento, tanto do país
quanto dos intelectuais da época. Aparentemente nas primeiras leituras os artigos se
apresentam eurocêntricos, colocando o Brasil como um berço da colônia que não
desenvolveu nada só. Mesmo passando esta imagem, se analisarmos bem, Glauber
Rocha não se preocupa em discutir o desenvolvimento da cultura miscigenada, ou o
que as ressignificações da cultura africana e indígenas representam na época. O autor
trata de revolução e emancipação de um povo que está na miséria, o que dificilmente
aconteceriam enquanto os valores da cultura monárquica e burguesa não fossem
criticados e auto reconhecidos pelos brasileiros para então negá-los. O autor afirma

110Professora Doutora do Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidades na


Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberta foi militante do MST e atuou na fundação do curso de Licenciatura
em Educação do Campo na UFRRJ, que teve origem nos debates a respeito da educação na reforma agrária, no
qual inclui no meio acadêmico povos tradicionais e sujeitos que estão à margem da sociedade. Roberta Lobo é
pensadora do cinema como ferramenta pedagógica, música, e crítica ao capital.
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que existem duas formas concretas de uma cultura revolucionária: “a didática / épica”,
e “a épica / didática”, conferindo a estas o papel de conscientizar as massas
ignorantes e as classes médias alienadas provocando estímulo revolucionário.
O debate de Glauber Rocha se estende às ausentes reflexões do povo latino a
respeito de sua miséria, tendo este se envergonhado de algo que nem sabe a origem.
O próprio autor cita que a fome para o europeu é “um estranho surrealismo tropical”,
e que para o brasileiro a mesma é uma vergonha nacional: “ele não come, mas tem
vergonha de dizer isto; e sobretudo são sabe de onde vem essa fome” (ROCHA,
1965). É sobretudo a partir deste contexto que o autor faz a crítica a fome latina
através do Cinema Novo ganhando prestígio diante do cinema mundial. Glauber
escreve: “nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta na fome,
sendo sentida, não é compreendida.” Os filmes do diretor retratam personagens
comendo terra, matando e fugindo para comer. Personagens feios, sujos, cujos qual
a crítica e o estado não aceitavam e negavam sua própria imagem nacional. A estética
brasileira, segundo Glauber, certamente não era familiar aos carros, casas e pessoas
bonitas cheias de dinheiro que os demais produtores elaboravam, sem crítica com fins
puramente comerciais. A estética brasileira era uma estética da fome.
Se o cinema era competente em didática e épica, que eram necessárias para
a emancipação e criação de uma cultura revolucionária, o Método Paulo Freire de
Alfabetização no Recife também era. A miséria e as características arcaicas da
consciência rural estão em diálogo com a reflexão especializada de um alfabetizador.
As palavras geradoras, a educação a partir das experiências e a valorização da
identidade compunham um projeto sólido de educação libertadora. É o moderno
viabilizando a emancipação do arcaico. Sobre o método Schwarz (2005) diz:

Em lugar de aprender humilhado, aos 30 anos de idade, que vovô vê a uva,


o trabalhador rural entrava, de um mesmo passo, no mundo das letras e no
dos sindicatos, da Constituição, da reforma agrária, em suma, do seus
interesses históricos. Nem o professor, nesta situação, é um profissional
burguês que ensina simplesmente o que aprendeu, nem a leitura é um
procedimento que qualifique simplesmente para uma nova profissão, nem as

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palavras nem mesmo os alunos são simplesmente o que são. Cada um


desses elementos é transformado no interior do método – em que de fato
pulsa um momento da revolução contemporânea: a noção de que a miséria
e seu cimento, o analfabetismo, não são acidentes ou resíduo, mas parte
integrada do movimento rotineiro da dominação do capital (p. 20).

Por mais que vinculado a um projeto desenvolvimentista e de interesse


partidário, o método não se apresenta menos importância, pois até mesmos
defensores da ordem estabelecida pelo capital “percebiam que as precárias condições
de vida das pessoas do Nordeste possuíam elementos para, quem sabe, transformar-
se em uma segunda Cuba” (BRANDÃO; FAGUNDES, 2016, p. 91), frente ao potencial
revolucionário que o programa possuía.
Tendo sua sede incendiada logo no primeiro ano da ditadura militar, o Centro
de Cultura Popular no Rio de Janeiro aproximava os estudantes, os trabalhadores das
fábricas, e os suburbanos à arte, que neste caso era similar ao método Paulo Freire
no campo da emancipação. São contatos que possibilitam o objetivo, ao invés da
crítica pela crítica. A respeito, o tropicalismo, por mais que fizesse uma frente
significativa no que se refere a cultura contra hegemônica da época, falhava neste
sentido em centos pontos, principalmente no campo musical. Os elementos da
sociedade arcaica e a influencia do “moderno”, devem ser combustível para a crítica
da perversidade do processo de modernização conservadora, e não um adorno no
campo artístico restrito. Roberto Schwarz, compara o método Paulo Freire ao
movimento tropicalista e explica que no método a oposição entre o moderno e o
arcaico é solúvel, pois neste campo pode haver a alfabetização (SCHWARZ, 2005, p.
23). Entretanto:
Para a imagem tropicalista, pelo contrário, é essencial que a justaposição
entre o antigo e o novo – seja entre conteúdo e técnica, seja no interior do
conteúdo – componha um absurdo, esteja em forma de aberração, a que se
referem a melancolia e o humor deste estilo. Noutras palavras, para obter o
seu efeito artístico e crítico o tropicalismo trabalha com a conjugação
esdrúxula de arcaico e moderno que a contra-revolução cristalizou, ou por
outra ainda, com o resultado anterior da tentativa fracassada de
modernização nacional. (SCHWARZ, 2005, p. 23)

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O que acontece é a utilização dos veículos modernos para fazer a crítica aos
símbolos arcaicos da sociedade, mas com qual propósito, com que linguagem e à qual
público? Estas são algumas das inquietações a respeito do tropicalismo durante a
ditadura militar no Brasil. Entretanto, a partir do conceito de modernidade pensado por
Marshall Berman, o estudo deste movimento ao qual Roberto Schwarz faz crítica, se
torna mais amplo, podendo dar margem à compreensão da subjetividade da tentativa
do grupo em expor a crítica através do modernismo. Certo de que os movimentos de
cultura popular estavam aliados a setores desenvolvimentistas, mas nestes
desenvolveram muito no campo prático. O tropicalismo na esfera da intelectualidade
burguesa, desenvolveu a crítica ao arcaísmo da época, sem muito fazer por este.

2. Subjetividade tropicalista

Atualmente pouco ou nada se fala a respeito de reforma agrária, a organização


das classe é tão difícil quanto a distinção das mesmas, e o cenário de aparente
desordem política incita os defensores do regime militar. A população semiperiférica
pouco compreende do momento enquanto reproduz o que recebe em correntes no
WhatsApp ou na linha do tempo efêmera do Facebook, através da tela de seus
Smartphones parcelados em doze vezes sem juros. Não há liberdade no Brasil do
século XXI. Como fazer algo realmente verdadeiro nessa sociedade? Como se sentir
vivo? Agarrando-se nas pilastras do capital que desmoronam cada dia mais? muitos
acreditam que a liberdade esta vinculada ao consumo, mas na crítica profunda de
diversos pensadores, ela não existe no mundo capitalista. Segundo Guy Debord,
integrante e fundador da Internacional Situacionista na década de 1960: “toda vida
das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia
como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo que era definitivamente vivido
se esvai na fumaça da representação” (DEBORD, 2003, p. 13). Resumidamente

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Debord fala a respeito do Capital no seu ápce de desenvolvimento, onde as


mercadorias já não são essenciais, e sim a imagem, não só das mercadorias, mas de
tudo que é monetário. Neste cenário a contracultura, tema associado constante e
diretamente a década de 1960 no cenário mundial, só ocorrerá, segundo Herbert
Marcuse, na negação total deste modelo de sociedade. 111
Para Roberto Schwarz, talvez, por mais que vinculado diretamente a
contracultura no Brasil, o movimento tropicalista não desenvolveu a negação total da
sociedade. Se pensarmos os trabalhadores pobres subjugados, a negação a estes
aparece, como especificado por Glauber Rocha, se torna difíceis, pois não
compreendem nem a origem de sua fome. Mas, para alguns artistas que estavam
vinculados aos artifícios internacionais, talvez essa devesse ser a principal negação.
Schwarz diz:
Qual o lugar social do tropicalismo? Para apreciá-lo é necessária
familiaridade com a moda internacional. Esta familiaridade, sem a qual se
perderia a distância, a noção de impropriedade diante da herança patriarcal,
é monopólio de universitários e afins, que por meio dela podem falar uma
linguagem exclusiva (SCHWARZ, 2005, p. 31).

Esta citação talvez responda algumas questões importantes para esta reflexão.
A interpretação da estética tropicalista fica restrita ao público que, no mínimo conheça
um pouco das noções de modernidade, ou seja, esta arte não era direcionada a
maioria da população brasileira subjugada, entretanto, dava prestígio ao movimento
internacionalmente. Segundo Schwarz: “A reserva de imagens e emoções próprias ao
país patriarcal, rural e urbano, é exposta à forma ou técnica mais avançada ou na
moda mundial” (SCHWARZ, 2005, p. 28).
Sem dúvidas o moderno na década de 1960 no Brasil era um paradoxo, no qual
o tropicalismo embarcou, a esse respeito Marshall Berman diz que: “o modernismo
pop nunca desenvolveu uma perspectiva crítica que pudesse esclarecer até que ponto
devia caminhar essa abertura para o mundo moderno e até que ponto o artista

111
Veja mais a respeito em: MARCUSE, Herbert. A Grande Recusa de Hoje, Isabel Loureiro (org.) Petrópolis,
Vozes. 1999.
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moderno tem a obrigação de ver e denunciar os limites dos poderes deste mundo.”
(BERMAN, 1982, p. 35). Essa é a melhor representação do modernismo tropicalista.

3. Considerações finais

Se o governo pré-revolucionário de Goulart influenciou diretamente na


produção de cultura e políticas de esquerda no Brasil anterior ao golpe, o regime
militar: “apresentou-se como uma gigantesca volta do que a modernização havia
relegado; a revanche da província, dos pequenos proprietários, dos ratos de missa,
das pudibundas, dos bacharéis em lei etc.” (SCHWARZ, 2005. p. 23), ou seja, o que
havia de mais conservador na sociedade brasileira. É considerável a resistência dos
seguimentos de esquerda até o endurecimento da repressão, entretanto, por mais que
as análises deste texto sejam críticas aos movimentos, não há como fazer um juízo
de valor dos mesmos. A modernidade é boa ou ruim? Ou até que ponto podemos usar
das oportunidades dela para nossas necessidades restritas?
“O veículo é moderno e o conteúdo arcaico, mas o passado é nobre e o
presente comercial; por outro lado, o passado é iníquo e o presente autêntico, etc.”
(SCHWARZ, 2005, p. 29), nos anos que rodeiam 1964 no brasil, temos o moderno e
o arcaico numa dialética vivida pelos subjugados do terceiro mundo, que em meio a
confusão da modernidade muitas das vez não se orientam, fazendo-se assim sujeitos
escravos das correntes do tempo, e neste caso tempo é dinheiro. Para finalizar
Roberto Schwarz mais uma vez expressa sabiamente o papel da cultura neste
processo amplo:
A cultura é aliada natural da revolução, mas esta não será feita para ela e
muito menos para os intelectuais. É feita primariamente, a fim de expropriar
os meios de produção e garantir trabalho e sobrevivência digna aos milhões
e milhões de homens que vivem na miséria (SCHWARZ, 2005, p. 58)

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E “Sobre o fundo ambíguo da modernização, é incerta a divisa entre


sensibilidade e oportunismo, entre crítica e integração! (SCHWARZ, 2005, p. 30). É
ambíguo o caminho da sociedade brasileira, mas podemos verificar nesse trabalho
como alguns movimentos desenvolvem as atividades que acham necessárias ao seu
país. A emancipação do pobre subjugado ou a inserção do país na lógica estrangeira.
Podemos imaginar situação de como o moderno encontra caminhos através do capital
para fazer a crítica ao mesmo, a profundidade da crítica fica a critério do observador.
Crítica por crítica crítica?!

Referências
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar:a aventura da
modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1982.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues; FAGUNDES, Maurício Cesar Vitória. Cultura popular


e educação popular: expressões da proposta freireana para um sistema de
educação. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 61, p. 89-106, jul./set. 2016.

BRASIL. Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018. Intervenção Militar no


Estado do Rio de Janeiro, Brasília, DF, fev. 2018. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2018/decreto-9288-16-fevereiro-2018-
786175-norma-pe.html> Acesso em 10. Mai de 2018.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo: Guy Debord (1931-1994). Projeto


Periferia, eBook. 2003. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/debord/1967/11/sociedade.pdf> Acesso em: 15.
maio 2018.

G1. Reprovação ao governo Temer é de 82%, aponta pesquisa Datafolha.


Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/reprovacao-ao-governo-temer-
e-de-82-aponta-pesquisa-datafolha.ghtml> Acesso em: 10. Mai de 2018.

MARCUSE, Herbert. A grande recusa de hoje. Petrópolis, Vozes. 1999

SCHWARZ, Roberto. Cultura e política. São Paulo: Paz e Terra, 2005.


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ROCHA, Glauber. Eztetyka da fome. Hambre, 1965. Disponível em:


<https://hambrecine.files.wordpress.com/2013/09/eztetyka-da-fome.pdf> Acesso em
15 maio 2018.

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DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE NAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO DO CAMPO


DO MUNICÍPIO DE NAZARÉ – BAHIA: ANÁLISES INICIAIS

Valéria Prazeres dos Santos*


Arlete Ramos dos Santos**

Resumo
O presente artigo objetiva fazer uma análise inicial dos dados de uma pesquisa em
andamento sobre a distorção idade-série nas escolas do campo do município de
Nazaré –BA. Conta com o suporte teórico-metodológico do materialismo histórico-
dialético em uma abordagem metodológica quali-quantitativa. Para este trabalho,
buscou-se fazer um comparativo entre os índices de Distorção idade-série no
município de Nazaré-BA, nos anos de 2011 - 2015 (alguns anos depois dos programas
de ciclo e ano de implementação do PNE que tem como 2ª meta a universalização do
ensino fundamental e a sua conclusão na idade certa). A análise desses dados
demonstrou que a distorção idade-série no município se configura de forma diferente
entre campo e cidade e que embora o índice de distorção idade-série esteja
diminuindo, esse resultado ainda não impacta a qualidade do ensino.

Palavras-chave: Distorção idade-série. Educação do Campo. Políticas Educacionais.

Introdução

O presente trabalho consiste em alguns apontamentos acerca da pesquisa de


mestrado112, em andamento, sobre a Distorção Idade-Série (DIS) nos anos iniciais

* Mestranda em Educação pela UESC; Especialista em Coordenação Pedagógica – FSC; Técnica Pedagógica na
Rede Municipal de Nazaré; Integrante do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Educação
do Campo, o qual está inserido no Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas – CEPECH
do Departamento de Ciências da Educação – DCIE da UESC – BA. E-mail: prof.valeriah@gmail.com
** Pós-doutora pela UNESP; Doutora e Mestre em Educação pela FAE/UFMG; Profª Adjunta da Universidade

Estadual de Santa Cruz; Coordenadora do Centro de Estudo e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas –
EPECH; Coordenadora do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Educação do Campo,
o qual está inserido no Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas – CEPECH do
Departamento de Ciências da Educação – DCIE da UESC – BA. E-mail: arlerp@hotmail.com
112 Pesquisa em andamento no Mestrado Profissional em Educação Básica, da Universidade Estadual de Santa Cruz

(UESC).
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das escolas do campo do município de Nazaré – BA. Busca, portanto, além de discutir
sobre a temática em questão, trazer alguns dados iniciais sobre no município, bem
como fazer uma breve discussão sobre a estruturação atual da educação do campo
no município.
Todavia, para o presente texto, almejamos fazer uma discussão acerca da
distorção idade-série como marca de exclusão da sociedade atual e sua presença na
educação do campo, apenas preliminarmente, por meio de uma revisão de literatura
e de dados coletados no portal brasileiro de dados abertos (QEdu) sobre os aspectos
educacionais e de matrícula do município de Nazaré-BA.

1. A distorção idade–série: uma marca de exclusão

Segundo o portal brasileiro de dados abertos - QEdu (2017), a distorção idade-


série consiste no atraso de dois anos ou mais do aluno em determinado ano de
escolaridade. Uma explicitação conceitual pode ser compreendida a partir de
Menezes e Santos (2001), para quem a Distorção Idade-série (DIS)

é a defasagem entre a idade e a série que o aluno deveria estar cursando.


Essa distorção é considerada um dos maiores problemas do Ensino
Fundamental brasileiro, agravada pela repetência e o abandono da escola.
Muitos especialistas consideram que a distorção idade-série pode ocasionar
alto custo psicológico sobre a vida escolar, social e profissional dos alunos
defasados (p.1).

A Distorção Idade-Série é um grave problema da educação brasileira que traz


um impacto muito grande para a vida escolar de milhares de estudantes. Suas causas
estão constantemente relacionadas à evasão, reprovação e entrada tardia na escola.
Todavia, na educação do campo outros fatores, tais como o abandono, a falta de
acompanhamento que a modalidade sofreu e ainda sofre em nosso país, as
dificuldades de transporte, a falta de um acompanhamento mais de perto pelas

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autoridades, o modo de vida que muitas das crianças passam e que diferem das
crianças de áreas urbanas, entre outros aspectos, fazem com que o problema ganhe
uma nova concepção.
A adoção do modelo de educação neoliberal pelo Brasil, com força a partir dos
anos de 1990, influencia nos resultados da educação que temos hoje. Neste sentido,
Silva (1994) discorre sobre como as mudanças curriculares buscam reforçar a
manutenção do modelo.

Nesse projeto, a intervenção na educação com vistas a servir os propósitos


empresarias e industriais tem duas dimensões principais. De um lado, é
central, na reestruturação buscada pelos ideológicos neoliberais, atrelar a
educação institucionalizada aos objetivos estreitos de preparação para o local
de trabalho. No léxico liberal, trata-se de fazer com que as escolas preparem
melhor seus alunos para a competitividade do mercado nacional e
internacional. De outro, é importante também utilizar a educação como
veículo de transmissão das idéias [sic] que proclamam as excelências do livre
mercado e da livre iniciativa. Há um esforço de alteração do currículo não
apenas com o objetivo de dirigi-lo a uma preparação estreita para o local de
trabalho, mas também com o objetivo de preparar os estudantes para aceitar
os postulados do credo liberal (SILVA, 1994, p. 12).

As constantes modificações curriculares e a criação de políticas e programas


abarcam, assim, os interesses capitalistas de manutenção da ordem burguesa. As
interferências externas, tais como o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento – BIRD, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - OCDE, Organização das Nações Unidas – ONU, influenciam no nosso
currículo, que são colocados em teste pelas avaliações externas, tais influências
podem ser encontradas, por exemplo, nos próprios cadernos de programas, como no
do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC (2015):

Diante do diagnóstico apontado pelos resultados da Prova Brasil, da Provinha


Brasil e do PISA, que identificaram os desafios na alfabetização das crianças
até os oito anos de idade, e em atendimento à Portaria nº 867, de 4 de julho
de 2012, este Ministério implementou o Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa em parceria com Estados e Municípios e Distrito Federal.

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O Programme for International Student Assessment (Pisa), em português


Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, é coordenado pela Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para Souza (2009),

A OCDE propõe-se a ofertar assessoria técnica aos Governos para o


desenvolvimento de políticas domésticas e internacionais acerca da
governança corporativa, da economia, da informação e dos desafios de uma
população que está envelhecendo. Sua base política é de origem social-
liberal, mantendo premissas básicas do neoliberalismo como, por exemplo, a
redução dos direitos trabalhistas por meio da flexibilização do trabalho, e, ao
mesmo tempo, incorporando demandas da sociedade civil, como ampliação
do acesso à educação, de modo a garantir um discurso hegemônico que visa
a coesão social (p.38).

Os ideais neoliberais intensificam a competição e individualismo113. Em âmbito


educacional, o interesse capitalista coloca sobre o aluno a culpa pelo seu sucesso ou
fracasso, a exemplo disso vê-se, sobretudo nos anos de 1990, correntes pedagógicas
como o construtivismo ganharem força, sendo que elas “colaboram com uma visão
utilitarista da aprendizagem, considerando como mais verdadeiro o conhecimento
adquirido pela prática do indivíduo motivado por interesses particulares que circundam
essa prática” (CARVALHO, 2012, p.39). Para Piaget (1998), principal nome do
construtivismo, “as únicas verdades reais são aquelas construídas livremente e não
aquelas recebidas de fora” (p.166). Essa proposta corrobora e fortalece o ideário
neoliberal de individualidade, retira dos fatores externos a sua importância e diminui a
responsabilidade do papel do professor.
Numa perspectiva contrária ao ideário neoliberal, busca-se uma educação de
caráter libertário, e neste sentido Saviani (2011) traz grandes contribuições por meio
da Pedagogia Histórico-Crítica, a qual surge da necessidade de uma postura crítica e
emancipadora na educação, cuja a forma de educar seja para a transformação do
indivíduo não para a manutenção das desigualdades.

113 Para mais sobre essa discussão ver Boneti (2015).


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O sistema capitalista, abraçado nos ideais de individualidade e competição, faz


com que o fracasso seja algo normal. Na esfera escolar, a avaliação colabora com as
desigualdades, pois não concebe todas as potencialidades do sujeito. Neste sentido,
a distorção idade-série é mais uma das contradições que ajudam a massificar e
perpetuar as desigualdades de oportunidades.

2. Distorção idade-série e educação do campo

A educação do campo tem, no Brasil, seu marco inicial em 1997, no I Encontro


Nacional de Educação na Reforma Agrária – ENERA, através dele a educação do
campo pôde se consolidar com a participação dos movimentos sociais do campo. A
luta por uma educação do campo reconhece

o povo do campo como sujeitos das ações e não apenas sujeitos às ações
de educação, de desenvolvimento, e assumem como sua tarefa educativa
específica a de ajudar às pessoas e às organizações sociais do campo para
que se vejam e se construam como sujeitos, também de sua educação
(CALDART, 2002, p. 26, grifos da autora).

Nesse processo de luta, a educação do campo vem alcançando maior


notoriedade desde a Constituição Federal de 1988 (ainda que seja tratada como
‘educação rural’), quando, no artigo 205, é dito que “a educação é direito de todos e
dever do Estado e da família”, contudo, garantir a universalização, apesar de um
passo importante, não abrange a qualidade que era uma das principais preocupações
dos movimentos em prol da educação do campo. Com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional nº 9.394/1996, há a ampliação da particularidade da educação
para os povos do campo nos artigos 23, 26 e 28, e a mesma passa a ser modalidade
de ensino. Ressalta-se, sobretudo o artigo 28 que diz:

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Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de


ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.

O amparo da lei às especificidades da educação do campo é uma conquista


proveniente do processo de luta dos movimentos sociais campesinos por uma
educação de qualidade, pois através dessas formas de mobilização surgiram outros
documentos complementares à LDBEN, buscando efetivar a garantia dos direitos
negados por tanto tempo.
Em 2001, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do
campo são aprovadas; em 2006, pelo parecer CNE/CEB nº 1, de 02 fevereiro é
homologado o documento que trata da aplicação de dias letivos para a Pedagogia de
Alternância; em 2008, pela Resolução nº 2, de 28 de abril, são estabelecidas as
diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas
públicas de atendimento da Educação Básica do Campo; em 2010, o Decreto nº
7.352, de 4 de novembro, que dispõe sobre a política de educação do campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA.
Esses documentos expressam resultados de luta por uma educação
diferenciada para os povos do campo, no que se refere à sua forma de vida, às
diferenças dos povos que nele vivem e produzem o bem viver. Por isso, a luta é por
uma educação no e do Campo. No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde
vive; Do: o povo tem direito a uma educação resultante das reivindicações dos
processos formativos, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e
sociais (CALDART, 2004).
As políticas públicas surgem como uma proposta de equiparação de direitos
públicos, principalmente, àqueles que vêm de um histórico de exclusão social. O

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direito à educação é um desses direitos que se tornou subjetivo na Constituição


Federal de 1988. Nesse sentido,

A importante conquista do direito de aprender, assegurado legalmente desde


a Constituição Federal de 1988, não impediu que os saberes veiculados pela
escola continuassem restritos a alguns, mantendo exclusos os que não
conseguem atender aos espaços, tempos, e formas estabelecidas por ela,
em sua maioria, os estudantes oriundos das classes populares que só mais
recentemente puderam nela ingressar. A reprovação se mostra, assim, uma
construção histórica para responder ao paradigma da escola como privilégio
(JACOMINI, 2010, p. 45).

Esse caráter elitizante é frequentemente disfarçado ou camuflado quando é


atribuído ao aluno e à família a responsabilidade exclusiva pela reprovação, eximindo
da escola e da sociedade o que compete a elas na observância e responsabilidade
pelo cumprimento do direito inalienável de aprendizagem.
O artigo 24 da LDBEN nº 9.394/1996 assiste ao educando o direito à uma
avaliação contínua das aprendizagens, onde prevaleçam os aspectos qualitativos.
Ainda assim, para o problema da DIS a reprovação ainda é o principal entrave. Dessa
forma, a avaliação deve ser feita de um modo que estimule a aprendizagem e não
como um peso, uma forma de punição ou de medo. Conforme se observa,

A prática da avaliação escolar chega a um grau assustador de pressão sobre


os alunos, levando a distúrbios físicos e emocionais: mal-estar, dor de
cabeça, “branco”, medo, angustia, insônia, ansiedade, decepção, introjeção
de autoimagem negativa. Uma escola que precisa recorrer à pressão da nota
logo nas series iniciais, em certamente, uma triste escola e não está
educando, é uma escola fracassada (VASCONCELLOS, 1995, p. 37).

Os motivos que levam ao sucesso ou ao fracasso escolar não são obras do


acaso. Apple (2006) identifica que os processos para pensar como está acontecendo
são condicionados histórica e ideologicamente, “são parte de um processo de
avaliação social” (p. 180). É necessário que as escolas não ensinem apenas
conhecimentos, mas ajudem na construção crítica do indivíduo. Na educação do

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campo, que trava uma luta contra-hegemônica, reconhecer esses fatores é essencial
para essa formação, pois

vivem o seu ocaso no interior das escolas, desacreditados nas salas de aula
ou relegados a programas de recuperação, aceleração, progressão
continuada e/ou automática, educação de jovens e adultos, pseudoescolas
em tempo integral, cuja eliminação da escola foi suspensa ou adiada e
aguardam sua eliminação definitiva na passagem entre ciclos ou conjunto de
séries, quando então saem das estatísticas de reprovação, ou em algum
momento de sua vida escolar onde a estatística seja mais confortável
(FREITAS, 2007, p. 968).

A distorção idade-série pode ser resultado da organização da divisão do


sistema público de ensino em séries ou outra forma de disposição que visa
homogeneizar e classificar os estudantes na formação das turmas e trata os
estudantes da mesma maneira, não considera as particularidades cognitivas,
emocionais e sociais e as diferentes vivências, assim seguem as multirreprovações,
essas são provocadas por não haver uma construção harmônica entre as políticas de
formação, avaliação e a prática nos sistemas de ensino.
A educação do campo nasce de um processo de lutas dos movimentos sociais
em resistência à política neoliberal abraçada pelo país. É justamente numa luta contra
a hegemonia da tradição de exploração do trabalhador, da competição, individualismo
e dos demais comportamentos que abarcam a sociedade capitalista que o movimento
por uma educação do campo e no campo se pauta. Segundo Arroyo,

O movimento social no campo representa uma nova consciência do direito à


terra, ao trabalho, à justiça, à igualdade, ao conhecimento, à cultura, a saúde
e à educação. O conjunto de lutas e ações que os homens e mulheres do
campo realizaram, os riscos que assumem, mostra quanto reconhecem
sujeitos de direitos (ARROYO, 2004, p. 73).

É importante tomar a educação do campo como uma forma de reconhecimento


dos direitos das pessoas que nele vivem. Que a educação seja diferenciada daquela
que é oferecida aos habitantes das áreas urbanas. Com um currículo e uma proposta
específicas, voltada à valorização dos povos, de seus modos de vida, de suas lutas e

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especificidades, de uma forma “repensada e desafiante” (ARROYO, 2006, p. 9),


buscando a construção de uma nova base conceitual sobre o campo, e sobre
educação do campo como norteadora de políticas públicas que contemplem esse
povo.
Os parágrafos exclusivos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 9.394/1996, as Diretrizes educacionais para a educação básica do campo, o
parecer CNE/CEB nº 1, o PRONERA, dentre outras situações alcançadas através das
lutas dos movimentos sociais do campo, consistirem em conquistas para a
modalidade e para os povos campesinos, pois antes da Constituição Federal de 1988
ela era uma tarefa, muitas vezes, atribuída às empresas agrícolas ou aos patrões. Na
Carta Magna de 1988, a educação é afirmada como direito de todos e dever do
Estado, direito público e subjetivo, independente dos indivíduos residirem em
ambientes rurais ou urbanos.
É essencial trabalhar na perspectiva de emancipação do povo campesino, onde
os mesmos reconheçam a importância do campo, assim deve haver

uma intencionalidade de educar e reeducar o povo que vive no campo na


sabedoria de se ver como “guardião da terra”, e não apenas como seu
proprietário ou quem trabalha nela. Ver a terra como sendo de todos que
podem se beneficiar dela. Aprender a cuidar da terra e apreender deste
cuidado algumas lições de como cuidar do ser humano e de sua educação”
[...]. Trata–se de combinar pedagogias de modo a fazer uma educação que
forme e cultive identidades, autoestima, valores, memória, saberes,
sabedoria; que enraíze sem necessariamente fixar as pessoas em sua
cultura, seu lugar, seu modo de pensar, de agir, de produzir, uma educação
que projete movimento, relações, transformações (CALDART, 2002, p. 37).

A partir da arregimentação pela LDBEN atual, outros mecanismos oficiais foram


sancionados desde então como a implementação das Diretrizes Operacionais
Nacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, em 2002, além de outras
conquistas em documentos e pareceres. Entretanto, a educação do campo ainda não
perdeu o seu histórico marginalizado, onde os estudantes eram/são inferiorizados.

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Esse processo de inferiorização dos povos campesinos influencia diretamente


no sucesso escolar dos alunos, a falta de fiscalização do poder público e de atenção
às especificidades dos alunos do campo, fez com a evasão e a repetência pode ser
um dos principais motivos para a DIS no campo. O fato de que muitos alunos residem
distante das escolas ou estão direcionados a ajudar as famílias, principalmente, nas
épocas de plantação e colheita foi um dos grandes impasses para esse público no
decorrer dos anos.

3. Aspectos metodológicos

O presente estudo configura-se como quali-quantitavivo caracterizado pela


descrição, compreensão e interpretação de fatos e fenômenos. Segundo Minayo
(1994, p.22), “a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das
ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações,
médias e estatísticas” e quantitativas, pois a presente pesquisa se debruçará sobre
os resultados numéricos, visando quantificar para atribuir significado ao que foi
pesquisado. Minayo (1994) destaca que o conjunto de dados quantitativos e
qualitativos não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois, a realidade
abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia.
O município de Nazaré faz parte do Território de Identidade 21 – Conhecido
como Recôncavo baiano. Possui uma área de aproximadamente 253,780 km2, com
população estimada em 29.297 habitantes (IBGE, 2014). Localiza-se a 239 km de
Salvador pelas rodovias BR-101 e BA-324, possuindo um acesso alternativo com
percurso de 60 Km pela BA-001, através da Ilha de Itaparica, até o terminal marítimo
de Bom Despacho, onde se faz a travessia da Baía de Todos os Santos, pelo sistema
ferry-boat, de cerca de 7,048 km (aproximadamente 4,0 milhas marítimas), para se
chegar à capital.

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A análise dos dados contou com o suporte metodológico do materialismo


histórico-dialético, porque compreendemos que através dele pode-se ter uma visão
mais fidedigna da realidade, buscando compreender o modo humano de produção da
existência social. O método de Marx e Engels (2007) explica o modo de produção
capitalista e a sua relação com a alienação do homem de si mesmo, da natureza, do
trabalho e do seu ser genérico (enquanto pertencente à raça humana).
A dialética marxista compreende que os fenômenos devem ser analisados
através de uma concepção de realidade e tomando como base o papel das
transformações histórico-sociais na determinação da consciência humana. Sobre isso
escrevem Marx e Engels (2007)

Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra,


aqui se eleva da terra ao céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens
dizem, imaginam ou representam, tampouco dos homens pensados,
imaginados e representados para, a partir daí, chegar aos homens de carne
e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de
vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos
ecos desse processo de vida (p.94).

Na busca por um conhecimento do real, a dialética se constrói em torno da


totalidade. Segundo Kosik (1989, p.42), “a realidade é um todo estruturado que se
desenvolve e se produz, o conhecimento dos fatos, ou do conjunto de acontecimentos
da realidade, vem a ser o lugar que ocupam na totalidade desta realidade”, esse
conhecimento não se dá de forma fragmentada, mas sim “num processo de
concreção, que precede do todo às partes e das partes ao todo” (IBDEM). Assim,
compreender determinado fenômeno, pressupõe compreendê-lo como um todo, para
isso, é necessário analisar as múltiplas determinações que compõe esse todo.
Assim, para o atual o fenômeno aqui estudado, analisaremos as seguintes
categorias: totalidade, práxis, contradição e mediação. Compreende-se que a escolha,
a relação e o entendimento das categorias far-se-ão essenciais para a fase de análise
dos dados e teorização dos resultados.

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As categorias serão utilizadas com objetivo de compreender o objeto dentro de


uma visão de realidade concreta, ou seja, de um todo em constante modificação. Para
explicar as categorias Masson (2012) expõe que

Captar a realidade em sua totalidade não significa, portanto, a apreensão de


todos os fatos, mas um conjunto amplo de relações, particularidades e
detalhes que são captados numa totalidade que é sempre uma totalidade de
totalidades. A categoria mediação é fundamental por estabelecer as
conexões entre os diferentes aspectos que caracterizam a realidade. A
totalidade existe nas e através das mediações, pelas quais as partes
específicas (totalidades parciais) estão relacionadas, numa série de
determinações recíprocas que se modificam constantemente. A práxis
representa a atividade livre, criativa, por meio da qual é possível transformar
o mundo humano e a si mesmo. A contradição promove o movimento que
permite a transformação dos fenômenos (p. 4-5).

Assim, o fenômeno estudado deverá pautar-se nas categorias dialéticas porque


compreende-se que ele é o que melhor abarca a realidade das relações humanas no
caráter ontológico de suas relações históricas e sociais.
O método em questão visa um enfrentamento da situação educacional atual,
em específico para a situação da distorção idade-série na Educação do Campo do
município de Nazaré-BA. De acordo com Frigotto (1991), o que realmente importa
para o materialismo histórico-dialético é a produção de um conhecimento crítico que
altere e transforme a realidade anterior, tanto no plano do conhecimento como no
plano histórico social, de modo que a reflexão teórica sobre a realidade se dê em
função de uma ação para transformar.

4. Análise de dados

Os resultados aqui apresentados estão sendo levantados através do portal


brasileiro de dados abertos - QEdu. Entre o universo de dados disponíveis no site,
selecionamos apenas aqueles que pudessem auxiliar na pesquisa, tendo como

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referência, questões relacionadas à distorção idade-série e a matrícula e rendimento


dos alunos no município de Nazaré-BA.

Gráfico 1 - Quantidade de escolas no município (sede e campo)

40
36 36 34 31
20 28
0
2013 2014 2015 2016 2017
Total de Escolas (sede e Campo)
Fonte: QEdu (2018).

Gráfico 2 - Quantidade de escolas do campo

20
10 14 14 12 12
9
0
2013 2014 2015 2016 2017
Quantidade escolas do campo
Fonte: QEdu (2017).

Apresentamos dois gráficos, o primeiro referente à quantidade de escolas no


município de Nazaré. Os dados do gráfico 2 apontam para uma realidade que vem se
tornando constante nos municípios brasileiros, e o município pesquisado não está
distante desta realidade, uma vez que desde 2015 as escolas do campo vêm sendo

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fechadas. Em Nazaré, das quatorze (14) escolas do campo existentes em 2016, cinco
(5) foram fechadas, passando para nove (9) escolas em 2017. Esse fenômeno
também tem ocorrido nas escolas da cidade, mas não na mesma proporção, conforme
dados apresentados, em descumprimento à lei 12.960, de 27 de março de 2014, que
acrescentou à LDB atual, no seu artigo 28, a seguinte determinação

O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido


de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que
considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a
análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade
escolar (BRASIL, 2014).

O município de Nazaré, atende, na educação do campo, as etapas de


Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais e na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Os alunos do Ensino Fundamental anos finais são
transportados para escolas municipais da sede e o Ensino Médio é de
responsabilidade do Estado, sendo ofertado apenas em escolas na área urbana.

Gráfico 3 - Matrículas Educação do campo


MAT RÍ CUL A S E DUCA ÇÃ O DO CA MP O
2013 2014 2015
518

509
469
442
395

341
292

263
242

235

197
149
134

123
119

92
88
60
59

31
11

7
0
0
0
0

0
0
0
0
0

0
0
0
0

TOTAL DE CRECHE PRÉ-ESCOLA ANOS INICIAIS ANOS FINAIS EJA EDUC.


ALUNOS ESPECIAL
Fonte: QEdu (2018).

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É notável uma diminuição na quantidade de alunos da pré-escola e dos anos


iniciais. No ano de 2017, apenas a EJA tem um aumento. Esses dados são utilizados
para justificativa do fechamento das escolas, mas esse não pode ser um fator
providencial, é preciso uma análise situacional do local e das condições de
funcionamento das escolas, análise de dados como evasão, desistência e
transferências são essenciais.
Quanto à organização escolar nas escolas do campo do referido município, é
importante salientar que todas as instituições educacionais são multisseriadas,
possuem coordenação e direção compartilhada. Em 2017, duas diretoras e duas
coordenadoras dividiam a direção e a coordenação das escolas do campo. A
coordenação e direção das escolas assumiram as funções recentemente, apontamos
aqui mais um problema de “fluxos” da escola do campo, a alta rotatividade do pessoal
dificulta uma sequência de trabalho.
Quanto à análise específica acerca da distorção idade-série, procuramos seguir
o recorte temporal de 2011 a 2015, tendo em vista que os dados de 2017 ainda não
estão disponíveis. No município, o retrato da distorção idade-série nos anos iniciais
está da seguinte forma:

Gráfico 4 – Distorção idade-série


N AZARÉ - B A
1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Ano
50%
48%

48%
47%

38%

35%
31%
25%

20%
17%
11%

6%

6%

6%
5%

2011 2013 2015


Fonte: Qedu (2018).

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O gráfico 4 demonstra a que a distorção idade-série nas escolas do município


vem caindo, principalmente no Ciclo de Alfabetização, ressalta-se aqui que a partir de
2011, o município estudado aderiu ao Programa de Alfabetização na Idade Certa
(PACTO), Decreto nº 12.792, e, em 2012 ao Programa Nacional de Alfabetização na
Idade Certa (PNAIC), instituído pela Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012, ambos
abrangem do 1º ao 3º, configuram na organização escolar de ciclo, onde o aluno só
pode ser reprovado ao final do ciclo, ou seja, no terceiro ano do ensino fundamental.
Neste sentido, com a análise dos gráficos, percebe-se que é no terceiro ano,
justamente, onde a distorção idade-série volta a acontecer.
O gráfico 5 traz a mostra da distorção idade-série apenas na educação do
campo do referido município.

Gráfico 5 - Distorção idade-série na educação do campo


N AZ AR É - B A

1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Ano


57%

55%
52%

51%

49%
37%

14%
13%

12%
9%
7%

5%
4%
0%

0%

2011 2013 2015

Fonte: Qedu (2018).

Na educação do campo, o gráfico revela que a distorção idade-série diminuiu


bastante nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, mas no 5º ano o índice
pouco mudou. Isso revela que os problemas que causam a distorção estão mais
frequentes no último ano dos anos iniciais. Analisa-se aqui que com o Plano Nacional
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de Educação (2014-2017), torna-se uma meta reduzir a reprovação e os índices de


evasão para que o aluno conclua o Ensino Fundamental na idade certa, a correlação
entre a idade e a série do aluno é também fator de prioridade para a análise do Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, que é calculado a partir da taxa de
rendimento escolar (aprovação) e as médias e desempenho nos exames do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, aplicados no
quinto e no nono ano do ensino fundamental. Então, uma escola que possui uma
grande taxa de reprovação, é prejudicada no IDEB.
Os gráficos 6 e 7, tratam do nível de aprendizagem.

Gráfico 6 - Nível de Aprendizagem em Língua Portuguesa

Avançado Proficente Básico Isuficiente


45%

45%

45%
41%
38%

28%
23%
15%

11%

4%
3%
2%

2011 2013 2015

Fonte: Qedu (2018).

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Gráfico 7 - Nível de aprendizagem em Matemática


5 º AN O - R E S O L U Ç Ã O D E P R O B L E M AS ( M AT E M Á T I C A)
Avançado Proficente Básico Isuficiente

48%
47%

45%
42%

41%

40%
14%
11%

10%
1%

1%
0%

2011 2013 2015

Fonte: Qedu (2018).

Sendo inviável retirar no banco de dos uma proficiência por escolas, nesta
primeira pesquisa ficamos impossibilitadas em diferenciar os dados de
aproveitamento entre sede e campo. A partir da leitura dos dados percebe-se que os
índices de aprendizagem tiveram pouca alteração ao longo dos últimos anos. Ao
passo que os alunos estão deixando de estar em situação de distorção, mas que têm
seus níveis de aproveitamento em leitura e escrita ainda abaixo do recomendado pelo
Ministério da Educação. Buscando analisar essas e outras contradições, esse objeto
de estudo foi escolhido, o qual será aprofundado nas próximas etapas da pesquisa.

5. Considerações finais

A análise dos dados escolares, extraídos do QEdu buscou fundamentar uma


discussão inicial acerca do tema. De acordo com os dados do censo escolar a
Distorção Idade-Série no município de Nazaré - BA diminuiu nos três primeiros anos
do Ensino Fundamental, todavia o aumento no desempenho escolar cresceu de forma
mais gradativa.

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As hipóteses são de que ainda que os programas e as políticas implantadas


nos últimos anos, com destaque para o PACTO/PNAIC (programas de Ciclo que
abrangem os três anos iniciais do Ensino Fundamental e intencionam alfabetizar as
crianças até o terceiro ano, na idade certa) e o PNE (2014-2024) e as avaliações
externas, a exemplo, Prova Brasil, podem estar influenciado nesses números, todavia,
é necessário desvelar a realidade do fenômeno, para isso, objetiva-se estudar as
contradições das políticas, usando as categorias já elencadas, uma vez que não
temos uma educação pública que propicie a todos as oportunidades de
desenvolverem suas potencialidades em condição de igualdade.
É importante frisar que as análises feitas até aqui são mais sobre o que motivou
a escolha do objeto em questão, sendo a pesquisa encontra-se em andamento,
conforme o seu desenvolvimento, buscar-se-á, voltar a aprofundar as análises para
os dados da Educação do Campo.
Ainda que tenha se desenvolvido e adquirido um arcabouço legal, são muitos
os fatores que facilitam com que a distorção idade-série atinja com força a educação
do campo. Por isso, compreendemos que a os programas e as suas concepções de
avaliações devam respeitar as especificidades dos campesinos, a vida e a história de
luta desse povo, dando continuidade às políticas conquistadas no processo de luta
dos movimentos sociais do campo, sem menosprezar o desenvolvimento da
aprendizagem dos sujeitos.

Referências

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EDUCAÇÃO DO CAMPO E RESGATE DA MEMÓRIA COLETIVA -


MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA PELA TERRA NAS REGIÕES DE RIO D’OURO E
SANTO ANTÔNIO NO MUNICÍPIO DE JAPERI / RJ

Cristina Xavier*
Ramofly Bicalho dos Santos**

Resumo
Esta pesquisa tem como foco o estudo dos movimentos de luta pela terra nas regiões de
Rio d’Ouro e Santo Antônio, Japeri/RJ, entre os anos de 1940 e 1970. A problemática
norteadora é: em que medida as práticas educativas das escolas municipais rurais de
Japeri/RJ se aproximam ao que preceitua a LBD no tocante a oferta de Educação Básica
para população rural? Propõe-se investigar a relação entre esses movimentos sociais e
seus possíveis impactos sobre as ações pedagógicas das escolas rurais ao longo do
tempo. Objetivamos conhecer mais especificamente esses movimentos sociais;
compreender e analisar a Educação do Campo como possibilidade de resgate da
memória dos agricultores familiares e conhecer as práticas político-pedagógicas
desenvolvidas pelas escolas municipais rurais. Investigação de caráter quantitativo e de
cunho participante, agregando elementos das pesquisas biblio-documentais,
desenvolvida metodologicamente dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva, sendo
estratégias: a pesquisa bibliográfica; a análise documental; o uso dos depoimentos orais;
entrevistas estruturadas e semi-estruturadas; visitas às escolas e a coleta e análise de
dados estatísticos de instituições oficiais sobre a educação deste município. Na retenção
dos dados obtidos serão usados como recursos o gravador de áudio e a máquina
fotográfica. Pesquisa em andamento.

Palavras-chave: Movimentos Sociais. Educação do Campo. Memória Coletiva.


Políticas Públicas.

* Mestranda no Curso de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares da


UFRRJ. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Graduação e
licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialização em História do Brasil pela
Faculdade de Formação de Professores/ UERJ. Docente I - Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro
- Santo Cristo.
** Professor Adjunto-IV, no Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade - (DECAMP),

da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ - Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
ramofly@gmail.com
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Introdução

O foco da pesquisa aqui proposta é investigar a relação entre os movimentos


sociais de luta pela terra e seus possíveis impactos sobre as ações pedagógicas nas escolas
rurais das regiões de Rio d’Ouro e Santo Antônio no município de Japeri/RJ. Mas uma
pergunta há que ser feita: até que ponto é possível mensurar o impacto de ações
ocorridas há mais de 50 anos sobre a população de um dado lugar e em especial,
aquela que reside em área rural? Como captar a presença ou a ausência, os
silenciamentos ou os registros de memórias das comunidades a respeito das
atividades de luta pela terra?
A opção pelo tema é fruto do nosso interesse pessoal em conhecer mais
profundamente a história dessas regiões que fazem parte de nossa memória de
infância - de um tempo em que havia a Estrada de Ferro Rio d’Ouro cuja locomotiva
transportava, além de passageiros, gado e gêneros alimentícios produzidos na região
em direção ao Rio de Janeiro - e onde hoje resido desde o ano de 2011. O depoimento
de Bráulio Rodrigues da Silva (2008, p. 26; 48-49), figura importante na história das
lutas pela terra na região alvo da pesquisa, vem corroborar com essas lembranças:

O pessoal produzia bastante quiabo, jiló. Eles tinham os pontos para entregar
nas feiras, de Nova Iguaçu, de Engenheiro Pedreira, de Queimados.
Minha roça era grande, eu trabalhava bem, vendia na feira, fui um dos que
ajudaram a instalar a feira de Areia Branca em Nova Iguaçu.

E foi pelo fato de residir no distrito de Rio d’Ouro e atuar como professora, que
pude observar e indagar a respeito da situação de precariedade alimentar [somada a
todas as outras precariedades que atingem a população brasileira mais pobre] em que
vive parte dos moradores da região, a despeito da mesma já ter sido considerada e
ainda o é de certa forma, como rural.
Uma outra questão que me chamou a atenção está relacionada a posse da
terra. Entre os anos de 2010 e 2011, quando chegamos à esta região com a intenção

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de fixar residência, encontramos muitas dificuldades no tocante a existência de


terrenos legalmente documentados.
Em conversas informais (sim, pois a assunto é extremamente delicado já que
em tese não há documentos comprovando a propriedade) com os moradores do
bairro, muitos foram enfáticos sobre a propriedade dos terrenos, afirmando sempre
que os mesmos pertenciam as suas famílias há muito tempo. E mais interessante
ainda: um mesmo pedaço de terra teria pertencido, concomitantemente, a vários
proprietários.
Tais informações destoam das que constam de uma escritura de venda de um
terreno no loteamento Parque Padre João de Maria e de uma certidão/procuração
investindo um determinado senhor dos poderes referentes à venda de lotes do Jardim
Esperança. O cruzamento destes dados levantou uma suspeita: de que forma os
atuais moradores ocuparam114 os terrenos? Compraram? Se apossaram? Tem-nos
como herança familiar? Se envolveram em conflitos, demarcando a sua legitimidade
sobre determinado pedaço de terra?
Atuando em 2011/2012 na então Escola Estadual Rio d’Ouro como Agente de
Leitura observei, a começar por mim, que havia dificuldades nas práticas docentes no
que diz respeito ao nosso entendimento, enquanto grupo, sobre a questão de
estarmos atuando em uma escola classificada pela secretaria estadual de educação
como rural. Após um período em que o grupo se propôs a analisar a situação e se
envolver, de fato, com a escola e com a comunidade, é que surgiram iniciativas no
sentido de caminhar em direção às práticas pedagógicas mais próximas ao cotidiano
da região. Mas, no início do ano letivo de 2012 a escola foi municipalizada e os
professores da rede estadual foram transferidos, ficando os esforços perdidos.
As regiões de Rio d’Ouro e Santo Antônio, desde os tempos imperiais foram
estratégicas para o abastecimento de gêneros alimentícios e de água para a Corte do

114A utilização do termo aqui tem a conotação comum de estar num lugar, diferentemente da estratégia de luta
pela terra adotada pelos movimentos sociais a partir da década de 1980.
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Rio de Janeiro, região também importante com relação aos movimentos sociais na
luta pela terra, entre os anos de 1940 / 1970.
Por abordar tema considerado importante, acredita-se na relevância desta
investigação para as áreas científica, social e histórica não somente para o país, mas
de maneira muito especial para a Baixada Fluminense115 que desde o século XVI tem
importância fundamental para o Rio de Janeiro, sendo uma região marcada por
movimentos populacionais, migrações e imigrações de forma intensa ao longo do
século XX e cuja população vive há décadas segregada econômica, sócio e
culturamente.
Como salienta Marques (2002, p. 79):

A população da Baixada Fluminense, [...], teve um parco contato com


análises do passado histórico operado no seu interior e esse silêncio dificulta
muitas vezes [visualizar] o quadro de múltiplas segregações experimentadas
no campo presente e o reconhecimento dos fatores que produziram as
interpretações da Baixada enquanto espaço integrado ao conjunto regional e
nacional, assim como suas peculiaridades.

