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Riscos ocupacionais na fabricação de

medicamentos: análise de uma indústria


localizada no Nordeste brasileiro
João Rui Barbosa de Alencar1

Occupational risks in the production of


medicine: analysis of an industry located
in the northeast of Brazil
1
Doutorando em Tecnologia de
Processos Químicos e Bioquímicos
Resumo
pela Escola de Química da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro A fabricação de medicamentos é um processo industrial complexo que exige
(UFRJ), M.Sc. Engenharia Química altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, produção e controle de
pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), engenheiro de
qualidade dos produtos, aquisição de substâncias, armazenagem e distribuição
Segurança do Trabalho, coordena- dos produtos, manutenção de pessoal qualificado e reciclado nos conhecimen-
dor de boas práticas de fabricação e tos da área. Paradoxalmente, apesar de ser um segmento que agrega tecnologias
assuntos regulatórios e presidente ultramodernas e do grande suporte proporcionado pelas Boas Práticas de Fa-
da Comissão Interna de Prevenção
de Acidentes (CIPA) do Laboratório
bricação (BPF) de medicamentos fixados pela legislação sanitária, a indústria
Farmacêutico do Estado de Pernam- de medicamentos convive com diversos riscos ambientais, aqui incluídos os
buco S/A – LAFEPE®. riscos ao consumidor, à saúde dos seus trabalhadores e os associados ao meio
ambiente. O objetivo deste trabalho é apresentar o resultado da identificação
dos riscos ocupacionais de uma indústria farmacêutica pública localizada no
nordeste do Brasil, obtido através das investigações e avaliações realizadas
pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) da empresa, e contri-
buir para a realização de estudos avançados relacionados com saúde e doença
dos trabalhadores na indústria farmacêutica de medicamentos.
Palavras-chaves: riscos ocupacionais, fabricação de medicamentos, Boas
Práticas de Fabricação (BPF), indústria farmacêutica.

Abstract
The production of medicine is a complex industrial process that demands high
investments not only in research and development, but also in production and
quality control, in acquiring chemicals, in storage and distribution, and in
keeping staff qualified and updated. Paradoxically, in spite of being a segment
that deals with ultra modern technology, and the support provided by the good
manufacturing practices (GMP) requirements foreseen by the sanitary legisla-
tion, the drug industry runs several environmental risks, including their con-
sumers’ and workers’ health hazards as well as the environment around their
plants. This study aims at presenting the results of a research on occupational
hazards developed by the company’s Internal Commission for the Prevention
of Accidents (CIPA) in a governmental pharmaceutical industry located in the
northeast of Brazil. I hope it will contribute to stimulate other advanced studies
related to workers’ health and illness in the pharmaceutical industry.
Keywords: occupational risks, production of medicine, good manufacturing
practices (GMP), pharmaceutical industry.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005 49


Introdução

Ao contrário das indústrias de transfor- bricação sejam claramente definidos e


mação tradicionais, a indústria farmacêu- sistematicamente revisados em função da
tica tem sua atividade extremamente regu- experiência adquirida, que sejam definidas
lada pelo poder público. Neste processo, as etapas críticas dos processos de fabrica-
nenhum dos produtos sujeitos aos regimes ção, que o pessoal envolvido na fabricação
de vigilância sanitária, tais como medica- e o produtor possuam infra-estrutura ne-
mentos, insumos farmacêuticos, drogas, cessária, a qual deve incluir: pessoal qua-
correlatos, cosméticos, produtos de higie- lificado e devidamente treinado, espaço
ne, perfumes e similares, saneantes domis- e instalações adequadas, equipamento e
sanitários, produtos destinados à correção serviços adequados, materiais, recipientes
estética, poderão ser extraídos, produzidos, e rótulos corretos, procedimentos e instru-
fabricados, embalados ou reembalados, im- ções aprovadas, armazenamento e trans-
portados, exportados, armazenados ou ex- porte adequados para controle em processo
pedidos antes da concessão do registro do (BRASIL, 2003).
produto junto ao poder público regulador.
Esta nova forma de trabalho instituí-
À concessão deste registro ficam vincu- da pelas BPF procura minimizar os riscos
ladas todas as especificações de insumos inerentes a cada etapa da fabricação de um
a serem usados na fabricação, o conheci- medicamento e garantir a eficácia e a segu-
mento sobre os fornecedores desses insu- rança terapêutica desejadas para o produto
mos, a apresentação das formulações nas final. Por outro lado, não resta dúvida de
composições unitárias, a definição dos que a implementação das BPF na indústria
processos e do local de fabricação, o tama- de medicamentos proporcionou um grande
nho dos lotes a serem produzidos, todas as impacto na saúde dos seus trabalhadores,
análises realizadas pelo controle de qua- uma vez que a preservação da qualidade do
lidade dos insumos e produtos acabados, produto está diretamente ligada a adequa-
a fixação das formas de apresentação ao das condições de fabricação e de trabalho,
consumidor, a apresentação dos testes de tanto do ponto de vista da infra-estrutura,
eficácia terapêutica, a rotulagem dos pro- como de qualificação da mão-de-obra en-
dutos bem como as informações técnicas volvida e de utilização de tecnologias dos
que serão disponibilizadas aos pacientes processos cuja intervenção do homem se
e prescritores nas bulas, não cabendo ne- dá de forma segura e confiável.
nhuma alteração das condições originais
O processo industrial farmacêutico é
nas quais foi concedido o registro por parte
complexo, vinculando-se às políticas in-
da indústria sem a manifestação favorável
dustrial, científica, tecnológica e de saúde.
do órgão regulador.
É um processo que exige investimentos
Além das exigências para concessão do em pesquisa e desenvolvimento, produ-
registro, a fabricação de medicamentos está ção e controle de qualidade dos produtos,
cercada de uma série de práticas e contro- aquisição de substâncias, armazenagem e
les que visam a assegurar que os produtos distribuição dos produtos e manutenção
são consistentemente produzidos e contro- de pessoal qualificado. Paradoxalmente,
lados, com padrões de qualidade apropria- apesar de ser um segmento que agrega
dos para o uso pretendido e requerido pelo tecnologias ultramodernas, a indústria de
registro. São as Boas Práticas de Fabricação medicamentos convive com diversos riscos
(BPF) para a indústria de medicamentos, ambientais, aqui incluídos aqueles ao con-
recentemente instituídas no Brasil. O cum- sumidor, à saúde dos trabalhadores e ao
primento das BPF está dirigido primeira- meio ambiente que cerca os seus ambien-
mente para a diminuição dos riscos ineren- tes industriais.
tes a qualquer produção farmacêutica, os
Um dos objetivos da vigilância à saú-
quais não podem ser detectados através da
de do trabalhador é conhecer a realidade
realização de ensaios nos produtos acaba-
de saúde da população trabalhadora e pro-
dos. Os riscos são constituídos essencial-
ceder a uma avaliação dos processos, dos
mente por: contaminação-cruzada, conta-
ambientes e das condições em que o traba-
minação por partículas e troca ou mistura
lho se realiza, identificando os riscos e as
de produto (BRASIL, 2003).
cargas de trabalho a que estão sujeitos os
Dentre outros requisitos, as BPF de- trabalhadores. Em tempos em que se é tão
terminam que todos os processos de fa- comum o termo boas práticas de fabricação

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na indústria farmacêutica, entendemos que processos e passou a reconhecer o poten-
não se pode falar em BPF se o interesse por cial de agravos à saúde dos seus trabalha-
condições de trabalho saudáveis e seguras dores resultantes dos seus processos de
não possuir o mesmo grau de importância fabricação. Este trabalho foi resultado de
que o produto final em si. dois anos (2003~2005) de investigações
e avaliações realizadas pela Comissão In-
Muito pouco se estudou, no Brasil, so- terna de Prevenção de Acidentes (CIPA)
bre a relação entre a saúde e a doença na da empresa. Trata-se de um retrato da per-
indústria de medicamentos. Alguns estu- cepção dos trabalhadores dos riscos a que
dos foram iniciados na Bahia (REGO et al., estão expostos em diversas linhas de pro-
1993) e outros integram linhas de pesquisa dução e em diversos setores auxiliares e es-
da Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Ja- senciais a uma indústria desta natureza. O
neiro, desde 1997. O objetivo deste traba- trabalho visa a contribuir para a realização
lho é apresentar o resultado da identifica- de estudos mais aprofundados que estejam
ção dos riscos ocupacionais do Laboratório relacionados com saúde e doença dos tra-
Farmacêutico do Estado de Pernambuco balhadores na indústria de medicamentos
S/A – LAFEPE® (Recife-PE, Brasil) –, uma e foi fonte principal para a elaboração do
indústria farmacêutica pública, que, ao mapa de riscos ambientais da empresa es-
longo do tempo, vem aperfeiçoando seus tudada.

