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Desconstruindo trivialidades e estereótipos sobre África, um grupo de historiadores dedicados ao estudo
da história do continente africano e da diáspora negra tem revisitado temas fundamentais dos seus campos
de pesquisa. Tal escola faz a opção por abordar a África como tema imprescindível para a produção do
conhecimento histórico na contemporaneidade. Entre eles, destacam-se Elikia M’Bokolo, Jean Loup-
Amselle, Anthony Appiah, Kabengele Muganga, Achile Mbembe, Carlos Serrano, Manthia Diwara,
Stuart Hall, Joseph Ki-Zerbo, Boubakar Barry entre outros. Ver: AZEVEDO, Amailton Magno. Qual
África Ensinar no Brasil? Tendências e Perspectivas. Projeto História, São Paulo, n. 56, pp. 233-255,
Mai-Ago. 2016.
2
A expressão epistemologias do Sul é um conceito utilizado para expressar um conjunto de saberes
silenciados por povos e culturas que, ao longo da história, foram dominados e marginalizados pelo
capitalismo ou colonialismo. Ver: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (orgs)
Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010.
3
A Lei 10.639 promulgada em 2003 tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana em todas as escolas públicas e particulares do, do ensino fundamental até o ensino médio.
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A criação de pólos de investigação sobre África/Brasil possui grande responsabilidade nos estímulos das
pesquisas. Segue os principais grupos de trabalhos: Centro de Estudos AfroOrientais – (UFBA); Centro
de Estudos Afro-Asiáticos (USP); Centro de Pesquisa Afro-Asiáticos (IUPERJ); Núcleo de Estudos Afro-
brasileiros (presente em inúmeras universidades brasileiros); Cento de Estudos Africanos e da Diáspora
(PUC-SP).
deve ser historicizado e problematizado, pois se trata de uma terminologia criada a
partir de um arcabouço colonial. Tal situação ocorre, uma vez que as correntes que mais
exerceram um impacto significativo no pensamento antropológico como, por exemplo,
o evolucionismo, o funcionalismo, o culturalismo e o marxismo constituem ao mesmo
tempo doutrinas que em sua essência carecem de revisões históricas5.
Segundo o autor, a palavra “etnia”, assim como a termo “tribo” começou a ser
utilizada no vocabulário francês apenas no século XIX, isto é, em pleno contexto
colonial. Paralelamente a outros conceitos como “nação”, essas concepções passaram a
ser utilizadas em massa, referindo-se de maneira muito clara às formas de classificar
determinadas sociedades através da privação de uma alguma virtude específica. Amselle
argumenta que para os colonizadores era muito conveniente definir as sociedades
ameríndias, africanas e asiáticas como diferentes das suas. Com isto, retirariam deles
aquilo que lhes permitiam participar de uma humanidade comum. Essa virtude que fazia
dos dominadores diferentes ou superiores em relação aos dominados, corresponderia à
historicidade. Para o intelectual, as noções de “etnia” e “tribo” estão articuladas a outras
oposições através das quais se operam relações subjetivas de dominação como, por
exemplo, a distinção entre sociedade sem história e sociedade com história, sociedade
pré-industrial e sociedade industrial, comunidade e sociedade entre outras6.
5
AMSELLE, Jean-Loup. Etnias e Espaços: para uma antropologia topológica. In: AMSELLE, Jean-
Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em África. Lisboa:
Edições Pedago, 2014, p. 33.
6
Ibidem, p. 26.
um Estado-nação de carácter territorial subvalorizado. A distinção
com base na depreciação era, de facto, uma preocupação do
pensamento colonial e assim como urgia “encontrar o chefe”, era
igualmente necessário identificar entidades específicas no seio do
magma de populações que habitavam os países conquistados7.
7
AMSELLE, Jean-Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em
África. Lisboa: Edições Pedago, 2014. p. 30.
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Levando tais questões em consideração, Amselle fez a opção por trabalhar as sociedades africanas pré-
coloniais dentro das seguintes categorias: 1- espaços de troca; 2- espaços estatais, políticos e de guerra; 3-
espaços lingüísticos; 4- espaços culturais e religiosos. Para Jean-Loup Amselle as sociedades africanas
pré-coloniais precisariam ser concebidas como espaço de trocas, pois eram localidades de produção,
circulação e consumo. Os autores defendem que as sociedades pré-coloniais longe estavam de
comunidades fechadas em si mesmas. Quando aponta para essas sociedades como espaços estatais, eles
evidenciam a historicidade política do continente. Assim já sinalizam para sociedades englobantes e
englobadas no período pré-colonial. Ao discorrer sobre os espaços lingüísticos reforçam que o critério da
língua geralmente é apontado para justificar a existência ou não de uma noção de “etnia”. Endossando a
argumentação, o pesquisador mostra que a “etnia bambara” recebeu tal classificação por compartilhar da
língua bambara, assim como ocorre com os baoulés. Por fim em um último momento Amselle discute o
fator religioso com um critério para o estabelecimento de uma “etnia’. Ver: AMSELLE, Jean-Loup.
