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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

“ACHIM VON OPPEN, ULRIKE FREITAG E JEAN-LOUP AMSELLE:


REFLEXÕES PÓS-COLONIAIS PARA A PRODUÇÃO DE UMA HISTÓRIA
SOCIAL”.

Disciplina: História e Cultura.

Professores: Henrique Estrada Rodrigues e João


Masao Kamita.

Aluno: Álvaro Ramon Ramos Oliveira.

RIO DE JANEIRO, 12/07/2019.


No decorrer dos últimos anos, historiadores pós-coloniais e decoloniais vêm
lutando para superar as teorias eurocêntricas do conhecimento. Como herdeiros da
ideologia pan-africanista1, esses estudiosos apresentaram novas possibilidades para a
escrita da história. Baseados teoricamente em questões emergentes nas epistemologias
do Atlântico Sul2, tais intelectuais estão desconstruindo tradicionais clichês e
estereótipos estabelecidos nas histórias da África, América e Ásia.

Desde a promulgação da Lei 10.6393, presenciamos um expressivo aumento do


volume de publicações sobre História da África nas academias brasileiras4. Grande parte
desses trabalhos nitidamente encontra-se em diálogos com referências pós-coloniais.
Tendo em vista a popularidade e a contribuição dessa corrente para o debate intelectual,
pretende-se neste texto colocar em diálogo, intelectuais como Achim Von Oppen,
Ulrike Freitag e Jean-Loup Amselle, articulando suas possíveis contribuições teórico-
metodológicas para se fazer uma nova história social dos batistas cariocas.

Os pesquisadores que apresentaremos no decorrer do texto são destaques nos


últimos anos por desconstruir algumas questões privilegiadas em torno do estudo sobre
África. Na organização do livro Pelos Meandros da Etnia: etnias, tribalismo e Estado
em África, Elikia M’Bokolo e Jean-Loup Amselle elaboraram uma pertinente crítica
relacionada às visões insuficientes e racistas na concepção da África como um espaço
provido de etnias fechadas em si mesmas.

Em seu artigo Etnias e Espaços: para uma antropologia topológica, publicado no


livro citado acima, Amselle mostrar o esgotamento do termo “etnia”. Para ele o conceito

1
Desconstruindo trivialidades e estereótipos sobre África, um grupo de historiadores dedicados ao estudo
da história do continente africano e da diáspora negra tem revisitado temas fundamentais dos seus campos
de pesquisa. Tal escola faz a opção por abordar a África como tema imprescindível para a produção do
conhecimento histórico na contemporaneidade. Entre eles, destacam-se Elikia M’Bokolo, Jean Loup-
Amselle, Anthony Appiah, Kabengele Muganga, Achile Mbembe, Carlos Serrano, Manthia Diwara,
Stuart Hall, Joseph Ki-Zerbo, Boubakar Barry entre outros. Ver: AZEVEDO, Amailton Magno. Qual
África Ensinar no Brasil? Tendências e Perspectivas. Projeto História, São Paulo, n. 56, pp. 233-255,
Mai-Ago. 2016.
2
A expressão epistemologias do Sul é um conceito utilizado para expressar um conjunto de saberes
silenciados por povos e culturas que, ao longo da história, foram dominados e marginalizados pelo
capitalismo ou colonialismo. Ver: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (orgs)
Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010.
3
A Lei 10.639 promulgada em 2003 tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana em todas as escolas públicas e particulares do, do ensino fundamental até o ensino médio.
4
A criação de pólos de investigação sobre África/Brasil possui grande responsabilidade nos estímulos das
pesquisas. Segue os principais grupos de trabalhos: Centro de Estudos AfroOrientais – (UFBA); Centro
de Estudos Afro-Asiáticos (USP); Centro de Pesquisa Afro-Asiáticos (IUPERJ); Núcleo de Estudos Afro-
brasileiros (presente em inúmeras universidades brasileiros); Cento de Estudos Africanos e da Diáspora
(PUC-SP).
deve ser historicizado e problematizado, pois se trata de uma terminologia criada a
partir de um arcabouço colonial. Tal situação ocorre, uma vez que as correntes que mais
exerceram um impacto significativo no pensamento antropológico como, por exemplo,
o evolucionismo, o funcionalismo, o culturalismo e o marxismo constituem ao mesmo
tempo doutrinas que em sua essência carecem de revisões históricas5.

