Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Cleto Caliman
Só mais um site WordPress.com
Cristologia – 21
Publicado em 8 de novembro de 2011
Nesta parte colocamos, primeiro, os pressupostos para a grande definição de Calcedônia; segundo, tentamos
explicitar os elementos fundamentais que possibilitaram a síntese dogmática que ainda influencia nossa visão de
Jesus Cristo hoje. Nesse período, que vai propriamente dos anos 250 até 451, a discussão se polariza entre dois
grandes esquemas: a) de uma cristologia unitária do “LOGOS/SARX” da escola de Alexandria; b) de uma
cristologia dual do “LOGOS/ANTHROPOS” da escola de Antioquia;
a seguir colocamos um esquema para ajudar a uma visão de conjunto (cf FAUS II, 419):
Divindade Humanidade
Constantinopla,
381
Calcedônia, 451
Nesta etapa colocam-se em evidência três questões fundamentais para a compreensão da questão de Jesus Cristo
enquanto humano e divino na unidade de uma única realidade-sujeito:
Segunda questão: no esquema da cristologia do LOGOS / ANTHROPOS (VERBO / HOMEM) a questão já não se
coloca sobre a função da alma, mas sobre a relação entre o Verbo encarnado e o Pai. Afinal, o Verbo é criado ou
gerado? Ele é criatura ou geração? É apenas semelhante (homoiousios) ou realmente consubstancial
(homousios)?
https://ccaliman.wordpress.com/2011/11/08/21-cristologia/ 1/4
31/08/2019 Cristologia – 21 | Cleto Caliman
Terceira questão: ainda no esquema da cristologia LOGOS/ANTHROPOS há uma questão que diz respeito à
relação entre o divino e o humano no único Jesus Cristo. Como se relacionam esses dois polos? São dois sujeitos
de atribuição (duas pessoas) ou “um e o mesmo” (uma pessoa)? Postas essas questões vamos ver como se
desenrolou o debate cristológico.
I- Resposta à primeira questão: como entra a alma humana na compreensão de Jesus Cristo ou como pensar a
integridade humana de Jesus Cristo
A partir do Concílio de Antioquia (268), Paulo de Samósata (bispo ‘destituído’) e o presbítero Marquião tendem
perigosamente para a teoria de Orígenes quanto à origem da alma (e é claro, também para Jesus). Interpretando
Orígenes no esquema antropológico grego, Marquião usa a comparação da unidade entre alma e corpo para
explicar a unidade do LOGOS eterno com o ser que nasceu da Virgem Maria. A alma de Jesus desaparece da
explicação, juntamente com sua consciência e liberdade humana. A passagem de Orígenes para Marquião marca
uma evolução. Ainda com Orígenes o homem Jesus, pela alma, participa ativamente. Para Marquião o homem
Jesus participa apenas passivamente da união hipostática. Firma-se então uma concepção estática da relação
entre Deus e o homem Jesus.
Mais tarde, Apolinário de Laodicéia (310-396), da escola de Antioquia, filho de um presbítero, fala de “uma
essência” (ousia) e de uma natureza encarnada (physis) do Verbo de Deus, isto é, de uma união entitativa do Filho
de Deus com o homem Jesus. Ele já dá um passo adiante: contesta que Jesus tenha alma humana com dois
argumentos:
argumento filosófico: “Dois seres completos em si e dotados cada um de um princípio vital próprio não podem
formar uma pessoa viva (Aristóteles);argumento teológico: “Se Jesus tivesse ‘nous’ (inteligência) e liberdade
humana, a nossa salvação não teria base firme; a alma humana é, por essência, mutável, isto é, acessível ao mal”
(MSIII/3,39). Desta forma a nossa salvação estaria ameaçada pela mutabilidade, pelo conflito. Surgem então o
dilema: “ou a santidade de Jesus é substancial ou ele nasceu da vontade livre” (idem, 40). Apolinário se decide
pela primeira alternativa (a santidade de Jesus é substancial); mas então Jesus não é um ser humano, não é
homem como nós, pois somos, por natureza, sujeitos à mutabilidade e ao pecado.
