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EDUCAÇÃO, ADOLESCENTES
E USO DE DROGAS:
ABORDAGENS NECESSÁRIAS
.
ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL
GERÊNCIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA E PROFISSIONAL
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO, PREVENÇÃO, ATENÇÃO E ATENDIMENTO ÀS VIOLÊNCIAS NA ESCOLA
EDUCAÇÃO,
ADOLESCENTES E
USO DE DROGAS:
ABORDAGENS
NECESSÁRIAS
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-66172-27-0
SECRETÁRIO ADJUNTO
GILDO VOLPATO
DIRETOR DE INFRAESTRUTURA
FABIANO LOPES DE SOUZA
AUTORES
?? Adriana Mafra Marghoti ?? Rosa Cristina Cavalcanti Pires
COLABORADORES
CONSULTORA REVISORAS
Prof.ª Dr.ª Daniela Ribeiro Schneider Dóris Eloisa C. F. da Silva
Lavínia Maria de Oliveira Vicente
CAPA
Jovelino Domingos Cardoso Jr. PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Adriano Fernandes da Silva - 03127SC-DG
ILUSTRAÇÃO DE CAPA
Chuwy/shutterstock.com IMPRESSÃO
Gráfica COAN
LOGOTIPO
IOESC
MENSAGEM DO GOVERNADOR
A
maior contribuição que podemos nense, em todas as suas áreas de atuação, foi
deixar às nossas crianças e jovens, imprescindível para a conquista de muitos dos
assim como às gerações futuras, é o indicadores econômicos e sociais que hoje colo-
acesso à educação pública de quali- cam Santa Catarina na condição de destaque en-
dade. E essa condição deve ser assegurada aos tre os estados brasileiros. Não por acaso somos
catarinenses de todas as regiões de forma justa referência nacional em Educação, uma realidade
e igualitária. Contudo, vivemos num estado que fruto do trabalho conjunto e dedicado dos nos-
nasceu do suor e do sacrifício dos mais diver- sos agentes públicos, e aqui destaco a atuação
sos povos e etnias, mesclando culturas, hábitos exitosa e admirável dos nossos profissionais da
e valores que hoje configuram nossa identida- educação.
de. Portanto, nossa busca pela igualdade passa Ao enfrentarmos o desafio de assegurar a
pelo respeito a essas diversidades e requer nossa todos o direito ao ensino público e qualificado,
atenção para os temas mais sensíveis que envol- promovemos significativos esforços e investi-
vem nossa sociedade. mentos em prol da educação para os direitos
Mais do que se fazer cumprir as diretrizes le- humanos e para as diversidades. A certeza do su-
gais, o governo do estado, por meio da Secretaria cesso de nossas políticas educacionais traduz-se
de Estado da Educação, desenvolveu políticas nas inúmeras conquistas alcançadas, a começar
educacionais de caráter inclusivo que visam a pelo menor índice de analfabetismo do país,
estabelecer estratégias de atuação adequadas a com 3,2% da população. Lideramos o ranking
cada tema proposto. Dessa forma, agentes públi- nacional em outros diversos pontos de avaliação,
cos e sociedade terão a oportunidade de apren- com índices de desempenho acima da média. E
der e compreender melhor sobre a história e as a capacidade e competência de nossos profis-
culturas de parcela da população que esteve por sionais são reconhecidas e premiadas país afora,
muito tempo invisibilizada. Também abriremos refletindo diretamente na boa gestão de nossas
a discussão para temas não menos importantes, unidades escolares.
como os desafios a serem superados na área de Esse trabalho mostra-nos que ainda temos
Educação Especial e a necessária ampliação do muito a avançar. Juntos, precisamos assumir a
envolvimento pedagógico na vida dos estudan- responsabilidade e o compromisso de aprimorar
tes, como forma de identificar e educar para nossa capacidade de atuação e fazer a diferença.
transformar as violências nas escolas em proces- Este volume especial sobre uso e abuso de subs-
so de cuidado de si e do outro. tâncias psicoativas está atrelado à implementa-
A relevância econômica representada pela ção da Política de Educação, Prevenção, Atenção
agricultura familiar catarinense está devida- e Atendimento às Violências nas Escolas. Ele
mente reconhecida nesta proposta, por meio de destina-se aos professores e é complementar a
uma política específica de Educação do Campo. outros materiais que a escola já recebeu sobre a
Assim como a preocupação em torno do meio temática, assim sua abordagem visa a ampliar o
ambiente, que merecidamente recebe atenção olhar sobre este fenômeno tão complexo em que
especial nesse projeto. Avançamos de forma ex- saúde e educação têm um papel preponderante.
pressiva na construção de um ambiente adequa- Tema de alta relevância para os humanos
do e digno à formação intelectual e profissional deste tempo histórico e que impacta tanto no
de nossos cidadãos. Porém, é importante que exercício profissional dos educadores quanto na
alinhemos nossas estratégias e sejamos também vida dos estudantes e seus familiares. Um grande
agentes transformadores sociais, reforçando va- desafio que exigirá o máximo empenho na busca
lores fundamentais como o respeito e a busca de soluções compartilhadas para promover um
por equidade. excelente clima escolar em que o cuidado de si e
A evolução do sistema educacional catari- o cuidado com o outro sejam prioridades.
EDUARDO PINHO MOREIRA
Governador
APRESENTAÇÃO
A
presento este 2º Caderno Pedagógi- fatores históricos que organizam o proibicio-
co intitulado Educação, Adolescen- nismo e o limiar punitivista, a diferença de tra-
tes e Uso de Drogas: Abordagens tamento que costumeiramente o estado dá aos
Necessárias, escrito pelo Núcleo de adolescentes frente às suas origens de nasci-
Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às mento e suas aproximações e relações com o uso
Violências na Escola da Secretaria de Estado da e abuso de drogas. Trata-se de um material para
Educação (NEPRE/SED) após dois anos de estu- subsidiar o profissional da educação, apresen-
dos sistemáticos, como exige uma temática tão tando possibilidades de atividades pedagógicas
complexa quanto é a das adolescências e o uso a serem desenvolvidas com os estudantes, na ex-
de drogas. pectativa de ampliar o repertório cultural destes
Este caderno visa a subsidiar a ação dos pro- jovens.
fissionais da educação em complementação a Os conhecimentos trabalhados na escola po-
outros materiais que as escolas recebem dos go- dem elevar a compreensão dos estudantes sobre
vernos estadual e federal no âmbito da preven- os riscos reais de uma conduta associada ao uso
ção às condutas de risco de adolescentes, vincu- de drogas que vão além dos problemas físicos,
ladas ao uso e abuso de drogas. mentais e individuais. Concebemos os saberes
Anos de prevenção nas escolas permitem- científicos em prol da cidadania como um aliado
-nos saber que abordagens conhecidas como a imprescindível para o autocuidado e o cuidado
“pedagogia do medo” surtem pouco efeito, da mútuo preconizado em nossa Política de Educa-
mesma forma que as abordagens médico-hi- ção, Prevenção, Atenção e Atendimento às Vio-
gienistas fazem pouca conexão com a forma de lências na Escola.
pensar característica da adolescência. Neste sen- Esperamos que este 2º Caderno Pedagógi-
tido, o desafio para os educadores é maior, pois co seja útil aos profissionais da educação, que
prescinde de metodologias e abordagens dife- buscam orientações para abordagens que dia-
renciadas das tradicionalmente disponíveis, isto loguem com a diversidade dos estudantes e das
sem abrir mão dos conhecimentos das diversas adolescências que compõem as escolas de nossa
áreas que podem contribuir a uma temática tão rede de educação. Esperamos, ainda, que contri-
complexa. bua no compromisso firmado por todos nós de
Neste caderno, trouxemos para a roda de proteção integral às crianças e adolescentes e de
conversa temas que costumam ser tabus, como desenvolver uma sociedade justa via educação.