Segundo o autor, a palavra “etnia”, assim como a termo “tribo” começou a ser
utilizada no vocabulário francês apenas no século XIX, isto é, em pleno contexto
colonial. Paralelamente a outros conceitos como “nação”, essas concepções passaram a
ser utilizadas em massa, referindo-se de maneira muito clara às formas de classificar
determinadas sociedades através da privação de uma alguma virtude específica. Amselle
argumenta que para os colonizadores era muito conveniente definir as sociedades
ameríndias, africanas e asiáticas como diferentes das suas. Com isto, retirariam deles
aquilo que lhes permitiam participar de uma humanidade comum. Essa virtude que fazia
dos dominadores diferentes ou superiores em relação aos dominados, corresponderia à
historicidade. Para o intelectual, as noções de “etnia” e “tribo” estão articuladas a outras
oposições através das quais se operam relações subjetivas de dominação como, por
exemplo, a distinção entre sociedade sem história e sociedade com história, sociedade
pré-industrial e sociedade industrial, comunidade e sociedade entre outras6.

Levando a discussão para o campo historiográfico, o antropólogo constatou que


no decorrer do período pré-colonial, não existia nenhuma categoria próxima a ideia de
“etnia”. Almejando a territorialização do continente africano, foram os próprios
dominadores que fizeram as divisões e classificações dessas categorias. Partindo desta
premissa, “etnia” seria um vocábulo estigmatizado por um falso arcaísmo ou por um
mito do primitivismo:

[...] Logo, o modo de existência do objecto étnico emanaria da


concomitância desses diferentes critérios. Além da sua proximidade
com a noção de “raça”, é possível verificar o quanto a definição do
termo “etnia” está manchada de etnocentrismo e é dependente da
concepção de Estado-nação, tal como foi engendrada na Europa.
Poder-se-ia afirmar, com facilidade, que o denominador comum de
todas essas definições da etnia corresponde, em última instância, a

5
AMSELLE, Jean-Loup. Etnias e Espaços: para uma antropologia topológica. In: AMSELLE, Jean-
Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em África. Lisboa:
Edições Pedago, 2014, p. 33.
6
Ibidem, p. 26.
um Estado-nação de carácter territorial subvalorizado. A distinção
com base na depreciação era, de facto, uma preocupação do
pensamento colonial e assim como urgia “encontrar o chefe”, era
igualmente necessário identificar entidades específicas no seio do
magma de populações que habitavam os países conquistados7.

Amselle também se opõe a concepção das sociedades pré-coloniais como


comunidades locais fechadas em si próprias. Ao defender que tais agrupamentos
estavam inseridos em categorias englobantes, o pesquisador afirma que cada sociedade
precisar ser apreendida como o resultado de uma teia de relações8. Abrindo mão das
lentes eurocêntricas, ele diz que as comunidades pré-coloniais devem ser visualizadas
como “cadeias de sociedades”. Desse modo, sustenta que sua posição implica
diretamente na identificação das diferentes redes que formatam as sociedades locais, no
reconhecimento dos desenvolvimentos desiguais no período pré-colonial e naturalmente
em uma alteração da perspectiva antropológica. Cabe aqui ressaltar que sua crítica aos
antropólogos consiste na falta de problematizações a determinados conceitos
cristalizados e ao mesmo tempo limitados:

[...] “clãs”, “linhagens”, “tribos”, “etnia”, etc., mesmo sendo


utilizados com cautela e entre aspas, atraiçoam quem os emprega.
Decerto que, em qualquer estudo de ordem epistemológica, é
necessário partir de noções empíricas tendo em vista a sua
desconstrução e a reconstrução de um outro espaço conceptual mais
apropriado para dar conta de uma dada “realidade”. Porém,
comparativamente a outras esferas do conhecimento, a antropologia
evidencia porventura uma maior vulnerabilidade na medida em que o
desfasamento entre as realidades observadas e os conceitos utilizados