Apesar de haver vasta literatura de caráter memorialista, documentarista e mais


recentemente trabalhos voltados às abordagens acadêmicas, inclusive nos vários
programas de pós-graduação da UFRRJ, a Baixada Fluminense carece ampliar o
conhecimento de si, por si e para si mesma, bem como intensificar a sistematização
dos conhecimentos já produzidos.
Mediante o acima exposto, supõe-se que a pesquisa trará novas e inestimáveis
interpretações que contribuirão no sentido de uma construção do conhecimento sobre
a região, unindo produção, pesquisa e diálogo com as populações envolvidas na
pesquisa, traçando um caminho possível para dinamizar uma participação mais
interventora daqueles que vivem na Baixada Fluminense no tocante a fiscalização da

115Aqui entendida sob o enfoque histórico-cultural, que baseia-se na formação social da área constituída pelos
atuais Municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São
João de Meriti.
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coisa pública, bem como na construção de políticas públicas que possam abranger o
conjunto de sua população, cumprindo a pesquisa a sua relevância social.
O âmago desta pesquisa são os movimentos sociais, um conceito e ao mesmo
tempo objeto de pesquisa bastante complexo e que envolve diversos paradigmas e
linhas de abordagem, categorias de análise e temporalidade. Aqui é usado o conceito
formulado por Gohn (1997, p. 251) que entende os movimentos sociais como “ações
sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes
classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura
socioeconômica e política de um país, criando um campo de força social na sociedade
civil”.
Ou seja, há uma heterogeneidade de classes e estratos sociais que se unem
em torno de uma determinada demanda transformada em uma reivindicação concreta,
a força social, centro a partir do qual se dará a luta social ou ação coletiva concreta
dos homens enquanto atores sociais num determinado lugar do conflito social, neste
caso o campo político, numa dada conjuntura político-econômica e cultural.
Sobre tema há pesquisas importantes desenvolvidas pelo Núcleo de Pesquisa,
Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo
(NMSPP) do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade da UFRRJ (CPDA/UFRRJ), coordenado pela Professora Drª.
Leonilde Servolo de Medeiros e que envolvem o estudo desses movimentos na
Baixada Fluminense.
Destacam-se também dissertações e teses, dentre elas, as de Fernando
Henrique Guimarães Barcellos [Ação sindical e luta por terra no Rio de Janeiro, 2008],
Mario Grynszpan [Mobilização camponesa e competição política no estado do Rio de
Janeiro (1950 - 1964), 1987] e Victor de Araujo Novicki [O Estado e a luta pela terra
no Rio de Janeiro: primeiro Governo Brizola (1983 - 1987), 1992].
Outras publicações valiosas são as memórias de Bráulio Rodrigues da Silva
[Memórias da luta pela terra na Baixada Fluminense, 2008]; Lutas camponesas

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contemporâneas: condições, dilemas e conquistas. O campesinato como sujeito


político nas décadas de 1950 a 1980; v. 1 (2009) de Bernardo Mançano Fernandes e
Leonilde S. de Medeiros e História dos movimentos sociais no campo (1989) de
Leonilde S. de Medeiros. Igualmente importante para se entender os movimentos de
luta pela terra na Baixada fluminense é o arquivo de Lyndolpho Silva disponibilizado
em: www.ufrrj.br/cpda/als.
A pesquisa tem como objetivo geral investigar a relação entre os movimentos
sociais de luta pela terra e seus possíveis impactos sobre as ações pedagógicas nas
escolas rurais das regiões de Rio d’Ouro e Santo Antônio no município de Japeri/RJ.
Seus objetivos específicos são conhecer os movimentos de luta pela ocupação da
terra entre os anos de 1940 a 1970 no município de Japeri/RJ; compreender e analisar
a educação do campo como possibilidade de resgate da memória e da identidade dos
agricultores familiares nas comunidades de Rio d’Ouro e Santo Antonio, Japeri/RJ,
bem como conhecer as práticas político-pedagógicas desenvolvidas pelas Escolas
Municipais Rio d’Ouro e Santo Antonio, situadas naquele município.
Para alcançar o escopo proposto – a relação entre os movimentos sociais de
luta pela terra e as ações pedagógicas das escolas rurais - construiremos o caminho
fundamentando-o em três eixos: Movimentos Sociais na Luta pela Terra nas regiões
de Rio d’Ouro e Santo Antônio entre os anos de 1940/1970, em que dialogaremos
com Fernandes (2009), Grynszpan (1987), Medeiros (1989) e Silva (2008); Educação
do Campo como possibilidade de resgate da memória e da identidade dos agricultores
familiares, apoiando-nos nos estudos de Antunes-Rocha (2012; 2015), Arroyo (1999),
Caldart (2010; 2012), Fernandes (1999), Molina (2006) e Souza (2012), e Memória
Coletiva, pensada como recurso na elaboração e apropriação da identidade de um
grupo social, aprofundando o tema com a contribuição de autores como Bosi (2006),
Halbwachs (2003), Montenegro (2016) e Portelli (2010; 2016).
Sendo a proposta da pesquisa a investigação da relação entre os movimentos
sociais de luta pela terra, ocorridos entre os anos de 1940 / 1970, nas das regiões de

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Rio d’Ouro e Santo Antônio, no município de Japeri/RJ, e seus possíveis impactos


sobre as ações pedagógicas nas escolas rurais destas localidades, apresentamos
algumas indagações:
a. Houve movimentos sociais de luta pela terra nestas regiões no
período pesquisado, tal como preceituam os instrumentais teóricos sobre o
tema?
b. De que forma os movimentos de luta pela terra, ocorridos em
Pedra Lisa (SILVA, 2008) região próxima, influenciaram os moradores de
Rio d’Ouro e Santo Antônio a empreenderem também as suas lutas pela
terra?
c. Sabemos, através de depoimentos de Silva (2008, p.37) sobre os
conflitos em Pedra Lisa, que em Santo Antônio havia uma Associação de
Lavradores. Mas qual teria sido o papel desempenhado por ela nesta
região?
d. Pode-se perceber e mensurar os seus possíveis impactos sobre
as práticas educativas nas escolas rurais116 destas localidades?
e. Teria ocorrido um apagão da memória coletiva, uma amnésia
social sobre o que ali aconteceu? E por quê?

1. Metodologia

A proposta de investigação, ao contemplar os Movimentos Sociais e a


Educação do Campo, entende que ambos os conceitos são igualmente complexos e

116Segundo informações dos moradores, havia uma escola em Santo Antônio – que não souberam precisar se era
pública ou particular, e outra, estadual, na represa da Cedae em Rio d’Ouro. Há uma divergência sobre as datas
em que as mesmas foram fundadas, mas sabe-se que ambas funcionaram até o final dos anos de 1960 e início
dos 1970. Houve também uma escola municipal em Rio d’Ouro, chamada Vereador Sá Freire que funcionou até a
inauguração, em 1975, da Escola Estadual Rio d’Ouro, municipalizada em 2012. Na década de 1990, a prefeitura
de Japeri construiu a Escola Municipal Santo Antônio.
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que exigem cuidados nas suas formulações. Utilizando-se da observação participante


como instrumento e abordagem realizada dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva,
os pensadores convidados a dialogar com ela são Paulo Freire e Antônio Gramsci.
Para Freire (1998, p. 29) a educação não se limita tão somente ao contexto
escolar, indo além através do diálogo com as relações sociais que se estabelecem na
sociedade, acreditando numa prática educativo-crítica na qual as condições de
verdadeira aprendizagem fazem com que os educandos se transformem ao longo do
processo “em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado”,
assumindo-se como “ser social e histórico, ao lado do educador, igualmente sujeito
do processo”.
Gramsci, com sua visão crítica e histórica dos processos sociais, via a
necessidade do proletariado ter uma escola que colocasse “diante de si todas as
possibilidades, todos os terrenos livres para poder realizar sua própria individualidade
do melhor modo possível e, por isso, do modo mais produtivo para eles mesmos e
para a coletividade” (GRAMSCI, 1916 apud MONASTA, 2010, p. 66); uma escola que
possibilitasse ter uma formação, de fazer-se homem, adquirindo critérios gerais que
auxiliasse no desenvolvimento do caráter; ou seja, uma escola que contemplasse o
ser humano como “um ser concreto, situado na e com a história, participando como
sujeito das relações sociais nas quais se constitui enquanto humano-social” (ZEN;
MELO, 2016, p.50).
Para alcançar as metas propostas buscamos uma opção metodológica que
favoreça os aspectos qualitativos, definindo procedimentos de coleta e análise de
dados que sejam capazes de compreender o objeto de estudo em suas múltiplas
relações.
A questão da escolha metodológica parece ser o ponto nevrálgico dos projetos
de pesquisa que, segundo Gil (2016, p. 1), é um “procedimento racional e sistemático
que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos”.
Este parece ser o pensamento entre os autores consultados (GHEDIN; FRANCO,

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2008; GIL, 2016; MINAYO, 2001), principalmente quando se trata de iniciantes na arte
de pesquisar que se angustiam na procura e no estabelecimento da metodologia que
guiará seus trabalhos de cunho científico, apegando-se à metodologia como um
simples instrumento de coleta de dados e cuja função se restringe à organização de
procedimentos para a captação de dados empíricos.
Em sua raiz etimológica, metodologia se traduz como o estudo dos caminhos,
das ferramentas utilizadas para o desenvolvimento de uma pesquisa científica.
Gerhardt; Silveira (2009, p. 13) salientam que há diferença entre metodologia e
métodos. Conforme as autoras, “a metodologia se interessa pela validade do caminho
escolhido para se chegar ao fim proposto pela pesquisa”, não podendo ser confundida
com a teoria (conteúdo) nem com os métodos e técnicas (procedimentos), indo além
da descrição dos procedimentos, sinalizando a opção teórica eleita pelo pesquisador
para tratar o seu objeto de estudo. Ou seja, a metodologia funde teoria e métodos
formando um todo articulado, coeso. Ghedin; Franco (2008, p. 108) explicitam que

A metodologia da pesquisa, na abordagem reflexiva, caracteriza-se


fundamentalmente por ser a atitude crítica que organiza a dialética do
processo investigativo; que orienta os recortes e as escolhas feitas pelo
pesquisador; que direciona o foco e ilumina o cenário da realidade a ser
estudada; que dá sentido às abordagens do pesquisador e as redireciona;
que, enfim, organiza a síntese das intencionalidades da pesquisa.

Trabalharemos o nosso objeto de investigação – os movimentos sociais na luta


pela terra - metodologicamente dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva,
entendendo que este objeto é formado por seres humanos que “vivem o presente
marcado pelo passado e projetado para o futuro, num embate constante entre o que
está dado e o que está sendo construído” (MINAYO, 2001, p. 13), sendo possuidores
de uma consciência histórica onde “não é apenas o investigador que dá sentido a seu
trabalho intelectual, mas seres humanos, os grupos e as sociedades dão significado
e intencionalidade a suas ações e a suas construções” (Idem, p. 14).

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Pertencendo o observador a mesma natureza que o objeto – seres humanos -


e sendo ele mesmo sujeito de sua observação, compreendemos que na perspectiva
da observação participante, há uma identidade entre o sujeito e o objeto numa
sobreposição entre ambos, tornando-os solidariamente comprometidos, implicando
que “sujeito e objeto estão em contínua e dialética formação, evoluem por contradição
interna, não de modo determinista, mas como resultado da intervenção humana
mediante a prática” (GHEDIN; FRANCO, 2008, p. 118), percebendo o pesquisador
que o seu papel não é o de ativista político, devendo:

Ele estar atento para realizar as interpretações em contexto, para perceber


as mediações entre o particular e a totalidade para distinguir a dinâmica das
contradições inerentes ao movimento histórico e para saber respeitar as
sínteses provisórias do conhecimento que se vão construindo (Idem, p. 120).

Partindo do conceito de memória coletiva como sendo uma construção do


passado no presente de um grupo social, que contempla mediações e transformações
cujos significados são relativizados ou deslocados à luz do presente, entendendo essa
construção como uma tecitura de várias memórias individuais, esta pesquisa terá
como objeto de observação, prioritariamente, os moradores das regiões pesquisadas
que estejam na faixa etária acima de 60 anos e que residam há mais de 50 anos nas
mesmas, uma vez que o que se objetiva neste momento é obter dados sobre os
movimentos de luta pela terra entre os anos de 1940 e 1970.
A estratégia a ser adotada será o uso de entrevistas abertas, privilegiando os
depoimentos orais que para Portelli (2016, p. 31), “contam-nos não apenas o que o
povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa
que fez”. Ainda, segundo o autor,

É a abertura do historiador [pesquisador117] para a escuta e para o diálogo, e


o respeito pelos narradores, que estabelece uma aceitação mútua baseada
na diferença, e que abre o espaço narrativo para o entrevistador entrar. Do
outro lado, é a disposição do entrevistado de falar e de se abrir em alguma
medida que permite que os historiadores [pesquisadores] façam seu trabalho.

117 Acréscimos da autora


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E a abertura dos historiadores [pesquisadores] sobre eles mesmos e sobre o


propósito de seu trabalho é um fator crucial na criação desse espaço
(PORTELLI, 2016, p. 15).

A partir do pressuposto de que a educação possui determinadas


especificidades que a tornam complexa, e por ser uma prática social do homem e,
portanto, um processo histórico que não se conclui e que surge da “dialética entre
homem, mundo, história e circunstâncias, [...] e transforma-se pela ação humana e
produz transformação nos que dela participa” (GHEDIN; FRANCO, 2008, p. 40), a
presente investigação terá como universo as Escolas Municipais Rio d’Ouro e Santo
Antônio em Japeri/RJ. A escolha destas escolas se deve ao fato de:
a. as mesmas estarem situadas nas regiões homônimas em que
ocorreram os conflitos da luta pela terra entre os anos de 1940 e 1970;
b. serem escolas públicas de Educação Básica mas, fundadas em
momentos diferentes e atendendo a segmentos distintos. A EM Rio d’Ouro,
criada em 1975 e municipalizada em 2012, atende alunos do Ensino
Fundamental / Anos Finais cuja faixa etária se situa entre 10 a 15 anos 118 e a
EM Santo Antônio recebe alunos da Educação Infantil / Pré-Escolar, com faixa
etária entre 4 e 5 anos e Ensino Fundamental / Anos Iniciais, entre 6 a 10
anos119.
c. ambas são consideradas pela Secretaria Municipal de Japeri como
escolas rurais.

No desenvolvimento dos estudos, serão traçados os seguintes caminhos:


primeiramente a realização de pesquisa bibliográfica sobre Educação do Campo
baseada em Antunes-Rocha (2012; 2015); Arroyo (1999); Caldart (2010; 2012);
Fernandes (1999); Molina (2006); Souza (2012). A análise documental crítica será a
segunda etapa, onde examinaremos o Plano Municipal de Educação de Japeri –

118 Fonte: Plano Municipal de Educação de Japeri - 2015/2025.


119 Idem
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2015/2025 e os Projetos Políticos-Pedagógicos dessas escolas com a intenção de


observar e analisar em que medida as práticas educativas das escolas municipais
rurais de Japeri/RJ se aproximam do que preceitua a LBD no tocante a oferta de
Educação Básica para população rural.
Por fim, tendo como instrumento a observação participante, propomos visitas
às escolas alvo da pesquisa durante o período letivo de 2018 com a intenção de
conhecer as instalações físicas; conhecer, observar e analisar as práticas político-
pedagógicas desenvolvidas por essas escolas; os meios de locomoção disponíveis
para os discentes no trajeto casa-escola-casa, os horários e calendários letivos,
objetivando investigar como as EM Rio d’Ouro e EM Santo Antônio envolvem seus
alunos através da organização pedagógica do tempo escolar - aulas, palestras,
projetos, atividades extraclasse, dentre outros, e em que medida pode-se identificar,
nas práticas educativas das escolas municipais rurais de Japeri/RJ, a presença ou a
ausência dos possíveis impactos dos movimentos sociais.
Serão realizadas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com as equipes
gestoras da Secretaria Municipal de Educação e destas unidades escolares. Nas
escolas as entrevistas contemplarão: direção geral (02) e coordenação pedagógica
(02); docentes: no caso da EM Santo Antônio, 01 docente da Educação Infantil e outro
do Ensino Fundamental / Anos Iniciais, e na EM Rio d’Ouro – 01 docente da área de
Ciências Naturais e Matemática e 01 da área de Ciências Humanas; e, discentes –
grupo de 03 alunos com perfis diferenciados dentre as turmas dos segmentos
ofertados por ambas as escolas. É importante esclarecer que a escolha pelos
docentes das áreas de Ciências Naturais e Matemática e de Ciências Humanas tem
como estratégia verificar e analisar de que forma os conteúdos e ações pedagógicas
se entrelaçam no que diz respeito as características de regiões rurais em que as
escolas estão inseridas e de suas histórias conectadas a História do Brasil.
Serão coletados e analisados dados estatísticos de instituições oficiais sobre a
educação no município de Japeri. Por fim, na execução da pesquisa e para a retenção

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dos dados obtidos serão usados os seguintes recursos: gravador de áudio e máquina
fotográfica.

2. Resultados e discussão

Confrontos na luta pela terra sempre existiram ao longo da história da


humanidade. No Brasil, essa questão atravessa a nossa História desde a chegada
dos portugueses com suas Sesmarias e Capitanias Hereditárias; no século XVIII com
suas Capitanias Reais; como país independente, com sua Lei de Terras (1850); em
1964, com seu Estatuto da Terra; por fim, em 1988, com a nova Constituição que
reafirma a função social da terra. No que concerne a Japeri - um dos 8 municípios que
compõe a Baixada Fluminense, região que tem uma longa história de luta contra a
exclusão sociopolítica e econômica dentro do estado do Rio de Janeiro e, por
conseguinte, do Brasil, embora sua história esteja intimamente ligada a geração e a
circulação de riquezas da então capital da colônia portuguesa, o Rio de Janeiro
(Nogueira, 2008; Tôrres, 2008). Segundo dados do Núcleo de Pesquisa,
Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo
(NMSPP) do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade da UFRRJ (CPDA/UFRRJ):

O primeiro conflito identificado no período de análise e documentado por meio


de jornais da época aconteceu em 1956, quando pioneiras associações de
lavradores conseguiram o direito à terra onde viviam como posseiros, em
Pedra Lisa, região de Nova Iguaçu na época, hoje Japeri (MEDEIROS, 2015,
p.9).

Em 1958 no governo de Miguel Couto Filho no Rio de Janeiro, são


desapropriadas as áreas de Pedra Lisa, Santo Antonio do Mato e Limeira, no então
município de Nova Iguaçu, totalizando 1.936 hectares com 384 famílias beneficiadas
que, segundo anotações de Lyndolpho Silva, “se deram por pressão de massas,

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ocupando as glebas” (SILVA, Arquivo Lyndolpho Silva, CPDA/UFRRJ). Segundo


artigo publicado pela AS-PTA (2012),

Os movimentos de ocupação de terras organizados para pressionar o


assentamento de famílias sem terra na região ocorreram em dois momentos
distintos do século passado: os primeiros, no início dos anos 1960, com forte
atuação das Ligas Camponesas; os últimos, no início da década de 1980. [...]
Esses últimos ajudaram a resgatar para a agricultura extensas áreas que
teriam sido loteadas em poucos anos e tomadas pela urbanização
desordenada. Muitos dos grupos sociais que hoje se destacam nas áreas
rurais desses municípios estavam envolvidos nos conflitos de terra dos anos
1960 e anos 1980 (STRAUCH; MENDONÇA; ROSA, 2012, p. 30).

Conforme dados do INCRA, o município possui hoje 04 assentamentos: São


Pedro (2005), Boa Esperança (1986), Pedra Lisa (1997) e Fazenda Normandia (2003),
num total de 149 famílias assentadas (INCRA, 2017) 120 . Segundo a Prefeitura de
Japeri, o município conta hoje com cerca de 700 produtores - agricultores familiares -
responsáveis pela produção de aipim, coco, banana, quiabo, laranja, ovos, queijos,
entre outras culturas, além de um rebanho de 4 mil bovinos, e 370 produtores rurais
que não estão assentados em áreas do estado.121
Não menos importante, é o estudo relacionado a Educação de Japeri - que
segundo o IBGE tem uma população estimada de 100.562 habitantes, sendo 45% do
contingente populacional constituído de crianças, adolescentes e jovens (IBGE,
2017)122, cujos dados apontam deficiências preocupantes: o número de matrículas no
Ensino Fundamental, modalidade de responsabilidade municipal, vem sofrendo
quedas desde 2008, quando foram registradas pouco menos de 20 mil matrículas, e
em 2016 chegaram a pouco mais de 14,6 mil (QEduc, 2017)123. O IDEB124 que deveria

120 Dados disponíveis em:


http://painel.incra.gov.br/sistemas/Painel/ImprimirPainelAssentamentos.php?cod_sr=7&Parameters[Planilha]=Na
o&Parameters[Box]=GERAL&Parameters[Linha]=1. Acesso em 20 set.2017.
121 Fonte disponível em: http://www.japeri.rj.gov.br/noticia/Prefeitura-de-Japeri-quer-ajuda-do-ITERJ-para-
produtor-rural-nao-assentado-em-areas-do-estado/1835. Acesso em 08/03/2017.
122 Dados disponíveis em: http://ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=330227&search=rio-de-
janeiro%7Cjaperi&lang=. Acesso em: 05 mar.2017.
123 QEduc. Dados do Censo Escolar – 2016. São Paulo, 2017. Dados disponíveis em: www.qedu.org.br/
124 Ideb é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, formulado para medir a qualidade do aprendizado

nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino. É calculado com base no aprendizado dos alunos em
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atingir a meta de 4,3 em 2015, ficou em 3,3 naquele ano. Segundo dados preliminares
da Prova Brasil de 2015, o município teve o pior resultado do estado do Rio de Janeiro
(QEduc, 2016).
A rede municipal conta hoje com 33 escolas distribuídas entre a Educação
Infantil e ao Ensino Fundamental e EJA, sendo que 07 delas são consideradas escolas
rurais, dentre as quais Escolas Municipais Rio d’Ouro e Santo Antônio, que atendem
crianças de 4 a 14 anos, majoritariamente. Nas escolas rurais, o número de matrículas
na EI - Pré-Escolar computou em 2010, 188 matrículas decrescendo em 2016 para
138. No EF – Anos Iniciais, as matrículas em 2010 foram de 670 alunos, e em 2016 o
censo apontou 548 matrículas. Para o EF - Anos Finais, em 2010 havia 125 alunos
matriculados contra os 422 de 2016, num crescimento de aproximadamente 338%.
Estes dados merecem estudos minuciosos, uma vez que parte da rede estadual foi
municipalizada entre os anos de 2010 e 2016 (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Rede pública municipal de ensino de Japeri por número de matrículas


por etapas de ensino da educação básica125
9000
8000 Pré-Escolar - URB
7000
Pré-Escolar - RUR
6000
5000 Fundamental - AI - URB
4000 Fundamental - AI - RUR
3000
Fundamental - AF - URB
2000
1000 Fundamental - AF - RUR
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Fonte: Quadro estatístico construído pela autora com base nos dados do QEduc.

português e matemática (Prova Brasil) e no fluxo escolar (taxa de aprovação) Fonte: portal.mec.gov.br/conheca-
o-ideb.
125 Se refere a Educação Infantil e Ensino Fundamental, uma vez que a prefeitura de Japeri não oferece o Ensino

Médio.
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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB nº 9.394/1996, em seu


artigo 28 preceitua que:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).

Diante deste conjunto de informações, cabem algumas indagações, dentre


elas: qual é o quantitativo populacional entre 4-14 anos residentes em Rio d’Ouro e
Santo Antônio que ainda permanecem fora do sistema escolar? E por quê? Sendo
escolas situadas em áreas rurais, de que forma o currículo, os conteúdos, o PPP, as
práticas pedagógicas estão atrelados à realidade dos alunos como preceitua a LDB?
Como os alunos se reconhecem e identificam o meio em que vivem? O que eles
esperam das escolas? Como as escolas são vistas pelos que nela trabalham? Os
docentes recebem formação específica para atuarem em escolas do campo? Os
dados estatísticos apresentados demonstram que é urgente repensar o modelo
educacional do município de Japeri.

3. Conclusões

Compreendendo a Educação do Campo como uma construção coletiva oriunda


das “demandas dos movimentos camponeses na construção de uma política
educacional para os assentamentos de reforma agrária” (FERNANDES, 2006 apud
MOLINA, 2006, p. 28) e vinculada às questões sociais específicas à cultura e à luta
do campo (FERNANDES, 1999) extrapolando os limites de uma escola do ABCdário
desconectada da realidade do aluno e do seu território, seu espaço de vida, é que
esta investigação, ora em desenvolvimento, propõe pensar neste modelo de educação

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como uma possibilidade viável de inserção social, política, cultural e econômica das
populações de Rio d’Ouro e Santo Antônio, e como meio de resgate da memória
coletiva, sendo as escolas municipais destas regiões um instrumento de aproximação
e diálogo entre a produção e a pesquisa acadêmica oriunda da própria região e a
produção construída no espaço escolar, bem como meio facilitador do encontro entre
pesquisador e pesquisados.

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II CONGRESSO INTERNACIONAL E IV CONGRESSO NACIONAL
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ISSN: 2525-4588

ENTRE A PRÁTICA E O HÁBITO DE LEITURA. CONSIDERAÇÕES SOBRE


A JUVENTUDE DO ASSENTAMENTO LIMOEIRO

Daniel de Jesus Silva*

Resumo
Este artigo intitulado Entre a pratica e o hábito da leitura, considerações sobre a
Juventude do Assentamento Limoeiro tem como objetivo geral compreender em que
medida a juventude do Assentamento Limoeiro tem desenvolvido a prática e o hábito
da leitura, apontando possibilidades de ações que melhorem a realidade estudada. E
como objetivo específico analisar o contexto sócio-político e cultural dos sujeitos
envolvidos através de abordagens. O método utilizado foi a pesquisa exploratória com
base nas reflexões sobre as referências bibliográficas e entrevistas com os sujeitos
envolvidos na pesquisa, previamente selecionados para esta finalidade. Os dados
aqui apresentados mostram que a juventude em estudo não tem o hábito de praticar
a leitura, pois a mesma foi-lhes ofertada como uma obrigação escolar, tornando-se
assim um fator desestimulante. O estudo aponta que existem diversos aspectos que
dificultam a relação dos jovens estudantes com o ato de ler, apesar da importância
desta prática para produção de conhecimentos e novas descobertas. É necessário
que a escola enquanto espaço de produção e acesso ao conhecimento, se torne um
agente fomentador da leitura, pois para a maioria da juventude das classes populares
este é o único espaço de acesso a essa ferramenta.

Palavras-chave: Leitura. Jovens do Campo. Assentamento. Classes Populares.

Introdução

A leitura é uma ferramenta imprescindível para o processo de formação, pois a


sociedade na atualidade impõe aos indivíduos a condição de leitores e para tanto é
preciso que dominem essencialmente novos códigos que o avanço civilizacional

* Licenciado em Letras. Especialista em Educação do Campo pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC,
Ilhéus BA. E-mail: danielmst33@hoimail.com
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exige, como é o caso das tecnologias. Portanto, quem não desenvolveu um certo nível
de leitura terá uma certa dificuldade em lidar com o mundo informatizado que está
cada vez mais presente nos serviços básicos oferecidos à população. Além disso,
uma postura mais crítica diante da sociedade se torna cada vez mais necessária para
que o indivíduo possa acessar direitos fundamentais. O desenvolvimento da
percepção crítica não está restrita à leitura, mas é sabido que a leitura contribui
bastante para que o indivíduo possa ler e interferir na sua realidade. Inúmeros são os
programas que buscam melhorias na educação, inúmeros são os aligeirados projetos
de leitura, mas o que se percebe é que esse projeto pouco tem atingido as classes
populares, pouco tem alcançado a juventude.
O termo leitura, portanto, nos remete a um conjunto de práticas relacionadas a
um contexto social de acordo com a utilização particular dos indivíduos. Neste sentido,
a leitura, mesmo vista como ato individual, mantém uma dimensão socializada e
socializante, já que constitui uma inserção do sujeito numa prática presidida por
relações interativas. De modo que, pensar e refletir sobre este tema, nos leva também
a analisar quais práticas de leitura estão sendo desenvolvidas na vida escolar dos
educandos, tendo por base as etapas multifacetadas deste processo, as quais levam
os indivíduos leitores ao processo de construção e produção do conhecimento.
Os assentamentos rurais, enquanto territórios camponeses construídos a partir
da luta pela terra no Brasil tem a educação como uma das principais bandeiras de
luta. Dessa forma, a leitura passa a ser um dos elementos essenciais e necessário no
processo de formação principalmente da juventude que tem o potencial e a
responsabilidade de dar continuidade as conquistas por direitos.
Localizar onde está a juventude do campo, especificamente do assentamento
Limoeiro entre a prática e o hábito de leitura é de fundamental importância para o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e para a juventude Sem Terra,
pois é preciso discutir, analisar e propor saídas coletivamente para o problema do não

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acesso da classe trabalhadora aos conhecimentos, a literatura, a arte, a outras


culturas do presente e do passado que a leitura pode proporcionar.
A escola, enquanto instituição mediada pelo Estado burguês, ainda é um dos
poucos espaços onde crianças, jovens e adultos tem precariamente acesso à leitura.
E o que se constata aqui, é que esta instituição não tem de fato cumprido este papel
que é formar leitores. O gosto pela leitura deve ser desenvolvido na infância. Ações
isoladas não vão garantir à juventude desenvolver o gosto pela leitura. A escola que,
na maioria das vezes, deveria ser o espaço de acesso, se torna o espaço de repulsa,
já que ela ensina os estudantes a ler, não pela grandiosidade da leitura, mas pela
necessidade de aprender conteúdos escolares. Dialogar sobre a realidade da
juventude do MST, tomando como amostra os jovens do Assentamento Limoeiro, nos
leva a uma compreensão maior dos aspectos que dificultam o desenvolvimento da
prática de leitura desses jovens.
Na busca do desenvolvimento de projetos contra hegemônicos, o MST realiza
atividades de formação política e ideológica através de encontros com a militância e
em todas essas atividades há uma preocupação em envolver a juventude dos
assentamentos principalmente nos estudos de conjuntura, realidade brasileira e
questão agrária, contribuindo para o desenvolvimento da leitura, o que nesse caso se
torna peça fundamental. Por isso, a questão que norteia esse trabalho é que a
juventude aqui estudada, apesar de ter certa inserção nas atividades de formação do
MST, não tem desenvolvido o hábito da leitura. Desse modo o grande problema posto
nesta reflexão é: até que ponto as atividades de formação do MST contribuem para a
formação de jovens leitores? Sendo que essa prática, a de leitura, se torna cada vez
mais escassa a medida que na vida adulta, esse jovem se inserem em atividades que
não permitem um espaço reservado para a mesma. Isso compromete todo o processo
de formação da juventude, já que apresenta como lacuna a carência da leitura em
suas vidas.

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1. Leitura e sua função social

Reuniremos aqui o pensamento de vários autores, que convergem para uma


concepção de leitura, que compreendemos ser um instrumento de formação para a
pessoa humana, seja em sua vida cotidiana, seja na reprodução ou produção de
conhecimentos e, na produção da vida. De modo que, pensar a leitura enquanto uma
função social é pensar antes, que os indivíduos vivem em sociedade, e esta, por
vezes, se constitui e se desenvolve a partir de arranjos societários, pelos quais os
indivíduos se orientam e se submetem. Tais arranjos estão materializados em forma
de direitos, deveres, e estes, são regulados e mediados de várias formas, ética, moral,
política e econômica. Daí, se estabelecer os direitos básicos como condição para uma
suposta convivência civilizada em sociedade, como é o caso da educação, saúde,
cultura, entre outras.
O estágio civilizacional que chegou esta sociedade contemporânea, no século
XXI, é de tamanha contradição em seus arranjos sociais, que ao tempo em que a
leitura é um instrumento tão imprescindível para que a humanidade siga o curso do
seu desenvolvimento (o auto grau de tecnologias, a sociedade da informática) logo,
deveria ser algo inerente à pessoa humana, todavia persiste, e em larga escala, o
número de indivíduos que acessaram, ainda que dentre os arranjos societários, a
leitura seja um dos direitos sociais. Daí intitularmos a leitura enquanto um direito social
e universal que deve ser garantido a toda pessoa humana. De modo que, não obstante
aos conceitos escritos, nos interessa aqui uma concepção de leitura enquanto um
direito humano, a leitura da palavra escrita, que permite ao indivíduo acessar
conhecimentos de todas as ordens e, portanto, ser instrumentalizado para ler o mundo
desde ao seu redor, ao supostamente mais distante. Para a leitura da palavra precede
o acesso a escolarização. É esta a nossa abordagem.
O ato da leitura é uma prática importante, porque ela possibilita aos sujeitos
leitores uma percepção maior dos meios interacionais que estão interligados as suas

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questões culturais e sociais. Tais interações serão possíveis se estes sujeitos, os


leitores, adentrarem nos textos compreendendo-os na sua relação dialética entre o
contexto lido e o contexto em que vivem. Ler é uma atividade extremamente complexa
porque “é uma atividade pessoal e secreta, que só podemos observar em seus
aspectos exteriores: um leitor diante de um texto” (BARBOSA, 1994, p. 116). Por isso,
para o indivíduo desenvolver o hábito de leitura é preciso estar motivado, e a
motivação vai se dar a partir das atitudes dos sujeitos leitores, quando externam o seu
ponto de vista diante das diversas descobertas apresentadas nos textos lidos, assim
como as novas posturas que vão assumindo na vida no decorrer de situações de
várias ordens, as quais se tornam possíveis a partir de uma prática de leitura mediada
por uma consciência resultante desse processo. A leitura exige do leitor uma
familiaridade com o livro, buscando sintetizar as principais ideias contidas na obra e
consequentemente perceber os desdobramentos estabelecidos nos aspectos
imaginários e ideológicos. Se entendida em uma grande dimensão, o ato de ler pode
representar o envolvimento do leitor com o mundo a sua volta, “se ler qualifica toda
relação com o real, percebe-se que esta ação se expressa pela elaboração de um
código, o qual, por sua vez, manifesta o domínio que o homem exerce (ou deseja
exercer) sobre sua circunstância” (TEODORO, 1999, p. 40).
Na Europa, de acordo Busatto (2006, p. 93), na Baixa Idade Média, a leitura
tinha uma conotação espiritual que revelava os mistérios divinos contidos na Bíblia.
As pessoas liam para aproximar-se de Deus e para entender a vida fazendo
referências aos requisitos religiosos. A leitura nesta época não acontecia de forma
simultânea, estava relacionada apenas com o reconhecimento de algo já
concretizado, não era reconhecida como um instrumento de produção de novos
conhecimentos. Com o advento do livro, vem a prática da leitura silenciosa que mais
tarde veio a tornar-se uma experiência única e individual.
Na Idade Média a prática da leitura estava restrita apenas ao Clero e a Nobreza,
que detinha o controle e o poder ideológico. A dificuldade do acesso a leitura, levou

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muitas pessoas a crerem que os livros eram objetos raros e indecifráveis. Nessa
época, a leitura era feita em grupos, por uma pessoa que detinha posse do livro e
sabia ler, o que significa dizer que não era uma prática comum a todos.
Autores como, Ezequiel Teodoro (1999), afirmam que, o domínio da escrita e
da leitura, tanto na sociedade escravocrata quanto na sociedade feudal, permaneceu
como privilégios do clero e da nobreza. É em meio a Revolução Burguesa que vai
ocorrer sua popularização, pela necessidade que teve a nova classe dominante de
desenvolver o sistema produtivo no comércio e na indústria, que por vezes, precisava
contar com trabalhadores intelectualmente mais ágeis. Mesmo com esta divulgação
da leitura e da escrita diante da necessidade da nova classe dominante obter mão de
obra qualificada para proporcionar o aumento da produção em grande escala, o
acesso aos materiais de leitura ficou restrito apenas para as pessoas de maior poder
aquisitivo na sociedade. Para a classe proletária restou apenas uma educação
fragmentada limitando-se na decodificação e contagem de alguns registros
alfabéticos, por isso Ezequiel Teodoro (1999, p. 77) afirma que “a leitura não é um ato
que se dá apenas pelo domínio alfabético. Trata-se de uma ação dotada de profundo
sentido social, participação, criação construção”.
O contexto histórico da leitura no Brasil é marcado por uma constante crise que
engloba diversos fatores, basicamente os que estão ligados aos aspectos econômicos
e ideológicos defendidos de acordo os interesses da classe dominante. Isso nos leva
a crer que tais aspectos têm sido uma das barreiras que impedem a expansão da
prática da leitura nas sociedades atuais, e, em específico, na sociedade brasileira.
Embora sejam vários os fatores que implicam na condição de uma grande camada da
sociedade brasileira não ser leitora, um é o fato de que a escola é quase que o único
lugar onde a maioria da população aprende a praticar a leitura e é também onde essa
mesma população tem acesso aos livros, que por vezes, são os livros didáticos
disponíveis nas escolas. Esses livros geralmente trazem enfoque em um determinado
contexto os quais, não muitas das vezes não coincide com as várias realidades dos

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estudantes, de modo que não os estimulam para o gosto pela leitura, como afirma
Martins (2007).
Na verdade resultam em manuais da ignorância; mais inibem do que
estimulam o gosto de ler. Elaborados de modo a transmitir uma visão de
mundo conservadora, repressiva, tais livros estão repletos de falsas
verdades, a serviço de ideologias autoritárias, mesmo quando mascarados
por recursos formais ou temáticos atuais e não conservadores (MARTINS,
2007, p. 26).

Segundo Teodoro (1999), são as classes trabalhadoras as excluídas da leitura:

A grande maioria das pessoas não lê porque a leitura pouco (ou nada)
significa no mundo do trabalho. A ação produtiva, idealizada através de
operações mecânicas, fragmentadas, repetidas, impõe enorme dispêndio de
energia física, tornando a prática da leitura meramente casual ou residual (p.
74).

A instituição escolar no Brasil foi criada para atender as demandas e interesses


das classes dominantes. Não foi para formar e preparar os estudantes através de uma
ação mediadora na relação entre cada ser humano em sua vivência diária, ou seja,
assim como a escola inicialmente não veio para todos, tampouco veio para formar
integralmente os indivíduos para conviverem respeitando as diferenças e eliminando-
as, quando necessário para o bem comum, ao contrário, ela vem reforçar os ideais da
classe dominante. Assim, acaba por resumir a prática de leitura a um ato mecânico e
sem sentido crítico, negando a sua real função na vida do ser humano, nas relações
sociais assim como na própria sociedade em geral. A escola, ao longo dos anos,
limitou-se apenas a fazer da leitura apenas a decodificação de registros alfabéticos,
restringindo-se ao desenvolvimento de uma leitura mecanizada que, certamente não
contribuiu para a formação das pessoas e, consequentemente, não preparando-as
para as adversidades existentes no meio social, como descrito por Martins (2007)

O que é considerado material de leitura, na escola, está longe de propiciar


aprendizado tão vivo e duradouro (seja de que espécie for) como o
desencadeado pelo cotidiano familiar, pelos colegas e amigos, pelas
diversões e atribuições diárias, pelas publicações de caráter popular, pelos

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diversos meios de comunicação de massa, enfim, pelo contexto geral em que


os leitores se inserem (p. 28).

De acordo Ezequiel Teodoro, “ler é em última instância não só uma ponte para
a tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo
compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-
se no mundo” (TEODORO, 1984, p. 45). A leitura é, portanto, um instrumento
necessário para acesso e articulação de novos conhecimentos, possibilita
experiências e a inserção do leitor nas diversas esferas das camadas sociais e
culturais, resgatando e criando novos valores. Isso, porém, será possível se o leitor
praticar uma leitura detalhada, ou seja, uma leitura crítica e dinâmica, tornando o ato
de ler um momento de formação e de produção de conhecimento. A prática da leitura
proporciona diversos aspectos que potencializa a descoberta de novos valores
socioculturais e enriquece o aprendizado intelectual de cada leitor. Também possibilita
uma inserção do leitor no contexto social, ampliando a sua concepção de mundo com
um olhar crítico de sua realidade.

1.2 A juventude e o tema da leitura

Para o Coletivo Nacional de Juventude do MST (2010) a palavra juventude não


é algo que sempre existiu, é no capitalismo que esse termo começa a ser usado, pois
neste período a burguesia se preocupar com seus filhos que, supostamente, entrariam
na vida adulta. Nos tempos atuais, o conceito de juventude é fundado em interesses
das elites adultas da classe dominante, que pensam esses sujeitos, os jovens, na
perspectiva do mercado, ou seja, pensa a juventude associada aos meios de
comunicação e formação de massa para o consumo, para reproduzirem as ideias
dominantes. Isso quer dizer que não levam em conta a importância da existência
desses sujeitos.

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Ainda que existam ideias conservadoras e alienantes, uma certa apatia, falta
de desejo ou falta de empenho entre os jovens desta atual geração, o fato é que os
jovens devem ser considerados como sujeitos de direitos. Há que se considerar que
estão acontecendo mudanças, há uma valorização dessa juventude e eles agora
percebem que podem estar no mundo como jovens. Há uma maior liberdade de
expressão e de tolerância com as identidades que estão sendo construídas. “E esse
ambiente permite que eles apostem em sua ação na sociedade” (SANTOS, 2006, p.
24). Há um senso comum na sociedade no que se refere ao debate sobre “as
juventudes”. O termo aqui está colocado no plural, porque, mesmo dentro de uma
classe social existe uma variedade enorme de diferentes juventudes. A diversidade
da juventude é algo que caracteriza esta fase da vida, portanto, já não cabe a
intolerância o preconceito Calligaris (2000) acredita na figura do jovem/adolescente
como um indivíduo capaz de enriquecer a sociedade, com novos valores e novas
perspectivas, e de enfrentar as dificuldades que lhes são impostas, vislumbra-os como
um processo positivo e não como uma fase.
O Assentamento Limoeiro em sua estrutura organizativa compreende a
participação de todos os assentados, principalmente a juventude, que participa
ativamente das discussões no que se refere à organicidade da comunidade. Eles
participam de cursos de formação para militantes, realizados na região do Baixo Sul.
Inclusive este assentamento é o que tem o maior número de jovens que já fez ou
ainda faz cursos promovidos pelo MST. Além de serem jovens interessados nos
estudos, já alcançaram certo nível de consciência crítica e reconhecem a importância
da educação, dos estudos para as suas vidas, acreditam e defendem os princípios do
MST.

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2. Como os jovens do Assentamento Limoeiro leem?

Para termos um panorama da situação da leitura por parte dos jovens no


Assentamento Limoeiro, entrevistamos alguns deles para coletarmos informações que
pudessem responder a pergunta, como os jovens deste Assentamento leem? Isto
porque, desconfiávamos que eles não tivessem interesse pela leitura. A pesquisa nos
revelou dados que são preocupantes.
Para a grande maioria desses jovens, cerca de 85%, a leitura não faz parte do
seu cotidiano, ou seja, não enxerga a leitura como um instrumento para acessar e
formular novos conhecimentos; outros 15%, afirmam que leem alguns textos de forma
aleatória e esporádica e cerca de 7,5% destes 15% afirmaram que leem apenas textos
orientados pela política de formação do MST, os outros 7,5% afirmaram que preferem
ler textos ou livros da literatura infantil.
Pensar a leitura como uma prática diária, se faz necessário, na busca para que
ele seja um hábito existencial no cotidiano dos estudantes e que contribua para a
produção de conhecimentos é necessário à realização de vários mecanismos nas
escolas, para tornar o ensino da leitura um método eficiente e que supere as práticas
de leituras descontextualizadas que se restringem apenas na repetição de palavras.
É necessário que a leitura seja pensada e desenvolvida de acordo ao contexto
real em que os sujeitos (estudantes) e a escola estão inseridos, pois em nossa
sociedade o nível de letramento é determinante para o sucesso ou não da relação do
aluno com o texto na escola. De acordo com Pietri (2009), é necessário considerar
que os estudantes vindos de grupos com maior nível de letramento já chega à escola
sabendo manusear o material escrito com que desenvolverão suas atividades em sala
de aula.
Mas a problemática que envolve a leitura não acontece simplesmente pela
ausência de metodologias inovadoras utilizadas na sala de aula. É necessário que
haja uma participação efetiva dos órgãos públicos, bem como a participação da

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comunidade, dos pais, dos estudantes e do corpo docente da instituição escolar para
que a leitura esteja em primeiro plano, pois ela é uma ferramenta necessária para o
desenvolvimento das competências e habilidades para quem a pratica.
Os órgãos públicos precisam ter uma atenção especial em relação ao problema
da leitura no Brasil, investindo em ações concretas, mas que tenham de fato a
finalidade de incentivar a prática da leitura. É necessário repensar a finalidade das
bibliotecas, pois também não basta ter biblioteca se não existe uma metodologia que
dê funcionalidade e desperte para o prazer de ler. Em algumas escolas as bibliotecas
são espaços isolados e empoeirados que os estudantes não acessam nem para
realizar suas pesquisas escolares.
Todos esses problemas em torno da leitura no Brasil afetam diretamente os
jovens do campo e não é diferente com os jovens do Assentamento Limoeiros, tendo
em vista que cerca de 85% dos jovens não a tem como um hábito, o que nos remete
a uma preocupação pois o que se percebe é que a distribuição social dos materiais
de leitura precisa ser de fato colocada em prática pelos órgãos competentes. O acesso
ao conhecimento no Brasil está nitidamente reservado as classes sociais dominantes,
restando apenas às classes menos favorecidas uma educação fragmentada que não
dá conta de acessar o conhecimento que garanta a sua formação integral.

Referências

BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. 2. ed. São Paulo. Cortez, 2004.

BUSATTO, Cléo. A arte de contar histórias no século XXI: tradição e ciberespaço.


Rio de Janeiro: Vozes (2006).

CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.

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MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 14. ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
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LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: ESTADO, MOVIMENTOS


SOCIAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

Edson Marcos de Anhaia126

Resumo
O presente artigo é resultado de nossa tese de doutorado que procurou compreender
as contradições existentes entre a luta dos movimentos sociais do campo, no que diz
respeito à educação e à formação de professores e a implementação do curso de
Licenciatura em Educação do Campo, no âmbito das políticas públicas do Estado. A
Licenciatura em Educação do Campo por ser fruto da luta dos movimentos sociais do
campo pode contribuir para formar professores numa perspectiva emancipadora.
Embora haja um processo de internalização da lógica do capital desde sua
institucionalização, contraditoriamente, pode também apresentar elementos que
contribuam para formar professores numa perspectiva que tem como horizonte a
emancipação humana, aproximando, por exemplo, uma formação pedagógica de uma
formação política, desde que mantenha-se vinculada às lutas que se colocam
contrárias às relações sociais de produção capitalistas. Destacamos na introdução
que a educação está inserida no contexto da necessidade do capital, para em seguida
discutir as pautas do movimentos sociais do campo sobre educação destacando o I
Encontro Nacional de Educação na Reforma Agrária e a I Conferência Nacional de
Educação do Campo. Finalizamos o artigo refletindo sobre o atendimento às
demandas dos movimentos sociais através de políticas de editais.

Palavras-chave: Estado. Movimento Sociais. Educação do Campo. Formação de


professores.

Introdução

Vivemos desde meados do século XIX uma crise estrutural do capital, assim
concebida por Mészáros (2002, p. 796-797, grifos do autor), por conter quatro

126Professor do Departamento de Educação do Campo, no Curso de Licenciatura em Educação do Campo, da


Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
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aspectos centrais, “caráter universal”, ou seja, tem um alcance global, presença


“permanente” no tempo e, desdobra-se de modo “rastejante”, o que não significa
negar a possibilidade de grandes “colapsos” diante das crescentes contradições, as
quais, não podem ser deslocadas no interior do próprio sistema, pelo fato justamente
da crise não ser parcial e “interiormente manejável”.
Esse quadro de crise do capital é caracterizado pelo crescente aumento da
desigualdade, desemprego estrutural, flexibilização precarizadora do trabalho,
conjugada com perda de direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora.
A mudança do padrão de exploração da classe trabalhadora e de acumulação
do capital nos anos 1990, segundo Freitas (1992, p. 92-94), exigiu um trabalhador de
novo tipo, com “habilidades próprias de serem aprendidas nas escolas, na instrução
regular”. Assim, se o capital historicamente “procurou sonegar instrução”, vê-se,
contraditoriamente, impelido a abrir a ‘torneira da instrução”, ainda que de forma
mínima, apenas para assegurar a formação do novo trabalhador exigida pelas
alterações na produção. Desse modo, a formação de professores que garanta uma
reestruturação da escola, com mínima instrução, processos participativos, entre
outros aspectos, passa a ser uma preocupação do Estado, posto que reconhece a
figura do professor como indispensável para alcançar tais modificações. Para
Mészáros (2005), a formação docente é significativa na medida em que é por meio
dela que se garante a educação dos filhos da classe trabalhadora nos moldes da
“internalização” das exigências atuais de qualificação profissional para atender as
necessidades da reorganização da produção.
Vale registrar que o processo de reestruturação das escolas públicas nos
Estados Unidos, no início do século XXI, retratado por Foster (2013), explicita a
afirmação de Freitas (1992). Como consequência da perspectiva da “administração
científica” assumida na direção do processo de trabalho nas escolas, os professores
foram submetidos a “novas formas de gestão corporativa”, assumidas por fundações
“filantrocapitalistas”, que passaram também a fornecer formação a candidatos

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recrutados nas universidades, na forma de “treinamento intensivo de cinco semanas”,


posteriormente enviando-os por um período de dois ou três anos para ensinar “em
escolas de baixa renda” (FOSTER, 2013, p. 90-103).
Conforme Mészáros (2005, p. 56-59), para garantir a “ordem sociometabólica
do capital”, a educação institucionalizada assume a função de “internalização” de sua
lógica, impondo conformidade aos seres que a frequentam. A naturalização das
desigualdades, o discurso da meritocracia, da empregabilidade e da escolarização
como essencial para a ascensão social são aspectos definidores de tal internalização.
Concordamos com o autor, para quem a educação formal somente poderá dar sua
“contribuição vital para romper com a lógica do capital” se estabelecer vínculos com a
vida, movendo-se “em direção a um intercâmbio ativo e efetivo com práticas
educacionais mais abrangentes”, isto porque, a “nossa tarefa educacional é,
simultaneamente, a tarefa de uma transformação social, ampla e emancipatória”
(MÉSZÁROS, 2005, p. 76).
O curso de formação inicial de professores, a saber, a Licenciatura em
Educação do Campo, apresenta-se nesse limiar, ao mesmo tempo em que se constitui
no âmbito do Estado e compõe a lógica de internalização dos ideais e valores que
visam preservar a ordem, de outro lado, é fruto da luta e reivindicação dos movimentos
sociais organizados que visam romper tal ordem.
A formação inicial de professores no curso de Licenciatura em Educação do
Campo está diretamente vinculada ao acúmulo da luta dos trabalhadores do campo
pela Reforma Agrária. Segundo Ribeiro (2011), o movimento de luta pela Reforma
Agrária se constitui como um movimento social dos trabalhadores do campo
produzindo novas experiências e por consequência, novos sujeitos e novas
consciências.
Nesse artigo, apresentamos alguns elementos fruto de nossa tese de
doutorado em educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de
Santa Catarina-PPGE/UFSC.

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1. Os movimentos sociais do campo e a pauta da educação.

Com a finalidade de contextualizar a demanda de formação inicial de


professores para o campo, desde as pautas dos movimentos sociais, julgamos ser
necessário apresentar alguns elementos da educação do campo 127 que ajudarão na
compreensão desse movimento histórico de luta pela educação a partir do final da
década de 1990.
A educação do campo, segundo Menezes Neto (2011), baseia-se na
concepção de educação como um direito de formação do ser humano na sua
totalidade social e, portanto, indissociável do restante de sua vida social. Paludo e Doll
(2006), por sua vez, afirmam que a educação do campo tem por base o respeito aos
diferentes povos do campo em seus aspectos: sociais, culturais, ambientais, políticos,
econômicos, de gênero, geracional, de raça e etnia e a valorização da cultura e do
modo de vida do campo.
Para Vendramini (2007, p. 2)

É preciso compreender que a educação do campo não emerge no vazio e


nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um movimento social,
da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta social. É fruto da
organização coletiva dos trabalhadores diante do desemprego, da
precarização do trabalho e da ausência de condições materiais de
sobrevivência para todos.

Ao tratar da educação do campo é necessário registrar que a mesma está


vinculada à luta dos trabalhadores por Reforma Agrária, para a superação das
desigualdades sociais e pela vida, portanto, o campo com seus conflitos e
contradições fazem parte dessa materialidade.
A obra intitulada Dicionário da Educação do Campo, apresenta um conjunto de
verbetes construído coletivamente por pesquisadores ligados à luta pela terra,

127 Compreendemos que a Educação do Campo não se constituiu em contraposição ao espaço urbano,

ou de afirmação de diversidades, mas enquanto um posicionamento político ideológico dos trabalhadores do


campo que assumem uma concepção e mundo, a partir da necessidade de superação da ordem do capital.
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explicita categorias e conceitos que permitem compreender a educação a partir das


perspectivas dos movimentos sociais. Nesse sentido

A Educação do Campo nomeia um fenômeno da realidade brasileira atual,


protagonizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa
incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das
comunidades camponesas. Objetivo e sujeitos a remetem às questões do
trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e
ao embate (de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura
que têm implicações no projeto de país e de sociedade e nas concepções de
política pública, de educação e de formação humana (CALDART, 2012, p.
257).

Desse modo, para se compreender a concepção de educação do campo, é


necessário compreender o contexto histórico, econômico e social em que ela foi
concebida. A educação do campo se insere na atualidade na luta da classe
trabalhadora do campo considerando o modo de produção capitalista e a situação
hegemônica do capital, representado no campo pelo agronegócio.
Essa hegemonia não se restringe a uma predominância econômica, mas de
uma disputa pelo território – “espaço político por excelência, campo de ação e de
poder, onde se realizam determinadas relações sociais” (FERNANDES; MOLINA,
2004, p.32). É neste contexto segundo Molina (2004), que se faz necessário o debate
acerca da concepção de uma educação do campo como o “processo de construção
de um projeto de educação dos trabalhadores e trabalhadoras do campo”. Ainda, a
partir de Menezes Neto (2011, p. 36),

Neste momento em que antagônicos projetos políticos lutam pela hegemonia


no campo, a educação também está em disputa. Para que essa não seja
submetida e subjugada aos interesses da reprodução ideológica e material
do capital, torna-se de fundamental importância a disputa contra hegemônica
e a construção de novas discussões educativas na educação do campo.