SIMONE SCHRAMM
Secretária de Estado da Educação
1 INTRODUÇÃO
P
or entender que a educação é sinôni- estudantes, alternativas para a conexão saudável
mo de emancipação e que por ela os com o mundo.
sujeitos se transformam, atuam e in- Esses são os esforços na escrita deste mate-
terferem qualitativamente em sua vida rial. Com ele pretende-se auxiliar profissionais
e na sociedade, a Secretaria de Estado da Edu- da educação a produzir um olhar crítico, e seus
cação de Santa Catarina propõe, neste caderno, estudantes a tomar decisões referendadas por
algumas reflexões a respeito de um dos grandes saberes científicos que os conduzam ao encon-
problemas sociais da atualidade: o consumo de tro de soluções compartilhadas para problemas
drogas. Neste sentido, o material destina-se à que lhes afligem individual e coletivamente.
escola, que é uma instituição social que exerce Para a efetividade nas ações de educação e
papel importante e específico no processo edu- prevenção ao uso e abuso de drogas, os esfor-
cativo para a formação de seus adolescentes. ços devem ser compartilhados entre os diferen-
É importante que os profissionais da educa- tes atores da escola, por isso o NEPRE/Escola é
ção, em especial professoras e professores, com- apontado como espaço privilegiado de estudo
preendam as adolescências na atualidade. Como e implementação deste caderno que está assim
se sabe, as adolescências estão ancoradas numa estruturado: na primeira parte, será descrita a
realidade social individualizante, consumista dimensão teórico-conceitual envolvida no tema.
e fluida, o que lhes impõe grandes desafios. O No capítulo 1, conceitua-se educação como
próprio status “adolescente” diferencia-se larga- um direito individual humano e coletivo que
mente em relação ao estrato social. Assim, é mis- potencializa o viver e o conviver nos diferentes
ter perspectivar o contexto do qual provêm os espaços. Nessa perspectiva, educar adolescentes
adolescentes, pois este marca suas expressões. é entender sua constituição histórica e social,
A opção teórico-metodológica deste docu- como uma fase do desenvolvimento humano
mento ancora-se na Sociologia sem deixar de que requer atenção e proteção especial, pois é
fazer uma abordagem multidisciplinar. Como um período de vulnerabilidade e de multiplica-
recursos metodológicos, foram utilizados desta- ção de decisões e, portanto, de altos riscos nes-
ques sobre o processo de adolescência e estudo sa sociedade líquida, marcada pelo consumo e
de casos atendidos por Núcleos de Educação, incertezas. Um breve relato de atendimento no
Prevenção, Atenção e Atendimento às Violên- NEPRE/Escola finaliza o capítulo.
cias na Escola (NEPRE)/Escola. Teoricamente, Entendendo que a educação é o primeiro
decidiu-se abordar aspectos que fogem aos tra- ato de prevenção, no capítulo 2, discorre-se so-
dicionais materiais que tratam do tema, geral- bre quais ações preventivas na escola apontam
mente em uma lógica médico-higienista, focada como a melhor alternativa para o enfrentamento
nos efeitos farmacoquímicos e psicológicos da ao consumo abusivo do álcool e outras drogas
droga e das abordagens repressivas. Preferiu-se entre estudantes crianças, adolescentes e adul-
apontar para uma compreensão ampla do fenô- tos. Dessa forma, as intervenções educativas
meno, aportada na teoria das condutas de risco, devem ser planejadas coletivamente, estar in-
entendendo a necessidade de empreender, com seridas e descritas no currículo e nos princípios
educativos da escola, contando com o envolvi- Na segunda parte, os subsídios práticos para
mento de toda a comunidade escolar na ação, e, a formação de projetos preventivos nas escolas
caso necessário, envolver também a rede externa ganham maior ênfase.
à escola. A atenção descrita no capítulo 3, seguindo
Pesquisas como a Pesquisa Nacional da Saú- o espectro das ações da Política de Educação,
de do Escolar (PeNSE/2015) (IBGE, 2016) apon- Prevenção, Atenção e Atendimento às Violências
tam que cresce a experimentação e uso eventual nas Escolas da Secretaria de Estado de Santa Ca-
de determinadas drogas, em especial o álcool tarina, volta-se para o olhar apurado, à escuta,
entre adolescentes. Tal situação instiga ao de- ao acolhimento e ao diálogo, no sentido de estar
senvolvimento de ações preventivas. Mas qual o sensível ao sujeito adolescente, entendendo que,
rumo a ser tomado? Passa-se, então, a ponderar nesta fase da vida, os interesses e as mudanças
sobre os limites da perspectiva proibicionista, são inúmeras e essa conexão com o novo mundo
que compõe a lógica hegemônica da atual polí- na busca de prazer pode estar associada ao con-
tica, entendida como de “combate” às drogas e sumo de drogas, trazendo graves consequên-
abre-se o debate, sem deixar de mostrar o quan- cias, dentre elas a diminuição do interesse pelo
to o tema é polêmico e necessita ser largamente aprender e baixo desempenho escolar.
estudado, conhecendo diversas visões. Propõe- A relação do cuidado, descrita no capítulo
-se, assim, uma nova visão, sincronizada com os 4, convida a repensar a escola e a refletir de que
indicadores internacionais para a prevenção es- forma ela acolhe e protege os(as) adolescentes,
colar, voltados para os fatores de risco e proteção reconhecendo e respeitando a diversidade hu-
e o fortalecimento de habilidades de vida. mana.
Boa leitura!
PARTE 1
FUNDAMENTOS PARA A
PREVENÇÃO ESCOLAR
AO USO DE DROGAS
2 EDUCAÇÃO,
ADOLESCÊNCIA E
USO DE DROGAS
2.1 EDUCAÇÃO
Em contraponto ao que explicita Zabala tos de uso e abuso de álcool e outras drogas, os
(2002), o ensino tradicional promove a desvincu- estudos são norteados pela educação em direitos
lação entre o cotidiano e o científico e vice-versa, humanos, que pode ser definida como um con-
de forma tal que os estudantes dispõem simulta- junto de atividades de educação, de capacitação
neamente de dois tipos de conhecimento: o que e de difusão de conhecimento, voltado para a
é útil na vida diária e outro, produzido pela ciên- criação de uma cultura universal de preservação
cia, que se aplica somente no contexto da escola. dos direitos humanos.
Para quebrar essa dicotomia, ao se pensar A educação em direitos humanos deve ser
numa educação para entendimento dos contex- promovida em três dimensões: a) conhecimen-
tos e habilidades: compreender os direitos hu- -las, fortalecê-las e relacioná-las com outras cul-
manos e os mecanismos existentes para a sua turas, assinalando-as como parte de um diálogo
proteção, assim como incentivar o exercício de que enriquece os saberes educativos.
habilidades na vida cotidiana; b) valores, atitudes Para Freire (1996), outro importante pensa-
e comportamentos: desenvolver valores e forta- dor, educar é construir, é libertar o ser humano
lecer atitudes e comportamentos que respeitem do determinismo, passando a reconhecer o pa-
os direitos humanos; c) ações: desencadear ativi- pel da história e onde a questão da identida-
dades para a promoção, defesa e reparação das de cultural, tanto em sua dimensão individual
violações aos direitos humanos (BRASIL, 2007, p. como coletiva, é essencial à prática pedagógica
32). proposta. Sem respeitar essa identidade, sem
Assim, a educação em direitos humanos autonomia, sem levar em conta as experiências
promove as atitudes e o comportamento neces- vividas pelos educandos antes de chegar à esco-
sários para que todos os membros da sociedade la, o processo será inoperante, somente meras
sejam reconhecidos e respeitados. Compreender palavras despidas de significação real. A educa-
a função social da escola perante as novas con- ção é ideológica porque não há neutralidade em
figurações da sociedade torna-se essencial para seu processo, mas não deve ser doutrinadora, ao
avaliar a sua tarefa diante das transformações contrário, deve ser dialogante, exigindo abordar
sociais e culturais e de suas implicações no pro- diversos pensadores e seus distintos olhares para
cesso educativo atual. qualquer fenômeno, pois só assim se pode esta-
Nesse sentido, Bauman (2001) destaca que belecer a verdadeira comunicação da aprendiza-
muitas transformações estão permeando a so- gem entre seres constituídos de almas, desejos,
ciedade contemporânea e acabam por invadir sentimentos e capacidade crítica.
todos os contextos, inclusive a escola. E para Ao trabalhar o conhecimento científico sobre
esse novo cenário social, segundo o mesmo au- os contextos de uso e abuso de álcool e outras
tor, é necessário que a escola fortaleça seu proje- drogas, o currículo deve privilegiar saberes em
to educativo ao contribuir para a superação das que distintos pontos de vista permitam aos estu-
desigualdades e buscar a transformação social, o dantes ampliar seu repertório cultural, evitando
que exige desenvolver um currículo multicultu- visões reducionistas e prescritivas, promovendo
ral que aposta na pluralidade de culturas como o a valorização da educação formal como um fator
valor de uma nação, no intuito de compreendê- de proteção (SANTA CATARINA, 2011, p. 23).