7
AMSELLE, Jean-Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em
África. Lisboa: Edições Pedago, 2014. p. 30.
8
Levando tais questões em consideração, Amselle fez a opção por trabalhar as sociedades africanas pré-
coloniais dentro das seguintes categorias: 1- espaços de troca; 2- espaços estatais, políticos e de guerra; 3-
espaços lingüísticos; 4- espaços culturais e religiosos. Para Jean-Loup Amselle as sociedades africanas
pré-coloniais precisariam ser concebidas como espaço de trocas, pois eram localidades de produção,
circulação e consumo. Os autores defendem que as sociedades pré-coloniais longe estavam de
comunidades fechadas em si mesmas. Quando aponta para essas sociedades como espaços estatais, eles
evidenciam a historicidade política do continente. Assim já sinalizam para sociedades englobantes e
englobadas no período pré-colonial. Ao discorrer sobre os espaços lingüísticos reforçam que o critério da
língua geralmente é apontado para justificar a existência ou não de uma noção de “etnia”. Endossando a
argumentação, o pesquisador mostra que a “etnia bambara” recebeu tal classificação por compartilhar da
língua bambara, assim como ocorre com os baoulés. Por fim em um último momento Amselle discute o
fator religioso com um critério para o estabelecimento de uma “etnia’. Ver: AMSELLE, Jean-Loup.
Etnias e Espaços: para uma antropologia topológica. In: AMSELLE, Jean-Loup; AMSELLE, Jean-
Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em África. Lisboa:
Edições Pedago, 2014, p. 33
é menor do que noutros domínios. No âmbito dessa disciplina,
tivemos assim a oportunidade de constatar que determinadas noções
estudadas ou em função do modo como tinham sido apreendidas pelos
colonizadores e os missionários9.

Em síntese, a ênfase sob as inter-relações, as imbricações e os entrelaçamentos


nos estudos sobre África pré-colonial conduziria à superação do objeto antropológico
em questão, ou seja, a “etnia”. Refletindo o esgotamento desta categoria, o antropólogo
defende que superar os seus limites significará sondar os meandros da cultura,
investigar as relações sociais e pensar identidades como objetos em constante mudança.
Tal exercício aproxima o antropólogo Jean-Loup Amselle de outros importantes pós-
coloniais.

Achim Von Oppen e Ulrike Freitag também contribuíram para este debate ao
questionar as teorias da globalização. Por muito tempo, o projeto de história global
centralizou-se no continente europeu. Evidenciando a falta de profundidade histórica, os
pesquisadores defenderam que um novo projeto de história global deve ser construído a
partir de um emaranhamento e interconexões culturais. Logo, ambos apostaram no
rompimento com as histórias nacionalistas, sinalizando seus interesses naquilo que
chamaram de “New Imperial History10”.

Para investigar os “contextos locais” marginalizados, Oppen e Freitag


instrumentalizaram o conceito de translocalidade. Essa terminologia seria uma
ferramenta teórica descritiva que surgiria adaptada às realidades empíricas específicas
do Sul global:

No sentido descritivo, nos referimos à translocalidade como a soma de


fenômenos que resultam de uma multidão de circulações e
transferências. Ele designa o resultado de movimentos concretos de
pessoas, bens, idéias e símbolos que abrangem distâncias espaciais e
fronteiras cruzadas, sejam elas geográficas culturais ou políticas. A
trans-localidade como uma perspectiva de pesquisa visa destacar o
fato de que as interações e conexões entre lugares, instituições, atores

9
AMSELLE, Jean-Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias, tribalismo e Estado em
África. Lisboa: Edições Pedago, 2014, p. 50.
10
Corrente influenciada pelos estudos pós-coloniais, baseados em noções de influências culturais que
operam independentemente dos desenvolvimentos econômicos e políticos que costumam ser destacados
pelas historiografias convencionais. Ver: FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim Von. Introduction.
‘Translocality’: Na approach to connection and transfer inarea studies. In: Translocality. The Study of
Globalising Processes from a Southern Perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010.
e conceitos têm efeitos muito mais diversos e muitas vezes até
contraditórios do que é comumente assumido. Desenhando uma série
de novas abordagens conceituais relacionadas a esse tópico, a
translocalidade propõe, portanto, uma visão mais aberta e menos
linear sobre as múltiplas formas em que o mundo global é constituído:
através da transgressão de fronteiras entre espaços de escala e tipo
muito diferentes, bem como através da (re) criação de 'distinções
entre esses espaços11.

Como observado acima, a translocalidade é utilizada para explicar, através da


diversidade, as experiências e agências africanas, asiáticas e americanas
intencionalmente esquecidas no processo de globalização. Desse modo, a realização de
pesquisas norteadas por este repertório conceitual possui determinadas precondições.
Melhor dizendo, investigações translocais precisam necessariamente abranger várias
disciplinas e expertises regionais. Isso significa que o método antropológico aplicado
em perspectivas translocais deve dar conta dos processos transfronteiriços e ao mesmo
tempo refletir e colocar em confronto a pluralidade de óticas relacionadas às diversas
localidades.