Revisão da Literatura

Ramazini (1992) dizia, já no século terapêutica. Os efeitos que derivam des-


XVIII, que, tendo interrogado os operários ta absorção devem ser considerados po-
de farmácias se adoeceram alguma vez en- tencialmente tóxicos. Esta absorção pode
quanto preparavam remédios, responde- também aumentar os riscos de acidentes,
ram que: como, por exemplo, por exposição a dro-
gas que induzem a sonolência em indiví-
(...) amiúde se sentiram gravemente afe-
duos que trabalham com máquinas em
tados sobretudo durante a elaboração de
láudano opiáceo ou pulverizando cantári- movimento. A exposição crônica a estes
das para vesicatórios e outras substâncias compostos poderá resultar, ainda, no de-
venenosas, por causa de suas partículas senvolvimento de resistência às drogas,
desprendidas, que, enquanto as esmagam, dificultando a eficácia de medicamentos
penetram pelas vias do corpo (...) quando, de fato, precisa-se fazer uso destes
por ocasião do acometimento de alguma
Constatava-se que a exposição a subs-
patologia. (ALENCAR, 1999).
tâncias químicas ativas utilizadas no pro-
cesso de fabricação de medicamentos pos- As substâncias manuseadas na indús-
suía um potencial nocivo à saúde, realidade tria farmacêutica podem ser de origem ve-
que se mantém até hoje, tendo em vista que getal, animal e mineral. Vegetais podem ser
muitos dos efeitos adversos e riscos asso- tóxicos ou transportar fungos patogênicos
ciados às drogas somente são percebidos e/ou ácaros. Schwartz (1957), citado por
depois de muitos anos de consumo ou ex- Melo (1999), descreveu casos de dermati-
posição, o que enseja riscos não percebidos tes causadas por seivas e óleos essenciais
ou não detectados durante o processo de de numerosas plantas como mostarda, pi-
desenvolvimento dos medicamentos. retro, raiz de íris, canela, gengibre, citrone-
la, camomila. Enumerou casos de irritação
As matérias-primas utilizadas na pro- cutânea por alcalóides, tais como estric-
dução de medicamentos raramente podem nina, brucina, atropina, morfina, codeína,
ser administradas tal como se apresentam, cocaína, ópio e quinina. Descreveu tam-
sendo necessário submetê-las, quase sem- bém casos de escabiose e outras acaríases
pre, a um certo número de manipulações de grãos e plantas.
destinadas a transformá-las nas formas far-
macêuticas. Estas representam o produto Thomas & Decoufle (1979) investigaram
final nos quais as substâncias ativas são as causas de mortalidade em trabalhadores
administradas aos doentes. Nas suas ativi- de indústrias farmacêuticas num período
dades, os trabalhadores da indústria farma- de 22 anos. Apesar de terem observado
cêutica podem absorver fármacos não por vários casos de câncer na população ana-
sua vontade expressa ou por necessidade lisada, não chegaram a dados conclusivos.

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Estudo similar foi repetido por Harrington et al. (1992) estudaram um caso similar. A
& Goldblatt (1986), sete anos após, e chega- investigação de asma ocupacional por ex-
ram a conclusões semelhantes. posição a espiramicina foi também objeto
de estudo elaborado por Malo & Cartier
Chida & Uehata (1979) estudaram a ex-
(1988).
posição de 24 trabalhadores de uma indús-
tria farmacêutica que tinham contato com Outros casos de asma em trabalha-
poeiras de bromelina, tripsina e ácido flu- dores de indústrias farmacêuticas, desta
fenâmico, agentes antiinflamatórios, flor- vez associados à exposição à hidralazina,
propion, antiespasmódico, ampicilina, ce- à penicilamina, ao salbutamol e a poeiras
falexina e antibióticos. Encontraram casos resultantes do processo de produção de en-
de asma, irritação das mucosas, incluindo zimas, respectivamente, foram reportados
sistema respiratório, reações alérgicas e por Perrin et al. (1990), Lagier et al. (1989),
irritações na pele, que foram associadas à Agius et al. (1994) e Losada et al. (1992).
grande variedade de drogas manipuladas
por estes trabalhadores e a um controle A exposição de 11 trabalhadores ocor-
inadequado desses materiais na forma de rida durante o processo de produção do
pó no processo industrial. Estudo similar medicamento metotrexato levou Sessink et
foi repetido por Chida (1986), chegando a al. (1994) a detectar, em amostras de urina
conclusões semelhantes. e de ar expirado, grandes variações de con-
centração da droga no organismo desses
O efeito da exposição ocupacional a trabalhadores.
uma droga anti-hipertensiva de nome al-
prenolol foi estudado por Ekenvall & Fors- Hansson et al. (1980) analisaram o tra-
beck (1978). Quatorze trabalhadores apre- balho de mulheres grávidas em laborató-
sentaram fortes reações alérgicas na pele e rios de indústrias farmacêuticas. Os resul-
nas mucosas. tados apontaram casos de má-formações e
mortalidades dos fetos e tais observações
Estudo realizado por Tomei et al. (1995) levaram os autores a concluir que, em pe-
investigou a possibilidade de causar hepato- ríodos de gestação, o trabalho em laborató-
xicidade por exposição a várias substâncias, rios químicos representa um risco à saúde
tais como eritromicina, cortisonas, paraben- do feto.
zoatos, iodo-cloro-oxiquinolina, usadas no
processo de fabricação de uma indústria Karpenko, citado por Rego et al. (1993),
farmacêutica. O estudo concluiu que existe demonstrou alta correlação entre a inci-
uma forte relação entre a exposição a estes dência de doenças alérgicas do trato respi-
agentes e problemas de fígado nos trabalha- ratório e da pele e a concentração de ampi-
dores envolvidos na pesquisa. cilina no ar.

Rembadel & Rudzki (1990) observaram Martindale (1997) e Merler et al. (1996)
que a exposição a penicilinas, tetraciclinas, alertaram para o manuseio sem proteção
dissulfiram e aminofilina podem produzir de drogas antineoplásicas que podem cau-
fortes reações alérgicas ou reações de sen- sar reações tóxicas e/ou alérgicas, além do
sibilidade. risco potencial de carcinogenicidade.
Menon & Das (1977) relataram um caso Pushpavathi et al. (1986) referiram que
de asma após um ano de trabalho na seção é de grande importância e requer estudos
de encapsulamento de antibióticos de uma mais profundos a possibilidade de apareci-
indústria farmacêutica. Os autores associa- mento de câncer ou efeitos genéticos devi-
ram esta disfunção à exposição à variedade dos à exposição a fármacos.
de agentes químicos, entre os quais a te-
Rêgo et al. (1993) desenvolveram um dos
traciclina.
raros estudos publicados no Brasil sobre os
A piperacilina sódica foi o agente causa- principais sintomas referidos por trabalha-
dor de asma ocupacional em estudo de caso dores de uma indústria farmacêutica produ-
de exposição de um trabalhador a este anti- tora de medicamentos localizada na Bahia,
biótico, realizado por Moscato et al. (1975). no nordeste brasileiro (vide Tabela 1).
Davies & Pepys (1975) investigaram a No estudo, os autores observaram uma
ocorrência de sintomas de asma ocupacio- variada gama de sintomas, chamando a
nal apresentados por um trabalhador de atenção o cansaço físico, a dor nas costas, a
uma indústria farmacêutica. Os autores as- cefaléia, o nervosismo e a dor nos membros
sociaram os sintomas à exposição do traba- inferiores (>50%), porém, segundo os au-
lhador ao antibiótico espiramicina. Malet tores, não se pôde estabelecer uma relação

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de causa e efeito com os riscos ocupacio- alimentação, lazer etc. Das queixas apre-
nais tendo em vista que alguns sintomas sentadas na Tabela 1, destacam-se ainda o
poderiam ser decorrentes das condições prurido nos olhos e a obstrução nasal como
de vida em geral, como nível salarial, local aqueles mais diretamente ligados a condi-
de moradia, características do domicílio, ções de trabalho.