A adolescência é muito mais do que a fase na etimologia dessa palavra, remete-se à ideia de
intermediária entre a infância e a fase adulta, desenvolvimento, de preparação para o que está
embora a contemple. A palavra “adolescência” por vir, algo já estabelecido mais à frente; prepa-
tem sua origem etimológica no latim ad (‘para’) ração essa para que a(o) adolescente se enquadre
+ olescere (‘crescer’); portanto, “adolescência” nesse “à frente” que está colocado, culminando
significa, stricto sensu, “crescer para”. Ao pensar na idade adulta (PEREIRA; PINTO, 2003).
SUGESTÃO DE ATIVIDADE 1:
Assista ao vídeo “Adolescência em um minuto” e reflita sobre as facilidades e dificuldades
de ser adolescente na contemporaneidade. Forme sua própria opinião sobre os paradoxos de
viver a adolescência nos tempos atuais e os desafios de educar esta geração. Posteriormente,
elabore registros de como estes desafios se impõem nas diversas disciplinas por você minis-
tradas, para auxiliar na formulação de ações preventivas em sua escola. O vídeo está disponí-
vel no YouTube em: <https://www.youtube.com/watch?v=NxBKuOFLODQ>.
Conforme ensina Ariès (1973), até o século famílias para aprenderem ofícios, passando da
XII, falava-se sobre adultos jovens, mas não sobre condição de criança para a condição de aprendiz
adolescentes. Na Idade Média, a atividade de tra- de um trabalho. Assim, a adolescência, como se
balho estava associada à produção artesanal; não a reconhece hoje, é fruto dos avanços científicos
havia, de fato, separação entre vida e trabalho, en- e transformações psicológicas, educacionais e
tre socialização familiar e profissional. Tão logo as socioculturais ocorridas a partir do século XIX. O
crianças conquistavam autonomia motora, os es- conceito está intimamente ligado à constituição
paços de brincadeira passavam a se misturar aos da família nuclear moderna, ao prolongamento
das oficinas de trabalho. Com um maior desem- da idade escolar e à expansão das escolas para as
baraço, muitas crianças eram entregues a outras diversas classes sociais.
Portanto, a adolescência não existiu sempre, constituiu-se na história com base nas ne-
cessidades sociais e todas as suas características foram desenvolvidas a partir das relações so-
ciais com o mundo adulto e com as condições históricas em que se deu seu desenvolvimento.
Assim, a adolescência é uma fase de desenvolvimento na sociedade moderna ocidental. Não
é universal e não é natural dos seres humanos. Ela é fruto de uma condição histórica (BOCK,
2004, p. 39-40).
Assim, deve-se considerar que o processo de cessário que ela busque qualificar este espaço de
ensino e aprendizagem se dá de forma dialógica, convivência social, ao atuar com o conhecimen-
num intercâmbio de saberes que requer aceita- to como forma de mediar o crescimento pessoal,
ção, disputa, rejeição, percepção das diferenças, ao destacar sua função de formação integral dos
caminhos e experiências diversas na busca cons- sujeitos, favorecendo e estimulando a formação
tante de todos os envolvidos na ação de desco- da cidadania.
brir, dessa forma, uma trama de relações cogni- Nessa direção, a questão do consumo de dro-
tivas e afetivas. gas, como um fenômeno relevante que reflete as
Por outro lado, é preciso refletir que a escola transformações contemporâneas, com seus im-
é a instituição social na qual adolescentes pas- pactos no aprendizado e na futura trajetória psi-
sam boa parte de seu tempo durante a semana, cossocial desses e dessas adolescentes, deve ser
representando um espaço social de convivência tema presente na escola, incluído no seu Projeto
desde a mais tenra idade. Por isso mesmo, é ne- Político-Pedagógico (PPP).
Apesar de o uso de drogas ser uma prática presente desde os primórdios da humanida-
de, nas últimas décadas, indicadores sugerem que o abuso dessas substâncias vem tomando
dimensões preocupantes, por vezes trazendo sérios prejuízos à população, principalmente
junto a adolescentes e adultos jovens. Considera-se que o abuso de drogas adquiriu tais di-
mensões devido à complexidade que envolve seu consumo e venda na atualidade.
Dentre os fatores responsáveis pelo agrava- divíduos que buscam soluções que são meras
mento dessa questão, destacam-se os interes- tentativas de escape, apesar de tal atitude es-
ses econômicos envolvidos em sua produção e tar embutida pela faceta de contestação e/ou
venda, os embates de cunho moral e ideológi- transgressão às normas vigentes. Uma análise
co em torno do uso de substâncias psicoativas, antropológica da sociedade ocidental pós-mo-
somados à baixa prioridade política conferida derna mostra que esta tem preconizado, nos
ao assunto, que se manifesta na insuficiência últimos tempos, a maximização da vida, a exa-
de recursos financeiros necessários para ga- cerbação da sensualidade e a intensificação do
rantir uma política de educação, prevenção prazer; e é neste contexto que se enquadra o
e tratamento, com profissionais capacitados surgimento de drogas cada vez mais potentes e
de forma adequada e contínua (CRIVES; DI- a complexidade do uso abusivo de substâncias
MENSTEIN, 2003). psicoativas (SOUZA; KANTORSKY; MIELKE,
As maneiras pelas quais se faz uso de drogas 2006, p. 02).
são determinadas pelo contexto social, cultu- As drogas têm sido consideradas nocivas ou
ral, político e econômico. Embora em algumas benéficas de acordo com sua época, da cultura
culturas o uso de determinadas substâncias onde se insere seu uso e, sobretudo, em função
seja legalizado ou represente a tradição local, é do padrão e dos motivos subjacentes ao seu
possível perceber que, em parcela significativa consumo. Atualmente elas recebem diferentes
da sociedade capitalista ocidental, fazer uso de significados, dependendo do olhar que rece-
drogas ilícitas e uso abusivo de drogas lícitas bem das diversas áreas que as estudam, quais
é considerado um “desvio” de padrões sociais sejam, Psicologia, Antropologia, Sociologia,
preestabelecidos. Química, dentre outras. Essa multiplicidade de
Em uma sociedade regida pelos imperati- olhares interessa sobremaneira ao contexto es-
vos de consumo, o uso de drogas é considerado colar, pois permite trazer à tona o debate e am-
a maximização de oportunidades de obtenção pliar o repertório cultural dos estudantes, sem
de prazer e a evasão de sofrimentos para in- exclusivar perspectivas doutrinantes.
Uso de uma droga, geralmente em circunstâncias sociais, sem que implique dependência
Uso recreativo ou social
ou outros problemas relacionados. Uso realizado de maneira socialmente aceitável.
É um padrão de uso que já produz danos à saúde, seja física, psicológica ou social,
Uso abusivo ou nocivo
podendo ocasionar rupturas socioafetivas e profissionais.
Sobre a dependência, é preciso destacar ain- das várias possibilidades que o mundo lhes ofere-
da que ela tem, como uma de suas características ce. Assim, o uso de drogas entra como um desses
centrais, a falta de controle do impulso que leva a objetos visados pela experimentação. Além disso,
pessoa a usar uma droga para obter prazer. É pre- este período é caracterizado pela ampliação do
ciso atentar que alguns sujeitos podem fazer uso processo de socialização do sujeito, com a impor-
habitual de uma droga para aliviar sintomas psi- tante inserção em grupos de pares. Desta forma,
cológicos e dificuldades sociais sem que, necessa- o contexto do uso de drogas está dado na medida
riamente, tenha uma perda de controle. “Usuários em que a mediação dos pares é crucial e define
se tornam dependentes quando não conseguem um contorno importante na construção da iden-
controlar o consumo de drogas, passando a agir tidade. Do mesmo modo, nesta fase encontram-
de forma impulsiva e repetitiva em relação ao -se em pleno processo de maturação neurológica,
uso” (SILVEIRA; DOERING-SILVEIRA, 2017, p. 19). o que lhes coloca em maior vulnerabilidade neu-
Sabe-se que adolescentes encontram-se em ropsicológica para efeitos de substâncias. Estas,
um processo de descoberta do mundo, e dos sen- entre tantas outras, são apontadas como as razões
tidos que pretendem atribuir ao mesmo, na tran- relacionadas ao uso de álcool e outras drogas, que
sição para o contexto adulto. Nessa direção, ado- se inicia, majoritariamente, nesta fase (SLOBO-
lescentes caracterizam-se pela experimentação DA; PETRAS, 2014).