Etnias e Espaços: para uma antropologia topológica. In: AMSELLE, Jean-Loup; AMSELLE, Jean-
Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em África. Lisboa:
Edições Pedago, 2014, p. 33
é menor do que noutros domínios. No âmbito dessa disciplina,
tivemos assim a oportunidade de constatar que determinadas noções
estudadas ou em função do modo como tinham sido apreendidas pelos
colonizadores e os missionários9.
Achim Von Oppen e Ulrike Freitag também contribuíram para este debate ao
questionar as teorias da globalização. Por muito tempo, o projeto de história global
centralizou-se no continente europeu. Evidenciando a falta de profundidade histórica, os
pesquisadores defenderam que um novo projeto de história global deve ser construído a
partir de um emaranhamento e interconexões culturais. Logo, ambos apostaram no
rompimento com as histórias nacionalistas, sinalizando seus interesses naquilo que
chamaram de “New Imperial History10”.
9
AMSELLE, Jean-Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em
África. Lisboa: Edições Pedago, 2014, p. 50.
10
Corrente influenciada pelos estudos pós-coloniais, baseados em noções de influências culturais que
operam independentemente dos desenvolvimentos econômicos e políticos que costumam ser destacados
pelas historiografias convencionais. Ver: FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim Von. Introduction.
‘Translocality’: Na approach to connection and transfer inarea studies. In: Translocality. The Study of
Globalising Processes from a Southern Perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010.
e conceitos têm efeitos muito mais diversos e muitas vezes até
contraditórios do que é comumente assumido. Desenhando uma série
de novas abordagens conceituais relacionadas a esse tópico, a
translocalidade propõe, portanto, uma visão mais aberta e menos
linear sobre as múltiplas formas em que o mundo global é constituído:
através da transgressão de fronteiras entre espaços de escala e tipo
muito diferentes, bem como através da (re) criação de 'distinções
entre esses espaços11.
11
FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim Von. Introduction. ‘Translocality’: Na approach to connection and
transfer inarea studies. In: Translocality. The Study of Globalising Processes from a Southern
Perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010. p. 15.
translocais. A discussão acima sobre cidades e migração é um
exemplo. Pina-Guerassimoff ilustra não apenas a ligação entre as
situações locais na China e na França e a decisão das mulheres
chinesas de migrar. Ao discutir a vida profissional em Paris através
das lentes dos imigrantes chineses, torna-se visível um meio social,
bem como estratégias para o avanço econômico e social em uma
situação social precária, que a história social mais convencional não
pode nem mesmo tocar. O próprio tecido das cidades, não apenas em
suas condições socioeconômicas, mas até mesmo em sua configuração
física, é questionado pelos acampamentos urbanos de rua e pela
ostensiva estrangeiridade das mulheres Woodabé, em Burkina Faso,
investigadas por Elisabeth Boesen. A investigação de tais práticas
translocais precisa ser o primeiro passo para uma exploração com o
objetivo de identificar o que tem sido chamado de "novo
proletariado12".
12
FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim Von. Introduction. ‘Translocality’: Na approach to connection and
transfer inarea studies. In: Translocality. The Study of Globalising Processes from a Southern
Perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010. p. 17.
13
Ibidem, p.3.
recepção, as formas de percepção, rituais e produções simbólicas são elementos
popularmente investigados por esse nicho14.
14
DAVIS, Nathalie Zemon. “Las formas de La historia social”. In: Historia Social, n 10, 1991. p. 177
15
Thompson estuda o fazer-se da classe operária, pois na sua concepção a sua formação é um processo
ativo. Ela se dá tanto pelas ações humanas, como também aos condicionamentos. Para o historiador a
classe operária não surgiu de maneira espontânea, mas esteve presente no seu próprio fazer-se. Ver:
THOMPSON, E. P. Formação da Classe Operária Inglesa. Vol. I- árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987.