O referido autor ressalta que, na atualidade, devido às demandas de formação


de mão de obra para o agronegócio, surge a necessidade de formas educativas de
integração do agricultor a uma realidade que demanda novos conhecimentos, que é

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“acrítica” e tem por objetivo promover a subordinação ao novo processo produtivo


vinculado ao agronegócio. Sob a ótica do agronegócio, a educação para o campo “é
uma educação proposta para a formação da força de trabalho e para inculcar
ideologias, contribuindo para a perpetuação das desigualdades sociais e manutenção
da sociedade de classes” (MENEZES NETO, 2011, p. 31).
Nesse contexto, considerando a abordagem de Sá, Molina e Barbosa (2011, p.
84), a escola do campo tem também o papel de apoiar a formação contra hegemônica
dos sujeitos do campo que “devem influir na conquista da hegemonia civil alternativa,
elaborando novo projeto de sociedade a partir dos problemas vividos pelo
campesinato brasileiro”. Assim, educação do campo defendida pelos movimentos
sociais, mais abrangente que aquela baseada apenas no conceito de educação como
um direito universal, ganha centralidade no debate e nas pautas de lutas. Através das
lutas engendradas pelos movimentos sociais, a educação do campo se constituiu
como estratégia de luta contra o capital e contra a educação hegemonizada por este.
O Estado, principal responsável por assegurar que o direito de todos à
educação seja cumprido, como definido no Art. 2 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB EM nº 9.394/1996128, é o provedor da educação no atual
modelo de desenvolvimento societário. Mas, ter direito assegurado não significa ter
políticas públicas efetivadas. Por isso, os movimentos sociais do campo
compreendem que é necessário estrategicamente assumir a educação como bandeira
de luta e se colocam como reivindicadores de políticas públicas que garantam o
acesso à educação à toda classe trabalhadora.

128 Art.2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. Acesso em 28 abr. 2017
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1. As pautas do I ENERA e da I Conferência Nacional de Educação do Campo.

A realização do I Encontro Nacional de Educação na Reforma Agrária -


IENERA, em 1997, foi um marco na história do Setor de Educação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, assim como fora do Movimento. A finalidade
foi ampliar o debate nacional sobre a educação do chamado “meio rural”, levando-se
em conta o contexto do campo em termos da produção da existência humana, bem
como a maneira de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço e o meio ambiente
e quanto ao modo de viver, de organizar a família e o trabalho (KOLLING; NERY;
MOLINA, 1999).

O Enera ajudou a propagandear, no sentido positivo, que o MST não se


preocupa só com terra, se preocupa também com escola, com educação. (...)
Para nós, tão importante quanto distribuir terra é distribuir conhecimento.
Somos parte de um processo mais amplo de desenvolvimento do meio rural,
para que consequentemente as pessoas se desenvolvam, sejam mais felizes
e mais cultas, mesmo morando na roça (STÉDILE; FERNADES, 1999, p. 56).

Entendemos que o I ENERA foi o momento de síntese das ações que vinham
sendo desenvolvidas pelo conjunto dos movimentos sociais do campo vinculados à
luta pela terra e à produção da existência no campo.
Na avaliação de Caldart (2004), é necessário entender o I ENERA como síntese
e possibilidade de um processo maior de educação. Síntese porque traz para a
discussão, em âmbito nacional, experiências vivenciadas nos mais diferentes estados
do Brasil em relação ao trabalho com educação formal e não formal realizado no
campo brasileiro. Possibilidade porque propõe a construção da educação a partir da
classe trabalhadora do campo.
Os objetivos do I ENERA expressam esse momento, pois agregam o que
denominamos como síntese de experiências e possibilidades teórico-práticas para a
educação. Podemos afirmar que o I ENERA atingiu os objetivos propostos pelo III
Congresso do MST, pois impulsionou a discussão da educação vivenciada pelo

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movimento para toda a sociedade, e possibilitou aos sujeitos do campo perceber a


necessidade de compreender melhor a realidade rural brasileira e a educação que se
faz presente nesse espaço. Durante o encontro foi elaborado o Manifesto das
Educadoras e Educadores da Reforma Agrária ao povo brasileiro, que aponta
justamente para a ampliação do debate sobre a realidade vivida pelos trabalhadores.

No Brasil, chegamos a uma encruzilhada histórica. De um lado está o projeto


neoliberal, que destrói a nação e alimenta a exclusão social. De outro lado,
há a possibilidade de uma rebeldia organizada e da construção de um novo
projeto. Como parte da classe trabalhadora de nosso país, precisamos tomar
uma posição. Por essa razão, nos manifestamos (MST, 1997, s/p.).

O referido documento contém quatorze itens que demarcam a compreensão do


MST sobre o momento histórico e seu posicionamento ideológico de enfrentamento
ao capital. Destacamos cinco itens do documento que na nossa avaliação sintetizam
o processo vivido e a ampliação do debate sobre educação do MST com a sociedade.
O primeiro assume uma identidade e perspectiva de luta: “Somos educadoras e
educadores de crianças, jovens e adultos de Acampamentos e Assentamentos de
todo o Brasil e colocamos o nosso trabalho a serviço da luta pela Reforma Agrária e
das transformações sociais”; outro item compreende que a educação é estratégica
para a transformação social, mas que por si só não é possível realizar a transformação
social: “compreendemos que a educação sozinha não resolve os problemas do povo,
mas é um elemento fundamental nos processos de transformação social”. Um terceiro
item que destacamos sintetiza a ação do movimento, que é a necessidade de lutar
por escola no sentido de garantir o acesso ao conhecimento, sem o qual não é
possível avançar na luta por Reforma Agrária, é necessário conhecer para
transformar: “lutamos por justiça social na educação isto significa garantir escola
pública, gratuita e de qualidade para todos, desde a Educação Infantil até a
Universidade” e “trabalhamos por uma identidade própria das escolas do meio rural,
com um projeto político-pedagógico, que fortaleça novas formas de desenvolvimento
no campo, baseadas na justiça social, na cooperação agrícola, no respeito ao meio
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ambiente e na valorização da cultura camponesa”. E o último elemento convoca a


todos para a construção de uma outra sociedade, a utopia que mantém a luta viva:
“conclamamos todas as pessoas e organizações que têm sonhos e projetos de
mudança, para que juntos possamos fazer uma nova educação em nosso país, a
educação da nova sociedade que já começamos a construir” (MST, 1997).
O I ENERA criou as condições, como resultado desse momento histórico, para
a realização da I Conferência Nacional de Educação Básica do Campo, em 1998, com
o objetivo de aprofundar o debate com a sociedade sobre os problemas do campo e
da educação, como podemos constatar nos objetivos da Conferência (MST et all,
1998):
Articular pessoas, entidades e movimentos sociais que trabalham com
educação no meio rural em vista de discutir problema, experiências e
propostas de transformação; promover um espaço de formação e de
valorização dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação que atuam
nas escolas do meio rural; discutir a problemática atual da escolarização no
meio rural relacionada aos desafios de construção de um novo projeto de
desenvolvimento para o país e iniciar processos de elaboração de uma
proposta de Educação Básica do Campo.

Os propositores e realizadores da I Conferência procuraram dialogar com a


sociedade brasileira sobre a educação do campo ao reunir educadores, educandos e
sujeitos envolvidos com a educação do campo de diferentes segmentos dos
trabalhadores do campo: Sem Terra, agricultores familiares, indígenas, povos da
floresta, ribeirinhos, quilombolas, sindicatos de trabalhadores rurais, juntamente com
suas organizações e movimentos do campo de todo país. Este momento tornou-se
um marco na história da educação do campo.
Nesse processo consolidou-se o termo educação do campo, citado no texto
básico enviado aos estados para subsidiar os debates preparatórios à I Conferência.
Nessa, o termo foi legitimado, adquirindo um significado para os movimentos sociais,
como destaca Kolling (1999, p.29):

Utilizar-se-á a expressão campo, e não a mais usual meio rural, com o


objetivo de incluir no processo da conferência uma reflexão sobre o sentido

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atual do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que
vivem hoje e tentam garantir a sobrevivência desse trabalho. Mas quando se
discute a educação do campo se estará tratando da educação que se volta
ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os
camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os
diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural.

O conceito de educação do campo, para além de expressar as tensões e


contradições do campo, vividas pelos trabalhadores, demarca um posicionamento
político ideológico, um projeto societário que se vincula à luta da classe trabalhadora.
A educação se constitui como estratégia importante para elevar a capacidade teórica
dos trabalhadores e passa a ser agenda comum a todos os movimentos sociais do
campo, com estratégias. Cabe salientar que a educação, embora comum nas pautas
dos movimentos, terá diferenças tanto na compreensão quanto nos encaminhamentos
e ações.
Foi a partir das iniciativas e das lutas políticas do MST por educação que se
conquistou importantes projetos e programas governamentais para a
educação dos trabalhadores do campo, como o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Movimento por uma
Educação do Campo, que desde 2002 obteve reconhecimento em lei da
necessidade e especificidades da educação no e do campo (Diretrizes
Operacionais da Educação do Campo) (D’AGOSTINI, 2009, p. 112).

A pauta de reivindicação do MST não se concentra pontualmente em uma única


ação, é fruto de sua prática histórica na luta pela Reforma Agrária. A questão da
necessidade de formação de professores se constitui desde as primeiras formulações
do MST sobre a educação nos acampamentos e assentamentos. Na I Conferência ao
se contextualizar a realidade da educação básica no campo no texto “Por uma
educação básica do campo: texto –base” foi registrado, no item sobre a docência, que
existem problemas de valorização do magistério e formação de professores que não
são somente no meio rural, mas de todo o sistema educacional brasileiro. Mas o que
todos sabem é que estão no meio rural algumas dos principais problemas salariais de
professores, da carência de formação inicial e continuada de professores.

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É a partir dessa realidade que o trabalho realizado pelo Setor de Educação do


MST é reforçado pelas reivindicações do referido movimento no Abril Vermelho. A
pauta apresenta de forma direta e objetiva que o MEC elabore um “Programa Nacional
de Formação de Educadores e Educadoras” para que 5 mil educadores tenham
acesso ao ensino superior, com material didático-pedagógico, auxílio-moradia e
alimentação. O prazo estipulado era o ano de 2005 e 2006. A pauta ainda previa o
acesso à formação de 10 mil professores em cursos de magistério e cursos de
atualização pedagógica para outros 10 mil educadores.
Das pautas sobre educação que foram entregues ao governo federal pelos
movimentos sociais do campo nos anos de 2003 a 2006, constatamos que houve uma
ampliação das demandas, devido a dois fatores: primeiro, a realização da II
Conferência Nacional de Educação do Campo realizada em 2004 e, segundo, pela
criação na estrutura do Ministério da Educação - MEC, em 2004, da Secretária de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD, que proporcionou
ampliação do espaço receptivo para o tratamento das pautas e construção de
consensos.
Considerando a hipótese acima levantada, a partir do conjunto de pautas sobre
educação do campo dos movimentos sociais, constatamos que não só aumentaram
as demandas como também o número de movimentos sociais demandantes.
Podemos afirmar, nesse sentido que a educação e principalmente a demanda por
formação inicial de professores unificou os movimentos sociais do campo na luta por
políticas públicas. As reivindicações vão ser apresentadas diretamente à SECAD
utilizando-se das comissões e grupos de trabalhos organizados pelo governo.
É necessário realizarmos uma reflexão crítica desse processo. As pautas bem
como a participação em grupos permanentes de trabalho no espaço da sociedade
política, tem demostrado que a estratégia dos movimentos sociais e sindicais tem sido
a de reivindicar e propor políticas públicas no âmbito do Estado, ou seja, estão
travando as lutas na maioria por dentro do Estado. Esse processo tem demandado

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que algumas das lideranças dos movimentos sociais participem organicamente da


estrutura política governamental, a consequência de estar nesses espaços sem, ter
como horizonte a estratégia de luta dos movimentos sociais e da classe trabalhadora,
pode ser o distanciamento da base social, o enfraquecimento do próprio movimento
e, portanto da luta de classe, dificuldades em manter a autonomia e acreditar que é
possível revolucionar a ordem do capital por dentro do Estado. Faz-se fundamental
que a participação na sociedade política não seja de forma individual mas, tendo
presente a luta, as pautas coletiva e não se distanciar da base, caso contrário a
cooptação passa ser uma questão de tempo.
Se observarmos, mesmo que de forma imperícia, constatamos algumas
conquistas pontuais, que consideramos importante, mas que se limitam a polícias de
editais e programas e que na correlação de forças não afetam a estrutura fundiária e
não tem possibilitado avançar nas pautas de reivindicações dos trabalhadores do
campo, principalmente nos últimos dois anos.

2. Políticas públicas ou programas para a educação do campo?

Política pública ou programa? Essa é uma questão fundamental que devemos


considerar, muito embora seja possível uma resposta empírica de forma imediata.
Considerando o conjunto de ações da SECADI, a resposta seria um conjunto de
programas. Um dos elementos que nos permitem tal afirmação é considerar o quadro
de trabalhadores na estrutura interna do MEC. Segundo Carreira (2015), existe uma
deficiência de funcionários em todo o MEC, mas em especial na SECADI que durante
anos vem contratando consultores temporários por meio de agências multilaterais,
sendo os contratos renovados até o limite legal. Esse tipo de contrato leva a um
vínculo precário e rotativo de trabalhadores, os quais na maioria das vezes são
responsáveis pelo acompanhamento e execução dos programas. Esses

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trabalhadores, por terem contratos temporários e não serem concursados, quando


encerram os contratos levam a memória, a técnica, a experiência e o conhecimento
adquirido na execução das políticas, ações e programas da Secretaria. Essa não é
uma situação acidental, parece-nos ser uma ação estratégica de fragilização da
execução da política pública, o que coaduna com as formulações das agências
multilaterais de desresponsabilização do Estado no atendimento da educação e a
terceirização das ações.
O Relatório de Gestão (2004 -2013) da SECADI registra que em 2004 a referida
secretaria contava com 217 trabalhadores e que em 2013 passou a contar com
apenas 80, sendo que o número de programas e ações mais que dobrou. Isso leva à
compreensão de que a educação e, em nosso caso, a educação do campo, enfrenta
dificuldades de avançar nas ações do governo. O atendimento às reivindicações dos
movimentos sociais é realizado em ações morosas, envolvendo, geralmente mais que
uma secretaria e por meio de editais.
Contudo, destacamos que o curso de Licenciatura em Educação do Campo
nasce de uma demanda coletiva, de sujeitos organizados em movimentos sociais com
a intencionalidade de elevar a capacidade de compreensão das relações sociais,
formação política e de consciência de classe, ou seja, procurar avançar na correlação
de forças.
No que diz respeito à educação do campo e à formação inicial de professores,
o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
-PROCAMPO - é construído como um programa que possui ações estruturadas a
partir de editais, que passamos a discutir.
Mesmo sem avaliação ou conclusão dos projetos pilotos, o MEC lançou em
2008 o Edital nº 02/2008 convocando as Instituições de Ensino Superior do país a
apresentarem projetos de criação da nova Licenciatura. Na mesma perspectiva e sem
alterar o conteúdo, o Ministério lançou em 2009 o Edital nº 09/2009. Nesses editais,
acentua-se como objetivo do PROCAMPO apoiar e fomentar “projetos de cursos de

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licenciatura específicos em educação do campo que integrem ensino, pesquisa e


extensão e promovam a valorização da educação do campo e o estudo dos temas
relevantes concernentes às suas populações” (BRASIL, 2008, p. 01).
O edital de 2008 recomenda ainda que “os projetos apoiados deverão
contemplar alternativas de organização escolar e pedagógica” que venham contribuir
com “a expansão da oferta da educação básica nas comunidades rurais e para a
superação das desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações do
campo” (Idem, p.01), além de exigir que os projetos pedagógicos da Licenciatura em
Educação do Campo contemplem os seguintes critérios:

Os projetos devem prever: a) criação de condições teóricas, metodológicas e


práticas para que os educadores em formação possam tornar-se agentes
efetivos na construção e reflexão do projeto político-pedagógico das escolas
do campo; b) organização curricular por etapas presenciais, equivalentes a
semestres de cursos regulares, em Regime de Alternância entre Tempo-
Escola e Tempo-Comunidade, para permitir o acesso e permanência dos
estudantes na universidade (tempo-escola) e a relação prática-teoria-prática
vivenciada nas comunidades do campo (tempo comunidade); c) a formação
por áreas de conhecimento previstas para a docência multidisciplinar –
Linguagens e Códigos, Ciências Humanas e Sociais, Ciências da Natureza e
Ciências Agrárias, com definição pela universidade da(s) respectiva(s)
área(s) de habilitação; d) e a consonância com a realidade social e cultural
específica das populações do campo a serem beneficiadas, segundo as
determinações normativas e legais concernentes à educação nacional e à
educação do campo em particular (BRASIL, 2008, p. 02).

Por fim, o edital recomenda ainda a articulação das instituições com os Comitês
Estaduais de Educação do Campo, onde existirem, e com o conjunto de movimentos
sociais e sindicais do campo, com a correspondente descrição desta colaboração na
elaboração ou implementação do projeto.
Nesse momento abrimos um parêntese para registrar que no governo de Dilma,
as políticas públicas para a educação do campo serão aglutinadas em um único
programa, como um grande guarda-chuvas, o Programa Nacional de Educação do
Campo (PRONACAMPO).

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Em 2012, o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo) foi


lançado e respaldado pela Portaria nº 86, de 1º de fevereiro de 2013 (BRASIL/MEC,
2013). Ele consiste em um conjunto articulado de ações de apoio aos sistemas de
ensino, para a implementação da política de Educação do Campo, conforme disposto
no Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010 (BRASIL/MEC Portaria nº 86, de 1º
de fevereiro de 2013). De acordo com o governo, esta política pública oferece apoio
técnico e financeiro aos projetos municipais, estaduais e federais. Tem o propósito de
ampliar e qualificar a oferta de educação básica e superior às populações do campo.
De acordo com o Decreto nº 7.352, de 2010, o público que supostamente seria
beneficiado pelo programa compreende: agricultores familiares, extrativistas,
pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados, acampados da Reforma Agrária,
trabalhadores rurais assalariados, quilombolas, caiçaras, povos da floresta, caboclos
e outros, que produzem suas condições materiais de existência a partir do trabalho no
meio rural, ou seja, o documento se apropria das discussões dos movimentos sociais
do que são as populações do campo.
O Art. 3º do Decreto nº 7.352 estabelece as bases pedagógicas e princípios da
Educação do Campo e Quilombola, afirmando o respeito à diversidade do campo, em
seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero,
geracional e de etnia. Seu objetivo é incentivar a formulação de projetos político-
pedagógicos específicos para as escolas do campo. Assim como estimular o
desenvolvimento das unidades escolares do espaço público, as quais apresentem
articulação de experiências e estudos direcionados para o desenvolvimento social,
economicamente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo
do trabalho.
O documento Brasil (2013) apresenta o Pronacampo e seu objetivo inicial de
apoiar tecnicamente e financeiramente os Estados, Distrito Federal e municípios para
a implementação da política de educação do campo. Tem como propósito a ampliação
do acesso e a qualificação da oferta da educação básica e superior, por meio de ações

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para a melhoria da infraestrutura das redes públicas de ensino, formação inicial e


continuada de professores, produção e a disponibilização de material específico aos
estudantes do campo e quilombola, em todas as etapas e modalidades de ensino
(BRASIL, 2013).
A constituição do programa se insere no momento de acirramento das disputas
na sociedade civil e do próprio do Estado, para a efetivação de projetos distintos. De
um lado as Agências multilaterais e a burguesia agrária lutando para manter sua
hegemonia e de outro os movimentos sociais, que no acirramento das contradições
do modelo capitalista lutam por políticas no Estado Ampliado, dentre elas as de
educação. Para Ribeiro (2013), existe uma necessidade urgente de construir e
executar um projeto de Educação integrado ao projeto popular de sociedade.
Podemos constatar que o Pronacampo é a manifestação da disputa pela
hegemonia das políticas públicas para o campo, pois ao mesmo tempo que sofre a
influência dos movimentos sociais e sindicais do campo, é disputado pelo
agronegócio. Essa correlação de forças se evidencia, por exemplo, no lançamento do
Pronacampo, no dia 20 de março de 2012, pois contou com a presença da presidente
da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu, a
qual elogiou o Pronacampo e afirmou que “com todo esse investimento, nenhuma
escola do campo vai mais fechar nesse país”. Para a presidente da CNA, “a educação
no campo é da maior importância para fazer com que o agronegócio seja cada vez
mais pujante. Não queremos um País de pobres e miseráveis, queremos que os
produtores, independente do tamanho da propriedade, tenham terras produtivas para
garantir lucro e dignidade para manter suas famílias” (BRASIL, 2013). A Senadora
Kátia Abreu destacou a parceria do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural –
SENAR - com o MEC, no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico
e Emprego - Pronatec, criado com o intuito de promover a inclusão social de jovens e
trabalhadores no campo. Das 120 mil vagas disponibilizadas, 50 mil serão destinadas

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ao SENAR, que promoverá cursos de capacitação voltados principalmente ao


empreendedorismo no meio rural (BRASIL, 2013)
Segundo consta no documento do Fórum Nacional de Educação do Campo
(FONEC) 129 , “Notas para análise do momento atual da Educação do Campo”, o
Pronacampo é expressão da hegemonia do capital internacional e do agronegócio que
se apropria das conquistas da classe trabalhadora em benefício próprio. Portanto,
aceitá-lo passivamente é aceitar a inclusão de algumas demandas da agricultura
familiar camponesa à agricultura capitalista, com o risco de ajudar a reproduzir a ideia
de que a conciliação de modelos de agricultura é possível, negociável, exatamente o
que tem impedido o avanço da luta e da formulação de um projeto alternativo para o
campo.
Para os participantes do FONEC, o desafio que se coloca é a proposição de
alternativas a esse programa, considerando as experiências de educação que
acontecem no próprio âmbito da Educação do Campo. Diante do exposto, é explícita
a posição conciliadora da sociedade política, visando atender ao agronegócio sem
deixar de atender aos movimentos sociais. Porém, cabe destacar que a maior parte
dos recursos e o empenho vem se dando para atender a pauta do agronegócio,
demonstrando a prioridade política do país e a correlação de forças em prol da
governabilidade.
Na questão específica da formação de professores, o Pronacampo incorporou
o PROCAMPO em seu “Eixo III: Formação de Professores” (este eixo trata da
formação inicial e continuada de professores das escolas do campo). O referido
programa como política pública ao mesmo tempo atende a demanda dos movimentos
sociais e acolhe a pauta do agronegócio de formação inicial, continuada e pós-
graduação para professores, gestores e coordenadores pedagógicos, que atuam na

129O Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC, foi constituído em Brasília, nos dias 16 e 17de Agosto de
2010. Tem a participação de Movimentos Sociais, Sindicais, Entidades e Universidades. Em 2012, nos dias 15, 16
e 17 de agosto, o FONEC realizou um encontro intitulado: SEMINÁRIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO,
e como resultado desse seminário foi produzido o seguinte documento: “Notas para análise do momento atual da
Educação do Campo”.
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educação básica do campo. O atendimento será por meio de tecnologia da Educação


à Distância ofertadas por instituições públicas de Ensino Superior como a
Universidade Aberta do Brasil (UAB), que expandirá 200 polos e serão destinados
recursos de apoio à sua manutenção, por meio do Programa Dinheiro Direto na
Escola.
Por sua vez, a demanda dos movimentos sociais continua sendo atendida
parcialmente através de editais. Em 2012, por meio do Edital de Seleção n.º 02/2012-
SESU/SETEC/SECADI/MEC, o MEC solicitou que universidades públicas em
diferentes regiões do país encaminhassem projetos político-pedagógicos para o
desenvolvimento dos cursos de Licenciatura com no mínimo 120 vagas para cursos
novos e 60 vagas para ampliação de cursos já existentes, na modalidade presencial.
A realidade nos mostra que os dados acima apresentados são as metas
estabelecidas pelos editais, o que não significa uma efetiva implementação dos cursos
de Licenciatura em Educação do Campo nas universidades, pois também nas
universidades esses cursos sofrerão as determinações da política hegemonizada pelo
capital e pela concepção de mundo dos que dela participaram, tencionando ora para
os princípios de origem da Educação do Campo vinculada aos movimentos sociais do
campo, ora para atender as demandas do agronegócio.

Referências

BRASIL. Edital de seleção nº 02/2012 - SESU/SETEC/SECADI/MEC. Brasília,


2012.

BRASIL. Edital nº 2, de 23 de abril de 2008: Chamada pública para seleção de


projetos de instituições públicas de ensino superior para o PROCAMPO, Brasília,
2008.

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BRASIL. Portaria Nº 86, de 1º de fevereiro de 2013. Institui o Programa Nacional


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CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3. ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2004.

CALDART, Roseli. Salete; PEREIRA, I. B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G.


(orgs.). Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.

CARREIRA, Denise. Igualdade e diferenças nas políticas educacionais: a


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D’ADOSTINI, A. Educação do MST no Contexto Educacional Brasileiro. Tese (e


Doutorado em Educação) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.

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Seminário Nacional da Educação do Campo, realizada em Brasília nos dias 15 a 17
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FOSTER, John B. Educação e a crise estrutural do capital: o caso dos Estados


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MOLINA, Mônica C.; FERNANDES, Bernardo M. (orgs.). Contribuições para a


construção de um projeto de educação do campo. Brasília: Articulação Nacional
por uma Educação do Campo, 2004

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PALUDO, Conceição; DOLL, J. Pesquisa e formação de educadores nos


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se formam os sujeitos do campo? Idosos, adultos, jovens, crianças e educadores.
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VENDRAMINI, C. Educação e Trabalho: reflexões em torno dos movimentos sociais


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MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA E


EDUCAÇÃO DO CAMPO130

Jordana Santos Paraíso*


Lara Caroline Lavigne Amaral**
Laiana Silva de Oliveira Foeppel Dias***
Maria Orlandia de Melo Belmiro****

Resumo
Este trabalho analisa questões sócio-educativas no Brasil cujo foco é a educação do
campo e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Buscou-se investigar a
conjuntura histórica da luta por essa educação, com a finalidade de alcançar uma
compreensão no processo de educação camponesa, conhecendo e buscando o
entendimento da proposta pedagógica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, logo, podendo verificar seu modelo pedagógico. Inicialmente, o movimento
enfrentou muitos desafios, problemas e preocupações, porém, ao longo do tempo,
logrou êxito através de trabalho conjunto executado pelos participantes do
movimento. A proposta de educação do MST segue dois eixos principais: Luta pelo
direito à educação e Construção de uma nova pedagogia. Durante a realização deste
trabalho, foram realizadas pesquisas em trabalhos que discutem movimentos sociais;
o MST; sua história e propostas pedagógicas na educação brasileira e no campo.
Salienta-se que a ação do Movimento Social Sem Terra é fundamental para o
progresso da educação do campo e esta educação é um passo para o sucesso da
reforma agrária no cenário político brasileiro.

130 Texto produzido como crédito disciplina Movimentos Sociais e Educação do Campo, ministrada pelas
professoras Drª Arlete Ramos dos Santos e M.a. Luciene Rocha Silva, na Especialização em Educação do Campo
da UESC.
* Graduada em Letras, pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Graduada em Hotelaria, pelo Instituto

Federal de Alagoas (IFAL); Especialista em Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa, pela
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Especialista em Metodologia de Ensino em Educação Profissional,
pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Graduanda em Dança, pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Pós-graduanda em Educação do Campo, na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
** Graduada em Zooctecnia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Mestre em Ciências

Veterinárias, pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Pós-graduanda em Educação do Campo, na


Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC.
*** Graduada em Pedagogia, pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR); Graduanda em Teologia, na

Faculdade de Teologia Integrada (FATIN); Especialista em Psicopedagogia Institucional, Clínica e Hospitalar,


do Instituto Superior de Educação Ocidemnte (ISEO), Núcleo de Pós-Graduação de Itabuna (NPGI); Pós-
graduanda em Neuropsicopedagogia da Educação, no Instituto Superior de Educação Ocidemnte (ISEO),
Núcleo de Pós- Graduação de Itabuna (NPGI); Pós-graduanda em Educação do Campo, na Universidade
Estadual de Santa Cruz- UESC, Ilhéus-BA. E-mail: laiana-oliveira@hotmail.com
**** Graduada em Ciências do Desporto e Educação Física, pela Universidade de Coimbra - Portugal. Licenciada

em Educação Física, pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Especialista no Ensino Estruturado para
Autista, pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL); Pós-graduanda em Educação do Campo, na Universidade
Estadual de Santa Cruz-UESC.
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Palavras-chave: Capitalismo. Educação do Campo. Movimentos Sociais. Políticas


Sociais. Políticas Públicas.

Introdução

A educação do campo vem ganhando força nos últimos anos. Ela surge
através de lutas de movimentos e mobilizações de trabalhadores diante de toda
situação precária e falta de condições para sobrevivência que vem enfrentando
(VENDRAMINI, 2007). Estes movimentos refletem um processo da transformação
social reivindicando o sistema capitalista e almejando uma organização da
sociedade em que se tenha menos desigualdades sociais, com uma distribuição de
renda equilibrada, diminuindo a distância entre as classes. Em uma análise sobre a
educação do campo e o contexto social dos camponeses, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) traz uma referência, assim como análise
crítica das atuais políticas públicas e suas ações positivas e negativas para o setor
agrário no Brasil.
O MST é um Movimento de luta social e organização política dos
Trabalhadores Sem Terra e tem como eixo central de atuação a luta pela terra
visando a Reforma Agrária. Uma das lutas deste Movimento é a educação nos
acampamentos e assentamentos, visto que, precisam adquirir uma educação
adequada para a realidade em que vivem. Dessa forma, a educação começa a ser
averiguada pelos membros do movimento que notam a necessidade e a importância
desse aspecto (CARVALHO, 2008).
O Setor de Educação do MST iniciou em 1987 e como todo processo que se
inicia, enfrentou desafios, problemas e preocupações, levando em conta a sua
relação com o movimento mais amplo, que justifica a própria existência deste mais
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restrito. A vitória resultou de um trabalho conjunto feito ao longo de anos pelos


participantes do movimento. A proposta de educação do MST seguia inicialmente
dois eixos principais: Luta pelo direito a educação e construção de uma nova
pedagogia (CARVALHO, 2008). A prioridade e especificidade da educação que os
movimentos sociais anseiam, relaciona o MST, que valoriza seu meio como princípio
educativo, buscando transformar as relações de produção (capitalismo) e sociais no
campo. A partir daí, pode-se ver um movimento pedagógico de formação de sujeitos
sociais e de seres humanos, que pode remeter a uma questão de origem da própria
reflexão pedagógica, ou da reflexão da educação como formação humana. Assim,
surge a seguinte problemática: Qual escola ou modelo pedagógico é necessário
para atingir a pedagogia do MST?
Por meio dessas observações e análises feitas acima, o objetivo do presente
estudo é conhecer e buscar entendimento da proposta pedagógica deste movimento
social e assim, poder verificar qual modelo pedagógico se adequa ao MST. A
pesquisa se restringe ao MST uma vez que este Movimento Social possui maior
tempo e na sua importância na luta pela causa educacional e no grande número de
informações que ele traz sobre a Educação do Campo.

1. Transformação social e educação do campo nos movimentos sociais

Os movimentos sociais do campo refletem um processo de transformação


social, reivindicando o capitalismo e almejando o socialismo, onde em uma análise
sobre a educação do campo e o contexto social dos camponeses, estes movimentos
trazem uma referência, assim como análise crítica das atuais políticas públicas e
suas ações positivas e negativas para o setor agrário no Brasil.
Considerando a luta pelo acesso à terra, dos movimentos sociais do campo,
da reforma agrária e, por conseguinte da Educação do Campo, Marlene Ribeiro

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(2007), analisa o Campesinato brasileiro, como todas as figuras da diversidade do


meio rural, onde segundo a autora, estes sujeitos em meio a uma “revolução
democrática” luta pelo acesso à terra, reivindicando melhorias de políticas públicas
específicas para o camponês brasileiro.
Desde 1920 a educação rural teve uma expansão quantitativa, porém ainda
continuou precária não conseguindo garantir escolaridade mínima ao homem do
campo (VENDRAMINI, 2007). Sistematicamente a educação do campo vem sendo
desqualificada como espaço de prioridade para políticas públicas. Podemos citar
como exemplo o Plano Nacional de Educação (PNE), que é um documento oficial
da política brasileira, o qual segundo Souza (2012) em todas as metas o PNE faz
referência a Educação do Campo. O PNE prevê ainda a formação de professores
do campo com a implementação de “programas específicos para a formação de
professores para as populações do campo, comunidades quilombolas e povos
indígenas” (BRASIL, 2010), tornando essencial a formação inicial e continuada para
assegurar a identidade do Campo. Ainda a educação do campo tem como objetivo
evidenciar a luta dos trabalhadores do campo, visando considerar sua diversidade
cultural. O projeto de lei nº 8.035, artigo 8, parágrafo 1º, diz que

Os entes federados deverão estabelecer em seus respectivos planos de


educação metas que considerem as necessidades específicas das
populações do campo e das áreas remanescentes de quilombos, garantindo
equidade educacional (BRASIL, 2010b).

Para Caldart (2003) a escola do campo deve reconhecer os sujeitos sociais


e inseri-los na escola, valorizando seus saberes, os quais podem intervir e
transformar as relações sociais, construindo a escola voltada para os sujeitos reais
e seus objetivos educativos.
Os sujeitos inseridos nos movimentos sociais do campo, tem consciência e
reconhecem a exploração social do capitalismo, e acabaram se tornando sujeitos
de ação política, visando transformar uma sociedade, em que não houve uma

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efetivação, em virtude de alianças entre o latifundiário e a política do clientelismo,


em que predomina a lentidão e o atraso das mudanças, segue relato de José Souza
Martins (1994).
As transformações sociais e políticas são lentas, não se baseiam em
acentuadas e súbitas rupturas sociais, culturais, econômicas e
institucionais. O novo surge sempre como um desdobramento do velho: foi
o próprio rei de Portugal, em nome da nobreza, que suspendeu o medieval
regime de sesmaria na distribuição de terras, foi o príncipe herdeiro da
Coroa portuguesa que proclamou a Independência do Brasil: foram os
senhores de escravos que aboliram a escravidão; foram os fazendeiros que
em grande parte se tornaram comerciantes e industriais ou forneceram os
capitais para esse desdobramento histórico da riqueza do país (p. 30).

Os movimentos sociais deram origem a luta pela terra, através de


organizações camponesas que lutavam pela tentativa de rupturas dos segmentos
das classes dominantes, como o investimento no agronegócio, contrapondo às
estratégias da agricultura familiar brasileira, quando suas matrizes ensejam a
reforma agrária, assim como é um obstáculo para o desenvolvimento da agricultura
familiar e de assentamentos, os quais confrontam o modelo de desenvolvimento
agrário e a imobilidade do estado através da luta de movimentos sociais.
Neste cenário de luta e acesso à terra, o campesinato através dos
movimentos sociais, evidenciam a necessidade de uma educação voltada para o
campo, com uma proposta de transformação do homem camponês.
Deve-se contemplar o princípio básico e fundamental da educação do campo,
pois, a mudança deve ser preconizada, além das estruturas sociais e econômicas
do país, tendo uma política educacional que atenda à diversidade, amplitude e que
dê protagonismo à população camponesa e a educação seja vinculada ao trabalho
e sua vida no meio rural (FERNANDES, 2005).
Conforme o Estatuto da Terra, no Capítulo III,

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte

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anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida
em lei. (BRASIL, 1964)

Dessa forma a reforma agrária visa uma distribuição igualitária de terras para
a permanência do camponês, em que a educação do campo se justifique com a
conquista e permanência dos camponeses na terra para o cultivo em contraposição
ao agronegócio, que defende interesses capitalistas associados à indústria e
comércio.

2. Pedagogia do MST

A prioridade e especificidade da educação que os movimentos sociais


anseiam relacionada ao MST valoriza seu meio como princípio educativo, buscando
transformar as relações de produção (capitalismo) e sociais no campo.

Os primeiros conhecimentos de toda criança estão ligados a seu habitat. Os


conhecimentos da criança rural estão ligados a vida na roça, mas os
conteúdos oferecidos a ela pela escola tradicional partem do princípio de que
para ser culto, é preciso ser letrado, contando com uma formação típica para
os desafios do mundo urbano e submetendo a criança a um calendário
escolar que não valoriza a prática de seus pais, nem a sua dimensão
temporal, uma vez que esse calendário é elaborado para ser praticado a partir
do ano civil e não do ano agrícola, mais próximo à realidade do homem do
campo (BEZERRA NETO, 1999, p. 74).

Assim, analisando o autor, surge a problemática: Qual escola ou modelo


pedagógico é necessário para atingir a pedagogia do MST?
Inicialmente acreditava-se ser apenas uma luta por direitos sociais, garantida
por direito constitucional, deparando-se com a noção de transformar a escola, que
se ajuste em forma e conteúdo aos sujeitos que dela necessitam.
Nesse contexto de mobilização, a Constituição Federal de 1988 assume um
compromisso entre Estado e sociedade garantindo que todos os brasileiros tenham

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acesso a uma educação para todos, visando o respeito e a adequação de valores


culturais e regionais. A própria LDBEN nº 9394/1996 determina a adequação do
calendário escolar às peculiaridades da vida rural e de cada região, onde nos, artigos
26 e 26 evidencia uma reorganização curricular para as escolas rurais, conforme
dispõe os artigos:

Art. 26: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e
da clientela. Art. 28: Na oferta da educação básica para a população rural,
os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua
adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente.
Incisos: I- Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II- Organização escolar
própria, incluindo a adequação do calendário escolar as fases do ciclo
agrícola e as condições climáticas; III- Adequação à natureza do trabalho na
zona rural (BRASIL, 1996).

Assim não existe um modelo próprio ou revolucionário de escola campesina,


mas é necessário alterar a postura do professor (mediador) para dispor de uma
sensibilidade em uma pedagogia do movimento, considerando a diversidade dos
sujeitos, em um processo de transformação e desburocratização da estrutura escolar.
Segundo os Princípios da Educação do MST, encontramos princípios pedagógicos
no Caderno n. 8 deste Movimento, onde aborda um desafio metodológico entre
processos de ensino e de capacitação em processos de produção do saber em:

a) No ensino, a principal característica é que o momento do conhecimento


(teoria) vem antes da ação. Na capacitação é o contrário: a ação antecede
o conhecimento sobre ela.
b) Quem ensina é o EDUCADOR (seja uma professora, a escritora de um
texto, os pais...); quem capacita é uma ATIVIDADE OBJETIVADA, ou seja,
um tipo de situação objetiva que provoca a pessoa a aprender a reagir
diante de um problema concreto que lhe cria. Não desapareça o papel do
educador/da educadora; apenas muda substancialmente. Na lógica da
capacitação, o que lhe cabe é colocar o educando/ a educanda em relação
com a atividade objetivada, ou até inventá-la, se ela não existe na realidade
atual. Isto quer dizer, provocar necessidades de aprendizagem.
c) O ENSINO resulta em saberes teóricos ou, poderíamos dizer
simplesmente em saber, A CAPACITAÇÃO resulta em saberes práticos ou,
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como temos preferido chamar, em saber-fazer (habilidades, capacidades)


e em saber- ser (comportamentos, atitudes, posicionamentos). (MST,
1997, p.11)

Assim a educação do Campo deve combinar processos de ensino com os de


capacitação, ambos importantes assegurando diferentes dimensões.
Dimensões: resgate da dignidade; construção de uma identidade coletiva;
construção de um projeto educativo de escolarização com formação humana, sendo
esta prioridade, para assumir esta identidade social e pessoal. Um desafio
pedagógico seria uma síntese cultural para ressignificar e transformar ações
considerando a cultura e experiências para paralisar a degeneração de contra
valores.
Vinculando a Educação com o trabalho com objetivos políticos e pedagógicos
segundo os Princípios da Educação do MST, em seus princípios pedagógicos no
Caderno n. 8 deste Movimento, pode ser entendida em duas dimensões:

a) Educação ligada ao mundo do trabalho. Isto quer dizer que nossos


processos pedagógicos (e especialmente as escolas), não podem ficar
alheios às exigências cada vez mais complexas dos processos produtivos,
seja os da sociedade em geral, seja os dos assentamentos em particular. A
escola não tem como único objetivo a formação do trabalho; mas é um local
privilegiado para também dar conta dela. E pode fazer isto tanto selecionando
conteúdos vinculados ao mundo do trabalho e da produção, como também
proporcionando e/ ou acompanhando experiências de trabalho educativo com
seus estudantes.
b) O trabalho como método pedagógico. Quer dizer, a combinação entre
estudo e trabalho como um instrumento fundamental para desenvolvermos
várias dimensões na nossa proposta de educação.

Propostas:
- o trabalho como prática privilegiada capaz de provocar necessidades de
aprendizagem, o que tem a ver como o princípio da relação prática e teoria,
com a construção de objetos de capacitação, e com a ideia de produzir
conhecimento sobre a realidade;
- o trabalho como construtor de relações sociais e, portanto, espaço
também privilegiado de exercício da cooperação e da democracia;
- estas mesmas relações sociais como lugar de desenvolvimento de novas
relações entre as pessoas, de cultivo de valores, de construção de novos
comportamentos pessoais e coletivos em comum, de cultivo também da
mística da participação nas lutas dos trabalhadores, e da formação da
consciência de classe. (MST, 1997, p. 16)
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Assim é essencial uma quebra de paradigma para a formação de novas


mentalidades, com a formação dos cidadãos em geral, considerando a comunidade
e seus processos educativos, onde denota a diversidade da cultura em busca de
uma emancipação social, resignificando as forças em agrupamentos humanos
como política organizada.
Semelhantemente a Secad/MEC (2007, p. 13) esclarece que

Para se conceber uma educação a partir do campo e para o campo é


necessário mobilizar e colocar em cheque ideias e conceitos há muito
estabelecidos pelo senso comum. Mais do que isso, é preciso desconstruir
paradigmas, preconceitos e injustiças, a fim de reverter às desigualdades
educacionais, historicamente construídas, entre campo e cidade.

Descontruir paradigmas e considerar a valorização da cultura do campo.

3. Movimentos sociais e redemocratização brasileira

Os movimentos sociais posicionam-se como sujeitos autônomos ou


“parceiros” do governo para a implementação de políticas públicas?
A crítica considera três dimensões:
 O Agronegócio, afasta a possibilidade da reforma agrária;
 Cooptação dos movimentos sociais, cooptados por políticas públicas;
 Reformista.
Assim, mesmo não contribuindo para um projeto revolucionário, avança para
a criação de políticas públicas afirmativas que atendam os interesses do camponês
trabalhador do campo.
Em consonância a isto, ainda há a fragmentação de políticas públicas e os
entes da federação, enfraquecedoras das ações pedagógicas propostas pelos
movimentos sociais, a exemplo o Pronacampo e a Escola Ativa.
Considerando o institucionalizado as especificidades culturais e o respeito às
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suas identidades e diferenças, no que segundo Santos (2013), é denominado de


empowerment, que leva em consideração as subjetividades do ser humano e seu
sentimento de pertença.
Ainda segundo Santos (2013),

Essa participação, também chamada de “cidadania ativa”, conseguida por


meio das lutas dos movimentos sociais e sociedade civil no processo de
redemocratização do país, se expressa no direito de o eleitor poder governar
com o eleito. Tal conquista está destacada em vários artigos da Constituição
Federal de 1988. Por não se constituírem objeto de análise principal dessa
pesquisa, foram escolhidos apenas dois exemplos que servirão para
comprovar a referida forma de mudança de paradigma de organização das
mobilizações dos atores coletivos a partir desse momento.
Art. 14: A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e
pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante: I – plebiscito; II
– referendo; III – iniciativa popular.
Art. 204: As ações governamentais na área da assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos
no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes
diretrizes: [...]
II – participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em
todos os níveis (p.54).

Em um contexto de legalização de leis e representatividade de democracia


direta, foi evidenciado crises dos movimentos sociais com o ensejo de escolha de
representantes para a formulação das políticas públicas. Ainda segundo a mesma
autora,
Outro aspecto da crise é que, com o processo de redemocratização da década
anterior, em algumas prefeituras, o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou
as eleições, e muitas lideranças de movimentos sociais passaram a assumir
cargos públicos nesses espaços, sendo que alguns deles foram cooptados
pelo capital. Além disso, o governo federal, naquele período, passou a
implementar as políticas neoliberais, ocasionando desemprego, aumento da
violência e da pobreza urbana e rural. Os sindicatos também foram
desmobilizados, pois devido ao grande número de desempregados, a luta
passou a ser pela manutenção do emprego, e não para as conquistas
salariais e de carreira.
Ganhou também expressividade, nesse período, outros atores
sociais, como as ONGs e outras entidades do Terceiro Setor. As lideranças
que ocuparam cargos públicos fizeram gerar uma nova dinâmica em que os
movimentos sociais começaram a atuar em redes e a fazer parte da agenda

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do governo nos congressos e manifestações públicas, concorrendo junto aos


demais parlamentares pelos recursos na implementação de políticas
públicas, ocorrendo o que preconiza a teoria da MR dos Movimentos Sociais
(p.54-55).

Assim, observa-se uma estratégia do governo em institucionalizar os


movimentos sociais para a desmobilização destes.

4. Educação Popular

É uma educação projetada pelos sujeitos coletivos dos movimentos sociais em


contraponto à escola tradicional moderna, uma vez que a diversidade do movimento
camponês, constitui os movimentos sociais e a luta pela terra através da reforma
agrária, o movimento social, enquanto formador de uma identidade de classe, almeja
uma educação popular que considere sua cultura e tradições em antagonismo
educação rural, que nega sua cultura, anulando seus conhecimentos tradicionais com
a terra, considerando sua linguagem e culturas atrasadas.
Atualmente, o modelo civilizatório de educação rural é urbanocêntrica, pois
simplesmente, reduz-se as experiências ao trabalho. A educação escolar é uma
modalidade educativa, determinada apara um público específico. A educação
burguesa considera processos escolares, negando o aprendizado da experiência e da
cultura.
Segundo o Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas
Públicas (2014), as bases epistemológicas da educação popular, destaca categorias
que podem auxiliar a implementação de políticas públicas, como: dialogicidade,
amorosidade, conscientização, transformação da realidade e do mundo, partir da
realidade concreta, construção do conhecimento e pesquisa participante,
sistematização de experiências e do conhecimento.
A partir da realidade concreta, segundo o Marco de Referência da Educação
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Popular para as Políticas Públicas (2014),

A Educação Popular assume a realidade enquanto uma totalidade concreta,


questionando a fragmentação do conhecimento, que leva por vezes à
excessivos graus de especializações que impedem, com isso, um
entendimento integrado das práticas sociais e simbólicas de determinado
sistema social (p. 43 - 44).

Neste sentido, Freire (1996) afirma que nas relações políticas e pedagógicas
com os grupos populares,

não posso desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do


mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo.
E tudo isso vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo de leitura
de mundo que precede sempre a leitura da palavra (p. 49).

Visando conter o êxodo rural; em 1940/1950, surge a partir daí o ruralismo


pedagógico com a revolução verde e, a consequente imposição do modelo de país
desenvolvido e a importação de máquinas, posteriormente, a educação assume
características imputadas pelo Estado. O ruralismo pedagógico consistia em ideais
que fixassem o homem no campo por meio de uma escola adaptada para seus
interesses. As propostas ruralistas respondiam apenas aos anseio e necessidades
que possibilitaram a transmissão de conteúdo para a formação dos trabalhadores,
contrário ao de criação de escolas normais visando a formação dos sujeitos
docampo. Ainda, na ausência das escolas, os cursos seriam viabilizados a partir de
conteúdos que pudessem contar com as seguintes disciplinas, conforme Ary Lex
(1973, p.250),
a- Higiene Rural: alimentação; cuidados corporais; higiene doméstica;
combate às moléstias; b- Sociologia Rural: que estudaria os principais
problemas criados pela vida social do campo, a fim de que os professores
pudessem interpretá-los e cooperar na sua solução; c- Educação Rural:
ensino da leitura e da linguagem no meio rural; educação física; jogos e todos
os ensinos através de centros de interesse rurais; d- Atividades Rurais:
visando a estimular nos mestres a simpatia pelo campo, para que depois eles
a transmitissem aos alunos

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Desta forma, os cursos visavam atender a demanda rural, levando em


consideração a debilidade da formação educacional, assim como a falta de atrativos
no campo para estes sujeitos sociais.
Contrapondo a este contexto, Educação do Campo articula-se com a luta da
reforma agrária, em busca de uma educação popular em que seja transmitida sua
identidade.
A educação do campo dinamiza e traz possibilidades para uma formação
ligada e articulada ao trabalho, cultura e práticas sociais. Um grande desafio é
vincular e formar para um processo de aprendizagem vinculado à realidade social.
(BRASIL/MEC. Portaria nº 86, de 1º de Fevereiro de 2013)
A pedagogia da alternância e a educação rural, diferenciam-se em sua
formação, no que tange ao atendimento a interesses capitalistas, que não associam
educação e trabalho, com a transmissão de conhecimentos abstratos, sem
correlação com sua realidade social. Os sujeitos do campo articulados em
movimentos camponeses e em consequentes lutas, associam a terra a práticas
educativas, uma vez que para atender às demandas educativas e enfrentar o capital
que representa o agronegócio, é necessário considerar a agroecologia.

5. Considerações Finais

Conclui-se que o MST, tem alcançado grandes conquistas com relação à


educação no campo. A batalha travada pelo MST é de vital importância no que se
refere à educação do campo e no campo, ou seja, com as necessidades do campo
e do povo que nele está de acordo com suas necessidades. Sendo assim, o
processo de ensino-aprendizagem destes sujeitos, estará relacionado à sua
realidade e não apenas de imposição de um currículo pré-moldado que não atinge
as necessidades dos campesinos.

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A Pedagogia do Movimento Sem Terra objetiva despertar na sociedade a


consciência do aprendizado em conjunto com a realidade desse Movimento, ou seja,
um segmento de escolaconjunta de pais, professores e alunos, mas há uma
vantagem muito importante em despertar nos alunos interesses em poder atender
as necessidades dos alunos que abrange significados e inovações. O MST nos
desperta a visão de que é possível sair do modelo de Educação padrão utilizado
nas escolas de zona urbana, que vem servir para dar continuidade a uma sociedade
desigual, o que não cabe nos princípios do MST. O que confere a pedagogia do MST
é a busca de cidadãos capazes de se organizar para educação e trabalho.
Entende-se que esta Pedagogia criada pelo Movimento está relacionada a
capacidade do indivíduo perceber-se na sua própria realidade. Ela pode preparar o
sujeito há como se organiza o trabalho e a conquista da autonomia de como se
organizar no trabalho, a preparação, mostrar como o trabalho é formativo para o ser
humano. Portanto, entendemos que as práticas da educação deste Movimento são
fundamentadas nas ações do próprio movimento, pela busca de uma escola que
reflita a proposta do Movimento.
Desta forma, entendemos, portanto, que uma luta social como a realizada
pelo MST produz e reproduz uma educação voltada para o dia-a-dia dos alunos,
exige e projeta dimensões relacionadas ao modo de vida das pessoas na
comunidade, onde se produz uma diversidade trabalhando com valores, posturas,
visões de mundo, tradições, costumes e assim provocando a reflexão de forma geral.
Dentre as propostas de educação do MST, vemos que a educação que eles
buscam não acontece apenas na escola, ela tem uma especificidade, buscando
trabalhar na teoria e na prática. Esse modelo de escola, busca almejar e assumir a
identidade do meio rural, os professores que veem da zona urbana precisam se
adaptar a essa realidade e a pensar o que entendem por pedagogia e a forma com
que o Movimento tem construído a sua identidade, pois a forma como a estrutura da
escola tem se apresentado, busca atender as necessidades dos sujeitos no campo

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e de forma a garantir a cultura dos campesinos.