Muitos estudos vêm evidenciando a influ- lação entre os estilos parentais e o consumo de
ência dos estilos parentais no bem-estar de ado- drogas em adolescentes, e destacou que o estilo
lescentes, assim como também o papel funda- parental mais protetivo foi o autoritativo, sen-
mental desempenhado no uso de drogas entre do que o estilo negligente se coloca como o de
jovens. Dessa forma, os estilos parentais atuam maior fator de risco ao consumo, não havendo
como fatores de risco e proteção. Um trabalho um posicionamento claro acerca dos estilos in-
recente realizou uma revisão de estudos publi- dulgente e autoritário (MARTINS, 2016; MAR-
cados nos últimos 30 anos que enfocavam a re- TINS; SCHNEIDER, 2016).
fora da escola. Quer dizer, quando se participa responsabilidade pelos interesses, necessida-
de ações relevantes, significativas, com propó- des e desejos do outro e pelo bem coletivo.
sito responsável, o aprendizado tem maior sig- Da mesma forma, elementos pouco tra-
nificado para os estudantes. Isso não significa balhados nas escolas, e que permitem ver a
a permanência nos chamados saberes locais e, organização social para a manutenção das de-
sim, que a partir deles deve-se ampliar possi- sigualdades, dizem respeito à ótica do proibi-
bilidades de entendimento e soluções. cionismo, com seu viés repressivo e punitivo.
Poucos fenômenos sociais preocupam tanto Assim, sem demérito ao trabalho que tem seu
pais como professores, causam gastos na justiça foco na explicação sobre a composição das
e na saúde, dificuldades na família, como o uso drogas e seus efeitos orgânicos, os quais de-
de álcool e drogas (PINSKY; BESSA, 2012). vem compor os saberes desta temática e são
Assim, nenhuma escola que esteja atuan- facilmente acessados por professores e profes-
do com adolescentes deste momento históri- soras, propõe-se para este caderno temas mais
co pode se furtar de incluir em seu currículo complexos, não por serem mais importantes
esta temática, e tampouco pode fazê-lo de que outros saberes, mas por desafiar pré-con-
forma pontual. O início do debate deve ser o ceitos e permitir pós-conceitos, por chamar
de entender esta sociedade individualizante e esses profissionais a refletir e abordar a temá-
consumista cujo panorama não é o da huma- tica com maior chance de alcançarem seus
nização das relações, mas o da busca exclusiva estudantes, ajudando-os a resistir ao uso de
pela satisfação pessoal de consumidores e da drogas e compreender o cenário social que os
sociedade em que alguns valores e princípios enreda em circunstâncias que, uma vez inicia-
passaram a tomar outras configurações. das, marcam suas vidas negativamente, quan-
O valor da responsabilidade, por exemplo, do não as suprime.
que em outros tempos residia no dever ético e Na escola, é possível favorecer a constru-
na preocupação pelo outro, atualmente, con- ção de projetos de vida quando os educadores
figurou-se em relação a si próprio, levando o agem para que ela se torne um espaço de per-
indivíduo a compreender-se como único res- tencimento, participação, realização e criação,
ponsável por seus atos e deveres, excluindo a e não de fracasso ou exclusão.
.
EDUCAÇÃO, ADOLESCENTES
E USO DE DROGAS:
ABORDAGENS NECESSÁRIAS
3 PREVENÇÃO
A educação é o primeiro ato de prevenção, vida, permitindo uma conexão qualitativa en-
desta forma, deve-se pensar na necessidade de tre adolescente e mundo.
trabalhar a temática drogas de forma realista e Para uma melhor compreensão do signi-
contínua no ambiente escolar dada a impor- ficado de prevenção pela educação, a referida
tância desse precaver. política trabalha com o conceito de “vir antes,
É reforçado aqui o que diz o caderno da avisar; preparar; impedir que se realize; ante-
Política de Educação, Prevenção, Atenção e cipar uma informação; alertar sobre algo; pre-
Atendimento às Violências na Escola, onde parar alguém/algo para evitar alguma coisa”
se afirma que a escola se apresenta como um (SANTA CATARINA, 2011, p. 26). Na educação
dos espaços privilegiados para se desenvolver esse conceito deve se desenvolver com conhe-
ações de prevenção ao uso indevido ou abu- cimento científico e com atividades que en-
sivo do álcool e outras drogas, porque é onde volvam adolescentes como sujeitos da apren-
está o maior número de adolescentes ou pelo dizagem e com o direito de voz para poderem
menos deveriam estar; e passam tempo sig- expressar seus sentimentos e a compreensão
nificativo de suas vidas dentro do ambiente que têm sobre a temática das drogas.
escolar. E, em especial, porque a escola pode Sendo assim, o Plano Estadual de Santa Ca-
e deve apontar alternativas para projetos de tarina (2015) orienta:
ção, sem conseguir estabelecer um diálogo com constituição da problemática do uso de drogas
adolescentes. Alerta-se também para um efeito (CANOLETTI; SOARES, 2005; SODELLI, 2010).
contrário que pode ter a presença de ex-usuá- Sendo assim, as intervenções educativas
rios contando suas trajetórias, pois o ou a ado- devem ser planejadas, estar descritas no cur-
lescente pode inferir que se o palestrante foi ao rículo e incluídas no projeto pedagógico da
“fundo do poço” e voltou, então também pode escola, colocando-se na direção dos princípios
repetir essa trajetória. educativos da escola. Da mesma forma, devem
De modo similar, há críticas consistentes ser ações intersetoriais, contando com o en-
ao predomínio do modelo, já bastante ques- volvimento de toda a comunidade escolar na
tionado em sua efetividade, como será expos- ação, professores, professoras, gestão escolar,
to adiante, chamado de “proibicionista” ou de merendeiras (rede interna) de forma coletiva,
“guerra às drogas”, que realiza em termos pre- pois exige trabalho em equipe, conhecimento
ventivos aquilo que se denominou de “peda- científico e estudo para o desenvolvimento de
gogia do terror”, que prioriza sua atuação jun- práticas mais convincentes e eficazes. Contar
to ao polo das drogas e seus efeitos adversos ainda com a rede externa à escola (saúde, as-
e foca em sua repressão, desconsiderando ou- sistência social, entre outros) e, principalmen-
tras dimensões psicossociais fundamentais na te, envolver a família nos contextos de estudos.
NÍVEIS DE PREVENÇÃO
Existem duas classificações que são reco- definiu três níveis de prevenção, de acordo com
nhecidas sobre os níveis de prevenção que de- a fase de consumo do sujeito (SANCHEZ, 2017).
vem ser alcançados por um determinado pro- Nesta classificação, as estratégias de pre-
grama ou atividade de prevenção. A primeira venção podem ser primárias, secundárias ou
classificação foi proposta na década de 1970 e terciárias.
A segunda, e mais recente, classificação de pos por nível de risco de exposição às drogas. Nesta
níveis de prevenção não exclui a anterior, mas a classificação, um programa de prevenção pode ser
complementa, e baseia-se na diferenciação de gru- universal, seletivo ou indicado (SANCHEZ, 2017):
O modelo baseado em riscos foca mais nas tamento do uso de drogas. Os conceitos de
condições de contexto, sendo mais adequado fatores de risco e de proteção auxiliam nessa
para projetos institucionais de caráter macro; compreensão e, portanto, são importantes
enquanto o primeiro modelo foca mais no ferramentas conceituais para o campo da pre-
padrão de uso do indivíduo, sendo mais ade- venção, em função da operatividade que pos-
quado para ações dirigidas para sujeitos bem sibilitam na delimitação de seus elementos,
delimitados. Esses dois modelos, no entanto, situações e fatos que trazem uma alta proba-
como já falado, complementam-se. bilidade de associação com o consumo de dro-
Portanto, um programa de prevenção deve gas (BECOÑA, 1999).
ter claramente definido a quem se destina, ou Por fator de risco, entende-se um atributo
seja, que tipo de população pretende atingir e, da pessoa, da condição situacional ou do con-
assim, desenhar suas atividades conforme os texto ambiental que aumenta a probabilidade
diferentes níveis de risco e as diferentes faixas de envolvimento com drogas (início) ou da
etárias (com suas características e necessida- transição de padrão de uso. Por fator de pro-
des específicas) a serem envolvidas. teção, compreende-se um atributo individual,
O trabalho da escola e de profissionais da condição situacional ou do contexto ambien-
educação na direção da prevenção deve focar, tal que inibe, reduz ou atenua a probabilidade
de forma mais sistemática, o primeiro nível de uso e/ou abuso de drogas ou da transição
de prevenção, ao buscar atingir a maioria de do nível de comprometimento com esta (BE-
estudantes que ainda não usa drogas de for- COÑA, 1999).