“Gerado, mas não criado, consubstancial ao Pai”. eis a nossa questão agora. Neste ponto vamos ao desenrolar do
processo que vai de Nicéia passando por Atanásio, pelos capadócios até o Concílio de Constantinopla.
Ário (+ 336), prebítero de Alexandria) pretendia solucionar o problema trinitário: “Como conciliar a trindade
atestada pela Escritura com a unicidade rigorosa de Deus?” Ele responde com a absolutização do
subordinacianismo. Resumindo sua posição: “Deus é único, integrado, eterno, imaterial, imutável: ele não pode
comunicar nada de si mesmo: isto seria para ele incorrer numa divisão de sua substância (essa já era a opinião dos
gnósticos e mesmo do senso comum: se Deus é Deus , como poderia realmente dar-se ao homem?). Disso decorre
que tudo o que existe “fora” deste Deus concebido como princípio sem princípio, não é e não pode ser Deus, mas
somente criatura de Deus. Para isso não é preciso deduzir que todas as criaturas são do mesmo plano: entre elas
há uma que goza de um status todo especial, porque ela é a primeira a ser posta no seu ser e porque ela é utilizada
por Deus único como instrumento mediador na criação de todas as outras coisas” (InPT 213-214). Essa criatura
excepcional é o VERBO que se manifesta em Jesus. Jesus seria assim a primeira criatura de Deus.
A resposta da ortodoxia veio por etapas: 1) o Concílio de Nicéia (325); 2) a luta de Atanásio e o sínodo de
Alexandria de 362; 3) o concílio de Constantinopla (381); 4) a obra dos Capadócios.
https://ccaliman.wordpress.com/2011/11/08/21-cristologia/ 2/4
31/08/2019 Cristologia – 21 | Cleto Caliman
Convocado por Constantino, preocupado com a unidade de seu império diante do perigo de divisão interna da
cristandade provocada pelo arianismo, esse concílio define a divindade de Jesus contra Ário, condenando a
subordinação radical do Filho em relação ao Pai como heresia subordinacianista. Portanto, a concepção de Ário de
que o Logos não seria eterno como o Pai, existiria antes do tempo e das criaturas, mas não seria consubstancial
(homousios) ao Pai; que seria gerado e criado, como uma entidade intermédia entre Deus e o mundo (demiurgo),
foi condenada.
O Concílio diz: “Cremos… em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido unigênito do Pai, Deus de Deus,
Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não criado, consubstancial ao Pai…” (Denz 125). todavia,
o mesmo Concílio não conseguiu se impor logo de imediato. Houve muita polêmica, uma vez que não se tratava
apenas de questão de fé, mas também de política imperial. Só mesmo a tenacidade de um Atanásio pode
realmente conduzir à aceitação do concílio.
Atanásio, Bispo de Alexandria, foi o grande batalhador em favor do Concílio de Nicéia. No seu primeiro exílio em
Tréveris (335-337), escreveu um tratado sobre a encarnação, ligando-se a Irineu de Lião. Irineu havia partido do
princípio do intercâmbio entre Deus e o homem: a divinização do homem pela humanização de Deus na mediação
de Jesus. Atanásio toma esse princípio, modificando-lhe a perspectiva: enquanto Irineu contrapõe a
desobediência de Adão à obediência de Jesus (enquanto é obediência humana), Atanásio contrapõe o homem
alienado de Deus ao homem divinizado em Deus: o homem-Deus. Ele se move na cristologia do Logos/Anthropos
(Deus/homem). A conseqüência desse princípio assim remanejado por Atanásio foi que de fato ele não precisa de
um princípio de atividade humana em Jesus. Mesmo não negando a existência de alma humana em Jesus, ele
não sabe o que fazer com ela. Atanásio aceita-a não como princípio de atividade, mas como parte integrante da
natureza humana. A alma fica sendo como que uma espécie de apêndice que tanto faz ter como não ter: não
funciona!