Tabela 1 Principais sintomas referidos por trabalhadores de uma indústria farmacêutica (Rego et al.,
1993)

Sintomas apresentados n* %
Cansaço físico 60 55,6
Dor nas costas 58 53,7
Cefaléia 56 51,9
Nervosismo 54 50,0
Dor nos membros inferiores 54 50,0
Esquecimento 44 40,7
Cansaço mental 43 39,8
Coceira nos olhos 43 39,8
Fraqueza muscular 38 35,2
Tontura 35 32,4
Dor nos membros superiores 33 30,6
Obstrução nasal 32 29,6
Insônia 30 27,8
Tosse 30 27,8
* número de trabalhadores.

O controle da exposição a agentes quí- seio de sólidos. As operações de moagem,


micos nos ambientes de trabalho é assunto peneiramento, granulação, descarrega-
previsto na legislação brasileira, que esta- mento de matérias-primas em sacos e/ou
belece, dentre outros parâmetros, os limi- barricas são típicas da alta produção de
tes de tolerância (em inglês, Threshold Li- poeiras (NAUMANNN & SARGENT, 1997).
mit Values – TLV) para exposição a agentes A American Conference of Governmental
químicos para uma jornada de trabalho de Industrial Hygienists (ACGIH), conforme
8 horas diárias. Estes estão, em sua maio- Sargent & Kirk (1988), generalizou e esta-
ria, desatualizados e incluem um número beleceu o limite de 10 mg/m3 para poeiras
reduzido de agentes quando comparados totais e 5 mg/m3 para poeiras respiráveis
com o número de substâncias utilizadas de quaisquer compostos que não possuam
nos mais variados processos industriais. TLV’s. Muitos princípios ativos, porém,
Mesmo podendo lançar mão de outras le- produzem resposta farmacológica em con-
gislações, ainda assim o vazio é enorme. centrações muito inferiores a estes limites.
É um número gigante quando comparado Tal afirmação é feita com base no resultado
à quantidade de produtos químicos que já dos trabalhos de Sargent & Kirk (1988) e
tiveram seus limites de tolerância estabe- Naumannn & Sargent (1997), que obtive-
lecidos alguma vez. Dentro desta categoria ram limites de exposição para 32 fármacos
de substâncias químicas que não possuem inferiores aos limites genéricos da ACGIH.
limites de tolerância, estão os fármacos, Os mesmos autores consideram que, à luz
que podem ser vistos como inofensivos da tecnologia disponível, equipamentos
por serem considerados substâncias que de proteção coletiva que envolvam venti-
curam, mas que, na verdade, podem trazer lação e exaustão não são suficientes para
permitir concentrações de poeiras abaixo
prejuízos à saúde dos trabalhadores.
dos limites que seriam seguros. Fazem-se
Um dos principais desafios para os hi- necessários também a colocação de barrei-
gienistas industriais na indústria farma- ras além do devido fornecimento de equi-
cêutica é a produção de poeiras no manu- pamentos de proteção individual.

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Outra questão relevante na indústria qual foi observado que mais de um terço
farmacêutica é a dos riscos ergonômicos dos trabalhadores avaliados referiu já ter
que geram, para os trabalhadores, sobre- sofrido acidentes do trabalho, incluindo
carga física, problemas de posturas e lesões acidentes típicos e de trajeto. Segundo os
osteomusculares. Estes riscos são detecta- autores, esse valor em si foi bastante ele-
dos principalmente no setor de embalagem, vado e mesmo preocupante, levando-se em
mas podem ser encontrados também nos conta a baixa média de tempo trabalhado
demais, tais como laboratório, administra- na fábrica.
tivo, almoxarifado etc. Segundo Chavalit-
Destaca-se também a exposição a agen-
sakulchai & Shahnavaz, citados por Melo
tes biológicos (fungos, bactérias e vírus)
(1999), aspectos ergonômicos de medidas
presentes nos ensaios de controle de quali-
preventivas deveriam incluir seleção apro-
dade microbiológico, em animais de expe-
priada e treinamento de profissionais para
rimentação que são utilizados no controle
as diversas atividades, projeto ergonômico
de qualidade e na avaliação de eficácia e
do ambiente e considerações ergonômicas
pesquisa de medicamentos, bem como a
na organização do trabalho, tais como va-
agentes físicos, como ruídos resultantes de
riações e interrupções de tarefas e posturas
partes em movimento de máquinas e equi-
adequadas.
pamentos.
Ainda em relação ao aspecto de postu-
Constata-se que há muitas evidências
ra, Rotgoltz et al. (1992), citados por Melo
na literatura atestando a presença de uma
(1999), observaram que, dentre 208 empre-
série de riscos ocupacionais na indústria
gados de uma indústria farmacêutica, 138
de medicamentos. Essas reforçam a neces-
referiram dor nas costas. A posição sentada
sidade de se implementar ações de vigilân-
prolongada e o trabalho na embalagem ou
cia em saúde do trabalhador, que passam
no departamento de produção foram asso-
necessariamente por uma identificação
ciados a esta queixa.
detalhada dos riscos dos processos sem li-
Quanto a acidentes do trabalho, pode- mitar tais ações somente aos critérios pre-
mos citar o estudo de Rêgo et al. (1993), no vistos nas legislações.

Materiais e Métodos

A indústria farmacêutica estudada nes- A legislação sanitária exige que cada


te trabalho foi o Laboratório Farmacêutico forma farmacêutica seja produzida em
do Estado de Pernambuco S/A – LAFEPE®, áreas independentes uma da outra, poden-
uma empresa pública, localizada em Reci- do ainda, dentro de cada área, ter separa-
fe, no estado de Pernambuco, no nordeste ção por classe de produtos. Os produtos
brasileiro. Trata-se de uma indústria fun- líquidos são separados em três linhas: uma
dada em 1965, atualmente certificada em para fabricação de xaropes, soluções e sus-
boas práticas de fabricação pela Agência pensões cujo produto final é apresentado
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) na forma de frascos de vidro em volumes
para suas linhas de sólidos (comprimidos, que variam de 30 a 200 mL; outra linha,
cápsulas e pós orais), sólidos anti-retrovi- na mesma área, para fabricação de solu-
rais (produtos destinados ao tratamento da ções apresentadas em frascos de plásticos
AIDS), líquidos não antibióticos (xaropes, gotejadores; e uma outra linha, totalmente
soluções, soluções em gotas, suspensões independente, destinada a produtos antibi-
orais) e líquidos antibióticos (suspensões óticos. Da mesma forma acontece na fabri-
orais). Quanto aos medicamentos produ- cação dos medicamentos sólidos. Existem
zidos, estes são das mais variadas classes duas unidades produtivas separadas, uma
terapêuticas (vide Quadros 1 e 2), além de destinada exclusivamente aos produtos
outros novos ainda em pesquisa e desen- sólidos anti-retrovirais, que são produtos
volvimento, como o comprimido do anti- classificados como de classes especiais
parasitário para doença de chagas benz- pela legislação sanitária, e outra unidade
nidazol, que está sendo desenvolvido em para as demais classes.
parceria com o laboratório ROCHE®, e o Neste trabalho, procedeu-se inicial-
anti-hipertensivo maleato de enalapril, do mente à classificação dos trabalhadores da
antiulcerogênico ranitidina, do antifúngico empresa segundo seus respectivos setores
cetoconazol, do vermífugo albendazol e do e subetapas de cada processo produtivo.
antidiabético cloridrato de metfotmina, to- Na seqüência, fez-se uma descrição e aná-
dos na forma de comprimidos. lise crítica dos processos de fabricação de

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cada forma farmacêutica, tendo em vista CIPA quanto aos possíveis riscos do pro-
a identificação e a classificação dos riscos cesso à saúde dos trabalhadores, acrescido
presentes nas diversas etapas de cada pro- de depoimentos e respostas informais dos
cesso segundo os critérios da legislação. A trabalhadores a perguntas do tipo: “O que
identificação dos riscos foi feita através do você acha que faz mal a sua saúde aqui no
acompanhamento de cada processo produ- seu trabalho?”, feitas pelos componentes
tivo e pelo julgamento dos componentes da da comissão.