E a luta contra o fechamento das escolas vai muito além, ela perpassa o
fechamento das escolas, lutando pela educação como um todo uma escola que
esteja realmente vinculada ao campo, a realidades dos sujeitos do campo, sendo
um processo de crescimento e leitura da realidade.

Referências

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pode colocar um pouco de luz num campo muito obscuro. Campinas: 2005.

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dez. 2010b.

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_________. Ministério da Educação. Portaria nº 86, de 1º de Fevereiro de


2013. Institui o Programa Nacional de Educação do Campo- Pronacampo, e
define suas diretrizes gerais.

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NARRATIVAS DO ITINERÁRIO DE UMA ESTUDANTE EM FORMAÇÃO NO


CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO 131

Janiele Nascimento Dos Santos*

Resumo
Este trabalho apresenta as narrativas de vida e formação de uma estudante do curso
de Especialização em Educação do Campo sobre o seu primeiro contato com uma
escola da zona rural. A coleta das informações foi obtida através de um estudo de
campo que utilizou a autobiografia como principal fonte de descrição. Dessa forma,
estabeleceu-se uma narrativa sobre a formação de um especialista em educação do
campo, buscando relatar as experiências que um aluno de tal pós-graduação vivencia
na busca por conhecimento a fim de contribuir para os estudos da área. O uso da
autobiografia como método de pesquisa guiou a aluna do referido curso, bem como
alargou seu conhecimento sobre a área em estudo, possibilitando ao leitor/aluno em
formação inicial ou continuada conhecer a partir da história de vida dessa discente a
realidade escolar no âmbito da educação do campo.

Palavras-chave: Educação do Campo. Narrativas de formação. Autobiografia.

Introdução

O individuo vive em constante expansão no quesito aprendizagem. Na vida


acadêmica essa expansão horizontal-vertical é constante e transformadora. Como
sinaliza Saviani (1991, p. 45) “o homem não se faz homem naturalmente. Para pensar

131Texto produzido como crédito da disciplina Movimentos Sociais e Educação no Campo, ministrada pelas
professoras Drª Arlete Ramos dos Santos e a M.a Luciene Rocha Silva, na Especialização Educação no Campo
da UESC.
* Graduada em Pedagogia, pela FAEL. Pós-graduanda em Educação no Campo, na Universidade Estadual de

Santa Cruz - UESC.


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e sentir, querer, agir ou avaliar, é preciso aprender, o que implica o trabalho


educativo”.
A pesquisa qualitativa ancorada no método autobiográfico e que versa sobre a
narrativa de professoras da Escola Nucleada situada no Maria Jape em Ilhéus-BA e
moradores do campo, deu embasamento ao presente artigo onde se buscou relatar
como se deu o primeiro contato de uma aluna graduada em pedagogia e estudante
do curso de Especialização em Educação do Campo com uma escola da zona rural,
visto que a maioria dos educadores de zona urbana nunca teve contato com uma
escola do campo.
O objetivo da pesquisa é mostrar as dificuldades, bem como as aprendizagens
adquiridas ao longo da jornada acadêmica, partindo do pressuposto que o curso
encontra-se no início e a aluna referida só tivera contato com duas matérias da
especialização. Contudo, os conteúdos adquiridos até o presente momento são de
grande importância para a vida acadêmica, lembrando que, na faculdade, nos cursos
de graduação, pouco se ensina sobre uma educação voltada para o campo, sendo
assim essa é uma área rica em conteúdo, aprendizado e história cultural a se explorar.
No momento que a discente narra a sua experiência, reflete e passa a conhecer
melhor seu processo de formação e foi nessa ótica que o presente trabalho levantou
questões sobre os caminhos que uma aluna de especialização pode enfrentar.
Em se tratando de educação do campo, essa hipótese pode se agravar,
levando em consideração a vasta e importante história por trás da educação do
campo, sendo assim, há um imenso caminho a percorrer para se autotitular um
especialista do campo.

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1. Narrativas sobre uma formação em formação: objetivos

A pesquisa autobiográfica construída com base em narrativas e estudo de


campo apresenta uma reflexão sobre a prática da formação continuada de uma
estudante fazendo um recorte nas escolas do campo, entendendo a narrativa
autorreferencial como um meio para trabalhar e significar essa produção. Levando em
consideração que a pesquisa autobiográfica permite ao pesquisador utilizar-se de
diversas fontes, como narrativas, história oral, vídeos, fotos, documentários e todos
os elementos de análise que possam auxiliar na compreensão de determinado caso
de estudo. Ao se trabalhar com essa metodologia o pesquisar reconhece uma tradição
em pesquisa socialmente construída por seres humanos que vivenciam a experiência
de modo abrangente, em que as pessoas estão em constante processo de
autoconhecimento. De modo que nesta tradição de pesquisa, o pesquisador não
pretende determinar generalizações estatísticas, mas, sim, compreender o fenômeno
em estudo, o que lhe pode até permitir uma generalização analítica. No entanto,

é preciso reconhecer que mesmo os mais impenitentes críticos do gesto


(auto) biográfico a ele se consagraram uma ou outra vez. Tudo se decide na
consciência do ato. No seu equilíbrio e sensatez. Na aceitação de que a (auto)
leitura, mesmo partilhada, não constitui uma verdade mais certa do que as
outras leituras. Não se trata de uma mera descrição ou arrumação de fatos,
mas de um esforço de construção (e de reconstrução) dos itinerários
passados. É uma história que nos contamos a nós mesmos e aos outros. O
que se diz é tão importante como o que fica por dizer. O como se diz revela
uma escolha, sem inocências, do que se quer falar e do que se quer calar
(NÓVOA, 2001, p. 7-8).

Desta forma, considerando os itinerários passados na construção e


reconstrução da história e do eu pesquisador, considerando as ricas vivencias
pesquisadas e ouvidas a presente pesquisa foi desenvolvida com os seguintes
objetivos:
 Orientar novos estudantes/pesquisadores no campo introdutivo da educação
do campo;
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 Externar a construção identitária de um profissional da docência em formação


continuada em educação do campo por meio de narrativas autorreferentes;
 Incentivar a continuidade no desenvolvimento compartilhado de novas (auto)
biografias (investigação-formação) no ramo da formação continuada, para que
possam contribuir com narrativas e histórias de vida na formação docente dos
demais acadêmicos.
Essa pesquisa autorreferente desenvolvida com base em uma escola nucleada
do Japu, no anexo Maria Vitória, localizado na cidade de Ilhéus no distrito Maria Jape,
pela autora e discente do curso de Especialização em Educação do Campo, Janiele
Nascimento dos Santos, onde toda trajetória da pesquisa é narrada com base em
vivências pessoais e narrativas de docentes e moradores do campo. “Visto que a
formação continuada não diz respeito apenas à participação em cursos, mas também
a busca individual de conhecimento, que se dá por meio da reflexão sobre a própria
ação na construção de uma identidade critica” (METZ, 1995. p.95) O discente se
constrói e se reconstrói por meio da ação, da busca e reflexão na construção da sua
identidade como profissional e como ser atuante na natureza. A busca por
conhecimento e aprimoramento na formação continuada agrega condições para o
êxito na docência, com uma formação de qualidade onde o docente se coloca no lugar
de estudante na busca do saber, do crescimento profissional e humano.
Quanto ao município de Ilhéus/BA, no qual fica situada a escola investigada,
este se encontra inserido no tradicional território produtor de cacau. Ilhéus possui uma
população de 184.236 habitantes (IBGE, 2010); deste contingente, 84,28% (155.281)
pessoas residem no meio urbano e 15,72% (28.955) pessoas moram no campo. A
superfície municipal estende-se por 1.841 km2, e registra densidade demográfica de
119,10 habitantes/km2. Ilhéus faz limite territorial com nove (9) municípios: Aurelino
Leal, Buerarema, Coaraci, Itabuna, Itacaré, Itajuípe e Itapitanga, sendo um dos
municípios de maior extensão territorial da região, com 1.760,004 Km2. Ilhéus
apresenta clima do tipo tropical úmido. A temperatura média oscila entre 22° e 25° C,

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maior e menor amplitude térmica registra-se na faixa costeira, devido à alta frequência
de nebulosidade. O regime pluviométrico atinge 2.000/2.400 mm/ano, com chuvas
bem distribuídas. A vegetação compõe-se por remanescentes da Mata Atlântica e
biomas associados – manguezais e restingas. (IBGE, 2010). No que se refere aos
sujeitos investigados, busquei a contribuição de professores e moradores da
localidade.

2. Recortes de um Eu em Construção: entendendo o que é uma escola/educação


do campo

Por meio de conversas informais, foi percebido que muitas pessoas não
conhecem a educação do campo ou até mesmo desconhecem que no meio da
“furesta” – fala de uma aluna do campo do anexo Maria Vitoria em Maria Jape - existe
escolas ou anexos “multissérie” (salas de aula onde o professor trabalha
simultaneamente com mais de uma série) e unidocente (um único professor para
várias disciplinas).
Em uma conversa com a professora aposentada Nancy Pereira que sempre
lecionou na cidade, foi feita a seguinte pergunta: Você conhece uma escola do campo
ou uma sala de aula multissérie?

Nunca tive contato com uma escola do campo, mas no decorrer dos trinta e
um anos em sala de aula já tive alunos oriundos da zona rural. Salas
multissérie? Deve ser complicado dar a devida atenção para diversas séries
ao mesmo tempo. Interessante sua pesquisa, nunca tinha voltado minha
atenção para a educação do campo (Transcrição da fala da PROFESSORA
NANCY PEREIRA).

Com base nessa e outras conversas, a presente pesquisa foi externada, visto
que a educação do campo era algo novo até mesmo para presente autora da
pesquisa. Seu primeiro contato teórico com a educação do campo foi feito de forma
breve na graduação, mas foi no curso de Especialização em Educação do Campo na
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UESC que esse mundo histórico e carente de políticas públicas foi revelado. Por isso,
será realizado um breve recorte histórico sobre educação do campo, utilizando como
base o artigo de Marlene Ribeiro sobre educação do campo:

A educação do campo, proposta em nível nacional durante a I Conferência


por uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia/GO, em1998,
emerge diante da constatação de que aos agricultores, doravante
identificados como camponeses, tem sido negada uma educação que os
estimule a continuar vivendo do seu trabalho da/na/com a terra. No mesmo
ano em que ocorre a I Conferência, também é instituído o Programa Nacional
de Educação da Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e, desde 2002, integrado ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O Pronera tem garantido os
recursos para a educação do campo em todos os níveis nos quais está
organizada, mas principalmente para os cursos de graduação e licenciaturas
(RIBEIRO, 2008, p. 90).

Os sujeitos que trabalham e vivem do campo e seus processos de formação


pelo trabalho, pela produção de cultura, pelas lutas sociais, não têm entrado como
parâmetros na construção da teoria pedagógica e muitas vezes são tratados de modo
preconceituoso, discriminatório. A realidade destes sujeitos não costuma ser
considerada quando se projeta um desenho de escola.
Por isso, existe a necessidade de uma educação do campo e no campo, com
um currículo que valorize a riqueza histórica e cultural como também os saberes pré-
existentes dos campesinos, um modelo de educação onde o camponês seja o cerne
no desenvolvimento dos currículos escolares.
Muitos são os desafios enfrentados para se concretizar de fato uma educação
do campo, pois em visitações a escola do campo durante a pesquisa, foi possível
observar que o currículo da referida escola em pesquisa continua engessado ao
modelo da zona urbana, negligenciando o diferente contexto vivido pelo aluno do
campo. Falarei mais sobre esse assunto no seguinte tópico, porém acredito que o
recorte feito sobre educação do campo caracterizou o que é uma educação/escola do
campo e o porquê da sua tamanha importância.

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3. Construção identitária de um profissional da docência em formação


continuada em educação do campo

Como relatado no tópico anterior, à educação do campo era algo novo para a
discente que acabara de ingressar no curso de Especialização em Educação do
Campo, mas seu interesse em aprender mais sobre esse mundo tão rico a levava
além, foi nesse anseio que a pesquisadora foi a campo conhecer de perto uma escola
do campo, pois como afirma Caldart (2008, p.65),

As pessoas se educam nas ações porque é o movimento das ações que vai
conformando o jeito de ser humano. As ações produzem e são produzidas
através de relações sociais: ou seja, elas põem em movimento outro
elemento pedagógico fundamental que é o convívio entre as pessoas, a
interação que se realiza entre elas, mediada pelas ferramentas herdadas de
quem já produziu outras ações antes (cultura); nestas relações as pessoas
se expõem como são, e ao mesmo tempo vão construindo e revisando suas
identidades, seu jeito de ser.

A identidade profissional é construída e moldada na troca, nas relações sociais


no nosso cotidiano ela indica quem somos profissionalmente e/ou quem buscamos
ser. Nessa construção do eu profissional, do eu pesquisador que se constrói e se
reconstrói a identidade do educador. Sendo assim, a autora buscou conhecer o dia a
dia em uma em área rural. E foi na escola Nucleada do Japu, no núcleo Maria Jape,
anexo Maria Vitoria que a autora vivenciou por meio da observação, como funciona
tal escola.
O anexo Maria Vitória conta com duas salas de aula, três banheiros sendo dois
de uso exclusivo das crianças, uma pequena cozinha e um pátio que serve para
transição, o anexo tem um terreno lateral que futuramente será transformado em uma
horta doméstica. Com uma equipe de três professores, uma merendeira e um auxiliar
de serviços gerais o anexo atende três turmas multisserie do primeiro ao quinto ano.
Foi inserida nessa realidade que a presente pesquisadora pôde conhecer a
realidade da escola do campo, que no caso da escola citada se trata de uma escola

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no campo. Pois a mesma segue o currículo da rede municipal da cidade de Ilhéus, um


modelo pedagógico ligado a uma tradição ruralista de dominação.
Contudo não entramos nessa análise, pois fugiríamos dos objetivos do dado
tópico, seguiremos na descrição das experiências vividas pela autora. Nessas breves
visitações conheci não só a escola, mas também um pouco da comunidade e das
historias ali narradas.
Como a história de vida da ex-aluna da escola e presidente da associação de
moradores que também tem a função de administradora do distrito Maria Jape, Rita
Maria Santana dos Santos muito receptiva (característica comum da maioria da
comunidade a qual tive contato) narrou sua trajetória de vida contando suas
experiências e lutas por esse distrito (Maria Jape). Foi um diálogo rico, pois, Rita Maria
cresceu trabalhando no campo e em um breve momento foi viver na cidade, porém; a
mesma não se adaptou a realidade urbana retornando e passando a viver como
agricultora no mesmo distrito onde crescera. Rita Maria tem uma rica história e contou
um pouco sobre sua vida escolar na infância:

Quando comecei a estudar não tinha ônibus, íamos de canoa ou a pé. As


pessoas que não tinham coragem de fazer isso estudavam apenas até a
quarta série... Aqui tem um monte de gente que só estudou até a quarta série.
Tem quatorze anos que tem ônibus escolar aqui. Outra opção era trabalhar
em casa de família em troca de comida para continuar a estudar na cidade
(Transcrição da fala da ex-aluna do Anexo Maria Vitória).

Por meio da fala de Rita Maria é possível observar o quanto é importante esse
modelo de educação na zona rural, como também nos leva a refletir as lutas que os
movimentos sociais e sindicais do campo atravessaram para conceber essa
educação. E muitas ainda são as lutas a enfrentar, pois mesmo com as grandes e
importantes conquistas a educação continua precária precisando romper com o
modelo seriado urbano de ensino, com salas multisseriadas sobrecarregando
professores que tem que trabalhar com a heterogeneidade de idade, séries e ritmos
de aprendizagem e os currículos deslocados da realidade do campo entre outras

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dificuldades. Mas a luta está em evolução, prova disso é o encabeçamento do curso


de Especialização em Educação do Campo na UESC para o qual a estudante realiza
a atual pesquisa.
Inúmeros foram os relatos narrados pela moradora do campo, uma fala que
chamara bastante atenção foi quando ela se referiu aos jovens do campo:

Os filhos dos agricultores precisam ter contato com a terra. Criar uma horta
na escola e usar as plantas para merenda. No Maria Jape, os meninos estão
tudo indo para cidade, trabalhar na cozinha, tem que investir em uma
educação do campo (Transcrição da fala da ex-aluna do Anexo Maria Vitória).

Diante do dialogo da entrevistada percebe-se a necessidade de uma pedagogia


voltada para o campo, para que esses jovens não venham evadir das escolas. Uma
Pedagogia da Alternância onde seriam articuladas prática e teoria numa práxis a
realiza-se em espaços e tempos que se alternariam entre escola e comunidade,
propriedade, assentamento ou movimento social ao qual o educando está inserido.
Compreende-se que a pesquisa não é sobre a Pedagogia da Alternância,
porém a mesma tem uma proposta significativa para as escolas do campo e por isso,
iremos enfatizar como se dera seu surgimento, assim descrita por Marlene Ribeiro
(2008, p. 26).
A Pedagogia da Alternância é uma alternativa metodológica de formação
profissional agrícola de nível técnico para jovens, inicialmente do sexo
masculino, filhos de camponeses que perderam o interesse pelo ensino
regular porque este se distanciava totalmente da vida e do trabalho
camponês. Nas obras que registram a história dessa Pedagogia, destaca-se
o diálogo de um pai, Jean Peyrat, com seu filho Yves, que contesta sua ordem
de continuar os estudos, ao afirmar: Papai, eu quero muito te obedecer em
tudo, mas sobre os cursos complementares está decidido; eu não voltarei
mais lá, eu quero trabalhar contigo! Esse diálogo mobiliza o pai em busca de
uma solução pensada juntamente com o padre da aldeia, l’Abbé Granereau,
o filho Yves e outros agricultores que também enfrentavam o mesmo
problema. A iniciativa dos pais com o auxílio do pároco da aldeia está na
origem da criação da primeira Maison Familiale Rurale (MFR), em 1935, em
Lot-et-Garone, região Sudoeste da França (Chartier, 1986; Silva, 2003;
Estevam, 2003; Nosella, 1977; Pessotti, 1978). O abade e os pais dos jovens
agricultores chegam a um acordo, segundo o qual os jovens permaneceriam
durante três semanas trabalhando em suas propriedades sob a orientação

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dos pais e ficariam reunidos durante uma semana por mês, estudando na
casa paroquial.

Um reconto rico sobre o princípio da Pedagogia da Alternância e muito


importante para entendermos que até mesmo o surgimento dessa pedagogia se deu
no campo, é um modelo de ensino nato nas famílias campesinas. E sem mais
delongas, finalizaremos essa conceituação na fala de Ribeiro (2006, p. 2):

Neste tempo/lugar fariam um curso de agricultura por correspondência e,


junto com este curso, receberiam uma formação geral, humana e cristã,
orientada pelo padre. Assim nasce a Pedagogia da Alternância, onde se
alternam tempos/lugares de aprendizado, sendo uma formação geral e
técnica em regime de internato, em um centro de formação, e um trabalho
prático na propriedade familiar e na comunidade.

E assim surgiu a Pedagogia da Alternância, ratificando que o parêntese aberto


para a conceituação foi devido não somente a importância de tal modelo de ensino,
mas também para salientar que como a educação fora no eixo urbano era algo novo
para a autora da pesquisa, o conceito teórico da Pedagogia da Alternância também
era algo atual e somatório no crescimento acadêmico e profissional da estudante.
Lembrando que a proposta da exposta pesquisa é orientar novos
estudantes/pesquisadores no campo introdutivo da educação do campo.
Dando seguimento à pesquisa de campo a autora além de entrevistar
moradores, também foram feitas breves entrevista com as professoras da Escola
Nucleada do Japu, anexo Maria Vitoria no Maria Jape. Muitas foram às experiências
adquiridas por meio desses diálogos, onde foi possível observar que no quadro de
professores existia uma professora que já fora aluna da escola a qual leciona e que o
terreno onde a escola está situada fora doado por seu pai o qual também ajudou na
construção da escola. Ela fez questão de narrar sua trajetória com uma enorme
riqueza de detalhes, fato que agregou imensuravelmente para o entendimento e
crescimento da autora dessa pesquisa. Por isso, compartilhei parte do relato da

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trajetória da Professora Joanita Dos Santos Cruzeiro, que leciona no campo e na


mesma escola há trinta anos:

Nasci aqui, minha infância foi toda aqui no distrito Maria Jape e meus pais
sempre moraram aqui. Quando terminei o fundamental I fui para a cidade,
estudei lá o fundamental II, fiz o magistério e depois que conclui o magistério
eu voltei para o distrito Maria Jape. Fui convidada para trabalhar aqui na
mesma escola que eu estudei e leciono na mesma sala. Hoje estou com trinta
anos de serviço, a escola aqui praticamente foi meu pai que construiu. Porque
na época era uma escolinha, então meu pai procurou o prefeito na época
Ariston Cardoso, para construir essa escola que naquela época se chama
escola Municipal Maria Vitoria e hoje é uma escola nucleada do Japu sala
Maria Vitoria. Então, naquela época não tinha estrada de rodagem, o material
vinha todo de canoa com muito esforço do meu pai, o prefeito construiu essa
escola assim com a ajuda do meu pai porque todo material vinha de canoa.
Meu pai tinha uma canoa grande, que era uma canoa motor e ele trazia todo
material para construção da escola na canoa dele (cimento, bloco e etc.), tudo
que precisava para construção da escola vinha de canoa, depois era
carregado em animal até chegar aqui. Então foi com muito esforço do meu
pai que essa escola foi construída, ele deixava praticamente de fazer o
trabalho dele que era a roça dele, para poder pedir ajuda ao prefeito para
construir essa escola. Hoje a escola tá aqui construída no terreno que meu
pai cedeu. Agora com trinta anos de serviço já dei entrada na aposentadoria
e estou só esperando a carta. Então tem uma historia aqui nessa escola,
muitos dos alunos aqui são filhos dos meus ex-alunos, quase todo mundo
aqui na comunidade já foi meu aluno. Muitos já saíram daqui e já fizeram
faculdade, quando eu tava na UESC fazendo pedagogia encontrei no ônibus
do Salobrinho uma ex-aluna minha que tava fazendo economia na UESC,
isso é muito gratificante e importante. Outros moram fora e já fizeram outros
cursos e sempre vem aqui porque os pais deles ainda moram aqui. E meus
ex-alunos tem muito carinho por mim e eu por eles (Transcrição da fala da
PROFESSORA JOANITA).

Esse passeio no passado da professora Joanita, nos leva a uma dilatação


horizontal/vertical no crescimento profissional e, principalmente, no desenvolvimento
acadêmico para a área da educação do campo. Uma narrativa que leva o leitor há
uma viagem no tempo, revelando a riqueza histórica e as lutas por trás das escolas
do campo. Externado um campo rico para a continuação e exploração de novas
pesquisas na área de educação do campo.
Muitas foram às riquezas culturais ali observadas e também vivenciadas, a
exemplo da rotina de uma escola do campo, com suas riquezas e limitações. Outros

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contatos e narrativas foram ali ouvidas e registradas que em outra oportunidade


podem vim a ser exteriorizada.

4. Considerações Finais

Essa é uma etapa de (in)conclusão. Um momento que nos remete a aprender


como nos tornamos docentes ao mesmo tempo em que somos eternos discentes em
construção e reconstrução, na busca do conhecimento e na (auto)formação da
identidade crítica. Evidenciar os trajetos, as narrativas coletadas e as vivencias ao
logo da busca por conhecimento e por crescimento revelou as grandes possibilidades
que uma pesquisa de campo autorreferencial e narrativa pode acrescentar na vida
acadêmica do pesquisador. Foi constatado que a narrativa é um subsídio que pode
ajudar o docente a entender sua formação e refletir um pouco sobre suas experiências
e suas aprendizagens para melhor rever a sua construção na identidade profissional.
Através das narrativas foi possível obter conhecimento sobre a história da
escola do campo - um recorte no Anexo Maria Vitória -, da comunidade como também
das professoras entrevistadas. Verificou-se que por trás da educação do campo existe
uma história rica culturalmente, onde foi possível conhecer ao logo da pesquisa os
termos técnicos e seus significados como o que é uma sala multisserie, unidocente e
também como se dera o surgimento da Pedagogia da Alternância.
Um breve passeio pelo básico da educação do campo para orientar novos
estudantes nessa área de educação. Como também incentivar novas autobiografias
autorreferenciais por meio de narrativas, visto que as pesquisas não tem fim, uma vez
que se desdobram abrindo novas possibilidades gerando novos desafios no processo
de formação e autoformação potencializando novos sentidos no que somos e onde
pretendemos chegar.

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Refiro-me a (in)conclusão porque continuo no decorrer do curso a adentrar


esse campo tão rico culturalmente. Aprendendo e reaprendendo as itinerâncias e os
diversos conhecimentos histórico e profissional sobre a educação do campo.

Referências

CALDART, Roseli Salete. Sobre Educação do Campo. In: SANTOS, C. A. (org.). Por
Uma Educação do Campo: Campo-Políticas Públicas-Educação. 1. ed. Brasília:
INCRA/MDA, 2008, v. 7, p.67-86.

____________http://www.curriculosemfronteiras.org/vol3iss1articles/roseli1.pdf.
Acessado em: 11 jun. 2018, às 13:35hs.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo


Demográfico 2010/IBGE. Vitória da Conquista, BA, 2017.

METZ, Maristela. Estágio Supervisionado: Anos Iniciais do Ensino Fundamental.


Editora Fael 2011 pg 95.

NÓVOA, A; ABRAHÃO, M.H.M.B. (org.). História e histórias de vida: destacados


educadores fazem a história da educação rio-grandense. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2001. p. 7-8.

RIBEIRO, Marlene. Desafios Postos à Educação do Campo. Revista HISTEDBR


On-line, Campinas, n. 50 (especial), p. 124, maio 2013.

RIBEIRO, Marlene. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo: projeto


em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo: FAE/USP, v. 34, n. 1. p. 27 – 46,
jan./abr., 2008.

RIBEIRO, M. Trabalho e educação na formação de agricultores: a pedagogia da


alternância. ANPED-Sul. 6. 2006. Santa Maria: Anais... (CD-Rom). Santa Maria:
UFSM, 2006a. 10 p.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. São


Paulo. Cortez: Autores Associados, 1991.

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SOUZA, Elizeu Clementino de. O conhecimento de si: estágio e narrativas de


formação de professores. Salvador: UNEB, 2006.

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O CAMINHO FORMATIVO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS-EJA NO MUNICÍPIO DE ITABUNA-BA

Lisângela Silva Lima*


Arlete Ramos dos Santos**
Niltânia Brito Oliveira***
Lizandra Silva Lima****

Resumo
Este artigo 132 apresenta resultados preliminares de uma pesquisa em andamento
intitulada “O PAR e as políticas educacionais em municípios da Bahia”, como objetivo
analisar os impactos das políticas educacionais do Plano de Ações Articuladas-PAR133
nos municípios de Ilhéus, Itabuna e Vitória da Conquista. Para esse artigo
apresentamos um recorte no caminho formativo dos professores da Educação de
Jovens e Adultos-EJA na contemporaneidade no município de Itabuna-Bahia. A
metodologia utilizada o materialismo histórico dialético, de cunho quanti-qualitativa e
os instrumentos de coleta de dados utilizados foram: revisão bibliográfica, análise
documental e entrevistas aplicadas com os professores da EJA. Os resultados
indicam que a EJA, como campo político de formação e investigação, necessita

* Mestranda em Educação pela UESC; Especialista em Educação de Jovens e Adultos – UESC; Especialista em
Gestão Escolar – Vasco da Gama; Professora Efetiva da Rede Municipal de Itabuna-Bahia; Integrante do Grupo
de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Educação Do Campo, o qual está inserido no Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas - CEPECH do Departamento de Ciências da Educação -
DCIE da UESC – BA, com registro no CNPQ. E-mail: lisangelalivre@hotmail.com
** Pós- doutora em Movimentos Sociais pela UNESP; Doutora e Mestre em Educação pela FAE/UFMG; Prof.ª.

Adjunta da Universidade Estadual de Santa Cruz; Coordenadora do Centro de Estudo e Pesquisas em Educação
e Ciências Humanas – CEPECH; Coordenadora do Grupo de Estudos Movimentos Sociais Diversidade Cultural e
Educação (UESC), com registro no CNPQ. E-mail: arlerp@hotmail.com
*** Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Educação Básica - PPGED/UESC; Professora da

Educação Básica na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista/BA, da Faculdade Maurício de Nassau e do
PARFOR da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus Vitória da Conquista/BA. Membro do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Humanas - CEPECH/DCIE/UESC/BA, com registro no CNPQ.
E-mail: africa.niltania@gmail.com
**** Mestranda em Educação pela Uesc; especialista em Educação Infantil – UESC; especialista em Gestão Escolar

– Vasco da Gama; professora efetiva da Rede Municipal de Itabuna-Bahia; integrante do Grupo de Estudos
Coletivo Paulo Freire da UESC – BA e do Projeto de Pesquisa – GPEGE, Gestão da escola e os resultados do
IDEB: Qual a relação? Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – BA.
132 O artigo é resultado parcial de um projeto em andamento intitulado: As políticas públicas educacionais do PAR

em municípios da Bahia, financiado pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, com a participação de
bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia – FAPESB.
133 O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, instituído pelo Decreto 6.094 de 24 de abril de 2007, é

um programa estratégico do PDE. Ele busca colocar à disposição dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, instrumentos eficazes de avaliação e de implementação de políticas de melhoria da qualidade da
educação, sobretudo da educação básica.
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comprometer-se com a educação das camadas populares e com a superação das


diferentes formas de preconceito, exclusão e descriminação existentes em nossa
sociedade, as quais se fazem presentes tanto no processo educativo dentro do
contexto escolar quanto para além dele. Nesse cenário, se torna necessário um olhar
para os docentes que atuam na EJA, dando visibilidade ao seu pensar e fazer,
tomando como ponto de partida o processo de formação, suas trajetórias, saberes e
experiências. Assim, é preciso compreender a prática docente e a utilização de
experiências de ensino dentro do percurso formativo do professor da EJA. Verificamos
por meio da pesquisa que não existe formação continuada específica sobre a EJA
para os docentes no referido município e também faltam investimentos na estrutura
física das escolas.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Formação Continuada de Professor.


Plano de Ações Articuladas – PAR.

Introdução

Este artigo apresenta resultados preliminares da pesquisa em andamento


intitulado: “O Plano de Ações Articuladas-PAR e as políticas educacionais em
municípios da Bahia”, como objetivo investigar os impactos das políticas educacionais,
como foco na dimensão formação continuada do professor, por meio do Grupo de
Estudos Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Educação do Campo
(GEPEMDEC), o qual é uma linha do Centro de Estudo e Pesquisa em Educação e
Ciências Humanas (CEPECH) da UESC. Entretanto, nesse texto, optamos por
descrever os dados evidenciados inicialmente, apenas no município de Itabuna-BA,
tendo como recorte, o caminho formativo dos professores da Educação de Jovens e
Adultos-EJA na contemporaneidade.
O município de Itabuna localiza-se no Sul do Estado da Bahia, em uma região
denominada Costa do Cacau. Possui uma área total de 432,244 km² e está localizada
a 426 quilômetros da capital da Bahia. É a quinta cidade mais populosa da Bahia,
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com uma população de 204.667 (duzentos e quatro mil, seiscentos e sessenta e


sete) habitantes, conforme contagem populacional de 2010, realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. A estimativa de 2017, desse mesmo
Instituto, estimou uma população de 221.046 (duzentos e vinte e um mil, quarenta de
seis) habitantes. A cidade de Itabuna, em conjunto com o município de Ilhéus, forma
uma aglomeração urbana classificada pelo IBGE como uma capital regional B,
exercendo influência em mais de 40 municípios que juntos, apresentam pouco mais
de um milhão de habitantes.
A Educação Municipal de Itabuna é oferecida respeitando a legislação nacional,
a exemplo da LDB nº 9.394/1996, que determina em seu Art. 1º, §1º. “Esta Lei
disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do
ensino, em instituições próprias”. Composta por três redes: municipal, estadual e
privada, atendeu em 2015, na sua totalidade 25.065 alunos. Enquanto a rede
municipal de ensino, no referido ano citado, atendeu 18.557 alunos distribuídos nas
diferentes etapas e modalidades da educação básica, compreendida pela Educação
Infantil que corresponde à creche e pré-escola, Ensino Fundamental (1º ao 9º ano),
modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e Educação do
Campo.
Desde 2002, a organização educacional do município esteve estruturada em
Ciclo de Formação Humana 134 , respaldada na Proposta Político-Pedagógica da
Escola Grapiúna, denominada “Lugar de todos nós”, aprovada pelo Conselho
Municipal de Educação - CME, pela Resolução CME nº 20/2003). O referido
documento mencionado preza pelos princípios da Educação, a saber: Educação de
Qualidade; Inclusão Social; Participação Democrática e Cultura Regional. Apresenta

134O Ciclo de Formação Humana, modalidade que considera as temporalidades do desenvolvimento humano
como eixo estruturante para organizar o processo educativo e agrupar os sujeitos junto aos seus pares, baseando-
se numa perspectiva curricular que reconhece o sujeito no processo educativo como ser integral atendendo as
dimensões biopsicossociais e alicerçando o processo formativo para o desenvolvimento dos aspectos cognitivos,
afetivos e motores.
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como objetivos para o ensino da rede municipal de Itabuna-Bahia promover o


desenvolvimento integral dos educandos.

1. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil

As abordagens sobre a educação de jovens e adultos no Brasil contemplam,


principalmente, os processos de alfabetização e de elevação dos níveis de
escolaridade voltados para a classe trabalhadoras à qual, ao longo da história, foram
negadas, inicialmente, as condições de acesso e, em período mais recente, de
permanecia na escola. Tal processo de negação de direito constitui uma das mais
claras expressões das fortes assimetrias de poder que configuram as relações entre
o capital e trabalho no país e exemplificam a permanente subalternidade do Estado
aos interesses e demandas das classes dominantes.
O ensino ficou restrito à alfabetização ou à qualificação profissional para
atender à necessidade de mão de obra. Não são, portanto, superadas efetivamente
as características de uma educação cujo caráter de assistência ao desfavorecido, de
construção de hegemonia e exercício de controle social, ou de atendimento a
demandas pontuais do capital, se sobrepõe, nitidamente, ao princípio ético-político de
educação como direito de todos.
Repensar o direito à educação, nos desafia a recuperar os movimentos
históricos de um povo e sua cultura, como possibilidades de reconstrução de um
passado que precisa ser relembrado, reinventado e reconstruído para que se atenda
de fato, aos anseios, desejos e demandas que a vida exige. Buscando responder essa
perspectiva de reconstrução do direito a educação, reportamo-nos nesta pesquisa,
sobre o caminho formativo dos educadores da Educação de Jovens e Adultos-EJA na
contemporaneidade.

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A Educação de Jovens e Adultos (EJA), como campo político de formação e


investigação, necessita comprometer-se com a educação das camadas populares e
com a superação das diferentes formas de preconceito, exclusão e discriminação
existentes em nossa sociedade, as quais se fazem presentes tanto no processo
educativo quanto para além dele.
As limitações na formação dificultam a participação nos debates globais,
consequência da falta de política especifica de formação que proporcione tomada de
atitudes que vise à transformação social. Na realidade, falta investimento na formação
de professor que atua na EJA, resultando numa transposição inadequada de modelo
de escola consagrada no ensino fundamental de crianças e adolescentes. O que
observa é a ausência ou limitações da formação inicial e continuada de saberes
específicos para uma realidade de ensino e aprendizagem.
Com esse cenário percebemos que a profissão de professor tem sofrido
mudanças ao longo dos tempos que interferem diretamente na sua formação
profissional, deixando lacunas entre o ideal e o real no trabalho docente. Freitas
(2002), a partir dos debates da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais
da Educação (ANFOPE), afirma que a partir dos anos de 1990, no contexto das
políticas neoliberais houve um processo de desprofissionalização do magistério:

No âmbito da formação continuada, as políticas atuais têm reforçado a


concepção pragmatista e conteudista da formação de professores. Neste
particular, cabe destacar a redução da concepção de formação contínua a
programas como os Parâmetros em Ação e a Rede de Formadores, sob
patrocínio do MEC em articulação com municípios e algumas instituições
formadoras [...]. Todo esse processo tem se configurado como um precário
processo de certificação e/ou diplomação e não qualificação e formação
docente para o aprimoramento das condições do exercício profissional. A
formação em serviço da imensa maioria dos professores passa a ser vista
como lucrativo negócio nas mãos do setor privado e não como política pública
de responsabilidade do Estado e dos poderes públicos (p. 147-148).

Sendo assim, percebemos que desde a década de 1990, de acordo com a


legislação brasileira vigente, ainda não incluía os saberes e identidades da

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modalidade da EJA. Segundo Bourdieu (2000), devemos pensar as possíveis


reorganizações curriculares não apenas como estratégias funcionais de favorecer o
ensino aprendizagem, mas, como políticas educativas e culturais que permitam
reorganizar espaços e tempos de compartilhamento de saberes.
Como a modalidade da Educação Básica, a EJA não pode ser pensada como
oferta menor, pior ou menos importante. Trata-se de um modo próprio de atendimento
na educação básica, sendo sua oferta garantida no Art. 4º, inciso VII da LDBEN nº
9.394/1996 e, também, no Art. 37, § 1º e § 2º, salientando a sua importância no
contexto educacional.
Em se tratando do suporte legal da EJA, a LDBEN nº 9.394/1996 prevê que a
Educação de Jovens e Adultos se destina àqueles que não tiveram acesso (ou não
deram continuidade) aos estudos do Ensino Fundamental e Médio, na faixa etária de
7 a 17 anos, e deve ser oferecida nos sistemas gratuitos de ensino, com oportunidades
educacionais apropriadas, considerando as características, os interesses, as
condições de vida e de trabalho do cidadão, conforme demonstrado nos artigo Art. 37,
§ 1º e §2º, respectivamente:

A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram


acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade
própria.
Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos,
que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades
educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus
interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. O
Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si
(BRASIL, 1996).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA, resolução CNE/CEB n° 01/2000,


a definem a como modalidade da Educação Básica e como direito do cidadão,
afastando-se da ideia de compensação e suprimento, e assumindo a de reparação,
equidade e qualificação, o que representa uma conquista e um avanço.

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2. O plano de metas e Plano de Ações Articuladas-PAR

Na tentativa de estabelecer o regime de colaboração entre os entes federados


no Brasil em matéria educacional é que o governo federal construiu e lançou o Plano
de Ações Articuladas-PAR (BRASIL, 2007). O PAR nasceu do Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação (PMCTE). Segundo o Ministério da Educação
(MEC), o PMCTE:
inaugura um novo regime de colaboração, que busca concertar a atuação dos
entes federados sem lhes ferir a autonomia, envolvendo primordialmente a
decisão política, a ação técnica e atendimento da demanda educacional,
visando à melhoria dos indicadores educacionais. Trata-se de um
compromisso fundado em vinte e oito diretrizes e consubstanciado em um
plano de metas concretas, efetivas, que compartilha competências políticas,
técnicas e financeiras para a execução de programas de manutenção e
desenvolvimento da educação básica (BRASIL, 2010, p. 02).

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, instituído pelo Decreto


6.094 de 24 de abril de 2007, é um programa estratégico do PDE. Ele busca colocar
à disposição dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, instrumentos eficazes
de avaliação e de implementação de políticas de melhoria da qualidade da educação,
sobretudo da educação básica. A proposta do referido Plano, segundo o documento
é implementar o novo regime de colaboração entre os entes federados sem ferir-lhes
a autonomia, respeitando especialmente a decisão política, a ação técnica e
atendimento da demanda educacional, para assegurar à melhoria dos indicadores
educacionais (BRASIL, 2007).
O PAR é previsto no PMCTE como o meio pelo qual se concretiza a cooperação
entre os entes federados pela via do regime de colaboração. O PAR é formulado pelos
Estados e municípios e tem a duração de quatro anos, reúne ações e metas
necessárias à melhoria da qualidade da educação nestes locais. Segundo o MEC,
trata-se de um planejamento multidimensional e é coordenado pelas secretarias
municipais de educação, mas deve ser elaborado conjuntamente entre gestores,

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professores e comunidade local.


Para SARI (2009, p.101), esse contexto de adesão ao PAR pode ser
apreendido da seguinte maneira,

a adesão ao Compromisso é, hoje, requisito para o apoio suplementar e para


as “transferências voluntárias” da União às redes públicas de educação
básica; quer dizer, a previsão é de que a assistência da União tida como
“voluntária” (em oposição aos programas educacionais universais e
transferências previstas em lei) seja direcionada às redes escolares públicas
com índices mais baixos e que se comprometam com as metas do
Compromisso e do PAR.

Sendo assim, vale salientar que esta política educacional manteve uma
discussão acerca do Pacto Federativo e as relações entre os entres federados. Para
Saviani (2009, p. 24), essa proposta de melhoria da educação visa responsabilizar
principalmente os gestores municipais pela qualidade do ensino, assegurando-se
apoio técnico e financeiro da União com eventual colaboração do Estado.
Desta forma, o objetivo do presente texto é analisar o caminho formativo dos
educadores da Educação de Jovens e Adultos-EJA na contemporaneidade no
município de Itabuna-Bahia e se este plano se constitui em elemento de efetivação da
relação cooperativa entre os entes federados, tal como se propõe a ser ou se é apenas
mais uma política que corrobora com princípios até então predominantes nas políticas
educacionais brasileiras.

3. A formação de professor da Educação de Jovens e Adultos-EJA

No que se refere à formação docente observa-se que a conjuntura das políticas


educacionais de formação de professores dos anos de 1990 foi influenciada pela
opção político-ideológica do ideário neoliberal adotado pelo governo brasileiro,
caracterizado pela hegemonia dos grupos dominantes, mas por uma intensa
articulação dos sujeitos políticos e sociais de resistência à opressão imposta pelo
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sistema capitalista, que resultou em ações propositivas no campo das políticas


públicas educacionais, às quais constituem direito social de todos e obrigação do
Estado.
Importante lembrar o que Gatti (2010, p. 1358) constatou sobre a formação de
professores no Brasil.

O que se verifica é que a formação de professores para a educação básica é


feita, em todos os tipos de licenciaturas, de modo fragmentado entre as áreas
disciplinares e níveis de ensino, não contando o Brasil, nas instituições de
ensino superior, com uma faculdade ou instituto próprio, formador desses
profissionais, com uma base comum formativa, como observado em outros
países, onde há centros de formação de professores englobando todas as
especialidades, com estudos, pesquisas, extensão relativa à atividade
didática e às reflexões e teorias a ela associadas.

Nota-se que Gatti (2010) expõe uma realidade que vai ao encontro do que os
professores têm dito sobre a formação docente. Para Gatti (2010, p. 1371), a
constatação é de que há uma insuficiência formativa evidente para o desenvolvimento
desse trabalho.
Libâneo (2004, p. 227) afirma que:

a formação inicial refere-se ao ensino de conhecimentos teóricos e práticos


destinados à formação profissional, completados por estágios. A formação
continuada é o prolongamento da formação inicial visando ao
aperfeiçoamento profissional, teórico e prático no próprio contexto de trabalho
e ao desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla, para além do
exercício profissional.

Nessa perspectiva proporcionar formação continuada aos profissionais


atuantes na EJA, favorece a implementação de uma prática docente pautada nas
especificidades dos sujeitos envolvidos no processo ensino aprendizagem. Assim,
contribuir com o desempenho dos professores em sala de aula, possibilita a
superação das dificuldades do cotidiano e a reflexão da prática.
Segundo a Conferência Mundial de Educação para Todos 1990, a formação de
professores torna-se tema preponderante, ao nível nacional e internacional. A

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valorização do desenvolvimento profissional docente tornou-se um consenso


estratégico, embora limitado ao nível do discurso e restringido às metas fiscais e
orçamentárias, para a melhoria dos índices educacionais e da qualidade da educação.
Esse consenso está representado na LDNEN nº 9.394/1996 no Art. 61:

A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos


dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada
fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
1. A associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em
serviço;
2. Aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de
ensino e outras atividades.

Entende-se que a formação continuada é a etapa de continuação do


aperfeiçoamento profissional. A mesma, de responsabilidade, tanto das universidades
como das secretarias de educação, bem como do próprio. Assim, ajuda a assegurar
o bom desempenho dos professores em sala de aula, além de possibilitar a superação
das dificuldades do cotidiano e a reflexão da prática.
Desta forma, é viável desenvolver política de formação continuada que
proporcione ao professor capacidade de conviver com a complexidade e
singularidades da EJA, a fim de se buscar compreender as concepções didático-
pedagógicas que alicerçam de fato a organização da prática docente.

4. Procedimentos metodológicos

Para análise dos dados, temos como referência a metodologia dialética visto
que “a dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a ‘coisa em si’
e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão da realidade”
(KOSIK, 1997, p. 20).
Inicialmente, realizamos uma revisão bibliográfica da Política de Formação de
Professores defendida no PAR, observando os objetivos, os pressupostos teóricos
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que as fundamentam e como estão estruturadas nas instâncias Federal e Municipal.


Para verificação dos resultados obtidos, tanto do ponto de vista da Secretaria
Municipal como na visão dos sujeitos da comunidade escolar, foram realizadas
entrevistas semiestruturadas com os professores da EJA do município de Itabuna-
Bahia.
Sabe-se que a entrevista é um dos principais instrumentos usados nas
pesquisas das ciências sociais, enquanto técnica de coleta de dados e que vem
desempenhando um papel importante nos estudos científicos. Segundo Lüdke e
André (2013), a grande vantagem dessa técnica em relação às outras é que ela
permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com
qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos.
Além disso, aplicamos questionários com todos os professores que atuam na
EJA da rede municipal, que estão distribuídos em 24(vinte e quatro) escolas situadas
na zona urbana e rural do município, sendo 22(vinte e dois) docentes das unidades
de ensino pontuadas.
Segundo Gil (1999, p.128), o questionário pode ser definido

como a técnica de investigação composta por um número mais ou menos


elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo
o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas,
situações vivenciadas, entre outras. ”

Para esse instrumento utilizado, colocamos questões com perguntas fechadas,


com alternativas específicas para que os sujeitos escolham uma delas e também com
questões de múltipla escolha. Acreditamos que dessa forma, pudemos obter
resultados consistentes para análise.

5. Discussão e resultados
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi de caráter
quanti-qualitativa, inicialmente, com uma revisão bibliográfica seguida de análise
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documental e aplicação de questionários, cujo objetivo foi o de verificar como vem


sendo implementadas as políticas públicas educacionais que fazer parte do Plano de
Ações Articuladas (PAR) no município de Itabuna que fica localizado na região Sul da
Bahia. O PAR (faz parte do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação)
consiste numa forma de regulação por meio da qual os prefeitos assinam um termo
de adesão com o MEC, e faz um monitoramento on line através do Sistema Integrado
de Monitoramento, Execução e Controle (SIMEC). Tal procedimento faz parte de um
processo de descentralização que vem ocorrendo desde a década de 1990, quando
os municípios sofreram significativas alterações no que se refere às suas atribuições,
“ora organizando-se por normas próprias, ora sendo organizado pelo Estado segundo
as conveniências da nação, que lhe regula a autonomia e lhe defere maiores ou
menores incumbências administrativas no âmbito local” (SANTOS; DAMASCENO,
2011, p. 27).
Para definir os profissionais da Educação de Jovens e Adultos do município de
Itabuna-Bahia, que participaram da coleta de dados, elencamos critérios que viessem
responder à problemática e aos objetivos definidos neste estudo. Esses foram os
critérios: Professor efetivo (via concurso público) da rede municipal de Itabuna-Bahia;
Atuação efetiva na modalidade de educação de jovens e adultos e Professor atuante
nas formações continuadas da SEC.
Com base na análise de documentos a pesquisa apresentou os seguintes
dados no que se refere à matrícula da EJA na rede municipal no município de Itabuna,
conforme quadro n. 1 obedecendo ao recorte temporal 2013 a 2016:

Nº de Nº de Escolas da Nº de Alunos Nº de Alunos Nº Total de


Matrícula EJA I e II EJA I EJA II Alunos
Campo Urbano Campo Urbano Campo Urbano
2013 04 23 50 739 - 1.271 2.060
2014 05 21 70 566 - 1.101 1.737
2015 06 18 66 550 - 981 1.531
2016 06 15 58 04 503 - 585 1.146
Fonte: Secretaria Municipal da Educação – Itabuna, 09/11/2016.

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É importante ressaltar um ponto que chamou nossa atenção ao tomarmos


conhecimento dos profissionais que atuam na EJA, que 42% destes mencionados, já
são graduados em Pedagogia ou áreas afins; 18% já possuem especialização e 28%
com ensino médio, como nos mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 1 –Aspectos acadêmicos- escolares/formação.


Aspectos acadêmico-escolares/formação
0%
0% 0% 2° grau ensino médio
2°/ensino médio técnico
18% 28%
Ensino superior*(graduação)
15% Ensino superior (graduação)

12% Ensino superior(pós-graduação)


Ensino superior*(pós-graduação)
27%
Mestrado
Doutorado

Fonte: Dados coletados pelas autoras durante a pesquisa, 2017.

A atual conjuntura propõe desafios, no qual, tece demandas voltadas para a


práxis educativa, de forma que revolucione e renove a prática docente. Sendo assim,
contribuirá para a qualidade do ensino. De acordo com Tardif (2005, p. 123),

A formação de professores (inicial e contínua) necessita ser desenvolvida de


forma sólida, consistente, referenciada em estudos e experiências
profissionais capazes de construir diferentes saberes de forma articulada à
realidade profissional dos atores sociais.

Sendo de fundamental importância que essa formação inicial e continuada seja


focada na constituição do profissional e da pessoa, e não como depósito de
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experiências e ideias de outrem. Essa constituição profissional precisa estar


diretamente articulada com vivências que estejam voltadas para o contexto social.
Diante do apresentado foi investigado junto aos participantes se a formação
continuada oferecida para os professores que atuam na EJA corresponde com as
reais necessidades da modalidade em discussão.
Quando analisamos os dados sobre formação de professores, apesar de o
discurso educativo reconhecer a necessidade de formação permanente dos docentes,
o que se configura na atualidade a dicotomia entre formação inicial e formação
continuada, que, de acordo com Carvalho e Simões (2006, p. 5), “é preciso superar,
buscando novas articulações, e ver esses dois momentos como parte de um
continuum”. A formação inicial tem sido debatida no movimento dos educadores no
sentido de definir o perfil de qual educador se quer formar, destacando o caráter amplo
desse profissional, com pleno domínio e compreensão da realidade do seu tempo,
com desenvolvimento da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as
condições da escola, da educação e da sociedade (CARVALHO; SIMÕES, 2006).
Pimenta (2007) nos fala sobre a formação inicial e a continuada, que têm sido
pouco eficientes para contribuir com a mudança da prática pedagógica e para gestar
uma nova identidade do profissional docente. Isso porque não toma a prática docente
e pedagógica como ponto de partida e chegada da formação.
Sendo assim, a maioria dos docentes acredita que a sua formação inicial e
continuada não é satisfatória conforme exposto no gráfico abaixo:

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Gráfico 2 -A formação continuada oferecida aos professores da EJA.


A formação continuada oferecida a você corresponde às necessidades
do cotidiano profissional?
0% 0%

10% 20%
Muito
Pouco
20% Razoavelmente
50% Pouco
Não corresponde
Não responderam

Fonte: Dados coletados pelas autoras durante a pesquisa, 2017.

É relevante observar o destaque dado pelos professores sobre a formação de


realizada pela SEC, no qual afirmam que 50% confirmam que a proposta
compartilhada junto aos professores atende de forma razoável, 30% atende pouco ou
nada e 20 % confirmam que atende. Diante da pesquisa foi possível averiguar que a
formação continuada que a rede municipal de Itabuna oferece para a EJA, tanto que
atuam no urbano quanto no campo, ocorre uma vez em cada mês, porém e os
profissionais citados são convocados a participar, e na maioria a pauta trabalhada não
responde as reais necessidades do público em questão.

6. Conclusões preliminares

Muitas reflexões permanecem em aberto após a feitura deste texto, tornando-


se assim campo fértil para novas discussões e reformulações. Ainda estamos

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distantes do que é preconizado em Lei para o atendimento de uma proposta de


formação de professores da Educação de Jovens e Adultos que atenda as reais
necessidades dos indivíduos (jovens adultos e idosos).
Por fim, importante articular a esses fatores os movimentos de luta em torno de
uma concepção de Educação de Jovens e Adultos de caráter emancipatório para que
assim os valores e a identidade dos sujeitos (jovens, adultos e idosos) sejam
respeitados. Dessa forma, a análise sobre a formação do professor da EJA, entre a
concepção da educação, exigirá muitas lutas para que a prática docente tenha a
perspectiva da emancipação humana.