ma regular, e que tenha níveis baixos de risco. Os fatores de risco e de proteção implicam
Caso já se tenha levantamento sobre as condi- quatro domínios: comunitário, escolar, fami-
ções de risco da população escolar e se tenha liar e individual/pares. A maioria deles tem
verificado grupos de maior vulnerabilidade ou múltiplas dimensões mensuráveis e cada um
de usuários problemáticos de drogas, deve-se, deles influi de forma independente e/ou glo-
então, realizar ações de prevenção seletiva e bal no abuso de drogas. Em alguns casos, de-
indicada. pendendo da natureza dos mesmos, são pos-
Especialistas vêm discutindo que a chave síveis intervenções diretas sobre os fatores de
do êxito no desenvolvimento de programas risco detectados e, com isso, pode-se ter como
preventivos está enraizada na compreensão resultado a eliminação ou a sua redução, di-
da influência psicossocial e nos processos que minuindo a probabilidade do abuso de subs-
facilitam ou impedem o começo do compor- tâncias. Porém, em outros casos, a interven-
ção direta não é possível, sendo que o objetivo Saúde organizam-se nos seguintes comporta-
principal passa a ser atenuar sua influência e, mentos: 1) tomada de decisão; 2) resolução de
assim, reduzir ao máximo que estes fatores le- problemas; 3) pensamento criativo; 4) pensa-
vem ao consumo de drogas (BECOÑA, 1999). mento crítico; 5) comunicação eficaz; 6) rela-
Outro indicador importante de efetividade cionamento interpessoal; 7) autoconhecimen-
de programas preventivos são os que focam to; 8) empatia; 9) manejo das emoções; e 10)
suas ações no desenvolvimento de habilida- manejo do stress. Essas categorias relacionam-
des de vida (FRANCO; RODRIGUES, 2014). -se diretamente com as habilidades sociais,
Esta dimensão relaciona-se com o desenvol- interpessoais e cognitivas (GORAYEB, 2002).
vimento infantil e seus desdobramentos para São desenvolvidas no contexto cultural e com
o campo de possibilidades futuras da criança, clara relação com os determinantes socioeco-
na medida em que ações, atitudes, emoções, nômicos, portanto, dependem das condições e
interações sociais, enfim, os comportamentos do nível de desenvolvimento local e nacional,
aprendidos de uma criança e adolescente te- daí a necessidade de adaptar o ensino das ha-
rão repercussões em sua trajetória psicossocial bilidades às características da população-alvo
e influenciarão o curso de sua vida. Sabe-se (FRANCO; RODRIGUES, 2014).
que muitos problemas graves que ocorrem na O contexto escolar tem se mostrado um im-
idade adulta (como dificuldades emocionais, portante espaço para o ensino de habilidades de
abuso de drogas, violência intrafamiliar, psi- vida, pois é onde grande número de crianças e
copatologias) têm suas origens em aprendi- adolescentes passam parte de seu tempo, colo-
zados e modos de agir que começam cedo na cando-se como lócus privilegiado para a multi-
vida, estabelecendo uma clara correlação com plicação deste tipo de postura positiva aos desa-
as vulnerabilidades na infância, que se colo- fios da vida (FRANCO; RODRIGUES, 2014).
cam como fatores de risco. Tais vulnerabilida- Sendo assim, os indicadores de efetivida-
des psicossociais relacionam-se com o que se de da prevenção escolar colocam-na em dire-
chama genericamente de habilidades de vida ção aos princípios da promoção de saúde, ou
(SCHNEIDER; LORENZO, 2017). seja, indicam um enfoque que vá para além
Há um conjunto de habilidades que po- da abordagem focada somente no problema
dem ajudar os sujeitos a tomarem atitudes ou doença, ou ainda com ênfase somente na
mais proativas e comportamentos que favore- evitação da substância, ou na abordagem do
çam sua saúde, pois visam à transformação de amedrontamento. Solicita-se, portanto, cada
conhecimentos e valores em ações positivas, vez mais, que as abordagens preventivas con-
favorecendo a resiliência. As habilidades de siderem, em seu planejamento, os determi-
vida propostas pela Organização Mundial da nantes sociais em saúde.
as drogas proibidas continuariam sendo con- Laikovski (2015) afirma que após a Segunda
sumidas, haveria a formação de um mercado Guerra aumentou ainda mais o número de dro-
ilícito (segurança pública) que ganharia, com gas proibidas internacionalmente pela ONU,
o narcotráfico, contornos de problema global sendo que as drogas legais e ilegais passam a ser
(segurança internacional) (DELMANTO, 2013; objeto de uma forte intervenção reguladora es-
CARNEIRO, 2005). tatal no século XX, o que redundou em tratados
Esses autores explicam que o proibicionis- internacionais, leis específicas, aparatos policiais
mo, bem como as atuais ações acerca do com- e numa consequente hipertrofia do preço e do
bate às drogas, é de herança estadunidense, lucro comercial. Paradoxalmente, a despeito da
embora influenciada por organismos interna- proibição, a partir da década de 1960 aumenta a
cionais. Interessada no aproveitamento máxi- demanda por cocaína, haxixe e maconha, assim
mo da força de trabalho, a coerção industrial como heroína nos EUA e na Europa, aumentan-
estabeleceu como principais alvos o sexo e as do os índices do uso de drogas em todas as na-
drogas, inclusive o álcool. Inicialmente, os Es- ções. Essa situação tem uma clara relação com
tados Unidos da América (EUA) proibiram a a organização do tráfico, através da formação de
venda do ópio (1909), cocaína e heroína (1914) cartéis na Colômbia, Peru e Bolívia, o que leva à
e bebida alcoólica (1919), esta última com lei hipótese de uma simbiose entre interesses do Es-
revogada em 1933 (DELMANTO, 2013). tado e do narcotráfico:
Nesse contexto, fica explícito que o proibi- sor, acaba por criminalizar a pobreza e agir de
cionismo reflete as contradições da sociedade forma coercitiva para o controle da popula-
e as desigualdades entre as classes sociais, uma ção, produzindo a manutenção deste status
vez que a guerra às drogas acaba por ter como quo (DELMANTO, 2013). No Brasil, o grande
principal alvo a população pobre. Desta forma, número de pessoas aprisionadas por envol-
determinados grupos obtêm grandes lucros vimento com o tráfico de drogas é oriundo
com o comércio ilegal. O Estado, por sua vez, das camadas menos favorecidas socialmente,
ao assumir um discurso moralizador e repres- como demonstra a pesquisa de Rocha (2016).
2
Dados divulgados pela equipe Direito, na síntese da pesquisa Infográfico: O Brasil atrás das grades, divulgada em junho de 2012, com coleta de
dados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Disponível em: <www.brasildefato.com.br/node/11078>. Acesso em: 17 jul. 2014.
mando 134 mil presos. Destes, significativa parcela esteve em medida socio-
educativa antes dos 18 anos por tráfico de drogas e ao completarem 18 anos
totalizam, na atualidade, 125 mil presos neste delito (ROCHA, 2016, p. 145).
É importante enfatizar, portanto, que no Bra- ponderantes para estabelecer o que se conven-
sil a opção punitiva e proibicionista tem lançado cionou chamar de narcotráfico.
um véu sobre um quadro de desigualdade social, O paradigma proibicionista é composto de
de desemprego, do empobrecimento geracional duas premissas fundamentais, segundo Fiore
de certos segmentos sociais que são fatores pre- (2012):
Assim, cabe ao Estado agir em duas fren- deduz-se que prevenir drogas é, fundamental-
tes: impedir a produção e o comércio dessas mente, esclarecer seus malefícios. A premissa é
substâncias e reprimir seus consumidores. de que, de posse destas informações, os jovens
No entanto, como mostram outras pesquisas, se afastariam delas. Com base na segunda pre-
como a de Rocha (2014), os discursos ideologi- missa, de caráter punitivo, a prevenção acaba
zados com base no proibicionismo fazem com por produzir o amedrontamento frente ao seu
que adolescentes, que acabam tendo como uso, visando aos que ainda não iniciaram a ex-
modo de sobrevivência o trabalho no tráfico perimentação e à patologização daqueles que
de drogas, ganhem status de traficantes peri- já fazem uso, sem discriminar diferenças entre
gosos ou perigosas e recebam estigma de ini- padrões de uso e de trajetórias pessoais e con-
migos sociais, justificando a criminalização da textuais.
juventude pobre, enquanto a de classe média/ Essa lógica desconsidera a multideter-
alta não é discriminada e a ela é atribuído o minação envolvida no uso da droga, que vai
status de usuários que devem ser cuidados e muito além do simples acesso à substância e
protegidos. Ou seja, para pessoas criminaliza- seus potenciais efeitos, pois envolve caracte-
das pelo tráfico de drogas, oriundas das clas- rísticas pessoais, familiares, do contexto social
ses menos favorecidas, existe uma sociedade e comunitário. Além disso, desconsidera uma
punitiva que as coloca nas prisões, mas para premissa psicossocial fundamental: o medo é
as de classe média/alta existe outro entendi- produtor e potencializador de vulnerabilida-
mento, são vistas como usuárias e precisam des psicológicas, sendo que estudos mostram
de tratamento médico. De certa maneira, uma que na base do uso problemático de drogas há
sociedade mais solidária para os ricos e outra uma forte correlação com as vulnerabilidades
punitiva para os pobres. psicológicas e sociais (MARTINS; SCHNEI-
O corolário lógico do proibicionismo es- DER, 2016). Sendo assim, causar medo pode
tatal reflete-se nos modelos preventivos hege- produzir um efeito inverso, por aumentar a
mônicos na atualidade, a chamada “pedagogia curiosidade e a vulnerabilidade juvenil, po-
do terror”. Com base na primeira premissa dendo induzir ao uso.