Quadro 1 Produtos fabricados nas linhas de líquidos não antibióticos, gotas e líquidos antibióticos

Processo produtivo Produto Classe terapêutica


Benzoato de Benzila Escabicida
Dipirona 50% Analgésico e antitérmico
Hidróxido de Alumínio 6,2% Antiácido
Mebendazol 2% Vermífugo
Cloridrato de Metoclopramida Antiemético
Líquidos não antibióticos e Metronidazol Antifúngico
gotas (Linhas 1 e 2) Paracetamol 1% Analgésico e antitérmico
Pirazinamida 3% Tuberculostático
Polivitaminas Polivitamínico
Sulfato de Salbutamol 0,4% Antiasmático
Sulfato Ferroso Antianêmico
Zidovudina 1% Anti-retroviral
Cloranfenicol 0,25% Antibiótico
Estolato de Eritromicina 2,5% Antibiótico
Líquidos antibióticos (Linha 3)
Rifampicina 2% Antibiótico
Sulfametoxazol+Trimetoprima Quimioterápico

Quadro 2 Produtos fabricados nas linhas de sólidos e sólidos anti-retrovirais

Processo Produtivo Produto Classe terapêutica


Ácido Acetil Salicílico 500 e 100 mg Analgésico e antitérmico
Ácido Ascórbico 500 mg Vitamina
Captopril 25 mg Anti-hipertensivo
Carbonato de Cálcio 500 mg Repositor de cálcio
Cimetidina 200 mg Antiulceroso
Clorpropamida Antidiabético
Dipirona 500 mg Analgésico e antitérmico
Furosemida 40 mg Diurético
Sólidos (Linha 1) Glibenclamida 5 mg Antidiabético
Hidroclorotiazida 50 e 25 mg Anti-hipertensivo
Isoniazida + Rifampicina (200+300 mg) Tuberculostático
Isoniazida 100 mg Tuberculostático
Mebendazol 100 mg Vermífugo
Metildopa 500 mg Anti-hipertensivo
Metoclopramida Cloridrato 10 mg Antiemético
Propranolol 40 mg Anti-hipertensivo
Sulfametoxazol + Trimetoprima Quimioterápico
Didanosina 100 e 25 mg Anti-retroviral
Estavudina 40 e 30 mg Anti-retroviral
Lamivudina 150 mg Anti-retroviral
Sólidos anti-retrovirais Sulfato de Indinavir 400 mg Anti-retroviral
(Linha 2) Ritonavir Anti-retroviral
Zalcitabina 0,75 mg Anti-retroviral
Zidovudina 100 mg Anti-retroviral
Zidovudina + Lamivudina (300 + 150 mg) Anti-retroviral

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As avaliações foram enquadradas se- população. Ao final, os resultados obtidos
gundo os critérios da legislação (Quadro foram avaliados frente aos resultados do
3) e segundo um grau de intensidade PCMSO (Programa de Controle Médico e
estabelecido na Quadro 4. De posse do Saúde Ocupacional) da empresa para es-
compilado destas, traçou-se um perfil da tabelecer possíveis relações entre as pato-
distribuição dos riscos ocupacionais na logias encontradas na população trabalha-
produção de medicamentos da empresa dora e a presente avaliação de riscos dos
estudada e a incidência dos riscos nesta ambientes de trabalho.

Quadro 3 Classificação dos riscos (BRASIL, 1994)

Riscos
Riscos físicos Riscos químicos Riscos biológicos Riscos de acidentes
ergonômicos
Ruído Poeiras Vírus Esforço físico intenso Arranjo físico inadequado
Levantamento e transporte
Vibrações Máquinas e equipamentos sem proteção
Fumos Bactérias manual de peso
Radiações ionizantes Névoas Protozoários Exigência de postura inadequada Ferramentas inadequadas ou defeituosas
Radiações não
Neblinas Fungos Controle rígido de produtividade Iluminação inadequada
ionizantes
Frio Gases Parasitas Imposição de ritmos excessivos Eletricidade
Calor Vapores Bacilos Trabalho em turno e noturno Probabilidade de incêndio ou explosão
Produtos químicos Armazenamento
Pressões anormais Jornada de trabalho prolongada
em geral inadequado
Umidade Monotonia e repetitividade Animais peçonhentos
Outras situações causadoras de
Situações de acidentes em geral
estresse físico e/ou psíquico

Quadro 4 Classificação dos riscos segundo critérios de intensidade

Agentes de riscos Pequeno Médio Grande


Quando concentração, intensidade, tempo de
exposição etc. estão acima dos limites considera-
Quando os agentes existem
Quando as condições agressivas dos dos toleráveis pelo organismo humano e não há
no ambiente, mas em proteção individual ou coletiva eficiente.
agentes estão abaixo dos limites to-
Físicos, químicos e concentração ou intensida- Quando não existem dados precisos sobre con-
leráveis para as pessoas, mas ainda
biológicos de tal que a capacidade de centração, intensidade, tempo de exposição etc.
causam desconforto – com ou sem
agressão às pessoas possa e, comprovadamente, os agentes estejam afetan-
proteção individual ou coletiva.
ser considerada desprezível. do a saúde do trabalhador, mesmo que existam
meios de proteção individual e coletiva.
Quando for flagrante:
- trabalho permanente e excessivamente pesado;
Podem ser considerados - postura totalmente em desacordo com a posição
Podem ser consideradas as situa- e os movimentos normais do corpo em longos
trabalhos que cansam, com
Ergonômicos ções citadas no item seguinte, períodos;
pouca probabilidade de
quando ocasionais. - jornada de trabalho com muitas horas extras;
afetar a pessoa.
- serviços com movimentos rápidos e repetitivos
por longos períodos.
Quando forem evidentes casos que podem causar
lesões sérias, como:
- máquinas, equipamentos, plataformas, escadas
Podem ser considerados os etc. desprovidos dos meios de segurança;
Podem ser considerados as caracte- - arranjo físico serem ou estarem de tal forma
trabalhos que não aproxi-
rísticas dos meios e dos processos e a comprometer seriamente a segurança das
De acidentes mam os trabalhadores de
o trabalho que expõe as pessoas ao pessoas;
(mecânicos) pontos agressivos, como,
perigo, com pouca probabilidade de - ferramentas manuais comprometerem ou esta-
por exemplo, em máquinas
lesões sérias. rem visivelmente comprometendo a segurança
automáticas.
dos usuários;
- armazenamento ou transporte de materiais de
maneira desordenada e visivelmente inseguras

56 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005


Os critérios de classificação de riscos de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases
foram baseados na Norma Regulamentado- e vapores, ou que, pela natureza da ativi-
ra nº 9 do Ministério do Trabalho (BRASIL, dade ou exposição, possam ter contato ou
1978), que considera riscos ambientais, os ser absorvidos pelo organismo através da
riscos físicos, químicos e biológicos. Ris- pele ou por ingestão; já os riscos biológicos
cos físicos se referem à exposição a ruídos, constituem-se devido à exposição a bacté-
vibrações, radiações não ionizantes, bem rias, fungos, bacilos, parasitas, protozoá-
como os infra-sons e os ultra-sons; os ris- rios, vírus etc. Neste trabalho, foram con-
cos químicos estão relacionados à exposi- siderados também os riscos ergonômicos e
ção a substâncias, compostos ou produtos os riscos de acidentes como previsto nos
químicos que possam penetrar no organis- procedimentos regulamentares para elabo-
mo através das vias respiratórias, na forma ração do Mapa de Riscos (BRASIL, 1994).