Referências

BELLO, Isabel Melero. O Plano de Ações Articuladas como Estratégia


Organizacional dos Sistemas Públicos de Ensino: avanços, limites e
possibilidades. Disponível em:
http://www.anpae.org.br/simposio2011/cdrom2011/PDFs/trabalhosCompletos/comun
icacoesRelatos/0234.pdf. Acesso em: 25 mai 2015

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Razões, Princípios e Programas. Brasília, DF, MEC, 2007.

_______. Ministério da Educação e Cultura. Decreto Lei nº 9394/96. Estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Imprensa Nacional, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

_______. Parecer CNE/CEB nº23/2008, que institui Diretrizes Operacionais para a


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CARVALHO, J. M., SIMÕES, R. H. S. Formação inicial de professores: uma análise


dos artigos publicados em periódicos nacionais. In: ANDRÉ, M. (org.). Formação de
professores no Brasil (1990-1998). MEC/INEP/Comped, 2006, p. 161-169.

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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Disponível


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LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. pesquisa em educação: abordagens qualitativas.


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PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In:


___________ (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 5 ed. São Paulo:
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O LUGAR DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM VITÓRIA DA


CONQUISTA – BAHIA

Elisângela Andrade Moreira Cardoso*


Ivanei de Carvalho dos Santos**
Arlete Ramos dos Santos***

Resumo
O objetivo deste texto é analisar o lugar atribuído à criança da Educação Infantil na
Educação do Campo, do município de Vitória da Conquista/BA. Este artigo apresenta
um recorte de um projeto macro em andamento intitulado “Políticas públicas
educacionais do Plano de Ações Articuladas (PAR), em municípios da Bahia”, a saber:
Vitória da Conquista, Itabuna e Ilhéus. No entanto, para fins desse texto, recortamos
apenas o município de Vitória da Conquista e utilizamos como metodologia a revisão
bibliográfica para contextualizar a criança, enquanto sujeito de direitos, além de fontes
documentais como as legislações e entrevista com a coordenadora responsável pelo
setor de Legalização e Estatística da Secretaria Municipal de Educação (SMED), do
município mencionado. As análises dos dados se ancoraram no Materialismo Histórico
Dialético e, após as leituras e diagnósticos realizados, constatamos que a Educação
Infantil carece de um olhar cuidadoso, voltado não apenas para as crianças do meio
urbano, mas principalmente, dos espaços campesinos, como forma de garantia de
direitos assegurados nas legislações, como a Constituição Federal (CF), de 1988 e a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394/1996.

Palavras-chaves: Educação do Campo. Educação Infantil. Políticas Educacionais.

* Mestre em Docência Universitária pela Universidade Tecnológica Nacional de Buenos Aires (UTN/AR), Mestranda
em Educação pelo PPGED/UESB. Especialista em Gestão Educacional pela Faculdade Internacional do Delta
(FID), em Cooperativismo Educacional pela Faculdade Nossa Senhora de Lourdes (FNSL), em Psicologia da
Educação pela Faculdade Juvêncio Terra (FJT). Graduada em Letras pela Universidade Metropolitana de Santos
(UNIMES). Pedagoga com Habilitação em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB). Professora efetiva da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista, BA. E-mail:
elisangelajgela@gmail.com
** Mestranda em Educação – PPGED/UESB; Membro do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade

Cultural e Educação do Campo – GEPEMDEC/CEPECH/DCIE/UESC, com registro na CNPq; Professora efetiva


da Educação Básica na rede municipal de ensino de Itapetinga/BA. E-mail: ivanei_csantos@yahoo.com.br
*** Pós-Doutorado pela UNESP, Doutora e Mestre em Educação pela FAE/UFMG. Professora do Departamento de

Ciências e m Educação e do Programa de Pós Graduação Mestrado Profissional em Formação de Professores


para a Educação Básica (DCIE/UESC). E-mail: arlerp@hotmail.com
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Introdução

A educação de crianças de zero a seis anos é um direito subjetivo assegurado


pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), uma vez que esta Lei reconhece,
pela primeira vez, a Educação Infantil como um direito da criança, uma opção da
família e um dever do Estado em ofertá-la, deixando de estar vinculada, apenas à
política assistencialista, mas também à política da educação brasileira. O Estatuto da
Criança e do Adolescente135 (ECA), Lei nº 8.069, de 1990, também defende o público
infantil (BRASIL, 1990), bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
- LDBEN nº 9.394/1996.
Após a promulgação da LDBEN, nº 9.394/1996, a Educação Infantil passou a
ser obrigatoriedade e dever do Estado em atender as crianças de zero a seis anos136
de idade em creches. Nesse viés, essa modalidade foi definida como primeira etapa
da Educação Básica e, o Artigo 31 da referida Lei, alvitra que “a avaliação far-se-á
mediante o acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de
promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental” (BRASIL, 1996).
Ademais, a LDBEN atribuiu ao setor público municipal a responsabilidade da
oferta de vagas para a Educação Infantil, como prioridade às crianças de zero a seis
anos em creches e pré-escolas. No entanto, há uma contradição entre o que as leis
concebem e a realidade que emerge nos municípios, sobretudo, quando se trata
dessa educação nos espaços campesinos brasileiros, visto que existe uma lacuna
para a efetivação das políticas públicas que contemplem essa especificidade, seja
pela falta de apoio financeiro e a responsabilidade por parte dos Governos Federal e
Estaduais ou pelo silenciamento daqueles que se encontram nos meio rural.

135 Em 2016, por meio da Lei nº 13.306/2016 o ECA foi alterado, prevendo que a Educação Infantil vai de zero a
cinco anos.
136 No dia 06 de fevereiro de 2006 foi sancionada a Lei nº 11.274 que regulamenta o Ensino Fundamental de 9

anos e, com isso, a Educação Infantil passou a atender crianças de zero a cinco anos, uma vez que as crianças
com seis anos devem se inserir nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
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Em meio aos estudos acerca das políticas públicas educacionais voltadas para
a população do campo, faz-se necessário conhecer o número de alunos de zero a
cinco anos que são atendidos nas instituições do meio rural, bem como o número de
turmas dispensado a essas crianças, nesses espaços, pela rede municipal de ensino
de Vitória da Conquista/BA, durante os anos de 2012 e 2017.

1. Criança, trabalho e educação

Na antiguidade as crianças eram consideradas como adultos em miniaturas,


onde viviam à sombra dos mais velhos, realizando tarefas das mais diversas
possíveis. Segundo Ariès (1978), neste período, mulheres e crianças eram
consideradas como seres inferiores que não mereciam nenhum tipo de tratamento
diferenciado, sendo inclusive a duração da infância reduzida.
Durante a Idade Média, período em que o objetivo maior era a preparação para
a guerra, as crianças que tinham algum tipo de deficiência eram logo rejeitadas, muitas
eram atiradas com vida nos abismos, ou seja, não havia lugar para inclusão das
crianças com deficiências, as que eram consideradas como perfeitas ficavam com a
mãe até os sete anos de vida, depois eram entregues para o governo que tinha como
função prepara-las para o Exército.
Situação essa que só veio a ser modificada com a chegada do período da
modernidade quando a sociedade passa a ver a criança como ser social; somente a
partir do fim do século XVI e durante o século XVII é que as preocupações para com
a infância se manifestam, pois, ocorrem mudanças de hábitos, como a forma de se
vestir, as preocupações com a educação da criança e com as suas formas de ver o
mundo.
As relações das crianças com o trabalho neste período pouco modificaram,
visto que a economia na Idade Média era basicamente agrária e na modernidade,

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estas passam a ser industrializadas, uma vez que as famílias contavam com a força
do trabalho das crianças para aumentar a renda familiar. As condições de trabalho
nas fábricas eram totalmente insalubres e a carga horária de trabalho exercido pelas
crianças ultrapassava oito (08) horas.
Durante o período da Revolução Industrial, as fábricas absorvem grande
quantidade de mulheres que contam com a ajuda dos filhos na execução do trabalho,
a exploração da mão de obra infantil e as péssimas condições de trabalho elevaram
os índices de mortalidade das crianças, fazendo com que alguns movimentos a favor
da proteção contra o trabalho infantil viessem a ser pensados pelos operários que se
revoltaram com o fato, surgindo dessa passagem, as primeiras legislações contra o
trabalho infantil.
No entanto, a mão de obra infantil continua sendo explorada de forma
inadequada e, com o aumento do capitalismo, o trabalho infantil fornece atributos que
aceleram as desigualdades, gerando mais lucros para a classe exploradora, visto que
por ser um trabalho que circunda na irregularidade, o seu pagamento é injusto e
imoral. Essas situações são encontradas com mais facilidade nas localidades rurais,
onde as crianças trabalham incansavelmente nas lavouras como forma de ajudar a
família nas tarefas diárias, sendo estes agregados nas fazendas e acabam gerando
lucros para os proprietários de terras.
Essa é a realidade vivenciada pelas crianças campesinas em sua grande
maioria. Outra informação importante que deve ser relatada é o motivo de muitas
dessas crianças estarem fora da escola, pelo fato de se encontrarem distantes das
residências, pela falta de transporte escolar de qualidade e isso gera as dificuldades
do deslocamento dessas crianças e o que é mais agravante é a pouca oferta da
Educação Infantil nas escolas do campo, o que gera contradições no que é dito e
proposto pelas legislações vigentes no Brasil e a realidade dessa modalidade,
sobretudo, nos espaços campesinos.

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O Plano Nacional de Educação (PNE) para 2014/2014, ao tratar da Meta 01


assegura em seu texto que:

Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças


de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil
em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das
crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL,
2014).

As discrepâncias entre a realidade e o que estabelecem as Leis para a


educação são bem visíveis, fazendo com que os direitos estabelecidos nestas
legislações são a todo o momento negado à população e quando se refere aos povos
do campo, reflete ainda mais na violação desses direitos.
Partindo do princípio de negação e contradição, indícios norteadores do Método
Histórico Dialético, vale a pena discorrer algumas das ideias de Marx e Engels sobre
a educação. Entretanto, faz-se necessário lembrar que os autores não produziram
uma teoria da educação, como salienta Lombardi (2008, p. 8), ao afirmar que

Marx e Engels não fizeram uma exposição sistemática sobre a escola e a


educação. Ao contrário de terem produzido uma “teoria pedagógica”, as
posições que foram desenvolvendo encontram-se diluídas ao longo de toda
a vasta obra que produziram, estando a problemática educacional
indissociavelmente articulada às diferentes questões sobre as quais se
debruçaram.

Apesar de não terem elaborado uma teoria própria para educação, os estudos
de Marx e Engels muito contribuíram para a educação e o ensino através de críticas
à classe burguesa e, pela incapacidade de realizar os seus programas sociais,
introduziu uma concepção mais orgânica da união instrução/trabalho, na perspectiva
de uma formação total de todos os homens (MANACORDA, 1989).
A compreensão marxista de educação consiste na formação integral do
homem, provendo o desenvolvimento intelectual e manual. Para tanto, assume os
seguintes princípios, segundo Lombardi (2008, p. 11):

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Eliminação do trabalho das crianças na fábrica, associação ente educação e


produção material, educação politécnica que leva à formação do homem
omnilateral, abrangendo três aspectos mental, físico e técnico, adequados à
idade das crianças, jovens e adultos, inseparabilidade da educação e da
política e articulação entre tempo livre e o tempo de trabalho, isto é, o
trabalho, o estudo e o lazer.

Marx é crítico ao trabalho infantil, cuja classe hegemônica explora essa força
de trabalho com baixa renumeração, até mesmo sem estabelecer a valorização
necessária, entendendo que não se trata de um trabalho, visto que não há registro,
nem vínculo empregatício, vivendo esses pequenos trabalhadores à sombra do
descaso, o que acontece com milhares de crianças do campo que não têm a sua força
de trabalho reconhecida e ainda param com as adversidades que a Educação do
Campo lhes oferece, faltando-lhes quase tudo.
Nesse contexto, discutiremos a seguir a educação do campo no município de
Vitória da Conquista/Bahia, em que seu número de escolas campesinas supera as
urbanas. No entanto, a oferta da Educação Infantil ainda é bem restrita, ficando as
crianças nesta faixa etária fora da escola, ou se submetem aos estudos ofertados na
cidade, uma realidade que desconstrói as lutas em defesa da Educação do Campo.

2. A educação do campo nas políticas públicas brasileiras

A educação do campo é fruto das lutas da classe trabalhadora camponesa,


ancorada nos movimentos sociais que almejam um projeto educacional na forma de
política pública voltada para o respeito e os interesses dos diversos sujeitos que vivem
no campo.
A Resolução nº 1, de 03 de abril de 2002, estabelece as Diretrizes para a
Educação Básica nas Escolas do Campo e destaca como sujeitos do campo

os povos indígenas, povos da floresta, comunidades tradicionais e


camponesas, quilombolas, agricultores familiares, assentados, acampados a
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espera de assentamento, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos e


trabalhadores assalariados rurais (BRASIL, 2002).

Todavia, a educação brasileira se apresenta, desde a sua origem, de forma


excludente, privilegiando os interesses da classe dominante e quando se trata da
Educação do Campo, essa exclusão é mais perceptível. Historicamente a
concentração de grandes latifúndios no século XX contribuiu para que o Estado
manifestasse pouco interesse para a escolarização dos povos do campo, justificando
que a classe trabalhadora do modelo agroexportador, não necessitaria de formação
especializada para a realização do trabalho.
Na metade do século, o modelo agroexportador entra em crise, o mercado
exige mão de obra qualificada para o campo, passando a privilegiar um modelo de
educação de movimento do capital, para desestruturar a agricultura familiar. Nesse
momento a intenção é formar trabalhadores para lidar com insumos, máquinas e
tecnologia com o objetivo de aumentar a produção no campo, fortalecendo os grandes
latifúndios e fixando o homem no campo. No entanto, as intenções dos defensores
das políticas educacionais conservadoras vão em direção contrária, com a finalidade
de expulsar o homem do campo para atender o agronegócio e, com a implementação
dessa política, muitos dos camponeses migraram para os centros urbanos,
engrossando as fileiras dos excluídos sociais no espaço citadino. Nesse período o
analfabetismo alcança índices surpreendentes.
Durante as décadas de 1980 e 1990, a população que vive nas cidades
aumenta em grandes proporções, gerando um grande déficit nas políticas públicas.
Com essa expansão os indicadores apresentam o Brasil como sendo urbano, porém
pesquisadores como Veiga (2002), Schneider (2003) e Verde (2004), entre outros,
afirmam que o Brasil é marcadamente rural. Se forem observados critérios que não
exclusivamente o demográfico, como a experiência sociocultural, os critérios
ambiental e espacial, e a densidade demográfica, vistos como importantes para definir

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o grau de ruralidade do território brasileiro, percebemos que grande parte dos


municípios brasileiros é marcada por baixa densidade demográfica.
De acordo com Santos (2016), a Constituição Federal de 1988 trouxe na sua
redação, o respeito às especificidades da educação rural e com ela foi possível que
os trabalhadores do campo e intelectuais comprometidos com uma educação
progressista para os camponeses, se organizassem para participar dos debates que
originaram na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996, a qual
garante o respeito à diversidade do povo campesino, contemplando algumas das suas
reivindicações, dentre estas as adequações curriculares às especificidades do meio
rural.
Com essa abertura política e legal, os Movimentos Sociais passaram a discutir
a mudança na nomenclatura da educação rural, propondo a mudança do termo de
“Educação Rural” para “Educação do Campo”. Neste contexto, o Decreto nº
7.352/2010 elevou a Educação do Campo à condição de política de Estado, e incluiu
o ensino superior nessa modalidade de ensino . Em 2013, por meio da Portaria nº 86,
de 1º de fevereiro de 2013, o Programa Nacional de Educação do Campo
(PRONACAMPO) foi criado como política pública voltada para a Educação do Campo
e, de acordo com Ribeiro (2010), o PRONERA é o Programa que maior aderência
possui com a gênese da Educação do Campo, ao revelar o protagonismo dos
Movimentos Sociais.

3. Metodologia

A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de natureza exploratória.


Utilizamos como metodologia a revisão bibliográfica para analisar o lugar da criança
na Educação do Campo, seus entraves e avanços no município de Vitória da

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Conquista/BA, além de fontes documentais como as legislações referentes à temática


em questão.
Os dados foram coletados por meio de análise documental, entrevista
semiestrutura com a Coordenadora do setor de Legalização e Estatística da
Secretaria Municipal de Educação (SMED) e analisados com base na metodologia
dialética visto que “a dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a
“coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão
da realidade” (KOSIK, 1997, p. 20).

4. A educação do campo em Vitória da Conquista/BA

O município de Vitória da Conquista está localizado na região Sudoeste da


Bahia, cujo território inicial, também conhecido como Sertão da Ressaca 137 , fora
habitado pelos povos indígenas Mongoyós, Pataxós e Ymborés.
A superfície do município de Vitória da Conquista é de 3.204,5 km² e seus
Distritos são: Bate-Pé, Cabeceira da Jiboia, Cercadinho, Dantelândia, Iguá, Inhobim,
José Gonçalves, Pradoso, São João da Vitória, São Sebastião e Veredinha. Ademais,
o referido município possui como municípios limítrofes as cidades de Cândido Sales,
Belo Campo, Anagé, Planalto, Barra do Choça, Itambé, Ribeirão do Largo e
Encruzilhada.
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a população estimada de Vitória da Conquista em 2017 era de 348.718
habitantes, número que a define como a terceira maior cidade do Estado da Bahia,
ficando atrás das cidades de Salvador e Feira de Santana, além de ser a quarta do

137Os escritos de Rui Medeiros, advogado e historiador conquistense, que fazem parte da obra intitulada “Relatos
de Conquista”, evidenciam a origem do nome “Ressaca”. De acordo com Medeiros, esse termo está relacionado
ao uso da geografia popular, o qual significa “fundo de baía de mato baixo, circundado por serras”, sendo, pois
aplicado às terras existentes entre o Rio Pardo e o Rio das Contas (MEDEIROS, 1988).
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interior do Nordeste. Desse dado populacional que vive no município, avalia-se que
até o ano de 2012, apenas 32.274 habitantes estão no meio rural, e que em 2016,
essa população era de 37.000, de acordo com os dados do IBGE, 2016. Embora a
área rural de Vitória da Conquista seja extensa, composta por duzentos e oitenta e
quatro (284) povoados, distribuídos em onze (11) Distritos, a alta concentração urbana
é uma realidade que apresenta preocupação quanto à exploração dos recursos
ambientais e os modos pelos quais os povos campesinos têm ocupado os espaços
urbanos. Os dados revelam que a população urbana de Vitória da Conquista possui
274.739 habitantes enquanto que a população rural é de 32.127 habitantes (IBGE,
2016).
Quanto ao percentual de crianças no referido município, em 2010 o IBGE
evidenciou que a população de crianças de 0 a 5 anos no meio urbano se aproximava
da população com esta mesma faixa etária no meio rural, uma vez que 9,3%
encontravam-se na zona urbana enquanto que 9,7% na zona rural (BRASIL, 2010).
No entanto, apesar desse percentual apresentar semelhança, em 2017 o censo
escolar apontou que houve um crescimento significativo nas matrículas para esta faixa
etária, visto que a população geral do município também aumentou,
consideravelmente, mas ainda assim, o quadro de matrículas para essa modalidade
educacional ainda apresenta disparidade, como mostra tabela abaixo.

Quadro 1 – Número de matrículas na Educação Infantil em Vitória da Conquista


ESPAÇO CRECHE PRÉ-ESCOLA
Urbano 2.381 3.740
Rural 93 1.407
TOTAL 2.474 5.147
Fonte: Elaboração da autora a partir de dados do QEdu (2017).

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Portanto, apenas duas mil quatrocentos e setenta e quatro (2.474) crianças


estão estudando na zona rural, enquanto que cinco mil cento e quarenta e sete
frequentam as escolas pertencentes à zona urbana. Quando comparada essa etapa
nos espaços urbano e rural, notamos que para o contingente de um município que
assume a terceira maior cidade no estado da Bahia, tanto uma quanto a outra
apresenta um quantitativo baixo e isso mostra a contradição entre o que assevera a
CF de 1988 em seu Artigo 205 ao enfatizar que “A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Inúmeros questionamentos
surgem a partir dessa afirmativa, sobretudo quando refletimos sobre a garantia desse
direito e o lugar que a criança de 0 a 5 anos tem ocupado nos espaços educativos,
sobretudo nos espaços campesinos.
Se todos têm direito à educação por que apenas uma minoria da Educação
Infantil tem acesso a essa modalidade e, o Estado enquanto mantenedor por que não
tem cumprido com o seu dever? Ademais, por que a sociedade tem se silenciado
frente à demanda da Educação Infantil no cenário brasileiro, sobretudo no município
de Vitória da Conquista? Estas são algumas nuances que remetem às declarações
de Mészáros (1981), visto que as determinações ontológicas do ser social, bem como
dos fenômenos ideológicos da vida desse ser, se processa pela práxis educativa.
Assim, entendemos que a educação apresenta avanços e limites para a efetivação,
de fato, da construção absoluta da liberdade do ser humano, enquanto sujeito histórico
capaz de transformar, não apenas a educação, mas também a sociedade por meio da
revolução social, com vistas na transformação da sociabilidade, de forma radical.
Ainda assim, a educação é um dos principais eixos de destaque do município
de Vitória da Conquista, sendo que a Secretaria Municipal de Educação possui cento
e oitenta e nove (189) instituições escolares e destas, 117 (cento e dezessete)
encontram-se no espaço rural e apenas setenta e duas (72) no espaço urbano. A Zona

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Rural é formada por dezenove (19) Círculos Escolares Integrados (CEIs), a saber:
Assentamento Chapadão, Assentamento Sede, Bate-Pé, Cabeceira, Campo
Formoso, Capinal, Cercadinho, Dantelândia, Estiva, Gameleira, Iguá, Inhobim, José
Gonçalves, Limeira, Pradoso, São João da Vitória, São Sebastião e Veredinha; estes
Círculos atendem noventa e três (93) escolas e dois (02) Círculos de Nucleadas com
trinta e sete (37) escolas que são dirigidas por apenas uma Diretora e um Vice-Diretor.
Vale salientar que todas as turmas nas Escolas Nucleadas são multisseriadas.
(SMED, 2017).
Todavia, nos voltamos aos escritos de Marx e Engels (2011) no texto inicial da
obra “Manifesto do Partido Comunista”, uma vez que o sujeito precisa deixar seu
estado de alienação frente ao sistema e desenvolver a consciência revolucionária em
busca das reais necessidades pelas quais perpassam os sujeitos, sobretudo, aqueles
que se encontram inseridos nos espaços campesinos. Concomitante a isso, os
autores supracitados (Idem, p. 45-46) enfatizam que

A história de toda a sociedade que até hoje existiu é a história da luta de


classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e
companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos sempre estiveram em
constante oposição uns com os outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora
disfarçada, ora aberta, que terminou sempre ou com uma transformação
revolucionária de toda a sociedade, ou com o declínio comum das classes
em luta.

Contudo, é preciso entender que a luta de classes não se estabelece apenas


pelo confronto armado, mas, sobretudo, pela ideologia presente nos mais diversos
processos institucionais, políticos, legais e sociais que a classe dominante utiliza para
perpetuar sua dominação. É necessário, portanto, romper com o capitalismo
sociometabólico, pois, de acordo com Mészáros (2014), esse processo social
formado, desenvolvido e renovado pelo capitalismo, descaracteriza a relevância da
fixação do homem do campo, colocando-o como mecanismo de garantia e
legitimidade das áreas urbanas, reforçando o sistema sociometabólico do capital.
Nessa perspectiva, precisamos assegurar uma educação que seja a mola propulsora
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capaz de romper com a lógica do capita, sendo, portanto, uma educação para além
do capital.
Em Vitória da Conquista, apesar da redução do número de escolas e de alunos
nas áreas campesinas, o número geral de matrículas se manteve entre os anos de
2012 e 2017, visto que houve um aumento considerável quanto a abertura de novas
escolas na cidade. O quadro abaixo apresenta dados específicos sobre a Educação
do Campo no referido município.

Quadro 2 – A Educação Infantil nos espaços campesinos em Vitória da Conquista/BA


2012 2013 2014 2015 2016 2017

U R U R U R U R U R U R
Área

C PE C PE C PE C PE C PE C PE C PE C PE C PE C PE C PE C PE
Matrícula

1754 3230 125 750 1792 3453 155 894 1903 3517 170 1255 1807 3422 178 1260 2048 3599 91 1323 2389 3783 85 1355
Quant.
Crech

20 1 20 1 21 1 22 1 22 1 23 1 27 01
e
Escolas

18 25 21 24 22 29 - - - - - -
EI138
com
Proinfânci

- - - - - - - - - 5139 0 5 0
Creches

(as
mesmas de

2016)
a

Fonte: Elaboração das autoras a partir de dados fornecidos pela SMED, 2017.

Diante dos dados expostos, observamos que o número de matrículas para os


alunos da Educação Infantil durante os anos de 2012 e 2017 foi considerado gradativo,

138 Em algumas Creches também têm turmas de Pré-Escola, além das escolas citadas. Em 2010 tinha turmas de
Pré-Escola em 17 creches; 2011 e 2012 em 18 creches; 2014 em 20 creches; para os anos seguintes, a SMED
não nos apresentou os dados quantitativos.
139 Das 5 Creches do Proinfância inauguradas, apenas 1 teve início em 2016, as outras 4 iniciaram em 2017.

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tanto no espaço urbano quanto no espaço rural. Porém, em 2016 e 2017 houve um
decréscimo brusco quanto às matriculas para as crianças de 0 a 03 anos que são
atendidas em creches e isso é decorrente da escassez de creches nos diversos
espaços do campo, no município de Vitória da Conquista. Detectamos, portanto, que
existe um silenciamento ou omissão por parte dos governantes no município em
questão para o atendimento desses sujeitos, uma vez que das cento e dezessete
(117) escolas que oferecem a educação infantil do meio rural de Vitória da Conquista,
constatamos que existe apenas uma (01) creche, e isso justifica a diminuição do
número de matrículas das crianças em idade de creche. Outra questão que pode ser
considerada gravíssima é o fato das creches municipais atenderem crianças somente
a partir dos 02 anos de idade, ferindo o estabelecido nas legislações, como a CF de
1988 e a LDBEN nº 9.394/1996 acerca da garantia desse direito a todas as crianças
dessa faixa etária.
As creches surgiram no contexto capitalista, cujos serviços eram destinados às
mulheres que se encontravam inseridas no mercado de trabalho, mais
especificamente, às mulheres de classes sociais mais carentes, economicamente.
Assim, o atendimento em creche teve como objetivo atender aos filhos dessas
operárias e esse atendimento expandiu e alcançou caráter assistencialista, em que as
crianças eram cuidadas e alimentadas, em substituição aos cuidados maternais,
enquanto as mães estavam trabalhando (ROCHA, 1997).
Como fora mencionado, o município de Vitória da Conquista tem se omitido
frente a essa etapa da educação infantil e a maior preocupação está em saber onde
estão essas crianças que, de acordo com a CF de 1988 e a LDB nº 9.394/1996,
deveriam estar nos espaços educativos propícios à sua faixa etária, sendo assistidas
de forma integral, em espaços adequados e com qualidade educativa. Já as turmas
de pré-escola, estas aumentaram de forma gradativa nos espaços urbanos e rurais,
mas, apesar desse crescimento, observamos que ainda existem turmas de pré-escola
que funcionam de forma desrespeitosa e inadequada, visto que as crianças de 04 e

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05 anos estudam em turmas multisseriadas, ou seja, elas ficam juntas com as demais
crianças que estudam nos anos iniciais do Ensino Fundamental, do 1º ao 5º ano.
Contudo, as funções voltadas para o atendimento às crianças pequenas, antes
de caráter assistencialista, passaram a configurar o tripé complementar e indissociável
da Educação Infantil, a saber, o cuidar, o brincar e o educar em oposição à perspectiva
assistencialista que tinha como premissa a guarda e a assistência. Nesse contexto, o
município de Vitória da Conquista dispõe de uma equipe, ainda pequena constituída
por apenas duas (02) coordenadoras do Núcleo Pedagógico da SMED para essa
modalidade, e essa equipe promove encontros esporádicos com as coordenadas das
instituições, creches e escolas, que oferecem a Educação Infantil para planejarem
atividades ou discutirem os rumos dessa modalidade no cenário municipal.
Nessa conjuntura, recorremos aos questionamentos de Mészáros (2008, p. 17),
ao refutar: “para que serve o sistema educacional mais ainda, quando público, se não
for para lutar contra a alienação? Para ajudar a decifrar os enigmas do mundo,
sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens?”.
Assim, devemos pensar em estratégias que possam romper com esse sistema omisso
de gestão que este possa construir teorias alternativas capazes de transformar a
realidade da educação infantil nos espaços campesinos de Vitória da Conquista/BA.
Afinal, Freire (2006) já dizia que ensinar exige a convicção de que a mudança é
possível, ou seja, este é um princípio do trabalho educativo para a emancipação
humana.
De acordo com Marx, a emancipação humana só se efetiva por meio da dupla
ação revolucionária, ou seja, pela ação política pela qual o proletariado pode alcançar
o poder político e através deste iniciar o desmantelamento do Estado político e,
consequentemente seu sustentáculo, o mercado; e pela revolução social que possa,
de fato, transformar a forma de sociabilidade que supera o mercado e a política e,
nesse processo revolucionário, a educação tem um papel fundamental.

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5. Considerações finais

Conhecer e refletir sobre o lugar da criança na educação infantil em Vitória da


Conquista foi impactante, pois, de modo geral, percebemos a omissão da gestão
pública frente a essa modalidade. O espaço urbano apresenta maior número de
atendimento às crianças que se encontram nessa faixa etária, enquanto que a zona
rural dispõe apenas de uma creche para uma demanda que é silenciada. Ademais,
mesmo pelo quantitativo maior apresentado pelas instituições urbanas, como as
creches e escolas, o município não oferece atendimento para as crianças menores de
02 anos, e isso é um desrespeito por não se fazer cumprir com o estabelecido nas
legislações vigentes para esses pequeninos.
Assim, a realidade permeada pela educação infantil, sobretudo, nos espaços
campesinos de Vitória da Conquista, evidencia a necessidade, urgente, de implantar
e implementar políticas públicas condizentes com essa modalidade, para que seja
efetivada a qualidade educacional, bem como uma proposta que favoreça, por meio
da garantia, o direito à educação para todos e não apenas para uma minoria. É
preciso, pois, investir na educação infantil como forma de garantia e também de
qualidade educacional para essas crianças do campo.
A especificidade da educação infantil ofertada nos espaços campesinos
possibilitou compreender que a revolução urge e o descompasso entre o ideal
proposto pelas legislações e a realidade deste município têm deixado marcas que
requerem atenção diferenciada, uma vez que a gestão pública municipal tem sido
omissa no tocante ao atendimento dessas crianças que vivem no campo,
negligenciando seu direito e sucumbindo o potencial desses sujeitos que devem ser
vistos, assistidos e contemplados, além de fortalecer a identidade desses que vivem
no campo.

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Referências

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Rio de Janeiro: LCT, 1978.

BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. Brasília, 1988.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho


de 1990. Brasília, 1990.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei Federal nº 9.394/96.


Brasília: Congresso Nacional, 1996.

______. Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002. Institui as Diretrizes


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POLÍTICAS PÚBLICAS E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: O CASO DO


PRONERA

Mauro dos Santos Carvalho*


Arlete Ramos dos Santos**
Francisco dos Santos Carvalho***

Resumo
No contexto das Políticas Públicas, o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA) surgiu das demandas dos movimentos sociais, configurando-se
como instrumento de democratização na Educação do Campo. Objetivamos neste
artigo refletir sobre o PRONERA enquanto Política Pública de Educação do Campo,
apresentando reflexões acerca da agenda neoliberal que permeia os princípios como
a regulação e desregulamentação da economia, a intervenção estatal e a
subordinação da Educação do Campo aos interesses do mercado. As recomendações
do novo modelo de administração pública gerencial da educação no Brasil provocaram
inquietações no modelo educacional no que se refere aos novos processos de
regulação e gestão, ocasionando o desenvolvimento de polícias educacionais
direcionadas para o acolhimento da ideologia neoliberal.Os resultados dessa política
neoliberal mostram que o PRONERA tem muitos obstáculos a serem suplantados no
objetivo de continuar ofertando uma educação de qualidade ajustada nos preceitos da
justiça social e na formação integral dos educandos, sobretudo em virtude da
insuficiência de recursos financeiros que visem garantir a continuidade das diversas
modalidades de ensino.

Palavras-chave: Educação do Campo. Políticas Públicas. PRONERA.

* Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) na Universidade Estadual


do Sudoeste da Bahia (UESB), Especialista em Qualidade Total na Agricultura Empresarial pela Universidade
Federal de Lavras (UFLA), Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo
(GEPEMDEC) na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e membro titular da UESB no Colegiado
Estadual do Pronera na Bahia. E-mail: mauro@uesb.edu.br
** Pós-doutorado em Educação e Movimentos Sociais do Campo pela Universidade Estadual Paulista UNESP.

Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, é professora
adjunta da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), atuando na graduação e pós-graduação. É membro da
equipe de professores do Programa de Pós-graduação em Educação Básica da UESC e do Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (PPGED/UESB). E-mail:
arlerp@hotmail.com
*** Professor da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR) e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

(UESB). Doutor pela Universitat de Barcelona, Mestre pela Universidade Federal de Pernambuco. Coordenador
do Grupo de Pesquisa em Inovações Tecnológicas e Modernização. E-mail:
franciscodossantoscarvalho@gmail.com
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Introdução

Conhecer o ciclo das políticas públicas e proceder à avaliação das suas fases
(surgimento dos problemas políticos, inclusão na agenda governamental, formulação,
decisão do programa de política pública, implementação e avaliação das políticas
públicas) é um tarefa de grande relevância.
O ciclo das políticas públicas contribui diretamente com o PRONERA por
intermédio da percepção de que existem diferentes momentos no decorrer do
processo de construção de uma política pública, direcionando para a necessidade de
compreender as especificidades de cada um destes momentos, proporcionando maior
conhecimento e intervenção acerca do processo político planejado.
As políticas públicas podem ser entendidas como um conjunto de programas
dos governos (federal, estaduais ou municipais) para atender uma demanda da
sociedade. Entre os conceitos de políticas públicas, o de Höfling (2001) afirma que
essas podem ser definidas como o Estado prestando serviços para a sociedade
mediante a implementação de projeto de governo. Por sua vez, Bucci (2002, p. 4)
afirma o termo políticas públicas significa um “conjunto de programas de ação
governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados”.
Na avaliação de Souza (2007), no Brasil, empreender uma análise da gestão
das políticas públicas ganhou maior importância em virtude do surgimento da
necessidade de se alcançar maior efetividade (eficiência e eficácia) na implementação
de políticas públicas que possam atender as demandas sociais e ao mesmo tempo
fazer face ao aumento do déficit público da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
No Brasil, a partir de 2012, em um contexto de agravamentosério das atuais
crises políticas e econômicas, marcado pela necessidade de ampliar a participação

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da sociedade civil na formulação e avaliação de novos modelos de políticas sociais


com escopo tanto mais abrangente (esferas federal e estadual) quanto mais
específico(esferas regional e local), governos, gestores e a sociedade civil devem
avaliar as políticas públicas para dar respostas à problemática de equacionar o uso
de recursos públicos limitados com as crescentes demandas oriundas da sociedade.
Nessa perspectiva, há um consenso entre os especialistas em políticas públicas de
que as recentes crises política e econômica devem merecer análises mais
aprofundadas.
Diante do exposto, percebe-se que está em curso um processo de
amadurecimento da sociedade brasileira que tem levado à ampliação do número de
questionamentos em relação ao desempenho da gestão governamental. Cresce o
número de brasileiros que questionam a efetividade das políticas públicas no sentido
de promover mudanças na realidade de cidadãos que carecem de eficientes e
eficazes programas sociais.
No âmbito das políticas públicas para a área da Educação, é preciso realizar
análises mais aprofundadas da gestão do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA). Este, trata-se de um Programa do Governo Federal
administrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
autarquia vinculada ao Governo Federal. Em termos de macro-objetivos, o
supracitado programa visa: a) oferecer educação formal aos jovens e adultos
beneficiários do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), abrangendo todos os
níveis de ensino e áreas do conhecimento; b) melhorar as condições de acesso à
educação do público do PNRA; c) promover melhorias no desenvolvimento dos
assentamentos rurais por meio da formação e qualificação do público do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos
assentamentos.

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1. Políticas Públicas e o Pronera

As políticas públicas não são um espaço físico, são concepções de mundo que
estão inseridas nelas. Conforme Pereira (2008), a política pública é resultado da
relação entre o Estado e a sociedade de classes, e sempre vai lidar com interesses
opostos, pois é resultado da pressão de diferentes atores sociais. A política pública é
um fenômeno conflitante. Surge da contradição dos interesses das classes e da
relação entre Estado e sociedade; dependendo da correlação de forças em
determinado momento histórico. Assim, por trás de sua formulação há conceitos e
teorias que definem decisões e escolhas.
O PRONERA é uma política pública do governo federal, protagonizada a partir
da mobilização dos movimentos sociais para a educação de assentados (as) da
reforma agrária (Molina, 2008). Surgiu das contradições do sistema capitalista como
novo paradigma que caracterizou a educação no campo, valorizando os sujeitos
trabalhadores, suas particularidades, contradições e a cultura como práxis, havendo
um contraponto ao paradigma da educação rural formal, vinculada aos interesses do
capitalismo agrário e do agronegócio, implicando no avanço e no fortalecimento das
políticas de esvaziamento do campo.
Depreende-se que o PRONERA passou a ser uma referência para
compreender a definição de política pública, a qual deve considerar “o aspecto
conflituoso e os limites que cercam as decisões dos governos”, assim como inserir as
“possibilidades de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras
instituições e grupos sociais” (SOUZA, 2007, p. 69). Dessa forma, a partir dessa
dinâmica, o PRONERA passou a se articular por meio da cooperação entre
movimentos sociais e sindicais, instituições de ensino e INCRA.
Como condição de política pública, o PRONERA também enquadra-se como
uma referência no contraponto com as ideologias dominantes e os contextos sociais
e políticos dessa dominação, que fazem parte das práticas pedagógicas tradicionais.

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De tal modo, a construção dos projetos, tendo como protagonistas os sujeitos do


campo, representam uma ação coletiva que permite o reconhecimento da condição
de oprimido e a materialização do compromisso com um projeto de transformação.
Assim, teremos o que Freire (2005, p. 64) define como o que deva ser o engajamento:
“a presença dos oprimidos na busca de sua libertação”.
Desse modo, as políticas públicas podem ser compreendidas também como
uma forma de regulação, pelo Estado neoliberal, das diversas relações sociais entre
desiguais, conforme característico da sociedade capitalista. Nesse sentido, as
políticas públicas proclamam as contradições de uma sociedade de classes e o jogo
de interesses daqueles que querem continuar mantendo sua supremacia cultural e
econômica, havendo a incorporação de um discurso transformador às avessas,
objetivando valorizar o capital em detrimento do homem, atuando mais em prol do
modelo capitalista do que do trabalho. Entretanto, políticas públicas são mais do que
regulação, representam a produção de serviços públicos pelo Estado em atendimento
à demandas da população, sem repassar tal responsabilidade para a sociedade civil
ou, como vem sendo prática corrente, para as chamadas organizações sociais.

2. Políticas públicas no Estado capitalista

A lógica de um “Estado mínimo” socialmente, proposto pelo modelo neoliberal


existente no Brasil na década de 1990, em detrimento de um “Estado máximo”
economicamente, reforçou o processo de reforma do Estado e promovendo cortes
orçamentários nas políticas públicas, dentre elas, as educacionais e, sobretudo a
Educação do Campo que sempre foi remediada através de projetos, programas
emergenciais e sem continuidade, com ações justapostas e concepções de educação
pautadas na realidade urbana, não sendo um espaço prioritário de ação
institucionalizada (PERONI, 2003).

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A sociedade brasileira atualmente vivencia ao ápice de um método histórico de


pacto do Estado com a acumulação de capital, às causas da representação e
operacionalização de políticas públicas educacionais de cunho abrangente. Esse
processo faz parte de um espólio antigo, cuja inflexão advém com o aprofundamento
da transformação capitalista no país.
Com alusão às políticas públicas educacionais, a exemplo do PRONERA, esta
complexidade de fatores em seu esboço é explicitada na discussão sobre a
fundamentação do conceito de Estado capitalista. Destacando que não seria
equivocado idealizar nos objetivos das políticas públicas de caráter educacional
vertentes voltadas especificamente para a qualificação da força de trabalho de acordo
com os interesses de determinados setores industriais ou de algumas modalidades
de emprego.
O desenho apresentado pelo Estado leal ao modelo neoliberal impede a
realização de qualquer ação estatal, especialmente no tocante às das políticas sociais
educacionais voltadas para a educação do/no campo como o PRONERA. No modelo
ideológico neoliberal, as políticas sociais praticadas pelo Estado tendem a aumentar
seus gastos, resultando no aumento da pressão fiscal sobre os setores que detêm o
capital, implicando assim no não favorecimento diretamente com essas políticas
(PERONI, 2003).
No decorrer da década de 1990 presenciou-se um arcabouço de ações
governamentais e de reformas educacionais que modificariam diretamente o sistema
público de ensino, com a justificativa e o discurso de que os padrões de qualidade e
eficiência na educação seriam elevados. Essas reformas foram compreendidas
através da aplicação de decretos, resoluções, portarias e leis emitidas pelo governo,
tornando evidente, dessa forma, que a gestão e a organização do trabalho escolar
passou a ser conduzida pela oratória da igualdade social, mas por critérios objetivos
da economia de mercado.

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Na contramão dessa vertente, o PRONERA foi implantado no Brasil no ano de


1998 pela Portaria nº 10 de 16 de abril de 1998 constituído enquanto política pública
para a Educação do Campo, protagonizada pelo governo federal, sendo que esta
política educacional foi elaborada e implementada sob a influência político-ideológica
do ideário neoliberal. Molina (2008, p. 42) define o PRONERA como “política pública
institucionalizada por demanda coletiva, o PRONERA carrega em si grande
aprendizado, por meio de parceria”. Sem dúvida, uma política pública construída de
"baixo para cima”, desenvolvida em áreas de reforma agrária e executora das práticas
e de reflexões teóricas da educação do campo, no âmbito do INCRA.
Um dos objetivos precípuos do PRONERA é o fortalecimento da educação nas
áreas de reforma agrária, visando estimular, propor, criar, desenvolver e coordenar
projetos educacionais, utilizando metodologias direcionadas para a especificidade do
campo, para, assim, promover o desenvolvimento sustentável (INCRA, 2015).
Para Rocha (2009) e Hackbart (2008), faz–se necessária a participação da
sociedade civil e do Estado no PRONERA, primando pelo diálogo permanente, ação-
reflexão-ação e a perspectiva de transformação da realidade, em uma dinâmica de
aprendizagem-ensino que ao mesmo tempo valorize e provoque o envolvimento dos
educadores em ações sociais concretas e ajude na interpretação crítica e no
aprofundamento teórico necessário a uma atuação transformadora.
Nesse contexto, vários dispositivos foram e são implementados de acordo com
os princípios que regem a administração capitalista, tendo a esfera educacional como
parte fundamental do processo maior de universalização do capitalismo, verificando-
se também a inclusão da Educação do Campo à lógica do mercado, havendo uma
clara mercantilização dessa educação. Com isso, o processo de descentralização
representa uma estratégia para desobrigar o Estado na transferência de tarefas de
caráter público para a sociedade, sendo que o processo de descentralização é parte
fundamental do plano atual de reformar o Estado, sendo a desregulamentação o
processo legal para suprimir os obstáculos para o livre mercado.

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3. Estado regulador e as políticas educacionais

Destaca-se que a nível nacional o modelo de regulação das políticas públicas


educacionais e da Educação do Campo, a exemplo do PRONERA, converge com os
modelos de regulação de países europeus cuidadosamente estudados na década de
1980, implicando em um modelo denominado burocrático-profissional. Cabe destacar
também que as políticas atualmente praticadas têm oposição a esse modelo, havendo
uma tendência para modelos de regulação e de governança (BARROSO, 2015).
A prática educativa é um processo social marcado por interesses e
contradições, e seu desenho escolarizado, enquanto concepção da sociedade e para
a sociedade, só deve ser analisada como um elemento que compõe a superestrutura
a medida que estabelece relações contínuas, sendo determinadas pelos demais
elementos que integram essa superestrutura.
Com aporte em Barroso (2015), observamos que a avaliação do Estado sobre
a ótica do seu caráter multiregulador, cria as situações necessárias ao
desenvolvimento do capital, bem como os prováveis processos de contra-regulação
que os sujeitos e movimentos sociais e os sindicais manifestam, realizando-se através
da problematização das convicções e ações do PRONERA, enquanto política de
governo e, posteriormente em 2010, de Estado.
Desse modo, o PRONERA pode ser considerado uma política pública em que
sua regulação é marcada pela busca do exercício pleno da democracia, por meio da
luta pelo direito à educação para os sujeitos do campo. Sua implementação é, para
os movimentos sociais, uma forma de territorialização das suas lutas para dentro dos
espaços do Estado, até então inacessíveis. Assim, as formas de interação e
articulação entre os grupos sociais e os governos vêm reconfigurando a burocracia
estatal.
Vivencia-se na atualidade um processo de redefinição e de reequilíbrio das
relações existentes entre o estado e o mercado, havendo uma necessidade de se

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pensar em uma nova constituição e regulação no tocante às políticas de educação


direcionadas para o PRONERA, na defesa de uma escola pública que envolve os
direitos humanos e a cidadania, em certas condições de igualdade de justiça social,
oportunidades e maior participação coletiva (BARROSO, 2015).

4. Considerações finais

Diante da situação apresentada, como afirma Rui Canário (2002, p. 150), a


“pensar a escola a partir de um projecto de sociedade” e, para isso, precisamos
aprender a pensar ao contrário do que a “vulgata” economicista recomenda, ou seja,
“pensar a partir não dos meios disponíveis, mas das finalidades a atingir” (idem, ibid.,
p. 151), ou como recomenda Paulo Freire a “problematizar o futuro” sem o considerar
como “inexorável”.
A investigação sobre políticas educacionais implica, portanto, no resgate da
historicidade do fenômeno, buscando investigá-lo nessa perspectiva no aspecto de
colocar expor os conflitos, incoerências, interesses e o sistema de ideias que
permanecem por atrás da implantação de tais políticas públicas, sendo necessário
reconhecer o campo das políticas públicas educacionais voltadas para a Educação do
Campo como uma propriedade de averiguação histórica, promovendo o resgate da
historicidade cíclica e suplantando a averiguaçãogenuinamente narrativa e descritiva
dos fatos.
Desse modo, pode-se evidenciar como consequência direta da política
neoliberal a crise financeira que assola atualmente a educação do campo e,
sobretudo, o PRONERA, uma vez que sofreu forte redução orçamentária para sua
execução. A partir do momento em que Michel Temer assumiu a presidência, as
verbas para o Programa foram reduzidas drasticamente, de 30 milhões para somente
9 milhões no ano de 2017. Conforme apontamento da coordenação nacional do MST,

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mais de 100 novos cursos de nível superior que estavam previstos não serão
conveniados em virtude da política restritiva do governo atual. Com isso, cerca de 7
mil alunos beneficiados serão impedidos de estudar. Ainda segundo a referida
coordenação, a dotação orçamentária definida pelo governo federal para o PRONERA
no ano de 2018 sofreu uma redução de 86% no investimento previsto.
Mesmo com esta situação, acreditamos que a criação e a manutenção do
PRONERA não teve só um grande significado simbólico, considerando a historicidade
por parte do Estado na implementação de políticas públicas voltadas para campo, mas
sobretudo pela significância prática que o Programa apresentou. O fato de que
milhares de jovens e adultos oriundos do campo tenham garantido o acesso à
educação básica e superior representa uma importância histórica no contexto
educacional do Brasil deve-se ao fato de permitir que milhares de jovens e adultos
que vivem no campo tenham acesso amplo à educação desde o ensino básico ao
superior.
Ademais, acredita-se que ainda é possível que esse programa possa atuar
como mecanismo de reconstrução de políticas públicas no âmbito do Estado e da
sociedade civil, vindo a produzir política de Estado para Educação do Campo que
venham a beneficiar a intensificação da condição humana da excluída população que
vive no meio rural.
Para além da condição de política pública, o PRONERA também é uma
referência no confronto com as ideologias dominantes e os contextos sociais e
políticos dessa dominação, que fazem parte das práticas pedagógicas tradicionais. A
construção dos projetos, tendo como protagonistas os sujeitos do campo,
representam uma ação coletiva que permite o reconhecimento da condição de
oprimido e a materialização do compromisso com um projeto de transformação.
Assim, teremos o que Freire (2005, p. 64) define como o que deva ser o engajamento:
“a presença dos oprimidos na busca de sua libertação”.

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Políticas públicas podem ser entendidas como uma forma de regulação, pelo
Estado, das relações sociais entre desiguais, conforme característico da sociedade
capitalista. Nesse sentido, as políticas públicas expressam as contradições de uma
sociedade de classes e o jogo de interesses daqueles que querem continuar
mantendo sua supremacia cultural e econômica, incorporando um discurso
transformador às avessas, que valoriza o capital em detrimento do homem, atuando
mais em prol do capital do que do trabalho. Contudo, políticas públicas são mais do
que regulação, representam a produção de serviços públicos pelo Estado em
atendimento às demandas da população, sem repassar tal responsabilidade para a
sociedade civil ou, como vem sendo prática corrente, para as chamadas organizações
sociais.
A complexidade das condições socioeconômicas e educacionais das
populações rurais exige maior coerência na construção de estratégias que visem
alavancar a qualidade da Educação do Campo através do PRONERA. Conceber
políticas que busquem suprir as enormes desigualdades no direito ao acesso e a
permanência na escola para este grupo faz parte desta estratégia, dito de outra forma:
o que se busca não é somente a igualdade de acesso “tolerada” pelos liberais, mas,
fundamentalmente a igualdade de resultados.
As reflexões desenvolvidas neste artigo permitem inferir que ao longo dos anos
1990, até os dias atuais, presenciou-se no âmbito das reformas educacionais como
um todo e, sobretudo, na Educação do Campo um conjunto de metas e prioridades
condizentes aos novos padrões deregulação do capitalismo, ditados pelo modelo
neoliberal.

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PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO COM


FOCO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Isabela da Silva Nascimento*


Fátima Moraes Garcia**

Resumo
O presente trabalho enquanto pesquisa em andamento, denominado “Produção de
conhecimento em educação do campo com foco na formação de professores” tem
como objetivo analisar as fundamentações teóricas, metodológicas e contribuições
enquanto produções de conhecimentos do Mestrado Profissional em Educação do
Campo da UFRB para a Formação de Professores, verificando entre as temáticas
pesquisadas a relação entre perguntas e respostas, e se as problemáticas de
pesquisa foram respondidas. Diante disso, nos perguntamos: Quais têm sido os
questionamentos das produções de conhecimentos do Programa de Pós-Graduação/
Mestrado Profissional em Educação do Campo da UFRB para a Formação de
Professores em Educação do Campo? Esses questionamentos estão sendo
respondidos? Esse trabalho será baseado em uma pesquisa epistemológica com
abordagem qualitativa, sendo analisadas 24 produções relacionadas à formação de
professores das quatro turmas já concluídas do mestrado em educação do campo da
UFRB nos anos de 2013 a 2018, verificando se as perguntas dessas produções foram
respondidas. Como pesquisa em andamento, os resultados que esperamos alcançar
serão de destacarmos a relevância dos questionamentos (perguntas e respostas) das
produções do mestrado profissional em educação do campo da UFRB para a
formação de professores que atuam no campo, visto que são produções que precisam
ser estudadas, acessadas, pesquisadas.

Palavras-chave: Educação do campo. Formação de professores. Epistemologia.