PARTE 2
SUBSÍDIOS PARA A
ELABORAÇÃO DE PROJETOS
DE PREVENÇÃO ESCOLAR
4
PASSOS PARA A
ELABORAÇÃO DE PROJETOS
DE PREVENÇÃO NA ESCOLA
A
gora é chegada a hora de você juntar- guns indicadores já validados para a elaboração
-se com seus colegas e com a equipe de projetos de intervenção na temática.
de gestão e pensar na possibilidade da As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
elaboração de um projeto preventivo para a Educação Básica asseguram a necessida-
ao uso de drogas para a sua escola. Serão desen- de da integração entre as dimensões de educar e
volvidos a seguir alguns passos necessários para cuidar, ao estabelecer um diálogo frutífero entre
a elaboração de um projeto de qualidade e que educação e saúde (BRASIL, 2013a). Esse princípio
alcance bons resultados. Para tanto, serão desta- de ação integral norteia a Política de Educação,
cados os princípios da Política de Educação, Pre- Prevenção, Atenção e Atendimento às Violências
venção, Atenção e Atendimento às Violências nas nas Escolas da SED de Santa Catarina.
Escolas, da Secretaria de Estado da Educação de Esta política recomenda alguns procedimen-
Santa Catarina (SED/SC), que norteia as ações tos a serem adotados para efetivar ações sistemá-
desta proposta, assim como serão descritos al- ticas de prevenção nas escolas:
ALGUMAS
PROCEDIMENTO DESCRIÇÃO
INDICAÇÕES
Tomando como ponto de partida as referi- lecidos pela literatura especializada (BECOÑA,
das orientações, são indicados, a seguir, passos 1999; MARLATT, 2000; BARBOSA; PEREIRA:
para a elaboração de um projeto de prevenção, OLIVEIRA, 2014; SCHNEIDER; VON FLACH,
com base em critérios de qualidade já estabe- 2017).
CONSEGUIMOS REALIZAR?
SIM OU NÃO?
INDICADORES
SE NÃO, COMO TENTAR
INCLUIR ESTES ASPECTOS?
1. Ser realista e possível, contando com um planejamento estruturado
a partir dos recursos disponíveis na sua escola, da análise da sua rede
interna e externa, como já visto, ao tomar como base o contexto social,
político, econômico da comunidade-alvo.
2. Planejado como algo sistemático e não pontual, garantindo sua inclusão
no projeto pedagógico da escola e com enfoque em sua continuidade ao
longo do calendário acadêmico.
3. Ser desenvolvido, de preferência, a partir de uma construção
coletiva dos participantes no contexto escolar (professores, técnicos/
especialistas, gestão, educandos, familiares).
4. Direcionado a um tipo de população específica. Nesse sentido, é
importante fazer um levantamento de dados entre os escolares, seus
fatores de risco e proteção, para se ter clareza de quem deve ser
abordado e que nível de prevenção se faz necessário neste projeto.
No Caderno de Orientações para construção de projetos do Curso de
Prevenção Educação a Distância (EAD) para educadores de escola pública
(SEIDL; LEITE; SUDBRACK, 2014), há um instrumento, intitulado “Termômetro
de risco e proteção”, que pode ser utilizado para esta atividade.
?? programas voltados para a constituição de habilidades para a vida têm tido boa
eficácia. Incluem a intervenção em: autogestão pessoal (solução de problemas,
manejo de emoções, aquisição de metas e projeto de vida); habilidades sociais (co-
municação, interações sociais, relacionamento entre sexos); habilidades e conheci-
mentos específicos (conhecimento crítico, pensamento criativo, vínculo cultural).
Uma vez desenhado o projeto preventivo da A seguir, serão descritas ações voltadas para a
sua escola, busque discutir, com o Núcleo de Edu- prevenção ao uso de drogas pautadas em nível de
cação, Prevenção, Atenção e Atendimento às Vio- atenção e cuidado, conforme previstas na Política
lências na Escola (NEPRE), formas para sua susten- de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento
tabilidade e continuidade. às Violências nas Escolas.
5
ATENÇÃO NA ESCOLA:
BUSCA DE SENTIDO E
QUALIDADE DE VIDA
A
escola tem um papel decisivo quanto nas turmas com presença de usuários na pers-
à atenção ao uso de drogas entre ado- pectiva de alternativas para projetos de vida. Caso
lescentes. A aproximação de jovens haja confirmação do uso de drogas, a família deve
com as drogas dá-se de forma consi- ser envolvida com providências pensadas em
derável através de grupos. Os contatos sociais fei- conjunto de acordo com o grau de comprome-
tos dentro das escolas, muitas vezes, demarcam timento apurado. Não é incomum que a família
a presença de gangues e fazem dessa instituição reaja com desejo de punir, inclusive com castigos
uma das vias de acesso fácil de adolescentes às físicos3. Compete à escola explicitar, informar, es-
drogas (ABRAMOVAY, 2002). clarecer e ajudar a encontrar formas mais eficazes
Não raro, ao ter contato com drogas lícitas/ilícitas, para ajudar esse ou essa adolescente a reverter seu
adolescentes têm seu rendimento escolar diminu- uso e contato com as drogas. Além disso, buscar
ído, pois o centro de interesses passa a ser outro. orientações em entidades que já tratam de ado-
Costumam ainda trocar o grupo de amizade ou lescentes em risco e fazer o encaminhamento da
isolarem-se. Muitas vezes, essas mudanças dão-se família.
de forma gradativa, mas, de modo geral, aconte- Compete aos Núcleos de Educação, Prevenção,
cem de uma hora para outra. Elas podem, ainda, Atenção e Atendimento às Violências na Escola
estar associadas a outros fatores, por isso há que (NEPRE)/Escola estudar essas formas de inter-
se ter cuidado com a forma de abordar a questão, venção para melhor orientar as famílias. Ter um
sem, no entanto, postergá-la. corpo de profissionais preparados para intervir no
Levantar informações mais precisas sobre o ou a problema em questão, atender às solicitações no
adolescente (família, amigos, notas, esporte) é o momento oportuno, estimular a criação de víncu-
primeiro passo a ser dado quando tais mudanças los, acolher e escutar, privilegiar o diálogo, respei-
são percebidas. Num segundo momento, chamar tar e fazer a comunicação com a família permite
o ou a adolescente para uma conversa e abor- a atenção necessária para quando a educação e a
dar o tema de maneira clara e direta, explicitan- prevenção não foram suficientes.
do que suas alterações estão sendo percebidas e É sabido que a falta de conexão de adolescentes
que a escola tem verdadeiro interesse em ajudar com projetos de vida que lhes atribuam um novo e
caso esteja vivenciando dificuldades, sejam elas bom sentido é fator estimulante para o uso e abu-
de que ordens forem. Escutar com atenção o ou a so de drogas. Então, ter propostas para que esta
adolescente e fazer perguntas diretas sem rodeios, conexão ocorra é fundamental e sempre surtirá
inclusive sobre o uso de drogas, faz parte do pro- um efeito maior se a família estimular adolescen-
cesso. tes em compromisso e parceria com a escola.
Para além do atendimento individual, como já foi Reafirma-se o entendimento dado ao termo “aten-
assinalado, este é um tema de abordagem contí- ção” na Política de Educação, Prevenção, Atenção
nua para todos os estudantes e deve ser reforçado e Atendimento às Violências na Escola.