Partindo de objetos e metodologias diferentes, as críticas levantadas por Jean-


Loup Amselle, Achim Von Oppen e Ulrike Freitag encontram espaços de interlocução.
O primeiro evidenciou os problemas de conceitos antropológicos eurocêntricos como,
por exemplo, “etnia”. Os dois últimos buscaram superar a velha história global, história
da dominação européia, ao conceituar translocalidade. No entanto, todos enfatizaram as
potencialidades de pesquisas baseadas em conexões culturais nas buscas pelas
epistemologias do sul. Enquanto Amselle defendeu que as sociedades pré-coloniais não
eram simples comunidades fechadas em si mesmas, mas zonas de câmbios, Oppen e
Freitag afirmaram que só um olhar direcionado para esses emaranhamentos e
interconexões “locais” imanentes em um “novo proletariado” poderia não somente criar
uma nova história global, como também renovar a história social:

Obviamente, nem todos os diferentes aspectos desse processo são


relevantes para a história social no sentido mais convencional. Essa
impressão muda, no entanto, uma vez que os próprios fundamentos da
história social são entendidos como constituídos por processos

11
FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim Von. Introduction. ‘Translocality’: Na approach to connection and
transfer inarea studies. In: Translocality. The Study of Globalising Processes from a Southern
Perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010. p. 15.
translocais. A discussão acima sobre cidades e migração é um
exemplo. Pina-Guerassimoff ilustra não apenas a ligação entre as
situações locais na China e na França e a decisão das mulheres
chinesas de migrar. Ao discutir a vida profissional em Paris através
das lentes dos imigrantes chineses, torna-se visível um meio social,
bem como estratégias para o avanço econômico e social em uma
situação social precária, que a história social mais convencional não
pode nem mesmo tocar. O próprio tecido das cidades, não apenas em
suas condições socioeconômicas, mas até mesmo em sua configuração
física, é questionado pelos acampamentos urbanos de rua e pela
ostensiva estrangeiridade das mulheres Woodabé, em Burkina Faso,
investigadas por Elisabeth Boesen. A investigação de tais práticas
translocais precisa ser o primeiro passo para uma exploração com o
objetivo de identificar o que tem sido chamado de "novo
proletariado12".

Consideráveis pesquisadores têm defendido um “novo proletário”, ou seja, uma


classe trabalhadora translocal como eixo fundamental para um aprimoramento da
história social. Para eles, investigar as teias de relações (como aborda Amselle) ou as
interconexões culturais (para Oppen e Freitag), imanentes na trajetória de sujeitos
específicos em meio a fenômenos históricos de relevância global, abriria novos
caminhos historiográficos13.

A renovação da história social segue esses caminhos. Diferentemente das


abordagens clássicas, uma nova forma de produção dessa modalidade histórica tem
buscado olhar para a multiplicidade de categorias dentro de determinado agrupamento
social. Enquanto a velha corrente voltou-se para o estudo das classes e suas definições,
tendo como objetos principais de investigação as consciências ou as atitudes
ideológicas, a nova história social procurou encontrar dados como idade, gênero,
linhagem, cor e religião que estão dispersos na camada social. Geralmente, os
problemas que orientam esses trabalhos direcionam-se para o modo em que grupos se
constituem e em que medida reforçam ou transpassam os limites da classe. Adeptos a
esse método privilegiam as trocas e interconexões culturais. Meios de transmissão e

12
FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim Von. Introduction. ‘Translocality’: Na approach to connection and
transfer inarea studies. In: Translocality. The Study of Globalising Processes from a Southern
Perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010. p. 17.
13
Ibidem, p.3.
recepção, as formas de percepção, rituais e produções simbólicas são elementos
popularmente investigados por esse nicho14.

Grandes nomes da história social entraram em contato com o debate pós-colonial.