Resultados e Discussão

Perfil da população trabalhadora uma distribuição da lotação dos trabalha-


dores segundo o setor em que atuam. Des-
A indústria farmacêutica aqui estudada
ta, percebe-se que 44,3% dos trabalhado-
possuía, à época da pesquisa, 596 trabalha-
res estão lotados em áreas administrativas
dores em seu quadro de funcionários distri-
buídos em diversas atividades nos setores (administração e serviços gerais), enquanto
produtivo e administrativo. Deste quanti- que 55,7% estão lotados em áreas fabris de
tativo, apenas 40,7% pertencem ao quadro produção de medicamentos ou de apoio a
de funcionários efetivos, o remanescente esta. Dos setores fabris, o que detém um
(59,3%) diz respeito aos empregados pres- maior número de trabalhadores é o setor
tadores de serviços. Tal diferenciação se de sólidos (17,1%), seguido da produção de
faz tendo em vista que o acesso ao quadro líquidos não antibióticos e gotas (10,4%).
de funcionários efetivos se dá através de Destacam-se ainda os setores auxiliares à
concurso público, uma vez que a empresa produção, como o Controle de Qualidade,
estudada é uma empresa pública. Do total Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), utili-
de funcionários, 49,3% são do sexo mascu- dades, no qual estão contempladas as gera-
lino e 50,7%, do sexo feminino. A média ções de água purificada grau farmacêutico,
de tempo de serviço dos funcionários efe- o vapor através de caldeiras a óleo BPF, o ar
tivos nos seus postos de trabalho é de 20 comprimido e os sistemas de HVAC (clima-
anos, enquanto que, para os terceirizados, tização das áreas), que representam 17,6%
este tempo é de 4,3 anos. A Tabela 2 mostra dos trabalhadores (n=105) da empresa.

Tabela 2 Distribuição dos trabalhadores segundo o setor em que atuam

Setor n* %
Almoxarifados de insumos e produto acabado 34 5,7
Sólidos 102 17,1
Sólidos anti-retrovirais 30 5
Líquidos não antibióticos e gotas 62 10,4
Líquidos antibióticos 20 3,4
Controle de qualidade, pesquisa e desenvolvimento (P&D) 43 7,2
Utilidades (água, vapor, ar comprimido, ar condicionado), engenharia e manutenção 28 4,7
Serviços gerais (refeitório, limpeza, conservação etc.) 84 14,1
Administração 193 32,4
Total 596 100

* número de trabalhadores.

Processos de fabricação de medicamentos ja obter. As formas farmacêuticas sólidas,


Os processos de fabricação de medi- que incluem comprimidos, cápsulas e pós,
camentos são escolhidos basicamente em são as formas mais extensamente utiliza-
função da forma farmacêutica que se dese- das. Já as formas farmacêuticas líquidas,

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005 57


que incluem xaropes (soluções concentra- O método de granulação a seco é es-
das de açúcar), soluções e suspensões, são pecialmente aplicável a materiais que não
preparadas para administração a crianças podem ser preparados por granulação úmi-
ou a pessoas com dificuldade de engolir da devido ao fato de se degradarem com a
comprimidos ou cápsulas e são preparadas umidade ou com as elevadas temperaturas
utilizando um veículo, que muito comu- necessárias para a secagem. Neste método,
mente é água, no qual as substâncias ativas o grânulo não é formado por umedecimen-
podem estar dissolvidas ou em suspensão. to ou adição de aglutinantes à mistura em
pó, mas sim por compactação na forma de
Os comprimidos são concebidos, nor-
grandes comprimidos e subseqüente aglo-
malmente, contendo na sua composição,
meração e redução a grânulos menores.
além da substância ativa, outras substân-
cias, não ativas, chamadas de excipientes, Algumas substâncias químicas gra-
responsáveis por assegurar que o medica- nuladas possuem propriedades de coesão
mento possua peso, volume e consistência que possibilitam que sejam compactadas
necessários para a correta administração diretamente, sem necessidade de granu-
do princípio ativo. Três métodos básicos lação úmida ou seca. Porém, o número de
são utilizados para a preparação de com- substâncias ativas que podem ser transfor-
primidos: granulação úmida, granulação a madas em comprimidos sem uma granu-
seco e compressão direta. lação prévia é muito pequeno. O uso de
No método de granulação úmida, o pro- excipientes especiais proporciona a certas
cesso envolve as seguintes etapas básicas: formulações as condições necessárias para
1) pesagem e mistura dos componentes; 2) compressão direta.
preparo da granulação úmida; 3) formação As cápsulas utilizam um invólu-
de grânulos pela passagem de massa úmi- cro de gelatina que carreia no seu interior a
da em tela; 4) secagem; 5) calibração do mistura de pós ou grânulos formados, onde
grânulo seco; 6) mistura de lubrificante; 7) está a substância ativa por intermédio de
compressão. Na pesagem e na mistura, o máquinas conhecidas como encapsuladei-
princípio ativo, o diluente e o desintegran- ras.
te presentes na formulação são pesados e
misturados normalmente num misturador Da mesma forma que os comprimidos,
tipo “V”. Para que a mistura de pós flua os medicamentos líquidos são preparados,
uniforme e livremente, é necessário con- tendo em sua formulação não só uma subs-
verter a mistura de pó para grânulos na tância ativa, mas também conservantes,
etapa de granulação. Isso é obtido adicio- modificadores de sabor, de cor, agente sus-
nando-se um aglutinante líquido à mistura pensor, modificadores de viscosidade etc.
de pó, passando a massa úmida através de São preparados em tanques onde as subs-
um tamis do tamanho desejado, secando o tâncias da formulação, previamente pesa-
granulado e passando novamente por um das, são adicionadas aos referidos tanques
segundo tamis de malha menor para re- sob agitação na presença de um veículo
duzir ainda mais o tamanho dos grânulos, que pode ser a água ou outro adequado,
etapa conhecida como calibração. Depois proporcionando solubilização ou suspen-
da calibração, acrescenta-se um lubrifican- são dos componentes.
te seco que pode ser pulverizado sobre o
granulado ou misturando num misturador Como já relatado, as indústrias far-
de pó adequado. Na seqüência, o granula- macêuticas são projetadas por forma far-
do, já lubrificado, alimenta as máquinas de macêutica; entretanto, são quase sempre
compressão. Nestas, o granulado é pres- concebidas para fabricação de múltiplos
sionado no interior de uma matriz de aço produtos utilizando os mesmos equipa-
através do movimento de dois punções de mentos de processo. Esta multiplicidade de
aço, um inferior e outro superior. Cada má- produtos, de diversas classes terapêuticas,
quina possui um número variável de pun- requer a execução de eficientes processos
ções em função de sua capacidade. Após de sanitização e limpeza entre um produto
a compressão, os comprimidos podem re- e o subseqüente, tendo em vista a minimi-
ceber um revestimento da sua superfície e zação de contaminação cruzada, isto é, a
permanecem em quarentena aguardando contaminação de um produto por resíduos
liberação pelo controle de qualidade. Na de princípios ativos, de agentes sanitizantes
seqüência, recebem a embalagem primá- ou de contaminação microbiana originados
ria, normalmente blister, que é composto no processo de limpeza ou remanescentes
de uma camada de PVC e alumínio ou la- do produto fabricado anteriormente. A le-
minados de alumínio. gislação sanitária, visando à minimização

58 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005


de possíveis contaminações cruzadas com que, mesmo sem serem considerados como
substâncias conhecidas como altamente substâncias sensibilizantes por se tratarem
ativas ou altamente sensibilizantes, res- de drogas relativamente novas, ainda não
tringe a fabricação de medicamentos que exaustivamente estudadas dos pontos de
possuam tais substâncias na sua formula- vista toxicológico e ocupacional, foram
ção na mesma área ou utilizando os mes- incluídos nessa lista, promovendo indis-
mos equipamentos que outros medicamen- tintamente a proteção de corpo inteiro dos
tos de outras classes terapêuticas. Dentre trabalhadores e minimizando o contato dos
essas classes de substâncias altamente mesmos com estes fármacos.
sensibilizantes, estão os hormônios, os ci-
Riscos do processo
tostáticos, os antibióticos cefalosporínicos,
os antibióticos penicilânicos e os antibió- Para cada processo produtivo e suas res-
ticos não beta-lactâmicos. Tais restrições pectivas etapas foi realizada uma descrição
passaram a determinar a disponibilização das atividades desenvolvidas e identifica-
de proteções especiais para os trabalha- dos os agentes de riscos detectados, bem
dores destas áreas, como, por exemplo, o como verificado o número de trabalhado-
uso de escafandros como equipamento de res expostos a cada um desses riscos. Os
proteção individual em todas as etapas do Quadros 5, 6 e 7 resumem todo o levan-
processo produtivo. Este é o caso da fabri- tamento, inclusive das áreas auxiliares e
cação dos medicamentos anti-retrovirais, administrativas.