3
A Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014, conhecida como a Lei da Palmada ou Lei Bernardo, proíbe qualquer tipo de castigo físico em crianças e
adolescentes.
Num mundo em que as pessoas buscam cada acompanhar os professores em outras turmas de
vez mais o sentido e o prazer de viver, muitas pro- anos anteriores, por exemplo, auxiliando aque-
curam nas religiões, nos esportes, nos jogos, na les que têm mais dificuldades; produzir grupos,
política, na família, no consumismo e também orientados por profissionais da escola, que pos-
nas drogas o amparo de que necessitam. Nessa sam se responsabilizar por estudantes mais jo-
busca de prazer e satisfação, explicada pelo pró- vens no acompanhamento de tarefas e organiza-
prio sistema social, o excesso de consumo entra ção dos materiais escolares e formas de estudar.
como uma forma de suprir as necessidades do Incentivar os grupos de jovens, os grêmios
indivíduo, sejam elas biológicas, estéticas, afeti- estudantis, as bandas, os times esportivos, gru-
vas ou aquelas artificialmente criadas através de pos de dança, teatro, capoeira, artes marciais,
propagandas da mídia em geral. Para o ou a ado- etc. são dinâmicas que colocam os adolescentes
lescente em especial, que quer se integrar ao gru- em interação, sentindo-se sujeitos de sua própria
po e sente a necessidade tão humana de aprova- história. É preciso que sua vida tenha significa-
ção, por simples curiosidade, ou para atender a do para ele ou ela e para outros, e que encontre
essa necessidade de consumo, fazer uso de dro- acolhimento para as suas questões existenciais,
gas lícitas ou ilícitas é uma das alternativas para em especial quando não for possível encontrar
não se sentir excluído ou excluída. respostas imediatas. Que sua sexualidade e afe-
Como educadores, o que se propõe aqui tividade sejam compreendidas e respeitadas. Le
como uma das alternativas é a abordagem edu- Breton (2009) ensina que adolescentes se pro-
cacional. Mas para ser atrativa a adolescentes, jetam no mundo com o corpo, assim, toda ati-
hoje conectados e vivendo num mundo globa- vidade física e estética também são alternativas
lizado, a escola deve ser atraente, também co- importantes por colocar este corpo em questio-
nectada com as transformações do mundo mo- namento, em movimento, produzindo autoesti-
derno. Uma escola que venha a responder aos ma e aportando novas e boas referências fora dos
anseios destes adolescentes, que os compreenda padrões impostos midiaticamente.
e os acolha nas suas especificidades. Os processos de produção de identidade exi-
É preciso que o ou a adolescente se reconheça gem a possibilidade de se ver com projeto, com
na escola e que esta o ou a acolha na sua diversi- importância social. Muitas vezes essas possibili-
dade étnica, religiosa, de gênero, de classe. A es- dades estão limitadas pela falta de alimento, saú-
cola que acolhe, ouve, respeita, propõe, desafia e de, vestimenta, moradia e afeto, situações que
constrói parceria com as famílias pode se tornar ultrapassam a escola em sua função, mas que
um importante espaço/estratégia de combate ao podem por ela serem mobilizadas acionando os
uso de drogas. É preciso lembrar o que ensina Le parceiros da rede de proteção social, como indi-
Breton (2009), que a percepção do perigo é produ- cado no caderno de Política de Educação, Pre-
to de aprendizagem, que ao assimilar a educação venção, Atenção e Atendimento às Violências na
recebida é que o adolescente aprende a mover-se Escola.
melhor em sua vida pessoal e a forjar modos de A teoria das condutas de risco permite ver
defesa para os perigos que o rodeiam. que o sim para as drogas provém, muitas vezes,
Investir no protagonismo de adolescentes, de sofrimento em aceitarem-se frente a padrões
tendo presente que a orientação de pessoas adul- que lhes são impossíveis, o que gera uma grave
tas mais experientes é imprescindível, constitui- desconexão com o mundo. Através das drogas
-se em boa estratégia de promoção de saúde. Pelo o adolescente tenta simbolizar um lugar no seio
protagonismo, sentem-se valorizados, ouvidos e social. Como adultos é possível dimensionar o
reconhecidos. Neste contexto, estão inúmeras al- preço deste sim às drogas, mas adolescentes não
ternativas, tais como: torná-los valorizados pelo conseguem alcançá-lo com realidade. Neste sen-
estudo, produzindo estratégias para que possam tido, uma ação mais pragmática de lhe oferecer
socializar as aprendizagens com quem sabe me- meios, caminhos, saídas é absolutamente neces-
nos e propor, em troca, que o outro ensine algo sária.
que domine dos saberes escolares; propor mo- Assim, entende-se ser pertinente destacar al-
nitoria em que estudantes adolescentes possam gumas importantes abordagens no ambiente es-
colar. Ao se defrontar com uma situação de abu- CATARINA, 2011) e a rede intersetorial de aten-
so de drogas, é importante oferecer acolhimento dimento.
e dispor-se a buscar com o ou a adolescente o Dessa forma, as medidas a serem tomadas
encaminhamento da situação, conforme orien- para que a ação ocorra de forma mais efetiva e
ta a Política de Educação, Prevenção, Atenção educativa devem ser diretas e objetivas, conside-
e Atendimento às Violências na Escola (SANTA rando:
?? que o estudante é assíduo, mas que parece ir mais para socializar-se com outros
estudantes do que para aprender;
?? que é repetente por duas vezes na escola;
?? há, por parte dos profissionais da escola, desconfiança de que o estudante fume
maconha inclusive no banheiro da escola com certa frequência;
?? o estudante envolve-se em brigas com outros estudantes, que costumam ofendê-lo;
?? que a escola não desenvolveu nenhum tipo de ação pedagógica com os estudan-
tes para prevenir o uso de drogas;
?? que em função do uso de maconha e episódios de violência envolvendo SR, soli-
citou, através do Conselho Tutelar, o agendamento pelo posto de saúde de aten-
dimento psicológico ao aluno;
?? que o professor está temeroso de retornar à escola e quer se desligar.
“Escola é…
O lugar onde se faz amigos
Não se trata só de prédios, salas, quadros,
Programas, horários, conceitos…
Escola é, sobretudo, gente,
Gente que trabalha, que estuda,
Que se alegra, se conhece, se estima”
(Paulo Freire)
P
aulo Freire convida a pensar a escola de aprender com elas.
além dos muros, das salas, dos qua- Sendo um lugar de pessoas e de relações, apre-
dros, dos programas, dos horários, dos senta-se como um lugar de representações sociais,
conceitos e do currículo. Para o educa- contribuindo tanto para a manutenção quanto
dor, a escola não é apenas uma instituição que a para a transformação social (FREIRE, 1996).
humanidade elegeu para socializar o saber siste- A assertiva apresentada no Caderno Pedagó-
matizado. Tampouco é só um espaço físico, um gico “Reflexões para implementação da Política
lugar para estudar, é, sobretudo, um espaço de de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento
gente, de conhecer outras pessoas, de fazer no- às Violências na Escola” reforça a visão transfor-
vas amizades, criar laços de amizades e também madora da escola:
Com um papel essencialmente crítico e cria- competitividade entre estudantes? Quais seriam
tivo, a escola “desponta como local privilegiado as estratégias e princípios de uma escola que
para se lidar com as diferentes formas de vio- acolhe e protege numa cultura em que os valores
lência e constituir culturas alternativas pela paz, se diluem como a água que escorre das nossas
adotando-se estratégias e princípios de uma es- mãos?
cola que acolhe e protege” (SANTA CATARINA, Uma das possibilidades para resolver essas
2015b, p. 11). questões é pensar em uma educação que tenha
Contudo, de que modo a escola pode lidar como perspectiva o reconhecimento e a aceitação
com as diferentes formas de violência e consti- do “outro como legítimo outro”, que cuida de si
tuir culturas alternativas pela paz, vivendo num cuidando do outro também, num processo de ge-
contexto em que cada vez mais se estimula a rir pessoas através da liderança ética e servidora.
[...] uma escola que protege os sujeitos que dão sentido à sua existência
como instituição social e que tem ações orientadas pela Gestão do cuidado,
especialmente na educação de crianças e adolescentes, em convivência en-
tre si e com adultos. Em uma escola que está disposta a criar espaços para
partilhar uma nova cotidianidade feita de mudanças, de persistência espe-
rançosa, de confiança na nossa obstinação por um mundo de paz (SOUSA;
MIGUEL; LIMA, 2010, p. 5).