16
CHAKRABARTY, D. Rethinking Working Class History: Bengal 1890-1940. Princeton: Princeton
University Press, 1989.
17
DAVIS, N.Z. Culturas do povo: Sociedade e cultura no início da França Moderna. Rio de Janeiro, Paz
e Terra,1990.
18
_______________. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Atualmente a historiadora vem dialogando com estudos pós-coloniais. Para Davis
os especialistas deste campo revolucionaram a história das expansões imperialistas, pois
concederam aos próprios povos dominados vozes e ações, mostrando suas reações antes
dos europeus, seus sofrimentos e sua resistência. Assim, descentralizaram uma narrativa
voltada para as políticas das nações imperialistas conquistadoras e as ações heróicas dos
seus sujeitos19.
Neste terceiro momento da sua vida acadêmica, Natalie Davis escreveu seu ensaio
chamado “Descentralizando la historia: relatos locales y cruces culturales em um
mundo globalizado20”, onde prova que a descentralização das narrativas históricas
afetaria objeto de estudo e postura do pesquisador. Para ela, um historiador
descentralizado não narra a história somente sob um ponto de vista do privilegiado em
uma parte específica do mundo, ou seja, uma classe dominante européia. Desse modo,
em seus últimos trabalhos, Davis vem tentando descentralizar suas lentes para ampliar
seu campo de visão social e geográfico a fim de introduzir vozes plurais no relato21.
Para realizar sua tarefa, Davis investiu na micro-história e no diálogo interdisciplinar
como método de análise para chegar às agências de indivíduos marginalizados.
19
O’ DONNELL, Julia; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Cultura em Movimento: Natalie
Davis entre a antropologia e a história social. História Unisinos 20(2):131-142, Maio/Agosto 2016.
20
DAVIS; N, Z. Descentralizando la historia: relatos locales y cruces culturales em um mundo
globalizado. Historia e Teoria, 50(2), 2011.
21
DAVIS, N.Z. 1990. Culturas do povo: Sociedade e cultura no início da França Moderna. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, p.308.
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As fichas de membros foram elaboradas em 1928 com o objetivo de levantar os dados sobre os fiéis na
mudança de endereço fixo da instituição. Neste livro constam informações como nome completo, sexo,
idade, nacionalidade, estado civil, endereço, religião a que pertencia, forma/data da recepção na igreja
Pretendo buscar orientação teórica nas perspectivas de “história vista de baixo”,
desenvolvidas por E. P. Thompson e Nathalie Zemon Davis. Minha opção metodológica
se volta para a micro-história italiana, pois quero reconstituir trajetórias de vidas a partir
do cruzamento das informações observadas nos múltiplos documentos. No entanto,
analisando as fichas cadastrais dos fiéis, percebi uma expressiva incidência de
estrangeiros arrolados na membresia da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro. No
ano de 1930 a igreja possuía aproximadamente 898 membros. 784 foram registrados
como brasileiros e 114 receberam outras classificações. Entre os 12,70% da membresia
estrangeira encontravam-se 63 portugueses, 23 estadunidenses, 8 espanhóis, 6 italianos,
4 alemães, 3 ingleses, 2 letões, 2 sírios e 1 russo, austríaco e estônico. A maioria deles,
imigrantes pobres.
REFERÊNCIAS
atual, ministro que realizou o batismo/data e uma seção de observações a respeito de cada indivíduo.
Nesse último campo se encontram as informações referentes a falecimento, casamento, pedidos de
transferência e exclusões. As Atas são registros oficiais das reuniões deliberativas que ocorriam
mensalmente com a participação dos fies arrolados no rol de membros. Esses documentos retratavam a
vida cotidiana dessas pessoas dentro e fora da instituição religiosa. Os Relatórios da Tesouraria e a Caixa
de Socorro também são documentos imprescindíveis para a pesquisa, pois dizem a respeito da vida
financeira da igreja. No primeiro constam informações como o valor do dízimo de cada fiel, notas de
compras de para a instituição e pagamento de salários. Já o segundo se refere a assistência social. Em
outras palavras, doações concedidas aos membros com menor poder aquisitivo ou a pessoas da
comunidade que procuravam por auxílio.
23
Este levantamento ainda encontra-se em fase de construção.
CHAKRABARTY, D. Rethinking Working Class History: Bengal 1890-1940.
Princeton: Princeton University Press, 1989.
___________. “Las formas de La historia social”. In: Historia Social, n 10, 1991.