Voltando de um de seus vários exílios, Atanásio convoca o Sínodo de Sínodo de Alexandria (362) para promover a
paz entre os antiarianos. Para isso teve que fazer média com seus adversários, especialmente com Apolinário,
contra o qual não quis tomar posição clara e decidida. A conseqüência dessa indecisão foi o aprofundamento da
tendência de dissolver a experiência e a atividade humana de Jesus na luz brilhante de seu ser divino. “A idéia sua
de intercâmbio em que a encarnação se sobrepõe à cruz e à ressurreição leva não apenas à introdução das festas
da Epifania e do Natal… reforça (também) a tendência de ver em Cristo mais os polos abstratos do Deus-homem
do que a realidade concreto do Filho e de sua vida humana” (MS III/3,43).
Por isso, logo se mostraram os limites da tentativa de Atanásio. Ele tinha ressonância no Egito, na Capadócia e na
Igreja latina. Mas a Igreja de Antioquia segue outra tradição teológica que vinha ainda do arianismo. Surge então
um conflito entre a tradição teológica alexandrina (mais tarde representada por Cirilo) e a tradição teológica
antioquena (mais tarde representada por Nestório). As duas escolas vão centralizar os debates de ora em diante.
As controvérsias posteriores ao concílio de Nicéia mostraram que era preciso mais clareza. Assim é que esse novo
concílio toma posição contra Apolinário e seus seguidores, tendo como base o princípio de intercâmbio de
Atanásio: “A economia da carne não é inanimada ou irracional ou incompleta”. O homem completo em Jesus
Cristo é necessário para que nenhuma parte fosse segurada pela demônio e para que nele se efetuasse a salvação
(Epifânio). Nada em Jesus pode escapar à santidade de Deus. Tudo nele é santo. Estamos em plena cristologia do
LOGOS/ANTHROPOS.
https://ccaliman.wordpress.com/2011/11/08/21-cristologia/ 3/4
31/08/2019 Cristologia – 21 | Cleto Caliman
O primeiro deles é Gregório de Nazianzo (329-390). Filho de bispo, foi quem apresentou a clássica fórmula: “O
que não foi assumido não foi salvo. O que se uniu com Deus também foi salvo”. O que se deve notar nessa
fórmula é que o acento recai não no fato de o LOGOS ter assumido verdadeira vida humana (o concreto), mas no
fato de o LOGOS ter-se unido a uma verdadeira natureza humana (o abstrato). O deslocamento do histórico-
concreto para o formal-abstrato faz ver que a união entre as duas “naturezas” seja percebida de forma estática.
Gregório diz que o divino e o humano em Jesus Cristo são “não um e outro, mas uma coisa e outra coisa”. Isto é,
não são dois filhos (um e outro), mas “duas naturezas” que se encontram numa realidade única” (MS III/2,45).
Duo physeis eis en syndramousai (Duas naturezas num mesmo agir conjunto).
O segundo é Gregório de Nissa (394, irmão caçula de Basílio). com mais espontaneidade, não tem dificuldade de
atribuir uma verdadeira atuação humana em Jesus. Ele diz que da parte do Verbo a aceitação do corpo implica
assumir suas propriedades: nascimento, educação, crescimento, morte. Mais tarde, Dídimo, o Cego (313-398),
leigo e mestre de Jerônimo, completa o seu pensamento dizendo que a encarnação implica não somente na
aceitação do corpo e da alma, mas também de “todas as conseqüências da existência humana” (retorna desta
forma ao conceito de intercâmbio como o havia colocado Irineu de Lião).
Conclusão: a escola de Alexandria partiu, com Orígenes, da existência da alma humana de Jesus como princípio
ativo. As releituras posteriores haviam tirado a atividade da alma e depois a própria alma. A reação veio com
Atanásio e se firmou com os dois Gregórios. Chegou-se então à conclusão: a alma de Jesus deve ser mantida como
princípio de atividade humana. E como princípio da liberdade tem um significado teológico. Mais ainda: a alma
humana de Jesus é “homousios” = consubstancial à nossa alma. Dídimo chega a dizer que a alma humana de
Jesus é, por natureza, mutável e, portanto que Jesus esteve sujeito à tentação (contra Apolinário). O resultado
dessa controvérsia é que em Cristo o divino e o humano são “um e o mesmo” sujeito e não “um e outro” sujeitos.
Anúncios
Share this:
Twitter Facebook
Curtir
Relacionado
Cleto Caliman
Blog no WordPress.com.
https://ccaliman.wordpress.com/2011/11/08/21-cristologia/ 4/4