Sabe-se que a noção de cuidado é antiga. convive com as mais variadas formas de socieda-
Diversos filósofos ao longo do tempo promove- de e está no interior das discussões nos diferen-
ram debates acerca do cuidado. A compreensão tes contextos coletivos.
do cuidado acompanha a evolução dos tempos, A noção de cuidado de si aparece com Sócra-
tes. Tanto para ele quanto para Platão o cuidado bretudo, o que ele me diz” (2010, p. 13).
de si perpassa o cuidado com o outro. Com o de- Para materializar práticas educativas inova-
correr dos séculos, a ideia do cuidado de si sofreu doras que contemplem a disposição ético-estéti-
diversas alterações. Mas foi com a moralidade ca-afetiva da convivência que reconhece o outro
cristã que ocorre o desligamento de si em bus- como possibilidade e o que ele diz, educadores
ca de uma ascensão espiritual, transformando a e educadoras precisam entender que o “comple-
subjetividade (ROBERS; PICCIN; SILVA, 2014). xo processo de ensino e aprendizagem exige a
Para Foucault (2002), não há cuidado de si produção de bons vínculos entre os professores
que não se relacione a um agir eticamente, ul- e estudantes” (SANTA CATARINA, 2015b, p. 10).
trapassa a contemporaneidade individualizan- Assim, é fundamental que a escola ultrapasse
te e normativa. Para o filósofo, o cuidado de si o paradigma tradicional e repense a relação ver-
refere-se a uma concepção de sujeito livre que, ticalizada entre professor e estudantes, a repro-
em situação de autodomínio, torna-se capaz de dução autoritária das normas, valores e práticas,
se integrar ao tecido social, colaborando para as relações de disputas e competitividade; que
potencializar relações cujo padrão ético sugere comece a abrir canais de diálogo com os estu-
cuidado não só de si, mas que vai ao encontro dantes, tornando-se efetivamente um espaço de
do cuidado com o outro. Quem cuida de modo relações de afetos e trocas entre os seres huma-
adequado de si mesmo encontra-se em condi- nos, viabilizando: uma educação cidadã, educa-
ções de relacionar-se, de conduzir-se adequada- ção que viabilize a formação do ser humano com
mente na relação com os demais. Desta forma, o base em valores essenciais à cidadania, como a
cuidado de si desempenha um papel importante democracia, a igualdade, o respeito aos direitos
no contato com o outro, para que se saiba como humanos, o reconhecimento das diferenças e o
se relacionar de maneira adequada com esse ou- respeito à diversidade humana. Estabelecer res-
tro (FOUCAULT, 2002). peito mútuo, usando autoridade com respeito
O cuidado de si passa a ser compreendido (SANTA CATARINA, 2015b, p. 10).
como uma noção ética que permite pensar uma Na medida em que a gestão assume o cuida-
estética da existência. Essa compreensão de do como princípio, a acolhida do outro passa a
ética é uma tentativa de pensar a formação da ser um valor inegociável. Este tipo de gestão en-
subjetividade a partir do cuidado de si próprio sina que, quando se lida com cenários onde as
entendido como preocupação por constituir a violências estão presentes, é necessário “ir além
própria subjetividade. Assim, o cuidado de si só é do ato de nomear, de categorizar ou classificar
possível por meio de práticas positivas, as quais suas manifestações” (SOUSA; MIGUEL; LIMA,
não só abrem a possibilidade de um caminho 2010). A prática do cuidado complexifica os mo-
singular capaz de conduzir a ação de um indiví- dos de entendimento dessas manifestações e
duo como também produzem mudanças nesse procura contextualizá-las nas redes de relações
indivíduo. em que estas são produzidas, uma vez que toda
Boff (1999) sinalizava que o cuidado é mais relação é educativa quando degrada ou promove
do que um ato singular ou uma virtude ao lado a humanidade do outro.
das outras. É um modo de ser, isto é, a forma A escola é, por excelência, o lugar onde a
como a pessoa humana se estrutura e se realiza educação ganha vida. Deste modo, ela se carac-
no mundo com os outros. Melhor ainda: é um teriza como o lugar do cuidado, razão que justifi-
modo de ser-no-mundo que funda as relações ca pensá-la no âmbito de uma gestão em que as
que se estabelecem com todas as coisas. relações se pautam pela disposição ético-estéti-
Pensando nessa perspectiva, Sousa, Miguel e ca-afectiva.4
Lima reforçam a necessidade de constituir prá- Para Sousa, Miguel e Lima (2010, p. 15-17), o
ticas educativas inovadoras que considerem a cuidado, quando entendido como pressuposto
“disposição ético-estética-afetiva da convivência da gestão, é orientado pelos seguintes aspectos
que reconhece o outro como possibilidade, so- epistemológicos:
4
A palavra “afecto”, com o “c” em destaque carrega o sentido deleuziano de que nas relações o indivíduo “afecta” o outro na mesma medida em que
é por ele “afectado”, isto é, atravessado pelo que ele produz em cada um.
Educadores e educadoras precisam, urgen- digma conservador, não pode ser um espaço de
temente, construir estratégias que promovam disputas e competitividade, precisa se tornar um
relações de segurança, confiança e respeito à in- espaço de relações de afetos e trocas entre os se-
dividualidade de cada estudante, constituindo- res humanos, fortalecendo a “Gestão do cuidado
-se um espaço de liberdade de expressão emo- com a vida” (SOUSA; MIGUEL; LIMA, 2010, p.
cional, física e criativa. 13).
A escola precisa transcender o velho para- Portanto,
Toda sociedade deve assumir o compromis- munidade em que vive e na sociedade em geral.
so ético de cuidar de suas crianças e adolescen- Lembrando que os fatores de proteção e risco
tes e, portanto, deve empenhar-se em diminuir a também são subjetivos, não se aplicando da
probabilidade do(a) adolescente e/ou jovem en- mesma forma em todos os sujeitos.
volver-se com as drogas em um contexto de pro- Nesse sentido, Sudbrack e Dalbosco (2005)
moção de saúde, zelando pelo desenvolvimento apresentam os fatores de proteção como as re-
integral dos jovens. A escola, por sua vez, precisa lações de respeito mútuo, compromisso e co-
engajar-se nessa tarefa. Mas como tornar-se um operação entre os agentes educativos, relações
espaço de proteção e cuidado? amistosas e de cooperação entre família e escola,
Os fatores de proteção (situações que redu- promoção de práticas escolares criativas e esti-
zem os fatores de vulnerabilidade e comporta- mulantes, fortalecendo os vínculos entre estu-
mentos de risco) e risco (situações que aumen- dantes, escolas, pais e a comunidade, relações
tam a probabilidade de adolescentes assumirem baseadas no respeito, confiança e solidariedade.
comportamentos de risco), como visto anterior- Como fatores de risco dentro do domínio esco-
mente, estão na própria pessoa, na sua família, lar, podem-se citar: falta de diálogo, relações des-
nos seus amigos, na escola, no trabalho, na co- respeitosas e preconceituosas, ausência de rela-
7 CONSIDERAÇÕES
A
abordagem da temática “drogas” volvimento. Destaca também que nenhuma
não é tarefa fácil, inclusive no am- criança ou adolescente será objeto de qualquer
biente escolar. Porém, sua discus- forma de negligência, discriminação, explora-
são não pode ficar ausente do cur- ção ou violência, assegurando ações que visam
rículo se se pretende fazer uma educação para a proteger e cuidar desses sujeitos, inclusive
este tempo histórico. em relação às drogas de forma ética, dialética
É importante destacar que a complexida- e permanente.
de do problema vai muito além do consumo Foram delineados, aqui, alguns norteado-
por adolescentes. Envolve questões políticas e res para que a escola construa projetos de pre-
sociais, e, diante desse contexto, o discurso do venção ao uso de drogas baseados em alguns
medo mostra-se ineficiente. Desta forma, um indicadores importantes de qualidade.
diálogo direto, crítico, despido de preconceitos Porém, além dos aspectos elencados no ca-
indica uma prevenção e abordagem do tema derno, é importante que a escola fortaleça os
mais pertinente. direitos humanos, pense em novos modos de
O Estatuto da Criança e do Adolescente romper com os ciclos de violências, construin-
(ECA), como marco legal de proteção integral do mecanismos mais eficazes de enfrentamen-
com prioridade absoluta, auxilia na descons- to ao uso e abuso de drogas, fortalecendo os
trução de estereótipos relacionados à adoles- fatores de proteção junto à família e à comuni-
cência, entendendo como pessoa em desen- dade, projetando o futuro e valorizando a vida.
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