Quadro 5 Processo de fabricação de formas farmacêuticas líquidas (soluções, xaropes, suspensões) e seus riscos

Etapa do processo Descrição das atividades Riscos envolvidos

Recebimento, conferência, armazenamento Ergonômicos: resultantes de temperaturas desconfortáveis,


1. Movimentação de
provisórios até que tenham sua qualidade esforço físico, mobiliários inadequados, iluminação e arran-
insumos
atestada (quarentena). jo físico deficientes.

Químicos: resultantes da amostragem de matérias-primas


bem como das análises físico-química e microbiológica
Todas as matérias-primas e os materiais de
2. Análise de qualidade destes insumos.
embalagem são analisados para verificação
dos insumos Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
das suas características de qualidade.
proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: mobiliário inadequado.

Ergonômicos: resultantes de temperaturas desconfortáveis,


3. Armazenamento de Todos os insumos aprovados são armazena-
esforço físico, mobiliários inadequados, iluminação e arran-
insumos liberados dos respeitando condições específicas.
jo físico deficientes.

Fracionamento e pesagem de produtos quími- Químicos: resultantes do fracionamento e da pesagem de


4. Pesagem e
cos e farmoquímicos; separação de insumos produtos químicos e farmoquímicos.
fracionamento dos
de materiais de embalagem requeridos para Ergonômicos: resultantes de iluminação e arranjo físico
insumos
uma determinada produção. deficientes.
Químicos: resultantes do manuseio dos produtos químicos
Todas as áreas, salas, equipamentos, recipien-
sanitizantes.
5. Liberação de linhas tes e utensílios são limpos e sanitizados antes
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
da manipulação.
proliferação de microorganismos.

Químicos: resultantes do manuseio das matérias-primas da


Conferências das matérias-primas quanto formulação do medicamento.
ao tipo e ao peso requeridos na formulação; Físicos: ruídos provenientes dos equipamentos de processo
6. Manipulação preparo do medicamento propriamente dito, (motores, bombas e agitadores).
isto é, mistura de pós, diluentes, corantes, Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
essências e conservantes do produto. proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: esforço físico, manuseio de cargas.

Químicos: resultantes das análises físico-químicas dos pro-


O produto manipulado é analisado pelo dutos intermediários.
7. Análise de produtos
controle da qualidade para verificação da Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
intermediários
qualidade. proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: mobiliários inadequados. (...)

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005 59


(...) Quadro 5 Processo de fabricação de formas farmacêuticas líquidas (soluções, xaropes, suspensões) e seus riscos

Etapa do processo Descrição das atividades Riscos envolvidos

Físicos: ruídos provenientes do atrito de frascos de vidro,


O produto intermediário aprovado pelo tampas, copinhos dosadores e do próprio equipamento de
controle de qualidade é transferido para fras- envase.
8. Envase
cos de vidro ou de polietileno num volume Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
específico. proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: mobiliários inadequados.
Físicos: ruídos provenientes do atrito de frascos de vidro e
Os frascos cheios com o medicamento do equipamento de rotulagem.
9. Rotulagem recebem um rótulo com as informações do Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
medicamento. proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: mobiliários inadequados.

Os frascos rotulados são acondicionados Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível


manualmente em caixas de papelão ondulado proliferação de microorganismos.
10. Embalagem
com múltiplas unidades, as quais recebem um Ergonômicos: esforço físico na movimentação de caixas do
rótulo e as respectivas bulas dos produtos. produto acabado; mobiliários inadequados.

Químicos: resultantes das análises físico-químicas dos pro-


Antes de serem distribuídos, os medicamen-
dutos intermediários.
11. Análise do produto tos são novamente analisados pelo controle
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
acabado de qualidade para verificação de todas as
proliferação de microorganismos.
informações técnicas pertinentes ao produto.
Ergonômicos: mobiliários inadequados.

O medicamento embalado, após aprovação


Ergonômicos: esforço físico por movimentação de caixas do
12. Expedição do controle de qualidade, é enviado ao almo-
produto acabado.
xarifado para distribuição.

Quadro 6 Processo de fabricação de formas farmacêuticas sólidas (comprimidos, comprimidos revestidos, cápsulas, pós) e seus riscos

Etapa do processo Descrição das atividades Riscos envolvidos

Recebimento, conferência, armazenamento Ergonômicos: resultantes de temperaturas desconfortáveis,


1. Movimentação de
provisórios até que tenham sua qualidade esforço físico, mobiliários inadequados, iluminação e arran-
insumos
atestada (quarentena). jo físico deficientes.
Todas as matérias-primas e os materiais de Químicos: resultantes da amostragem de matérias-primas
2. Análise de qualidade
embalagem são analisados para verificação bem como das análises físico-químicas e microbiológicas
dos insumos
das suas características de qualidade. destes insumos.

Ergonômicos: resultantes de temperaturas desconfortáveis,


3. Armazenamento de Todos os insumos aprovados são armazena-
esforço físico, mobiliários inadequados, iluminação e arran-
insumos liberados dos respeitando condições específicas.
jo físico deficientes.

Fracionamento e pesagem de produtos Químicos: resultantes do fracionamento e da pesagem de


4. Pesagem e fraciona- químicos e farmoquímicos; separação de produtos químicos e farmoquímicos.
mento dos insumos insumos de materiais de embalagem requeri- Ergonômicos: resultantes de iluminação e arranjo físico
dos para uma determinada produção. deficientes.

Todas as áreas, salas, equipamentos, reci-


Químicos: resultantes do manuseio de produtos químicos
pientes e utensílios são limpos e sanitizados
sanitizantes.
5. Liberação de linhas antes da manipulação; conferência das
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
matérias-primas quanto ao tipo e ao peso
proliferação de microorganismos.
requeridos na formulação.

Ajuste da granulometria dos pós utilizando


Químicos: resultante do manuseio das matérias-primas.
6. Tamização e mistura um jogo de tamiz; mistura de pós, principais
Físicos: ruídos provenientes dos equipamentos.
componentes da formulação.
(...)

60 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005


(...) Quadro 6 Processo de fabricação de formas farmacêuticas sólidas (comprimidos, comprimidos revestidos, cápsulas, pós) e seus riscos

Etapa do processo Descrição das atividades Riscos envolvidos

Etapa utilizada para processos que não


utilizam compressão direta quando se deseja Químicos: resultantes do manuseio da mistura de pós.
obter grânulos com a finalidade de promo- Físicos: ruídos provenientes dos equipamentos de granula-
7. Granulação / seca-
ver a adesão entre as partículas durante a ção e calibração.
gem / normalização
compressão / uso de estufas para retirada do Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
(calibração)
excesso de umidade do granulado / unifor- proliferação de microorganismos.
mização do tamanho dos grânulos através de Ergonômicos: esforço físico e mobiliários inadequados.
nova tamização.
Químicos: resultantes das análises físico-químicas dos pro-
dutos intermediários.
8. Análise de produtos O produto manipulado é analisado para
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
a granel (pós) verificação da qualidade.
proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: mobiliários inadequados.
Químicos: resultantes do manuseio das matérias-primas da
formulação do medicamento.
Físicos: ruídos provenientes do equipamento de compres-
Compactação dos pós adquirindo a forma de
9. Compressão são.
comprimido.
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: esforço físico e mobiliários inadequados.
Químicos: resultantes das análises físico-químicas dos pro-
dutos intermediários.
10. Análise de produtos O produto manipulado é analisado para
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
intermediários verificação da qualidade.
proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: mobiliários inadequados.
Químicos: resultantes do preparo de soluções de revesti-
mentos.
Alguns tipos de comprimidos necessitam Físicos: ruídos provenientes do equipamento de revestimen-
11. Revestimento receber aplicação de uma fina camada de po- to.
límero, formando uma película que o reveste. Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: esforço físico e mobiliários inadequados.