*
Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ensino/PPGEn - UESB. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Educação do Campo/GEPEC - CNPQ – UESB. E-mail: bela.sn@hotmail.com
** Professora Titular na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB lotada no Departamento de Filosofia

e Ciências Humanas/DFCH - UESB; Professora no Programa de Pós graduação em Ensino/PPGEn - UESB e


Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo/GEPEC - CNPQ-UESB. E-mail:
fatimamg2017@gmail.com
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Introdução

O presente trabalho como pesquisa em andamento, intitulado “Produção de


Conhecimento em Educação do Campo com foco na Formação de Professores” é de
suma importância para conhecer e compreender a relevância da produção de
conhecimento das dissertações do Mestrado Profissional em Educação do campo da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, para a Formação de
Professores.
Esse tema surgiu a partir da participação em um Tópico Especial intitulado:
Educação do Campo e Pesquisa, do Mestrado em Ensino da UESB, onde realizamos
um trabalho prático, de cunho epistemológico. Isso despertou nosso interesse de
realizar um estudo epistemológico, conhecendo e verificando se as produções de
conhecimento em Educação do Campo do Mestrado Profissional da UFRB, focando
nas dissertações que tratam da formação de professores, se as perguntas realizadas
nessas dissertações foram respondidas e quais as contribuições para a formação dos
professores que atuam no campo.
Gamboa (2007, p.23) considera “vital investigarmos as formas como os
problemas educacionais vêm sendo respondidos pelos educadores/pesquisadores
brasileiros em seus estudos, nos identificando assim, dentro do campo dos estudos
epistemológicos”. Ao seguir essa perspectiva o objetivo da presente pesquisa busca
analisar as fundamentações teóricas, metodológicas e contribuições enquanto
produções de conhecimentos do Mestrado Profissional em Educação do Campo da
UFRB para a Formação de Professores, verificando entre as temáticas pesquisadas
a relação entre perguntas e respostas, e se as problemáticas de pesquisa foram
respondidas.
A pesquisa será realizada com as dissertações das quatro primeiras turmas do
Mestrado Profissional em Educação do Campo da UFRB, já concluídas, com foco na
formação de Professores. Dessas quatro turmas, serão selecionadas dissertações

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relacionadas à formação de professores que servirão como base de estudo para este
projeto.
A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) é uma universidade
pública brasileira sediada na cidade de Cruz das Almas, com Campi em Amargosa,
onde funciona o Mestrado Profissional em Educação do Campo, Feira de Santana,
Cachoeira, Santo Amaro e Santo Antônio de Jesus. Sua administração central
localiza-se no antigo campus da Escola de Agronomia da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), sendo a segunda Universidade Federal Instituída no Estado da Bahia.
É uma Instituição pública autárquica vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e
influi atividades de ensino, pesquisa e extensão em várias áreas do conhecimento. 140
O Programa de Pós-Graduação em Educação do Campo (PPGEducampo) da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) está sediado no Centro de
Formação de Professores (CEP), Campos Amargosa-BA. Trata-se do único Mestrado
em Educação do Campo existente no Brasil até a atualidade.
O Programa iniciou suas atividades em 2011 e já concluiu quatro turmas,
totalizando 46 alunos (as), dos quais 24 já são egressos, sendo que a 5ª turma já
iniciou os estudos, com término previsto para o ano de 2019. Portanto, a pesquisa
presente parte de quatro turmas já atendidas pelo Mestrado, concluídas nos anos de
2013 a 2018, focando temáticas relacionadas à formação de Professores.
Diante disto, nos perguntamos: Quais têm sido os questionamentos das
produções de conhecimentos do Programa de Pós-Graduação/ Mestrado Profissional
em Educação do Campo da UFRB para a Formação de Professores em Educação do
Campo? Esses questionamentos estão sendo respondidos?
Iremos também discutir e analisar se as produções de conhecimentos do
Mestrado Profissional em Educação do Campo, focando a formação de professores,
tem contribuído com o processo de uma educação de qualidade para o campo e

140 Informação disponível no site: https://www.ufrb.edu.br


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consequentemente com uma sociedade mais digna, tendo como tarefa educacional a
transformação social.
Essa perspectiva de pesquisa se volta também para contribuir com as
demandas de políticas públicas especialmente para a educação do campo e formação
de professores, ainda que compreendemos que tais políticas envolvem o todo da
sociedade.
Visto desta forma, destacamos a importância da produção de conhecimento do
Mestrado Profissional em Educação do Campo para a Formação de Professores,
tendo o educador como mediador nessas questões, fazendo com que as políticas
sociais sejam efetivadas, dando visibilidade às formas de resistência, despertando o
senso crítico e reflexivo nos indivíduos, elencando os direitos humanos a todas as
pessoas, a busca por direitos, principalmente aos mais necessitados, as pessoas que
vivem no campo, a pensar uma educação que seja do campo e para o campo, agindo
para que a sociedade seja mais justa e igualitária.

1. Metodologia, a construção do caminho a ser percorrido

Para que esta pesquisa seja concretizada será necessário um percurso


metodológico sendo este, de fundamental importância na construção e elaboração de
um trabalho científico devendo, portanto estar bem elaborado, como afirma Minayo
(2002, p. 16), “enquanto conjunto de técnicas, a metodologia deve dispor de um
instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de encaminhar os impasses teóricos
para o desafio da prática”.
Esse trabalho denominado “produção de conhecimento em educação do
campo com foco na formação de professores” trata-se de um estudo epistêmico
baseado numa pesquisa epistemológica, segundo Gamboa (2007, p.26) “a pesquisa

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da pesquisa”, pois analisa dissertações, ou seja, pesquisas já realizadas dando um


novo olhar e pontuando relevâncias elencadas nas produções.
Para Gamboa (2012, p.26), o “estudo epistemológico, significa um estudo
crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências,
destinadas a determinar sua origem lógica, seu valor e seus objetos”.
Essa pesquisa possui uma abordagem qualitativa, buscando conhecer a
sistematização e produção do conhecimento, através do processo de formação de
professores. Dessa forma concordamos com Gonçalves (1996, p.68) ao explicar que
“a pesquisa se caracteriza como qualitativa, por ser uma abordagem em que o
interesse não está em definir variáveis ou medir, mas entender como a realidade é
construída pelos sujeitos”.
O presente estudo será baseado em uma pesquisa sobre as produções do
mestrado profissional em educação do campo da UFRB, verificando temas
relacionados à formação de professores. Este mestrado contem seis turmas, duas já
concluídas, duas em processo provisório aguardando algumas defesas e as outras
duas com término previsto para 2019 e 2020. Com isso, este trabalho será focado nas
produções das quatro turmas já concluídas nos anos 2013 a 2018 e que estão
disponíveis no site da UFRB. Entre as 46 pesquisas encontradas 12 de cada turma
ou ano, 24 são referentes à formação de professores, ou seja, 24 das 46 produções
apresentam temáticas relacionadas à formação de professores.
Portanto, serão lidos e analisados 24 dissertações encontradas relacionadas à
formação de professores, focando especificamente nas perguntas e respostas dessas
produções, verificando se as perguntas foram respondidas. Em seguida serão
explícitas tabelas constando títulos das dissertações, nome do autor, ano, perguntas
e respostas, que servirão de dados para as análises e as considerações finais.
Para isto, recorreremos as várias fontes de pesquisas como Marx e Engels
(2014), Trivinus (2009), Minayo (1994), Gamboa (2012) e Neto (2003), para
juntamente com a realidade analisada responder as várias indagações supracitadas.

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2. Educação do Campo e Formação de Professores

Essa pesquisa será embasado em autores e obras que pesquisam a área da


educação, políticas públicas, formação de professores, educação do campo,
educação e trabalho, como exemplos: Freitas (1987), Frigoto (1996), Saviani (2003),
Caldart (2004), Gohn (2001), Kuenzer (1989), Mészáros (2005), Lucáks (2007), etc.
A história da educação rural no Brasil, foi comumente de negação de direito
aos trabalhadores (agricultores), por parte das ações e das políticas governamentais,
constata-se, sobretudo nas três últimas décadas do século XX, toda uma
movimentação e organização por parte das entidades dos agricultores, não apenas
por uma educação rural, mas por uma educação do campo.
Para Gohn (2001, p. 53) a década de 1970 no Brasil foi marcada pelas “lutas e
resistências coletivas, em busca do resgate de direitos da cidadania cassada e contra
o autorit
Essa década de 1970, foi um período de luta por direitos e pela democracia
com a organização dos movimentos sociais, lideranças sindicais e comunitárias. Na
área educacional, sobressaiam as iniciativas de educação popular através da
educação política, da alfabetização de jovens e adultos, da formação de lideranças
populares. Nessa década, também surgiu pela organização da igreja católica
juntamente com outras igrejas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), havendo um
comprometimento com os movimentos sociais e com as lutas e organizações dos
trabalhadores tanto no meio urbano, quanto rural, em defesa dos camponeses na luta
pela reforma agrária e pela permanência na terra.

O vinculo de origem da Educação do Campo é com os trabalhadores “pobres


do campo”, trabalhadores sem terra, sem trabalho, mas primeiro com aqueles
já dispostos a reagir, a lutar, a se organizar contra ‘o estado das coisas’, para
aos poucos buscar ampliar o olhar para o conjunto dos trabalhadores do
campo (CALDART 2010, p.108).

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O avanço nas leis quanto à questão da oferta de educação para a população


rural foi resultado da luta dos movimentos sociais e do acúmulo das várias
experiências já existentes, como as escolas do MST, a Escola Ativa, os Centros
Familiares de Formação por Alternância, as reivindicações e experiências educativas
do movimento sindical.
No final dos anos 90, conseguiram articular movimento em prol de uma
Educação do Campo com a realização da I Conferência em julho de 1998, em
Luziânia-Go. Esse evento possibilitou o aprofundamento e a construção de um projeto
de educação do campo que juntamente com as articulações das entidades e
movimentos sociais contribuíram para a aprovação em 2002 das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.

Art. 2º É definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade,


ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na
memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia
disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que
associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida
coletiva no país (BRASIL, 2008).

Caldart (2009) enfatiza que a Educação do Campo e a questão das políticas


públicas estão relacionadas e alicerçadas a um processo de lutas e de articulações
em busca por direitos, em torno da solidificação das políticas públicas, representando
um avanço. O avanço diz respeito à articulação com os interesses gerais do povo e
da classe trabalhadora, significando que não tem como construir um projeto alternativo
de campo e de sociedade sem ampliar as lutas, as reivindicações, inclusive para além
do campo. “E ainda que ‘muitos não queiram’, esta realidade exige posição (teórica
sim, mas sobretudo prática, política) de todos os que hoje afirmam trabalhar em nome
da Educação do campo” (CALDART, 2009, p.38).
Dessa forma, as reivindicações e as condições de manutenção da organização
revolucionária dos movimentos de luta, o que não se faz sem educação, sem
conscientização, reconhecemos que não é apenas para se manter no campo que o

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trabalhador reivindica educação do campo, mas para manter o processo


revolucionário em curso.
A educação reconhecida no seu entendimento amplo é um processo contínuo
de aprendizagem. Segundo Mészaros (2008, p.55) “temos de reivindicar uma
educação plena para toda a vida, para que seja possível colocar em perspectiva a sua
parte formal, a fim de instituir também aí, uma reforma radical”.
A educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-
se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os
conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do
sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima
os interesses dominantes. Em outras palavras, tornou-se uma peça do processo de
acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a
reprodução do injusto sistema de classes.
Percebemos que existe uma educação do campo pensada a partir dos
interesses dominantes, não pensada para as pessoas que vivem no campo e as
escolas contendo um currículo estático, fechado, unificado, alienante, que na teoria e
lei traz uma concepção de educação do campo, em que muitas vezes não é
condizente com a realidade.
O Artigo 28, da LDBEN nº 9394/1996, diz que:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino


promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades
da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades
e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Essa concepção de currículo da educação do campo proposta pela LDBEN nº


9.394/1996, deveria fazer parte de muitas escolas do campo, mas a realidade é muito
diferente. O que mais temos presenciado e vivenciado são escolas do campo com

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currículos unificados com o da zona urbana, não priorizando as peculiaridades da


Educação do campo.
A teoria educacional é alicerçada em um projeto histórico e em uma concepção
de educação, que discute as relações entre educação e sociedade, visando a um
projeto de sociedade autônoma, com clareza de que tipo de homem se quer formar e
os fins da Educação.
A Educação, tem de certa forma uma “intenção” explícita de tipo de homem que
se quer formar e para que tipo de sociedade, E nesta questão, entra o educador, como
um agente de transformação que pode intervir nesta realidade, orientando,
despertando o senso crítico-reflexivo dos indivíduos.

Ao discutir o papel da escola argumenta: Muitas críticas são feitas à escola


tradicional, considerada mera transmissora de conteúdos estáticos, de
produtos educacionais ou instrucionais prontos, desconectados de suas
finalidades sociais. Se isso é verdade, deve-se lembrar que a escola, em cada
momento histórico, constitui uma expressão e uma resposta à sociedade na
qual está inserida. Nesse sentido, ela nunca é neutra, mas sempre ideológica
e politicamente comprometida. Por isso cumpre uma função específica
(GASPARIN 2007, p.2).

O capitalismo se disfarça através de um sistema ideológico que enfatiza e


impõem certos valores na mente das pessoas, para que se aceite que todos são iguais
diante da lei. E quando pensamos em educação do campo, para o campo,
percebemos que o sistema capitalista quer inculcar na mente das pessoas que a
educação do campo é vista e praticada enfatizando as peculiaridades, conforme
enfatizam as leis e teorias, mas na verdade, o que percebemos é algo totalmente
inverso, presenciamos uma educação tratada com descaso e um currículo da
educação do campo totalmente capitalista querendo apenas formar mão de obra.
Para Mészáros (2008, p. 61), “a tarefa histórica que temos de enfrentar é
incomensuravelmente maior que a negação do capitalismo”. Pensar uma educação
para além do capital significa a realização de uma ordem social metabólica sem
nenhuma relação nem ranços com a ordem anteriormente hegemônica.

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A educação deve estar relacionada e articulada a uma tarefa pela


transformação social, ampla e emancipadora e com as necessidades da
transformação social emancipadora e progressiva, necessitando ter muito bem claro
o tipo de educação e para que tipo de sociedade.
Segundo Saviani (2003, p. 15) “a escola existe para propiciar a aquisição dos
instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o
próprio acesso aos rudimentos desse saber”. Buscando atender ao objetivo proposto
é necessário dirigir o olhar para o professor, para sua formação.
Ao argumentar sobre a formação docente, Saviani (1997) enfatiza, com base
nas concepções pedagógicas, que existem dois modelos predominantes de formação
de professores. Primeiro, uma formação que contemple os conteúdos culturais-
cognitivos e no segundo, o conhecimento pedagógico-didático. O autor argumenta
que essas modalidades não encerram os saberes necessários à atuação docente.
O educador tem um histórico profissional marcado não apenas como
recomposição do passado, mas como elemento fundamental para se compreender a
prática profissional na sociedade brasileira atual, tornando possível o direcionamento
dessa prática numa perspectiva de construção da democracia e da cidadania dos
trabalhadores, principalmente os do campo, preservando e ampliando seus direitos
sociais.
O profissional educador tem uma importante tarefa de intervenção, quando na
sua atuação propõe leitura crítica da realidade, reconhecendo e fortalecendo formas
e espaços de luta e organização dos trabalhadores em defesa dos seus direitos. Essa
intervenção, desperta nos indivíduos uma reflexão e uma ação para mobilização por
seus direitos com vistas a garantir os recursos financeiros, materiais, técnicos e
humanos necessários à garantia e ampliação dos direitos.
O educador tem uma importante missão: gerir democraticamente a escola,
significando usar de todas as oportunidades que ela oferece tanto para realizar
práticas quanto para aprender condutas com elas. Os resultados práticos da gestão

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democrática são relevantes, mas é a aprendizagem para a vida pessoal e social que
são imprescindíveis, afinal, a escola não é uma oficina produtiva, mas sim um lugar
de aprendizagem e desenvolvimento.

3. Considerações finais

Consideramos extremamente relevante a necessidade de dar continuidade aos


estudos sobre a modalidade, tendo em vista que as questões aqui apresentadas
focando na pesquisa epistemológica, estudando produções de um mestrado em
educação do campo específico, bem como outras questões referentes à educação do
campo precisam ser aprofundadas e atualizadas através de pesquisas científicas,
contribuindo para a qualidade da educação e a formação de professores que atuam
em escolas do campo.
Portanto, esperamos que o estudo proposto seja relevante para a educação do
campo, pois trata-se de uma temática e um tipo de pesquisa com poucos estudos. E
os resultados que pretendemos alcançar enquanto pesquisa em andamento, serão de
destacarmos a relevância dos questionamentos (perguntas e respostas) das
produções do mestrado profissional em educação do campo da UFRB para a
formação de professores que atuam no campo, visto que são produções que precisam
ser estudadas, acessadas e pesquisadas.
Nesse processo, enquanto pesquisadores da educação do campo
necessitamos ter em mente que pensar a educação do campo tem um papel
fundamental de contribuir tanto para a aprendizagem quanto para a prática social dos
sujeitos à que atende, criando condições para que todos ocupem os seus lugares e
os seus papéis da melhor forma possível, em função do bem estar de si e do outro.

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REFLEXÕES ACERCA DA FORMAÇÃO DOCENTE E AS ESCOLAS DO


CAMPO NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU

Isabella De Mello Leite*


Ramofly Bicalho dos Santos**

Resumo
Este artigo é um recorte de uma investigação que teve como foco a visão dos
profissionais de educação da escola E.M. Visconde de Itaboraí, sobre a nomenclatura
Escola do Campo, visando que essa escola tem esse determinação desde 2011. O
processo de investigação possibilitou atingir o objetivo final neste trabalho, investigar
e analisar a visão desses profissionais sobre a escola, e como esse olhar diferenciado
poderia contribuir para práticas diferenciadas e condizentes com a Pedagogia do
Campo. A concepção de educação do campo ainda é baseada numa visão centrada
na área urbana e a formação de professores, também, não foge dessa lógica. O
município de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense - RJ, é composto por 137 escolas,
sendo 12 escolas consideradas do campo. A metodologia aplicada foi a de pesquisa-
ação, sendo aplicada rodas de conversa e observação da escola, com objetivos de
construir formações e grupos de conversa para que possa haver mudança nesses
paradigmas educacionais. Os profissionais atuantes da escola, se dizem leigos na
formação das políticas públicas para educação do campo, além de não se verem
incluídos nesse contexto, pois consideram que a escola sofre muita influência dos
grandes centros urbanos.

Palavras-chave: Educação do Campo. Formação Docente. Alfabetização. Escolas


do Campo.

* Orientadora Pedagógica da Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu numa Escola do Campo. Mestranda em
Educação no Programa de Pós Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares
(PPGEduc), na Linha de pesquisa: Desigualdades Sociais e Políticas Educacionais– UFRRJ. E-mail:
isabella.melloleite@gmail.com
** Professor Adjunto-IV, dquadro permanente no Programa de Pós-graduação e Educação Agrícola- PPGEA, no

Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade (DECAMP), da Universidade Federal


Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ - Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: ramofly@gmail.com
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Introdução

Como pedagoga formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ex-


residente docente do colégio Pedro II e professora da Rede Municipal de Nova Iguaçu
– RJ, atualmente Orientadora Pedagógica de uma Escola do Campo dessa mesma
rede de ensino, me propus a conhecer o termo Escola do Campo, que era muito novo
para mim e por esse motivo, juntamente com minhas indagações procurei investigar
e aprofundar meus questionamentos sobre o campo e estritamente por trabalhar em
uma escola do campo que ninguém conhecia o termo menos ainda sabia o que ele
representava. Meu objetivo foi observar como os alunos, funcionários e professores
vêem a escola, qual a formação desses profissionais da educação e o que eles
consideram como uma formação ideal para atuar no ensino fundamental de uma
escola do campo. Atualmente sou Mestranda pela UFRRJ – PPGEDUC, pesquisando
sobre a alfabetização nas escolas do campo de Nova Iguaçu. Devido a essa
problemática muitos outros questionamentos surgiram durante o processo da
pesquisa e um deles tornou-se meu objeto de estudo referindo-se a formação do
profissional docente e sua prática pedagógica nas escolas do campo.
A ideia base do referido artigo é apresentar a visão dos profissionais de
educação da Escola Municipal Visconde de Itaboraí, uma escola do campo que não
se vê como qual e que recebe muitos alunos oriundos de outras localidades, bem
como descrever as angústias dos profissionais do ciclo de alfabetização. Esse artigo
é um recorte do projeto de mestrado, que aprofunda essas questões. De acordo com
a reportagem publicada no G1 em 18 de agosto de 2015, existem 67.604 escolas na
área rural no Brasil, e esse termo rural ainda é muito utilizado para tratar de assuntos
do campo, em 2018, de acordo com o site Dados Educacionais da UFPR esse número
mudou e atualmente, de acordo com a pesquisa datada de 2017 existem 60.694
escolas em áreas rurais no Brasil, o que faz refletir sobre essa diminuição de quase 7
mil escolas em dois anos.
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De acordo com a Resolução n▫ 4, que define as Diretrizes Curriculares


Nacionais Gerais para a Educação Básica, na Seção VI, do Capítulo II, é previsto a
modalidade da Educação Básica do Campo, com conteúdos e metodologias
apropriadas, adequação ao calendário escolar. A identidade é definida pelas questões
inerentes a realidade das escolas. Porém, ainda hoje, o termo rural ainda é muito
usado, o que em algumas situações é visto como atraso.
Em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense - RJ, existem 12 escolas
consideradas do campo, porém, não existe nenhum documento que respalde tais
escolhas, visto que dessas 12 nem todas estão em áreas rurais – o que gera um
questionamento dos profissionais, bem como não tem características diferentes de
outras escolas do município. Outro questionamento encontrado, refere-se as diretrizes
operacionais, bem como proposta pedagógica diferenciada e liberdade de mudança
de calendário e horário de turnos e saída. De acordo com a pesquisa feita, a
nomenclatura “Escola do Campo” no município de Nova Iguaçu, é utilizada apenas
para diferenciar algumas escolas, sem nenhum tipo de organização curricular
diferenciada menos ainda visão pedagógica específica. É de suma importância
registrar que, em nenhum momento, essas escolas tem sido vistas como escolas que
tem suas especificidades garantidas por lei. Sendo em diversas situações, apenas
mais doze escolas com resultados abaixo da média esperada pela prefeitura.

1. Educação do campo como direito constituído

Durante a estrada da educação brasileira, as políticas para a formação dos


professores buscaram agregar as perspectivas pedagógicas hegemônicas com os
interesses economicistas da camada social dirigente do país. Os professores
aprenderam nos cursos de formação e reproduziram – de algum modo,
despreparados para as problematizações mais profundas - os princípios, objetivos,
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conteúdos e métodos da educação direcionada e ideológica, desarticulando as reais


condições da escola pública e necessidades emancipatórias dos seus alunos,
colaborando para a manutenção do sistema vigente de desigualdade social.

O maior desafio, nos parece, ser o fato de, neste processo de crescente
institucionalização da Educação do Campo, vermos como ficarão as
experiências de educação popular trazidas pelos movimentos sociais: em que
medida serão eles integrados à rotina e aos projetos das redes oficiais de
ensino? Como se comportará a escola do campo entre a integração sistêmica
e as heranças das experiências das lutas sociais? Em que medida, num
movimento contra-hegemônico, poderão as escolas do campo (das redes
oficiais de ensino) serem influenciadas pela pedagogia crítica dos
movimentos sociais? (CAMPOS; LOBO, 2011; p.89).

No que diz respeito à Educação do Campo, problemas apontados por outras


pesquisas na área, são oriundos da não residência dos profissionais da educação em
área rural, ou nas proximidades das escolas, bem como os processos educativos que
estão distantes das realidades dos educandos. A concepção de educação do campo
ainda é baseada numa visão centrada na área urbana e a formação de professores,
também, não foge dessa lógica. Uma hipótese levantada por Arroyo (2007) define o
nosso sistema escolar pensado somente pelo paradigma urbano, acreditando que na
construção das políticas educativas, pensa-se no protótipo da cidade, idealizando
negativamente o campo. Deste modo, o autor reitera a importância dos movimentos
sociais, que se atente de maneira mais efetiva para o sistema de educação se fazendo
necessário que haja a rede de escolas “do campo no campo” com uma estrutura de
corpo profissional com formação específica, exigindo educadoras e educadores do
campo no campo. Ainda afirma que um dos fatores determinantes da precariedade da
educação do campo perpassa pela ausência de professores que vivam ou que sejam
oriundos de comunidades do campo, não criando raízes com o local (Arroyo, 2007).
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação -
LDB n. 9.394/1996 foram marcos legais que reconheciam a educação como um direito
de todos, sendo diretamente importantes para impulsionar ações de movimentos

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sociais do campo, no sentido de reivindicar políticas educacionais específicas para


essa população. O que tem resultado, mesmo que lento, nos últimos anos, em
transformações na educação do campo. Uma discussão que perpassa a história
educacional brasileira refere-se a melhoria da qualidade do ensino no país, que está
diretamente ligada à discussão sobre a formação inicial e continuada do professor,
como reitera Arroyo (2007), o sistema único de educação não garante o direito de
todos, tendo por exemplo, os piores índices de escolarização nas escolas de campo
e indígenas. Nesse sentido, faz-se necessário a igualdade de direitos e políticas
focadas.
A educação do campo, de acordo com Caldart (2004), deve se realizar no
conjunto dos Movimentos Sociais, das organizações e lutas do povo do campo,
relacionada diretamente aos processos sociais de formação dos sujeitos do campo, o
que exige a formação de educadores e educadoras a partir do povo que vive no
campo, com a garantia de que os futuros professores e a população do campo possam
colaborar opinando sobre a sua formação e sobre o planejamento da educação que
satisfaça suas necessidades.

2. A formação dos educadores do campo

Falar de campo no Brasil, atualmente é falar de mais de 29,8 milhões de


pessoas, que representam 15,17% dos brasileiros, segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios/IBGE de 2012. Porém, não é só a localização geográfica da
escola o único aspecto que a define como do campo: sua identidade está relacionada
com os estudantes que recebe. O decreto nº 7.352/2010 estabelece que escola do
campo é aquela situada tanto em área rural, quanto em área urbana, desde que
atenda predominantemente a populações do meio rural, sendo eles, quilombolas,
indígenas, ribeirinhas, de assentamento, de distrito ou povoado, de colônia agrícola,

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de comunidades praianas, extrativistas, garimpeiras ou caboclas, tal nomenclatura


que é atribuída às escolas do campo é um reflexo da diversidade, não só do meio rural
brasileiro, como do Brasil como um todo.
De acordo com Caldart (2002, p. 158), “construir a educação do campo significa
formar educadores e educadoras do e a partir do povo que vive no campo, como
sujeitos destas políticas públicas”. Entretanto, a forma como foi ofertada a educação
para o campo, no Brasil foi sempre fator determinante de desigualdade. Tal situação
no campo, de acordo com Caldart (2010, p.130), “é, do ponto de vista humano e social,
discriminatória e injusta. E é muito preocupante porque é indicadora de uma situação
social mais ampla que inviabiliza qualquer iniciativa de construção efetiva de um
projeto de Nação”. Do mesmo modo e de acordo com Frigotto (2010, p.40) é
necessário “desenvolver processos formativos e pedagógicos que transformem cada
trabalhador do campo e da cidade em sujeitos, não somente pertencente à classe,
mas a consciência de classe que lhes indica a necessidade de superar a sociedade
de classes”. Significa conforme Gramsci citado por Frigotto (2010, p. 40) criar
possibilidade de uma nova intelectualidade que surja das massas populares e
continuem em contato direto com elas. Dessa forma, poderá se modificaria o
panorama ideológico de uma época.
A pesquisa sobre as práticas educativas nas escolas do/no campo do Paraná,
realizada por Souza (2008, p.110) constatou que os professores “dão relevância aos
aspectos da comunidade e da realidade local na seleção dos conteúdos escolares,
embora o livro didático seja o instrumento central no trato dos conteúdos”. Revela que
o professor do campo tem lacunas em sua formação para compreender e trabalhar
com a identidade do campo. A autora ressalta a importância de investimentos na
formação continuada de professores que atuam no campo, possibilitando a
problematização e as trocas de experiências e angústias pedagógicas para a
construção de novos conhecimentos educacionais.

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A Educação é uma política social que tem importante caráter econômico


porque promove as condições políticas essenciais para o desenvolvimento.
Desse modo, para o desenvolvimento do território camponês é necessária
uma política educacional que atenda a sua diversidade e amplitude e entenda
a população camponesa como protagonista propositiva de políticas e não
como beneficiários e ou usuários. Da mesma forma, torna-se imprescindível
a pesquisa em Educação do Campo para contribuir com o desenvolvimento
desta realidade (MANÇANO, 2004, p.3).

A proposta desse recorte foi pensar de uma formação co-relativa com o mundo
do exterior, buscando um projeto emancipador. Pensar, portanto, em uma formação
de professores e de alunos – continuada ou inicial - que seja, de fato, emancipatória.
Como o patrono da Educação Popular, Paulo Freire (2013), nos afirmou em suas
reflexões sobre a pedagogia do oprimido: “a escola não transforma a realidade, mas
pode ajudar a formar os sujeitos capazes de fazer a grandes transformações, da
sociedade, do mundo, de si mesmo” (p. 32). Reiterando esse assunto, porém no
contexto da Educação de Jovens e Adultos do Campo, de acordo com Bicalho (2011):

A busca constante pelo envolvimento teórico e prático com os educadores/as


do campo passa necessariamente pelo aproveitamento coerente dos
encontros propostos, as produções dos educandos/as, os trabalhos de
campo, as inúmeras parcerias firmadas entre universidades, secretarias
municipais de educação e movimentos sociais, entre outras atividades que
envolvam a EJA, a educação popular e a formação do educador. Nesse
sentido, a formação continuada pode contribuir para avançarmos com
propostas alternativas de produção dos saberes da terra (p. 6).

Nesse sentido, se não formos capazes de envolver a escola no movimento de


transformação do campo, ele certamente será incompleto, pois indicará que muitas
pessoas ficaram fora dele. Arroyo (2007), afirma que houve grandes avanços pós
LDB, na configuração do sistema escolar urbano, que hoje conta com estruturas
físicas, pedagógicas, gerenciais, de recursos e profissionais. Um sistema que
atualmente pode ser considerado mais sólido, mais estável e qualificado. Porém, esse
mesmo sistema tende a “universalizar o direito à educação fundamental” (p.167),
entretanto:

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Ainda não avançamos na conformação de um sistema escolar no campo,


nem quanto à rede de escolas, ao corpo profissional e às formas de
gerenciamento. Ainda a rede precária de escolas rurais não garante sequer
o antigo ensino primário. A política de nucleação e de transporte de alunos
do campo para as escolas urbanas desestruturou ainda mais os poucos
avanços que vinham acontecendo na configuração de uma rede escolar no
campo (ARROYO, 2007, p. 168).

Na perspectiva do entendimento de qual é o território da Educação do Campo,


Bernardo Mançano (2004) e Mônica Castagna Molina (2004) desenvolvem uma
reflexão que busca estender a compreensão do campo e as suas faces múltiplas
dentro do sistema de desenvolvimento capitalista, descrevendo a existência de
diferentes paradigmas de desenvolvimento em confronto neste território. Nesse
sentido, a Educação do Campo têm se constituído como uma das principais
estratégias, na qual, pode provocar transformações no campo brasileiro porque o
resgata não só como espaço de produção, mas como território de relações sociais,
cultura e de relação com a natureza, enfim, como território devido.
Em um passado não muito distante, o modelo de “educação rural” limitava-se
a uma oferta superficial do ensino aos camponeses, hoje pesquisadores e
movimentos sociais defendem outra linha de educação. Por isso, já não se usa mais
a terminologia “escola rural”, que traz embutida a marginalização histórica dos povos
do campo, e sim “do campo”. É necessário muito mais, é necessário um projeto de
escola do campo. Educar a criança do meio rural no meio rural, para que ela possa
escolher ficar ou não, com qualidade, garantindo professor, infraestrutura,
funcionamento básico, equipamento de escola boa. Porém, não é isso visto na
realidade. Temos profissionais mal formados, que não conhecem o campo e menos
ainda os valores de uma Escola de Campo. É preciso, formação continuada para
conseguirmos atingir objetivos tão simples e ao mesmo tempo tão complexos.

A luta pela educação do campo se insere no campo de lutas promovidas pelos


movimentos sociais do campo no Brasil. De certa forma, os trabalhadores
rurais compreenderam que somente a luta pela terra, pela reforma agrária,
pelo debate político acerca da questão agrária e da luta contra o latifúndio

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não estavam separadas da educação. Lutar pela educação significava


exatamente esse algo novo, que faltava na tonalidade reivindicatória dos
movimentos socais. Contudo, não podemos perder de vista o fio condutor
dessas lutas. Não podemos isolar a educação do campo como se fosse algo
a parte da luta contra o patrimonialismo, contra o latifúndio e a própria noção
de propriedade privada burguesa. Há uma relação dialética entre educação
do campo e outras lutas levantas por esses movimentos sociais e
organizações da sociedade civil que determinam o que-fazer pedagógico da
própria resistência dos camponeses no Brasil (NASCIMENTO, 2009, p. 156).

Um aspecto fundamental de tal pesquisa é tomá-la como ponto de partida para


então, buscar o aprofundamento teórico que ofereça elementos para reflexão e ação
sobre os problemas da realidade das escolas do campo da cidade de Nova Iguaçu -
RJ. Dessa forma, poderá se garantir a articulação teoria-prática tão necessária e
desejada, dentro das escolas. Uma das perspectivas desta pesquisa foi a defesa dos
cursos de formação inicial e continuada de professores, bem como apropriação dos
pilares educacionais. Renato dos Santos Gomes, Mestre em Educação Agrícola, pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola (2015), em sua pesquisa
considera um fato preocupante de que:

Muitos dos professores que atuam nas escolas do campo de Nova Iguaçu
não terem tido qualquer formação específica sobre as Diretrizes da educação
do Campo para a educação básica ou outra capacitação para qualificar a sua
atuação, da mesma forma a capacitação dos poucos que a receberam se
caracteriza como superficial e aligeirada, consistindo em palestras ou
discussões (GOMES, 2015 p. 76).

Outro fator que impressionou o autor foi relacionado ao corpo docente e equipe
pedagógica de várias escolas do campo de Nova Iguaçu, os quais tem resistência a
proposta da educação do campo, não identificando-se com a mesma e nem acham
que as escolas em que atuam são escolas do campo. O fato de não existir identidade
da comunidade escolar dessas escolas com as propostas da educação do campo,
fazendo-se questionar a própria identidade da escola e da comunidade, impede a
produção do saber construído em parceria com os educandos/as, educadores/as, pais
e todos aqueles que, direta ou indiretamente, fazem parte dessas escolas e dos

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movimentos sociais que lutam por suas histórias, valores e reconhecimento


(BICALHO, 2008 apud GOMES 2015).

Cabe aos sistemas de ensino implementar ações de formação inicial e


continuada de professores para garantir a formação de professores
diferenciados, tendo em vista a diferenciação do custo-aluno e a necessidade
de construção de materiais didáticos específicos. Nesse âmbito, as Diretrizes
Operacionais indicaram, ainda, que os movimentos sociais poderiam
subsidiar as políticas educacionais, enunciado que vai colocando os
movimentos sociais onde, de certa forma, eles sempre estiveram: do lado de
fora da escola pública, do lado de fora do Estado – ainda que a geração da
década de 1990 tenha aprofundado sua militância nas fileiras da
administração pública e na engenharia político-participativa (CAMPOS, 2015;
p.5).

Do mesmo modo, Caldart (2004) refere-se aos entraves ao avanço da luta


popular pela educação básica do campo, considerando como cultural onde:

As populações do campo incorporam em si uma visão que é um verdadeiro


círculo vicioso: sair do campo para continuar a ter escola, e ter escola para
poder sair do campo. Ou seja, uma situação social de exclusão, que é um
dos desdobramentos perversos da opção de (sub)desenvolvimento do país
feita pelas elites brasileiras, acaba se tornando uma espécie de bloqueio
cultural que impede o seu enfrentamento efetivo por quem de direito. As
pessoas passam a acreditar que para ficar no campo não precisam mesmo
de ‘muitas letras’ (2007 p. 66).

Ter a sensibilidade necessária para compreender este movimento, como um


ambiente educativo, e o preparo pedagógico suficiente para retrabalhar e ressignificar
tudo isto no dia a dia da escola, “é uma tarefa grandiosa e necessária para educadores
e educadoras comprometidos política e pedagogicamente com este projeto, de ser
humano, de campo, de país, de mundo.” (CALDART, 2010 p. 76)

3. A Escola Municipal Visconde de Itaboraí

A Escola Municipal Visconde de Itaboraí, fica localizada num sub-bairro


afastado, do centro de Nova Iguaçu, o bairro Ipiranga, próximo do KM 32, e a mais ou

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menos 1 km da rua principal, Abílio Augusto Távora, que liga Nova Iguaçu, cidade do
Rio de Janeiro, da Baixada Fluminense ao Km 32, que liga aos bairros do centro do
Rio de Janeiro. Próximo a escola tem uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e
diversas novas construções do programa Minha Casa, Minha Vida e com a entrega
delas, 8 novos condomínios estão localizados próximos a escola, sem nenhuma
estrutura educacional ofertada. A escola possui 4 salas de aula pequenas e por esse
motivo, nossa maior turma tem 35 alunos, o que não é uma realidade da rede. A escola
até 2016 possuía uma sala de leitura e biblioteca, refeitório, três banheiros e com a
entrada da sala de recurso com Atendimento Educacional Especializado (AEE), a sala
de leitura foi dividida ao meio para atender tanto o AEE quando Sala de Leitura, o que
de fato, não consegue atender bem nenhum dos dois setores.
A escola é pequena, rodeada de morros e árvores, no pé da serra de Madureira
e do Mendanha – Campo Grande RJ. A escola não tem nenhuma parte comum
coberta, além de ter uma rede elétrica antiga que não suporta a quantidade necessária
de itens ligados, a escola também não possui acesso à internet bem como sinal
telefônico, todas essas situações em conjunto, em diversos momentos geram grandes
problemas. Desde 2011, essa escola é considerada como Escola do Campo e isso
tem dado muito motivo para grandes discussões. Muitos funcionários não concordam
com a nomenclatura, inclusive a primeira diretora da escola (2001).
Temos no total de 8 professores de sala de aula, atuando nas turmas de Infantil
4 anos ao 5º ano de escolaridade, tendo um total de 224 alunos no ano letivo de 2018,
outra demanda é a profissional de educação física, que foi remanejada para escola
de 2º segmento. A profissional de Atendimento Educacional Especializado está em
turma e a professora de Sala de Leitura aposentou, a mesma foi a primeira diretora
da Unidade Escolar citada acima, estando em falta também. A equipe pedagógica é
formada por duas Orientadoras uma pedagógica e outra educacional, uma secretária
escolar, diretora geral e adjunta. Na equipe da cozinha temos 2 merendeiras e na
equipe de limpeza temos 2 funcionários e 1 motorista do transporte educacional junto

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com a monitora do ônibus escolar, que é exclusivo da escola devido ao projeto das
escolas do campo.
A escola tem um baixo nível de reprovação e atualmente tem uma média de
um pouco mais de 65% de alunos alfabetizados em cada sala de aula do 3º ao 5º ano.
Esses dados foram retirados da planilha da Orientação Pedagógica da Escola. A
escola funciona com o Horário Integral, porém é um outro problema, pois não tem
salas disponíveis para o mesmo, dessa forma, em algumas situações é necessário
usar o espaço externo e o refeitório, no ano de 2018 para a realização do mesmo,
conseguiu-se fazer uma parceria com uma Igreja Evangélica do bairro, atualmente o
horário Integral atende cerca de 70 alunos por dia, ficando 7 horas na escola, com as
oficinas de capoeira, teatro, coral e acompanhamento de Língua Portuguesa e
Matemática

4. Os profissionais da escola e seus questionamentos.

Na rede municipal de Nova Iguaçu, nunca houve concursos para extra-classes,


dessa forma, todos os extra-classe da escola são professores desviados de função,
nesse contexto temos um total de 13 professores que trabalham na escola nesse ano
de 2018 e o a pesquisa foi realizada com o total de 6 profissionais de sala de aula e
pelos funcionários terceirizados, que são moradores a região. A escolha dessa divisão
deve-se a intenção de compreender o que esses professores compreendem por
escola do campo e por alfabetização. Dessa maneira, segue o quadro com algumas
informações necessárias para uma discussão.

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Quadro de resposta 1 – Formação e tempo de serviço na escola referida


Quantidade Idade Tempo de serviço na Formação (professores)
escola
4 31 a mais de 40 1 a 5 anos Licenciadas (História,
anos Letras, Pedagogia,
Geografia)
2 40 a 50 anos 2 a 4 anos Bacharel em Fisioterapia,
Licenciada em Pedagogia

Quantidade Idade Tempo de Formação (profissionais da Função


serviço na educação)
escola
1 27 anos 8 anos Ensino médio completo Cozinheira

2 35 a mais 10 a 12 anos Fundamental incompleto Cozinheira e


de 50 Aux. de serviços
anos gerais

1 13 anos Fundamental completo Aux. de serviços


gerais

2 43 a 51 10 anos Superior completo Dirigentes de


anos (história/letras) turno (prof II)

Todas as professoras são do sexo feminino, moram longe ou muito longe da


comunidade onde a escola está localizada e a maioria delas tiveram falas
estereotipadas sobre as Escolas do Campo, afirmando que deveria ser algo que
“valoriza a área rural ou a produtividade no cultivo da terra e a riqueza de
conhecimentos e estímulos a agricultura” e que deveria conter no planejamento e
aulas questões referentes à “valorização e ampliação das atividades rurais, visando
crescimento e empreendimentos, conhecimentos sobre o ambiente e a melhor forma
de utilizar os recursos naturais do local onde estão inseridos” para alguns profissionais
a escola só é importante só porque “não se tem nenhuma escola por perto e o acesso
é difícil para sair do bairro”.

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Com essas primeiras falas, podemos observar que as professoras também não
conseguem ver uma lógica na escola de campo. Não conseguem compreender o
significado da mesma e como trabalhar, visto que para elas o campo está diretamente
ligado ao espaço rural e não conseguindo aprofundar questões devido à visão de
escola que possuem. Para os terceirizados, moradores do local, o campo remete o
“atraso e não tem políticas públicas, para elas utiliza-se dessa “desculpa” para os
serviços essenciais básicos não chegarem.” A fala das funcionárias foi fatídica nesse
sentido, para elas, apropriar-se dessa nomenclatura é aceitar que os serviços
essenciais não chegarão. No que se refere a formação especifica – inicial ou
continuada – para o educador da escola de campo, os funcionários entrevistados
afirmaram que deveria conter temas transversais como: Agricultura, agropecuária,
cultivo da terra e solo, aprender a lidar com especificidades da região a fauna e a flora.
Para elas as Políticas de Formação de Professores necessárias para garantir uma
educação de qualidade do campo são firmadas na troca de experiências com outras
escolas do campo e de realidades parecidas, com formação continuada, promovendo
uma apropriação de assuntos específicos, baseado no estudo do meio e investimento
em materiais didáticos específicos para a formação do educador e do educando. O
que pode ser observado é que tais políticas deveriam ser utilizadas em qualquer
modalidade de ensino, não sendo específicas para a realidade do campo. Para as
funcionárias moradoras do bairro, a formação do aluno deve fortalecer o senso crítico
e conceber a escola como local de novas oportunidades educativas.
Sendo funcionária da escola e tendo a pesquisa com o objetivo de pesquisa-
ação, quis descobrir o que para as professoras poderia ser uma dificuldade ou um
desafio para sua atuação e para elas os desafios de se trabalhar numa escola de
campo giram em torno da falta de documentação e orientações curriculares e
pedagógicas, para algumas “tudo é novo, quando se trata de uma escola rural. O
espaço físico deficitário, salas apertadas e lotadas, alunos com muita defasagem” são
dificuldades para avançar no processo educativo, em geral as professoras afirmaram

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que os alunos não sonham com um “futuro” e que a “ausência da família não ajuda a
sanar as dificuldade de aprendizagem dos alunos”.
É sabido que alguns dos “problemas” citados pelas profissionais são problemas
comuns em muitas escolas do Brasil, afinal, nosso país traz no seu contexto histórico
um hiato entre propostas educacionais e a superação das desigualdades sociais,
culturais e econômicas, que pode ser evidenciado no baixo nível de escolarização e
nos altos índices de analfabetismo da população brasileira por exemplo. Neste
sentido, torna-se necessário se pensar em metodologias educacionais que favoreçam
o aprendizado da leitura e da escrita desses estudantes, assim como de ações
pedagógicas que atendam às suas necessidades de aprendizagem.
A proposta pedagógica da unidade escolar parte do pressuposto de que a
prática da sala de aula pode contribuir para elevação da auto-estima do grupo discente
e considera necessário a reflexão acerca da alfabetização desses alunos, que muitas
das vezes estão há anos na escola, porém sem sucesso acadêmico. Não basta lançar
conteúdos aleatórios sem sentido para a vida do aluno, é necessário mais ainda
valorizar a sua experiência cotidiana, utilizando conhecimentos prévios e saberes
adquiridos. Nessa relação, Freire (2011) defendia que a metodologia utilizada em sala
de aula pelo professor, deveria ser baseada na realidade do educando, considerando
toda sua história e experiências de vida.
Porém, o que pode ser visto e observado é o distanciamento da realidade dos
educandos, com atividades descontextualizadas e sem sentido para os mesmos. Com
projetos e aulas que não condizem em momento nenhum com a possibilidade de
transformação social sendo a escola meramente como reprodutora de conteúdos e de
repressão. Em um dos diálogos com as professoras é notável em algumas falas o
questionamento do que é uma aprendizagem significativa. Para algumas delas a
responsabilização do fracasso escolar deve ser entregue a família e não aos
insucesso das propostas e metodologias escolhidas, que em muitas das vezes pude
perceber que não seguiam uma linha de autor e mais, nem uma linha de raciocínio

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lógico, quebrando em diversos momentos uma sequência didática ou até mesmo


desvalorizando os saberes que poderiam ser apresentados de outras maneiras, para
que assim, pudéssemos realizar um ensino significativo.

5. Considerações finais

O presente trabalho me fez questionar sobre as possibilidades da Educação do


Campo e seus desdobramentos na prática pedagógica, a falta de políticas públicas, a
não formação desses profissionais, a situação desses alunos no espaço escolar, os
interesses e desinteresses, bem como a estrutura física da escola. Acredito que o
maior desafio da educação no país seja a preparação do profissional da educação
para as demandas recebidas nas escolas. E, quanto a escola de campo isso não seria
diferente, os profissionais não estão preparados para atender essa demanda
específica, além de não se verem inserido numa realidade do campo, desse modo,
existe muita resistência ao propor trabalhos específicos nesta área nessa UE.
Uma dificuldade para a realização pesquisa tendo esse artigo como recorte, foi
de encontrar algum mapeamento dessas escolas do campo e o que se consideram
como campo, visto que as nomenclaturas usadas ainda são as “rurais e urbanas” e
que desde 2011 de acordo com as Diretrizes da Educação do Campo esse termo não
se utilizaria mais. Mesmo apesar de ser uma modalidade de ensino reconhecida, a
Educação do Campo ainda é vista como atraso, que por vezes gera maior custo para
as prefeituras, pois no município de Nova Iguaçu, composto por 12 escolas do campo
é obrigatório que cada escola tenha seu transporte próprio.
O presente trabalho me fez questionar sobre as possibilidades da Educação
Popular e seus desdobramentos. Avalio que em alguns casos, a metodologia do
trabalho em consonância com a preocupação com alguns conteúdos, desencadeou a
falta de estímulo em aprender e estar na escola, pois esses conteúdos que eram

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trabalhados não condizem com a realidade do nosso discente. Considero que a


investigação alcançou parte de seus objetivos ao contribuir com o plano de ação da
equipe técnico-pedagógica da escola, que por vezes interviu e planejou novas ações
e formações para o grupo de professores.
Esse trabalho oportunizou grandes experiências significativas e respondeu
algumas questões importantíssimas no que tange a rejeição da nomenclatura “escola
do campo” para a comunidade escola, pois pudemos observar que ainda refere-se ao
atraso do rural. A partir das observações e análises dos resultados, percebo que é
possível realizar um trabalho de intervenção no grupo. Espero que a reflexão desta
pesquisa possa contribuir com outras novas pesquisas e questionamentos sobre a
Educação do Campo, formação dos professores do campo e alfabetização, pois é
necessário acreditar que devemos investir em propostas educacionais que promovam
uma educação popular de qualidade.

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CÍRCULO DE DIÁLOGOS “INCLUSÃO SOCIAL E EDUCAÇÃO”

A IMPORTANCIA DOS GRUPOS DE CONVIVÊNCIA PARA A PESSOA


IDOSA EM INSTITUIÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS

Edileusa Xavier de Oliveira Santana*

Resumo
Este trabalho apresenta o delineamento das atividades de uma pesquisa realizada
pelos discentes do IFBA - PRONATEC, curso Cuidador de Idosos – disciplina:
Cuidador de Idosos - polo de Coaraci-BA, junto a grupos de convivência de idosos.
Tem por objetivo geral analisar ações afirmativas de socialização e integração de
idosos, cujos vínculos sociais encontram-se fragilizados, devido ao processo de
envelhecimento da população, no município de Coaraci-BA, com recorte no ano de
2014 e 2015 por meio de ações que promovam a saúde espiritual, física, social e
mental. A presente pesquisa é bibliográfica, por meio de uma abordagem qualitativa,
pois esta considera a existência de uma relação dinâmica entre mundo real e sujeito.
Também é descritiva e utiliza o método indutivo. Os resultados esperados dizem
respeito às diversas ações afirmativas desenvolvidas pelos grupos de convivência,
nas igrejas, nos quais os idosos estão inseridos. Conclui-se, que os grupos de
convivência são de fundamental importância para os idosos, uma vez que estes
promovem ações que os complete de forma integral, combatendo assim, o abandono
e a solidão aos quais estes vivem diariamente.

Palavras-chave: Grupos de convivência. Idosos. Ações afirmativas. Qualidade de


vida.

*Pedagoga pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Gestora Escolar em Coaraci-BA. E-mail:
edileusaxique@gmail.com
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Introdução

Pesquisas demostram que o envelhecimento da população brasileira é um


fenômeno considerado recente, por conta da melhoria das condições de vida que o
país obteve nos últimos decênios, adicionando a expectativa de vida, e
consequentemente o número de pessoas idosos no país. Neste contexto, considera-
se idoso, a pessoa com 60 anos ou mais, e trata-se de um grupo de pessoas com
crescimento rápido. A estimativa é de que no ano 2025, teremos um contingente de
32 milhões de pessoas idosos. De acordo com Veras e Camargo (1995), o Brasil
deverá ocupar o sexto lugar no mundo em população idosa. Assim, confirma os dados
da PNAD 2016 que a população idosa cresce 16,0% frente a 2012 e chega a 29,6
milhões. Já a parcela de crianças com até 9 anos de idade na população caiu de
14,1% para 12,9% no período.
Nesta perspectiva, estamos em situação de transição, passando de um país
jovem, para um país no qual, o envelhecimento da população vem ocorrendo de modo
acelerado. As implicações no cuidado com os idosos são inúmeras, isto porque,
vivemos em um país desigual em seus contextos econômico e social. Ser idoso no
Brasil é enfrentar incertezas.
O fator de sexo dentre os grupos da terceira idade com predominância para o
feminino, também segue uma característica mundial. Para Berzins (2003) o Brasil
também reproduz, no crescimento de sua população idosa, o fenômeno mundial da
feminização do envelhecimento. Tal situação nos diversos grupos de convivência da
terceira idade, nos quais a maioria das atividades planejadas destina-se ao público
feminino. Conforme os estudos de Nunes (2000), compreender fenômenos como o
envelhecimento, em nossa sociedade, implica em ir além das diferenças de classe
social e considerar também as questões de gênero, raça, e etnia, até porque diz
respeito, a uma das etapas da vida humana, que perpassa, tanto a vida de homens,
como a de mulheres.