Olhando para a produção historiográfica de determinados historiadores, podemos
observar apreensões e críticas pós-colonialistas sinalizadas em suas argumentações. No
decorrer da escrita do seu célebre livro The Making of The English Class, E. P.
Thompson se defende, pois é criticado por excluir escoceses, irlandeses, africanos e
americanos das suas explicações sobre o processo de auto fazer-se da classe operária15.
A crítica mais popular ao marxista inglês encontra-se no livro Rethinking Working-
Class History: Bengal 1890 to 194016, onde o indiano, Dipesh Chakrabarty, argumenta
que Thompson pensou uma classe operária feita a partir de si mesma, sem cor, idade,
gênero etc. No entanto, é justamente nos trabalhos da historiadora norte-americana,
Nathalie Zemon Davis, que observamos uma notável mudança de abordagem mediante
a internalização das discussões pós-coloniais.

Os trabalhos de Davis foram influenciados por diferentes ondas sociais. A


primeira delas inspirou a escrita de Culturas do Povo17. Fruto da sua tese de doutorado
defendida em 1950, a obra seguiu um movimento nascido após o fim da segunda guerra
mundial. Procurando escrever uma história onde os atores principais eram os sujeitos
das baixas classes européias como operários industriais, artesãos, serventes e
camponeses, Davis procurou contar a história dos subalternos.
A segunda onda eclodiu na década de 1960 e trouxe consigo as temáticas de
gênero. Investindo na desconstrução de históricas paternalistas, Davis procurou
desenvolver trabalhos relacionados aos estudos dos lares, das famílias e da sexualidade.
Para cumprir seu objetivo, a historiadora procurou aproximar a narrativa da etnografia.
O resultado desta proposta metodológica foi O Retorno de Martin Guerre18.

14
DAVIS, Nathalie Zemon. “Las formas de La historia social”. In: Historia Social, n 10, 1991. p. 177
15
Thompson estuda o fazer-se da classe operária, pois na sua concepção a sua formação é um processo
ativo. Ela se dá tanto pelas ações humanas, como também aos condicionamentos. Para o historiador a
classe operária não surgiu de maneira espontânea, mas esteve presente no seu próprio fazer-se. Ver:
THOMPSON, E. P. Formação da Classe Operária Inglesa. Vol. I- árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987.
16
CHAKRABARTY, D. Rethinking Working Class History: Bengal 1890-1940. Princeton: Princeton
University Press, 1989.
17
DAVIS, N.Z. Culturas do povo: Sociedade e cultura no início da França Moderna. Rio de Janeiro, Paz
e Terra,1990.
18
_______________. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Atualmente a historiadora vem dialogando com estudos pós-coloniais. Para Davis
os especialistas deste campo revolucionaram a história das expansões imperialistas, pois
concederam aos próprios povos dominados vozes e ações, mostrando suas reações antes
dos europeus, seus sofrimentos e sua resistência. Assim, descentralizaram uma narrativa
voltada para as políticas das nações imperialistas conquistadoras e as ações heróicas dos
seus sujeitos19.
Neste terceiro momento da sua vida acadêmica, Natalie Davis escreveu seu ensaio
chamado “Descentralizando la historia: relatos locales y cruces culturales em um
mundo globalizado20”, onde prova que a descentralização das narrativas históricas
afetaria objeto de estudo e postura do pesquisador. Para ela, um historiador
descentralizado não narra a história somente sob um ponto de vista do privilegiado em
uma parte específica do mundo, ou seja, uma classe dominante européia. Desse modo,
em seus últimos trabalhos, Davis vem tentando descentralizar suas lentes para ampliar
seu campo de visão social e geográfico a fim de introduzir vozes plurais no relato21.
Para realizar sua tarefa, Davis investiu na micro-história e no diálogo interdisciplinar
como método de análise para chegar às agências de indivíduos marginalizados.

Em resumo, a busca por narrativas descentralizadas, interconexões culturais e


agências translocais são temáticas cada vez mais discutidas no horizonte pós-colonial,
assim como na história social. Levando em consideração que as produções
historiográficas sobre o protestantismo carioca na primeira república ainda se encontram
voltadas para grandes pastores e missionários, almejo aplicar determinadas reflexões
apontadas no decorrer deste texto, não só para preencher algumas lacunas da área, como
também para problematizar as minhas referências teórico-metodológicas. Para realizar
esta tarefa, analiso uma série de documentações internas e externas da Primeira Igreja
Batista do Rio de Janeiro. Fichas de membros, atas, fotografias, livro da tesouraria entre
outros, são fontes já digitalizadas e que contém uma surpreendente riqueza de
informações sobre os leigos da igreja22.