Químicos: resultantes do pó gerado no atrito dos comprimi-


Embalagem dos comprimidos em blister, dos com os equipamentos.
12. Embalagem primá-
envelopes ou frascos, onde os comprimidos Físicos: ruídos provenientes das máquinas envelopadeiras
ria (emblistamento,
ficam entre uma camada de PVC e uma cama- ou emblistadeiras.
envelopamento ou
da de alumínio, duas camadas de alumínio ou Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
envase)
frascos de polietileno. proliferação de microorganismos.
Ergonômicos: esforço físico e mobiliários inadequados.

Acondicionamento de múltiplas unidades de


Físicos: ruídos provenientes das emblistadeiras.
13. Embalagem blisters ou envelopes em caixas de papelão
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
secundária / terciária / ou cartolina (secundária) e estas em caixas
proliferação de microorganismos.
rotulagem de papelão ondulado (terciária). As caixas
Ergonômicos: esforço físico, mobiliários inadequados e
recebem um rótulo com as informações do
monotonia.
medicamento além de suas respectivas bulas.

Químicos: resultantes das análises físico-químicas dos pro-


Antes de serem distribuídos, os medicamen-
dutos acabados.
14. Análise do produto tos são novamente analisados pelo controle
Biológicos: trabalho em ambientes climatizados; possível
acabado de qualidade para verificação de todas as in-
proliferação de microorganismos.
formações técnicas pertinentes ao produto.
Ergonômicos: mobiliários inadequados.
Os medicamentos embalados, após aprova-
Ergonômicos: esforço físico por movimentação das caixas
15. Expedição ção do controle de qualidade, são enviados
dos produtos acabados.
ao almoxarifado para distribuição.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005 61


Quadro 7 Processos auxiliares da fabricação de medicamentos e seus riscos

Etapa do processo Descrição das atividades Riscos envolvidos

Químicos: resultantes do manuseio de produtos químicos de


Produção de água purificada, ar comprimido, tratamento de água e geração de vapor.
1. Utilidades ar condicionado e vapor d’água, oficinas de Físicos: ruídos provenientes de caldeiras, bombas e compres-
manutenção elétrica e mecânica. sores, além de temperaturas elevadas na geração de vapor.
Ergonômicos: esforço físico e mobiliários inadequados.

Fabricação de lotes de medicamentos em


Químicos: resultantes do manuseio de produtos químicos de
escala piloto e semi-industrial para estu-
análises físico-químicas e da manipulação de matérias-pri-
2. Pesquisa e do; desenvolvimento de novos produtos e
mas no preparo de lotes pilotos de medicamentos.
Desenvolvimento otimização de formulações; execução de
Físicos: ruídos provenientes de equipamentos de bancada e
(P&D) análises físico-químicas em matérias-primas,
escala semi-industrial.
produtos acabados e em processos de medi-
Ergonômicos: esforço físico e mobiliários inadequados.
camentos em estudo.
Atividades administrativas (licitações,
jurídico, financeiro, contabilidade, recursos Ergonômicos: esforços repetitivos, mobiliários inadequados
3. Administração
humanos, informática, suprimentos, planeja- e iluminação deficiente.
mento, vendas, BPF).
Químicos: resultantes do manuseio de produtos químicos de
limpeza e conservação, tintas e solventes para pintura.
Vigilância, refeitório, telefonistas, transpor- Físicos: ruídos para telefonistas; ruído e calor na carpintaria;
4. Serviços gerais tes, carpintaria, pintura, limpeza e conser- calor no refeitório.
vação. Biológicos: limpeza e conservação de sanitários.
Ergonômicos: esforço físico, mobiliários inadequados e
iluminação deficiente.

A Tabela 3 e a Figura 1 mostram o resul- micos, isto é, 95% dos trabalhadores estão
tado da distribuição do número de traba- expostos a riscos desta natureza. Tal expo-
lhadores em função da exposição ao risco e sição no processo produtivo é resultante
de esforços físicos diversos e habilidades
em função dos subprocessos da fabricação
repetitivas aliados a exigências de postura
de medicamentos. Observa-se que há uma inadequada, situação mais comum ao lon-
prevalência de exposição a riscos ergonô- go de toda a empresa.

Tabela 3 Distribuição dos trabalhadores segundo a exposição ao risco

Setor Riscos químicos Riscos físicos Riscos biológicos Riscos de acidentes Riscos ergonômicos

Almoxarifados de insumos e PA 4 10 ---- 34 32


Sólidos 63 95 100 56 102
Sólidos anti-retrovirais 15 18 29 10 30
Líquidos não antibióticos e gotas 8 25 40 10 45
Líquidos antibióticos 5 10 16 6 17
Controle de qualidade, P&D 40 31 39 11 43
Utilidades, engenharia e manutenção 22 23 ---- 27 28
Serviços gerais 33 27 29 84 81
Administração 7 7 ---- 188 188
Total 197 246 253 426 566
% da população total 33 41,3 42,4 71,5 95

62 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005


Figura 1 Distribuição dos trabalhadores segundo a exposição ao risco

Na escala de prevalência dos riscos, centração e sensibilidade a odores e outras


aparece em seguida o risco de acidentes, doenças (CAASI, 2003).
sendo o principal potencial agente causa-
Por fim, surgem os riscos físicos e quí-
dor os níveis de iluminação que estiveram,
na sua grande maioria, inadequados para micos que atingem 41,3% e 33% dos traba-
cada atividade desenvolvida. lhadores respectivamente. Os riscos físicos
são oriundos principalmente dos ruídos de
Os riscos biológicos vêm em seguida, máquinas e equipamentos e os riscos quí-
atingindo um percentual de 42,4% da po- micos são resultantes do contato com uma
pulação trabalhadora, e foram identifica- grande variedade de produtos químicos,
dos como presentes, principalmente, em substâncias ativas (fármacos), excipientes
função dos trabalhadores das áreas fabris de formulação, solventes, ácidos, bases
desenvolverem atividades em ambientes etc. apresentados muitas vezes na forma de
climatizados, cujo controle possibilita a pós. E é na forma de partículas em suspen-
manutenção dos parâmetros de tempera- são (poeiras) que a exposição dos trabalha-
tura, umidade, níveis de contaminação dores mais se apresenta.
microbiana, que em casos de desvios po-
dem levar ao desenvolvimento de fungos, Fica clara a diversidade dos riscos nos
bolores e microorganismos patogênicos, ambientes de trabalho da indústria de me-
poluentes e ao conseqüente aparecimen- dicamentos. Convém também observar que
to de problemas de saúde motivados por tais riscos se apresentam de formas distin-
estes fatores. Vale lembrar que, segundo tas nos diversos processos produtivos e em
a Organização Mundial de Saúde (OMS), cada uma das subetapas destes processos,
mais da metade dos locais fechados, como tendo em vista que os riscos se manifestam
empresas, escolas, cinemas, residências e com maior ou menor intensidade.
até hospitais, tem ar de má qualidade, sen-
do este baixo padrão de qualidade causado Isso posto, fez-se necessária a classifi-
principalmente por má higienização dos cação dos riscos segundo critérios de inten-
sistemas de ar condicionado e pela falta de sidade nos quais se apresentam. Os riscos
controle periódico sobre as possíveis fon- foram classificados segundo a intensidade
tes de contaminação. Acredita-se que as (pequeno, médio e grande) e os critérios
constantes exposições a ambientes clima- que os diferenciam estão mostrados no
tizados sem controles adequados podem Quadro 4. Escolhido o critério, fez-se uma
gerar supressão do sistema imunológico, classificação de todos os riscos ambientais
processos alérgicos e sintomas variados já identificados na Tabela 3 segundo os cri-
– cefaléia, dor articular, irritação ocular e térios de intensidade. Um compilado dos
nas vias respiratórias, tosse seca, dermati- graus de riscos identificados está mostrado
te, fadiga, sonolência, dificuldade de con- na Tabela 4.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005 63