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Fica evidente também, um vasto esforço para uma velhice bem sucedida. Tanto
pelos órgãos governamentais, bem como, por órgãos não governamentais. Embora
os avanços da medicina e da tecnologia proporcionam uma qualidade de vida nunca
vista para a população idosa. Estudos de Debert (1997), alerta para o fato de que essa
imagem da velhice bem-sucedida não deve descartar, mesmo com os avanços
médicos e tecnológicos, a condição de dependência na velhice.
Um dos grandes avanços para os idosos de todo o Brasil, diz respeito
aprovação do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, após a ocorrência de fóruns
permanentes de discussão da Política Nacional do Idoso (PNI), e, com a presença de
grupos de profissionais, idosos e Conselhos, assegurou-se que as diretrizes da PNI
fizessem parte do Estatuto do Idoso.
Com a criação do Estatuto do Idoso, os idosos passaram a serem sujeitos de
direitos, agora o poder público se compromete de fato, garantindo assim medidas de
proteção e amparo nos diversos aspectos da vida cotidiana do idoso. Tais direitos,
assegurados pelos poderes públicos dizem respeito ao direito à saúde, alimentação,
cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, respeito e
convivência familiar das pessoas idosas.
Dentre os itens garantidos pelo Estatuto, as medidas de proteção ao idoso em
estado de risco pessoal, bem como a política de atendimento por meio da
regularização e da contenção das instituições de atendimento ao idoso, a
acessibilidade a justiça com prioridade a pessoa idosa de responsabilidade e
competência do Ministério Público nas intervenções em defesa do idoso,
conceituando os crimes em espécie, modernos tipos penais para condutas nocivas
aos direitos das pessoas idosas.
Nossa proposta neste artigo é analisar as ações afirmativas de socialização e
integração de idosos, cujos vínculos sociais encontram-se fragilizados, devido ao
processo de envelhecimento da população, no município de Coaraci-BA, com recorte

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no ano de 2014 e 2015 por meio de ações que promovam a saúde espiritual, física,
social e mental.
Uma das situações mais desafiadoras para a pessoa idoso é a solidão. A
solidão consequentemente leva à depressão e esta à morte. A saída mais eficaz que
podemos adotar é a decisão de compartilhar com outras pessoas a nossa vida, como
nos orienta a Bíblia Sagrada “chorai-vos com os que choram e sorrir com os que
sorriem” (ROMANOS 12:1).
Pesquisas de Beauvoir (1990), relatam experiências em países como a
Inglaterra, a Suécia, os Estados Unidos e a França que procuram incentivar as
pessoas de terceira idade a juntarem-se em associações para não se deixarem
dominar pela solidão e pela depressão.
As experiências em nível de Brasil dizem respeito a crescente formação grupos
diversos. Estes buscam a convivência de pessoas de terceira idade de acordo com
seus interesses. Nestes grupos, a meta é a satisfação através de determinadas
atividades como dança, teatro, viagens, artesanato ou até mesmo a aprendizagem de
uma nova profissão ou de uma nova língua que faça com que a pessoa se sinta em
constante crescimento, mesmo que aparentemente pareça que estas atividades não
tenham sentido e aplicabilidade nesta altura da vida, nem tampouco traga recurso
financeiro.
Os grupos de convivência são espaços em que os idosos sentem prazer em
andarem juntos. É explicito o sentimento de pertença, inclusive, quando estes
literalmente “veste a camisa do grupo”. A respeito dos grupos de convivência no
entendimento de Veras e Camargo Jr. (1995, p. 34),

como uma forma de minimizar a solidão, estimular o contato social e a


descoberta de novas aptidões. Esses grupos propiciam um compromisso
regular, que não apenas ocupa um espaço temporal, mas também preenche o
vazio do sentimento de solidão que na terceira idade, quando frequente, traz
danos à saúde física e mental.

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Fatos curiosos são revelados em estudos, em se tratando de novas


experiências de idosos em grupos de convivências. De acordo com Novaes (1995),

a partir de vivências pessoais e experiências profissionais, foi observado que


a terceira idade se caracteriza como a época em que as pessoas se
redescobriram, encontraram velhos interesses e motivações, estabeleceram
novos relacionamentos e projetos, continuando a utilizar o processo criativo”.

Cada pessoa tem um conceito próprio para viver a velhice. Isso depende de
sua visão de mundo, seu temperamento, sua religiosidade. As pesquisas mostram
que os grupos de convivência são de importância ímpar na vida dos sujeitos idosos.

Parece-me que, para um sujeito que envelhece, o grupo se torna um fator


importante e possibilitador de identificações e novas construções. Além da
escuta, o trabalho em grupo permite o surgimento de um outro semelhante,
oportunizando vínculos que a sociedade já não mais mantém (CASTRO, 2001,
p.68).

O objetivo geral é analisar as ações afirmativas de socialização e integração de


idosos, cujos vínculos sociais encontram-se fragilizados, devido ao processo de
envelhecimento da população, no município de Coaraci-BA, com recorte no ano de
2014 e 2015 por meio de ações que promovam a saúde espiritual, física, social e
mental. Os objetivos específicos são: Investigar os grupos de convivência nas
organizações não governamentais no município; Examinar as característica de cada
grupo e suas especificidades e analisar as ações afirmativas dos grupos para a
promoção da vida social dos idosos.
A metodologia utilizada é inicialmente uma pesquisa bibliográfica.

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas


já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros,
artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se
com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que
já se estudou sobre o assunto (FONSECA, 2002, p. 32).

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Para Gil (2007, p. 44), os exemplos mais característicos desse tipo de pesquisa
são sobre investigações sobre ideologias ou aquelas que se propõem à análise das
diversas posições acerca de um problema.
Esta teve também uma abordagem qualitativa, de acordo Denzin (2006),

A palavra qualitativa implica uma ênfase sobre as qualidades das entidades


e sobre os processos e os significados que não são examinados ou medidos
experimentalmente (se é que são medidos de alguma forma) em termos de
quantidade, volume, intensidade ou frequência (p. 23).

Um pesquisador em uma visão qualitativa tem características que diferem das


demais formas de fazer pesquisa. No dizer de Denzin (2006) apud Becker,

Como bricoleur ou confeccionador de colchas, o pesquisador qualitativo


utiliza as ferramentas estéticas e materiais do seu ofício, empregando
efetivamente quaisquer estratégias, métodos ou materiais empíricos que
estejam ao seu alcance (p. 18).

Este esforço do pesquisador, diz respeito, á utilização de uma variedade de


praticas de interpretação imbricadas que serviram para dar visibilidade ao mundo, são
elas: as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravações, as notas de campo e
os lembretes, dentre tantas outras. Assim para Denzin (2006) “os pesquisadores dessa
área utilizam uma ampla variedade de práticas interpretativas interligadas, na
esperança de sempre conseguir compreender melhor o assunto que está ao seu
alcance” (p. 17).
Também é descritiva, pois tem como objetivo descrever as características dos
grupos de convivência in locus, apontando um fenômeno ou experiência para o estudo
realizado. E ainda, utiliza o método indutivo ou indução é o raciocínio que, após
considerar um número suficiente de casos particulares, conclui uma verdade geral. A
indução, ao contrário da dedução, parte de dados particulares da experiência sensível.
De acordo com o indutivista, a ciência começa com a observação.

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1. Os grupos de convivência nas instituições não governamentais – breves


considerações

Ao se pensar em ONGs, estas nos remete a sigla para Organizações não


Governamentais, que são instituições criadas sem ajuda ou vínculos com o governo,
geralmente de fundo social e sem fins lucrativos. Dentre estas, as igrejas, procuram
desenvolver trabalhos digno de reconhecimento. Passaremos analisar as três
instituições pesquisadas, que desenvolvem atividades com os grupos de convivência
dos idosos e relatar suas características e especificidades.

Igreja Batista Jerusalém


 Grupo de Mulheres Cristã em Ação – MCA
 Diretoria do Grupo no contexto de igreja local: Coordenadora, Secretaria e
Tesoureira.
 Tempo: 63 anos
 Sexo: feminino
 Objetivo do grupo: Envolver mulheres em ações de Missões, oportunizando
a integração pela oração, estudo e integração.
 Áreas de ação: Espiritual, Pessoal, Social

A pesquisa revelou que este grupo de convivência a nível local, realizam


atividades de visitações mutua nas casas dos componentes do grupo, evangelização
nos bairros, apresentações teatrais e auxilio com a distribuição de cestas básicas para
as pessoas mais carentes. Embora este grupo da Igreja Batista tenha característica
de envolver todas as mulheres, evangélicas ou não, no contexto da Igreja local, o
grupo se concentra em pessoas idosas e do sexo feminino.

Igreja Assembleia de Deus


 Grupo de Senhoras
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 Tempo: 62 anos
 Diretoria do Grupo no contexto de igreja local: Coordenadora, Secretaria e
Tesoureira.
 Objetivo do grupo: Envolver mulheres em ações de missões, oportunizando
a integração pela oração e no ministério de louvor.
 Sexo: feminino

O grupo de Senhoras da Igreja Assembleia de Deus, destina a mulheres e tem


como principal atividade Canto Coral. No entanto, para fazer parte do grupo, estas
devem ter vida devocional diária, oração e bom testemunho na comunidade.

Igreja Presbiteriana de Coaraci


 Data de criação do Grupo: 12.12.2006
 Tempo: 11 anos
 Quantos idosos participam: 38 idosos
 Sexo: Masculino e feminino
 Coordenadora Geral e membros auxiliares no contexto da igreja local.
 Áreas de ação: Pessoal, espiritual e social
 Trabalhos Realizados pelo grupo:
* Viagem de lazer;
*Palestras;
*Oficinas de artesanatos;
*Cultos Especiais- Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia do Vovô e da Vovó, Dia do
Idoso, etc;
*Jantares;
*Almoços;
*Passeios em sítios e fazendas;
*Encontrão da 3ª idade;

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* Retiros espirituais, dentre outras


Um fator importante a destacar sobre este modelo de grupo da 3ª idade é que
está ligada a Secretaria da Sociedade Auxiliadora Feminina-SAF (composto somente
de mulheres), ambos são da Igreja Presbiteriana do Brasil - IPB. O Outro grupo da 3ª
idade aqui descrito, é formato criado pelo Supremo Concílio e ligado ao Presbitério
através da Secretária da 3ª idade é totalmente independente da SAF, possui diretoria
própria, bem como atividades exclusivas para o grupo da 3ª idade, onde podem
participar idosos do sexo masculino e feminino. Na SAF o grupo de idosos é
exclusivamente um grupo de mulheres, para atender a estrutura da Sociedade
Auxiliadora Feminina – SAF da IPB. O bom nisto, é que esta denominação dispõe de
duas formas de trabalho com as pessoas idosas.

2. O trabalho da Secretaria Nacional da 3ª idade na Igreja Presbiteriana do Brasil


– IPB

A Igreja Presbiteriana do Brasil- IPB, está completando 159 em 2018, fundada


em 1862 por um missionário estadunidense chamado Ashbel Green Simonton, que
chegou ao Rio de Janeiro no dia 12 de agosto de 1859. Trata-se de uma igreja
protestante reformada, de orientação calvinista presbiteriana. De acordo dado do
senso de 2000, é considerada a oitava maior denominação protestante do país. Esta
denominação possui 5.068 igrejas locais e congregações em todo o Brasil, com
aproximadamente 649.510 membros.
Em relação aos idosos membros da Igreja Presbiteriana do Brasil, com mais de
60 anos, representam 15% da membresia. Além disso, pessoas de 51 a 60 anos,
representam 14% do total. Em relação Assistência a Idosos 8% destes, recebem
atenção especifica. Com uma tantos idosos, na IPB, e preocupados em conceder
atenção a este grupo de pessoas, que representa a maioria dos sujeitos, no contexto
da organização, cria-se, a Secretaria Geral da Terceira Idade em Reunião
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Extraordinária da Comissão Executiva do Supremo Concílio, em julho de 1999. Esta


tem como finalidade atender os irmãos na terceira idade, que compreende a faixa
etária de 60 anos ou mais.
No contexto da IPB, com mais de 95.000 de pessoas com mais de 60 anos,
esta secretaria preocupada com a dignidade e a qualidade de vida dos idosos da IPB,
percebeu a necessidade de organizar esse trabalho nacionalmente a partir de
experiências bem sucedidas de trabalhos pioneiros, realizados em igrejas
presbiterianas locais, preparando atividades, encontros e ações que incentivem a
criação de novos grupos de idosos em IPB locais.
Para alcançar tal alvo, a Secretaria conta com um importante aliado, o Estatuto
do Idoso, sancionado no dia 1º de outubro de 2003, que deve ser um importante passo
na luta para a dignidade dessa faixa etária. A secretaria tem trabalhado para
conscientizar pastores e líderes, e até mesmo os idosos, a fim de promover uma
convivência harmoniosa dentro da IPB.
A Secretaria Geral da Terceira Idade tem como objetivo:
 Criar um grupo de idosos em cada comunidade local da IPB, incentivando-
lhes e dando oportunidade de crescimento espiritual, social e intelectual;
 Gerar espaços para o desenvolvimento de atividades manuais e artesanais
com programas que promovam orientação segura nas áreas de saúde, esporte e
lazer;
 Divulgar o Estatuto do Idoso para conscientização dos direitos e deveres de
cidadania do idoso;
 Despertar no idoso o reconhecimento de seus dons e talentos para serem
usados no Reino de Deus;
 Incentivar o idoso a observar com que honra, dignidade e carinho ele é
tratado na Palavra de Deus;

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 Motivar a criação de complexos de estrutura de cultura e lazer no âmbito da


Igreja Presbiteriana do Brasil, para contribuir de maneira prática e efetiva para a
qualidade de vida do idoso, tanto física, emocional e espiritual.

3. Discussões dos resultados

A pesquisa realizada com os três grupos de convivência de em Coaraci-BA,


mostrou-nos que são importantes veículos para as ações de convivência na coletiva,
seja eficaz no combate a solidão e inércia. Além disso, os encontros grupais têm
importância significativa no sentido de promover a reconstrução de sua identidade,
que pode estar comprometida, e propiciar o resgate de vínculos com familiares.
(ZIMERMAN; 2000).
Portanto, com base na análise dos dados coletados foram selecionados e
contemplados alguns fatores pessoais e sociais que visam auxiliar o entendimento
sobre papel dos grupos de convivência: No quesito sexo observa-se o predomínio do
feminino; quanto a idade estes possuem: entre 60 anos completos e 71 anos. Revelou-
se também, a ocupação da maioria é aposentado e auxilia financeiramente a família.
Em relação ao estado civil, predominou os casados. Quando perguntados sobre quem
mora com você: predominou filhos e netos. Quais eram suas principais atividades que
desenvolvem no grupo: orações, visitas, canto coral e trabalhos manuais. Como você
define sua participação na sociedade: Predominou o quesito pouca participação. Qual
foi a motivação que o levou a participar dos grupos de convivência: predominou a
convivência com outras pessoas.
Conclui-se, portanto, que os grupos estão estruturados e são sólidos em suas
características e objetividades, desenvolvem suas ações com periocidades que
variam em atividades semanais, mensais, bimestrais e até encontros anuais.

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Atividades tais como as reuniões de orações, atividades artesanais, apresentações


nos corais, visitas, passeios, palestras, seminários, encontros, retiros espirituais,
dentre tantas outras ações, oportunizam os idosos uma vida em constante movimento,
combatendo a solidão e melhorando sua qualidade de vida.

4. Considerações finais

Neste trabalho, abordamos os grupos de convivências em instituições não


governamentais, investigando as atividades desenvolvidas por estes e sua
importância na vida social dos idosos. Assim, tivemos a oportunidade de desnudar a
dinâmica de cada grupo e a importância destes na vida de cada pessoa idosa. Os
benefícios são diversos: seja pelo companheirismo oferecido aos membros dos
grupos, pela cooperação de uns para com os outros, pela comunhão e cumplicidade,
ou ainda, por sentir-se parte do grupo e desenvolverem atividades que sejam de
interesse comum a todos. E por fim, não se pode ficar em estado de contemplação,
enquanto as pessoas idosas que andam conosco, vivem em solidão e sofrimento.
Desta forma, no dizer de Novais “Viver bem a velhice é uma responsabilidade pessoal
e está diretamente ligada ao desejo de viver” (NOVAES, 1995, p.35). É fato, que
devemos criar as oportunidades para efetivar este bem viver idosos, passim estes
poderão usufruir dos benefícios em seu percurso pessoal.

Referências

BEAUVOIR, S. de. A velhice. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1990.

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necessárias. Rio de Janeiro, Grypho, 1995

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ZIMERMAN, David. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre:


Artmed Editora, 2000.

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A LEITURA DO 'MUNDO'. POR UMA POSSIBILIDADE DE


ALFABETIZAÇÃO ALÉM DA PALAVRA

Fernanda da Hora Ferreira*


Tânia Regina Braga Torreão Sá**

Resumo
Neste trabalho problematizamos o consenso, ao nosso ver equivocado, que se formou
em torno do conceito de alfabetização. Não concordamos que esse se reduza a
dimensão da técnica de aprender a ler. Assentimos mesmo é com a proposta de Paulo
Freire quando esse assevera, no livro A importância do ato de ler (2004) que, “a leitura
do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 2004, p. 24). Então, questionamos:
aonde “o mundo” foi parar quando, na escola diagnosticamos que o aluno não está
alfabetizado porque não conseguiu acessar os códigos de leitura e escrita? E a
dimensão da formação política que o aluno traz em sua vivência? Apesar da
importância fulcral da ideação de Freire (2004), a escola brasileira parece repercutir
que alfabetizar responde apenas ao domínio da leitura e escrita formais. Não
respondem! Partindo então da compreensão que o procedimento criado por Paulo
Freire, insta aprofundamento, conhecimento e reconhecimento por parte dos
professores, enseja-se que esse trabalho seja gerador de reflexões na prática de
ensino dos docentes. Mais ainda, enseja-se que esse seja gerador de interesse sobre
o tema a ponto de fustigar a criação de novos fóruns de discussão e ação sobre o
assunto.

Palavras-chave: Alfabetização. Alfabetização Espacial. Paulo Freire.

* Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia, na Universidade Estadual do Sudoeste Baiano - UESB.


Bolsista do Projeto de extensão “A leitura do 'mundo'. Alfabetização além da palavra” (UESB/Jequié). Membro do
NEPE e GP/CNPq Núcleo de Estudos Sobre Memória, Trabalho e Educação
(NEMTrabE)/UESB/Jequié/Bahia/Brasil). E-mail: fernanda_dahora@outlook.com
** Docente Adjunta. Orientadora do Projeto de extensão “A leitura do 'mundo'. Alfabetização além da palavra”

(UESB/Jequié). Pesquisadora/Coordenadora do NEPE e GP/CNPq Núcleo de Estudos Sobre Memória, Trabalho


e Educação (NEMTrabE) / UESB / Jequié / Bahia/Brasil). E-mail: taniatorreao68@hotmail.com
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Introdução

O exercício do magistério por profissionais capacitados de forma incompleta


tem provocado o apagamento da importância da alfabetização espacial e, em
consequência, os alunos e professores vêm lidando muito mal com noções básicas
de localização. Isso retarda de modo significativo o seu desenvolvimento sensório-
motor, e mais grave ainda, a sua percepção sobre o mundo/espaço.
O procedimento da alfabetização espacial, debatida por teóricos como
Rosângela Doin de Almeida e Elza Yasuko Passini (1996), Antônio Castrogiovanni
(2000) e, antes disso, por Paulo Freire nos livros “A importância do ato de ler” (1989)
e “Conscientização” (1979) se constituem em legados fundamentais para a revisão da
prática pedagógica dos professores que, em vista dos efeitos e consequências da
visão educacional propalada na ditadura militar – guiarem-se nas questões da
realidade concreta, é perigoso –, tem sido orientados no reconhecimento equivocado
que alfabetizar sinaliza o domínio exclusivo dos códigos de leitura, escrita e operações
básicas da matemática. Alfabetizar, certamente não se restringe a isso. Alfabetizar,
implica no emprego de uma técnica que leva ao reconhecer do lugar que eu ocupo no
mundo – eu professor, enquanto trabalhador – e, além disso implica numa forma de
saber que ajuda ao outro – no caso do aluno – a encontrar o lugar dele nesse mundo.
Partindo então do reconhecimento, que tem faltado aos professores da pré-
escola e fundamental I, o apuro com o debate da “localização no mundo”, isto porque,
a leitura do mundo, certamente “precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1989, p.24),
esse trabalho justifica-se por oferecer capacitação a professores da rede pública do
município de Jequié, no método da alfabetização espacial, e porque não dizer, no
procedimento criado por Freire (1989; 1979) que, significa a palavra geradora, no
mundo de quem apreende.
Em termos práticos, as iniciativas listadas acima, visam aprimorar os acertos e
corrigir os equívocos cometidos na formação dos professores que atuam na pré-

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escola e ensino fundamental I, no que diz respeito à apreensão do método da


alfabetização espacial. Também nos interessamos em “provocar” os professores, a
refletirem sobre a importância de se enxergarem enquanto sujeitos fazedores de
mundo, agentes efetivos de sua produção, e não somente enquanto repassadores de
uma técnica que se resume ao domínio de uma faculdade mental, fisiológica.

1. Fundamentação teórica

O que afinal de contas significa alfabetização espacial? Segundo Catrogiovanni


(2000, p.10) o termo designa “a construção de noções básicas de localização,
organização, representação e compreensão da estrutura do espaço”, que se constitui
em um processo fundamental para a descentração do aluno, na medida em que,
facilita a sua leitura para além do mundo egocêntrico.
A noção de espaço é pertinente ao homem desde o momento em que ele
nasce. O aprimoramento dessa noção, no entanto, está associada à liberação lenta e
progressiva do egocentrismo, ou seja, é o processo de socialização, tanto quanto o
convívio em sociedade que, amplifica a percepção da criança sobre o espaço.
De 0 até 2 anos de idade, a criança apreende o espaço como espaço de ação.
Isto é, para ela o espaço restringe-se apenas ao lugar onde ela engatinha, rasteja,
anda, procura. Nessa fase ela o apreende através dos sentidos (paladar, olfato, visão,
tato e audição) e das noções espaciais basilares (dentro e fora, acima e embaixo, do
lado e do outro lado, contém e está contido, dentro e fora), mantendo contato direto
com os objetos, de sorte que, ele torna-se prático, real. Do ponto de vista da
apreensão cognitiva, esse é o momento em que a criança começa a perceber o mundo
e a perceber-se no mundo.
Com 2 anos até aproximadamente os 4 anos de idade a criança começa a
apreender o espaço de forma simbólica, ou seja, substitui à ação por uma palavra,

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símbolo ou imagem, que não está presente e com isto cria o espaço representativo,
simbólico. As ações que as crianças executam, portanto, são interiorizadas e depois
externalizadas.
A percepção do espaço representativo se dá em dois momentos: o intuitivo e o
operatório. No momento intuitivo, a criança manifesta relações estáticas e
irreversíveis. No operatório ou concebido – reflexivo – ela operacionaliza os elementos
espaciais, ordena e reverte (rel)ações. Nesse ponto, julgamos importante fazer a
distinção entre o espaço de ação (perceptivo) e o espaço representativo. O espaço de
ação é construído no contato direto com o objeto, isto é através dos sentidos. Já o
espaço representativo é construído na ausência do objeto, portanto é reflexivo ou
semiótico.
Tanto a construção do espaço de ação, quanto à construção do espaço
representativo requerem do sujeito a interação com o mundo, pois, através da
percepção do/com o mundo, a criança avança do egocentrismo a descentração.
Nessa fase ela também passa a localizar os objetos a partir de relações estabelecidas
entre eles, criando um sistema de coordenadas. A criança passa do egocentrismo a
descentração e, nesse sentido, a escolarização tem um papel fundamental, pois
orienta quanto às ações construtivas e coletivas.
O mapa enquanto representação bidimensional é ainda uma grande abstração
para a criança, sobretudo entre os cinco e oito anos de idade. Vale, portanto, antes
do trabalho efetivo com o mapa, construir maquetes ou croquis. Como redução
tridimensional da realidade, a maquete ou o croqui pode ser utilizado de diversas
maneiras, inclusive para a posterior produção de um mapa, explorando a visão vertical
que se pode ter com ela. Ao construir uma maquete ou croqui, a criança se familiariza
com a representação da linguagem gráfica.
A criança apreende o espaço em três etapas, conforme Almeida e Passini
(1989): o espaço vivido, o espaço percebido e o espaço concebido. Inicialmente a
criança vive o espaço. O espaço vivido é o espaço do aqui/agora, onde ela realiza

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movimentos, engatinha, anda. É através do movimento, da ação que a criança


começa a perceber o espaço. A criança percebe o espaço vivenciando-o
cotidianamente isso porque, em nenhum momento ocorre o distanciamento entre a
criança (ou até mesmo o adulto) e o mundo. Se ela pisa no chão, se ela toma um
banho, respira, pega terra com as mãos, brinca com um cachorro, etc tudo isso
expressa uma relação de afinação com o mundo.
Na educação infantil e ensino fundamental I, a alfabetização espacial é
importante porque, ao trabalhar com as noções espaciais básicas – em cima, em
baixo, de um lado, do outro, dentro e fora – o professor cria as condições para
estimular desde a coordenação motora, até a inteligência infantil, como um todo. E é
justamente a partir da apreensão da categoria lugar que se estrutura o
reconhecimento das outras etapas do trabalho pedagógico. Na ordem, após a
apreensão da categoria lugar, passa-se a apreensão da categoria paisagem, e logo
após a percepção da região e o território que, nada mais são senão porções da
totalidade: o espaço aonde a criança vive.
A criança evolui do conhecimento do corpo (hemesferização do corpo) para o
conhecimento construído a partir da reflexão sobre o mundo. Para tornar possível
essa capacidade de abstração, a criança precisa ser alfabetizada espacialmente, de
forma que possa transformar seu conhecimento em ação. Para entender melhor,
recorreremos a Piaget e Inhelder (1968).
Piaget e Inhelder (1968), em seus estudos sobre a construção e representação
do espaço, destingem, a partir da geometria contemporânea, três tipos de relações
espaciais: topológicas, projetivas e euclidianas. Vamos agora explicá-los.
As relações espaciais topológicas: consideradas as mais importantes, pois,
delas derivam as relações projetivas e euclidianas. São limitadas às prioridades
inerentes a um objeto particular, sem que intervenha a necessidade de situar esse
objeto em relação a outro, seja em função de uma perspectiva ou de ponto de vista
particular, seja em função de um sistema de eixos e coordenadas.

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No caso do espaço topológico, a percepção e a manipulação ativa das relações


de vizinhança, separação, ordem, sucessão, envolvimento e continuidade servem de
ponto de partida para as noções representativas semiestruturadas que se
estabelecem por volta dos sete anos de idade. A reversibilidade nas relações
espaciais acontece aproximadamente aos sete anos, quando ocorre a conservação.
As relações espaciais topológicas são as primeiras a serem construídas, mas
estão sempre sendo (re)significadas empregadas no cotidiano. Elas podem ser,
conforme Almeida e Passini (1989):
 De vizinhança. Relações em que os elementos são percebidos no mesmo
campo, próximos uns dos outros;
 De separação. As crianças percebem que os objetos, embora vizinhos, estão
dissociados, ocupando posições distintas no espaço;
 De ordem ou sucessão. Relações que se estabelecem entre vizinhos e
separados;
 De envolvimento ou fechamento. Estabelecem-se no sentido das noções de
interior, exterior, centralidade, proximidade, contorno;
 De continuidade ou contínuo. Envolve o conhecimento de pontos colocados
em sequência no espaço. O desenho de uma paisagem, por exemplo. Para que
tais relações sejam estabelecidas empregam-se todas as outras noções:
vizinhança. Separação, ordem, sucessão e envolvimento e fechamento.

As relações espaciais projetivas: aquelas que permitem a coordenação de


objetos entre si, num sistema de referência móvel, dado pelo ponto de vista do
observador. Inicialmente o ponto de referência que está centrado na própria criança
aos poucos, vai sendo transferido para outras referências, ou seja, ocorre a
descentração.

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As relações projetivas têm seu fundamento na noção de reta, ou seja, os pontos


alinhados numa direção, segundo um ponto de vista. Em relação ao espaço
topológico, o espaço acrescenta a necessidade de situar objetos em relação a outros.
É através da atividade perceptiva e da inteligência sensório-motora que a
criança aprende a manipular as relações projetivas, no entanto, são necessários
muitos anos até que ela organize um sistema operatório de referência projetiva, que
assegure a coordenação perfeita e a reversibilidade dos pontos de vista. A intervenção
da perspectiva transforma, por exemplo, a reciprocidade da vizinhança em
reciprocidade de perspectiva da vizinhança.
As noções fundamentais que envolvem as relações projetivas são: direita e
esquerda; frente e atrás; em cima e em baixo e ao lado de.
A construção da projetividade apresenta-se em três fases possíveis de serem
avaliadas, conforme Almeida e Passini (1989):

 Dos 05 aos 08 anos de idade. A criança consegue, dar a posição de um


objeto a partir do seu ponto de vista;
 Dos 08 aos 11 anos de idade. A criança consegue dar o ponto de vista de
outro colocado a sua frente;
 A partir dos 12 anos. A criança já é capaz de colocar-se no lugar dos objetos
distintos e situá-lo

Com a liberação do egocentrismo, a criança consegue dar a posição de objetos


posicionados em sua frente. Ela também consegue localizar esses objetos em relação
a outros. Com isso está dando os primeiros passos que permitem a transposição da
orientação corporal para a geográfica.
Na localização projetiva, inicialmente o ponto de partida é o corpo da própria
criança, ou seja, a sua hemesferização. Essa construção evidencia a passagem da

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criança do seu mundo egocêntrico para o mundo mais amplo, onde a existência dos
outros é considerada.
As relações espaciais euclidianas: representadas pelas relações que tem como
base à noção de distância e permitem situar objetos uns em relação aos outros,
considerando um sistema fixo de referência.
A construção do espaço euclidiano advém simultaneamente com a construção
da noção de espaço projetivo, nesse sentido, as primeiras evidências das relações
euclidianas ocorrem com a conquista das atividades perceptivas. As atividades
euclidianas também começam a ser desenvolvidas quando as crianças apreendem
noções de grandeza e de forma (inteligência sensório-motor). Essas atividades, no
entanto, permanecem intuitivas e sujeitas as deformações geradas pelo caráter
estático e irreversível das representações imaginativas.
É somente em nível das operações concretas que surgem as primeiras
conservações verdadeiras, como as noções de superfície, comprimento e distância,
necessárias ao progresso subseqüente do espaço propriamente métrico e
quantificado.
A localização é dada pela utilização de um sistema de coordenadas
geométricas, iniciando com a construção de medidas espontâneas, pela
representação dos eixos de coordenadas no próprio corpo, conservação de distância
e comprimento. Somente a partir dos 11 anos de idade é que a criança coordena as
medidas de duas ou três dimensões e utiliza as referências horizontal e vertical.

2. Metodologia

Todo conhecimento cientifico caracteriza-se pela utilização de métodos. A


ciência moderna trabalha com uma representação do real através da ideia. Cada

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ciência acadêmica em sua busca pela verdade produz a ideia do que seja o real. Esta
busca se fundamenta no método (caminho em grego), que cada ciência adota.
Como se dá essa busca? Através do lado sensível e inteligível que os seres
humanos possuem para apreender o fenômeno a ser conhecido. O lado sensível (os
sentidos: audição, visão, tato, etc) corresponde a apreensão que fazemos da coisa a
ser pesquisada/estudada. O lado inteligível corresponde ao pensamento e aos
preconceitos, na assepsia de Piaget (1968), que carregamos. Esses dois lados o
teórico e o prático sintetizam e formulam novos conceitos, novas verdades.
Vázquez (1977) pontua no seu livro Filosofia da Práxis as definições do que
seria práxis. Vazquez estabelece duas vertentes. A práxis criadora ou reflexiva e a
práxis imitadora ou reiterativa. Nesta abordagem Vazquez define que a práxis criadora
advêm da necessidade do individuo em sua relação dialética com a natureza. E a
imitativa por outro lado da acomodação desta necessidade. Para Vazquez (1977) uma
não elimina a outra, pois a práxis criadora advêm de uma práxis já estabelecida pelo
senso comum que já é espontânea. E como a relação é dialética a práxis espontânea
surge de uma práxis criadora que se solidificou no senso comum.
Nesta perspectiva, a formação inicial e continuada de professores deveria ter o
intuito de aglutinar as práxis fragmentadas do senso comum com a práxis orgânica
organizada, ou seja, do conhecimento concreto do cotidiano dos alunos com o
conhecimento sistematizado da ciência. Essa especificidade deveria ser alcançada
com a valorização de que não temos teoria sem pática nem prática sem teoria e para
alcançar uma verdadeira práxis devemos estabelecer uma proximidade em sala de
aula desta dicotomia. Aproximando, portanto, a realidade concreta da ciência com a
da escola, dos alunos e da sociedade como um todo.
Para a realização de um trabalho de ensino/aprendizagem científico é
necessário um recorte teórico-metodológico através de um rigor no planejamento e
execução, com o intuito de apreender o fenômeno estudado, impedindo que haja
juízos de valor e erros.

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O planejamento ou exploração do objeto é o primeiro passo na aproximação do


fenômeno a ser estudado. Com o planejamento definimos os encaminhamentos, os
passos a serem seguidos. A fase da exploração do tema a ser estudado requer uma
leitura pertinente, uma exposição dialógica, aproximando o senso comum, da turma,
ao conhecimento cientificamente organizado.
O segundo passo, a ser seguido, é a parte da sistematização. Através de uma
abordagem teórico/prático se espera que os alunos construam seus entendimentos
na produção de textos, seminários, materiais pedagógicos ou/e diálogos pertinentes.
Dessa forma, são delimitados os passos para a realização de uma aprendizagem
significativa.
O ultimo passo do ensino/aprendizagem deve ser um retorno ao senso comum,
através de uma catarse, uma analise pessoal do conhecimento que cada aluno, em
sua individualidade, tinha sobre o assunto proposto e o conhecimento adquirido.
Espera que com esses passos o aluno apreenda de forma significativa o novo sem
discriminar o velho trabalhando de forma concreta sem dicotomizar a teoria da prática
buscando sempre a práxis do conhecimento cientifico.
Conforme o exposto acima e entendendo o método como um conjunto de
atividades sistematizadas e racionalmente organizadas que, com maior segurança e
economia permitem alcançar o objetivo proposto no inicio do ensino/aprendizagem; e
que cada um tem em sua trajetória, com seu contexto histórico pessoal, o caminho a
ser percorrido; e, portanto, que cada aluno alcançará de forma diferenciada esse
conhecimento.
Tomando esse fundamento como base traçamos o caminho a ser seguido.
Na atividade complementar adotaremos o método sócio construtivista como
norteador da ação pedagógica. Cavalcanti (1998, p.138) será nosso suporte teórico
na definição desse método.

Ensinar é uma intervenção intencional nos processos intelectuais e afetivos


do aluno buscando sua relação consciente e ativa com os objetos de

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conhecimento. [...]. A intervenção intencional própria do ato docente diz


respeito à articulação de determinados objetivos, conteúdos e métodos que
levem em conta as condições concretas em que ocorre o ensino e seus
diferentes momentos, planejamento e avaliação. [...], a tarefa de intervenção
no ensino escolar é basicamente do professor e consiste em dirigir, orientar,
no planejamento, na realização das aulas e das atividades extraescolares e
na avaliação, o processo de conhecimento do aluno com base em
determinados propósitos, em conteúdos específicos e em modos adequados
para conseguir os propósitos definidos.

3. Resultados

O programa se propõe inicialmente, a capacitar professores da pré-escola e


ensino fundamental I, das redes pública e particular de ensino do município de Jequié
para o trabalho com a alfabetização no mundo e/ou alfabetização espacial, e por essa
razão, as ações extensionistas centrais serão todas eles desenvolvidas na parceria
com a coordenadora da equipe de execução. Face a isso, o plano de trabalho cruza-
se com o plano de trabalho da bolsista, que será desenvolvido respeitando-se o
seguinte cronograma/meta: abril até maio - Após aprovação interna, levar esse projeto
a SEC Município de Jequié e a escola particular parceira, a fim de apresentá-lo aos
gestores. Maio até junho - Afinar esse projeto com as instituições parceiras, visando
garantir a liberação dos membros cursistas para as 40h de curso junho até agosto -
Elaborar o material impresso: livro ou cartilha; - Criar e pôr no ar a plataforma virtual
de alfabetização com o ajuda do pessoal do desenvolvimento de sites da UESB.
Agosto até dezembro - Requisitar dos cursistas a criação de seu próprio caderno de
atividades; - Perscrutar formas de testificar a aplicação dos conhecimentos sobre a
alfabetização espacial, sendo aplicado nas escolas aonde os professores cursistas
atuam. - Organizar materiais coletados na trajetória de desenvolvimento do programa,
alimentando e divulgando nossos avanços na plataforma LABEAL.

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4. Considerações Finais

Em nossa impressão, a escola brasileira propaga uma impressão equivocada


que a dimensão da alfabetização se reduz ao domínio da leitura e escrita. Defender
esse ponto de vista, implica em negar um dos principais axiomas freirianos, “a leitura
do mundo, precede a leitura da palavra” (FREIRE, 2004, p, 24).
Ao acessar a leitura e escrita, se admite que o aluno está alfabetizado. Só que
não! Pois, a dimensão da formação política, ao nosso ver não é incorporada tal como
preconiza Freire, sendo por esse motivo que nos lançamos no desafio de ampliar o
conhecimento sobre o assunto.

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CURSINHOS POPULARES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO


CARLOS (UFSCAR) – POLÍTICAS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E INCLUSÃO
SOCIAL

Felipe Pinto Simão*


Luiz Felipe Garcia de Senna**
Resumo
Os cursinhos populares surgiram como alternativa aos alunos de camadas pobres que
utilizam destes espaços para melhorar a formação do Ensino Médio, tornando-os
preparados para disputar uma das vagas no ensino superior, principalmente o público.
Assim, o objetivo deste trabalho é analisar de que maneira a Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar - SP) tem contribuído, por meio de seus cursinhos populares,
com a inclusão de alunos egressos da rede pública em cursos de ensino superior pelo
país. Para tanto, foi utilizada uma abordagem qualitativa, contando como base revisão
bibliográfica e análise de documentos oficiais. Os resultados apontaram que os pré-
vestibulares UFSCar têm mantido nos últimos anos uma média de aprovação de 25 a
30%, e tal como a política de cotas, têm lutado pela democratização do acesso ao
ensino superior.

Palavras-chave: Cursinho. Pré-Vestibular. Políticas Educacionais.

Introdução

O acesso ao ensino superior público, para muitos, constitui-se em um divisor


de águas capaz de promover realizações pessoais e possibilidade de ascensão social.
Entretanto, mesmo com as políticas de inclusão social – tais como a política de cotas,
bem como o Sistema de Seleção Unificada (SiSi) - das universidades Federais, a

* Mestrando em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP- Marília/SP. E-
mail: felipepintosimao@gmail.com
** Mestrando em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Marília/SP. E-mail:

ul_2000@hotmail.com
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educação superior ainda não está aberta às amplas camadas populacionais no Brasil
(OLIVEIRA, et al., 2008).
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD Contínua), realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
entre 2016 e 2017 houve uma queda da taxa de escolarização das pessoas de 18 a
24 anos, atingindo principalmente as mulheres (34,1% em 2016 para 32,6% em 2017)
e as pessoas negras - de cor preta ou parda - (29,4% em 2016 para 28,4% em 2017).
A pesquisa, ainda, chama atenção para os dados que indicam que a taxa de
escolarização das pessoas de cor branca permaneceu acima daquelas de cor preta
ou parda (IBGE, 2018).
Em relação a taxa de frequência escolar líquida ao ensino superior, a pesquisa
apontou que 23,2% das pessoas de 18 a 24 anos estiveram nessa etapa de ensino
no período analisado, desses, a porcentagem de pessoas de cor branca foi de 32,9%
enquanto que as de pessoas de cor preta ou parda foi de 16,7%, ou seja, metade da
taxa de pessoas de cor branca.
Vale ressaltar que elevar as taxas de matrícula é um dos objetivos do Plano
Nacional de Educação (2014-2024) - especificamente a Meta 12- que traz em seu
texto:
Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta
por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de
18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e
expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas,
no segmento público (PNE, 2014, p.41).

Observa-se que para as pessoas de cor branca, essa meta já foi alcançada,
porém, para as de cor preta ou parda, há uma grande necessidade de políticas de
incentivo ao ensino superior. Para tanto, o PNE aponta uma série de estratégias para
aumentar as taxas de matrícula no ensino superior, das quais, destacamos: a
ampliação de vagas em universidades públicas (Estratégia 12.2); ampliação das
políticas de inclusão e de assistência estudantil (Estratégia 12.5); ampliar, no âmbito

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do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), e do Programa


Universidade para Todos (PROUNI), os benefícios destinados à concessão de
financiamento (Estratégia 12.20); e ampliar a participação proporcional de grupos
historicamente desfavorecidos na educação superior, inclusive mediante a
adoção de políticas afirmativas, especialmente na forma da Lei nº 12.711, de 29 de
agosto de 2012, e Decreto nº 7.824/2012 (Estratégia 12.9; grifo do autor).
A chamada “política das cotas” – onde se enquadram a Lei nº 12.711 e o
Decreto nº 7.824/2012, acima mencionados - foi responsável por determinar que
Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) reservassem no mínimo 50% de suas
vagas em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso
e turno a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares
ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para
ampla concorrência. Além disso, essas vagas reservadas são destinadas a candidatos
com renda familiar per capita igual ou inferior a um salário mínimo e meio, bem como,
também, para pessoas autodeclaradas Pretos, Pardos e Indígenas (PPI). O cálculo
da proporção para as PPI é realizado com base na porcentagem respectiva de PPI na
população da unidade federativa onde está instalada a instituição, segundo o último
censo do IBGE (RITTER, 2018).
Desde sua implementação, a política de cotas tem sido fundamental para
diversificar o perfil de aluno nas universidades públicas do país, visto que em 2012 o
número de matrículas de alunos PPI em universidades públicas aumentou
vertiginosamente. De acordo com os dados da Sinopse Estatística da Educação
Superior, disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), em 2012 haviam 328.975 alunos PPI matriculados em
universidades públicas, destes, 82.052 eram pretos, 242.797 pardos e 4.126
indígenas; já em seu último estudo (2016), o número total de matrículas passou para
702.999 matrículas, das quais 158.392 são de alunos pretos, 532.259 pardos e 12.348
indígenas, o que representou um aumento de 113%.

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É notável que tais políticas têm alcançando um impacto positivo, mas há ainda
um longo caminho a ser percorrido para que a meta do PNE seja alcançada, e mais
do que isso, para que possa-se atingir uma sociedade onde todos –
independentemente da cor, raça e classe social – tenham acesso à uma educação
pública e de qualidade.
Nesse contexto, de luta por inclusão, diversos cursinhos pré-vestibulares
alternativos e populares têm trabalhado para que “pessoas historicamente
desfavorecidas” (afrodescendentes e pobres) tenham a oportunidade de ingressar em
uma universidade – principalmente pública. O papel social desempenhado por tais
cursinhos está, atualmente, intimamente ligado à questão das cotas em IFES, visto
que o público alvo destes cursinhos são alunos que estudam ou estudaram
integralmente em escolas da rede pública, e que usam do sistema de cotas e o SISU
para ingressarem no ensino superior.
Embora atualmente este seja o público alvo e objetivo dos cursinhos, a história
de sua gênese é um pouco diferente, tendo início na década de 1950. Nessa década,
a “Lei Orgânica” era o ponto norteador da Educação e muito se discutia acerca dos
caminhos educacionais do país. Como pontua Werebe (1994) e Sposito (1984), a
década de 50 foi marcada pela expansão ocorrida na rede secundária de ensino –
graças às pressões populares – o que possibilitou um aumento na heterogeneidade
dos alunos, até então representada amplamente pela pequena burguesia. Aliado a
isso, temos um crescimento urbano da época que teria modificado as reinvindicações
da classe média, que passou a perceber, de maneira mais direta, a “relação entre o
seus status e conhecimento” (XAVIER, 2002).
Assim, nesse cenário, surgem os primeiros cursinhos pré-vestibulares
alternativos: o cursinho do Grêmio dos alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo (USP), e o Curso Politécnico da Escola
Politécnica (POLI) - da mesma universidade (BACCHETTO, 2003). Cabe destacar,
como definido por Bacchetto (2003), que esta pesquisa entende por cursinho pré-

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vestibular “alternativo” iniciativas sem fins lucrativos, que trabalham com uma camada
da população menos favorecida, mas que ainda exigem valores que são utilizados
para cobrir despesas como pagamento de professores, apostilas, etc. Dessa forma,
ambos os cursinhos citados se enquadram como alternativos por cobrarem
mensalidades, e surgem com o propósito de auxiliar estudantes egressos do ensino
médio a ingressaram na universidade.
Com o movimento de redemocratização, concretizado com a nova República a
partir de 1985, novas experiências para os cursinhos surgidos nas universidades
foram desenvolvidas, resultando nos chamados “cursinhos populares”. Estes
cursinhos, diferentes dos alternativos, ofereceram cursos totalmente gratuitos, e
segundo Castro (2005)

estes cursinhos são fruto das ações políticas de atores engajados em projetos
e mobilizações cujo eixo é a transformação social da realidade por meio do
incentivo e da preparação das classes populares para o ingresso no ensino
superior gratuito (p.53).

Desde então, diversas iniciativas ocorreram em todo o país, e não mais ligadas
– necessariamente – às universidades, uma vez que passaram a ser organizadas por
diferentes agentes sociais, como movimentos negro, estudantil, sindical, igreja e
organizações não governamentais (ONGs). Nos anos 2000, os cursinhos populares
começaram a participar ativamente das políticas públicas educacionais voltadas à
garantia de acesso à educação superior, reivindicando, por exemplo, cotas raciais e
sociais em universidades públicas (ALMEIDA, 2016). Ainda, segundo Alexandre do
Nascimento (2012), que analisou o Pré-vestibular para Negros e Carentes – PVNC no
Rio de Janeiro, as políticas de cotas e outras políticas de acesso e permanência de
negros e indígenas foram resultados de pressão exercida pelo movimento negro e
pelos movimentos de cursinhos.
Dessa forma, objetivamos com este trabalho analisar de que maneira os cursos
pré-vestibulares populares da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar - SP),

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têm contribuído com a inclusão de alunos egressos da rede pública em cursos de


ensino superior pelo país.

1. Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa – recorte de uma pesquisa mais ampla – foi fundamentada


por uma abordagem qualitativa. Para tanto, consultas em motores de buscas foram
realizadas nos diretórios das Universidade Federal de São Carlos, bem como o site
da Pró-reitoria de extensão e redes sociais – visto que alguns dos cursinhos
pesquisados apresentaram como única fonte de divulgação de editais as páginas de
Facebook.
As buscas foram realizadas utilizando-se de “palavras-chaves” para definir os
resultados e identificar todos os projetos/programas de cursinho da Universidade. Os
termos usados foram: “cursinho”; “cursinho alternativo”; “pré-vestibular alternativo”;
“preparatório para o vestibular” e “preparatório para o ENEM”. Ferramentas de
pesquisa, como os operadores booleanos (palavras que informam ao sistema de
busca como combinar os termos), também foram utilizados para aumentar a precisão
da busca.
Cabe ressaltar, que a escolha pela pesquisa documental se deve ao
entendimento de que a mesma é um procedimento metodológico decisivo em ciências
humanas e sociais, visto que se apresenta como um método de escolha e de
verificação de dados, o que possibilita o acesso às fontes pertinentes da investigação
(SÁ-SILVA et al, 2009).

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2. Políticas de Extensão Universitária: papel social das universidades

No Brasil, as políticas de extensão universitária são estabelecidas pelo “Fórum


de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras” - FORPROEX.
Trata-se de uma iniciativa preocupada com a transformação da Universidade Pública,
“de forma a torná-la um instrumento de mudança social em direção à justiça, à
solidariedade e à democracia” (FORPROEX, 2012, p.4). Conforme analisa Casadei
(2016), o documento remete a uma forte ligação entre a função da extensão
universitária e as demandas por justiça social, visto que a palavra “justiça” aparece
ainda em outras ocasiões no documento. Outro ponto central, segundo a autora, é
que o documento vincula as demandas por justiça à busca por direitos.
O documento traz uma série de conceitos, princípios, diretrizes e objetivos que
constituem uma referência nacional para o debate sobre a Extensão Universitária e
sua (re) construção e aprimoramento contínuos. Dentre os objetivos – dos quais
muitos foram formalizados no Plano Nacional de Extensão Universitária, de 1999 –
destacamos:

1. reafirmar a Extensão Universitária como processo acadêmico definido e


efetivado em função das exigências da realidade, além de indispensável
na formação do estudante, na qualificação do professor e no intercâmbio
com a sociedade;
2. conquistar o reconhecimento, por parte do Poder Público e da sociedade
brasileira, da Extensão Universitária como dimensão relevante da atuação
universitária, integrada a uma nova concepção de Universidade Pública e
de seu projeto político-institucional;
3. contribuir para que a Extensão Universitária seja parte da solução dos
grandes problemas sociais do País;
5. estimular atividades de Extensão cujo desenvolvimento implique relações
multi, inter e ou transdisciplinares e interprofissionais de setores da
Universidade e da sociedade;
6. criar condições para a participação da Universidade na elaboração das
políticas públicas voltadas para a maioria da população, bem como para
que ela se constitua como organismo legítimo para acompanhar e avaliar
a implantação das mesmas;
9. priorizar práticas voltadas para o atendimento de necessidades sociais (por
exemplo, habitação, produção de alimentos, geração de emprego,
redistribuição da renda), relacionadas com as áreas de Comunicação,

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Cultura, Direitos Humanos e Justiça, Educação, Meio Ambiente, Saúde,


Tecnologia e Produção, Trabalho (FORPROEX, 2012, p.5).

Os objetivos listados demonstram claramente que a Extensão Universitária é


um complexo multidimensional, que busca a transformação social por meio de vários
aspectos e dimensões diferentes. Nesse sentido, o diálogo entre universidade e
comunidade pode ser entendido como um dos pilares da extensão universitária, uma
vez que muito pode contribuir para o fortalecimento da identidade cultural, da redução
das diferenças e da preservação dos direitos humanos e o aperfeiçoamento
democrático. Sem a interação dialógica, permitida pelas atividades extensionistas, a
Universidade corre o risco de ficar isolada dos problemas sociais e incapaz de
contribuir para melhor desenvolvimento da sociedade.
Posto isso é fundamental ter clareza de que não é apenas sobre a sociedade
que se almeja produzir impacto e transformação com a Extensão Universitária (DEUS;
HENRIQUES, 2017). Segundo os autores, a própria Universidade Pública, enquanto
parte da sociedade, também deve sofrer impacto, ser transformada. Nara Grivot
Cabral (2012), em sua tese de doutorado, também defende a ideia de que a
universidade esteja aberta às transformações de seu tempo, o que permite a mesma
redefinir os seus rumos e os seus processos de produção, bem como os de
organização e de socialização do conhecimento.
Entretanto, para que efetivamente se cumpram tais papeis sociais, a
universidade, em seu interior, deve admitir que apoiar as diversas ações de extensão
que atuam junto aos diferentes movimentos sociais e culturais é compromisso
institucional e parte do fazer acadêmico, ou seja, da formação dos futuros profissionais
(DEUS; HENRIQUES, 2017). A extensão universitária deve, portanto, estar voltada
para atender as demandas sociais, principalmente das populações que historicamente
encontram-se marginalizados deste espaço de ensino e pesquisa, que a universidade
busca representar.

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Nesse sentido, os cursinhos populares ligados às universidades, por meio de


seus projetos de extensão, propõem-se a oferecer um espaço privilegiado de
formação. O contato dos estudantes com universitários, pós-graduandos e até mesmo
docentes das Universidades, constitui um ambiente rico em vivências e trocas de
ideias que aproxima estes alunos da realidade acadêmica e do sonho de ingressar no
ensino superior.

3. Os cursinhos populares da Universidades Federal de São Carlos - estado de


São Paulo

O levantamento realizado permitiu identificar 04 núcleos de cursinhos


populares vinculados diretamente UFSCar. Cabe ressaltar que o termo “núcleo”
utilizado nesta pesquisa refere-se às unidades de atuação dos cursinhos, visto que
algumas iniciativas possuem “desdobramentos” que atuam em diferentes cidades,
mas estão cadastradas e/ou identificadas oficialmente com um único nome.
Dentre as universidades do estado, somente a UFSCAR é responsável por 4
núcleos de extensão de cursinhos pré-vestibular. De acordo com informações
encontradas nas páginas de cada cursinho, têm-se atualmente mais de 820 vagas
sendo ofertadas (Quadro 1).