19
O’ DONNELL, Julia; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Cultura em Movimento: Natalie
Davis entre a antropologia e a história social. História Unisinos 20(2):131-142, Maio/Agosto 2016.
20
DAVIS; N, Z. Descentralizando la historia: relatos locales y cruces culturales em um mundo
globalizado. Historia e Teoria, 50(2), 2011.
21
DAVIS, N.Z. 1990. Culturas do povo: Sociedade e cultura no início da França Moderna. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, p.308.
22
As fichas de membros foram elaboradas em 1928 com o objetivo de levantar os dados sobre os fiéis na
mudança de endereço fixo da instituição. Neste livro constam informações como nome completo, sexo,
idade, nacionalidade, estado civil, endereço, religião a que pertencia, forma/data da recepção na igreja
Pretendo buscar orientação teórica nas perspectivas de “história vista de baixo”,
desenvolvidas por E. P. Thompson e Nathalie Zemon Davis. Minha opção metodológica
se volta para a micro-história italiana, pois quero reconstituir trajetórias de vidas a partir
do cruzamento das informações observadas nos múltiplos documentos. No entanto,
analisando as fichas cadastrais dos fiéis, percebi uma expressiva incidência de
estrangeiros arrolados na membresia da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro. No
ano de 1930 a igreja possuía aproximadamente 898 membros. 784 foram registrados
como brasileiros e 114 receberam outras classificações. Entre os 12,70% da membresia
estrangeira encontravam-se 63 portugueses, 23 estadunidenses, 8 espanhóis, 6 italianos,
4 alemães, 3 ingleses, 2 letões, 2 sírios e 1 russo, austríaco e estônico. A maioria deles,
imigrantes pobres.

Sem deixar de lado o alto número de indivíduos negros e pardos catalogados


como brasileiros23, influenciado pelas leituras apresentadas aqui, percebo a Primeira
Igreja Batista do Rio de Janeiro como uma comunidade religiosa com diversas
interconexões culturais em plena modernidade carioca. Levando em consideração as
reflexões sobre espaços de trocas, interconexões e translocalidades apresentadas pelos
pós-colonialistas abordados ao longo do texto, desejo mostrar como os esses indivíduos
marginalizados pela história oficial do protestantismo construíram ativamente seus
próprios universos de crenças.

REFERÊNCIAS

AMSELLE, Jean-Loup; M’BOKOLO, Elikia. Pelos Meandros da Etnia. Etnias,


tribalismo e Estado em África. Lisboa: Edições Pedago, 2014,

AZEVEDO, Amailton Magno. Qual África Ensinar no Brasil? Tendências e


Perspectivas. Projeto História, São Paulo, n. 56, pp. 233-255, Mai-Ago. 2016.

atual, ministro que realizou o batismo/data e uma seção de observações a respeito de cada indivíduo.
Nesse último campo se encontram as informações referentes a falecimento, casamento, pedidos de
transferência e exclusões. As Atas são registros oficiais das reuniões deliberativas que ocorriam
mensalmente com a participação dos fies arrolados no rol de membros. Esses documentos retratavam a
vida cotidiana dessas pessoas dentro e fora da instituição religiosa. Os Relatórios da Tesouraria e a Caixa
de Socorro também são documentos imprescindíveis para a pesquisa, pois dizem a respeito da vida
financeira da igreja. No primeiro constam informações como o valor do dízimo de cada fiel, notas de
compras de para a instituição e pagamento de salários. Já o segundo se refere a assistência social. Em
outras palavras, doações concedidas aos membros com menor poder aquisitivo ou a pessoas da
comunidade que procuravam por auxílio.
23
Este levantamento ainda encontra-se em fase de construção.
CHAKRABARTY, D. Rethinking Working Class History: Bengal 1890-1940.
Princeton: Princeton University Press, 1989.

DAVIS, N.Z. Culturas do povo: Sociedade e cultura no início da França Moderna.


Rio de Janeiro, Paz e Terra,1990.

___________. “Las formas de La historia social”. In: Historia Social, n 10, 1991.

___________. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

O’ DONNELL, Julia; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Cultura em


Movimento: Natalie Davis entre a antropologia e a história social. História Unisinos
20(2):131-142, Maio/Agosto 2016.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (orgs) Epistemologias do


Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010.

THOMPSON, E. P. Formação da Classe Operária Inglesa. Vol. I- árvore da


liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim Von. Introduction. ‘Translocality’: Na approach


to connection and transfer inarea studies. In: Translocality. The Study of
Globalising Processes from a Southern Perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010.

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