Tabela 4 Distribuição dos riscos segundo critérios de intensidade

Intensidade do risco Riscos químicos Riscos físicos Riscos biológicos Riscos de acidentes Riscos ergonômicos Total

Grande 73 4 ---- ---- 11 88


Médio 49 159 ---- 66 68 342
Pequeno 75 83 253 360 487 1258
Total 197 246 253 426 566 ----

Analisando os dados da Tabela 4, per- percebe-se que 83% dos trabalhadores ex-
cebe-se que, ao longo de todo o processo postos a riscos de grande intensidade es-
produtivo, os 197 trabalhadores estão ex- tão expostos a riscos de natureza química,
postos a riscos químicos de intensidades 46,5% dos trabalhadores expostos a riscos
diferentes: 37% são de grande intensidade, de média intensidade estão expostos aos de
25% de média intensidade e 38% de pe- natureza física e 68% dos riscos de peque-
quena intensidade. Para os riscos físicos, na intensidade foram relacionados a riscos
os percentuais mudam para 1% para os de acidentes (29%) ou riscos ergonômicos
riscos de grande intensidade, 65% para os (39%). Até aqui, a população estudada foi
de média intensidade e 34% para os de pe- classificada segundo os riscos a que está
quena intensidade. Para os riscos biológi- exposta. Na seqüência, os riscos identifica-
cos, 100% destes foram classificados como dos foram classificados segundo um grau
de pequena intensidade. Quanto aos ris- de intensidade, possibilitando a prioriza-
cos de acidentes, 85% foram classificados ção de ações preventivas. Imprescindível
como de pequena intensidade e 15% como se faz a localização destes riscos no proces-
de média intensidade. Por fim, dos riscos so de fabricação dos medicamentos. Cada
ergonômicos, 2% foram classificados como linha da Tabela 5 foi desmembrada segun-
de grande intensidade, 12% como de mé- do a lotação dos trabalhadores no processo
dia e 86% como de pequena intensidade. produtivo para obtenção deste objetivo. O
resultado está mostrado nas Tabelas 5, 6 e
Analisando estes mesmos dados ten- 7, em que n é o número de trabalhadores
do em vista a priorização dos riscos para expostos segundo o grau de intensidade
desenvolvimento de ações preventivas, dos riscos.

Tabela 5 Distribuição dos riscos de grande intensidade (n=88)

Setor Riscos químicos Riscos físicos Riscos biológicos Riscos de acidentes Riscos ergonômicos

Almoxarifados de insumos e PA 2 7
Sólidos 9
Sólidos anti-retrovirais
Líquidos não antibióticos e gotas 7 2
Líquidos antibióticos 4 2
Controle de qualidade, P&D 37
Utilidades, engenharia e manutenção 7 4
Serviços gerais 2
Administração 5

64 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005


Tabela 6 Distribuição dos riscos de média intensidade (n=342)

Setor Riscos químicos Riscos físicos Riscos biológicos Riscos de acidentes Riscos ergonômicos
Almoxarifados de insumos e PA 2 9 7 10
Sólidos 18 66 1 19
Sólidos anti-retrovirais 10 11 4
Líquidos não antibióticos e gotas 17 25
Líquidos antibióticos 6 9
Controle de qualidade, P&D 3 35 1
Utilidades, engenharia e manutenção 14 19 23
Serviços gerais 24
Administração 2 7

Tabela 7 Distribuição dos riscos de pequena intensidade (n=1258)

Setor Riscos químicos Riscos físicos Riscos biológicos Riscos de acidentes Riscos ergonômicos
Almoxarifados de insumos e PA 3 17 5
Sólidos 33 38 112 50 108
Sólidos anti-retrovirais 4 3 25 9 25
Líquidos não antibióticos e gotas 5 36 2 10
Líquidos antibióticos 1 12 2 4
Controle de qualidade, P&D 31 39 3 45
Utilidades, engenharia e manutenção 1 16
Serviços gerais 31 3 29 84 81
Administração 5 193 193

A Tabela 5 mostra que os setores de riscos é o ruído, gerado normalmente pela


controle de qualidade e a área de produção utilização freqüente de máquinas e equipa-
de formas sólidas são os responsáveis pela mentos em grande parte das subetapas do
exposição do maior número de trabalhado- processo de fabricação de formas sólidas.
res ao efeito de substâncias químicas. No
Nos riscos de pequena intensidade, há
primeiro, a exposição é resultante da expo-
um grande número de trabalhadores sob o
sição durante o processo de amostragem e efeito de riscos biológicos, ergonômicos e
de análises físico-química e microbiológica de pequenos acidentes. O primeiro predo-
de todos os insumos necessários à fabrica- mina nas áreas produtivas e se deve à expo-
ção dos medicamentos (matérias-primas e sição a ambientes climatizados; o segundo
materiais de embalagem), além de produ- e o terceiro, a posturas inadequadas, mono-
tos em processo (intermediários) e produ- tonia, trabalhos repetitivos, problemas de
tos acabados. No segundo, a exposição a layout, iluminação inadequada e situações
poeiras geradas durante as várias etapas do de acidentes em geral bem distribuídos por
processo de fabricação de comprimidos é a todos os setores da empresa, inclusive nas
situação mais comum. Eis uma grande ca- áreas administrativas.
racterística deste processo: a grande gera-
ção de poeiras, as quais tomam importân- Utilizando dados do PCMSO (Programa
cia ainda maior quando se sabe que muitos de Controle Médico e Saúde Ocupacio-
fármacos possuem concentrações mínimas nal) da empresa estudada, levantaram-se
capazes de ainda provocar alguma resposta as principais patologias nos trabalhadores
terapêutica inferior ao limite de tolerância e observou-se que os dados ainda não são
para poeiras “não classificadas”, como nor- suficientes para estabelecer a existência de
evidências de nexo causal entre os riscos
malmente são.
identificados em cada etapa dos processos
Já nos riscos de média intensidade, em e essas doenças. A Tabela 8 resume as prin-
que prevalecem os riscos físicos, o agen- cipais doenças identificadas nos setores
te principal que representa este grupo de produtivos no ano de 2003.

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 30 (112): 49-67, 2005 65


Tabela 8 Principais patologias identificadas por setor produtivo, 2003

Setor Principais doenças n*

Doenças do sistema osteomuscular 3


Hipertensão 2
Doenças do sistema respiratório 2
Produção de líquidos Enxaqueca 1
Anemias 1
Transtorno depressivo 1
Obesidade 1
Hipertensão 4
Anemias 1
Produção de sólidos
Doenças do sistema osteomuscular 5
Dermatoses 1
Asma não especificada 1
Controle de qualidade
Labirintite 1
* número de trabalhadores.

Conclusão

Este trabalho teve como objetivo a iden- ou possibilitar a ocorrência de acidentes


tificação dos riscos do processo de trabalho de trabalho. A presença desses múltiplos
de uma indústria farmacêutica produtora agentes de risco no processo produtivo re-
de medicamentos. O cenário estudado foi quer um aperfeiçoamento das técnicas de
uma grande indústria estatal localizada no
controle dos mesmos bem como o desen-
nordeste brasileiro e o estudo revelou que
a fabricação de medicamentos é desenvol- volvimento de sistemáticas mais apuradas
vida sob uma série de riscos físicos, quí- para verificação do nexo causal entre os
micos, biológicos e ergonômicos que pode- riscos aqui apontados e as patologias sur-
rão repercutir na saúde dos trabalhadores gentes na população exposta.

Agradecimentos

Aos trabalhadores do Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco S/A (LAFE-


PE®) que no exercício de suas funções possibilitaram a realização deste trabalho e desta
pesquisa.

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