Quadro 1 – Informações sobre os cursinhos da Universidade Federal de São Carlos


– 2018
CURSINHO LOCAL ANO DE FUNDAÇÃO VAGAS VALOR DA
MENSALIDADE
Cursinho Lagoa do Sino 2016 120 Não possui
Popular
Carolina Maria
de Jesus

Curso pré- Sorocaba 2009 100 Não possui


vestibular
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educação e
cidadania

Curso pré- Araras 2011 280 R$20 somente


universitário para a matrícula
popular
UFSCurso

Cursinho pré- São Carlos 1999 326 R$30,00 para a


vestibular da matrícula +
UFSCAR R$45,00*

Total de vagas 826


* Esse valor é apenas para candidatos aprovados por critérios socioeconômicos. Para os que não se
enquadram nesses critérios o valor é de R$90,00 ao mês

Na UFSCar, todos os 4 campus – Araras, São Carlos, Sorocaba e Lagoa do


Sino - possuem cursinhos populares. O cursinho mais antigo é o do campus de São
Carlos, fundado em 1999 pela administração central da UFSCar, como parte de um
Programa de Democratização de Acesso à UFSCar. O cursinho é oferecido pelo
Núcleo UFSCar-Escola/ProEx, e funciona como um projeto de extensão, sem fins
lucrativos, que é administrado por estudantes de graduação e de pós-graduação e por
uma professora desta universidade (CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR UFSCAR, 2018).
Em seu último processo seletivo (2018), foram oferecidas 246 vagas
(distribuídas em 4 turmas) para o Curso Extensivo e 80 vagas para outra modalidade
de curso (distribuídas em 2 turmas), totalizando, portanto, 326 vagas. Embora seja um
número considerável de vagas, parece ainda não ser o suficiente para suprir a alta
demanda da cidade e/ou região, visto que no mesmo ano foram registrados 930
candidatos (as) no processo seletivo para o ano letivo de 2018.
Diferentemente dos outros 3 cursinhos da UFSCar, este do campus de
Sorocaba é o único que cobra um valor de mensalidade. Comparado aos cursinhos
comerciais é um valor irrisório – visto que alguns chegam a cobrar até um salário
mínimo -, entretanto, como elucidado anteriormente, entendemos que por este motivo
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o mesmo não se enquadra como um cursinho popular, e sim alternativo. Além disso,
esse cursinho também se diferencia dos demais quanto ao seu público alvo, uma vez
que uma das turmas é destinada apenas a pessoas maiores de 18 anos de idade. O
“curso introdutório” é voltado as pessoas que trabalham e possuem pouco ou nenhum
tempo para estudar em casa, para os que já concluíram o Ensino Médio há alguns
anos e desejam voltar a estudar e, também, para aqueles que concluíram apenas o
Ensino Fundamental e desejam se preparar para a prova do ENCCEJA (Exame para
Certificação de Competências de Jovens e Adultos) para obtenção da certificação do
Ensino Médio.
Seu processo seletivo é composto por duas etapas: avaliação socioeconômica
e avaliação de conhecimentos e habilidades, que depende da realização da prova de
habilidades e conceitos básicos. Chama atenção, nesse processo de seleção, que ao
contrário de muitos cursinhos que utilizam (quando utilizam) a avaliação
socioeconômica em segunda etapa - apenas como critério classificatório -, o cursinho
de São Carlos apresenta o processo “inverso”: a análise socioeconômica é uma fase
eliminatória, e a de conhecimentos gerais, classificatória. Segundo o manual do
candidato:
Esta etapa é eliminatória, ou seja, a partir da pontuação obtida no
questionário são definidos quais são as/os candidatas/os que se enquadram
no perfil socioeconômico priorizado pelo Cursinho. Consideramos público-
alvo aquelas pessoas que apresentam maior dificuldade de acesso às
universidades públicas, em função de condições socioeconômicas que
impossibilitem o pagamento de um cursinho particular, tendo prioridade
aquelas pessoas que apresentam maior potencial de serem alvo de
discriminação social ou econômica (CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR
UFSCAR, 2018, p.8).

A prova de habilidades e conceitos básicos é composta de 35 questões de


múltipla escolha, onde a nota desta será considerada apenas para os candidatos
aprovados na seleção socioeconômica. O critério de seleção final depende do curso
em que o candidato se inscreveu, sendo que para o curso regular extensivo, depois
de realizada a avaliação socioeconômica, os aprovados são classificados em ordem

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decrescente, de acordo com nota da prova de habilidades e conceitos básicos. Já


para o curso introdutório, a nota da prova não interfere na seleção, visto que a
classificação final é feita por critérios diferentes, como idade e tempo de conclusão do
Ensino Médio ou do Ensino Fundamental e trabalho. Segundo esse critério, quanto
maior a idade, maiores as chances de obtenção de vaga no curso.
Por sua vez, o “Curso Pré-Vestibular Educação e Cidadania”, projeto de
extensão organizado por alunos voluntários da UFSCar Sorocaba, desenvolve
atividades desde 2009. Seu processo seletivo também é composto por duas fases:
avaliação socioeconômico e entrevista com os candidatos, não havendo, portanto,
prova de conhecimentos gerais. Atualmente, o cursinho oferece 100 vagas,
distribuídas em duas turmas com 50 alunos cada. Segundo o próprio cursinho, sua
taxa de aprovação é de aproximadamente 50%.
No campus de Araras, é o “UFSCURSO” que representa os curso pré-
vestibular da Universidade. O curso oferece 3 turmas, sendo uma no período matutino,
de segunda à sexta-feira, outra noturna, também de segunda à sexta-feira e uma de
período integral, com aulas apenas aos sábados. Ao todo são 280 vagas voltadas
para estudantes e concluintes do 3º ano do Ensino Médio. Estudantes do 2º ano do
Ensino Médio também podem se candidatar, desde que haja disponibilidade de vagas,
após classificação final dos alunos e concluintes do 3º ano. Assim como o cursinho de
São Carlos, esse cursinho possui como “público-alvo aqueles cujas condições
socioeconômicas implicam histórico de exclusão social, baixa-renda e,
principalmente, dificuldade de acesso a universidades públicas” (Manual do
Candidato, UFSCar - Araras, 2018 p.1).
Para o processo seletivo, há a existência de um questionário socioeconômico -
preenchido e entregue no ato da inscrição-, que possui caráter eliminatório, e uma
prova. A prova consiste em uma redação dissertativa-argumentativa e 22 questões,
sendo 11 (onze) questões de múltipla escolha e 11 (onze) questões abertas,
abordando todas as disciplinas do ENEM. De acordo com o edital, a redação assumirá

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caráter eliminatório apenas para os que fugirem do tema proposto ou entregarem a


prova em branco, assumindo caráter classificatório para todos os demais candidatos.
Já o cursinho popular “Carolina Maria de Jesus” - do campus Lagoa do Sino, é
o cursinho mais novo, sendo fundado em 2016. Assim como os demais, é um projeto
de extensão da Universidade Federal de São Carlos. Esse projeto, entretanto,
destaca-se dos demais por estar localizada na região do estado de São Paulo
conhecida como "Ramal da Fome", pois possui os menores índices de IDH do estado.
Seus fundadores, por entenderem que um dos pilares da faculdade é o compromisso
de auxiliar no desenvolvimento da região, oferecem desde o primeiro ano uma
educação gratuita e de qualidade. Para tanto, segundo um dos organizadores,
diversas reuniões com as prefeituras foram realizadas com o objetivo de assegurar a
garantia de gratuidade e qualidade. As prefeituras de Angatuba e Buri, que se
encontram distantes, fornecem o transporte, e a prefeitura de Campina do Monte
Alegre fornece a alimentação. Tal escopo se deu com o desenvolvimento do cursinho,
a cada ano nossas parcerias se fortalecem.
O cursinho foi idealizado por um grupo de dois servidores técnicos
administrativos (TA) e 2 discentes do curso de engenharia ambiental. Apesar da
participação de um docente coordenando o projeto, nos dois primeiros anos, isso só
se deu em razão de a Universidade não aceitar que técnicos administrativos
coordenassem projetos de extensão. Atualmente, o cursinho conta com 85 membros
divididos entre pessoas externas, TAs, poucos docentes e, principalmente, discentes.
São oferecidas 120 vagas por ano, distribuídas em 3 turmas. Apesar das aulas
ocorrerem na cidade de Campina do Monte Alegre, existem uma turma para cada
cidade, Buri e Angatuba. O processo seletivo se baseia numa avaliação
socioeconômica, onde pessoas com maior vulnerabilidade social têm preferência.

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4. Resultados e Discussão

Quando os cursinhos foram instituídos no âmbito da universidade pública na


década de 1990, a preocupação não era com a reprodução dos conteúdos exigidos
pelos vestibulares ou em reproduzir os “aulões”, espetáculos dos cursinhos comerciais
que ainda estimulam a competição entre os estudantes para garantir uma vaga no
Ensino Superior, mas com o papel de educar.
Dessa maneira, a relação da universidade com a sociedade ganha importância
como um todo, desde mudanças na formação dos estudantes que passam a envolver-
se em atividades de extensão passando pelas novas práticas adotadas pelos
professores e do contato com as comunidades tornando a universidade mais presente
na sociedade.
Os pré-vestibulares da Universidade Federal de São Carlos, têm mantido nos
últimos anos uma média de aprovação de 25 a 30% (dos alunos que cursam até o
final do ano letivo) em vestibulares em universidades públicas (JUSTI, 2017). Se
comparado à grandes cursinhos comerciais que existem, é uma porcentagem
bastante tímida, entretanto, dado as condições de infraestrutura, investimento e
ausência de tempo de muitos alunos, verifica-se um crescente sucesso.
Tal como a política de cotas, os cursinhos populares têm lutado pela
democratização do acesso ao ensino superior, buscando um debate sobre o próprio
sistema de ensino, pois sua progressiva universalização ainda contrasta com a
qualidade do ensino ofertado à juventude brasileira. Nesse sentido, os cursinhos da
UFSCar têm garantido ao longo dos anos que alunos de classes populares possuam
a oportunidade de ter acesso à uma educação de qualidade, fundamental para
disputar e almejar o sonho do ensino superior.

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DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DO ESTADO DA BAHIA: O


TRABALHO DO PROFISSIONAL “CO-ENSINO” COM A CRIANÇA AUTISTA

Lara Maria Bacelar Santos*


Lílian Moreira Cruz**

Resumo
Este artigo é resultado de uma análise das Diretrizes para Educação Inclusiva da
Bahia, documento aprovado no ano de 2017. O estudo se dá especificamente sobre
o papel do profissional denominado de “co-ensino” ou “apoio escolar”, responsável
por “cuidar” da criança autista. Para que as Diretrizes se tornem concretas nas escolas
do estado Bahia é necessário que haja bom senso e supervisão por parte da gestão
escolar, assegurando não só os direitos e atribuições deste Profissional, mas de
outros que atendem o aluno público alvo da Educação Inclusiva, para que assim
também, o processo de ensino-aprendizagem seja eficaz. Espera-se que este
presente artigo auxilie os profissionais da área da educação na compreensão do seu
significativo papel no desenvolvimento das crianças autistas.

Palavras-chave: Autismo. Escola. Inclusão.

Introdução

O presente artigo apresenta reflexões a partir das Diretrizes da Educação


Inclusiva do Estado da Bahia sobre o papel do co-ensino relacionando com minha
experiência na área, atuando com uma criança autista do nível moderado que está no
quarto ano do Ensino Fundamental I, em uma escola regular. Diante das dúvidas de

* Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. E-mail:


larambacelar1@gmail.com
** Mestra em Educação. Especialista em Educação Infantil. Professora assistente no Departamento de Ciências da

Educação – DCIE, na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus – BA. Pedagoga. E-mail:
lmcruz@uesc.br
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como deve ocorrer à atuação do profissional co-ensino, surgiu à necessidade de fazer


uma pesquisa no documento citado anteriormente, visando conhecer e analisar os
requisitos necessários ao acompanhamento pedagógico em sala de aula regular e o
papel do co-ensino.
As Diretrizes da Educação Inclusiva para pessoas com Deficiências,
Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação no
Estado da Bahia se deu pela necessidade do avanço de uma educação para todos,
principalmente para o público alvo da Educação Inclusiva, norteando a prática
pedagógica dos professores da rede estadual, mas que pode nortear também as
outras redes de ensino. Sua construção teve início em 2014, visto a necessidade dos
profissionais da área de sistematizar as suas práticas dirigidas para o público da
Educação Especial e Inclusiva, bem como servir como base para o planejamento de
escolas que visem a diversidade. O lançamento do documento ocorreu em julho de
2017.
Este artigo busca mostrar o perfil deste profissional e atribuições específicas, e
o Projeto de Lei aprovado nº 8014/2010, em 12 de março de 2014, o qual regulariza
que as escolas regulares têm o dever oferecer “Cuidador” quando o aluno com
deficiência ou Transtornos Globais do Desenvolvimento - TGD necessita de
atendimento individualizado, profissão essa também conhecida como Co-ensino ou
Profissional de Apoio Escolar. O objetivo deste trabalho é analisar o papel do
cuidadores/apoio escolar no acompanhamento de crianças autistas na escola regular
de ensino.

1. Você sabe o que é autismo?

O autismo mesmo para quem ainda não o conhece não passa despercebido
em qualquer nível que a criança tenha. Por falta de conhecimento de pais, familiares

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e outras pessoas, esta pode ser vista como “desobediente”, antissocial e “incapaz” de
se desenvolver. Então o que seria autismo? Klin (2006) diz que o autismo,

também conhecido como transtorno autistico, autismo da infância,


autismo infantil e autismo infantil precoce, é o TID mais conhecido.
Nessa condição, existe um marcado e permanente prejuízo na
interação social, alterações da comunicação e padrões limitados ou
estereotipados de comportamentos e interesses. As anormalidades no
funcionamento em cada uma dessas áreas devem estar presentes em
torno dos três anos de idade (p. 4).

Este transtorno surgiu com os estudos de Kanner, em 1943 que durante suas
observações descreveu 11 casos em que denominou distúrbios autísticos do contato
afetivos. Nos quais as pessoas tinham a incapacidade em se relacionar desde o
nascimento. Segundo Klin (2006),

Kanner também observou respostas incomuns ao ambiente, que


incluíam maneirismos motores estereotipados, resistência à mudança
ou insistência na monotonia, bem como aspectos não-usuais das
habilidades de comunicação da criança, tais como a inversão dos
pronomes e a tendência ao eco na linguagem (ecolalia) (p. 4).

Kanner observou cuidadosamente essa estereotipia relacionada a interação,


pois em países Europeus e na América Latina, costumava-se a culpar a mãe por tal
comportamento, sendo até chamada de “mãe geladeira”, ou seja, associavam a falta
de interação das crianças a falta de afetividade das mães. Algo que diante a estudos
comportamentais sobre o autismo essa hipótese foi derrubada.
O transtorno autístico pode ser classificado de acordo com seus graus: leve,
moderado ou severo. Para servir de suporte como diagnóstico do autismo no Brasil
utiliza-se dois manuais, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais -
DSM-5 e a Classificação Internacional de Doenças CID - 10. Segundo Rudy (2018),

Então, em maio de 2013, o DSM-5 foi publicado. O DSM-5, ao contrário


do DSM-IV, define o autismo como um único transtorno do espectro,
com um conjunto de critérios que descrevem sintomas nas áreas de
comunicação social, comportamento, flexibilidade e sensibilidade
sensorial (p. 80).
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Desta maneira, o Transtorno do Espectro do Autismo - TEA pode ser medido


de acordo com sua gravidade, sem subtítulos para seu diagnóstico. Os critérios
descritos auxiliam no diagnóstico. A autora também destaca os níveis de autismo e os
níveis de suporte:
Nível 3: severo: “Necessitam de maior suporte/apoio”
 Os déficits severos nas habilidades de comunicação social verbal e não-
verbal causam graves prejuízos no funcionamento, iniciação muito limitada de
interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais de outros;
 Extrema dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos
restritos / repetitivos interfere de maneira marcante no funcionamento de todas
as esferas;
 Grande aflição / dificuldade mudando o foco ou a ação.

Nível 2: moderado: “Necessitam de suporte”


 Déficits acentuados nas habilidades de comunicação social verbal e não-
verbal;
 Mesmo com suportes há iniciação limitada de interações sociaise respostas
reduzidas ou anormais a aberturas sociais de outros;
 Dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos /
repetitivos aparece com frequência suficiente para serem óbvios para o
observador casual e interferir no funcionamento em uma variedade de
contextos;
 Aflição e / ou dificuldade de mudar de foco ou ação.

Nível 1: leve “Necessita de pouco suporte”


 Sem suportes, os déficits na comunicação social causam prejuízos
perceptíveis.

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 Dificuldade em iniciar interações sociais e exemplos claros de respostas


atípicas ou malsucedidas às aberturas sociais de outros.
 Pode parecer ter diminuído o interesse em interações sociais.
 Dificuldade de alternar entre atividades.
 Problemas de organização e planejamento dificultam a independência.

É de suma importância entender que crianças com TEA não tem as mesmas
estereotipias, mesmo sendo o espectro do mesmo nível. Ou seja, os “sintomas”
apresentam-se diferente de criança para criança. No capítulo V (F80 a 89) da CID-10,
o TEA ganha subtítulos, pois trata-se de transtornos mentais e comportamentais,
como:
 o autismo infantil (F84-0);
 o autismo atípico (F84-1);
 a síndrome de Rett (F84-2);
 a síndrome de Asperger (F84-5);
 o transtorno desintegrativo da infância (F84-3); e
 o transtorno geral do desenvolvimento não especificado (F84-9).

Diante disso, Brasil (2014) diz que

nota-se que, nessa mesma classificação, se encontram problemas no


desenvolvimento de fala e linguagem (F-80), no desenvolvimento das
habilidades escolares (F-81) e no desenvolvimento motor (F-82), que
compõem uma classificação geral dos problemas do desenvolvimento.

Desta forma, mesmo estando dentre os transtornos globais do


desenvolvimento, a síndrome de Rett não é um transtorno do espectro autístico, já
que tem suas características singulares e esta enquadrada como genético e
comportamental.

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2. Sobre minha experiência...

Enquanto estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade


de Santa Cruz, estava determinada, desde meu egresso do Instituto Federal de Santa
Catarina, em qual área pedagógica queria atuar. Minha prática como co-ensino
iniciou-se quando fui chamada para cuidar de uma criança com transtorno autístico
do nível moderado em uma escola regular de ensino, que está no Ensino Fundamental
I. Apesar dos desafios da integração desta criança à escola, não foi algo assustador
como pensei que seria mesmo essa criança tendo a estereotipia de pôr a mão na boca
persistentemente, não socializar igual os demais ou ter repulsas por fazer atividade,
dentre outros comportamentos principalmente relacionados à higiene.
Com isso, me debrucei em pesquisas sobre o autismo, provoquei diálogo com
quem tinha experiência sobre o assunto e comecei a observar o comportamento da
criança para analisar de que forma eu poderia interferir para que ela pudesse ter uma
melhor aprendizagem, higiene, e respondesse meus comandos com o intuito de
socializar (oralmente) melhor. Então, desenvolvi com ela o frequente hábito da rotina
por dias da semana, o mesmo melhorou muito em relação ao interesse por fazer as
atividades, ir ao banheiro para cuidar da higiene antes do lanche e saber esperar o
momento adequado de cada uma das atividades.
Meu diálogo com ela era bem claro, com comandos sucintos e breves, o que
melhorou a oralidade dela, até fui elogiada por um de seus colegas de classe, este
momento senti que meu trabalho estava dando certo. Em relação à higiene e ao hábito
de pôr a mão na boca insistentemente, desenvolvi com ela o costume de lavar o rosto
e as mãos mais ou menos a cada 2 horas, para mantê-los limpos de saliva, pois
percebi que os colegas afastavam-se dela por causa dessa estereotipia. Ainda para
aumentar sua higiene, colei na porta do banheiro um passo a passo ilustrativo do que
ela deveria fazer para usá-lo de forma adequada, algo que não foi muito difícil para
ela aprender.

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A realização das atividades por mais que ela respeite a rotina é um desafio, sua
atenção se desprende rapidamente com objetos que instigue suas estereotipias, então
eu pegava o objeto e prometia entregá-lo após a realização da atividade, isso fazia
com que ela tivesse mais interesse em realizá-la. Porém, nem todos os objetos podem
ser entregues a ela, deixando-a irritada, provocando o que caracteriza um “crise”
(choros e gritos). A calma por parte do cuidador é essencial neste momento, e a
criança necessita disso, olhar nos olhos e comandos breves para que perceba a
atenção, assim acaba acalmando-se e voltando a fazer a atividade anterior. Isso não
acontece sempre, mas na escola há uma psicóloga que ajuda em meu trabalho. A
psicóloga não só faz atendimento aos alunos, mas também para as cuidadoras,
melhorando nossa prática e nosso emocional.
Esta crinça ainda está iniciando o processo de alfabetização, já domina a
escrita de seu nome e pequenas palavras, reconhecendo letras do alfabeto e sílabas.
Para que seja alfabetizada está sendo atendida por uma psicopedagoga
alfabetizadora, a presença deste profissional na escola a torna um local mais inclusivo
para a criança. Esta profissional desenvolve não só o cognitivo, mas o motor, físico,
social e cognitivo.
Mesmo aperfeiçoando minha prática com a observação, diálogos e pesquisas,
ainda tenho dúvidas quanto a atribuição da minha prática profissional. O que posso
fazer para melhorar a qualidade de aprendizagem e cuidados do meu aluno? O que a
escola pode fazer para me ajudar? O que posso fazer para ajudá-la também? Então,
a professora Lílian Moreira Cruz, em sua disciplina Educação Especial e Inclusiva, do
curso de Licenciatura em Pedagogia da UESC me apresentou as Diretrizes da
Educação Inclusiva para pessoas com Deficiências, Transtornos Globais do
Desenvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação no Estado da Bahia, assim
procurei sobre minha profissão. Encontrei o termo PROFISSIONAL DE APOIO
ESCOLAR, o que discutirei adiante.

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3. Qual o perfil do profissional de apoio escolar? Quais suas atribuições?

O Profissional de Apoio Escolar compreendido também como co-ensino, pode


atuar em escolas regular de ensino e outras instituições de ensino ou especializadas,
cuidando dos estudantes com deficiências e Transtornos Globais do Desenvolvimento
(TDG) que tem dificuldade de realizar atividades com autonomia. Com a aprovação
da Lei nº 8014/2010, em 12 de março de 2014 citada anteriormente neste trabalho,
este apoio deve ser individualizado, e é obrigatório a sua oferta na rede regular de
ensino. Para exercer tal função qual deve ser o perfil deste profissional? De acordo
com as Diretrizes da Educação Inclusiva no estado da Bahia, este profissional deve:
 ter, no mínimo, Ensino Médio completo e curso de qualificação para
Profissional de Apoio Escolar;

 ser, preferencialmente, do mesmo sexo do estudante a ser atendido. Caso


existam 02 (dois) estudantes de sexo diferentes, serão contratados também
dois profissionais para que atendam a demanda do sexo masculino e do
feminino;

 o profissional exercerá função administrativa para prestar auxílio


individualizado ao estudante com deficiência ou TGD.

Em relação à formação deste profissional, em sua maioria são contratados para


estagiários como apoio escolar, estudantes do Curso de Licenciatura em Pedagogia,
Psicologia ou Educação Física, por serem estudantes de cursos que não só prepara
para lidar com a aprendizagem, desenvolvimento psicomotor ou físico, mas também
comas deficiências ou TGD. Mas para atuar na área quais são atribuições específicas
desse profissional? Segundo o mesmo documento deve:

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 ter disponibilidade para participar dos cursos de formação promovidos pela


SEC para o exercício da função de Profissional de Apoio Escolar;
 auxiliar o estudante a fazer suas necessidades fisiológicas com os devidos
cuidados higiênicos, a alimentar-se, a vestir-se, a se deslocar pela instituição
educacional, entre outras;
 auxiliar em dificuldade comportamental em sala de aula e em outros
ambientes educacionais, promovendo o conforto e a segurança de todos e
evitando o isolamento do estudante;
 esclarecer ao estudante atendido e seus familiares sobre todos os
procedimentos que serão realizados nas necessidades fisiológicas e cuidados
higiênicos para consentimento destes. Será exigida da família a autorização
por escrito para realização dessas atividades. O documento de autorização
deve ser arquivado na pasta do estudante;
 orientar os funcionários responsáveis pela limpeza e serviços gerais da
unidade escolar para evitar deixar nos espaços de circulação objetos que
dificultem a locomoção dos estudantes ou ofereça riscos de acidentes;
 atuar de forma articulada com os professores da classe comum, da sala de
recursos multifuncionais e demais funcionários da unidade escolar, visando ao
desenvolvimento de um trabalho colaborativo.

Visto isso, nota-se que esta fora das atribuições deste profissional o apoio ao
aluno na realização de suas atividades de classe e/ou avaliativas (atividades
pedagógicas). Em suas observações sobre o profissional de apoio escolar, o
documento ressalva que “não poderão ser atribuídas ao Profissional de Apoio Escolar
responsabilidades de apoio pedagógico aos estudantes nem a substituição de
funcionários de serviços gerais da unidade escolar”. Ora, se esse profissional está
diretamente ligado aos cuidados do aluno dentro de uma instituição escolar, a
colaboração em suas atividades pedagógicas não é uma atribuição? Não, o apoio
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pedagógico deve ser oferecido Professor Mediador da Aprendizagem na Educação


Especial em conjunto com o Professor Regente ou o de Classe Comum, uma vez que
cabe aos envolvidos nela, planejar e avaliar à aprendizagem do aluno, favorecendo
seu desenvolvimento e comunicação.
Assim, torna-se imprescindível a leitura deste documento para o Profissional
de Apoio Escolar e os demais profissionais (professor, coordenador pedagógico e os
técnicos de Educação Especial) que trabalham na rede regular de ensino do estado
da Bahia. As atribuições de cada profissional devem ser seguidas de modo em que
favoreça o desenvolvimento e cuidados do aluno deficiente ou com TGD, sendo o
trabalho de cada profissional envolvido respeitado e supervisionado pela gestão das
instituições.

4. Para concluir...

A sistematização do papel do Profissional de Apoio Escolar neste documento


tornou-se de sua importância para eu poder compreender minha profissão, saber
quais são minhas atribuições. Espera-se que este presente artigo auxilie profissionais
que atuem nesta área e os demais profissionais da rede de ensino regular do estado
da Bahia, entender não só as atribuições do Profissional de Apoio Escolar, mas
também a importância do mesmo para a vida escolar dos alunos público alvo da
Educação Especial.
Tornar-se imprescindível a leitura do documento na íntegra também, e outras
bases legais que permeiam a Educação Especial, como a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, as Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (2005); Lei nº 10.098/2000 e da Lei nº 10.172/2001,
que assegura a acessibilidade aos alunos que apresentem necessidades

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educacionais especiais, acessibilidade essa que vai desde a adaptação arquitetônica


à curricular; entre outras bases legais.
Portanto, para que as Diretrizes da Educação Inclusiva do Estado da Bahia
torne-se concreta nas escolas do estado Bahia é necessário que haja bom senso e
supervisão por parte da gestão escolar, assegurando não só os direitos e atribuições
do Profissional de Apoio Escolar, mas de outros profissionais que atendem ao aluno
público alvo da Educação Inclusiva, para que assim também, o processo de ensino-
aprendizagem e os cuidados com o aluno sejam eficazes.

Referências
BAHIA, Secretaria de Educação. Diretrizes para Educação Inclusiva. Salvador,
2017. Disponível em: http://escolas.educacao.ba.gov.br/educacaoespecial1>.
Acesso em: 14 jun. 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da
Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) / Ministério da Saúde,
Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_pessoa
_autismo.pdf> Acessado em 28 de maio 2018.

_______. Projeto de Lei nº 8014/2010. Aprova Cuidador nas Escolas para Alunos
com Deficiência. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO-E-
CULTURA/438330-CAMARA-APROVA-CUIDADOR-NAS-ESCOLAS-PARA-
ALUNOS-COMDEFICIENCIA.html>. Acesso em: 28 maio 2018.

Critérios de diagnóstico DSM-5. Autism Speaks. Disponível em


<https://www.autismspeaks.org/what-autism/diagnosis/dsm-5-diagnostic-criteria>
Acessado em 28 maio 2018.

KLIN, Ami. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev. Bras.
Psiquiatra.São Paulo, 2006.

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RUDY, LJ. Making Sense of the 3 Levels of Autism. What Are the Levels of
Support Now Included in an Autism Diagnosis? Very Well. Disponível em
<https://www.verywell.com/what-are-the-three-levels-of-autism-260233> Acessado
em 28 de maio 2018.

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INCLUSÃO COMO MECANISMO DE CONSTITUIÇÃO DE ESPAÇO


PLURAL CAPAZ DE PROVOCAR MUDANÇAS NA LEITURA E COMPREENSÃO
DA REALIDADE

Elisabete Ap. Zambelo*


Juarez Tadeu de Paula Xavier
Meiriane Jordão da Silva

Resumo
Organizações nacionais e internacionais têm se preocupado de forma efetiva com a
educação, fato este que pode ser comprovado através de documentos desenvolvidos
pela a UNESCO que desenvolveu a Agenda 2030, uma agenda universal de educação
e pela ONU que elaborou o documento 17 objetivos para transformar nosso mundo.
No Brasil, foi elaborado o Plano Nacional de Educação - PNE, que tem como
prioridade diminuir as desigualdades sociais e assegurar a continuidade das políticas
educacionais nas esferas federal, estadual e municipal. Fazer uma reflexão e
investigar como a inclusão social e a educação podem ser realizadas em espaços
formais e informais são os objetivos deste artigo que se propõe a analisar a inclusão
como mecanismo de constituição de espaço plural. A inclusão como a pluralidade de
pontos de vista capaz de criar uma síntese criativa. Este estudo utilizou o método
comparativo com a pesquisa básica, descritiva, quantitativa, com a revisão
bibliográfica tendo como sujeitos a inclusão social e a educação. Através da
observação sistemática, verificou-se as influências da educação inclusiva e equitativa
que promove oportunidades de aprendizagem. A conclusão parcial da pesquisa em
curso aponta para a possibilidade de os dois espaços serem complementares no
processo de formação integral e cidadã.

Palavras-chave: Inclusão Social. Espaço Formal. Espaço Informal.

* Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) – UNESP, Bauru/SP. Brasil. E-mail:


elisabetezambelo@gmail.com
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Introdução

A comunidade internacional se preocupa com a educação e suas vertentes,


partindo para a ação através da elaboração de documentos que estabelecem metas
que propiciem o acesso e oportunidades de aprendizagem para todas as pessoas.
Prova disso, é o documento elaborado no Fórum Mundial de Educação 2015, em
Incheon, na Coreia do Sul:

Todas as faixas etárias, inclusive os adultos, deveriam ter oportunidades de


aprender e de continuar a aprendizagem. Começando no nascimento, a
aprendizagem ao longo da vida para todos, em todos os contextos e para
todos os níveis educacionais, deveria estar embutida nos sistemas
educacionais por meio de estratégias e políticas institucionais, programas
adequadamente financiados e parcerias robustas em âmbitos local, regional,
nacional e internacional. Isso requer a oferta de caminhos de aprendizagem
e pontos de entrada e reingresso múltiplos e flexíveis para todas as idades,
em todos os níveis educacionais, laços mais fortes entre estruturas formais e
não formais, além do reconhecimento, validação e acreditação do
conhecimento, de habilidades e de competências adquiridas por meio da
educação não formal e informal. A educação ao longo da vida também inclui
o acesso equitativo e mais abrangente a uma educação técnica e profissional
de qualidade, assim como à educação superior e à pesquisa, com a devida
atenção à garantia da qualidade e relevância (UNESCO, 2015, p. 18).

No Brasil, a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece


prioridades nos diferentes níveis educacionais, que são desdobradas em 20 metas
que devem ser atingidas até 2024 (BRASIL,1998).
Porém isso só será possível se todos os agentes envolvidos neste processo
fizerem a sua parte. Tratar da educação não é algo fácil, envolve muita complexidade.
Em tempos de grandes transformações, a educação se faz presente e cada vez
mais necessária, portanto, é preciso repensar a mesma de uma forma inclusiva para
que todas as pessoas de fato tenham acesso a ela.
Esse acesso pode ocorrer por exemplo, criando-se ou identificando os espaços
de aprendizagens fora da escola nas cidades onde a inclusão e a educação ocorrem
simultaneamente.

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Prates (2015), faz uma afirmação muito interessante em relação aos espaços
da cidade e a escola:

Formar comunidade de aprendizagem pode ser ampliador de nossa


compreensão de educação, permitindo-nos reinventar a escola no mesmo
movimento que busca reinventar a cidade e nela a comunidade como lugares
de convivência, de diálogo, de aprendizagens permanentes na perspectiva
do aprofundamento da democracia e da afirmação das liberdades ( p. 12).

Sendo assim, identificar locais de aprendizagens fora da escola contribui para


a inclusão como mecanismo de constituição de espaço plural, espaços informais onde
o aprendizado ocorre de forma natural e sem as regras da educação formal.
Neste contexto, levanta-se então a seguinte questão: “como a inclusão social
como mecanismo de constituição de espaço plural pode provocar mudanças na leitura
e compreensão da realidade?”

1. Desigualdade e a questão social

As questões que envolvem a pobreza, desigualdade, exclusão e inclusão


social, são temas que constantemente são debatidos nas agendas internacionais. E
no Brasil, um país considerado emergente ou em desenvolvimento, há graves
problemas na educação.
Diversos autores analisam o quadro geral do estado em razão das mudanças
estruturais em âmbito global. Para muitos, não há mais como fechar os olhos para
estes temas tão presentes no dia-a-dia de grande parte dos cidadãos e cidadãs. Isso
se deve ao processo de globalização que integra os países econômica e socialmente.
A desigualdade social é grande e Milton Santos (2001), defende a ideia de que
a globalização pode ser entendida como fábula, perversidade ou possibilidade,
permite ver que a globalização/perversidade, o mundo tal como ele é, contém todos
esses temas que envolvem a desigualdade e a questão social:
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A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da


humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos
competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas
essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo
de globalização (SANTOS, 2001, p. 10).

Com foco no Brasil, pode-se acrescentar a preocupação com a educação de


qualidade que cada vez mais se torna inacessível a grande maioria dos jovens.
Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), elevar o número médio
de anos de estudo da população brasileira, está diretamente ligado aos avanços
conquistados na educação de jovens e adultos e a universalização da conclusão do
ensino fundamental (IPEA, 2010).
Esses temas necessitam cada vez de reflexões e debates, é necessário pensar
globalmente e agir localmente, buscando as especificidades de cada ambiente (país),
suas influências e os impactos que podem gerar, dando ênfase a realidade que pode
e precisa de uma intervenção mais efetiva.
Robert Castel (2013) destaca esse enfoque da intervenção, e diz que, a luta
contra a exclusão pode também ser vista pelo modo preventivo, com a intervenção
em fatores de desregulação da sociedade, dos processos de produção e da
distribuição das riquezas sociais. É possível construir uma sociedade mais justa onde
a conquista de uns não seja paga pela anulação de outros.

2. Educação do enfoque do individual para o social

Vive-se em um tempo de profundas transformações, no âmbito sócio-


econômico, político, tecnológico e cultural. A partir dessas transformações, a
informação e o conhecimento passaram a desempenhar um novo e estratégico papel.

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Castells (1999), enfatiza que a informação e o conhecimento sempre foram


importantes no crescimento da economia, e a evolução da tecnologia determinou em
grande parte a capacidade produtiva da sociedade, bem como os padrões de vida.
Efetivamente essas transformações permitiram o surgimento da era da
informação (período que se inicia no final do século XX que teve como foco a
integração mundial através das tecnologias).
Essas transformações afetam também a maneira pela qual se dão as relações
de aprendizagem, a educação passa a ser uma questão que necessita de uma
reflexão mais profunda neste cenário. E passa de um enfoque individual para o social.
A propósito disso, para Gadotti (2000):

A educação tradicional e a nova têm em comum a concepção da educação


como processo de desenvolvimento individual. Todavia, o traço mais original
da educação desse século é o deslocamento de enfoque do individual para o
social, para o político e para o ideológico (p.4).

Dessa forma, a educação passa a ser uma preocupação de governos e


políticos, buscando uma unificação ou padronização do ensino nos seus diversos
níveis.
Acrescenta ainda:

Como resultado, tem-se hoje uma grande uniformidade nos sistemas de


ensino. Pode-se dizer que hoje todos os sistemas educacionais contam com
uma estrutura básica muito parecida. No final do século XX, o fenômeno da
globalização deu novo impulso à ideia de uma educação igual para todos,
agora não como princípio de justiça social, mas apenas como parâmetro
curricular comum (GADOTTI, 2000, p. 5).

No cenário internacional a UNESCO desenvolveu a Agenda 2030 (uma agenda


universal de educação para o período de 2015 a 2030), única e renovada que procura
compreender a educação na sua totalidade e globalidade e que prima pelo acesso
aos estudos de todas as pessoas. Destaca-se:

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Garantir igualdade e inclusão na e ao longo da educação, além de lidar com


todas as formas de exclusão e marginalização, disparidades, vulnerabilidade
e desigualdade no acesso, na participação, na retenção e na conclusão,
assim como nos resultados da aprendizagem. Deve-se garantir uma
educação inclusiva para todos por meio do desenvolvimento e da
implementação de políticas públicas transformadoras que respondam à
diversidade e às necessidades dos alunos e que lidem com as múltiplas
formas de discriminação e com situações, inclusive emergenciais, que
impedem a realização do direito à educação (UNESCO, 2015, p. 8).

A ONU elaborou o documento 17 Objetivos para transformar nosso mundo. No


objetivo número 4 respeito a inclusão: “Assegurar a educação inclusiva e equitativa e
de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para
todos” (ONUBR, 2015).
No Brasil, foi desenvolvido o Plano Nacional de Educação (PNE) que busca a
eliminação das desigualdades. O “PNE deve ser a base para a elaboração dos planos
estaduais, distrital e municipais, que, ao serem aprovados em lei, devem prever
recursos orçamentários para a sua execução” (MEC/SASE, 2014, p. 5).
Em síntese, as preocupações sobre a educação se deslocam do enfoque
individual para o social, e estão voltadas para o futuro, onde muitos são os desafios,
porém com a articulação dos agentes envolvidos, ela pode ser inclusiva capaz de
provocar mudanças na leitura e compreensão da realidade.

3. Constituição de espaço plural

Com esse movimento em favor de uma nova educação, existe uma


necessidade premente de constituir novos espaços de aprendizagem.
Para Guará (20030, a aprendizagem ocorre também de outras formas, em
outros espaços:
A aprendizagem não acontece só na escola. Ela se constrói no cotidiano
familiar, com a televisão, na convivência com amigos, no jogo de futebol, nas
feiras ou nas festas da comunidade. Com a emergência de novos espaços

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de informação, da televisão à Internet, do clube às organizações sociais, os


educadores precisam atuar sobretudo como facilitadores da aprendizagem,
estimuladores do processo de busca e de investigação, mediadores da
construção de sentido para a aprendizagem (p. 44).

Neste contexto e considerando toda a complexidade da sociedade atual, é


preciso estudar a educação dentro e fora da escola.
O espaço plural vem ao encontro dessa nova realidade e também está de
acordo com o conceito de ecologia criativa. No Relatório de economia criativa
elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD) o conceito de ecologia criativa é descrito:

Em seu livro de 2009, intitulado Creative Ecologies, J. Howkins examina a


relação entre organismos e seu ambiente. Observando que várias espécies
diferentes vivem juntas em um ecossistema, ele enfatiza que a criatividade
depende de uma mistura de quatro condições ecológicas: diversidade,
mudança, aprendizado e adaptação. Ele descreve o lugar e o habitat corretos
para o nascimento de ideias, afirmando que a melhor maneira de aprender é
trabalhando com pessoas que sejam melhores e mais inteligentes do que
você. O argumento se inspira em novos princípios ecológicos para mostrar a
razão pela qual algumas ideias prosperam ou resultam em uma nova ecologia
de ideias, e outras acabam sendo deixadas de lado. Segundo Howkins, a
ecologia criativa é um nicho onde indivíduos criativos se expressam de uma
forma sistêmica e adaptativa, usando ideias para produzir ideias; outros
apoiam esse esforço mesmo quando não o compreendem (RELATÓRIO DE
ECONOMIA CRIATIVA, 2012, p. 19).

A Constituição de espaço plural, se faz presente em muitos lugares onde o


aprendizado é necessário. Esses espaços se formam ao se identificar pessoas com
interesses comuns, de forma natural e muitas vezes sem muitas pretensões. É a
educação sendo desenvolvida em todos os lugares, com a articulação de vários
setores.

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4. Espaços formais e informais

O aprendizado que ocorre nos espaços formais e informais tem algumas


diferenças, porém o propósito de aprender é o mesmo.
Se na escola (espaço formal), se aprende de forma organizada, disciplinada,
programada e sistematizada, nos espaços informais, o aprendizado se dá de forma
diferente.
No Relatório de economia criativa, é possível compreender a importância da
educação nesses diferentes espaços:

A economia criativa possui importantes relações com os sistemas


educacionais tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em
desenvolvimento. Nas escolas, o papel das artes na formação das atitudes e
comportamentos sociais das crianças é bastante reconhecido. Na educação
de adultos, existem muitas possibilidades para o uso do ensino da cultura e
das artes para aprimorar a compreensão da sociedade e de suas funções.
Existe uma relação de duas vias entre o sistema educacional e as indústrias
criativas. Por um lado, a educação e as instituições de treinamento são
responsáveis por formar indivíduos que tenham as habilidades e motivação
para se juntarem à mão de obra criativa. Por outro lado as indústrias criativas
oferecem os insumos artísticos e culturais necessários ao sistema
educacional para facilitar a educação dos alunos na sociedade em que vivem
e, no longo prazo, para construir uma população mais culturalmente
consciente (RELATÓRIO DE ECONOMIA CRIATIVA, 2012, p. 24).

Isso mostra as transformações que estão ocorrendo, e neste cenário, a


educação é afetada, bem como a escola. A educação e a forma de aprender muda a
partir do momento que os estudantes chegam a escola com outros interesses e mais
informados.
Para Cortella (2003, p.98), a educação ocorre em duas dimensões:

A educação no sentido ocasional, que é a educação vivencial, espontânea.


Onde ela está? Na vida. Estamos vivendo e aprendendo, em todos os lugares
e por todo o tempo. E existe outra forma de educação, no sentido intencional,
que é deliberado, proposital. Ela acontece na escola, nos meios de
comunicação, na família, nas ONGs.

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Cortella (2003) descreve ainda as vantagens e desvantagens dessas duas


dimensões. Na comparação direta é possível compreender esse processo:
 Na Educação Ocasional, as vantagens são: aprendizado de forma concreta,
útil, pragmática, significativa e de forma permanente. Desvantagens: é mais
lenta, as vezes simplória e as vezes experiente.
 Na Educação Intencional, as vantagens: é metódica, programada,
organizada, sistematizada, veloz. As desvantagens são: pouco estimulante,
artificial, únivoca e limitada.
No espaço formal ou no espaço informal, é possível obter um aprendizado
significativo e integral, em sintonia com os direitos cidadãos.

5. Mudança na leitura e compreensão da realidade

Essa pesquisa é fruto de uma observação em curso de espaços informais e


disruptivos que criam condições para que as pessoas possam intervir na sociedade.
As pessoas que têm acesso ao conhecimento consegue fazer uma leitura mais
profunda e compreender a realidade de forma diferente ao ponto de intervir no que se
apresenta como real.
Na Teoria de Aprendizagem Significativa:

Para os autores, basicamente, a ideia central de aprendizagem significativa


é uma reorganização clara da estrutura cognitiva, isto é, um processo pelo
qual uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante na
estrutura do conhecimento do estudante. A aprendizagem significativa é uma
tentativa de fornecer sentido ou estabelecer relações de modo não arbitrário
e substancial (não ao pé da letra) entre os novos conhecimentos e os
conceitos que existem no estudante (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN apud
PIVATTO, 2013, p.4).

Se na educação ocasional o aprendizado tem mais significado, é porque está


mais próximo da realidade de quem aprende. Sendo assim, um conceito que vem ao

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encontro dessa ideia é o da tecnologia social “conjunto de técnicas, metodologias


transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e
apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das
condições de vida” (ITS BRASIL, 2004, p. 1).
A tecnologia social incentiva o diálogo entre os saberes populares e
acadêmicos. O conhecimento que vem da experiência, do fazer. É a ferramenta que
agrega informação e conhecimento para mudar a realidade (ITS BRASIL, 2004). Isso
acontece de forma muito natural nos espaços informais, onde as pessoas se
encontram com um objetivo em comum e a partir daí ocorre um processo de ensino-
aprendizagem.

6. Quantitativos e qualitativos

O método utilizado para desenvolver este estudo foi o comparativo, visto que
foi realizada uma comparação entre os espaços formais e informais. Segundo Michel
(2015, p. 73), o método comparativo procede pela investigação de indivíduos, classes,
fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e similaridades entre eles.
Utilizou-se como suporte a pesquisa básica que para Silva (2005, p.20)
“objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem aplicação
prática prevista. Envolve verdades e interesses universais”.
A pesquisa é descritiva pois visa descrever as características dos espaços
formais e informais. Segundo Silva (2005, p. 21), a pesquisa descritiva explica “as
características de determinada população ou fenômeno ou estabelecimento de
relações entre variáveis”. A técnica utilizada foi a observação sistemática que

também recebe várias designações: estruturada, planejada, controlada.


Utiliza instrumentos para a coleta dos dados ou fenômenos observados.
Realiza-se em condições controladas, para responder a propósitos
preestabelecidos (LAKATOS, 2017, p. 211).

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Do ponto de vista de abordagem do problema é uma pesquisa quantitativa, pois


foram observados 04 espaços, sendo 02 formais e 02 informais e segundo Silva (2005,
p. 20), ela “considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em
números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las”.
Na revisão bibliográfica foi possível levantar dados que permeiam a inclusão
social e a educação. Segundo Michel (2015, p. 49), a revisão bibliográfica parte de
“leituras iniciais, que visam arregimentar informações, entender mais detalhadamente
o assunto, para auxiliar na proposição da pesquisa, definição de problemas e
objetivos”.

7. Resultados e Discussão

É importante identificar os espaços (quadro 1):

Quadro 1 – Identificação dos Espaços Formal e Informal


Espaço Formal Espaço Informal
A – Legião Mirim de Bauru/SP C – Projeto Formiguinha
B – Universidade Aberta da Terceira D – Casa do Hip Hop
Idade
Fonte: Elaborado pelos autores

Para facilitar a visualização, os resultados que serão apresentados a seguir


serão denominados pelas letras A, B, C e D.
Nos gráficos 2 e 3, é possível verificar a quantidade de pessoas que participam
no espaço formal A e B e no espaço informal C e D.

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Gráfico 2 – Participantes do Espaço Formal

Fonte: Elaborado pelos autores

Nos espaços formais é possível verificar que no espaço A são atendidas 500
pessoas (67%) e no espaço B são atendidas 250 pessoas (33%).

Gráfico 3 – Participantes do Espaço Informal

Fonte: Elaborado pelos autores

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Nos espaços informais verificou-se que no espaço C são atendidas 80 pessoas


(17%) e no espaço D são atendidas 400 pessoas (83%).
Nos gráficos 4 e 5 serão identificadas as pessoas que participam em ambos os
espaços (formal e informal), pelo gênero (sexo).

Gráfico 4 – Espaço formal – Sexo

Fonte: Elaborado pelos autores

Verifica-se no gráfico 4 que no espaço formal 550 pessoas são homens (73%)
e 200 são mulheres (27%).

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Gráfico 5 – Espaço informal - Sexo

Fonte: Elaborado pelos autores

Neste aspecto foi possível identificar apenas os participantes do espaço C, 25


são homens (25%) e 60 mulheres (75%). O espaço D não tem essa informação.
As faixas etárias predominantes nos espaços formais podem ser visualizadas
no gráfico 6.

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Gráfico 6 – Espaço formal – Faixa etária predominante

Fonte: Elaborado pelos autores

É possível verificar que no espaço A predomina a faixa etária entre 14 e 17


anos e no espaço B a predominância é acima de 40 anos.
No gráfico 7 apresenta-se a faixa etária predominante nos espaços informais.

Gráfico 7 – Espaço informal – Faixa etária predominante

Fonte: Elaborado pelos autores

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No espaço C a predominância da faixa etária é de 6 a 15 anos e no espaço D


de 10 a 15 anos.
Com relação ao segmento social ou universo cultural de cada espaço ambos
os formais apresentaram similaridades (gráfico 8).

Gráfico 8 – Espaço Formal – Segmento social

Fonte: Elaborado pelos autores

É possível constatar que em relação ao segmento social ambos os espaços


formais se encontram no universo da cultura, assistência social, inclusão social e
educação.
No espaço informal não é muito diferente, também há similaridades (gráfico 9).

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Gráfico 9 – Espaço Informal – Segmento social

Fonte: Elaborado pelos autores

O segmento social dos espaços informais também estão inseridos no universo


da cultura, assistência social, inclusão social e educação.
Dentro desse universo são oferecidas atividades como: cursos preparatórios e
inserção ao primeiro emprego, música, educação, prestação de serviços, aulas de
línguas, psicologia e terapia organizacional (no espaço formal). No espaço informal as
principais atividades são música, dança, educação, artesanato e prestação de
serviços.
Em relação a devolutiva social, que ações positivas os participantes desse
espaço fazem a partir do aprendizado, pouca coisa se difere, como apresentados nos
gráficos 10 e 11.

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Gráfico 10 – Espaço Formal – Devolutiva Social

Fonte: Elaborado pelos autores

Aprendizagem prática em empresas parceiras (34%), testemunho (33%) e


Multiplicador (33%) é o que predomina nos espaços formais. Entende-se por
testemunho o participante contar para outros sua experiência. Já multiplicador
transmite um aprendizado.

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Figura 11 – Espaço Informal – Devolutiva Social

Fonte: Elaborado pelos autores

Nos espaços informais não difere muito em relação aos espaços formais. A
única diferença é que os participantes desenvolvem alguma ação a partir do
aprendizado. Dar testemunho e ser multiplicador são similares ao espaço formal.

8. Considerações finais

Para finalizar, alguns pontos serão resgatados, a começar pela questão


levantada no início desse artigo: “como a inclusão social como mecanismo de
constituição de espaço plural pode provocar mudanças na leitura e compreensão da
realidade? Considerando que nos espaços (formal e informal) observados foi possível
constatar que a inclusão social é um elemento que provoca sim mudanças na leitura
e compreensão da realidade, pois os participantes a partir do aprendizado mudam sua
visão de mundo quando praticam o que aprenderam em outros espaços (empresas

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por exemplo) e além disso, dão testemunho e são multiplicadores (como apresentado
nos gráficos 10 e 11).
Em relação aos aspectos mundiais da educação, constatou-se que há uma
preocupação geral com o processo ensino-aprendizagem para este século XXI que
se inicia, sendo assim, toda e qualquer forma de atingir o ator principal desse processo
para que ele efetivamente aprenda e consolide seu conhecimento é bem vinda. É claro
que essa mudança de paradigma reflete diretamente na educação do Brasil, fato esse
que justifica o desenvolvimento do Plano Nacional de Educação (PNE).
Considerando que a anatomia do espaço formal é onde o processo de ensino-
aprendizagem ocorre de forma controlada e por sua vez com disciplina e regras
definidas e no espaço informal a anatomia que se desenha é onde esse processo
ocorre de forma mais significativa, podemos identificar os seguintes aspectos
comparativos entre os dois espaços:

Espaço Formal Espaço Informal


Estimula a regra e a disciplina Estimula o voluntariado
Ambiente controlado Ambiente agradável
Aprendizado metódico Aprendizado por meio de experiências
Aprendizado programado Aprendizado com base nas
necessidades
Aprendizado sistematizado Aprendizado por tentativa e erro
Estimula o individualismo Estimula o envolvimento e a cooperação
Ambiente autoritário Ambiente participativo

É importante salientar que um espaço não é melhor que o outro e nem mais
importante. Há uma necessidade de interação dinâmica dos dois espaços, formal e
informal, para a possibilidade de formação integral do estudante nos aspectos
epistemológicos (capacidade de leitura crítica do mundo), teóricos (capacidade de

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letramento nas disciplinas básicas da educação formal) e ético enquanto formação


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